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A Forma da Pedra
Escultura
Artista
Carlos Rodrigues
Data
15 de outubro de 2022 a 31 de janeiro de 2023
Local
Galeria d'Arte Ortopóvoa
Curadoria / Coordenação
Isabel Patim
Design
Acácio Viegas
Número de exemplares
500
Informações
+351 962 873 550
A FORMA DA PEDRA
Qual é a forma da pedra? Esgota-se no esculpir? Acreditamos que A Forma da Pedra remete-nos de forma inequívoca para a forma bruta, o
não para o escultor Carlos Rodrigues, a quem a vida proporcionou a bloco, o início, a sedução do processo de moldar e esculpir o mármore,
observação, e o tempo ensinou a leitura, dos segredos dos enormes o momento da aproximação do escultor num diálogo anunciado em
blocos de mármore. Saberes desvendados e retidos na oficina da sua ferramentas, imagens e desejo de representações escultóricas com
memória neste diálogo com tão nobre matéria, o mármore. discursos da natureza, da criação, da mulher, do ciclo da vida, no que
imaginamos ser a descrição de Rodin quando traça a arte de esculpir:
São inúmeras as referências de autores que nos ocorrem quando “Eu escolho um bloco de mármore e dele retiro tudo o que não preciso.”,
pensamos no mármore e nas suas metáforas, sejam literárias, políticas ou Michelangelo Buonarroti, “Como faço uma escultura? Simplesmente
ou religiosas. Recorda-se o escritor Richard Bach sobre a existência retiro do bloco de mármore tudo o que não é necessário.”
terrena: “Quando iniciamos a vida, cada um de nós recebe um bloco de
mármore e as ferramentas necessárias para convertê-lo em escultura. Carlos Rodrigues esculpe as formas da pedra revelando aos nossos
Podemos arrastá-lo intacto a vida toda, podemos reduzi-lo a cascalho ou olhos o que os seus já veem quando molda a escultura, em harmonia
podemos dar-lhe uma forma gloriosa.” As peças escultóricas de Carlos com a existência prévia da mármore parida da terra, sem apagar a
Rodrigues celebram a natureza e a vida humana de forma aparentemente forma feita perfeita na aparente imperfeição, recordando-nos o escritor
imperfeita, confrontando-nos com a sua força, resistência, complexidade, e filósofo Aldous Huxley quando refere que “O silêncio está tão repleto
diversidade, nobreza e beleza aqui feitas matéria. de sabedoria e de espírito em potência como o mármore não talhado é
rico em escultura.”
A aparente imperfeição de tão nobre matéria completa a forma do
esculpir, pois exibe as marcas da própria vida da matéria-prima Como em Orlando, as flores sem fim esculpidas por Carlos Rodrigues,
que se harmonizam com a forma esculpida, num registo eterno da fervilharam a nossa imaginação. Nela nos fixámos “como um enxame de
essência do mármore, das suas marcas, antes e durante o esculpir libélulas pousa, com evidente satisfação, sobre a redoma de vidro que
do autor, materializadas em ‘Formas da pedra’, que se querem vivas protege alguma tenra plantinha.” (Orlando: Biografia, Virginia Woolf, 1928)
e pulsantes, como veias que percorrem a matéria, em diálogo com a
forma esculpida, e que criam novas textualidades que somos seduzidos
a ler sensorialmente, como se escutássemos a voz da poetisa Florbela Isabel Patim
Espanca no soneto ‘Os versos que te fiz’: “Deixa dizer-te os lindos versos Setembro 2022
raros / Que a minha boca tem pra te dizer! / São talhados em mármore
de Paros / Cinzelados por mim pra te oferecer. […]”
Qual é, afinal, a forma da pedra? Pois bem, pura e simplesmente, Atente-se que o Carlos fez tal amizade que, preocupado com a minha
nenhuma. Na mãe natureza não se deslinda um formato identitário que seguridade, colocou em minha casa, um granítico guerreiro castrejo que
defina uma pedra. Só o senhor acaso lhe pode emprestar uma dada impõe um respeito milenar. Por sorte, na minha sala esqueceu-se de
aparência, após infinitos anos de cambalhotas, colisões, queimas, uma cabeça de cavalo de rocha carbonática, que a todos impressiona
enregelamentos e outras agressões. Depois de todas estas investidas por não ter corpo, mas manter a elegância e altivez dos equinos. Depois,
esmeriladoras, com fraturas modeladoras aleatórias ao longo dos pendurou uma mulher no muro da marquise, cujo vestido em mármore
anos, por contingência e com tal trajeto, alguns rochedos assumem a ocre, denota as redondezas femininas que despertam a masculinidade.
aparência de um objeto, ou de um qualquer ser diverso deste universo. Instalou árvores ainda mais duradouras que as verdadeiras, que
Mas, os calhaus são tão dissemelhantes, tão diversificados, que só lhes apesar de não terem a função clorofilina, são adubadas pela nossa
cabe bem a adjetivação de desconformes. observação aquilina.
Mas, alguns olhos mais vivos, acutilantes e imaginativos, através de Quem, depois de visitar esta exposição, não quererá possuir e guardar
processos subtrativos, despem formas nas pedras. Ora esta arte de uma pedra do Carlos Rodrigues?
despir a subtrair, de obter um todo novo tirando-lhe alguma parte, é uma
das formas de esculpir, enfim, arte. A outra é por adição e modelagem de
materiais, onde se pretende uma criação com mensagem para os demais.
Tenho para mim que à escultura por subtração incumbe uma notável Afonso Pinhão Ferreira
desenvoltura na instrumentação, sobremaneira quando se trata de Administrador da ORTOPÓVOA
substância pesada, seca e dura como dita a circunstância da pedra e da
sua estrutura. É de assinalada dificuldade esculpir um tal material, razão
que fundamenta o facto de irem rareando os escultores “subtrativos”.
Essa explanação, onde cabe a extinção desses já raros escultores, torna
só por si, o Carlos Rodrigues um ser a preservar.
3
A Carlos pediu-me para fazer um texto para este catálogo. Terá sido por sermos
amigos. Não sei de escultura, mas conheço o Carlos.
Sei que tem o dom de conversar com a natureza, de a entender e de a respeitar. Também
sei que esta lhe confia segredos e que é pelas pedras que ele os desvenda.
Numa pedra que nos parece não ter forma nem vida, o Carlos descobre formas e
vidas que faz o favor de desvendar na forma de aves, flores, rios, mares, colinas,
peixes, árvores, anjos… e mulheres. E as pedras ganham forma, vida e… alma. O
Carlos tem alma grande e partilha-a com as suas criações.
Recusa alinhar em escolas, tendências, estilos. Tem muita paciência com a natureza,
mas nem tanto com pessoas. São menos fiáveis. Para ele a relação com a pedra tem
de ser livre e íntima, sem interferências de terceiros.
É na conversa silenciosa e paciente com a pedra que decidem a sua nova forma de vida.
E depois molda-as com muito carinho, tanto quando as risca, como quando as afaga.
4
Torso fragmentado com pomba
Mármore rosa e branco
65x40x30 cm
2018
5
Mulher com cesto de fruta
Mármore rosa, cinza e branco
130x20x20 cm
2022
6
A forma da pedra
Mármore rosa, rocha vulcânica e metal
90x60x50 cm
2022
7
Menina à sombra
Mármore rosa, branco, rocha vulcânica e metal
75x55x65 cm
2022
8
Ninfa no lago de nenúfares
Mármore rosa, negro e metal
20x80x45 cm
2022
Só II
Mármore rosa, cinza e branco
1,35x17x17 cm
2022
10
Flor grande com inseto
Mármores variados
30x50x50 cm
2022
Libelinha na poça
Mármores variados e metal
20x35x35 cm
2022
12
Casal de besouros
Mármores variados
10x25x25 cm
2022
13
Salamandra
Mármores variados e metal
10x28x25 cm
2022
Peixe branco pleno
Mármore branco
45x65x20 cm
2022
15
Peixe rosa raiado
Mármore rosa
32x42x17cm
Ano 2022
16
Árvore grande
Mármore rosa, amarelo negrais e metal
1,85x80x60 cm
2022
17
Orquídea branca
Mármore branco, verde e metal
60x25x25 cm
2022
18
Planta com era
Mármores variados e metal
55x18x18 cm
2022
19
Planta em flor
Mármore rosa e metal
60x30x20 cm
2022
20
CARLOS RODRIGUES
(1963 -)
Cresci num meio envolvido por blocos de rochas, consequência da ligação familiar a
uma oficina de transformação de mármores. É neste meio que cresço e isso influen-
ciou o meu futuro. Durante a minha infância e adolescência, segui atentamente o
meu pai, que trabalhava com grande mestria obras de arte sacra, em enormes
Nas minhas obras, procuro deixar na pedra as marcas da sua essência, a sua textura
natural, as feridas dos ferros que as arrancaram da terra. Com o bloco bruto pousado
na banca da oficina, acrescento as marcas das ferramentas que lhes dão forma.
São estas "Formas da Pedra" que evito apagar, nas lutas e diálogos que venho travan-
do ao longo de dias, semanas, meses e anos.
Procuro envolver cada obra num momento de reflexão, beleza, sensualidade e até
sexualidade, a prova maior do amor. Tudo isto pôde estar: numa menina à sombra de
uma árvore, num inseto pousado sobre uma flor, numa árvore com frutos, no
fragmento de um torso, ou simplesmente nos rebentos de uma flor.
Aprendi por mim a arte de esculpir, com as ferramentas que a vida me foi dando,
mas convivi com grandes nomes da escultura portuguesa, nomeadamente o escul-
tor Sousa Pereira e mestre José Rodrigues, com quem ao longo de anos fui trocando