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1988
A CONSTRUÇÃO DO OLHAR
por Fayga Ostrower
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21/09/2020 A construção do olhar - Artepensamento
Resumo
A percepção é uma espécie de avaliação ou compreensão espontânea, o que se prova conotativa e etimo
Mais: como atitude interpretativa, a percepção já traz em si algo de criação. E isso de tal maneira que é
dizer: aqui começa uma, ali a outra.
As primeiras imagens produzidas por homens – não necessariamente Homo sapiens – datam de 20, 25 m
propõem questões interessantes.
De início, note-se que o caráter primitivo delas nada traz de “infantil”. Até porque não há paralelo entre
biológico e cultural.
Quanto à técnica – que sempre traz aspectos de forma e conteúdo indispensáveis –, cabe ressalvar que u
na rocha com uma pedra é muito diferente de um desenho numa folha de papel. Naquele caso, as incisõ
acompanham a conformação da rocha, a ser colorida com tons de ocre, óxido de ferro e carvão, mistura
animais.
Além disso, como se desenhava nas galerias mais profundas, os artistas só não trabalhavam no escuro p
com eles tochas que iluminavam um raio de, mais ou menos, vinte centímetros.
Essas informações são fundamentais para a apreciação de desenhos assim, que, no mais, costumam med
metros de altura. As dificuldades de execução deles não eram, portanto, poucas.
Apesar disso, eles apresentam formas e proporções impecáveis. Daí que, provavelmente, seus autores fo
como espécies de feiticeiros.
Avança-se para o Neolítico. Ou seja: a era da agricultura e do pastoreio. O homem instala-se. Produz art
então, por exemplo, o jarro, que, em suas subdivisões, tessituras e ornamentos, dava forma ao homem.
trata somente de utensílios e técnicas; antes, da face e da alma do artista. O escultor do barro encontra
compreensão da própria vida, ornando-se, moldando-se espiritualmente.
Um jarro chinês, de bronze, datado do século XI a.C. Sinuosamente ornado com incrustações de prata e
formas são justas e voluptuosas, seja da alça, tampa ou em sua inteireza. Tudo de uma sensibilidade e b
enaltece o ser. Proporciona prazer. Gratifica. É como um amigo que diz: “Consciente de si e dos outros,
semelhante e sobreviveu a terríveis conflitos, saiba que há coisas que podem ser lindas, como a vida me
formas”.
Sim, a arte fala. Com suas esculturas monolíticas de faraós e divindades jovens e fortes, a arte do Egito
imortalidade ou da permanência da matéria. Já a da Grécia cicládica, transparente, fina e minimalista, d
natureza. Séculos depois, o estilo arcaico, ainda grego, de severidade e tensão.
Em suma: as formas de espaço constituem meios e modos de expressão. Imagens para a imaginação. Ref
todas as linguagens.
Uma ponte atravessa um rio num quadro de Monet. Há calma. Paz. Já Rubens expressa outra visão de v
diagonais e espirais, predomina, em suas paisagens, um sensualismo em transformação, num turbilhão
Internalizada é a pintura de Rembrandt, sobretudo a da última fase. Isso porque se o assunto de uma te
partida pictórico, sua expressividade é passada pela estrutura formal.
Exemplos assim são muitos e cobrem todos os sentimentos, inclusive os mais sofisticados.
O real sentido de uma obra de arte é, enfim, o intenso prazer e a gratificação íntima que ela proporcion
enriquecer a sensibilidade, que se transforma em espiritualidade. Para tanto, basta olhar.
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I
Ao invés de conceitos, começarei logo com ilustrações a fim de poder demonstrar c
da linguagem visual (que permitem uma avaliação objetiva de obras de arte). Inicio
algumas das imagens mais antigas produzidas pelos homens
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São desenhos que foram encontrados no teto e nas paredes de cavernas pré-históric
entre 20 mil e 25 mil anos, datando portanto de um período anterior à última glaci
tem certeza, ou talvez nem seja possível sabê-lo, se os autores destes desenhos (feit
ou milênios) já pertenciam à moderna raça homo sapiens ou a uma raça humana an
arte, de qualquer maneira, remontam a épocas mais longínquas. Mas a propósito da
históricas, quero fazer alguns comentários que, penso, nos serão úteis para a compr
de criação artística em geral.
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Embora os desenhos das cavernas tenham sido produzidas por tribos primitivas (pr
posterior desenvolvimento histórico da sociedade), devemos entender que aqui não
infantis. Do momento em que surgem, já as primeiras manifestações artísticas do ho
adulto para adulto. Não há absolutamente nada de infantil nestas imagens e também
no sentido de primário. Ao contrário, são obras da mais alta categoria artística. Não
comparar o início da arte com o início de vida de uma pessoa; a arte é um fenômen
uma analogia dos dois níveis, biológico e cultural, no faz sentido, além de não ser v
Cabe esclarecer algo a respeito da técnica destes desenhos, pois, na arte, a técnica s
questão de formas e conteúdos expressivos. Na realidade não se trata de simples “d
numa folha de papel. São incisões feitas na rocha, com o único instrumento de que
naquela época: uma pedra. Então era pedra contra pedra. Acompanhando a confor
própria rocha, ou seja, aproveitando certas cavidades ou saliências que pudessem s
animal, o artista gravava os sulcos das linhas de contorno, colorindo as áreas com p
terra, que são os tons de ocre, óxido de ferro para o vermelho, carvão para o preto.
misturados a gorduras animais e esfregados na superfície áspera das rochas.
Estas informações servem para podermos avaliar melhor uma série de questões, for
os desenhos levantam. Quer representem apenas partes da figura de um animal, qu
imagens têm um formato monumental, variando entre um e quatro metros de largu
que, na escuridão e com a pedra como único instrumento, o artista deveria gastar m
para realizar uma imagem. E como deveria ser tarefa difícil além de exaustiva. (Tal
alguém de reconhecida habilidade — e de poderes especiais — liberado pelo grupo
coletivas, talvez até mesmo da caça, para poder dedicar-se à execução das imagens
de somente poderem enxergar um trecho mínimo de cada vez e nunca o conjunto t
artistas jamais perdem a coerência das formas e o senso de proporções. O que, na m
figuras, é algo de extraordinário.
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Jamais, então, o animal é desprezado como mero animal de abate (como hoje, em
contrário, a atitude que os desenhos transmitem é do mais profundo respeito. Em m
diante da figura do animal tenso, a indicação de armas depositadas, pedras ou paus
gesto de conciliação, os homens pedindo perdão aos animais por ter que matá-los.
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Este pote vai me dar uma nova oportunidade para tecer alguns comentários sobre a
devia ter determinada função, provavelmente a de guardar água ou óleo. Ao observ
reconhecemos as marcas das mãos, o modo como os dedos moldaram a própria terr
repente que, quando o artesão moldou o pote, dando certas subdivisões, tessituras,
bojudo e às beiras finas, dando uma ordenação às formas do pote, no fundo ele esta
ordenação a si próprio.
Este é um aspecto da maior importância, pois explica o que significa para nós “ver o
Olharíamos para elas por mera curiosidade, para saber que técnicas os homens já c
os utensílios de sua casa, como se vestiam, ou outros detalhes de seu dia-a-dia.2 Ta
satisfeita logo à primeira vista. Mas nós voltamos a ver o mesmo jarro, o mesmo qu
escultura uma segunda vez ou uma décima vez ou mais. Então deve haver outros m
coisas que queremos saber. De fato, vemos a face interna do artista, sua alma, seu s
ao jarro, o homem encontra formas de compreensão de sua própria vida, ordenand
espiritualmente. As formas de ordenação implicam um depoimento do artista/artes
e sobre o sentido do ser: é isto que nos comove tão profundamente nas obras de art
um diálogo conosco e, para retomar este diálogo sempre de novo, vamos aos museu
obras.
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Atravessamos vários séculos e chegamos agora a outra fase da arte grega, ao estilo
esculpidas ainda têm a severidade de colunas de um templo, mas há na sua postura
que vai nos mostrar, em nossa visão retrospectiva, em que direção a arte grega se e
estilisticamente. Nesta figura, Kouros, do século VII a.C., notamos tanto uma mobil
uma tensão maior, é a tensão da energia contida: observem a postura ereta, os braç
como que encolhidos, as coxas largas, os pés firmes, o peito contraído.
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Entendemos que estes detalhes formais se interligam a toda uma visão de mundo. V
esculturas egípcias eram destinadas a serem enterradas junto com os mortos, as esc
colocadas em praça pública para serem vistas pelos vivos. Portanto, há uma outra a
valores no viver. Nesta figura de bronze, de Poseidon (Ilustr. 25) tudo já é o movim
pousada apenas na ponta de um pé e no calcanhar do outro pé — em equilíbrio per
maravilhas do mundo, toda ela uma síntese de mobilidade e equilíbrio. Com seus b
domina o espaço vazio em sua volta, circunscrevendo-o como se fosse um círculo có
homem se insere.
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Como é que posso saber de tudo isto? Eu não falo grego ou egípcio, nem sei, nem n
que os homens pré-históricos falavam. Tampouco conheço as circunstâncias de vida
poduziram as obras. No entanto, penso que o que aqui formulei, diante destas obra
aceitável, que não apresentei despropósitos ou meras fantasias literárias. E falei sob
sérias da vida: sobre os valores e o sentido de viver. Penso também que todos aqui
interpretaram as obras de modo similar.
Então que milagre é este, de na arte existir uma linguagem que é acessível a todos,
fato de as obras terem sido criadas em culturas e épocas diferentes, há 500 ou 5 mi
de linguagem seria?
Quando nasce uma criança, ela começa logo a movimentar-se. Mexe com os braços
corpo todo. Embora sejam aleatórios, estes movimentos já deixam um registro na m
sistema nervoso, no próprio ser da criança. O bebê ainda não está consciente, ele es
consciente. O processo de conscientização é tão gradativo que não se pode dizer: n
e naquele dia aquilo, o bebê sorriu e agora sorriu de novo, e daqui a dois meses ele
do consciente. De fato, o processo se inicia a partir do primeiro momento de vida. J
depois de nascer, o bebê começa a sincronizar os olhos, focalizando os objetos. Mai
e ele poderá sincronizar o movimento dos olhos com o das mãos. Aos três meses, o
coisas e segurá-las, e este segurar e apanhar as coisas vai ser acompanhado por tod
de conscientização mas também já de simbolização. Ele presta atenção às pessoas q
seu olhar acompanhando-as nas várias distâncias. Ele observa os objetos com que li
é possível mostrar uma mamadeira ao bebê, talvez apenas o bico, pois o bebê não p
inteiro diante de si para reconhecer uma determinada situação: “esta é uma mamad
Evidentemente, o bebê não se dá conta disto nestas palavras, mas já será possível a
“Espere um instantinho, primeiro vou te limpar e em seguida você vai comer”. E o b
de esperar (um pouquinho) pela refeição — o que nenhum animal faria.
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A multitude de formas espaciais será descoberta pelo bebê através do próprio viver
apalpa, bota tudo na boca, a fim de saber se é uma coisa dura ou mole, lisa ou áspe
pontuda, etc. Daqui a pouco, começa a brincar, escondendo os objetos e reencontra
mesmo quando desaparecem de seu campo visual, os objetos não deixam de existir
passam a existir em sua imaginação e na memória que se forma. Aos seis meses o b
mobilidade cresce e com ela o tipo de experiência que pode fazer; as mãos exploram
meio ambiente, os dedos ganham um toque firme, preciso e delicado ao mesmo tem
criança fica de pé, assumindo a posição ereta, típica do homem. Começa a andar. E
se mete em todas as situações possíveis e impossíveis, debaixo de tudo, subindo em
Assim, a criança está explorando o mundo em torno dela, descobrindo-se nele, ela p
espaço dentre espaços maiores. Brincando com os objetos, jogando-os para longe e
apanhá-los — e sempre é ela que está no meio de tudo isso — há um contínuo proc
conscientização e identificação, que se dá através destas descobertas espaciais. Qua
a falar, ela já tem todo um acervo de experiências, a vivência de tamanhos e distân
de objetos, suas formas, cores, feitios, tessituras, gostos e cheiros, se são grandes ou
ou inalcançáveis, prazerosos ou não. Ainda que as referências afetivas sejam da pró
está se formando, pois é em relação a ela mesma que a criança ganha a visão de mu
universo comum que se compõe de espaços vividos.
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III
Quando o artista começa a criar uma imagem, ele parte de um plano pictórico, uma
superfície ainda está vazia, não há nada dentro dela, mas ela já constitui uma form
seguinte: a superfície tem margens, limites, e, por ter limites, tem uma forma. Se eu
que este ponto se encontra no centro do retângulo, vocês concordariam comigo?
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Figura 7. Desenho-esquema I
Ou não? Não. Tem toda razão, o ponto não está no centro. No entanto, para chegar
era preciso medir a superfície, bastou olhar para as margens do plano, seus limites.
limites projetam uma estrutura interna com núcleo central, onde se cruzariam os ei
puderam concluir que, neste retângulo, deve existir algum ponto que indentificaria
formal, mas não seria o ponto marcado por mim. A partir de limites, portanto, intu
uma estrutura interna. Forma significa, sempre: estrutura, organização, ordenação.
Isto é muito importante, pois só podemos perceber formas, ou ordenações que sejam
não conseguimos delimitar, nem conseguimos perceber. Assim, em qualquer área d
compreensão depende da noção de limites — percebemos a partir de limites que se
percepção. Temos que aceitá-lo como um aspecto fundamental de nosso próprio ser
entrar aqui nas implicações filosóficas que esta noção levanta.)
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Figura 8. Desenho-esquema II
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Comparemos agora duas versões sobre o mesmo tema: A última ceia, pintada por L
(Ilustr. 14) e também por outro grande artista, Tintoretto.
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Novamente temos duas abordagens diferentes, dois modos de ser. Para Kandinsky i
movimento e a constante transformação, visíveis nas muitas diagonais e nas curvas
contrastes de cor. Ele queria dizer algo sobre a exuberância dos sentimentos de vive
buscava a serenidade, no equilíbrio idealizado de espaços também ideais — como q
poucos protótipos espaciais: linhas retas, ângulos, retângulos, as três cores primária
azul. Vale comentar que Mondrian encontra este espaço não como matemático (ape
sim como místico (pertenceu a uma ceita da teosofia), traduzindo em formas visuai
“
pureza do ser”. E é um caminho longo, de muitos anos, entre o Expressionismo ini
estas imagens calmas, idealizadas. Caminho nada programado, de sofrimento e luta
Outra comparação entre imagens abstratas: são da autoria de dois artistas norte-am
Jackson Pollock, ambos no seu apogeu nas décadas de 1950- 60. A estrutura forma
geralmente definida através de verticais e horizontais (irregulares e não geométrica
suas imagens um alto grau de estabilidade e ao mesmo tempo uma grande presenç
as imagens de Pollock são de total inquietação. Não é só o fato de todas as linhas d
tão emaranhadas, que não se consegue perceber onde começa uma linha ou termin
Pollock é preciso dar-se conta da escala física: o quadro que estou mostrando (Um,
cinco metros e meio. É imenso, um mural. Há uma grande diferença entre uns rabis
faça, digamos, numa folha de papel enquanto se escuta uma conversa no telefone,
nesta escala monumental. Porque a referência, nos dois casos, continua sendo a da
estatura física. Diante dos quadros de Pollock, nos sentimos perdidos, num labirinto
saída, sem entendermos o tipo de ordenação rítmica que existiria nas linhas. Daí o
ser de ansiedade, de angústia mesmo, mais do que apenas nervosismo. Mas Pollock
muito verdadeiro sobre as vivências do homem contemporâneo — e ele o diz em te
artística, enriquecendo-a. Daí seu indubitável valor como artista.
Como vocês vêem, estou partindo de noções muito simples. No entanto, é uma simp
complexa! Cada vez que se olha para uma forma expressiva, o próprio olhar encerr
avaliação, de referência a si próprio, de referência a ritmos e tensões de espaços viv
na imagem. Tudo isto se passa no nível da intuição. Então, diante deste esquema, q
novamente qual dos vários pontos marcados no eixo central poderia indicar o centr
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Este ponto? Mais em cima? Em baixo? [Várias respostas do público.] Todos têm raz
Mas como isto seria possível, já que vários pontos foram indicados? É possível, justa
lidarmos com formas de espaço vivenciado, não apenas formas geométricas. No ret
centro geométrico — é só medir. Existe também um centro perceptivo. Todavia, os
coincidem, embora coexistam. Há várias razões para isto. Uma delas é porque, para
qualquer forma corresponde à sua base: é como se fosse a terra em que pisamos, el
a área inferior sempre é sentida como uma área de maior peso visual. Para compen
equilibrar a forma, o centro perceptivo é colocado ligeiramente acima do centro geo
exata não pode ser calculada — será sempre uma questão de sensibilidade e uma q
forma física, pois cada forma tem uma distribuição de peso diferente.
Olhem, por favor, para o caderno que estou segurando na mão. Ele tem uma forma
de vista da geometria, este retângulo continua o mesmo se eu puser o caderno na p
ou na horizontal, deitado: nada se altera, nenhuma de suas relações espaciais, ângu
lados. Mas do ponto de vista da forma, tudo sé altera, a partir do próprio centro que
diferente cada vez. Na horizontal, o centro estará localizado num ponto bastante ac
geométrico, bem diverso do lugar na vertical, cuja área inferior, e peso visual corre
extensa do que ocorre na posição horizontal. Esta diferença há de se acentuar enor
vez de um caderno de 10 x 20 centímetros, estamos lidando com uma parede de 10
perceptivo será determinado em cada caso pelas relações físicas que existem. Assim
ainda há sempre o homem como referencial.
O artista trabalha com todos estes dados. Ele usa o espaço geométrico para assegur
da forma, e as ordenações perceptivas para o equilíbrio dinâmico, ou seja, para artic
expressivos das vivências. Olhem só a beleza deste prato persa, do século XVI. Vejam
artesão, ao ornamentar o prato em uma inscrição caligráfica ao longo do eixo horiz
perceptivo e não o geométrico. Daí ter o prato uma elegância e sensibilidade, que a
centro geométrico em metades iguais jamais produziria. Seria pesado e mecânico d
Compreendemos então que, na percepção, as duas metades de uma forma, a superi
são iguais, a parte alta sendo mais leve do que a parte baixa. Através da subdivisão
estas metades também não serão iguais, mas elas se tornam equivalentes.
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Seja qual for a explicação científica do fenômeno, o fato é que, intuitivamente, todo
a dinâmica do movimento visual e da ação expressiva através de sequências da esqu
Assim, por exemplo, nos quadro de “Anunciação”, o anjo se encontra invariavelmen
a madona do lado direito. Entendemos logo: é o anjo quem leva a mensagem e a m
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Figura 15. Yen Tz´u-yu, Hospedaria nas montanhas (século XII d.C.)
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O autor do quadro seguinte, A noite estrelada (Ilustr. 28) já deve ter sido reconhecid
Gogh.
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Nesta imagem, é tudo enfático: as pinceladas, as linhas curtas como que num stacca
cores. Van Gogh as elabora em grupos complementares, com grandes tensões espac
esticando um elástico a ponto de romper. Observem também que, do lado esquerdo
a figura de um pinheiro altíssimo que sobe da terra até o céu, formando assim uma
visual na área da entrada à imagem. Para podermos entrar, de fato temos que venc
mais um dos contrastes formais com que Van Gogh articula a carga dramática do co
quadro. O assunto em si nada tem de dramático, é uma paisagem noturna. Mas Van
assunto em conteúdo: enquanto os homens dormem em suas casinhas pequenas, qu
junto à beira da margem inferior do quadro, a Natureza toda vibra em espaços cant
luas e os sóis giram em grandes espirais e entram numa dança cósmica neste azul p
imagem visionária! Pela movimentação visual intensa e os grandes contrastes forma
dramático, comunicando uma profunda emoção.
Retomamos aqui uma observação feita no início: “quando o artista começa a criar u
de um plano pictórico, uma superfície. Esta superfície ainda está vazia, não há nada
já constitui uma forma espacial”. Agora temos condições de nos aprofundar no proc
formal da imagem. O artista já parte de uma dada forma de espaço, cuja estrutura
embora seja virtual. Esta estrutura é totalmente assimétrica: centro, lados, cantos, t
e com isto apontando uma série de definições e significados latentes. A elaboração
transformar o espaço do plano pictórico em espaço expressivo. Quer dizer, o artista
de seus sentimentos em formas de espaço, usando todas as virtualidades dinâmicas
Assim, ele caminha da figura do plano para a figura de sua imagem. Jamais então a
do nada. A obra de arte deve ser entendida como resultado de um processo de tran
certos dados e chegando a outros dados. No caso, os dados iniciais são a pessoa do
personalidade dentro de um determinado contexto social e cultural) e os espaços la
pictórico.
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De fato, mostrei este quadro não para ilustrar um problema teórico (aliás, uma obr
poderia ser entendida apenas como ilustração de qualquer teoria, nem mesmo de te
Mostrei-o para compartilhar com vocês o real sentido da arte, o intenso prazer e a g
as obras nos proporcionam, enriquecendo nossa sensibilidade. Quando pensamos n
os seres humanos, na sua humanidade, sua compreensão e criatividade, terminamo
qualidades estéticas: ao senso de harmonia e de beleza que os homens são capazes
ordenações universais da Natureza. A sensualidade da percepção, que se transform
Então estes conteúdos podem ser transmitidos visualmente pelas imagens de arte, e
compreenderemos sem precisarmos usar de palavras. É só olhar.
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OLHAR-LOUCO
por Fábio Landa
A loucura não é mais um mistério, mas não se pode preveni-la facilmente encapsulando-a num manicômio. Uma das...
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