A minha visita à exposição “Les Magranes” deu-me asas
para escrever esta história fabulosa que, aqui, partilho:
Há muito encerradas sobrevivem
em grandes e paradisíacos jardins, esvoaçando as abelhas zunem até S. Pedro surgir dos confins e lhes dar a chave da liberdade. (1) A porta do Paraíso de imediato aberta, ser despido exibe na sua jovialidade logo deixando toda a Terra em alerta… Tocando violino, surgem querubins (2) enquanto um porco anafado é coroado como real senhor para outros fins… O peru aprecia a cena com ar emproado, mas “Carpe Diem” lhe dão por conselho que breve chegará a hora de ser degolado para faustoso banquete no palácio velho onde enorme olho sobre o portão vigia (3) os elegantes cavalheiros à entrada e o focinho do cãozito, por magia, mostra risonha cara de homem assustada… Na sala do palácio inicia-se a orgia (4) entre muitos convidados de fina postura onde eminente bispo sua balança perdia para bem comer esquecendo a gordura. Dá gargalhadas seu macaco, iletrado, sob a dourada coroa da hipocrisia onde o dia a dia ordenado e regrado impede clérigos de tamanha regalia. Pelos jardins do palacete deambulando, (5) entre flores, lebres falantes aparecem que ao ouvido do jovem sussurrando, corpo de elegante centauro lhe oferecem. Apoiado no frio mármore da coluna, o jovem com a mulher tatuada se deleita (6) pensando que a lebre falante foi oportuna erguendo saia que esconde tatuagem perfeita. Escondidos, os leões, guardiães daquele templo, empunhando a adaga e de olho oculto protegem o Belo neste sui generis exemplo onde até a máscara é verdadeiro insulto. Mais adiante, no jardim, entre o arvoredo (7) esbelta deusa surge com cabeça de veado colhendo maduras romãs em segredo, lembrando sua fertilidade e o sagrado. O majestoso palacete abandonado, fecham-se os portões a sete chaves e novo olhar por primata é facultado recaindo na cidade, em seus enclaves… (8) Descobre-se então um fogo incandescente em improvável local, no centro do pátio real onde um esbelto centauro impunemente corpo feminino enverga, talvez, ideal para o rei que, de pássaro disfarçado, sorri de excitação, pousado no gradeamento. O fogo tudo destrói, mas a água vem renovar (9) e a voz da sereia se escuta – qual encantamento! - pretendendo a rota de Ulisses fazer desviar… Todavia, ao longe, Penélope de olhar atento, esconso nas cordas da lira que vai dedilhando anseia que seu amor consiga seu intento e em bom porto sua frota vá entrando. Quando a noite o seu véu deixa cair, (10) a coruja surge e pia grávida de sabedoria fazendo na almofada conselho sobressair e a jovem dama aceita-o com grande alegria e, ao som da flauta, sua volúpia faz ouvir. Mas escuta a Esfinx acordes voluptuosos (11) e com seu corpo de leão mais distendido tendo máscara tapando seus olhos gulosos permite que um olho de leão escondido mire na Llacuna Estígia a ninfa navegando. (12) Estige, a ninfa, viaja no Hades, rio infernal, e uma quente xícara de chá vai saboreando; voga sua canoa mostrando a caveira do mal que, à proa, sorri sob ténue luminosidade, cativando insetos e borboletas coloridas que esvoaçam ao sabor da sua efemeridade, enquanto um pelicano no rio faz investidas buscando alimento nos distraídos bichos. Porém, um olho no lado da barcaça está atento aos que na vida deixaram seus caprichos para na infernal canoa tomarem assento. A noite vai descendo seu manto de estrelas (13) e, no arquinho da lua um homem, hipnotizado, se senta, admirando o ondular sem mazelas que o lençol azul do mar tem desdobrado. Todavia, na Llacuna Estígia, descobre (14) nas suas margens, entre folhagem verdejante, esperando a barca, duas damas de porte nobre exibem do amado o coração, com ar petulante, entre suas mãos, encobrindo o olho da inveja enquanto revelam a chave que abre o coração… Mentira! Não há chave que supere tal peleja! Roubar corações é crime! É pecado mortal. Por isso as damas aguardam a barca infernal! Então às mãos de S. Pedro a chave regressa abrindo as portas a quem boa vida professa.