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DA ARTE NA CIDADE
À CIDADE-ARTE

As cidades são a maior construção do génio humano – as CÁ.. PELA CIDADE deambulou o olhar atento e dessacrali-
cidades, todas, ao longo dos 3 milénios em que sucessivas zador (como convém) do meu amigo (e Senhor de muitas
civilizações nelas plasmaram a sua cultura, a sua identidade, artes) Professor Doutor Afonso Pinhão Ferreira, que, em
a sua alma. homenagem à Póvoa que o acolheu há tantos anos quantos
a sua condição de cidade, nos brinda com a reconstrução
As cidades são – elas mesmas, nas ruas/veias da sua vida – o de símbolos e figuras maiores da nossa identidade, do
retrato de quem as vivifica: retilíneas ou sinuosas, abertas ou passado e do presente – sim, que também hoje, numa con-
fechadas, rastejantes ou levantadas, ou um pouco de tudo isso tinuidade tão forte quão impercetível, nos representamos
– sim, elas são, na plasticidade do seu desenho, expressão da na arte que fazemos.
idiossincrasia coletiva, que se impõe, poderosa, à observação
instantânea, dispersa e fragmentada de quem lhe é estranho.
Estas são as cidades-arte, aquelas que, sendo almas esculpidas
no espaço público, se distinguem por uma identidade que Aires Henrique do Couto Pereira
as torna únicas, irrepetíveis e imortais. Em tempos de mas- Presidente da Câmara da Póvoa de Varzim
sificação cultural, que até invade e padroniza o urbanismo, Novembro 2023
estas são as cidades que vale a pena conhecer e a que é
tentador voltar – as outras, progressivamente iguais entre si,
não passarão de sítios a ignorar.

Na sua unidade orgânica e cultural, as cidades-arte consen-


tem e estimulam tantas leituras quantos os olhares de
quem as habita ou visita: a diversidade de perspetivas
(expressão das facetas que mais despertam a sensibilidade
individual) só enriquece e fortalece a unidade do conjunto,
em cujos valores (agregadores) e símbolos (identitários)
todos se revêem.

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DA CASA QUE NOS
A(/ES)COLHE

Imediatamente após o nascimento e sua milagrosa inerência, Desta tão intensa relação, uma das contempladas fui eu.
tendemos a desaprender a solidão. Somos família, pertença, Adrego, ora. Agora, esta Póvoa é minha também. É com
comunidade. Somos adoptados por um(a) póvo(a). indizível felicidade que a vejo retratada nas suas peculiarida-
des, tão dela, tão nossas, tão belas; acrescendo que pelo meu
Num primeiro momento, a nossa póvoa é apenas o regaço pai, que ma ofereceu.
materno, por ser o que pobremente entendemos. Somos dois,
mas não temos consciência dessa modéstia, que tão natural- A nossa cidade já cumpre cinquenta anos de reconhecimen-
mente nos assenta. Brevemente seremos mais. Gradualmen- to protocolar, mas cabe dizer que era já póvoa antes disso.
te muitos mais. São as faces, os cheiros, os locais, os gostos, as E penso que é isso que aqui se intenta mostrar. É feita de
imagens, os sons, enfim: a sinestésica malha da Vida. gentes, costumes, actos culturais e sociais, e de toda esta rede
intrincada de relações, sensações e emoções da qual uma
As nossas póvoas são, frequentemente, contingentes. Não comunidade é costurada.
dependem necessariamente de uma escolha mediada pela
nossa razão, ou preferência. Às vezes são só juízo alheio, remate
ocasional, e portanto não se lhes consegue adivinhar a fortuna. Parabéns minha querida, querida Póvoa, Ala-Arriba!
Há póvoas que vêm literalmente a calhar. Se não cumprissem
em satisfação e mérito, pois que não seriam póvoas.
Parabéns papá, sem ti não existiria para mim póvoa, nem
Há indivíduos, os venturosos, que coleccionam mais póvoas tampouco Póvoa.
que as costumeiras. Sujeitos que, além da mãe, da família e da
terra que elegem (ou lhes é disposta) para tentar prosperar, Elisa Pinhão Ferreira
agregam ainda outros redutos. Convém alinhavar que não só
de sorte se revestem estes casos, mas de apreço, respeito e
reciprocidade.

O Afonso não escolheu a Póvoa, mas ela, ainda que recém-


-renascida em novo estatuto, acolheu-o. E enquanto juvenil e
airosa moça se ia pondo, mais o Afonso se enamorou dela e
mais à garota se dedicava . A Póvoa viu, a Póvoa reconheceu, a
Póvoa respondeu. Uma permuta tão bonita e justa, sobejando
o benefício.

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CÁ... PELA CIDADE

A trigésima exposição da Galeria D’Arte Ortopóvoa, apresenta que têm uma presença bastante forte e que mostrando
uma exposição individual do Artista Plástico Afonso Pinhão a primazia e a qualidade da pintura do Pintor con-
Ferreira, intitulada “Cá... pela Cidade”. De referir de imediato seguimos reconhecer todos os elementos do grupo.
que esta mostra surge no âmbito das celebrações do cin- Nessa descoberta da pintura somos levados a descobrir
quentenário da atribuição do estatuto de cidade à Póvoa de também que o logotipo do coro está no canto superior
Varzim. As comemorações estão a decorrer de 16 junho de direito. Trata-se de uma composição perfeita!
2023 a 16 junho de 2024.
Um núcleo de pinturas bastante pertinente nesta mostra e
Assim, o projecto artístico e o projecto curatorial apresentam de uma qualidade pictórica excelente e fresca na sua prática
quinze obras, desde pinturas a óleo e acrílico sobre tela a artística, são as quatro telas, intituladas respectivamen-
esculturas em bronze. Todo o trabalho de produção artística te de “11 horas em 16 de junho de 1973”, “Gaivotas poveiras”,
foi muito bem pensado, estudado e delineado para o espaço “Mar da Póvoa 1” e “Mar da Póvoa 2”, são trabalhos de média
expositivo, mas acima de tudo foi delineado para prestar dimensão, mas com uma carga afectiva muito importante
tributo à Cidade. Poder-se-ia quase dizer que se trata de nessa ligação do autor à cidade e efectiva na sua afirmação
uma exposição etnográfica, citadina e social. do grande Pintor que é. A pintura “11 horas em 16 de junho
de 1973”, transporta-nos para um local específico da cidade
Como breve nota biográfica do autor e que o coloca na e para as memórias de Afonso Pinhão Ferreira, onde às 11
Cidade, de referir que Afonso Pinhão Ferreira, natural de horas o mesmo esperava pelo autocarro para ir da Póvoa
Condeixa-a-Nova, foi para Vila do Conde aos três meses onde estudava para Vila do Conde onde residia. Logo, somos
de idade, para dar continuidade ao percurso de vida e à convidados a visitar o local, e a criar laços com o quiosque
escolha do seu pai António Augusto Ferreira e da sua mãe e posteriormente também a sentarmo-nos na praia para
Maria de Fátima Pinhão. contemplar o mar.

O projecto expositivo é bastante heterógeno, como deve O Prof. Doutor Luís Filipe de Sá Cesariny Calafate, figura
ser quando se pretende homenagear uma Cidade e as de referência do panorama da cultura foi escolhido para
suas gentes. Assim e tomemos como exemplo duas obras homenagear a camisola poveira. O modelo que se identifica
do autor, a “Tricana”, escultura de bronze, que representa de imediato e que posou indirectamente para o pintor, serve
a comunidade piscatória e o “Coro Capela Marta” que também de modelo para apresentar a camisola. Esta tem a
representa a parte erudita da cidade. Há de facto uma preo- sua origem no primeiro quarteirão do século XIX e trata-se
cupação em homenagear o Coro e o seu fundador, António de um artigo do concelho certificado e com Indicação
José Gomes Júnior (mais conhecido como Marta). De dar Geográfica Protegida. Nesta obra a pincelada de Afonso
nota que “Associação Cultural Capela Marta”, foi fundada reforça o ponto cruz da camisola de lã branca de fio grosso,
na Póvoa de Varzim a 19 de março de 1951. Actualmente o da zona da Serra da Estrela, e as cores da paleta do pintor vão
Coro Capela Marta, tem como Maestro, Tiago Pereira (Póvoa ao encontro das cores utilizadas que são três: o branco (a cor
de Varzim, 1987) uma figura imprescindível para o sucesso da malha), o vermelho e o preto (bordadas sobre a camisola,
do coro, e que na pintura do autor tem uma presença muito a ponto de cruz).
subtil, contrapondo-se aos vinte e cinco elementos do coro

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Neste projecto artístico, também não se poderia deixar O meu agradecimento ao meu Amigo Afonso Pinhão
de prestar tributo à gastronomia poveira e à Confraria dos Ferreira pela oportunidade de trabalhar novamente com
Sabores Poveiros, como a Rabanada à Poveira e a Pescada a sua Obra. E um agradecimento especial à equipa que
à Poveira. Pinturas que são enquadradas por molduras que acompanhou a produção desta mostra, à Dra. Margarida
servem ao espectador os sabores tradicionais e típicos da Lessa e ao Designer Acácio Viegas.
cidade. As molduras no percurso do autor e, em particular
nesta exposição, complementam e fazem parte da pintura. José Rosinhas
Falamos de arte contemporânea e de como levar o Outubro 2023
pensamento e a criatividade ao máximo.

Continuando num processo de apresentação das obras, in-


troduz-se nesta mostra uma das figuras mais representati-
vas da cidade da Póvoa de Varzim, o pescador sardinheiro,
herói salva-vidas, Cego de Maio (1817 - 1884) e que é home-
nageado numa escultura de bronze pelo Pintor/Escultor
Afonso Pinhão Ferreira. Deve-se salientar mais uma vez, a
qualidade ímpar do génio artístico e da composição escul-
tórica. Temos uma figura central, o Cego de Maio, que salva
uma embarcação e faz o enquadramento da composição
escultórica, onde a água - o mar - faz a ligação à base da
escultura. Se associamos o mar a uma força da natureza
temos de avaliar esta obra como uma das Obras do percurso
artístico do autor.

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Coro Capela Marta
Acrílico sobre tela, 140x 180 cm, 2023

Pormenor da obra

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António José Gomes Júnior
(Marta)
Acrílico sobre tela, 140 x 80 cm, 2023

8
Professor Doutor Luís Filipe de Sá Cesariny Calafate
(A camisola Poveira)
Acrílico sobre tela, 90 x 80 cm, 2023

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Dr. Carlos Costa
(Guitarrista Poveiro)
Acrílico sobre tela, 90 x 80 cm, 2023

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Governador Rotário
Manuel João Madureira Pires
(1993-1994 / 1997-1998)
Óleo sobre tela, 70 x 60 cm, 2023

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José Alberto Ribeiro Cadilhe
Acrílico sobre tela, 70 x 60 cm, 2023

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“A arte dá-me um sentido à parte,

A arte é procura que vira aventura,

A arte é esmero que mata o desespero e destreza que destrói a tristeza,

A arte é rutura que dá abertura, exagero sem vitupero e proeza com certeza,

A arte cativa com mensagem criativa, é morfina porque alucina,

desprendimento sem tormento e desatino quase divino,

A arte é a métrica da poesia, a linguagem da imagem que extravia,

é conjetura que dura e tem assinatura.”

Afonso Pinhão Ferreira, Lusitano Afonso.


Rabanada à Poveira
Óleo sobre tela, 49 x 60 cm, 2023

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Pescada à Poveira
Óleo sobre tela, 49 x 60 cm, 2023
11 horas em 16 de junho de 1973
Óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2023

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17
Gaivotas Poveiras
Óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2023

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Mar da Póvoa 1
Óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2023

20
Mar da Póvoa 2
Óleo sobre tela, 40 x 50 cm, 2023

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Homenagem à Tricana Poveira
Bronze, 80 x 36 x 27 cm, 2022

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Pormenor da obra

Escultura Comemorativa dos


200 Anos do CEGO DE MAIO
Bronze, 50 x 67,5 x 42,5 cm, 2018

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Sardinha Poveira
Bronze, 16 x 62 x 10 cm, 2023

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Agradecimentos:

Tiago Tedim
Petro Stepanets

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