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21/09/2020 A construção do olhar - Artepensamento

1988

A CONSTRUÇÃO DO OLHAR
por Fayga Ostrower

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21/09/2020 A construção do olhar - Artepensamento

Resumo

A percepção é uma espécie de avaliação ou compreensão espontânea, o que se prova conotativa e etimo
Mais: como atitude interpretativa, a percepção já traz em si algo de criação. E isso de tal maneira que é
dizer: aqui começa uma, ali a outra.

As primeiras imagens produzidas por homens – não necessariamente Homo sapiens – datam de 20, 25 m
propõem questões interessantes.

De início, note-se que o caráter primitivo delas nada traz de “infantil”. Até porque não há paralelo entre
biológico e cultural.

Quanto à técnica – que sempre traz aspectos de forma e conteúdo indispensáveis –, cabe ressalvar que u
na rocha com uma pedra é muito diferente de um desenho numa folha de papel. Naquele caso, as incisõ
acompanham a conformação da rocha, a ser colorida com tons de ocre, óxido de ferro e carvão, mistura
animais.

Além disso, como se desenhava nas galerias mais profundas, os artistas só não trabalhavam no escuro p
com eles tochas que iluminavam um raio de, mais ou menos, vinte centímetros.

Essas informações são fundamentais para a apreciação de desenhos assim, que, no mais, costumam med
metros de altura. As dificuldades de execução deles não eram, portanto, poucas.

Apesar disso, eles apresentam formas e proporções impecáveis. Daí que, provavelmente, seus autores fo
como espécies de feiticeiros.

Avança-se para o Neolítico. Ou seja: a era da agricultura e do pastoreio. O homem instala-se. Produz art
então, por exemplo, o jarro, que, em suas subdivisões, tessituras e ornamentos, dava forma ao homem.
trata somente de utensílios e técnicas; antes, da face e da alma do artista. O escultor do barro encontra
compreensão da própria vida, ornando-se, moldando-se espiritualmente.

Um jarro chinês, de bronze, datado do século XI a.C. Sinuosamente ornado com incrustações de prata e
formas são justas e voluptuosas, seja da alça, tampa ou em sua inteireza. Tudo de uma sensibilidade e b
enaltece o ser. Proporciona prazer. Gratifica. É como um amigo que diz: “Consciente de si e dos outros,
semelhante e sobreviveu a terríveis conflitos, saiba que há coisas que podem ser lindas, como a vida me
formas”.

Sim, a arte fala. Com suas esculturas monolíticas de faraós e divindades jovens e fortes, a arte do Egito
imortalidade ou da permanência da matéria. Já a da Grécia cicládica, transparente, fina e minimalista, d
natureza. Séculos depois, o estilo arcaico, ainda grego, de severidade e tensão.

Em suma: as formas de espaço constituem meios e modos de expressão. Imagens para a imaginação. Ref
todas as linguagens.

Uma ponte atravessa um rio num quadro de Monet. Há calma. Paz. Já Rubens expressa outra visão de v
diagonais e espirais, predomina, em suas paisagens, um sensualismo em transformação, num turbilhão
Internalizada é a pintura de Rembrandt, sobretudo a da última fase. Isso porque se o assunto de uma te
partida pictórico, sua expressividade é passada pela estrutura formal.

Exemplos assim são muitos e cobrem todos os sentimentos, inclusive os mais sofisticados.

O real sentido de uma obra de arte é, enfim, o intenso prazer e a gratificação íntima que ela proporcion
enriquecer a sensibilidade, que se transforma em espiritualidade. Para tanto, basta olhar.

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Dirijo-me à sensibilidade de cada um. Falarei sobre experiências artísticas e sobre o


desempenhado pela percepção, este espontâneo olhar-avaliar-compreender (de fato
“percepção” já conota a compreensão). E vocês vão entender, à medida que certos p
sendo colocados, o quanto os processos de percepção se interligam com os próprios
O ser humano é por natureza um ser criativo. No ato de perceber, ele tenta interpre
interpretar, já começa a criar. Não existe um momento de compreensão que não sej
criação. Isto se traduz na linguagem artística de uma maneira extraordinariamente
conteúdos sejam complexos.

I
Ao invés de conceitos, começarei logo com ilustrações a fim de poder demonstrar c
da linguagem visual (que permitem uma avaliação objetiva de obras de arte). Inicio
algumas das imagens mais antigas produzidas pelos homens

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Figura 1. Detalhe do teto: touro e cavalos, Caverna de Lascaux

São desenhos que foram encontrados no teto e nas paredes de cavernas pré-históric
entre 20 mil e 25 mil anos, datando portanto de um período anterior à última glaci
tem certeza, ou talvez nem seja possível sabê-lo, se os autores destes desenhos (feit
ou milênios) já pertenciam à moderna raça homo sapiens ou a uma raça humana an
arte, de qualquer maneira, remontam a épocas mais longínquas. Mas a propósito da
históricas, quero fazer alguns comentários que, penso, nos serão úteis para a compr
de criação artística em geral.

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Embora os desenhos das cavernas tenham sido produzidas por tribos primitivas (pr
posterior desenvolvimento histórico da sociedade), devemos entender que aqui não
infantis. Do momento em que surgem, já as primeiras manifestações artísticas do ho
adulto para adulto. Não há absolutamente nada de infantil nestas imagens e também
no sentido de primário. Ao contrário, são obras da mais alta categoria artística. Não
comparar o início da arte com o início de vida de uma pessoa; a arte é um fenômen
uma analogia dos dois níveis, biológico e cultural, no faz sentido, além de não ser v

Cabe esclarecer algo a respeito da técnica destes desenhos, pois, na arte, a técnica s
questão de formas e conteúdos expressivos. Na realidade não se trata de simples “d
numa folha de papel. São incisões feitas na rocha, com o único instrumento de que
naquela época: uma pedra. Então era pedra contra pedra. Acompanhando a confor
própria rocha, ou seja, aproveitando certas cavidades ou saliências que pudessem s
animal, o artista gravava os sulcos das linhas de contorno, colorindo as áreas com p
terra, que são os tons de ocre, óxido de ferro para o vermelho, carvão para o preto.
misturados a gorduras animais e esfregados na superfície áspera das rochas.

Outro fato significativo: as cavernas pré-históricas são labirintos naturais de galeria


vezes se estendem por quilômetros debaixo da terra. As galerias, onde se encontram
mais afastadas da entrada (portanto não eram usadas para moradia); nelas não pen
solar. O artista executava o trabalho numa escuridão quase completa, usando tocha
iluminação (encontraram-se restos de tochas compostas por musgo misturado com
evidentemente só se podia iluminar aquele trechinho que estava sendo executado,
vinte centímetros.

Estas informações servem para podermos avaliar melhor uma série de questões, for
os desenhos levantam. Quer representem apenas partes da figura de um animal, qu
imagens têm um formato monumental, variando entre um e quatro metros de largu
que, na escuridão e com a pedra como único instrumento, o artista deveria gastar m
para realizar uma imagem. E como deveria ser tarefa difícil além de exaustiva. (Tal
alguém de reconhecida habilidade — e de poderes especiais — liberado pelo grupo
coletivas, talvez até mesmo da caça, para poder dedicar-se à execução das imagens
de somente poderem enxergar um trecho mínimo de cada vez e nunca o conjunto t
artistas jamais perdem a coerência das formas e o senso de proporções. O que, na m
figuras, é algo de extraordinário.

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Igualmente extraordinária nas imagens é a caracterização da dignidade e majestade


presença física imbuída de uma nobreza muito grande. O animal como que carrega
qualificações, pelas quais o homem talvez o admirasse e com as quais também se id
bisontes, a ligeireza dos cavalos, a graça das cervas, etc. Aparentemente, os animai
significado: ao mesmo tempo que era necessário matá-los para sobreviver, eles tam
figura ancestrais dos homens. Na arte pré-histórica não existe a figura humana (exc
representações de feiticeiros, isto é, vultos de animais em posição ereta e com duas
identificaram em termos de animais: a tribo dos leões, dos cavalos, etc. (Nos índios
ainda em grupos aborígenes, hoje, se encontra este mesmo tipo de identificação, in
tribal.)

Além da caracterização de certas qualidades, vemos os animais representados em s


vitalidade e tensão, estejam vivendo ou mesmo morrendo. A tensão é muito grande
expandindo, a cabeça encolhida, o olhar fixo. Entretanto, a figuração não abrange t
existentes, e sim unicamente os de caça. Este é mais um dado que reforça a hipótes
motivação original, e sempre renovada em sua necessidade, para se produzir os des
imagens, os homens poderiam dominar e possuir os animais. De fato, muitas vezes
mão humana posta literalmente em cima da figura do animal — tomando posse de
É provável, também, que nas cavernas se realizassem rituais de caça diante das ima
espécie de preparo psicológico do grupo para poder enfrentar os animais — devia r
caçar bisontes, touros, ursos, com uma pedra apenas (mais tarde, os homens dispor
mas mesmo assim se sentiriam indefesos e incomparavelmente frágeis diante da fer
dos animais). Sempre e cada vez de novo seria uma questão de vida ou morte.

Jamais, então, o animal é desprezado como mero animal de abate (como hoje, em
contrário, a atitude que os desenhos transmitem é do mais profundo respeito. Em m
diante da figura do animal tenso, a indicação de armas depositadas, pedras ou paus
gesto de conciliação, os homens pedindo perdão aos animais por ter que matá-los.

As motivações mágicas esclarecem o estilo realista dos desenhos pré-históricos, pois


e reproduzir fielmente certos aspectos característicos do objeto para poder dominá-
magia numa abstração). Por outro lado, o totemismo esclarece a necessidade de for
(enquanto a magia funcionaria também com formatos pequenos), assim como o car
animais. O animal visto como figura ancestral dos homens: esta visão é uma cosmo
mundos, uma tentativa de responder ao “porquê?” da vida. Se ainda hoje, numa sim
impacto dessas imagens, sua dignidade, grandiosidade e seu mistério, quanto mais
impressionar as pessoas que as procuraram nas cavernas escuras, imagens oscilante
luz. A presença dos animais e os seus significados deviam ser indubitáveis.

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Em nossa imaginação atravessamos agora milênios e entramos na época neolítica. A


glaciação, as condições geográficas e climáticas na Terra se alteraram radicalmente
se sedentários, pastores e agricultores, e nessa época também se iniciaram os vários
mostrando aqui um jarro neolítico, um pote de argila, datando talvez de 3 mil anos

Figura 2. Jarro neolítico (ca. 3 mil anos)

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Este pote vai me dar uma nova oportunidade para tecer alguns comentários sobre a
devia ter determinada função, provavelmente a de guardar água ou óleo. Ao observ
reconhecemos as marcas das mãos, o modo como os dedos moldaram a própria terr
repente que, quando o artesão moldou o pote, dando certas subdivisões, tessituras,
bojudo e às beiras finas, dando uma ordenação às formas do pote, no fundo ele esta
ordenação a si próprio.

Este é um aspecto da maior importância, pois explica o que significa para nós “ver o
Olharíamos para elas por mera curiosidade, para saber que técnicas os homens já c
os utensílios de sua casa, como se vestiam, ou outros detalhes de seu dia-a-dia.2 Ta
satisfeita logo à primeira vista. Mas nós voltamos a ver o mesmo jarro, o mesmo qu
escultura uma segunda vez ou uma décima vez ou mais. Então deve haver outros m
coisas que queremos saber. De fato, vemos a face interna do artista, sua alma, seu s
ao jarro, o homem encontra formas de compreensão de sua própria vida, ordenand
espiritualmente. As formas de ordenação implicam um depoimento do artista/artes
e sobre o sentido do ser: é isto que nos comove tão profundamente nas obras de art
um diálogo conosco e, para retomar este diálogo sempre de novo, vamos aos museu
obras.

E é assim também que entendemos o próprio fazer artístico. Consciente ou inconsci


um depoimento sobre o sentido de viver. A obra de arte não é uma mera mercadori
produzir mercadorias não é a meta da criação artística. Longe disto. Pode acontece
século XX existe o contexto da sociedade de consumo e, neste contexto, existe um m
obriga os artistas a se transformarem em produtores de uma mercadoria de luxo, ab
dispensável, para a qual, além de tudo, ainda precisam procurar uma clientela. Dito
absurdo; infelizmente não deixa de ser a triste realidade social com que nos defron
não há porque elevá-la à categoria de Lei da Natureza ou Meta de 5 milhões de ano
Esperemos que nossos filhos e netos já possam viver numa realidade mais digna e m
humana. De qualquer modo, a essência da arte diz respeito ao nosso ser espiritual.
valores.

Olhamos para este jarro chinês, de bronze, datando aproximadamente do século XI

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Figura 3. Jarro chinês de bronze (dinastia Chou, Século XI a.C.)

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Os ornamentos sinuosos são incrustações de prata e ouro (técnica que os chineses j


perfeição). Ao seguirmos as formas volumosas do jarro, a tampa, as alças, a justeza
de rara sensibilidade e beleza, sentimos um enaltecimento de nosso ser. E que praz
gratificação! É um sentimento que tem muito a ver com um gesto de amizade que n
humano, tem que enfrentar terríveis conflitos, já porque você é consciente e sabe d
outros; mas também as coisas podem ser muito lindas, a vida é muito rica, porque v
formas”. Tudo isto compreendemos intuitivamente nas formas deste jarro chinês. D
vê-lo, ou outros jarros, porque eles nos dão a coragem de viver e de enfrentar os di
amanhãs que nos esperam.

Passamos ao Egito. Olhando para as esculturas monolíticas, de divindades ou de far


idealizados com traços de eterna juventude e força física, vendo as figuras inteiram
braços colados ao corpo, cilindros onde não existe uma única abertura — percebem
de imortalidade na permanência da matéria, a eternidade do presente que caracter
e, consequentemente, o estilo da arte egípcia. Nesta pequena estátua cicládica, de m
acompanhamos a transição para a arte grega. Se reconhecemos a herança da arte e
imobilidade e solenidade, já há porém uma certa transparência, uma finura que não
outro lado, a arte cicládica mostra algo que haveremos de reencontrar, hoje em dia
chamada “minimalista”: a redução ao essencial tanto da forma como da própria ma
artista. Por exemplo , esta obra cicládica, uma cabeça de mulher; vista num primeir
poderia parecer ser feita por Brancusi (só que à elegante austeridade de Brancusi fa
densidade mágica que encontramos na arte cicládica).

Atravessamos vários séculos e chegamos agora a outra fase da arte grega, ao estilo
esculpidas ainda têm a severidade de colunas de um templo, mas há na sua postura
que vai nos mostrar, em nossa visão retrospectiva, em que direção a arte grega se e
estilisticamente. Nesta figura, Kouros, do século VII a.C., notamos tanto uma mobil
uma tensão maior, é a tensão da energia contida: observem a postura ereta, os braç
como que encolhidos, as coxas largas, os pés firmes, o peito contraído.

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Figura 4. Kouros, mármore (século VI a.C.)

Agora as figuras agem, colocam um pé na frente do outro, elas podem se moviment


musculatura do corpo começa a ser modelada. Há uma nova vitalidade. E os rostos
com um estranho sorriso. É algo de extremamente comovedor. Há cabeças bastante
do tempo, chuvas, vento, pelas guerras. Mas em qualquer fragmento ainda se encon
ligeira distensão muscular e se reconhece este sorriso enigmático. Parece um acord
sorri para a vida.

Entendemos que estes detalhes formais se interligam a toda uma visão de mundo. V
esculturas egípcias eram destinadas a serem enterradas junto com os mortos, as esc
colocadas em praça pública para serem vistas pelos vivos. Portanto, há uma outra a
valores no viver. Nesta figura de bronze, de Poseidon (Ilustr. 25) tudo já é o movim
pousada apenas na ponta de um pé e no calcanhar do outro pé — em equilíbrio per
maravilhas do mundo, toda ela uma síntese de mobilidade e equilíbrio. Com seus b
domina o espaço vazio em sua volta, circunscrevendo-o como se fosse um círculo có
homem se insere.

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Quando chegamos à arte clássica grega, a movimentação crescente torna-se uma m


detalhe uma linha rítmica, corpos, braços, pernas, panejamentos, pregueados, orna
movimentando, fluindo, cantando, em espaços que o homem já domina com liberd
liberdade é compreendida de uma maneira nova: uma liberdade dentro de limites.
esquemas rígidos ou proibições, e sim de normas que são compreendidas como deli
por isto válidas, da experiência humana. Assim o artista pode até ultrapassar os lim
ordenação interna de certas normas, por exemplo, das proporções. A vida se transfo
tempo, as transformações tornam-se um valor da permanência do ser. Esta qualifica
o equilíbrio justo entre o dever e o ser — é reconhecida em qualquer imagem da ép
no artesanato de ânforas brancas, chamadas “Lecitos”; eram ânforas rituais, fúnebr
túmulos. Quero mostrar um desenho de ornamentação e, ainda, um detalhe do per
perceberem com que liberdade e maestria o artista, artesão anônimo, traçou a linha
articulação da mão. Com que naturalidade esta linha de contorno mostra o arredon
volumes na contração do braço e da mão. É sobretudo nestes desenhos dos Lecitos
em sua chamada fase “clássica”. Reparem no quadro de Picasso, as articulações de
como ele entendeu bem a arte grega. Evidentemente, ele não a imita, ele percebe n
essencial também para Picasso, e o absorve em sua própria visão, expressando semp
sensibilidade e experiência possíveis no século XX.

Por fim, quero apresentar uma madona romântica, do século XIII.

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Figura 5. Giovani Fei, Madona com menino Jesus

Novamente poderão identificar uma visão de mundo através da imagem: o espaço é


tanto as figuras representadas como os meios para representá-las, as cores, superfíc
simbólico. O ouro do fundo, por exemplo, correspondia à cor do Paraíso; era um da
Virgem sempre trajava um manto azul sobre um vestido vermelho, ou então o olha
madona ou o gesto de Cristo. Eram atributos simbólicos. Compare-se agora a image
imagem pintada 150 anos depois, sobre o mesmo tema.

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Figura 6. Rafael, Madona no prado

O autor é Rafael, pintor renascentista. Neste quadro, a significação religiosa da mad


mesma, no entanto, o contexto é outro, ou seja, estamos diante de uma nova conce
corpos não são mais planos, eles se tornam físicos, ocupando espaços físicos, eles re
torno deles; o peso do corpo da madona faz com que todo o universo em torno dela
corpóreo, de matéria e natural plasticidade. Agora é possível medir as magnitudes e
são mais vistas, através do prisma simbólico, como qualidades imensuráveis da exis
de Cristo se transforma em “bambino”, uma criança, e são João também. Duas crian
a mãe, pois a madona se torna uma figura materna. Na arte românica, a ma-dona j
“maternidade”; ela era um símbolo divino, assim como Cristo representava Deus. “R
esta a função da arte; jamais as imagens poderiam ser de natureza sensual. Então a
motivo pictórico (assunto), é possível encontrarmos interpretações expressivas e vis
inteiramente diferentes.
II

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Como é que posso saber de tudo isto? Eu não falo grego ou egípcio, nem sei, nem n
que os homens pré-históricos falavam. Tampouco conheço as circunstâncias de vida
poduziram as obras. No entanto, penso que o que aqui formulei, diante destas obra
aceitável, que não apresentei despropósitos ou meras fantasias literárias. E falei sob
sérias da vida: sobre os valores e o sentido de viver. Penso também que todos aqui
interpretaram as obras de modo similar.

Então que milagre é este, de na arte existir uma linguagem que é acessível a todos,
fato de as obras terem sido criadas em culturas e épocas diferentes, há 500 ou 5 mi
de linguagem seria?

De fato estamos na presença de uma metalinguagem, que serve de referencial a tod


comunicação humana: é a linguagem de formas de espaço. Talvez vocês se admirem
esotérica e estranha!”. Ela não tem nada de estranha. Ao contrário, é a expressão d
existenciais que todos nós fazemos de modo semelhante, todos os seres humanos, n
hoje ou há cinco milênios atrás. Cada pessoa passa pelas mesmas experiências do e
crescer, tornar-se consciente e conquistar sua identidade pessoal.

Quando nasce uma criança, ela começa logo a movimentar-se. Mexe com os braços
corpo todo. Embora sejam aleatórios, estes movimentos já deixam um registro na m
sistema nervoso, no próprio ser da criança. O bebê ainda não está consciente, ele es
consciente. O processo de conscientização é tão gradativo que não se pode dizer: n
e naquele dia aquilo, o bebê sorriu e agora sorriu de novo, e daqui a dois meses ele
do consciente. De fato, o processo se inicia a partir do primeiro momento de vida. J
depois de nascer, o bebê começa a sincronizar os olhos, focalizando os objetos. Mai
e ele poderá sincronizar o movimento dos olhos com o das mãos. Aos três meses, o
coisas e segurá-las, e este segurar e apanhar as coisas vai ser acompanhado por tod
de conscientização mas também já de simbolização. Ele presta atenção às pessoas q
seu olhar acompanhando-as nas várias distâncias. Ele observa os objetos com que li
é possível mostrar uma mamadeira ao bebê, talvez apenas o bico, pois o bebê não p
inteiro diante de si para reconhecer uma determinada situação: “esta é uma mamad
Evidentemente, o bebê não se dá conta disto nestas palavras, mas já será possível a
“Espere um instantinho, primeiro vou te limpar e em seguida você vai comer”. E o b
de esperar (um pouquinho) pela refeição — o que nenhum animal faria.

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A multitude de formas espaciais será descoberta pelo bebê através do próprio viver
apalpa, bota tudo na boca, a fim de saber se é uma coisa dura ou mole, lisa ou áspe
pontuda, etc. Daqui a pouco, começa a brincar, escondendo os objetos e reencontra
mesmo quando desaparecem de seu campo visual, os objetos não deixam de existir
passam a existir em sua imaginação e na memória que se forma. Aos seis meses o b
mobilidade cresce e com ela o tipo de experiência que pode fazer; as mãos exploram
meio ambiente, os dedos ganham um toque firme, preciso e delicado ao mesmo tem
criança fica de pé, assumindo a posição ereta, típica do homem. Começa a andar. E
se mete em todas as situações possíveis e impossíveis, debaixo de tudo, subindo em

Assim, a criança está explorando o mundo em torno dela, descobrindo-se nele, ela p
espaço dentre espaços maiores. Brincando com os objetos, jogando-os para longe e
apanhá-los — e sempre é ela que está no meio de tudo isso — há um contínuo proc
conscientização e identificação, que se dá através destas descobertas espaciais. Qua
a falar, ela já tem todo um acervo de experiências, a vivência de tamanhos e distân
de objetos, suas formas, cores, feitios, tessituras, gostos e cheiros, se são grandes ou
ou inalcançáveis, prazerosos ou não. Ainda que as referências afetivas sejam da pró
está se formando, pois é em relação a ela mesma que a criança ganha a visão de mu
universo comum que se compõe de espaços vividos.

As primeiras experiências espaciais não podem ser abreviadas nem substituídas. Ca


vez, uma única vez. Mas todos passam por este processo da mesma maneira e com
biológicas. Embora mais tarde em nosso desenvolvimento possamos integrar outras
de acordo com o destino de cada um, antes de nos diferenciarmos individualmente
que aprender a sentar, engatinhar, andar, temos que tocar nas coisas e segurá-las ju
para reconhecer o que são e como são, e para poder saber a respeito de nós. Neste
conscientização, as referências básicas são as mesmas para todos e também a língu
formas de espaço constituem tanto o meio como o modo de nossa compreensão. For
para nossa imaginação, o espaço se torna o mediador entre a experiência e a expres
mesmo pensar e imaginar mediante imagens de espaço.

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Assim, o espaço será o referencial ulterior de todas as linguagens. Observem que qu


quando nos comunicamos no nível verbal, as palavras que usamos para transmitir o
experiência sempre incorporam imagens de espaço. Se, por exemplo, digo que algu
“superficial”, estou usando imagens espaciais. Alguém “desligado” ou “concentrado
espaciais. Se digo “compreender”, estou usando uma imagem: “con = junto, prende
outra”. E isto não só em português, em inglês também: to comprehend (as mesmas i
understand: “under” que significa embaixo, “stand”, estar de pé; então significa: ter
entender. Em qualquer língua, é preciso recorrer a imagens do espaço a fim de tom
algo e comunicá-lo a outros. Vejam que isto se estende aos prefixos dos verbos, que
Todos os prefixos representam indicações de espaço. Por exemplo, no caso de um v
compor, expor, transpor, dispor, su(b)por, superpor, interpor, impor, etc. Sempre o
que sentido devemos entender a ação: se as coisas se juntam ou se separam, se são
estão orientadas para cima ou para baixo, se estão sendo atravessadas ou correm d
vez uma indicação espacial definindo o “como” desta ação.

III

Voltamos às artes plásticas — linguagem visual composta unicamente de termos es


numa imagem, qualquer linha funciona como se fosse uma seta. Ela diz: “olhe para
lá”, e nós somos obrigados a olhar assim como o artista a colocou, seguindo ao long
direção que ela indica. O mesmo ocorre com relacionamentos formais de cores, sup
contrastes e ritmos visuais. Eles sempre configuram situações espaciais — e nós as i
espontaneamente.

Quando o artista começa a criar uma imagem, ele parte de um plano pictórico, uma
superfície ainda está vazia, não há nada dentro dela, mas ela já constitui uma form
seguinte: a superfície tem margens, limites, e, por ter limites, tem uma forma. Se eu
que este ponto se encontra no centro do retângulo, vocês concordariam comigo?

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Figura 7. Desenho-esquema I

Ou não? Não. Tem toda razão, o ponto não está no centro. No entanto, para chegar
era preciso medir a superfície, bastou olhar para as margens do plano, seus limites.
limites projetam uma estrutura interna com núcleo central, onde se cruzariam os ei
puderam concluir que, neste retângulo, deve existir algum ponto que indentificaria
formal, mas não seria o ponto marcado por mim. A partir de limites, portanto, intu
uma estrutura interna. Forma significa, sempre: estrutura, organização, ordenação.

Isto é muito importante, pois só podemos perceber formas, ou ordenações que sejam
não conseguimos delimitar, nem conseguimos perceber. Assim, em qualquer área d
compreensão depende da noção de limites — percebemos a partir de limites que se
percepção. Temos que aceitá-lo como um aspecto fundamental de nosso próprio ser
entrar aqui nas implicações filosóficas que esta noção levanta.)

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Também só assim podemos conceituar o que sejam as várias unidades, as partes e a


lidamos em nossa experiência: reconhecendo os significados das delimitações prese
significados a novas possíveis delimitações. Por exemplo, ao apreciarmos o conteúd
obra de arte, seria pouco nos determos apenas em certos detalhes isolados, de figur
representados na imagem. Vejam este cálice grego do século V a.C. Primeiro devem
global da imagem, demarcada por seus limites concretos, as margens, para em segu
relacionar cada um dos detalhes que nela se encontram. Compreenderemos então q
mesma importância das figuras representadas, pois são os inter valos que qualificam
figuras. Este tipo de qualificação mútua, de intervalos “negativos” qualificarem as f
“positivas”, dos vazios qualificarem os cheios, evidentemente não deve ser entendid
moral (não há nada de moralmente negativo ou positivo nisto), mas sim como defin
para que o conteúdo de uma imagem se torne bem claro. Percebendo as subdivisõe
ritmo interno e as tensões espaciais de uma forma, percebemos os seus significados
correspondendo a tensões de nossos sentimentos, assim como o andamento físico é
psíquico — nesta imagem, por exemplo, vemos a competição de dois heróis gregos,
coragem e de grandes tensões).

No retângulo seguinte, desenhei algumas linhas horizontais e verticais, e outras dia


espirais.

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Figura 8. Desenho-esquema II

No pretendo analisá-las em termos de geometria “neutra”. Em primeiro lugar: embo


a objetividade, não há neutralidade, pois a linguagem é em si sempre expressiva. E
frisar que na arte só se formulam imagens de espaços vividos, nunca algum espaço
tipo de conceituação abstrata. Nisto, a arte difere da matemática e até mesmo da fi
representa sempre a expressão direta de valores que se originam no próprio viver. D
vivências diferentes, existem tantos estilos diferentes: gótico, renascentista, barroco
impressionista, expressionista, etc.

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Quando percebemos horizontais e verticais, as identificamos espontaneamente com


situações existenciais. As horizontais sugerem calma, serenidade, sono e morte, sem
envolvendo uma certa ausência de movimento e ação. As verticais, por sua vez, são
postura ereta do homem. Além disso, a verticalidade sugere um ato de ascensão, as
vez a um processo de elevação e desmaterialização, a uma espiritualização (por exe
góticas). Ambas as direções são sentidas como “estáveis”,, embora a vertical se nos
estável do que a horizontal, podendo mais facilmente desequilibrar-se (ao darmos u
abandonamos a vertical, nos desequilibramos antes de assumirmos novamente a po
Contrastando com as horizontais e verticais, que são percebidas como estáticas, as d
desviam, diagonais, curvas, espirais, são percebidas por nós como dinâmicas, isto é,
e transformação.

Olhamos para um quadro de Monet, uma ponte atravessando um rio. Seguindo as h


predominam nesta imagem, vem-nos um sentimento de calma e de paz. O mesmo s
serenidade nos vem diante desta gravura de Rembrandt (embora a época seja muit
O próprio formato da imagem é uma horizontal bastante acentuada (na proporção
altura para quatro de largura), sendo esta horizontalidade reforçada por uma série
horizontais em toda a .extensão da parte inferior da imagem. Vejam agora que cont
Rubens; embora também representando uma paisagem, não existe uma única horiz
pudesse acalmar a constante movimentação das diagonais e curvas (árvores, roched
conteúdo expressivo de Rubens torna-se completamente diferente de Rembrandt. N
seja considerado um artista menor; de fato, ambos são artistas grandiosos (além de
Mas sua visão de vida é outra. Através do predomínio de diagonais e espirais, Rube
um universo altamente sensual, em transformação constante, num turbilhão de mo
Rembrandt, a movimentação externa se desloca para a.emoção vivida, ela é interna
velhice de Rembrandt , é espiritualizada. Diante de um quadro de Rembrandt velho
pinceladas, matéria, entramos num mundo de luz e de compreensão indescritível.

Comparemos agora duas versões sobre o mesmo tema: A última ceia, pintada por L
(Ilustr. 14) e também por outro grande artista, Tintoretto.

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Figura 9. Leonardo da Vinci, A última ceia

Da Ceia de Leonardo, infelizmente só resta mesmo a estrutura da própria composiç


séculos os detalhes foram restaurados e provavelmente falsificados. Nesta composiç
grande horizontal da mesa, com Cristo ocupando o centro, e ainda, dentro da subd
espaço de profundidade, predominam sequências horizontais convergindo na figura
quadro de Leonardo transmite um sentimento de ulterior harmonia e de paz transc
viveu uma geração depois de Leonardo, mas o que o distingue é o enfoque e a inter
motivo. Toda a estrutura da Ceia de Tintoretto é baseada em diagonais, a mesa, a p
discípulos, os grandes contrastes de claro-escuro. Tudo é assimétrico e extremamen
Embora a figura de Cristo seja visualmente destacada por um halo e maior luminos
também está sendo absorvido nesta movimentação. Compreendemos, então, nesta
situação altamente dramática, um conflito e não um momento de paz.

É preciso entender, portanto, que o motivo pictórico, o assunto, representa apenas


para o artista; o conteúdo expressivo da obra nos é comunicado pela estrutura form
propósito, que no Renascimento inteiro não existe uma única crucificação que seja
Temos, antes, o sentido de glorificação do que o de sofrimento — na simetria das im
eixo vertical da cruz —, a agonia e morte de Cristo sendo aceitas como momentos q
momentos absorvidos pela permanência do ser.

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O conteúdo, de serenidade ou de dramaticidade, não existe só em obras figurativas


interpretado do mesmo modo em obras não figurativas, abstratas. Vamos comparar
e Mondrian.

Figura 10. Wasily Kandinsky, Composição

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Figura 11. Piet Mondrian, Composição

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Novamente temos duas abordagens diferentes, dois modos de ser. Para Kandinsky i
movimento e a constante transformação, visíveis nas muitas diagonais e nas curvas
contrastes de cor. Ele queria dizer algo sobre a exuberância dos sentimentos de vive
buscava a serenidade, no equilíbrio idealizado de espaços também ideais — como q
poucos protótipos espaciais: linhas retas, ângulos, retângulos, as três cores primária
azul. Vale comentar que Mondrian encontra este espaço não como matemático (ape
sim como místico (pertenceu a uma ceita da teosofia), traduzindo em formas visuai

pureza do ser”. E é um caminho longo, de muitos anos, entre o Expressionismo ini
estas imagens calmas, idealizadas. Caminho nada programado, de sofrimento e luta

Outra comparação entre imagens abstratas: são da autoria de dois artistas norte-am
Jackson Pollock, ambos no seu apogeu nas décadas de 1950- 60. A estrutura forma
geralmente definida através de verticais e horizontais (irregulares e não geométrica
suas imagens um alto grau de estabilidade e ao mesmo tempo uma grande presenç
as imagens de Pollock são de total inquietação. Não é só o fato de todas as linhas d
tão emaranhadas, que não se consegue perceber onde começa uma linha ou termin
Pollock é preciso dar-se conta da escala física: o quadro que estou mostrando (Um,
cinco metros e meio. É imenso, um mural. Há uma grande diferença entre uns rabis
faça, digamos, numa folha de papel enquanto se escuta uma conversa no telefone,
nesta escala monumental. Porque a referência, nos dois casos, continua sendo a da
estatura física. Diante dos quadros de Pollock, nos sentimos perdidos, num labirinto
saída, sem entendermos o tipo de ordenação rítmica que existiria nas linhas. Daí o
ser de ansiedade, de angústia mesmo, mais do que apenas nervosismo. Mas Pollock
muito verdadeiro sobre as vivências do homem contemporâneo — e ele o diz em te
artística, enriquecendo-a. Daí seu indubitável valor como artista.

Como vocês vêem, estou partindo de noções muito simples. No entanto, é uma simp
complexa! Cada vez que se olha para uma forma expressiva, o próprio olhar encerr
avaliação, de referência a si próprio, de referência a ritmos e tensões de espaços viv
na imagem. Tudo isto se passa no nível da intuição. Então, diante deste esquema, q
novamente qual dos vários pontos marcados no eixo central poderia indicar o centr

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Figura 12. Desenho-esquema III

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Este ponto? Mais em cima? Em baixo? [Várias respostas do público.] Todos têm raz

Mas como isto seria possível, já que vários pontos foram indicados? É possível, justa
lidarmos com formas de espaço vivenciado, não apenas formas geométricas. No ret
centro geométrico — é só medir. Existe também um centro perceptivo. Todavia, os
coincidem, embora coexistam. Há várias razões para isto. Uma delas é porque, para
qualquer forma corresponde à sua base: é como se fosse a terra em que pisamos, el
a área inferior sempre é sentida como uma área de maior peso visual. Para compen
equilibrar a forma, o centro perceptivo é colocado ligeiramente acima do centro geo
exata não pode ser calculada — será sempre uma questão de sensibilidade e uma q
forma física, pois cada forma tem uma distribuição de peso diferente.

Olhem, por favor, para o caderno que estou segurando na mão. Ele tem uma forma
de vista da geometria, este retângulo continua o mesmo se eu puser o caderno na p
ou na horizontal, deitado: nada se altera, nenhuma de suas relações espaciais, ângu
lados. Mas do ponto de vista da forma, tudo sé altera, a partir do próprio centro que
diferente cada vez. Na horizontal, o centro estará localizado num ponto bastante ac
geométrico, bem diverso do lugar na vertical, cuja área inferior, e peso visual corre
extensa do que ocorre na posição horizontal. Esta diferença há de se acentuar enor
vez de um caderno de 10 x 20 centímetros, estamos lidando com uma parede de 10
perceptivo será determinado em cada caso pelas relações físicas que existem. Assim
ainda há sempre o homem como referencial.

O artista trabalha com todos estes dados. Ele usa o espaço geométrico para assegur
da forma, e as ordenações perceptivas para o equilíbrio dinâmico, ou seja, para artic
expressivos das vivências. Olhem só a beleza deste prato persa, do século XVI. Vejam
artesão, ao ornamentar o prato em uma inscrição caligráfica ao longo do eixo horiz
perceptivo e não o geométrico. Daí ter o prato uma elegância e sensibilidade, que a
centro geométrico em metades iguais jamais produziria. Seria pesado e mecânico d
Compreendemos então que, na percepção, as duas metades de uma forma, a superi
são iguais, a parte alta sendo mais leve do que a parte baixa. Através da subdivisão
estas metades também não serão iguais, mas elas se tornam equivalentes.

Vamos vê-lo novamente no quadro de Leonardo da Vinci, a Madona dos rochedos. O


corresponde à posição do broche no decote do vestido, enquanto que no centro per
acima, inicia-se o contorno da cabeça da madona. Assim, a cabeça encontra-se no c
todos os acontecimentos, mostrando ao mesmo tempo uma graça e uma leveza que
o centro geométrico do plano.

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Outro exemplo será este quadro de Velasquez, La infanta Margarita, a princesinha c


mão. Mais uma vez encontramos o centro geométrico no decote do vestido, e o con
princesa começando acima, no lugar do centro perceptivo. Só pelo puro prazer de o
mostrar o detalhe do lenço branco. Daí compreenderão porque Velasquez tem a rep
“pintor de pintores”. Ele consegue pintar o branco com uma cor, ora em reflexos br
transparências iridescentes, ora em opacidades surdas. A beleza desta obra — e a g
proporciona — não é só uma questão de técnica. Quando estamos diante de um gra
verdade nem se discute mais a técnica. É evidente que ele a conhece e domina. Mas
invisível, tendo sido absorvida inteiramente nas formas expressivas. Cada pincelada
sensualidade, da matéria, das formas, dos objetos representados, deslumbrando-no
significados.

Introduzimos agora uma nova qualificação (a última, hoje) da estrutura espacial, m


caráter assimétrico e dinâmico das formas de percepção. Neste retângulo desenhei
cada um partindo do canto superior e encontrando-se no meio da margem inferior

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Figura 13. Desenho-esquema IV

As diagonais são estritamente simétricas, uma se espelhando na outra. Acontece, po


percepção elas se distinguem, pois uma é vista “descendo” e a outra “subindo”. Qua
é a do lado esquerdo. Isto quer dizer que, além da diferenciação entre metade supe
existe outra diferenciação, lateral. Portanto, os dois lados de uma forma também nã
distinguindo-se através de movimentos diferentes: em nossa percepção, o movimen
esquerdo e termina do lado direito. (O porquê de tal distinção curiosa ainda não fo
científicas que atribuem o fenômeno à posição do feto no útero, geralmente inclina
direita. Outras há que especulam ser uma questão de o centro coordenador da visão
lado esquerdo do córtex, daí as funções da visão se articularem mais facilmente em
direito, o que representaria a maneira “mais econômica” de o organismo desempen

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Seja qual for a explicação científica do fenômeno, o fato é que, intuitivamente, todo
a dinâmica do movimento visual e da ação expressiva através de sequências da esqu
Assim, por exemplo, nos quadro de “Anunciação”, o anjo se encontra invariavelmen
a madona do lado direito. Entendemos logo: é o anjo quem leva a mensagem e a m

Ao olharmos para uma imagem, não.entramos, portanto, no meio da área, no eixo


o movimento simetricamente para os lados. Ao invés disto, olhamos para a esquerd
ação visual se inicia no alto do lado esquerdo — como se ali se encontrasse uma po
seguindo numa forma de “S” invertido para a região do centro, e termina no canto
(esta é a área mais “perigosa” de um plano, porque nela o peso e a atração visual se
as cores, linhas, contrastes, etc., poderiam deslizar facilmente para fora das margen
esta área específica, a do canto inferior direito, para a elaboração de um clímax for
é onde culmina a ação — levando então novamente o movimento visual de volta ás

Ilustro-o com uma “Anunciação”, de Leonardo da Vinci. Entramos na imagem ao lo


continuamos seguindo pela horizontal da grande murada, para encontrarmos, do la
madona folheando um livro. Reparem só nesta música visual, como se inicia e se de
mesma melodia tocada como se fosse por vários instrumentos, linhas, cores, o dese
mãos, das dobras do vestido, dos panejamentos, das árvores, dos próprios intervalo
outra: todos estes detalhes fazem parte do ritmo da imagem. Ou vejam este quadro
artista holandês do século XVI, Caçadores na neve, também denominado O inverno.

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Figura 14. Pieter Brueghel, Caçadores na neve

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Entramos aqui no alto da margem esquerda, praticamente deslizando pelos telhado


pelas árvores altas, e nos encontramos com os caçadores de volta à sua aldeia. Com
cheio de casas, ruas e praças, e crianças patinando no lago gelado, e subimos lentam
elevados que dominam a paisagem (são picos visionários, pois não existe uma únic
acima de cem metros). Nossa vista segue o vôo dos corvos e os galhos das árvores,
de volta para reiniciarmos nossas andanças na imagem. Sempre, porém, os vários p
orientados pelas indicações do próprio artista. — Aqui, por exemplo, cabe observar
sequências espaciais, assim como os recuos na profundidade, se processam em diag
espacial inteiro é visto na transversal; ao contrário do quadro de Leonardo, onde nã
horizontais, mas onde o espaço total de profundidade é visto como paralelo à posiç
Também com Brueghel já entramos no Barroco, enquanto Leonardo ainda pertence
Mais do que meros detalhes técnicos, porém, importa ver a maravilhosa clareza com
estas relações espaciais ao formularem sua mensagem. Tudo tem um sentido, nada
jamais se perde.

Vejamos ainda o quadro de Duccio di Buoninsegna, Aparição no lago Tibería. Ducci


encontra entre duas épocas, a Idade Média e o Renascimento, pois ainda tem muito
não o impede de ser um grande artista. Quero chamar a atenção para um detalhe e
falando aos pescadores, não é isto? Vamos inverter a imagem e a ação se modifica i
vez, são os pescadores que se dirigem a Cristo; Cristo agora se encontra do lado dir
mensagem. Portanto: não se pode inverter uma imagem, seja ela figurativa ou abstra
distribuição de peso visual e o fluxo do movimento e, consequentemente, se alterar
expressivo.

Outro exemplo da inversão: a Madona da Glória, de Giotto, século XIV. Mostro a im


posição correta e a outra na errada. Esta é a posição correta: Cristo está no colo da
direto da imagem, o que lhe confere um peso visual muito grande e importância ex
Cristo se encontra do lado esquerdo, e de repente o lado direito está simplesmente
imagem, o artista sabe — ou sente, o que vem a ser a mesma coisa, sempre implica
intuitivo — onde ele precisa dar uma ênfase formal maior, em que lugar exato, a fi
maneira mais direta e clara os significados do conteúdo expressivo.

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Mostro o altar Pietá de Avignon, obra monumental de um artista anônimo do século


trágica. Mas quero chamar sua atenção para a posição e o tamanho da figura do do
iniciou a prática de os doadores serem retratados nos próprios retábulos, junto às fi
eram mostrados em tamanho miniatura: afinal, eram simples mortais. Na arte româ
gótica, a magnitude se referia a relações hierárquicas, o grande: importante, o pequ
importante. Aqui, porém, o doador já tem o mesmo tamanho que a Virgem. Então,
devemos nos encontrar numa época muito próxima do Renascimento; na Idade Mé
sido impossível. Mas… o doador se encontra espremido no canto inferior esquerdo
diminui a ênfase na movimentação visual do quadro. Se, por acaso, ele estivesse loc
direito, cresceria em impacto e peso visual, e sua importância seria maior do que a
evidentemente, jamais poderia acontecer (em termos religiosos).

O fato de a ação pictórica desencadear-se da esquerda para a direita e, neste percur


ênfase formal quanto mais se aproxima do canto inferior direito, também poderia s
tendo origem cultural, sobretudo na escrita ocidental, que transcorre da esquerda p
porém, que na arte oriental (cujas escritas se dão em sentido contrário, ou de cima
dinâmica do movimento expressivo é exatamente a mesma. Ilustro-o com estas pint
chinesa expressa uma atitude predominantemente contemplativa, onde a ação é co
espiritual, não físico, uma ação interiorizada. A introdução visual a esta imagem se
da árvore, vistos no alto da margem esquerda, para então encontrarmos a figura do
Seguimos ao centro do plano pictórico, em torno de uma área vazia — área de med
continuamos descendo para o lado direito, encontrando a representação de rochedo
nossa vista novamente para o alto, voltando, para novamente reiniciarmos nossos c
fluência total, sem interrupções por contrastes maiores. O mesmo andamento rítmi
nesta pintura, Hospedaria nas montanhas, do século XII

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Figura 15. Yen Tz´u-yu, Hospedaria nas montanhas (século XII d.C.)

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Aqui o próprio vazio serve de introdução. Um primeiro silêncio. É uma espécie de n


surge, longínqua, a silhueta de uma montanha, numa sequência horizontal que se e
central do plano. Novo vazio, novo silêncio. E então vemos, do lado direito, uma sé
superfícies, todas fluindo para o canto inferior direito — representando rochas e ár
materializando-se, por assim dizer, para em movimentos sucessivos subirem ao alto
voltando para o lado esquerdo (não há, por exemplo, a mínima intenção de se form
consistente na profundidade, em termos de perspectiva). Encontramos novos interv
Mas sempre o fluxo está sendo percebido neste sentido e não num outro.

O autor do quadro seguinte, A noite estrelada (Ilustr. 28) já deve ter sido reconhecid
Gogh.

Figura 16. Vincent Van Gogh, A noite estrelada

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Nesta imagem, é tudo enfático: as pinceladas, as linhas curtas como que num stacca
cores. Van Gogh as elabora em grupos complementares, com grandes tensões espac
esticando um elástico a ponto de romper. Observem também que, do lado esquerdo
a figura de um pinheiro altíssimo que sobe da terra até o céu, formando assim uma
visual na área da entrada à imagem. Para podermos entrar, de fato temos que venc
mais um dos contrastes formais com que Van Gogh articula a carga dramática do co
quadro. O assunto em si nada tem de dramático, é uma paisagem noturna. Mas Van
assunto em conteúdo: enquanto os homens dormem em suas casinhas pequenas, qu
junto à beira da margem inferior do quadro, a Natureza toda vibra em espaços cant
luas e os sóis giram em grandes espirais e entram numa dança cósmica neste azul p
imagem visionária! Pela movimentação visual intensa e os grandes contrastes forma
dramático, comunicando uma profunda emoção.

Então a possibilidade de transpor para imagens de espaço — através de indicações


vivências espaciais — múltiplos significados que se sustentam mutuamente ao form
‘vida, estabelecendo referências diretas ao caminho comum de todos, ou seja, remo
de conscientização dos indivíduos, é esta possibilidade que explica a comunicabilid
artística.

Retomamos aqui uma observação feita no início: “quando o artista começa a criar u
de um plano pictórico, uma superfície. Esta superfície ainda está vazia, não há nada
já constitui uma forma espacial”. Agora temos condições de nos aprofundar no proc
formal da imagem. O artista já parte de uma dada forma de espaço, cuja estrutura
embora seja virtual. Esta estrutura é totalmente assimétrica: centro, lados, cantos, t
e com isto apontando uma série de definições e significados latentes. A elaboração
transformar o espaço do plano pictórico em espaço expressivo. Quer dizer, o artista
de seus sentimentos em formas de espaço, usando todas as virtualidades dinâmicas
Assim, ele caminha da figura do plano para a figura de sua imagem. Jamais então a
do nada. A obra de arte deve ser entendida como resultado de um processo de tran
certos dados e chegando a outros dados. No caso, os dados iniciais são a pessoa do
personalidade dentro de um determinado contexto social e cultural) e os espaços la
pictórico.

Vejamos o quadro de Vermeer, Mulher lendo uma carta

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Figura 17. Johannes Vermeer, Mulher lendo uma carta

Vermeer, é um artista holandês, do século XVII, contemporâneo de Rembrandt e Ru


dos maiores poetas da linguagem visual. Nesta imagem, Vermeer representa uma c
excepcional, nada de lendário ou mitológico: uma mulher, em pé ao lado da mesa,
somos imediatamente tocados pela profunda verdade que se irradia desta imagem,
verdade. Ao acompanharmos as várias semelhanças formais, o retângulo do mapa e
a mesa com os livros, o brilho metálico das tachas de cobre, os diversos tons de cinz
fecham em complementares com os tons de ocre, vemos todas as sequências conver
mulher ereta, pesada na gravidez, alta na proporção, com a cabeça ligeiramente inc
sombras que a delineiam e no abandono de si, a mulher não só dá ao quadro peso e
como também dimensiona a profundidade do espaço ao redor dela. Sentimos como
de coisas plenamente presentes. O silêncio meditativo que reina nesta imagem é qu
que se ouve a respiração da mulher.

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De fato, mostrei este quadro não para ilustrar um problema teórico (aliás, uma obr
poderia ser entendida apenas como ilustração de qualquer teoria, nem mesmo de te
Mostrei-o para compartilhar com vocês o real sentido da arte, o intenso prazer e a g
as obras nos proporcionam, enriquecendo nossa sensibilidade. Quando pensamos n
os seres humanos, na sua humanidade, sua compreensão e criatividade, terminamo
qualidades estéticas: ao senso de harmonia e de beleza que os homens são capazes
ordenações universais da Natureza. A sensualidade da percepção, que se transform
Então estes conteúdos podem ser transmitidos visualmente pelas imagens de arte, e
compreenderemos sem precisarmos usar de palavras. É só olhar.

Figura 18. Jacopo Tintoretto, Última ceia

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Figura 19. Poseidon em bronze (século V a.C.)

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Cosmogonia Epistemologia Estética Linguagem Paixões Percepção

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