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F.

WILLAM

IJ{DRl/l, mRG DG JGsus


LIVRAR.IA
http://www.obrascatolicas.com
APOSTOLADO DA IMPR.E;NSA
AI ·\ I >< J N N I N !\
FRANCISCO MIGUEL WILLAM

MAR 1A
MÃE DE JESUS
TRADUÇÃO DE

CAIO METELO, S. J.

x946
LIVRARIA APOSTOLADO DA IMPRENSA
RUA DE CEDOfElTA, 628-PORTO

SEBO ECIA (Redfe-PE}


Livro• novos e ug(let
Ttl:(ll) 34SU25UM2Ul14
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IMPR.IMI POTEST.

Olysipone, 20 Martii 1946 .


'Julius Marinbo, S . '].
Praep. Prov. Lu :tit .

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~ 5t:,,~ cL, ~n=,ção i


·- 1

PooE IMPRIMIR-SE.

Porto, 22 de Março de 1946.


1
M ons. Pereira Lopes,
Vi g. Ge r. 1

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DIREITOS EXCLUSIVOS RllSER V ADOS, EM LINGUA


PORTUGUESA, PARA PORTUGAL E BRASIL 1
1
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T1POGRAflA PoRTO Mfotco, L.o.


Praça da Batalha, 12-A - P O R TO
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PRÓLOGO 1

DA SEGUNDA EDIÇÃO ALEMÃ

~TE livro « A vida de Maria » brotou dos mesmos


l~) estudos feitos para a « Vida de 'Jesus no país e povo
•· de Israel ».
A Sagrada Escritura diz muito pouco da vida de Maria.
Ainda que não houvesse outras dificuldades, só por isso seria
impossível apresentar uma vida de Maria puramente histó-
rica. A vida de Maria só é exequível numa vista de con-
junto da sua passagem pela terra, iluminada pela luz da fé,
e da interpretação dos factos que, mediata ou imediatamente,
se referem a ela.
As investigaçoes científicas t8m ·projectado tanta luz sob1•e
tantas coisas que, só elas, subministram mais dados fidedignos
do que, à primeira vista, se poderia imaginar. Contudo, em
muitas ocasioes, temos que nos contentar com probabilidades.
A vida de Ma1•ia é a vida da mulher mêíe, e coloca-nos
continuamente no ambiente das mulheres e das mêíes, com as
suas preocupaçoes femininas de amor e de sacrifícios maternais.

IX

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"-------·- - - - - - - - · - -···

Deste modo, a vida de Maria completa a vida de 'Jesus, daram a corrigir as provas, dando-me, ao mesmo tempo, muitas
não só etn geral mas também em particular, exactamente e valiosas informações. Igualmente agradeço ao Dr. Luís Wurm,
porque dá a conhecer o papel da mulher e da mãe no plano de Munique, a parte que teve nesta obra.
divino da criação. O autor agradece reconhecido qualquer informação ou
Ao terminar este livro recordo-me, de novo, de todos ~ advertência ulterior.
aqueles que se interessaram por mim no Oriente durante a '~ Não menor gratidão e agradecimento merece o fotógrafo
Snr. C. Raad, de 'Jerusalém, que, com grande zelo e compe-

~
minha doença.
Agradeço a S. Ex.ª o Snr. Dr. Francisco Fellinger, bispo tência, ajudou a preparar as gravuras que ilustram o texto.
1
de 'Jerusalém, à Reverenda Madre Superiora Berchmana, ao 'i
·1
Padre Cirilo Micbels e ao Dr. Rosenauer do Hospital de
~
Papaioannou, do Cairo. 'Jàmais esquecerei os sacriffoios da .\

,f
O AUTOR.
Reverenda Irmã Edeltrudes.
1

Estou imensamente reconhecido aos Snrs. Professores : '.!


Dr. Paulo Gachter 5. ')., de Innsbruc~; Dr. Edemundo Kalt, 4
de Maguncia; P. Enrique Hansler O. S. B., de Praga, Abadia j
,,
1
de Emaús; e ao P. 'João Sennen C. M., representante, em 'Jeru- í
.1
salém, da Associação Alemã da Terra Santa, porque me aju- '..l
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·~l_c.•!t.::c • >'.:!:~~ -:. ;:_:,:,~,:_ _::
X XI

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PRÓLOGO

"Vida de Maria, Mãe de Jesus" 1,


que apa-
rece, pela primeira vez, em edição portu-
guesa, vem preencher uma lacuna que existia
na nossa literatura mariana.
Nao é, contudo, uma vida histórica, no sentido rigo-
roso da palavra. E não o é, nem o podia ser, porque nos
primeiros séculos do Cristianismo as fontes marianas são
muito escassas, por disposição particular da Providência.
Por um lado, a vida terrena de Jesus - de artista pobre
- era, até certo ponto, obstáculo ao reconhecimento da sua
divindade.
Por outro lado, a crença menos esclarecida na sua per- ,Jl
sonalidade divina podia ser, para alguns, pretexto para '\
negarem a realidade da sua natureza humana. Os Evange-

Da edição alemã - Da• Lebm Marias, der Muter '}esu. -


Editorial Herder - Friburgo de Brisgóvia.

XIII

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listas e escritores apostólicos fazem ressaltar, portanto, de o testemunho histórico, umas vezes, como agora, impossível,
e e outras desnecessário.
preferência, o elemento divino do Salvador.
' Por outro lado ainda, as ideias mitológicas pagãs, entã'.o
~ Naturalmente falando, a vida de Maria foi em tudo
l!
semelhante à de uma mulher de Israel, pobre e temente a
li reinantes, tornavam perigoso apresentar a Mãe do Messias
t1 juntamente com seu Filho - Deus. Imbuídos daquelas ideias, Deus ; vida que, como a de tantas das suas coetâneas, se
t:
1:
como estavam os componentes do mundo de então, fàcilmente 1 passou entregue aos duros, laboriosos e fatigantes misteres
de esposa e mãe humilde. E foi assim, porque, sendo Ela
!I podia acontecer que os neófitos fizessem dela uma divindade.
Por tudo isto e porque não há penas puramente humanas corredentora, convinha que fosse em tudo semelhante a seu
que possam escrever uma vida rigorosamente histôrica duma Filho, para animar as almas de boa vontade a viver à sua
criatura como Maria, na aparência vulgar, como qualquer imitaçã'.o, com a graça de Deus, e para que os s«rvidores do

'
\1
1.:1
outra, mas, na realidade, única pelas relaçóes íntimas em que mundo não encontrem escusas para a sua pusilanimidade.
!.:
sempre viveu com as Três Pessoas Divinas, a «Vida de Que a leitura deste precioso livro desperte, em quem
"•<•
F!ÇI
Maria» não é, nem podia ser, rigorosamente histórica. Isto, o ler, um amor de lmitaçã'.o à nossa Mãe Santíssima, são os
mais ardentes votos do
porém, :não quer dizer . que não seja rigorosamente verda-
deira, porque o é, como veremos. TRADUTOR.
Para uma coisa ser verdadeira requere-se, e basta, que
seja conforme à realidade, para o que nem sempre se requer

XIV XV

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1
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1
!1 Vida de Maria
1 até à Anunciação do Anjo
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VISTA RETROSPECTIVA DA JUVENTUDE


'! DE MARIA
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'i À LUZ DA MENSAGEM DO ANJO
li

terra de Israel nasceu uma menina.


Seus pais receberam-na com ale-
gria. Como piedosos israelitas, que
desejavam ver os dias do Salvador,
teriam recebido com muito maior
júbilo um descendente varão. Pelo
menos, todos os vizinhos assim o pensavam.
As parteiras lavaram e enfaixaram a criança.
1 Como se tratava duma menina, não foi necessário
esperar pelo dia da circuncisão para lhe impor um
1 nome. Chamaram-lhe MIRIAM - Maria.
Não sabemos ao certo o que significava este
1
nome. Talvez também o não soubessem os que lho
impuseram. Era muito usado, e, os que o ouviam, não
'I procuravam saber a sua significação.
O Evangelho faz menção duma certa Maria de
1 Magdala, de Maria de Betânia, de Maria esposa de

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MARl 1\, MAi- Ili· Jl .,'lllS
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:1

Cléofas. Era muito usado este nome, não só pelo isso possível, se eu não conheço varão ? E respondendo o anjo
povo mas também pelas pessoas de distinção. Na disse-lhe: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do
família do rei Herodes, por exemplo, encontramos Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E por isso mesmo o
Santo que há-de nascer de ti, será chamado Filho de Deus. Eis que
uma série de Marias. também Isabel, tua p arenta, concebeu um filho na sua velhice :
Ninguém imaginava que aquela menina estivesse e este é o sexto mês da que se diz estéril : porque a Deus nada
predestinada para alguma coisa extraordinária, que '~ é impossível. Então disse Maria: Eis aqui a escrava d o Senhor,
havia de ser a Mãe do Salvador. faça-se em mim segundo a tua palavra. E o anjo afastou -se da
Seria para nós motivo de grande alegria conhe-
~ sua presença » 1.

~
cermos, mais em concreto, alguma coisa a respeito
dos pais e da filha. Porém, a Sagrada Escritura não Esta narração dá-nos luz sobre a vida de Maria,
nos fornece elemento algum que possa satisfazer esta ~I nos anos que precederam a anunciação, de três ma-
nossa curiosidade. Nem sequer nos diz seus nomes. ~ neiras:

~
Explica-se, pois, que o povo procure preencher
esta lacuna, urdindo lendas e tecendo uma coroa de Primeira: O anjo afirma que Maria está « cheia
milagres que aureolam os pais e a filha. de graça » e esta expressão mostra-nos as relações
O primeiro acontecimento, conhecido da vida de da sua vida interior com Deus.
Maria, consta da seguinte narração do Evangelho de 1~
S. Lucas: jl Segunda : O anjo declara a Maria, com expres-
i:~
1:1
sões diversas, que seu filho será o Messias prometido,
e estas expressões dão-nos a conhecer a ideia que
" O anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da
8f
ela, como filha do seu povo e do seu tempo, tinha do
Galileia chamada Nazaré, a uma virgem desposada com um varão ~ Redentor : de sorte que o anjo pode explicar a sua
'· Chamado Jo sé, da casa de David. E o nome da virgem era Maria. ~
E entrando o anjo onde ela estava, disse-lhe: Deus te salve, cheia ~I mensagem relacionando-a com esta ideia.
'1
de graça : 0 Senhor é contigo ... E ela, tendo ouvido estas coisas, ~ O anjo tem que dar a conhecer a Maria o encargo
turbou-se com as suas palavras, e discorria, pensativa, que sauda- ~ que lhe traz, em nome de Deus, com tal clareza que
\~:
ção seria esta. E o anjo disse-lhe: Não temas, Maria, pois achaste ·' ela possa compreender a sua significação. É, pois,
g raça diante de Deus. Eis que conceberás no teu ventre e darás !
evidente que as expressões e imagens que emprega
à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Este será grande ·1
.
e será chamado filho do Altíssimo e o Senhor Deus lhe dará o são, para Maria, de facto, uma expressão e não um

:r:n~e:e rse~::~ã~at:ir:: liem~e~a~:rti:r~::::: a:~:~saC:~~::~i 1


1
1 Luc., 1, 26-38.

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MAR!/\, MM Ili· Jl·SllS

enigma. Portanto, quando o anjo diz: « Conceberás e


darás à luz um filho a quem porás o nome de Jesus.
Será grande e será chamado o Filho do Altíssimo.
O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David. I
Reinará na casa de Jacob eternamente e o seu reino
não terá fim», certamente o nome «Jesus» e as expres-
sões «Filho do Altíssimo», «trono de seu pai David», A vida de Ma ria na graça
«reinar na casa de Jacob », «não ter fim o seu reino»
devem ser familiares, de algum modo, à Virgem Maria. •
INFÂNCIA E JUVENTUDE DE MARIA
Terceira: A narração mostra que Maria se eman-
cipou da família e que estava desposada com um varão
Deus te salve, cbeia de graça::
chamado José. Desposada mas com a resolução de (Luc., l, 28).

levar vida virginal. Achaste graça diante de Deus.


(Luc., !, 30).
Deste modo, pois, a história da anunciação ofe-
rece três pontos elevados de onde podemos contem-
plar os anos que precederam aquela hora decisiva. ~~~~~7r;~'d1
.. '-"!::~~~ ;l;~ ARIA, em Nazaré. é saudada pelo anjo
: ' t~ :' f.i~ Gabriel com estas palavras: «Deus
< \IQ .;. . ,;- • d e graça.1 ». ora a
oii te sa1ve, c h eia
'.~
expressão « cheia de graça :o ocupa
t~~:.,;i?'-,.;,.. ,.;::,.;,~
o lugar que costuma corresponder
ao nome próprio, e aqui emprega-a,
de facto, como próprio.
1 1

Conforme o testemunho do anjo é, pois, Maria,


aos olhos de Deus e no seu plano divino, a cheia de
g.raça, _de tal ~odo e em tal medida que este apela-
tivo nao convem, nem pode convir, a outra qualquer
,I mulher.

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6

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Ml\Uli\, Mt\I 111 p .,o.;11.'>

Maria aparece, na realidade, como a mulher cheia ceio, o medo ; e, envolto neste duplo sentimento, está
de graça. oculto um misterioso respeito. O resultado é que não
E esta plenitude não é alguma coisa acrescentada tratam com esta criança como com as outras.
ao seu ser primitivo, mas sim um privilégio que lhe A menina cresce. Seus pais observam-na uma e
foi concedido desde o primeiro instante do seu ser. muitas vezes e não sabem se se hão-de alegrar ou
Por isso o anjo sauda-a como a quem já está cheia entristecer com a índole da sua filha.
de graça, e não como a quem a vai receber com a É condição do sobrenatural não ser reconhecido
sua vinda. à primeira vista. Requere-se tempo e distância e tanto
Do mesmo modo sauda o anjo a Gedeão dizendo- tempo e tanta distância que, ordinàriamente, só depois
1

-lhe: « O Senhor está contigo, herói esforçado», da morte se chega a compreender a pessoa favorecida
O qualificativo « herói esforçado » é um nome com o sobrenatural e a sua maneira de ser.
característico, como o é a saudação que o anjo dirige Um menino santo é, na realidade, um menino
a Maria, proclamando-a « cheia de graça ». Portanto, verdadeiro, como qualquer outro - pode ser igno-
Maria estava cheia de graça e santidade desde o pri- rante, despreocupado, descuidado, desigual. Porém,
meiro instante do seu ser. enquanto os outros da sua idade copiam dos grandes
Uma criança santa! Que extraordinária criatura o mal de preferência ao bem, revelando uma tendên-
e que extraordinário é também o seu desenvolvimento cia que deve dar que pensar - a de se fixar de pre-
entre os homens! Como todas, nasce duma mãe, de- ferência no mal - , o menino santo, pelo contrário,
pende em tudo dos outros, é ignorante como qual- pratica o bem e nele persevera, ainda mesmo contra
quer outra. Cresce como as demais até pronunciar a vontade dos outros. As suas faltas são tão insignifi-
as primeiras palavras, até à prática das primeiras cantes que quase só servem para dar realce à perfei-
acções conscientes. Dentro em pouco, seus pais dirão: ção da sua vida. Sendo os outros volúveis e incons-
«Esta criança é extraordinária, não se parece em tantes e incapazes de se concentrarem na oração,
nada com as outras ! » destes se dirá que têm já tal vida de piedade e ora-
O que os maiores dizem, pensam-no também os ção que lhes é, dalgum modo, conatural 1.
seus companheiros de divertimentos. Estes amam-na Tudo isto que notam os que vivem de perto com
ou, antes, há alguma coisa neles que os atrai para os meninos santos, puderam observar em sua filha,
aquela criança, de mistura com um certo receio de na forma mais pura e perfeita, os pais de Maria.
se aproximar dela.
Umas vezes predomina a atracção, outras o re- l Newman.

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MA1ll 1\, MAi- Ili· Jl ·SllS M:\10 :\, M :\I · l>I· Jl·SllS

Maria era mais cordata, mais pura e mais santa passaram em perfeita solidão. Para a sua vida inte-
que todas as outras crianças. rior, era isto de influência decisiva.
Como os pais de S. João Baptista, podiam os Fê-la contemplativa silenciosa , que " tudo guar-
pais da Santíssima Virgem perguntar : « Que virá a dava e meditava em seu coração » 1•
ser esta menina ? Porque a mão de Deus nela se Pela enorme transcendência desta solidão para a
manifesta ! ». vida de Maria, esforçar-nos-emos por tornar com-
Porém, que é o que se passava neste tempo na preensível aos homens, em capítulo à parte, a índole
alma de Maria ? A nós não nos é possível seguir, daquela v ida solitária.
desde a infância, a vida interior de Maria, a cheia
de graça. Neste terreno, faltam-nos experiências pes-
soais correspondentes e próprias. Temos que nos con- A SOLEDADE DA «CHEIA DE GRAÇA »
tentar com elementos de menor valor.
Os homens de vida interior experimentam em Com as crianças, verdadeir amente norm ais, passa-
sua alma coisas íntimas que guardam para si. Pensam -se uma coisa curiosa; vivem num mundo ce rrado , de
que a comunicação daquilo que neles se passa pode difícil acesso aos maiores. Entre si, são da maior natu-
levar à depreciação do seu valor e, até, à dúvida ralidade ; ao contrário da gente grande, cujo trato é
de sua realidade. Por isso, calam-se. Esta lei tem o um tecido espesso de reservas , cheio de contradi ções .
mesmo valor quando se trata da vida interior duma Para estas, o aproximar-se de alguém é estar pre-
criança. parado para se afastar, e afastar-se é pr eparar-se para
As grandes ilustrações interiores que sentem as uma nova aproxima ç ão. Em determinadas ocasiões,
crianças predestinadas, permanecem, ordinàriamente, é palpável a diferença de proceder entre os grandes
ocultas no porte exterior, até mesmo para seus pais e as crianças.
e irmãos. Exemplifiquemos : Encontram-se dois grupos de
A vida da menina seguia, pois, a norma comum excursionistas onde há também crianças. Antes dos
i 1

1
de todo o desenvolvimento humano. Na sua alma grandes terem feito a mútua apresentação, conforme
cheia de graça, isenta de todo o pecado e de toda a a etiqueta, já as crianças dos dois grupos confrater-
1 · Ili inclinação para o mesmo, havia comunicações divinas nizaram na mais íntima camaradagem, form ando um
'1
' :1 1, . que ela não podia manifestar, e é de crer que nem, mundo à parte.
. I' sequer, lhe ocorresse perguntar se o podia ou devia
fazer. Segue-se, daí, que os anos da sua infância se
1 1
1

1 Luc., n, r 9-5 r .
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1: 1 10 11
1

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MARIA, MAF Ili· ll ·'ill.'i

Naturalmente, nenhum pode fazer uma descrição


pessoal do outro, mas, para a vida, para o trato
comum, «conhecem-se » como se fossem amigos velhos.
Por isso, sempre que uma criança encontra outra,
desinteressa-sé por completo do mundo das pessoas
grandes e vai buscar o seu mundo, o mundo a que :l,íf
pertence e por que suspira. Esta ânsia está, sempre, ~·.li
viva nas crianças e buscam-na com satisfaç ão. .
Maria vivia num isolamento do qual é reflexo.
ainda que pálido, o da criança que vive entre gente ,1 ..
grande. Maria, a cheia de graça, vivia para continuar ri E

a ser a imagem de Deus entre os homens, que haviam


perdido a filiação di vina, e tinham pago maior ou

...."'-
e

D E S C RIÇÃO DA G R A VURA "'


z""
NAZARÉ está edificada numa depressão da planície da Galileia.
A gravura mostra a posiçáo da cidade. Estende- se desde a vertente até
às últimas casas.
Na direcção do sul vê-se, em primeiro lugar, a planície. Po rém,
ao longe, é cortada por uma encosta escarpada que da para a planície
de Esdrelão.
No meio da gravura, pouco mais ou menos, vê-se um desfila-
deiro no alto da montanha. Por ali descia o caminho, no tempo de
Jesus, até à planície.
Nazaré é hoje uma cidade moderna. No tempo passado, asseme-
lhava-se às outras povoações que há nas encostas das montanhas da
r 1
Galileia, por exemplo Naim, Endor e Sunem.
li Partindo da cidade em direcção ao mencionado desfiladeiro,
1, i\l descortina-se um vasto horizonte no alto da planície de Esdrelão e
1 i
i! 11 o terreno montanhoso da Samaria que, ao sul, começa a subir.

; 1 1

12
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Fot, Raad

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MAIUAm:::: t~::~:o"~: pec=~-::d~:estavam so: o i:luxo --1
das inclinações pecaminosas. ~
O comum dos homens conhece a diferença entre tj
o bem e o mal, porque, ao fazer o mal, ouve a voz da ~.I·-~
própria consciência. Antes da transgressão, ouve e não !j
faz caso ; durante a transgressão, ouve e abafa a voz ~':·
da consciência com o que está fazendo; depois, ouve il
e quereria não ouvir. Este conhecimento do mal não t<

vem de Deus, mas sim do afastamento do mesmo Deus. ~


Nunca Maria, na sua juventude, teve semelhante I'
11
experiência.
Jàmais ouviu a voz da consciência, como senti- ~
nela que brada a quem deve preca ver-se de alguma
11
má inclinação, pois, sempre que a consciência fazia
ouvir a sua voz, era para convidá-la à prática do l
bem; porém, este convite não tinha aquela insistência !
)l
que mostra quando admoesta o comum dos homens
para os precaver do mal, ou a o pecador antes da
sua conversão.
l
Maria correspondia a todas as inspirações d.e l
Deus com a mais perfeita docilidade.
f1
Se tivesse de passar esta vida, tão sua, no deserto,
se à solidão interior se juntasse a exterior, Maria não
teria sofrido tanto. Porém, vivia numa pequena cidade
do Oriente, paredes meias com homens carnais, que
1 '.1
(,'.·-~~:<')
sentiam o influxo do pecado. da concupiscência e das '
tentações e, a maior parte das vezes, das realidades
pecaminosas.
Toda esta gente v.tvia, aos olhos de Maria, num
mundo com o qual ela não tinha o mínimo contacto.
,,
:L...::!f..!.-~-;--:-.: ,:,,.,.- . .· ·::i
13

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Mi\HI /\, MAi Ili 11'>11~ MAl<I:\, MM 111 Jl · ~ll ,'o

Nem uma só vez teve parte em nenhum daqueles podia comprovar à evidência que o que nela se pas-
pecados. Nunca ouviu com agrado uma conversa sava era fenómeno único e que não havia outra cria-
inconveniente, nem dela se fez eco. Nunca tomou tura que fosse como ela; porém, não podia saber,
parte nas altercações dos seus vizinho~. • . com a mesma clareza, como isso se passava.
Os inumeráveis laço!' armados à mocenc1a e as A impressão, que lhe causava este fenómeno, era
relações sociais do mundo, tal qual ele hoj~ é'. não tanto maior quanto mais frequente e com mais fre-
são fruto das boas obras, mas, sim, consequencia do quência se repetia.
pecado e da concupiscência desenfreada. Maria encontrava-se como uma criança, só e
Maria jàmaís te ve semelhantes pontos de contacto incompreendida.
com seus concidadãos. O amor ao silêncio, que mais tarde vemos cons-
Humanamente falando, não chegava . a compreen- tantemente em Maria, e a que os Evangelistas dão
der como podiam proceder os homens daquela ma- especial realce, era, pois, dabaixo dum duplo ponto
neira, nem como tão pouco caso faziam do pecado, de vista, consequência lógica da posição que ocupava
a não ser que se tratasse de grandes crimes, que, entre os que a rodeavam. A sua obrigação particular
dalgum modo, lhes diziam respeito. . para com Deus obrigava-a, como temos dito, a guardar
Contudo, não houve um só instante em que dei- silêncio a respeito do que se passava em sua alma.
xasse de sentir os pecados de todos e de cada um E a sua posição particular para com o pecado era um
dos homens, sob o pretexto de que a ela, pess~al­ novo título para manter cerrados seus lábios. Ninguém
mente, não a prejudicavam, por os não ter cometido. tinha tanto que calar e de que ser reservada como
Maria a · sem-mancha, via em cada pecado, uma ela. Mas ninguém, como ela, também, podia «guardar »
monstruosÍdade, uma ofensa ao Altíssimo, a destruição os segredos «em seu coração ».
da ordem que Deus estabelecera em proveito da huma- A experiência de todos os dias, fazia-lhe ver, con-
nidade. Via, como num espelho, os estragos que o tinuamente, que se encontrava só, e que não lhe restava
pecado causa às almas. . outro refúgio e outra salvação senão o recurso a Deus.
i
Todos os que viviam a seu lado, carregados de Viver com Deus e em Deus era, para Maria, uma ~·\
culpas, não conheciam, tão bem como Maria, o estado necessidade tão imperiosa como o é, para a vida do '
homem, o respirar.
das suas almas.
Mas nessa altura, ignorava, ainda, porque lhe É, de todo, impossível compreender a vida de
sucedia ~quilo. Em sua humildade, não podia imaginar Maria na sua ascensão para Deus, sem esta perspec-
que Deus a tivesse agraciado desta maneira. Somente tiva da sua soledade no mundo.

15
14

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MARIA, MÃE IJF Jl ·SUS M~ H l 1\, M 1\1- 111 11•.\ l I\

Outra coisa é o saber como reagiam os homens


diante daquele modo de ser particular de Maria e
\. ·, OS VOTOS EM ISRAEL
como a tratavam.
Basta ter em vista a estreiteza duma pequena A Sagrada Escritura apresenta Maria, no momento
cidade do Oriente, para se ter um pressentimento da Anunciação, numa circunstância e com uma dispo-
sição de ânimo singulares. Diz, expressamente, que
doloroso, sem o podermos evitar.
A maior parte das suas vizinhas - pois só as estava desposada com um varão chamado José. Ela,
mulheres tinham trato com Maria - viam, sem dúvida, por seu lado, diz ao anjo que não conhece varão ;
que ela era uma criatura especial, sem possuírem, que, portanto, não tem nenhuma daquelas relações
contudo, o acrisolado amor e o dilatado coração que que, pelas leis da natureza, exige o aparecimento
ela possuía em tão alto grau. A gente do povo tem dum filho. Tal procedimento não se explica, senão
só um comentário pat'a semelhantes casos. Se os admitindo a hipótese de que Maria tivesse feito voto
outros não são como eles, se procedem de maneira de virgindade.
diferente, se são melhores, condenam-nos com sen- Os votos desempenham um papel importante em
tenças como estas, de que usam: « soberbo, orgu- todos os povos genuinamente religiosos.
lhoso, senhor de si; pensa que é mais que os outros ». Bastaria consultar, a este respeito, a história de
Maria te ve, sem dúvida, que sofrer, muitas vezes, algumas dessas épocas, por exemplo a da Idade Média,
semelhantes afrontas, desde menina, naquela pequena para se ver logo que os votos - « promessas » como
cidade, cujos moradores tinham fama de turbulentos. diz o povo na sua linguagem simples - são elemento
Ela, a mais humilde de todas as criaturas, foi tida, essencial na vida religiosa.
mais duma vez na sua vida, como a mais altiva e Do mesmo modo se pensava em Israel.
orgulhosa, como « a ignomínia da casa de David ». Os votos eram uma manifestação importante da
Quando no Magnificai se regozija porque Deus vida religiosa já no tempo de Moisés e dos profetas.
destrona os poderosos e deixa de mãos vazias os A Lei diz : « Se fizeres um voto ao Senhor teu Deus, não
ricos, exaltando os humildes e saciando os famintos, dt ílates odseu cumprimento. Não fazendo voto, não come- "~ ,
não faz mais que dar a conhecer o que com ela se especa o, porém, uma vez feito, tens que cumpri-lo » 1. ''\
« Não permitas que a tua língua te culpe (por um
tinha passado.
A sua exaltação foi, como vemos, precedida dum voto feito sem reflexão) e não digas (depois) ao sacer-
período de humilhação. 1 Deut., xxm, 22- 2 4.

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MARIA . MM Ili· JESUS Mt\Klt\ , MAi· Ili· Jl '.'ill .'>
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dote : Fiz este voto com precipitação, porque poderia i.!a<,::ão <le socorrer os país. O filho fazia a seguinte 1.

ofender-se com tal modo de falar e inutilizar o traba- declaração: « Todo o auxílio que esperais de mim, J

lho das tuas mãos, retirando-te a sua bênção 1 . ofereci-o com voto~. « E uma oferenda era tão sagrada ~.
Também no tempo em que supomos fôra feito o que ninguém, nem mesmo os pais, se podiam dela íl
voto de Maria eram as promessas uma forma ordinária apropriar.
e preferida do culto religioso popular. Usos e abusos Também os escritos profanos mostram que o cos-
de semelhantes votos estavam em voga, sinal de que, tume de fazer votos não se tinha interrompido.
na vida dos povos, alguma coisa se impõe. Muitos destes consistiam na renúncia de alguma
Quando o povo se familiariza com alguma coisa, coisa, com fórmulas já estabelecidas, - como tornare-
fàcilmente a prática degenera em abuso, devido à mos a ver - parecidas com as do juramento.
fragilidade humana. A respeito do abuso de fazer votos inconsidera-
Que tais abusos existiam no tempo de Jesus, mos- damente, é muito significativa a possibilidade de os
tram-no as frequentes alusões a este respeito. anular com um contra-voto, feito antes, em ·que se
Aos fariseus, que se queixavam de os Apóstolos declarava que todo o voto feito no futuro seria de
se não sujeitarem aos ritos da purificação, replica: nenhum valor.
« E porque é que vós, por amor às vossas tradições Além disso, mencionam-se todos os incidentes
(por amor aos costumes por vós introduzidos) trans- possíveis que invalidam os votos e examinam-se tam-
gredis os mandamentos de Deus ? Deus disse : Amarás bém todas as possibilidades de os anular, sendo
a teu pai e a tua mãe ; e ainda : O que amaldiçoar seu válidos.
pai ou a sua mãe seja punido de morte. Porém, vós Citam-se também, explicitamente, casos de pais
dizeis : « quem disser a seu pai ou a sua mãe : Aquilo que deserdaram os filhos, e de filhos que deserda-
que te devia dar como sustento há-de ser korban - ram os pais, por meio dessas promessas.
'
oferta feita ao templo por voto - esse não tem neces- A expressão que Jesus emprega: o que podeis
sidade de honrar seu pai ou sua mãe, por conseguinte,
está dispensado de os sustentar» 2 • ~ receber de mim é korban, está perfeitamente conforme
com a linguagem rabínica.
Desta censura de Jesus, vê-se, claramente, que
existiam, abusivamente, votos para se libertar da abri- ~ No caso de Maria, são de singular importância os
testemunhos extra-bíblicos, os quais fazem menção de
. votos relacionados com o matrimónio. A sua existên-
cia pode demonstrar-se. Em diversas passagens, men-
l
2
Ec. , v, 3-5.
Mat., xv, 2-6.
1 '
ciona-se o facto de um homem ter invadido a esfera
t'
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MARIA. MM l>I· JF.'ilfS MJ\1<11\, M:\I Ili ll'.11~.

de acção duma mulher, obrigando-a a fazer votos que Urna vez, Jalundo-sc dum voto, supondo-se que o
seriam, para a sua vida, um fardo. Cita-se, por exem- marido fez voto de guardar continência no matrimó-
plo, o caso dum homem ter obrigado sua mulher a nio, pergunta-se : «Deve guardá-lo? » - Sim, pois não
fazer voto de nunca emprestar coisa alguma ; de não deve profanar a sua palavra». Reconhece-se, portanto,
tornar a trazer uma jóia, de não voltar à casa paterna. a sua força obrigatória.
Estes votos não a obrigam, a não ser que ela os Outra vez encontramos indicações concretas de
confirmasse. Se seu marido teima em os exigir, tem 1' como se há-de resolver o conflito que surgisse pelo
·"1f
direito de o abandonar. aparecimento de um voto que obstasse ao matrimónio :
Não tendo o marido direito de obrigar sua mulher 1 « Se alguém se casa com uma mulher com a condição
a fazer votos que afectem seu género de vida, muito : de que ela não tenha nenhum voto, o casamento é
menos esta poderia fazer votos que afectassem a nulo, se a mulher não descobriu ao marido o seu voto
vida do marido, sem aprovação deste. (A não ser que, antes do contracto matrimonial. Se, porém, depois dos
de comum acordo, fizessem o mesmo voto, tendo-se esponsais, e estando já a mulher na casa do marido,
comprometido, dessa forma, às mesmas condições se averiguou que ela tem algum voto que ocultou, seja
de vida). despedida (com libelo de repúdio) sem se lhe entregar
A natureza destas coisas mostra que tais casos são o dote ».
raros e que não se faz dos mesmos menção especial. Logo, se por causa dum voto que. ocultou ao
Contudo, a estes pertence, de certo modo, um que marido pode a mulher ser despedida sem se lhe entre-
a Bíblia nos conta. Ana, mãe, fez este voto : « Senhor gor o dote, é manifesto que, perante a Lei, a mulher
Deus dos exércitos, se te dignares olhar para a afli- deve dar conta ao marido dos votos que tem de obser-
ção da tua serva, e se te lembrares de mim, e se não var no futuro.
esqueceres a tua serva e deres à tua escrava um filho Os escritos extra-bíblicos projectam, pois, certa
varão, eu o darei ao Senhor durante todos os dias luz sobre a resolução de Maria levar vida virginal no
da sua vida, e não passará a navalha sobre a sua matrimónio.
cabeça » 1• A resolução do problema seria, naturalmente, o
Ana fez o voto e seu marido confirmou-o. Mas caso de uma mulher que, com a aprovação de seu
pergunta-se: Havia votos que se ligassem, estritamente, marido ou noivo, se tivesse consagrado a Deus.
com a vida conjugal? Sim, havia. Porém, disto não temos provas.
Tratamos das hipóteses que, nas práticas piedosas,
1 I Reis, 1-2 . em geral, poderiam servir de ilustração para o voto de

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MARIA, MÃE DE JESUS MAR IA, MÃE DE JESUS
"-~--·· -··-----~·· ·· ·-·1

Maria. Porém, os testemunhos históricos não bastam


para se ver, na resolução de Maria, alguma coisa que
tenha explicação nos costumes da época. E, por outro
)('I . MATRIMÓNIO. VIUVEZ E VIRGINDADE EM ISRAEL
~
~
.

lado, esses mesmos testemunhos mostram que, entre o Ordinàriamente, o ideal dos Israelitas era casar-
povo, estavam em uso esses votos e que eram, geral- -se, envelhecer rodeados de muitos filhos que, como

~
mente, conhecidas as relações jurídicas entre promes- i «rebentos de oliveira », crescem em volta do velho
.1
sas votivas e promessas matrimoniais. i tronco e ver ainda os filhos dos filhos. Para o ado-
Portanto, se Maria tinha feito voto de virgindade, lescente era quase um dever o casar-se. A vida da
sabia, sem dúvida, que tinha obrigação de o manifes- maior parte dos homens r esumia-se nisso.
tar a seu noivo antes dos desposórios. E, se queria No matrimónio olhavam, bem mais do que hoje,
estar certa de que este precedente não lhe havia de para os filhos e para a sua descendência que havia
causar dificuldades depois do matrimónio, não podia
contentar-se com uma simples aprovação. Era neces-
1 de prolongar a família até « aos dias do Messias ».
Que assim era, proya-o a oração de Tobias.
sário, além disso, que a piedade dele lhe desse garan- Porém, juntamente com esta ideia, havia uma
tias seguras de que não havia de mudar de pensar e forte atracção para a virgindade.
de proceder. As virgens podiam acompanhar com timbales a
Segundo isto, parece podermos concluir que não Arca da Aliança. Nas lamentações, vêmo-las ao lado
era usual, naquele tempo, consagrar-se uma jovem ao dos sacerdotes.
Senhor pelo voto de virgindade, renunciando ao ma- Uma viúva que, depois do primeiro matrimónio,
trimónio. se conservava casta e pura era também objecto do
Porém, não o teria feito Maria, ao menos, por mesmo respeito e consideração que se tributava às
estas tendências que se começavam a manifestar? virgens. Judit era considerada o seu protótipo. Entre
Que ideia se fazia naquele tempo do matrimónio o Antigo e o Novo Testamento, houve também uma
e da virgindade ? viúva, Ana a profetiza, que se consagrara ao serviço
A resposta a esta pergunta esclarece o procedi- de Deus e merecera, juntamente com o Santo Velho
mento de Maria duma maneira nova, que é realmente Simeão, saudar no templo ao Salvador.
significativa. É que, ao influxo do sentimento religioso do
tempo, manifestava-se o apreço pela vida celibatária,
quando um negócio religioso determinado absorvia o
homem por completo.

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~ Varios profetas : Elias ; Eliseu, seu discípulo que


gozava dum grande prestígio; Jeremias, o profeta do
tempo do cati veiro eram celibatários. E o último de

D ES C RIÇÃO DAS GRAVURAS

PARIINDO de N azaré em direcção ao sul, a dois quilómetros,


pouco mais ou menos, a planície é bruscamente interrompida no
cume do Esdrelão.
Lá ao longe, vê-se a pl:inÍCie com seu solo fértil e profundo
disposto em form a de xadrez. Vêem-se os campos d e forma rectan-
gular, uns a seguir aos outros, por lavrar ou lavrados mais ou menos
recentemente, sem semear ou semeados há mais ou menos tempo.
Daqui vê-se a p arte mais alta do T abor, donde desceu à planí-
cie o capitão Barak.
Para José, o carpinteiro, e para Jesus, tinha imp or tância particular Descida das alturas d; Nazaré para a planície do Esdreláo
,por ser rico em madeiras. Certamente Jesus, durante a sua vida oculta,
iria muitas vezes ao povo q ue está ao pé do monte comprar madeira.
Ao sul vê-se o pequeno Hermon e a montanha G ilboah onde
morreu Saul. Por detrás aparecem as primeiras montanhas da Samaria.
·\'-
À primeira vista poderia pensar-se que tínhamos diante dos o lhos
o pico agudo dum monte solitário. Na realidade é o cume abrupto da
esplanada em cuja encosta se estende Nazaré. O desfiladeiro da metade
do rectângulo é o mesmo que na gravura anterior aparece à esquerda.
Por ali seguia um camin ho que se estendia até à planície de Esdrelão.
Chama-se o Monte da precipitação, porque, conforme a tradi-
ção, os moradores de N azaré empurraram a Jesus p ara o precipitarem
dali abaixo depois da fala q ue lhes fez na sinagoga. Nesta região viveu
Jesus a maior parte da sua vida. Nas suas encostas voltadas ao sul, flo-
resciam as primeiras flores da primavera cu ja form osura era maior que
as riquezas dos vestidos de Salomão. Por aqui apanharia Jesus, em
criança, na companhia de Maria, erva sêca, cardos e ramos de árvores
para o forno .

24 Vista da d;scida 'das altaras d. Nazaré tirada da planície do Esdreláo

li - 24 Fot. Raad

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MARIA, MÃE DE JESUS

todos, S. João Baptista, colocado entre o Antigo e


o Novo Testamento, que arrebatava as multidões,
foi-o também. E nem por isso o tinham em menor
apreço.
É que existia na alma do povo uma certa estima
pela continência.
Algumas gerações, antes de Jesus Cristo, formaram
uma seita, a dos « Essenios », que tinha por base do
seu sistema o celibato. Não se sabe ao certo a sua
origem. Teve larga difusão, porque, segundo Flávio
Josefo, contava, em seu tempo, 4.000 adeptos. Parece
que também condenava o culto do templo.
Ora, o facto de uma seita religiosa ter por base
da sua doutrina o celibato, é prova de que este encon-
trava ambiente favorável naquele tempo.
Parece certo que, o que determinou a seita a
escolher o celibato como base do seu sistema, foram
as ideias favoráveis ao mesmo que estavam latentes
naquele meio.
O que fica dito tem aplicação imediata aos varões.
As virgens estavam, pela sua mesma condição, noutras
circunstâncias, a respeito do matrimónio, não só por-
que não se casavam, mas também porque, conforme o
dito do Salvador, «eram tomadas em matrimónio».
Por isso, não se lhes podia impor a obrigação
estrita de se casar. Esta recaía, quando a havia, sobre
o pai ou tutor. Por isso, a opinião pública não pres-
tava a mesma atenção ao casamento das jovens que
1 ao dos mancebos. Por este motivo são tão pouco pre-
I' cisas as fontes escritas, no caso particular da mulher.
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Em geral, parece que podemos tirar esta conclusão : A resposta mais simples seria poder apresentar
na época em que se olhava com veneração o celibato documentos que mostrassem ser corrente naquele
de certos homens, não estava posta de parte a ideia tempo, que o Messias já tinha vindo. É certo que cor-
de que a mulher pudesse levar vida celibatária por riam entre o povo semelhantes rumores, porém não
motivos de religião. têm força provativa propriamente dita. Podia tam -
Em vista disto, pode crer-se que a resolução de bém aceitar-se a ideia de Maria se julgar indigna de
Maria de guardar virgindade fôra suscitada pelas ideias ser a mãe do Messias e de pensar que esta dita a
religiosas de então. possuía outra família que conservasse melhor o esplen-
Contudo, para uma jovem como Maria, havia uma dor e a nobreza da casa de David.
dificuldade especial. Era uma das filhas da casa de Como se vê, esta hipótese supõe que Maria teria
David, da qual, segundo as profecias, devia sair o pensado expressamente na possibilidade de ser esco-
Messias. lhida para Mãe do Messias.
Esta ideia estava tão arraigada na consciência do Maior probabilidade tem, apesar de o não pare-
povo que, ao Messias, se chamava, então, o «Filho cer, e até mesmo porque o não parece, o supor que
de David », como mais tarde lhe chamou o mesmo Maria levava uma vida de tanta humilhação e de cir-
Jesus. cunstâncias externas tão mortificatívas que jàmaís lhe
Toda a descendente de David sabia-o e, portanto, veio ao pensamento relacionar-se com a profecia mes-
considerava-se a si mesma no pequeno número daque- siânica, nem sequer a título de curiosidade.
las que poderiam ser mães do Messias ou por si mes- Como quer que seja, ainda que não se pode negar
mas ou por seus descendentes. que o seu voto de virgindade a colocaria fora das
Porém, desde que uma filha de David se consa- filhas de David, como detentoras das promessas mes-
grava a Deus, a esperança da maternidade messiânica siânicas, não devemos apegar-nos a uma explicação
devia desaparecer, em virtude da consagração a Deus determinada da causa por que assim procedeu, mas
da virgindade. devemos antes considerar isto como mistério que, por
Ficam indicadas as razões, vistas as coisas de determinação divina, era como que o fundamento da
fora, pelas quais, também para Maria, se apresenta- sua vida e o início da sua preparação pessoal para a
vam dificuldades, e dificuldades de ordem religiosa, vinda do Messias.
para fazer voto de virgindade.
Portanto, não é fácil explicar c~mo Maria se
sobrepôs, por assim dizer, a este estado de coisa&.

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~
ao tornar-se consciente, crescia mais do que o seu
MARIA VIRGEM - SUA CONSAGRAÇÃO A DEUS próprio ser. Como o murmúrio das fontes é sempre o
mesmo, como o mesmo também é o sopro dos ventos,
O Senhor é contigo. como o fogo lança sem cessar a mesma chama, assim
Luc., I, 28. também os sentimentos e aspirações de Maria eram
sempre os mesmos e sempre dirigidos unicamente
para Deus.
Temos mostrado que o costume de fazer votos Aquele anelo tinha dado à vida de Maria um tom
estava geralmente reconhecido e aprovado no tempo particular invariável. Invariabilidade esta que dificulta
de Maria. Mas vimos também que não se pode apre- aos homens sempre ávidos de variedade a compreen-
sentar nenhum caso semelhante que lhe pudesse ser- são daquela vida. Porquanto o homem revolta-se con-
vír d e norma. tra o invariável, ainda mesmo contra a invariabilidade
Como chegou, pois, Maria a consagrar-se a Deus? da alma em Deus.
Não parece admissível que a isso fosse levada A alma de Maria, pelo c ontrário, tinha alguma
por alguma revelação sensível de Deus, como na apa- coisa da constituição dos anjos. Resoluções tomadas
rição do anjo; porque, se assim fosse, teri a falado ao por amor de Deus, ficavam-lhe tão arraigadas que
anjo Gabriel doutra maneira. Portanto o motivo único nunca tev e desejo de as modificar. Maria é , pois,
da sua consagração a Deus temos que procurá-lo, dum modo especial, a «virgem fiel », como a Igreja
consideradas bem todas as hipóteses possíveis, na sua lhe chama nas ladaínhas.
condição especial: estava debaixo da direcção parti- Esta constância nas coisas divinas tinha em Maria
cular e pessoal de Deus; precisamente porque era a a sua máxima intensidade, precisamente naquela época
cheia de graça. Eis aqui o primeiro e único motivo da da vida em que as donzelas sofrem transformações
c onsagração a Deus da sua virgindade. exteriores e com frequência também interiores ; é a
Porquanto a sua vida em Deus não só a ocultava passagem da infância para a adolescência.
numa soledade indizível, mas fixava-lhe ainda um fim A vida de Maria não teria sido verdadeiramente
d entro desta mesma soledade, despertava em sua alma humana se estes anos não tivessem tido também para
um anelo que a possuía por completo : o ·pertencer ela um influxo decisivo.
inteiramente a Deus, de tal maneira que não lhe ficasse Também ela conheceu a sua situação, como don-
livre um só átomo do seu ser. zela, para com o outro sexo e para com a sociedade.
1:1
Este anelo que se apoderou da sua alma quando E enquanto muitos jovens se afastam de Deus nesta
ri
"\' . .,. .,,. , ,'.'C•' "Hú»,~-=-·",'T, ., · ,J
28 29

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE .DE JESUS

época, Maria unia-se-lhe cada vez mais estreitamente ficação particular na sua vida. Isto contudo não passa
e consagr ava-se ao Senhor sem reservas. duma consideração piedosa.
Já S.to Agostinho se exprime de tal maneira que Aquele momento não o podemos apresentar senão
é o mesmo que dizer que Maria fez voto de vir- acompanhado de uma assistência particularíssima e
gindade. misteriosa da graça que lhe deu luz e força ao mesmo
A sua expressão pode desorientar porque suscita '>f tempo.
a ideia de que Maria se impôs alguma coisa que tam- Não é impossível que este passo fosse precedido
bém as outras mulheres ofereciam a Deus com voto de lutas internas e vacilações, como as que mais tarde
e que se designava por estes termos: « fazer voto de assaltaram a S. José. Pois, obedecendo a um impulso
virgindade », Porém, não é este o seu pensamento. interno, Maria obrigava-se a uma coisa sem preceden-
O que Maria fez assemelha-se antes ao que faz a flor tes e de que ela, sem o sonhar, seria o modelo de si
quando abre a corola aos influxos dos raios do sol ; mesma. Além disso, não ignorava o modo de pensar
o movimento procede de dentro para fora , e não de dos seus parentes e conhecia bastante os usos e cos-
fora para dentro. tumes, para prever que o seu voto lhe podia acarretar
Maria não seguiu nem imitou o exemplo de outrem; dificuldades e mover perseguições.
satisfez uma aspiração interna que só ela tinha, ela,
« a cheia de graça ».
A sua consagração a Deus foi feita em tempo e
lugar determinados.
Em que idade ?
Para a validade, requeria-se determinada idade ;
tratando-se de donzelas, doze anos completos. Maria
devia ter, então, mais de doze anos. ;. 1

Onde fez Maria a sua consagração a Deus ?


Se se quer optar por um tempo e lugar determi- 11
/1
nado, o mais pro vável, tendo em atenção a vida reli- '"oi)

giosa daquele tempo e a lei da distribuição das graças,


do Antigo Testamento, é que a fez em Jerusalém, por
ocasião de alguma festa.
Também no futuro as solenidades terão uma signi-

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~
ki

~
II 1
~

i A vida de Maria
na sociedade religiosa
~
1
~

ASCENDÊNCIA DE MARIA

~ !VRO de genealogia de Jesus Cristo filho de David, /ilho de


!1 • Abraão. Abraão gerou Isaac. Isaac gerou Jacob. Jacob gerou
Judá e seus irmãos. Judá gerou de Tamar, Farés e Zara.
Farés gerou Esron. Esron gerou A rão. Arão gerou Amina-
dab. Aminadab gerou Naasson. Naasson gerou Salmon . Salmo n
gerou Booz de R aab. Booz gerou Obed de Ruth. Obed gerou
Jessé. Jessé gerou o rei David. O rei David gerou Salomão
1 .·
daquela que foi mulher de U rias. Salomão gerou Robooão .
Robooão gerão Abias. Abias gerou Asa. Asa gerou Josafat.
Josafat gerou Joráo. Jorão gerou Üzias. Ozias gerou Joatão.
Joatão gerou Acaz. Acaz gerou Ezequias. Ezequias gerou Ma nas-
sés. Manassés gerou Amon. Amon gerou Josias. Josias gerou
Jeconias e seus irmãos no dia da transmigração de Babilónia.
E dep ois da transmigração d e Babilónia Jeconias gerou
Salatiel. Salatiel gerou Zorobabel. Zorobabel gerou Abiud.
Abiud ger ou Eliacim . Eliacim gerou Azor. Azor gerou Sadoc.
Sadoc gerou Aquim. Aquim gerou Eliud. Eliud gerou Eleazar.
Eleaza~ gerou Matan. Matan gerou Jacob. E Jacob gerou José,
esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo 1.
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1 Mat., 1, I· r6 .
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Nos escritos religiosos dos Israelítas e nas dis- do povo para prolongar a sene de gerações até ao
cussões de carácter religioso que deles conhecemos aparecimento do Messias prometido nas Escrituras.
pela tradição lê-se : « Assim está escrito ; di-lo a Es- Por este motivo, um matrimónio sem filhos não
:· 1
critura; isto é o que se escreveu. No livro dos pro- era só nem prímàriamente , um defeito físico, mas
i : fetas está escrito ; isto di-lo o Espírito ·Santo por sobretudo um defeito religioso : sinal de que Deus
meio do profeta ». E quando se trata de provar isto : excluía tal homem, tal mulher, tal família dos seus
11
li « Assim está escrito :o, ouvem-se as perguntas : - planos. Dir-se-ia que um homem sem filhos ficava
" ' « Como o lês tu ? Como está escrito ? Que é o que parado, que não ia ao encontro do Salvador.
está escrito ? » Numa árvore genealógica costuma seguir-se, hoje
A persuasão de que a Escritura manifestava a em dia, só a linha principal; os que a ela pertencem
vontade de Deus tinha uma influência educativa muito são « os parentes ».
grande. A repetição constante destas palavras arrai- Neste particular, os orientais seguem, com mais
gava no povo, consciente ou inconscientemente, esta fidelidade, a natureza. Consideram como pertencendo
convicção: à família os das linhas laterais, o que dá uma certa
li 1 A história do nosso povo não é um tecido de liberdade para a combinação das genealogias. Assim
li acontecimentos amontoados ao acaso, e o que se diz como numa árvore se pode chegar ao tronco por dife-
do seu passado diga-se do futuro. Por isso todos rentes ramos, assim também na organização das genea-
deviam ter uma vocação e um. emprego no meio do logias, para chegar à linha principal, não é necessário
seu povo. Cada qual se sentia como um valor na mencionar todas as bifurcações, ne m, portanto, todos
1 1
comunidade e não como um valor à parte. os membros, como quem diz, não é mister designar
1
O sentimento e a ideia religiosa afectavam deste os ramos que levam directamente ao tronco, mas
modo, a existência do mesmo povo e davam sentido basta passar a um ramo próximo e por ele subir até
''

l
1,
e razão à vida do ú.ltimo dos seus membros. à linha principal.
I. Isto aplica-se também àquilo que costuma ser Devemos ter isto em consideração ao percorrer
11 · 1
subordinado unicamente à lei ou instinto da natureza as duas genealogias que, de Jesus, nos dão os Evan-
- a formação da família e a vida conjugal. gelistas e que, em muitos casos, não se referem à
O matrimónio não era para o Israelita um sim- mesma linha. Isto é tão claro que qualquer criança o
ples « casar~se » que só aos desposados e seus paren- pode verificar. E nem os Evangelistas nem os primei-
tes diz respeito. ros leitores do Evangelho o estranharam.
Pelo matrimónio entrava-se na missão religiosa A razão disto havemos de procurá-la não na sua

34 35

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

simplicidade, mas no conhecimento mais perfeito do fórmula protocolar. Outros documentos dizem-nos que
modo como se formavam e transmitiam então as também se tinha em . consideração a genealogia da
genealogias. mãe.
As famílias dos sacerdotes e levitas e daqueles Naturalmente para abarcar e reunir numa vista
i1 ' que desempenhavam no templo cargos honoríficos cos- de conjunto toda a parentela duma família sacerdotal,
tumavam ter listas especialmente exactas. Por ocasião era necessário ter em conta todos os laços que uniam
!
1
de algum casamento submetia-se ao mais rigoroso o estado sacerdotal com o povo. Ora algumas das
"
1 exame a ascendência da mulher, aplicando a regra declarações que nos foram transmitidas dão testemu-
1 seguinte : Se um sacerdote casava com uma mulher nho de tais ramificações.
1 1 da família sacerdotal tinha que encontrar regressiva- . Com estes dados, podemos lançar uma ponte entre
1' 1 mente oito mães, a saber : Sua mãe e a mãe desta: as condições gerais e a vida e listas genealógicas de
1 a mãe do pai da sua mãe e a mãe desta; a mãe de Maria.
seu pai e a mãe deste; a mãe do pai do seu pai e a Posto que nada sabemos do Pai de Maria, diz-se
mãe desta. expressamente que esta estava aparentada com Isa-
Se casava com uma filha dum levita, ou outro bel, esposa do sacerdote Zacarias. E Zacarias, como
Israelita (bem acreditado) retrocedia-se no exame uma sacerdote, tinha obrigação de submeter a exame sua
geração a mais. genealogia, que compreendia, em algum grau, a ascen-
Flávio Josefo, contemporâneo dos Apóstolos, dá dência da Virgem.
o seguinte testemunho das genealogias dos sacerdotes :. As famílias nobres davam muita importância a
A comprovação de nossos antepassados não a faze- esta matéria, conforme se deixa ver. E em Israel a
mos só na nossa pátria judaica, mas também em qual- casa de David era uma das primeiras famílias. Men-
quer lugar onde residir parte de nosso povo com seus cionam-se expressamente varões que remontavam a
sacerdotes. Costumam-se enviar a Jerusalém as listas sua linhagem até David, como Maria e José; tal era,
genealógicas com os nomes dos pais e dos antepas- por exemplo, o famoso rabino Hillel, que, por parte
sados da linha paterna, autenticadas com os nomes de sua mãe, ascendia até David.
.1 das testemunhas para cada dado. No templo havia Para afirmar com certeza que Maria era descen-
uma comissão permanente para examinar e aprovar dente da casa de David e que tinha conhecimento
as listas genealógicas dos sacerdotes e dos levitas. disso, não basta dizer que S. Lucas percorre, no seu
Funcionava no átrio dos gentios. A frase ~<senta­ Evangelho, a série dos ascendentes paternos de Maria.
ram-se e comprovaram as genealogias» chegou a ser As investigações feitas a tal respeito não conseguiram

···· e· ·I~ _-')= ·•


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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

dar-nos a certeza, ainda que há muitas razões que a <O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David».
isso nos inclinam. Ora, para que isto seja exacto, Maria tem que perten-
Resultados mais seguros nos dá a narração da cer à casa de David. Só assim pode Jesus, seu filho,
Anunciação. Nesta fala-se expressamente de «uma ser descendente de David. Ouvida a mensagem do
descendência da casa de David», Eis o texto da nar- anjo, Maria declara-lhe o propósito que tinha de não
ração : « O anjo foi enviado a uma virgem, da casa fazer uso do matrimónio; e fora disto não se viu obri-
1
de David, desposada com um varão chamado José, gada a perguntar nem a declarar mais nada. Não seria

e o nome da virgem era Maria», A quem se refere assim se não tivesse conhecimento da sua descendên-
11
1
o apôsto da «casa de David», a Maria ou a José? cia da casa de David, como pressupunha o anjo em
1
Temos razões para referi-lo a Maria. Em toda a nar- sua mensagem.
ração é ela a figura principal e não José. Além disso,
tratando-se de mulheres célebres de uma família, era
costume ter em conta também a sua linhagem. De Isa- MARIA COMO FILHA DA CASA DE DAVID
bel, mãe do Baptista, se diz que era filha de Aarão ;
de Ana a profetiza que o era de Fanuel, da tríbu de O Senhor Deus, lhe dará o trono
Aser. Acresce que mais abaixo (cap. II, 4) se diz em de David, seu pai.
separado que José procedia da Casa de David. Por (Luc., 1, 31).

isso é muito provável que o apôsto « casa de David>


se refira a Maria, apresentando-a como filha de David. Maria descendia do tronco de David e sabia-o.
Porém até aqui não obtivemos uma prova definitiva. Que influência teve este conhecimento em suas ideias
As palavras do anjo a Maria são um testemunho e sentimentos ?
seguro da sua procedência da casa de David, e mos- Conserva-se uma história que, em sua forma popu-
tram ao mesmo tempo que Maria tinha conhecimento lar encantadora, revela quão viva estava no povo a
disso. O anjo diz-lhe : «Conceberás e darás à luz um ideia de que os filhos são herdeiros não só das pro-
filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande e messas e merecimentos, mas também das ameaças e {
será chamado o Filho do Altíssimo. O Senhor Deus das culpas de seus antepassados e que têm que as ~.,,
lhe dará o trono de David seu pai», Nesta alocução expiar e de orar por eles.
chama o anjo a Jesus filho de Maria, pois diz : « darás Eis a história : O rabino Chijja estava orando.
4(

1
à luz um filho », E ao mesmo tempo chama a Jesus O rabino Kahana aproximou-se e pôs-se a orar ~etrás
filho de David segundo a carne. Suas palavras são: dele. Quando Chijja acabou a sua oração sentou-se,
i
1

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

para não o distrair passando por diante dele. Porém ção. Ele levava vida de oração expiatória. Sua con-
o rabino Kahana prolongara muito a sua oração. Chijja duta merece cordial aprovação do piedoso Chijja.
teve que esperar muito. Quando Kahana terminou a Mais. Este bom exemplo estimula-o a apoiar com
11
ii sua oração, disse-lhe Chijja: «Será costume vosso, em sua oração a oração de Kahana.
li
1 :1'
'
Babilónia, martirizar assim os vossos mestres, com Tudo isto só se explica num meio em que hou-
orações sem fim? » Kahana desculpou-se, dizendo : vesse listas genealógicas detalhadas, listas que não
« Sou descendente da família de Helí e desta família fossem uma coisa morta, mas uma espécie de história
está escrito: «A culpa da casa de Helí não se expiará de família, um sumário de seus feitos gloriosos e de
com vítimas e oferendas 1• Deus condenou meus ante- suas culpas; e isto não só diante dos homens mas
passados, que profanavam as vítimas e as oferendas, também diante de Deus que é quem tem em sua mão
a que não lhes aproveitassem nem umas nem outras, a sorte das famílias e atende, em sua providência,
mas só as orações. Perdoai-me, então, por eu ter tanto aos pecados como às boas obras.
orado tanto tempo por eles!». A posição real e verdadeira de Maria a respeito
A piedosa intenção de Kahana, conclui a narra- da casa de David assemelha-se, ainda que remota-
ção, impressionou a Chijja. Prometeu-lhe unir, daí em mente, às relações do piedoso Kahana com a casa
diante, a sua oração à dele pela família de Helí, o que de Helí.
agradou a Deus. Kahana pertencia à família de Helí e sabia-o ;
Nesta narração o que interessa não é saber se Maria pertencia à família de David e não o ignorava.
isto sucedeu precisamente deste modo, mas sim que Como a família de Helí se imortalizou na Sagrada
esta história se costumava contar com suas particula- Escritura pela sua representação especial na história
ridades encantadoras. Correspondia, portanto, às ideias do seu povo, também a família de David era daquelas
de então e à mentalidade e sentimentos daquele povo. de cujos feitos se fala expressamente nos Livros San-
Ora, a narração supõe que Kahana descendia da tos ... Mais ainda. A sorte de Israel aparecia sempre
família de Helí e que o sabia, sem dúvida por uma ligada à família de David, no mais alto grau conhe-
lista de progenitores. Por este conhecimento, via que cido. No bem e no mal, a história do povo de Israel
tinham particular importância aqueles fragmentos da esteve muitos séculos intimamente unida à história
Sagrada Escritura que narram os feitos da sua família. da casa de David. E esta união, conforme os vaticí-
Os pecados desta afectavam profundamente seu cora- nios dos profetas, não se quebraria jàmais, por isso
mesmo que dela havia de vir o Salvador, o «Filho
1 I Reis, ili, r4. de David>,

·.;'.;
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Ora vem a propósito perguntar se Maria, no seu


modo de pensar e de proceder, estaria em situação
semelhante à de Kahana a respeito da casa de Helí,
MARIA, MÃE DE JESUS

curava repará-los, como quem sabia que da situação


da casa de David dependia a vinda do Messias. Por
l
~jl..~~~~~~ ....~~~t'!.•.!.\•.: : il-JJ~~f~""-~'~-.~~,

sua casa. E singularmente inflamada de fervor, pro-

"
seu antepassado. isso procurava expiar e purificar a sua casa, a fim de [!
1
Seria descabido supor que Maria, por ser donzela que se tornasse digna de receber em si o Messias ~
piedosa e recatada, não se preocupasse do passado e celestial.
do futuro da sua família. Se queria compreender o
sentido das Escrituras tinha que olhar particularmente
OS «DIAS DO SALVADOR> NA EXPECTAÇÃO
para a casa de David e em especial para o seu pro-
DO POVO
genitor, rei, profeta e penitente. Além disso, o amor
de família, baseado nos sentimentos religiosos, · impe-
lia-a com mais insistência que ao piedoso Kahana, a A religiosidade do Antigo Testamento é comple-
conhecer os fastos da sua casa. Acrescia um motivo tamente diferente da do Novo no ponto essencial das
que superava todos os outros e predominava em sua suas relações com Deus : na sua posição a respeito
alma: Segundo os profetas, o Salvador havia de vir do Messias. Os do Antigo Testamento esperavam-no.
daquela casa. «És tu o que há-de vir?» mandou perguntar, por
Que sentimentos não brotariam do seu coração seus discípulos, S. João Baptista, o último dos pro-
ao considerar as graças com que o Senhor Deus havia fetas, a Jesus.
assinalado a sua família e a monstruosa ingratidão Pelo contrário, para os crentes do Novo Testa-
com que esta Lhe tinha correspondido l E, apesar mento, até mesmo para os Apóstolos, depois do dia
disso, Deus não lhe retirara as suas promessas. . da Ascensão, Jesus é o Salvador, «o que se manifes-
Permitiu, é certo, que perdesse o trono e ficasse tou e subiu de novo aos céus ». A diferença torna-se
reduzida à pobreza e à vulgaridade exterior; contudo ainda mais sensível, logo que a fé no Salvador se
uma e outra vez afirma : Da casa de David, tão aba- apoderou com mais força dum homem do Antigo
tida, há-de sair o Redentor! Testamento.
Esses laços de sangue com a família real influíam A fé impelia as almas piedosas de então a pensar
em Maria com mais eficácia do que no piedoso no futuro, « na plenitude dos tempos » . Com a fé :rio
Kahana a sua procedência de Helí. Ela, a imaculada, que havia de vir, crescia o desejo da sua vinda. E este
a cheia de graça, sentia, duma maneira particular- desejo impelia-os a procurar saber « quanto tempo
mente dolorosa, o peso dos crimes que oprimiam a faltaria » e a imaginar « como seria a sua vinda ».

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Quanto mais penetravam na essência do pecado Em conformidade com 1,2ste pensamento, espera-
e, por este conhecimento, na redenção, tanto melhor vam os chefes e muita gente do povo encontrar no
se representavam a vinda do Salvador, ainda mesmo Messias um dominador cheio de poder e majestade
v endo as coisas humanamente, tal qual seria um dia que expulsasse os romanos e trasladasse a Jerusalém
a realidade. O mesmo se pode dizer das revelações a primazia de Roma conquistadora. . .
particulares de Deus. ..<?; \H· Justamente na época em que Jesus nascia, d1vul-
):
Para nós, crentes, que vivemos depois de Jesus :1
i;
!~ou- sc· a . Ascensão de Moisés.", espécie . de livro
Cristo, e olhamos para acontecimentos que se perdem 1: 11 rcligioso-rrnpular. Ao falar dos dias do .r:1~ssias o s:u
num passado remoto, é muito difícíl compreender a t;
·~
li aulor prorrompe nestes transportes de Ju~ilo: « ~nt~o
l~
vida dum povo que, como sociedade, confiava num ( senis díloso, Israel, e abaterás a cerv1z da agma
Salvador e libertador que estava para chegar.
!' il (romana). Os dias da águia acabaram-se. ». _
1;1 li Esta imagem falseada do Messias cnou um a tensao
Como o confortaria e o conduziria a Deus a sua fi (

fé no futuro, naquele que havia de vir, e cuja vinda 'i


I! l político-religiosa. Vários indivíduos aproveitaram-se do
ambiente para se apresentarem como Messias e ganhar
fôra anunciada por Deus, marcando a época da sua '1
i!
).:
1,
aparição l 11 adeptos.
[l 11
Houve, por exemplo, um certo Teudas que teve
Se, apesar de tudo, nos aventuramos a traçar um ··1 \!,
quadro da situação dos espíritos, arriscamo-nos a H os seus partidários, como contam os Actos dos Após-
tomar o acessório pelo principal (por ser o mais f ácíl [i \l;
•l
tolos. Depois deste apresentou-se Judas, o _?alileu,
para nós) perdendo de vista o essencial. "I quando se fazia o recenseamento da populaçao, con-
1: 11
Para nós é, realmente, mais simples represen- t; forme narram os Actos dos Apóstolos, o qual orga-
tarmo-nos os homens anteriores à vinda de Jesus [! 'i
1
nizou um levantamento do povo. O ambiente estava
Cristo que, ou tinham adulterado a espectação do 1; saturado. O cetro caíra das mãos de Judá. Reinava
~I1
Messias, ou fomentavam em seu coração alheios sen- !'. um adventício, Herodes, sustentado por uns pagãos,
I'
tímentos. Somos capazes de compreender aquele povo
[.1
:.! \'i
os romanos. As semanas de Daniel tinham passado.
que se sublevava contra a dominação romana e recor- ~ 1
A tensão crescia de ano para ano.
ria a todos os meios de organização para se defender r: Este conhecimento, porém, da degeneração em que
1; decaíra a esperança do Messias não basta, nem para
de ideias pagãs que se infiltravam em seu espírito. "!
Compreendemos a impaciência com que lembravam ccnhecer a história da revelação como união constante
cavilosamente a Deus as suas promessas, urgindo tei- de Deus com os homens, nem para compreender a
mosamente o cumprimento delas. \\
vida que Maria levava antes da Anunciação. Reque-

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:~ rr""T":· "1'\R:<W• • ~d:.-e:'>'i:~.:~''T- f1~,,,'t~'="=~-WW:~~?-~~
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS •·-·--·---·-""""··-·1
;~::ãod~ ::t:ss!~haop;d~~~g~!~~o f: ªõ:~: t:::~~a:a~ l
:-1 re-se, portanto, como preâmbulo indispensável, alguma 1
orientação àcerca do espírito com que a gente piedosa
e iluminada por Deus esperava « os dias do Messias», que o Espíríto Santo lhe revelou que não morreria
e das esperanças que n'Ele fundava. Porque só os antes de saudar o Messias. Coisa semelhante se pas-
homens com credenciais divinas devem considerar-se sou com Ana, a profetiza, que passava a vida em
os representantes genuínos das esperanças messiânicas. ~ 1·' orações e jejuns constantes.
Contudo a ânsia pela vinda do Salvador não se
tinha apoderado de nenhum santo daquele tempo,
ÂNSIAS DE MARIA PELA VINDA DO SALVADOR tanto e com tanta força, como de Maria de Nazaré.
Para ela era mais doloroso que para Simeão e
Recebeu a [s,.ae l, seu servo, recor-
Ana que os homens vivessem longe de Deus, sujeitos
dando-se da stta misericó,.dia, como à escravidão do pecado. Por isso, suspirava com mais
disse a nossos pais, Ab1•aão e à sua abrasado afecto do que eles, pelo tempo em que se
descendência. havia de restabelecer a paz entre Deus e os homens,
(Luc., l, 54-55).
e entre os mesmos homens. Este momento solene
coincidiria, ela sabia-o muito bem, com o apareci-
.i•I No mesmo tempo em que homens de todas as mento do Messias. Por isso, todos os anelos da sua
categorias não sabiam levantar seus pensamentos da alma unida a Deus eram anelos de quem suspira pelo
terra e anteviam no Salvador um chefe político, em Messias.
vez dum restaurador religioso, havia em Israel um Que dita para ela se não se sentisse tão só, se
grupo selecto de almas piedosas e iluminadas por os homens pensassem um pouco mais em Deus, se
Deus que conservavam pura a esperança messiânica. falassem dele e cumprissem a sua vontade !
Viam no Messias o libertador da escravidão espiritual Tão absorta vivia naquelas ânsias que nem sequer
e da miséria do pecado. Também elas se inflamavam dava fé de que o seu coração estava nelas submergido. i
com a persuasão íntima de que « os dias do Messias Nestas circunstâncias, como se desenrolou a vida reli- ~
estavam à porta ». E assim fala o Evangelho de pes- giosa de Maria ? Por que caminho e até a que ponto '
soas que passavam seus dias esperando o Messias e podia satisfazer esse desejo e conhecer o que estava
pedindo a Deus a sua vinda. Entre estes está Zaca- profetizado àcerca do Redentor e da redenção, ela,
rias, a quem o anjo diz: «Tua oração foi ouvida», modesta donzela do povo ?
Esta oração devia incluir alguma súplica a pedir a .I Duas fontes tinha a seu alcance para satisfazer a

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'· ~,f""V"''·c •-·'' õ'C <"'~'·' '""""' SO~•> '" "'"º'" '" " "~'cC ~Vi' O"'-"'"'L<'-" ~·~'''" ' ' ' '° °'"' ·'- "'""'"""'-~~·"~J 47
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sêde do divino : os livros Sagrados e o culto divino,


intimamente relacionado com as revelações daquele
povo.
O homem moderno, ufano com o grande número
de escolas, que dissipam o analfabetismo, faz esta
pergunta : « Maria sabia ler? Tinha dinheiro suficiente
para comprar os livros Sagrados ? »
O nosso primeiro impulso seria responder com
um « não », Não será, porém, descabida certa circuns-
pecç ão pelos seguintes motivos : Nossos meios de for-
mação, há séculos, não eram muito diferentes dos
que havia no tempo de J esus. Or a, os factos histó-
ricos demonstram que os homens e mulheres piedosos

DE SC RIÇÃ O DA GRA VUR A

A gravura most ra d uas meninas p r ostradas em oração d iante da


ped ra q u e os anti gos pensavam ser o " cen t ro d o mu ndo» e que se
e nco n t ra agora na igre ja do Santo Sepulcro.
Estas crianças regr essavam da procissão d o d ia de R amos. U ma
pousou no chão o ramo q ue levou na procissão. A o utra conserva-o
em tal posiçâo que dá a impressão de que está no ar . A s folhas flex í-
veis da palma estão artlsticamente entrelaçadas e adornadas, de sort e
que dificilmente se reco nhece o ramo.
Uma delas tem também na mão a vela que lev ou na procissão.
Está incli nada sob re a pedra a orar.
Estas d uas men inas que ainda assistem em esp íri to à festa dos
Ramos most ram na sua compostura e expressão uma piedad e e de vo-
ção tão natural aos orientais.
Por este motivo, a grav ura dá uma ideia mais ou menos exacta
da compostura que Maria teria quando disse ao anjo : " Eu sou a
escra va do Senhor ! Faça-se em mim segundo a tua palavra ! " !
~~ Meninas em oração

~:0. ~.,_.;/".-., ~.=-·..1ofi,H~"-·•:..,'!.)• ·~ l,.:<r. W r/C'!i7.~at:·;':""~-3":-.;:.:;~~-;-"'·- --"'~ .; ·•'.."!::.-•: :('";-: ·-·~--"=-'~--~~:'lr:.""7:.'t".!''·~To' ;_- '._·;~:;:.:.~~.--,.~_:;:.i.; _,_:_.:,.: . - -.-_.-.!.!
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Fot. Raaá
1 1

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aprendiam muitas vezes a ler por amor da fé - sem,


contudo, se poder concluir que também soubessem
escrever. No nosso caso, Maria estava aparentada
com a família de · Zacarias. Certamente este possuía
livros; pelo menos a gente daquela casa sabia ler e

l escrever, como atesta o Evangelho. Podia ser que


Marja tivesse herdado deles alguns rolos velhos. Em
certa ocasião reconhece-se como propriedade privada
da mulher: « uma bolsa, um livro de salmos, o livro
1 de Job e o dos Provérbios; todos eles velhos e gastos>.
Não se trata, é claro, dum caso raro e excepcio-
1 nal. Não é, pois, absolutamente impossível que na
pequena casa de Nazaré houvesse alguns livros da
Sagrada Escritura ou fragmentos escolhidos. Pelo con-
1 trário; se temos como certo o que diz Flávio Josefo,
temos de concordar que havia muitas pessoas, ao
menos entre a juventude masculina, que aprendiam a
ler por amor das Escrituras. Isto mesmo dá a enten-
der o costume de autorizar·todos os homens, incluindo
rapazes do povo, a fazer a leitura nas sinagogas.
Na exposição que vamos fazer do desenvolvi-
mento religioso de Maria, poremos de parte a ques-
tão « se sabia ou não sabia ler » . Ainda que não
soubesse, tinha possibilidade de satisfazer a sua sêde
da ciência divina, sàmente com o que ouvia ler das
Sagradas Escrituras e nos ofícios di vinos. A nós é-nos
fácil compreender em que grau se pode ter e trans-
mitir, em tais circunstâncias, o espírito religioso de
geração em geração, por meio da tradição oral e
do sentimento religioso dessa tradição, ainda que as

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

1:
mulheres e as mães do povo não saibam ler nem mento tirava a alma a força que lhe era necessária
escrever. em cada caso.
A memória dos jovens do campo, propensos ao Este crescimento sob o influxo das palavras reve-
sentimento religioso e sem cuidados escolares, é duma ladas, e este aperfeiçoamento em conhecer o seu sen-
tido, achava-se duma maneira perfeitíssima em Maria,
fidelidade tal, que a gente das cidades quase o não
acredita, ou então parecem-lhe pessoas dotadas de
capacidade rara.
r1
a cheia de graça.
Com o mais ardente fervor e com a mais pene-
Há homens que, passados 40 anos repetem, quase trante percepção, ia armazenando em si os elementos ,[

textualmente, um sermão de missão; também não é divinos depositados na revelação e no culto do Antigo 11
raro encontrarem-se pessoas que podem escrever, frase Testamento. 1

O Evangelista S. Lucas afirma que ela possuía !


por frase, um sermão inteiro. l
1
Certos investigadores folclóricos encontraram uma em alto grau força e reflexão religiosas para con-
mulher dos Alpes que, depois de 60 anos, e aos 80 de servar e assimilar o que tinha ouvido e vivido, ao
idade, sabia não só o texto do seu papel mas também dizer expressamente dela que « guardava tudo em
o de todos os outros que entraram na mesma repre- seu coração » .
sentação teatral e, além disso, recordava-se dos me- Como no seio das montanhas se forma o cristal
nores gestos. E nas canções populares que muitas pela dissolução do quartzo, de harmonia com as leis
pessoas repetem, a maior parte delas nunca viram físicas, assim sucedia na vida oculta e solitária de
um livro de cânticos com notas musicais. Maria. Para ela era como água salutar o que os Livros
Semelhantes eram as circunstâncias do povo de Santos e o culto sagrado diziam de Deus, do decreto
Israel. As histórias e as profecias dos Livros Santos da redenção, do Salvador que havia de vir, do tempo
estavam vivas no povo. Sempre que se trata da for- da sua aparição e da sua actividade. Sua alma sobre-
mação religiosa, destaca Flávio Josefo, juntamente nadava nestas águas e, conforme a uma lei só a ela
com a leitura das Escrituras, as sentenças aprendidas aplicada, ela, a sem pecado, crescia cada vez mais,
de memória e na memória retidas. Chega até a afir- como cresce o cristal no mais rigoroso silêncio.
mar, uma vez, que os homens de Israel podiam repetir Por sobre a queda de Adão e Eva via brilhar,
a Lei com menos dificuldade que o próprio nome. consoladora, a profecia do Messias que havia de vir,
Tal conhecimento da Lei e das profecias era, a profecia da mulher e de seu filho que havia de
para o povo piedoso, a norma e guia de suas acções esmagar a cabeça da serpente. A imagem do Salva-
e omissões, de sua fé, esperança e amor. Desse ali- dor ia-se iluminando cada vez com maior claridade e

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sugestão nos livros proféticos e nos salmos. Maria


queria entranhar-se nas profecias. Ela, que possuía MARIA NO AMBIENTE DOS SALMOS 1

uma penetração particular para conhecer o mistério (ANTES DA ANUNCIAÇÃO) 1

do pecado, estava especialmente apta para se consa-


grar ao mistério da redenção, porque vivia unicamente Para compreender a Maria, é muito importante ter t
para Aquele que havia de chegar depressa. Na vida uma ideia bem clara da vida que levava, vivendo do
\1
de Maria, a cheia de graça, não havia pensamentos espírito e no espírito dos Livros Santos. Para o con-
·1
nem acções que, dalgum modo, se não dirigissem à seguir, vamos considerar, neste capítulo, a sua relação
grande promessa feita por Deus à humanidade. Por com o livro dos salmos, o mais popular do Antigo 1

isso, aquele rasgo típico da sua vida, a consagração Testamento.


a Deus da sua virgindade, de veu relacionar-se, dal- Os salmos eram o livro de oração e canto do
gum modo, com a vinda . do Redentor. povo de Israel. Por força das circunstâncias, muitís-
A espectação da vinda do Salvador avivara-se simos salmos corriam entre o povo simples como
de tal modo, naquele tempo, que muitas pessoas pra- correm entre nós e se herdam certas orações. Por
ticavam e ofereciam as suas obras com o fim único isso, é de supor que Maria os conhecia melhor que
de « apressar a vinda do Messias » . Deve ter sido, qualquer outra parte do sagrado texto . Esta suposição
provàvelmente, este o pensamento que levou Maria a chega quase a demonstr ar-se no cântico Magnificai,
consagrar a sua vida ao Senhor. Quis sacrificar-se na como veremos.
solidão e no silêncio pela casa de David e pela vinda Os salmos são orações cheias de mistério. Secos
do Messias. E, precisamente, por isto se tornou digna e esqueléticos, quando se lêem com um coração frio,
de ser a Mãe daquele que, como Filho de Deus, ia a trasbordam e dão lugar aos pensamentos mais subli-
oferecer-se pelos homens. mes, quando uma alma de sentimentos elevados os
Pela sua consagração a Deus, subtraía - se ao toma como incentivo de devoção. Representemo-nos
mundo. Para o futuro, só queria orar pela vinda do Maria rezando-os, no recolhimento da humilde casa
Messias e viver preparada para a sua aparição, do de Nazaré, ou acompanhando-os no santuário, como
mesmo modo que Simeão e Ana a profetiza, ou ainda aconteceu, sem dúvida, por ocasião das festas do
em maior grau. templo. As palavras tornam -se, por assim dizer, diá-
fanas, esclarece-se o mistério e chegamos a imaginar
que, nós mesmos, os compreendemos melhor, apenas
os pomos na boca de Maria.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

] Examinemos, em particular, o salmo 109 então uni- Naquele tempo, este salmo passava por messiânico,
J versalmente conhecido. Para Maria tinha uma signifi- sem dúvida alguma. Em conformidade com este salmo,
"1 cação particular, escrito, como fôra, por seu avô, o rei declarou Jesus, diante do conselho supremo, que Ele
e profeta David. Quais seriam seus pensamentos ao «estará sentado à direita de Deus ».
meditar estas palavras? Maria estava acostumada a ouvir expor pensa-
{,! mentos e imagens. É claro que estas eram interpreta-
Disse o Senhor ao meu Senhor
das diversamente, segundo as diversas mentalidades.
Senta-te à minha dextra
Até que p on ha os in imigos il Havia Israelitas que viam neste salmo a derrota dos
Como escabelo dos teus p és. romanos, a quem o Messias aniquilaria. Estes ati-
il nham-se à passagem que fala do campo de batalha
D e Sião esten de o Senhor coberto de cadáveres, da morte dos inimigos, do cur-
O cetro do teu p oder I·
I'r1 var a cerviz debaixo do pé do vencedor. Outras pas-
Domina como r ei 1

N o meio dos teus inimigos. 1,'l sagens percorriam-nas por alto, sem lhes prestar aten-
I;l ção. Não era muito significativa para eles aquela em
No· d ia do teu p oder que se diz que o Messias « sacerdote eterno segundo
És rei no esple ndo r da santidade a ordem de Melquisedeque » que havia oferecido pão
De minhas entran has te en gend rei
e vinho; nem que havia sido «gerado antes da estrela
Antes da es trela da man hã.
da manhã » . Mas ainda lhes diziam menos aquelas
O Sen hor o ju ro u palavras misteriosas: «Disse o Senhor' ao meu Senhor,
E não se arrepen derá senta-te à minha direita» ! Que dois senhores seriam
« Será sacerdote eterno
aqueles?
Segundo a ord em de M elquisedeq ue •.
Não há dúvida que à gente piedosa agradavam
Ó Sen hor a t ua dextra de preferência aquelas expressões em que, como numa
Destroça por si os reis concha, se ocultava o mistério do divino. Não as enten-
N o dia da tua c6lera diam bem, é certo; mas soavam as melodias do céu,
Chama a juízo as nações. ouviam-nas com gosto, para ver se conseguiam enten-
N o vasto campo de batalha
dê-las.
Esmaga as suas cabeças . Que passagens seriam as que mais impressiona-
Beberá da torrente vam Maria neste salmo?
E erguerá a cabeça. Outros salmos, havia também, que se referiam ao

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11 !ij
1,

' 1

MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Messias, embora os rabinos não dessem por isso. Eu derramei-me como água,
Tinham um acento triste e melancólico. Soavam como E todos os meus ossos se desconjuntaram .
uma cadeia de soluços e gritos de dor. Meu coração tornou-se como cera
Derretida n o meio das minhas entranhas.
Cantava-se, por exemplo, uma composição de A minha boca secou-se como barro cozido
. David que começava assim : E a minha língua pegou-se ao meu paladar ;
E conduziste-me até ao p6 da sepultura !
Meu Deus! Meu Deus ! Porque me abandonaste ? Porque me rodeia uma matilha de cães ;
Não tenho mais ajuda que os clamores das mi nhas queixas. Uma turba de malignos me assaltou.'
Meu Deus ! Invoco-te durante o dia e não me ou ves T raspassaram minhas mãos e os meus pés,
E nem durante a noite me posso calar. ' Contaram todos os meus ossos.
Não obstante tu és o Santo E eles mesmos me estiveram considerando e olhando.
E reinas sobre os cânticos de Israel.
Em ti conliaram nossos pais, M as tu , Senhor, não afastes de mim o teu socorro 1

Conliaram e protegeste-los. Fortaleza minha, vem em minha defeza. !


A ti clamaram e os sal vaste, ii
!:
Em ti conliaram e não foram defrau dados. Que pensava Maria ao escutar estes versos tão 11
extensos e tão tristes? Fazemos esta pergunta para a 1:
Porém eu sou um verme e não um homem ; '.1
por em destaque. Em todo o caso, pode supor-se que
Ludíbrio da gente,
Abjecção da plebe.
ela, com seu espírito religioso, penetrava no mundo de
Porque todos os que me vêem , me escarnecem , dor, de soledade e de abandono, muito mais dentro que
Movem os lábios e sacodem a cabeça. os letrados que dividiam e analisavam frase por frase.
« Conliou em Deus : que Deus o salve ! Mais tarde voltaremos a falar dos salmos. Neles
Que Deus o secorra, se tanto o ama ! »

i
se tem de demonstrar como a Sagrada Escritura ia
brilhando cada vez com novos e sublimes fulgores
Tu és, na verdade, quem me tirou do seio materno,
Quem me mandou conliar desde que sugava os seios ma ternos; aos olhos de Maria no decorrer da sua vida, e como
Desde que vi a luz, sempre con liei em ti, ela via as profecias, a princípio como qualquer coisa
Desde o seio materno, tu és meu Deus !
Não te afastes de mim, a angústia está em cima
E ninguém vem em meu auxílio !
Muitos touros me rodeiam,
Cercam-me novilhos b ravios de Basão.
Abrem as suas bocas desmesuradamente contra mim,
l
l:
relacionada com o Messias suspirado ; depois, como
alguma coisa que anunciava, de antemão, a sorte de
seu Filho; e, finalmente, como um aspecto da vida que
os dois tinham vivido em comum. Maria foi a umca
pessoa que se encontrou assim colocada em face do
Como leão rampante que ruge. Antigo Testamento.

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III

1 Vida de Maria no seio da Família


1

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~

OS DESPOSÓRIOS EM ISRAEL

« diligênciasprévias » para um casa-


mento, constituíam um verdadeiro
negócio. Os negociadores eram,
• 1
ordinàriamente, os pais dos noivos.
Ambos procuravam tirar partido,
em proveito da própria família.
Portanto, o pai do noivo procurava que a noiva tivesse
um património, o mais rico possível, com as condições
mais favoráveis. O património dos pobres consistia,
principalmente, em móveis e roupa de vestir; os ricos
acrescentavam imóveis e escravos, dinheiro e jóias.

1 Destes bens, só o usofruto pertencia ao varão. De con-
1 formidade com esse uso, tratando-se de ovelhas, por
Ir
exemplo, que, frequentemente, faziam parte do patri-
1 mónio, a lã pertencia ao marido ; os cordeiros de
reprodução à mulher. Por isso se lhes costumava
chamar «bens leiteiros ».

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MARIA, MÃE DE JESUS

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Além do património, havia outro dote, « o reba-
:l nho inalienável » que se regia por outras condições frequentemente com hipotecas ou fianças. Por isso, o
1
! jurídicas. Deste dote podia o esposo dispor livremente pai ou tutor da noiva procurava fazer subir aquela ~
enquanto subsistisse a vida conjugal; aumentava e soma até a nivelar, a seu favor, com as custas antes ;.,'·I.· ,

transformava-se por conta do marido. Se o matrimó- mencionadas.


nio se dissolvia, o marido não estava obrigado a Estes requesitos do contrato matrimonial tinham
entregar mais que o dote primitivo. Por causa da
invariabiíidade destes valores, chamava-se-lhe « reba-
sua importância, não só sob o ponto de vista econó-
mico, mas também sob o ponto de vista moral. Pois é ~
nho inalienável». A metáfora alude a ovelhas e vacas evidente que influíam, como meios muito eficazes,
inalienáveis. A mesma figura empregavam os nossos para que o marido não despedisse a mulher nalgum
antepassados nas suas fundações pias. Também eles acesso de aborrecimento.
conheciam « vacas inalienáveis », isto é, fundações O crédito da boda devia estar muito generalizado
cuja renda assegurava uma quantidade determinada no tempo de Jesus. Lamenta-se, em certa ocasião, um
de leite por dia e por ano. homem a quem aconselham a abandonar a sua esposa
A diferença entre património e dote sobressaía infiel : « tenho um grande crédito de boda que pesa
mais quando se tratava, por exemplo, de escravos. sobre mim e não tenho nada para despedi-la ». Com
,i o dito crédito introduziu-se um novo abuso. O marido
i i Os « escravos do património » pertenciam à mulher;
'' se morriam, perdia-os esta. O marido não estava obri- simulava a separação, declarando que não tinha com
1
.1
! gado a substituí-los por outros comprados. Pelo con- que pagar. E quando o fiador tinha pago por ele,
trário, os escravos do dote morriam para 0 marido ; tomava de novo a sua mulher com o dinheiro rece-
bido. Lamentável precedente de certas manobras mo-
i portanto, se, eventualmente, se dissolvia o matrimónio,
dernas de empréstimo e nivelações.
estava este obrigado a completar o número dos que
!i
cl tinham morrido. Como o contrato matrimonial tinha tanto de negó-
11 Um casamento exigia um terceiro tributo, cha- cio, não era conveniente aos jovens declararem aber-
,j tamente as suas inclinações, pois isso podia influir
lk mado « crédito do casamento », Este era constituído
(
pela soma que o marido tinha que entregar dos seus perniciosamente na questão financeira, para um ou
bens à mulher, se a despedisse. Esta soma consistia outro lado.
numa espécie de «cota fixa», que tinha de ser paga As negociações prévias terminavam com os des-
e~ qualquer hipótese, e num « suplemento » propor- posórios. Estes equivaliam substancialmente ao enlace
c10nal à posição, que variava conforme o património matrimonial e tinham as mesmas consequências jurí-

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fl MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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1
1
dicas. O cerimonial consistia em o noivo depositar na então o crédito da boda e tudo o mais que estivesse
mão da noiva um objecto de valor mínimo de cinco em poder do desposado.
cêntimos, como arras do matrimónio e declarar: «Com Mas pergunta-se : Para quê o casamento, se os
isto és solenemente minha noiva», Seguia-se uma fór- desposórios tinham o mesmo valor? Era um costume
mula de bênção. Desde este momento, a noiva recebia que obedetia, provàvelmente, a uma experiência maior
o nome de « esposa de fulano », exactamente como 'l
da vida, maior do que nós geralmente supomos. Por
quando os Evangelhos apresentam Maria como esposa uma parte, era conveniente que a mulher se ligasse
de José. cedo ao homem que havia de ser seu marido e que
O contrato fazia-se muitas vezes, mas nem sem- este nela tivesse os seus pensamentos; por outra, não
pre, nem em todas as partes, por escrito. Sendo oral, devia esta submeter-se cedo demais aos encargos do
havia testemunhas. O costume fixava o prazo dum matrimónio. Daí a pressa nos desposórios, para esta-
ano entre os desposórios e o matrimónio. A isto se rem unidos com laços fortes, e a demora nos casa-
juntavam as visitas de apresentação, que tinham lugar mentos, para que as donzelas se desenvolvam conve-
mais tarde ou mais cedo. nientemente.
Nos escritos extrabíblicos estão previstas, além Os esponsais, semelhantes a estes, que vemos
do que fica dito a este respeito, toda a classe de irre- entre nós com muita frequência na Idade Média,
gularidades, e, entre estas, a da possível dissolução eram orientados pelos mesmos princípios. Porém,
dos desposórios. Neste caso, o essencial não era natu- como entre nós, também entre os Israelitas foram
ralmente um rompimento de relações, acompanhado perdendo a sua eficácia, pelo afrouxamento do vín-
duma última entrevista em termos ásperos. Ambos culo interno.
consideravam maduramente o aspecto financeiro e No Egipto celebravam-se mais tarde com a con-
procuravam modo de recobrar o património, dote e dição de que não tivessem efeito os direitos, pelos
crédito da boda, se já estivessem nas mãos do noivo. mesmos conferidos, até à celebração do matrimónio.
Se o noivo diferia o matrimónio mais que o usual, a Foram-se, pois, desvalorizando até à condição em
noiva tinha direito de reclamar e exigir, como diziam que hoje se encontram entre nós.
muitos, que se lhe desse um libelo de repúdio para O casamento celebrava-se, de preferência, na
poder casar-se com outro. Se o noivo morria, a noiva quarta-feira, por ser o dia da semana quase equidis-
ficava na condição de «viuva ». Isto prova que os tante do sábado.
desposórios equivaliam, juridicamente, ao nosso matri- A festa começava com a condução da noiva à
mónio. O pai, ou quem suas vezes fizesse, reclamava casa do noivo.

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'jili' 63
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J; http://www.obrascatolicas.com
MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

jovem que lhe destinavam; porém, nem sempre se


OS DESPOSÓRIOS DE MARIA COM JOSÉ atendia a este direito.
Se os parentes, que substituíam os pais, contrata-
vam um casamento contra a vontade duma donzela
O an;o foi enviado a tuna vir-
' 1
gem desposada com um varéio cha-
menor, este casamento era inválido. Se o contrata-
1
vam com o seu consentimento, durante a menor idade,

'I
mado ;José, da casa de David.
(Luc., l, 26-2 7 ). r podia ela, mais tarde, desfazê-lo com a sua repulsa.
As fórmulas que se usavam para semelhantes casos
1 diziam : « Não quero casar-me com fulano ou com
Nesta moldura de leis e costumes que acabamos cicrano », ou coisa semelhante.
de apresentar ligeiramente, temos que enquadrar a Nestas · circunstâncias se celebraram os desposó-
vida de _Maria no tempo dos seus desposórios com rios de Maria e José. A petição da mão foi feita por
S. José. E, porém, necessário indicar, ao mesmo tempo, José, ou por algum parente de qualquer dos dois.
os pontos em que ela se afastava da regra geral. Aquilo a que, sem dúvida, se atendeu foi à igualdade
Tudo parece indicar que, nessa data, já os país de de condição de ambos. Isto tinha a sua razão de ser
Maria tinham morrido. Maria devia viver, pois , com não só social mas também religiosa.
algum parente. Este seria juridicamente seu tutor, ou Desde o tempo posterior a Cristo , conservam-se
faria as suas vezes, sem o título. muitos aforismos, que, sem dúvida, circulavam desde
A lenda popular diz que Maria se educou no. tem- tempo imemorial no povo simples de Israel : « Aquele
plo. Se assim foi, influiria para isso seu parentesco que se casa com uma mulher que não seja da sua
com Zacarias, que podia fazer valer os seus títulos condição, considera-o a Escritura semelhante àquele
de sacerdote e de parente. Nós prescindimos desta homem que lavrasse o mundo todo e, logo a seguir, o
questão porque, no tempo em que os Evangelhos nos cobrisse de sal, inutilizando-o para sempre. Aquele
falam de Maria, estava ela em Nazaré. que se casa por causa do dinheiro, engendra filhos
Sem dúvida que não viveria só, mas sim em casa que não são dignos dele. As uvas são fruto da vide
de algum parente. Quando esta chegou à idade em e não das sarças. O semelhante quadra bem com seu
que as donzelas costumam contrair matrimónio, o semelhante ».
representante dos pais de Maria teve de tratar deste O profeta Elias era considerado como zelador
assunto em favor da sua tutelada. Em tese, toda· a ~ das genealogias, o qual, na sua segunda vinda, sepa-
donzela tinha direito de recusar o casamento com o 1 raria da comunidade todos os filhos ilegítimos.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Atender à igualdade de condição era obrigação nem filha; toda a fortuna vem a ser dela; toma-a por
de certas categorias privilegiadas, por exemplo, do esposa» 1.
estado sacerdotal. A este respeito, dizia um provérbio : Depois de pedida a mão, disse Raguel: « Creio
« Se a filha dum sacerdote se casa com um indivíduo que Deus vos encaminhou aqui (a Tobias e ao anjo)
que não seja da linha sacerdotal, acabará viuva, ou para que Sara se casasse com um parente, conforme
repudiada, ou sem filhos. Em todo o caso, o matri- a Lei de Moisés » 2 •
mónio será desgraçado». A Bíblia não diz como Maria e José contrataram
Muitos rabinos até chegaram a proibir a seus dis- seus desposórios. Por isso ignoramos os transes difíceis
cípulos que assistissem a um casamento deste género. por que terá passado até contratá-los. É que podiam
Também as famílias distintas tinham em vista a entrar em conta hipóteses muito tristes e difíceis para
igualdade de categoria, como os sacerdotes, para os ela. A intenção de a casar a todo o transe e o mais
seus contratos matrimoniais. O costume impôs, por- depressa possível, as conversas que este assunto oca-
tanto, a sua força com maior rigor no caso de Maria, sionaria, eram para ela um verdad e iro tormento que
fosse qual fosse a sua posição. lhe trouxeram muitas horas de amargura. Nem foi
Se acrescentarmos que Maria era filha herdeira esta, provàvelmente, a sua única aflição.
e tinha, por isso, propriedades pessoais, havia para Precisamente por se tratar duma jovem tão mo-
ela um novo título que a obrigava a casar-se com um desta e recatada, como era Maria, talvez interviessem
'I homem da sua parentela. seus parentes, mais do que era costume, pondo em
I' E como o matrimónio com parentes, fora do grau relevo os motivos religiosos que havia para o matri-
1

proibido, se tinha como coisa elogiosa, a escolha de mónio. Talvez tivessem tentado casá-la com outro
um parente que não estivesse em grau proibido, podia parente que, a juízo deles, representaria um partido
parecer, no caso de uma herdeira, uma escolha segundo especialmente vantajoso. Deste modo, pode ser que
o espírito da Lei. Até mesmo podia alguém julgar-se a ideia de se casar com José fosse para Maria seu
obrigado a esse matrimónio por motivo religioso, con- último refúgio.
forme esse mesmo espírito. Ao meditar estas coisas, estimaríamos saber
A história do piedoso Tobias mostra como as quando José e Maria se falaram. A ocasião oportuna
famílias piedosas seguiam o costume de se casarem era o momento em que José pediu a mão de Maria.
com alguém da família. O arcanjo Rafael dizia ao
jovem Tobias, a propósito de seu primo Raguel: «Tem 1 Tob., v1, II-I2.
uma filha que se chama Sara ; não . tem mais filho 2 T ob., vn, r4.

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MARIA, MÃE DE rESUS MARIA, MÃE DE JESUS .
·~ -~~-~=~~' A'·"~~~~~·~~,~·~~·~"""""~ ~§=~"-l

Já dissemos antes que as promessas solenes rela- com tanta frequência, influem nos contratos de casa- ~
cionadas com os desposórios e com o matrimónio mento. Semelhante atitude corresponde, ordinària-
tinham que se dar a conhecer antes de ultimar o mente, ao espírito acanhado com que se encaram as
contrato. coisas de Deus; dir-se-ia que querem proibir que Deus
Maria sabia-o, e sabia também que estava obrí- edifique o sobrenatural sobre o natural. Já no velho
garfa a revelar a José a sua resolução, antes de des- Oriente cristão, corria a lenda prodigiosa a respeito
posar-se com ele. Assim o fez, participando-lhe de dos desposórios ele Maria, que convertia esta questão
que forma estava lígada. Tal entrevista supõe que de família em negócio de todo o povo de Israel. Uma
Maria conhecia, de antemão, a José como homem velha história da Palestina conta-a da maneira seguinte:
« justo », como homem «santo », em quem podia con-
fiar plenamente. «Maria vivia no Templo alimentada como uma
José, ao ouvi-la, encontrava-se, talvez, em situa- pomba e o seu alimento recebia-o das mãos dos anjos.
ção semelhante à de Maria. Talvez, também ele tivesse Aos 12 anos r euniram-se os sacerdotes em conselho
formado o plano de viver vida celibatária, consa- e disseram: No templo do Senhor, Maria completou
grando-se inteiramente a Deus. Talvez fosse a pres- 12 anos (já é, pois, uma donzela); que fazer dela?
li são pública, ou de seus parentes, que o obrigava a Foram ter com o sumo sacerdote e disseram : - Tu
1
casar-se, ou instassem com ele para se casar, ou ministras ao altar do Senhor; entra no santuário, faz
111
expressamente o induziam a casar-se com Maria. oração por ela e manda-nos fazer o que o Senhor te
:11
1
Em tais circunstâncias, a declaração de ela se revelar sobre o caso - .
11 ter consagrado a Deus e de não contrair desposórios « O Sumo sacerdote tomou o amuleto com as 12
nem matrimónio senão com a condição de permane- campaínhas e entrou no Sancta Sanctorum para orar
1
cer fiel ao seu propósito, seria para José como uma por ela. E eis que se lhe apresentou um anjo que lhe
1
voz do céu, visto ter ele feito também o mesmo pro- disse : - Sai para fora e chama todos os viuvas do
pósito. Não podemos fazer ideia da harmonia interna povo. Cada um há-de trazer uma vara e Maria há-de
e misteriosa concórdia que enlaçava aquelas duas ser esposa daquele a quem o Senhor fizer um pro-
pessoas, ao serem revelados os mistérios mais íntimos dígio - . Seguiram para todas as regiões de Judá os
de suas almas cheias de Deus. mensageiros encarregados de espalhar esta nova e
A muitos repugna admitir, como determinantes do ouviu-se a trombeta do Senhor. Reuniram-se todos
matrimónio de José e Maria, a pressão dos parentes, imediatamente e ,josé, deixando o seu trabalho, jun-
a opinião pública e outras coisas semelhantes que, tou-se-lhes também. Reunidos todos, tomaram as suas

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-~ :·:..~,.~~,~·~.:~v~ o:.: ·~ . ~(::::.)l MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

~ varas e foram ter com o sumo sacerdote. Este tomou


todas as varas, entrou no Templo e orou. Terminada
José se pusessem a dar esclarecimentos sobre insigni-
ficantes bens materiais. Contudo, isto está ligado aos
a oração, pegou nas varas, saiu fora, e entregou-as a cuidados da vida na terra.
cada um, sem que se manifestasse nenhum prodígio. Maria recebeu um património que se compunha
Mas quando José recebeu a última vara, eis que saiu de vestidos e móveis. Recebeu, também, um dote, se-
dela uma pomba e se foi poisar sobre a cabeça de gundo podemos julgar, constituído por mais alguns
José. O sacerdote disse-lhe: - És tu que hás-de tomar móveis e vestidos. Recebeu, finalmente, uma soma
sob a tua protecção a Virgem do Senhor- . José para a viuvez ; ou seja o seguro de uma quantia que
opôs-se. Então disse-lhe o sacerdote:-· Teme ao Se- lhe tocava, dos bens de José, por morte deste. A pouco
' 1 nhor teu Deus e lembra-te do que ele fez com Datan, montaria tudo isso ; mas, nas famílias pobres, as coisas
,i
Abírão e Coré, como se abriu a terra e os devorou pequenas têm o mesmo valor que, para os ricos, têm
por causa da sua resistência. Teme a Deus, José, para as grandes fortunas.
que não te aconteça coisa semelhante-. E José teve Os trâmites dirigiu-os José, ou por si mesmo ou
medo e a tomou sob a sua protecção. E disse a Maria: por meio de alguma pessoa prática nestes negócios.
- Eis que te recebi do Templo do Senhor; agora Estas negociações, não obstante a sua complexidade,
deixo-te na minha casa e vou terminar as minhas fizeram -se tão ocultamente, que os parentes creram
ocupações ; depois voltarei outra vez ; entretanto o que se tinham salvaguardado, graças à sua prudência,
Senhor te guardará - ». os direitos de todos, sem intervirem as partes mais
interessadas.
A realidade histórica foi muito mais simples que Começou a correr de boca em boca, se é .que já
a ficção da lenda, e passou-se como se passam as não corria antes, em Nazaré, que «Maria se casara
coisas numa pequena cidade oriental. A vida oculta com José, o carpinteiro ».
de Jesus influía antecipadamente em Maria e José, Pelos pátios e terraços das casas faziam-se comen-
fazendo com que em sua vida, sendo e mbora tão sin- tários, como é costume em todos os casamentos. O que
gular, todo o elemento divino se ocultasse sob a apa- mais se diria foi, sem dúvida: «Um para o outro»!
rência duma vida ordinária. Maria, a donzela recatada que, aos olhos de mui-
Com os desposórios, ficavam naturalmente unidos, tos, parecia uma criatura vulgar ... José, o carpinteiro
também, contratos a respeito dos bens materiais. T am- calado em que havia qualquer coisa do mesmo espí-
bém estas coisas materiais costumam preocupar os rito de Maria.
homens, não querendo, contudo, dizer que Maria e

70 ,.,.. , .. .-- =-· ·-. ~ 71

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II

Desde a Anunciação
até ao Nascimento de Jesus

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I

A Anunciação
1.:

MARIA. DEPOIS DOS DESPOSÓRIOS COM S. JOSÉ

No sexto mês (depois da A nunciação


do nascimento de 'João) foi enviado por
Deus o an;o G ab1·iel a uma cidade da
G a lileia, chamada Nazaré, a uma vir-
gem desposada com 11111 varão c11anu ido
'José, da casa de David.
(Luc., ! , 26- 29).

~;~~n'}~4it f'\,~~:}RIA,
1
contraídos os desposórios com
~t \:·~~~ . :;JU S. José, sentia-se segura e prote-
ó:'ii
%/r• \•\;),Y ..·. . gida. O Senhor dera-lhe em José
ti
~f\'(ii~(i~~ti-0· . um esposo que respeitava religio-
[G:~!\~~~_'~:}2.: .:ctf~ sarnente o seu propósito de levar
vida consagrada a Deus. A paz e
a alegria inundavam s eu coração e, com profundo
agradecimento para com Deus, punha-se a considerar
a sua vida.
Depois de algum te mpo seria levada à casa de
José para viver com ele e, desde esse momento, tinha
firme garantia de poder entregar-se, em absoluto, a

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MARlA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

seus próprios destinos na medida em que se manifes-


Deus, às suas esperanças messiânicas e à preparação
tassem os planos de Deus a seu respeito.
para a vinda do Salvador. José, seu esposo, repre- Maria estava preparada para aquela hora solene.
sentava-se-lhe como uma muralha que a defendia no Os seus desejos da vinda do Messias avantajavam-se
exterior. aos dos demais, não só em veemência, mas também
Interiormente, sabia-o ela muito bem, José tinha ~ em pureza, e, no seu progressivo caminhar, chegara
os mesmos sentimentos e os mesmos desejos. Podiam ao ponto culminante que se coordenava internamente
pedir a Deus, juntos, o cumprimento das promessas,
com a mensagem de Deus.
corno o fazia toda a gente piedosa em Israel. Podiam Ela, a sem pecado, sofria como ninguém com a
elevar os seus corações, inflamados no desejo da vinda culpa da família de David, com as culpas de Israel
do Messias, nas orações da manhã e da tarde ; nas e com as de todo o género humano, numa palavra:
preces do sábado, como nos sacrifícios e orações com a apostasia dos homens, cujas c onsequências
das_ festas anuais, quando fossem ambos em peregri-
refere a Escritura.
naçao ao Templo de Jerusalém. Poderia. comentar Ela, que não tinha que pensar em culpas próprias,
ainda com ele, dando largas às ânsias de seu cora- tinha presente, como ninguém, as culpas de todos, a
ção, as palavras da Escritura e, em particular, as culpa universal da humanidade, que só o Redentor
promessas dos profetas que se lessem, ao sábado, na podia expiar. Com um entranhado e insuperável fer-
sinagoga. vor, a sua alma apresentava ao Salvador, que estava
. Maria antevia uma vida semelhante à de Ana a para chegar, todas as culpas de todos os tempos, a
profetiza ; vida de oração e consagração a Deus ; vida fim de que ele destruísse as obras do demónio, des-
de anseios pela vinda do Messias e de preparação terrasse o pecado do mundo e conduzisse os homens
para ela.
a Deus, renovando a face da te rra.
Mas no intervalo entre os desposórios e a entrada Maria não desejava a vinda do Messias em nome
d~ .Maria na casa de José, deu-se, por determinação próprio, mas sim em nome das promessas de Deus;
d1vma, a mensagem do anjo. Desta maneira, desva- não por pequenas vantagens pessoais, mas sim para
neceu-se definitivamente, contra o que esperava, a sua benefício da humanidade oprimida pela culpa. Este
segurança de viver consagrada a Deus em humilde anelo altíssimo e puríssimo, fizera-a digna da anun-
soledade. A sua vida entrava em cheio directarnente
ciação.
nos desígnios misteriosos de Deus, e ficava tão inti- Sim, foram os desejos de Maria que, de certo
mamente ligada a eles que deixava a perder de vista modo, deram o último impulso para a vinda do Mes-
todos os mortais. Ela mesmo só poderia conhecer os
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MARIA, MÃE DE JESUS

sias e determinaram o momento da sua vinda ao


mundo.
' MARIA, MÃE DE JESUS
~-~"···· ~~~ ~ -~~--

A MENSAGEM DO ANJO
- -- ·-1
l1
Por então, o povo estava persuadido que a vinda !l
do Messias se podia antecipar por meio de orações e O an jo entrou onde ela estava e disse-lhe : Deus te salve, ·1

boas obras, e pelo influxo da vida dos santos. cheia de graça, o Senhor é contigo! Ela perturbou-se, ouvindo tal
1
Muitos havia que, como Simeão e Ana, oravam e q linguagem, e procurava saber o que significava aquela saudaçao.
' Mas o anjo disse-lhe : Nao temas, Maria, porque achaste graça
jejuavam para o conseguir. Porém, enquanto podia diante de Deus ! Conceberás e darás à lu z um filho, a quem
depender dos homens, nada serviu tanto para apressar porás o nome de Jesus. Será grande e será chamado o Filho do
aquela vinda como as orações e os desejos de Maria. A ltíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David ;
Sempre foi grato e familiar ao povo crente a con- reinará na casa de Jacob eternamente e o seu reino nao terá fim 1,

vicção de que Maria atraiu, por assim dizer, do céu à


terra, o Salvador, encantando-o com a sua santidade, A entrevista mais importante, que a história
com sua pureza, com sua inviolabilidade, com seu conhece, teve lugar no interior duma pequena casa de
amor aos homens e a Deus. Nazaré. Esta foi a do anjo Gabriel, o anjo enviado
Tão cara era ao povo esta ideia, que invocava por Deus, com Maria, a virgem escolhida para Mãe
em seu apoio antigas lendas, para a fazer intuitiva e do Salvador.
incorporá-la em sua própria vida. Talvez que esta estivesse em oração ou contem-
Uma velha fábula falava, por exemplo, dum uni- plação no momento em que o anjo lhe apareceu. Seja
córnio que, indomável, não podia ser dominado nem como fôr, o seu espírito estava sempre recolhido em
pela força e violência, nem pela astúcia e agilidade Deus. Em qualquer instante, ela estava melhor prepa-
dos caçadores. Porém, ao encontrar-se com uma don- rada para receber um legado do céu, que o estão os
zela, parou reverente, diante dela. demais homens nos momentos da mais fervorosa
Esta fábula costumava aplicar-se ao Salvador. oração.
Jesus Cristo era o unicórnio que nem o poder nem a «O anjo entrou onde ela estava». Estas palavras
astúcia humana puderam fazer sair do céu, mas que mostram que o anjo se apresentou em forma visí-
se dignou humanar-se no seio da Virgem Maria, e vel, com forma humana. Com a mesma forma se
fazer nela a sua morada. tinha apresentado o mesmo Gabriel em Babilónia a
Daniel.

1 Luc., 1, 29-34.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

1 E porque se apresentou em forma humana, saudou representava muito confuso e perigoso; procurava des-
~ Maria, como se costuma entre os homens. cobrir a causa daquele tratamento.
~ A narração evangélica supõe, contudo, que Maria Um ser do outro mundo fazia declarações na sua
. reconheceu no anjo, apesar da sua figura humana, um presença. As suas relações com Deus eram, certa-
ser espiritual. A explicação mais simples deste facto mente, especiais. Tinha-lhe consagrado a sua virgin-

l
é supor que o anjo apareceu num jacto de luz prodi- dade. Porém, em sua alocução, o anjo ia muito mais
gioso. Tal modo de se apresentar era especialmente além, penetrando naquilo que ela tinha como segredo
impressionante nas escuras habitações duma casa da pessoal. Chama-a « cheia de graça », Em toda a sua
Palestina. Aquela figura, que se deixava reconhecer vida, estivera sempre isolada do mundo. A linguagem
como um espírito, disse a Maria: « Deus te salve, do anjo fornecia-lhe um dado para se poder explicar
cheia de graça ! O Senhor é contigo ! » esta solidão, se é que correspondia à realidade.
Desde que Adão foi expulso do paraíso, era a Maria tinha crescido na plenitude da graça e
primeira vez que um seu descendente era saudado estava de tal modo enraizada na graça, que nunca lhe
com tão honrosas expressões. passou pelo pensamento procurar um posto especial
Dirigiu-se a Maria como à mulher que tinha entre as mulheres, nem mesmo entre as de Nazaré;
sido agraciada por Deus dum modo singular, como e, sobretudo, nunca se havia comparado com as
a quem vivia debaixo da protecção especial de demais, da forma como o fazia o anjo, declarando-a
Deus. única entre todas. Em Maria, a virgem recolhida e
Maria ficou perturbada com aquelas palavras. solitária, aquela linguagem do anjo pôde provocar uma
Isso não se deve atribuir ao poder e majestade com angústia que nós dificilmente compreenderemos.
que o anjo se poderia apresentar. Não se tratava do Foi o anjo que se apressou a tirá-la da sua per-
terror dos sentidos, como aquele que se apodera do plexidade. Declarando-lhe o sentido da saudação
homem em circunstâncias extraordinárias, em catás- disse-lhe: <Não temas, Maria, porque achaste graça
trofes ou perigos de vida. diante de Deus ». A expressão « achar graça diante
A sua perturbação era de outro género, mais pro- de Deus » aplicava-se num sentido mais profundo que
funda do que tudo isto. O Evangelista confirma-o, estoutra : « o Senhor é contigo », aos homens que
empregando uma expressão que indica uma inquieta- Deus escolhia para alguma missão especial. Assim se
ção muito grande. fala na Bíblia de Noé, o segundo pai da humanidade ;
Em seu espanto, Maria ficou, a princípio, sem de Abraão, pai do povo de Israel; de David, cabeça
palavra, e procurava assegurar-se contra o que se lhe da casa real do seu nome: todos estes acharam graça

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MARIA, MÃE DE JESUS

diante de Deus. Porém, debaixo do nome de graça


que se lhes havia comunicado, entendiam os Livros uma simples filha do povo. Assim, pois, quando lhe ~
Santos, sem dúvida, a vocação de Deus para uma apareceu o anjo, conhecia, provàvelmente, não poucas
obra salvadora. passagens da Escritura referentes à vinda do Redentor.
Neste sentido, que Maria conhecia, pronunciou-as E, o que é mais importante, na interpretação destas
também o anjo, como preâmbulo para a vocação a passagens não se misturavam falsos conceitos a res-
que Deus a tinha destinado. Depois, prosseguiu solene- peito do sentido messiânico, nem tergiversação do
mente : « Conceberás e darás à luz um Filho a quem pensamento da redenção, com aplicações terrenas.
porás o nome de Jesus ! Será grande e será chamado As palavras da Escritura serviram-lhe, pois, o mais
o Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono que era possível, para entender a mensagem do anjo.
de seu pai David. Reinará na casa de Jacob eterna- Maria tinha relacionado entre si os dados bíblicos
mente e o seu reino não terá fim». para conseguir um quadro completo da vinda do Mes-
sias, sem se contentar com pormenores isolados. Neste
Chegara o momento solene. Século após século, sentido a alocução do anjo encontrou nela uma ima-
esperara, com ânsia, o povo de Israel pela vinda do gem de conjunto do Salvador, imagem que ela ia for-
Messias. Uma geração transmitia à outra a promessa mando sob a direcção do Espírito Santo. É provável,
e a esperança de que o Messias viria da casa de porém, que o anjo aludisse, em sua mensagem, a deter-
David. E a promessa ia cumprir-se. O anjo do Senhor minadas profecias e que chamara para elas a atenção
apresentou-se a Maria como mensageiro divino; ela de Maria. Poderiam ser várias. Mencionaremos uma
'1
era a escolhida para Mãe do Messias. que, por muitos motivos, devia ser grata e preciosa
.
Que ideias eram as de Maria, como preparação para Maria. Dizia, mais ou menos assim :
para a mensagem de Deus, ao ouvir as palavras do 1tl
~
anjo? Até que ponto estava capacitada, por sua " N os começos humilh ou Deus o país de Z abulão e o país
formação religiosa, para estabelecer contacto entre
~
de Neftali ; porém, no fi m dos tempos, cobrirá de glória os
as palavras do anjo e as profecias da Sagrada caminhos junto do mar, a região do outro lado do Jordão e a
Escritura? ~
p
G alileia dos G entios. O povo, que andava em trevas e sombras
da morte, vê uma luz forte. A os que moravam no país de obscu-

~
Poderia ela compreender que as palavras do anjo
ridades de morte brilha uma luz. Tn multiplicas o povo e aumen-
continham o anúncio da vinda do Messias? tas a sua alegria. À tua vista regozijam-se como ao contemplar
Como dissemos, Maria tinha muitas ocasiões para r: as searas , como ao repartir, com alegria, os despojos. Porque o
~:
se familiarizar com os Livros Santos e com as previ- peso do seu jugo, e a vara que os castigava, e o látego do exactor,
~
~-

~L:::;;:.•;·,;~:; .. ··.•: n.·


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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

tu os quebraste como na jornada de Madian. Todo o despojo alegrar essa pátria desprezada. Sem dúvida que pres-
alcançado com violência, todo o vestido manchado de sangue, tariam atenção a esta profecia de preferência a qual-
seráo queimados como pasto das chamas. Porque nos nasceu um
quer outra passagem da Escritura.
menino e nos deram um filho ; sobre os seus ombros descansa o
senhorio ; seu nome : Admirável, Conselheiro, Deus Forte, Pai
Com maior atenção que ninguém, e com uma
da Eternidade, Príncipe da Paz. Seu domínio estender-se-á ao intuição mais profunda, escutava Maria, e ela, qué
longe e a paz não terá fim. Sentar-se-á no trono de David e tudo guardava e meditava em seu coração, não esque-
reinará em seu reino a lim de o honrar e consolidar perpe- ceu, sem dúvida, estas palavras tão consoladoras.
tuamente » 1. Como mulher, viu melhor ainda que os homens que se
tratava dum menino cuja aparição traria consigo uma
As profecias de Isaías não eram desconhecidas mudança radical e a aurora de um novo reino.
da gente do povo. Quando Jesus se apresentou na Também lhe tinham despertado a atenção os nomes
sinagoga de Nazaré e leu uma passagem daquelas pro- do menino. Neles se concretizavam as profecias que
fecias, que pertencem ao mesmo grupo da que aca- a ele se referiam. Dava-se-lhe o nome de «Admirá-
bamos de transcrever, comentou-a duma forma que só vel » ; era, pois, alguma coisa prodigiosa. Chamavam-
tem explicação supondo que os ouvintes, de algum -lhe «Conselheiro», portanto era-o; o nome de « Deus
modo, a conheciam. Isto era, por outra parte, muito Forte » revelava, duma maneira particular, o poder de
possível. Porque, no culto divino, liam-se também os Deus. Recebia o nome de «Pai da Eternidade » ; por-
profetas, e, entre eles, Isaías era o mais conhecido, tanto estava ligado a ela, ainda mesmo quando apa-
como o demonstram as citações dos Evangelistas. recia como um menino. Ostentava o nome de « Prín-
Além disso, sempre que se lia esta profecia na cipe da Paz»; era, pois, um rei que não apoiava o
sinagoga de Nazaré, os ouvintes prestavam uma aten- esplendor da sua realeza no aparato externo. A este
ção especial. As mais das vezes a fronteira daquelas menino, prometia-se um senhorio amplo e duradoiro -
histórias costumava ser o sul, a Judeia, por lá estar o eterno. Uma vez sentado no trono de David, possuí-
templo de Deus. Portanto, quanto os não consolaria -lo-ia por toda a eternidade.
ouvir, uma só vez que fosse, que a Galileia havia de Depois de certo tempo, tornaria a ouvir Maria a
brilhar ; saber dos lábios do Profeta que um dia viria leitura daquelas palavras. Cada vez mais sentia cres-
em que a Galileia havia de ser célebre, que ela havia cer o anelo da vinda do Messias ; e, sem dúvida, não
de resplandecer com uma luz, que havia de iluminar e era para que a luz do Redentor brilhasse sobre a sua
pátria, a relegada Galileia, nem sobre si mesma.
1 Is. , 1x, 1-7. O que predissera Isaías, muitos séculos antes, o

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA,

que tinha sido para Maria um doce consolo, harmo-


nizava-se de tal maneira com as palavras do anjo, que
não podia ser mera casualidade.
Disse-lhe o anjo: « conceberás e darás à luz um
As profecias de Isaías aludiam a uma glorificação
filho, a quem porás o nome de Jesus. Será grande e
da Galileia, sua pátria. Essa glorificação começaria
será chamado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe
com o nascimento dum menino que se sentaria no
dará o trono de seu Pai David. Reinará na casa de
trono de David e que o possuiria para sempre, não
Jacob, eternamente, e o seu reino não terá fim ».
como caudilho de guerra, mas como um príncipe de
Por estas palavras, transmitiu o anjo a mensagem,
paz. Segundo isto, falava agora o anjo do nascimento
que trazia do céu à terra, para a Virgem de Nazaré.
prodigioso dum menino que, por sua vez, receberia
Uma reflexão interna absor via, ago.ra, o Espírito
um nome novo, pois se chamaria « Filho do Altíssimo,
de Maria, uma reflexão em que se concentravam todos
a quem Deus havia de dar o trono de seu pai David,
os pensamentos, e toda a preparação, e toda a devo-
cujo reino não teria fim ».
ção dos anos anteriores. Em sua mão estava a realiza-
As palavras do profeta e do anjo coincidem quase
ção daquilo que tinha sido o único anelo da sua vida.
textualmente.
Maria estava disposta a ser mãe do Redentor,
Maria deveu compreender primeiro que nós, que
mas não sabia como isto se havia de realizar, segundo
vivemos noutros tempos, que o anjo lhe falava do nas-
a vontade de Deus. Debaixo da sua direcção e ilus-
cimento do Salvador, que ela esperava com ardente
tração tinha consagrado a Deus, inteiramente e para
anseio. Sua vinda estava muito próxima, e ela tinha
sido escolhida, pessoalmente, na casa de David, para sempre, a sua inviolabilidade e pureza, provàvelmente
ser sua Mãe. não muito antes desta hora solene. Deste modo tinha
renunciado ao que, aliás, era o desejo de toda a filha
de David - a maternidade e a bênção dos filhos.
A RESPOSTA DE MARIA Ao fazê-lo, teve a certeza de que fazia um acto agra-
dável a Deus.
M ari a disse: como será isso possí vel se eu não conheço Antes dos desposórios, deu conta a S. José de
varão ? E o anjo respondeu-lhe : O Espírito Santo descerá sobre tudo isto e ambos concordaram em viver como irmãos.
ti e a virtude do A ltíssimo te cobrirá com a sua sombra. Po r isso ' Agora a mensagem do anjo disse-lhe que seria mãe do
o Santo que nascerá de ti será chamado Filho de Deus. E eis que . ~
Isabel tua parenta concebeu um filho em idade avançada, e este é .
o sexto mês para aquela que era considerada estéril. Porqu e para

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MARIA, MÃE DE JESUS
V

da
Redentor. Pediu, portanto, lhe dissessem como isto se
harmonizaria não obstante a aparente contradição centou que, noutra família de conhecidos e parentes ~
entre as inspirações anteriores de Deus e a mensagem seus, se tinha realizado um milagre. Isto devia servir- ,1

que lhe comunicara. Daí a sua pergunta : «Como pode- -lhe de sinàl da verdade daquela mensagem. li1
rei eu ser mãe do Messias se não conheço varão?>, Por este motivo, concluiu o anjo a sua mensagem r
Com frequência se interpreta esta pergunta como da anunciação com esta nova: «Também Isabel, tua 1,
1

se Maria quisesse pôr em primeira linha a guarda da parenta, concebeu um filho em idade avançada, e este 1 1

sua virgindade. Se assim fosse, Maria não. seria, ainda, é o sexto mês daquela que é considerada estéril, ~
1

a escrava fiel e simples do Senhor e não se díf eren- porque para Deus nada é impossível ». [
cíaria do seu parente, o sacerdote Zacarias. Além disso, as palavras de Gabriel diziam porque t.·.!.

É verdade que ambos fizeram ao anjo perguntas é que Jesus se havia de chamar «Filho do Altíssimo ».
que, na sua forma externa, soam quase do mesmo Não era no mesmo sentido que a essas palavras se dá j!
modo. Porém, na disposição com que as faziam, eram quando se diz que um santo « é filho de Deus », por [i
essencialmente díferentes. A pergunta de Zacarias sua comunicação íntima com Ele.
O Redentor era chamado « Filho do Altíssimo,
~~.. ! •.!•,,

tinha o sentido de dúvida e até de incredulidade.


« Como pode ser isso, se eu sou velho e minha Filho de Deus », porque de facto e no pieno sentido ~
mulher é de avançada idade?! », da palavra, Deus era Seu Pai. [1
A de Maria, pelo contrário, era a insinuação de «O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude
f:
quem crê, mas deseja instruções mais concretas. do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o ~:
À dúvida de Zacarias seguiu-se uma repreensão Santo que há-de nascer de ti será chamado Filho de B
e um castigo. A pergunta de Maria era confissão de Deus ». ~
fé magnífica; procedia duma alma preparada para O plano di víno, que as profecias só veladamente 1:
penetrar plenamente no mistério. Por isso o anjo indicavam, brilhava agora aos olhos de Maria, a pre- 1

manifestou-lhe o plano divino: «O Espírito Santo ferida entre todos os mortais. :1(~'
descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrir~ Ela sabia já tudo o que era necessário saber a (B
com a sua sombra. Por isso o Santo que há-de nas- respeito deste mistério, antes de dar o seu consenti-
cer de ti será chamado Filho de Deus ». mento consciente e livre para ser a Mãe do Redentor.
O anjo declarava, portanto, a Maria que havia de O anjo ficou esperando dos lábios da Virgem a
ser Mãe de Deus dum modo milagroso, extraordi- palavra que manifestasse a sua vontade. E esta, na-
nário, só pela intervenção da omnipotência divina. quela hora decisiva para o mundo, acatou a vontade

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MARIA~::.º: J:::.s ==~~:~:~~:.::~::·:·1


1
MARIA , MÃE DE JESUS

ao
de Deus cmn a mesma fé e prontidão com que a aca- . t . ~
tara sempre. lumbrar os pensamentos que, naque 1es mstan es, agi- ~
Esta a sua r esposta: « Eis aqui a escrava do tariam e ocup' ariam a alma de Maria. ~
Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra». Nos meios cristãos é mais frequente do que se ~r1
Deu o seu consentimento, sem querer saber se isso supõe, diga-se o que se disser, o caso de muitas jovens fl
lhe havia de trazer alegria ou sofrimento, honra ou ~ piedosas, quer no dia do casamento, quer antes, e ,
1
~1

l
ignomínia, glória ou humilhação. A sua única von- . antes mesmo de consagrarem afecto a homem algum, o
tade era cooperar c om os planos salvadores de Deus. de sejo de darem a vida a um filho que haja de ser sacer- ~
E, deste modo, pronunciou a sentença definitiva, não dote. Este desejo vive tão escondido em seus corações ~.
só a seu respeito, mas também a favor e em repre- q ue, por palavras, nem a si mesmas o sabem manifestar. .~
sentação de toda a humanidade. Muitas vezes estas jovens pensar am consigo mes- ·~
E o anjo do Senhor r etirou-se, deixando-a só . mo, antes deste pensamento tomar certo vulto, entrar j
E no silêncio consumou-se a Incarnação de Jesus, num convento e consagrarem-se a De us. Renunciaram, i.
o Filho de Deus. D eus baixou à terra e, como qual- porém, a este plano, porque viram que não era a von- 1
~..1·

l
quer homem, começou a sua vida pela primeira fase tade de Deus. Dos sentimentos daqueles dias fícou-
de um menino. -lhes, porém, o desejo de serem mãe dum sacerdote.
Não o dizem a ninguém; nem mesmo depois de
se sentirem fav orecidas com o dom da maternidade,

:::I~~~f~:~:!ilu~~:;;,ç~;c;~;;;;~:;~::~~;
MARIA, MÃE DO SALVADOR

Para com preender a vida de Maria, é transcen-


dental a seguinte pergunta: Que pensamentos, afectos
l
e sentimentos se e ncerravam em seu coração no mo- mentos do coração de Maria, já que é impossível l
mento da anunciação, e depois que o anjo lhe disse penetrá-los profundamente. ._ ·~
que conceberia e dari a à luz um filho, e que este filho Para tais mães, são muito frequentes as ocas10es ~~;
havia de ser o Salvador da humanidade? de tais desejos se avivarem e repetirem. Se assistem 'Í

Como é muito difícil penetrar nas disposições com à missa, se ouvem re citar o ofício divino, se vêem
que ela recebeu a mensagem do anjo e deu o seu baptizar e confessar, se assistem à pregação da pala-
consentimento, vamos preparar a resposta, servindo- vra de Deus, assalta-lhes, logo, este pensamento: « Se
-nos duma comparação mais familiar à experiência 1· eu tivesse um filho sacerdote, também ele ofereceria

_{.·:;!,,.:FL-i.:,,,,_. ._, ::. ..-.•· •• ·?<t:<=:l·''<G -~.:...;;;.-~,-,,.-.,_.,, __ _-.· _,:-•. ·1..·:....~----~-'-'~"'h_,,.,..._,~-:::2" """'1i:>."111.!;.W<l'l!E!.\l.lA.~~:;·:tt. ~'<'llil~m
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MARIA, MÃE DE JESUS ""-·~-~r-":-'L~=~,·~=""=""'~~'°'•-"'~ ~- ~Ll
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MARIA, MÃE DE JESUS
~
~
\~
o santo sacrifício, anunciaria a palavra divina e admi-
nistraria os sacramentos ».
em amor divino e acatando os desígnios de Deus a
respeito da humanidade. Ao dizer : « Sou a escrava
li
~
O pensamento dessa mãe não pára nesta ideia : do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra», ~
« Se eu tivesse um filho)> ; detém-se, antes, naquilo que consagrava toda a sua vida à salvação dos homens. ij
deseja que seu filho fizesse; em seu anelo , tem mais A maternidade espiritual de Maria começou, por- ~
em vista os futuros trabalhos apostólicos do filho do tanto, no mesmo instante em que começou a corporal. (1

que a própria maternidade. Pode dizer-se, até, que a espiritual tomou virtualmente J
Com esta comparação, indicamos a orientação dos a dianteira à corporal, pelos sentimentos íntimos, que ~
sentimentos íntimos que a mensagem do anjo sugeriu a animavam, pelo amor que consagrava a todos os ~
~1
a Maria, Mãe de Deus. homens e pelos anseios que tinha da vinda do Reden- ~.,I
Não desejava um filho para lhe prodigalizar o seu tor ; a maternidade espiritual vinha a ser como que o !i
amor. Sua alma tinha concentrado, por assim dizer, preâmbulo e fundamento da sua eleição para Mãe ~
todas as suas forças no amor de Deus de tal modo efectiva do Salvador. ~jl~
~ue nada pcxlia existir nem coexistir para ela que não
Que a união maternal de Maria c om J esus não ri
I•
hvesse sua origem imediata no amor de Deus. foi puramente externa, mas interior - um compene- ~
Nem o anjo lhe perguntou se queria ser mãe de trar-se e unificar-se com a missão de Jesus - foi ~
um filho; mas, desde o princípio, lhe apontou para a sempre o sentir e pensar da Igreja, tendo evolucio- ili'
li

obra de Deus a r ealíz ar no Salvador: « S erá grande


e será chamado Filho do Altíssimo ; o S e nhor Deus
nado apenas as ex pressões com que esta verdade se
manifesta. Nos primeiros tempos , os teólogos diziam ~~
1!
que Maria aceitou a maternidade de Jesus, não por
lhe dará o trono de David seu pai. Reinará na casa "
de Jacob eternamente e o s eu reino n ão te rá fim », pressão externa, mas sim por dete rminação consciente ~~
Portanto, chamava a atenção de Maria para a obra da e livre da sua vontade. li
redenção que seu Filho havia de realizar sobre a terra, S. Tomás r eveste este mesmo pensamento por il
por ordem de Deus. outras palavras, dizendo que, no momento da anun-
Maria suspirara, ano após ano, pela salvação da ciação do anjo, Maria representava a humanidade
humanidade. Todos os dias pedia a Deus apressasse inteira; que o seu « sim» ou o seu « não » era defi-
a vinda do Redentor. Para ela se havia preparado nitivo para a redenção ou não redenção dos homens.
cada vez com mais fe r vor. Por isso deu o seu con- Eis o que diz : « Nada se opõe a que também os
sentimento para o Sal vador descer ao seu seio e nele outros homens se possam chamar medianeiros, em
estabelecer a sua morada , com o coração abrasado certo sentido ; quando, por exemplo, preparam a união

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

do homem com Deus e se põem ao seu serviço. Em -,


'
tais casos estão os anjos e santos do céu, os profetas A VISITA A SUA PRIMA ISABEL
e sacerdotes do Antigo e Novo Testamento. Porém,
sem dúvida alguma, este título de glória, aplica-se E naqueles dias, levantando-se Maria, foi apressadamente
com mais propriedade, e em maior grau que a eles, às montanhas, a uma cidade de Judá. Entrou em casa de Zacarias
e saudou a Isabel. E enquanto Isabel escutava a saudação, saltou
à excelsa Virgem. Porque não há ninguém que tenha

r
a criança no ventre materno e Isabel sentiu-se cheia do Espírito
contribuído ou possa contribuir, como ela, para a Santo. E, exclamando em alta voz, disse : Bendita és tu entre
reconciliação de Deus com os homens. Ela deu o todas as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre 1.
Redentor aos homens, que tinham sido condenados à
perdição eterna. Pouco depois da visita do anjo, Maria foi visitar
Isto fizera Ela já no momento em que, com sua prima Santa Isabel, que vivia na região monta-
admirável presteza e representando toda a humani- nhosa do sul. O que a decidiu a fazer esta viagem
dade, 8;Ceitou a mensagem do Anjo. Dela nasceu fôram as palavras do anjo : «Este é o sexto mês
Jesus. E, portanto, sua verdadeira Mãe e, por isso, daquela que se chama estéril ».
a digna Medianeira do Medianeiro agradável a Deus». O sexto mês é aquele em que a maternidade se
Os documentos eclesiásticos, dos últimos decénios manifesta exteriormente e, portanto, sem ofender a
dão constante realce a estes mesmos pensamentos: delicadeza, já se podia falar disso.
Eles dizem que Maria é coadjutora da obra da reden- Se o anjo não tivesse indicado as circunstâncias
ção, tal como tinha sido decretado no plano de Deus. do tempo, talvez Maria não tivesse partido tão depressa,
Neles se acentua a ideia de que Maria concebeu o
Filho de Deus não só para que fosse homem, tomando, 1 para se não arriscar a entrar numa casa aonde se não
falava ainda do nascimento de João. Por outra parte,
por esse meio, a natureza humana, mas também para ij Maria deve ter-se inteirado, em casa de Isabel, de
que, feito homem, fosse o redentor dos mortais 1. que a conceição de João fôra anunciada a Zacarias
O seu lugar no reino de Deus tem por base a no templo e que este menino sería o Precursor do
sua cooperação voluntária, como escrava do Senhor, Redentor.
na obra da Incarnação e - depois o demonstraremos A viagem até à casa de Isabel não a fez só.
-nos sofrimentos a que se sujeitou, livremente, quando Estava próxima a Páscoa; pelo que poder-se-ia jun-
·'
: 1
se consumou a obra da redenção. tar aos grupos de peregrinos que partissem mais cedo.

1 Luc., I, 39-45.
1
1.,

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il
~~

:.i Além disso, cada semana partiam grupos para a sua prima nas montanhas de Judá. A mesma expres-
i! Jerusalém, quer por motivos de piedade, quer para são emprega S. Marcos, quando diz que Salomé vol-
i~
il tratar de outros assuntos de interesse particular. Na tou « depressa» a Herodes pedir a cabeça de João,
escolha das companhias, recomendava-se certa cautela· por ordem de sua mãe. A expressão indica, pois, a
~ Com manifesto exagero, aconselha o provérbio, inquietação interior que impele a comunicar alguma
li ~~ de data posterior, mas que já então devia ter apli- ·~ coisa. E, já que os Evangelhos são tão parcos em
1:1
cação entre o povo: « Se sabes que um justo vai retratar os sentimentos da alma, temos de ponderar
fazer viagem, e se pensas fazer a mesma viagem, ante- com todo o seu peso o pouco que eles deixam trans-
cipa a tua três dias para ires na sua companhia; pois parecer.
11 que os anjos de serviço (o anjo da guarda) acompa- Que pensamentos foram os que impeliam Maria a
nham-no, segundo o que está escrito : dará ordem a ir «depressa » ? A alegria que lhe inundava o coração
seus anjos para que te acompanhem em todos os teus consistia, primeiramente, em saber que o Messias estava
caminhos. já no mundo e não em ser ela a mãe do Redentor.
« Se, pelo contrário, vês que se põe a caminho Mas no pé em que as coisas esta varo, esta alegre
um ímpio, e pensas fazer a mesma viagem, adia a mensagem não a podia ela comunicar a ninguém a
tua para três dias mais tarde, para não ires na sua quem não pudesse, também, confiar que, segundo os
companhia ::. , O artista alemão Fuhrich dá a Maria, na planos de Deus, era ela mesma a mãe do Messias.
,,,, sua viagem para casa de Isabel, uma comitiva de anjos; E, a não ser Isabel, quem podia sê-lo ? Isabel era
com isto reproduz uma ideia que estava na mente do mulher e, além disso, estava iniciada nos mistérios da
povo, conforme indica o provérbio. redenção. O anjo tinha-lhe dito: «Também Isabel, tua
Não era impossível, mas também não é provável, prima, concebeu um filho em idade avançada, e este
que José acompanhasse Maria nesta viagem. , é o sexto mês de quem passava por esté ril. É que
Se assim foi, ao menos é certo que Maria não ~ para Deus não há impossíveis ». Segundo o testemu-
lhe declarou o móbil da visita e que José não estava ·l1, nho do anjo, tratava-se duma conceíção prodigiosa.
presente quando as duas primas se saudaram. Nesta E que estava relacionada com o Salvador esperado,

.:
E
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hipótese, o mais natural seria supor que José a acom- " indicam-no a maneira e a forma como o anjo ligou

I
panhou até Jerusalém e que, daí, Maria continuou a ~ aquela nova com um « também » posto imediatamente
sua viagem sem ele. depois da mensagem da Incarnação .
É significativo no texto de S. Lucas o pormenor Estas considerações levaram Maria a sair de
11
que diz que Maria partiu « aceleradamente , a visitar r. Nazan~ e a pôr-se a caminho para casa de sua prima.

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M A R IA, MÁE DE JESUS MARIA , MÁE DE JESUS

Durante a viagem seu espírito ia extasiado no venha ter comigo ? Porque logo que a voz da tua
mistério que levava em si mesma. Quatro ou cinco saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exul-
dias durou a viagem. tou de alegria no meu ventre. E b em-aventurada tu
Não é temerário pensar que foi durante estes que creste, porque se hão-de cumprir as coisas que,
dias de viagem que começou a evolução interna do da parte do Senhor, te foram ditas»,
Magnificai. Seu modo de falar é realmente uma surpreza.
Dissemos que Maria caminhava com pressa, com Segundo o costume, Isabel, a velha prima, tinha títulos
sentimentos de alegria. O seu hino é disso a melhor e para ser saudada com todo o respeito. Sem dúvida
mais brilhante manifestação. que Maria o fez. Porém agora Isabel dava solene tes-
Sem dúvida que não estava no ânimo de Maria, temunho de que Maria era incompar àvelmente supe-
ao aproximar-se da casa de Isabel, dar-lhe logo a rior a ela em dignidade. Fala como uma escrava a sua
conhecer o que nela se passava. Isso seria contrário rainha: «Donde me vem a mim que a Mãe do meu
à maneira de pensar e de proceder duma mulher cir- Senhor me venha visitar? » E felicitou a Maria por
cunspecta do Oriente. Entrou, pois, em casa e, respei- sua fé: «És bem-aventurada porque creste! »
tosamente, saudou sua prima, esposa dum sacerdote. O mesmo Deus poupara a Maria a grande preocu-
Inclinou-se, abraçou-a e proferiu a costumada sauda- pação de anunciar a vinda do Salvador.
ção de bênção: « A paz seja' contigo ». Durante a sau- Então prorrompeu ela num cântico de louvor,
dação teve lugar o milagre. O Messias manifestou-se dando livre curso aos sentimentos que tinham como-
a si mesmo. O anjo tinha dito a Zacarias: «O filho vido seu coração durante o tempo que mediou entre
de Isabel será cheio do Espírito Santo desde o seio a anunciação e sua chegada à casa de Zacarias.
de sua mãe». Isabel, porém, não sabia como nem
quando isso aconteceria. Agora, na presença de
Maria, o menino exultou no ventre de sua mãe, e O CÂNTICO DE MARIA
Isabel conheceu, em espírito, como se relacionavam
as coisas: Maria era a Mãe do Salvador e João ia E Maria disse :
/~'
ser o seu Precursor! Por isso o menino fôra santifi-
cado com a sua vinda. A minha alma glorifica o Senhor ;
E o meu espírito exulta em Deus meu Salvador.
Em resposta exclamou Isabel: «Tu és bendita
Porque lançou os olhos para a baixeza da sua escrava ;
entre as mulheres, e bendito é o fruto do teu ventre ! Eis que, de hoje em diante, todas as gerações me chamarão
E donde a mim esta dita, que a Mãe do meu Senhor hem-aventurada.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Porque fez em mim grandes coisas aquele que é poderoso, descobre nestas palavras: « Desde agora todas as gera-
E cujo nome é santo. ções me chamarão bem-aventurada». Que humilha-
E cuja misericórdia (se estende) de geraçfo em geração ções foram estas, não o sabemos.
Sobre aqueles que o temem. Atendendo à sua vida santa no meio duma paren-
Manifestou o poder do seu braço :
Dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu
tela embebida de outras ideias e dentro dos muros

I
coração. duma cidade oriental, dada a sua idade também e o
Depôs do trono os poderosos, seu recolhimento, eram possíveis amarguras e tor-
E elevou os humildes. mentos de alma de que não podemos fazer ideia
Encheu de bens os famintos,
exacta. É até possível que tivesse sido excluída, com
E despediu vasios os ricos. )

Tornou cuidado de Israel, seu servo, ! José ou por causa de José, de sua parentela e do
Lembrado da sua misericórdia ; « Clam » . Parece ter havido qualquer tensão entre
Conforme tinha prometido a nossos pais, Maria e os seus parentes, como veremos depois. Por
A Abraão e à sua posteridade para sempre 1. isso ela, a desprezada, regozija-se quando o Senhor
mesmo se interessa pela sua sorte e a exalta.
Qual é, propriamente, o conteúdo deste hino? Deste modo celebrou Maria as disposições de
O Magnificai é um cântico de louvor às disposições Deus. A sua graça não estava vinculada aos poderosos
admiráveis de Deus. Transbordou dos lábios de Maria, da terra ; as riquezas da graça podem acumular-se
como torrente represada, no momento em que sua naqueles aos quais a fortuna é refractária e todas as
prima lhe disse: « Feliz porque acreditaste no que o riquezas deste mundo são impotentes para alcançar
Senhor te mandou anunciar» . uma só graça de Deus a quem as possui. O milagre
Note-se, porém, que o júbilo de Maria, tal qual da graça pode fixar-se e espraiar-se numa pessoa de
brotava de seu· coração, não era uma manifestação quem os juízos humanos menos o esperam. A estru-
puramente espiritual de sentimentos santos. Em todo tura forte do mundo agita-se e já não é a suprema e
o Magnífícat há um pensamento central a dominar a última realidade.
alma de Maria: Deus exaltou-me porque, antes , tinha Quando os homens confiam obstinadamente nas
vivido humilhada. Isto faz supôr que a exaltação que próprias forças, fazem esforços titânicos e desespe-
Maria tanto celebra foi precedida duma humilhação rados para manterem, em si e nos outros, a opinião de
tal que lhe dava direito a contrapô-la à glória que se que a natureza e a graça são uma e a mesma coisa,
il' 1~ e que, portanto, a nossa posição na natureza é índice

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1 Luc., I, 45-55. da que temos no reino da graça; ou que a graça
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MA RIA, MÃE DE TESUS MARIA, MÃE DE JESUS

pode ser suplantada peia natureza, se não em todos, « Algo de grande operou em mim o Todo Pode-
pelo menos naqu eles que possuem especial cultura e roso, cujo nome é santo» (salmo LXX, 19). No salmo
. i
talento . CXIX, 9 - « Sua misericórdia estende-se de geração em
Todas estas suposições levam à crença de que o geração sobre aqueles que o temem». Igualmente e ao
homem que junta poder, riqueza e génio, é um ins- pé da letra o salmo cn, 17 - « Mostra o poder do
trumento certo da graça de Deus. A esta fé nos ~ seu braço potente, desbarata os soberbos nos dese-
homens e no seu poder contrapõe Maria, jubilosa- jos de seu coração». Coisa parecida se lê no salmo
mente, a confíança em Deus e no seu poder. As expres- LXXXVIII, 11 - « Destrona os poderosos e exalta os
sões de que se serve para mostrar esta persuasão são humildes ». Quase a mesma coisa diz o Ecclesiastes,
como que uma confíss·ão das leis, segundo as quais X, 14 e o salmo CXLVI, 6.
Deus exerce ordinàriamente o seu governo. Logo à primeira vista se descobre, nesta justapo-
Vamos reproduzir, ao lado dos versículos do sição, que a maior parte destes conceitos os bebeu
Magnifica!, aquelas passagens de Escritura que ecoam Maria nos salmos.
dum modo semelhante. Poderia parecer que isso seria A investigação inversa - palavras de Maria que
mais próprio duma aula que do fim que nos propomos, não têm precedente no Antigo Testamento - abre os
mas com isto conseguiremos penetrar com clareza no mesmos vastos horizontes. São os versículos: « Por
mundo ideológico de Maria . isso doravante todas as gerações me chamarão bem-
O primeiro versículo diz: « Minha alma glorifica -aventurada », e o fínal: « tomou Israel seu servo, sob
ao Senhor e o meu espírito exulta em D eus, meu seu amparo - enviando-lhe o Messias-, recordando-se
Salvador ». das suas misericórdias, como prometeu a nossos pais,
Expressões semelhantes, para cânticos de acção Abraão e toda a sua descendência.
de graças, encontramos nos salmos LVlll, 31 ; XXXIII, 4 ; Na primeira frase citada anuncia Maria que,
no profeta Habacuc, UI , 18 e, sobretudo, no salmo daquele momento em diante, será Ela exaltada de
XCIV, 1, da. autoria de David, seu avô. Nele se diz geração em geração. O louvor de sua prima Isabel,
textualmente como no Magnificat : « Vinde, cantemos « feliz porque acreditaste » será repetido continuamente
ao Senhor e regozijemo-nos em Deus nosso Salvador, 1 sobre a terra. Esta outra: «Tomou sob seu amparo a
Porque pôs os olhos na baixeza da sua escrava». Do ~ Israel, seu servo », fecha, por assim dizer, o Antigo

::~~;:=::~:·:~~:=::::~_::::=:_J
Testamento. A grande promessa feita a Abraão e seus
descendentes, de que neles seriam abençoados todos
os povos, teve a sua realização na vinda do Messias.
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Ao ler isto, talvez que algumas pessoas piedosas Evangelho o Magnífícat, e aquele em que Maria o
se inquietem e digam de si para si : Não será irreve- entoou, medeiam 60 anos. Como pôde S. Lucas, à dis-
rente desmembrar o cântico de Maria, considerando-o tância de 60 anos, saber o que Maria tinha dito, depois
um apanhado de fragmentos de diversas pessoas? que Isabel a saudou? Certamente que não se serviu
Que fica então para a Virgem ? só da tradição oral ; mas, sim, que deve ter-se utili-
A isto poderíamos responder: O conceito da pro- zado de algum documento escrito.
! ' priedade literária, tal qual hoje é, não existia no O carácter literário do capítulo sobre a infância
Oriente. Cada qual tomava dos outros o que agra- de Jesus apresenta, aos linguistas, a prova de dois
dava. Porém, não é esta a resposta definitiva. Esta factos: 1) O documento de que se serviu S. Lucas
temo-la no facto de que Maria não quis fazer uma não estava escrito em grego, mas em hebreu. 2) Tinha
composição poética, mas sim uma oração, e oração já certa ordem sistemática; apresentava propositada-
que glorificasse a Deus. E por isso recorreu a expres- mente primeiro a anunciação do nascimento de João
sões e modos de falar que muito bem conhecia nos e de Jesus e logo a seguir o nascimento de Jesus e
Livros Santos. de João, como acontecimentos que se correspondiam.
Contudo devemos precaver-nos contra a falsa Ora, S. Lucas diz no seu Evangelho que procurou
ideia de que Maria era versada nas Sagradas Escri- informar-se daqueles que fôram testemunhas destes
turas a tal ponto que não se contentava senão fixando acontecimentos durante a vida de Jesus. Diz também
os salmos e versículos em que se encontram as expres- que os acontecimentos que se deram, por ocasião do
sões por ela hauridas dos Livros Sagrados. Isso não. nascimento do Baptísta, tiveram grande notoriedade e
Maria ouvia e assimilava. Não transportou para 0 seu fôram comentados por todo o povo.
cântico palavras e frases dos outros, mas as verdades Em tais circunstâncias interessava a toda a paren-
dos Livros Santos tinham-lhe formado e educado 0 tela tomar alguns dados sobre estes acontecimentos.
espírito. O que Zacarias experimentou excede, em signifi-
Sua alma santa teve uma capacidade umca para cação, tudo o que se contém nos Livros Sagrados.
penetrar até à medula o sentido da palavra divina. Ele era o único varão iniciado nos acontecimentos
O Espírito Santo que, com solicitud e particular, maravilhosos que preludiavam as promessas dos Livros
assistiu aos escritores sagrados, com a mesma influiu Santos, dando-lhes o seu cumprimento definitivo -
em Maria, desde o seu primeiro instante, a fim de a a vinda do Messias.
preparar para Mãe do Salvador. O anjo tinha anunciado, no templo, a Zacarias,
Desde o tempo em que S. Lucas inseriu no seu que João, o Precursor do Messias, seria causa de ale-

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA , MÃE DE JESUS
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gria e gozo não só para seus pais mas também para O Senhor visitou a sua terra,
Que estava seca e era estéril ;
. « muita gente >>. Não seria conveniente deixar por
À sua presença tornou-se húmida e fértil.
escrito, os grandes prenúncios da redenção que se O orvalho do Senhor desceu ,
relacionavam com a sua casa e com os seus parentes, Brotaram flores e hortaliças.
e em benefício « dos muitos homens do tempo futuro», A árvore em que me apoiei
para os quais havia de ter importância, mais tarde, Era doce como uma palmeira.
Recobrei de novo as forças,
segundo as palavras do anjo? A um sacerdote do As maos e os pés sustentaram-me de novo ;
Antigo Testamento podia-lhe ocorrer fàcilmente esta A minha carne parecia a de um menino,
ideia, versado, como era, nas Escrituras; mais ainda, E os meus nervos tornaram-se flexíveis de novo.
podia sentir-se quase obrigado a tomar nota daqueles Meus ossos fortaleceram-se,
E a medula de meus ossos tornou-se branda como massa,
santos acontecimentos.
M eus cabelos dobraram-se de novo
As circunstâncias que determinaram a composi- E co mpuzeram-se na minha cabeça.
ção e consignação do Magnificai, iluminam-nas nos Meus ouvidos abriram-se
tempos recentes a vida de Miríam de Abellín, aldeia Para perceber as doces palavras do Senhor.
próxima de Nazaré. Esta jovem que morreu religiosa Minha língua soltou-se para Te louvar.
leiga, em odor de santidade, num convento de Carme-
litas de Belém, prorrompia em cânticos solenes nos Se se compara o qu e acabamos de expor com os
momentos de êxtase. Não sabia ler nem escrever, nem salmos, vê-se que se parece com eles, como o Magni-
tão pouco dominava nenhuma língua estranha, pois ficai. Percebe-se o eco dos salmos, pois que o con-
sempre viveu na sua terra. Contudo, quando Miriam junto é uma exaltação jubilosa de Miriam. nova e com
começava as suas canções, as frases sucediam-se cunho próprio.
Da mesma maneira que a de Abellin deu a conhe-

l
tão ràpidamente que dificilmente se podiam apontar.
Contudo as efusões de seu coração que se apon- cer ao mundo os transportes de seu coração, assim
taram, demonstram que hoje mesmo podem brotar também a Miriam de Nazaré, naquela época remota,
entoou diante de Isabel seu hino de transportes divi-
> das mulheres piedosas do povo, com força vital,
salmos e cânticos como o Benedictus e o Magnificai.
Eis aqui, como prova, um fragmento desses hinos.
nos. E da mesma maneira que se tomou nota dos
louvores da Carmelita de Belém, assim também se
Ele descreve o consolo da alma depois da sagrada anotaram as palavras da «Mãe do Salvador », em
comunhão: casa de Zacarias.

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MARIA , MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

humilda de c ristã. Po rém o essencial da virtude está


A HUMILDADE DE MARIA NA SUA ELEIÇÃO ainda coberto com uma coisa que não é essencial.
É que a essência da humildade não consiste em
Desde agora todas as geraçóes me envergonhar-se o homem diante do Senhor, mas, sim,
chamarão bem- aventu rada. em suje itar-se àquilo que se reconhece ser a vontade
, Luc., 1, 481. de Deus, Criador e Pai. Por isso o olhar dos humildes
de ve estar sempre e em primeiro lugar dirigido para
«Desde agora todas as gerações me chamarão Deus. Quanto mais santa fôr e quanto menos pecados
bem-aventurada », exclama Maria, a humilde escrava tiver uma pessoa, tanto mais atenderá só a Deus, de
do Senhor, ao ouvir a saudação de sua prima Isabel. Quem, como criatura, sabe que depende em tudo e
Com isto revela um conhecimento profundo da sempre.
sua incomparável dignidade de Mãe de Deus. Por esta Mas os santos não são tão cegos que não vejam
exclamação, a mais de um poderia assaltar a dúvida que a vida que levam é diferente da dos outros
se Maria, naqueles momentos, ficou fiel aos sentimen~ homens. Isto podia ser para eles um grande perigo, se
tos de humildad e que sempre se lhe atribu em. Deus o não atenuasse ocultando-lhes as suas virtudes,
Desta virtude de Mari a muito se tem falado e e pondo em maior relevo os seus pequenos defeitos, à
escrito ; mas, não se atendendo talvez bastante ao que medida que se vão aproximando de Deus.
constitui a essência da humild ade cristã , também se Com Maria não se dava nada disto. Ela possuia
não costuma declarar em que consistia propriamente um género de humildade singular - único - como
a de Maria. singular e únic a era a sua missão de Mãe do Sal-
Uns imaginam que a humildade cristã é uma espé- vador.
cie de modéstia, que se traduz por certo retraimento Esta sua missão exigia que Deus lhe desse a
diante das pessoas. Tal sentimento pode ser digno conhecer, antes de ela dar o seu consentimento, a
de louvor, porém nada tem que ver com a humil- relação singular dela para com Deus e o fim para que
dade cristã, porque não põe o homem em relação lhe fôra concedida tão singular prerrogativa. Era a
com Deus. privilegiada de Deus e Mãe do mesmo Deus.
Outros pensam que a humildade consiste como Por isso a humildade de Maria era acompanhada,
que em se envergonhar de Deus, à maneira daqueles necessàriamente, dum elevado conceito da sua própria
santos, que, depois duma vida desregrada, procuram dignidade, em virtude da sua posição única entre todas
reconciliar-se com Ele. Estes possuem, sem dúvida, a as mulheres.

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MARIA, MÃE DE JESUS

Maria e Isabel. com um coração dilatado, sentiam-se


mães por missão divina, e sabiam que delas dependia
a sorte da humanidade inteira.
Para tal as vinha preparando o Espírito Santo;
a Isabel, com uma longa esterilidade, e a Maria, com
A EXPECTAÇÃO DE MARIA E DE ISA BEL

Alaria demorou-se três meses em


casa de Isabel.
l o propósito feito de viver só para Deus.
A vida destas duas mulheres, até ao nascimento
de João, conformava-se inteiramente com a sua voca-
(Luc., I, 56). ção - vida de oração e meditação - inacessível a
tudo o mais. O único homem que tinha conhecimento
A vida de Maria e de Isabel, nos três meses que destes mistérios era Zacarias, mas este estava mudo ;
viveram juntas, foi coisa que não se repetirá mais na não podia , portanto, nem devia tomar parte nos pen-
vida das mães. . samentos que as dominavam.
Ambas eram mães por um modo extraordinário. Maria tinha que fortalecer-se naquela solidão,
Ambas conheciam antecipadamente a vocação dos tinha que considerar atentamente os profundos misté-
filhos que iam dar à luz. Ambas sabiam que estes, rios em que, por vontade de Deus, com toda a alma
desde o primeiro instante, não lhes pertenciam a elas, tomava parte, como virgem esposa.
suas mães, mas sim à missão para que Deus os esco- Das posteriores narrações do Evangelho vê-se
lhera e aos homens, a cujo proveito consagravam a claramente que Maria nada revelara a José da incar-
sua vocação futura. nação do Verbo Divino. Esta decisão devia tê-la
A missão de João estava estreitamente ligada à tomado ou confirmado nos dias de recolhimento pas-
de Jesus: um era o Precursor do Salvador, o outro, o sados em casa de Zacarias. Porém, como deu a conhe-
próprio Salvador em pessoa. cer quanto tempo tencionava demorar-se em casa de
Os nomes, do mesmo modo que a missão, foram sua prima Isabel, via aproximar-se a data do seu
revelados antes que eles vissem a luz do dia : «Pôr- regresso a Nazaré. Quanto teriam orado Maria e Isa-
-lhe-ás o nome de João; chamar-lhe-ás Jesus ». bel naqueles dias pedindo a Deus que as iluminasse e
Os pensamentos de Maria e de Isabel, como o de que Maria seguisse o caminho que Deus lhe traçava!
todas as mães, dirigiam-se ao futuro de seus filhos. Elas, que conheciam o mundo oriental melhor que nós,
Mas se as outras mães, ao contemplarem o futuro não deviam ignorar as terríveis perspectivas que se
de seus filhos, neles concentram todo o seu amor, iam apresentar a Maria, apenas partisse para a Galileia.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

miraculosa; de José que pensou seriamente em aban-


O MATRIMÓNIO DE S. JOSÉ doná-la secretamente.
Maria calou-se. Devia ter razões fortes para o
Para o nascimento de Jesus passaram-se as coisas desta fazer. Uma era, como temos dito, ter visto em casa
maneira : Estando Maria, sua Mãe, desposada com José, achou-se de Isabel como Deus se encarregava de revelar o
ter concebido do Espírito Santo, antes de coabitarem. E José,

l
segredo aos seus. Outra, não ter o anjo dito que reve-
seu esposo, sendo justo, e não a querendo difamar, resolveu
deixá-la secretamente. Ora, andando ele com isto no pensamento,
lasse o segredo a José e que desmanchasse os despo-
eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos, dizendo : sórios. Ela mesma considerava-se ligada a José pelos
José, filho de David, não temas receber Maria como tua esposa, desposórios. A psicologia humana não pode determi-
porque o que nela foi concebido é (obra) do Espírito Santo. nar com segurança em que é que se fundava em última
E dará à luz um filho, ao qual porás o nome de Jesus, porque
ele sal vará o seu povo dos seus pecados 1,
1 análise a atitude de Maria. A sua situação não apre-
senta ponto de semelhança com a de ninguém; é única.
Em suma, uma só coisa sabemos: que Maria obs~rvou
Depois duma temporada de três meses em casa 1 o mais inquebr,antável silêncio a respeito da sua mater-
de Isabel, voltou Maria para Nazaré. Bem sabia que nidade miraculosa.
não podia passar muito tempo sem que José, seu Que consequêncías teve esta conduta ?
esposo, descobrisse que era mãe. Em primeiro lugar ficou oculto aos olhos de todos
O Evangelista fala com muita parcímónia mas que em Maria se passara alguma coisa de singular.
com clareza dos dias de amargura que pesaram tanto Porém o seu silêncio tinha grande importância para
sobre Maria, como sobre José. S. José. Humanamente falando, era uma apologia de
Isto, porém, só afectava a alma dos dois. Para os Maria.
demais, nada havia que chamasse a atenção. José pensou que não se tratava duma violência ;
Os desposórios eram, naquele tempo, o começo pois, se tal se desse, Maria ter-lho-ia particípado imedia-
da vida matrimonial; se, pois, Maria estava de espe- tamente. Ao mesmo tempo, no meio das suas perplexi-
ranças, ninguém podia suspeitar mal dela, enquanto dades, pressentia que Ela devia ter algum apoio interior
José a não acusasse. Mas o melhor é prestar atenção que tanta calma lhe dava em situação tão enigmática.
à narração clara do evangelista : de Maria diz que Antes, pois, que viesse o anjo revelar-lhe todo o
guardou silêncio absoluto a respeito da sua conceição mistério, revolvia José em seu espírito o plano de a
abandonar secretamente. E fazia-o porque « era justo> ;
1 Mat., 1, 18-22 . assim o diz expressamente o Evangelista.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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O que é que José se propunha fazer? Que se entende por infamação pública e por
As expressões evangélicas indicam que S. José « abandonar secretamente » ? É fora de toda a dúvida
estava disposto a abandoná-la secretamente. O caso, que estes dois conceitos são correlativos. Por isso, ao
porém, tinha suas dificuldades. Juridicamente o matri- pensar José em abandoná-la secretamente, queria evi-
mónio estava contraído por meio dos desposórios. Se tar a Maria uma infamação pública.
José queria restituir a Maria a sua liberdade, (que nisso Em absoluto, esse modo de falar poderia referir-se
vinha a dar o « abandoná-la secretamente ») tinha que a uma acusação pública perante o juiz, por falta de
despedi-la com um libelo de repúdio. Em todas aspas- fidelidade. Mas, em tal hipótese, o sentido seria: José
sagens do Evangelho em que se fala de «abandonar», queria prescindir de uma delação perante o juiz e
entende-se que é sempre por meio de libelo legal. abandonar Maria sem a acusar. Mas as prescrições
O processo a seguir em caso de repúdio estava legais daquele tempo a respeito do adultério eram tais,
prescrito pormenorisadamente no direito vigente, tendo que José não tinha, à face da lei, motivo suficiente
sempre em vista evitar precipitações que pudessem para uma queixa judicial. A lei continuava a condenar
surgir, sobretudo entre orientais de sangue quente. o adultério com pena de morte . Mas os trâmites legais
Um libelo de repúdio com valor jurídico devia ter iam-se dificultando cada vez mais, e só se aplicava a
as seguintes condições: Ser um documento redigido pena de morte quando se podiam apresentar testemu-
pelo próprio marido ou por um delegado seu com as nhas. A cena da mulher adúltera de que nos fala
mesmas garantias que se exigem para um testamento : S. João funda-se nesta prática jurídica. É o que afir-
nome do marido, da mulher e do lugar em que foi mam expressamente os judeus quando a apresentam a
escrito ; data do processo, declaração do repúdio e Jesus: «Foi surpreendida em adultério. Não faltam
assinatura de duas testemunhas. testemunhas do seu pecado ».
A declaração do repúdio era concebida frequen- Se José quisesse acusar Maria perante o juiz,
temente nestes termos: « Ficas livre para casares com tinha que apresentar testemunhas. Não as tinha. Por-
quem quiseres ». O marido não podia retratar o seu tanto, quando o Evangelho fala de um desaire público,
repúdio desde que o tivesse entregado à mulher. não pode referir-se a uma acusação perante o juiz, e
Ora o Evangelista afirma, como já dissemos, que quando fala do propósito de abandoná-la secretamente
José, como «varão justo», como homem de consciên- também não pode referir-se a uma separação sem
cia, queria livrar a Maria duma infamação pública, e acusação judicial. Por « infamação pública» devería-
que, por isso, andava pensando em a abandonar secre- mos entender o abandoná-la com libelo de repúdio,
tamente. do qual constasse o motivo da separação ; e, neste

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS '•

caso, o « abandoná-la secretamente » seu correlativo, é difícil. Contudo não se pode provar que José não
significaria abandoná-la com libelo de repúdio em que acreditasse na possibilidade de um milagre ; via em
não transparecesse sequer o fundamento da separação. Maria uma tranquilidade misteriosa, o que o levava a
Talvez se possa ir mais além, interpretando o não pensar mal dela. Deste modo, poderia interpretar,
pensar de José como se ele pretendesse fazer chegar ao menos conjecturalmente, o seu silêncio como se se
às mãos de Maria o libelo de repúdio, sem data e sem relacionasse com algum milagre. E, admitido isto, não
indicação das testemunhas, como um documento de é de estranhar que pensasse em a abandonar secre-
natureza particular. Contudo é necessário não esque- tamente.
cer que José não estava determinado ainda a seguir Mas, ponhamos de parte a fé numa intervenção
este caminho, mas que era o que interiormente lhe miraculosa. E, neste caso, teve José a Maria por cul-
parecia mais factível e, por isso, o revolvia em seu pada ou não?
espírito. Como quer que fosse, José queria, a todo o A sua surpreendente tranquilidade proclamava a
custo, que ninguém, nem mesmo os parentes de Maria, sua inocência; mas o seu estado falava contra ela. Em
soubessem nem quando se separou dela, nem o motivo. tais circunstâncias, que nós não conhecemos bem, José
Nos escritos extrabíblicos encontramos uma histó- procurou fazer a única coisa que podia, sem proferir
ria semelhante a esta em que se diz que Deus, no dia qualquer sentença ; abandonar Maria com um libelo de
de juízo, procederá dum modo semelhante, « con- repúdio «privado » deixando-lhe a liberdade de proce-
denando os réprobos secretamente » . Diz assim : der como a consciência lhe ditasse.
O Senhor não dará a conhecer publicamente os cri- Tinha qu e tomar esta resolução dentro de pouco
mes dos pecadores enquanto os justos estiverem pre- tempo. Quanto mais a demorasse tanto mais piorava a
sentes; que só depois da ida destes para o céu acu- situação de ambos. Porém, quando pensava pôr em
sará e condenará os pecadores; o que é o mesmo que prática a sua resolução, reconhecia que isso lhe era
dizer que os despedirá « secretamente ». impossível.
Que pensava José interiormente a respeito de Nesta situação angustiosa, apareceu-lhe o anjo de
Maria, quando estas coisas se revolviam em seu pen- noite e disse-lhe : « José, filho de David, não temas
samento? Supôs ou admitiu a possíbílídade duma inter- receber a Maria por tua esposa, porque o que ela
venção miraculosa de Deus ? concebeu é obra do Espírito Santo. Dará à luz um
Se pudéssemos responder com segurança a esta filho a quem porás o nome de Jesus; porque ele há
pergunta, poderíamos acompanhar passo a passo todo de remir o seu povo dos seus pecados ».
o desenrolar desta questão. Mas, uma resposta certa O anjo reconhecia o matrimónio de Maria; cha-

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS '-- · ~~···~---------ru-H~

ma-a esposa de José, e a este, como chefe de sua Maria contou agora a José os sucessos milagrosos 1
casa, encarrega-o de chamar ao Menino, Jesus. que tiveram lugar em Nazaré, como o anjo lhe anun- 1
As palavras do anjo foram definitivas para a vida ciara que seria Mãe do Salvador e como lhe tinha !
de José. Ficou confirmado pelo próprio Deus como ordenado que, quando nascesse o menino, lhe impu- ~
esposo de Maria e recebeu o encargo de ser chefe sessem o nome de Jesus. 1· :
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legal da família de que havia de nascer o Menino E José, por sua vez, contou-lhe que o anjo lhe
Jesus. dissera que a recebesse por esposa, e que ao menino,
1

Quando mais tarde sujeitou o Menino à Lei da de quem era mãe por obra e graça do Espírito Santo,
Circuncisão, quando dispôs a viagem de Maria para a lhe pusesse o nome de Jesus. O encargo comum de
purificação, e quando se apresentava, nas diversas dar ao menino o nome de Jesus, foi para ambos uma
ocasiões, como pai de Jesus, fazia-o sob o influxo garantia de que Deus os tinha juntado para lhes con-
desta mensagem. fiar o cuidado de serem protectores do Salvador.
O anjo dissera-lhe: «Não temas receber Maria O nome de Jesus foi o laço que os uniu para servir
como tua esposa ». Quem admite que José cria na os desígnios de Deus.
possibilidade de um milagre, pode ver nestas palavras Maria pôde contar também a José o que lhe
uma prova do mesmo. Segundo elas, José «teve receio » aconteceu em casa de Zacarias ; como sua prima a
de levar Maria para sua casa. A explicação mais óbvia saudou como Mãe do Salvador. Soube José, então, que
deste seu receio é que suspeitava que alguma coisa João, o filho do velho Zacarias, estava destinado a ser
miraculosa tinha acontecido a Maria. o Precursor do Redentor e que, como Jesus, tinha
1:
Depois desta mensagem José foi a casa de Maria. recebido também de Deus o nome.
~ Só por mandado de Deus se atreveu a conduzir a Mãe As densas trevas dissiparam-se: Maria e José
r: do Salvador para a sua casa. reconheceram o mundo divino em que se desenrolava

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As angústias e cuidados passados desapareceram.
A reverência, a alegria e o amor ao mistério que se
operava em Maria animavam o seu espírito.
Quando Maria o viu teve um pressentimento :
a sua vida. Nenhum casal de noivos dispôs os prepa-
rativos próximos do seu casamento com amor mais
puro nem mais santo que José e Maria naquela hora
em que se viram escolhidos para protectores do grande
Deus revelara-lhe estas coisas, como antes o tinha mistério divino.
revelado a sua prima Isabel. Com isto acabou para Muitos costumam representar a S. José como um
ambos uma época de terríveis amarguras de alma, ter- velho. A lenda que deu origem a semelhante modo de
ríveis até mais não poder ser. pensar, seduziu talvez, mas não orientou.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

É verdade que o noivo, ordinàriamente, costuma No tempo que se realizou o casamento de Maria
ser mais velho que a noiva, segundo o pede a natu- e José, foi afixado um decreto nas cidades de Israel ,
reza das coisas; podia acontecer também, em abso- promulgado pelo imperador Augusto em que se man-
luto, que José o fosse muito mais do que Maria. Mas, dava proceder ao recenseamento da população. Estava
por outro lado, dificilmente podia ser o sustentáculo redigido, pouco mais ou menos, em termos idê nticos
de Maria, se não estivesse na plenitude de idade aos do que foi encontrado nas escavações feitas recen-
hábil para o trabalho. temente no Egipto e que diz assim : « Caio Vívio Má-
Seria completamente descabido pensar que S. José ximo, governador do Egipto, faz saber: Como se apro-
era ·muito velho , para, deste modo, se explicar mais xima o recenseamento das famílias, ordena-se a todos
fàci]mente o voto de virgindade, de sorte que o esposo os que, por qualquer motivo, residem fora do seu
se tornasse uma espécie de tutor paterno. distrito que venham ao torrão natal, a fim de realizar
A lenda supramencionada a respeito do ma- o recenseamento usual ».
trimónio de Maria e de José, que se formou no Israel era, na aparência, um reino independente
mundo oriental, devia ter por fundamento esta con- e com amistosas relações com Roma. Mas, na reali-
cepção. dade, tinha Herodes de se sujeitar, em qualquer assunto
A arte teve também a sua quota parte para que de importância, à vontade de Roma, se não queria ser
se conservasse semelhante lenda. deposto. Nem sequer podia redigir o seu testamento
sem consultar primeiro o beneplácito de Roma. Os
romanos tinham as mãos livres para determinar qual
A VIAGEM A BELÉM havia de ser a sorte da Galileia depois da morte de
Herodes.
E naqueles d ias sai u um édito de C ésar A ugusto, para que Apareceu, pois, também em Nazaré um daqueles
se fizesse o recenseamento de tod o o mundo. Este p ri meiro recen- anúncios. Todos se agrupavam à volta dele: Os que
seamen to foi fei to por C irino, governador da Síria. E iam todos não sabiam ler ficavam boquiabertos a olhar para as
recensear-se cada um à sua cidade. E José foi também da Galileia,
da cidad e de N azaré, à Judeia, à cidade de D avid, q ue se chamava
letras sem nada perceberem. Alguns entendiam uma
Belém, porque era da casa e família de Da vid, para se recensear ou outra palavra das mais vulgares, mas também havia
juntamente com Maria, sua esp osa, que estava grávida 1, quem lêsse tudo de cima a baixo, recalcando todas as
sílabas.
É difícil imaginar a terrível impressão que causou
1 Luc., n, r -5. este édito. Ele provocou não só a resistência patrió-

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tica mas também a religiosa. Que um imperador pagão


quisesse contar os filhos de Israel, os filhos do povo
1 escolhido, como se fossem rezes! Porém os romanos
já conheciam os israelitas e estavam prevenidos, pela
experiência, para o que desse e viesse.

DESCR IÇ Ã O DA S GRAV URA S

A grav ura representa a entrada numa pousada. Pela porta pequena


aberta, dentro de outra maior, vê-se o pátio interior.
O sol reverbera no chão por cima dos muros. Diante da porta
está um homem com um camelo. A albergues semelhantes a este deviam
Entrada na pousada
recolher-se José e Maria, cada noite, durante as suas viagens. A o che-
gar, pediriam abrigo como pobres viajantes.
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Esta grav ura representa uma pousada de estilo antigo. Em volta
dum páti o central foram edificadas arcarias. Estas servem para abrigo
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no verão. ~ i._-.,.. ,;,;t;rtJ r .· 1

1
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Os animais, ou se prendem à parede ou ficam soltos no pátio.
D epois duma lon ga caminhada, ficam sem von tade de andar dum lado
para o outro.
O s " hóspedes " passam também a noite debaixo das arcarias. Se
.
estas estão divididas, formam aposentos separados.
À tarde reunem-se todos para conversar. Os negociantes do lugar
aparecem logo para fazerem os seus negócios, acedendo, talvez, ao
convite dos mesmos hósp edes que, mu itas vezes, são negociantes
ambulantes .
Não faltam também os mendigos, como se pode supor. Em tais
albergues não reina, ordinàriamente, a urbanidade. . - . ·-t.J
·.-:.· ·~

Para Maria devia ter sido um verdadeiro tormento estar exposta


aos olhares e apreciações dos demais hóspedes.
-~~ - i
Pousada com arcadas

122
IV- 122 Fot. Raaá

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MARIA, MÃE DE JESUS

Não há dúvida que, antes da afixação do édito,


tinham tomado precauções militares em todo o terri-
tório para evitar qualquer esboço de rebelião que se
manifestasse.
A notícia do édito chegou ao conhecimento de
Maria e José, ou porque este dela tivesse conheci-
mento nas suas idas e vindas do trabalho, ou porque
alguém, cheio de aborrecimento, lho fosse participar 1
a casa.
As consequências da ordem imperial eram conhe-
1
cidas para ambos. Ambos procediam do sangue de
David; por isso o seu recenseamento devia fazer-se 1
em Belém. Tinham, pois, que ir lá para cumprir a
ordem do Imperador. 1
Vemos neste decreto de Augusto uma providência ~
especial de Deus. Para o cumprir, José e Maria foram
a Belém, e aí nasceu Jesus.
Augusto, que queria conhecer a grandeza do seu
império foi, por este meio, instrumento, ainda que
inconsciente, ao serviço do Todo Poderoso.
Viram José e Maria as coisas do mesmo modo?
A resposta a esta pergunta depende da difusão que,
entre o povo, tinha a idéia de que o Salvador devia
nascer em Belém.
Esta resposta deram-na, mais tarde, precisa e
categórica, os ouvintes de Jesus:
O Messias da Galileia?! Não diz a Escritura que
ele virá da casa de David e de Belém onde viveu
David?
Esta objecção contra Jesus que, na opinião do

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

vulgo, procedia de Nazaré, é prova de que o povo, ao vam-se através do nevoeiro, como blocos de vidro
menos em parte, considerava Belém como o lugar da dum tom escuro avermelhado; porém, agora, a vista-
origem do Messias. Ora se existia semelhante tradição vam-se com perfeita nitidez. Via-se cada uma das
na família de David é porque ela se teria fielmente fendas e depressões que, partindo dos desfiladeiros e
transmitido de geração em geração. Portanto, José e barrancos, se prolongavam até ao vale do Mar Morto.
Maria não a podiam ignorar. Maria vê tudo isto sem se deter na sua contem-
Deve ter sido também esta a razão que determi- plação ; pensava no Menino Redentor. De repente, ao
nou Maria a ir em companhia de José. Deste modo dobrar um cotovelo da estrada, apareceu à vista a
se explica também que tivessem intenção de perma- cidade de Belém, com seus edifícios cúbicos em
necer em Belém depois do nascimento do menino. desordem.
O cam inho de Nazaré a Belém obrigàva-os a Ali, na cidade de David, ia nascer o Salvador, o
passar por J erusalém. « Filho de David » ! Maria lembrava-se que o anjo lho
Nenhum Israelita da Galileia que entrasse na tinha anunciado solenemente : « O Senhor Deus lhe
cidade santa deixava de ir ao templo adorar o Senhor. dará o trono do seu pai David. Reinará na casa de
Sem dúvida que Maria e José o fizeram. Depois saí- Jacob eternamente e o seu reino não terá fim »,
ram da cidade e seguiram o seu caminho em direcção Ao lado de seu esposo pobre, aproximava-se a Mãe
ao sul. do Salvador da pátria do seu real avô, David. Que
Nas vertentes vegetavam as oliveiras que brilha- transformaç ões se haviam de operar ali, até que se
vam com um suave tom de cinzento prateado. As cumprisse a promessa do anjo e se implantasse o
folhas alongadas dos rebentos do último ano que se Reino eterno do Salvador!
estreitavam contra o tronco, receb iam a luz pela parte
inferior. Na proximidade das casas, de forma cúbica, O NASCIMENTO DE JESUS
as figueiras tinham perdido a folha. Distinguiam-se os
ramos entrelaçados, côr de barro, com suas curvas
E estand o ali , acon teceu completarem-se os dias em que
suaves. As folhas jaziam em terra, c omo grandes dev ia dar à luz. E deu à luz o seu fi lho primogénit o, e o en fai-
mãos, amarelas e cinzentas. Os sarmentos estavam xou e reclinou numa mangedoura: porq ue náo havia lugar para
também despidos de folhagem e quase se não distin- eles na estalage m 1.
guiam, tanto se tinham apoucado com o cair da folha.
Por outro lado, em direcç ão ao Oriente, esten-
diam-se as montanhas de Moab. No verão descortina- 1 Luc. , 11, 6-8.

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MARIA, MÃE DE JESUS '
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MARIA, MÃE DE JESUS

José tinha intenção de passar a noite no khan ou mentas separados da estalagem pública de Belém. Mas
estalagem pública de Belém, como nos dias ante- ou não os havia, ou estavam já ocupados, ou lhos
riores. Tais albergues consistiam num pátio rodeado negaram por serem pobres.
de altos muros. No centro há, as mais das vezes, uma A expressão « lugar para Fulano e Sicrano » usa-a
cisterna ; em volta desta ficavam os animais : camelos a Bíblia também noutras ocasiões como sinónimo de
que faziam ouvir os seus rugidos típicos, e jumentos « sítio adequado :. . « Mete no seu lugar a tua espada »,
que orneavam. Junto ao muro há uns cobertos onde os disse Jesus a Pedro ; o seu lugar, o sítio adequado
viageiros se acomodam para passar a noite. Frequen- para a espada é a baínha. No Apocalipse, falando-se
temente estão divididos por tabiques, formando recin- da queda dos anjos maus, diz-se: « Não puderam per-
tos independentes que se podem ceder aos hóspedes. manecer firmes, e o seu lugar já não era o céu»,
Uma pousada destas (ver gravura pág. 122) supõe O sentido é este: Os anjos perderam seus postos, os
a frase seguinte: «Enquanto eles (Maria e José) esta- postos que lhes correspondiam até então. Esta expres-
vam ali, completaram-se os dias em que Maria havia são apresenta uma frisante analogia com a que estava
de dar à luz; e deu à luz o seu Filho primogénito, em voga: « porque não havia lugar para eles na esta-
envolveu-o em panos e reclinou-o no presépio porque lagem». Também, neste caso, é o « lugar para eles»
não havia lugar, para eles, na estalagem ». um lugar como José desejava para Maria, por estar
Que quer dizer a observação : « porque não próximo o nascimento do Salvador.
havia lugar para eles na estalagem?» O espírito popular apresenta aqui as cenas como-
Acomodação por acomodação, tê-la-iam encon- vedoras da busca de pousada. Maria e José vão de
trado Maria e José na estalagem. Nunca um aposen- porta em porta, de uma mandam-nos a outra, até que
tador de caravanas do Oriente diz estar tudo ocupado. finalmente passam a noite num estábulo fora da cidade.
Ainda quando os hóspedes já não se pudessem mover, Os Evangelhos não dizem nada a tal respeito. Porém
asseguraria ele a qualquer recém-chegado que o entre a chegada a Belém e a procura de pousada,
melhor lugar lhe vai ser destinado. devia passar-se coisa parecida. Maria e José eram
Em suas viagens Maria e José poder-se-iam con- ambos descendentes da família de David. Por isso
tentar com uma dessas pousadas pernoitando entre vinham a Belém para o recenseamento.
muita gente estranha. Mas agora que estava próximo O natural era que, em tais circunstâncias, os des-
o nascimento, José procurava um « lugar adequado » cendentes de David, que tinham morada em Belém,
para ele e para Maria que esperava o Menino Reden- recebessem em sua casa seus parente da longínqua
tor. Esse lugar poderia ser um daqueles comparti- Galileia socorrendo-os em todas as suas necessidades.

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MARIA, MÃE DE JESUS

Longe de ser estranho, era o mais natural, dado o


MAruA, MÃ; ::.:~S~: pous:~~:e ,Bel:~~n~~=a:~~:~~: c ..

espírito hospitaleiro que caracterizava todo o israe- antiguidade, por exemplo, no tempo de Jeremias 1, ~
lita, bem como todos os orientais, «fora da cidade». Também o terreno que ocupa hoje ~
Contudo, o que seria natural, não o fizeram os a igreja do Nascimento estava «fora da cidade», ~
parentes de Belém, como se depreende da narração de quando nasceu Cristo. Não é, pois, fora de propósito ~
li;\
S. Lucas. Tal procedimento equivale, de algum modo, ~ perguntar se o albergue de que fala Jeremias e o que ~
à exclusão da parentela 1• ~ procuravam José e Maria é o mesmo. Pois é coisa ~
Para o sabermos, é necessário averiguar se as !J
frequente permanecerem as pousadas no mesmo lugar ~
relações de José e Maria com seus parentes de Belém ~ durante milhares de anos.
\1
eram tensas antes da viagem que fizeram para o recen- ~ Naqueles arredores encontram-se, precisamente,
seamento ou se, por essa ocasião, se · deu algum mal >~ muitas grutas naturais. Segundo os costumes do Oriente
entendido que, segundo o feitio dos orientais, se mani- ~ aquelas grutas eram utilizadas pelo dono da pousada,
festasse por um procedimento quase rancoroso para ij quando esta se encontrasse nas imediações, ou para
com José e Maria, e se os parentes de Nazaré teriam l] guardar animais, mercadorias e combustíveis, ou para
tido alguma culpa nisso. ~.i•j! acomodar alguns hóspedes. Se , pois, oMdono dadpou-
A estas perguntas só se pode responder com algu- sada instalou desta forma a 3 osé e aria, na a se
mas conjecturas. Para o recenseamento fixou-se, sem ti modificou do que costumava acontecer.
dúvida, certo praso de tempo, tempo bastante. 1.I 1
Ainda hoje nada teria de estranho esse modo de
Talvez também José fosse o único dos descenden- íl proceder, muito conforme aos usos orientais. Muitos
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tes de David que, em virtude do decreto do recensea- donos de hospedarias dos vales Alpinos procedem do
mento, se visse obrigado a fazer a mesma viagem. , mesmo modo em casos de grande aglomeração.

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Porque, se além dele, outros tivessem a mesma obri-
gação e se o tempo marcado para o recenseamento
se restringia a poucos dias, poderia parecer estranho
que José e Maria não fossem na companhia desses
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~
Quando a parte principal do edifício está cheia,
os hóspedes são acomodados nas suas dependências
que, ordinàriamente, não se destinam à habitação do
ti
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.~ homem. O aposentador das caravanas fica todo con- •1\Í
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parentes, como se costumava fazer nas peregrinações tente por poder assim resolver a dificuldade, duma
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a Jerusalém. maneira prudente.

1 Para maior esclarecimento ver o capítulo: " Vida dos paren-


tes entre si )) .
.~ ~:~:,~.~~,!~:solução da dificuldade, continha,,pa:~
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MARIA, MÃE DE JESUS

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~ Maria e José, algo de comovedor; pouco a pouco os
~I iam relegando à solidão e ao abandono.
Primeiro, uma ordem do imperador Augusto fá-los
sair de Nazaré; depois, a má vontade de seus paren-
tes de Belém nega-lhes hospedagem nos lares dos
descendentes de David; mais tarde tiveram que dei-
xar a hospedaria, ou porque os compartimentos inde-
pendentes estivessem todos ocupados, ou porque lhes
foram recusados por serem pobres. Finalmente, tiveram
que recolher-se a um estábulo ; era o que acontecia
frequentemente à gente pobre. Contudo, os que mora-
vam em casas tinham como « ralé » os que «moravam
nos estábulos ».
Estes contra-tempos fariam brotar nos corações
de José e Maria o pressentimento de que tais inci-
dentes tinham o seu valor simbólico - que todas estas
amarguras pertenciam ao começo « da vida de Jesus,
do Salvador ».

D ESCRI ÇÃ O DA GRAVUR A

Nos arredores de Belém há muitas grutas que ain da agora os


viajantes pob res utilizam para nelas morarem.
A gravura representa a entrada de uma delas. A porta é feita de
pedras e de argamassa, que é encimada por uma p adieira de calcário
branco, abundante em Belém. Quanto mais dentro se penetra, tanto
mais suave é o ambiente no inverno.
Contudo, José, M aria e o Menino tiveram q ue su portar um frio
de regelar, porque os orientais estão acostumados ao calor e não ao frio.
O presépio frio das canções populares foi, pois, para a Sagrada
Família, realmente, uma das amarguras da noite do Natal. Acesso a uma gruta ltabitada, junto a Belém

130
V- 1 30 Fot. Raad

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MARIA, MÃE DE JESUS

Numa das noites seguintes veio ao mundo o suspi-


rado Menino-Redentor. Adverte-se expressamente que
isto não aconteceu logo que chegaram a Belém. Maria
fez, em pessoa, o que, em casos idênticos, costumam
fazer caridosas mãos alheias. Envolveu-o em panos
e reclinou-o num presépio ou manjedoura feita de
pedra e argamassa assente no chão.
E prostrou-se de joelhos.
Maria tinha a fé mais perfeita que qualquer outra
pessoa antes e depois dela. Cada gesto do seu corpo
e cada movimento de suas mãos eram a expressão da
sua fé e do seu amor.
A fé dava uma espécie de reserva ao amor,
reserva de que Maria necessitava mais que ninguém
neste mundo. Olhava para o Menino, enternecida.
Estava ali, diante dela, bem enfaixado, com os braços
paralelos ao tronco. Porém o seu olhar não era somente
o olhar típico das mães, uma espécie de tomada de
posse íntima da alma: Tu pertences-me! Não, em Maria
o pensamento era muito mais profundo. Eu pertenço-te!
Maria colocou o Menino nos braços de José.
Deu-lho não como um presente a que tinha direito,
mas como o Bem supremo diante do qual ficavam
aniquilados.
Os vagidos do Menino despertavam a Mãe ; mas
ainda então não se aproximava com precipitação incon-
siderada nem com pressas bruscas. Uma profunda
reverência diante do Menino-Deus chorando, sobre-
punha-se nela aos sentimentos ordinários das mães.
Assim estava o Menino diante dela no presépio.

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l!
Debaixo das faixas de pano havia retraços de feno e
de palha. Nas grutas do oriente temporàriamente desa-
bitadas, um exército de insectos espreita os que lá se
acolhem. No inverno assaltam tudo o que despede
calor. Naquela noite havia de suceder o mesmo.
Os insectos foram os primeiros a saudar o Salvador
no presépio e os últimos a abandoná-lo na cruz.
III
Que pensaria a Senhora enquanto suas mãos tra-
balhavam, sempre infatígáveis? Certamente que muitas
ideias sobre a sorte futura do Salvador lhe assaltaram
o pensamento.
Como seria dolorosa a redenção dos homens que Vida de Maria
se ia realizar se tais eram já os começos ? Apesar de
tudo Maria era feliz; a sua alma sobrenadava em feli- desde o nascimento de Jesus
cidade, porque tinha começado a grande era da graça,
«os dias do Messias », até ao regresso a Nazaré

1 ,1 132

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A adoração dos pastores

.l --.)· naquela mesma regiao havia uns pastores que vigiavam e


RA
• faziam de noite a guarda ao seu rebanho. Eis que apare-
ceu junto deles um anjo do Senhor, e a claridade de
De us os cercou, e tiveram grande temor. Porém o anjo disse-
-lhes : Não temais: pois vos anuncio uma grande alegria, que
terá todo o povo : Porque vos nasceu na cidade de D avid um
Salvador, que é o Cristo Senhor 1.

Maria, José e o Menino v1v1am num mistério que


os separava do mundo. Por nada deste mundo revela-
riam coisa alguma do que sabiam.
Porém Deus mandou-lhes gente simples que não se
escandalizaria vendo nascer num presépio o Salvador.
Uns pastores, gente « sem lar» aproximaram-se
do presépio e pediram licença para entrar. Pediram
desculpa de os vir incomodar àquela hora. O anjo
tinha-lhes anunciado a vinda ao mundo do Messias,
naquela noite, dizendo-lhes: «Não temais! Venho anun-
ciar-vos uma grande alegria: hoje nasceu na cidade
de David o Salvador, Cristo, o Senhor. Eis o sinal :
Encontrareis um menino envolto em panos e reclinado
num presépio», E imediatamente se haviam posto a

1 L uc., n, 8-ro.

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caminho à busca da gruta e do presépio. Ali estavam nagem, dominava-os, de algum modo, o pensamento
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e pediam para ver o Menino. do cordeiro-vítima, precisamente pela ideia do cor- f
A mãe tomou nos braços o Menino, que naquela deiro pascal. Os inúmeros quadros populares que [

mesma noite vira a luz do mundo, e apresentou-o aos representam os pastores ajoelhados com seus cordei-
pastores para que o pudessem ver e saudar. Gente ros diante do presépio, não estão, portanto, muito
simples que era e que, como crianças, sem a menor longe da realidade.
cerimónia, em tudo querem tocar, sem dúvida que A homenagem dos pastores foi para Maria a
tomariam em seus braços o Menino. Aqueles braços prova de que Deus velava sobre seu Filho, ainda que
que, ordinàriamente, só sustentavam tenros cordeiri- parecesse tê-lo abandonado. Assim como a Ela enviara
nhos, naquela noite silenciosa sustentaram o Salvador um anjo a Nazaré, assim também enviara aos pastores
do mundo, o Cordeiro imaculado. outro anjo a anunciar-lhes a boa nova. Esta coinci-
Naturalmente não se iriam embora sem deixarem dência era mais que bastante para criar entre Maria
algum presente ao Salvador recém-nascido. Naquele e aqueles homens estranhos uma aproximação interior.
tempo, era inconcebível que no Oriente alguém fosse O cântico que os anjos entoaram por ocasião do nas-
visitar uma pessoa de elevada condição sem lhe levar cimento de Jesus, indicou-lhe como se realizaria a
qualquer presente. Mas os pobres pastores não tinham redenção dos homens, que até então não conheciam
muito por onde escolher. Do produto do rebanho, o Salvador. A graça de Deus tinha começado a sua
como queijo, manteiga, leite e lã, não lhes pertencia obra ao nascer o Salvador; ela a continuaria nas
mais que o indispensável. No inverno tinham cordei- almas. Maria era dotada de um dom especial que lhe
ros que seriam engordados para o talho. Era o pre- dava a conhecer o amor de Deus aos homens de boa
sente próprio dum pastor. E não se esqueça que aos vontade, homens simples que nada ambicionavam de
olhos dos Israelitas os cordeiros eram olhados com grande aos olhos do mundo. No seu hino de acção de
especial estima, a estima que o cordeiro pascal comu- graças tinha Ela proclamado, a transbordar de alegria
nicava a todos os cordeiros. diante da encarnação de Jesus, que:
É, pois, muito provável que os pastores levassem
de presente um ou mais cordeiros ao Salvador recém- « Destronou os poderosos,

-nascido, a quem João Baptista, mais tarde, havia de E elevou os humildes.


Encheu de bens os famintos,
autorizar proclamando-o o «Cordeiro de Deus », Isto
E despediu vazios os ricos ».
não o sabiam eles ainda. Quando, porém, ofereceram
aquele presente ao Salvador, em prova de home-

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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Ao número dos humildes que Deus exaltou, dos do conv1v10 do mundo, guardando rebanhos, se podia
famintos a quem encheu de bens, pertenciam os pas- esperar semelhantes desvarios. Além de tudo o mais,
tores que em volta de Maria prestavam homenagem eram «pastores nómadas», de outras terras, pelo que
1 ao Menino Redentor. ninguém devia incomodar-se com o que diziam. Ainda
A alegria de Maria, por ocasião destas home- mesmo prescindindo disso, o palácio do cruel Herodes
nagens, reflectia-se nos pastores e tirava-lhes todo o estava perto. E as paredes têm ouvidos!
retraimento. A única pessoa que pôde contar, mais tarde, estas
Aqueles poucos homens, de quem ninguém fazia coisas, foi Maria, a Mãe de Jesus. Todos os sucessos
caso no mundo, foram os que Deus escolheu e iniciou daquela noite guardou-os ela, como tesouros, em seu
1,
'· em seus mistérios para form~r uma comunidade de coração, sem os perder jamais de vista. Uma mãe
crentes. Era a aurora daqueles sentimentos que mais pode contar em idade avançada tudo o que se passou
tarde uniriam a Jesus Salvador e a Maria uma mul- por ocasião do nascimento do seu filho - a sua alegria
tidão inumerável de gente simples. e a sua dor. O mais insignificante pormenor é para
Sem dúvida que não é desacerto imaginar a cena ela um expressivo presságio.
tal como no-la representam os inumeráveis presépios Nunca, no nascimento dum menino, aconteceram
do Natal e a proclamam os «cânticos~ que nessa coisas que, sem excepção, fossem presságios, como na
noite memorável se entoam. Aquele lugar conver- noite em que nasceu Jesus, o filho de Deus, e foi
teu-se num santuário onde se celebraram as primeiras colocado num presépio.
Matinas do Natal: Noite de Deus, noite de paz.
Entretanto rompia a aurora. Como os pastores
A CIRCUNCISÃO E A IMPOSIÇÃO DO NOME
,1 estavam perto da cidade, nela entraram com o coração
a transbordar de alegria e contaram aos belemitas o Passados oito dias foi circuncidado o Menino ; puseram-lhe
milagre que tinham presenciado. O Salvador do mundo, o nome de Jesus, nome que foi anunciado pelo anjo antes de ser
,1 aquele Salvador por quem todos suspiravam, nasceu concebido no seio materno 1.

numa gruta, às portas da cidade !


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/~· Os moradores de Belém ouviam com estranheza Todo o menmo que viesse ao mundo, era para
a seus interlocutores, que pela maneira de vestir, se os Israelitas, não só um filho e herdeiro de seus pais,
i conhecia serem pastores nómadas. E em seu interior mas, além disso, o sustentáculo e depositário das pro-
desabrochavam ocultos sentimentos de desprezo para
1
com eles. Só de homens como estes, que viviam fora 1 Luc., ll, :.! x.

138 139

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

messas de Deus a Abraão. É verdade que não parti- por assim dizer, uma parte do seu ser; agora é um
cipava destas promessas pelo simp~es facto ~e ser ser independente, com um nome, e, como tal, perten-
descendente de um Israelita. Sua mcorporaçao no cente à comunidade dos filhos de Deus, em que entrou
povo de Israel, como sociedade religiosa, principiava pelo baptismo. O amor e a dor caminham juntos e
na circuncisão. confundem-se em seu coração de mãe. Seus pensa-
É certo que também os árabes e os egípcios a mentos procuram descortinar o futuro : Que sorte
praticavam, mas só entre os judeus tinha not~vel espera aquele menino ? Que dirão a seu respeito,
significação religiosa. Era tão importante q~e at~ no movidos pelo ódio uns e pelo amor outros ? Que
sábado se realizava. Para crianças enfermiças tmha tempo viverá? Quem será o último a pronunciar o
seus perigos, pelo que não se urgia ~ circuncis~o, seu nome?
antes do oitavo dia. Pelo mesmo mohvo era feita, As impressões que, para uma mãe cristã, estão
de ordinário, por uma pessoa experimentada. ligadas ao baptismo de seus filhos eram as mesmas
Os circunstantes acompanhavam aquela cerimónia que sentiam as mães do Antigo Testamento, por oca-
com uma fórmula de bênção: os país davam o nome. sião da circuncisão, quando se tratava duma criança
1
Em caso de necessidade, podia o pai circuncidar o do sexo masculino.
1-1
I' próprio filho. Era costume terminar a festa por um Os sentimentos de Maria, no dia da circuncisão e
l'
I' banquete, . _ da imposição do nome, visavam a sorte futura do seu
"'.~ Durante os sete primeiros dias, permanecia a mae Filho, mais insistentemente que os de qualquer mãe
fora da vida social, por causa da impureza legal. israelita e até mesmo cristã.. O nome tinha-lho reve-
Depois da circuncisão já podia revezar-se com os lado Deus. O anjo Gabriel tinha-lhe dito : «Conceberás
1
1
demais nas ocupações domésticas, devendo, contudo, um filho a quem porás o nome de Jesus ». E ao encargo
1 1
permanecer em casa até passarem os quarent~ di:_s. de chamar Jesus ao menino, isto é, « Deus socorre »,
Na vida de toda a mãe cristã há impressoes tao acrescenta o motivo : « será grande e será chamado
intima e profundamente consubstanciadas com os sen- Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o trono
timentos que a prendem ao filho, que é impossível de seu pai David, reinará na casa de Jacob eterna-
traduzi-las por palavras. A este número pertence, mente e o seu reino não terá fim » .
entre outros, o momento em que ele vem da igreja, Também a José foi revelado, com o nome de
recém-baptizado, quando ela, pela primeira vez, o Jesus, o motivo porque havia de ter esse e não outro
chama por seu nome. nome: «Dar-lhe-ás o nome de Jesus, porque ele há de
I··1·' redimir o seu povo de seus pecados >.
Até então, aquele menino sem nome era para ela,
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11
Enquanto que os outros meninos, pela circuncisão, cunc1sao, e até, exteriormente, sem alegria. Falta-
li
l obtinham o direito de ser contados entre os filhos do vam os vizinhos e os conhecidos, que costumavam
povo escolhido, sobre Jesus começava a pesar, neste tomar parte naquela solenidade, congratulando-se com
dia, a obrigação de ser o Redentor, Salvador e liber- os pais.
tador religioso do povo de Israel. Os vizinhos estavam longe, em Nazaré; dos pa-
Eis que chegou o momento de Maria chamar pela rentes, muitos viviam perto, na mesma cidade de
primeira vez, depois da circuncisão, o Menino pelo Belém. Mas, por qualquer motivo, que nós ignoramos,
nome de Jesus. não queriam nada com José e Maria.
Toda a sua fé e toda a sua submissão, toda a sua A outra gente de Belém, que acaso tivesse conhe-
alegria e toda a sua dor, tinha-as Ela derramado cimento da circuncisão, pensaria que aquele lar recém-
sobre aquele nome, como num recipiente. Albergue -constituído tivera qualquer infortúnio especial por lhe
num povo estranho, nascimento em pobreza e aban- nascer o filho durante a viagem, o que lhes impossibi-
dono , alegre cântico dos anjos, adoração dos pastores litou uma festa da circuncisão em regra. Tanto mais
diante do presépio : de toda aquela alegria e dor havia estranho se lhes afiguraria, por isso mesmo, o nome
já participado aquele nome que Ela guardara até aí que esses forasteiros deram ao filho : «Deus socorre».
em seu coração, e que agora podia prommciar como Onde se via ali o socorro de Deus ?
urn presságio e uma disposição de Deus a respeito do Para José e Maria, os únicos que tinham conhe-
Menino. O que é que estaria reservado àquele Infante, cimento deste mistério, o nome de Jesus era o princí-
cuja vida , como Redentor, começava em tais circuns- pio e o fim de todos os seus pensamentos : relaciona-
tâncias! Que significaria, mais tarde, o seu nome ! Com vam todos os acontecimentos com este nome e a ele
que sentimentos seria transmitido de geração em gera- referiam todas as profecias messiânicas conhecidas.
ção ! E para o mesmo Jesus, que significaria o nome Ainda que estava muito distante o dia em que
« Deus socorre» , que o assinalava como o Redentor o nome de Jesus havia de ser posto sobre a cruz,
.i
enviado por Deus ! como inscrição, já então se lhes representava, a traços 1
il
Aquele nome era todo o seu enlevo e quantas largos, alguma coisa do que havia de ser o comple- ~~
vezes o pronunciou, depois daquele dia, outras tantas mento da redenção.
renovou o propósito de tomar sobre si, com a maior Jesus, que um dia havia de morrer crucificado
generosidade, tudo quanto lhe estivesse destinado, no fora de Jerusalém, a cidade do seu povo, nascera
plano de Deus, relacionado com este nome. fora de Belém, a cidade da sua família.
1 Tudo o 'm ais se passou sem alvoroço naquela cir- Estes contornos obscuros tornam-se claros na
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apresentação de Jesus no templo e na purificação
de Maria, dando-nos uma sombria vista de conjunto
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1,, MARIA, MÃE DE JESUS

primogénito um filho varão, tinha que resgatá-los todos.


Podia, pois, para o pai repetir-se esta cerimónia, não
! ! da futura vida de Jesus. para a mãe.
Era também possível que o pai nunca tivesse de
cumprir tal obrigação. Era o que acontecia quando
'1 AS LEIS SOBRE A APRESENTAÇÃO DO MENINO tivesse casado com uma viúva, que já tivesse tido
E A PURIFICAÇÃO DA MÃE ·filhos, ou quando o primeiro fruto de sua esposa fosse
uma menina.
Não muito depois da impos1çao do nome exerce O preço do resgate de um primogénito elevava-se
de novo a Lei os seus direitos sobre o Filho de Maria. a cinco ciclos, dinheiro do templo, uns 40 a 50 escu-
Todo o primogénito, sendo varão, estava consa- dos da nossa moeda ; quantia bastante elevada para
grado ao Senhor dum modo especial, devendo, por os pobres. O resgate tinha que se fazer em dinheiro.
conseguinte, ser resgatado. A lei do resgate só era aplicável aos meninos
No livro do Êxodo estava escrito: « ... e o Senhor que, segundo as aparências, tinham probabilidade de
disse a Moisés : Declara que todo o primogénito me viver. O prazo da prova era de 30 dias.
está consagrado. Todo o primogénito dos filhos de Os que faziam o resgate antes dos trinta dias
Israel, quer seja homem ou animal, pertence-me para tinham direito a serem reembolsados do preço do
sempre ». resgate, se o menino morria durante esse prazo.
Por isso tinha dado Moisés aos filhos de Israel Os pais piedosos não costumavam esperar pelo
esta ordem: «Resgatarás todo o primogénito entre os fim do prazo para pagarem o preço do resgate, se-
teus filhos. E quando te perguntarem o que isto signi- gundo o espírito da Lei, ainda que não tinham obri-
fica, responderás : O Senhor tirou-nos do Egipto, terra gação de o fazer antes.
da nossa escravidão, com mão forte». Qual era o sentido desta lei?
, / A Lei da apresentação visava, por tanto, os pri- Quando Faraó se opunha à saída dos Israelitas
mogénitos. Se o primeiro fruto da maternidade era do Egipto, Deus deu ao povo esta ordem por meio de
menino, esse era o primogénito e o pai tinha obriga- Moisés: «Todo o chefe de família deve matar um
ção de o resgatar. Portanto, a importância do resgate, cordeiro e tingir, com o sangue deste, as couceiras
ainda que era o pai que a pagava, era devida em da sua porta e as padieiras ». E a todo o pai de famí-
consequência da maternidade. Se um · homem tinha lia que cumpriu fíelmente esta ordem, poupou o anjo
tido várias mulheres e cada uma destas lhe dava como exterminador os primogénitos. Esta clemência do anjo

144 10 145

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MARIA, MÃE DE JESUS

para com os primogénitos dos filhos dos Israelitas,


quando os filhos dos egípcios morriam todos, foi um
bem para todo o povo, porque Faraó, à vista deste
acontecimento, deu licença aos Israelitas para saírem
do cativeiro e passarem à terra da promissão.
Para perpétua memória desta libertação prodi-
giosa, mandou Deus que todos os primogénitos fossem
consagrados a Ele, e ao povo, dum modo especial.
Tinham por obrigação servir ao Senhor no taberná-
.e
B
e
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culo, expiar pelos pecados do povo e por este orar ~
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e oferecer sacrifícios. o
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Mais tarde tomaram o lugar destes primogénitos os .
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DESCR I ÇÃO D A G RAVURA
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Debaixo do grande ediHcio central da gravura encontra-se a
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cripta do Nascimento ; não, evidentemente, debaixo da construçáo
nova e clara, mas sim debaixo da parte velha e escura à direita.
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Do lado esquerdo estende-se o Campo dos Pastores e à direita
está o lugar da antiga cidade.
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Nos tempos antigos, a esplanada sobre que se ergue a igreja do ~
Nascimento não fazia parte da área da cidade. Estava fora da cidade ;;
mas ligada a esta por uma encosta escalonada. Por isso, aquela pa ra-
gem era muito apropriada para um khan ou albergue.
Sabemos, pelo testemunho de Jeremias, que a pousada de Belém
estava fora da cidade. Na passagem do p rofeta trata-se, para maior cla-
reza, de uma « fugida para o Egipto ».
Frequentemente costumam permanecer no mesmo lugar estas
pousadas milhares de anos, por causa das condições locais.
Fica, pois, justificada a hipótese que identifica o lugar do albergue
do tempo de Jeremias com o do tempo de Jesus, do qual saíram José
e Maria à procura da gruta-presépio.

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F.,t. Raaá

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MARIA, MÃE DE JESUS

varões da tribo de Leví. Na primeira substituição tro-


cou-se um primogénito de cada família por um varão da
dita tribo. Os restantes primogénitos foram resgatados
a cinco ciclos por indivíduo. Deste modo deviam serres-
gatados todos os primogénitos, de geração em geração.
Desfilava, pois, por assim dizer, diante do Senhor,
uma procissão perene de primogénitos que era resti-
tuída de novo por Deus ao seu povo. Este resgate não
queria dizer que os primogénitos ficassem emancipa-
dos do domínio de Deus; só ficavam desobrigados de
servir no templo, devendo, porém, ser os mais zelosos
da honra de Deus entre o povo.
A todo o pai piedoso preocupava a sorte futura
do filho que resgatava, e tomava a resolução de o
educar de modo que se tornasse apto para defender a
soberania de Deus entre o povo, em conformidade
com a sua vocação, sem atender aos sacrifícios a que
teria de sugeítar-se para o conseguir.
A mãe ia também ao templo, por ocasião da apre-
sentação do filho, pelo menos aquelas que moravam na 1
1

área de Jerusalém. Lê-se no Evangelho que o resgate


do Menino Jesus coincidiu com o dia em que a Mãe i
1
ofereceu o sacrifício da sua purificação no Santuário. !
É que, com a lei da apresentação dos primogéni- 1

tos, existia o preceito da purificação levítica das mães,


1
depois do parto.
Eis o teor dessa lei, quando se tratava de filhos
varões : « A mulher que concebeu e deu à luz um filho
varão, deve permanecer em casa durante 40 dias
' (7 antes e 33 depois da circuncisão) purificando-se do

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MARIA , MÃE DE JESUS

JESUS ficado da purificação legal depois do parto. Não se


trata dum afastamento da vida social, por causa de
" dias da sua purificação. E, passados estes, deve apre- um pecado no sentido estrito, mas sim duma impureza
sentar-se às portas do tabernáculo, diante do con- legal; e o sacrifício ordenado, no fim desses dias, marca
curso do povo, e entregará ao sacerdote um cordeiro a saída de uma situação em que o homem sente, de
de um ano para o holocausto e uma pomba ou uma um modo especial, a sua impotência e se vê atraído
rola para o sacrifício propiciatório. O sacerdote deve para Deus.
oferecê-los a Deus e orar por ela e, deste modo, ficará Maria não incorreu, pelo nascimento de Jesus, em
purificada do fluxo do seu sangue. Se, porém, isto nenhuma impureza legal. Contudo submeteu-se ao cor-
for superior aos seus recursos, e não puder oferecer o respondente sacrifício purificatório. Não para encobrir
cordeiro, levará duas rolas ou duas pombas, uma para a sua situação, nem para se acomodar ao que faziam
o holocausto e outra para o sacrifício propiciatório, e as outras mães, mas para se tornar semelhante a Jesus,
o sacerdote orará por ela, e assim ficará purificada » 1. submetido por Deus à Lei. Que Maria procedeu, neste
O sacrifício que a mãe tinha que oferecer na sua particular, segundo a vontade de Deus, provam-no o
purificação podia, pois, «subir ou baixar» ; isto é, a que Deus manifestou a seu respeito, nesta ocasião.
oferta regulava-se pelos haveres, em cada caso: os ricos
ofereciam um cordeiro, os pobres um par de rolas.
A APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO
José e Maria, que eram pobres, ofereceram duas \
pombas. As pombas podiam-se levar ao templo, mas '\ E tendo passado os dias da purificaçáo de Maria, segu ndo a
também se podia pagar a um sacerdote o seu preço. Lei, levaram o Menino a Jerusalém para o apresentarem ao Senhor,
A gente que vinha de longe, aproveitava -se, sem conforme ao que está escrito: todo o p r imogénito masculino será
consagrado ao Senh or; e para oferecere m em sacrifício, conforme
dúvida, desta facilidade.
manda a Lei, um par de rolas o u dois pombi nh os 1.
Nos nossos dias parece estranha, à primeira vista,
semelhante lei. Contudo se se consulta em algum tra-
tado de etnologia os capítulos «gravidez, parto, período A viagem a Jerusalém, na qual gastariam cerca
posterior ao parto » vê-se que todos os povos, que vivem de duas horas, foi muito pequena para Maria poder
dum modo primitivo, têm para tais épocas prescrições acabar de meditar tudo o que se desenrolava em
de carácter um tanto religioso. Esse é também o signi- seu espírito.

1 Lev., xu, I e ss. 1 Luc., ll, zz-z 5 .

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il MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Desde a circuncisão, Maria e José tinham chamado Ainda qu~ Maria não se recordasse destas pala-
ao Menino pelo nome de « Jesus» que Deus lhe dera. vras, a sua fé fez-lhe sentir interiormente o que o pro-
Cada vez que ele lhes assomava aos lábios e res- feta tinha contemplado em visão. Um resto da pro-
soava em seus corações, melhor compreendiam o seu fecia sobrenadava na alma do povo: dizia-se que o
significado: Jesus, Salvador enviado por Deus, sal- Messias baixaria do céu ao pináculo do templo, e que
vação, autor da salvação. Agora, enquanto se dirigiam este seria o modo de se manifestar a Israel. Porém

l
ao templo para apresentar o Menino ao Senhor, tinham não foi dessa maneira portentosa que apareceu na
consciência de que, tratando-se dele, a entrada no casa de seu Pai, mas sim, como menino, levado nos
santuário do Altíssimo, tinha sígnificação muito par- braços de sua mãe.
ticular. As mães deviam esperar o sacerdote na porta
Chegaram à porta de Jaffa, junto ao palácio de oriental. Para lá se dirigiu Maria com outras, e esperou
Herodes. Aquele lugar estava continuamente cheio de que o sacerdote recebesse de suas mãos as pombas
negociantes de Jerusalém, de carabanas que chegavam ou o dinheiro. A seu lado estava José para pagar o
de toda a parte, de ociosos q~vam ver o que resgate de Jesus. A cerimónia da purificação de Maria
se passava e de mendigos que pediam esmola. e a do resgate do Menino em nada se distinguiram,
No meio do caminho havia camelos deitados, com exteriormente, das de outras pessoas nas mesmas cir-
o olhar perdido no espaço, jumentos irrequietos amar- cunstâncias.

l
rados em fileiras. Naquele ambiente movimentado, de Interiormente, porém, a cerimónia identificava-se
compras e vendas, ninguém prestou atenção àquelas tão intimamente com a realidade, que deixava de ser
duas pessoas humildes que levavam um menino nos cerimónia.
braços e procuravam abrir passagem por meio daquela Assim como na última ceia Jesus celebrou o ban-
aglomeração. Quando muito, algum cambista olharia quete pascal segundo os ritos do Antigo Testamento,
para ver se José levava as pombas ou se iria pagar sendo Ele, ao mesmo tempo, o Cordeiro de Deus que
em dinheiro o preço do resgate e, neste caso, se seria abolia o simbolismo do cordeiro pascal, assim agora
ocasião de qualquer negócio; pois era inegável que se submeteu, C01UO primogénito, à lei da apresentação,
se tratava dum casal que se dirigia para o templo. sendo ao mesmo, tempo o primogénito que hav!a de
Ao penetrarem no Santuário cumpriu-se a pro- . pôr fim a todas as apresentações no Templo. E que
fecia de Malaquias : « O dominador a quem procurais, Ele era o Unigénito de Deus, instituidor dum novo
o anjo da aliança por quem suspirais, virá ao seu sacerdócio que nada tinha de comum com aqueles
templo », primogénitos.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS "-""«~=·c.C••·~c.~:==~·==c=~·-=-1

Pelos méritos da sua morte futura, o cordeiro Como Maria, também José pôs a sua vida ao ser- ~·-·.
pascal salvara a vida dos primogénitos do povo de viço daquele Menino, incumbido da redenção do género ~
Israel no Egipto e, deste modo, tinha livrado todo o humano. Também o seu sacrifício era perfeito, no s.eu ~.:.,
povo da escravidão. Jesus, o verdadeiro cordeiro pas- género, ainda que muito diverso, se o compararmos ~
cal, tinha por missão salvar Israel, o primogénito de com o de Maria. Porque Jesus era filho de Maria, \!
5
todos os povos e remir todas as nações. \> dum modo singular. "
Maria e José ofereceram o Menino a Deus e
..
Como os pastores receberam directamente de · t
depois resgataram-no, recebendo-o novamente . Deus a nova do nascimento de Jesus, assim também ~
~
Como os outros pais, deviam também eles educar
seu filho para o ofício que Deus lhe tivesse assinalado.
1
~
iluminou agora Deus a um varão que apareceu no
templo. Um velho chamado Simeão, homem piedoso,
'
1·'..·

Sabiam, melhor que os pais dos outros primogé- filho do povo, veio nesta mesma hora ao templo, impe-
nitos, o fim para que Jesus, o Filho de Deus, tinha ~ lido pelo Espírito Santo.
vindo ao mundo; tinha que salvá-lo dos seus pecados. Apresentou-se diante de Maria, como se a conhe- ~
r cesse e tomou o Menino nos braços. No mesmo ~
As prescrições referentes aos «primogénitos » rela-
cionavam-se, como já dissemos, com a vida da mãe. i instante sentiu interiormente, sem a menor som-
No caso de Maria verificava-se isto dum modo i bra de dúvida, realizar-se a promessa do Senhor,
especial, por isso mesmo que Jesus não tinha pai segundo a qual ele havia de ver o Salvador, antes 1
humano. de morrer.
1 ) Por isso, no seu hino, dirige-se a Deus em pri-
Enquanto o oferecimento de seu Filho ao Senhor
era jurisdição da natureza, só d'Ela essencialmente meiro lugar e não a Maria e a José:
dependia esse oferecimento. E como única respon- 1
~
Deixa partir, Senhor, o teu serv o em paz
sável preparou seu coração para o oferecer no Tem-
plo, dedicando-o ao ministério sagrado a que Deus 1 Segundo a tua palavra :
Porque viram meus olhos a tua salvação,
o destinava. E, ao fazê-lo, punha também a sua pró- 1 A qual preparaste ante a face de tod os os povos : ~

;;., pria vida nas mãos de Deus. Aquele oferecimento foi . Luz para iluminar as nações, ~
perfeitíssimo. E glória de Israel teu povo.
Agora, Senhor, podes deixar partir o teu servo em paz !
Nunca na sua vida desejou um filho por interesse ''
p'edssoal, nem o tinha reclamado para si, pois tinha 1
s1 o mãe unicamente porque a vontade de Deus se
manifestara.
!
s
Simeão foi o primeiro homem do Antigo Testa-
mento que falou da morte sem a temer.

152 ·~r·=- --- --~~-. . ....,,.....,~~-~----~J 153

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MARIA, MÃE DE JESUS

Morria cheio de alegria, por ter visto com seus


próprios olhos o Messias, e por o ter tido em seus
braços; aquele Messias enviado ao povo de Israel que
com ânsia por ele suspirava; enviado também a todas
as gentes que já não tinham ideia clara da sua vinda.
Glória de Israel, luz que ilumina as nações pagãs,
chamou-lhe Simeão com solenidade profética.
Maria e José contemplavam-no atónitos quando
ele abriu a sua boca para louvar ao Senhor e para

DESCRIÇÃO DAS GRAVURAS

Prisépio oriental com forragem


Os presépios que se encontram na Palestina são, ordinàriamente,
para animais de tiro: jumentos ou bois. Neles se deita o penso para
os ani mais.
Na fotografia que temos à. vista deitaram palha.
Para dar ao presépio um ponto de apoio, encostam-no a uma
parede, quando isso é possível.
Aquele de que se fala ao tratar do nascimento de Jesus, é, pouco
mais ou menos, como este.

A gravura mostra como se pode utilizar um destes preseptos


para berço de crianças. No tamanho é, pouco mais ou menos, como
um berço pequeno.
A criança que a gravura apresenta esteve ali pouco tempo, pelo
que não está enfaixada co mo estava o Menino Jesus, segundo a nar-
ração evangélica.
Dian te de um p resépio semelhante se prostraram os pastores
1
;
quando saudaram o Me1lino. Em seguida Maria tomá-lo-ia em seus
braços, sentando-se na borda do presépio para mostrar mais de perto
o Messias recém-nascido.

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Menino num presépio

154 ·..·· -.• ..-.-... . ,= .=· . ..

Fot. Raaá
VII - 154

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MARIA , MÃE DE JESUS -~·~c,=·c·c .•c =-~·"=~~=•~•~-c•~~ .-·•·...-.,.1

tornar conhecidas as suas inspirações divinas. « Meus ~


olhos viram a tua redenção», exclama alvoroçado. l
!
Em seus olhos e nas suas palavras aprenderam José e í
~
1

1
Maria a espraiar seus olhos e seu espírito por sobre
1 as fronteiras do pequeno país. A alusão aos gentios ~
11 era uma como que preparação da fuga para o Egipto, ~

1! o velho império pagão. ~


. 1 Ali, as palavras do velho Simeão haviam de lhes !
inspirar consolação e alento, robustecer-lhes-iam a fé , ~.·
mostrando-lhes que a permanência de Jesus entre ~
pagãos entrava no plano da missão que Deus lhe tinha t
assinalado. 1·

Por ilustração divina, apareceu também no tem-


plo, juntamente com Simeão, uma mulher, chamada ;1

Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser. O Evangelho


apresenta-no-la como sendo profetiza, mulher que vivia
cheia do Espírito Santo e sob a sua direcção especial.
Tendo enviuvado sete anos depois de casada, conser-
vou-se no estado de viuva até aos 84, consagrada
inteiramente ao serviço de Deus. «Não se apartava
do templo » ; tinha, portanto, alugado algum aposento
nos seus departamentos acessórios. Casos semelhantes
se lêem também na história dos templos dos pagãos.
Os « pupilos », por ex~mplo, eram recolhidos com
preferência nos santuários. Ana tinha-se consagrado
a Deus por completo ; passava os dias orando e
jejuando. O seu sonho dourado, assim como o de
todas as almas piedosas, era o Messias. Levada pelo
Espírito Santo, veio ta mbém ela ao Templo quando
nele entrava o Menino Redentor. Como Simeão, cheia

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r
~
de júbilo, dava graças a Deus por tão grande benefí-
cio. Deve ter sido um espectáculo digno de ver-se o
encontro daquela velha viuva, que por amor de Deus,
não tornara a casar e que, por assim dizer, voltara ao
gunta : Como se consumará um dia a redenção que
tinha tais começos ?
Esta pergunta não era a de uma pessoa apreen-
siva. Não; com a mesma submissão com que pergun-
estado de virgindade, como Maria, a virgem que, por tara ao anjo de Nazaré como seria mãe do Salvador,
amor de Deus, tinha renunciado à sua vida de virgem perguntava-se agora a si mesma como se realizaria a
recolhida, congratulando-se ambas por ter, enfím, nas- redenção por meio de Jesus.
cido o Salvador do mundo. Provàvelmente compreen- A resposta a esta pergunta deu-a o profeta Si-
deram que tinham o mesmo ideal, mais pelo espírito meão, por disposição divina, dando-lhe a conhecer o
de Deus que as animava a ambas, do que pelo que que aconteceria ao Filho e à mesma Mãe.
mutuamente se disseram da vida de cada uma. Depois de ter saudado o Menino Redentor com
toda a alegria de sua alma e com fervorosas acções
de graças a Deus, voltou-se para José e Maria.
A MÃE DO HOMEM DAS DORES Sem a menor sombra de inveja, proclamou-os

E eis que existia então um homem em Jerusalém, ch amado


bem-aventurados por poderem contemplar o Redentor,
não só por breves momentos, senão vê-lo e tratá-lo
1
Simeão; era justo e t emente a Deus e esperava a consolação de
Israel, e o Espíri to Santo estava nele. O Espírito Santo tinha-lhe sempre. Porém, iluminado pelo Espírito divino, conhe-
revelado que não morreria sem ver primeiro o C risto d o Senhor . ceu que esta escolha estava unida a um a grande dor
Inspirado pelo fap írito Santo, veio ao templo 1. do coração, cá na terra, porque Jesus, o Messias,
havia de remir o mundo com sua paixão e morte.
Desde o nascimento de Jesus, acontecimentos Iluminado por Deus, conheceu também Simeão , con- 1
sucessivos iam surpreendendo o coração de Maria. cretamente, que a vida de Maria estava mais intima-
O Redentor tinha nascido num estábulo, e mente ligada à do seu Fílho que a de José. E com 1
l
tinham-se visto na necessidade de o reclinar num esta visão santa começou a profetizar quais haviam
presépio. Entre os seus parentes, entre os moradores de ser os destinos de Jesus e os de sua Mãe, de tal
da cidade de David, nenhum houve que se preo- modo que a honra e sorte do Filho haviam de ser
cupasse com o Salvador de Israel. A cada um destes comuns à Mãe. Virando-se para Maria, afirmou sole-
lances, fazia o espírito reflexivo de Maria esta per- nemente : « Este está posto para ruína e ressurreição
de muitos e m Israel, e para ser alvo de contradições,
l Luc., 11, 25- 28. e uma espada trespassará a tua alma, a fim de se

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1

li
MARIA~::::.~é'.E::: tão ==~,:=.~ l
MARIA, MÃE DE JESUS

descobrirem os pensamentos escondidos nos corações


,,
de muitos ». durante o tempo da vida pública de Jesus, em que 1
Esta era a resposta do céu ao sacrifício de Maria. Maria se nos apresenta em segunda plana ; em todos 1
1 Simeão iniciou-a antecipadamente nos mistérios da
os dias e horas daqueles anos, se ia continuamente _,I·.··.

redenção e disse-lhe, ao mesmo tempo, que o Senhor desenvolvendo este germen no mais íntimo do seu .
tinha aceitado o seu sacrifício e lhe tinha destinado coração materno; e com suas radículas o ia continua-
1 um lugar especial na Paixão redentora de seu Filho. mente invadindo, enchendo-o dum mar indizível de dor.
1.
Sabemos, pelo Evangelho, como o Senhor pro- Deste modo, por um processo que nós não pode- 1
~.·
curava consolidar nos seus Apóstolos a fé nestas duas mos compreender, o seu coração tornou-se semelhante k
verdades : que Ele era Filho de Deus ; e que tinha ao do seu Filho. !J
que padecer para, deste modo, entrar na sua glória. É certo que Maria não chegou a adquirir o conhe- f
~
Os Apóstolos não tinham feito tantos progressos que, cimento de Jesus que lhe dava a conhecer, em todos ~
na ocasião da morte de Jesus, as cressem sem vacilar. os pormenores, a sua paixão e morte. Mas a intuição ~
~
Maria, pelo contrário, no próprio momento da que a sua alma teve do futuro, por meio da predição
Anunciação, aceitou com fé inquebrantável, o dogma feita pelo Omnisciente, servindo-se de Simeão, era,

~
da divindade da Jesus. por modo maravilhoso, semelhante à ciência de Jesus.
E agora, ao ouvir a profecia de Simeão, acolheu Este penetrar nas sombras da paixão e morte fi
em seu coração crente a outra grande verdade : que a futuras de Jesus aproximou-a interiormente de seu ~
tl
redenção dos homens se completaria por meio duma Filho, o Salvador, mais do que poderia fazê-lo a sua
luta dolorosa e difícil para Jesus, e que ela mesma actuação exterior em favor da dignidade de Jesus.
r
tomaria parte nas dores de seu Filho. Ela, que em Nazaré começou a ser Mãe do Salvador,
l
Um novo elemento começou a influir com esta foi consagrada, por Simeão, como Mãe das dores. ~
~
profecia na vida da Virgem-Mãe, conservando-se activo Assim, pois, como muito bem diz um ensinamento
nela até a conduzir aos pés da cruz do Redentor. dogmático da Igreja ( 1904), a glória de Maria não
Desde aquele momento soube que a esperava um consistiu simplesmente « em ter oferecido morada em ~;,,
doloroso martírio, e que esse martírio se relacionava seu seio ao Unigénito de Deus, que tinha de nascer "
com a redenção do mundo. Não se passava um só dia de substância humana ; ou em permitir que Ele, desse
sem que, à vista de Jesus, as palavras de Simeão ger- modo, se preparasse para Vítima Salvadora do mundo;

:~:t:rm:!::,'.º~:;:.,:~~es~i::~:a~oi::1::i:'; :. :~_
minassem em sua alma, como germina o grão de
semente lançado à terra. Na época tranquila da vida 1
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MARIA, MÃE DE iESUS MARIA, MÃE DE JESUS

momento oportuno, em tê-lo acompanhado ao altar do truídos,· para eles voavam bandos de pombas 1 . Em
sacrifício ». toda a parte se falava também da grande torre de
Neste sentido, enquanto Maria levava em seu seio 50 metros de altura. A sua parte inferior era com-
o Redentor, levava também « a todos aqueles cujas posta dum montão de pedras, que, qual rocha viva,
vidas estavam incluídas na vida do Redentor». podia resistir ao embate dos aríetes e de outras
máquinas de guerra.
Na parte superior havia salões, corredores e
OS MAGOS DO ORIENTE banhos ; numa palavra, tudo quanto se pode desejar
numa casa régia.
Tendo nascido Jesus em Belém, nos dias do rei Herodes, A respeito do palácio relatavam-se escândalos e
eis que vieram a Jerusalém uns Magos do O riente e pergunta- horrores sem fim. Em última análise, era uma felici-
ram : Onde está o rei dos judeus recém-nascido? N6s vimos a dade não o habitar.
sua estrela no O r iente e vimos adorá-lo 1,
O velho Herodes era cada vez mais tirânico e
cruel. Antípatro, filho de Doris, uma das suas dez
Depois de se despedirem de Simeão, Maria e José mulheres, tinha ido a Roma agenciar a aprovação do
regressaram a e asa. Para isso tiveram de passar junto testamento em que era nomeado herdeiro de seu pai.
De lá enviou algumas vezes veneno : e este era para
1 do magnífico palácio de Herodes. As suas torres
seu velho progenitor. Este, porém, logo que o soube,
i erguiam-se altaneiras, formadas de enormes blocos de
pedra de dois metros de comprido por um de largo. atraiu-o à pátria com uma carta carinhosa e prendeu-o.
Caminharam longo tempo junto aos muros que .rodea- Em seguida informou o imperador de tais maquinações
1 vam o magnífico jardim. Cedros, ciprestes e pinheiros e pediu licença para executar o filho infiel.
~ assomavam por cima dos muros. Correram mil rumores na cidade, e no próprio
O povo falava dos jogos de água daqueles jardins, palácio começaram a desenrolar-se as intrigas, entre
que no calor do verão corriam murmurando ; dos dois os outros filhos e os demais favoritos influentes, em
1
> grandes salões, o imperial e o de Agripa, em que
tomavam assento centenas de hóspedes, servidos em
baixelas de ouro e prata ; dos pórticos de colunas
ordem a assegurq.r, cada um para si, a posse do trono.
Cada um procurava defender os seus interesses, hosti-
lizando os dos contrários, e Herodes estava de sobre-
destinados a recreativos passeios. Dos pombais cons-
1 Ainda ho je são fo.mosas na Palestina as chamadas pombas de
1 Mat., 2, r- 3 . Herodes - nome que lhes vem do seu afeiçoado p rotector.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

aviso, para fazer desaparecer, em cada caso, aquele Disseram que viram no Oriente, sua pátria, uma
que se lhe afigurasse mais perigoso. estrela que reconheceram ser o sinal de ter nascido
José e Maria souberam em Belém dos rumores em Israel um grande Rei. Que por isso partiram, cami-
que circulavam em Jerusalém. Porém não suspeitavam nhando dia e noite através do deserto e que, final-
que dentro de pouco tempo o furor de Herodes se ia mente, tinham chegado a Jerusalém. Ali os esperava
descarregar sobre o Menino que Maria levava consigo uma desilusão.
de volta para Belém. Ninguém sabia nada do novo Rei, e todos ficavam
Depois do recenseamento, Maria e José estiveram atónitos quando se perguntava por ele. Só o velho
ainda muito tempo em Belém. Herodes tinha mostrado interesse: recebera-os em seu
Logo que lhes foi possível, devem ter passado do palácio em audiência privada e disse-lhes que em
presépio para alguma casa modesta que alugassem. Belém deviam procurar o recém-nascido Rei dos
Ao falar da visita dos Magos, diz o Evangelho judeus. E assim se puseram de novo a caminho. Entre
que a estrela parou sobre a « casa» onde estava o Jerusalém e Belém apareceu-lhes de novo a estrela
Menino. Rigorosamente falando, poder-se-ia pensar que que tinham visto no Oriente ; seguia sempre diante
se tratava ainda do estábulo, contudo é provável que deles e parou sobre o lugar onde estava o Menino.
a palavra se refira já a uma casa, no seu rigoroso sen- Os sábios contaram o que tinham combinado com
tido. Isto mesmo o dá a entender o Evangelista, noutra Herodes em Jerusalém: que logo que encontrassem o
passagem posterior, ao afirmar que, depois da volta Rei recém-nascido, voltariam à cidade a dar-lhe a
do Egipto, José teve intenção de ficar em Belém. Pen- notícia. Que então viria também ele prestar ao Menino
sava que o «Filho de David » devia crescer na cidade a sua vassalagem.
de «David», Na sua ingenuidade alegravam-se, aqueles homens
Mas um dia viram aproximar-se da casa uma de bem, por poder dar a Maria e José a notícia duma
caravana de camelos. A côr dos viajantes e os ape- visita de tão alta categoria.
trechos da viagem davam a conlíecer que procediam Com que atenção os escutaria Ela quando fala-
de longínquas paragens. Os distintos personagens de vam e quando, com a mais profunda reverência, pres-
que a caravana se compunha apresentaram-se logo no tavam as suas homenagens ao Menino, como a Rei
lugar onde Maria morava com seu Filho. enviado por Deus !
Como já antes os pobres pastores, também agora Os criados desceram das montadas bagagens
estes magnates pediam licença para homenagearem o cobertas de pó, tirando delas objectos preciosos. E os
Infantinho. Magos ofereceram ao Menino ouro, incenso e mirra.

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Cena inaudita! Uma mulher jovem, esposa dum


carpinteiro , sentada diante de tão grandes senhores
do Oriente ! E estes, prostrados diante do Menino que

DESCRIÇÃO DAS GRAV URAS

A gravura dá uma ideia aproximada da fugida para o Egipto.


Durante a viagem, a mãe leva o menino ao colo, assim como se
faz entre nós. Cobre a cabeça com um véu (que na gravura parece
melhor do que o é na realidade). A mulher está com os pés voltados
para o lado do espectador. O homem veste um manto e um turbante
branco amarrado com duas tiras negras de pêlo de cabra. Os montí-
culos plantados de oliveiras das cercanias d e Belém formam o fundo
deste quadro.

Mãe com seu filho, em 'iagem, sobre um jumento


Quando José fugiu para o Egipto com Maria e o Menino Jesus,
tiveram que atravessar centenas de quilómetros entre o deserto e o mar.
A gravura mostra-nos a praia. À es querda estende-se o mar com o seu
brilho azul-escuro luminoso até perto de terra. As ondas da praia arre-
metem contra a areia amarela, macia como farinha, e nela se desfazem .
Estas dunas arenosas que rodeiam o mar são o fundamento da ima-
gem bíblica, sempre que diz : " Numerosos como as areias do mar ". Os
camelos caminham sobre ela com tanta dilicu1dade como sobre a neve.
Algumas vezes a areia está coberta de uma camada lina de sa l,
que brilha ao longe como as águas do mar em movimento. Pela terra
dentro estende-se o vasto deserto. De quando em quando vêem-se no
oriente alguns picos de montanhas. Estas servem para o viandante
poder calcular a distância entre o mar e a montanha.
Por estes desertos passaram José e Maria lembrando-se de todos
os filhos de Israel que tinham ido ao Egipto antes deles, a começar
por Abraão, pai de todas as tribos, até aos profetas que , perseguidos
pelos reis de Israel, tinham procurado asilo em terra pagã.
'i Nada os distraia dos pensamentos que· lhes atravessavam o espí- 1
·

!
rito naquela solidão.
Entr;: o deserto e o mar

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Ela tinha ao colo, depositando-lhe aos pés as suas
oferendas!
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Para Maria foi relativamente simples receber os
pastores. Porém, quando se apresentaram os Magos
'1 do Oriente, pessoas ilustres e cultas de um país estran-
'1
il 1 ~· geiro, a situação devia ser, humanamente falando, muito
mais difícil. Com que cuidado teria de proceder ela,
simples mulher do povo, num caso como este ! Uma
coisa, porém, a tranquilizou e lhe deu confiança: a fé
em Jesus. E esta foi tão grande que se comunicou aos
mesmos Magos. A confiança de Maria fortaleceu a fé
dos Magos, elevando-a às mais altas esferas. Encon-
tram-se muitos quadros que representam Maria sentada
num trono, tendo nos braços o Menino com a esfera
terrestre na mão.
Quando os Magos prestaram as suas homenagens
ao Menino, não foi só Jesus o saudado como Rei do
Universo ; esta saudação estendia-se também a Maria.
Naqueles momentos, Maria era a Rainha, Mãe do
Filho Rei.
O Evangelista S. Mateus consagra o título deste
quadro quando escreve ; « Entraram, encontraram o
Menino com sua mãe e, prostrados de joelhos, adora-
ram-no : e, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe de
presente ouro, incenso e mirra ».
Maria era a única pessoa que podia compreender
i 1 prefeitamente aquele estranho sucesso : « O Senhor
i Deus lhe dará o trono de seu pai David; reinará na
i casa de Jacob eternamente e o seu reino não terá
fim», tinha dito o anjo em Nazaré. De repente, no

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS


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!;1;11 meio do maior abatimento em que tinha nascido o
Menino Redentor, deu-se um acontecimento digno A FUGIDA PARA O EGIPTO
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duma sala régia.
1
1i11
A vassalagem dos gentios de longínquas terras Depois que partiram os Magos, eis que um anjo do Senhor
passou depressa. Mas a impressão que produziu em apareceu em sonhos a José e lhe disse : Torna o Menino e sua
!li1 Mãe e foge para o Egipto, e deixa-te estar ali até que te avise,
•,j Maria foi, pelo contrário, duradoira e ia aumentando
porque H erodes vai procurar o Menino para lhe dar a morte.
1111 à medida que crescia a sua fé. Dois acontecimentos E José levantou-se, de noite, t omou o Menino e a sua Mãe e
; i/ se sucederam por disposição divina, não tendo em fu giu para o Egipto 1.
'il consideração as leis da natureza : A adoração dos
1,1
pastores e a homenagem dos Magos, sábios gentios.
Com isso, a palavra profética de Simeão, no que No meio da noite acordou Maria, chamada por
.1:1
diz respeito a Israelistas e pagãos, quando afirma que José. Este deu-lhe a conhecer a ordem do anjo : « Le-
o Menino Redentor seria luz para os gentios e glória vanta-te, toma o Menino e sua Mãe e foge para o
l'I
.11
Egipto. Pois Herodes busca-o para lhe dar a morte ».
do povo de Israel, foi duplamente garantida.
'" Imediatamente puderam conhecer, José e Maria, a
"I'[
Para Maria dilataram-se os horizontes : e a pro-
fecia de Simeão começava a realizar-se à sua vista situação em que estavam e o perigo que corria a
11 nos seus dois aspectos: desde esse momento viu em vida de Jesus.
1
seu Filho não só o Salvador de Israel mas o de todos Herodes tinha enganado os Magos. Esperava que
1,1 os povos da terra que adoravam os ídolos. Sempre eles lhe revelassem onde se encontrava o Rei recém-
que se lembrava das palavras de Simeão a respeito -nascido para o poder matar. Quando no espírito do
i11
de Jesus e de si mesma, vinham-lhe de algum modo, à velho déspota entrava a desconfiança, os seus perver-
11
memória, os ilustres magnates que visitaram seu Filho. sos planos eram executados com rapidez e falta de
li Segundo a lenda, os Magos assistiram à morte de Jesus. escrúpulos que lhe eram próprios.
li Estavam realmente presentes, mas na alma de Maria. O anjo mandou-os seguir para o Egipto. Para o
Para Ela compreender completamente o alcance norte teria sido impossível a fuga; para ·o oriente,
!1
mundial da morte do Salvador na cruz, muito lhe onde um deserto confinava com outro deserto, era-o
valeu a lembrança daqueles astrólogos orientais que, também, atendendo ao estado em que Maria se encon-
i1 vindo de longínquas terras na data de seu nasci- trava. Além disso, o caminho mais curto para fugirem
1
mento lhe prestaram vassalagem, oferecendo-lhe ouro,
'I 1
Mat., I3-I5 ·
incenso e mirra. li,
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

dos domínios de Herodes era o do Egipto. Mas tam- Tudo isto desfigura o sobressalto próprio duma
bém este estava distante algumas centenas de qui- verdadeira fuga. Até chegarem ao areal, deixando
lómetros. ,f Gaza atrás, José e Maria não se consideraram ao
abrigo da vigilância dos espias nem um só instante.
Está ainda sem resposta esta pergunta: Souberam,
Maria e José, que os Magos receberam em sonhos
é:!
t Sempre que ouviam detrás de si as pisadas dum
jumento, sempre que, de repente e sem fazer ruído,
ordem para, no seu regresso, não passarem pelo palá-
cio de Herodes ? aparecia uma cara por sobre o valado duma vinha,
Aquele sonho tiveram-no, certamente, em Belém; como se qualquer pedra se transformasse em cabeça,
porque, se assim não fosse, estariam em Jerusalém sempre que alguém fixava neles olhos investigadores,
nas primeiras horas do primeiro dia de viagem. Se, aumentava neles o receio de serem descobertos.
pois, foi em Belém que tiveram aquela comunicação, Esta fuga foi para Maria e José pior que todos
tê-lo-iam participado, sem dúvida, a Maria e José na os sobressaltos descritos nas mais mirabol antes nove-
hora da partida. É também possível que José e os las de aventuras.
Além disso, não se costuma prestar a atenção
if Magos recebessem aquele aviso na mesma noite. Como
quer que seja, deram-se, em prazos relativamente cur- devida ao caminho abrupto e difícil que Maria e José
tos, estes quatro acontecimentos: Entrevista dos Magos tiveram que atravessar no princípio da sua viagem.
com Herodes, adoração do Menino, saída dos Magos Desde Belém , a 800 metros acima do nível do mar,
para a sua pátria e a fuga de José para o Egipto. ia-se descendo para a planície do vale. Ali não havia,
Porque Belém era uma cidade pequena e não distava propriamente, nenhum caminho, mas apenas sendas
de Jerusalém mais que duas horas a pé. Desde o escarpadas que, no decorrer dos séculos, o pezunhar
momento em que Herodes começou a desconfiar dos dos animais e as pegadas dos homens iam formando.
Magos, crescia continuamente o perigo para o Menino A maior parte destes caminhos tiveram que trans-
Jesus. pô-los por entre a escuridão da noite.
Conformando-se com a ordem do anjo, José e Ao romper do dia, avistaram das alturas o país
Maria fugiram na mesma noite. dos filisteus, que se estendia pelo vale profundo, de-
Os quadros e lendas a respeito da fuga para o baixo duma camada azul de ar. O leito das torrentes
Egipto suprimem precisamente o que é essencial numa espalhava seu branco resplendor através da atmos-
fuga. Falam de palmeiras que se inclinam à sua pas- fera vaporosa irradiando-o a grande distância em
1

sagem, de fontes que brotam no deserto, de salteado- que o mar se estende, como uma ponte azul, debaixo
1

11 res que se tornam humanitários. ' do céu.

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MARIA, l\1ÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

No segundo dia chegaram a Gaza, última cidade Ao lado do caminho em que se entrelaçavam as
antes do deserto - ali compraram suas provisões para pegadas das caravanas, como um calabre feito de
a travessia. grossas cordas, havia ossos de animais abandonados
E começou o deserto. e mortos por esgotamento. Suas ossadas, branqueadas
pelo sol e polidas pela areia fina, brilhavam como
marfim. Na última parte deste caminho, a areia era
A TRAVESSIA DO DESERTO mais fina que a farinha. De noite, a côncava abóbada
do firmamento, salpicava-se de estrelas, que, por assim
'José fugiu para o Egipto. dizer, se banhavam na sua própria luz. Entretanto, na
(MAt., II, 14). alma de Maria, passava-se um fenómeno que jamais
se poderá compreender em toda a sua misteriosa pro-
É provavel que José e Maria a caminho do Egipto fundidade.
não se aventurassem a atravessar o deserto sozinhos. Aquele deserto que iam atravessando, entre as
Como tinham que percorrer grandes extensões sem montanhas de Israel e o Nilo, era continuamente lem-
água e tinham de fazer paragens e pernoitar em luga- brado nos Livros Santos. Dir-se-ia necessano que os
res e tempos determinados, era natural que formassem homens de fé se tornassem célebres, indo ao Egipto.
caravanas e que assim caminhassem. Abraão, o pai do povo escolhido, fez aquela tra-
Nos primeiros dias, quando caminhavam ainda vessia. E como se comoveria intimamente a Virgem
por terras mais ou menos habitadas, não eram sempre ao pensar em José do Egipto ! Seu marido, que a
os mesmos os componentes da caravana. No deserto, acompanhava, tinha o mesmo nome! Além disso, não
porém, não era assim. De dia para dia, modificava-se tinha também sido o primeiro José, arrancado inespe-
tão pouco o panorama, que dava a impressão de não radamente, como eles, das montanhas pátrias e lan-
terem caminhado. Para o lado do ocidente brilhavam, çado para o deserto ?
elevando-se até às nuvens, as dunas de areia amarela, Que sabia ele do que lhe ia acontecer, senão que
que se sobrepunham umas às outras com suaves osci- o esperava uma vida de amarguras?
lações. Detrás delas começava o mar. Não era pru- Os irmãos de José trilharam, mais tarde, no tempo
dente aproximar-se muito das dunas, o que tornaria o da fome, o mesmo caminho ; seguiu-os, depois, Benja-
caminhar mais difícil, por se enterrarem os pés na mim, o filho mais novo de Jacob; e, por último, tam-
areia. Por outro lado, também não convinha afastar-se bém o mesmo Jacob, pai das Tribos, já idoso, teve
muito delas para não se desorientarem no caminho. que atravessar o deserto, pressuroso. E as planícies

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MARIA, MÃE DE JESUS
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sem fim, que se estendiam pela terra dentro, cobertas

l de milhões e milhões de pequenos arbustos, cruzou-as agrupamentos judaicos.


Moisés, o amigo de Deus, como pastor. E tendo tirado É de supor que José se juntou a alguma daquelas
o povo de Israel do Egipto, por ordem de Deus, va- comunidades.
No Egipto os « peregrinos » foram tidos como
gueou com aquele povo, por aqueles desertos, durante
qualquer pessoa das que costumavam vir continua-
uma geração.
Maria, a meditativa filha do seu povo, que guardava mente da mãe-pátria. Então, como hoje ainda, sobre-
em sua alma todas as tradições religiosas que lhe inte- tudo os que temiam alguma vingança sangrenta, fugiam
ressavam, tinha acompanhado muitas vezes, em espí- para o Egipto. Por isso não se instava com nenhum
r ito, por aqueles desertos, os seus santos antepassados. deles para que contasse a sua odisseia. Só se sabia o
Agora tinha chegado a vez de, também ela, o que eles espontâneamente contavam.
A impressão que José, Maria e o Menino
atravessar em pessoa. E levava em seus braços o
Deus prometido aos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob; causa vam, era boa, debaixo de todos os aspec-
levava o Dominador da casa de Jacob, o verdadeiro tos; ninguém, ao vê-los, poderia pensar que eram
Redentor, que libertava não só da escravidão do aventureiros.
Egipto, mas também do pecado. Nele se concentrava Quem melhor ·pode conhecer o que significava
I: para Maria a imigração para um mundo estranho é,
a história do seu povo.
sem dúvida, o homem profundamente religioso, que
li esteja ligado a uma aldeia cristã por laços, não só
1 .. externos, mas, sobretudo, íntimos e que se vê de
\.{ A PERMANÊNCIA NO EGIPTO
··,
repente trasladado a uma grande cidade.
José fico u no Egipto até à morte de Herodes, para se Ali não está só ; espiritualmente, porém, sente-se
cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Do Egipto isolado - isolado, a mais dolorosa situação para uma
chamei o meu filho 1. pessoa naturalmente sensível.
Eis o que aco nteceu a Maria ; tudo lhe era estra-
Depois duma larga e penosa travessia, José e nho, e, além disso, não sabia quanto tempo duraria o
Maria, com o Menino , chegaram aos extensos vales seu desterro, nem podia, portanto, reanimar o seu
do Nilo. Naquele tempo moravam no Egipto muitos espírito, fixando-o num tempo determinado para isso.
1
«Deixa-te estar lá até nova ordem» , tal era a mensa-
gem do anjo, certa e incerta ao mesmo tempo.
l Mat. , n, x5.
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~~:~!quer
M ARI !\, MÃE DE JESUS

lado que olhme, qualquer passo Aquele mundo, sarapintado do paganismo egípcio,
que desse, tudo lhe recordava o país estrangeiro. só servia para Ela penetrar mais profundamente o
O céu imenso, estendia-se sobre o verde vale que sentido das Escrituras e compreender mais intima-
dois desertos limitavam. mente que Jesus, seu Filho, era a luz que havia de
As águas Nilo, dum esquisito vermelho amare- iluminar o mundo pagão, conforme Simeão lhe havia
lado, corriam na direcção sul-norte. A água repartia-se 4\f profetizado.
pelas acéquias, donde era tirada à bomba. Dela bebiam, Na pequena casa de Nazaré tinha recebido e
tanto a gente como os animais. Umas aves raras, cha- depositado na sua alma, com a maior atenção e com
madas « ibis », volteavam no espaço, sem fazer ruído a devoção mais íntima, a história do povo de Israel,
com as asas. tal como lha tinham dado a conhecer, sobretudo, as
Para Maria era estranho, sem dúvida, o país que leituras ordinárias da sinagoga.
tinha diante dos olhos. Mais estranho, porém, era para De todos os sucessos eram-lhe particularmente
a concebida sem pecado, o mundo dos homens, no familiares aqueles cuja memória o povo celebrava
meio dos quais vivia. Já não existiam os Faraós, anti- todos os anos, nas grandes festas de Jerusalém.
gos reis do Egipto ; mas o seu espírito pagão conti- O centro do ano religioso era a festa da Páscoa
nuava a manifestar o seu poder e o seu fausto. Nos com o sacrifício do cordeiro. Esta festa relacionava-se,
magníficos templos, com seus átrios e colunas impo- dum modo particular, com o país em que Maria morava
nentes, continuavam os ídolos expostos à adoração agora com o Redentor.
pública. Havia-os com corpo de homem e cabeça de Ali, nas margens do Nilo, tinham sido perseguidos
vaca ou de pássaro, e deuses em figura de carneiros e oprimidos seus pais ; ali, por mandado de Deus, foi
ou hipopótamos. E, como se ainda não fosse bastante, sacrificado pela primeira vez o cordeiro pascal, pre-
ao lado dos deuses, veneravam-se também os demó- parando o Senhor, deste modo, a libertação do povo
nios e espíritos maus, para ver se conseguiam destes da sua miséria e escravidão, separando-o e esco-
o que não lhes concediam os bons. Portanto, além do lhendo-o como povo seu.
culto público, havia toda a sorte de superstições e Durante a sua permanência no Egipto, viveu Maria,
sortilégios clandestinos, praticados tanto pelo povo misteriosamente, a história do povo de Israel nos seus
como pela gente culta. começos e origem.
Durante a estadia de Maria naqueles férteis vales Ao longe, a oeste, levantavam-se as pirâmides.
do Nilo, a idolatria que a rodeava era causa dos seus Cada manhã apareciam iluminadas pelos raios do sol
sofrimentos. sobre o fundo violeta-pálido do céu, e todas as tardes

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MARIA, MÃE DE JESUS

sobresaíam os seus contornos sombrios de roxo-


-carregado sobre o vermelho do crepúsculo. Ao vê-las, -;;
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recordava Maria os Faraós que haviam oprimido o ....=a
seu povo. O Nilo inundava os campos com as suas o
enchentes e dissolvia novamente nas suas águas a "o
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DESCRIÇÃO DAS GRAVURAS
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Nem no pátio nem no campo usam sempre véu as mulheres, ::;;
nem mesmo aquelas que são mais aferradas aos antigos costumes ;
o mesmo se diga na aldeia. Pelo contrário, o costume exigia, até há
bem pouco tempo, que, nas cidades aparecessem sempre com o rosto
coberto. Os véus, que são de seda, são mais ou menos transparentes,
bordados ou não. Já no tempo de Jesus eram diferentes os toucados
das mulheres da cidade do das camponesas. É mesmo possível até que
na Galileia e na Judei a os costumes não fossem os mesmos. Mas que,
já então as mulheres cobriam o rosto de forma que não se pudessem
reconhecer, é o que se deduz dos escritos extra-bíblicos.

.i As mulheres náo sáo só obrigadas a cozer o pao e a preparar a


~i comida. Têm também a obrigaçáo fatigante de apanhar o combustível:
ramos secos de árvores, silvas, cardos e palha das eiras. Na Palestina há a
muitos cardos. A gravura mostra algumas mulheres que voltam para 8
casa com feixes desses cardos. Prendem-se uns aos outros por meio dos
próprios espinhos, de maneira que se podem enfaixar e transp ortar sem
se atarem com cordas. Este trabalho é árduo e espinhoso porque, além
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do mais, as mulheres costumam apanhá-los sem proteger as mãos. O con-
'I duzi-los a casa nao custava menos.
1 A encosta que serve de fundo a esta grav ura parece coberta
dessas plantas. O s pontos escuros são, na sua maioria, cardos. 1
Y1
i 176
Maria náo estava dispensada destes cuidados. Era pobre !

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MARIA, MÃE DE JESUS

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vasa para ali transportada nas enchentes dos anos
1, anteriores.
1 'I Naquelas mesmas planícies, onde escravos silen-
ciosos amassavam o barro e o moldavam e tr ansfor-
mavam em ladrilhos, se haviam esgotado a trabalhar
os seus antepassados. Nalguns sítios pululavam as
canas e se formavam altaneiros canaviais, onde se
estancavam as águas. Justamente num desses estan-
cados canais, estivera, quando pequenino, o futuro
libertador do povo de Deus, Moisés, flutuando no
cestinho de juncos que o escondia.
A vida da Virgem era semelhante, até certo
ponto, à do seu povo naqueles tempos remotos.
Como então se tinha salvo, sem se dar por isso,
o primeiro libertador do povo de Israel, num cesto de
junco, assim agora crescia a seus pés o último Salva-
dor, o Redentor de Israel. Ainda por cima, a irmã de
Moisés, que foi quem o salvou, chamava-se, como ela,
Maria. E, como noutros tempos, os Israelitas suspi-
ravam que chegasse o dia em que lhes fosse permitido
partir para a terra prometida, assim agora Maria sus-
pirava por poder abandonar aquele país.
Porém, no meio de tudo isto, não esquecia um só
momento que Jesus, seu Filho, tinha vindo ao mundo
também para benefício dos pagãos. Em espírito os via
já incluídos na obra redentora. As mulheres egípcias,
quando passavam diante dela, com seus cântaros, e
perguntavam como se chamava o menino que Ela aca-
riciava, ficavam maravilhadas. Ao ouvi-lo moviam as
pestanas pintadas e franziam a testa tatuada com

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ttff' MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

sinais mágicos e marca dos ídolos. Que nome tão Aqui ou além o trajecto fazia-lhes reviver a viagem
extravagante ! Que se importavam elas com o Menino, de ida. Por fim, começaram a aparecer os primeiros
assim chamado, e com a mãe de tal filho ! Maria, rebanhos e pedaços de campos de lavradio. Os nego-
porém, sabia que também aquela pobre gente neces- ciantes juntavam-se às caravanas e ofereciam-lhes
sitava da redenção de Jesus e que, um dia, nela teria bebidas e alimentos. Os naturais faziam companhia
parte; pelo que, desde já, as tinha em seu coração de noite aos viandantes e contavam-lhes episódios do
de mãe. passado e do presente. Deste modo, José e Maria,
foram conhecendo, pouco a pouco, as seguintes
;i
O REGRESSO A NAZARÉ novas:
Herodes tinha morrido pouco depois da fugida
E José levantando-se, tomou o Menino e sua mãe e foi da sagrada Família, de Belém. Esta notícia espalhou-se
para a terra de Israel : mas sabendo que Arquelau reinava na por todo o país, como uma mensagem de alegria.
Judeia em lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá, e, avisado Muitos pensavam que Arquelau, seu filho, não teria
em sonhos, retirou-se para a Galileia. E indo para lá, habitou na herdado os defeitos do pai. Mas, depressa se mostrou
cidade chamada Nazaré: para se cumprir o que tinha dito 0 pro-
feta: Será chamad o Nazareno. que a tirania do terror continuava. Sepultado o defunto
Herodes com inaudita pompa, e proclamado Arquelau
como sucessor, prepararam uma grande manifestação
O anjo avisou em sonhos o protector de Maria e popular : pediam vingança pela morte daqueles dois
de seu Filho : « Levanta-te, toma o menino e sua mãe rabinos que Herodes mandou queimar, durante a sua
e vai para a terra de Israel. Os que procuravam dar doença.
a morte ao Menino, já morreram», Como resposta, mandou Arquelau dar uma carga
José e Maria aprontaram-se para sair do Egipto. de cavalaria às turbas amotinadas. Em seguida foi
Antes, porém, lançaram um último olhar para aquele a Roma para receber a investidura de rei; antes,
país estrangeiro ; depois puseram-se em marcha, por porém, de se tomar uma decisão a seu favor, envia-
1
caminhos lamacentos, na direcção do oriente, a cami- ram os cidadãos a Roma uma embaixada, suplicando
1
nho do deserto. Desapareceu detrás deles o último ao Imperador que não nomeasse rei a Arquelau. Entre-
templo com seus elevados edifícios, perdendo-se no tanto, rebentava nova revolução na Judeia.
verde da paisagem; começava o areal e já não se O Imperador seguiu um caminho médio: deu-lhe
encontrava pasto para os animais. De novo caminha- o domínio da Judeia, mas negou-lhe, por então, o
ram, dias e dias, ou, se fazia calor, noites e noites. título de rei.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Cedo ou tarde, José e Maria tiveram conheci- Este regresso não foi tão fácil nem tão alegre, e
mento da matança dos inocentes de Belém. Porém, sem mistura de pesadelos, como era para desejar.
nenhum dos que lhes contaram este acontecimento José e Maria haviam de imaginar que seus paren-
compreendia, como eles, a ligação dos factos. De modo tes da cidade lhes perguntariam o motivo que os
que o Menino Jesus esteve a ponto de ser vítima do impediu de voltarem a casa, depois do recensea-
furor de Herodes! Porém, José e Maria não podiam mento. Se, como é provável, José tinha dito que pen-
dizer palavra do que sabiam. De contrário, ficaria o sava ficar em Belém, os parentes haviam de querer
Menino exposto a novos perigos. E em sua alma, saber o motivo da sua viagem ao Egipto. Mais melin-
recordava Maria as palavras de Simeão : « Este está drosa seria a situação se, ao deixar a cidade, tivesse
posto como sinal de contradição » . dito que voltaria logo depois do recenseamento.
A profecia tinha começado a realizar-se antes do A razão última, ou seja a ordem do anjo, não
Menino se desprender dos seus braços ! a podiam dar sem revelar o mistério que envolvia a
Que lhe aconteceria quando se manifestasse como vida do Menino.
Messias enviado por Deus, como filho de David e Rei Depois de muito perguntar, os curiosos ficaram
de Israel?! com a impressão de que Maria e José se tinham sepa-
A profecia de Simeão, que Ela não podia esque- rado depois do casamento, tendo vivido aquele tempo
cer, apresentava-se a seu espírito, depois do regresso calados e modestos, visitando as sinagogas nos dias
a Nazaré, com mais vivacidade que antes. de festa e de trabalho - e tendo-lhes, de repente,
José e Maria tinham pensado em estabelecer-se vindo a ideia de ir ao Egipto pagão, como merca-
em Belém, cidade de David. Porém, à medida que iam dores ambulantes.
conhecendo a situação política do país, ficavam mais As perguntas da gente de Nazaré tornam-nos
desorientados, sem saberem que resolução tomar. mais claro o sentido que têm, no plano de Deus, a
No meio desta perplexidade, apareceu, em sonhos, viagem a Belém e a fugida para o Egipto.
a José, o anjo a ordenar-lhes que fossem para Nazaré. Com a sua ausência de Nazaré, ficaram José e
Num dia, pois, Maria e José subiram da planície Maria livres de parentes que os observassem. Deste
de Esdrelão ao planalto em cujo vale estava situada modo se conservou oculto o mistério, que só eles
a dita povoação. Chegados ao alto, descortinaram a conheciam ; que unicamente tinha sido revelado aos
pequena cidade pátria, um labirinto de casas cúbicas . pastores, aos Magos, a Simeão e a Ana, no templo.
e ruas estreitas que se acotovelavam em volta dum A estes tinha-os escolhido Deus, seguindo as leis
ponto invisível. da graça, não as do parentesco. Porém, também estas
'1

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MARIA, MÃE DE JESUS

testemunhas, únicas, de tão admiráveis acontecimentos


tinham perdido, com a fuga para o Egipto, todo o
contacto com o Menino Redentor, do mesmo modo
que os parentes de Nazaré.
E assim, cresceu Jesus realmente na obscuridade.
Sua conceição e nascimento milagrosos perma- 'íl
neceram mistérios, que só José e Maria conheciam,
na cidade.

IV

A vida oculta em Nazaré

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I

V estuário e vida das inulheres

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·i!'.) DANDO alguém pretende representar-se
o aspecto exterior de Maria, essa
representação é influenciada, cons-
ciente ou inconscientemente, pelas
imagens que tem visto pela vida
fora. Quase sempre, costumam re-
presentá-la com um véu de mulher, correspondendo,
mais ou menos, ao que ainda hoje usam as mulhe-
res no Oriente. Este véu é típico em muitos quadros
de Maria. Por isso vamos a tratar dele, antes de
1 mais nada.
11 1
Dos escritos bíblicos e extra-bíblicos, tem-se como
certo que as mulheres costumavam estar « cobertas»
em público, isto é, que se apresentavam com a cabeça
111
coberta.
Em que consistia este velar ou cobrir a cabeça,
11
não é tão claro. Se quisermos descrever, dum modo
aproximado, o toucado das mulheres da Palestina, rela-
cionando-o com as peças do vestuário que nos são
1
conhecidas, poderíamos dizer, dum modo geral, que

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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levavam um manto fino que lhes caía pelas costas, tempo anterior a Cristo este caso tinha a sua impor-
e em certas ocasiões uma espécie de coifa. tância jurídica, porque dava ao marido a faculdade
A moda foi evolucionando, provàvelmente, de eventual de abandonar a esposa.
modo que as duas peças distintas, touca e véu, se uni- Por esta razão perguntavam uma vez os juriscon-
ram numa só. sultos se a mulher que leva à cabeça seu « cesto de
É o que costuma acontecer, frequentemente, com fiar » ou de «costura », como nós diríamos, devia ir
a indumentária das mulheres. A touca e, sobretudo, com a cabeça coberta. Este costume de aparecerem
o cabelo que se penteava em tranças ou bandós, as mulheres em público com a cabeça coberta, decla-
gostavam as mulheres de o enfeitar com pequenas rou-o S. Paulo, mais tarde, legítimo e também em vigor
lâminas, berloques, anéis e estrelas que, segundo a no mundo cristão. As mulheres deviam apresentar-se
fortuna de cada uma, costumavam ser de estanho, em público com uma « autoridade sobre a cabeça,.,
prata, vidro ou ouro. Todas as mulheras usavam algum isto é, com um sinal que indicasse estarem sujeitas ao
adorno, ainda as mais pobres. Talvez já então exis- domínio e portanto, sob a protecção de um marido
tisse o costume, que ainda hoje há, de coser na coifa que as defendesse.
as moedas das arras do seu noivado, que possuíam Parece que, ao mesmo tempo que cobriam a
como propriedade pessoal. Com a fortuna crescia, cabeça com a mantilha, era costume cobrir também o
naturalmente, a quantidade e o valor dos adornos. rosto com um véu, tornando impossível reconhecê-las.
Um berloque de que as mulheres mais gostavam Semelhante uso transparece através do seguinte acon-
era «a cidade de ouro » uma jóia ou anel em que tecimento trágico : Um Sumo Sacerdote teve que jul-
estava gravada a cidade de Jerusalém. gar uma mulher acusada de adultério. Ao descobrir-
Eram as prendas que costumavam comprar para -lhe o rosto, viu com horror que tinha diante de si a
suas esposas e filhas os homens ricos, nas suas pere- sua própria mãe. Se já no t empo de Jesus era moda
grinações a Jerusalém. A indústria destas « lembran- andarem as mulheres com o rosto coberto, uso que
ças » era para a capital, como lugar de peregrinação, mais tarde se estendeu a todo o islamismo, este uso
verdadeira fonte de receita. seria obrigatório somente nas grandes cidades como
O costume de aparecer em público com a cabeça Jerusalém, a capital, e em Jericó, a cidade dos ba1-
coberta, era particularmente rigoroso para as casadas. neários de inverno, não o sendo, porém, nas pequenas
Se alguma mulher, desprezando esse honesto povoações, como Nazaré. Razões de ordem prática
costume, aparecia em público com a cabeça desco- impediram que se universalizasse o uso de velar o
berta, desacreditava-se e desonrava o seu marido. No rosto entre as mulheres que trabalhavam nos campos.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Pode, pois, supor-se que Maria usasse uma man- No arranjo do cabelo, possuiam certos meios que
tilha, como ainda hoje costumam trazer as mulheres .
1 ainda hoje se usam: pinturas, chinós com os mais
Quanto ao mais, costumavam, tanto as mulheres variados adornos e artifícios. A maior diferença que
como os homens, ter um vestido interior e outro exte- se nota entre aquele e o nosso tempo, consistiria tal-
rior ajustados por mr cinto ; a diferença principal vez, em não ser elegante que uma mulher recorresse
consistia em que as mulheres usavam tecidos mais a um cabeleireiro ; deviam servir-se de uma cabelei-
finos, de côres berrantes e adornados com filetes e reira de confiança, ou fosse escrava ou livre. Deste
bordados. Além disso, exigia a moda, que o vestido costume vem o falar-se, algumas vezes, dos abusos de
das mulheres chegasse até ao tornozêlo. Porém, os confiança atribuídos a essas cabeleireiras. Natural-
homens do povo costumavam usar túnica mais curta, mente não faltavam pentes e espelhos, assim como
por motivos de conveniência ; só os ricos e os letra- unguentos e pomadas. A frase « fazer o penteado » ,
dos apareciam em público com amplos vestidos pró- que estava em uso, demonstra, como outras coisas, que
as mulheres o faziam com um escrúpulo sistemático.
prios dos meios urbanos.
Por causa do clima quente, calçavam, a maior Às peças do vestido ordinário e ao adorno sim-
parte das vezes, sandálias com sola de madeira ou de ples ajuntava a moda feminina toda a sorte de galas
couro curtido. Para as tornar mais elegantes, pinta- e acessórios. Neste meio, conheciam-se já e eram
vam-nas de negro ou vitríolo . . O povo não as usava muito apreciados os trabalhos de « entremeio » .
a maior parte do ano ; os homens e, sobretudo, as Muitas das senhoras da alta roda levavam nas
mulheres e os meninos andavam descalços em casa. sandálias uma pequena ampola de perfume que, ao
De sorte que, com muita frequência, o calçado não se andar, espalhava a sua fragrância.
usava senão para ir aos ofícios do sábado na sinagoga Também eram já conhecidas as solas de cortiça
e para as grandes peregrinações. Também José e que aumentavam um pouco a estatura.
Maria, que eram pobres, teriam de economizar, sujei- As «novidades», então como hoje, passavam das
tando-se, por isso, ao uso dominante. cidades populosas ao campo. Já neste tempo se fala
As mulheres de trajo popular e as da moda dis- de vendedores ambulantes que percorriam as povoa-
tinguiam-se no vestir, se bem que toda a evolução ções campesinas « para que as filhas de Israel pudes-
consistia em combinar os antigos costumes do Oriente sem comprar, mais facilmente, seus objectos de enfeite».
com as modificações vindas da Grécia e da Itália. Em geral, no campo a vida era mais simples e mais
morigerada. Declara-se expressamente que, em virtude
do maior recato da gente do campo, não era neces-
1 V er a gravura a pág. I 76.

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MARIA, MÃE DE JESUS
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1

sário às mulheres um cuidado tão rigoroso em cobrir


o rosto.
Poderia parecer que estas observações nos levam
longe demais, mas elas têm a sua importância. Em cer-
tas práticas piedosas, Maria é celebrada como modelo
de mulheres cristãs, mas usando-se de expressões tão
vagas, que elas só podem corresponder a uma ideia

DES C RI Ç ÃO DA GRAVURA

Temos à vista o interior de uma casa antiga da Palestina. Nos


lugares em que n6s temos as janelas há uns nichos cavados na parede.
Substituem os nossos armários.
No centro vê-se um montão de mantas e colchões que à noite
se estendem no chão para neles se dormir. Nos nichos dos dois lados,
colocam-se todos os utensílios domésticos que devem estar à mão.
e"
No chão está estendido um colchão listrado. À direita e à "
esquerda vêem-se talhas com asas. Nelas se conservam não s6 os líqui-
dos, como água, vinho e azeite, mas também o grão, utensílios domés-
"""
ticos e fruta.
A mesa redonda é muito baixa. Havia-as semelhantes no tempo
de Jesus. Por isso o " sentar-se à mesa » era recostar-se em colchões.
Para quem se recosta, uma mesa alta seria inc6moda, por não se lhe
poder ver a superfície.
Diante da mesa estão os utensílios mais importantes da casa:
fogões m6veis de barro; em frente destes um capacho redondo de
palha, que serve para nele se colocarem as tortas de pão ; ao lado, uma
pequena cesta com farinha. A forma destes fogões ver-se-á melhor
noutra gravura.
A parábola da drácma perdida supõe uma destas casas sem janelas.
As mulheres estão vestidas como agora se usa. Se tivessem de sair,
tomariam um véu, ao menos segundo o costume antigo, transfor-
mando-se, deste modo, em mulheres orientais.

190

X- I90
Fot. Raad

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MARIA, MÃE DE JESUS

também muito vaga. E esta ideia, as mais das vezes,


leva-nos a crer que a vida, no tempo de Maria, a Mãe
de Jesus, era, para as mulheres em geral, e para Ela
em particular, muito diferente da dos nossos dias.
Contudo, os factos mostram-nos bem claramente
~ que Maria viveu num mundo que, precisamente neste
particular, não se diferenciava, tanto como se julga,
do mundo de hoje e de ' sempre.
Não é um pensamento devoto, mas talvez uma
representação muito oportuna e real, considerarmos
Maria ao ser abordada, em casa, pelos negociantes de
perfumes vindos de Jericó, a insistirem com Ela, como
com as demais, para fazerem o seu negócio. Essa
insistência é característica em tais negociantes, e tanto
maior, quanto mais modestas e despretenciosas se lhes
mostram as pessoas.
E porque se costuma tratar este ponto, sobretudo
em conferências a mulheres, convém ter ideias claras
a este respeito.
S. Pedro, na sua primeira carta, descreve-nos o
protótipo da mulher, por estas palavras: « O seu
adorno não deve ser aquele que se vê por fora -
o penteado dos cabelos, berlóques de ouro, nem ves-
j.
·
tidos ricos - mas, sim, o que é interno e adorna o ;
coração humano, o ornato indelével dum espírito doce J
e paciente, que é precioso aos olhos de Deus». "
Quase se podia pensar que o Apóstolo tinha então
diante dos olhos da alma a imagem de Maria, a Mãe de
Jesus. Em todo o caso, jamais mulher alguma conseguiu
realizar este ideal com perfeição semelhante à sua.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

activa nestas assembleias, mas só o dever de se sujei-


O PAI E A MÃE NA FAMÍLIA tarem, como ordena a Lei. E, se querem ser instruí-
das, sobre algum ponto, interroguem em casa seus
maridos»,
Para a incarnação do Filho de Deus não escolheu Eis aqui descrito, sinteticamente e sem rodeios, o
e preparou o Espírito Santo som:nte um~ m~e, mas
i'
conceito que se tinha da mulher na sinagoga. A ins-
também uma família. Por isso a mcarnaçao nao teve trução oficial estava unicamente a cargo dos varões.
lugar numa virgem que fosse ai~da livre, ~em numa As mulheres deviam ouvir, atendendo à doutrina
mulher que fosse já mãe, mas sim numa virgem que e à sua interpretação. A posição do homem no mundo
estava desposada. religioso, dava também uma feição muito caracterís-
Nada exprime tão claramente a importância que tica à educação dos filhos.
Deus dá à família, como o facto de Jesus ter passado Devia impressionar vivamente a qualquer jóvem,
trinta anos como membro duma família ordinária do dotado de certa vivacidade, ver o pai, uma vez ou
povo, com tud~ o que isso supõe. Neste capítulo tra- outra, fazer duas profissões de fé ao dia. O pai, por
taremos da influência que este facto teve no campo stta vez, quando o filho estava em condições de lhe
religioso. . . compreender o significado, devia explicar-lho ; decla-
A direcção da vida religiosa pública pertencia, rando, contudo, que essa profissão de fé era reservada
por direito, ao homem. Porém, para ser sufície~te­ aos homens.
mente nobre, devia aliar os direitos com as obnga- E como devia despertar no adolescente a cons-
ções. Assim estava estabelecido, por exempl?, q.u: ciência religiosa, vendo seu pai partir para Jerusalém,
certos deveres religiosos, precisamente os mais difi- para celebrar aí a festa da Páscoa, e ouvindo dizer
ceis, pesassem sobre os homens. Só eles estavam que ali se reuniam, diante de Deus, todos os homens
obrigados a familiarizar-se com a Lei, a fazerem duas da sua terra !
vezes ao dia a profissão de fé e a fazerem todos os Mas nem por isso se julgue que as mulheres não
anos as grandes peregrinações a Jerusalém. . . tinham obrigação de professar nenhuma religião.
Quando se expressa, com mais clareza, a 1de1a O povo, por um são impulso natural, sentia que
da primazia do homem, é ao falar do culto divi?o as mulheres eram religiosas sempre que seus maridos
público. S. Paulo diz, na sua segunda cart~, a~s Co~m­ eram de conduta exemplar, e que todo o homem hon-
tios: «As mulheres estejam caladas nas 1gre1as, (isto rado era, numa palavra, o presente que uma mulher
é nas reuniões do culto divino), pois não têm voz digna dava ao mundo. A exclamação «viva a mãe,
'
1 1
1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

ditosa mãe que deu à luz tal filho » é uma prova do mãe e foge para o Egipto ! Levanta-te, toma o menino
que fica dito. e sua mãe e volta para a tua pátria ! Não vás para
Às orações pràpriamente ditas: orações da manhã, Belém, mas para Nazaré»!
da noite e da mesa, tão obrigada estava a mulher como A ordem e a hierarquia exterior na família, era,
o homem. portanto: José, Maria e o Menino. A jerarquia interna
Além disso, as mulheres piedosas - o caso de corria em ordem inversa : O Menino Jesus, Maria e
l Maria o demonstra - costumavam fazer peregrinações José. Contudo, esta jerarquia interna manifestou-se
a Jerusalém, não com poucas fadigas. Fora disso havia externamente só em duas ocasiões excepcionais.
1 i
obrigações especiais, relacionadas com a vida familiar Quando o velho Simeão tomou, no templo, o Menino
1' e doméstica que se consideravam importante incum- em seus braços e falou da luta qu e se havia de travar
bência religiosa das mulheres e cujo abandono traria em Israel por causa do Redentor. Não falou em José,
1
desgraças a toda a família. Assim, por exemplo, à o pai nutrício de Jesus, mas dirigiu-se directamente
mulher competia tratar da lâmpada do sábado e acen- à Mãe: « Também tua alma será trespassada por uma
dê-la. Mas, a sua principal missão era, e será sempre, espada».
a educação dos filhos e, por este meio, dos homens Tanto José como Maria deviam ficar surpreen-
de amanhã, para que vivessem em conformidade com didos por Simeão não ter dito uma palavra a José.
1 i a lei divinamente revelada. Quem embala o berço A santidade do varão justo, que se inclinava diante
governa o mundo. da santidade de Maria, não permitiu que ele se melin-
Os poucos indícios que nos dá o Evangelho das drasse. Contudo, este mesmo silêncio de Simeão con-
relações de José e Maria entre si e deles com o tinha um presságio. José havia de servir à obra da
Menino, devemos metê-los neste quadro que acabamos redenção, precisamente, deixando esta vida antes que
de esboçar. José era o chefe responsável da família: Jesus se revelasse publicamente como Messias.
como pai legal, era ele que sustentava a Jesus. A segunda vez que se alterou a ordem externa
Para a primeira intervenção em que foi necessá-
1 foi quando se deu o encontro de Jesus no templo.
; rio apresentar-se como pai legal, o anjo deu-lhe uma
ordem expressa: Porás ao menino o nome de Jesus!
Não foi José, o pai nutrício e legal, mas sim Maria, a
Mãe de Jesus, quem se dirigiu ao Menino: « Porque
Esta indicação trazia consigo o encargo de o sujeitar procedeste assim? » É possível até que José lhe tivesse
às outras obrigações da Lei. As mensagens de Deus, cedido a Ela a palavra. Porém, seja conio for, na frase
que tinham por fim a protecção do Menino, costuma- seguinte Maria dá testemunho de que o chefe da famí-
vam dar-se a José: «levanta-te, toma o menino e sua lia era José. « Teu pai e eu, disse Ela, andámos cheios

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,111 MARIA, MÃE DE JESUS


1. MARIA, MÃE DE JESUS
' 'I
!1
1
!i1 caçarolas 1 • Junto à parede que, umas vezes, tem
,.: de dor, à tua procura », nomeando em primeiro lugar janela, outras vezes não, há grandes ânforas e talhas
11:
1:
a José, o pai legal, e a si em segundo. de barro em que guardam o trigo e os figos e junto
'i:I Na mesma ocasião inverteu também Jesus a ordem a estas a cómoda com os vestidos dos dias de festa.
,, ,! externa: José, Maria, o Menino Jesus, e deu a conhe- Na parede estão pendurados crivos e ôdres ; no para-
11::1
cer a ordem última e decisiva, quando respondeu: peito da janela vêem-se púcaros e gamelas de madeira,
« Não sabeis que devo estar ao serviço de meu Pai?
il( Porque me procuráveis »? Ele, o Filho do Padre
para amassar a farinha. Os vestidos dependuram-se
em cordas. Em recipientes de barro estão guardadas
!li: Eterno, estava acima de José e Maria, sempre que colheres, pavios e outros utensílios domésticos. A noite
i::11 o Pai celeste lhe pedisse alguma coisa directamente. estendem-se no chão esteiras de palha, e está feita
'li'· a cama.
1
Como é natural, estranha-se que, da moderna
'Ili
'il1 EM CASA E DIANTE DE CASA maneira de construir nas aldeias da Palestina, se con-
clua idêntica disposição nas vivendas do tempo de
'Ili
Jesus Cristo. Costumam dizer que a incorporação do
Na Palestina, a casa não é nem foi nunca, tanto
111

,j 1 morada como dormitório. Maria e José pertenciam à


país à sociedade económica e comercial do império
romano lhe deu uma nova formação e cultura. Tais
1 classe pobre, como o demonstra a oferenda da apre- observações e reparos quando se referem às esferas
sentação de Jesus. Por isso não exageramos dizendo
:J superiores do povo e, talvez, à classe média dos tem-
que era modesta a sua casa de Nazaré.
, fl pos áureos, têm o seu fundamento ; mas para a classe
Vamos descrever a vivenda vulgar duma famí- inferior, a que pertencia a Sagrada Família, não têm
i1 lia da Palestina : Passado o umbral entra-se num
razão de ser. Isto é o que se depreende dos Evange-

l
·' I 1
recinto ao rez do chão. As mais das vezes está ali
o curral com as ovelhas, cabras, o jumento e tudo
lhos e de outros escritos da época.
Assim, por exemplo, numa parábola de Jesus,
1:: 1 o mais que houver. Um degrau dá acesso à parte
um homem do povo responde a um amigo que o
1
,,! '· principal da casa, elevada uns quarenta centímetros,
importunava: « Já está fechada a porta e os meus ·~

11 e que serve para sala de jantar e dormitório. A um


filhos já estão deitados comigo », E, noutra parte, diz:
1
canto um fogareiro, que é um estojo de barro trans-
1 « Quando um filho ou filha é ainda pequeno e dorme,
,.li portável, com uma cavidade bojuda e várias abertu-
ras. Dentro dele mete-se o combustível. As panelas
i' 1 1 V eja-se a gravura a pág. 202 .
colocam-se, pouco mais ou menos como entre nós as

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~·="'"~""""'"""""""'""''~"''..,..,..·"'''=~~·.~~'~'~'=~=·,.;p

debaixo da mesma manta, com seu pai, é lícito a este constroem dependências acessórias que arrancam das
rezar nessa atitude as suas orações vespertinas, ofi- paredes do edifício, assim lá se encostam aos muros
1" ciais. Se são pessoas maiores que dormem na mesma do pátio pequenas construções complementares. Raras
i cama, não lhes é isso permitido», vezes falta um coberto para a lenha; a este se acres-
i Estas duas cenas não se podem dar senão e m centa outro para os cereais e fruta seca.
casas que se pareçam com as dos lavradores da actual No pátio costumavam estar também as galinhas.
Palestina. O mesmo se deve pensar quando, a propó- Ali vinham sentar-se as mulheres para moer o grão.
1 sito da drácma, Jesus diz que a mulher, acendendo O ruído dos moínhos de mão fazia parte da vida do
uma candeia, a procura em todos os cantos da escura povo de Israel, como o chiar das noras, do Egipto.
habitação. Como anúncio dum casamento não era desagra-
A Palestina goza, ainda na época das chuvas, de dável aquele ruído; mas o mesmo se não diga quando
mais dias de bom tempo do que a Europa central a casa era de paredes meias com a dum vizinho e
num verão normal. Por isso o povo nem sequer deseja um deles começava a moer de madrugada, e batia
uma casa com muitos aposentos cómodos. na parede com o ligeiro baloiçar do moínho.
O que para nós é o escritório ou sala, é para Para evitar este inconveniente, estava determi-
eles, com frequência, não o interior da casa, mas o nado que os moínhos fossem colocados a três palmos
lugar agradável do portal, o pátio de entrada. Quem de distância da parede.
quiser visitar uma famíli a, entra da viela ou do cami- Em lugares apropriados, plantavam-se nos pátios
nho para o pátio, fechado por um muro, e, do pátio árvores frutíferas e trepadeiras. Entre as primeiras
entra numa só, ou em vári as casas. Como na Alema- escolhiam a figueira de abundante sombra, e entre as
nha a palavra << Hof » - (granja) - significa, em geral, segundas a videira de ex uberante crescimento.
o conjunto da casa e dos campos, e a. vemos com O pátio era, ao mesmo tempo, a oficina assina-
frequência p ara designar um lugar, assim também lada para o trabalho da família. Para um carpinteiro
naquelas r egiões, até à África, a palavra « Chazar » era, além disso, com frequência, a carpintaria. José e,
emprega-se frequentemente para designar lugares. mais tarde, Jesus, trabalharam, sem dúvida, ao menos
O pátio de entrada é, para os orientais, tanto ou acidentalmente, num pátio destes. -.
' 1. ,

mais importante como a própria «casa». Durante o Existem algumas normas para a modéstia das
dia a vida passa-se no pátio, onde, durante o calor, se mulheres, que mostram o significado que tem o pátio
podem defender, procurando um canto à sombra, e, da casa na vida da família, e como era, ao mesmo
no tempo frio, aquecer-se ao sol. Como entre nós se tempo, a sua parte principal.

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Nessas normas, se determina claramente que as ,1:


No pátio daquela casa pas.ava-se, pouco mais 0:-1 ~·

X
mulheres podem andar nos pátios com mais liberdade ,
menos, o mesmo que nos da direita e da esquerda.
que nos caminhos públicos. É de tempos posteriores Os trabalhos eram os mesmos, mas o espírito com
este dito muito significativo: « Se também nos pátios que se executavam já não era o mesmo.
as mulheres tivessem de ter « a cabeça coberta » não
haveria uma só filha do nosso pai Abraão que conti-
nuasse muito tempo com o seu marido ». É que a
AO LADO DA MÃE. OCUPADA NAS LIDAS DA CASA
mulher que saísse de cabeça descoberta podia ser
repudiada por seu marido, como já dissemos, por ser
isso tido como infamante. Jesus, o Filho de Deus, tomou a natureza humana.
Portanto, o pátio considerava-se como «uma parte Em todos os momentos da sua vida foi verdadeiro
da casa ». homem. E, por isso mesmo que o era, não foi um ser
Declaram mais os documentos que o pátio era « invariável», pois, durante a sua carreira mortal, per-
habitação comum. Eis aqui o que se prescreve : correu toda a escala de idades que formam a vida
« Se alguém possui uma casa em pátio que per- humana. Assim que, durante algum tempo, foi verda-
tença a muitos ao mesmo tempo, não a pode alugar nem deiro menino que crescia ao lado de sua mãe. Tam-
a médico, nem a sangrador, nem a tecelão, nem a um bém naqueles a.nos Jesus era Filho de Deus. A sua
mestre-escola, quer seja judeu, quer não; porque, neste divindade estava, como quem diz, encoberta, como o
caso, viria muita gente ao pátio, e este perderia o seu. está o cume dos montes rodeados pelas nuvens do
carácter de vivenda para os demais proprietários». céu. Só Maria conhecia o mistério da sua divindade.
Se aplicarmos estes dados à pequena casa da Que espectáculo devia ser para ela ver Jesus, seu
Sagrada Família, teremos o quadro seguinte: A casa Filho e Filho de Deus, começar a ter conhecimento
tinha diante da porta um espaço livre - o pátio ; tal- do mundo na pequena casa de Naz.a ré !
vez que uma ou mais famílias tivessem direito a uso- Levantava os olhos pensativos ao teto da casa.
fruí-lo - os parentes, talvez - cujas portas dessem Olhava para a porta, por onde principalmente entrava
também para ele. a luz. Quando estava fechada, ficava a casa tão escura
Debaixo de certo ponto de vista, a vida na que, enquanto os olhos se não afaziam à escuridão,
pequena casa de Nazaré não era tão idílica e deliciosa nada se podia ver. Nos cantos havia diversas arcas e
como no-la pintam certas descrições, certos quadros e recipientes, objectos que o menino observava conti-
composições poéticas. nuamente. Havia talhas de barro com figos secos e

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I':,.\.
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'
uvas passas, com ervilhas e feijões. Mas a talha mais
misteriosa estava encaixada na parede ; tinha utn
buraco tapado. Todas as manhãs ia Maria ali e colo-

DESCRIÇÃO DAS GRAVURAS

Os fogões usados anti gamente na Palestina eram portáteis, como


as nossas cozinhas e panelas eléctricas. Eram formados de uma s6 peça
de barro cozido, com buracos, e sobre eles colocavam-se as panelas.
Muitas vezes serviam-se simplesmente de pedras sobre as quais
colocavam as panelas.
Na gravura vêem-se estas duas classes de fogões.
A mulher da direita tem a sua vasi lha sobre o fogão de barro.
Pelas aberturas deste metem a lenha. Estes fogões transportam-se fàcil-
mente de casa para o pátio e vice-versa.
A prova de que antigamente se usavam fogões parecidos temo-la,
!! por exemplo, no facto de o cordeiro pascal ser preparado no pátio e
haver uma classe de fogões com patente para este fim. Mulheres cozinhando
li A mulher da esquerda sustenta a sua caçarola entre duas pedras.
:1,; Num braço tem o filho e com o outro remexe o cozinhado. No pri-
meiro plano está uma cesta de palha com farinha. A seu lado tem uma
':11 pouca de lenha: cardos, ramos, raizes, numa palavra, qualquer coisa
semelhante àquilo que traziam à cabeça as mulheres da gravura anterior.
,,
''1'
·)'·
.l i Nesta gravura vêem-se os fornos-cabanas, junto à aldeia. Esco -
!11. lhem-se sítios donde o fumo não en tre nas casas. As cabanas são feitas
de uma armação de madeira revestida de argamassa. No forno da direita
1! vêem-se algumas pontas da madeira da armação.
,, O barro greta com o calor, sendo necessário repará-los antes das
'''I grandes chuvas do inverno, pois, não o fazendo, desmantelam-se.
l;i São utilizados por diversas famílias que deles se servem à vez.
,, Deviam existir em Nazaré no tempo de Jesus porque aquela região é
:11
pobre de lenha. Por isso queimavam silvas, erva seca, etc.
1 ).
'1 Jesus faz referência ao fogo alimentado com erva seca quand o
,:i.'i diz : " Vede como crescem os lírios do campo. Não trabalham nem
1l! j tecem; contud o eu vos asseguro q_ue nem Salomão, com toda a sua

'~
gl6ria, se vestia como um deles ! Se, pois, a erva do campo que hoje
existe e amanhã é deitada ao forno (com suas flores) a veste Deus com
1:
tanta magnificência, quanto mais o fará convosco, gente de pouca
!'1' fé! " (Luc., xxvn, 29). Se o vento sopra do mar, pode, num dia,
l'i:I secar-se a erva, como diz Jesus.

:::\1\
Fornos cm forma de cabana junto à aldeia de Endor
1:1:1 202
'i:·
1
il:l
.1
1;1 XI - 202 Fot. Raad
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1,1:!

MARIA, MÃE DE JESUS

cava um alguida< de::::"~==i==-"'l


de trigo suficiente para os gastos dum dia. O Menino '
l 1
1
observava-a, cada vez que isto se repetia, com aquela 1
gravidade reflexiva própria das crianças inteligentes. '.~I
E sempre o surpreendia a Mãe com o olhar como que
abismada ; parecia que orava. i
'!
!1 Jesus sabia o que vinha em seguida. Dava a mão ~
• 1
a sua Mãe e saíam para o pátio. Ali estavam duas
11
pedras, uma sobre a outra. A debaixo tinha cerca de
meio metro de diâmetro ; a outra, tinha uma cruzeta
que saía dum orifício e um cabo que servia para lhe
imprimir o movimento.
Maria sentava-se e fazia girar a pedra de cima
sobre a debaixo. De quando em quando deitava um 1
·~
punhado de trigo pelo orifício da pedra.
O ruído tornava-se então mais intenso e Jesus
i
esperava que a branca farinha saísse pela juntura das
duas pedras. 1
Se o não tinha feito à noite, Maria ia buscar uma 1
travessa de fundo chato e deitava nela a farinha para
certa quantidade de pão. Na mesma, ou em alguma
outra parte, tinha guardado um pouco de fermento ou
1
levedura da última fornada. Dissolvia-a em água, tra- 1
balhava com ela a nova massa e deixava-a fermen- !
tar. Quando, mais tarde, o Senhor, falando ao povo .~
dizia : « Com o reino do Céu acontece o mesmo que ~I
ao fermento que uma mulher misturou com três medi-
das de farinha e fermentou toda a massa », as suas
palavras são, sem dúvida, uma recordação daquilo
que viu na sua infância. Depois ia Maria ao forno

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.,

!C;:.:~1.(U]l~~~~~~-~!UC'à'&l!-'!ll'""""~.:UP-:""'.t!!~~ ~-""~~ MARIA, MÃE DE JESUS


MARIA, MÃE DE JESUS

1 -
cozer o· pao. E. poss1ve
• 1 que o f orno est'ivesse no pa't'10,
mas, o maís provável é que María o tivesse fora, em tas e voltava a cobri-los. Ficava ali perto e, no mo-
algum alpendre feito de adobes, de sociedade com mento oportuno, retirava a cobertura. O que agora
outras famílías. Neste caso, tinha de esperar pela sua tinha diante dos olhos era uma coisa completamente
vez e levar a lenha 1• Metía no forno ramos de árvo- diferente: Um pão! « O pão de cada dia,. i, era a
res, ervas secas e aparas de madeira da carpíntaria. base principal da alimentação. Juntavam-se-lhe azei-
O sítio em que se acendia o fogo era construído tonas conservadas em sal, figos apertados em caixas
com pedras e tijolos. Sobre o mesmo havia uma abó- e, por festa, tâmaras ; estas, porém, era necessário
bada de metal ou de barro para impedir que caísse comprá-las porque as de Nazaré não amadureciam
qualquer coisa nas pedras em que haviam de ser colo- todos os anos.
cadas as tortas de pão. Maria enchia o forno de lenha Cada dia tinha a Mãe que trazer a água necessá-
até não se lhe ver a cúpula e pegava-lhe fogo. ria do único manancial que havia no povo. Punha
Quando fazia uma fornada maior, amassando mais uma rodilha na cabeça, colocava-lhe o cântaro em
de dois litros de farinha , devia mandar uma porção a cima e saía. Na fonte encontrava-se com outras mulhe-
um sacerdote, conforme mandava a Lei. Como cons- res. A primeira coisa que faziam era dar de beber às
ciência delicada que era, certamente que não deixava crianças. Jesus ouviu dizer muitas vezes às mulheres
de o fazer. que noutras povoações se tinha acabado a água.
Não sabemos bem como se cumpria esta prescri- Então punha-se a olhar para o poço ; aquele era um
ção nos lugares onde não havia sacerdote. Mas a manancial de águas vivas : um verdadeiro tesouro
para a cidade.
1 negligência deste preceito acarretava uma maldição
especial, no juízo do povo. Trazer a água e cozer o pão era uma parte
No fim duma hora vinha ver como as coisas esta- essencial do trabalho díárío das mulheres. Era, por
1 vam. Se o fogo tinha consumido toda a lenha, retirava assim dizer, obrigação especial do seu estado e, como

1 para um lado a cinza, enfarinhava as mãos, tomava


um punhado de massa fermentada, espalmava-a fazendo
tortas do tamanho dum prato, operação que repetia
até acabar a massa. Então retirava a cobertura com
que protegia os tijolos quentes, colocava neles as tor-
tal, o louvavam alguns aforismos dos tempos antigos.
O povo simples tem conservado esta ideia sem a
alterar.
De conformidade com este modo de pensar,
quando a noiva entrava na sua nova casa, existia em
muitas partes o costume de lhe apresentar um pouco
1 Vejam-se as gravuras a págs. r76 e 202 .

1 1 Cf. Padre Nosso.

204 '>r;t,<"•-----..........,.~~~·"''~•·>-'·.-~~·-"''""'·~~·'·~~-~n~•==""'~~•~r~'°·"J
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

de fermento, e ela, tomando uma pequena porção, para elas motivo de legítimo orgulho saber fiar um fio
pegava-a à testa, e porção igual à padieira da porta. uniforme.
Em seguida punham-lhe um cântaro à cabeça e assim Uma parte do fio servia para remendar os ves-
entrava em sua casa. tidos. ·outra, a maior parte, ia para o tear. O tecer
Nestas acções alegóricas dáva-se-lhe a entender era, umas vezes ofício, outras vezes obrigação do-
que uma das suas ocupações futuras havia de ser cozer méstica.
o pão e acarretar a água. Naquele tempo não se teciam peças de pano para
Outro trabalho que se considerava como obriga- depois serem cortadas por moldes e medidas deter-
ção da dona de casa era fiar a lã e o linho. minadas.
No hino da mulher diligente diz-se : « Seus dedos O modo de vestir era tal que, muitas vezes, se
pegarão no fuso, sua mão segurará a roca:.. De tal empregavam panos inteiros, sem mais feitios, como
maneira se considerava isto como trabalho das mulhe- vestidos, ou então acomodavam-se a esse fim. Daí o
res que, ainda as da mais alta posição social, estavam dizer-se não só : « fazer um vestido » mas também
obrigadas a fazê-lo, se queriam ser respeitadas. O que « tecer um vestido ». Esta expressão tinha o seu sen-
se havia de fiar colocava-se na roca; a mão direita tido próprio quando se tecia um vestido de tal feitio,
ia estendendo o fio e dava movimento giratório ao que todo ele se pudesse acabar no tear.
fuso para o retorcer. S. João diz que Jesus teve uma dessas túnicas,
Trabalhavam a lã das próprias ovelhas e o linho sem costura. Os soldados não a quiseram dividir e,
que tivessem cultivado. por isso, tiraram-na à sorte. A lenda diz que Maria a
Como ao fiar se costuma ter o braço completa- tinha tecido pessoalmente.
mente descoberto, reparava-se que isto se fizesse em O vestido interior costumava ser de linho. O cul-
tivo desta planta era ainda maior na Galileia que na

l
lugares de trânsito. Contudo, então como agora,
viam-se mulheres a fiar sentadas nos caminhos. O lugar Judeia; aqui a lã de ovelha supria a falta do linho.
indicado para este trabalho, tratando-se de gente As mulheres não só fiavam mas também teciam
pobre, era o pátio da casa. a lã e o linho. Um provérbio antigo diz: «Às mulheres
Neste ponto, os quadros da Sagrada Família da Judeia compram-se vestidos de lã ; às da Galileia,
que representam Maria com a roca são realmente de linho ».
exactos. Jesus fala, no sermão da montanha, do trabalho
Não vai muito longe o tempo em que as mulheres de fiar e tecer, como de coisas conexas. « Vêde como
da nossa terra sabiam manejar a roca e o fuso, e era ~ crescem os lírios do campo ! Não fiam nem tecem ;

"-'~#'--·~"~=---•-="-~=·-~·~oo., ,~"-·-'·" ' "·'·"'''"' c -~···"··• c.·c~~·-·· •"'"""''~m·"""~--=•-'~"': 207


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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

não obstante, eu vos asseguro: Nem Salomão, com ciosos que se deviam guardar para não serem rouba-
todo o seu fausto, vestiu como um deles» . . dos. « Não amontoeis, na terra, tesouros que a traça e
Por esta razão, é possível que Maria, a Mãe de a ferrugem destróiem e os ladrões roubam» , dirá Jesus
Jesus, tivesse tecido uma túnica a seu Filho com linho mais tarde, como Mestre. É que, em menino, tinha
fiado por ela própria. Porque Maria, a Mãe de Jesus, visto a arca onde cuidadosamente se guardavam os
tinha mais empenho que qualquer outra mulher em bons vestidos.
preparar por suas próprias mãos, para seu Filho, tudo Nas horas livres, empregava-se a Virgem em
o que lhe fosse possível. diversos trabalhos, segundo a época do ano. Se José,
Quando a Mãe estava remendando, o Menino como muifos outros artistas, tinha algumas ovelhas ou
observava-a atentamente. Costumava guardar cuida- cabras, tinha de as entregar de manhã ao pastor e de
dosamente um molho de retalhos velhos. Quando o as recolher à noite. É até verosímil supor que Jesus
vestido se rasgava, procurava entre os pedacitos de guardou, como pastor, as ovelhas, ao menos aciden-
pano de lã um que servisse para o remendar. Talvez talmente. As parábolas que apresenta, mais tarde,
Jesus perguntasse algumas vezes porque não deitava pintam a vida pastoril e os rebanhos com traços tão
um remendo novo que era mais bonito. Ela lhe expli- concisos e acertados que todo o quadro ressalta como
caria que, remendos novos de lã, ainda não lavados, coisa que Jesus tivesse vivido pessoalmente.
se desfazem ao molhar-se ; que por isso era melhor Conforme se deduz da vida actual, e o atestam
um remendo de pano velho que não houvesse já de se documentos antigos, José tinha algum pequeno campo
renovar, guardando-se o novo até se juntar o bastante de cultivo, próprio ou alugado, fora da cidade , nalguma
para um vestido completo. Semelhantes lembranças daquelas colinas pedregosas.
da infância Lhe vêm à mente quando Jesus diz: « Nin- Já desde a infância viu Jesus como germinavam
guém deita um remendo de pano novo num vestido os grelos da pequena semente, como eram invadidos
velho. Se o fizer, o remendo novo rasgará consigo o pela sizânia, como nas tranquilas semanas que prece-
vestido velho, fazendo-lhe um buraco maior e tanto dem a colheita iam crescendo, como, finalmente, no

> mais difícil de rem endar »,


Os vestidos novos costumavam guardá-los numa
arca . Maria tinha nisso grande cuidado ; metia-lhe
tempo da ceifa, vinha o lavrador e recolhia o grão.
Tudo isto é descrito nas parábolas mais belas de
Jesus como símbolo da sementeira, crescimento e
dentro diversas ervas cheirosas, tirava-os de lá fre- colheita espiritual.
quentemente para ver se a traça os tinha esburacado. « Um semeador, diz Ele, saíu a semear. E, ao
Colocavam-se também na arca os objectos mais pre- espalhar a semente, alguma caiu nos caminhos e vie-

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= ·· · -- . ,,,,.~-~-~--~~·~·-~"'""""""·~,·-·=~-·='~.-~~"' MARIA, MÃE DE JESUS

, . ram as aves do céu e comeram-na. Üufra caiu enfre

i :~:~!:~~:~n:~~::::::1.~::~:b~:~~-~~-:
l DESCRIÇÃO DA GRAVURA

Naim é uma das povoaçóes da Galileia que mostra melhor como,


no tempo de Jesus, se construíam, nas aldeias e nas cidades pequenas,
1 os edifícios e como se agrupavam entre si.
i A primeira coisa que se nos apresenta é o pátio de uma casa.
Tem o telhado coberto de terra bem calcada. Aqui e além vêem-se as
pontas das traves.

1 Diante da casa, uma rua estreita conduz ao monte. Entre a ruela


e a igrejinha (que comemora a ressurreição do filho de uma viúva)

~ vêem-se alguns edifícios com um pátio comum. As casas são de pedra

~
calcárea. A planta das construçóes é a que acompanha esta narração.
i· O pátio, comum a vários edifícios, tem duas entradas . As vielas da
1,l
i1 povoação prolongam-se por um caminho que desce pela encosta do
l.1 ~ monte e são guarnecidas de paredes de ambos os lados.
!1,.
~ Da casa mais alta da direita pode passar-se por uma porta para o
telhado da casa mais baixa.
.
1, Na planície, ao fundo, ergue-se o T abor .

Fot. Raad
210 XII - 210

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MARIA, MÃE DE JESUS

o sol, murchou e secou, porque, quase não tinha raí-


zes. Outra caíu entre espinhos que, crescendo com
ela, a afogaram, de sorte que não deu fruto. Outra,
enfim, caíu em boa terra e deu fruto: trinta, sessenta
e cento por um ».
~ A haste cresce sem ruído, alimentando-se das
suas próprias provisões. «Pode dormir de noite e velar
de dia o semeador; a semente germina e nasce sem
que o semeador saiba como. A terra produz por si
mesma o fruto: primeiro a haste, depois a espiga e,
em seguida, o grão que a enche ».
Eis a descrição intuitiva e gráfica que Jesus faz,
mais tarde, aos seus ouvintes.
No tempo que viveu em Nazaré teve que lidar
pessoalmente com sementes e sementeiras.
Outra das ocupações constantes de Maria era
acarretar o combustível necessário, sem ter que o
pagar.
As mulheres costumavam ir em grupos às ver-
tentes êrmas dos montes, onde juntavam espinheiros,
cardos, ervas e ramos de arbustos, voltando para casa
com os feixes à cabeça.
Uma passagem do Eclesiástico, ao falar do chis-
pear dos espinhos debaixo da marmita 1, atesta que já
_na antiguidade, se utilizavam os espinheiros como
combustível.
Na primavera apanhavam plantas silvestres que
utilizavam como hortaliça. No verão secavam figos e

1 Ecl., vn, 6.

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bagos de uva para as necessidades do inverno. Deste
modo, nunca faltava que fazer.
\ ''·"
Maria descansava um dia por semana, o sábado. ..~~:
Desde menina notava-se-lhe uma grande inclinação 1
5' l
·, II
para o trabalho.
Em dia certo lavava a roupa que havia de levar
à sinagoga. Eram já conhecidos todos os ingredientes Maria dirigindo o Menino
para lavar e que tinham por base a soda e a potassa.
É lícito, porém, duvidar se Maria poderia fazer para Deus
semelhantes gastos. Punha a roupa de molho, batia-a
no lavadouro, torcia-a e dependurava-a em estacas
ou paus, ao sol, que quase sempre brilhava num céu
sem nuvens. Jesus assumido a natureza
INHA
A roupa de linho punha-a a corar. Para a tornar humana, como Filho consubstancial
mais brilhante, brunia-a com uma pedra lisa. de Deus. Foi realmente homem, em
Quantas vezes acompanharia o Menino Jesus a tudo semelhante a nós, com excep-
Mãe em seus trabalhos e ficaria absorto a contemplá-la! ção do pecado, como diz S. Paulo.
Como verdadeiro homem, tem
-- já o observámos - verdadeiro desenvolvimento
espiritual. Nasceu menino, fez-se adolescente, tornou-
-se homem ; e, à maneira humana, foi adquirindo na
vida, novas experiências.

zi~~~~~ià
.l:7"tf''"""'-:J~
Esta ciência experimental existe n'Ele com a ciên-
cia infusa que, desde o primeiro instante, lhe perten-
cia, como Homem-Deus. Portanto, pode falar-se com
~• toda a exactidão, dum desenvolvimento humano de
Jesus em geral e, por conseguinte, dum desenvol-
vimento humano-religioso em particular. Devemos,
porém, ter sempre presente que o interior de Jesus,
precisamente porque a natureza humana estava unida

212 213

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

à segunda Pessoa da Trindade, nunca se nos apre- É incalculável o que à criança aproveita nos pri-
sentará sem véu. A isto se deve atender sempre que meiros anos do seu lento crescer, estar a mãe firme-
1 se trate do desenvolvimento e da ciência humana mente convencida de que, por detrás de cada movi-
de Jesus. mento, da inquietação infatigável dos seus olhos, do
O despertar espiritual de qualquer criança é cheio tatear dos dedos, do trepidar dos pés, ela sustenta
de mistérios. Chega o momento em que o espírito naquele corpozinho alguma coisa eterna e espiritual -
começa a mover-se nos olhos daquele minúsculo ser; uma alma criada por Deus.
em que o seu rosto reage ao olhar da mãe que o A fé da mãe influi inconscientemente na alma do
contempla. filho que desperta. O menino, cuja mãe vê nele um
A princípio não passa dum instantâneo iluminar ser com alma imortal, cresce num mundo espiritual
de olhos que, como relâmpago, logo se desvanece. muito diferente do daquele cuja mãe não sabe ver no
É a alma a querer assomar à porta da sua própria filhinho uma alma que não é obra dela, mas de Deus,
habitação. criada para uma vida imortal e eterna.
O menino aprende a sentar-se, procura pôr-se em Como conseguir uma imagem, ao menos par-
pé, tentando com as mãos agarrar o ar. Sente-se-lhe cialmente verdadeira, da vida de Maria com seu
nos olhos essa preocupação. Agarrado a um banco ou Filho?
a uma cadeira, avança um pouco; admira-se, assusta-se O perigo de engano está principalmente em excluir
de si mesmo, do seu atrevimento. Depois, dá o pri- ou o carácter de « maternidade » em Maria, ou o de
meiro passo e talvez o segundo, sem apoio e vai « filiação » em Jesus. No primeiro caso, não se foca-
cair nos braços da mãe que o está atraindo com ria a Virgem como verdadeira Mãe de Jesus, mas, só
carícias. Emite os primeiros sons dirigidos à mãe como mulher que, depois de crer na filiação divina
que os decifra. de seu Filho, o contemplava extática, como uma alma
Na alma do menino há um impulso e uma capa- bem-aventurada do céu. No segundo, teríamos que
cidade especiais para ler no rosto das pessoas que admitir que Jesus não foi verdadeiramente menino, mas
lhe são familiares. Não é conhecimento reflexo , nem que, diante de sua Mãe, procedia apenas como se
observação consciente. Procura apenas imitar as pes- o fosse. ""°·
soas com que~ tem de viver, especialmente a sua mãe. Que Jesus foi realmente menino, não é ficção,
A observação é a sua primeira escola, a imitação a mas realidade palpável ; e o rosto de sua Mãe foi
sua primeira aprendizagem. Esta actividade ocupa o o espelho em que começou a ver o mundo que o
primeiro lugar na fase inicial do seu desenvolvimento. rodeava.
,.,,
214 ~·: ,,. ,,~ ";:'..';~.::l~- ~--." ' .~.,...,, - .. ~ .. ~-,, ,-;.:,--:. ·_=;,~.J.'I!'~- ·""·i
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-------~-----~-""' MARIA, MÃE DE JESUS

Vida misteriosa a de Jesus e de Maria nos anos


' MARIA, MÃE DE JESUS """'" ' - - · - - - - - --

Cada caneta da Mãe era, ao mesmo tempo, um


--.....,,.-.

em que Ele despertava para a sua própria vida do acto de adoração; e, cada vez que o Filho d'Ela se
espírito. Mar de ondas encapeladas que fluem e aproximava, era uma nova graça para Maria.
refluem. O que se diz frequentemente nas revelações dos
Jesus era o menino que, como nenhum outro, místicos - que Maria era reservada em acariciar seu
tinha nascido para viver com Deus. Sua divindade f Filho ~ é, em si mesmo, muito verosímil.
ocultava-se por detrás da humanidade, para encher, Pouco a pouco, ia compreendendo Jesus a razão
por assim dizer, todos os resquícios da vida de homem daquele modo de proceder de sua Mãe, e o conheci-
que se iam formando no decurso do seu desenvol- mento desses motivos despertava n'Ele a vontade de
vimento. servir ao Pai, da mesma maneira.
E Maria era a Mãe que, como nenhuma outra, As verdades reveladas, as cerimónias que as tor-
tinha sido escolhida para levar seu Filho para Deus. navam sensíveis, os usos que as acompanhavam, os
Todo o seu porte, qualquer acção ou movimento ritos que com elas se relacionavam, influíam naquele
que o Menino nela observasse, quando ainda não podia Menino, como influem os sons num menino nascido
pensar, era uma preparação para o momento em que para a música; porém muito mais profunda e irresis-
havia de poder formar os seus juízos. Quer, pois, tivelmente, porque a religião tem no homem raízes
Maria estivesse diante do fogareiro, quer tivesse nas mais fortes que todas as demais propensões.
mãos a tijela da farinha, ou se dirigisse a um canto Jesus assimilava tudo isto com a visão clara
da casa para tomar o cântaro e ir à fonte, ou voltasse daquilo que constituía a essência das coisas. E quando
a casa com ele à cabeça e, dando de beber ao Menino, chegou o dia em que pôde pronunciar o nome de Deus,
o colocasse em seu lugar; sempre em todas as suas tinha já recolhido em sua alma uma série de conheci-
ocupações, havia na Virgem alguma coisa - e era mentos que, de algum modo, a Ele se referiam. Por
essa a nota dominante - que se mantinha inalterável. esse tempo, saíram também de seus lábios aquelas
Nem sequer quando passava da oração ao traba- perguntas misteriosas que as crianças costumam fazer

>
1

lho, ou se refugiava do trabalho na oração, se notava às pessoas maiores, semelhantes a uma nova criação
nela mudança substancial.
Nunca existiu mãe que diante de seu filho se
inclinasse com mais fé do que Maria. Não via n'Ele
simplesmente um ser infinito e eterno, mas, sim, o pró-
prio Filho de Deus.
de Deus, cheias ainda de ingenuidade infantil.
Assim como aos doze anos Jesus interrogou os
letrados e lhes deu respostas que os deixaram assom-
brados, assim também - quem sabe? - na casa de
Nazaré, Maria se detinha a contemplar o rosto de seu
'
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ""7•==-~·~~~~,~~~=-~=,=~··""~''"""'"~"~"·=~~"l

Filho e meditava nas palavras que iam brotando dos O facto de nada se poder dizer em desabono da ~
seus lábios. Mãe, nem do Filho, não era nada agradável para as
Algumas vezes lhe par?cia ver, por momentos, vizinhas, antes pelo contrário.
relampaguear a divindade que, nas restantes coisas,
se mantinha profundamente oculta.
Deste modo, não havia momento em que Maria AS ORAÇÕES DE CADA DIA
não tratasse seu Filho com aquele respeito de que é
pálido reflexo o das mães cristãs, quando recebem em Todos os israelitas tinham como dever sagrado
seus braços a criança recém-baptizada, em quem vene- ensinar seus fílhos a rezar. E como a obrigação de
ram o que elas lhes não comunicaram - o divino. orar pela comunidade crente pesava, em primeiro
Aquele respeito com que Maria tratava seu Filho, lugar, sobre o pai, tinha também este obrigação espe-
quando Ele necessitava dos seus cuidados, e com cial de ir ensinando ao filho as orações prescritas, à
que lhe falava quando Ele era já grande, devia ser medida que se fosse tornando capaz de as aprender.
para todos os vizinhos e, em particular, para as mães A Sagrada Família de Nazaré era um novo tipo
do mesmo bairro e da mesma condição social, quase de criação humana, dentro da humanidade. Também
uma provocação. ela adaptou as fórmulas tradicionais da oração e
Aquelas mulheres, para não terem emulação, deve- culto divino, mas o sentido dessas fórmulas foi ela,
riam ser tão perfeitas como Maria. a Sagrada Família, quem, pela primeira vez, o com-
Como tratava Maria seu Filho? « Só para lhe preendeu.
dar de beber água do cântaro, é como se estivesse Como fic aria pensativo Jesus ao ouvir falar, pela
a servir um Príncipe ». « E, quando o leva. consigo primeira vez, dum Reino que está acima da terra,
,' à fonte, vai como se neste mundo não existisse mais Reino « donde Ele tinha vindo a este mundo » !
ninguém senão o seu m'e nino ». « E nas visitas, então,
·~
Com que prontidão e fervor repetiria os versículos
não atende a mais nada. Só o Filho é que lhe não da primeira oração, que tinha de aprender, em cuja
sai do pensamento, ou ele esteja presente, ou não recitação de versículos alternados José e Maria toma-
). p esteja» . vam a dianteira e que começava assim :
Estes e semelhantes comentários eram os que, de
certo, fariam as vizinhas ; e as que se sentiam feridas
Ouve, Israel :
no seu orgulho de mães, faziam as suas críticas ace- O Senhor, nosso Deus, é o Único Senhor.
radas. Deves amar ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração,

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r------------*' MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Com toda a tua alma e com todas as tuas forças .


Se cumprirdes fielmente os meus mandamentos,
As palavras que ho je te apresento,
Os mandamentos que vos dou,
Tens que conservá-las em teu coração,
Amando o Senhor, vosso Deus,
E ensiná-las aos teus filhos :
Servindo -o d e todo o co ração e com toda a alma,
Fala delas quando estiveres em casa a descansar,
Cho verá em vossas terras nos tempos próprios,
E quando fo res de viagem,
E Deus vos dará chuva temporã e serôdia.
Quando te deitares, e quando te levantares.
Para colherdes trigo, vinho e azeite.
Deves amarrá-las à tua mão p ara te lembrares,
Brotará er va em voss os campos para o gad o,
T ê-las sempre dian te dos olhos;
Tereis para comer em abundância.
E escre vê-las no umbral da tu a casa .
Tende cuidado,
Que vosso coração se não perver ta,
Não ap ostateis,
Estas palavras eram consideradas como profissão N ão venereis, nem adoreis de uses estranhos.
de fé no verdadeiro Deus e essência da oração. D e contrário, se acenderá a ira d e D e us contra vós
Jesus não abrogou, como Mestre, estes conceitos, E fe char-se-ão os cé us;
pelo contrário confirmou-os. E então deixará de chover
E a terra não dará frutos ;
Quando, certo dia, o doutor da Lei lhe perguntou : Vós mesmos des aparecereis dep ressa
« Mestre, qual é o maior mandamento da Lei ? " Ele Desta magnífica terra,
não teve mais que replicar : « O que é que costumas Qu e o Senho r vos quer dar.
ler ? » - Era a alusão a uma cois a prática bem conhe- Guardai, pois, estas m inhas palavras
cida, precisamente a esta passagem que todo o israe - Em vosso co ração e em vossa alma !
Atai-as às vossas mãos para não as esquecer des,
lita sabia de cor, porque tinha obrigação de a dizer
Tende-as sempre diante d os olhos como sinal.
duas vezes por dia.
G ra vai-as na alma d e vossos fi lhos,
O doutor percebeu logo a que fórmula escrita E fa lai-lhes delas,
aludia o Mestre, e começou a recitar as primeiras Quer em casa, quer em viagem ,
palavras das preces quotidianas. Quer estejais deitados, quer levantados,
Escrevei-as na umbr eira de vossas casas e nas por tas
A esta primeira parte da oração oficial de cada Para que vós e vossos filhos
manhã, que a todos e a cada um obrigava, e lhes Vi vais, enquanto o céu es tiver sobre a terra
mandava pôr nas mãos de Deus toda a sua vida, No país que Deus p r ometeu com juramento a vossos pais.
De Deus é a terra e de Deus os seus destinos.
outra se vinha juntar, a qual proclamava que a felici-
dade de todo o povo dependia da sua fidelidade para
Isto ninguém o devia mais esquecer em Israel.
com Deus Legislador.
Quando Jesus disse, mais tarde: «Procurai primeiro o
1
~QZ=~1 •rm......,.., . . "?t'._•~·....:.>r.a0-.--...:s., ~~~..Gr-"':"~-:-(.:.·~Uii?l~u.,~~"-""',;;:.o.'i-l'rJ-"Tri1'l"-.'tl!:<.:u:.~ ~~~1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Reino de Deus e a sua justiça (isto é, tudo o que com Logo que um menino podia vestir-se por si mesmo,
ele se relaciona) que o resto vos será dado por acrés- tinha obrigação de trazer aquele distintivo. Maria sabia
cimo», não fez mais que reproduzir profunda e resu- que esta incorporação de Jesus à multidão de homens
midamente aquelas palavras da Escritura, que recitava que oravam, tinha importância especial, tanto para seu
cada manhã, sem exceptuar, provàvelmente, as que se Filho como para o povo : J esus era o Redentor de
referiam às do dia da sua paixão. Israel e Israel o seu povo. Temos de nos limitar a
Um terceiro fragmento que se devia recitar cada conjecturas sobre o que Maria teria sentido ; certa-
dia, a modo de profissão de fé, dava novo realce à mente, foi esta uma daquelas acções que despertariam
ideia de gratidão que todo o filho de Israel devia mos- n'Ela os mais santos sentimentos.
trar para com Deus, por os ter livrado da escravidão Palavra por palavra, foi Jesus aprendendo esta
do Egipto, o que fariam guardando os mandamentos, e oração, no tempo em que a sua Humanidade não podia
trazendo nos vestidos a insígnia de israelita. compreender ainda plenamente todo o seu significado.
Deus disse a Moisés : Escutava com toda a atenção a José, quando este, de
manhã e à noite, a recitava semi-entoada, como pro-
Fala aos filhos de Israel e dize-lhes
Que têm de fazer umas borlas
fissão de fé de piedoso israelita.
E cosê-las a uma t ira de púrpura No aro da porta estava dependurada uma caixa
Distribuídos pelas tribos. de madeira ; por uma abertura podia tocar-se no per-
Ao vê-las gaminho que nela se guardava.
Têm que lembrar-se de todos os mandamentos de Deus. No pergaminho estavam escritos alguns textos
E guarda-los ;
Não se dei xarão arrastar pelos olhos nem pelo coração,
sagrados. Quando José saía de casa tocava-os com a
Cometendo toda a sorte de faltas e infidelidades, mão, como faz qualquer cristão piedoso quando, ao

l
Mas, tendo cada vez mais presentes os mandamentos de Deus, sair de seus aposentos, toca na pia de água benta.
Cumpri-los-ão e proclamarão santo o nome de Deus. \1 Certamente que José ergueu muitas vezes o
Eu sou o Senhor, vosso Deus, Menino em seus braços para que Ele pudesse tocar no
Que vos tirei do Egipto,
Para ser vosso Deus.
pergaminho encaixado na porta, pois para os meninos
verem uma coisa, é-lhes necessário tocá-la.
Maria, a seu modo, e precisamente como Mãe de
Antes de Jesus saber de cor estas orações - era Jesus, tomava parte em todas as orações que da
de cor que se deviam rezar - tinha-lhe posto Maria humilde casa de Nazaré subiam ao Céu'. As orações a
nos seus vestidos o distintivo do filho de Israel. que, por dever, S. José e depois o Menino, estavam

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obrigados, eram para Maria as orações do pai e do


Filho divino. Nunca lhe veio ao pensamento sair da sua
posição de dona de casa para tomar a direcção das

DESCRIÇÃO DA GRAVURA

As familias que seguem os antigos usos, cozem o pão todos os


dias. Este trabalho pertence à dona de casa.
As mais das vezes fazem-no ao ar livre, no pátio. Se a família
tem forno próprio, costuma estar este próximo da casa. Muitas vezes o
forno pertence a várias famílias que dele se servem à vez.
A gravura apresen ta uma mulher que começa a preparar a massa.
Tem diante de si a masseira e de lado um alguidar com farinha. Polvilha
as mãos e as pequenas porções de massa para que esta se não agarre às
mãos. Feito isto, vai colocando os pedaços de massa numa bandeja de
palha que se vê ao lado. A massa é quase sempre fermentada.
O «fermento" é uma porçao de massa da fornada anterior guar-
dada num açafate . Dissolve-se em água e, com esta solução, é que se
amassa a farinha. Jes us tinha isto presente quando disse : " No Reino
dos Céus dá-se o mesmo que com o fermento que uma mulher mistu-
rou com três medidas de farinha, até tudo fermentar », isto é, até o
fermento ter penetrado toda a massa. Jesus, em criança, tinha visto
muitas vezes Ma ria, sua Mae, dissolver na água o fermento e preparar
com esta soluçao toda a massa. Jesus referiu-se aos efeitos do fe rmento
quando, numa viagem por mar, preveniu os discípulos : « Acautelai-
-vos do fermento (d a doutrina) dos fariseus e saduceus » .
Os discípulos, naq uele momento, não o compreenderam. Pensa-
ram que lhes proibia ir buscar fermento à casa dos fariseus e saduceus,
para se não afastarem da sua companhia. E daqui se depreende que os
vizinhos emprestavam fermento com muita frequência uns aos outros.
Entre a parede da casa e a mulher que prepara o pão, vê-se um
feixe de cardos que servirão para aquecer o forno. A mulher tem na
cabeça um colar de moedas. É o seu «tesouro de noiva », sua proprie- Preparando o pão
dade pessoal. O vestido está bordado no peito.

224
XIII - 224 Fot. Raad

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orações. Assim como assistia no templo aos sacrifícios


sem sacrificar, assim também em casa assistia com o
maior recolhimento às orações de Jesus, unindo a elas
suas orações e desejos, suas esperanças e cuidados.
A sua voz confundia-se com a de Jesus, como se ela
não tivesse o seu timbre pessoal.
Todas as manhãs, quando o céu e a terra se divi-
diam nos alvores cinzentos do amanhecer, quando a
atmosfera transparente brilhava, branca e clara sobre
as colinas que rodeavam a cidade, quando a abóbada
celeste se cobria em toda a sua extensão dum azul
resplandecente, ressoavam naquela casa umas pala-
vras, sempre as mesmas : era como se o espírito
daquela casa despertara com seus moradores do silên-
cio da noite. E quantas mais vezes se ouviam essas
palavras naquele recinto, tanto maior era a impressão
de que, de manhã à noite e da noite até de manhã, o
seu eco não se apagava, mas que pairava silenciosa-
mente no ar, com um som que não era como os
demais ; e que, pelo contrário, todos os outros sons
com ele se confundiam ; não só nessas pequenas adver-
tências de homem para homem, exigidas pela vida
comum, mas também no eco dos diversos e múltiplos
trabalhos de cada dia, quer em casa quer na oficina ;
porque também estes ecos levavam consigo alguma
coisa de quem os produzia.

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com uma refeição melhorada: não tinham duas refei-
} O DIA DE FESTA ções, como nos outros dias, mas três : antes das fun-
'
ções religiosas da manhã, depois delas e de tarde.
Naturalmente preparavam na véspera os manjares
O culto litúrgico na sinagoga era para a vida reli- e sobremesas que não podiam desfrutar nos dias de
giosa duma família simples e devota o que é para a trabalho. As famílias pobres, que nos dias de trabalho
família cristã o culto divino do domingo : a prepara- se tinham de contentar com pão e água, não precisa-
ção interior da alma para os trabalhos da semana. vam de fazer grandes despesas nem de apurar a arte
O sábado era o dia santo, dia de festa e de culinária para terem uma refeição melhor.
repouso; na segunda e na quinta-feira havia também O culto divino consistia em leituras e alocuções
algum culto suplementar. Estes eram os dias dos pro- subordinadas a um plano, e em orações recitadas em
cessos judiciais e neles vinham à cidade os moradores comum. Para as solenidades estavam marcadas certas
do campo. De passagem pela cidade tinham ocasião passagens da Escritura relacionadas com a festa.
de assistir, uma ou outra vez, aos actos do culto, se Nos sábados ordinários iam-se lendo a eito os
na terra em que moravam não havia sinagoga. É, afi- livros de Moisés.
nal, o que entre nós acontece, quando algum dia de A compostura dos israelístas nas sinagogas não se
mercado cai em dia santificado. distinguia muito da dos cristãos na igreja. Havia uma
Os que podiam, mudavam ao sábado o vestido prescrição que dizia: « Nas sinagogas não se devem
interior de linho e o manto exterior. É claro que a tomar atitudes levianas, não se pode comer nem beber,
muitos pobres isto lhes era impossível, por não terem não se deve entrar no verão só para fugir ao calor,
mais que uma camisa e um manto. Conta-se o caso de nem no inverno para se resguardar da chuva ; não se
marido e mulher que só possuíam um manto, pelo que deve celebrar nelas nenhuma demonstração de luto
tinham de ficar em casa à vez. Mais trágico é ainda privado », O terreno de uma sinagoga em ruínas con-
o seguinte : duas pessoas que dispunham do mesmo siderava-se sagrado. Não se podia utilizar para fazer
manto, mas emprestado por terceira pessoa. Aos que cordas, para estender rêdes, nem para secar uvas ou
não tinham mais que uma camisa, permitia-se que a figos. E ninguém o podia atravessar para encurtar um
lavassem, mesmo nos dias semi-festivos, para pode'r em caminho.
aparecer no sábado com roupa limpa. Cada sábado era para Jesus um acontecimento.
Nos sábados era rigorosamente proibido cozinhar. Na véspera, antes do pôr do sol, tocavam as trombetas
Contudo o povo tinha por costume celebrar as festas da cidade a anunciar o dia festivo; meia hora depois

226 227

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

começava o descanso sabático. Os trabalhadores dos frente de todos. Quantos deles davam a impressão de
campos circunvizinhos apressavam-se a voltar a casa; apreciarem aquele posto de honra mais que o mesmo
os negociantes dos bazares retiravam as suas merca- culto religioso. Ali se sentavam, mais para se mostra-
dorias e colocavam em seus lugares as mesas e os rem do que para honrar a Deus.
mostradores. José arrumava a oficina e Maria punha A atenção de Jesus não se prendia com tais per-
os utensílios no lugar que, no dia seguinte, lhes compe- f1 sonagens. Só o culto divino, ansiosamente esperado,
tia; a comida para o sábado estava já preparada de lhe absorvia o espírito. O chefe da sinagoga dava
véspera; provàvelmente em forma de torta, conforme sinal ao guarda ou « sacristão » e este, por sua vez,
o costume de então. Depois acendia a «lâmpada do transmitia-o a quem devia dirigir as preces ou come-
11 Sábado » ; e no dia de festa fazia a sua entrada na çava-as ele pessoalmente.
casa de Nazaré, como um enviado de Deus que dela A primeira era uma oração de louvor a Deus.
viesse tomar posse. O que a dirigia entoava: « Louvai ao Senhor porque
Finalmente, despontava o dia seguinte, ansiosa- é bom » e enumerava pormenorizadamente os bene-
mente esperado por Jesus. fícios de Deus ao seu povo. Os homens e os meninos
Acompanhado de José e Maria atravessava, para respondiam em coro. Era um eco imponente que se
ir à sinagoga, as ruas desertas que nesse dia pareciam 1 estendia pelo amplo recinto, quando vozes de tenores
mais largas e claras. No pórtico lavavam as mãos, do e de baixos repetiam, à maneira de estribilho: « porque
mesmo modo que nós costumamos tomar água benta a sua bondade permanece eternamente ». Em seguida
ao entrar na igreja. Maria ia tomar lugar entre as todos se levantavam e começava a oração: « Ouve
mulheres; Jesus e José iam para a parte reservada Israel » ! Nos sábados não se rezava só em casa, pois
aos homens. todo o povo colectivamente devia fazer a sua pro-
Aquele edifício tinha um aspecto muito diverso fissão de fé no verdadeiro Deus.

l da sua casa; dava a impressão de imponente e magní-


fico. Na parte da frente via-se um lugar alto com uma
estante; para ali subia o leitor das Escrituras. Por
detrás, mas sem tocar na parede, caía uma cortina.
No espaço interior, entre ela e a parede, havia um
armário com os rôlos da Escritura. Diante da estante
No fim das orações dizia o sacristão em voz
alta os nomes dos homens que deviam ler naquele
dia a Lei.
A leitura de trechos da Escritura não era pnv1-
légio dos letrados. Bem longe disso. Nem mesmo as
crianças eram excluídas de o fazer. As mais das vezes,
havia alguns assentos para as pessoas mais importan- como era costume não ser um só a ler aos sábados,
tes de Nazaré, que durante a leitura tomavam lugar à liam vários, se fosse possível até sete.

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MARIA, MÃE DE JESUS

Como era muito apreciada uma leitura bem feita,


MARIA~.:~: :E ::Ul:go t:~duz~~==-:=·~ 1
ger almente o leitor preparava-a com antecipação. Do maico. A função acabava com uma fórmula de bênção [
•.

famoso rabino Bem Abiba se conta que, tendo sido iniciada pelo leitor e terminada pelo povo. Quando t
1

designado para ler, se escusou dizendo que «não tinha estava presente algum sacerdote, seguia-se a bênção
preparado a passagem as duas ou três vezes seguidas». sacerdotal.
111 1
'
A ordem por que se fazia a chamada dos leito- t Assim como hoje há nas nossas igrejas uma fun-
1
res considerava-se honorificamente descendente . E na ção religiosa de tarde, assim também no tempo de
escala da dignidade observava-se esta ordem: o sacer- Jesus se costu~ava celebrar uma reunião vespertina
dote, o levita e o homem do povo. na sinagoga.
A leitura era uma função oficial, da qual fazia Lia-se de novo a Sagrada Escritura, embora essa
parte a correcta execução do cerimonial. O leitor colo- leitura não fizesse parte integrante da liturgia solene,
cava-se à frente, no lugar que lhe era destinado; desen- como a da manhã. Ao que parece, começava-se onde
rolava o pergaminho, procurava a passagem por onde se tinha deixado de manhã.
devia começar e entoava o cântico de louvor, que no O sábado era também aproveitado para a visita
' 11. tempo de Jesus devia ser este : «Louvai ao Senhor, aos enfermos e aflitos. Os sequazes do rabino Scham-
digníssimo de louvor ». E o povo respondia : « Lou- mai não estavam de acordo com esse ministério ; na
vado seja sempre e eternamente Deus, digníssimo de prática, porém, prevalecia a opinião de Hillel, cujos
louvor>! sequazes constituíam a escola oposta e não menos
Os versículos que dizia o leitor em hebreu, eram célebre.
traduzidos imediatamente por um intérprete na língua Na vida pública de Jesus nota-se que. já desde o
vulgar, que era o aramaico. A tradução era, até certo princípio do seu magistério, consagrava os sábados a
n
ponto, uma explicação. Era proibido recitar a Lei de visitar com particular predilecção os enfermos e a

l
cor. Algumas narrações que eram só para gente curá-los. Este costume teria - quem sabe? - a sua
.
grande, ou se omitiam, ou eram lidas só em hebreu. origem na prática dessa obra de misericórdia na casa
Num ciclo trienal percorria-se todo o texto sagrado. de Nazaré, seguindo o exemplo de seus pais.
Coisa parecida ao que se prescreve aos Párocos sobre Do mesmo modo que nas orações diárias de pre-
a instrução catequética aos adultos, num ciclo quin- ceito, também nas funções religiosas do sábado Maria
quenal, seguindo o catecismo do Concílio Tridentino. se mantinha sempre em segundo plano. É certo que
À leitura seguia-se a alocução dum letrado, seme- nelas tomava parte com toda a alma e que se unia de
lhante às homilias dos nossos domingos. Lia-se em ~ todo o coração à vontade de seu esposo e à de seu
1
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230 ly,~_ 'l!l.! "-~""'-'="'-"--IH-~~>tY.:t:r--.- ~l'!"""""l~-~;..__...,-,"<";•"r;•f'.~."<-IMl""1 (:'ol!l:'l !<:1"3"f"A'."l.1"&.~•!:lil'<!l'.IP. " ;~>'.~.:'..L;~o.r-"!.;~ ;r;
......... .. ......

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·- ---""'· MARIA , MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS -~-------------

Filho, logo que este chegou à maior idade. A eles Jesus espontâneamente lhe prestasse, mas, na sua
tocava · determinar quando se devia ir à sinagoga e qualidade de Mãe, estava obrigada a dar ordens a
quando da mesma deviam voltar. Eram eles também Jesus Menino e Adolescente, tendo, portanto, que exer-
que marcavam o tempo que se devia dar a qualquer cer sobre Ele a sua autoridade, escondendo-se a si
ocupação, fora do serviço divino. mesma, por assim dizer, a sua própria fé.
Também nisto a vida de Maria foi sempre a vida Se os seus sentimentos fossem semelhantes aos
de uma escrava do Senhor. de Pedro, protestaria como ele : « Senhor, Deus me
livre de te impor qualquer preceito ! ».
A humildade de Maria tinha que ser, portanto, do
HUMILDADE DE MARIA
mais fino quilate para nunca deslisar no desempenho
duma missão tão delicada como a sua.
NAS SUAS RELAÇÕES COM JESUS
Também o Baptista se distinguiu por sua singular
humildade. Quando Jesus lhe apareceu e pediu que
Quando Jesus lavou os pé aos discípulos, Pedro o baptizasse, respondeu : « Se eu é que devo ser
lavrou o seu proste~to por estas palavras : « Senhor, baptizado por ti, como me pedes tu que te baptize ? »
não me lavarás jamais os pés!» respondeu-lhe Jesus: Mas quando Jesus lhe disse : «Deixa, por agora : pois
« Se não te lavar os pés, não terás parte comigo ». convém qu e cumpramos assim toda a justiça », João
E então já Pedro implorava o Mestre: « Senhor, não cedeu imediatame nte.
só os pés mas também as mãos e a cabeça ». Sem Maria esteve muitos anos na situação em que se
dúvida que Pedro manifestou, neste proceder, os seus achou João Baptista uma só vez; devia dar ordens a
sentimentos de humildade para com o Mestre. Porém Jesus realmente, e não aparentar só que as dava.
esta sua humildade não dava ainda garantias de esta- Basta trazer à mente um caso que, sem dúvida,
bilidade. Por isso ela se desequilibrava, declinando se repetiu muitas vezes. Ela encarregaria o Menino
ora para a direita, ora para a esquerda, sem se saber Jesus de trazer água da fonte. Se a sua humildade
manter no meio termo. não fosse mais criteriosa que a de P edro, havia de
Maria estava, a respeito de Jesus, numa situação pensar assim: « Vou eu mesma! Como enviar Jesus,
muito mais difícil do que Pedro, e esta situação não Filho de Deus, por essas ruas, obrigá-lo a esperar pela
era transitória, mas prolongou-se por muitos anos.. sua vez na fonte, junto com as crianças da sua idade?
E isso mesmo, em certo modo, multiplicava as dificul- É expô-Lo aos atropelos dos que hão-de tentar tomar-
dades. Maria não só devia permitir os serviços que -lhe a vez »,

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i
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
11
1.
O mais difícil para qualquer pessoa é ter que Aquele que era Senhor de Maria era também o
1
1
fazer coisa que, exteriormente, pareça entrar em con- Pai de Jesus. Porém ainda que ambos e com iguais
flito com a humildade. Mas a vida de Maria em sentimentos acatavam a vontade de Deus em cada
Nazaré era uma cadeia contínua desses actos de momento da sua vida, não estavam na mesma situa-
'1
i· humildade.
1 ção. A vontade de Deus Pai manifestava-se muito
'f'/ mais clara e imediatamente a Jesus que a Maria.

,/
/i! ' j;
REVELA-SE O MISTÉRIO DO MENINO JESUS j Comparando o conhecimento de Jesus com o de Maria,
temos que confessar que, apesar de tudo, o conheci-
mento que Ela tinha do beneplácito do Pai celeste era
Para todos os filhos chega o momento em que se muito imperfeito .
desligam dos laços espirituais que os prendem a suas Por conseguinte, era possível que num caso deter-
mães. Fazem coisas que, embora elas nada lhes tenham minado Maria não conhecesse a vontade de Deus, e
dito, sabem muito bem que lhe desagradam; ciente e que fosse Jesus o único a conhecê-la. Esta possibili-
conscientemente omitem outras que sabem lhe agra- • dade podia assinalar-se, mais concretamente, em duas
dariam. Entre a mãe e o filho levantam-se, deste hipóteses. A primeira dar-se-ia se Deus exigisse de
modo, invisíveis muros divisórios, tão subtis, que por seu Filho alguma coisa que Ele devesse fazer por sua
mais que se multipliquem, não é fácil reconhecê-los conta. Neste caso, Jesus dá a conhecer .a sua Mãe a
como tais. Contudo ninguém julgue que é sempre a vontade de Deus, não com argumentos de palavras,
mãe a que pensa, concebe e quer o melhor, ao passo mas simplesmente acomodando as suas acções ou
que o filho só quer o pior, ou menos bom. De modo omissões às exigências de Deus. A primeira vez que
nenhum l Quase se pode crer que a maior parte das isto aconteceu, como consta no Evangelho, foi quando
1, crianças religiosas e de consciência delicada são, na Jesus, aos doze anos, ficou no Templo, sem prevenir
'1

1 juventude, mais cuidadosas que suas mães sob vários seus pais.
aspectos e não cometem aquelas faltas que elas come- A segunda hipótese tinha lugar quando Deus
J tem com frequência. Mas, também nisso se nota certa
separação interior.
reclamava alguma coisa que Maria não podia conhe-
cer, mas em que Jesus e Maria tinham que tomar
Maria e Jesus estiveram sempre unidos interior- parte. Nestes casos Jesus de clarava explicitamente a
mente da maneira mais íntima. Toda a sua vida, bem Maria a vontade do seu Pai. Só o fazia, porém, no
como a de Jesus, se harmonizava com estas palavras: momento preciso em que devia cumprir as ordens
<<Eu vim para fazer a vontade de meu Pai ». do Pai.

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1

·------------~·--~WlrNllJI'>:~-~ MARIA, MÃE DE JESUS


I'I'
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1,
Isto aconteceu a primeira vez, segundo se de-
..,
o
o..
[1
preende do Evangelho, nas bodas de Caná. As pala-
.
o

vras pronunciadas por Jesus, tanto no Templo como .e.


·5
em Caná, estão cheias duma solenidade misteriosa. ""'.
o
E
J:
DES~RIÇ Ã O DAS GRAVURA S o
e:

Nesta gravura merecem especial atençã'.o as duas mulheres que


.
"'"'
""'.<>-
estão sentadas no châo. Vê-se junto de cada uma um moínho de máo;
é formado por duas pedras, uma sobre a outra.
A pedra inferior tem um receptor para receber a farinha que sai "'"
das junturas. A superior gira num eixo. P õe-se em movimento por o
""'..e
meio de uma asa de madeira fixa na parte superior externa.
Enquanto uma das mulheres faz girar a pedra do mo ínho, a outra
..
E-=
vai deitando, de tempos a tempos, um punhado de grão tirado da
1 cesta que tem diante de si. Muitas vezes moem as duas mulheres ao
I •
mesmo tempo, ajudando uma à outra a rodar a pedra.
1:'
Esta cena tinha Jesus diante dos olhos quando, referindo-se ao
dia do juízo, disse: - " Então duas mulheres moerão no mesmo moí-
nho; uma será admitida e a outra rejeitada " (Mat., xxrv, 4).
À esquerda vê-se uma mulher com um cântaro à cabeça, e à
direita outra com uma cesta . O s vestidos das mulheres são bordados
nos braços e no peito. Maria, co mo dona de casa pobre, tinha que
..,a
o

1
moer a farinha, ou só o u com a ajuda de alguma vizinha. No temp o
quente de verão as mulh eres levantava m-se às 3 horas para terminar
""'"
este trabalho an tes do calor. ""''õ"=
\1 e
Esta mulher cozeu as tortas, uma fornad a após outra, colocando-as
eo
em seguida numa bandeja de palha. Feito isto, toma cada um dos pães "~
para tirar as areias que se lhes pegaram na superfície do forno. t:
À maneira que os vai limpando coloca-os na travessa de que se ""'a
:;
serviu para fazer a massa . Está quase terminado o seu trabalho.
;J
Por detrás vê-se o forno, enegrecido pelo fumo, encravado na
Q
=
ladeira. À direita, na parte de cima, há cardos e ramos de árvores para
aquecer o forno. Este está num pátio.

~
lli:i~~.,._'-lt==-ii..;;pu;·_..,1a.;; ~rn ~"1.lr>,,-lc.•,·.:.ti1 !"-fr.-
~-.,._-_=..>;> __ _::rr.:ll'<e-i~~.._,__._ .,_~ _.,.~~

236

Fot. Raad

1
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:l t
MARIA, MÃE DE JESUS

A nós parecem-nos quase desrespeitosas e represen-


tàm-se-nos como outros tantos blocos toscos e moles-
tos que se opõem à espontaneidade dos acontecimentos,
destruindo-a e criando situações inesperadas. Assim
nos parece porque o Evangelho não nos descreve nem
o olhar, nem a atitude, nem o tom com que Mãe e
Filho se falam e tratam. Se isto nos fosse relatado
fielmente, se as palavras do Mestre se não apresen-
tassem assim, separadas e isoladas, só serviriam como
prova da consciente divindade de Jesus, que era pre-
cisamente o que significavam para a sua Mãe.
1

'
1

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JESUS FICA NO TEMPLO
1

if
i1
Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém para a fes ta
da Páscoa. Aos doze anos, tendo Jesu s ido lá, como de costume,
'/
passados os dias da festa, licou o Menino Jesus em Jerusalém,
quando seus pais empreenderam a viagem de regresso. E seus
pais não deram por isso 1.
1
1

Os caminhos de Jerusalém estavam repletos de


gente, uns a pé, outros em ágeis jumentos e outros em
camelos ; seguiam criados com animais de carga.
Peregrinos dos longínquos vales do Eufrates e do
Tigre, das montanhas da Ásia Menor, das regiões de
Damasco, tinham-se reunido à multidão de galileus e
judeus. Levantado pelas pisadas dos caminhantes, o

1 Luc., 11 , 41-43-

1·: 237
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pó subia ao ar, espalhava-se ao longe pelos campos


com suas oliveiras prateadas e casas quadradas. Os
MARIA, MA:s D:u~:::: que ~e::n:m=m~::1
Jerusalém mostram-nos um menino no peregrino ado-
1

(
peregrinos entoavam salmos à medida que iam cami- lescente de doze anos. Nesta idade tem um menino do

Oriente as suas faculdades mentais tão desenvolvidas,
~ nhando. A sua voz forte pairava, por assim dizer,
como entre nós, qualquer outro de dezasseis a vinte
,.f' sobre a caravana ; a melodia ia subindo e baixando,
sempre no mesmo ritmo, semelhante às ladeiras que anos. E Jesus não era uma criança ordinária ; era,
os peregrinos escalavam, para logo as deixarem per- se assim se pode dizer, um génio religioso. Na con-
didas atrás de si, quando desciam. cepção da vida integral - pois a religião genuína
O cansaço desaparecia com os cânticos em coro. é, antes de mais nada, vida - Jesus, como criança,
De espaço a espaço, nas voltas dos caminhos, olha- avantajava-se muito aos seus contemporâneos, pres-
vam para o trajecto percorrido para ver quanto cindindo mesmo, por completo, da sua ciência infusa
tinham andado, e olhavam para diante, a ver quanto e divina.
lhes restava para andar. Nos alforges e malas de via- Que atenção prestava em Nazaré, sempre que
gem empoeirados, tilintavam os timbales e outros uten- ouvia qualquer palavra a respeito da Lei de Deus, do
sílios, ao chocarem uns contra os outros. Templo, ou do culto divino no Templo! Tudo isto, que
As crianças e a gente grande das casas próximas Ele havia profundamente gravado na alma, despertava
saíam ao caminho a saudar, com manifestações de e agitava-se de novo no caminho de Jerusalém, res-
júbilo e olhares de simpatia, os peregrinos que passa- surgindo para uma nova vida. Porém ressurgia trans-
vam. Alguns que entendiam os salmos faziam coro e formado. Jesus tinha enriquecido seus conhecimentos;
~compa~havam os romeiros durante algum tempo, se não via as prescrições da Lei isoladamente, mas con-
e que nao se encorporavam na peregrinação. A uma siderava-as no seu conjunto e em ordem ao fim para
dessas caravanas intermináveis de peregrinos se jun- que foram dítadas.
tou Jesus na idade de doze anos e nela teve impres- Tudo quanto se passava na peregrinação era
sões mais vivas que qualquer outro peregrino de observado por Jesus com mais penetração, com vista
Israel, em tempo algum. de maior alcance, que todos os outros. Escutava-se, de
Quando partiram da fonte de Nazaré, onde enche- certo modo, a sí mesmo e um pensamento único o
ram os cântaros de água e deram de beber aos ani- absorvia: O Templo! Aquele era o lugar onde Deus
mais, a sua alma comoveu-se profundamente, e esta Pai habitava; ali podia-se orar com mais eficácia do
comoção tornava-se tanto mais forte, quanto mais se que em casa ou na sinagoga. Era, além dísso, o único
aproximava de Jerusalém. lugar onde se podiam oferecer sacrifícios. Matavam-se

238 239

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...,......,,_......,..,.__.,.,;
§' MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

animais sem mancha e queimavam-se sobre o altar Que experimentaria Jesus ao ver o altar dos
diante do Sancta Sanctorum, em testemunho de que holocaustos, quando os simples homens se sentiam
Ele era o Senhor e de que os filhos de Israel se con- tão comovidos ao contemplá-lo ! O rio de sangue que
fessavam pecadores. ali corria, século após século, sem deixar nunca de
Na esfera das experiências humanas, não tinha correr, era uma confissão da natureza pecadora, ao
ainda Jesus, durante as peregrinações, ideia clara das f mesmo tempo que reconhecimento da sua impotência
consequências que havia de ter o seu primeiro encon- :~ para lhe dar remédio. Se o sangue das vítimas sacri-
tro com o Pai. De sorte que, enquanto homem, não 'Í ficadas tivesse o poder de purificar os homens dos seus
tinha planeado separar-se de seus pais e ficar em pecados, sem dúvida que, o que ali se derramava,
Jerusalém. Sentia apenas que, por momentos, o amor teria sido bastante. Milhares de cordeiros foram mortos
de Deus se ia apoderando de sua humanidade, duma naquela ocasião, no dia da ceia pascal. Várias vezes
forma até então desconhecida para Ele. se encheu e se esvaziou aquele espaçoso recinto.
O processo misterioso seguiu seu curso até que Sangue, sangue e sempre sangue. É que todos esses
Jesus, o peregrino de doze anos, entrou no Templo. sacrifícios não eram mais que um símbolo e uma
Não reparava somente no seu exterior, como o faria representação do que havia de vir. E o sacrifício que
qualquer criança da longínqua Galileia que, pela pri- havia de vir era Ele mesmo, Jesus. E Jesus era tam-
meira vez, viesse a Jerusalém e contemplasse aquelas bém o Sumo Sacerdote deste sacrifício.
soberbas construções. Jesus penetrava todo o alcance A alvura das paredes do Templo despedia luz;
daquela disposição. O pátio dos gentios não era para o seu ouro despedia fogo. Jesus contemplava, imóvel,
Ele o lugar onde se vendiam as vítimas, previamente a entrada misteriosa com o seu grande véu. Acolá,
examinadas, mas sim o símbolo de todos os povos no Sancta Sanclorum, habitava Deus! Na sua alma não
serem chamados a adorar o Deus de Israel, o Criador havia mais que este impulso: Vou ter com Ele! Dir-
do céu e da terra. -se-ia que a sua vida passada tinha sido uma prepa-
Chegou à grade onde estava afixado este aviso : ração para este momento, e que agora tudo se mudava
« Nenhum gentio pode atravessar o muro ou cerca. e transformava , tomando enormes proporções. A cada
Aquele que o fizer, lavra a sua sentença de morte " ! hora que passava naqueles dias, no Templo, sentia que
'11 Os curiosos acotovelavam-se naquele lugar; não era se ia transformando mais e mais. Não podemos fazer
direito dos homens, mas sim graça de Deus, que os ideia do ardor com que o amor de Deus o inflamava.
filhos de Israel se pudessem aproximar, mais que os Tinha uma única aspiração - a de substituir todos
outros, do Sancta Sanctorum ... aqueles sacrifícios por outro melhor, a de tornar supér-

-r. •r
--- :· ~ __.~ .. ..
JZN~~, ..,.~ ,.. ,..,.~X!.'~-R<r~ ;::::'!"~~~ ~~~l\'llUIH")l:•..,,• r.;@i-~,o. ,'la"".1'7.!l"llll.r.Jj~-7

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1
-:::-,==io d~:::·,:::c~:
cruento, de maior valor e de mais eficácia. Se pudesse
JESUS
' .e
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já ficar no Templo e oferecer-se e sacrificar-se pela
honra de Deus! Ser sacerdote, poder ser já aquele
.
e
5:
..a
Sumo Sacerdote que entra com sangue no Saneia "
Sanctorum e que, mais do que um simples símbolo,
tirasse realmente os pecados do mundo ! Este era o
seu posto, por toda a eternidade! A sua oração, for-
mulada com palavras era ao mesmo tempo uma oração
o

DESCRIÇÃO DAS GRAVURAS

Estas mulheres estão a bordar. O costume de bordar a orla dos


vestidos e de enfeitar-lhes as mangas e o peito com rendas, remonta
aos tempos mais antigos. Aquelas que seguiam este costume, dentro de
certos limites, não eram censuradas. É, pois, de supor que Maria tam-
bém o fizesse, bordando para si e para fora.
Se durante a juventude esteve no Templo, como é de supor,
ocupou-se principalmente em compor as alfaias sagradas e ficou exer-
citada neste trabalho.

Quem não prestasse muita atenção, dificilmente saberia que esta


mulher leva um filho às costas.

"""e
A criança está embrulhada em mantas. Destas partem duas tiras
que passam pela cabeça da mulher que aguenta o peso todo.
Nesta posição a criança está muito mais comodamente do que ao '"'
..,,,"
colo da mãe. e
..,,,"
A n6s causa-nos certa impressão, por não estarmos acostumados ...o
a ver semelhante maneira de condução. ==i

Repugna-nos talvez pensar que também Maria tivesse levado


assim o Menino Jesus. Mas é naturalmente isso que deve ter aconte-
cido. A mulher leva à cabeça uma porção de utensílios. Na mão leva
a roca e o fuso .

242

Fct. Raad

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MAKIA, MÃF DE JESUS

sem palavra.s. Tratava-se de coisas que não se podem


exprimir por palavras.
Uma coisa lhe permitia o Pai : assim como mais
tarde havia de estar três dias no sepulcro, assim agora
podia retirar-se, durante três dias, da sua vida oculta
de Nazaré, a uma vida que se desenrolava, a sós, entre
seu Pai e Ele.
O que acabamos de esboçar - e não podemos
fazer mais do que esboçá-lo - transpareceu exterior-
mente no modo de proceder de Jesus.
Maria, cuja alma vivia em estreita intimidade com
a de seu Filho, observava-o com toda a diligência e
adivinhava, melhor do que ninguém, a mudança que
n'Ele se operava. Deste modo conheceu agora que
Jesus se extasiava no Templo com a proximidade de
Deus - e ver isto e crescer Ela mesma no amor a
Deus e a seu Filho divino , era uma só coisa.
Como esta foi a primeira vez que Maria peregri-
nava com Jesus a Jerusalém - pelo menos, assim é
de supor - se avivaria em seu coração a lembrança
do dia em que, em seus braços, o levou ao Templo.
Simultâneamente lhe viria à ideia que Jesus, no ano
seguinte, faria a mesma peregrinação já « de maior
idade », no sentido religioso, como « filho que já era
da Lei » ; pelo que já não o teria tão perto de si
como filho.
Enquanto estava no Te mplo com Jesus a seu lado,
enquanto orava e acompanhava o sacrifício, ia-se des-
pedindo interiormente d'Ele, « do menino de menor
idade » para os efeitos da Lei.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Uma última vez mais, a última, o oferecia Maria Nas horas livres daqueles dias de festa, levava-se
a Deus enquanto era ainda « seu Filho » ; oferecia em Jerusalém uma vida especial de trabalho que, não
aquele Jesus que estava orando junto de si, arroubado obstante, estava penetrada do ambiente religioso.
em Deus e penetrado da sua presença, e oferecia Os peregrinos sentavam-se diante das portas, tiravam
a sua vida com tudo o que a profecia de Simeão as sandálias da viagem e consertavam-nas; tinham
encerrava de penoso para Ela e para Jesus. Na sua que reparar os tacões gastos e quase partidos nas
alma passava-se alguma coisa que não se pode des- pedras e seixos esquinudos do caminho. Pior ainda
crever, ao mesmo tempo que a de Jesus estava cheia eram as solas sem tacão e as sandálias de cascas de
de mistérios inenarráveis. Jesus e sua Mãe ofere- árvore ou de raízes. Também era necessário remendar
ciam-se ao mesmo tempo ao Altíssimo. Era este, aos os vestidos, unir costuras e tapar buracos.
olhos de Deus, o primeiro resplendor do espírito de Onde se hospedaram Maria e José com o Menino?
sacrifício que os uniria a ambos no monte Calvário. Certamente não mudaram de alojamento cada ano, a
À preparação interna para a redenção , devia julgar pelo que acontece agora nas peregrinações
seguir-se também agora uma prova dolorosa e um periódicas do povo simples.
prelúdio terrível daqueles dias, ainda distantes, em A Lei não mandava que os peregrinos permane-
que o Filho se revelaria como Redentor «no sacrifício cessem os oito dias em Jerusalém, durante as festas
da sua vida, e a alma da Mãe ficaria atravessada por da Páscoa. Contudo, precisamente para os que vinham
uma espada de dor ». Com insensível e estranha pres- de regiões longínquas, não lhes vinha mal um tempo
teza trocava-se a alegria da. festa em angústia amarga de repouso, depois de longas caminhadas. José e
Maria ficariam, pois, provàvelmente na cidade toda
e inquietante tristeza.
a semana das festas. O último dia delas equipa-
rava-se a um sábado. Era como a repetição de alguns
O MENINO PERDIDO E ACHADO NO TEMPLO dos nossos dias santos, como S. Estêvão, segunda-
-feira de Páscoa, segunda-feira de Pentecostes. No
Seus pais pensavam que ele se encontrava entre os compa·· dia seguinte começava o regresso das caravanas. As
nheiros de viagem. No fim de um dia de jornada, procuraram-no centenas de milhares de peregrinos não podiam sair,
entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram naturalmente, todos duma vez. Da confusão que ali
a Jerusalém à sua procura. No terceiro dia acharam-no no Tem-
plo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e interrogando-os 1_
reinava, produzida pela presença de elementos tão
heterogéneos - jumentos, camelos, liteiras, arrieiros,
negociantes e artistas - pode dar-nos uma ideia a
l Luc., 11, 44-50 .

245
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MARIA, 'MÃE DE JESUS
•1··_. MARIA, MÃE DE JESUS
..

partida das caravanas de maometanos para a pere- ciclos. Ninguém tinha visto o Menino Jesus durante
grinação do Nebi-Musa. a viagem!
Os caminhos que saíam de Jerusalém eram ocu- Tinham que voltar a Jerusalém. Provàvelmente
pados, horas e horas, pelas caravanas que se sucediam seguiriam naquela mesma noite.
como números de uma série. A princípio iam confun- A Páscoa celebrava-se no primeiro plenilúnio da
didas umas com as outras, depois separavam-se em primavera e, por isso, as noites que se seguiam às fes-
grupos, que se concentravam mutuamente. tas eram de lua. cheia. Além disso, os caminhos das
Os orientais tinham a sua técnica de viagem, que proximidades de Jerusalém estavam frequentados,
tudo previa e prevenia. Antes de mais, estava estabe- naqueles dias, até muito tarde. A princípio suporiam
lecido que a primeira jornada seria mais curta, por que Jesus tivesse ficado para trás. Em Jerusalém pro-
não se sair antes do meio dia. Combinavam previa- curaram-no primeiramente no lugar onde tinham
mente o ponto em que se haviam de reunir, a hora da comido o cordeiro pascal; perguntariam aos parentes,
partida e o termo da viagem. Se alguma coisa esquecia, conhecidos, amigos, comerciantes e artistas.
se alguém chegava tarde, se alguém se separava do Quando Maria via ao longe um menino da idade
seu grupo no caminho, eram contra-tempos que deste de Jesus, pulava-lhe sobressaltado o coração. De novo
modo se remediavam fàcilmente . se cumpriam as palavras de Simeão: « Uma espada
Numa destas caravanas começaram José e Maria de dor atravessará o teu coração ». Teria chegado
o seu regresso a casa, no fim das festas. Como José e agora, inesperadamente, esse momento?
Maria, também Jesus ouviu marcar dia, hora e lugar « Depois de três dias» ou, como costuma dizer-se,
da partida e o ponto de reunião na primeira pou- ao terceiro dia, encontraram o Menino no Templo.
sada. A um adolescente de doze anos costumava Até então tinham pensado, José e Maria, não só que
dar-se ampla liberdade de movimentos, pois no ano tinham perdido a Jesus, mas que Jesus os tinha per-
seguinte, na próxima peregrinação, já tinha que res- dido a eles.
ponder por si mesmo. De mais a mais, tratando-se A ideia de que seu Filho andava suspirando por
de Jesus, não havia que recear qualquer abuso de os encontrar atormentava-os dia e noite. Por isso o
liberdade. encontro do Menino foi para eles como se se houves-
Quando se reuniu a caravana no lugar combinado sem transportado a um outro mundo, com um outro
para o descanso nocturno, todos procuraram os seus ; Jesus.
todos, menos Jesus. José e Maria procuraram-no por Os rabinos costumavam comentar, no Templo, as
toda a parte, perguntando por Ele a parentes e conhe- Sagradas Escrituras nos dias festivos. Para a gente de

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.• fora de Jerusalém era esta a única ocasião em que mestre afamado de Alexandria, que se demorasse
I. podiam ver e ouvir os mestres mais famosos. Os ouvin- algum tempo em Jerusalém.
~ tes sentavam-se em esteiras, à volta dos mestres, de Nestas circunstâncias o encontraram José e Maria,
fi pernas cruzadas e com os olhos cravados neles ; cos- depois de muito o terem procurado.
~ tume que ainda hoje se observa no Oriente. O primeiro pensamento de Maria devia ser: Jesus
O mestre sentava-se num tamborete, com o rolo não se perdeu, mas abandonou-nos ! Que fosse este o
diante de si - no regaço. A discussão entre o mestre seu primeiro pensamento, mostram-no as suas pala-
e discípulos era parte essencial da instrução. Era essa vras: « Filho, porque fizeste isto? Te u pai e eu andá-
discussão que substituía, de certo modo, os livros de vamos à tua procura, cheios de dor ! »
texto. Por isso diz-se que o bom discípulo « não inter- Jesus respondeu : « Porque me procuráveis? Não
rompe os que falam, nem responde com precipitação ; sabeis que devo ocupar-me dos negócios de meu Pai? »
faz perguntas referentes ao assunto e responde conve- O Evangelista observa que Maria não compreendeu,
nientemente ; guarda a ordem lógica das ideias e con- por então, o que Jesus queria dizer. Mas, se quisermos
forma-se com elas ; se há coisa inédita para ele, diz : ser sinceros, devemos confessar que também nós o
é a primeira vez que o ouço e reconheço a verdade ». não compreendemos com a devida precisão.
Era frequente encontrarem-se entre os assistentes « Porque me tendes procurado? » Esta pergunta
alguns que se sujeitavam inteiramente a estas normas. não é tão simples como pode parecer. Queria dizer
De um rabino se conta que beijou uma criança Jesus que José e Maria não o deviam ter procurado?
porque falou prudentemente dizendo : « F elízes de vós, Ou, talvez, que deviam ir directamente ao Templo e
os Israelitas ! Sois todos grandes letrados desde os que só ali devia ser procurado ?
maiores aos mais pequenos ! » É necessário ponderar também o que Jesus acres-
Deste modo devia ter falado o rabino em cujo centa : «Não sabeis ... ? » Logo, no primeiro instante em
grupo estava o Menino Jesus. Jesus perguntava e res- que se puzeram à sua procura, deviam saber que Ele
pondia ; e as suas perguntas e respostas causavam tinha de cuidar « dos negócios de seu Pai ». Estas últi-
grande espanto, pela profunda sabedoria que demons- mas palavras de Jesus significavam, nos seus lábios,
travam. que, em conformidade com a vontade de seu Pai
O letrado, profundamente maravílhado, não pôde Senhor do Templo, no Templo devia ter ficado. '
deixar de chamar a atenção dos seus colegas para o Seja, porém, qual for a interpretação que se der
futuro mestre de Israel. Destacaram-no do grupo e a estas frases, há um facto que fundamenta qualquer
sentaram-no no meio deles, falando-lhe como a um interpretação: Que Jesus, diante de José, seu pai 1
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legal, fala de outfrodPai, « Seu Pai " e isto no Te mplo, das suas relações e modo de proceder com Jesus; e, .~
~ depois de lá ter ica o. por isso, que não era capaz de encontrar, por si ~
i Qualquer jovem bem educado de Israel, teria mesma, e de improviso a maneira de agir em situa-
.\: i respondido a seus país pedindo-lhes perdão. Jesus ções destas .
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1 não o faz. Contudo, as suas palavras não são tão Coisa parecida ao que aconteceu na perda de
'I desabridas como parecem à primeira vista.
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li Em circunstâncias como estas, o sentido verda- Maria viu seu Filho apresentar-se em Caná, preconi-
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1 deiro depende, sobretudo, da entonação da voz e da zado como Messias por João Baptista.
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expressão do rosto, principalmente entre Mãe e Filho. Para José e Maria foi consolo e surpreza encon-

'1. O Evangelista chama à resposta de Jesus uma trar Jesus e voltar com Ele para Nazaré.
11
:1, « sentença » ; portanto não se trata de locuções vulga- Não seria mais acertado que Ele se juntasse a
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res, mas dum modo de falar semelhante às sentenças algum rabino de Jerusalém e ficasse nas proximidades
''i' dos profetas. do Templo?! Mas não; foi com seus pais para Nazaré.
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Nesta sentença de Jesus há um pormenor digno Passada a aflição desse extravio, novas angústias
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de consideração. Foi ali, no Templo, que J esus decla-
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rou expressamente e pela primeira vez, diante de
os esperavam no seu regresso a Nazaré. Que respon-
der aos curiosos que apareciam às portas a perguntar:
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11:. Maria e José, que o Pai do Céu era o seu Pai, que a « Que tempo andastes à procura ? Onde o encontras-
11 1' Ele se referiu como a Senhor Supremo. tes? » Que o encontraram no Templo não havia dificul-
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Maria e José conheciam o mistério, mas, como dade em o dizerem . Não diriam, porém, o que Ele
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Jesus levava uma vida tão oculta, não imaginavam lhes respondeu e que eles não tinham entendido : « Não
que Ele deixasse transparecer externamente como sabeis que devo cuidar dos interesses de meu Pai ? ,.
Ili: que uma irradiação da sua filiação divina, e que a ela Não podiam comunicar esta resposta de seu Filho, que
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mesma fizesse alusão. E a divindade de Jesus mani-
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eles próprios não entenderam e que os outros podiam
interpretar mal.
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No Evangelho se refere também que José e Maria em que moravam e nas das ruas vizinhas! Para o ava-
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE TESUS

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legal, fala de outro Pai, "Seu Pai» e isto no Templo, ;

depois de lá ter ficado. por isso, que não era capaz de encontrar, por si
Qualquer jovem bem educado de Israel, teria mesma, e de improviso a maneira de agir em situa-
respondido a seus país pedindo-lhes perdão. Jesus ções destas.
não o faz. Contudo, as suas palavras não são tão Coisa parecida ao que aconteceu na perda de
desabridas como parecem à primeira vista. Jesus no Templo, repetiu-se, anos mais tarde, quando
Em circunstâncias como estas, o sentido verda- Maria viu seu Filho apresentar-se em Caná, preconi-
deiro depende, sobretudo, da entonação da voz e da zado como Messias por João Baptista.
expressão do rosto, principalmente entre Mãe e Filho. Para José e Maria foi consolo e surpreza encon-
O Evangelista chama à resposta de Jesus uma · trar Jesus e voltar com Ele para Nazaré.
« sentença » ; portanto não se trata de locuções vulga- Não seria mais acertado que Ele se juntasse a
res, mas dum modo de falar semelhante às sentenças algum rabino de Jerusalém e ficasse nas proximidades
dos profetas. do Templo?! Mas não; foi com seus país para Nazaré.
Nesta sentença de Jesus há um pormenor digno Passada a aflição desse extravio, novas angústias
de consideração. Foi ali, no Templo, que Jesus decla- os esperavam no seu regresso a Nazaré. Que respon-
li rou expressamente e pela primeira vez, diante de der aos curiosos que apareciam às portas a perguntar :
)1
Maria e José, que o Pai do Céu era o seu Pai, que a « Que tempo andastes à procura ? Onde o encontras-
1
Ele se referiu como a Senhor Supremo. tes?» Que o encontraram no Templo não havia dificul-
1
Maria e José conheciam o mistério, mas, como dade em o dizerem. Não diriam, porém, o que Ele
1
Jesus levava urna vida tão oculta, não imaginavam lhes respondeu e que eles não tinham entendido : « Não
11
que Ele deixasse transparecer externamente como sabeis que devo cuidar dos interesses de meu Pai ? » 1:
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que uma irradiação da sua filiação divina, e que a ela Não podiam comunicar esta resposta de seu Filho, que
mesma fizesse alusão. E a divindade de Jesus mani- eles próprios não entenderam e que os outros podiam
1 festou-se pela primeira vez de tal forma que o subtraía interpretar mal.
ao domínio de sua Mãe. O que é que se não diria então nas casas da rua
No Evangelho se refere também que José e Maria em que moravam e nas das ruas vizinhas! Para o ava-
não entenderam o que Jesus lhes disse. Esta observa- liar basta observar o que se passa em cidades peque-
ção tem um peso definitivo. Realmente, a resposta de nas, quando acontece alguma coisa fora do comum,
Jesus mostra claramente que Maria não tinha tido, até como todos se interessam pelo caso, como o apreciam,
então, nenhuma revelação extraordinária a respeito como o explicam.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Tudo isto Maria e José tiveram de deixar correr. assiste à cabeceira de seu filho enfermo ; é alta noite
Toda a parentela se sentiria de novo envergonhada e está sozinha com ele. O suor banha-lhe a fronte
por causa deles. Pois a permanência de Jesus no juvenil - não se sabe ao certo se é sinal de vida ou
Templo não foi só uma revelação para os rabinos, prenúncio de morte ; a respiração vai-se tornando
não; foi-o, também, para Maria e José e para seus cada vez mais fraca. Essa mãe não pode reconhecer
se é sono reparador ou se é a morte que se apro-
parentes.
Para Maria foi o primeiro prenúncio do abandono xima; sons imperceptíveis assomam-lhe aos lábios -
na cruz, quando Ela, por estar tão intimamente unida . serão sinais de vida ou o suspiro da morte? Mas, de
a Jesus e conhecer os seus segredos, não havia de repente, quando parece que toda a esperança se dis-
sipa, o filho abre os olhos, faiscando neles o brilho
poder justificá-lo diante dos homens.
de uma pessoa que volta à vida.
No coração da mãe nasce agora um amor novo,
um amor completamente diferente do que até então
MARIA DEPOIS DA VOLTA DA PEREGRINAÇÃO tinha a esse filho, as suas relações para com ele trans-
DA PÁSCOA formam-se para sempre, ainda mesmo que ela, depois
de passados os primeiros dias, já não dê por isso.
'Jesus veio com eles para Nazaré Este progresso e transformação do amor opera-
e obedecia-lhes. Sua Mãe guardava
ram-se também em Maria, depois do encontro de .Jesus
todas estas coisas em seu coração.
(Luc., II, 51). 1 e do regresso de ambos a Nazaré. É claro que esta
transformação foi singular.
Jesus não se tinha restabelecido de enfermidade
l «Jesus veio com eles e foi para Nazaré e obede- cuja natureza e desenvolvimento se conhecessem sufi-

i
};
cia-lhes ». Estas palavras podem levar-nos a crer que
a vida em Nazaré, depois do incidente misterioso da
Páscoa, era a mesma que antes. Porém, nada mais
falso .que esta suposição.
A vida comum, depois daqueles dias tormentosos,
cientemente, de modo que, em caso de recaída, se
pudesse prevenir a tempo.
Jesus tinha-se separado de sua Mãe, de modo
completamente inesperado e, quando Maria o encon-
trou de novo, deu uma tal explicação do seu modo de
era completamente diferente da anterior. proceder, que tornava o futuro vacilante e incerto.
Nada transforma e intensifica tanto o amor a uma Não podia dar-se outra separação, como a de Jerusa-
pessoa como o tê-la perdido algum tempo. Uma mãe lém, sem Jesus os avisar, como fizera antes? Por isso,

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252

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li ·
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,. MARIA, MÃE DE JESUS

I'

a partir de então, o amor de Maria para com Jesus


estava misturado com um sentimento de inquietação -
1 era um misto de dor e receio.
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1
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DESCRIÇÃO DA GRAVUR A

-~~;:L:/~
' Nazaré tem uma fonte de água viva, isto é, corrente . Foi, certa·-

T~
1
1: 11 mente, por isso, que aí se construiram habitações.
1
li No veráa vai-se à fonte o mais cedo possível, quando o calor
' 1
11 não é ainda muito grande. Por isso, a essas horas, a fonte é muito fre-
'11' quentada.
y1· Na gravura vêem-se as pessoas que, mais ou menos, ali se reunem.
J,·:
,:.11 Na primeira fila está uma rapariga com uma cesta de roupa à cabeça.
' il1il: Vê-se claramente como todo o peso assenta sobre a rodilha .
' I•
A que está a seu lado tem na mão uma lata de petr6leo (vão
11111
li' 1 desaparecendo as antigas ânforas tão graciosas) que levava à cabeça.
1 !'Ili·' A rodilha que tem na mão parece um chapéu dos que se usam agora.
111:1\ Mais adiante, na direcção do poço, aparece uma mulher que está
[d a tirar a ânfora da cabeça. M ais adiante ainda, uma outra mulher tem
à cabeça uma grande trouxa de roupa. Junto a esta está um jumento
il' parado e. apetrechado com umas cangalhas, à espera das ânforas com
l111:11:' I que veio à fonte. Junto à fonte aglomera-se a gente procurando oca-
sião de encher os cântaros.
1:1
.1 , A fonte é também lugar de reumao do rapazio. Um deles está
11,
sobre a parede, desejoso de que a mãe chegue depressa. Deste modo
li'
1 1
'1
111
esperava o Menino Jesus a vinda de sua Mãe.
Os restantes escalaram o arco da fonte onde se escarrapacharam.
11: Sabem que se lhes vai tirar uma fotografia e alguns procuram uma
~1,1 posição que lhes garanta um bom retrato.
~ :~
li1i1
Um péis o gorro atravessado. A fotografia é recente, porém, no
tempo de Jesus, como agora, era o poço o lugar de reunião da petizada.
!111'
1 E Maria, aquela mulher reservada, circunspecta, e Jesus, o menino
111
bem educado e grave, sofreram, sem dúvida, travessuras dessa garotada.
l1,,i::
'I'
Junto à Font! de Nazaré

111:1
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1111 XVI - 25 4
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. . li http://www.obrascatolicas.com
MARIA, MÃE DE JESUS

Cada dia que se passava nas duras lides da casa


girava à volta daquele sucesso do Templo e era um
11
1
mistério a mais. Maria não pôde ter mais paz em seu
,1
espírito : hoje, amanhã, daqui a um ano acontecerá
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.,'1'
outro tanto. Passavam os dias sem nada de particular,
1:
·1
: 1
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;[ 1
l mas nisso mesmo estava o mistério para eles. A obe-
diência de Jesus era tão enigmática como a sua a pa-
rente desobediência ao ficar no Templo.
A perplexidade de Maria, ao procurar o Menino
li perdido, não desapareceu mais por completo. A ale-
gria e a dor que Jesus lhe causava corria parelhas
c om o seu amor.
Não era possível adormecer aquela preocupação
ou ocultá-la completamente; para o conseguir seria
necessário atraiçoar a sua alegria ou o seu amor.
O povo conserva em quadros e lendas toda a
sorte de maravilhas da vida oculta de Jesus. Entre
elas tem lugar proeminente esta cena: Jesus traba-
lhava na oficina de seu pai adoptivo, como costumam
fazer as crianças que imitam os maiores. Com dois
pedaços de madeira construía uma cruz. Maria e José
contemplavam-no pensativos. No mundo espiritual,
não foi só uma vez que se deu esta cena ; todos os dias
acontecia alguma coisa parecida. Não passava dia
nenhum sem Maria meditar nas palavras do velho
Simeão prenunciadoras dos sofrimentos e dores que
esperavam seu Filho.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
t~ '

Jesus. Maria já não se podia satisfazer com as pre-


ces litúrgicas ; delas dirigia seus pensamentos a
A VIDA DE MARIA NO AMBIENTE DOS SALMOS Jesus, e, pensando n'Ele, tinha de se lembrar dos
(DURANTE A VIDA OCULTA) Livros Santos que d'Ele tratavam expressa ou vela-
damente.
Todos aqueles fragmentos sagrados que tinha
Um dos fenómenos mais notáveis da vida de
assimilado lentamente, pois os tinha sempre presentes
Maria é, como temos dito, a transformação que n'Ela
no pensamento e no coração, fruto dum trabalho de
se operou no decorrer da sua existência, a respeito
toda a vida, haviam-se consubstanciado intimamente
das orações, cânticos e salmos. Sendo ainda menina,
com Ela.
sendo já donzela, tinha orado como muitas e muitos
Não conhecia, é certo, em todas as suas minu-
Israelistas piedosas, Isabel e Ana, Zacarias e Simeão.
dências, o significado daquelas palavras misteriosa-
Suspirando ardentemente pelas consolações de Israel,
mente obscuras, nem como se poderiam harmonizar
pelo Redentor, tinha assimilado as palavras da Escri-
numa única vida de seu Filho, tristezas e alegrias,
tura que se referiam ao Messias vindoiro. Agora,
derrotas e triunfos. Às antigas profecías havia-se jun-
durante a vida oculta, sabia que Jesus, seu Filho, era
tado uma que se aplicava a si mesma e que se referia
o Redentor prometido. Ouvia recitar os mesmos sal-
concretamente aos dias de luta e sofrimento do Mes-
mos, e os rezava também: no princípio de cada ano
sias e de sua Mãe. « Uma espada atravessará a tua
tornava a ouvir os mesmos fragmentos dos livros his-
própria alma ! » lhe anunciara Simeão. Esta profecia
tóricos e proféticos. Porém, tudo se tinha mudado
operava agora na alma de Maria como um íman pode-
misteriosamente. Enquanto que os outros rezavam as
rosíssimo.
orações como no tempo passado, e cantavam os sal-
Todas as passagens proféticas da Escritura que
mos como o tinham feito sempre, para Maria o sentido
falam do « Homem das dores», dos escárneos e tor-
de tudo isso havia evolucionado.
mentos, dos insultos e abandono, eram atraídas a si
Para todos os outros, essas orações continuavam
1 por esse íman.
a ser o único conhecimento que tinham da vinda do
Para ter uma ideia aproximada de como se trans-
>' Messias ; a elas se deviam ater se queriam conhecer o
futuro. Para Maria, pelo contrário, as orações já não
formavam, na mente e no coração de Maria, as velhas
profecias e cânticos, convém percorrer, sem perder
eram o ponto de partida nem o centro desse conhe-
de vista esta transformação, os salmos que já atrás
cimento. O centro a que se referiam todas as pala-
apresentámos como messiânicos e alusivos ao Reden-
vras, anelos e predições dos profetas, era seu Filho

17 257
256

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_______________________,..,
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

r . Ela ao ler agora no salmo 109 meditar as palavras referentes ao Messias : « Engen-
tor. Que pensaria
esta passagem ? drei-te antes da estrela da manhã » ? Não seria Ela a
primeira que as compreendeu interiormente, sob o
Disse o Senhor ao meu Senhor : influxo do Espírito Santo? A primeira que pôde dizer:
Senta-te à minha direita «Isto já se cumpriu»? Ela, a única a ter conhecimento
Até que ponha os inimigos
da incarnação do Filho de Deus ! E cheia de santo
Como escabelo dos teus pés.
respeito, procuraria penetrar o mais possível no que
De Sião estende, Senhor, ainda era obscuro: « Tu és sacerdote eterno, segundo
O cetro do teu poder ; a ordem de Melquisedeque » ! Que sentido teriam estas
Domina como rei palavras? Quando é que se cumpririam em seu
No meio dos teus inimigos.
Filho que trabalhava como carpinteiro, ocupado em
No dia do teu poderio fazer arados, em aplainar caixilhos para portas e
És rei no esplendor da santidade, janelas?
Das minhas entranhas te engendrei Uma coisa podia comprovar já então. Eram as
Antes da estrela da manhã. primeiras palavras do salmo, tão solenes e tão miste-
riosas : « Disse o Senhor ao meu Senhor : senta-te à
O Senhor jurou,
E não se arrependerá : minha direita até que ponha os teus inimigos como
" Serás sacerdote eterno escabelo dos teus pés ».
Segundo a ordem de Melquisedeque>. Estas palavras referiam-se ao mesmo sucesso
futuro que anunciara o anjo Gabriel ao dizer-Lhe:
O Senhor à tua dextra
Derrota por si mesmo os reis ;
«O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David.
No dia da sua c6lera. Dominará e será rei na casa de Jacob, eternamente, e
Chama as nações a juízo. o seu reino e soberania não terão fim ».
Aqui como ali fala-se da hora em que Jesus subi-
No grande campo de batalha ria ao trono régio, prometido por Deus, para inaugurar
Esmaga as suas cabeças.
a sua realeza eterna. E, com a realeza, pertencia-lhe
Beberá da torrente
E erguerá a sua cabeça. também o sacerdócio eterno. « Tu és sacerdote eterno
segundo a ordem de Melquisedeque » !
Que sentiria ao ler esta passagem de David : Por outro lado, ao considerar o salmo 21, o seu
« Disse o Senhor ao meu Senhor»? Que pensaria ao coração estremecia com perguntas cheias de temor.
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\\:r.•;::.->. ·.-.~.»ii!'~~"-.;: ; ·:!O.'<'.f~:IC!.~i.:l: ::.~:1r.-.;(l".u;;<.:J;-;<;<c}c.'L-=:-·,o.~.-;~~iõ~~.:it.:S''; ~..,,,. :~;::.õ:3l· 1"'-"1t-~~

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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

Nele havia uma passagem que lhe dizia respeito como


se fosse escrita por causa d'Ela : E imediatamente depois da alusão à Mãe, seguia-se
' ,. a exclamação duma queixa aterradora.
:
' ,.
1 Se tu és meu protector desde o seio de minha mãe.
Quem me mandou confiar desde que Ela me amamentava; Não te afastes de mim, a tristeza esmaga-me com seu peso
Desde que saí à luz, a Ti fui confiado, E ninguém vem em meu auxílio !
Desde o seio materno, tu és meu Deus . Rodeiam-me cães, em matilha,

Porém - oh dor! - tais palavras eram precedidas


""
1
1 Cerca-me um bando de malvados,
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
E contaram todos os meus ossos.
de frases tão inquietantes como estas : j Olham-me e saciam-se em mim.
1

M D eus meu Deus ! porque me abandonaste?


eu ' d . 1 .
Não tenho outro auxflio senão o clamor a mtn 'ª queixa. Como seria a realidade, quando todas estas coisas
Meu Deus! Invoco-te durante o dia e não me atendes, se realizassem em seu Filho ?
E nem sequer durante a noite me posso calar.
E, não obstante, tu és o Santo E aquele começo terrífico : « Meu Deus, meu
E reinas até aos confins de Israel. Deus, porque me abandonaste? Porque não ouves as
Em ti confiaram nossos pais, minhas queixas ? »
Confiaram e protegeste-los. «Também a tua alma será atravessada por uma
A Ti clamaram e salvaste-los,
espada » 1 tinha profetizado Simeão. Não faria ele
Em Ti confiaram e não os defraudaste.
referência ao mesmo acontecimento futuro da vida
Porém eu sou um verme e não um homem ; de Jesus, de que rezam as palavras do salmo 21 ?
Ludíbrio da gente, Os mesmos sentimentos que este salmo suscitou em
Escárneo do povo.
sua alma, deviam ter-se juntado, numa mesma cor-
Porque todos os que me vêem me escanecem,
Movem os lábios e agitam a cabeça rente, aos que nela despertou a profecia de Simeão.
"Confiou em Deus: que Deus o salvei ; O salmo adquiriu vida em Maria, declarada a Mãe
Que Deus o socorra, se o ama tanto > . das Dores.
Derramei-me como água,
E os meus ossos se desconjuntaram,
Mas nem as lamentações ficaram em lamentações,
O meu coração ficou brando como a cera nem as súplicas em súplicas. As tristezas transforma-
Derretido no meu peito. ram-se em alegria e as súplicas em fervorosas acções
Minha boca está seca como um tijolo, de graças.
E a minha Hngua pegou-se ao paladar
E conduziste-me até ao pó da sepultura.

260
26!

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MARIA, MÃE DE JESUS MARCA, MÃE DE JESUS

Diante dele se prostrarão


Anunciarei o teu nome aos meus irmãos ;
Todos os mortais.
No meio da assembleia te louvarei.
Também a minha alma viverá para ele,
V 6s os que temeis ao Senhor, louvai-o!
E a geração futura o servirá;
Filhos de Israel, gloriíicai-o !
Fala-se do Senhor
Porque ele não despreza
À geração que há-de vir
Nem desdenha Vêe'm e anunciam a sua justiça
A oração do humilde.
Ao povo que há-de nascer;
Não aparta de mim a sua face,
E que é obra das suas mãos.
Mas ouviu-o quando o invocou.
Para ti os meus louvores numa vasta assembleia,
Eu cumprirei os meus votos diante dos que te temem.
Estes prenúncios não só destroem as barreiras
Os pobres comerão a sua parte do sacrifício
entre judeus e gentios, mas também os limites entre
E serão saciados ;
Os que buscam ao Senhor, vão gloriíicá-lo, o presente e o futuro. Antevia-se ao longe um sacri-
O vosso coração lou vá-lo- á eternamente. fício em que todos haviam de tomar parte.

Aqui fala-se dum grande sacrifício em que toma-


rão parte os pobres e miseráveis de Israel, até se A MORTE DE S. JOSÉ
saciarem. E não são só eles ; também os gentios
haviam de estar presentes naquele banquete pascal.
Do período de tempo que decorre entre os doze
Assim como Simeão tinha exaltado o Salvador como
anos de Jesus e a sua aparição em público à idade
glória de Israel e luz dos gentios, assim agora reunia
de «trinta anos» aproximadamente, não temos nenhum
ali os israelitas e gentios no mesmo sacrifício, como
testemunho expresso das Escrituras. Contudo das nar-
sendo uma só comunidade.

l
rações do que se passou depois, podemos concluir
qual seria a situação de Jesus e Maria e as relações
Hão-de lembrar-se e converter-se de ambos Eles com seus parentes: José, o pai legal
Todos os confins da terra;
Hão-de inclinar-se diante de ti e adorar-te
de Jesus, morreu nesse intervalo ?
Todas as raças da gentilidade . Várias passagens do Evangelho o insinuam. Quan-
Do Senhor é a realeza. do Jesus foi pregar a Nazaré, o povo perguntava:
É rei de todos os povos ; .:Mas, então, não é este o filho de Maria? » Ordinà-
Diante dele se prostrarão ríamente os filhos não são designados pela relação da
Todos os grandes da Terra

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

maternidade senão quando a mãe está viúva, há muito sem para com Jesus. Se o olhavam com benevolência,
tempo. Sabemos também que a « gente de Jesus » o era completamente livre em seus movimentos. No caso
quis levar a casa. Ora não lhes podia ocorrer tal ideia contrário, qualquer coisa lhes serviria de pretexto para
em vida do pai legal ; pois era a ele que deviam ter o molestar. Qual foi, de facto, a sua situação, não o
recorrido. Segundo os costumes orientais, nenhuma sabemos ; porém, não vem fora de propósito pergun-
outra praxe seria admitida, durante a vida de José. , _._·, tar: até que ponto esteve Jesus sujeito às condições
Que José já não vivia ao chegar a morte do Sal- gerais da vida humana ?
vador, pode concluir-se, finalmente, do facto de Ele, Se os parentes não eram muito mais velhos do
na cruz, ter confiado a João sua Mãe. que Ele, pouco influiriam, neste período, na vida de
Que influência teve a morte de José na vida de Jesus e Maria.
Maria e de Jesus? Quais passaram a ser as suas rela- Quanto mais velho é um chefe de família, tanto
ções com os parentes ? mais venerado e respeitado é. Não é impossível que
Aos vinte anos Jesus era de maior idade. Se seu os parentes varões mencionados no Evangelho -
pai legal morreu antes, tanto Ele como sua Mãe Judas e Simão, Tiago e José, fossem realmente mais
deviam ficar sujeitos a uma tutela, quer fosse dum velhos, embora não muito mais do que Jesus. Mais
tutor verdadeiro, quer de algum parente mais qualifi- novos, é natural que nã.o fossem.
cado . Pelo contrário, se já tinha mais de vinte anos, A morte de José trouxe também uma grande modi-
tomou Jesus posse da herança de seu pai: tinha que ficação nas relações entre Jesus e Maria. José foi, até
dirigir a casa e o páti9, que eram considerados bens ao último dia da sua vida, o chefe da família e o pro-
à parte, e conservar as ferramentas que José deixara. tector da Virgem. E, por isso, juntamente com Jesus,
Ao mesmo tempo passava para Ele a obrigação natu- influía na vida de Maria, orientando- a .
ral de cuidar de sua Mãe. Maria recebeu a herança Com a morte de José, nem a Mãe nem o Filho
que, na ocasião do casamento, lhe foi assinalada como tiveram chefe algum a que estivessem sujeitos. Como
propriedade pessoal para os dias da sua viuvez. filho já maior, tinha Jesus agora de sustentar sua Mãe,
.• Enquanto Jesus viveu como carpinteiro em Na- de a proteger e de ser o seu representante perante a
zaré, as relações de Maria com os seus parentes eram, Lei. A sua vida em família era semelhante, no exterior,
juridicamente, as mesmas que no tempo de José. Mas na à de qualquer família respeitável do Oriente.
prática, é natural que dependessem muito da influência O filho aparece, mesmo em presença de sua Mãe,
que os chefes da parentela tivessem em Nazaré sobre como « dono de casa » ; é porém um patrão modesto
os parentes em geral, e das relações em que estives- que disfarça as suas ordens em súplicas.

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MARIA, MÃE DE JESUS

As ocupações de Maria consistiam, ordinària-


MARIA, MÃE DE JESUS
---
haveria de agir espiritualmente e ser impelido para
-·1
mente, nas lidas comuns da casa - coser, lavar, car- Deus um «homem ordinário», sem o pecado de Adão.
dar e tecer, moer e cozer o pão, acarretar água e Muitas coisas se lhe tornariam «inteiramente naturais»
trazer a lenha. Quando, porém, a família tinha de como o é hoje, para muitos, o pecado.
aparecer como tal - agora composta só de duas pes- A nossa ignorância mais se manifesta se tentamos
soas - Maria dirigia-se a Jesus e este resolvia os 1 investigar quais seriam essas possibilidades, para a paz
negócios de ambos ao mesmo tempo. e concórdia do mundo, se os indivíduos, as famílias e
Quando, por exemplo, a família era convidada toda a humanidade conservassem o primitivo estado
para um banquete, o convite era dirigido a Jesus, e de graça. Neste caso, a vida e as alegrias comuns, que
este, em nome de ambos, respondia: « Aceitamos» ! nos parecem agora vestígios duma fábula, fragmen-
E quando, como nas bodas de Caná, o convite tos de velhas lendas, seriam uma realidade perfeita.
tinha sido feito directamente a Maria, era necessário, E, se nos pomos a imaginar que progresso alcançaria
o mais depressa possível, dirigir-se a Jesus e dizer-lhe: a sociedade, como família mundial, se a humanidade
«Infelizmente, até agora só tivemos oportunidade de conservasse, em gerações sucessivas, o estado de ino-
convidar a tua Mãe». Também durante o banquete cência, a nossa ignorância não deixa de aumentar
era Jesus o responsável pela honra da família. Estas mais ainda. Neste caso, ter-se-iam feito descobertas e
circunstâncias tiveram, como veremos depois, uma inventos que mais portentosamente contribuiriam para
influência silenciosa, mas quase definitiva na realiza- o bem estar do mundo , do que contribuem os inven-
ção do milagre de Caná. tos modernos para espalhar a dor e os sofrimentos.
Ora, Maria vivia, como já dissemos, como uma
pessoa que não pertencia a este mundo infeccionado
JESUS E MARIA NA INTIMIDADE
pelo pecado, mas sim a um outro que tinha desapare-
cido - que não tinha pecado.
Por isso, se queremos penetrar, de perto, na sua
Depois da queda dos nossos primeiros pais, o vida, nunca a poderemos conhecer perfeitamente, im- 1
género humano vive numa ignorância lamentável a possibilidade que se origina da nossa ignorância àcerca '~
'
respeito da situação em que se encontrava antes dela do que seria a vida no estado de justiça original.
e das possibilidades humanas que esse estado de ino- Também não podemos saber o que seriam, uma

L:=º., d~:~_:=-____
cência continha para os indivíduos e para a comuni- para a outra, estas duas almas tão saturadas de gra-
dade. É um mistério para nós a facilidade com que

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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,, ' Maria estava sempre e em cada momento diante
Como escalariam os degraus da santidade sem
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1 terem necessidade de se comunicarem uma à outra ! dum mistério : Seu Filho trabalhava numa oficina, ser-
E já o sermos tão pouco conscientes da nossa própria rava, aplainava, pulía, pregava e levava aos fregue-
i
1 ignorância, é uma parte da mesma ignorância. ses as obras acabadas, e tomava conta de outras.
1, '
E a dificuldade que, neste ponto, se opõe ao Isto fazia o Filho de Deus, o Redentor de Israel !
nosso conhecimento, aumenta uma vez mais, porque 'i De que modo se operaria a Redenção e como
Jesus e Maria, pertencendo a uma criação sem pecado, pensaria revelar-se ao povo como Salvador?
viviam num mundo pecador. Por isso, é dificílimo E onde estava João, o filho da prima Isabel, que,
compreender perfeitamente a vida que levavam ambos, segundo a predição do Anjo, se havia de apresentar
depois da morte de José. Viviam a sós, e juntas na antes do Salvador, e havia de preparar o povo para a
mesma casa, as duas únicas pessoas cheias de graça, sua aparição? Estava ainda tão distante o tempo da
e também as únicas que conheciam a Incarnação do revelação , que nem sequer o Precursor do Re dentor
Filho de Deus e que neste mistério tiveram parte se manifestava? Quando aconteceria, pois, o que fora
pessoalmente. predito por Simeão ?
A união dos espíritos, na vida de família era, já Nenhuma destas perguntas, que aliás seriam de
em vida de José, duma intimidade e equilíbrio nunca molde a perturba-la, a chegava, de facto, a inquietar.
antes vistos em família alguma terrena ; contudo, entre O pensamento da filiação divina e da vocação mes-
Maria e Jesus, existia uma união ainda mais íntima; siânica que as dispersava em seu espírito, tranquiliza-
e por isso, quando ficaram sós, depois da morte de vam-na e mantinham-na na disposição de esperar os
José, começou para eles uma fase nova da sua vida. acontecimentos, como escrav a do Senhor.
Costuma-se imaginar, frequentemente, que Jesus Sem dúvida que uma das virtudes características,
e Maria levavam uma vida de recatadas dissimulações, e de certo modo imprescindíveis, de Maria, como Mãe
seguindo du as maneiras de proceder, consoante esti- de Jesu s, foi a de afastar de si toda a sorte de curio-
vessem sós ou à vista de outra gente, por exemplo, sidade, posto que não houvesse ninguém neste mundo
quando alguém Lhe vinha encomendar qualquer obra com tantos motivos par a a ter. Tratando-se doutras
de carpinteiro. mães, que se vissem na situação de Maria, não seria
Pelo contrário, o seu modo de proceder era tal só a curiosidade, seria também uma preocupação legí-
que, viesse quem viesse, e a qualquer hora que viesse, tima que as obrigaria a falar. Contudo, de Maria não
ninguém notaria nada de singular, a não ser que se consta que perguntasse alguma vez a seu Filho, quando
entendiam muito bem e se amavam muito. pensava manifestar-se ao mundo, e de que modo o ia

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

:' 1 fazer. O mistério da vida de Jesus, em Nazaré, não ninguém. A semelhança que os unia entre si e os
consistia tanto em se ocupar com sua Mãe dos planos diferenciava de todos os outros, foi muito acima do
' '
1 1 ' que agitava em seu coração, como em nada mani- vulgar por outro motivo ainda. Jesus não teve pai
1 '.
1 .
1; festar daquilo que a ambos esperava. terreno ; e por isso todos os seus traços fisionómicos
i
·1:
1
E apesar de tanta incerteza por parte de Maria, foram herdados de sua mãe e só dela. O misterioso
i:
.,
1 1
vivendo com Jesus, jamais houve lar algum em que selo de semelhança que deste modo apresentavam
1 reinasse tanta paz e tranquilidade, que se comunicava vincava-se cada vez mais, com o decorrer dos anos .
aos vizinhos. O afan e preocupação da vida atarefada
em que Jesus e Maria, com a mais gente de Nazaré,
tinham de ocupar-se, não eram para eles o último OS SOFRIMENTOS FUTUROS DE MARIA
\ /
cuidado que, dia e noite, absorvia seus pensamentos ~" AOS OLHOS DE JESUS
i \
i.
e ideias; era o penúltimo. g:
Entre os pensamentos sucessivos que a ocupavam, r Jesus previa a sua pa1xao e morte com todas as
a respeito do seu trabalho em casa e do de Jesus na circunstâncias. Entre as circunstâncias especiais, uma
oficina, havia o pensamento de Jesus que Ela fixava, t'
,,, er~ que sua Mãe o havia de seguir no meio de opró-
não no Jesus que tinha diante dos olhos, mas no Jesus brios e vergonha, e havia de ser testemunha da sua
Filho de Deus, tal como a sua alma o contemplava. morte dolorosa na cruz. E isto não o temos de tomar
Todos os outros pensamentos ou sucessos eram como como mera circunstância, era parte integrante da sua
ondas que iam de embate a esta base inabalável des- paixão, e por isso transformava já profundamente a
fazendo-se imediatamente. sua vida anterior, convertendo-a numa dor secreta.
Curiosos como somos os homens de agora, dese- Em Nazaré não tinha Jesus à vista Jerusalém, o
jaríamos conhecer a fisionomia de Maria e de Jesus. Monte das Oliveiras ou o Calvário, nenhum daqueles
A estes desejos se procurou dar satisfação com « ver- lugares cuja vista despertasse em sua alma a lem-
dadeiros retratos de Jesus ». Maria era uma mulher brança de seus futuros tormentos. Não via os soldados
dum natural muito perfeito; portanto devia haver har- que o haviam de prender, os criados que o haviam de
monia em todo o seu ser: fisionomia e atitudes. Jesus escarnecer, os algozes que o açoitariam e coroariam
era um varão perfeito, de sorte que os traços do seu de espinhos, de modo que, à sua vista, pudesse dizer
rosto e todos os seus movimentos eram próprios e a si mesmo: São estes! Porém, sua Mãe tinha-a a
exclusivamente seus. Porém, Jesus e Maria eram dois cada momento diante dos olhos, e conhecia os tor-
seres cuja psicologia se aproximava, como a de mais mentos que a esperavam.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Quando estava sentada diante da lareira, quando sua vida pública. É que Jesus previa o fim dos seus
fazia girar o fuso e o deixava cair, para de novo o triunfos e sabia que, da multidão que o seguia, muito
levantar e de novo o fazer girar, nttm silêncio solene poucos ficariam a seu lado.
1' e recolhimento interior - como se nada de estranho Por esse motivo, já então via Jesus em Maria,
pudesse algum dia interromper aquela vida silenciosa não a Mãe do Taumaturgo aclamado, mas a Mãe do
- ; quando trazia a água e preparava a massa com Redentor, rejeitado pelo povo, a Mãe do Crucificado.
aquela agilidade de movimentos que se adquire co_m Já então pensava na espada de dor que a havia de
o costume, Jesus sabia que aquela Mãe seria arran- trespassar, na luta que se ia travar por causa d'Ele.
cada um dia à paz da vida doméstica, para ficar Naturalmente é muito difícil encontrar uma com-
exposta, diante de « muitos de Israel » , diante do povo paração que projecte uma meia luz no amor que Jesus
todo, como a Mãe do Crucificado. consagrava a sua Mãe, quando arrebatava as multidões
Deste modo, teve Jesus, durante toda a vida, com a fascinação da sua palavra e com o poder dos
como participação de suas dores, a previsão dos seus milagres.
sofrimentos íntimos de Maria-, durante a sua futura Imaginemos o seguinte : Um homem cometeu um
Paixão redentora. crime que não é ainda do domínio público, mas sabe
Porém, por muito grande que fosse a dor causada que, dentro em pouco, tem que o expiar. Contudo, vai
pela previsão desses sofrimentos futuros, jamais lhe ainda vivendo com todo o esplendor do seu estado e
veio ao pensamento pedir se afastasse dela esse cálix os homens fazem tudo para o exaltar cada vez mais.
contra a vontade do seu Pai do Céu. Este homem tem ainda urna qualidade boa : ama a
Seus pensamentos e sentimentos internos não sua mãe de todo o seu coração. E a alma despedaça-
tinham por alvo suavizar os sofrimentos de sua Mãe, -se-lhe interiormente, ao pensar no que ela vai sofrer
mas sim prepará-la, antecipadamente, para a hora em por sua causa.
que se desencadeasse sobre sua alma toda a violên- Ora, se esta mãe quisesse, por amor a seu filho,
cia da dor. não para satisfazer a sua vaidade pessoal, tomar parte

> Para isso tinha que acostumar-se a vê-lo humi-


lhado, antes do dia das grandes humilhações.
Por esse lado, a vida oculta de Nazaré tinha um
nas honras que a ele são tributadas compreende-se
fàcilmente que este, com um coração filialmente com-
padecido, procurasse afastá-la, pensando de si para si:
significado particular para Maria. Porém, muito mais Ah ! não ! que minha mãe não tome parte nestas hon-
significativo, no mesmo sentido, foi para Ela tê-la dei- ras ; não ouça os aplausos que chovem sobre mim;
xado Jesus em segundo plano, durante os dias da não veja as homenagens que me prestam. Porque deste

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'1 i

MARIA, MÃE DE JESUS


1

modo, será menos dolorosa a transição horrível na


hora da confusão e das ignomínias que a esperam.
Jesus tinha de morrer na cruz, à vista de Jeru-
salém, diante de todo o povo reunido para as festas

1
1'
!
DESCRIÇÃO DA GRAVURA

Nos dias de Páscoa celebram anualmente os maometanos da Pales-


1 1 tina a fosta de Nebi-Musa, em honra de Moisés. O santuário para onde
se dirige a peregrinação está no deserto de Judá no lugar onde as mon-
1'
tanhas começam a declinar para o norte do Mar Morto.
'

11
1

A festa dura oito dias. Os peregrinos reunem em Jerusalém e


'1' partem para o deserto em solene procissão.
i 1'
O caminho que vai do Templo ao Monte das Oliveiras e dali
até Betânia, está repleto de espectadores. Dos da primeira fila vêem-se
bem os vestidos. Os brancos turbantes que lhes protegem as cabeças
contra os ráios do sol ardente são presos com cordões feitos de pêlo
de cabra.
Ê de crer que também Jesus, nas suas viagens apost6licas usaria
um desses "Keffijje ». Os diversos povos do país formam grupos à
parte na procissão, cantando e orando.
O espectáculo que se observa, nesta ocas1ao, às portas de Jeru-
salém dá-nos uma ideia clara da partida e regresso dos peregrinos da
Páscoa no tempo de Jesus.
Também então saíam os peregrinos de cada região em grupos
separados. Mas o número de grupos e o de peregrinos em cada grupo
era mais numeroso do que o é na festa de Nebi-Musa. O canto e os
timbales, o tambor e a flauta ressoavam também então, misturando e
confundindo os seus sons.
Em circunstâncias idênticas a estas ficou Jesus no Templo. O lugar
para o descanso da noite tinha sido escolhido antecipadamente pelos
peregrinos de cada povoação. Também os de Nazaré e, entre estes,
José e Maria " e os parentes e conhecidos » tinham escolhido lugar Formação de uma peregrinação para a festa de Nehi-Musa
para passar a noite.

274
XVII - 274 Fot. Raad

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1

da Páscoa. Aquela hora tinha-a J esus continuamente !i


' 1
1 ,1 diante dos olhos. E junto à cruz via, de p~, a sua Mãe. ~.'.
Durante os dias passados em Nazaré e durante a ~
sua vida pública, Jesus, o Filho , ia depositando no i .I·

coração da Mãe toda a compaixão que esta lhe havia ~

IJ
de consagrar ao pé da cruz. E durante os seus triunfos ~
li tinha-a, de certo modo, afastada de si, a fim de a pre· ij
11!1 parar para aquela hora em que, só e abandonada, se
havia de encontrar ao pé da cruz donde Ele estaria
pendente.
Coisa parecida ao que se passava no Coração de
Jesus, é o que a contece a um pobre pai que esconde
o amor ao filho, tratando-o, aparentemente, com dureza.
O seu pensamento fixo é o futuro do filho; futuro difí-
cil que o espera. E por isto julga que o maior benefício
que lhe pode fazer é educá-lo de maneira que ele saiba
depois arrostar os sofrimentos da vida.
Aquele subtrair Maria aos olhos das multidões, tão
característico no proceder de Jesus, durante a sua vida
pública, não era, portanto, a diminuição dum afecto que
esfriava, mas o dom. dum amor sempre crescente e que
olhava antecipadamente para a cruz que, no r e mate da
sua carreira pública, se erguia como genuíno sinal de
redenção.

275

http://www.obrascatolicas.com
. 1

III
1
Disposição íntima de Maria
~

O SACERDÓCIO ETERNO, PROMETIDO


POR DEUS A JESUS
Reinará eternamente na ca$a d1
:1
'Jacob e o seu reino n ão terá fim.
' 1

(Luc., l, 33).

111
capítulos precedentes repetimos,
'I'
: 1 1

',li
uma e muitas vezes, que a profecia
1 1.1
de Simeão tinha um influxo constante
1 ,1 na vida de Maria. Isto pode dar ori-
''1i
li '.j1
gem à impressão de que o pensa-
~1 j 1i1
mento das futuras dores de seu
·! Filho, a que também Ela tinha de se sujeitar, fizesse
,1
'I da Virgem uma pessoa fatalista, à espera dum des-
tino a que se não pode fugir. Isto, porém, seria des-
figurar completamente a disposição da sua alma.
A ideia da Paixão que se aproximava não era,
no seu íntimo, nenhuma obsessão. A sua vontade
encarava-a com decisão e fortaleza, e até com grande
alegria.

277

http://www.obrascatolicas.com I
J
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ,,.,,,.,,=.~~- ·~~""=~···"'"~-~-·-·~ri~-"-"'-~~·~'"""'''~

~
!~~
~
É que em Maria dominava uma só ideia: a de cum- Desta forma, as alegrias dum vaticínio atenuavam
prir a vontade de Deus. E isto com tanta energia de as tristezas do outro.
alma, que, não falando de Jesus, não tinha nem tem rival. É certo que, na sua primeira mensagem, Gabriel
Tudo que se lhe apresentava como expressão da von- nada dissera sobre a Paixão. Mas também não a ocul-
tade de Deus, eta para Ela um tesouro de infinito valor. tou, a fim de Maria dar, com mais prontidão, o seu
Não se preocupava, absolutamente, com saber se '"ii consentimento para a Incarnação do Redentor.
o que Deus determinava Lhe trazia dor ou alegria; No plano de Deus, a soberania real de Jesus, do
alegria e dor eram sempre bem-vindas e aceites com Filho de Deus, era o fim da sua Incarnação. Por isso
a mesma disposição de espírito. o Anjo falou a Maria principalmente deste mistério.
As suas palavras: «Eu sou a escrava do Senhor», E, pelo mesmo motivo, dirigia Ela, em último termo,
são, de ordinário, tomadas por nós, mui superficial- o seu espírito para esta realeza eterna, prometida por
mente. Não ; através dessa expressão esconde-se uma Deus a Jesus.
entrega quase apaixonada - total - à vontade de Deus,
como nunca ninguém o fez neste mundo ; e, ao mesmo
tempo, era tão perfeita que se não manifestava exter-
namente.
E, porque assim era, coexistia nela, com a pr<Dfe-
cia de Simeão, outra que nos parece incompatível
com a primeira, a do anjo: « O Senhor Deus lhe dará
o trono real de David seu pai. Reinará e será rei eter-
namente na casa de Jacob e o seu reino, o seu domí-
nio régio, não terão fim » .
Na sua preocupação única de fazer a vontade de

J
1
Deus, que soava a uníssono com o seu inflamado •\
1

amor de Deus, Maria atinha-se às palavras de Simeão ·~''\


e às do Anjo, com a mesma vontade inquebrantável,
desejando somente se cumprissem os desígnios de
Deus. E, chegada a ocasião, o seu olhar não se fixava,
em última análise, nas palavras de Simeão, a anunciar
sofrimentos, mas nas do anjo.

278 279

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11l 11 1
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1 Passagem da vida oculta


à vida pública de Jesus

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: li ~--·-·-----1
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li' Relações mútuas da vida ·j

1' 1
dos parentes de Jesus e Maria
' 1

1'1
' 1

Bíblia transmite-nos os catálogos


genealógicos que podem pare cer
hoje uma coisa estranha a estorvar
o andamento da narração. Mas, por
outro lado, para os leitores orien-
tais, eram um extracto ou compên-
dio que se enxertava nos anais das famílias , no prin-
cípio ou no fim, para se poder ter uma vista de con-
junto.
O vínculo de parentesco tinha, então, um signifi-
cado tão grande que não é fácil apreciá-lo. Um simples
relance de olhos pelo tecido de direitos e de obriga-
ções que estreitavam os laços duma d aquelas famílias ,
serve para melhor esclarecer as condições de vida
de Maria e Jesus em Nazaré.
Qualquer decisão que pudesse afectar o bem-
-estar ou o mal-estar duma, era questão a resolver,
não individualmente mas em comum. Isto era e é
ainda hoje corrente, sobretudo, quando se trata da
entrada de alguém na família pelo matrimónio. Por

283

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

sua vez, o particular tinha direito de pedir o apoio Nestas circunstâncias, os laços de sangue podiam
dos parentes em suas necessidades e pobreza. transformar-se em ligaduras de espírito. Porque, sendo
No sentir comum do povo, todo aquele que subisse tão estreitas as relações dos parentes naquelas peque-
de condição tinha obrigação de elevar também os seus nas cidades orientais, era muito fácil ter de suportar
parentes. Mas por isso mesmo, havia parentes de ele- a pressão dos demais. Assim, por exemplo, se alguém
vada condição que faziam valer, sem a menor consi- era tido por «demasiado devoto », ficava exposto a
deração, seus direitos sobre a família. toda a sorte de censuras. E isto teve certamente apli-
Herodes é o tipo do homem que sobe de condição cação especial no tempo em que Jesus se apresentou
social e procura colocar no mesmo plano irmãos, irmãs como Redentor.
e parentes, do chefe de família, para quem seus fami- Cada alteração na vida de Jesus modificava as
liares se convertem em súbditos que, para conserva- suas relações e as de Maria para com seus parentes.
rem a vida, têm de sujeitar-se a todas as suas ordens. Conforme as três fases que costumamos distinguir :
Onde quer que a parentela vivesse agrupada, era vida oculta, vida pública e vida gloriosa, tríplice é
sempre fácil expulsar um membro que a perturbasse. também a sua posição para com seus parentes.
Chamava-se «a poda da família», e fazia-se com certa Durante a vida oculta, permanecendo oculto o
cerimónia pública. mistério da filiação divina, as relações de Jesus e
Ao declarar-se a desarmonia, por exemplo, por Maria com seus parentes foram normais. As diferen-
questões de casamentos desiguais, os parentes que - 1 ças que puderam surgir neste período - já nos refe-
bravam na rua um vaso com frutos e diziam: «Irmãos r rimos a elas ao falar do nascimento - eram devidas
nossos, casa de Israel! O nosso irmão Fulano de Tal a ser a Sagrada Família precisamente uma família
casou-se com uma mulher de desigual nascimento e « sagrada"·
temos receio que a sua descendência se misture com a 1 Na segunda fase da vida de Jesus - vida pública
1
nossa. Vinde e comei dos frutos para que as gerações - as suas relações com os parentes revestiam já um
futuras saibam que nós protestamos contra tal mistura » . carácter extraordinário. Jesus apresentava-se como o
Se uma família decaía, o parente próximo tinha Messias, enviado por Deus, e os seus parentes eram
obrigação de comprar os seu bens; porém, com a dos que « não criam n'Ele ».
obrigação de lhos tornar a vender, se aquela equili- O que isto significa, dada a constituição do « Clan »
brava as suas finanças. e como se evitou o mais desagradável - a franca

1
:·~=~-~~~~:~: =-:~~:~:~:!~~:d::i~-:~~re'~_j
ruptura de relações com os parentes - vê-lo-emos,
com mais vagar, nos capítulos seguintes.

284 285

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f ~''""~-~-•<>.~-~-'""~~ac .=""'."""-=a=:~"-""°'''--"C'" . >.OOCC;"."'r.·" -,# MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

\~ Depois da Ressurreição, as relações de Jesus e Maria e Jesus v1v1am em Nazaré à roda dos pa-
'1
Maria com seus parentes sofreram nova mudança. rentes que acabamos de descrever. Como os Evan-
Então acreditaram no Salvador e entraram na comu- gelhos, no decorrer das suas narrações, só de pas-
nidade da Igreja. Deste modo se fechou o abismo que sagem a eles se referem, é natural que omitam cir-
antes os separava. cunstâncias, aliás abundantes, que vamos apresentar
Mais; dentro da mesma Igreja a « Família do por sua ordem.
Senhor » chegou a ter uma posição de preferência. Depois das bodas de Cana, «Jesus desceu a Cafar-
A sede episcopal de Jerusalém era-lhe reservada naum com sua Mãe, seus irmãos (parentes) e discí-
quase « como herança », Uma carta de Sexto Júlio pulos. Ali estiveram apenas alguns dias; a Páscoa
Africano, escritor eclesiástico, dirigida a um tal Aris- estava próxima ». Então foi Jesus com seus parentes
tides, aí pelos anos de 250, mostra como também em a Jerusalém 1• Estando Jesus pregando numa casa,
tempos posteriores, no Oriente, era timbre de glória chegaram « sua Mãe e seus irmãos (parentes), porém
estar aparentado « com o Senhor ». Segundo o seu não puderam aproximar-se dele por causa da grande
testemunho, existiam cristãos « da família do Senhor» multidão de povo » 2.
que se gloriavam do seu vínculo carnal com Ele ; e, Quando Jesus apareceu em público, na sinagoga
quando se tratava de aquilatar parentescos, podiam de Nazaré, o povo dizia: « Como? Não é este o car-
demonstrar a sua descendência, remontando até aos pinteiro, filho de Maria, irmão (parente) de Tiago e
tempos de Jesus. José, de Simão e Judas? E não estão todas as suas
No capítulo que segue vamos tratar uma questão irmãs (parentes do sexo feminino) aqui entre nós»?
prévia : quais os parentes de Jesus que o Evangelho Quando Jesus foi crucificado, diz S. João: «Esta-
menciona, e com quais deles pôde estar em contacto vam ao pé da cruz Maria, sua Mãe; a irmã (ou parenta)
directo. de sua Mãe, Maria esposa de Cléofas, e Maria Mada-
lena 3, E S. Mateus: «entre elas (isto é, entre as mulhe-
OS PARENTES DE JESUS EM NAZARÉ res que o tinham acompanhado desde a Galileia)
encontravam-se Maria Madalena, Maria mãe de Tiago
Nao é este o filho do carpinteiro? Não se chama sua Mãe e de José, e a mãe dos filhos de Zebedeu ».
Maria? Não são seus irmãos (primos) Tiago e José, Simão e
Judas ? E todas as suas irmãs (primas) não vivem aqui connosco? 1
1 João, 11, 12 .
2 Luc., 111, 3r; Mat. , xu, 46 ; Luc., vm, 19.
1 Mat., x 111 , 55-56. 3 João, XIX, 2 5·

~·..
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

S. Marcos: « Entre elas estavam Maria Madalena, tem, por exemplo, a nossa expressão : < Eu não me
Maria mãe de Tiago o Menor e de José, e Salomé». caso», que pode designar uma resolução definitiva.
Antes da festa dos Tabernáculos, disseram a Jesus Não queremos dizer: não me caso agora, mas defini-
os seus irmãos : « Mexe-te, e vai à Judeia para que tivamente : não quero casar-me.
também os teus discípulos vejam as tuas obras ... Quando os « irmãos» de Jesus o procuraram 1,
porque nem os seus irmãos (parentes) acreditavam fizeram-no como só irmãos mais velhos o costumam
nele» 1 • fazer. É, porém, certíssimo que Jesus não teve irmãos
Nos Actos dos Apóstolos lê-se: « os Apóstolos carnais, visto ser Ele o «primogénito ». Não podiam
perseveravam unidos na oração com as mulheres e ser, pois, irmãos carnais, mas sim parentes próximos.
Maria, Mãe de Jesus, e seu irmãos ». Além disso, o povo de Nazaré, quando Jesus lá
S. Paulo declara, na Carta aos Coríntios, que ele se apresentou a pregar, chamou-lhe o «filho de Maria "' .
tem os mesmos direitos que os outros Apóstolos, e os Este modo de falar explica-se naturalmente, sendo
irmãos do Senhor e Cefas. Jesus filho único de Maria, viúva já havia anos. Ainda
Resumindo todas estas passagens, e confrontan- em nossos dias costuma o povo, em casos análogos,
do-as, vê-se claramente que Jesus e Maria viviam à designar o filho único de mulher viúva pelo nome da
roda de seus parentes. mãe. E fá-lo precisamente pelas mesmas palavras:
Contudo, a « Sagrada Família», rigorosamente o filho de Maria, de Teresa, etc.
falando, era constituída só por José, Maria e Jesus. No Calvário foi Maria entregue por Jesus a João.
Os « irmãos » e « irmãs» de Jesus não eram irmãos Se vivessem então irmãos ou irmãs do Senhor, muito
carnais, mas parentes em diversos graus. Diversas estranha seria esta entrega, contrária aos usos daquele
passagens do Evangelho, como veremos, assim o dão povo.
a entender. Por isso, quando na Bíblia se faz referência a
i
1
Das palavras de Maria ao anjo, conclui-se que irmãos e irmãs de José, de Maria e de Jesus, trata-se
i Ela continuou a levar vida virginal dentro do matri- de parentes estranhos à família, propriamente dita.
mónio, ainda mesmo depois do nascimento de Jesus.
1

Que, apesar disso, se lhes chame irmãos e irmãs


,f~'
' Disse expressamente: «Eu não conheço varão ». Esta explica-se pela índole da língua. Os israelitas não
forma no presente « eu não conheço » tem sentido de tinham nenhuma expressão na sua língua para designar
presente, passado e futuro. Significação semelhante os que nós chamamos primos, tios, etc. Todos os paren-

1 João, VII, 3 e 5. 1 Marc., UI, 3 I.

19
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tes prox1mos eram conhecidos pela designação gené-


rica de irmãos e irmãs.
« Somos irmãos» dizia Abraão a Lot. E, na nossa
terminologia, Lot era sobrinho de Abraão. E, do mesmo
modo, Eleazar chama irmão a seu sobrinho. Os paren-
tes do rei Ozoquias chamavam-se a si mesmos «irmãos»
do rei. ""'"...o
e
o"
""'=
DESCRIÇÃO DA GRAVU R A "'
""
=
I'
""'"'
"'
A gravura dá uma ideia aproximada da animação que reina num t "e=
~
casamento oriental. Nao há mesas nem cadeiras em que se devam o
..e
~
sentar até acabar tudo. Vai-se dum lado para o outro, entra-se e sai-se
".
=
~
com inteira liberdade. Há, porém, uma obrigação que, entre nós, não
é tão imperiosa: os homens estão separados das mulheres. ' e
À direita, no alto, vêem-se mulheres e crianças; estão observando
r.5

~
""'
as danças dos homens. Estes estao dispostos em círculo e acompanham ~ ""
e
=
a másica batendo palmas alternadamente com os entoadores e em coro.
Estas rodas são um costume muito antigo. Os coros nao sao para
1 =
"'o
eles tão profanos e infantis como o são para o gosto dos europeus. ~~ ""'"
""'';;'.
Como refere a Sagrada Escritura, estes coros usaram-se nos tem- r,
=
"
pos antigos também nas solenidades religiosas. Quando o rei David rl "..
dançou diante da arca, sem diivida que se tratava duma dança em ""'
marcha. O poeta diz num salmo, incitando a glorificar ao Senhor: - ~
·=t
" Que os filhos de Sião dancem com alegria como o seu rei, que o ,...."
exaltem dançando à roda > !
Ainda hoje se vêem estas danças nas festas religiosas.
A gravura que temos à vista é uma reprod ução parcial da pro-
cissão que sai de Jerusalém na festa de Nebi-Musa. O mesmo fazem os
cristãos do país na procissao religiosa ao Campo dos Pastores, na noite
de Natal.
Nos casamentos usam-se as mesmas danças, em roda, que são
como mostra a gravura aqui reproduzida.

290

XVIII - 290

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: 1 !

MARIA, MÃE DE JESUS

O facto de o Evangelho dizer que Jesus era o


« primogénito », também não se opõe ao que acaba-
mos de expor. Só quer dizer que Ele era um varão
que, conforme manda a Lei, deve ser resgatado. Esta
denominação era sempre a mesma quer se seguissem
depois mais filhos, quer não.
Num documento de procedência egipcíaca e que i
data do tempo de Jesus, pouco mais ou menos, cha-
ma-se « primogénito » a um filho, cuja mãe morreu ao
dá-lo à luz. Donde se vê que esta designação se empre- 1
gava sempre, ainda mesmo que não houvesse mais
irmãos. Dizer o Evangelho que « José não a conheceu
até ela dar à luz um filho », também não é prova de 1
·~
que Maria tivesse outros filhos, além de Jesus.
É certo que a tradução literal não destrói o perigo
de uma má interpretação. A expressão « até que ,. em
aramaico não corresponde perfeitamente à portuguesa.
Nos escritos extra-bíblicos encontramos um caso
que mostra isto mesmo. Trata-se dum dito de um
rabino que, ao falar dum discípulo muito inteligente,
disse: « Este, posso eu garantir que não morrerá até
encontrar resoluções definitivas ». Que queria ele
dizer? Que o discípulo morreria logo que, como
mestre, desse as primeiras respostas definitivas? Não.
O que quis dizer foi que aquele aluno chegaria a ser
um sábio de grande reputação. Quando, pois, S. Mateus
diz que « José não conheceu Maria até ela dar à luz
um filho », quis somente dizer que não teve com Ela
relações conjugais depois do casamento e que, nesta
situação, teve Ela um filho.

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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS
í'
Das relações de José e Maria depois do nasci- Joaquim, nasceu Maria, a Mãe de Jesus. Do segundo,
mento de Jesus não se diz nada; por isso, para este com Cléofas, irmão de S. José, nasceu aquela Maria
intervalo da sua vida, temos que consultar outras pas- que casou com Alfeu e dele teve quatro filhos : Tiago
sagens do Evangelho. e José, Simão e Judas. Do terceiro matrimónio nasceu
Que relações de parentesco tinham com Jesus e uma terceira Maria que casou com Zebedeu, pai de
Maria os parentes de que vimos falando? O parente Tiago Menor e João.
mais próximo da Mãe de Jesus, de que fala o Evan- Além destes parentes que viviam em Nazaré, e
gelho é, sem duvida, Maria, a esposa de Cléofas. com quem estavam em permanente contacto, tinha
Se era meia irmã ou parenta próxima, mais facilmente Maria outro parente nas montanhas da Judeia, Isabel,
se explica que tivessem o mesmo nome. Juntamente a esposa do sacerdote Zacarias.
com ela menciona o Evangelho quatro varões: Simão
., e Judas, Tiago Menor e José: sempre dois a dois .
' Cada ~m destes pares deve ter relações íntimas. JESUS PROCURA JOÃO BAPTISTA NO JORDÃO.
.i
Não daremos, pois, a árvore genealógica dos REGRESSO DO JORDÃO E VIAGEM A CANÁ
parentes da Sagrada Família; porque para Maria não
tem importância saber qual o grau de parentesco Naquele tempo veio ']esits ,la Gali-
existente entre Simão e Tiago : O que importa é frisar leia ao rio 'Jordão para sei· baptizado
por 'João.
que Ela vivia no meio dos parentes. (MAT. , li[, z3).
Para esclarecer um pouco este assunto, faremos
algumas observações a respeito dos parentes de Jesus.
Para uns, Maria, esposa de Cléofas, casou-se duas Nas circunstâncias descritas nos capítulos prece-
vezes. Do primeiro matrimónio, provàvelmente com dentes, completou Jesus 30 anos, exercendo o ofício
Alfeu, teve dois filhos : Tiago e José; do segundo, de carpinteiro. Neste tempo chegou a Nazaré a notí-
Simão e Judas. cia de que tinha aparecido no Jordão um homem,
Para outros, Tiago e José eram filhos duma irmã chamado João, e que pregava: «Fazei penitência
de S. José, chamada Maria; Judas e Simão eram porque se aproxima o reino de Deus ». Os primeiros
filhos de Cléofas, irmão de S. José. rumores foram colhidos e espalhados por almocreves
Na idade Média, segundo a Lenda Áurea, dispu- e negociantes. Não passou, porém, muito tempo sem
nham-se os parentes de Jesus deste modo: Ana, a que muitas pessoas individualmente fossem de Nazaré
mãe de Maria, casou três vezes. Do primeiro esposo, ao Jordão para verem o profeta, de quem tanto se

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

falava. Voltaram tão eqtusiasmados que logo se for- tista, invocando no íntimo da sua alma a mensa-
maram grupos de peregrinos. A excitação religiosa gem do Pai, grande foi a comoção que n'Ela se
que, desde o Jordão, se estendia por todo o país de despertou.
Israel, depressa se comunicou aos povos e cidades da Ano após ano, desde a anunciação do Anjo, espe-
Galileia. Desde o primeiro rabino da sinagoga até ao rava Ela que alguma coisa se dissesse de João, o filho
último dos homens todos estavam convencidos de que de Isabel. E eis que agora se cumpria o que estava
pelo «reino de Deus », se devia entender o tempo anunciado e havia de acontecer antes do aparecimento
messiânico. do Redentor. Porque o Anjo tinha dito a Zacarias no
E, um dia chegou em que também Jesus de templo: « Ele (João) converterá ao Senhor seu Deus a
1 Nazaré partiu para o Jordão. muitos dos filhos de Israel. Virá adiante do Messias
Aquele que, mais tarde, por ocasião da multipli- com o espírito e fortaleza de Elias para comunicar, de
1• cação dos pães, mandaria reunir, com tanto cuidado,
os restos da comida, era, sem dúvida, ordenado e
novo, aos filhos os sentimentos dos pais e aos incré-
dulos a prudência dos justos, preparando, deste modo,
metódico na sua oficina de carpinteiro. Por isso, um povo submisso».
1 depois de ter entregado todos os trabalhos de que
se tinha encarregado, colocou os instrumentos do tra-
Chegou, finalmente, esse momento! E ao cumprir-se
esta profecia despertou-se no ânimo de Maria a lem-
balho em algum lugar apropriado, e só depois se des- brança de outro vaticínio, o do velho Simeão e, com
pediu e pôs a caminho. ele, as palavras do Anjo na casa de Nazaré.
1 Provàvelmente só disse a sua Mãe que ia ao Jor-
dão encontrar-se com o Baptista, sem lhe comunicar
A fé no reinado de Jesus, anunciado pelo Anjo,
era o que dava força a Maria para ter sempre pre-
o que depois desse encontro se devia seguir, como sente ao espírito, no seu pleno significado, a inquieta-
nova fase da sua vida. dora profecia de Simeão e para esperar o seu cum-
Jesus queria tomar sobre si a missão redentora que primento. Sua vida resume-se em esperar esse tempo
o Pai lhe confiara, no momento em que João o bapti- e « essa hora » como lhe chama a Escritura. E essa
zasse; pelo que não era conveniente participar isto inquietadora ansiedade aumentava, sempre que acon-
a ninguém. A maneira como ficou no Templo, aos doze tecia alguma coisa, fora do ordinário, na vida de
anos, sob a sua própria responsabilidade, cumprindo a Jesus, por exemplo, quando Ele ficou no Templo.
vontade do Pai, corresponde a este modo de proceder. O sobressalto apoderou-se da alma de Maria, ao ver
Que pensou Maria ao ficar só em Nazaré? Ao que Jesus, passadas semanas, não regressava do
ouvir os primeiros rumores sobre a aparição do Bap- Jordão.
!
1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Jesus não lhe saía do pensamento dia e noite. certo modo, preparada. O diálogo verificado entre
Nunca na sua vida estivera tanto tempo privada da Jesus e Maria, nesta cidade, não se poderia dar na
sua companhia. sua casa de Nazaré.
Naqueles dias de espectativa e de soledade deu-se
um acontecimento que, visto por fora , não se harmo-
AS BODAS DE CANÁ
nizava com a situação e disposição psicológica de
Maria. Uns parentes de Caná convidaram-na para um
casamento e Ela aceitou o convite. João reuniu, de caso pensado, no seu Evangelho,
Chegados a este ponto, ou nada nos surpreende, factos singulares da vida de Jesus. A este pertence a
ou nos admiraremos duma extravagante atitude, jul- narração do que se passou nestas bodas.
gando, talvez, que Ela aceitou este convite com muita Duas coisas despertam a nossa atenção. Primeira:
alegria. Na verdade, foi para Ela um grande sacrifício O Evangelista apresenta a narração desta festa como
assistir a uma boda com a alma tão amargurada. Sabia remate dos dias em que Jesus recrutou os seus discí-
muito bem que, já de certa idade, e, além disso, viúva, pulos; por isso, entre aquele chama mento e esta festa
mais do que tomar parte na festa, teria que ajudar viu alguma relação. Segunda: A Maria dá-se um lugar
a preparar o banquete e atender aos hóspedes, con- de destaque em tudo o que precede o milagre. Não é
forme os usos da terra. Podia, além disso, ter-se tão fácil, porém, descobrir o que é que determinou
escusado, alegando a ausência de seu Filho como Jesus a fazer o milagre. Há até quem tenha interpre-
motivo para ficar em casa. Mas não ; quis fazer este tado as palavras de Jesus a Maria como uma recusa
·1· i sacrifício. Talvez se decidisse a aceitar o convite por formal.
'!~ 1 se tratar de parentes muito pobres. E a sua solicitude O milagre de Caná, sendo, como foi, o primeiro
operado por Jesus, tem valor e significado particu-
'i 1 carinhosa foi recompensada por Jesus duma maneira
insólita. Este saíu-lhe ao encontro precisamente quando lares, por diversos motivos.
Ela menos esperava encontrá-Lo. Jesus, conhecido até então como carpinteiro,
Em Caná e não em Nazaré quis mostrar-se-lhe, apresentou-se em público, pela vez primeira, como
pela primeira vez, como Messias. Sem dúvida que tinha Messias. Além dos outros convidados para a festa,
algum fim determinado ao escolher para esta manif es- assistiam também os discípulos e a Mãe de Jesus.
tação, Caná, que não era a sua cidade. O modo de operar o milagre marcou a posição de
A separação exterior que observaria durante toda Jesus a respeito de todos, durante a sua vida pública,
a sua vida pública, começando em Caná, estava, de até à Paixão.

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1

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~···-·---~Q·,..,,=~.~ ~·-=~"'·=-- ·"d MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

lj Foi a despedida da sua vida oculta e a inaugura- vinha a ser uma espec1e de seguro para aqueles dias,
ção solene da sua actividade pública. Antes de mais equivalente a uma multidão de pequenos empréstimos
nada, trataremos dos usos e costumes que se relacio- sem juros. Se, por exemplo, Daniel dava a Miguel um
nam com o milagre e tentaremos descobrir as dispo- presente de casamento, obtinha, por esse modo, direito
sições de espírito daqueles que o presenciaram. a igual donativo por ocasião dum casamento em sua
casa, restabelecendo-se assim o equilíbrio de perdas e
lucros. Era tão obrigatório este costume e tão geral a
1
1
PRAXES REFERENTES ÀS BODAS vigilância do seu cumprimento, por cada uma das
I'
partes, que o presente de boda aparece nos antigos
li No terceir'o dia realizou-se um casa- provérbios expressamente como um «empréstimo».
!I
mento em Caná da Galileia. Juridicamente era também considerado como « emprés-
li /
,J (Joiío, li, 1).
timo», podendo exigir-se perante os tribunais a sua
1

i indemnização em dinheiro.
1
As bodas, para os judeus, tinham o cunho de festa Porém, a maior parte das vezes, os presentes de
religiosa. É que o casamento tinha por fim propagar a casamento constavam não de dinheiro mas de géneros
:1 raça eleita até à vinda do Redentor. Esta ideia dava- alimentícios, sobretudo dos que deviam ser utilízados
1
1
1 -lhe uma auréola de dignidade especial. A participação para o banquete. E, como também se bebia, o vinho
em tais solenidades, desde o atavio da noiva até ao e ra o presente preferido e muito agradável ao noivo.
acompanhamento festivo à casa do noivo, era tida Para uma destas festas que, durante vários dias
como manifestação de amor do próximo. tinha numerosos convivas, era necessária uma grande
A festa começava à noite pelo acompanhamento quantidade de vinho.
da noiva à sua nova morada. Escolhia-se de prefe- Nem todos os convivas chegavam na primeira
rência a quarta-feira, dia equidistante de dois sábados. noite. Era caso previsto nas antigas praxes; pois diz-se
As festas duravam sete dias. Por isso, se podia com « que a bênção dos noivos se há-de repetir todas as
propriedade falar de « uma semana de bodas» . vezes que chegue à festa um novo grupo de convi-
Estes costumes, que obrigavam a grandes gastos, dados ».
não eram, até certo ponto, um pesado encargo finan- Naturalmente estes convivas retardatários, como
ceiro ou uma delapidação formal para os recém-casa- Jesus em Caná, estavam tão obrigados como os outros
dos, porque todo o convidado era obrigado a concorrer a mimosear o noivo com um presente. A única dife-
para estes gastos com um presente, que na realidade rença que podia haver é que os convidados que che-

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11]

1 i MARIA, MÃE DE JESUS


t "'·"·~---·11..,..~;,._.-~,;;;;;,;:~M~;/l;,.-..;tJ_<l~"J.<(0:/"..1'1";..:;;c;A;f.\A'·;,-i>i.~~l~' MARIA, MÃE DE JESUS
1

1 . "
gavam ao prmc1p10 ent regavam em comum os seus
111 ao mesmo tempo. Este devia dirigir todo o cerimonial
1: presentes com uma espécie de aclamação aos noivos, e cuidar das iguarias e das bebidas, pois as mulheres
I' como ainda hoje se faz; ao passo que os que chega- não apareciam em público para este serviço. Mas a
vam mais tarde o faziam cada um de per si.
i. Quando Jesus chegou, já o banquete tinha come-
sua incumbência principal era dirigir a preparação do
vinho. O da região era tão forte que nuuca se bebia
çado ; e por aí se vê que Ele e os seus discípulos sem se lhe adicionar um pouco de água.
foram convidados um pouco mais tarde. O noivo não O «mestre-sala» exercia o seu ofício com esme-
1 i
teve necessidade de pedir conselho para fazer o con- rada solenidade. Naquelas festas era ele quem recebia
11
vite. Juridicamente, Jesus era o chefe da casa de os hóspedes. O noivo, para quem eram todas as aten-
i i Nazaré. Uma vez que Maria fora convidada, tinham ções, não devia distrair-se com cuidados importunas.
de convidar a Jesus logo que pudessem comunicar O costume de chamar rei e raínha aos recém-casados
11
com Ele. Os discípulos foram convidados juntamente é uma manifestação externa desta ideia. Por isso, antes
por serem o séquito de Jesus, como Messias. do casamento, o noivo devia mostrar ao mestre-sala
Deste modo estava o círculo fechado. Jesus foi as provisões de comida e bebida que havia para os
convidado porque sua Mãe o tinha sido e estava pre- convidados.
sente; os discípulos, porque Jesus os tinha escolhido Às ordens do mestre-sala estavam os criados -
para formarem a sua comitiva, como Messias anunciado que nas famílias ricas podiam ser criados profissionais
por João. Jesus era o centro de todos estes convida- ou escravos - e as mulheres que preparavam as igua-
dos: era o chefe da família de Nazaré, e, por isso, rias. Em Caná, Maria estava entre estas. Os quadros
achando-se presente, tinha que a representar. Era tam- que representam esta cena deturpam frequentemente a
bém o chefe da família espiritual dos seus discípulos ; verdade, apresentando Maria como mulher tão nova
tinha que fazer respeitar os usos e costumes naquilo que mais poderia ser irmã de Jesus que sua Mãe.
que lhes dizia respeito. Se, além disso, queria dar um A verdade, porém, é que Maria devia andar pelos
presente, conforme os costumes do tempo, este devia cincoenta anos e tinha um porte de matrona venerável.
ser de vinho. Uma palavra ainda sobre o número dos convi-
A responsabilidade do serviço no banquete corria dados. Costumava ser proporcional ao dos parentes
por conta do «mestre-sala», como lhe chama o Evan- dos noivos e ao da população do lugar onde o casa-
gelista. mento se celebrava. Em Caná deviam orçar por oitenta
As mais das vezes este encargo era desempe- a cem pessoas, a julgar pela quantidade de vinho que
nhado por um parente ou amigo, ou, as duas coisas Jesus milagrosamente lhes deu .

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t
. MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Filipe encontrou Natanael e disse-lhe: « Encon-


1

i
APARIÇÃO DE JESUS E DE SEUS DISCÍPULOS trámos aquele de quem escreveram Moisés, na sua
lf .i
NAS BODAS Lei, e os profetas, Jesus, o filho de José, de Nazaré ». li
Natanael replicou: « De Nazaré pode sair alguma coisa j
'Jesus e seus discípulos também {oram boa?» Filipe respondeu: «Vem e verás» .. Jesus viu
convidados par·a as bodas. Natanael que se aproximava e disse: « Aqui está um 1

( JoÃo, 11 1 2). verdadeiro Israelita em quem não há dolo! » E Nata-


nael perguntou : « Donde me conheces ? » Ao que
S. João Evangelista falando dos dias que prece- Jesus respondeu: « Antes de Filipe te chamar, eu te
deram as bodas de Caná diz : « No dia seguinte àquele vi quando estavas debaixo da figueira », E Natanael
em que João Baptista apresentou Jesus como sendo replicou: « Rabbi, tu és o filho de Deus! Tu és o Rei
o «Cordeiro de Deus » encontrava-se de novo aquele de Israel » !
com dois dos seus discípulos - João e André. Nisto Jesus respondeu: <Porque te disse que te vi
avistou Jesus que vinha pelo caminho e disse ; « Eis o debaixo da figueira, acreditas? Pois hás -de ver coisas
Cordeiro de Deus ! ». Os discípulos, ao ouvirem estas maiores » . E acrescentou; « Em verdade, em verdade
palavras, seguiram a Jesus. Jesus voltou-se, esperou-os vos digo que vereis os céus abertos e os anjos subindo
e perguntou-lhes: « Que quereis?» E eles responderam : e baixando sobre o Filho do Homem».
« Rabbi (Mestre), onde moras?> E Jesus disse-lhes: A passagem que acabamos de reproduzir indica
«vinde e vêde ». Foram, viram onde morava e fica- como, nos dias que precederam as bodas de Caná,
ram com ele todo o dia ... Eram dez horas, aproxima- Jesus escolheu alguns homens para serem seus discí-
damente. pulos, cada um dos quais dava logo conta do grande
Um dos que o seguiram era André, que ao topar acontecimento ao companheiro das suas intimidades.
com seu irmão, Simão Pedro, lhe disse : « Encontrámos À medida que ia crescendo o entusiasmo por Jesus,
o Messias que se chama Cristo». E foi apresentá-lo a o trato com Ele tomava um carácter digno da suares-
Jesus. E Jesus fitando nele os olhos disse-lhe: « Tu és peitosa entrega.
Simão, filho de Jonas, tu te chamarás Cefas, isto é, No primeiro encontro de João e André com Jesus,
pedra ». a quem não conheciam ainda pessoalmente, sauda-
1:
No dia seguinte foi à Galileia e encontrando Filipe, ram-no eles com o título de Rabbí.
li
disse-lhe: « Segue-me ». Filipe era de Betesaida, pátria j'. Mas as coisas não ficaram por aqui. Na viagem
de André e Pedro. para Caná, Jesus manifestou-se aos que o tinham
f
1
I;
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MARIA, MÃE DE JESUS

seguido, confiados na palavra do Baptista, com sua


personalidade própria que não necessita de recomen-
dação alheia para se autorizar.
Jesus revelava uma ciência sobrenatural do futuro.
Olhou para Pedro e disse-lhe : «Tu chamar-te-ás
Cefas ». E a Filipe disse, com a convicção de quem
sabe o que exige: «Segue-me», dando a entender que
o conhecia perfeitamente, isto é, que conhecia o pre-
sente melhor que ninguém.
A Natanael disse : « Antes de Filipe te chamar,
vi-te quando estavas debaixo da figueira», dando a
entender que conhecia o passado melhor que ninguém.
1: O conhecimento dos mistérios da vida humana,
:1,
.s...
i' no presente, passado e futuro, era instintivamente con- ..
siderado pelo povo como uma coisa milagrosa. ""...
Demonstram-no as narrações evangélicas. Nata-
...e
a...
nael, quando Jesus lhe disse que o tinha visto debaixo ..
i:i...
da figueira, exclamou com grande vivacidade : « Mes-
tre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel! »
Do mesmo modo pensavam, certamente, os outros
discípulos, se bem que o não manifestassem externa-
mente com tanta decisão.
Tudo o que dizia respeito ao Messias andava,
naquele tempo, na boca de todos. A predição feita

DESCRIÇÃO DA GRAVURA

O rio Jordão cujas águas foram santificadas pelo baptismo de


Jesus, ministrado por João Baptista.

304 Fot. Raad


XIX - 304

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MARIA, MÃE DE JESUS

pelo Baptista anunciando para muito breve o seu apa-


recimento, encontrou geral acolhimento. Por isso, todo
aquele que soubesse alguma coi"sa a seu respeito, como
que se sentia obrigado a manifestá-lo. Os discípulos
podiam falar tanto mais fàcilmente do que entre eles
e Jesus se passava, quanto isso mais os dignificava.
E, quando todos se calassem, não se calaria o fogoso
Natanael, que, ainda por cima, era de Caná. Deste
modo, divulgou-se de casa em casa a notícia de que
Jesus tinha chegado à cidade. E assim como o povo
de Samaria foi, em grande multidão, buscá-lo ao poço
de Sichar, assim os moradores de Caná acudiram junto
da casa onde se celebravam as bodas para ver Jesus.
Os mais curiosos souberam ali que João, o grande
profeta do Jordão, a quem muitos tinham por Messias,
proclamara Jesus « o Cordeiro de Deus » e mandara
ir ter com Ele os seus dois discípulos André e João.
Depois, a caminho de Caná, tinha Jesus admitido
no seu séquito a outras pessoas. A todos prometeu que
presenciariam coisas admiráveis: que veriam os anjos
de Deus subir e descer sobre Ele . . . Os suspirados
dias do Messias estavam à porta.
Na primeira parte daquela festa os esposos foram
o ponto central da solenidade e da alegria. Agora,
depois que Jesus, o Messias, apareceu, entraram na
cena outras duas pessoas que chamaram a atenção de

1 todos: Jesus e sua Mãe.


Se Jesus era o Messias, a expressão «Maria, a
Mãe de Jesus >, era sinónimo de Maria a Mãe do
Messias, conferindo-lhe nova auréola. E, como tal,

20 305

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MARIA , MÃE DE JESUS

onde as paredes têm ouvidos e as portas línguas ; e


~. poder ou, pelo menos, tinha grande influência sobre mais ainda tratando-se dum costume que tinha foros
! Ele. E, como quase todos esperavam no Messias um de cidade. E Maria costumava perguntar-lhe, como a
enviado de Deus que havia de conquistar soberania e chefe de família que era: «Que queres que prepare?»
poder terrenos, aconselhava a prudência a estreitar as E ambos procuravam a melhor maneira de ajudar os
relações com aquela matrona venerável e bondosa. noivos. O diálogo entre ambos, nas bodas de Caná,
Entre os convidados, que estavam uns dentro e dá-o a entender claramente.
outros diante da casa, havia alguns que se mostravam Se em Caná as coisas não seguiram o seu curso
reservados: eram os parentes de Jesus. Não criam ordinário foi porque Maria e Jesus não puderam falar
n'Ele, como declarou, mais tarde, S. João. E a sua a tal respeito antes de a noiva ser conduzida à sua
incredulidade começou a manifestar-se nos dias em nova morada e também porque Jesus, além de chegar
que Jesus apareceu como Messias. A autoridade de um pouco atrazado, já não se apresentava como o
João, que Jesus tinha por si, era talvez a única força carpinteiro de Nazaré, mas sim como o Messias.
que os continha um pouco. Porque, ainda que Maria continuou sendo sempre
a mesma Mãe que veio a Caná da soledade de Nazaré
e vira de novo ali, no borborinho das festas, a Jesus,
MARIA SAUDA SEU FILHO PELA PRIMEIRA VEZ, com um séquito de discípulos, soube por estes que
COMO MESSIAS PROCLAMADO POR JOÃO Jesus tinha deixado o ofício de carpinteiro, como se
larga um vestido, e que, acreditado por João, se apre-
A Máe de ']esas estava ali, e 'Jesus sentava abertamente como Messias.
~ i e os srns discípulos fo ram també11i con- Acabava de cumprir-se o que tinha sido dito ao
'1 1
vidados. velho Zacarias no Templo: Jo ão tinha preparado o
(JoÃo, II , 2).
povo para a vinda do Messias. Jesus estava prestes a
'., I·: revelar a sua majestade. Tinha dito já aos seus discí-
1'
Não foi em Caná que Jesus assistiu a um casa- pulos que veriam os anjos subir e descer sobre Ele.
mento pela primeira vez. Sem ser necessário fazer Tratando-se do aparecimento de Jesus, como
conjecturas, durante os anos que viveu em Nazaré, Messias, Maria pensou naquilo que constituía o ponto
não pôde esquivar-se a aceder, com certa frequência, primordial - a revelação da filiação divina. As pala-
a tais convites e a dar o oportuno presente, se queria vras relativas à subida e descida dos anjos sobre Ele
t
ganhar a vida como carpinteiro numa cidade pequena, \1 deviam parecer-lhe uma insinuação deste mistério.
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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS
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1.
Foi o que aconteceu a Maria quando viu, nos
I Maria não podia saber que Jesus o queria manifestar, primeiros discípulos, os primeiros chamados ao novo
i. pouco a pouco, no decurso da sua vida. Parecia-lhe Reino.
i possível, senão verosímil, que os acontecimentos se Ela, que da pobreza e humilhação tinha sido esco-
i precipitassem. lhida para Mãe do Salvador, tinha uma facilidade
«Chegou a hora de Jesus», diria Maria, se tivesse especial, baseada na própria experiência, para com-
que manifestar a alguém os seus pensamentos. preender porque Jesus escolheu aqueles homens do
1 A hora dum homem era considerada como um
período de grande transcendência na sua vida, talvez
povo para o acompanharem.

até fixado por Deus, dum modo particular.


Pela profecia de Simeão sabia Maria que, quando O PRIMEIRO ENCONTRO DE JESUS COM SUA MÃE
tudo se conjurasse contra Jesus, Ela estaria a seu lado; DEPOIS DE PROCLAMADO MESSIAS
e, pela revelação do anjo Gabriel, sabia também que
a luta acabaria pela vitória de Jesus e pela implan- A Mãe de Jesus estava ali, e 'Jesus
tação do seu sacerdócio eterno. l:ambém foi convidado com sei<.< discí-
pulos.
Nesta convicção, Maria sentia-se obrigada a !Jofo, 1f, 2).
unir-se a Ele e a esperar a seu lado. Sua alma dese-
java ardentemente servir em tudo a seu Filho, que se Ao abraçar-se, no começo, uma grande empresa
estava revelando como Messias. todos vêem o fim, os frutos e bênçãos dos seus traba-
A sua atenção fixava-se não só em Jesus mas lhos com mais entusiasmo do que depois, quando se
também nos seus discípulos que tinha chamado sole- trata de a executar escrupulosa e gradualmente. Tam-
nemente e escolhido para a sua obra. bém na alma de Jesus se representam juntos a sua
Os íntimos de Jesus foram, já então, os filhos obra e a sua missão, depois do baptismo no Jordão e
espirituais de Maria. Para nos convencermos disto não dos quarenta dias de jejum e solidão no deserto. Não
é necessário recorrer à alta mística, basta aplicar a se fixava em cada uma das fases da sua vida, mas
: ' este caso as leis ordinárias da vida. Não é isto que faz tinha sempre diante dos olhos o ponto culminante da
'i 1
toda a mãe? sua carreira na terra: a sua paixão e morte de cruz
Basta que um estudante traga consigo para férias que redimiriam o mundo do pecado, e que, por este
1 alguns companheiros, e declare a sua mãe que aqueles meio, lhe haviam de conferir a glória e senhorio eter-
são os seus melhores amigos, para que ela sinta para nos sentando-o à dextra de seu Pai.
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com eles as relações de maternidade espiritual.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

~ Esta disposição fazia com que os pensamentos de lio nos transes mais difíceis da sua vida. Contudo, por
Jesus se fixassem em Maria, que já antes tinha sido então, não lhe pode dizer, nem iniciá-lo em tudo o que
enquadrada, como sua Mãe, na obra da Redenção e o futuro lhe reserva. E porque se deve ater a alusões
que mais tarde, na consumação dela voltaria a ter um genéricas, não pode abrir o seu coração imediata-
lugar preponderante. mente depois do encontro, devendo esperar o momento
li Por isso, quando o tornou a ver em Caná, o amor oportuno para lhe dizer, de passagem e na medida em
que lhe consagrava abrasou-lhe o coração. Este amor que as circunstâncias o permitam, aquilo que a ele

era muito diferente do que ordinàriamente sente um preocupava inteiramente.
filho para com sua mãe, se bem que também este Ora esta ocasião teve-a Jesus nas bodas de
existisse, em sumo grau, entre Jesus e Maria. Deste Caná.
amor brotou, como de uma brota outra chama, outro Costuma pensar-se que o encontro de Maria com
amor completamente diferente e muito mais forte : o Jesus e de Jesus com Maria são uma e a mesma coisa.
amor do Redentor àquela «cheia de graça », que o Pai Mas não é nada assim. Quando Maria viu pela primeira
tinha escolhido para Ele, entre todos os seres humanos, vez em Caná seu Filho como Messias, proclamado por
para lhe assistir nos momentos mais difíceis da sua João, este apresentava-se-lhe sob um aspecto novo.
vida. Visto que o Pai Celeste a tinha proclamado E o que Maria sentiu ao vê-lo, foi origem de novos
auxiliadora da obra da Redenção e que Ela tinha já pensamentos a seu respeito.
dado o seu consentimento, não era necessário que Jesus, por sua parte, não se deteve na ideia de
Jesus lhe dissesse solenemente, como a Pedro, o fim que se apresentava pela primeira vez a sua Mãe como
para que Deus a destinava. Também não era neces- Messias.
sário impor-lhe um nome oficial. Nome e ofício tinha Agora já não via n'Ela apenas a Mãe a quem
Ela já. Era, simplesmente e sem igual, a « mulher cheia devia a vida natural, mas também a mulher e, dum
de graça », « a mulher destinada a realizar a obra modo especial, aquela mulher a quem o Pai tinha assi-
de Deus». nalado um lugar especial na fundação do seu Reino ~·1.
Só tinha que anunciar-lhe, como a auxiliadora pelo sacrifício da cruz e a sua continuação : O posto
maternal no seu sacrifício, a missão que a esperava de colaboradora maternal.
no futuro, em razão do ofício que recebera. Em sua humildade, Maria não pensou nisso um só
As relações do Messias com sua Mãe podem, até momento ao ver de novo Jesus. É o que nos ensina
certo ponto, comparar-se às dum homem que encon- perfeitamente o desenvolvimento interno do milagre de
trou um amigo fiel, que sabe lhe prestará todo o auxí- Caná: Jesus saudado por sua Mãe não já como seu

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mente como Mãe natural mas como auxiliadora mater-
nal no sacrifício redentor.
MARIA, MÃE DE JESUS

O preço do vinho não era tão elevado que os des-


culpasse. Não temos, é certo, tabelas de preços dos
vinhos da Palestina. Nos países da região mediterrânea
custava o litro, segundo a qualidade, de 15 centavos a
um escudo. Na Galileia o preço devia ser menor, por
A SÚPLICA DE MARIA ser uma região essencialmente vinícola.
Ainda que Maria pensasse que eram necessários
Tendo faltado o vinho, disse a Jesus sua Mãe: Eles não têm
vinho. E Jesus respondeu : Mulher, que temos nós com isso?
500 litros, 200 escudos sobravam para remediar a difi-
Ainda não chegou a minha hora. E sua Mãe disse aos serventes: culdade.
Fazei tudo qu e ele vos disser 1. Porém, não se tratava só do desaire dos noivos.
Sobre o próprio Jesus, sobre Jesus que fazia a sua
Quando todos se encontravam no auge do entu- primeira manifestação como Messias, podia cair uma
siasmo correspondente à alegria da festa, por detrás nódoa de consequências mais funestas que a vergonha
dos convivas descobria-se o perigo dum iminente a que os noivos estavam expostos. Estes, na sua angús-
desaire: o vinho ia acabar. O pouco que restava tia poderiam atribuir a falta do vinho à presença de
depressa se esgotaria. Jesus e da multidão de gente que só tinha vindo para
Maria ajudava e dava o seu parecer não só antes o ver ou que multiplicavam as suas ·visitas por causa
mas também durante o banquete nupcial, sendo, por d'Ele. A culpa principal recairia, por isso, sobre Jesus.
isso, uma das primeiras pessoas a ter conhecimento da Portanto, a participação feita a Maria, da falta do
angustiosa situação. vinho, talvez não fosse feita só por consideração para
Segundo a narração evangélica, conheceu-a antes com os noivos, mas também por causa da situação em
ainda do mestre-sala, que, por ofício, era encarregado que seu Filho ficaria.
de fazer as misturas dos vinhos. Que Maria desse conhecimento do que se passava
Que confusão não ameaçava os noivos no mesmo ao «Messias», a quem eles tínham acanhamento de
momento em que Jesus os honrava com a sua pre- se dirigir, era um raio de esperança que ainda brilhava
sença ! Se não se remediasse aquela situação, no pró- no íntimo da sua alma.
prio dia da sua morte se diria: «Não tiveram vinho Maria tinha a certeza de que Jesus entregaria
bastante na festa do seu casamento! » aos noivos o seu presente, como era costume, afas-
tando a confusão que estava iminente. Ainda era
1 João, 11, 3 -5 . tempo de remediar o mal sem dar na vista, pois, de

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facto, ou os convidados não tiveram conhecimento Durante a sua vida pública e naquele «tempo
deste incidente, ou só o conheceram quando o mal intermédio » Maria não acompanharia a Jesus nem
1 estava já remediado. Mas como Jesus tinha vindo d'Ele cuidaria, como a dona de casa cuida de seu
como Messias e não como homem vulgar, não convi- filho. Esta missão desempenhá-la-á, mais tarde, no
nha que se ocupasse pessoalmente de tais assuntos. momento culminante da sua vida, quando for estabe-
1
1
Por isso quis Maria encarregar-se deste negócio por ~· lecido o Reino de Deus.
sua própria iniciativa. Dada a sua primeira actuação, Então não será só a Mãe fiel do filho escarnecido,
podia intervir de novo, depois do que Jesus lhe tinha
dito, sem chamar a atenção de ninguém.
mas assistirá como cooperadora maternal, designada
por Deus, à obra da Redenção e à fundação do Reino
1
Por esse motivo dirigiu-se a Ele e disse-lhe: «Não de Deus, pelo que receberá o correspondente título
têm vinho». de Mãe no novo Reino.
As palavras de Maria não eram um mero pedido
pessoal. Sê-lo-iam se pedisse alguma coisa para si.
Também se não tratava dum pedido feito com os RESPOSTA DE JESUS A SUA MÃE
olhos nos sentimentos de Jesus. Havia aí uma proposta:
que a tomasse por medianeira e assim por seu inter- ' .._. 'Jesus disse-lhe: mul11cr, que temos
\ ,. nós com isso? Ainda não chcgo tt a
médio, fizesse chegar aos convidados o seu donativo. .\ \,
minha hora.
As suas palavras e a sua proposta não se dirigiam
Jª ao carpintefro de Nazaré, mas ao Messias, como
Jesus mostrava ser, colocando-os a ambos num novo
plano. Tudo quanto Jesus quis dizer a sua mãe a res-
Maria quis confiar-lhe, agora mais que nunca, peito do que Ela lhe pediu para os esposos, resumiu-o
tudo o que dizia respeito à representação da família, nestas palavras : « Que temos nós com isso ? Ainda
servindo-o ainda com mais zelo no lugar em que, até não chegou a minha hora».
então, o tinha servido. Esta resposta, tão breve e tão lacónica tem tido
Apresentou-se, pois, a Jesus, como quem via n'Ele várias interpretações.
o Redentor; com a intenção de continuar a ser sua A primeira frase é um modo de falar próprio do
Mãe e, como tal, o servir. Dado isto, Jesus não só povo trabalhador. Para conhecer bem o seu sentido é
tinha oportunidade de lhe comunicar o que queria, necessário conhecer os seus antecedentes próximos e
mas, como que tinha necessidade de o fazer. as relações que têm entre si os interlocutores. É neces-

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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

sário. pois, examinar todas as circunstâncias em que


Com a solenidade própria do Messias, que fazia
tal linguagem foi usada, harmonizando-a com as rela-
abertamente a sua apresentação, chamou Jesus a sua
ções mútuas das pessoas que falam. Portanto, a res-
Mãe «mulher».
posta: « Mulher, que temos nós com isso » dá-se em
Vamos mostrar, em particular, como este título
Caná exactamente num momento em que Maria e
não era um modo geral de falar mas um tratamento
Jesus se encontram numa situação nova. Para conhe-
particular para Maria.
cer o sentido desta resposta é necessário partir
Jesus, ao falar da «sua hora» refere-se sempre,
deste facto.
como se pode ver pela análise de outros casos do
Maria fizera a Jesus um pedido para outrem ;
Evangelho, a um momento decisivo da sua vida - à
oferecera-se, além disso, para tomar parte activa na
sua paixão, morte e ressurreição - que mais tarde
sua realização; dirigira-se a Jesus não como a seu
anunciaria, de ante-mão, a seus discípulos por estas
Filho e dono da casa, mas como a Messias. Nestas
palavras: «O Filho do homem sofrerá muito, será
circunstâncias a resposta de Jesus continha o seguinte :
repelido pelo Sinédrio, pelos Príncipes dos sacerdotes
1. 0 Jesus recusa, em princípio, todo o auxílio de
e pelos Escribas, e será morto. Mas depois de três
Maria;
dias ressuscitará».
1,i 2. 0 Jesus chama a si absoluta e incondicional-
Estes acontecimentos eram, na mente de Jesus,
l
mente, este negócio, sem dar a entender o que faria;
,111
fim e princípio, ao mesmo tempo. Fim da vida terrena
3. 0 não responde como filho de Maria e senhor
1

e transitória e princípio da sua existência celestial e


1

da casa de Nazaré, mas como Messias, visto que,


!! eterna, como Redentor. A este ponto culminante se
como a tal, sua Mãe a Ele se dirigia.
referia a expressão « ainda não chegou a minha hora »
Jesus não deu esta resposta negativa sem conexão
pronunciada em Caná; porém naquela ocasião parecia
com outras palavras, pois acrescentou logo : «Ainda
ainda muito obscura, por ser a primeira vez que a usava.
não chegou a minha hora».
A linguagem de Jesus tinha para Maria algo de
Talvez a palavra « mulher>> pertença também a
misterioso e oculto. Ocasiões houve em que deu res-
esta frase e, sendo assim, deveria ler-se : « Mulher,
postas estranhas e de misterioso sentido mas que, à
ainda não chegou a minha hora».
primeira vista, só manifestavam uma coisa: que, sobre
Pelo menos, Jesus empregou este modo de falar
o assunto, Jesus não queria manifestar claramente
noutras ocasiões excepcionais, por exemplo, para
tudo o que sabia.
ressuscitar mortos: « Menina, moço, eu te ordeno,
Tal modo de falar não era usi:do só quando falava
levanta-te ! »
com os seus inimigos, quando dizia, por exemplo, aos

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três dias», Mais vezes usou este modo de falar, diri-
gindo-se aos que viviam com Ele e, sobretudo, quando ·
JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

que lhe estava reservada, nos destinos de Deus. Igno-


rava, porém, o momento preciso em que isso devia
acontecer.
anunciava o que haviam de sofrer por sua causa. Ninguém sabia, por certo, a não ser Jesus, que
Deste modo disse aos filhos de Zebedeu: «também ainda havia um grande espaço de tempo para o povo
vós bebereis o cálix que bebo » ; e a Pedro : « quando f poder decidir-se livremente a favor ou contra o Mes-
fores velho, outro te cingirá e te levará para onde não sias. Somente depois de ter passado, sem proveito,
quererás », aquele prazo, é que o Redentor chegaria ao ponto cul-
Também agora não quis ser mais claro ao falar minante da sua carreira, àquele declinar da vida que
com sua Mãe. Simeão vatich-.ou no Templo.
;
'I Por outra parte, Maria estava mais apta que nin- Com um olhar de profundo agradecimento pelas
,l guém para compreender inteiramente aquele modo de suas boas disposições, indicaria Jesus a sua Mãe que
i~ falar. Guardava em seu coração as palavras do anjo o tempo em que haviam de padecer juntos não estava
~
I'
a anunciarem-lhe que Jesus rec eberia de seu pai a
soberania real; e a profecia de Simeão, segundo a
próximo e que, portanto, o seu oferecimento para lhe
assistir, era prematuro: «ainda não chegou a minha
~ qual a posse desse trono seria precedida duma luta hora » !
.encarniçada em sua presença, luta em que o destino Atendendo à índole da nossa língua, o sentido das
de seu Filho e o seu seriam inseparáveis. A esta palavras de Jesus torna-se mais claro inserindo o
ciência aliava-se um certo instinto que a não deixava advérbio « agora» na primeira parte da resposta, de
interpretar falsamente as palavras de seu Filho, levada modo a traduzir-se: « que temos nós, agora, com isso,
por qualquer sentimento de egoísmo. mulher? Ainda não chegou a minha hora», Numa tra-
Podia enganar-se, como humana que era, mas dução livre poderíamos resumir as palavras de Jesus '
não desvirtuar, por culpa própria, a verdade, por pouco deste modo : « deixemos isso » que costumam dizer as
que fosse. Mas o erro, n'Ela não passava além de mera pessoas amigas.
possibilidade, justamente porque a sua vida fora enqua- Se em tradução mais livre quiséssemos expressar,
drada nos misteriosos planos de Deus. com maior clareza, o sentido destas palavras, podería-
Por isso, os sentimentos de Maria eram rectos e mos servir-nos da expressão banalmente usada entre
puros. Não ambicionava mais do que colocar-se ao pessoas que se entendem : « deixemos lá isso agora ».
lado de Jesus; não para ter o primeiro lugar no seu Eis uma situação banal na vida humana que pode,
Reino, mas para ser atravessada pela espada de dor a título de comparação, projectar certa luz no caso

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MARIA, MÃE DE JESUS
r···~~"=-=·=·>"'=--·~~"="4·=; .. ,..,..~._,,..,.~,~~~,,.;; MARIA, MÃE DE JESUS

~j avisaram da falta do vinho. E como resposta a esse


presente: Uma pessoa oferece auxílio a um amigo
seu aviso tomaram eles, decerto, as palavras que Maria
íntimo que se encontra em apuros. Este, porém, pre-
lhes dirigiu: «Se Ele - Jesus -vos der alguma ordem,
vendo que mais tarde se há-de encontrar em situação
cumpri-a :o.
muito mais grave, em que mais necessitará do seu
Os criados pensaram, certamente, que Ela tinha
amigo, confiado na sua promessa, rejeita o auxílio
falado com Jesus e, pelo seu modo de falar, puderam
que lhe oferece agora, reservando-o para o momento
concluir que não conhecia com exactidão as intenções
difícil que o espera. Fá-lo, pouco mais ou menos por
do Filho.
estas palavras : « Agora não, mais tarde! »
Deste modo tinha-se Maria submetido, como
Eis aqui substancialmente concretizada, nos acon-
escrava do Senhor, da maneira mais perfeita, à von-
tecimentos da vida ordinária, a situação e a resposta
tade do seu Filho. Então despachou Jesus a sua peti-
de Jesus a Maria. E assim como em tais circunstâncias
ção, traçando antes, em princípio, uma linha divisória
pode o amigo dar a conhecer, de qualquer modo, que a
entre ambos. E fez-lhe a vontade, não movido pelas
presente recusa não é um sinal de desconfiança, mas
circunstâncias do momento, mas em atenção à con-
sim de confiança. suprema, assim também Jesus deu a
fiança perseverante de Maria, símbolo e exercício da
sua Mãe uma prova do seu amor, despachando-lhe
sua missão futura, como intercessora maternal que não
milagrosamente a sua petição.
desanima. Dum modo semelhante rejeitou, mais tarde,
Maria tinha esperado que Jesus lhe indicasse o
a Cananea declarando em princípio: « Fui enviado só
que devia fazer. A sua resposta foi, sem dúvida, para
para os filhos de Israel», ainda que em seguida, a
Ela uma surpresa. Contudo, Jesus somente lhe dava a
atendeu, porque, apesar da recusa, ela continuava a
entender que não tinha chegado a hora de aceitar a
confiar na sua bondade.
sua cooperação pessoal. Se pensava ou não socor-
Porém Jesus não deu o seu auxílio como qualquer
rer os noivos, não o manifestou directamente. Maria,
hóspede. Fez um milagre que a si mesmo o acreditava
porém, que conhecia bem aquela situação angustiosa,
como Messias e a festa do casamento, convertida a
que conhecia os costumes da terra e a bondade de
escassez em abundância, ficava sendo a imagem do
Jesus, estava, por isso, firmemente convencida de que
Reino que havia de vir, assinalava o lugar que Maria
Jesus resolveria aquela dificuldade.
nele havia de ter.
É certo que essa esperança só Ela a podia ter,
Se Jesus se servisse do auxílio pessoal de Maria,
esperança firme, mas calma e sem teimosia. Para
se, por exemplo, se tivesse servido d'Ela como mensa-
aplanar o caminho, na medida das suas forças, diri-
geira das suas ordens para os criados encherem as
giu-se aos criados que foram, provavelmente, quem a

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talhas, o povo tê-los-ia considerado como dois astros, Nalgum lugar da casa, ou no pátio, havia seis
o que, humanamente falando, quase impossibilitaria a grandes talhas de pedra que se destinavam às purifi-
Jesus apresentar-se como Filho de Deus, Redentor cações rituais. Os hóspedes, antes de comer, nelas
único da humanidade inteira. Por isso quis ocultá-la lavavam as mãos.
aos olhos dos homens até que chegasse a hora da Jesus mandou aos serventes que as enchessem
redenção, propriamente dita. de água até cima. Cada uma podia levar de 70 a 120
Se, além disso, Jesus quis, de passagem, deixar a litros. Por isso levou tempo a enchê-las. Tiveram que
Maria qualquer advertência ou instrução, ficava-lhe fazer diversas viagens à fonte ou poço da povoação.
desde então marcado o lugar que havia de ocupar Quando estavam cheias, Jesus ordena: «Tirai e levai
desde o princípio da sua actividade messiânica. ao mestre-sala » !
E como aquela entrevista com seu Filho, procla- Se os criados não estavam convencidos de que
mado Messias, podia tornar-se a repetir, e tendo Ele Jesus tinha falado primeiro com ele, a sua obediência
declarado a sua Mãe, por palavras e por obras, que era quase uma temeridade. Que aconteceria se, em
estivesse preparada para o futuro, não podia Ela fazer vez de vinho, que o mestre-sala estava esperando, lhe
outro pedido, durante a actividade pública de Jesus. apresentassem água? Não o tomaria por uma brinca-
deira de mau gosto, por uma afronta pessoal?
Em semelhantes cargos honoríficos os orientais
O MILAGRE eram tão melindrosos como o são agora. Não obstante,
Maria, a Mãe do Messias, a parenta que continuava a
ajudar no serviço dos hóspedes, tinha-os preparado
Havia ali seis talhas de pedra que serviam para as purifica-
ções usuais dos judeus, levando cada uma duas ou três medidas.
para cumprirem as ordens de Jesus. Este, em pessoa,
Jesus disse aos criados: Enchei-as de água! Encheram-nas até ao deu ordens terminantes : «Tirai agora» disse «e levai
cimo. Jesus então disse-lhes: tirai e levai ao arquitriclino ! Eles ao mestre-sala». Este «agora » indica a atitude de
assim o fizeram. Quando este provou a água convertida em vinho, império com que Jesus deu a ordem e esperou que
como não conhecia a procedência (mas os criados que a tinham
ela se executasse.
tirado sabiam-no), chama o esposo e diz-lhe: todos servem ao
prindpio o vinho melhor, e o que não é tão bom quando os con-
Quando os serventes se apresentaram ao mestre-
vidados já estão satisfeitos; tu, porém, guardaste até agora o -sala, ele provou, como era costume, a água conver-
bom vinho ! 1. tida em vinho. No primeiro momento não advertiu,
mas depois provou e tornou a provar, e verificou que
aquele vinho era muito melhor que o outro. Certa-

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·i 1

11

I' MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

mente devia estar arrecadado em alguma vasilha de Deste modo, os serventes do banquete foram tes-
que não lhe tinham dado conta. temunhas e colaboradores do milagre de Jesus, sem
O homem não sabia se se havia de alegrar ou irri- · que, enquanto cumpriam as ordens, tivessem o menor
tar, e por fim manifestou o que sentia por uma forma pressentimento do que ia acontecer. Por isso não
que envolvia uma censura. Manda chamar o noivo e houve pergunta que lhe não fizessem. Por sua parte
diz-lhe: «Todos apresentam primeiro o vinho melhor, eles não tinham nada que ocultar. Contaram, pois, que
e o que não o é tanto, quando já todos estão satisfeitos ; Maria foi ter com eles e lhes disse : « F azeí tudo
tu, porém, guardaste até agora o bom vinho ! Isto quanto ele vos disser » !
não está bem ! O encargo de distribuir o vinho era Esta particularidade deu origem a uma nova
meu e eu o faria muito melhor do que tu o fizeste » ! pergunta feita, pelo menos, por aqueles que tinham
O noivo estava tão embaraçado como o mestre- maior interesse no assunto. Sabia Ela, quando falou
-sala. Que fazer? Retirar-se ofendido? Não o deixar daquele modo aos criados, que Jesus ia fazer o mila-
em paz nem sequer durante as festas do seu casa- gre? Seria por saber o que ia acontecer que Ela falou
mento ! De mais a mais sem sombra de razão, pois tão vagamente ?
ele mostrara todas as provisões, sem deixar nenhuma. Era necessário esclarecer bem o caso.
E não eram excessivas. Iriam em comissão alguns, que a conheciam melhor,
É possível que se travasse discussão, afirmando para se informarem de fonte segura. É possível até
o mestre-sala que não lhe mostraram aquele vinho que o tenham feito publicamente, no meio da alegria
quando tomou conta do seu encargo, enquanto que o que o caso suscitara.
noivo persistia em afirmar que não lhe ocultara Que satisfação teria então Maria em atribuir a
nenhuma bebida. Porém não houve tempo para que Jesus toda a glória, e em declarar pura e simples-
a discussão se acalorasse e enveredasse por outro mente: «eu não sabia que o milagre se ia operar».
caminho . Intervieram os criados desculpando, ao Deste modo todas as atenções se voltaram para Jesus.
mesmo tempo, o noivo e o mestre-sala. O noivo não O entusiasmo que este facto despertou em volta
tem culpa, o vinho não é dos seus depósitos! O mestre- de Jesus dificilmente se imagina e mais dificilmente
-sala também não a tem. E mais do que isso. Fica se descreve.
bem posta agora em evidência a sua perícia como Antes do milagre conversavam os hóspedes em
apreciador de vinhos. Este vinho provém da água que grupos separados : os mais v.elhos, sentados em estei-
nós, por ordem de Jesus, deitámos nas talhas e que ras, davam prova da pacatez própria da sua idade ;
imediatamente trouxemos aqui. os jovens entretinham-se diante da casa ou nos ter-

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MARIA, MÃE DE JESUS

raços, passando o tempo a bailar ou a dansar em


círculo.
Noutros grupos, à parte, conversavam as donzelas
MARlA, MÃ: ::o::U:em •=0~=~==-1
Sem ser anunciado, sem nem sequer estar presente
quando o milagre se operava! e este fê-lo Jesus, que
e as mulheres. durante anos trabalhou como -carpinteiro.
Mas agora o milagre, e o que a · respeito do mesmo E este milagre deu-se de improviso : de impro-
se dizia, reunia-os a todos. t viso para sua Mãe ; de improviso para os discípulos
De novo se foi:mavam novos grupos que, por sua que Ele tinha chamado para o acompanharem ; de
vez, se dispersavam e, se o não tinham feito antes, improviso para os parentes de Jesus que estavam
partiram agora mensageiros a dar, pelas portas, a presentes ; de improviso para os hóspedes. Para
alegre notícia. todos sem excepção uma surpresa que impressio-
Pela tercein~ vez apareceram novos hóspedes. ~ava todas as pessoas que a ele assistiram, mas de
Estes, porém, vinham só por causa de Jesus. modo diferente, segundo as disposições da alma de
cada um.
Maria, a Mãe de Jesus, era a que tinha ciência
/ EFEITOS DO MILAGRE mais secreta e critério mais acertado para apreciar a
significação do milagre.
1 Por este modo deu 'Jesus princlpio
aos milagres em Caiiá da Galileia, e
Abriu-se-lhe um mundo novo.
" Ainda não chegou a minha hora » tinha dito
manifestou a sua glória, e os seus dis-
Jesus ; e logo a seguir opera-se o milagre ! Portanto
cípulos creram ttele.
« a sua hora » seria precedida duma época em que se
(J oÃo, [[, u ).
manifestaria aos homens por meio de milagres, pre-
parando-os para lhes revelar o mistério da sua filia-
Havia séculos que não se operavam milagres em ção divina. E então compreendeu também a razão
Israel. Nos Livros Sagrados costumava ler-se que Elias daquelas palavras, tão estranhamente solenes, antes do
.) não deixara esgotar-se o azeite e a farinha da viúva; milagre. Ele, absoluta e incondicionalmente, encarre-
.•
isto, porém, tinha acontecido há tanto tempo que era gava-se, como Messias taumaturgo, de despachar a
impossível relacioná-lo com o presente. petição da sua Mãe, fazendo, para isso, um milagre.
João Baptista tinha começado a pregar, mas, Portanto o milagre tinha sido feito a instâncias de sua
segundo parecia, não tinha o poder de fazer milagres Mãe. Este pensamento deu uma nota de jubilosa alegria
como os antigos profetas. à surpresa que Maria teve quando presenciou o milagre.

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MARIA, MÃE DE JESUS

E, ao mesmo tempo, influiu para que entre ambos, se


estabelecesse uma certa distância.
Jesus tinha-se mostrado, também, para com sua
Mãe, particularmente identificado com Deus, e como
que isolado, inacessível.
Durante a sua vida pública foi-se projectando
cada vez mais luz sobre. o sucesso de Caná. Maria
pôde conhecer que a sua futura assistência ao lado
de Jesus teria de ser numa esfera superior, num plano
mais elevado. "~
As múltiplas comparações que Jesus fazia do "
"e
Reino dos Céus eram muito significativas a este pro- "
pósito.
j' !I
Os discípulos também ficaram surpreendidos.
Mesmo supondo que eles, antes do encontro com 2
=
"""
DE SCR IÇÃO DA GRA VURA
""'"
'""...g-
A gravura mostra uma aglomeração de gente diante de uma casa. ..e
Espectáculo ·semelhante a este viu-se quando os parentes de Jesus e ...,,"
Maria, sua Mãe, o procuravam sem poder chegar até onde ele estava, <
impedidos pela multidão.
Assim como as crianças da primeira fila olham para o fotógrafo,
assim olhariam todos para Maria e para os parentes que se aproxima-
vam. Estes apresentaram-se como « parentes de Jesus " , e, para darem
peso às suas palavras, apontariam também para Maria, a Mãe de Jesus.
Imediatamente começou a circular a notícia: « A Mãe de Jesus e os
seus parentes estão ali " !
Todos pensavam que Jesus se levantaria imediatamente para os
saudar e ouvir. Porém Jesus aproveitou aquela ocasião para mostrar a
seus ouvintes que a eles, aos que tão diligentemente o escutavam, con-
tava Ele como seus parentes espirituais.

328
Fot. Raad

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MARIA, MÃE DE JESUS ~ __
.............. _

Jesus, esperavam que o Messias fizesse milagres, sem


dúvida que não contavam que o primeiro seria con-
verter a água em vinho em proveito dos convidados
para as bodas dum pobre casal, duma humilde aldeia
da Galileia.
A surpresa encontrou neles uma disposição de
alma favorável. Alegravam-se vendo o Mestre fazer
milagres; pelo que o olhavam com crescente afecto.
Também para os parentes de Jesus foi o milagre
uma surpresa. Porém os sentimentos dos seus cora-
ções não lhes eram favoráveis. A princípio fariam
côro com as alegrias do povo, em geral, uma vez
que Jesus se apresentava como Messias, de modo que
podia harmonizar a sua actividade futura com a ideia
do Messias terreno, que eles se tinham formado. Mas
já então havia coisas que não lhes agradavam. Na
missão para que se estava preparando prescindia, por
completo, dos seus parentes carnais, dos seus direitos
e exigências ! E entretanto parece que deviam ser eles
os primeiros a ser ouvidos e a dar a sua aprovação.
Não foi, porém, o parentesco a última razão que
levou Jesus a apresentar-se publicamente desligado da
sua própria Mãe.
Para a fundação do seu Reino convinha-lhe esco-
lher, desde o princípio, um terreno espiritual propício,
isolado de seus parentes carnais. Pelo que tinha esco-
lhido Simão, desde o princípio, para pedra e alicerce
do edifício.
Os convidados, por sua parte, ficaram também
surpreendidos com o milagre. Não foi só alegria, não ;
;
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...... -------,-_.._, p~
329

1 ,,.,

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r•Y-""""-~~·-~'='~'"""""""""''"'°"'º""''""''"'"'""""·~·'7:0""1 MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

~
'~ foi admiração que os obrigava a tomar uma atitude dades. Uma delas é não estarmos amestrados no sim-
definida a respeito de Jesus. E nem todos eram do bolismo, cuja interpretação é ainda mais difícil neste
'·] caso porque só as palavras de Jesus fazem referência
mesmo parecer.
Alguns criam sinceramente que Jesus era o Mes- ao valor simbólico deste acontecimento e, entre elas,
sias. Havia quem se pronunciasse a seu favor com uma pràpriamente, só o apelativo « mulher » dado a Maria.
1 satisfação mal definida; pura exterioridade. Alguns Há, entretanto, um meio de iluminarmos com luz
escandalizar-se-iam também por Jesus ter sido carpin- extrínseca o milagre de Caná, no seu aspecto peculiar
teiro em Nazaré. Uma hora depois do milagre de Caná de milagre alegórico. Ele pertence, com efeito, a um
já se havia operado a divisão dos espíritos que Jesus grupo determinado de prodígios de Jesus que têm par-
queria e devia determinar com a sua actuação pública. ticular importância e apresentam diversos pontos de
Desejaríamos saber ainda se João Evangelista contacto. Do seu confronto com outros paralelos jorra
assistiu à conversa entre Maria e seu Filho, antes do uma luz surpreendente sobre o milagre de Caná.
1
1
milagre. Parece mais conforme à verdade a hipótese Os Evangelhos apresentam-nos três milagres de
Jesus que se distinguem de todos os demais e que se
·~ de Maria ter falado a sós com Jesus. A falta do vinho
ainda não era conhecida de todos, e Maria devia estar podem classificar de «milagres sociais », milagres fei-
:! empenhada em que Jesus remediasse este mal sem tos em benefício da sociedade. Estes milagres são : a
l!
que ninguém desse por isso, na medida do possível. multiplicação dos pães (primeira e segunda), a pesca
O melhor meio para isso era falar-lhe à parte. E se milagrosa (primeira e segunda) e a conversão da água
em Caná ninguém presenciou a conversa entre os em vinho. Em todos eles Jesus não socorre a um indi-
dois, é possível que Maria nada dissesse da sua media- víduo em particular, como, por exemplo, quando c11r~
ção para a realização do milagre, até à ressurreição de um enfermo. O efeito da sua virtude prodigiosa é,
Jesus, e a primeira pessoa a quem o contou foi João antes, qualquer coisa que atinge a muitos e remedeia
Evangelista. as suas necessidades.
Os três supra-mencionados milagres têm outros
pontos de contacto. O destacá-los, fazendo-os realçar,
VALOR SIMBÓLICO DO MILAGRE dá-lhes tanta luz que, um olhar retrospectico quase
\.l.·~/
.··-
que basta para tornar claro o sentido do milagre de
O milagre de Caná não se pode apreciar condi- Caná.
gnamente se não se tem em vista o seu simbolismo. Os três são, antes de mais nada, a imagem da
Para o compreender tropeçamos com certas dificul- grande sociedade do Reino de Deus, a fundar-se.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

É certo que o seu primeiro efeito é remediar uma Por este modo esboçou o ·simbolismo, muito vago
necessidade presente, e simbolizar o remédio de outra, ainda, a respeito do príncipe dos Apóstolos. Como
espiritual, no futuro ; mas representam também as para a realização deste milagre tinha intervindo como
riquezas messiânicas de que há-de participar a comu- arrais dum barco tripulado por pescadores, assim tam~
nidade de todos os crentes. bém havia de consagrar um dia a sua vida, juntamente
Em particular e mais concreto ainda, dão a conhe- com a dos seus companheiros e como chefe da Igreja,
cer a posição que terão um dia na comunidade dos ao trabalho de ganhar almas para Cristo.
crentes os que colaboram com Jesus na realização do Em Caná deu-se coisa parecida. A conversão
milagre, seguindo as suas instruções. da água em vinho não teve por efeito só livrar os
Quando Jesus multiplicou os pães, mandou aos noivos duma dificuldade ; era, ao mesmo tempo, uma
Apóstolos que fizessem todos os preparativos que imagem dos preciosos frutos do futuro Reino. E a
estavam ao seu alcance. O milagre que proporcionou cooperação de Maria era também um símbolo do
lugar que lhe competia no Reino de Deus.
li aos homens o pão material para o alimento do corpo
foi, ao mesmo tempo, um símbolo do prodígio inaudito Também ali não faltou a palavra auspiciosa de
que Jesus havia de operar proporcionando-lhes um Jesus, posto que não se manifestou do mesmo modo
manjar para alimento da alma. As palavras de Jesus, que na multiplicação dos pães e na pesca milagrosa,
no dia seguinte ao milagre, mostram-nos isto mesmo. sendo, como eram, diferentes as relações de Maria e
Porém o simbolismo não se referia somente ao pão dos Apóstolos para com a Igreja. Os Apóstolos tinham
das almas ; referia-se também ao posto que ocupariam sido chamados. A vocação de Maria, para a obra da
os Apóstolos no Reino de Deus. Assim como agora redenção, deu-se quando Ela respondeu ao anjo Gabriel,
distribuíam o pão do corpo, assim distribuiriam, um mensageiro da Incarnação : « Eis aqui a escrava do
dia, o pão das almas. Senhor!» Jesus chamou a Pedro na primeira pesca;
A pesca milagrosa foi coisa parecida. O milagre a Maria não, porque já lá estava. Por isso, ao chamar-
prefigura a Igreja que receberá em seu seio todos -lhe «mulher » lembrava-lhe simplesmente o ofício que
os homens, assim como a rêde recolheu os peixes. já tinha e dava-lhe a entender o que esse apelativo
Porém, ao mesmo tempo, assinala-se o posto que significava no futuro.
terão os Apóstolos e, dum modo particular, Pedro, Os trabalhos preparatórios dos que colaboravam
no novo Reino. nos ditos milagres e a intervenção de Jesus em todos
«Segue-me! Desde agora serás pescador de eles, relacionam-se deste modo: Jesus ordenava que
homens ! » disse Jesus a Pedro, depois do milagre. os seus cooperadores fizessem todos os preparativos

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

necessários, como se se tratasse de remediar um mal termina a sua narração com estas palavras: «Tal foi
puramente natural. Uma vez tomadas estas medidas, o começo dos milagres de Jesus em Caná da Galileia».
intervinha Ele pessoalmente, operando o milagre, Podia perguntar-se também até que ponto com-
sobre a base preparada pelos seus ministros. preenderam Maria, os Apóstolos e os hóspedes o
Mandou que os Apóstolos dividissem o povo em valor simbólico do milagre. Pode responder-se, com
grupos, antes da multiplicação dos pães, encarregan- certeza, que o compreenderam muito melhor do que
do-os de lhe distribuir o alimento, milagrosamente mul- nós que lemos a narração.
tiplicado. Acostumados por natureza aos factos alegóricos,
Mandou aos discípulos, antes da pesca milagrosa, tinham, por isso, certo instinto, para conhecer as
lançar a rêde como se se tratasse duma pesca ordi- acções simbólicas dos outros, principalmente dos
nária. Do mesmo modo procedeu em Caná. Da solici- homens escolhidos por Deus. Acresce ainda a cir-
1
tude maternal de Maria, da súplica por Ela feita a cunstância de que o matrimónio, laço de amor entre
f Jesus, das instruções que deu aos serventes brotou, homem e mulher, era quase o símbolo natural das
1 como de condições prévias e de preâmbulos, o pri- relações do homem com Deus. A festa do casamento,
meiro milagre do Messias. remate solene do rito matrimonial, tinha um esplendor
Essa solicitude da Virgem foi elevada, pelo mila- peculiar, transformando-se no símbolo da união do
1
gre que se lhe seguiu, a símbolo da actividade que homem com Deus.
Lhe correspondia por ocasião do sacrifício de Jesus Que essa festa era, aos olhos da gente simples, o
na fundação do Reino e, depois, perpetuamente. último grau de sublimação, provam-no, duma maneira
A respeito da intervenção de Maria, na realização iniludível, as parábolas de Jesus em que o Reino de
do milagre, pode fazer-se racionalmente uma pergunta : Deus é comparado a umas bodas. Se no povo não
Se a circunstância de ser este o primeiro milagre de existisse um fundamento quase experimental para esta
Jesus lhe acrescentou um novo simbolismo, que poderia comparação, Jesus não teria feito uso dela. Tal fun-
consistir em a causa de ser este o primeiro milagre damento se dava também em Caná, e Jesus não o
do Messias, ser devida a ter a união íntima de Maria perdeu de vista. Deste modo, o milagre do vinho
com Ele precedido todos os demais preparativos da inicia, de certo modo, as parábolas de Jesus em que
Redenção e os ter ultrapassado a todos em extensão. o Reino dos Céus é comparado a umas bodas.
É possível que S. João não quisesse indicar
somente uma circunstância de tempo, mas simples-
mente aludir à categoria do milagre de Caná quando
'i
334 ~'·':::""' ?;~'. .;'. '.U::tll'~~;.. .,. , fi:~~-~"'~-""~:<::".r.:.o;..,.~r,,_·,,t:..~-:i "-!toiC'1?:T'~~-.r~:;:l:>-•:1<.Nt<". -·•:-;:lf."':"-:'i:~·:=i.•r~-,.r.x-.'ll1ic::r: ~~~'"'-"'- ';. C-_'TI'l:"'IJ1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Redentor de que falava aquela profecia, na primeira


MARIA «A MULHER> página da Escritura: era seu Filho!
E a mulher que a seu lado é mencionada como
Em anos sucessivos, ouviu Maria ler e explicar na sendo a pessoa que, à semelhança d'Ele, estava em
sinagoga de Nazaré a história do paraíso e da queda completa hostilidade com o tentador, quem era Ela?
de Adão. A seguir vinha a promessa do Salvador que Não haveria também nos Livros Santos alguma
reza assim : « Disse Deus à serpente : porei inimizade coisa que se referisse a ela, à Mãe do Messias? E não
entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela; era Ela mesma essa mulher ?
ela te esmagará a cabeça e tu (somente) armarás cila- « Deus te salve, ó cheia de graça » ! Assim a sau-
das ao seu calcanhar ». dara o anjo . « Mulher cheia de Graça » foi a palavra
Esta passagem lia-se e comentava-se como sendo que, ao saudá-la, o anjo colocou no lugar onde se
alusiva ao Redentor. A profecia estava envolta numa costuma pôr o nome do interpelado, e onde o mesmo
imagem familiar a todo o oriental e que, por isso, a anjo colocaria depois o seu nome - Maria.
podia compreender por experiência própria. Isabel, cheia do Espírito Santo, empregara pala-
As serpentes eram uma das pragas mais terríveis vras semelhantes às do anjo : « És bendita entre todas
do país. Rojando-se sobre o ventre, acometiam os as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre» ! Como
viandantes, os quais só tinham um meio de salvação : na profecia que fala da mulher e do vencedor da ser-
levantar o pé com a máxima rapidez e esmagá-las. pente, reuniu também Isabel Mãe e Filho na mesma
Do mesmo perigo de ter a serpente tão próxima expressão.
seguia-se a libertação - ela morria esmagada pelo pé. Simeão, por seu lado, reuniu, mais tarde, a ambos,
Veladamente se indicava com isto como o Reden- fazendo alusão ao mistério da vinda do Redentor,
tor, que havia de vir, triunfaria do pecado. quando se travar o combate que a Mãe presenciará,
O Filho da Mulher triunfaria da serpente, mas a sendo a sua alma atravessada por uma espada.
este triunfo tinha de preceder um momento em que Todos estes acontecimentos permaneciam sempre
tudo parecia perdido. vivos na alma de Maria, desde o dia e hora em que
Já antes de dar o seu consentimento para ser a Jesus, pela primeira vez, tratando-a por « mulher»,
Mãe do Salvador, o espírito reflexivo de Maria tinha lhe disse : «mulher, que temos nós com isso? ainda
pensado que este vaticínio se referia a Ele. Desde o não chegou a minha hora ».
dia em que começou a ser sua Mãe, esta passagem
Como reagiu Maria a este novo apelativo de
teve para Ela, novo valor. Então soube quem era o
Jesus? O que é que lhe ocorreu naquele primeiro

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

momento ? Que se lhe representou a Ela, que tudo Mãe um nome novo. Assim como a Simão tinha dito
guardava em seu coração e tudo meditava? solenemente: «serás chamado pedra »' e como se tinha
Das circunstâncias em que Jesus lhe chamou apresentado a si mesmo como o « Filho do homem »,
«mulher» pode deduzir-se que, com isto, lhe marcava falou também a Maria, sem a prevenir e sem lhe dar
o lugar que havia de ter na obra da Redenção. É que depois nenhuma explicação, chamando-lhe « mulher».
pela Escritura sabia Ela que as pessoas predestinadas i' Em seu livro sobre Maria, ao procurar saber
a qualquer missão especial, segundo os desígnios de porque assim falou Jesus a sua Mãe em Caná, trans-
Deus, recebiam d'Ele um nome em hamonia com essa creve S. Pedro Canísio as palavras dum teólogo pro-
missão. E disso a certificaram os discípulos anuncian- testante, seu contemporâneo, com as quais se con-
do-Lhe como Jesus se tinha imposto a si mesmo, e forma inteiramente. Estão tão bem ponderadas, que
dado a Pedro um nome novo. as queremos reproduzir à letra:
Não sabiam ainda o que esses nomes significavam. « Cristo toma aqui em consideração aquela pri-
Notaram, porém, que Jesus procedia daquele modo meira promessa, segundo a qual a descendência da
por ser o Messias. A sua fé agarrava-se às palavras mulher esmagará a cabeça da serpente. E emprega
do Mestre como os ramos ao tronco. Estava, portanto, este modo de falar porque é o mais honroso de todos.
à porta a grande era - o tempo suspirado! Dentro de Entre todas as mulheres só Maria é a grande mulher,

i
pouco tempo se saberia o que esses nomes significavam. que teve aquela descendência, na qual todos os povos
Com maior perspicácia que ninguém examinava hão-de ser bem-aventurados. Só a Ela pertencem os
Maria a grata nova. Juntaram-se de novo em sua alma, magníficos títulos de honra com que o anjo Gabriel e
como num centro, os sentimentos cheios de esperança Isabel a saudaram como « cheia de graça » e « bendita
que atraíram os discípulos a Caná. Contudo, cada entre as mulheres ,. .
',
palavra que Maria ouvia a respeito de Jesus, fazia-a ( Por estas mesmas palavras lhe falou o Senhor
pensar no mistério que só Ela conhecia - o mistério quando do àlto da cruz, cheio de amor, a quis confiar

l
I'
da filiação divina. Eram como uma luz que lhe ilumi-
nava as palavras, mais brilhantemente que a ninguém.
Agora que Jesus se tinha apresentado como Mes-
sias acreditado pelo testemunho de João Baptista, pen-
à solicitude de João: « Mulher, eis aí o teu filho»,
Assim, pois, a exaltou e honrou ao morrer, com este
título honorífico que a fazia bem-aventurada entre
todas as mulheres.
sava talvez sua Mãe que depressa se revelaria ao Longe de nós pensar que o Filho de Deus tivesse
mundo este mistério fundamental. Mas naquela hora !i chamado « mulher » a sua Mãe, por menos estima,
de suprema expectação, Jesus dava também a sua
L. ~:~:::• 1.~~::o com amo::.~.~~~ ···~~ 339

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MARIA, MÃE DE JESUS

1:
1:1
Naturalmente não é possível saber ao certo quais
as relações que Maria pôde estabelecer entre o novo
apelativo solene, dado por Jesus, ou o que Ela sabia
da mulher prometida no paraíso, e o que, na sua
própria vida, lhe dizia o apelativo «mulher » ; nem,
portanto, se conhecia o sentido último do título com
que Jesus a honrara.
Não era necessário, por então, sabê-lo perfeita-
: fi
mente. Também Simão, o filho de Jonas, não sabia
; I''
1 :
ainda o que significava, para ele, o nome messiânico
i ·li'
de « pedra». E ninguém penetrava, em toda a sua
VI
'!
profundidade, o que Jesus pretendia ao chamar-se a
I•
si mesmo « Filho do Homem ». Parece que queria antes
1
esconder a sua filiação divina do que dá-la a conhecer.

~~ Do mesmo modo falou veladamente do ofício que Maria durante a vida pública 1
reservava a sua Mãe.
i
!i
1
Uma coisa descortinou Maria, claramente, nas pala-
vras de seu Filho: Que n a empresa que Ele tomava à
de Jesus i
1

sua conta, na obra da Redenção, tinha Ela que o auxi-


liar, mas esse te mpo propício viria mais tarde.
Quando se encontrou de novo com sua Mãe, Jesus
já não lhe estava sujeito, nem se restabeleceu mais a
vida comum, que foi para Ela, durante 30 anos, a maior
felicidade. Jesus ficou pertencendo agora aos discípu-
los e ao povo. Ela ficava na penumbra e na penumbra
queria trabalhar para ajudar seu Filho, enquanto fosse
esta a sua vontade. Porém, a todos os instantes estava
disposta a colocar-se a seu lado como escrava do
Senhor, logo que chegasse a "hora de Jesus»,

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I

Maria durante as viagens


apostólicas de Jesus

e·, ~'
ele estavam os doze e algumas mulheres que tinham sido
OM

curadas de possessao e de diversas enfermidades : Maria,


chamada a Madalena, da qual tinham saído sete demónios;
Joana, mulher de Cusa, procurador de Herodes; Susana e muitas
outras que o socorriam com seus bens 1.

Esta narração merece que se lhe preste atenção


especial, pelo seu conteúdo. Ilumina um aspecto da
vida pública do Messias para a qual não estavam
preparados. Um grupo de mulheres percorria com
Jesus a Galileia e acompanhavam-no, juntamente com
os Apóstolos. Entre elas havia algumas de distinção.
Diz-se, também, que estas mulheres os socorriam com
seus haveres e, portanto, também a Jesus e a seus
discípulos, que formavam um todo. Jesus não fazia
milagres para si nem para os seus. Segundo o que
fica dito, no séquito de Jesus havia dois grupos : um

l Luc., vm, 2-3 .

343

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

de homens, com Jesus à frente, e outro de mulheres cargo permanente de ecónomo; até ao fim dava esmo-
que servia o grupo dos homens. las em nome de Jesus. Quando, na última ceia, Jesus
Pode crer-se, por certas passagens, que estas lhe disse : « O que tens que fazer, fá-lo depressa,.
mulheres também acompanhavam Jesus na Judeia, ao pensavam os discípulos que o encarregava de algum
menos durante algum tempo. S. Mateus, Evangelista, negócio.
diferente daquele que fala do séquito das mulheres na Os Evangelistas mostram também que as mulheres
Galileia, escreve a respeito da crucifixão : « estavam nem sempre acompanhavam Jesus. Quando Ele se reti-
também presentes muitas mulheres que presenciavam rava à solidão para orar e aí passava toda a noite com
tudo de longe ; eram as que o acompanharam desde os Apóstolos, não permitiam os costumes que as
a Galileia, e o serviam ». mulheres o acompanhassem. É de crer também que
O Evangelista fala aqui - coisa estranha - de na grande e trabalhosa viagem de Jesus para o norte,
' 'I « muitas mulheres » ; não se trata, pois, de duas ou às terras de Tiro e Sidónia, elas não o acompa-
1 ;•I
três. Estas mulheres, ou se encontraram com Jesus no nhavam.
caminho, quando vinham em peregrinação para a festa A narração a respeito do séquito das mulheres
da Páscoa, ou o tinham acompanhado na Judeia, como parece indicar a ocasião em que estas costumavam
antes na Galileia. acompanhá-lo, a saber : « quando ia de cidade em
Não se pense, contudo, que Jesus e os Após- cidade, ou de aldeia em aldeia » isto é, quando visi-
tolos tinham necessidade absoluta dos serviços destas tava os lugares que lhe ficavam no caminho. Neste
mulheres. Sem grandes sacrifícios podiam providenciar caso, iriam elas adiante, arranjar a hospedagem e
às suas necessidades. preparar -a comida. Para elas reservavam uma parte,
A mulher oriental não toma tanta parte na admi- como era costume nas peregrinações a Jerusalém.
nistração da casa como entre nós ; os homens têm de Onde estava Maria quando Jesus percorria a
cuidar mais de si mesmos. Até há bem pouco tempo, Judeia e a Galileia como Mestre e Taumaturgo?
havia senhores de boa posição social que faziam, por Na impossibilidade de dar uma resposta perentó-
si mesmos, todas as compras. Os discípulos, como ria, indicaremos o que se poderia dar.
gente do povo, que eram, sabiam por si mesmos Maria podia acompanhar seu Filho no séquito das
fazê-lo muito bem. mulheres. O Evangelista diz expressamente que, no
O séquito de Jesus estava formado de tal modo tempo da crucifixão, se achava presente num daque-
que se podia dispensar o serviço das mulheres. Há les grupos. Contudo não faz menção d'Ela entre as que
passagens no Evangelho que o provam. Judas tinha o o seguiam na Galileia. Uns dizem que Ela não estava

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naquela comitiva, outros dizem que estava, se bem que na crucifixão, alguma coisa do que sucedeu neste
o Evangelista d'Ela não faça particular menção. período da vida pública de Jesus .
Pelo menos, é certo que Maria não ia sempre no Como é sabido, Jesus entregou do alto da cruz
séquito de Jesus. Uma narração evangélica, de que sua Mãe a S. João e este recebeu-a em sua casa.
vamos tratar - visita que a Jesus fez sua Mãe - Pouco antes da Paixão, Salomé, a mãe de Tiago e
supõe que se tratava duma verdadeira visita. Portanto, João, tinha pedido a Jesus que desse a seus filhos os
pelo menos no tempo imediatamente anterior, não primeiros lugares no Reino de Deus.
estava com Jesus. Por outro lado, é de supor que, por Estes dois factos levam a crer que entre Jesus e
ocasião das grandes festas anuais que interrompiam a a família de Zebedeu existia, desde há muito, uma
vida ordinária de todos, tomaria parte nas peregrina- intimidade bem arraigada ; um trato íntimo entre
ções a Jerusalém e se juntaria a Jesus, ou no cami- Jesus e os irmãos João e Tiago e entre Maria, a
nho ou na Cidade Santa. Mãe de Jesus, e Salomé, mãe dos filhos de Zebedeu.
Onde residia Ela no tempo em que não estava É muito possível que esta amizade e união tão estreita
com Jesus? É possível que nos primeiros tempos con- destas famílias viesse do tempo da vida pública de
tinuasse a viver em Nazaré e mais tarde em Cafar- Jesus na Galileia.
naúm, onde alguma família a receberia ; talvez a de Seja qual for a solução que se dê à pergunta que
Pedro, ou algum dos seus parentes. procura saber qual foi a morada de Maria, uma coisa
Depois que Jesus, dum modo tão indigno, foi é certa: Que durante toda a vida pública de Jesus,
expulso de Nazaré pelos seus concidadãos, é de crer Maria esteve em segundo plano; e não por mera
que Maria não continuasse a permanecer na cidade casualidade, mas por vontade do Filho.
pátria. Quando, mais tarde, Jesus se trasladou defi- Jesus declarou solenemente em Caná que a sua
nitivamente da Galileia para a Judeia, aconteceu-lhe hora, que era também a hora de Maria, ainda n.'.io tinha
o mesmo. chegado. E, imediatamente depois de dizer isto, faz o
Para este período da vida de Jesus apresentam-se, primeiro milagre ; concluindo, portanto, Maria que a
substancialmente, as mesmas possibilidades que no época dos milagres não era aquela em que, segundo
anterior. Em lugar de Nazaré ou Cafarnaúm, podemos a profecia de Simeão, se daria a batalha decisiva.
admitir a hipótese de Betânia com a casa das irmãs Mas, quanto mais o povo se ia afastando de Jesus
Maria e Marta. e os fariseus o perseguiam encarniçadamente, tanto
Além dos indícios que temos, da residência de melhor conhecia Maria que a « hora,. se ia apro-
Maria, talvez se possa reconstituir, pelo que se passou ximando.

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As relações de Maria com os discípulos mantive- Entretanto vinha-se aproximando, pela rua adiante,
ram-se, por isso, relativamente distanciadas até à a Mãe de Jesus, acompanhada de outros parentes.
Paixão de Jesus. Não se faz a menor referência ao lugar donde eram
Jesus era o único que conhecia a maternidade os componentes daquele grupo.
milagrosa de Maria, e esta continuou a ser a única Os parentes de Jesus, que vieram aqui, eram pro-
iniciada no conhecimento da filiação divina de Jesus. vàvelmente os mesmos que vemos noutras passagens
Jesus, porém, não queria que Ela o manifestasse. do Evangelho. E, como eram de Nazaré, o mais pro-
A sua missão era confirmar o mistério, depois da vável é que também Maria os acompanhasse, vinda de
entrada de Jesus na glória e de encerrado o ciclo da Nazaré. Seria muito agradável saber o que motivou
revelação. esta visita : se não a quisermos relacionar com o
sucesso de que falaremos no capítulo seguinte, tere-
: .h A MÃE mos que nos contentar com conjecturas.
'. l Chegou, pois, Maria com os parentes à casa em
1 :1 i
''?
:, 11: l Então chegaram sua Mãe e irmãos: sem entrarem na casa,
mandaram-no chamar. Estava sentada em volta dele uma multi-
que Jesus estava. Os que estavam à porta recuaram,
li' ao ver os visitantes. Os recém-chegados fariam, para
dão de gente quando lhe disseram : tua M ãe e teus irmãos estão
entabolar conversa, algumas perguntas : há quanto
lá fora à tua procu ra. E Jesus respondendo, disse : Quem é a
minha M ãe e quem são os meus irmãos? E olhando para os que tempo está o Mestre a ensinar ? Que tempo demorará
estavam sen tados a seu lado, disse : Eis aqui a minha mãe e os meus este trabalho? Porém, como não queriam esperar,
irmãos. Todo aquele q ue fizer a von tade de meu Pai, esse é meu deram-se a conhecer como parentes de Jesus, fizeram
irmão, minha irmã e minha mãe 1,
a apresentação de sua Mãe e manifestaram desejo de
falar com Jesus.
O povo, aglomerado à porta da casa onde Jesus A notícia correu de boca em boca, de sorte que,
estava, acotovelava-se. Homens e mulheres, rapazes e quando chegou lá dentro, todos olhavam para fora e, ao
raparigas e, certamente, também crianças que corriam saberem do que se tratava, facilitaram a sua entrada.
dum lado para o outro, diante da multidão, buscavam
qualquer canto para onde pudessem furar.
O povo pensou que os parentes de Jesus vinham
tratar com Ele de algum negócio urgente e pessoal. ~'
· Os véus das mulheres misturavam-se com os tur- A expressão " mãe e irmãos » exercia em todos pode-
bantes esbranquiçados dos homens. rosa influência. Nada estimavam eles tanto como os
«parentes», «carne da sua carne e sangue do seu
1 M arc., m, 3x-35; Mat., xu, 46-5 0; Luc., vm, r9-2r. sangue ».

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A expressão « filho de Deus, filhos de Deus »

~
Todos os olhares se voltaram para Jesus ; os cir-
cunstantes dispunham-se a apertarem-se ainda mais era familiar aos ouvintes ; por ela eram designados
para darem espaço ao Mestre. Que faria Ele? Sair os homens que viviam segundo a vontade de Deus.
lf imediatamente ? Eram os seus próprios parentes ! No livro dos Jubileus, que é pouco mais ou
1
i menos daquele tempo, diz-se : «Eles cumprirão os
Os que o não eram deviam retirar-se ; era natural !
Contudo, Jesus fez uma coisa que ninguém espe- meus mandamentos; eu serei seu pai e eles serão
rava e que dava a conhecer a comoção de sua alma. meus filhos » .
Os circunstantes tiveram a impressão de que Jesus Também a expressão «cumprir a vontade de
esperava, desde há muito, por aquele momento, para Deus » não era inovação de Jesus. Por isso, cada
dar a conhecer o que tinha em seu coração e ansiava um destes modos de falar, era fácil de compreender.
por se manifestar. Pelo contrário, parecia estranho que Jesus falasse
S. Mateus diz: « Ele estendeu as mãos sobre os também de irmãs, sem que ninguém tivesse dito que
discípulos». S. Marcos, pondo-nos, por assim dizer, havia ali irmãs ou primas para lhe falar. Mas, precisa-
toda a cena diante dos olhos, escreve : « Então dirigiu mente por que Ele introduziu a palavra « irmãs» sem
um olhar ao povo que estava sentado em círculo, à ninguém a. elas se ter referido, é que se esclareceu o
sua volta, e disse ... » Nestas narrações devemos notar sentido da frase.
que os Evangelistas, assim como todos os escritores Aquele que cumpre a vontade do Pai que está nos
daquele tempo, eram muito parcos quando descreviam Céus, estará tão unido a Jesus no reino da graça que,
os gestos das pessoas. Se narram estas coisas é por- para se poder fazer disso uma ideia, seria necessário
que elas deviam ter feito uma impressão muito grande reunir num só todo o amor que possa existir entre
naqueles que as presenciaram, constituindo, assim, irmão e irmão, ou entre irmão e irmã e entre filho e
parte essencial dos sucessos. mãe. Não se tratava, pois, duma catalogação, mas sim.
De pé, no meio dos assistentes, declarou Jesus duma recapitulação.
solenemente : « Minha mãe e meus irmãos são estes ! Esta era a lei fundamental do novo Reino: fazer a
porque todo aquele que fizer a vontade de meu Pai vontade do Pai do Céu! Quanto mais cada um se
que está nos Céus, esse é meu irmão, minha irmã e esforçasse por cumprir o beneplácito do Pai, tanto
minha mãe! » mais perto estaria de Jesus. Esta sentença supunha que
Que olhos tão cheios de admiração os que se Ele, Jesus, era o FÜho de Deus, consubstancial ao Pai
fixaram no rosto de Jesus com uma comoção indes- e, por isso, participante da sua essência divina e par- .
critível ! ticipante, também, da vida divina em. cada uma das

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1 MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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almas que cumprem a vontade do Pai. Só por meio em que Ela não conhecia, em cada momento, com
dessa vida divina podem estas almas conservar para a mesma clareza que Ele, o que a vontade de Deus
com Ele as relações de irmão, irmã e mãe. ordenava. Porém, uma vez conhecida a vontade de
Com este seu modo de proceder durante esta Jesus, o que Ele queria queria-o também Ela.
visita de sua Mãe, e com a resposta que deu, propôs Não acontecia o mesmo com os parentes que a
Jesus, de certo modo, uma parábola viva. acompanhavam. À medida que iam conhecendo o que
Se a quiséssemos formular com palavras, diría- Jesus anunciava, ia crescendo neles, também, o abor-
mos, pouco mais ou menos : O reino dos Céus pode recimento. Na opinião deles, Jesus estava obrigado,
comparar-se a uma família. Nesta há uma cabeça e antes de mais nada, a cumprir a vontade dos paren-

li '1
muitos membros. Todos os quais estão unidos com a
cabeça, e pelos laços do sangue dependem dela, for-
tes. Com certeza que se sentiam ofendidos por Jesus
não ter feito passar imediatamente a sua Mãe diante
mando com a cabeça um todo. Acontece o mesmo com daquela multidão de gente que ali se achava reunida.
o parentesco espiritual dos filhos de Deus, de todos A sua indignação não era filha do amor desinteres-
os que fazem a vontade do Pai do Céu: todos estão sado a Maria. Viam que a sua atitude para com Ela
aparentados uns com os outros ; são, ao mesmo tempo, os atingia também a eles. Mas, precisamente porque
irmãos, irmãs e mãe. E à sua cabeça é o Pai do Céu. Jesus tratou a sua Mãe como aos demais parentes,
Este parentesco espiritual colocou-o Jesus nessa não era fácil fazer-lhe censuras; a mais afectada era
ocasião, muito acima da terra, porque ele tem a sua Maria. Também não podiam apresentar queixa de Ele
origem na parte mais nobre do homem, que é a alma. ser parcial para com os parentes, pois parecia dar a
O parentesco carnal, que se funda no sangue, é entender que se desprendia de todos, colocando-se
deste mundo, como o sangue que lhe serve de fun- numa atitude em que não havia preferências, quer se
damento. Dentro dos devidos limites, Jesus não o tratasse de sua Mãe, quer de qualquer outra pessoa.
desprezou, mas enobreceu-o. Como filhos de Deus, Acrescia a tudo isto o saberem que Mãe e Filho,
os seus parentes subiam na escala dos valores. durante tantos anos em Nazaré, se trataram sempre
A resposta de Jesus foi uma surpresa não só com o mais carinhoso respeito. Nesse tempo auxilia-
para Maria mas também para os demais. Mas esta vam-se mutuamente e nada os tinha podido separar.
submergiu-se em sua alma como uma pedra no fundo Estivessem ou não de acordo, os parentes, pelo
do mar. Naquilo que é principal, na disposição para menos, tinham de reconhecer que Jesus era coerente
cumprir a vontade de Deus, Maria identificava-se até ao fim com os seus princípios, sem mesmo abrir
perfeitamente com Jesus. A diferença estava apenas excepções em favor de sua Mãe amantíssima.

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MARIA, MÃE DE JESUS '' ··'-'"'"·'-""'·-"--'""'"~ l

~
JESUS ções entre os parentes e os fariseus, como aconteceu, 1:
mais tarde, entre Judas e os inimigos do Messias.

1
-~.:i· de Jesus, era se Maria, a Mãe, se tivesse mostrado Isto evitou-o Maria com a sua mediação entre os
ofendida. Mas viam que Ela acatava as palavras do parentes e Jesus, o que lhe custou não poucos sacri-
j Filho como a criada acata as ordens do seu senhor. fícios, cumprindo, deste modo, uma missão que daí em
·' Nesta, como noutras ocasiões, colocou-se Maria diante deviam tomar a peito, e, de facto, têm tomado
j entre os desígnios do seu Filho e as ambições dos muitas mães: a de conservar em si, viva, a chama da
f, seus parentes, o que lhe acarretava amarguras sobre fé num meio em que esta ou não existiu nunca ou se
r amarguras. Interiormente estava de todo ao lado de apagou, até que, mudadas as circunstâncias, pudes-
.•·._'. Jesus; exteriormente o mesmo Jesus a afastava, con- sem acender, nessa chama, as velas apagadas dos
fundindo-a com os parentes. O desgosto que estes restantes membros da família.

l~
sentiam pelo modo, para eles misterioso, como Jesus 'i

~'_.~I procedia, caíu em cheio sobre sua Mãe. 1

'
r Naquela atmosfera de descontentamento, palavra HOSTILIDADE DOS PARENTES
~ puxaria palavra, dar-se-iam cenas desagradáveis, cho-
11
R
ques violentos, «fazendo-se sentir » a Maria, com
picantes apreciações, que não estavam satisfeitos com
seu Filho e que também com Ela não se podia tratar
à vontade, pois bem sabiam que, em seu coração,
! Quando voltaram a casa (d o mon te onde Jesus escolheu os
Ap6stolos) o pov o reuniu-se de novo, de modo que nem sequer
tinham te mpo p ara comer. Quan d o os seus souberam isto, fo ram
buscá-lo, porque diziam que ele estava fora de si 1.

'
estava inteiramente do lado d'Ele.
Sob este aspecto, a total inacção da Virgem 1 '
\
Nos tempos da radiofonia, em que se consideram
J'
durante a vida pública de Jesus, era só aparente ;
na realidade estava-lhe reservada uma missão difícil,
~! muito atrazadas as notícias dos semanários, é muito
difícil compreender a rapidez com que se espalhavam .
um encargo que só Ela podia desempenhar. Ela apla- as notícias em Israel, sem jornais nem telégrafos. Cada

...f:J.i cou a tempestade que, formada entre os parentes,


ameaçava seriamente a actividade pública de Jesus .
1 J
um se constituía, as mais das vezes, sem dar por isso,
relator de notícias. "'\
!
Ou, pelo menos, afastou-a para tão longe, que tornou Havia também profissionais que, por causa dos
difícil um rompimento definitivo entre eles e Jesus. seus negócios, se encarregavam do serviço de infor-
É que, semelhante quebra de relações, teria dado
ensejo, conforme era praxe, a formarem-se combina- 1 Marc., m, 2I.

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I! MARIA, MÃE DE JESUS MARIA , MÃE DE JESUS

mação. Almocreves que, com seus jumentos ou came- Em tais circunstâncias devemos enquadrar a vida
los, percorriam com regularidade as povoações maio- pública de Jesus. Quando ensinava ou fazia milagres
res da tribo e as capitais do país ; comerciantes que em Cafarnaúm, a sua fama corria, como onda avassa-
gostavam de dar uma notícia sensacional para atrair ladora, de cidade em cidade ; quando ia duma povoa-
a gente, antes de começar a fazer os seus negócios. ção para outra, a aldeia ou cidade em que se detinha
1
Neste particular os negociantes de fazendas eram os tornava-se um centro de difusão de notícias.
I! principais. Como a maior parte das cidades tinham um espaço
1
Na Galileia, pátria de Jesus, circunstâncias várias livre junto à porta ou noutro lugar, aí se reuniam os
concorriam especialmente para a rápida difusão das que não tinham que fazer, comentando os rumores que
notícias. A densidade da população era relativamente iam chegando. Que coisas se não diriam então a res-
grande, o que acontecia em toda aquela região. Os peito de Jesus, às portas da cidade de Nazaré! Cum-
caminhos secundários não desciam, como na Judeia, priam-se à letra as palavras do salmista: « Zombaram
dum e doutro lado da estrada principal, à profundeza de mim os que estavam sentados à porta! » Porque
dos vales, como costelas dum esqueleto ; mas antes, não se limitavam a narrar os acontecimentos ; cada
'li1
1
como rêde de malhas apertadas, cruzavam-se com os um procuraria interpretar as coisas segundo as suas
1
diversos atalhos que iam uns da Galileia à Judeia e disposições pessoais - favoráveis ou desfavoráveis -
outros do lago de Genesaret ao mar Mediterrâneo. a respeito de Jesus; mas, em todo o caso, as aprecia-
Em algumas povoações davam-se notícias de hora ções seriam mais ou menos injustas, sempre que não
em hora à porta da cida de ou nos bazares, como se conformassem fielmente com a verdade.
actualmente nas estações telegráficas. Quando o país O conhecimento das maravilhas operadas por
vivia horas de excitação que a todos preocupavam, Jesus e os rumores tendenciosos que seus inimigos
estabelecia-se um serviço de informação com uma espalhavam, chegaram até aos seus parentes de
rapidez que nos espanta e parece inverosímil. Isto Nazaré. Eram pessoas simples que, como Jesus noutro
repetiu-se, algumas vezes, ainda há pouco tempo. tempo, viviam do exercício da sua profissão. Sem
Durante a guerra de 1914-1918 as tropas do Oriente terem concorrido para isso, viam-se agora envolvidos
tiveram frequentes surpresas agradáveis, quando jul- numa luta terrível, por serem parentes de Jesus. Como
gavam que tal ou tal avanço não era ainda conhecido queria Este enfrentar-se com os fariseus, se nem sequer
dos beduínos. É natural que, do mesmo modo e com as famílias nobres dos saduceus o podiam conseguir !
a mesma rapidez, se espalhassem no país toda a sorte E, se fosse derrotado, não era só Ele, mas toda a sua
de rumores. família seria arrastada na mesma catástrofe ! Ainda

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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que lhes custasse, qualquer mal intencionado poderia Tens mania de perseguição. E, no caso presente, era
dizer: Tu também és da sua parentela! este o sentido.
.. 11
'li. 1 Os rumores a respeito de Jesus tomavam cada Nestas circunstâncias, os parentes de Jesus,
~ ; 11
1 ~~ vez pior aspecto; dizia-se que «estava fora de si». segundo os costumes do Oriente, estavam obrigados a

1.
p'
i Provàvelmente nem todos queriam dizer o mesmo.
A expressão grega tem um sentido muito mais amplo:
pode significar estar louco de alegria ou de espanto,
.,(#
ill'
1

!
intervir no seu modo de proceder. Ou o aprova-
vam, pondo-se a seu lado, ou o condenavam, esfor-
çando-se para que Ele deixasse a vida pública.
i! de coragem ou de zelo. Na cena passada no Templo, O simples protesto, formulado nestes termos : « Não
1
por exemplo, lê-se: os rabinos estavam fora de si - temos nada com o que Jesus faz», não bastava, em
admirados -- com as perguntas e respostas de Jesus. concreto, para se livrarem das responsabilidades, aos
,,1 Precisamente pela sua elasticidade, era muito perigosa olhos do povo.
a expressão. Para o mal intencionado bastava modulá-la A responsabilidade principal recaía sobre o chefe
pelo tom que o ódio lhe inspirasse, para ela ficar com da parentela. Sobre ele, ou sobre eles, no caso de
o pior sentido. É necessário também não esquecer que serem vários, recaía, neste caso, dum modo especial.
pela mesma ocasíão se ia espalhando o rumor de que José, o pai legal de Jesus, já tinha morrido. Se ainda
Jesus tinha aliança com o demónio. vivesse, bastaria apresentarem-se na oficina e impo-
Tem-se procurado atenuar o sentido da expressão rem-lhe a obrigação de fazer voltar imediatamente
«estar fora de si» ; não se julgava possível dizer Jesus a sua casa.
monstruosidade como esta: que Jesus estava louco. Nesta conjuntura, chegou-se a intentar acção
A tais reparos pode dizer-se que, segundo referem os contra Jesus, a que S. Marcos faz breve alusão no
Evangelhos, Jesus foi acusado de ter trato com o seu Evangelho, sem que se cheguem a esclarecer
'1
,:li
demónio. Ora tal acusação, feita por pessoas que acre- todas as circunstâncias. O Evangelista diz: « A gente
1 :,1 ditavam num demónio real, era mais grave do que de Jesus veio para o prender». A expressão dá
' 1, .! . ·1,
i 1
afirmar que estava louco. lugar a uma outra investigação, equivalente a esta:
'
l
11
Além disso é necessário não esquecer que a gente Quem fez isto?, que é o mesmo que perguntar: o que
11 · ' simples não distingue, muitas vezes, a diferença que é que se fez?
1::' há entre loucura e possessão diabólica. Quando, por Quem se julgou obrigado a intervir? A expressão
exemplo, Jesus disse que se atentava contra sua vida, grega pode traduzir-se por «os seus ». Mas não sabe-
!'1!11 responderam-lhe : « não há dúvida que estás endemo- mos ainda se « os seus » são os parentes propriamente
1;
1 :
ninhado » ! Do mesmo modo lhe poderiam dizer : ditos, ou os seus partidários. Nos documentos profanos
li
I,, '· 358 · ~~p ·1 - - -.-- - .•• .- ·7::.: ·:.~. ·:

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emprega-se este modo de falar num sentido genérico umco que sabemos é que a pretenção dos seus paren- ~
parecido: assim, por exemplo, lemos numa carta: «Eu tes ficou sem efeito.
estou bem, assim como Estlytis e todos os nossos », O que se oculta nesta narração, supõe para a
Seja, porém, como for, os direitos que tinham ou jul- vida de Maria, um mar imenso de dores e de tormen-
gavam ter parentes sobre parentes, como membros da tos difícil de se descrever. Para Ela foi já muito dolo-
mesma família, ainda que não fossem consanguíneos roso ver-se forçada por seus parentes a acompanhá-los,
ou, pelo menos, não dos mais próximos, justificavam se é que o fizeram, quando queriam trazer Jesus para
a sua intervenção em semelhantes assuntos. Julgar-se casa, obrigando-o, à força, a renunciar à sua vida
qualquer obrigado a intervir neste negócio, era muito pública. Porém, dado o caso que, por compaixão, a
natural, porque a jerarquia na família de Jesus não deixassem, e só tivesse conhecimento disso depois,
seria muito definida, se nela não houvesse algum não deixou de ser, para o seu coração de Mãe, um tor-
varão que excedesse a todos os demais em idade e mento que a afectava duma maneira muito particular.
dignidade.
1
Resta também saber, por último, se os seus esta-
vam convencidos que Jesus ultrapassava os limites da
prudência na sua actuação pública ou se eram só os
outros que o diziam.
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LOUVORES À MÃE DE JESUS t
Jesus expulsou um mau espírit o q ue era mud o. E, exp ulso
Que pretendiam aqueles homens? Queriam « pren- este, o mudo falou. A s multidões fi caram at6 nitas. Algu ns dos
dê-lo - Kratein ». Em qualquer hipótese, queriam presentes d iziam : «Este expulsa os espíritos p or art e de Hd zebú,
príncipe dos dem6nios" . Out ros ten tava m-no, pcdintlo um sinal
tirar-lhe a liberdade de acção. A maneira de o fazer,
do céu ... 1.
talvez a não tivessem ainda resolvido pelo caminho.
Em casos como este, o modo de actuar depende, mui-
tas vezes, das circunstâncias do momento, por ocasião A acus ação de que Jesus tinha pacto com o
do encontro. príncipe dos demónios era, para o povo, uma calúnia
.1
J~
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Como se frustrou a tentativa? Se ela se deu por tão terrível que o deixava sem saber o que pensar.
t.• ocasião da visita de Maria e dos parentes, fica já dito ti O demónio não era, para o povo, um duende das fábu-
no capítulo anterior, que Jesus rejeitou toda a inter- las, mas a maldade como que personificada e pai da
venção dos seus parentes, apelando para um paren- mentira. Por isso a acusação de que o demónio, em
tesco espiritual que o liga a todos os homens, mais 1
1.

do que o corporal. Se se trata de visita distinta, o 1 Luc., xr, I4-28; Mat., xn, 22-32; Marc., m, 2 2 -3 o.
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:-: ·"'f:.1:.,.:..r~. --,.,..~.7.':-·.~·;::..:.:-=!:'·z:··""'. .• ·-~ .• ; ·.:-.·,•p c,\ ,c:. :o·.:11·-;1X! ~' •~•.· -·.~.,
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

pessoa, ajudava a Jesus a fazer milagres, era a maior mulher, no auge do seu entusiasmo, exclamou : « Bem-
calúnia que lhe podiam levantar. Todo o homem hon- -aventurado o ventre que te trouxe e os peitos que te
rado e simples que não julga o seu vizinho pior do amamentaram ! »
que manifestam as suas obras, diria de si para si : E Jesus respondeu-lhe: «Mais bem-aventurados
Quem se atreveria a dizer isto, se não houvesse os que ouvem a palavra de Deus e a guardam em
alguma coisa de verdade ? Mas « alguma coisa » neste seu coração ! »
caso concreto, era «tudo». Por isso, rebateu Jesus, As exclamações entusiásticas estavam no carác-
semelhante blasfêmia, com desusada veemência, não ter daquele povo franco e aberto, e envolvê-las em
por longos discursos, mas por frases e palavras con- louvores à mãe do exaltado, era um costume favorito.
tundentes que todos podiam entender. O elogio daquela mulher era inteiramente popular
Disse: «Todo o reino entre si dividido se desmo- quanto à forma. Quase coevo é o elogio, muito seme-
rona, e uma casa caí sobre a outra. Se, pois, Sata- lhante, que ainda se conserva, dirigido a Raquel, mãe
nás é contra si mesmo, como poderá subsistir o seu de José do Egípto. «Bem-aventurados os peitos que
reino, pois dizeis que expulso os demónios por arte te amamentaram e o ventre que te trouxe ». Que era
de Belzebú? Se eu expulso os demónios por arte esse um modo de falar consagrado pelo uso, prova-o
de Belzebú, vossos filhos por quem os expulsam? o facto de que também se usava para amaldiçoar,
Por isso, eles serão vossos juízes! Mas se eu expulso modificando-se, para isso, as palavras necessárias.
os demónios pelo poder de Deus, é claro que já che- Contudo, deve considerar-se como uma frase solene,
gou até vós o Reino de Deus. Quando um homem daquelas que os orientais simples conhecem, amam e
poderoso guarda o seu palácio, bem armado, em segu- empregam. Essa exclamação nascia da persuasão
rança está tudo quanto tem. Mas, sobrevindo outro popular de que não há maior felicidade para uma mãe
mais forte que ele, e vencendo-o, tira-lhe todas as que a de ter dado ao mundo um homem ilustre.
armas, em que confiava e reparte os seus despojos. Jesus faz valer a glorificação de sua Mãe. Maria
Quem não é por mim, é contra mim, e quem comigo era realmente digna de ser exaltada. Tinha-o sido
não ajunta, espalha». muítos anos antes por sua prima Isabel. Interiormente,
;: Jesus formula a sua réplica em harmonia com a porém, Jesus glorificava-a ainda mais que aquela
mentalidade do povo: todos, desde os mais rudes, mulher. Mas o motivo que o impelia era mais pro-
compreenderam o que Ele queria dizer. Não era fundo : sabia que sua Mãe era, entre todas as criaturas,
para invejar a posição dos fariseus, mas nem todos a que cumpria com maior fidelidade a vontade de
tinham a coragem de o manifestar. Entretanto, uma Deus. A seus olhos, Maria era digna de glorificação,

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

não por ser do mesmo sangue, mas porque tinha os E não podia fazer ali milagre algum, senão que curou •ilp.1111,,
mesmos sentimentos que Jesus, seu Filho, o Redentor. poucos enfermos, impondo-lhes as mãos. E admirava-se da innc
dulidade deles, e andava ensinando p elas aldeias circu 11 v ; •. ,
E a isto atendia Jesus na sua resposta.
nhas l.
O mesmo pensamento em que Jesus funda a glo-
rificação de sua Mãe apresentou-o noutras ocasiões e
de diversas maneiras. A alma, tal era a doutrina que Quando , numa das suas viagens, Jesus visitou :i
Ele ensinava, pertence a Deus e tem com Ele laços cidade pátria - Nazaré - foi no sábado à sinagoga
muito mais íntimos que os que ligam o homem à famí- para assistir às funções religiosas. Das casas que El1'.
lí a. Por isso não é a família a região suprema e última muito bem conhecia iam saíndo homens e mulhen~s
em que o homem descansa com a sua alma imortal, com seus vestidos de festa.
que pertence a Deus no tempo e na eternidade. Pois Em todos os dias festivos se re uniam à porta da
se tivermos de escolher entre o amor de Deus e o da sinagoga os mendigos e os aleijados, que pediam
família, quem não quiser atraiçoar a filiação divina da esmola à gente que entrava.
sua alma, tem que postergar os laços do parentesco Conhecido já o feitio dos orientais, ninguém acha
carnal. E se nem todos os membros da família estão estranho que os nazarenos se tivessem logo informado
.I! pelo lado de Deus, temos de estar dispostos a sepa- da presença de Jesus entre eles e do que Ele tinha

" rarmo-nos espiritualmente deles, por amor de Deus. feito em Cafarnaúm. Por isso é verosímíl que algun s o

X
:: 11·
1' fitassem, como que a dizer-lhe: S e necessitas de gente
·i para mostrar o teu poder, aqui estamos nós ! Mas não
A EXPULSÃO DE NAZARÉ era esta a disposição que Jesus exigia.
11111
Passou por diante deles e entrou na casa da
. 1.
oração. O que presidia às orações, começou. Deu-sl~
/ E tendo Jesus p artido dali, foi à sua pátria : os se us dis-
:
1
Li1 dpulos acompanhavam-no. No sábado começou a ensinar na princípio às orações do costume. Se já então era cos-
. ·: ·11 sinagoga. Muitos dos seus ouvintes admirava m-se da sua dou- tume que o leitor dos profetas dirigisse as orações, e j'
trina, dizen do : Donde lhe vêm todas estas coisas? e que sabe- se Jesus tinha sido convidado para as ler, foi Ek ·!
.:' '111·1·. 1·
doria é esta que lhe foi dada: e como se operam tais maravi- quem as dirigiu. Não obstante, muitos motivos há qu1~ '
i1 r1 lhas por suas mãos? Não é este o carpinteiro, filho de M aria,
; '
irmão (primo) de Tiago e José , de Judas e de Simão? Não estão
nos levam a supor que Ele mesmo se ofereceu para
também no meio de n 6s suas irmas (primas)? E escandaliza- fazer a leitura, como convinha à sua qualidade de
vam-se dele: porém Jesus disse-lhes: Um profeta s6 deixa de ser
honrado na sua pátria e na sua casa, e entre os seus parentes. 1 Marc., VI, r-6; M at., xm, 54-58; Luc., IV, 16-30.

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Messias e que os ouvintes estavam na espectativa, com acabava de fazer


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sentimentos divergentes. posta. Ei-la :
Às longas invocações de quem entoava, corres- « Hoje mesmo se acabam de cumprir estas pala-
pondia o povo com breves respostas, muitas vezes vras da Escritura » .
com um simples « Amen ». Imediatamente, entre Ele e muitos dos seus ouvin-
Então apresentava-se o leitor da Lei. Acabada tes, cavou-se um abismo. Segundo estes, aquela profecia
esta leitura e o hino, lia-se uma passagem dos profetas. ainda se não tinha cumprido. Para isso era necessário
Nesta altura levantou-se Jesus para ler uma passagem que Jesus se excedesse a si mesmo, fazendo ali mila-
profética. Apresentando-se à frente, pediu o rolo ao gres, diante deles, para utilidade e proveito de todos.
'1 ajudante, e procurou uma passagem determinada. Os Se os fizesse, estavam dispostos a celebrá-lo como a
assistentes ficaram com a impressão de que Ele conhe- filho ilustre da sua cidade. Contudo, a man eira como
cia a passagem procurada como os dedos das suas Jesus pronunciou as primeiras palavras dava a enten-
I' mãos. Via-se claramente que Jesus tinha no seu espí- der uma coisa muito diferente, isto é, que não podiam
rito um fim determinado. agora dispor d'Ele como, tempos antes, dispunham do
'['I'.. 11
carpinteiro de Nazaré, quando lhes encomendavam
1

'I Leu em hebreu os versículos que o intérprete tra-


.. 1
duziu logo para a linguagem do povo ; e todos com- algum trabalho.
E, para aqueles que o não tivessem entendido,
i1\1 1 preenderam então estas palavras :
acrescentou: «Vós aplicais-me, sem dúvida, o adágio:
,,-li
O espírito do Senhor (repousou) sobre mim. Médico, cura-te a ti mesmo! Faze aqui, na tua cidade
"'
1
1 Ji
. 11
:1: 1 Por isso me ungiu . natal o que fizeste em Cafarnaúm ! Porém a verdade
' 11 Para evangelizar os pobres, é a que vou dizer-vos: Muitas viúvas havia em Israel,
nl Me en viou a curar os contritos do cora<;ão ,
1
; 1 no tempo de Elias, quando houve uma grande fome
i ...
1 E an unciar a reden<;ão aos cativos e aos cegos a vista,
A pôr em liberdade os oprimidos. em todo o país, por não ter chovido durante três anos
E para promulgar o ano das misericórdias d~ Senhor e o dia da
J, retribuição.
e seis meses ; contudo a nenhuma delas foi enviado o
profeta senão a uma viúva de S arepta, de Sidónia.
Havia muitos leprosos em ISrael no tempo do profeta
I' '1
Jesus enrolou o pergaminho, entregou-o ao aju- Eliseu, mas nenhum deles foi curado senão o sírio
dante e sentou-se no sitia!. A expectação chegou ao Naaman. » ,
seu auge. As perguntas que palpitavam naqueles cora- Via-se que os ânimos se começavam a alvoroçar
ções, tinha-as Jesus feito também naquela leitura que à medida que Jesus falava. Aqui e além murmurava-se:

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

« Não é este, o carpinteiro, filho de Maria, irmão maneira que só a Ele era possível : ostentou a sua
(primo) de Tiago e José, Judas e Simão? Não vivem majestade de tal forma, que ninguém ousou tocar-lhe.
suas irmãs (primas) no meio de nós?» E afastou-se.
E a perturbação ia aumentando. Ao entrar na Estaria sua Mãe presente? É difícil responder a
sinagoga, não contava Jesus com muitos amigos. esta pergunta. Os habitantes de Nazaré dizem: «Não
Quando muito, com alguns, dispostos, sim, a apoiá-lo, é este o carpinteiro ? o filho de Maria, irmão (primo)
se Ele se mostrasse útil à cidade, em geral, e aos indi- de Tiago e José, de Judas e Simão? Não vivem tam-
víduos em particular. Os seus sentimentos eram seme- bém connosco as suas irmãs (primas)?» Por ser esta
lhantes aos daqueles que o quiseram aclamar rei a primeira vez que se diz : « Não é este o filho de
depois da multiplicação dos pães. E agora que Jesus Maria? » e do facto de logo se acrescentar : « Não
li os censurava interiormente, comparando-os aos Israe- estão entre nós todas as suas irmãs? » quis alguém
litas incrédulos, dos tempos passados, manifestou-se concluir que Maria não se encontrava então em
:li Nazaré. É muito possível, como fica dito. Mas as
abertamente o despeito represado em seus corações,
'11
;[ o qual lavrou, como um grande incêndio, na multidão. frases citadas não chegam a demonstrá-lo porque na
'
1
Os assistentes saltaram dos bancos e agrupavam-se mesma passagem diz-se também : « Não é este o car-
:! à volta dos amotinados. Os que dirigiam a sedição pinteiro? » Ora naquele tempo já Jesus não morava
i
,1 eram os que se sentavam à frente, no lugar de honra. em Nazaré, nem era carpinteiro.
!' Provàvelmente estavam presentes alguns rabinos E ainda que Maria tivesse saído de Nazaré muito
que tinham acompanhado Jesus a Nazaré, para o não tempo antes, seria possível que tivesse voltado com
.':;1: perderem de vista. O modo de proceder dos princi- outras mulheres da comitiva de Jesus, tendo sido tes-
:1
pais influiu na gente simples como santo e senha: temunha do incidente.
«Fora com ele» ! Não se sabia se o grito de revolta se Admitindo que não estivesse presente, os discí-
1

11 deu porque estavam ali para isso, ou porque se tomou, pulos do Senhor ter-lhe-iam dado conta do motim e
de improviso, essa decisão. Iam-se reunindo todos à da expulsão de Nazaré.
fl
,• saída. Empurravam os bancos, fazendo-os ranger sobre Isto deu-se na cidade onde o anjo tinha anun-
ii
1' o pavimento. Jesus aparecia e desaparecia entre os ciado a Maria : « Conceberás e darás à luz um filho a
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1
empurrões da gente.
Só por milagre escapou da morte. Qualquer con-
quem porás o nome de Jesus. Será grande e será cha-
mado Filho do Altíssimo. O Senhor Deus lhe dará o
111
denado podia justificar-se, ainda mesmo a caminho do trono de seu pai David: reinará eternamente na casa
IYI suplício. Desta vez Jesus usou deste direito duma de Jacob e o seu Reino não terá fim».
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Expulsaram a Jesus da sinagoga da sua cidade trava-se já naquela cidade, enquanto que seus discí-
natal, como se Ele fosse um blasfemo ! pulos vieram de Nazaré até ali. João não diz se Maria
Maria ficava também proscrita juntamente com se encontrava entre eles, ou se estava, desde tempos
seu Filho. Quando estalou a revolta, chamaram a antes, com Jesus. Como costumava ir a Jerusalém por
Jesus filho de Maria, quase como se isto fosse motivo ocasião das grandes festas do ano, é de supor que
para se insurgirem contra Ele! Por esse mesmo motivo ~ nesse tempo estivesse em companhia de J esus.
não é de supor que Maria continuasse a morar, por 1

Nessa ocasião tentaram os parentes abalar a


' 1 muito tempo, em Nazaré. A sombra da cruz estendeu-se constância de Jesus. Os conselhos que lhe davam,
naquele dia, não só sobre Jesus, mas também sobre neste caso, eram, por outra parte, quase contrários aos
Maria. O que fizeram os seus concidadãos na sua que, eles ou outros, lhe tinham dado tempos antes.
cidade pátria, havia de consumá-lo todo o povo em Qu eriam levá-lo, com admoestações amigáveis, a
Jerusalém. visitar a capital da nação, mostrando ali o seu poder
de taumaturgo para conquistar ade ptos, entusiasmando
CONSELHO DOS PARENTES e arregimentando o povo.

X ANTES DA FESTA DOS TABERNÁCULOS


A festa d os T ab e rnáculos estava p r6xima. Então lhe disse-
ram os seus ir mãos (pare ntes) : Sai daqu i e vai à Judeia para
Segundo eles pensavam, era isso mesmo o que
Jesus, pelo seu modo de agir, devia pretender; mas
não sabia escolher lugar nem tempo propício. Era
necessário, pois, ajudá-lo neste particular.
que também os teus discí pulos vejam (ali) as tuas obras ! Porque A disposição dos ânimos, em geral, não era ainda
ninguém faz uma coisa oc ultamente quan do d eseja que ela seja adversa a Jesus, que se encontrava naquela posição
co nhecida - . É que nem os seus irmáos acreditavam n ele. Jesus
crítica em que tudo podia ganhar com um acto de
respondeu-lh es: O meu tempo não chegou ai nda ; o vosso, sim! 1
audácia, ou tudo perder, se persistia no seu retrai-
mento, o que se prova pela continuação da narração
A situação, antes da festa dos Tabernáculos, era de João a respeito da festa dos Tabernáculos. A divi-
semelhante à da Páscoa seguinte às bodas de Caná. são do povo em facções pro e contra Jesus, continuou,
Naquela ocasião tinha ido Jesus com sua Mãe e seus até mesmo entre os membros do Supremo Conselho.
discípulos a Cafarnaúm para dali irem a Jerusalém Um milagre como o da multiplicação dos pães
pelo vale do Jordão. Desta vez, porém, Jesus encon- teria arrastado toda a gente e, das multidões reunidas
para a festa dos Tabernáculos, ter-se-ia formado um
1 João, VII, 2- II.
grande exército desejoso de pelejar.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Os parentes de Jesus, e os que como eles pensa- uma grande manifestação da sua messianidade, diante
vam, cada um debaixo do seu ponto de vista, eram do povo.
unânimes em incitá-lo com requintada amabilidade : Jesus não ignorava que havia de chegar a hora
« Sai daqui, vai à Judeia para que também os teus de Ele entrar no Templo, como Rei de Israel, entre
discípulos vejam os teus milagres ! » aclamações de júbilo e hossanas de triunfo. Mas não
O tom do convite era o de tutores benévolos. ignorava também que este triunfo lhe traria a morte.
Queriam tirar a Jesus os seus escrúpulos e retrai- Por isso, a ocasião para entrar em Jerusalém chegaria
mento e animá-lo : Ou uma coisa ou outra ; ou sim quando estivesse próximo o dia designado pelo Pai
ou não! para a sua morte. Por isso respondeu aos parentes
Jesus respondeu a esses conselheiros : « Não che- que o incitavam: « O meu tempo ainda não chegou :. ,
~ou ainda, para mim, o tempo oportuno; para vós, sim. Este episódio deu-se, provàvelmente, à vista de
1 E impossível que o mundo vos odeie ; a mim tem-me Maria. Ou, quando não, dele teve conhecimento, mais
.:I li tarde ou mais cedo, pois, por se tratar de parentes,
;1.I
1 ódio, porque eu dou testemunho contra ele, de que as
l
suas obras são más». também a Ela dizia respeito.
'1,i
1.'
Para bem compreender o sentido destas palavras, A resposta enigmática de Jesus foi, para a sua
11
é necessário conhecer bem a inquietação dos paren- Mãe, muito mais expressiva que para todos os outros.
tes. Eles queriam que, a pretexto da festa dos Taber- Sempre que Jesus falava dum fim trágico da sua
náculos, Jesus os acompanhasse a Jerusalém para vida, avivava·se na sua alma a profecia de Simeão.
exercitar ali a sua actividade. Mas, na realidade, os
seus desejos ocultos eram que Jesus lá fixasse, como
Messias, a sua residência, e que não voltasse mais à
Galileia. Jesus tinha o mesmo pensamento; Ele, porém,
via os sucessos que se seguiriam à sua entrada em
Jerusalém por um prisma diferente do dos seus paren-
tes, precisamente porque era diverso o seu conceito
da missão do Messias.
Os parentes, como muitos outros, e particular-
mente como os círculos populares que davam o tom,
viam no Messias o fundador dum grande reino tem-
poral e terreno, pelo que queriam levar Jesus a fazer

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;( II
' !

Progresso de Maria na Fé
~

TEVE MARIA REVELAÇÕES PARTICULARES?

ABER se Jesus fez a sua Mãe «revelações


particulares», é uma questão capital
na vida de Maria. Por estas pala-
vras não devemos entender aquelas
comunicações do espírito de Jesus,
que se supõem na sua vida de união
íntima com Maria. Do mesmo modo prescindimos das
moções internas que a iluminavam. A questão, tal
como aqui a consideramos, resume-se nisto : Comuni-
cou Jesus a sua Mãe alguma coisa, a respeito do
desenrolar da sua vida pública e da sua morte em
Jerusalém?
Participou-lhe, por exemplo, em concreto, quando
foi encontrar-se com o Baptista no Jordão, que dali
em diante não voltaria mais à sua oficina como car-
pinteiro?

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'::1 MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS


1

Os livros contemplativos dão grandes margens a não só criou entre ambos uma intimidade especial,
tais revelações. Porém não se vê claramente se se mas também os colocou a uma respeitosa distância.
trata de ilustrações internas ou de comunicações Maria, com o seu espírito de fé, distinguia-se dos
externas. Parece que as narrações evangélicas não discípulos exactamente pelo seu silêncio ; pois aqueles
nos fornecem nenhuns dados para esclarecer esta faziam a Jesus frequentes perguntas e até ousavam
dúvida. Mas, se examinarmos atentamente as passa- dar-lhe conselhos !
gens em que se fala da Mãe de Deus, somos levados
a pensar que, no que respeita a ensinamentos e acções
relativas à Redenção, Jesus não fez a sua Mãe quais- MARIA, DISCÍPULA DE JESUS
quer revelações pessoais prévias. Não queremos dizer,
1
contudo, que não trocasse com Ela impressões a res- A REVELAÇÃO DO MISTÉRIO DA TRINDADE

<I peito daquilo que anunciava ao povo.


Durante toda a vida pública de Jesus não se fala Raras vezes notam os fieis o grande influxo que
de Maria, expressamente, a não ser por ocasião do sobre eles exerce o mistério da Santíssima Trindade,
milagre de Caná e das visitas dos parentes. ainda mesmo sem darem por isso, ou até mesmo jul-
Os pormenores do que se passou em Caná são gando que pouco tem que ver com a sua fé, como se
interpretados de diversas maneiras ; porém uma coisa fosse « quase supérfluo ».
é absolutamente certa - que Jesus deu a entender a Alguma impressão se recebe do que seja este
sua Mãe alguma coisa que Ela até então desconhecia. dogma para nós, quando se compara, por exe mplo, a
Quando os parentes visitaram Jesus em Cafar- doutrina de Maomé e a de Cristo. Neste mistério, se
naúm, Maria estava com eles. Quando se fizeram manifesta a realidade da elevação da alma para Deus :
anunciar, Jesus respondeu : «Aquele que faz a vontade « Deus Pai, criou-nos; Deus Filho, remiu-nos, e Deus
do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, Espírito Santo santifica-nos », - Assim ensina o cate-
minha irmã e minha mãe», A resposta, na realidade, cismo.
abrangia também Maria e foi para Ela uma surpresa. A relação do homem para com Deus aparece,
Estes dois incidentes levam-nos a crer que Jesus através deste mistério, como a luz refractada no arco-
não fez jamais a sua Mãe revelações, durante a sua -íris e tornada visível na sua natureza íntima.
vida pública. Pelo que transluz através das páginas do Estando, como estamos, acostumados a aceitar,
Evangelho, parece que Maria, por sua parte, foi como fundamento da nossa fé, a doutrina sobre as Três
sempre reservada em fazer perguntas. A fé em Jesus Divinas Pessoas, sem penetrarmos muito na sua signi-

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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1 ficação, enquanto fundamento, por isso relacionamos sua vida pessoal no mais íntimo do mistério. Ê que
! 1 com este mistério a vida de Maria, partindo dum falso Maria tinha em si mesma uma predisposição particular
~ suposto. Imaginamos que, ao anunciar-Lhe o anjo o para o aceitar fielmente, por isso mesmo que seu Filho
:.t
!' mistério da Incarnação, e ao dar Ela o seu consenti- viera ao mundo como Filho do Deus Pai. Deste modo
"' "
mento, sabia, com certeza, que se tratava duma obra
da Santíssima Trindade - Pai, Filho e Espírito Santo
estava Ela mais próxima que ninguém do mistério da
Santíssima Trindade e mais do que ninguém era capaz
- e que ao pronunciar o « sim » tinha diante dos olhos de o apreender na intimidade da vida divina.
-1:
as Três Divinas Pessoas.
Porém, se quisermos ver de perto a ciência e
experiência real de Maria, temos que nos desprender MARIA E O MISTÉRIO DA GERAÇÃO ETERNA
de tais imaginações, distribuindo convenientemente,
DE JESUS
por tempos sucessivos, os elementos que ali aparecem
reunidos.
Maria não conhecia inteiramente, na sua essência, Este dogma tinha especial relação com Maria.
o mistério da Santíssima Trindade, nem antes, nem O mistério da sua própria vida, a Incarnação mila-
mesmo depois da Anunciação. Nada há que justifique a grosa de Jesus, reveláva-se-lhe como um reflexo
hipótese de Lhe ter sido feita uma revelação pessoal, terreno e temporal da posição divina de seu Filho no
anterior à que recebeu de Jesus, Filho de Deus; nesse seio da Santíssima Trindade, sempre que ouvia de seus
caso, tal revelação seria absolutamente necessária. lábios alguma coisa a este respeito.
É certo que o anjo lhe disse : « O Espírito Santo Este fenómeno espiritual pode representar-se com
descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá certa aproximação, se o vemos, não como uma simples
com a sua sombra; por isso o santo que há-de nascer comprovação, mas como uma experiência de Maria.
de ti, será chamado Filho de Deus ». Fixemo-nos num tempo determinado, nos dias da
Ela acreditou absolutamente no que acabava de festa dos Tabernáculos. As palavras que Jesus pro-
Lhe ser revelado. Mas não tinha ainda, nessa altura, nunciou então, quer Ela estivesse presente, quer fosse
conhecimento tão profundo da essência do Redentor informada pelos discípulos, influíram em Maria como
como o que adquiriu mais tarde. Apesar disso, encon- se fossem ditas a Ela em particular.
trava-se, a este respeito, numa situação privilegiada Quando o povo discutia entre si se Jesus seria o
porque a revelação deste mistério significava, para Ela, Messias, na ocasião em que Ele ensinava publicamente,
muito mais do que para os outros homens, e atingia a houve quem objectasse com acrimônia: «Jesus, sabe-

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~~=~,=·=~~=,,,,~=~·.,~.~''""'==·'~"~~··==a-•"" MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS
i

t mos nós donde é {de Nazaré!), e que é filho de Maria.


Jesus falava claramente, naquela ocas1ao, duma
1 •!
jj1 Porém, quando vier o Messias, ninguém saberá donde
~ ele é! » Jesus ouviu isto e teve a impressão de que o vida que teve antes de ser homem, da sua vida no
!i povo o repelia. Comoveu-se interiormente e exclamou; tempo em que Abraão vivia na terra e suspirava pelo
r.1 « É natural ; vós conheceis-me e sabeis donde sou.
Redentor; falava dum Pai do Céu, do qual Ele proce-
f E, contudo, eu não vim de mim mesmo. Aquele que me dia, não como quem nada sabe, nem pode saber dos
11
1 enviou é verdadeiro, e esse não o conheceis vós. Mas ~ dias do seu nascimento, mas como uma pessoa para
l eu conheço-o porque vivo a sua vida e porque foi Ele quem a vin'da ao mundo foi uma acção pessoal, volun-

~'I.
1' quem me enviou! Ainda que eu dê testemunho de tária e consciente ; alguma coisa semelhante a uma
mudança de casa. Quem muda de casa, costuma saber
[:
li
r·.I
fr
t7 ~
mim, o meu testemunho é verdadeiro porque sei donde
para. ~nde v;u~ Vós f julgais s;gundo. a carne
JU ga1s a mm a con u a con arme cos umam JU 1gar os
.: donde vem »,
Além de Jesus, era Maria a única pessoa que
homens); eu não julgo ninguém. Se faço um juízo, este podia contar e dar testemunho da origem celeste de
ÍI juízo é verdadeiro porque não estou só, mas a meu seu Filho, da sua vinda da eternidade de Deus à tem-
lado está Aquele que me enviou. A vossa mesma Lei poralidade do mundo. Se Ela própria ouviu e.st~s
\j1 diz que o testemunho de dois, faz fé. Eu sou aquele palavras, como é natural, e não pela boca dos d1sc1-
• que dou testemunho de mim mesmo e o Pai, que me pulos, como havia de palpitar o seu coração de Mãe!
·I
·I
·! enviou, confirma o meu testemunho », Lembrou-se da profecia do anjo: « O santo que
,! f' E quando os judeus lhe perguntaram, em seguida: há-de nascer de ti, será chamado íilho de Deus.
f
1

« onde está teu pai? » Jesus respondeu: « O Pai e eu O Senhor Deus dar-lhe-á o trono de David, seu pai,
somos um só ; se me conhecêsseis a mim, conhece- reinará na casa de Jacob eternamente, e o seu Reino
~
1,.

ríeis também o Pai. Vós sois cá debaixo, eu sou lá de não terá fim ! »
1
A doutrina de Jesus operou imediatamente um
:_.·,
'1 cima. O que vi, estando com meu Pai, é o que vos
anuncio. O meu Pai é aquele que me dignifica, aquele progresso incomensurável na vida de Maria, um cres-
1
i~.,, que eu digo que é vosso Deus. Porém vós não o cimento que compendia toda a vida mística dos santos
lw conheceis, mas eu conheço-o. Se dissesse que o não em relação com as Três Pessoas Divinas e se eleva
conhecia, seria como vós, mentiroso. O vosso pai sobre si mesmo com o céu acima da terra.
Abraão desejou ver o meu dia - viu-o e alegrou-se. Maria « guardava todas estas coisas em seu cora-
Na verdade vos digo que antes de existir Abraão já ção », frase que se aplica também ao caso presente,
eu existo! » porque aquelas experiências não consistiam num conh:-
cimento puramente especulativo, mas na transformaçao

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381

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

da sua vida e conduta pessoal. Eram conhecimentos


que apenas penetravam em seu coração, começa- A FÉ DE MARIA DURAMENTE PROVADA
vam a influir na vida da sua alma e se identificavam
com ela. Muitos têm uma ideia errónea da santidade de
No mesmo tempo em que Jesus revelava estas Maria. Partem, é certo, da verdadeira suposição duma
verdades, ia-se modificando, naturalmente, a posição santidade muito acima da de todos os homens, mas
de Maria a respeito dos discípulos. Estes aproxima- logo pensam que isto foi puro dom de Deus, sem rela-
vam-se cada vez mais d'Ela e iam conhecendo os ção alguma com sacrifícios tão extraordinários como
mesmos mistérios. a mesma santidade.
E Maria via nos Apóstolos os eleitos do seu Filho De facto, Maria não esteve isenta das provas
e em Pedro o que havia de receber as chaves do mais difíceis; e tão duras foram elas que excedem, em
Reino que não havia de ter fim. duração e intensidade, tudo quanto possa suportar uma
É difícil descrever estas relações estranhas entre criatura; e nisto distinguiu-se também Ela de todas
Maria e os discípulos. Basta-nos saber que Maria se as criaturas. Nunca desfaleceu em tais provas, nem se
entranhava cada vez mais com o parentesco espiritual sujeitou a elas duma maneira imperfeita. O fardo que
do Messias, no Reino espiritual, à medida que Jesus Deus lhe impôs, levou-o com tal equilíbrio, que nin-
dava a conhecer aquelas coisas que se relacionavam guém pode apreciar externamente o seu enorme peso.
com Deus e com o seu futuro Reino. Por isso, na aparência, era uma mulher vulgar,
Os discípulos viam agora, na Mãe do Mestre, que, por nada fazer de extraordinário, não chamava a
aquela mulher que não era só Mãe segundo a natu- atenção de ninguém. Daí vinha atribuirem-lhe, com
reza, mas que também participava dos sentimentos frequência, mas erroneamente, uma santidade que,
íntimos de seu Filho. pelo menos, até à Paixão de Jesus, era isenta de
Quando Jesus disse a Maria, do alto da cruz: sofrimentos.
«Mulher, eis aí o teu filho! » e a João: «eis aí a tua Isto tem especial aplicação se se examinam as
mãe!», não se estabeleceu, simplesmente, um novo diversas opiniões a respeito da fé de Maria. É certo
estado de coisas, à voz imperiosa de Jesus, mas con- que a apresentam, frequentemente, como modelo de fé
cluiu-se um crescimento interno que já antes tinha cristã. Contudo, bem pouco se conhece quão extraor-
começado. dinàriamente o foi. Muitos pensam desta maneira :
Maria concebeu Jesus milagrosamente, segundo a
mensagem do anjo. Sabia, portanto, que Jesus era

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Filho de Deus, e não tinha necessidade de fazer acto Admite-se, por vezes, que Maria tivesse provas
de fé, como nós. na fé, porém cai-se num outro erro. Supõe-se entre
Ora, precisamente porque Maria estava tão pró- Jesus e Maria uma familiaridade como a que se encon-
xima do mistério da filiação divina de Jesus, a sua fé tra muitas vezes nos membros duma família piedosa.
foi submetida às provas mais difíceis, a que homem Na gente do povo, são bastante frequentes os casos
algum jamais se sujeitou. Maria via como ia empali- ·fj. em que não só os irmãos se parecem, mas também
decendo todo o esplendor sobrenatural à volta de marido e mulher, pais e filhos, parecem ter os mesmos
Jesus, cujo nascimento tinha sido anunciado pelo gostos, feitio e temperamento.
anjo; porque crescia, naturalmente, como qualquer Coisa parecida devia passar-se em Nazaré. Maria
outro menino ; porque começou a ajudar o pai na e José pareciam-se como se fossem irmãos. Entre eles
oficina ; porque chegou, finalmente, Ele próprio, a ser reinava a maior harmonia, quer nas palavras, quer
um carpinteiro . nas obras.
Por causa da sua maternidade miraculosa, esteve Também Maria e Jesus pareciam compreender-se
Maria, durante muitos anos, numa situação que era tão do modo mais perfeito e parecia que tinham as mes-
singular como a sua vocação. Já não pertencia às mas tendências e os mesmos hábitos. Esta seme-
almas piedosas ordinárias do Antigo Testamento, que, lhança, porém, era só aparente.
cheias de ansiedade, pediam a Deus a vinda do Uma semelhança com Jesus, igual à que se vê nos
Messias. Sabia que Ele estava já no mundo ; mas não membros duma família, não a havia neste caso. Nem
pertencia ainda às pessoas do Novo Testamento, por- da parte de Jesus que, a respeito de sua Mãe, era e
que Jesus não se tinha manifestado ainda como foi sempre o Filho do Pai do Céu, não lhe podendo
Redentor. Portanto, encontrava-se só no mundo. comunicar a sua essência divina e nem também, pelo
Durante todo o tempo da vida oculta, acreditou, mesmo motivo, da parte de Maria.
mas Ela só, na redenção do mundo pela obra dum Precisamente aquilo que era o ordinário na vida
redentor que, presentemente, trabalhava como carpin- de Jesus: o ser carpinteiro e, como tal, tirar medidas,
teiro, e se dedicava a esta profissão tão decididamente serrar, aplainar, levar as obras aos clientes e contratar
como se não tivesse nascido para outra coisa. Como outras, tornava impossível a Maria, sua Mãe, que
poderia Jesus levar tal género de vida, sendo Filho de nunca se esquecia da filiação divina de Jesus, acostu-
Deus ? Humanamente falando, esta pergunta devia mar-se a semelhante mentalidade.
acudir ao espírito de Maria, não só de vez em quando, Tudo o que pode unir uma família, existia em
mas todos os dias e a cada momento. 1 Nazaré ; porém, na Sagrada F amílía havia uma coisa

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umca que a colocava acima de todas as demais e lhe os pecados, e que consiste em que o homem, criatura,
ditava leis especiais: a filiação divina de Jesus. pede contas a Deus, como se tivesse o seu ponto de
Era uma vida comum com uma fé tão superior à apoio fora d'Ele e desde aí pudesse falar-Lhe e exigir-
de todos os homens, que nós, homens de pouca fé, -Lhe responsabilidades, à sombra dum suposto direito
achamos cómodo substituir em Maria a fé pela intuição, que equipararia a criatura ao Criador.
simplificando, deste modo o problema duma forma Com menos injustiça que qualquer outro pôde
contrária à realidade.
Contudo foram maiores as provas a que nos refe-
rimos durante a vida pública, no tempo dos discursos
1 Maria dar guarida a este pensamento: Se Deus enviou
o seu Filho ao mundo, porque não fez que Ele se
manifestasse de tal maneira que fosse necessário
sensacionais e dos grandes milagres de Jesus. Estes conhecê-lo e reconhecê-lo, de bom ou mau grado, por
milagres, que para os outros manifestavam o poder de seu Filho e não houvesse outro remédio senão acre-
Deus, eram uma provação para a fé de Maria. ditar n'Ele?
Jesus multiplicava o pão para os famintos e arran- Como pôde permitir Deus que seu Filho, o Santo,
java dinheiro para Pedro pagar o tributo do templo : Omnisciente, Omnipotente, Eterno, fosse, nas condições
- Porque não havia também de multiplicar o pão em externas da vida, tão semelhante aos outros homens,
Nazaré, que escasseava, e o dinheiro para as contribui- fracos e pecadores, que muitos dos seus contemporâ-
ções ? À medida que o tempo ia passando, depois que neos o olhassem, de cima abaixo, com desprezo?
se apresentou como Messias, e quanto mais ostentava Porque não o enviou com um poder terreno mas enca-
o seu poder, tanto mais aumentava o ódio que lhe minhado ao divino, ao sobrehumano? E, sobretudo,
tinham. Os fariseus vigiavam-no com olhos invejosos e como podia tolerar que qualquer infeliz lavrador,
com tanto zelo como se Ele fosse o maior ladrão de arrieiro, almocreve; que os chefes da sinagoga, os
Israel. Como podia Deus permitir que se fizesse isso rabinos e os fariseus, dessem a sua sentença a respeito
a seu Filho? do Redentor? Como podia permitir que reis estranhos
E começou, finalmente, o tempo da Paixão, em que à Nação, como Herodes, magistrados pagãos como
a fé de Maria sofreu a suprema prova, se bem que, Pilatos citassem o Filho de Deus para comparecer nos i~
também desta saiu, da maneira mais admirável. seus tribunais e se sentassem para o julgar?
Houve momentos, sem dúvida, em que, falando Maria superou todas estas provas da maneira
humanamente, teria tido ocasião de incorrer naquele mais perfeita. Nas horas tenebrosas da sua vida de
pecado, que não é um pecado em concreto, mas o Mãe, sobretudo e dum modo particular nos momentos
pecado que se oculta por detrás e debaixo de todos mais difíceis, que sobre Ela, como torrente, se desen-

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cadearam durante a pa1xao e morte de Jesus, proce- O que vma a acontecer entre o tempo presente '
deu sempre de conformidade com o que tinha dito no e o tempo em que Jesus devia tomar posse do seu
momento da Incarnação : « Eu sou a escrava do Reino, ignorava-o Ela, menos o que poderia deduzir
Senhor » ! E depois de cada um destes momentos difí- da profecia de Simeão e da Sagrada Escritura.
ceis - dificílimos - podem aplic ar-se-lhe sempre, até Por isso comoveu-se, como se se tratasse de si
ao último dia da sua vida terrena, as palavras que, 1 mesma, ao ter conhecimento do anúncio . programático
1
iluminada por Deus, lhe dirigiu um dia sua prima, do «Reino de Deus», do « Reino dos Céus ». Pois a
cheia de respeitosa admiração, felicitando-a cordial- verdade era que João começou a pregar deste modo:
mente : « Bendita és tu, porque acreditaste » ! « Fazei penitência, porque o Reino dos Céus, a sobe-
rania de Deus, está próxima ». O mesmo voltou a
repetir, mais categoricamente ainda, quando, no começo
A VIDA ÍNTIMA DE MARIA da sua vida pública, fazendo seu o brado de João,
RELACIONADA COM A REALEZA DE JESUS anunciou: « O tempo cumpriu-se e o Reino, a sobe-
PROMETIDA POR DEUS
rania de Deus, chegou » ! Então começou a manifes-
tar-se à alma de Maria a predição do Anjo que rezava
assim: « O Senhor Deus dar-lhe-á o trono de David,
O SEU REINO NÃO TERÁ FIM
seu pai ; reinará, será Rei na casa de Jacob eterna-
mente, e o seu Reino, a sua soberania, não terá fim:...
Reinará na casa de :Jacob ete1•na-
Ela, que conhecia o mistério da filiação divina,
111ente e o seu reino não terá fim.
compreendeu, melhor que ninguém, com quanto direito
(Luc., 1, 33).
podia Jesus falar da soberania de Deus.
Quando Jesus, mais tarde, começou o seu sermão
Chamámos já uma vez a atenção para o facto de da montanha com a doutrina das «Bem-aventuranças»
a norma de conduta íntima de Maria, ter sido traçada dizendo: « Bem- aventurados os pobres de espírito,
pela promessa do Anjo, segundo a qu al o Senhor Deus porque deles é o reino do Céu », anunciou ao mundo
concederia a Jesus um Reino eterno. A predição desta um pensamento, pelo qual Maria, desde há muito
soberania era o santo e senha da alma da Virgem. tempo, orientara a sua vida, e que Ela tinha expres-
Nisso pensou sempre durante os anos silenciosos de sado no « Magnificat ».
Nazaré, quando Jesus se fatigava com as lidas da E, embora Ela visse que os homens se revoltavam
carpintaria. contra aquela soberania, ficou sempre convicta que,

o;.--,~· 1 _,:,._
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MARIA, MÃE DE JESUS

apesar de tudo, se cumpriria a vontade do Pai, de dar


ao Filho um Reino eterno.
Uma coisa chamou a atenção de Maria - e pro-
vàvelmente só d'Ela - em defesa do modo como pro-
cedia Jesus a favor da soberania de Deus. Ele diri-
gia-se só aos filhos de Israel e não ao pagãos. E, não
obstante, Simeão tinha anunciado que Ele seria não
só a glória de Israel, mas também luz para iluminar
os gentios. Quando se realizaría esta segunda parte
do vaticínio? Quando seriam recebidos os pagãos no VII
Reino de Deus? Que mudança tão radical não seria
necessáría para que as actuais circunstâncias abrissem
caminho à realização de tal profecia !
Deste modo, o pensamento da realeza evocava,
em Maria, no fim de contas, o pensamento da luta
Maria e o sacrifício
prognosticada por Simeão. Nesta luta, imaginava Ela,
se condensava e resumia a vida de Jesus. Nesta luta de Jesus na cruz
tomaría o reino de Jesus, o Reino de Deus, a forma
que havia de conservar eternamente. E a perspectiva
da Paixão, que, segundo a profecia de Simeão, atin-
giría a seu Filho e a Ela, unia-se agora, de novo, com
a perspectiva da soberania futura de Jesus.
No tempo imediatamente anterior à Paixão rece-
beram estes pensamentos um apoio extrínseco por
meio das profecias de Jesus, nas quais Ele falava da
sua paixão e glorificação, como de dois aspectos do
m~smo acontecimento : a implantação do Reino Mes-
siânico .

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A caminho de Jerusalém

X ÚLTIMOS VATICÍNIOS DE JESUS


SOBRE A PAIXÃO

UANDO Jesus subiu, pela última vez, a


Jerusalém para a festa da Páscoa,
iam mulheres na sua companhia.
É verdade que o Evangelho só
menciona uma - a mãe de Tiago
e João, filhos de Zebedeu. Porém,
os costumes de então levam-nos a crer que ela não
estava só. Além disso, o Evangelista narra, mais tarde,
como várias mulheres presenciavam tudo, de longe,
no CalváiÍo.
Por isso, Maria, naqueles últimos dias antes da
Paixão, reuniu-se ao grupo das santas mulheres. Tam-
bém isto estava regulado em muitas manifestações
exteriores, pelo uso e pelas conveniências. Estas impu-
nham que as mulheres estivessem separadas dos
homens, a não ser que se tratasse de coisas que dis-

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- sessem respeito a ambos. Assim, por exemplo, quando e Sabeis que dentro de dois dias é a Páscoa. Então o
Jesus pregava, ouviam-no homens e mulheres, como Filho do Homem será entregue para ser crucificado».
1 1

é natural. Mas, com certeza, também neste caso fica- Estas palavras anunciavam, com terrível clareza,
vam separadas. a sua morte, mas, ao mesmo tempo, e com a mesma
Quando Jesus atravessou, pela última vez, o vale precisão, o seu triunfo. Ao terceiro dia, levantar-se-ia
do Jordão a caminho de Jerusalém, anunciou solene- f do sepulcro e a boa nova do Evangelho ia espalhar-se
mente aos íntimos companheiros dessa viagem o que por todo o mundo.
o esperava. Em três profecias sucessivas lhes predisse Contudo, as palavras de Jesus produziram em
como se efectuaria a Redenção dos homens e a sua Maria e nos Apóstolos sentimentos muito diversos. Os
entrada na glória do Pai. Apóstolos reagiram dum modo surpreendente. Pare-
A caminho da Cidade Santa, chamando os seus ciam aterrados pela perspectiva dum mal terrível que
à parte, disse-lhes em particular : « Olhai, vamos a os ameaçava, sem saberem donde viria, -nem como
Jerusalém e agora o Filho do Homem vai ser entregue acabaria. O pior ainda era que o mesmo Jesus lhes
aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas; eles o chamava a atenção para estes acontecimentos futuros,
condenarão à morte e o entregarão aos gentios, e Ele, que, até então, os tinha livrado de todos os peri-
estes o escarnecerão, escarrar-lhe-ão no rosto, açoitá- gos, chegando até a fazer milagres quando era neces-
-lo-ão e dar-lhe-ão a morte. E depois de três dias sário.
ressuscitará». Como não acreditavam inteiramente nas palavras
Em Betânia deu Simão, o leproso, um banquete de Jesus, não podiam abandonar-se-Lhe totalmente
em honra de Jesus. Maria, a irmã de Marta, ungiu-o como a refúgio seguro, nem pedir-Lhe explicações. Os
com um aroma precioso, de nardo. Quando Judas protestos de amor da última ceia são a expressão
mostrou a sua indignação por aquilo a que ele cha- adequada da vacilação de suas almas, com o que
mostravam considerar as palavras de Jesus, não como

1
mava « desperdício », tomou Jesus a palavra, profeti-
zando solenemente: « derramando ela o bálsamo sobre profecias, propriamente ditas, mas como a manifestação
mim, fê-lo em ordem à minha sepultura (que está pró- duma alma angustiada.
• xima). Em verdade vos digo: Em qualquer parte do Maria, pelo contrário, recebeu aquelas profecias
mundo, em que se anunciar a mensagem da salvação, com um coração firme na fé e disposto para o sacri-
será o seu acto dado a conhecer em memória dela», fício. Para Ela eram o sinal certo de que estava pró-
Por fim esta profecia - a terceira e última - foi xima a hora em que a espada de dor lhe atravessaria
feita na quarta-feira anterior à Paixão. Jesus disse: l1 o coração.
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

\ / tinha vaticinado. Então Jesus disse-lhe: «A minha

/~
PREPARAÇÃO DE MARIA hora ainda não chegou » ! Com isto lhe indicava que
PARA A PAIXÃO E MORTE DE JESUS tinha que esperar ainda, mas que alguma vez chegaria
o momento em que a Mãe e o Filho haviam de estar
As mesmas palavras de Jesus, a respeito da sua unidos no sofrimento.
i
1 morte, que retraíram os discípulos do Mestre, tiveram À medida que iam crescendo o ódio dos fariseus
1.
em Maria, como consequência, prepará-la para tomar e a má vontade do povo contra Jesus, ia Maria com-
parte com Ele, com fé inquebrantável, na Paixão que preendendo, cada vez melhor, que o tempo da batalha
se aproximava. Já durante toda a sua vida, se tinha decisiva já não estava longe. Além disso, as reitera-
estado preparando para este tempo, sob a direcção do das profecias de Jesus, na sua viagem a Jerusalém,
Espírito Santo. levavam-na à convicção certa de que «a hora » estava
A profecia de Simeão havia dado a seus senti- a chegar. Com a penetração progressiva nas dores
mentos um modo de ser que nunca perdeu. Pela reservadas a seu Filho e com o conhecimento cres-
segunda vez recebeu uma mensagem do céu, ao ficar cente de que, dentro de pouco tempo, elas se descar-
Jesus no Templo e ao ouvir-Lhe dizer, logo que o regariam sobre Ele, havia aumentado, também, em
encontraram: « Não sabíeis que devo ocupar-me das Maria, o seu amor para com Jesus.
coisas do meu Pai? » invocando, diante da Mãe, a O que mais se admira no amor das mães é que
vontade do Pai. cada dificuldade do filho faz brotar no coração da mãe
Esta perda de Jesus poder-se-ia comparar, na vida uma nova fonte de amor, e, à medida que aumenta a
de Maria, à primeira nuvem de tempestade que se dese- angústia, c resce, também, o amor. No coração da
nha ao amanhecer. Poderá tardar ainda muito, porém Virgem aumentavam, assim, a aflição e a dor, mas a
já se sabe que, a seu tempo estalará a tempestade. sua solicitude amorosa, como Mãe do Redentor, sobre-
A profecia de Simeão e a perda de Jesus em punha-se a tudo.
Jerusalém continuavam a influir em sua alma, nos anos A maneira de ser de Jesus e as suas palavras
silenciosos, e exteriormente cheios de paz, da sua vida infundiram-Lhe força e ânimo. Por elas soube que a
em Nazaré. obra da Redenção se consumaria com a morte do
Tão vivas permaneciam n'Ela que, passados 30 Redentor. Quando na Galileia se revoltavam contra
(
anos, quando Jesus se apresentbu publicamente como j1
Ele, começava a falar da sua paixão e morte, como
Messias, as recordou imediatamente para se pôr a seu !1 dum mistério precioso, e da missão que « lhe tinha sido
lado, esperando, em sua companhia, o que Simeão lhe assinalada ».
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MARIA, MÃE DE JESUS

Na última festa dos Tabernáculos, antes da sua


Paixão, tinha dito: " Eu sou o Bom Pastor! Conheço
as minhas ovelhas, e elas conhecem-me a mim, assim
como meu Pai me conhece a mim e eu o conheço a
Ele ! Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas. Porém
tenho outras que não pertencem a este rebanho ; - 'i.!
tenho o encargo de as trazer também a elas ao redil.
Ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só
pastor. Meu Pai ama-me porque eu ofereço a minha
vida para a recobrar de novo. Ninguém ma pode tirar; ·.'-'."< .,..i
. .
- -.~
~
..
e
·;::

DESCRIÇÃO DA GRAVURA ...,""


. ;
Na última Ceia, no domingo da Ressurreição e no dia de Pente- ."e
costes, os amigos de Jesus, que o seguiam, estavam na « esd.ncia supe-
rior> de uma casa. ' ...,.."
Por «estància superior" deve entender-se um recinto no segundo
( ir·
andar. E, como se diz expressamente que era um lugar espaçoso, é
verosímil que correspondesse ao terraço da casa.
Neste caso, tinha uma escada independente, pelo lado de fora,
podendo-se subir e descer sem encontrar os que moravam no andar
debaixo, nem os incomodar.
A gravura representa uma dessas dependências superiores. Pela
escada de pedra sobe-se ao telhado do andar inferior, espaçoso, e
entra-se por uma porta na sala da sobredita estância.
Num lugar como este se reuniram os discípulos para a ceia pas-
cal. Ali estavam quando Jesus lhes apareceu na noite do Domingo da
"""·
Ressurreição e quando o Espírito Santo desceu sobre eles, no dia de
Pentecostes.
r1.
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Jlo. . •.
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Dum terraço semelhanto àquele que a gravura representa, podia ., .
proferir-se um discurso, como o de S. Pedro logo depois da vinda do
Espírito Santo.
1!
~c,~;_t<1 .'P",,,. .-·;:; ,_!: .: o:o.:. .:'.>. :'. ~~:-~'O.- ' ·'·: .Ti:•.1.i.~.-:• ·-~ -".I -:.: :. -.; ,:• , .,.,.:i. . '. "i<'•:.:~1"'-: -:.!-.u.;.::.~ .- ~:; ,. ,.-,1~·-~· ~=,.,.,,~.; ,:;,; - 1 t:;.; _., -_,_,~:,. . .: .±. :.:. ":" .'.: ~1.:..·. :..,--: : : >1'1' C&E::''1 J.
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Fot. Raad.
XXI - 398

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'i não, eu é que a ofereço voluntàriamente. Tenho poder


para a dar e para a recobrar depois. Esta é a missão
que recebi de meu pai » !
Portanto, a morte de Jesus era vontade do Pai.
E Jesus não tinha descanso enquanto a não cumpria,

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1
derramando o seu sangue para salvar os homens da
morte e dar-lhes a vida. E, como «escrava do Senhor»,
Maria seguia, com fé firme, a Jesus pelo caminho cujo
fim não conseguia divisar.
Como seu Filho, também Ela dirigia seus olhares
para a Paixão e para a obra redentora, que com a
morte de Jesus seria consumada.
Não se sabe até que ponto Maria penetrava,
naquele tempo, a grandeza da obra redentora de seu
Filho que abrangia o céu e a terra e que teria a sua
consumação na Paixão e morte. O Evangelho nada diz
expressamente a este respeito. Porém a Sagrada Escri-
tura fala de outras pessoas que possuíam estes conhe-
cimentos e nos enchem de admiração.
Durante toda a sua vida, suspirou Simeão pelo
Redentor, e, só por o ter recebido em seus braços,
estava em disposição de morrer com o maior gozo.

l
A viuva Ana esperou durante 60 anos a consolação
de Israel, não fazendo mais que orar e suspirar.
Já Simeão tinha previsto, em sua alma, que a
Redenção não se consumaria de modo aparatoso, com 1

prodígios que, por assim dizer, fascinassem as multi-


dões, mas pela perseguição e dor. Mas, sobretudo, que
impressão tão funda devia sentir João para que, ani-
mado somente pelo pensamento do Redentor futuro,

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~ MARIA, MÃE DE JESUS 'l MARIA, MÃE DE JESUS 'lr?::í'1 ~n..~::.~ ·"3:y,-:;. ; 0 7 •:1\~ "':"'"-. 'l.- ...,..,.,,l., <>r.O:::•·.~•"Al"'"'-~ai::::"Un- 'i>J.'.~'' r;l!,·;~·,;;;i;r::r:J W.l'l:i'

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jejuasse e orasse durante todo o tempo da sua vida! morte que precederam aquele outro vaticínio da glori-
E com que íntima intuição não devia ter penetrado a ficação de Jesus, de sorte que já não prestavam a
missão do Messias para só pregar penitência e mais devida atenção ao anúncio da vitória sobre a morte.
penitência, e para dizer, apontando para o Redentor: Menor impressão lhe fizeram ainda as palavras de
« Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do Jesus em Betânia: « Em verdade vos digo que em
mundo»! qualquer parte do mundo em que o Evangelho for
O conhecimento que Maria, a cheia de graça, tinha conhecido, se referirá também em honra dela (Mada-
do pecado e das suas consequências, era muito superior lena) o seu acto » .
ao de Simeão, de Ana e de João, o que lhe dava fun~ Jesus falou ali na difusão do seu Reino, olhando
<lamento para um conhecimento mais perfeito da obra par a o futuro por cima da dor e do sofrimento, da
redentora. Além disso, Ela tinha vivido trinta anos na vergonha e da morte, contemplando a glorificação do
companhia de Jesus. Durante esta convivência tinha seu nome entre a Humanidade redimida. Os Apóstolos
'ii penetrado nos sentimentos de Jesus dum modo e num ficavam desorientados. Eles, que no começo da Paixão
grau superior a tudo o que se pode imaginar. Esta abandonaram a Jesus, mesmo exteriormente, começa-
comunicação e a perspectiva das bênçãos que a imo- ram a retrair-se d'Ele, interiormente, naqueles dias.
lação de seu Filho traria aos homens, deram a Maria Maria era a única que, apesar de todas as predições,
uma têmpera que a fazia forte sem desfalecimentos, espantosas de dor e de morte, e apesar do fracasso
'1 quando, com terrível clareza, se lhe apresentavam externo, se atinha inalterável às palavras de Jesus, a
diante dos olhos os sofrimentos do seu Filho. respeito da sua vitória, ressurreição e glorificação.
Ela, porém, não considerava as profecias de « Ressuscitará » ! Por isso se Lhe unia tanto mais
Jesus a respeito da sua Paixão e morte somente com estreitamente quanto mais próxima estava a hora que
1.1.
coração firme na fé e preparado para o sacrifício. Ele tinha anunciado.
Nesse mesmo cor ação se arraigara, com igual fir- Como sempre, estava agora disposta a oferecer
meza, a esperança de que se realizariam também os seu Filho, segundo a profecia de Simeão, como Cordeiro
l 1l:
vaticínios relativos à sua glorificação e à propagação do sacrifício, para a salvação dos homens.
vitoriosa do seu Reino por todo o mundo. « Ao ter- Não devemos, pois, ver a grandeza de Maria
ceiro dia ressuscitará de entre os mortos o Filho do somente em ter oferecido morada em seu seio ao «Filho
Homem»! Unigénito de Deus », facilitando-Lhe, deste modo, o seu
Os Apóstolos ficaram como que aturdidos com as sacrifício para a salvação dos homens. Não, à glória
1 i!
predições terríveis de afrontas, escârneos, tormentos e de Maria pertence também o cuidado de proteger este
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
!
Cordeiro de sacrifício, de o alimentar e de o acom- As profecias do Antigo Testamento, iluminadas agora
panhar ao altar quando chegou o tempo próprio. Desta pelas do Messias, começaram a tornar-se mais claras
sorte nunca se interromperam a vida e os sofrimentos aos olhos da Virgem.
comuns de Maria e de seu Filho. Para Ela significavam Também Ela, como seu Filho, as teve sempre pre-
o mesmo que para Ele as palavras do profeta: sentes na noite da paixão e morte.
« A minha vida passou-se entre dores, e os meus anos j
deslizaram entre soluços» 1.

'
;
1
Como em Jesus se juntava à angústia da Paixão
um desejo maior ainda, assim também em sua Mãe ,/\V MARIA NO AMBIENTE DOS SALMOS

'1 existia alguma coisa que era uma participação das


DESDE AS ÚLTIMAS PROFECIAS DE JESUS A RESPEITO
aspirações do Coração de Jesus. Não só espera va,
1:. DA SUA MORTE E O COMEÇO DA PAIXÃO
1
com muita conformidade, a hora de seu Filho, mas
também, Ela mesma se identificava inteiramente com
as aspirações de Jesus, com seu coração de Mãe, As profecias que se encontravam nos Livros
preparado para a redenção da Humanidade e para a Sagrados, a respeito da Paixão de Jesus, tinha-as
glorificação do seu Filho, como Redentor do mundo. Maria compreendido perfeitamente, desde há muito
Deste modo, Maria era a única que, naquele tempo. Contudo, depois que Jesus disse, com toda a
transe, acompanhava Jesus sem vacilar. Por isso, era clareza, que o levariam aos tribunais de Jerusalém,
também a única que, no meio das trevas dos dias que seria entregue aos romanos, açoitado, escarne-
seguintes, conservou a fé de que chegaria a manhã da cido; que lhe escarrariam no rosto e que seria morto,
Páscoa. Isto, porém, não impedia que estivesse mergu- Maria teve em suas mãos, como que a chave que
lhada na mais profunda dor, como qualquer de nós, lhe abriu inteiramente os arcanos da sua Paixão
que por ocasião dum cataclismo, por exemplo, um dolorosa.
terremoto, não pode vencer o medo, nem dominá-lo
com a ideia de que aquilo acabará dum momento
para o outro.
Esta chave serviu-lhe, ao mesmo tempo, para os
salmos. Os da Paixão, tão semelhantes aos seus sen-
timentos e ideias, que quase tinha presente cada um
l
Jesus só tinha um pensamento: Realizar a obra dos seus versículos, estremeceram, por assim dizer, e
que, de antemão, lhe estava assinalada na Escritura. gritaram : Aqui estamos nós esperando que o teu Filho
realize, em si, o que nós dizemos, e que · a sua vida
1
Encíclica pontifícia de 2 de Fevereiro d e I 9 04. seja a cópia fiel do que afirmamos !

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1 1'

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Cada uma das predições apresentava-se agora ticularidades singulares a que só Jesus tinha dado
como um mensageiro que Deus enviara a Ela, à Mãe realce, em forma de sentenças, apresentavam-se ali
de Jesus ; porque, segundo a profecia de Simeão, no como amargos gritos de dor, cheios de vida e de
Templo, e as palavras de Jesus em Caná, quando inquietação, acotovelando-se umas às outras:
chegasse a sua hora, Maria havia de estar presente e
de ser atravessada por uma espada de dor.
Eu sou um verme, e não um homem ;
O salmo 109 ecoava agora como descrição da O opr6brio dos homens e a abjecção da plebe.
terrível batalha : Todos os que me viram, escarneceram de mim;
Moveram os lábios e menearam a cabeça :
Disse o Senhor ao meu Senhor : Esperou no Senhor, livre-o;
Senta-te à minha direita ; Salve-o, se é que o ama.
Até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.

Em seguida vinha a passagem em que, entre quei-


O Senhor fará sair de Sião o cetro do teu poder ;
Domina tu no meio dos teus inimigos. xumes, se faz uma referência a sua Mãe :
Contigo está o principado no dia da tua força,
Entre os resplendores dos santos; Sim, tu és o que me tiraste do ventre materno,
Das minhas entranhas te gerei antes da aurora. És a minha esperança desde os peitos de minha mãe.
Eu fui lançado nos teus braços desde o seio de minha mãe,
Jurou o Senhor e não se arrependerá : Tu és o meu Deus desde o ventre materno.
Tu és sacerdote eternamente,
Segundo a ordem de Melquisedeque,
O Senhor está à tua direita ; Nestes versículos, Maria aparece como um espelho
Ele despedaçou os reis no dia da sua ira. diante de si mesma.
Exercerá o seu juizo no meio das nações ; Quando nascia um filho colocavam-no sobre os
Encherá tudo de ruínas ; joelhos do pai. Por esta acção, o pai reconhecia-o por
Esmagará a cabeça de muitos sobre a terra.
Beberá da torrente no caminho,
filho, e tomava sobre si, diante de todos, o compro-
Por isso levantará a sua cabeça. misso de cuidar dele.
Esta cerimónia e o que ela simbolizava, constitui
o fundo das palavras misteriosas do salmo. O salmista
O salmo 21 parecia uma exposição ampliada das atribui-se uma relação tão íntima com Deus como
profecias de Jesus a respeito da sua Paixão. As par- aquela que existe entre pai e filho.

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Nos últimos tempos das suas pregações, Jesus Atende à minha defeza.
usava sempre uma linguagem misteriosa, para falar da Livra, ó meu Deus, a minha alma da espada,
sua vida no seio do Eterno Pai. E das garras dos cães a minha vida.
Salva-me da bôca do leã'.o
Ninguém tinha tantos elementos como Maria para E a minha humildade das hastes do unicórnio.
entender estas alusões, e ninguém as compreendeu tão
profundamente como Ela.
Maria sabia que o mesmo Deus era o Pai de seu Que necessidades, que angústias as que se des-
Filho Jesus e que o era em sentido mais elevado e crevem nestes versículos ! Porém do mesmo salmo sai
perfeito que qualquer outro pai. um resplendor de consolo, a respeito do tenebroso
Não eram as palavras do salmo como que uma vaticínio. Nele fala-se, dum modo admirável, duma
exteriorização dos mesmos sentimentos que Jesus sociedade de irmãos e de um sacrifício que, depois
tinha manifestado a respeito de seu Pai ? daquela paixão e daquela dor, se havia de estender
Que pensaria Maria, agora, ao recordar estes por todos os séculos e a todos os povos.
versículos ?
A figura da mãe desvaneceu-se, renovando-se a Anunciarei o teu nome aos meus irmãos ;
queixa do salmista : No meio da assembleia te louvarei.
Vós que temeis o Senhor, louvai-o;
111 ;. Vós todos que sois da descendência de Jacob, glorificai-o.

Derramei-me como água, I Tema-o toda a posteridade de Israel,
E todos os meus ossos se desconjuntaram.
O meu coração tornou-se como cêra i Porque ele não desprezou nem desatendeu
A humilde súplica do pobre;
':li'.,
i ~
Derretida no meio do meu peito. l
) Nem apartou de mim a sua face,
':11·i' O meu vigor seco u-se como barro cozido Mas ouviu-me quando lhe clamava.
.\
l A ti se dirigirá o meu louvor numa assembleia grande ;
(' E a minha língua pegou-se ao meu palada;;
E conduziste-me até ao pé da sepultura
1
1 Eu cumprirei os meus votos em presença dos que o temem.
·:. !1 1 ~
l'li Porque me rodeia uma matilha de cães·
Uma turba de malvados me assaltou. ' j
Os pobres comerão e serão saciados ;
E os que buscam ao Senhor louvá-lo-ão,
:111'
Trespassaram as minhas mãos e os meus pés, E os seus corações viverão pelos séculos dos séc ulos ;
.·.r .I
E contaram todos os meus ossos. 1 Lembrar-se-ao e converter-se-ão ao Senhor todos os limites da
.'li E eles mesmo me estiveram considerando e olhando.
l
1 terra;
Repartiram entre si os meus vestidos l E todas as famílias das nações o adorarão na sua presem;a,
I~; E lançaram sortes sobre a minha túni~a. Porque o Reino pertence ao Senhor,

:~I Mas tu, Senhor, não afastes de mim o teu socorro ; E ele reinará sobre as nações.

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! Comeram e adoraram-no todos os ricos da terra ·


Diante dele se prostraram todos os mortais. ,
E a minha alma viverá para ele,
E a minha descendência o servirá.
A geração que há-de vir, será anunciada ao Senhor, II
E os céus anunciarão a sua justiça
Ao povo que há-de nascer, e que o Senhor formou.
Paixão de Jesus
Também Jesus tinha falado dum alimento da alma
que seria Ele mesmo. Como se relacionavam estas duas
coisas ? Em breve Maria estaria ao corrente disso, e A QUINTA-FEIRA
dentro de pouco tempo se desvendaria o mistério que
estas palavras encerravam.
f\ j o primeiro dia dos ázimos, em que se sacrificava o cordeiro
~ \j pascal, perguntaram os discípulos: Onde prcpar.1rcmos a
ceia? Enviou então dois deles e disse-lhes: Ide ,\ cid.1de
e nela encontrareis um homem que leva um cânt.no de ;Í~ U•l.
Segui-o, e onde ele entrar, entrai vós também e dizei ,]() dono
da casa: O mestre manda perguntar: Onde está o aposento p.1ra
nele celebrar a ceia pascal com os meus discípulos '? r: ele vos
mostrará uma grande sala mobilada. Preparai-a .1í. Os discí-
pulos foram e encontraram tudo como lhes tinha sido dito, e
prepararam a ceia pascal 1.

Na quinta-feira foram os discípulos ter com Jesus


e perguntaram-lhe : Onde quereis que preparemos o
cordeiro pascal ?
Jesus sabia muito bem o que o cordeiro pascal
significava para Ele. Ele mesmo o devia substituir

1 Marc., XIV, I2-16; Luc., XXII, 7-13; Mat., xxv1, I7-I9.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS .. ,~ ~-~,

'1 "
naquela Páscoa, apagando os pecados que nunca o o de Jesus com os Apóstolos, e o das mulheres e
sacrifício dos cordeiros pôde apagar. Contudo, quis discípulos. Em todo o caso, deve-se ter como certo
ter, antes da Paixão, uma hora de festa e, por uma que Maria, tendo ido em peregrinação a Jerusalém,
:i estava sujeita à obrigação legal de tomar parte, den-
'I descrição velada, indicou aos discípulos uma casa na
cidade, sem dar a conhecer o lugar nem o nome do tro da cidade, na solenidade da ceia pascal.
dono, de modo que Judas, o traidor, não o soubesse Maria e as mulheres saíram, pois, de Betânia,
com antecedência. « Ao chegardes à cidade encon- provàvelmente, ao mesmo tempo que Jesus e os dis-
trareis um homem com um cântaro de água . Segui-o cípulos, e dirigiram-se a Jerusalém pela encosta do
e, onde ele entrar, entrai também e dizei ao dono da monte das Oliveiras. Naqueles dias, que precediam a
casa : O Mestre manda perguntar : onde está o lugar festa, vinham os peregrinos em grupos sucessivos,
para poder comer, com os meus discípulos o cordeiro desde os profundos vales do Jordão, pelo deserto de
pascal? Ele vos mostrará uma grande sala: prepa- Judá. O formigueiro dos peões era interrompido pelos
rai-o aí ». jumentos a meio trote e pelos grandes camelos com
O Senhor disse expressamente que o dono da suas cadeiras a balancear. O pó subia até às nuvens
casa a que se refere porá à sua disposição uma e brilhava como um vapór branco com tons amarelos
grande sala. aos raios do sol.
Atendendo ao modo de construir de então, é de Além de Jesus, Maria era a única a saber, com
supor que se tratava de uma sala superior, a única do fé firme, o que ia acontecer nos próximos dias. Só Ela
primeiro andar e que, em todo o caso, tinha uma admitia os vaticínios à letra. Sabia que era essa a
escada por fora. Deste modo, Jesus e seus discípulos última vez que seu Filho ia a Jerusalém. No caminho
ficavam inteiramente independentes. Podiam entrar e olhou em direcção ao sul até às alturas, detrás das
sair sem incomodar o dono da casa. quais se ocultava Belém e o caminho que até lá con-
Onde estavam então Maria e as mulheres da comi- duzia, desde Jerusalém.
tiva de Jesus ? Não há mãe que esqueça o lugar onde deu ao
As mulheres, e até mesmo as crianças, estavam mundo o seu único filho. Maria recordava, talvez, o
obrigadas a esta ceia pascal do mesmo modo que os tempo já afastado, em que envolveu o Menino em
homens. Pelo que sabemos, era permitido que a cele- pobres panos.
brassem dois grupos na mesma sala. Só estava proi- Ao mesmo tempo dirigiu o seu olhar para o
bido misturarem-se. Por isso é muito provável que Templo, para o lugar em que Simeão tomara o Menino
tivessem feito os preparativos para os dois grupos : nos braços e pronunciara o seu vaticínio.

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MARIA, MÃE DE JESUS

Eis que se aproximava o momento da sua reali-


zação!
A piedade intercala neste tempo, antes da prisão
de Jesus, uma despedida formal de sua Mãe. Segundo
o Evangelho, parece claro que não se deu, de modo
algum, tal despedida, de sorte que nela se « ultimas-
sem » todos os negócios, como costuma acontecer nas
coisas deste mundo. Jesus confiou sua Mãe, do alto da
cruz, a João, e este tomou-a por sua. Se Jesus e Maria
tivessem falado na sua última entrevista, como é cos-
tume entre os homens, a respeito do futuro, este epi-
sódio não seria possível.
Muitas vezes pintam-se as coisas, como se Jesus
o
tivesse pedido licença a Maria para começar a pade-
cer. O procedimento de Jesus, como adolescente de
;;.
'"..
e
12 anos e como conviva das bodas de Caná, torna isto u
o
pouco verosímil. Outra coisa seria que Jesus tivesse
pedido a sua Mãe, como escrava do Senhor, que con-
sentisse na sua Paixão, e que Maria manifestasse esse
consentimento com toda a prontidão. De resto, foi uma
entrevista e uma despedida em que não se disseram
muitas palavras.

DESCRIÇÃO DA GRAVURA

O ediHcio que temos à vista nã'.o é do tempo de Jesus. Mas


dá uma ideia aproximada do que seria uma daquelas salas, situada no
andar superior da casa.
Está tapetada com esteira de palha.
Presentemente é propriedade dos maometanos.

412

XXII - 412 Fot. Raad

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como antes, em ser a « escrava» e, como tal, não


i.niciada em todos os pormenores. As últimas circuns-
:ji 11
';1 tâncias da Paixão ainda as não conhecia. Isto era para

f' Ela um tormento íntimo, pois sabia que o mais terrível


.e stava p<óximo,

''
1
!'' A NOITE ANTERIOR À SEXTA-FEIRA SANTA

À hora oportuna p6s-se à mesa com os doze AplÍstolos


e disse-lhes: « tenho desejado ardentemente comer convosco este
cordeiro pascal antes da pai xão. Asseguro-vos que o não tornarei
a comer até que tenha a sua realização no Reino de Deus » .
Entáo tomou um cálix , deu graças a Deus, e disse:
«Tomai-o e distribuí-o entre v6s. Porque vos assc!l>uro que
não tornarei a beber do fruto da vide até que chegue ao R eino
de Deus 1.

À noitinha entrou Jesus com seus discípulos na


sala que Pedro e João tinham acomodado para a ceia
pascal. Entretanto tinham morto e preparado o cor-
deiro. Jesus celebrou a festa formando um grupo com
os Apóstolos, e, durante ela, instituiu o sacrifício do
Novo Testamento. Em seguida dirigiu-se para o monte
das Oliveiras e ali o assaltou uma agonia mortal.
Informada por Jesus ou pelos Apóstolos, Maria
não ignorava o vaticínio, segundo o qual Jesus ia dar
aos fieis sua carne como alimento e seu sangue como

1 Luc., xxn, 14-18; Mat., xxv1, 20 - 29; Marc., x1v, 17-25.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ~ '"!:%~-""-~-..·-:.-: : , : · .;.:-o · ; ·.;·:.-: '-=..:.r-..:~-~-
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bebida. Como havia isso de se realizar ignoravam-no, Por cima de todas as tribulações, temores e vacilações
tanto Ela como os Apóstolos. Contudo tomou a pro- da fraqueza humana, via neles os homens agraciados
messa com aquela calma inabalável que lhe era carac- por seu Filho com a missão· de renovarem, logo que
terística, e tudo Lhe devia causar uma impressão Ele se ausentasse da terra, o seu sacrifício, sob as
indescritível. espécies de pão e de vinho.
Teria como que um pressentimento de que Jesus Via que os direitos maternos por Ela exerci-
se ia separar d'Ela por qualquer modo misterioso. Não dos sobre Jesus, durante a sua infância, passavam
obstante, acreditou na promessa de seu Filho com agora, por uma forma nova, para os Apóstolos. Mas
muita alegria: daria aos fieis a sua carne como ali- isso não a afligia. Só se fixava nos contornos da obra
mento e o seu sangue como bebida; e, deste modo, da Redenção que, hora a hora, via tornarem-se cada
havia de manter a vida em suas almas e ressuscitá-los vez mais nítidos. E quando estava ao pé da cruz, tinha
. ;!1 no dia do juízo . o vivo pressentimento de que aquele sacrifício cruento
1 ·I
. ·r Tudo se esclareceu quando Maria teve conheci- de Jesus se repetiria, duma maneira incruenta, por seu
: 1· mento dos acontecimentos passados na última ceia, se mandado.
! i: é que Ela mesma ali se não encontrava. Para o desenrolar dos acontecimentos ulteriores
111· Sua fé ultrapassava muito a dos Apóstolos. Por naquela noite, importa resolver a seguinte dúvida:
I.! isso estava mais disposta para ver, no mistério do Para onde fugiram os Apóstolos, depois da prisão de
i"l sacramento do altar, o último legado do amor: «Isto é Jesus? Ficaram entre as árvores hospitaleiras do
o meu corpo que será sacrificado por vós. Este cálix do Oli veti ou voltaram pressurosos à cidade para se
~
1
'
Novo Testamento é o meu sangue que será derramado encerrarem no Cenáculo, como fizeram, segundo o
!
por vós e por muitos para a remissão dos pecados». Evangelho, na noite de domingo?
Devemos notar, em especial, o que estas palavras Se voltaram ao Cenáculo e se Maria estava ali,
significavam para Maria a respeito da crucifixão que soube por eles que Jesus fora preso. E se estava
estava iminente. Com elas redobrou a sua penetração em qualquer outra parte, isto podia acontecer da
no significado dos factos de que ia ser testemunha na mesma maneira. O mais tarde que saberia da pri-
Sexta-Feira Santa. Na crucifixão oferecia Jesus o sacri- são de Jesus, foi quando Pedro, arrependido de
fício único, que logo depois da sua morte os discípulos todo o coração, saindo furtivamente de casa do
haviam de renovar. Pontífice, foi procurar a Mãe de Jesus, ou quando
Por estas palavras de Jesus estabeleceu Maria João voltou a casa, depois dos interrogatórios, e
uma nova união misteriosa e íntima com os Apóstolos. lho participou.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Depois vemos a este discípulo, com Maria, ao pé como as que a Sagrada Escritura descreve de
da cruz. Este facto tem, sem dúvida, a sua história Jesus.
prévia que se estende até às obscuridades e ter- É bem verdade que aquelas provas revestiam,
rores daquela noite. n'Ela, um carácter singular, por ser a Mãe do Filho do

X
Homem - Jesus - e sempre se relacionavam alguma

ANGÚSTIA DE MARIA NAQUELA NOITE l coisa com a vida do que era seu Filho e Filho de
Deus. Dir-se-ia que provinham do próprio Jesus.

l
Quem o considerar com toda a atenção, verá que
Há nos homens uma tendência típica para levantar semelhantes provações da Virgem estão consignadas,
entre nós e Jesus, Filho de Deus, uma barreira que de passagem, no Evangelho. Uma delas verifica-se na
não existe. l· perda de Jesus no Templo; outra no proceder de Jesus
Esta tendência não é própria só do homem nas bodas de Caná, ou na preterição havida com sua
moderno. Já nos primeiros tempos do Cristianismo Mãe diante do povo, quando o foi visitar. Porém,
exerceu o seu influxo. E prova disso é, por exemplo, o horas mais difíceis a esperavam no momento em que
facto de muitos escritores passarem por alto a descri- Jesus se separou d'Ela, na Quinta-feira Santa, e come-
1 ção da agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras, por- çou a sua Paixão.
que, no seu entender, era imprópria do Filho de Deus. Os livros piedosos apresentam, aqui e ali, a hipó-
Semelhante escândalo suscitou a tentação diabó- tese de Maria ter seguido a Paixão de Jesus na noite
lica que Jesus teve de sustentar. Se faltassem estas de Quinta para Sexta-feira Santa por uma espécie de
duas passagens do Evangelho, não nos atreveríamos, revelação.
realmente, a julgar possível o que constituí o objecto Sua dor e angústia eram, contudo, muito maiores
destas descrições pormenorizadas. se não foi assim e se Ela sabia apenas o que Jesus
Ora, quando ouvimos falar das « tentações de tinha dito antes: que na Sexta-feira o condenariam à
Maria » temos a impressão de ouvir alguma coisa morte ; que seria crucificado pelos romanos e que ao
muito indecorosa. É que, consciente ou inconsciente- terceiro dia havia de ressuscitar.
mente, muitos têm a ideia de que na vida de Maria Desta maneira a noite de Quinta para Sexta-feira
não se deram, nem podiam dar, fenómenos que tives- Santa reservou a Maria dores semelhantes às de Jesus
sem certa semelhança com as tentações de Jesus no no Jardim das Oliveiras. Como Ele, também Ela se
deserto e com a agonia mortal do Getsemani. E con- encontrava só, no meio da sua angústia. Só Ela e mais
tudo , Maria passou, sem dúvida alguma, por tentações ninguém acreditava na paixão e morte que iam dar-se

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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dentro de horas. Toda a consolação humana estava parecia que passava uma tempestade pela multi-
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afastada, se ninguém acreditava na realidade do que dão. Aos gritos dos agitadores respondia a plebe
' !
enchia de espanto a sua alma. fazendo coro com eles. Pilatos fraquejou diante da
Se se tem em conta como Jesus se revelou ver- gritaria: Mandou açoitar Jesus e, já desfigurado,
dadeiro homem no Jardim das Oliveiras, como foi apresentou-o ao povo julgando ter-lhe saciado os
~1

i
esmagado pela angústia e perturbado por sentimentos ódios. Porém, excitou-os ainda mai&. « Crucifica-o» !
desencontrados, como só a oração a seu Pai celestial gritaram milhares de vozes, não já em tom de sú-
o amparou, justifica-se a opinião de que também Maria plica, mas como quem exige, ameaçando o Juiz que
se preparava durante as mesmas horas nocturnas, com ficou perplexo. Pilatos cedeu de novo. Condenou Jesus
o coração cheio de amargura, para aquilo que seu à morte.
Filho ia suportar, dentro em pouco. A angústia que Onde estava Maria enquanto isto se passava?
experimentou quando procurava o Menino Jesus, foi O Evangelho não o diz. Porém, em tal conjuntura, é
um prenúncio da aflição que agora caíu com toda a provável que estivesse na companhia de João, que ali
violência sobre a alma de Maria. se encontrava, para ser testemunha dos factos .
Pelo menos é certo que, a caminho do Calvá-
rio, se lhe juntou em qualquer ponto. João conta
O CAMINHO DO CALVÁRIO que Ela estava ao pé da cruz. Na nossa Via -Sacra
E A CRUCIFIXÃO a 4.ª Estação comemora o encontro da Mãe com o
Filho.
Tro uxeram 'Jesus para fora a fim Se queremos enquadrar este encontro na topo-
de o crucificarem. grafia que a tradição conserva, devemos fixá-lo junto
( M ARC.,XV, 20; à grande porta.
MA<., XXVll , 3r;
)oà o, XIX, r 6) .
Nas ruas estreitas cheias de peregrinos e de
espectadores e, além disso, quase interceptadas por
colunas de soldados, não havia liberdade de movi-
Na manhã da Sexta-feira Santa toda a cidade de mento. Pelo contrário, naquele sítio, à saída da
Jerusalém ouvia, sem respirar, os interrogatórios que cidade, chegou-se a interromper, realmente, o for-
iam fazendo a Jesus e os maus tratos a que o sujeita- migueiro da gente. Ali obrigaram Simão de Cirene a
vam. Os homens acotovelavam-se uns contra os outros compartilhar com Jesus o peso da cruz. Entretanto,
na praça, diante do tribunal. De quando em quando, os espectadores que se iam aglomerando, e Maria

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MARIA, MÃE DE JESUS , MARIA, MÃE DE JESUS

entre estes, puderam aproximar-se, por uns momen- arrancava a Jesus os seus vestidos diante dos olhos
tos, do Salvador. de todos. O sangue começou a correr com um brilho
O encontro da Mãe e do Filho contém alguma avermelhado e a dar vozes em seu coração.
coisa que nem um nem outro teriam podido manifes- Com rapidez vertiginosa, as dores precipitaram-se;
tar por palavras. Naquele momento se evocaram, por pregaram-se os cravos, ressoavam as marteladas. Cada
assim dizer, todas as recordações da vida de ambos. golpe repercutia mais profundamente nos abismos da
Durante toda ela tinha esperado Jesus por aquela
hora. Maria, depois da profecia de Simeão, também
a esperava e para ela estava preparada. Tinham
J sua alma.
Durante toda a vida tinha ouvido o bater do mar-
telo que, manejado por Jesus, caía sobre tábuas e
esperado um junto do outro; ambos sabiam que madeiros. Escutava cada golpe com o coração cheio
aos dois estava reservado o mesmo destino, e tinham de fé e, através deste martelar, tinha compreendido,
esperado esta hora com os olhos nos desígnios do de certo modo, o espírito e os sentimentos de seu
Pai Celeste. Filho que, dia após dia, trabalhava no silêncio, sendo
Agora os seus olhares cruzavam-se e, neles, as o Redentor do mundo e tendo, em cada momento,
suas almas. Que teriam podido dizer ali?! A dor jun- consciência de que o era.
tava-se à dor, a compaixão à compaixão, a magnani- Aquelas marteladas tinham-se trocado, pouco a
midade à magnanimidade e o amor ao a mor ! pouco, para Maria, num despertar de alma que pro-
A partir deste momento, já não houve outro em digiosamente reduzia ao silêncio iodo o rumor do
que a alma de Maria não fosse sobrecarregada com mundo.
novos tormentos. Jesus foi conduzido à colina. Fize- Agora tornavam-se a ouvir os golpes de martelo.
ram-se os preparativos imediatos para a crucifixão. Mas desta vez, não era Jesus que o brandia sobre o
i
Deram-lhe vinagre que Ele provou mas não bebeu; prego, que devia penetrar no madeiro. Eram braços de
não queria que se embotassem os seus sentidos. verdugo que o levantavam para o descarregar sobre
1 Em seguida os verdugos arrancaram os vestidos os cravos que atravessavam os membros de Jesus.
J. do corpo de Jesus, coberto ainda de sangue e das
feridas da flagelação. Isto ocasionou a Maria um sofri-
A uma pancada sucedia outra e cada uma delas enter-
rava, cada vez mais fundo , na alma de Maria, o glá-
mento que lhe fez vibrar todo o seu amor. dio da dor.
Noutros tempos tinha vestido e despido o Menino
com uma reverência que raiava na adoração - no
silêncio e recolhimento da casa. Agora, aquela gente

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MARIA, MÃE DE JESUS

A ORAÇÃO DE JESUS POR SEUS INIMIGOS

X
11
E 'Jesus ot"ava : Pai, pe..doai-lbes,
po1·que não sabem o que fazem !
(Luc., XXllI, 34).

Para qualquer mãe é grande tormento assistir à


morte dum filho, que já não fala. É como se tivesse
ido para muito longe, sem ela o poder acompanhar.
Com toda a sua solicitude amorosa, chega ao máximo
da tensão, para ver se consegue que ele fale !
As primeiras palavras de Jesus na cruz foram
uma súplica de perdão para os seus inimigos : « Pai,
perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem!»
Perdoai-lhes !
O que o seu Filho pedia, desejava-o também a
Mãe desde aquele momento, em atenção a Ele, para
o imitar, para se apropriar dos seus sentimentos.

D ESCR IÇÃO DA GRAVURA

São típicas nas ruas de Jerusalém as abóbadas que se prolon-


gam como túneis. Com uma claridade que deslumbra, brilha o sol
sobre o pavimento, branco de pó. Em direcção ao espectador caminha
uma mulher com uma trouxa de roupa à cabeça . O movimento na rua
não é grande.
Aspecto semelhante ofereciam as ruas de Jerusalém quando as
santas mulheres saíram de casa, cedo, para irem ao sepulcro de Jesus
ungir-lhe o corpo.
Uma rua do Jerusalém

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XXII! - 422 Fot. Raad

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I' 1

1!
11
1 .
,.., · MARIA, MÃE DE JESUS

Perdoai-lhes !
Cheia de ·c ompaixão olhava para os soldados que
o escarneciam, para os sacerdotes que o ludibriavam,
para a multidão que abanava a cabeça . . . com uma
compaixão tão arraigada e com um olhar tão pene-
trante, que, apesar de tudo, aquela pobre gente bem
mostrava, nas suas atitudes, não o compreender.
Maria compreendeu também, perfeitamente, o mo-
tivo em que Jesus fundava o seu pedido: «Não sabem
o que fazem ! » E realmente Ele podia falar assim !
Em comparação com Ela, que estava iniciada no mis-
tério da filiação divina, não sabiam, de facto, o que se
estava passando no Monte CalvÚio.
', [, As mães podem referir, depois de muitos, muitís-
1 '
simos anos, as palavras que pronunciou o seu filho ao
morrer. Na alma de Maria, acostumada a guardar em
seu coração as palavras de Jesus, manteve-se com
toda a clareza esta petição da graça, feita, dum modo
novo, Mãe de todos os que necessitam dum interces-
~ 1

sor diante do Pai. É que o que se dizia dos algozes e


dos que ali escarneciam de Jesus, pode-se dizer tam-
ilj 1

bém dos pecadores de todos os tempos e lugares.


11
• O Salvador teve-os a todos presentes naquela
111 111
oração; e de todos se compadeceu também Maria
1i,

l' I ' com Ele.


A Mãe do Redentor misericordioso, tornou-se
'I
1 Mãe de misericórdia.
; j! Desde aquele momento, a Paixão de Jesus, que
era obra de Jesus, significava para Ela, agora mais
: li do que nunca, a obra de amor aos pecadores; e já
11·1'

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS --=------------'"=l
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X
não teve outra aspiração mais que a de imitar seu
Filho naquele amor. A INSCRIÇÃO
Como se deixa ver, é muito difícil para o comum
dos homens, familiarizados com o pecado, fazer uma
Pilatos tinha mandado fazer um letreiro e tinha-o mandado
ideia exacta da solicitude de Maria para com os peca- pregar na cruz. Dizia assim: « Jesus Nazareno, Rei dos Judeus ".
dores. 'if Este letreiro leram-no muitos judeus, porque o lug,ir nnde foi
Quem é continuamente joguete do pecado, perde crucificado Jesus estava pr6ximo da cidade. Estava cscdto cm
a noção clara da essência do pecado. Na perplexi- hebreu, latim e grego. Então os príncipes dos sacenlotcs disse -
ram a Pilatos : Não escrevas o rei dos judeus, nu s o qnc disse :
dade em que vive, imagina exactamente o contrário
Eu sou Rei dos 'Judeus. Pilatos respondeu: « O que cst:Í escrito,
do que é, a saber : Que uma pessoa isenta de pecado, escrito está » 1.
como Maria, não pode ter conhecimento perfeito do
1: pecado.
Na verdade foi Maria a que, depois de Jesus, Sempre que um homem se transforma interior-
teve o conhecimento mais profundo do mistério do mente, de maneira que não só proceda dum modo
1

1
pecado. Naturalmente não falava muito a este res- novo mas que adopte também novos sentimentos, com
' peito. Em compensação, sofria com os que sabia i relação ao que até então tinha pensado, tem dt~ pro-
i! serem dignos de compaixão. E era justamente essa ceder daí em diante prescindindo das suas primitivas
dor que, dum modo extraordinário, a martirizava. ideias ou vendo-as através doutro prisma. Por esta
Em suas relações com os pecadores assemelha- 1 razão a vida da juventude modifica-se completamente
va-se à mãe que se vê rodeada de filhos enfermiços uma vez que essa época da vida se ultrapassa . Desde
e achacosos, que não conhecem a miséria do seu
f o seu primeiro pensamento consciente até ao último
estado. Com amor compassivo inclina-se para esses que se apagou como uma faúlha, Maria avançava
infelizes. Seu amor maternal tem que protegê-los e
!. sempre em direcção a Deus. Desse modo, no tesouro
!
~' de recordações arquivadas em seu coração mater-
ampará-los no momento em que se lhes abram os
j
olhos para verem a situação em que se encontram. nal, não houve um só instante em que determinados
l
1
pensamentos desaparecessem, como coisa de pouca
importância, para darem lugar a outros mais eleva-
dos, dentro do seu coração.
r
1 1 Joao, x1x, x9-22; Mat., xxv11, 37; Muc., xv, 26 ; Luc., xxm, 38.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Por isso em cada etapa da sua vida Maria tinha Também as circunstâncias exteriores contribuíam
presente, muito mais que qualquer outra pessoa, todos para que o seu espírito retrocedesse, na ocasião da
1

. li os anos passados, e a cada nova experiência pessoal morte de Jesus, até aos dias de Nazaré.
se unia toda a sua vida anterior com o momento Efectivamente, naqueles acontecimentos, descritos
presente. Isso é o que S. Lucas põe em relevo : por S. João, representava-se de novo à Santíssima
«Maria guardava tudo e tudo cogitava em seu Virgem a vida de Nazaré. Claro está que isto não
coração». se deve entender como se Maria se tivesse podido
Esta disposição de espírito trazia consigo uma entregar tranquilamente, naquela hora, a qualquer gé-
interdependência particular de lembranças para a nero de pensamentos. Trata-se daqueles sentimentos
alma de Maria. A cada momento em que alguma de alma que desabrocham espontâneamente em qual-
coisa de novo se passasse, avivava-se a lembrança quer mãe e que, por isso, se dão ainda mesmo quando
de acontecimentos análogos ; não só até uma época o seu coração está cheio de dor.
determinada do seu passado, mas em todo o seu Seus olhos encontravam-se com a inscrição que
desenrolar, até ao momento de Nazaré, em que o dizia: «Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus ». Estava
anjo Lhe descortinou o seu destino e Lhe revelou a escrita em três línguas: em hebreu, que era o idioma
sua vocação para a maternidade divina. Todas as religioso; em grego, que era o idioma da cultura; e
suas experiências se iam assim aprofundando, cada em latim, que era o idioma oficial.
vez mais, de modo prodigioso. Maria podia ler, por si mesma, as palavras hebrai-
Partindo deste princípio, podemos fazer uma ideia cas. E, se não era capaz disso, tinha perto muitas
de como se reconstituiu, em certo modo, para Maria pessoas que, conforme o costume dos que sabem pouco,
ao pé da cruz, toda a vida de seu Filho. Com qual- soletravam em voz alta.
quer mãe dá-se um fenómeno singular, mas que se Jesus!
regista regularmente : por ocasião da morte dum filho
O nome de Jesus fazia com que o pensamento de
acode-lhe ao espírito, uma vez mais, toda a sua
Maria se transportasse ao momento em que o ouviu
vida, e fixa-se, em particular, naquelas cenas que
pela primeira vez, ao dizer-lhe o anjo: « Pôr-lhe-ás o
mais se relacionam com o termo dela. O que até
nome de Jesus»,
certo ponto se dá com todas as mães, dava-se com
Maria, em sumo grau. Nazaré!
Nunca houve mãe tão identificada com a vida de A palavra Nazaré era para Ela como que um
seu filho, como Maria com a de Jesus. resumo dos trinta anos que o Messias passara como

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MARIA, MÃE DE JESUS
"
:'.! MARIA, MÃE DE JESUS

simples carpinteiro. Todos os anos que ali viveu com


Ele, eram agora como um só dia de pura luz e de paz. os tempos de Nazaré. Os soldados que executaran;i o
drama da crucifixão, gente cruel e, como tal, escolhida
Rei dos Judeus ! para as execuções, tinham-se apod~rado dos v:stidos
'1
1.
i « O Senhor Deus lhe dará um trono, o trono real e calçado de Jesus para os repartirem entre s1, con-
de seu pai David. Reinará na casa de Jacob eterna- <(i•'
forme um pretendido direito, e segundo o costume.
mente e o seu Reino não terá fim ! », lhe dissera um
1

Os vestidos de um filho que sucumbiu à morte,


dia o anjo. i
1 são alguma coisa de sagrado para sua mãe. Em cer~o
1

O trono de David! Pela vida fora tinha Maria 1 modo, tornam-se-lhe tanto mais familiares quanto mais
,j
meditado estas palavras. Ela, como todas as pessoas longe se encontra o fílho. Por isso não há mãe ~ue
piedosas do seu tempo, pensara a princípio num trono não guarde no seu cofre qualquer lembrança dum filho
terreno. Quando Jesus começou a falar da sua Paixão, li morto.
também aquela ideia começou a dissipar-se. O trono O vestido é, para ela, um tesouro que serve para
de ouro e pedras preciosas, o esquadrão, págens e manter vivas as lembranças do amor fe rido . Enquanto
soldados, tinha-se trocado agora numa cruz rodeada os têm nas mãos, torna-os a encher com os membros
de guerreiros que o escarneciam, e de soldados que o queridos do filho amado. Os braços, os pés, o ,p~scoço,
ludibriavam! Porém a fé de Maria manteve-se firme o rosto ... representam-se-lhe de novo ao espmto com
ainda naquela prova. mais vivacidade do que quando pensa, simplesmente,
no defunto.
Não houve mãe que tivesse desejado tanto os

. X A DISTRIBUIÇÃO DOS VESTIDOS


Depois que os soldados crucifi c.tram " fesus , pegaram nos
se us ves tidos e dividiram-nos em quatro pa rtes, uma para cada
soldado, separando a túnica. Esta não tinha cos tu ra, era feita de
vestidos de seu filho, como Maria desejou os de Jesus,
no Monte Cal vário.
No chão estão as sandálias ! Quantas vezes tinha
uma só peça, de ci ma abaixo. Por isso disse ram: Não a rasguemos, Maria pegado n elas em Nazaré! Mas agora tinham-lhas
mas deitemos sortes para ver a quem toca! 1
tirado para sempre ! Quanto se afligia ao pensar que
um dos soldados, de pois de lhes limpar o sangue, as
Não foi só a inscrição da cruz, foi ainda outro
facto desenrolado aos olhos de Maria que Lhe recordou calçaria ou p oria à venda! , . . . .
Ali via também o cinto que Ela propna tena feito,
via o vestido exterior, o manto e a túnica.
i João, 1x, 23 -·34 ; Mat., xxxu, 33-35; Marc., xv, 24; Luc.,
XXllI, 34· Os soldados nada entendiam de delicadezas.
Repartiram entre si as peças do vestido, exceptuando

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1
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

somente a túnica, porque estava feita «sem costura» Os homens que estavam reunidos no Monte Cal-
alguma.
vário: sacerdotes e rabinos, soldados e verdugos e
Já considerámos até que ponto pode ser verda- gente do povo, não saciaram o seu ódio vendo Jesus
deira a lenda, segundo a qual, Maria a teceu expres- pendente da cruz. Aos tormentos do corpo quiseram
samente para Jesus. Os soldados certificaram-se de juntar os da alma. Escarneciam-no, zombando d'Ele,
que aquela peça não podia ser descosida e dividida ~~ lembrando-Lhe os dias da sua vida pública, quando o
em pedaços. Por isso disseram : « Não a rasguemos, povo entusiasmado o tinha por um profeta e até pelo
mas vamos sorteá-la, para ver a quem toca! » Messias prometido. O povo gritava ao pé da cruz :
Perder aquele vestido que Jesus tinha trazido, « Com que então és aquele que destróis o templo de
talvez durante muito tempo, representava para Maria Deus e o reedificas em três dias? Salva-te a ti mesmo
uma dor muito grande. e desce da cruz»! Os sacerdotes estavam a um lado,
Os soldados deitaram os dados e viram que a se bem que o seu modo de pensar e sentir era inteira-
túnica tinha saído a um deles, o qual a tomou para si. mente conforme com o daquela multidão de gente, da
Ainda antes que Jesus tivesse desaparecido, os seus qual só exteriormente se mantinham afastados com
vestidos tinham ido parar às mãos de novos proprie- tanto escrúpulo.
tários, sem passar pelas de sua Mãe. Diziam então por zombaria: « Aos outros valeu-
Assim é que o letreiro da cruz e a distribuição -lhes, mas a si não se pôde valer. Se é Rei de Israel,
dos vestidos fizeram recordar a Maria os dia remotos que desça já da cruz e acreditaremos nele! Confiou
de Nazaré!
em Deus ! Que o salve agora, se é que o ama! Pois
ele disse : eu sou o Filho de Deus » !

X.
O ESCÂRNEO

passava~m dia~te blasfem~vam,


Que resistência era necessária ao coração de
Os que abanando a cabeça Maria para ter, naquele momentol, uma paciência
, e dizendo : Ah ! En tao tu e que destrois o templo de Deus e o semelhante à do seu Filho ! De certo modo, estes
reedificas em três dias! Livra-te a ti mesmo! Se és 0 Filho de insultos afligiam-na a Ela mais profundamente do que
Deus, desce da cruz ! Do mesmo modo, os príncipes dos sacer-
a Jesus; porque, para uma mãe, é mais intolerável
dotes, os escribas e os fariseus, insultando-o diziam : Salvou os
outros e a si mesmo náo se p ôde valer. Se é o Rei de Israel que ver maltratar o filho inocente, que ser ela mesma
desça agora da cr uz e acreditaremos nele. Confiou em Deus · atormentada.
que Deus o salve, se é que o ama 1, ' A frase que mais a feriu foi : « Ele disse : ett sou
o Filho de Deus » ! A Virgem transportou-se em espí-
1 M at., xxvn, 39 ; Marc., xv, 29; Luc., xx111, S-37· rito, que sempre abrangia toda a vida, àquela hora em
3
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>J

.:1
~ que o anjo lhe tinha dito: « Será chamado Filho de estarás comigo no paraíso » ! dissera Jesus. Por isso a
. ,, .~
Deus»! separação estava iminente .
Até um dos ladrões, que tinha sido crucificado Diante do pensamento da morte de Jesus, seu
com Jesus, começou a blasfemar. Com o coração cheio coração de Mãe identificava-se, em certo modo, com
de ódio e amargura gritou : « Não és tu o Messias? os tormentos que Ele padecia, para permanecer com
Pois salva-te a· ti mesmo e salva-nos a nós» ! Esta Ele e n'Ele durante os poucos momentos que lhe res-
burla era para J esus uma deshonra maior que os tavam. Toda a mãe amante possui o dom secreto não
escârneos dos circunstantes. Também aquele malfeitor, só de viver junto ao filho que sofre, mas também de
associado a Jesus, amaldiçoava a sua companhia e o sofrer com ele.
escarnecia! Fazia suas as palavras ouvidas aos sacer- Que significava o que Ela sofria junto a Jesus,
dotes e rabinos, como se, por este meio, pudesse ser em comparação com o tormento que a esperava
libertado do suplício. depois de Ele desaparecer !
Um homem, às portas da morte, a escarnecer do Porém, ainda lhe havia de ser arrebatado o Filho
Filho de Deus! Teria sido vã a obra do Redentor? antes · da morte, de uma maneira pior que a mesma
Não, isso não podia ser! O outro malfeitor que morte. O ab andono de Jesus ia começar.
ouviu a blasfêmia, tomou a defeza de Jesus. Disse ao
companheiro: « Então não temes a Deus, vendo-te no

·:
mesmo suplício? ! Nós expiamos as nossas culpas;
recebemos o que merecemos. Ele, pelo contrário, é /,
1
ABANDONO DE MARIA
DURANTE O ABANDONO DE JESUS
inocente » !
Não podemos imaginar o amor com que Maria À hora de sexta fi zeram-se densas trevas sobre a tcffa que
du raram at é à hora de noa. A esta hora exclamou Jc.ms com voz
olhava para aquele ladrão que defendia a Jesus. Vol- potente : " Eloi, Eloi, Lama saba-thani » ! Que significa : « Meu
i ' tada para o Filho dir-se-ia que repetia as frases do
ladrão. Jesus descerrou os lábios e prometeu ao mal-
i
.\'
Deus, meu D eus, porque me abandonast e » ! A o ouvirem isto,
alguns dos circunstantes diziam : " Olha, ch ama po r Elias » ! 1,
feitor arrependido: «Em verdade te digo: hoje mesmo l1
,:
estarás comigo no Paraíso » ! í Jesus sentia-se agora só, como nunca em toda a
Para o ladrão foi uma alegria grande ter-lhe dito ! sua vida. É certo que Maria estava tão estreitamente
Jesus que salvaria a sua alma. Foi-o também para ~ consubstanciada com Ele na dor, como só o podem
Maria, a Mãe de J esus. Contudo para Ela encerravam i:"
.; 1

' 1

iJ 432
aquelas palavras o anúncio da morte. « Hoje mesmo

'' '·'··•-m.•... -,-_,


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1:

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28
1 Marc., xv , 3 6; Mat., xxvn, 48 -49: Joáo , XIX, 28-29.

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MARIA, MÁ.E DE JESUS
.:

estar mãe e filho, como se para isso houvesse uma


sensibilidade especial. A Virgem, porém, tinha ainda
consciência permanente doutro fenómeno: Jesus não
vive comigo como eu com Ele! Vive segundo a von-
tade do Pai ! Maria tinha, por conseguinte, que subme-
ter-se ao Divino beneplácito e ficar ao pé da cruz, de
conformidade com a vontade do Eterno Pai. Tão perto
de seu Filho e, contudo, tão longe d'Ele ! Já não podia
comunicar com Ele senão através da vontade do Pai
Celeste, por assim dizer; e não de coração a coração
e de dor a dor.
Agora, depois de Jesus a ter confiado a João e
João a Ela, começou para Maria uma situação estra-
...e
.: ·1.1
1 :1
nha. Chegou um momento em que o Filho de Deus .!
foi abandonado por seu Pai Celeste duma maneira ...,..
1 !
prodigiosa.
1· Ninguém, nem mesmo Maria, pôde formar ideia ."e"e:
do que ia acontecer a Jesus. Ele mesmo o anun- "
e.."
ciou. E não foi o último motivo que a isso o induziu,
querer que Maria o acompanhasse nesta nova prova.
Com voz vigorosa, exclamou : « Meu Deus, meu Deus,
porque me abandonaste? »
Este grito de angústia foi para Maria a prova mais
.i
DESCRIÇÃO DA GRAVURA

Jerusalém, a " Cidade Santa», A parte antiga aparece por detr.is


das ameias das muralhas. A moderna estende-se, ao Norte, para fora
dos muros .

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XXIV- 434
Fot. Raad

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? _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
MARIA, MÃE DE JESUS ~-~-· ~;_.,,,.,_ •.• •.•_.,. T:lr.'.~-Y.J ' ;"::1",;.:._ ; J •T·!:: ._,,• e , • . •• ·~·• -= =:.,.., _ _ _ _.., _,~ ,... ~

dura, porque adivinhava a tortura horrível ele seu


Filho. Seguindo-o e submetendo-se à sua vontade,
tinha-se posto inteiramente nas mãos do Pai Celeste -
toda a sua alma estava, como que compenetrada com
os desígnios de Deus Pai, aos quais também Jesus se
\ií·
1 tinha confiado. Vendo como Jesus perseverava firme,
1

i a fortaleza de Maria consistia em ser perseverante


com Ele. Agora, porém, como que se ocultava de
repente, para Jesus, esta vontade do Pai, como que se
dissolvia em qualquer coisa de impre ciso e já quase
não podia informar de carácter e sentido tudo quanto
se estava realizando.
Como se tivesse asas que, a cada movimento,
deixam atrás de si um mundo, Mari a refugiara-se em
Deus, naquelas últimas horas. Seguira o Filho que
corria diante d 'Ela. Porém, de repente, sobreveio o
horroroso: Jesus diante d'Ela, como mudo, dava a
impressão de que tinha o nada diante de si, Ele que
1 .1 até então tinha ouvido seu Pai dizer: « Este é o meu
Filho muito amado, em quem pus as minhas compla-
1
cências! »
1

Maria estava também diante do seu Criador como


se fosse um nada : e o Criador parecia tão afastado
que, também Ele, era como se nada fosse! O aban-
dono de Jesus era o abandono do Filho de Deus feito
homem e, como tal, não tinha termo de comparação
senão consigo mesmo. O abandono a que Maria se viu
submetida, pelo abandono de Jesus, era o abandono da
criatura mais santa de toda a terra, no momento em
que estava menos preparada e prevenida para ele.

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MARIA, MÃE DE JESUS

Humanamente falando, Ela seria, nessa hora, ten-


tada a não fazer mais caso do Pai, já que Ele tinha
abandonado o Filho, a não lhe guardar o respeito
devido, já que Ele se não importava mais do seu
Filho.
Mas a sua alma manteve-se firme naquela hora
X Vocação de Maria
III

dificílima. De todo o seu ser só restava, por assim


dizer, aquilo que Ela um dia dissera ao anjo : «Eis para uma nova maternidade
aqui a escrava do Senhor!»

MARIA AOS PÉS DA CRUZ

Ao pé da cruz estava Maria,


sua Mãe.
(JoÃo, XIX, 25).

URANTE a agonia mortal de Jesus, Maria


estava ao pé da cruz, portanto, em
contacto imediato com Ele. Das
outras mulheres diz-se expressa-
mente que «o olhavam de longe».
Estas duas observações não se con-
tradizem, indicam a mesma realidade. A Maria, como
Mãe de Jesus, foi-lhe permitido aproximar-se da cruz.
Pode supor-se que João, como homem, foi o que pediu
licença aos soldados, como na noite anterior tinha
conseguido, da porteira do palácio de Caifaz, que
Pedro pudesse entrar.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
-~-<~~~~"~=r'c~~~=--~~"w!

Naquelas horas em que Jesus estava suspenso na Antes exortou o filho, dizendo: « Meu filho, tem com- Í,
cruz, rodeado de soldados que o escarneciam, de paixão de mim! Que dor a minha, se te visse aposta-
espectadores que zombavam d'Ele, de fariseus que não tar! Trouxe-te nove meses junto do meu coração,
dissimulavam a alegria do triunfo, a Virgem, que se amamentei-te três anos, alimentei-te e cuidei de ti até
achava ao pé da cruz, teve um pressentimento: cum- agora. Peço-te, meu filho, que olhes para o Céu e para
priram-se, agora, as palavras de Simeão : « Este está ·tê; a terra e para tudo quanto neles existe, e que ponderes
posto como sinal de contradição - também a tua alma como tudo isto tirou Deus do nada ! Com isto não
será atravessada por uma espada », Então estava-se temerás o cruel verdugo ; mas, tornando-te digno de
realizando o que Jesus tinha insinuado em Caná : tomar parte nos tormentos de teus irmãos, aceita a
Tinha chegado a sua hora e a de sua Mãe. morte para que te torne a receber, com teus irmãos, no
Durante toda a vida, Maria suspirara pela hora da lugar da misericórdia que nos espera ,. 1•
Redenção, e eis que tinha passado, para sempre, 0 Esta mãe consentia, pois, no martírio do filho. Mais,
tempo de espera! Era a hora da realização. excitava-o à constância. Não o fazia em razão da sua
Com aquela espécie de alegria que as almas maternidade, mas pela convicção de que nem ela,
grandes fundamentalmente sabem conservar no meio como mãe, nem ele, como filho, podiam dispor de si
de qualquer dor, exclamava Ela: «Preparado está o mesmos, devendo, antes de tudo, conservar-se fieis aos
meu coração, ó meu Deus, o meu coração está prepa- mandamentos de Deus. Exactamente por ver que a
rado ! » Deste modo, pôde orar com o salmista, quando, atitude mais bela e mais nobre, que o filho podia
com Jesus, descia ao abismo das humilhações e da tomar, era guardar fidelidade a Deus, é que ela estava
morte. disposta a vê-lo morrer com a morte de mártir.
É difícil medir o sacrifício de Maria. Para melhor Havia alguma coisa de peculiar naquela situação.
conhecer a sua grandeza e carácter peculiar, devemos No momento em que a mãe dizia ao filho: Mostra-te
compará-lo com o sacrifício que ofereceu a mãe dos digno de teus irmãos e suporta a morte, para que eu
macabeus, por ocasião da execução do seu filho mais te encontre de novo em Deus, amava-o como nunca
novo. o tinha amado, nem sequer quando, apertando-o, como
Já seis o tinham precedido no martírio. Restava agora, ao peito, se tinha identificado com ele no amor.
apenas o mais novo que, então, era também o único. Porém, desta vez, não falava como a mãe que dá
Tinha podido salvá-lo dizendo-lhe que obedecesse à a vida ao filho, mas como a que havia plantado os
ordem do tirano, que comesse a carne proibida,
embora com manifesta infracção da lei. Não o fez. 1 II Mach., vu, 27-29.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ,,.,,_,,,.~,~~- ,~--------~~~,

seus próprios sentimentos no seu coração e temia, apagasse, deste modo, os pecados do mundo. E Ela !
não já a separação corporal, mas a espiritual e interna não repeliu essa mão. Foi a única a seguir o Filho na
que era, ao mesmo tempo, uma separação de Deus e, sua Paixão e morte.
por isso mesmo, eternamente irremediável. Se tivesse podido falar outra vez com Jesus
Como a mãe dos macabeus, também Maria teve naquelas horas da Paixão, não lhe teria podido dizer
que resignar-se com o martírio do Filho, por amor de t mais que uma só palavra; ter-lhe-ia dito com uma
Deus. Porém, neste seu caso, não bastava um consen- prontidão muito mais perfeita que a da mãe dos
timento parecido ao daquela mãe. macabeus: «Faça-se a vontade de Deus!» Porém,
Não! tratando-se dos macabeus, era a mãe a pedir ao filho
A Ela pedia-se-lhe outra coisa mais elevada, que perseverasse, - na Redenção era o Filho que ia
incomparàvelmente superior! adiante e a Mãe imitava, submissa, a vontade e a
É que as relações da Virgem com seu Filho não obra do Filho.
tinham semelhante. Jesus não era simplesmente seu Corno consequência desta situação, via-se Maria
Filho ; era, além disso, o Filho de Deus! E Deus tinha na necessidade de permanecer em completa inacção
enviado seu Filho ao mundo para o resgatar. durante toda a Paixão de Jesus, o que foi para Ela
O anjo Gabriel tinha anunciado que nasceria como o primeiro e o mais custoso sacrifício.
Redentor do mundo e, nessa ocasião, Maria respondeu: Quem imaginasse que Maria ficou inactíva por
« Eu sou a escrava do Senhor ! » Aquelas palavras de prudência, para não excitar os soldados, mostraria
obediência e de oferecimento resumiam o que Ela vol- com isso desconhecer a grandeza da dor e amargura
tara a sentir no momento em que Jesus estava pres- íntimas da sua alma. Se se tivesse revoltado, ainda
tes a redimir a Humanidade com a sua paixão e morte. que só interiormente, contra os maus tratos feitos
Em sua alma repetiu, de novo, as mesmas palavras. a Jesus, teria, perante Deus, criado dificuldades à
Assim como Jesus hesitara, aterrorizado, ao ante- redenção dos homens. Agora, mais que nunca, era o
ver a sua Paixão no monte das Oliveiras, e a lem- momento de ser a «escrava do Senhor», consentindo
brança de que era a mão do Pai a que lhe oferecia que o Pai sacrificasse o seu Filho por amor dos
aquele cálix, foi o bastante para a não repelir, se ela, homens.
por si mesma, não afastasse esse cálix, assim também Nesta disposição de espírito, a respeito de seu
Maria, a Mãe de Jesus, durante a crucifixão, via atra- Filho e da sua obra, permaneceu Ela durante as horas
vés das mãos dos verdugos, a mão do Eterno Pai amargas da Paixão, não só no exterior mas também
que havia decretado que o Filho divino, dela nascido, interiormente.

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

O que esta assistência interna de Maria era para cruz, nem que conhecesse como Ele, durante o mar-
Jesus, mesmo durante as humilhações da sua Paixão, tírio, o seu valor e alcance. Enquanto as dores o tor-
é o que vamos ver mais pormenorizadamente. turavam e abrasavam como chamas, destruindo-lhe o
corpo como vítima de holocausto, que se desfaz em
pedaços, palpitava no mais íntimo da alma do Reden-
SIGNIFICADO DA ASSISTÊNCIA MATERNA tor, naquilo que era inacessível aos tormentos, a ale-
PRESTADA A JESUS E À SUA OBRA gria muda, inenarrável, de apresentar estas dores à
glória de seu Pai. Que em volta da cruz, que no
Como fica dito, Maria assistiu, realmente, a Jesus mundo inteiro estivessem ou não os homens de acordo
junto da cruz. Não é fácil avaliar o valor da entrega com Ele, isso não importava.
que Ela fez de si mesma ao Redentor e à sua obra. Enquanto Jesus sofria deste modo, não havia para
Porém, muito mais difícil nos é compreender o que Ele mais que um auxílio fundamental, de que podia
1 a assistência de Maria, durante a Paixão, significava participar, sem que se lhe mitigassem ou suprimissem
I! para Jesus. os sofrimentos. Este auxílio consistia em saber isto :
Era tudo o que um homem Lhe podia dar, naque- Não estou só na minha dor! Além de mim há outros
,: I les momentos da redenção. homens que conhecem, que apreciam o significado e
I' o valor dos meus sofrimentos, que os olham como
; :1
O homem é capaz de permanecer nas dores e
' 1
1 sofrimentos, segundo o sentido e valor que neles des- uma vitória que não se está comprando por preço
cubra. Quanto mais alto esteja, a seus olhos, o bem excessivo, e que me acompanham cheios de reco-
por cujo amor sofre, tanto maiores tormentos pode nhecimento !
suportar. E quanto maior fôr a certeza de o conseguir Ter a seu lado, durante as horas da agonia mortal,
ou reter, por meio dos sofrimentos, tanto mais firme, uma pessoa só que do valor e alcance do seu sofri-
a despeito de todas as dores, se mantém o pensa- mento pensava e sentia como Ele, era para Jesus, um
mento de que não é em vão que sofre. Aquela ale- alívio real, uma assistência verdadeira, que nada podia
gria interior enraíza-se-lhe na alma, não se extingue substituir. Que este consolo sensibilizava a Jesus e,
e dá a conhecer ao amigo que a sua dor se pode mais ainda, que tinha grande necessidade dele, num
comparar a um combate que leva à vitória, que é sentido genuínamente humano, mostra-o claramente o
« dor com esperança » . Evangelho, ao leitor atento, quando refere a sua agonia
Nunca houve homem cujos sofrimentos tivessem mortal no Jardim das Oliveiras. Quase implorava aos
sentido e valor tão universais como os de Jesus na discípulos a sua presença consoladora; da obscuridade

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f .r~~-~~ry~ -~-- , , - • =--~~•=~•"-~~-~"~~ ,,• MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

r terrorífica refugiou-se, mais uma vez, a seu lado, ainda a resposta que brotava sem interrupção, da alma de
~ que podia presumir que estariam adormecidos. E, nesse Maria. Aqueles sentimentos internos da Virgem eram
1
momento, consolava-o o anjo. Agora assistia-lhe a Vir- a única assistência possível que os homens podiam
gem, com todas as energias da sua alma. prestar ao Salvador, durante a sua Paixão redentora,
A sua assistência representava, na economia da tal como tinha sido decretada.
Redenção, incomparàvelmente mais que a do anjo. Maria não se limitou a sofrer com Jesus. Com
Era um ser humano que lha prestava, por conseguinte, espírito forte, contemplava, ao mesmo tempo que Ele,
1
I': um ser « semelhante a Ele ». Além disso, crescia, de para além da Paixão, as bênçãos que esta traria a toda
hora a hora, na alma de Jesus o desejo de que o a Humanidade.
compreendessem e acompanhassem espiritualmente, Do mesmo modo que Jesus se regozijava em
no mesmo grau em que aumentava o seu abandono silêncio e tinha uma alegria infinita, acima e a des-
I' interior e exterior. peito de todos os tormentos da Paixão, pois por ela e
!I Privado da sua liberdade, Jesus não queria nem por sua morte se restabeleceria, na terra, a honra do
podia manifestar-se · mais sobre isto. Eis porque era Pai e se inauguraria o Reino da graça para os homens ;
tanto mais apreciável para Ele a união de vontade de assim também em Maria, acima e a despeito de todas
sua Mãe, que perseverou a seu lado até à morte. as dores da sua alma, havia uma alegria semelhante,
Ao mesmo tempo que se via assaltado pelas zom- por que Jesus, o Filho de Deus e seu Filho, tinha
barias e escárneos, como por uma torrente que ruge apagado, com a sua paixão e morte, os pecados do
e se precipita, sabia Jesus que ao pé da cruz estava mundo e habilitado os homens a serem filhos do Pai
.'1
1
a mulher mais santa do género humano, a única sem Celeste.
! !
'I

I' sombra de pecado ! Alguns títulos honoríficos de Maria, superiores


"!
'~. Sempre que lhe dirigiam qualquer palavra de sar-
casmo, partia do coração d'Ela uma palavra de adora-
aos dos outros santos, fundam-se nesta assistência
durante a crucificação, participando com o Redentor
!~.
l11 i
i i

li ção e de acatamento à vontade do Pai ! Sempre que do seu holocausto, em união de sofrimentos e de von-

h 111
/''
)l., o escarneciam, Ela adorava-o no fundo do seu coração
como Redentor do mundo! Tu o sabes, aind a que nin-
tade. Recebe o nome de associada e cooperadora da
obra da Redenção, tomando parte nela, não primária
guém mais o saiba ! e independentemente como Jesus, Filho de Deus, mas
'11111
Esta era como que a única expressão trocada sim como corredentora participante e associada.
entre Jesus e Maria: « Sim, sei-o e creio-o firmemente, A encíclica pontifícia de 1904 dá realce a este
li' ainda que todos zombem de ti e te escarneçam » , era pensamento. Nela se diz: « Maria esteve ao pé da

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~i 444 445

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MARIA, MÃE DE JESUS MA RIA, MÃE DE JESUS '\>~w~~~~·. ar-=• N'"'~~~<"•~·~~-,,,=1

f
cruz, não simplesmente para contemplar o horrível
espectáculo que se desenrolava à vista de todos, mas INVESTIDURA DE MARIA
para ter a grande alegria de ver seu Filho Unigénito NUMA NOVA MATERNIDADE
oferecer-se em sacrifício pela salvação do género
Junto à cruz estava sua Máe, a irmã'. de sua Mãe, esposa
'numano ».
de Cléofas, e Maria Madalena. Jesus, olhando para sua Mae e
Que consolação seria para Jesus ver também ali para o discípulo amado, que também estava ali, disse a sua Mae:
a Pedro, ou reconhecer na alma de João não só a Mulher, eis aí o teu filho! Depois disse ao discípulo: Eis aí a
fidelidade pessoal ma!; uma fé mais viva e profunda tua Mãe ! Desde aquela hora a tomou o discípulo consigo 1.
no valor insubstituível da Paixão !
Maria, porém, era a única que compreendia a A graça de Deus, sintetizada em toda a sua
Jesus e lhe assistia. Por isso, também Ela, e só Ela, riqueza, profundidade e força, na Incarnação de
é que podia conservar em seu coração o alcance Jesus, tinha penetrado na Humanidade, oculta, em
daqueles sucessos, como tesouro supremo do mundo, certo modo, aos homens e até aos mesmos demónios.
naquelas horas terríveis, que se prolongaram até à Contudo os homens começaram a sentir, primeiro
Ressurreição. Horas em que os discípulos fieis, os em particular e, depois, em grupos isolados como socie-
escolhidos para mensageiros da fé, estavam reuni- dade, que na pessoa de Jesus tinha descido ao mundo
dos no Cenáculo, com a alma vazia e o coração um novo poder, que eles, ou tinham de reconhecer
desconcertado, e estavam reunidos porque até então com submissão, ou de combater, como inimigos.
o haviam estado, e não se sentiam com coragem para Os homens que, segundo a profecia de Simeão,
outra coisa. se levantavam para o combater, partiam o vaso das
A fé de Maria foi o único elemento que sobrevi- graças com o fim de as aniquilar. Mas o choque não
veu do Reino de Deus, para a primeira etapa que se quebrou senão o envoltório, e o tesouro derramou-se
seguiu à morte de Jesus: a única ponte entre a noite livremente por todo o mundo.
Por esta razão, a morte de Jesus, quando se con-

» da sua paixão e morte, e a manhã da Ressurreição da


i

Igreja nascente. sumou, não foi somente morte, foi também nascimento.
Não se trata de dois aspectos da mesma coisa, intei-
ramente ligados entre si, porque a morte era ao mesmo
tempo causa duma nova criação.

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1:
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

A morte do Salvador era como uma luz que se um deles à fundação e desenvolvimento do mesmo
acende afugentando, com o seu clarão, as trevas, des- reino neste mundo. Jesus prometeu solenemente aos
truindo-as e aniquilando-as. Assim como entre o desa 7 Apóstolos que, em recompensa dos seus trabalhos na
parecimento completo da escuridão e o aparecimento dilatação do Reino de Deus, se haviam de sentar em
da luz não há momento intermédio, assim também, na doze tronos, quando Ele viesse a julgar o mundo.
morte de Jesus, não há um momento entre o desa- Como foram os primeiros a trabalhar por Ele na
parecimento do Redentor da face da terra, que é o terra, deviam ter também uma categoria especial no
Autor da graça, e o estabelecimento do reino da dia da recompensa.
graça no mundo. Maria tinha feito incomparàvelmente mais que os
Nestes tempos em que voltam a agitar-se de novo Apóstolos pelo Reino de Deus e em circunstâncias
as questões da vida da família na sociedade, compreen- incomparàvelmente mais difíceis. Só por este título
de-se mais fàcilmente esta verdade : Que o sacrifício lhe pertencia já a Ela um trono muito mais elevado.
de Jesus e a fundação do Reino da graça não se Porém não é tudo. Há uma diferença muito mais pro-
podem separar, nem Jesus mesmo os separou, como funda entre Maria e os Apóstolos.
Filho de Deus humanado, que era a cabeça perpétua Os Apóstolos começariam a trabalhar na funda-
da Igreja. ção do Reino de Jesus, na comunidade dos redimidos,
E como na sua morte não houve separação, por só depois do Senhor ter subido ao Céu e de lhes ter
ser, ao mesmo tempo, morte e nova criação do mundo, enviado o Espírito Santo.
assim também não a houve, nestes dois aspectos dos Nas horas decisivas, nas horas em que se estava
dois acontecimentos para Maria, que se achava pre- fundando o Reino de Deus, eles ou abandonaram a
sente consciente e voluntàriamente. Jesus, ou, se foram testemunhas do que se reali-
Como Mãe, perdia seu Filho e morria- mistíca- zava - como S. João - não tiveram a fé que os
mente com Ele. Morreu com Ele por amor da sua impelisse a associarem-se interiormente ao sacrifício
obra, da obra da Redenção que Ele tinha tomado da cruz.
à sua conta, de conformidade com os decretos do Nisto consistiu a diferença essencial e profunda
Eterno Pai. entre Maria e os outros homens, ainda os mais
Por isso teve Maria que tomar parte nela e assis- santos.
tir à nova criação que se fundava na morte de Jesus. Ela quis sofrer e padecer juntamente com seu
A posição de qualquer homem no reino de Deus Filho, antes e durante a sua morte ; portanto, antes
é determinada pela colaboração prestada por cada e durante a fundação da Igreja, realizada precisa-
Ji
i~ ;i;L'i..'--;,,-.~·.:· 1~~"::r;.:;,",.. ._ ,='''.":ià~:!!.'t·..TI'-~l~:.=... r~<·-=..:"'11.=·{,'<' -"-0:-':"'""~:o.==n:~.:;;.:._ _ _ +.: .!l!!>-~~ -~~;~-""'-f~:·"'!l.~·.:or·o".·:~"- _:;!:
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;
~ mente por aquela morte, para que se estendesse o Jesus: «Mulher, ainda não chegou a minha hora».
" Reino de Deus sobre a terra. Não padeceu nem se Mas agora já tinha chegado.
~ ofereceu sàmente depois de consumado o Reino de No momento em que, vistas as coisas humana-

~
~.·,' Deus, que é a Igreja, nem só dentro dele e para ele. mente, se desmoronava tudo quanto o Messias tinha
• Não, desde o seu nascimento, com vontade firme e construído, e se dispersava quanto Ele havia congre-
li. livremente ofereceu-se e sofreu associada a Jesus. gado, reuniu Jesus sua Mãe e o último discípulo que
r Por isso, as suas relações com a Igreja tinham de ser se tinha conservado fiel, como primícias da Igreja

l
[
· i' como as das mães para com seus filhos , aos quais
deram a vida no meio das suas dores.
A nova criação estava ainda naturalmente oculta
aos olhos dos homens. Só Maria, a Mãe do Redentor,
nascente. À sua Mãe entregou João como filho, e a
João confiou Maria corno Mãe.
E porque o sacrifício de Maria para a fundação
do Reino de Deus fora oferecido durante a mesma
acreditava, naqueles momentos, que a grande obra fundação, concorrendo assim pessoalmente para ela,
não falhara, pelo contrário, que já estava consumada. a posição de Maria para com a Igreja ficou logo
Ela, que conhecia o nascimento prodigioso de Jesus, e definida para sempre, na mesma hora em que esta
que se tinha, até então, mantido à margem dos acon- se fundava. Ela tinha contribuído na oblação do
tecimentos por amor da sua obra, foi agora incor- sacrifício, como diaconisa, no instante em que Jesus,
porada a ela - pelo próprio Jesus - nas suas últimas por sua morte, comunicava a todos os homens a
palavras. graça de Deus, que dela ficavam sendo participantes,
João escreve: « Jesus, olhando para sua Mãe e e que os transformaria em filhos do Pai e irmãos
para o discípulo amado, que também ali estava, disse de Jesus 1•
a sua Mãe: Mulher, eis aí o teu filho ! E depois disse Segundo isto, também no Reino de Deus devia
ao discípulo: Eis aí a tua mãe! Desde aquela hora colocar-se corno intercessora, naquele mesmo instante
tomou-a o discípulo consigo », em que a torrente das graças, partindo das mãos de
Por estas palavras ficou determinada para sempre Jesus, Filho de Deus, começava a correr, para se espa-
a posição de Maria em relação aos redimidos. Ao lhar pela humanidade.
ouvi-las, lembrou-se imediatamente doutras palavras
de Jesus nas bodas de Caná. Também ali lhe chamou
«mulher». Este tratamento ligava, pois, as últimas l Porque a situação de Maria no sacrifício da cruz corresponde
à do diácono na celebração solene do santo sacrifício da missa, a desi-
palavras do Filho moribundo com as do Messias ao gnação de Maria como «virgem sacerdotal " ou como «sacerdotisa vir-
começar a sua vida pública. Nessa ocasião dissera ginal " não se usa na linguagem oficial da Igreja.

'450 451

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11
Aquelas palavras: « Mulher, eis aí o teu filho! ,.
foram as últimas que Maria ouviu dos lábios de Jesus.
As palavras, cheias de sentido, que lhe tinham dirigido
X AS PALAVRAS DE JESUS SEGUNDO s. JOÃO
t

antes, Simeão no Templo e seu Filho em Caná, refe-


riam-se ao futuro e, concretamente, a estes momentos Muito se tem escrito a respeito das palavras de
em que Jesus pronunciou a frase que já não se podia Jesus a sua Mãe e a S. João. Todos concordam que
referir a nenhum tempo futuro, mas que assinalava, para João não as teria consignado se as não tivesse em
sempre, as suas relações para com os Apóstolos e, grande apreço, porque, ao referi-las, tinha que pôr-se
portanto, também com a Igreja. a si mesmo em destaque. Ora, todo o seu Evangelho
Ficava sendo Mãe de João, Mãe dos Apóstolos, mostra que procurava evitá-lo, na medida do possível.
Mãe da Igreja nascente; e, porque esta seria sempre Portanto, ao colocar-se agora em primeiro lugar, jun-
a mesma, Mãe dos crentes de todos os séculos. E as tamente com Maria, é porque tinha alguma razão
palavras de Jesus que nos apresentam João como filho especial para o fazer.
de Maria, foram recebidas, na Igreja, assim como as Aos ouvidos dos circunstantes, as palavras de
dirigidas à Mãe, percorreram o mundo e por todo Jesus dirigidas a Maria e a João soavam como a
ele se espalharam. expressão da última vontade do moribundo. Contudo,
Não só os fieis da Igreja nascente se reuniam em não podia ser esta a sua única significação.
volta da Mãe de Jesus para orar, mas também, nos Segundo o costume, sancionado pela lei, eram os
tempos posteriores se conservou a lembrança de Maria, parentes de Jesus que tinham obrigação de cuidar de
como coisa viva e vivificante. Os cristãos sentiam-se Maria. Se, pois, o que Jesus pretendia era simples-
atraídos para Ela, dum modo particular, e n'Ela pro- mente deixá-la sob a protecção de João, requeria-se,
curavam refúgio em todas as suas tribulações e neces- pelo menos, que consultasse, antes, aqueles que deviam
sidades, invocavam-na como mãe própria, que não só tomar este encargo. No caso presente, deveria, pois,

!
;
tinha dado a vida ao Redentor, mas que, na hora
solene da Redenção, permaneceu junto à cruz, so-
frendo à uma com Ele e dando-lhe inteiramente o
seu consentimento.
ter-se dirigido, em primeiro lugar, a João e depois a
sua Mãe; era o menos que se podia fazer. Porém,
Jesus disse primeiro a sua Mãe, indicando João:
«Mulher, eis aí o teu filho ! » Ainda mesmo que não
precedesse o título desusado « mulher », teríamos que
supor que aqui não se tratava de fazer um mero
contrato civil.

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MARIA, MÃE DE JESUS MA.RIA, MÃE DE JESUS

O que João pensava destas palavras do Mestre, acrescentou, como último cumprimento delas : « Tenho
dá-o a conhecer, até certo ponto, o lugar que lhes dá, sede » !
ao descrever a morte de Jesus na cruz. Por isso temos A esta alusão ao salmo XXI, junta-se ainda outra
que mostrar, em seguida, os adjuntos psicológicos que em que João declara que Jesus exclamou antes de
as acompanham no Evangelho. morrer: « Tudo está consumado » ! O citado salmo
Refere-as entre dois factos que se declara expres- exprime a mesma ideia: «Ele (o Messias) cumpriu
samente serem realização de profecias messiânicas a tudo»!
respeito de Jesus. Portanto, estas duas passagens paralelas são cor-
Por esta raz ão e em qualquer caso, justifica-se relativas :
a hipótese de o Evangelista considerar estas pala-
D ivisão dos vestidos de '}estts e S ALMO 2 I. Distribuíram entre si
vras entre as que pertenciam à consumação da obra
sorteio da tú nica . os meus vestidos e sortearam
redentora. a minha tú nica.
Uma análise mais directa leva-nos ainda mais
além : As passagens da Escritura, anteriores e poste- Palavras de '}estts a María e a
riores às palavras dirigidas a Maria, referem-se, sem 'João.

excepção, ao salmo XXI. Palavras de Jesus: Tenho sede. SALMO 2I. Mi nha garganta está

João conta, imediatamente antes, como os solda- seca como u m tijolo e a minha
língua pegou-se ao paladar.
dos dividiram entre si os vestidos, e acrescenta :
«Assim devi am cumprir-se as palavras da Escritura : Palavras de Jesus: Tudo está con- SALMO 2 1, fim : El e cumpriu
Dividiram entre si os meus vestidos e sortearam a sumado. tudo .
minha túnica » .
A seguir vêm as palavras dirigidas a Maria e a À primeira vista chama a atenção ter João inse-
João: « Eis o teu Filho ! Eis a tua Mãe » ! rido as palavras de Jesus a Maria e a si próprio, no
Imediatamente depois destas palavras dirigidas à meio desta série de textos. Porém essa impressão
Mãe e a si mesmo, alude o Evangelista novamente a desfaz-se, logo que no salmo XXI se encontram versí-
uma passagem do salmo XXI (versículo 16) que diz: culos que, de algum modo, se referem à Mãe do
«Minha garganta está seca como um tijolo e a minha Redentor. E este parece que pode ser o caso daquela
língua pegou-se ao paladar ». E, depois desta refe- passagem em que o salmista - e com ele Jesus, que
rência, continua descrevendo a paixão do Redentor : é o principal recitador do salmo - evoca sua Mãe
«Jesus, sabendo que se tinham cumprido as Escrituras, diante de Deus.
~)
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.1, MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Diz assim: Quando o salmista afirmava alguma coisa sobre o


seu estado de alma, a realização consistia em Jesus o
Tu és o que me tiraste do seio materno,
apropriar, sofrendo as dores descritas, à maneira de
És a minha esperança desde os peitos de minha Mãe,
Eu fui lançado em teus braços desde o seio de minha Mãe.
quem toma posse duma coisa que desde há muito lhe
1

Tu és o meu Deus desde o ventre materno. é devida. Neste sentido, exclamou Jesus, conforman-
f'
1
? do-se com as palavras do salmista: « Meu Deus, meu
Teria João presentes estas passagens quando Deus ! porque me abandonaste ? »
1 escreveu o seu Evangelho? Que aplicação tinha, pois, para Jesus uma passa-
Já S. Mateus, o primeiro evangelista, descreve a gem em que se falava da Mãe do Messias, em que se
paixão de Jesus entrelaçando-a com o salmo XXI. Ao tratava, portanto, de Maria? Que significavam, para
1 tratar da divisão dos vestidos, cita expressamente a Ele, naquele momento, os versículos :
r passagem correspondente, os escârneos dos inimigos:
« Confiou em Deus ! Pois, então, que Deus o salve, se Tu és o que me tiraste do seio materno ,
li tanto o ama » ; e a queixa de Jesus: «Meu Deus, meu Ês a minha esperança desde os peitos de minha Mãe,
i1
Deus ! porque me abandonaste ? » Eu fui lançado em teus braços desde o seio de minha Mãe
Tudo isto ele refere mas sem volver a citá-lo, Tu és o meu Deus desde o seio materno.

embora sejam palavras textuais do salmo XXI.


Mateus e, do mesmo modo os outros evangelistas, O primeiro sentido era: Desde o primeiro instante
viam ali pouco menos que o Evangelho da Paixão do da minha vida, tenho estado sob a tua direcção e
Antigo Testamento, que se cumpriu inteiramente até governo. Como se toma uma criança aos nascer e se
aos últimos pormenores na morte de Jesus. Jesus coloca nos joelhos do pai, para que este a reconheça
tomou sobre si a maldição deste salmo, o mais lúgu- como seu filho, assim me entregaram a ti. Tu tens sido
bre e triste de todos, e acabou com ela. o meu Deus, desde o primeiro instante da minha vida !
i
1
A intervenção do Redentor no salmo ia variando Se supomos que Jesus fez suas estas palavras,
j, conforme o que se relatava: Se se descrevia alguma como as demais, isto é, que se realizaram inteira-
·~"' . coisa que os outros faziam a Jesus, a aplicação estava mente na sua vida, elas são o último testemunho
em Ele cumprir aquilo que o salmo descrevia. Dizia-se, que Ele dá da sua filiação eterna - da sua proce-
por exemplo : « Distribuíram os meus vestidos e sor- dência do Pai. Comparada esta união de Jesus com
tearam a minha túnica». Jesus tornou isto verdadeiro o Pai, a quem estava entregue e submisso como
quando se realizou em seus vestidos. Filho, a sua união com Maria, enquanto homem, ape-

456 457

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MARIA, MÃE DE JESUS ~.~"-''"""'"'"' "' "' '"'"'~" "_"'" ··"----~,~-=~~''l
~ ''""'""''·"'-<'fr'."•• '' '''""~'=~""""'"''''~'"""'''"=···~~'-'"~'~-~ ,~-"~""'· "''

:i
sar de ser tão íntima, não era coisa sua, mas obra do
Pai. Deste modo, aquelas palavras eram, na mente de
Jesus, sinal da sua filiação divina, e foram o testemu-
nho dela. Eram como que a preparação para o epí- IV 1
logo : «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito ! »
Para Maria, ao contrário, soavam, talvez já então, Jesus no sepulcro
e, com certeza, depois da ressurreição, como um eco
das palavras do anjo: « Por isso, também o Santo
que de ti há-de nascer será chamado Filho de Deus! »
MARIA DEPOSITÁRIA DA FÉ NA RESSURREIÇÃO
Talvez se encontre aqui o motivo que deu ao
Evangelista ensejo de intercalar as palavras dirigi-
das por Jesus a sua Mãe no meio das passagens do A MORTE DE JESUS
salmo XXI. Deste modo, pretendia relacionar intima-
l sabia que tudo estava consumado. Por isso, pafo se cum-
ESUS
mente umas com as outras. Mais não se pode afirmar. '.J prirem as Escrituras, disse : « Tenho sede ! " Embeberam
E isto mesmo só o admitirão os que sabem que o uma esponja em vinagre, colocaram-na na extremidade
quarto evangelista se comprazia em referir as coisas duma cana e chegaram-lha aos lábios. Quando Jesus sentiu o
como por insinuações. vinagre, disse : « Tudo está consumado ! • 1. Então Jesus excla-
mou com voz forte : « Pai, nas tuas mãos entrego o meu
Esta passagem do salmo XXI, utilizada por S. João,
espírito ! >f ~
não exclui, naturalmente, a possibilidade de se terem
apresentado ao seu espírito outras passagens inspira-
das, por exemplo, as que fazem alusão ao termo « mu- Depois do grito de angústia que o abandono lhe
lher» aplicado a Maria, as que recordam as palavras causou, ouviu-se ainda outra queixa saída da boca
de Jesus a João, na sua qualidade de filho de Maria do Crucificado. No meio dos tormentos da febre e do
e, por conseguinte, também os termos « irmãos de ardor das chagas, exclamou : « Tenho sede ! »
Jesus». A primeira carícia duma mãe a seu filho é dar-
-lhe de beber. E quando lhe assiste no leito da ago-
nia, é também a última. Seria necessário interrogar

1 João, XIX, 28-29.


2 Luc., xxm, 46.

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~--~•.,.~r-"IT~J,T =~,'3,f~,,__,, 1~....S.:::~~~ >l<~l'"~~ ,:l;!~,--..,;:; -1 t..l"" I "' ' - ~"' MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

1 todas as mães, p.ra se saber quantas, ao darem o Maria viu como se contraía o rosto de Jesus e
~ último gole de água a um filho, se lembram do pri- ouviu as gargalhadas dos soldados.
~ meíro que lhe ofereceram com tanto carinho. Tinha-se cumprido tudo quanto fora profetizado
As palavras de Jesus na cruz: « Tenho sede!» sobre a paixão e morte do Redentor. Jesus sobre-
foram para Maria um eco de tempos longínquos. Quan- punha-se ao mar imenso dos sofrimentos.

i
tas vezes lho teria dito Jesus, em criança, e mais tarde, Com um sentimento em que o resplendor da
na adolescência, nos dias calmosos do verão ! Então vitória começava já a brilhar, exclamou : «Tudo está
Lhe apresentava Ela o cântaro de água fresca e ficava consumado ! »
contemplando o Filho, enquanto bebia. Estas palavras trouxeram também o primeiro con-
Agora estava junto d'Ele, tão perto como então, solo ao coração da Mãe; consolo, porém, que anun-
mas já lhe não pertencia. Estava em poder dos ver- ciava a aproximação duma nova dor. E esta não se
dugos. Se lhe permitissem oferecer-lhe de beber para fez esperar.
acalmar a sede pela última vez ! Jesus inclinou a cabeça, como quem descansa
À dor que lhe causavam as palavras de Jesus, e orou a seu Pai : « Pai, nas tuas mãos entrego o
juntava-se nova dor causada pelas zombarias dos sol- meu espírito ! »
dados. À exclamação «tenho sede», seguiu-se outra Pai!
pouco depois : " Meu Deus, meu Deus, porque me De novo viera aos lábios de Jesus a palavra
abandonaste ? » Meu Deus exprimia-se em hebreu pela cheia de confiança e de amor: « Pai! » Já tinha pas-
palavra « Eli » .
~ sado o tormento de não sentir o Pai, como Pai, mas
Os soldados, ainda que não eram israelitas, tinham
certo conhecimento das ideias daquele povo. Por isso, ~ somente como Deus. « Em tuas mãos entrego o meu
espírito ! » Esta palavra encerra o primeiro resplendor
relacionavam a palavra « Eli » com Elias, o profeta da ressurreição.
1
popular nas calamidades, e serviam-se deste equívoco 11 O Pai não reteve a alma mas devolveu-a depressa

J para novas irrisões. Um deles levantou-se, molhou uma


esponja no vinagre, que tinham levado consigo, e ten-
do-a colocado na extremidade duma cana, levou-a
aos lábios de Jesus. O vinagre queimou, como fogo,
11

1
!
a Jesus, para que tornasse a unir-se ao corpo, do qual
se havia separado.
Para Jesus acabaram as dores. Para Maria toma-
ram uma nova forma: Jesus tinha morrido!
a pele escalavrada. Os soldados, insultando a sua dor,
diziam-lhe : « Ah ! vamos ver se vem Elias descê-lo
da cruz! »

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1 •

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

~_: V Ao defunto já o não podem consolar ; porém os

~ /'1 O PRANTO FÚNEBRE vivos sentem-se aliviados e confortados, ouvindo os


elogios do morto. Isto não é pouco na vida de tríbos
:, As lamentações fúnebres fazem parte dos costu- que se vive no Oriente. E, se bem o considerarmos,
mes orientais desde tempos muito remotos. Quando a veremos como os europeus não fizeram mais que
1
1 morte se aproxima, a família e todos os vizinhos substituir as lamentações dos vivos por pomposas
reunem-se à volta do enfermo. Faria a maior das memórias fúnebres e pelas crónicas dos jornais, Quer
injúrias quem se recusasse a comparecer. Quando, em umas quer outras estão muito longe da naturalidade,
algum hospital de regímen europeu, não se permite tanto ou mais do que as exclamações das carpideiras
aos parentes entrar no quarto do moribundo, colo- mercenárias, do velho Oriente.
cam-se eles à porta, se para isso lhes dão licença, e aí Estas observações preliminares tornam-se neces-
permanecem não só horas, mas dias inteiros. sárias para compreender uma questão que, segundo as
Morto o enfermo, começam as lamentações. ideias que temos a respeito da morte de Jesus, passa
A princípio é a manifestação natural da dor que, muitas vezes despercebida: Saber como procederam
depois, toma aspectos de sabor asiático. Aquele que Maria e as outras mulheres, naqueles momentos.
não estiver presente ao enterro, tem que ir depois fazer Ainda que a nossa consideração se dirija propria-
o seu pranto. Faz-se a visita ao sepulcro e aí se entoam mente a Maria, é melhor que a fixemos primeiro nas
as lamentações. outras mulheres que se achavam presentes.
Além dos doridos ou, pelo menos, enlutados pela Estas mulheres, filhas do Oriente, não podiam
morte ocorrida no seio da família, havia antigamente imaginar a morte de Jesus sem o pranto fúnebre.
carpideiras de profissão, pagas, para fazerem estas Se dele se tivessem abstido, como naturalmente
lamentações. Como se pode supor, sabiam muito bem se poderia julgar mais acertado, teriam a persuasão
do seu ofício, e a concorrência de colegas servia-lhes de que faltavam à caridade.
de estímulo para melhor o desempenharem com gestos Por isso, se queremos reconstituir o que então se
e lamentações . passou, em conformidade com os usos, devemos supor
Para nós, isto seria ridículo. Quem presenciou que, na morte de Jesus, as santas mulheres também
uma vez estas cenas no Oriente sente aumentar a teriam entoado o seu pranto fúnebre, e o entoariam
repugnância que inspiram práticas tão extravagantes. como era costume.
Contudo, dentro das praxes orientais, não são tão É certo que o Evangelho só nota que elas « obser-
vazias de sentido, como nos pode parecer. varam> tudo. Mas as lamentações, na mente do

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

cronista, são do número das coisas que já se supõem dade, que Maria se associou às santas mulheres na
por si mesmas. Quem poderia assistir a tal morte de lamentação fúnebre : <Ai o meu Filho! o meu
olhos enxutos? Que essas mulheres não eram tão Tesoiro!»
insensíveis como se pode imaginar, mostra-o a atitude Em qualquer hipótese, é fora de dúvida que Maria
das jerosolimitanas no caminho do Calvário, entoando evitou tudo o que se reputava desairoso, e, nas suas
no próprio momento do encontro a sua plangente atitudes, limitou-se ao que, segundo os costumes do
lamentação. país, não desdissesse da sua dignidade.
Como procedeu Maria, a Mãe do Salvador, no Efrem, um santo e poeta sírio, que faleceu por
acto da morte de seu Filho ? Pelos fins da época volta do ano de 350 e que, por conseguinte, tanto pela
medieval atribuia-se à vida de Maria certos rasgos em época, como pela região em que viveu, se avizinha
consonância com a mentalidade do seu tempo: Repre- muito mais que nós dos sucessos da Paixão, celebrou,
sentavam-na desmaiando, como que esmagada sob o numa das suas poesias, o pranto fúnebre de Maria. Seu
peso da sua dor. Mais tarde, por força mesmo da ritmo é de tais composições orientais, nas quais as
reacção, insistia-se em que tinha permanecido de pt!, exclamações e as perguntas se sucedem em verso.
junto à cruz. Mas recalcou-se talvez demais esse « de O poeta idealiza-o deste modo em Maria:
pé > com perigo de se fazer de Maria, a Mãe viva e
dolorosa, uma estátua insensível. «Meu Filho queridíssimo, dulcíssimo! É lá possível
De Jesus se conta que chorou no túmulo do seu que tivesses que tomar sobre ti o tormento da cruz?
amigo Lázaro. Se o Messias não julgou incompatíveis Meu Filho, meu Deus ! Como pudeste suportar
com a sua dignidade divina as lágrimas que à vista de escarros, cravos e lança, bofetadas, escárneos e irrisões,
todos derramou por seu amigo recém-falecido, demos coroa de espinhos e o manto de púrpura, a esponja, a
1 ,' também à Mãe de Jesus licença de desabafar exterior- cana, o fel e o vinagre ?
1
1 l mente a dor do seu coração, ao ver sem vida o Filho Como pendes da cruz nu, tu, meu Filho, que
\ 11! das suas entranhas. escondes o céu com nuvens? Tens sede e és o Criador
11
A virilidade suprema está em se sofrer com digni- do mar e de todas as fontes !
11.
dade a suprema dor. Sai desta linha tanto quem espa- És inocente e morres entre dois ladrões!
lhçifatosamente a manifesta como quem se esforça por Que mal fizeste, meu Filho! Em que ofendeste os
a sufocar numa convulsão violenta. judeus?
Tendo-se em conta os costumes que já demos a Porque te cravaram, então, na cruz os homens
conhecer, pode concluir-se, ao menos com probabili- injustos e ingratos?

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MARIA, MÃE DE JESUS MAIUA, MÃE DE JESUS

Tu curaste-lhes os paralíticos e enfermos; ressus- A vergonha a que estiveste exposto, meu Filho,
citaste-lhes os mortos ! trouxe a honra a todos !
Onde está agora a tua força, meu Filho amantís- A tua morte deu a vida ao mundo inteiro ! »
simo e Deus magnânimo?
Oh 1 eu morro de dor ao ver-te suspenso deste Estes sentimentos deviam ser muito semelhantes
madeiro, preso por cravos e coberto de feridas ! aos pensamentos e afectos de Maria, naquelas horas,
Onde está agora a tua formosura, a tua graça? depois da morte de Jesus.
l i
O sol ocultou o seu esplendor e não quer dar mais
luz 1 Desapareceu a luz da lua, que se mergulhou na
escuridão ! As rochas partiram-se, os sepulcros abri- PREPARATIVOS PARA O ENTERRO
ram-se, e o véu do Templo rasgou-se em duas partes!
Oh! Simeão, vidente admirável, realmente sinto Como era dia de preparativos « Parasceve » , os corpos não
agora que me atravessa a alma a espada que me podiam ficar na cruz para o sábado; porque aquele sábado era
;'
anunciaste ! soleníssimo. Por isso pediram os judeus a Pilatos lhes fossem
quebradas as pernas e tirados dali. Foram, pois, os soldados e
Vejo teus horrorosos sofrimentos, meu Filho e meu quebraram as pernas ao primeiro e ao outro que com ele fôra
Deus! crucificado. Mas quando chegaram a Jesus, tendo visto que já
Vejo a morte imerecida que te deram, e não te estava morto, não lhe quebraram as pernas; mas um soldado
posso ajudar ! atravessou-lhe o lado com uma lança : imediatamente saiu sangue
Chorai comigo, discípulos do Senhor, vós que e água. Aquele que viu deu testemunho disso e o seu testemu-
nho é verdadeiro. Sabe que diz a verdade, para que v6s também
vêdes o meu coração e a minha grande dor ! » acrediteis : porque isto aconteceu para se cumprirem as Escri-
turas: Não quebrareis dele osso algum. E também diz outro
Porém, o santo poeta não diz somente que Maria lugar da Escritura: Olharão para aquele a quem atravessaram

i:
tomou parte nas dores e morte de seu Filho. Repre- o lado 1.
senta a Mãe Dolorosa como uma mulher que impõe a
sua vontade à dor e que no sofrimento mostra olhar Jesus era Filho de Maria num grau muito mais
mais alto. O canto remata assim : elevado e Maria tinha vívido com Ele numa intimi-
dade muito mais estreita do que qualquer outra mãe
« Meu amorosíssimo Filho, eu venero a tua com seu filho. A morte de Jesus era, pois, para Ela
aflição, exalto e adoro a tua misericordiosa magna-
nimidade!
l João, XIX, 31-37 .

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MARIA, MÃE DE JESUS
1 MARIA, MÃE DE JESUS
1

1
a trasladação a um mundo inteiramente novo. Até
então, em todas as vicissitudes da vida, uma coisa se então, porque Jesus tinha sido condenado como sedi-
mantinha sempre invariável : a sua vida e os seus cioso, que se quisera proclamar rei. podia ser quei-
sofrimentos eram, como que uma sombra da vida e mado, em cumprimento da sentença, para que até os
sofrimentos de Jesus. Mas agora, extinta a vida de restos do justiçado ficassem reduzidos ao nada.
Jesus, Ela continuava a viver! Esta variante era acom- Ainda que Pilatos estava convencido da inocên-
panhada de outra completamente diversa que despe- cia de Jesus, nem todos os seus súbditos eram do
daçou, por assim dizer, a alma de Maria. mesmo parecer. E, uma vez que tinha pronunciado a
Quando qualquer mãe se encontra diante do sentença de morte, não lhe era fácil travar a roda das
cadáver do seu filho, produz-se em sua alma uma consequências resultantes do seu acto.
transformação : até ao último alento, toda a sua aten- Por esta razão, foi para Maria motivo de novo
ção se concentrava na marcha da doença. Seria para espanto ver que um grupo de soldados, vindos da
ela a maior dor morrer-lhe o filho sem dar por isso. cidade, se aproximava da cruz. Uma comissão de
Depois de morto, a solicitude transforma-se em amor. judeus tinha ido ter com Pilatos pedir-lhe, invocando
'
1
a lei, que mandass e quebrar as pernas aos crucifi-
A alma de quem ama verdadeiramente, volta-se agora i
para o passado e reune, com o maior carinho, iodas cados e os retirasse em seguida. Vieram, pois, os
as lembranças do defunto. O cadáver do filho é, para soldados e puseram mãos à obra. Quebraram as
ela, o livro em que lê minuciosamente a história duma 1 pernas aos ladrões e desceram-nos da cruz para
vida que desapareceu. Por isso, a dor da mãe atinge· os enterrar.
Maria foi testemunha da tortura infligida ao ladrão
o seu auge, quando o cadáver do filho é encerrado
na sepultura.
1 a quem Jesus tinha prometido o paraíso para aquele
:J
Também a atenção de Maria se concentrava toda :.~ mesmo dia ; e presenciou também a morte impeni-
;
no corpo morto do seu · Filho. Como noutros tempos tente do outro ladrão que tinha blasfemado de Jesus·
contemplava cheia de amor e de fé reverente 0 me- Naqueles dois homens cumpria-se, como em dois sím-
nino que dormia, assim agora contemplavam seus bolos, a profecia de Simeão: « Este veio para ruína
olhos as chagas do crucificado. e ressurreição de muitos em Israel».
1
A situação de Maria tinha-se modificado até para Entretanto uma espectativa temerosa sufocava o
'
com as pessoas que ainda estavam junto da cruz. Con- coração da Mãe. Que iriam fazer os soldados ao
1
forme o curso normal das coisas, o corpo deveria ter corpo do seu Filho? Fariam o mesmo que aos dois
sido descido da cruz e retirado. Podiam enterrá-lo ou ladrões, transportando-o numa carreta para o atira-
1 rem a qualquer cova ?
1 468
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1

'1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Na consciência de todas as mães está gravado rido. Como o Centuriáo lhe dissesse que sim, deu a José o corpo
indelevelmente o direito que lhes compete aos restos de Jesus. José comprou um lençol de linho, envolvendo nele o
mortais dum filho - e este direito converter-se-ia em corpo de Jesus. Depois colocou-o num sepulcro novo que estava
cavado numa rocha. Diante da entrada do sepulcro, fez rolar
arma defensiva, se alguém ousasse tocar nesse cadá-
uma pedra. Maria Madalena e M aria mãe de José, viram onde
ver com intenções sinistras.
o colocaram 1,
Porém, não foi assim. Quando os soldados viram
que Jesus estava morto, um deles, adiantando-se, enter- Porque Jesus fora executado como malfeitor,
rou a sua lança no lado de Jesus. A ponta da lança Pilatos podia dispor do seu corpo. A não ser ele, era
entrou e voltou a sair à vista da Mãe. Os músculos Maria a única pessoa com quem se devia contar para
daquele corpo contraíram-se como se estivessem vivos. lhe tocar. José de Arimateia e Nícodemos, ou um dos
Da chaga aberta pela lança brotou sangue e água. dois, partíciparam imediatamente à Mãe de Jesus,
Não há mãe que tivesse podido presenciar seme- provàvelmente ainda antes de terem por certa a auto-
lhante espectáculo, sem experimentar uma dor seme- rização do Pretor romano, que queriam depositar seu
lha~te à que lhe havia de trespassar a alma, se visse Filho numa sepultura próxima.
o filho ser atravessado daquela forma, estando vivo. Esta notícia foi, para Maria, o primeiro consolo
O golpe atingiu também Maria em pleno coração, que recebia dos homens , depois da Paixão de Jesus.
sem, contudo, o rasgar. O Coração de Jesus, já morto, E claro que, enquanto Pilatos não deu autorização,
estremeceu como se estivesse vivo; o de Maria, que Maria oscilava entre o temor e a esperança. Mesmo
v1v1a ainda, teve tão grande domínio de si mesmo depois era caso de contar com qualquer possível opo-
como se estivesse morto.
sição dos inimigos de Jesus.
Nicodemos foi pressuroso à cidade, entrou num
bazar onde vendiam aromas. José de Arimateia apre-
DESCfMENTO DA CRUZ E SEPULTURA
sentou-se a Pilatos e pediu-lhe licença para sepultar

/<Ao'º"''"":,:~:~~:'''" ' °· •~ ;, od;_, 0


prece~e o sá bado - foi José de Arimateia, nobre senador, qu 6,
tambem esperava o Reino de Deus, apresentar-se, cheio de
coragem a Pilatos e pediu-lhe o corpo morto de Jesus. Pilatos
admirou-se que tivesse morrido tão depressa. Mandou vir 0
o corpo de J esus. Pilatos ficou não pouco surpreen-
dido de que um membro do Conselho, da primeira
categoria, reclamasse o corpo do crucificado; e a notí-
cia de que Jesus tinha morrido já, deu-lhe que pensar.

Marc., xv, 42-47; Mat., xxvu, 57-6 r ; Luc., xxm, 50-61 ;


Centurião; perguntou-lhe se , efectivamente, Jesus já tinha mor-
João, XIX, 38-42.

470
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ...... _

Quem poderia compreender aquilo! Um momento enxames haviam martirizado o corpo defunto, foram
antes tinham estado ali os sumos sacerdotes, que leva- lavados juntamente com o sangue, em que tinham
ram a licença de quebrar as pernas aos crucificados. morrido pegados.
Agora, apresenta-se um membro tão ilustre do Conse- Então colocaram o corpo de Jesus no regaço de
lho, a dizer que já tinha morrido. Pilatos mandou cha- Maria. Quantas vezes tinha Ela contemplado a Jesus
mar o chefe de informações. Tendo ouvido a narração adolescente, e pensado assim a seu respeito : Este vai
que este lhe fizera, entregou a José o corpo de Jesus. ser o Redentor! Agora contemplava-o novamente e
Não muito depois de o soldado ter trespassado o concentrava toda a sua devoção e fé de toda a vida
Coração de Jesus, reuniram-se José de Arimateia e neste pensamento : Este é o Redentor! -- « Bendito o
Nicodemos junto da cruz, para lhe darem sepultura. fruto do teu ventre » ! tinha sido a saudação de sua
Com este membro do Conselho vinham também cria- prima. O fruto amadurecido para um sacrifício horro-
dos e discípulos que traziam aromas e faixas de linho. roso, jazia agora em seus braços.
Que consolação para Maria naquela mudança! A espada enterrou-se no coração de Maria. Ime-
Esta foi a primeira garantia visível de que as palavras diatamente aquela dor surda, que se experimenta
de Jesus, que anunciavam a sua ressurreição ao ter- quando fica um punhal cravado numa chaga, atingiu
ceiro dia, se cumpririam ! o seu auge. Todo o corpo : a distensão dos nervos,
Desprenderam o corpo da cruz. Este desprendi- o movimento dos membros, o fluxo do sangue nas
mento foi para Maria como uma nova crucifixão, que veias são afectados pelo prolongamento da dor. Deste
lhe ocasionou novas dores, mas de outra espécie - modo, o sentimento de Maria identificava-se com a
alegrias e tristezas que se repetem, afectam e abalam realidade de que seu coração estava atravessado pela
a alma até às suas fibras mais profundas. espada de dores.
Enquanto os homens pegavam nas mãos ensan- O mundo podia mudar, mas nunca se poderia
guentadas e arrancavam os cravos, ressoavam outra fazer com que aquilo fosse doutra maneira. O seu
vez aos ouvidos da Mãe as marteladas que os tinham espírito estava ocupado com o pensamento da morte
cravado. Cada movimento dos membros rígidos servia de Jesus, e, na sua fantasia, as imagens sucediam-se
para Lhe fazer sentir, uma vez mais, que seu Filho umas às outras. Reviviam na sua memória as palavras
estava morto. que Jesus tinha pronunciado. Os seus lábios não pro-
Depois de terem lavado o sangue enegrecido, nunciavam mais uma palavra.
apareceram as chagas. Uma começava onde a outra Em seguida, envolveram o corpo de Jesus num
acabava. Moscas e outras insectos mortos, que por lençol de linho e ligaram-no com faixas. A primeira

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MARIA, MÃE DE JESUS

coisa que outrora fizera a Mãe no presépio, faziam-no


agora aqueles homens, como última homenagem ao
ir
1
corpo do Filho. E a aparência exterior era a de um

11
menino envolto em faixas.
Aconteceu então, pela primeira vez, ser Jesus
1
1

tratado pelos fieis com todo o respeito, em atenção


também a sua Mãe.
As dores do Filho continuavam a ser as dores
da Mãe. Todos os que estavam em contacto com
Ela compreendiam-no bem e tomavam parte nos seus
sofrimentos. Ela agradecia a todos e a cada um o
terem tomado parte nas dores de Jesus e na sua
aflição.
Depois levaram Jesus para o sepulcro. Este, a
julgar por outros sepulcros coevos, que ainda se con-
servam e de harmonia com a narração Evangélica,
deve ser representado do seguinte modo : O jardim
tinha ao fundo um rochedo que se elevava do solo.
Dentro deste rochedo tinha sido aberta uma câmara
sepulcral. De fora penetrava-se num recinto, onde se
preparava o cadáver para ser depositado no sepul-
cro. Entrava-se na câmara sepulcral, propriamente
dita, por uma abertura estreita, sendo necessário cur-
1 var-se quem houvesse de passar. Em volta do sepul-

> D ES CR IÇ ÁO DA G RAV U RA

O Santo Sepulcro. Magnífica fach ada, da época das Cruzadas,


na qual se abre a porta de entrada para o Santo Sepulcro de Jesus. Fachada do Santo Sepulcro

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Fot . Raad
XXV- 4 74

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MARIA, MÃE DE JESUS

cro existiam árvores: ciprestes, oliveiras e plantas de


adorno.
A passagem situada ao lado do nicho destinado
ao cadáver era ordinàriamente muito estreita. Só
dava lugar a quem tivesse de ir colocar o corpo no
nicho.
Sem dúvida, Maria entrou uma vez ainda na
câmara sepulcral, depois que todos saíram. Pensa-
vam eles que se tinham despedido de Jesus para
sempre. Maria, pelo contrário, tinha a fé, tão firme
como uma rocha, da sua ressurreição ao terceiro dia.
Mas pressentia já, sem dúvida, que Jesus, depois da
ressurreição, não continuaria sendo seu Fílho nem
viveria com Ela do mesmo modo que antes da Pai-
xão. Por isso, de certo modo, despediu-se d'Ele não
transítória mas definitivamente.
Logo que Maria abandonou o sepulcro, fizeram
rolar a pedra, fechando a entrada. Estava a começar
o descanso do sábado. De um momento para o outro
as trombetas podiam anunciar que todo o trabalho
tinha que findar.
O pequeno grupo regressou à cidade. As ruas
1
I' ficaram desertas e varridas. As pessoas traziam ves-
tidos de festa. Parecia que tinham esquecido os acon-
tecimentos do dia que declinava. Os poucos que os
recordavam -- os discípulos e as santas mulheres -
estavam tão aturdidos que não davam conta do que
se passava.
Para Maria, porém, tudo se tinha transformado.
Sabia que a morte de Jesus tinha resgatado a huma-

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MARIA, MÃE DE JESUS

nidade, o que projectava uma nova luz sobre o mundo


1
e sobre todos os homens.
1 1
Naquele sábado ninguém sabia qual era a sua
1

nacionalidade nem a sua profissão. Aos olhos de


Maria todos os homens eram iguais : Jesus tinha mor-
rido por todos. Todos quantos via cruzarem-se em
seu caminho tinham sido resgatados pelo sangue do
! seu Filho.
·I O descanso daquele sábado foi para Ela um des-
:[ canso devido não ao sábado mas ao sepulcro do
VIII
Calvário.
Maria levava em seu coração a fé na salvação do
mundo, operada por Jesus, como tinha tido noutros
tempos a fé no Messias. Era Ela a única que a guar-
dava em seu coração, como era também a única Maria na lgre·ja nascente
depositária do mistério da incarnação de Jesus. Para
todos os outros, incluindo os Apóstolos, não parecia
que a vida e obras de Jesus tivessem triunfado, mas
antes terminado num lamentável fracasso.
Do mesmo modo que antes tinha descansado o
Menino Jesus em seu seio, assim agora, nos dias que
se seguiram, de Sexta-feira Santa à manhã de Páscoa,
todo o Corpo Místico de Cristo repousava misteriosa-
mente no seio de Maria.

> '

476

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X I
1

1
A caminho da Ressurreição
j:
1

I'
'· 7'( s mulheres que tinham vindo da Galileia com Jesus, foram
/ --\ com José de Arimateia ver o sepulcro e viram corno Jesus
I!
i tinha sido depositado nele. Depois voltaram e prepararam
aromas e bálsamos. Guardaram o descanso sabatino, conforme
a Lei 1.
11 Logo que passou o sábado, Maria Madalena, a máe de
Tiago e Salomé compraram aromas para irem embalsamar o
corpo de Jes us 2.

Para falar dos acontecimentos ocorridos com


Maria, durante o tempo que medeia entre Sexta-feira
Santa e a manhã do domingo, interessa saber, em pri-
meiro lugar, onde Ela esteve nesse tempo. Segundo o
costume da terra, é de supor que viveu com as mulhe-
res que a acompanhavam junto da cruz.
É natural que não fosse cada uma para seu lado,
depois da morte de Jesus, mas que voltassem para a '
casa onde estavam hospedadas como peregrinas da
Páscoa. Se não, para onde poderiam ter ido ?

1 Luc., xxm, 55 ; xx1v, 2; Mat., xxvm, 1-1; João , xx, x.


2 Marc., xvi, 1-2.

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J\ http://www.obrascatolicas.com
MARIA, MÃE DE JESUS
1. ! MARIA, MÃE DE JESUS
1
Esta hipótese provoca uma nova pergunta: mora-
E claro que o seu estado de alma não tinha nada
vam na mesma casa que os Apóstolos ou noutra?
de comum com elas, precisamente no ponto essencial.
A isto não responde o Evangelho imediata mas sim
Maria tinha, sem dúvida, uma dor muito mais profunda
mediatamente. Porque as narrações evangélicas das
que as outras mulheres, mas sem aquele abatimento
idas e vindas das mulheres e discípulos, na manhã da
desconcertante; porque, se acreditava na morte, acre-
Páscoa, estão tão estreitamente unidas que é difícil
ditava também que Jesus havia de ressuscitar ao ter-
\[ deslindar a ordem por que sucederam. Um dos motivos
ceiro dia. As outras, pelo contrário, não tinham senão
principais desta dificuldade poderia ser, precisamente,
uma ideia fixa, enquanto o Senhor descansava no
1 ! não morarem no mesmo lugar as mulheres e os discí-
sepulcro: Completar o embalsamamento do seu corpo,
l!I pulos e, por isso, agirem independentemente uns dos
'. ' I na manhã seguinte ao sábado, e prepará-lo, deste
outros. Talvez nem sequer estivessem todas as mulhe-
;:1 modo, para a sepultura definitiva. Nestes preparati-
res na mesma casa. Somente quando começou a bri-
;i lhar, sobre essas criaturas aterradas, a luz do grande
vos, não se fala da Mãe de Jesus, certamente porque
: ',1
não tomou parte neles.
1
portento, da Ressurreição, é que se restabeleceram os As santas mulheres deviam ter a impressão de
diversos grupos separados. que, durante este tempo, Maria vivia num mundo de
Maria Madalena foi, pressurosa, ter com os Após- ideias em que só Ela penetrava. Como interpretaram
'I
tolos. A forma como o Evangelho conta este incidente elas a atitude de Maria? Não sabemos. Restam-nos ape-
leva-nos à supor que ela, indo ao sepulcro, não saíu nas duas hipóteses: ou pensavam que a tristeza a esma-
11 da casa onde aqueles se encontravam, mas que sabia
i gava como a David que, depois da morte de seu filho,
,1
~.~ onde João e Pedro estavam. Em casa destes se reu-
' se retirou aos seus aposentos, ou que continuava a
~
,, niram, em seguida, as santas mulheres com os discí- acreditar em qualquer mudança de coisas para melhor.
1, 1
pulos. Depois disso, porém, continuou a agir cada um Neste seõundo caso, deviam ter compaixão d'Ela,
<:>
por si. Pedro e João foram sós ao sepulcro; Maria e julgar que a sua esperança, apesar de todo o amor
, :, ,1
'• Madalena voltou lá sozinha e, depois de Jesus lhe ter que elas consagravam a seu Filho, não passava de
p aparecido, dirigiu-se outra vez, por sua ordem, aos
discípulos para lhes anunciar que o Senhor tinha res-
pura ilusão, a que há muito tinham renunciado. Um
facto característico é que a própria Maria Madalena,
suscitado. tendo encontrado o túmulo vasio, não foi ter com
Maria, a Mãe de Jesus, estava, de algum modo, Maria, a Mãe, mas, sim, com os Apóstolos.
em comunicação com as mulheres, quer morasse na É que Maria, na sua soledade desde Sexta-feira até
mesma casa, quer próximo. ao domingo da Ressurreição, era para todos um ser

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estranho. Se alguém tivesse querido consolá-la, ter- novo para a fé; Maria devia receber a recompensa ~
-lhe-ia causado uma nova dor, pois havia de lhe dizer,
da sua fé. ~.:.
1 como os discípulos de Emaús disseram depois a Jesus, Este encontro foi uma cena de paz e de intimidade ~
~ que seu Filho tinha sido, sem dúvida, um profeta pode- indescritíveis . .Maria, a Mãe de Jesus, estava só no ~
'
' roso nas obras e nas palavras, mas não o Messias seu aposento. Fora, o povo preparava-se para um novo ~
prometido, como muitos esperavam. dia de trabalho, depois do descanso do sábado. Ela, a ~.•.
À Sexta-feira Santa seguiu-se o sábado, festa de Mãe de Jesus, não pensava senão numa coisa: Ressus- ~
preceito, dia de descanso obrigatório. Por isso é difícil citará! Em Maria não teve lugar aquela surpresa, que r:!•
admitir que, nesse dia, Ela deixasse de fazer a visita se apoderou dos Apóstolos em tal grau, que só muito f
ao Templo. Como se diz expressamente dos Apóstolos a custo voltaram a si. ~
nos dias que se seguiram, Maria também teria ido Como antes tinha pressentido os sofrimentos e os
certamente ao Templo para aí orar. tinha aceitado com pleno conhecimento, assim agora
Não tinha passado ainda uma semana inteira a sua fé a tinha preparado para a Ressurreição.
desde a entrada solene de Jesus em Jerusalém. O solo Não sabemos em que circunstâncias teve lugar a
estava ainda juncado de ramos de palmeira, pisados aparição de Jesus a sua Mãe . A Madalena apresen-
e quebrados, com que tinham saudado o Messias-Rei. tou-se de tal modo qu ~ ela, a princípio, nem sequer
Neste sábado Maria elevava a sua alma a D eus com o reconheceu, julgando ser o guarda do jardim em que
um fervor que é impossível descrever. Toda a esperança estava o sepulcro.
da terra na Ressurreição de Jesus concentrava-se em Aos discípulos de Emaús juntou-se com•o homem
seu coração. Ela esperava-a em nome dos Apóstolos, que vai de viagem. Aos Apóstolos reunidos no Cená-
até mesmo em nome de todos os homens. Como esta culo apareceu-lhes estando as portas fechadas. Aos
ressurreição se operaria, e o que Jesus faría depois quinhentos discípulos da Galileia marcou-lhes um
não o conhecia Ela, provàvelmente, com precisão. encontro na montanha, como fazem dois amigos para
É comumente admitido que Jesus, depois da uma entrevista. A sua Mãe mostrou-se de tal forma,
Ressurreição, apareceu em primeiro lugar a sua Mãe, que Ela o pudesse conhecer, sim, mas, em todo o
estando Ela só, pois o merecia como ninguém, por caso, como quem estava em estado glorioso e não
ter permanecido firme ao pé da cruz do seu martí- continuaria a vida comum, que tinham levado, sobre
rio, e a Ela só, porque esta aparição tinha uma razão a terra. As relações entre Mãe e Filho já se haviam
de ser muito diversa da aparição às s antas mulheres modificado, uma vez que Ele a havia recomendado a
e aos discípulos. Os discípulos, havia de ganhá-los de João declarando a este, Filho de Maria.

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MARIA, MÃE DE JESUS

expressamente que se tínham reunido não só os Após-


tolos mas também os «que os acompanhavam », isto
é, um grupo de dis cípulos de Jesus.
Destes faziam parte, sem dúvida, as santas mulhe-
Durante o tempo que medeia entre a Ressurrei- res de que temos falado e, com elas, Maria. De con-
ção e a Ascensão, Jesus manifestou-se aos discípulos, formidade com as ordens de Jesus, os Apóstolos, e
tanto em Jerusalém como na Judeia. Estas aparições com eles Maria, abandonaram a cidade de Jerusalém
levantaram o ânimo dos discípulos e das santas mu- e foram para a Galileia. Esta viagem era para eles
lheres e reuniram o rebanho que a tempestade da uma humilhação. Que coisas não se teriam dito ali
semana da Paixão tinha dispersado. A fé dos Após- de Jesus, seu Mestre, e deles mesmos, quando os pere-
tolos tinha sido abalada profundamente, e como que grinos voltaram da festa da Páscoa !
aniquilada. Sempre esperaram um reino terreno. Con- Desta vez não traziam de Jerusalém senão uma
tudo, desta fé brotou agora outra baseada em novas novidade: «Jesus de Nazaré, filho de Maria, tinha ali
luzes: Jesus não era só o Redentor de Israel, era tam- sido preso, condenado à morte e crucificado. E tinha
bém o Filho de Deus. Antes chamavam-lhe «Mestre»; sido crucificado entre dois ladrões! »
agora começavam a chamar-lhe «Senhor». Vinham a seguir os comentários malévolos. E não
Além disso, estavam todos numa situação crítica. se fazia só alusão ao crucificado, mas também a sua
Os inimigos de Jesus não acreditavam na sua ressur- Mãe e aos discípulos: « Que faria então a Virgem ?
reição. Por isso era necessário procurar uma explica- Não te ve a sua vida sempre qualquer coisa de estra-
ção para justificar o desaparecimento do corpo. Para nho ? Não procedi a Ela sempre como se fosse supe-
eles não havia mais que uma: os Apóstolos tinham-no rior às outras pessoas? Qual seria a sorte daqueles
roubado. Mas este crime era punido com a pena de pescadores que tínham abandonado o seu oficio sedu-
morte. zidos por Jesus? Não lhes restava outro recurso 1
! Encontrou-se há pouco em Nazaré uma inscrição senão voltar às suas antigas redes ».
~ em mármore com um édito imperial que sanciona com Num mundo onde se falava deste modo se encon- J.
}.
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essa pena a profanação das sepulturas . traram os Apóstol os quando voltaram à Galileia com "\
Se os discípulos tiveram conhecimento do rumor Maria. E parece que estavam resolvidos realmente a
1
que se ia espalhando, deviam contar com a prisão, por seguir o alvitre que os seus concidadãos lhes sugeriam.
ri terem violado o sepulcro. Não era, pois, sem motivo Deixaram de novo Cafarnaúm para irem à pesca.
1
1
que, por medo dos judeus, fecharam as portas da casa Mas, para onde quer que dirigissem o seu barco,
em que se encontravam na noite da Páscoa. Diz-se
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MARIA , MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

tudo lhes recordava o tempo em que Jesus vivia água, a ferramenta com que tinha trabalhado, os mar-
com eles . telos com que cravava os pregos na madeira; tudo
E certa manhã, depois duma noite de trabalho quanto via lhe recordava qu e estava sozinha na terra!
enervante e, além disso, infrutuoso, aparece-lhes J esu s E que e ra Ela aos olhos de todos ? Menos que
nada! Uma hora depois de ter entrado na cidade, já
em pessoa. Está na praia e ordena-lhes que deitem a
a notícia havia corrido de casa em casa : Maria, a 1
rêde mais uma vez. Fizeram-no e pescaram tão grande
quantidade de peixes que as rêdes se rasgavam. João
foi o primeiro a reconhecer o Mestre. Foi também,
Mãe de Jesus , o crucificado , acaba de chegar !
i
provàvelmente, o que contou a aparição a Maria, Mãe
1
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de J esus, qu ando voltaram a casa. S e João residia
então em Cafarnaúm, também a Mãe de Je sus aí mo-
.X A ASCENSÃO
Est.rn do Jesus à mesa com os seus Apóstolos, o rdenou-lhes
l
raria, visto estar confiada aos seus cuidados. que não saíssem de Jerusalém, mas que es perassem a promessa d o
Naquelas semanas entre a Páscoa e Pentecostes Pai, que vós - d isse-lhes - tendes ouvido dos me us lábios, por-
encontrava-se Maria numa situação muito especial, que João bap tizou com água; mas vós sereis baptizad~s, de~tro
misto indizível de dor e de alegria. Cada passo que de poucos dias, no Espírito Santo. O s que estavam ah reunidos

dava a caminho da Galileia, depois de ter abando-


nado Jerusalém, era, para Ela, um passo atrás na sua
perguntaram-lhe : " Senhor, chegou o tempo d e r estau rardes o
Reino de Israel ? ,, Ele resp ondeu: " N ão é a vós que compete
1
saber 0 t empo e a hora que o Pai do C éu reservou ao seu poder.
vida, até àquele te mpo em que tinha vivido ali com Mas recebereis a virtude do Espírito Santo que descerá sobre
Jesus e ao lado de Jesus. v6s, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia ,
Via aparecer as serras levemente onduladas, ser- na Samaria e até aos confins da terra ".
D epois d e ter di to isto , elevo u-se à vista del es e uma
ras que tinha atravessado muitas vez es, ao ir com
nu vem 0 ocultou aos seus olhos. Enquanto eles olhavam para o
Jesus a Jerusalém. Entraria, sem dúvida, na casa em céu, quando Jesus subia, eis que apareceram doi s homens vesti -
que tinha vívido tantos a nos com Jesus. A circuns- dos de b ranco que disseram: « Homens da Galileia, po rque con -
tância de se rem também mencionados, mais tarde, os tinu ais a olh ar para o céu? Es te Jesus q ue, separando-se de vós,
seus consanguíneos entre os crentes, torna isto vero- subiu ao céu, baixará, da mesma maneira, outra vez, como o vistes

símil. Ali se reuniam as recordações em tropel. O foga- agora subir ". . .


Entao voltaram para Je rusalém , do M onte das Ohve1ras,
reiro de barro, diante do qual tantas vezes se afanava, que está à distância q ue se pode percor re r num sábado. Chega-
enquanto o pensamento se detinha no Filho, presente dos acolheram-se ao C enáculo, onde costumavam estar . Pedro e
·1 ou ausente; as esteiras em que se tinha sentado, os Joã~, Ti,go e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e . M~teus,
pratos em que tinha comido, as bilhas donde tirava a Tiago , filho de Alfeu, e Simão o zelador, e Judas, 1rmao de
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Tia go. Todos estes permaneceram na oração, unidos eni espírito,


com todas as santas mulheres e com Maria, a Mãe de Jesus e seus envio Aquele que meu Pai vos prometeu . Permanecei ,
irmãos 1.
pois, na cidade até que sejais revestidos da força do
Eles adoraram-no e voltaram cheios de alegria para Jerusa- alto!»
lém . Estavam contlnuamente no T emplo, ora ndo e glorificando
a Deus 2. Deixaram então o Cenáculo e dirigiram-se ao
Monte das Oliveiras. D esceram ao vale do Cedrão, e,
Quarenta dias depois da Ressurreição, os Após- atravessando o ribeiro, subiram pela encosta do outro
tolos voltaram a reunir-se em Jerusalém, segundo as lado. Jesus olha mais uma vez para os lugares onde
ordens de Jesus. O tempo de calma tinha acabado, tinha orado e onde tinha tido agonia de morte durante
Agora iam percorrer todo o mundo como mensageiros uma noite tétrica. Mas, agora, tudo isto tinha passado.
do novo R eino. Maria foi com eles à Cidade Santa. À medida que subiam, iam vendo melhor a cidade
O que seu espírito via sempre e em toda a parte: a que se estendia a seus pés. O Templo br~lhava lá em
condenação de Jesus, a Via-Crucis, a morte na cruz, baixo, no meio dos pórtico s, que o rodeavam. Por
reavivou-s e mais intensamente em Jerusalém. Naquela detrás assomavam as torres do palácio de Herodes e,
Sexta-Feira Santa Jerusalém tinha-se-lhe gravado na ao norte deste, encontrava-se a colina do Calvário.
alma como uma imagem que jamais se apaga. Jesus abençoou os discípulos e, com eles, sua Mãe.
Os discípulos hospedaram-se de novo na casa Depois elevou-se à vista deles e uma nuvem o enco-
onde, antes da Paixão, Jesus os tinha preparado para briu a seus olhos.
a despedida, despedida que agora ia ser definitiva. É ordinário pôr-se aqui ponto final à vida de
Apareceu-lhes pela última vez, instruindo-os sobre o Mari a, com a mesma cena que coroa a vida terrena
que deviam fazer no futuro. « É necessário cumprir de Jesus. Mas, diante de Deus, não há biografia que
tudo o que, a meu respeito, está escrito na Lei de termine, seja embora a do último dos mendigos, antes
Moisés, nos profetas e nos salmos. O Messias tinha do capítulo da morte. Teria, pois, Maria continuado a
que padecer e ressuscitar ao terceiro dia. É necessário viver, se a sua vida não tivesse nenhuma importância
., pregar agora, em seu nome, a penitência e o perdão nem para Ela nem para os outros?
" dos pecados a todos os povos, começando por Jeru- Os Evangelhos nada mais nos referem da sua
salém. Vós sereis testemunhas disto. Olhai ! Eu vos vida. Não obstante, as palavras do Salvador na
cruz: « Mulher, eis aí o teu filho - eis aí a tua Mãe ! »
1 Act., 1, 2- r .'i·
que representam um encargo para João e para Maria,
t Luc., xx1v, 50-y2; Marc., xv1, 19. continuaram a influir e a dar à sua vida um fim e uma
missão.
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
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Depois da Ascensão os discípulos voltaram a


Jerusalém cheios de alegria. Esta despedida foi 0 polo
como quando voltam juntos do sepulcro onde deixa- i
ram o pai e o esposo.
oposto da que precedeu a Paixão. Até então não
Esta lei, que é a mesma para todos os homens,
tinham ideia duma presença de Jesus que não fosse
explica as relações dos Apóstolos para com Maria.
visível. Agora, pelo contrário, sabiam que Jesus estava
Ela e eles formam uma comunidade em que Ela é a
com eles ainda mesmo que não lhes pudesse falar.
. Maior ainda que a dos Apóstolos foi a alegria da
V1rgem, ao voltar a Jerusalém. Era a alegria da Mãe
r «Mãe de Jesus» num sentido novo e elevado, porque
Jesus mesmo se tinha transformado para os Apóstolos
num ser novo, no <Senhor»; e também porque a
do Redentor que exultava de gozo ao ver irradiar por
Ascensão de Jesus ao Céu teve, entre outros, o efeito
todo o mundo a obra de seu Filho, como nasce da
de fazer com que os Apóstolos não contassem já com
semente a planta depois de ter germinado no seio da
mais aparições. Clara e repetidamente tinha dito Jesus
terra. Olhando para o sul, estendia 0 seu olhar em
que os deixaria mas que lhes enviaria outro Consola-
direcção a Belém. Foi ali que, numa noite escura e
dor, isto é, que não andaria mais com eles.
fria , tinha começado milagrosamente, num estábulo, a
Mas a situação tinha-se modificado igualmente sob
vida de seu .Filho. Essa vida tinha-se extinguido agora,
outro aspecto. Pela primeira vez se mencionam, como
em plena pnmavera, e o mundo todo não era mais que
um escabelo donde Jesus subia ao céu. fazendo parte do grupo dos fieis, os parentes de Jesus,
que antes « não tinham acreditado ». , .
Dificilmente se encontra coisa que tão intimamente
Isto foi, certamente, o resultado da permanenc1a
una os humens entre si como a despedida feita em
dos discípulos e de Maria na Galileia, em seguida à
comum a uma pessoa que todos amam. A imagem
de~ta ~essoa grava-se-lhes na alma como qualquer Ascensão do Senhor. Estiveram ali em contacto com
os parentes, e estes tinham tido ocasião de ver Jesus.
coisa imortal. Todos sentem a mesma impressão e
estabelece-se uma união não só entre os que ficam e A participação feita aos fieis para assistirem a uma

1
.t
o que parte, mas também entre todos os que ficam.
E, se entre eles há algum que tenha tido com
aparição do Senhor na montanha foi talvez de parti-
cular imoortância para os ditos parentes. Eles que o
0 tinham c.onhecido desde criança e que , por isso, não
ausente laços mais estreitos que os outros, 0 amor
que se lhe consagra, por uma lei natural, todo se con- queriam acreditar que fosse o Filho de De~s , vira1:1
centra nesta pessoa. agora ressuscitado o mesmo que antes se tinha fati-
gado como carpinteiro no seu meio. E creram n'Ele.
Nunca, por exemplo, os filhos se sentem mais inti-
mamente unidos entre si, e também com sua mãe A alegria que inundou o coração de Maria somente
' a poderá compreender quem souber o que é viver com
!1 ' !

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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS
pessoas que não compartilham os mesmos sentimentos.
Porém, ainda foi muito maior essa alegria, porque já
E Ela deixar de se ocupar e preocupar da
não estavam relacionados todos eles, só como paren- po d.ia , 1.~ El
tes carnais, mas porque um parentesco espiritual os obra que seu F'Jho 1 confiara aos Apúsl.olos?
1 1r'.rn b a
unia a todos. quem t m. h a a ,,1'sa-o mais penetrank ( :1qtw ap o· -ra.
Tinha estado ao 1a d o d e Jesus durante Loda
. a . a1xao.
.
O parentesco carnal tinha desaparecido, até certo f
Era, entre todos os homens, quer.11 mais P.ª.r~1c1:ava
ponto, para Maria, porque o próprio Jesus a tinha I.··
confiado a João e este a tinha acolhido -- o que era dos sen t 1men
. t os de Jesus e podia co11lw1.u'
. •. como
. I·
nmguem,
. . quao
- me . ompreensível era a grarH 1czct e a
completamente inaudito para os orientais e que, à
primeira vista, parecia uma ruptura com os parentes. sua obra . . M · llC'en
Deste modo, todo o amor de an;i st~ ''º . -
Depois disto, não tiveram mais intimidade sim-
plesmente natural, como parentes. Alistavam-se agora trava na o b ra d e J esus. Quando os discípulos
. comc-
1 I•', . ··1
Ç aram o re t iro
. pre paratório para a vrnda ( o .sp1 . t.1l o
na comunidade dos fieis, como pessoas animadas da
,
Santo, Ela orava t am b em, e orava
< com lod;i a•.111. 1en-.
mesma fé, não como membros da mesma família. Uni-
sidade do seu amor, JUn . tamente con1 os Aposl.o os.
ram-se a Maria com os laços do espírito.
S ua oraçao- na-o conhecia limites. A vida . da pequena ., , ,
A Ascensão de Jesus, que pusera o remate à sua
'd
comun1 a ,ed d 0 Cenáculo está dcscnl;i <:111 1)l(.Vts
1• ··
convivência com os Apóstolos, foi também o fim da
traços na S agra d a Escritura.' apenas () basla11 .L par ,·d
r

convivência de Jesus com Maria. Todos os senti-


formarmos. uma pa'l'da
1 ideia do que ela era cm si
mentos e acções de Maria estavam, desde agora,
consagrados à obra do Redentor e ao trabalho dos mesma.
O número dos fieis e levava-sc a 120. Estas 120
Apóstolos. Jesus, que morrera para a maior das obras
.
Pessoas reumam-se num andar superior,. noE' 'd mesmo
t
- a redenção do mundo - manifestou do alto da cruz,
lugar em que J esus t'm ha celebrado a ceia. , v1 en e-.
a sua Mãe, um último desejo relativo ao tempo que
- se po d e concluir que as 120
mente nao . . pessoas b'a1
Ela devia passar ainda sobre a terra. Esta última von-
. . ' O Cenáculo
v1viam. · não era mais que o lugar com 1-
tade e incumbência de Jesus, consistia em que, depois
nado, onde se reuniam para orar.
da sua morte, Ela não voltasse para o meio dos
parentes segundo a carne, mas que entrasse na comu-
nidade espiritual que Ele tinha fundado. É que ao
pé da cruz João tinha representado toda a huma-
nidade

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X II

M a ri a e a r e ve 1a ç ã o
do Espírito Santo

o Antigo Testamento já se falava do


« Espírito de Deus ». Com isto que-
ria-se significar a divina Essência,
como manifestação <las operações
divinas na alma. Porém os homens
daquele tempo ainda não sabiam
nada àcerca da Trindade de pessoas na unidade de
Deus. Ainda quando o anjo anunciou a Maria:
« O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do
Altíssimo te cobrirá com a sua sombra» Ela mesmo
não compreendia ainda a essência do Espírito Santo
e as suas relações com Deus Pai e Filho, como o
devia conhecer mais tarde, depois das revelações
doutrinais de Jesus.
Dar a conhecer aos homens, por parábolas, o
«Espírito Santo », como pessoa, e as suas operações,
não era tão fácíl como falar do «Pai» e do « Filho ».
Por esta razão, tal revelaç ão, como verdade de
fé, que todos tinham que aceitar, não pôde ter lugar

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MARIA, MÃE DE JESUS
MARIA, MÃE DE JESUS

senão depois que a fé no Pai e no Filho estava radi- tolos e indicar-lhes como se deviam preparar para
cada. A esta razão extrínseca outra se juntava ainda. essa vinda.
A participação do Espírito Santo na obra da san- Maria tendo concebido o Filho de Deus dum modo
1

tificação consiste em aplicar aos fieis os frutos da miraculoso recebeu um conhecimento íntimo do mis-
,

Redenção, em esclarecê-los e santificá-los. Ora tal tério, como já fica dito. Isto permitia-lhe. comp~eender
espécie de actividade pressupunha a realização plena as manifestações que Jesus fazia do Pai do Ceu e de
da obra redentora. si mesmo, como Filho consubstancial do Pai, dum modo
Também Jesus no seu magistério público seguiu muito mais profundo e exacto que os Apóstolos.
um processo análogo exigido por idênticas circuns- Isto mesmo se repetiu quando Jesus começou a
tâncias. Em primeiro lugar, falou de Deus como de falar do Espírito Santo.
seu Pai. Fez saber aos Apóstolos que não era somente Os termos de que Jesus se serve recordam-lhe
Filho de Deus no tempo, mas também desde toda a as palavras empregadas pelo anjo ª.º anunci.ar a
eternidade, duma maneira muito mais íntima, como Incarnação: « O Espírito Santo descera sobre h e a
Filho consubstancial de Deus vivo; por isso, Deus Ele virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra_»!
mesmo, como o Pai. Maria, que tinha conservado tudo em seu cora~~º·
Só num tempo relativamente próximo à sua morte devia pensar então nestas palavras. Este Esp~nto
começou Jesus a dizer que, junto do Pai e d'Ele, existia Santo que Jesus prometia era, portanto, o que tinha
um « Consolador » que Ele lhes enviaria depois da sua descido sobre Ela quando começou a ser Mãe de Deus.
partida. Contudo, ainda então, ficavam muitas coisas E assim a vinda do Espírito Santo era para Ela um
1

escuras para os Apóstolos. Quando a Terceira Pessoa novo en contro, uma entrevista nova com o amigo que
divina lhes foi apresentada como « Consolador », esta a tinha protegido e acompanhado n~m tempo ~m que
designação estava longe de ser tão clara para eles ninguém 0 conhecia ainda. A ânsia de Mana pela

1
como a denominação de « Pai e Filho » apli cada à vinda do Espírito Santo, como por quem difunde a sua
primeira e à segunda das Pessoas divinas. Nem Jesus luz sobre todas as coisas, e, por conseguinte, também
tinha que dar a conhecer o Espírito Santo do mesmo sobre a sua própria vida e sobre a de Jesus, só se
modo que as duas outras Pessoas divinas, cuja rea- pode comparar aos seus anelos doutros tempos, em
lidade já era iluminada pela sua própria aparição que suspirava pela vinda do Redentor, antes da men-
na terra, feito homem. A sua missão era, antes de sagem do anjo. ,
tudo, tornar possível a vinda do Espírito Santo, por Os Evangelhos acrescentam que Maria era a M_ãe
meio da sua paixão e morte, anunciá-lo aos Após- dos Apóstolos e dos fieis, não só externa mas tambem

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MARIA, MÃE l>E JFSlJS MAIW\. MÀF IH: JFSUS

espiritualmente, enquanto se preparavam para a vinda


do Espírito Santo. Dizem que estes estavam congre- A descida do Espírito Santo completa a prepara-
ção dos Apóstolos para a sua missão. Iluminados por
gados «com Ela » na oração. As suas orações uniam-se.
por assim dizer, com as de Maria, e os seus anelos Ele, ficaram aptos para compreender a vida de Jesus
nos seus pontos de contacto com o passado do povo
com os d'Ela. A vista da disposição e generosidade de
de Israel, nas suas relações com a Sagrada Escritura
Maria, crescia também a deles. E por Maria sentiam-se f
unidos com Jesus que tinha subido aos céus. e na sua significação como fundamento do Reino de
Deus. O que tinham recebido até então, por partes,
viam-no agora na unidade de um todo.
O PENTECOSTES Pedro, nomeado por Jesus chefe supremo, foi o
primeiro a pregar ao povo, claramente, aquilo que
o Espírito Santo lhe dava a compreender.
No dia do Pentecostes, estavam todos reun idos no mesmo
lugar. Então ouviu-se, de repente, vindo do céu, um ruído
Sem temor, falou deste modo, às multidões: «Israe-
semelhante a um vento impetuoso que encheu toda a casa onde litas, ouvi o que vos digo : Jesus de Nazaré, aquele
estavam. Ao mesmo tempo, viram aparecer línguas d e fogo que homem de quem Deus deu testemunho por seus pro-
se pousavam uma sobre cada um, e foram cheios do Espírito dígios, milagres e maravilhas que operou no meio de
Santo, e começaram a falar em diversas línguas o que o Espírito vós, como muito bem sabeis, vós o condenastes à
Santo lhes insp irava.
morte, o cravastes na cruz por meio dos gentios;
Havia então em Jerusalém judeus, pessoas tementes a Deus,
de todas as naçoes do mundo. Ao ouvirem aquele ruído corre- mas Deus ressuscitou-o livrando-o das dores e do
ram em gra nde multidão e ficaram atónitos; porqu e cada um reino da morte.
ouvia falar os Apóstolos na sua própria língu a. Surpreendidos Irmãos! Creio que posso falar-vos com toda a
e maravilhados diziam: Não são eles Galileus ? Como é possível franqueza do patriarca David. Morreu e o seu sepul-
que os ouvimos falar a língua de cada um de nós? Partos, Me-
cro está ainda hoje no meio de nós. Era profeta e
dos, Elamitas, habitan:es da Mesopotâmi a, da Judeia, da Capa-
dócia, do Ponto, da Asia, da Frígia e da Panfília, do Egipto, da sabia que Deus lhe tinha garantido, com juramento, que
Líbia que confina com a Cirenaica, e os romanos que aqui um dos seus descendentes se sentaria no seu trono.
moram; tanto judeus como prosélitos, cretenses e árabes, como é Olhando o futuro falou da ressurreição de Cristo; que
que os ouvimos anunciar na nossa língua as maravilhas de Deus? não ficaria no sepulcro e que a sua carne não se cor-
Todos estavam admirados e diziam uns para os outros:
romperia. Pois bem; a este Jesus, ressuscitou-o Deus.
Que será isto? Outros diziam, escarnecendo : Estão ébrios 1.
Nós somos testemunhas disso. Depois de se ter sen-
1
Actos, 11, r-r3. tado à direita de Deus e de ter recebido do Pai a
promessa do Espírito Santo, espalhou-o como estais

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MARIA, MÃE DE JESUS
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MARIA, MÃE DE JESUS

~
1

,li vendo e ouvindo. Porque não foi David que subiu ao


Contudo, não teve estas luzes simplesmente olhando
j céu ; David é só aquele que diz: Disse o Senhor ao
meu Senhor: Senta-te à minha direita até que faça ao passado, mas antes em vista do futuro, para a
dos teus inimigos o escabelo dos teus pés 1. Saiba, sua vida como Mãe de Jesus na comunidade
pois, e tenha como certo toda a casa de Israel que dos fi eis.
Deus constituíu Senhor e Messias a este Jesus que A transformação que o Espírito Santo operou
vós crucificastes » 2. nos Apóstolos e em Maria teve, outra vez, como con-
Estes fragmentos da pregação de Pedro mostram sequência estreitar mais as relações :ntr: as d~as
como ele considerava cumpridas todas as profecias
que tratavam do Messias. Agora tinha da Redenção
uma ideia essencialmente diversa do que antes tinha
r partes. Agora que os discípulos e a Mae tmham sido
cheios do Espírito Santo uniam-se dia a dia cada vez
mais, com fé viva, com um devotamento generoso à
imaginado ser o Reino de Deus. obra de Jesus e ao seu próprio esforço no seio desta
Porém o Espírito Santo não desceu e iluminou obra. Com isto tinha chegado também o tempo em
somente a Pedro, mas também a cada um dos pre- que devia cair o véu que ocultava a vida de Maria,
sentes. Portanto, também na alma da Mãe de Jesus Mãe de Jesus. Maria foi a testemunha nata para a
a vinda do Espírito Santo produziu frutos maravi- primeira fase da vida do Senhor, a respeito da qua!
lhosos. ninguém, fora d'Ela, podia dar testemunho, porque so
É verdade que o Espírito Santo tinha já descido, Ela a conhecia.
dum modo especial, sobre Maria, quando foi esco-
lhida para Mãe do Salvador. Agora encheu-a de
modo novo e para uma missão nova. Deu-lhe as
graças necessárias para a última etapa da sua vida,
durante a qual Ela devia estar, não com J esus, mas
com a sua obra.
1 X TESTEMUNHO MATERNAL DE MARIA
SOBRE A DIVINDADE DE JESUS

Como os Apóstolos, recebeu Ela também novas


luzes a respeito da vida de Jesus e da sua obra e
novas ilustrações àcerca d'Ele e da sua fundação.
' É comum a opmiao de que as mulheres não
são capazes de guardar segredo. Há contudo cas~s
em que sabem guardar silêncio melhor e por mais
tempo que os homens. Dá-se isto quando se trata
de seu filho.
1 Salmo c1x, I .
2 Act., 11, 22-24 ; 29-36.
Se acrescentarmos que a mulher é particularmente
piedosa e considera o silêncio como uma ordem da
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ...., ~~... --~ -" ,-- ~~·~ ~-- .. ~·~~-~=~""''"" '~" ~~~.--...~-···i

vontade divina, é capaz de guardar o seu segredo soube, antes que ninguém, como Maria chegara a ser
durante a vida toda. Mãe do Filho de Deus. 1
A este respeito, Maria apresenta-se-nos como a A sua alma tinha-se unido tão intimamente à alma
mulher mais silenciosa e, como tal, se nos revela. Ela de Jesus e à de Maria, que estava já preparado para
ocultou o maior mistério que se podia dar no mundo, conhecer o mistério que depois da morte de Jesus, só
o mistério da Incarnação, até que Jesus mesmo o de Maria e de mais ninguém era conhecido.
manifestou. Que momento tão solene aquele em que a Virgem
Somente quando foi revelada a vida do Senhor relatava, pela primeira vez, a João, « a seu filho », a
em toda a sua profundidade e na sua magnificência hora em que o anjo a tinha visitado, transmitindo-lhe
oculta, a majestosa magnificência do Unigénito do Pai, a mensagem de Deus !
pôde revelar-se também completamente o último fun-· O conhecimento deste mistério causou em João
<lamento da vida de .Maria, o mistério da sua mater- uma impressão tão profunda, que ao delinear o seu
nidade. Evangelho, uma geração mais tarde, di:-;p(is e ordenou
Toda a revelação que tivesse sido feíta antes seria todos os seus conhecimentos referentes à vi<la de Jesus
uma revelação da divindade de Jesus, feita não por em volta deste mistério, como centro de todos os mis-
Jesus, mas por sua Mãe, antecipando-se à revelação térios e chave de todos os pensamentos do seu Evan-
do Filho. Mas a revelação essencial de Jesus, como gelho. Este fenómeno deu-se já naquele momento em
Filho de Deus, não consistia em palavras e ensinamen- que Maria lhe revelou o mistério da sua viela.
tos, senão em actos e em provas dadas na sua morte e João e Maria abismaram-se na adoração de Jesus
ressurreição. A Mãe não devia, pois, revelar o segredo Cristo, que veio ao mundo como Filho de Maria, sendo
por Ela fielmente guardado, senão depois de rematada Filho eterno, do Eterno Paí. Naquele momento Jesus 1·.;: .

a revelação de Jesus com a sua Ressurreição e com estava presente ao espírito de :-;ua Mãe e de João,
a vinda do Espírito Santo. dum modo que não se pode descrever. A fé envolvia
A quem comunicou Maria primeiro os aconteci- a ambos numa realidade, ante a qual todo o mundo ,l
mentos, que não podiam ser dí vulgados sem se revelar empalidecia. ~l~
1. 1.!
a Incarnação de Jesus, que Ela tinha guardado durante Aquilo que Maria revelou a João, em primeiro
1

toda a vida como um mistério? Não se enganaria lugar, passou depois ao domínio de todos os fieis.
: i.1
1
talvez quem imaginasse que o seu primeiro confidente Ela, a Mãe de Jesus, que, enquanto Ele viveu, se
foi João, o discípulo que Jesus, ao morrer, lhe tinha manteve sempre em segundo plano, foi agora a teste-
11 dado por filho. João, o discípulo amado de Jesus, munha maternal da sua filiação divina.

!' 1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

As ladaínhas Lauretanas saudam a Maria como de Jesus: A anunciação do nascimento de João


Estrela da manhã. A estrela da manhã é a que anuncia Baptista, a mensagem do anjo a Maria, a visita desta
a aproximação do dia e se apaga quando rompe a a sua prima Isabel, o nascimento de .João Baptista, o
alva. A Conceição Imaculada de María precedera, nascimento de Jesus, a adoração dos pastores, a apre-
com o seu esplendor, qual estrela da manhã, o nas- sentação de Jesus no Templo e o incidente da perda
cimento de Jesus. E os milagres que acompanharam il' de Jesus no mesmo Templo.
~
este nascimento projectaram o seu clarão sobre a O conhecimento destes factos, supõe testemunhos
Mãe. Porém, quando Jesus apareceu, mais tarde, em
público, já ninguém se ocupava d'Ela. Assim desapa-
rece o brilho das estrelas em pleno dia. Quando o sol
se esconde, aparece, de novo, a estrela da manhã,
l que, em última análise, procedem de Maria. Que a
narração destes acontecimentos foi feita primeiramente
em aramaico, indica-o a sua mesma apresentação e o
conjunto de caracteres. Assim como um alemão, ita-
que se chama então estrela vespertina. Assim tam- liano, etc., se denunciam falando português, por causa
bém logo que a vida terrena de Jesus terminou, Maria de certos termos que, consciente ou inconscientemente,
começou a brilhar, outra vez, como « Mãe de Jesus » empregam, assim também se encontram na narração
à luz do mesmo Jesus. dos factos referentes à vida de Jesus indícios seme-
Três dos Evangelistas narram certos factos da
1
lhantes de primitiva redacção em aramaico. Portanto
vida do Messias que, em última análise, nasceram 1 é fácil, ou, ao menos, provável, que já se tivesse redi-
das confidências que Maria lhes fez. Mas nem todos gido um relato da incarnação miraculosa de Jesus por
nos contam os mesmos factos. ocasião do seu nascimento. Poder-se-ia fazer depender,
Eis como os seus relatos se dividem concreta- 1 em grande parte, a narração da infância de Jesus, tal
mente:
S. Mateus conta pormenorisadamente a conceição
miraculosa de Jesus. Fala também da vinda dos Magos
l como no-la apresenta S. Lucas, duma dessas fontes
escritas. Mas S. Lucas frisa duas vezes em seu Evan-
gelho que «Maria guardava em seu coração» todos os
do Oriente e da matança dos inocentes, por ordem de acontecimentos da infância de Jesus, que é o mesmo
Herodes. que dizer que Ela os conservava frescos em sua memó-
S. Lucas diz, no começo do seu Evangelho, que ria. Esta observação não tem verdadeiro sentido se
procurou investigar pessoalmente os acontecimentos S. Lucas não quer significar que a sua narração se
relacionados com a vida de Jesus e que o seu Evan- apoia, em última análise, no testemunho de Maria.
gelho é a narração fiel daquilo que recolheu. E, depois Que conta S. João, o último Evangelista, da vida
deste preâmbulo, descreve os factos seguintes da vida de Maria, ou daquilo que Ela lhe transmitiu?

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS y, ,...,, ,-; _,, c._.-..-. .."'·~··,__..,,. .,;.,;..~~""""'~"""' ~'~:<~-",,.,"IITT'.,,-~-ft"'~,

~;
A ele confiou Jesus sua Mãe do alto da cruz e O Evangelho de S . Lucas deixa transparecer uma
i;
com Ela viveu sempre depois da morte do Redentor. afinidade característica com a pregação e a mentali-
Tendo isto presente, à primeira vista, era de espe- dade de S. Pedro.
rar que no seu Evangelho abundassem, mais que em Paulo apres enta-se como o Apóstolo dos judeus
i
qualquer outro, sucessos relacionados com a vida de e gentios, e S. Lucas apresenta-nos Je sus como «Sal-
Maria. Contudo, S. João só duas vezes é que chegou
1

i 1 vador do mundo », que se manifestou para bem de


,jl
:/I'
I;
a falar d'Ela: a propósito das bodas de Caná e da sua
presença ao pé da cruz. Para este último caso não
todos. S. Lucas foi companheiro de S. Paulo nas suas 1
~

11.
viagens.
necessitou do testemunho de Maria, porque ele mesmo Assim como Mateus não perde de vista a me nta-
1
il estava presente. Para os acontecimentos de Caná só lidade religiosa dos Israelitas, e S. Marcos reproduz
:: 1
teria que recorrer ao seu testemunho no caso de o pensamento característico de Pedro, e Lucas o de
nenhum dos discípulos ter assistido às palavras tro- Paulo, assim também no Evangelho de S. João se
cadas entre Jesus e sua Mãe. reflecte o mundo de ideias dentro do qual viviam ele
Mas temos ainda outro meio de examinar o con- e Maria, depois da Ascensão do Senhor.
teúdo dos Evangelhos: Pode perguntar-se: que pessoas O mistério predominante na vida de Maria era a
influíram no ânimo dos Evangelistas para a concepção Incarnação do Filho eterno de Deus, feito o Homem-
:·. da sua obra? De Mateus, por exemplo, se prova que -Deus, Cristo Jesus. Os pensamentos da Virgem não
conserva ressaibas de predilecção ao Antigo Testa- giravam em torno da sua maternidade divina. Desse
mento e à sua fé. Por isso escolhe de preferência, modo, ter-se-ia Ela constituído a si mesma em centro
na vida de Jesus, aqueles factos em que se cum- dos seus sentimentos e ideias, o que não é de admitir.
prem as profecias do Antigo Testamento. Eis porque, Os seus olhares dirigiam-se antes, cheios de fé e ado-
com tanta frequência se faz, no seu Evangelho, esta ração, para a filiação eterna de Jesus, da qual a tem-
observação : « Isto aconteceu para se cumprirem as poral não era mais que um reflexo.
Escrituras » . A mesma fé impera no Evangelho de S. João.
Marcos mostra-se influenciado pela pregação de Todo este Evangelho ilumina, em quadros cuidadosa-
Pedro. Nas suas narrações emprega a maneira de mente escolhidos, uma ideia central da qual o autor
falar viva, sentida, entusiasta que se acomoda perfei- estava completam ente compenetrado e que ele anun-
tamente ao carácter do Apóstolo, tal qual se revela cia já solenemente na sua introdução: Jesus, o Filho
no Evangelho . Marcos era compa~heiro e intérprete Unigénito do Pai veio ao mundo e manifestou-se cheio
de Pedro. de graça e de verdade. Cada passagem do Evangelho

506 507

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1, MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

descreve depois alguma destas manifestações de Jesus estranhar que assimilasse tão intimamente todos os
e a coroa de todo ele é a afirmação solene de que 0 conhecimentos que Maria lhe ministrou, que estes se
mesmo Evang~lis_t~ foi testemunha destas manifestações. apresentem no seu Evangelho como a manifestação do
~oh o m1ste.no da Incarnação esconde-se ainda, seu próprio pensamento, Fala c omo um « Filho de
na, v1?a ~e Mana, outro mistério, o mistério da sua Maria» ; e o seu Evangelho revela-nos o espírito de
p.r~pn.a vida em Deus, começada no silêncio e no «sua Mãe », Maria, que conhecía, como ninguém, a
! silenc10 consumada. A vida de Maria em Deus era origem de seu Filho, e como ninguém possuía a fé na
,1 'I a verdadeira fonte da qual hauria todo 0 seu conheci- sua soberania celestial, e que a tran smítíu à Igreja
1 1
1 mento das coisas divinas. nascente como preciosa herança .
•1

t Este _mesmo pensamento predomina no Evangelho


?e S. Joao, como segunda ideia central, enunciada já,
MARIA NO AMBIENTE DOS SALMOS
Juntamente com a primeira, na introdução do mesmo

X
1
'1

1
Eva?gelho. Os homens que vivem da graça sentem-se
11 atra1dos para Jesus e, por meio do sobrenatural, sen- DEPOIS DA RESSURREIÇÃO DE JESUS

111 tem em suas almas o que é essencialmente divino em


Jesus Cristo. Na última parte da sua vida, Maria, como os
'.< Os .hom~n~ que nasceram de Deus, que trazem
11
1
outros cristãos, continuou a recitar os salmos e as
em s1 a vida d1vma, crêem em Jesus homem e crêem outras prece s do Antigo Testamento . Estas preces,
1
1
na divindade e filiação divina de Jesus ». E, como se porém, tinham, par a Ela, um sentido novo. Os salmos
.i lê mais abaixo, esforçam-se por sair das trevas ao e os textos proféticos que falam do Messias tinham
encontro de Jesus, que é o sol da verdade. « Aquele sido, até então, como uma cadeia de montanhas ina-
1:
que procede conforme à verdade, caminha na luz, cessíveis que se levantavam diante dos seus olhos.
a fim de que as suas obras se revelem como sendo Mas agora Maria encontrava-se no cume donde via
feitas em Deus ». os caminhos percorridos.
,?' '' , . Nestes d_ois pensamentos revela-se a psicologia f O salmo XXI ecoava-lhe como um relato da cruci-
mhma de Joao; mas ao mesmo tempo revela-se tam- fixão horripilante, na sua terrível realização. «Meu
bém a sua compenetração espiritual com a alma de Deus, meu Deus, porque me abandonaste »? É assim
Maria. que ele começava,
S. João exprime-se sempre com grande reserva. li Jesus tinha pronunciado estas mesmas palavras
Nem uma só vez cita o seu nome. Por isso, não é de do alto da cruz. A esta exclamação, a espada de dor

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!' tinha-se enterrado no coração de Maria. A descrição Seus olhos viam o Filho moribundo 'I"" n..!11
do tormento da Paixão e do abandono desenrolava-se, mava: « Tenho sêde ! » quando encontrava 1111 sa l11111
em seguida, minuciosamente : estas palavras :

Meu Deus, meu De us ! porque me abandonaste ! Derramei-me como água,


Não tenh o outro auxílio senão o clamor da min ha queixa . E os meus ossos se desconjuntaram,
Meu Deus ! Invoco -te durante o dia e não me at endes O meu coração ficou brando como a cêra
1.
E nem sequer durante a noite me posso calar. ' Derretido no meu peito.
E, não ob stante, tu és o Santo Minha boca está seca como um tijolo,
E reinas até aos confins de Israel. E a minha língua pegou-se ao paladar
Em ti confiaram nossos pais, E conduziste-me até ao pó da sepultura .
1
I' f'
Co nfiaram e protegeste-los.
[.,
A Ti clamaram e sa lvaste-los, A cruz sustentando seu Filho, rodeada dos algo-
Em Ti confiaram e não os defraudaste. l!
1,.
zes, trazia-lhe à mente estes versículos : ,.
1
Porém e u so u um verme e não um homem · 1,
L udíbrio da gente, ' Rodeiam-me cães, em matilha, r:
Escárneo do povo. Cerca-me um bando de malvados,
Porque todos os q ue me vêem me escarnecem, Trespassaram as minhas mãos e os meus pés,
Movem os lábios e agitam a cabeça E contaram todos os meus ossos.
" Confiou em Deus: que Deus o salve; Olham-me e saciam-se em mim.
Que Deus o socorra, se o ama tanto ,. ! Repartiram entre si os meus vestidos,
E lançaram sortes sobre a minha túnica .
Mas tu, Senhor, não afastes de mim o teu socorro ;
Ah ! Foi exactamente assim que escarneceram os Atende à minha defeza .
que estavam ao pé da cruz. Livra, ó meu Deus, a minha alma da espada,
E d as garras dos cães a minha vida.
Depois vinham outras palavras que lhe recorda-
Salva-me da boca do leão
vam a Ela, a Mãe, os tempos do nascimento do Reden- E a minha humildade das hastes do unicórnio .
tor e o momento em que estava aos pés da cruz:
Em seguida vem o cântico de júbilo e de agrade-
Se tu és meu protector desde o seio de minha mãe. cimento:
Quem me mandou confiar desde que Ela me amamentava;
Desde que saí à luz, a Ti fui confiado, Anunciarei o teu nome aos meus irmãos ;
Desde o seio materno, tu és meu Deus. No me io da assembleia te louvarei.
1

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MARIA, MÃE DE JESUS "'-"·-..-~~-~-----~-,

Vós os que temeis ao Senhor, louvai-o!


Filhos de Israel, glorificai-o ! Diante d'Ele se prostrarão
Porque ele não despreza Todos os grandes da terra
Nem desdenha Diante d'Ele se prostrarão
A oração do humilde. Todos os mortais.
1 Não aparta de mim a sua face, Também a minha alma viverá para Ele,
M as ouviu-me quando o invoquei. E a geração futura o servirá ;
!I Para ti os meus louvores numa vasta assembleia, Fala-se do Senhor
'I' Eu cumprirei os meus votos diante dos que te temem. À geração que há-de vir
1
l1 Os pobres comerão a sua parte do sacrifício Vêem e anunciam a sua justiça
E serão saciados ; Ao povo que há-de nascer;
1j1111
Os que buscam ao Senhor, vão glorificá-lo, E que é obra das suas mãos.
'1,,.
O vosso coração louvá-lo-á eternamente.
'i[
' 11
Agora conhecia Ela a natureza do sacrifício des- Quando seu espírito percorria as palavras do
: l 11 salmo CJX, parecia-lhe ouvir um cântico de vitória:
. 11
crito neste salmo. Jesus tinha-o instituído antes da sua
morte, e a sua morte e ressurreição consumaram-no.
! 1111 1 Disse o Senhor ao meu Senho r:
« Tomai e comei! Isto é o meu corpo que será entre-
Senta-te à minha direita
1 ,,
'111 gue por vós! Tomai e bebei todos: Este é o sangue Até que ponha os inimigos
i 1
do Novo Testamento, que será derramado por vós e Como escabelo dos teus pés.
por muitos», tinha dito, então, Jesus.
j !I

:1
1 Os olhares de Maria perscrutavam o futuro quando
o salmista terminava o seu canto de júbilo e de acção
De Sião estende, Senhor,
O cetro do teu poder;
Domina como rei
!
de graças, mostrando que um e outro jamais teriam No meio dos teus inimigos.
fim, mas que haviam de repetir-se de geração em
geração. No dia do teu poderio
1 1

És rei no esplendor da Santidade,


Hão-de lembrar-se e converter-se Das minhas entranhas te engendrei
Todos os confins da terra; Antes da estrela da manhã.
Hão-de inclinar-se diante de ti e adorar-te
Todas as raças da gentilidade. O Senhor jurou,
Do Senhor é a realeza. E não se arrependerá:
É rei de todos os povos ; • Serás sacerdote eterno
Segundo a ordem de Mclquisedeque ".

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

O Senhor à tua dextra


O mesmo se d1·11, ··111 fl11111 11111ilo 111ms elevado
Derrota por si mesmo os reis ;
No dia da sua c6lera ainda, com Maria, a M;w d1 · .l1 ·11w1, r 1·1 ·011lwccndo que,
Chama as nações a juízo. também Ela, « tinha co11lr il11111 l11 ·
Que luz não a il11111i11111 i11 •w1111111· q1w advertisse,
No grande campo de batalha com clareza, nalguma p11.'P111i~1·111 dn hw1il11rn: «Isto
Esmaga as suas cabeças.
foi escrito a respe ito dl' 1111·11 I· rll111 1 .
Beberá da torrente
E erguerá a sua cabeça. A profecia a pn~ sl·11lav11 ~ "' 11!'."'" 11 1w11 t'.spirito,
como um episódio d;1 vid11 do · ,J, . 1,11 11. Tudo o que
1
1. tinha sido profeti zado a 1;o·u 11·11111 ·1!11 , li11l111 1-w cum-
1 Fazendo uso das palavras deste salmo, afirmou prido. Os acontec im c nl.o~ 11 i·.t ·· " 11111111111 1w n ·1 1lizado
'
Jesus soleneme nte ao sacerdote que o condenava: dum modo triste, e os glori11,. ;11•1 d1111111 111 111wirn 11111ilo
« Vereis o Filho do Homem sentado à direita de Deus! » mais gloriosa do que 11i11i!•11'·111 11·1111 1•11dido supor.
Isto cumpriu-se na Ascensão. Agora compreendia Mas a sua alma nao 1•111 ·011111111 d1 ·1w11w111 tll'd1'.Íl.o
também a Virgem o que significavam estas outras no conhecimento da vilúria d1· .J ... 111·1, 11 hll111 d1· l>l'lls.
palavras: «Tu és sacerdote eterno segundo a ordem Desejava ardentemente co11k111pl11 lo 1111 mrn ~!lc'lri11, ú
de Melquisedeque ! » Recordava a última ce ia em que direita do Pai, para ond(, li11lia ido .
Jesus tinha tomado, como outrora Melquisedeque, nas
suas santas mãos o pão e o vinho, e instituiu um novo
sacrifício que jamais terá fim.
S. João diz que a entrada de Jesus em Jerusalém
foi o cumprimento da profecia de Zacarias: « Não
temas, filha de Sião! Olha o teu Rei, qu e vem montado
num jumentinho! » e observa que os discípulos não o / ~ . f.
entenderam por e ntão. Mas quando Jesus foi glorifí- l1
cado, recordaram-se que isto estava escrito a seu
respeito e que eles para isso « tinham contribuído ».
Com respeito aos Apóstolos, fica expressamente con-
firmado que, depois da Ascenção de Jesus , os textos
da Escritura começavam a iluminar-lhes o espírito e a
revelar-se-lhes nas suas relações com a vida de Jesus.

514 515

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/ III

O trânsito de Maria

vida de Maria desenrolou-se num


círculo luminoso de irradiação que
se foi dilatando continuamente.
A princípio era apenas a Mãe de
Jesus que não vivia senão para o
seu Filho e ficava, portanto, isolada
dos outros homens ; depois era já a Mãe do Messias,
vivendo entre Ele e os parentes incrédulos; mais tarde
a Mãe do Redentor que permaneceu ao pé da cruz e
que, depois da morte, salvaguardou a fé no seio da
Igreja nascente; por último, Mãe do Senhor que reuniu
à volta de si esta mesma Igreja.
Embora o círculo que a rodeava se fosse alar-
gando cada vez mais, contudo, ficou sendo sempre a 1

Mulher e a Mãe. Mas nem por isso devemos supor que


se imiscuia, de modo algum, nos negócios da Igreja
que se ia formando. A sua vida, consagrada a Jesus e
à sua obra, o interesse pelos trabalhos e sofrimentos a
que se sujeitavam os discípulos por amor do seu Filho,
a sua oração no meio deles, a sua fé no Reino de
'
1
517
1.

1
1

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1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS
~~-· -=··~ -~~-- ~~ ,,.,- ., ..... ·-~~"'·-"'~ ·~"'"'

j Deus, eis o que Ela dava, de todo o coração, à Igreja dos Apóstolos são ~..QQ~~_ç:j_i.!1~!!.~ em que Ela tomou
parte muito íntima.
' nascente.
Acrescente-se a isto que, para os Apóstolos, era Jerusalém, diante da qual Jesus tinha sido cruci-
uma grande consolação viver na companhia de Maria, ficado, ficou sendo provisóriamente o ponto central
Até certo ponto, era uma substituição da presença de para todos os fieis. Da vida del es, neste tempo, diz
Jesus, porque Maria não era simplesmente sua Mãe S. Lucas: <Perseveravam na doutrina dos Apóstolos
carnal, mas também a que, durante toda a sua vida, e na comum fracção do pão e na oração»,
tinha conhecido o mistério dos mistérios - a Incarna- Todos estavam cheios de temor. Eram também
ção do Filho de Deus; ou seja que, olhando para o muitos os prodígios e milagres qu e operavam os Após-
passado, tinha conhecido « tudo » . A fé na filiação tolos em Jerusalém e, por isso, todos tinham medo.
divina de Jesus era o fundamento de todo o dogma. Todos os fieis viviam unidos e tudo disfrutavam em
A título de ilustração podíamos comparar as rela- comum. Vendiam os bens e dividiam o preço entre
ções actuais de Maria para com os Apóstolos às de todos, segundo as necessidades de cada um.
uma mãe com seus filhos, o mais velho dos quais Unidos pelo mesmo espíríto, visitavam diària-
tivesse dado a vida pela família. Os irmãos mais novos mente o Templo. Partiam o pão nas suas casas e
não teriam conhecido senão os últimos feitos do seu tomavam o seu alimento com alegria e simplicidade
magnânimo irmão. Sendo crianças, presencearam-nos, de coração. Louvavam a Deus e estavam em boas
mas não os compreenderam . .. A mãe, porém, conhece relações com o povo. E o Senhor aumentava cada
muito mais coisas. dia mais o número dos que se haviam de salvar por
li
1 Conheceu seu Filho desde menino. Tornou parte esta união i.
em todas as suas obras com a inteligência mais pene- A sala onde Jesus tinha cele brado a última ceia
trante e « conservou tudo em seu coração » sem de tinha-se tornado muito pequena para conter todos os
nada se esquecer. Agora reparte com os irmãos mais fieis. Porém o espírito que os animava a todos unia-os
i
novos o tesouro do seu coração. perfeitamente. Eram assíduos em celebrar, em comum,
i 1

Depois do Pentecostes não se encontra na Sagrada a fracção do pão e as horas da oração. Maria tomava
Escritura nada que se refira, directamente, à vida de parte nestas reuniões. Conforme o costume, estava
Maria. É que, na Igreja nascente, a sua vida confun- com as mulheres ; não obstante, Ela era o centro espi-
dia-se inteiramente com a obra de Jesus, seu Filho, ritual de tudo.
segundo a missão que do mesmo tinha recebido. Mas
na realidade, todos os sucessos relatados nos Actos 1 Act., u, 42-47 .
1
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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Como no tempo em que Jesus apareceu como E os povos maquinam quimeras?


taumaturgo, assim também agora, diante dos milagres Sublevam-se os reis da terra,
E conspiram entre si os príncipes
e prodígios dos Apóstolos, tinha o povo a impressão
Contra o Senhor e contra o seu Cristo!
de que a mão de Deus se manifestava neles. A união É certo que se mancomunaram, nesta cidade, contra o teu Santo
e a caridade dos fieis conquistava os corações do servo Jesus, que tu ungiste, Herodes e Pilatos com os gen-
povo simples que via tanta desunião e tanto ódio no tios e tríbus de Israel para executarem o que o teu poder
proceder dos outros. Contudo, os governantes da e vontade determinaram se fizesse. Mas agora, Senhor, con-
sidera as suas ameaças e dá a teus servos valor para anun-
cidade, os mesmos que pouco antes tinham pregado a
ciarem com desassombro a tua palavra. Estende a tua mão
Cristo na cruz, procuravam destruir a fé no Messias. para curar e operar milagres e prodlgios em nome do teu
João, o tutor de Maria, foi preso e levado com Pedro santo servo Jesus.

.j ao Grande Conselho .
Como Jesus, seu mestre, tiveram que comparecer No meio dum abalo, vindo debaixo, desencadeou-se
~ no tribunal de Anaz e Caifaz. Queriam arrancar-lhes outra onda do céu. Renovou-se o milagre do Pentecos-
o compromisso de não mais pregarem nem ensinarem tes: a terra tremeu e todos foram, de novo, cheios do
em nome de Jesus. Resposta: «Julgai vós mesmos: Espírito Santo.
a quem é justo que obedeçamos ; a vós ou a Deus? Entre os fieis que, confiados na vitória, enfrenta-
Nós não podemos calar o que vimos e ouvimos». vam as perseguições, encontrava-se também Maria.
Por isto o Conselho ameaçou-os com duros castigos Que grande alegria a sua ao ver de novo a João e ao
se continuassem a pregar em nome de Jesus; e man- saudar a Pedro !
daram-nos embora. De ambos saía como que uma irradiação do Espí-
Quando, depois disto, Pedro e João se reuniram rito de Jesus.
de novo com os fieis e lhes contaram o que se tinha Logo que o número dos fieis cresceu, os Apóstolos
passado, a assembleia prorrompeu em estrondosas confiaram o encargo de distribuir as esmolas a sete
aclamações. Não era aos Apóstolos que se referiam, homens por eles escolhidos. Entre estes destacava-se,
mas elevando a voz, fizeram a Deus esta oração : singularmente, Estêvão que foi o primeiro mártir de
Cristo. Foi morto às pedradas, como blasfemo. A per-
Senhor!
seguição continuou furiosa depois da sua morte. Os
Tu criaste o céu e a terra, o mar e tudo o que há neles.
Foste tu que falaste pelo Espírito Santo, pela boca de nosso pai fieis deixaram, então, a cidade de Jerusalém. Só os
David, teu servo : Apóstolos continuaram ali e, com eles, provàvelmente
Porque se alvorotam os gentios ? Maria.

t'.;.:jf~__.2.~.-n-.'!-<.-'_. .:, _.,-w.,• l>.:,~~"i':", . :l:-.''iõll'="<'.'~·' "~"''l' "•~--.!•·.· i.--.<k.'"-l> ."P'if•">.' "d''""T"';~r-"l~i..~.•:1~~~h:. . . .,"l'.!.!:>"~ "11:"ir.,.!lfZ'.E;J.~-ti-:>,'l ,'of;'. -"'!'l"' S-'.Yr.'J•;=o:;o:•·.1~
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MARIA, MÃE DE JESUS

Entre os perseguidores dos Apóstolos distinguia-se,


particularmente, um fariseu, oriundo da Ásia Menor,
chamado Saulo.
Mas a perseguição só contribuía para atrair a
Cristo novos prosélitos. Os fieis que tinham fugido da
cidade, anunciaram a boa nova na Samaria, e os
Samaritanos convertiam-se aos grupos.
Jesus tinha confiado sua Mãe a S. João. Mas ele
não viu neste encargo nenhuma cadeia que paralisasse
o seu ministério apostólico. Foi com Pedro à Samaria
para administrar aos fieis a confirmação. Os que opi-
nam ter Maria morrido pouco tempo depois do Pen-
tecostes, poderão invocar esta viagem de João como
indício de Ela ter já morrido.
Mas a dificuldade está precisamente em determi-
nar qual foi o último sucesso da sua vida.
Poderíamos responder a essa dúvida se soubésse-
mos o tempo em que Ela deixou este mundo. Sem isso,
é impossível sair do campo das hipóteses. Se se con-
sideram os sofrimentos por que passou por ocasião
da morte de seu Filho, é de presumir que, segundo a
providência ordinária, não pôde viver muito tempo,
1: sem um auxílio especial.
1

'1
DESCRIÇAO DA GRAVURA
1'
1'
1 Entrada para o sepulcro de Maria. A igreja está a grande profun-
didade, e desce-se a ela por uma longa escadaria.
A sua ornamentação é da época das Cruzadas. A direita., no
lugar mais profundo, venera-se o sepulcro da Mãe de Jesus.

: 1

! 1
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MARIA, MÃE DE JESUS '--------------"~""'"
j

Os sofrimentos mi11avam-11a como a qualquer outra


pessoa. E como tinha experimentado as dores do
corpo, e as da alma com mais inh~nsidadc que nin-
guém, os seus efeitos deviam reflectir-sc n'Ela com
singular violência.
Quantas angústias íntimas, quantas dores pungen-
tes não teve Ela de suportar por amor de Jesus ? !
E como sofria agora de novo, Ela, já habitunda
ao sofrimento, por causa das perseguições movidas
contra os seguidores do Evangelho e fieis discípulos
do seu Filho !
A estes sofrimentos ajuntava-s e outro que os supe-
rava a todos: o desejo irresistível de se ir reunir a
Jesus.
Durante a sua vida na terra disse uma vez o Mes-
tre a seus discípulos: <1: Tempo virá em que desejareis
ver um só dia do Filho do Homem, mas não o vereis!»
Por estas palavras avisava o S enhor aos seus dis-
cípulos que sofreriam, suspirando com ardente sau-
dade pelos dias em que tinham vivido em sua com-
panhia, mas em vão tentariam ver entre eles a Jesus,
o Filho de Deus, um só dia. Dias destes alvoreceram
também para Maria, depois da Ascensão de Jesus e,
para esta, em maior proporção que para os Apósto-
los : porque o seu desejo de o ver era incomparàvel-
mente maior.
Muitos julgam que Maria, em virtude dos seus
1'
i 'il
direitos maternos, tinha sobre Jesus o mesmo domínio
de antes e que, por isso, todas as vezes que quisesse,
Ele lhe apareceria. Mas isto não passa de mera ilusão.
I' \,

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11 1:

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111 I" •
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Com mais sólido fundamento admitiremos a hipótese Para os que tinham seguido a Jesus durante a
contrária : que, depois da sua Ascensão, Jesus não sua vida, e foram testemunhas da sua Ressurreição e
voltou a aparecer-lhe. Ascensão, a separação d'Ele só se consumou quando
Não obstante, o amor que Maria consagrava a sua Mãe deixou este mundo.
seu Filho aumentava, mesmo então, e aumentava cada Assim como os membros duma família, que assis-
vez mais. Crescia sem interrupção, ainda que, cada f' tem a um parente moribundo, enviam saudades para
dia, parecia ter atingido o seu auge. os que os precederam na morte, assim se deu tam-
Esse amor inflamava-a em ânsias de ver seu Filho. bém, por uma forma que jamais se repetirá, quando
Ela que noutro tempo tinha, como ninguém, suspirado 1 Maria se preparava para ir juntar-se a seu Filho.
pelo Redentor, como ninguém suspirava agora por se A alegria inundava o coração dos Apóslolos porque,
reunir no Céu com Ele. E como outrora os seus ane- depois duma vida cheia de generosidade para com o
los tinham comovido o Filho de Deus, atraindo-o à Filho de Deus humanado, era concedido à Mãe poder
terra, assim agora a sua ansiedade influiu para que contemplá-lo na glória que tinha recebido do Pai.
Jesus se determinasse a levá-la para junto de si. A dor misturava-se com a alc~ria, porque não
E como antes se unira a Ela, como Filho do podiam deixar a terra com Ela, acompanhú-la ao Céu
Homem, tendo morado corporalmente em seu seio, e ser testemunhas da hora em que ,Jesus e Maria vol-
não era congruente que Ela, como os outros mortais, veram a encontrar-se no Reino do Pai.
houvesse de esperar até ao dia do juízo a ressurrei-
ção do corpo. Antes, logo a seguir à sua morte, con- \
vinha fosse recebida no Céu em corpo e alma. / \ MARIA ENCONTRA-SE COM JESUS NO CÉU
Mãe e Filho deviam unir-se na glória do mesmo
modo que nos sofrimentos, como verdadeiros membros Que expansão de alegria, de júbilo, de bem-aven-
da Humanidade. Só isto satisfaria, completamente, o turança para Maria, logo que tornou a ver a Jesus no
desejo ardente que inflamava a alma de Maria. Céu, contempland'o -o não só com o espírito mas com
Segundo a tradição da Igreja, Maria, depois da o seu corpo glorificado, ascendendo até Ele, brilhando
'' sua morte, foi recebida no Céu em corpo glorificado. como um sol, com todo o esplendor da sua graça !
Como o nascimento de Maria, da cheia de graça, Nada havia naquele corpo que se não tivesse
tinha trazido ao mundo o primeiro resplendor da posto, com a mais perfeita generosidade, ao serviço
Redenção, assim também, com a sua morte, se apagou de Jesus : Seu seio virginal que tinha trazido o Filho
o último reflexo da vida terrestre de Jesus. de Deus.
1

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

Suas mãos, que o tinham colocado no presep 10 , impeno se operavam mílagres e se expulsavam os
que lhe tinham dado a primeira bebida, que lhe demónios; quando, na cruz, orava pelos seus inimigos
tinham dado o primeiro alimento, que o tinham ampa- e se queixava do seu abandono.
r~do nos seus primeiros passos, quando menino, e que As palavras de Jesus tinham-se mudado, o tom
tinham estado sempre prontas para o ajudar ; que tinha-se modificado, mas uma coisa se conservava :
tinham moído o grão e cozido o pão, que tinham fiado, ~w 'i' Maria tinha recebido e guardado as palavras de seu
tecido e remendado, até que cresceu e ficou preparado Filho, quer tristes, quer alegres, solenes ou celestial-
para o sofrimento, que, na hora da Paixão, se tinham mente simples, como palavras do Filho de Deus incar-
cruzado com submissão e abandono à vontade de nado. Agora ouvia de novo a mesma voz, como a voz
1 Deus no auge da sua dor. do Filho de Deus glorificado.
Seus pés que tantos passos deram por amor de Com santo anelo, tinha Maria suspirado pela vinda
Jesus: para ir à fonte buscar a água que lhe acalmaria do Messias, logo que foi capaz de entender algo a
a sêde ; para ir à colina pedregosa buscar lenha, passos respeito da sua vinda. Este coração tinha-se oferecido,
sem conta que dão as mães no interior da casa ao com uma submissão absoluta, para vir a ser um cora-
serviço de seus filhos ; passos nas peregrinações ao ção maternal ao serviço de Jesus, logo que o anjo lhe
Santuário; passos dolorosos quando procurava seu trouxe a mensagem: «Darás à luz um filho, a quem
Filho em Jerusalém - e mais dolorosos ainda quando porás o nome de Jesus! » Preparada para tudo e sem
subiu a colina do Calvário. receio, ouviu também a profecia de Simeão: «A tua
Seus olhos saudaram a Jesus; os mesmos que, alma será atravessada por uma espada!» E daí em
cheios de alegria, o tinham contemplado, feito menino diante o seu coração vibrava, não para Ela, mas para
1
' no presépio ; os que o tinham visto crescer ; os que a Jesus e para todos os homens, cuja redenção o trou-
cada momento o seguiam em Nazaré e que não podiam xera ao mundo. Nem ele deixou de bater por Jesus e
encontrar descanso senão na sua vista. Agora podiam pelos seus, quando o Coração de J esus foi aberto no
descansar n'Ele eternamente! sacrifício da cruz.
Os seus ouvidos tinham percebido na voz de Jesus, Ela permaneceu firme e até consentiu que Ele
I• a voz do Filho de Deus, no tempo em que as suas fosse martirizado por amor dos homens, necessitados
1
palavras alternavam com o ranger da serra na madeira de redenção.
1 i fibrosa, quando Ele taxava aos fregueses o preço de Seu coração continuara a bater por Jesus, quando
11
'I qualquer obra executada ou a executar; a voz que Este descansava no sepulcro, quando subiu ao Céu e
11
ouvira quando Ele pregava e ensinava; quando a seu deixou aos fieis o encargo de esperar pelo Consolador.

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MARIA, MÃE DE JF.SUS·. MARIA, MÁF DF JFSI IS
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1

1
l E, depois da vinda do Consolador, esse coração exul-
tou de alegria e sofreu com a Igreja nascente.
Agora, no Céu, o amor do seu coração mergu-
lhou-se no amor do Coração de Jesus; um mar de
Havia ta11las coisas que .Jesus não tinha podido
revelar, neste mundo, a sua Miic !
Era, antes de tudo , o Filho Etnno do Pai, que
viera ao mundo por de termi111u;ão do Pai, lendo cum-
amor, num sem fim de mares de amor; e, neste amor, prido esse encargo sem ter dado conta a ninguém.
se confundiam o seu amor com o amor de seu Filho 1 t Deste modo - coisa estranha --- Jesus tivera que guar-
pelos homens, pelos quais tanto tinha sofrido Jesus, e dar silêncio e ocultar mais coisas, precisamente a
tanto suportara Maria pacientemente para se tornar Maria, porque estava mais próxima d'Ele, que a nin-
semelhante a seu Filho.
guém. Calar-se e m Nazaré, calar-se quando ficou no
Num relance de vista abarcou agora a Mãe o Templo, calar-se nos insucessos da sua vida pública e
posto do Filho como Redentor do mundo. Submergida
! na ciência divina de seu Filho, conheceu pormenori-
ainda calar-se no abandono da Paixão e morte!
Agora podia, enfim, revelar-lhe tudo e recom-
1 zadamente, como em conjunto, as relações de cada pensá-la pelo seu silêncio cheio de fé. Agora podia
homem em particular, e as de toda a humanidade, com deixá-la me rgulhar o seu olhar, do alto do Céu no
Jesus. Conhecia, com toda a clareza, a missão dos mistério do Reino , na vida misteriosa da Igreja. Agora
1 Apóstolos no Reino de Deus. Porém, com o mesmo devia estar Ela mais próxima do seu trono na recom-
:.1 carinho maternal, olhava para o agricultor ou para o pensa do seu amor maternal para com Ele e para com
,[
aguadeiro em cuja alma se agita um suave desejo de todos os homens redimidos, corno também foi a que, na
conhecer alguma coisa da doutrina de Jesus. Não terra, esteve mais próximo da cruz, durante o sacrifício
'I podia ser doutro modo : o seu amor a Jesus inun- do Gólgota. Assim como ali participou dos sofrimentos
dava, com sua assistência maternal, todas as criatu- de seu Filho, tanto quanto uma criatura pode partilhar
1
ras capazes de conhecer e de amar o seu Filho.
do sacrifício do Filho de Deus, assim agora devia ter
O encontro com sua Mãe significava também, parte na distribuição das graças aos filhos de Deus na
!1 para Jesus, a consumação da felicidade. As suas rela-
terra ; pois o seu direito materno de intercessora e
> ções com Ela eram as de um filho com sua mãe.
Somente o ver-se no estado glorioso, não só ver um
espírito a outro espírito, mas um corpo glorioso a outro
medianeira era tão grande quanto o que se pode con-
ceder a uma simples criatura.
A maternidade que Jesus lhe confiara do alto da
corpo glorioso era, neste caso, um encontro perfeito.
:I cruz, tinha agora , com a assunção aos Céus, o seu
Neste sentido, a Assunção de Maria ao Céu foi preci-
I; complemento e coroação.
samente a coroação da Ascensão de Jesus.
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IV

As últimas alusões
bíblicas
e as pr1me1ras alusões cristãs
1
a Maria, Mãe do Redentor
li
1[i
} '\' PARECEU, entao, no céu um grande portento : uma mulher
!\ vestida de sol, a lua debaixo dos seus pés e uma coroa
de doze estrelas sobre a sua cabeça. Estava grávida e cla-
mava com as angústias e as dores do parto.
E viu-se no céu outro portento: um grande dragão ver-
melho com sete cabeças e dez cornos e sobre as cabeças tinha
sete diademas; a sua cauda arrastava a terça parte das estrelas
do céu e as precipitou na terra.
O dragao pôs-se em frente <la mulher que estava para dar

à luz para devorar a criança logo que ela nascesse. E deu à luz
um filho varao que havia de reger todas as gentes com vara de
11
ferro; e o seu filho foi arrebatado para Deus e para o seu trono,
1
1 e a mulher fugiu para o deserto, onde tinha um retiro que Deus
' lhe tinha preparado, para al a sustentarem durante mil e duzen-
tos e sessenta dias.
Houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos
pelejavam contra o dragão, e o dragão com seus anjos pelejava
contra ele; porém estes não prevaleceram, e o seu lugar não se
achou mais no céu. E foi precipitado aquele grande dragão,
aquela antiga serpente, que se chama o dem6nio e satanaz que
seduz todo o mundo ; e foi precipitado na terra e foram preci-

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MARIA, MÃE DE /ESUS
MARIA, MÃE DE JESUS "''~''"" "'°''"'-~···W·"~·'"~"•"°''"·"~"""'"W""""'""''°".,,-~'==·· ,1:

pitados com e le os seus anj os . E ou v i uma grande voz no céu ' !!


que dizia : Agora foi estabelecida a sa lvação e a força e o reino Nesta passagem fala-se àa mulher e da serpente, e j
do nosso Deus, e o poder do seu C rist o : porque foi p recipitado das suas respectivas descendências dum modo profé-
o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite tico. E como em S. João, também aqui se fala duma
diante do nosso Deus. Eles o venceram pelo m érito do sangue
luta da mulher e da sua descendência com a ser-
do Cor deiro, e pela palavra do se u testemunho, e desprezaram
as suas vidas até à morte. Por isso , Ó céus, alegrai-vos, e vós os pente e a descendência desta, em linguagem simbó-
que habitais nele 1_ lico-profética.
Ainda no tempo anterior ao nascimento de Jesus,
O que S. João aqui descreve é uma visão. Por quando os livros do Antigo Testamento se traduziram
isso, na interpretação das suas palavras temos que para grego, prevalecia a opinião de que naquela des-
atender, ainda mais que nas parábolas de Jesus, antes cendência se devia ver um homem determinado e
de tudo à ideia capital. Eis o que representa esta único. É o que se subentende, por exemplo, no diálogo
imagem : Uma mulher cheia de majestade é amea- de Justino, mártir, com Trifão. Justino e Trifão con-
çada por um dragão. Não é por ela que o dragão a cordam em que a passagem que se r efer e ao extermi-
ameaça, mas pelo filho que dela vai nascer. Mas não nador da serpente, designa o Messias. Toda a questão,
consegue devorar o menino; este continua a viver e, para eles, está em saber se a profecia se realizou ou
finalmente, Deus leva-o para o seu trono. não em Jesus. Justino queria desfazer as objecções
Quem é, pois, esta mulher? de Trífão contra o facto de os cristãos verem em
Nas primeiras páginas da Sagrada Escritura con- Jesus Cristo o descendente da mulher, « pelo qual
ta-se que Deus amaldiçoou a serpente qu e tinha sedu- Deus destruíu a serpente » e lívrou da morte aque-
zido as duas primeiras criaturas humanas, falando-lhes les que « se arrependeram de seus pecados e cre-
em linguagem profético-alegórica: « Porque fizeste r am n'Ele » .
isto serás maldita entre todos os animais e reptis As alusões que figuram nas descrições de S. João,
da terra. Andarás sobre o teu ventre e comerás o fazem-nos ver, por sua vez, que também as palavras
pó todos os dias da tua vida. Porei inimizades entre :referentes ao menino, ameaçado por satanaz, e ao
ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. qual não pôde aniquilar, se referem ao Redentor, que
1
• 1
1
1::
!; Esta te esmagará a cabeça ; e tu armarás insídias ao subiu aos céus. Porque, graças ao « sangue do Cor-
\ ' 1'
seu calcanhar ». deiro», os homens triunfam do terrível dragão, da
"1 li
~
antiga serpente que se chama demónio e satanaz. Mas
11 it·1
o sangue do Cordeiro é o sangue de Jesus Cristo que
t Apoc . , :m, 1 - 12 .
:, ii1 foi derramado na cruz pelos pecados do mundo.
,,'i
:
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533

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1

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MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS ~""""""~~~~~., ~·'e ·~=-=·~•==~~~='°"'""=l

Qual é, pois, a mulher que, revestida do sol, com verosímil é a opinião de que também a mulher que
a lua debaixo dos pés e com uma coroa de estrelas aparece aqui r epresenta a Maria.
na cabeça dá ao mundo, entre angústias e perigos, o João compôs a sua obra em idade avançada .
.filho que há-de matar o dragão? Antes disto tinha falado, durante uma geração inteira,
Esta mulher pode simbolizar, primeiramente, o da vida e da doutrina de Jesus. As recordações da
povo de Deus, aquela parte da humanidade que, no "':/ sua juventude conservava-as vivas em seu espírito.
'l
decorrer dos tempos, tinha vívido ou vivia aliada com l Valia, pois, a pena seguir aquelas particularidades
Deus; os fieis antes de Abraão ; os fieis de Israel e,
finalmente, os fieis da Igreja de Cristo.
Mas pode ver-se nesta mulher também e sobre-
i ,!
que ocupam lugar privilegiado, tanto nas suas relações
com Jesus, como no que escreveu d'Ele e das suas
obras. Deste número fazem parte, em primeiro lugar,
tudo a Maria, a Mãe de Jesus, que desempenhou um
papel especial na Incarnação e nascimento de Jesus:
~ a presença simultânea do «Cordeiro de Deus » e da
«mulher». Já o primeiro encontro de João com
Maria foí a eleita de Deus, antes de todos os eleitos , Jesus se dá sob este signo: «Eis o Cordeiro de Deus
rJ
que tira os pecados do mundo » ! Foi com estas pala-

'
a cheia de graça, entre todas as mulheres, a Mulher r~
11··

privilegiada como mulher. ! vras que o Baptista chamou a atenção de João, o


Do mesmo modo que, na visão de S. João, a ser-
pente, que ameaça a mãe, tenta devorar-lhe o menino
~ futuro apóstolo, para Jesus.
Alguns dias depois, em Caná, aconteceu que o

l
'

ao nascer, assim também o menino Deus corr eu o próprio Jesus se dirigiu a sua Mãe como a « mulher ,.
' e fez alusão a uma hora que havia de vir e que teria
maior dos perigos, apenas nascido, por causa de Hero- '
'

des. E assim como a mãe do destruidor da serpente para ambos uma importância decisiva.
ii
teve que se refugiar no deserto, assim também Maria li Este capítulo da vocação que forma, por si, um
protegeu o sen menino contra a perseguição de Hero- 1J
todo àparte, começa pela apresentação, que João
des fugindo com Ele pelo ca minho deserto do Egipto . Baptista faz a João o Apóstolo, de Jesus como o
1' ' !j·
A questão está em saber se a mulher representa «Cordeiro de Deus », e termina dando Jesus a sua

·l
I•
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primàriamente, a Maria e depois ao povo de Deus em Mãe o título de «mulher».
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~
1 '·'

geral, ou se primeiro simboliza o povo de Deus em A segunda vez que João parece relacionado na
1!11 I'

1: geral e secundàriamente a Maria. Mas, quanto mais ,.1


sua vida, assim como no seu Evangelho, com o «Cor-
1 1 i 1
deiro de Deus ,. e com a « mulher» é ao pé da cruz.
nos inclinamos a ver exclusivamente a Jesus na « des-
" 1
cendência da mulhe r,. de que fala a primeira profecia Jesus é então o «Cordeiro imolado », e torna a diri-
!I i do Redentor, e portanto a Maria na mulher, tanto mais gir-se a sua Mãe chamando-lhe « mulher ».
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1,11 http://www.obrascatolicas.com
MARIA, MÃE DE JESUS

A terceira vez que o « Cordeiro de Deus » e a


«mulher» aparecem a S . João, um em frente do
outro, é na visão do Apocalipse.
João escre'veu o seu Evangelho depois do Apo-
calipse. Poder-se-ia, pois, perguntar: não teria sido a
visão do Apocalipse, apresentando-lhe a mulher com
o menino, que influiu nele para a escolha e dispo-
sição dos assuntos no seu Evangelho? Se assim foi, a
r
t
reminiscência da mulher apocalíptica ter-lhe-ia servido
il
jli!!
D E S C R 1 Ç A O D .~ S G R A V ll R A S
'

Esta grav ura existe num baixo relevo d um vaso encontrado nas Maria e a lgrcj a
catacum ba.s de Santa Inês.
Maria tem as m ãos muito estendidas, mas não leva ntadas, entre
S. Ped r o e S. Paulo, príncipes d os Ap6stolos.
E m cima estão dois rolos de p ergaminho. A s figu ras que estão
de um e de outro lad o têm escrito, ao · compr ido, os nomes " Pedro "
e " Paulo ". Por cima de tudo o nome de " Maria '·'.
O facto de estar co locada entre 0s príncipes dos Ap6stolos dá
a en t ender que se representa como Mãe da Igreja.
Os pergaminhos são uma alusão à Sagrada Escritura.

O vaso que apresenta esta gravura está na biblioteca do Vaticano.


Maria tem à volta da cabeça um d iadema ou auréola de Santa.
Tem as mãos estendidas e levantadas, na atitude de quem está a orar.
Tem de cada lado uma árvore e, sobre cad a lima, uma pomba que
significam que também na mansão da paz, no parníso, M aria ora.
Na parte superior está gravado o nome de " Maria " para certi-
licar que é Maria a pessoa aqu i representada.
Estas figuras mostram que, já n a primitiva Igre ja, tinha Maria
um lugar especia l n o Rein o de Deus.
A intercessão de Maria

536
XXVll - 536

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MARIA, MÃE DE JESUS

[. para pôr em destaque dois acontecimentos da vida de


Jesus em que este dá a sua Mãe o tratamento de
«mulher» : nas bodas de Caná e na cruz.
il
1 ! 1
O confronto destas passagens leva-nos a pensar
que S. João viu prímàriamente representada Maria na

i
1 1 ',
mulher do Apocalipse. Deste modo, a primeira imagem

1
il da Redenção qu e a Escritura apres enta no seu primeiro
livro profético - a Mãe e o Filho - é também a que
;jl aparece no último ao lançarmos uma vista retros-
pectiva à obra da Redenção.
1
As palavras e testemunhos do discípulo a quem
Jesus amou com amor de predílecção durante a sua
11 vida na terra, e que era a única testemunha sobrevi-
.id
l 1
1

·'I
1
vente da vida de Jesus, pois todos os outros Apósto-
los tinham sido já martirizados, foram recebidas pelos
f fieis como um precioso tesouro e espalhadas por toda
1

a parte. Provam-no, por exemplo, as descobertas de


I'
1935. Na geração seguinte à composição do Evangelho
l!i j·!
já havia no Egipto cópias do mesmo.
1:,, Os louvores tecidos a Maria por S. João, como
1(1
, ,,
!11·
1' Mãe de Jesus, não deixaram mais de se ouvir em toda
11
a terra. As vozes que se ergueram na Ásia, África ou
na Europa, são unânimes em glorificar a Maria como
a mulher que, voluntàriamente, foi Mãe de J es us, o
Filho de Deus.
Os discípulos de S. João foram os primeiros a
manifestar aos outros o que este lhes tinha ensinado.
Santo Inácio de Antioquia, falecido em 117, e que
tinha sido discípulo de S. João, dá à Mãe de Deus os
títulos honoríficos que haviam de constituir para sem-

537

·'1.I
, I'
.1

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! .~
MARIA, MÃE DE JESUS MARIA, MÃE DE JESUS

pre o fundamento do culto prestado a Maria. Quando virgem, tornando-se assim a causa da morte de todo
nas suas cartas fala de Jesus Cristo como Filho de
0 género humano. Maria permaneceu virgem du1:·ante
Deus feito homem, faz referência a Maria como filha todo 0 tempo que esteve desposada com seu mando e
de David. Diz que foi concebido, ao mesmo tempo, do d este modo, exercitando-se na obediência, foi causa
sangue de David e do Espírito Santo; chama-lhe Filho de salvação para si e para todo o género humano.
de Maria, nascido dela que era virgem. f
1 Deste modo, o nó feito pela desobediência de Eva foi
desfeito pela obediência de Maria ».
A geração seguinte recebeu dos discípulos esta fé
e, com ela, o culto de Maria. Na África, Tertuliano levanta a voz para glorificar
S. Justino, que viveu desde o ano 120 a 185 e a maternidade de Maria. Diz assim; «Deus restituiu
veio da Ásia à Europa, escrevia, aí pelo ano de 150: aos homens a sua imagem e semelhança, do mesmo
« Sabemos que Jesus Cristo procedia do Pai antes de modo que o demónio lha tinha arrebatado. À palavra
existir a primeira criatura e que, depois, se fez homem que engendrou a morte deu Eva ouvidos sendo ~inda
nascendo duma virgem. Assim como pela desobediên- virgem. Por isso, a palavra de Deus, que havia de
cia entrou o pecado no mundo, assim pela obediência criar nova vida, devia ser recebida por uma virgem.
veio a redenção. Eva, ainda virgem, deu crédito à ser- Só assim podiam os homens voltar ao caminho da
pente, tendo, deste modo, engendrado a desobediência salvação pela mulher, assim como por ela tinham ido
e a morte. A Virgem Maria aceitou com fé jubilosa a à perdição. E va acreditou na serpente ; Maria no anjo
alegre mensagem do Anjo a anunciar-lhe que o Espí- Gabriel. A falta que Eva cometeu pela sua credulidade ,
rito do Senhor desceria sobre Ela e a virtude do reparou-a Maria pela sua fé ».
Altíssimo a cobriria com a sua sombra e que, desb
modo, o Santo que d'Ela havia de nascer seria o Filho Estas três testemunhas - lreneu, Justino e Tertu-
de Deus. Ao que Ela, respondeu: «Faça-se em mim liano, viram em Maria, assim como João, a mulher
segundo a tua palavra ». que se contrapõe a Eva. Para eles, o fundamento da
Ireneu, discípulo de Policarpo e, por este, de João grandeza de Maria está em ter aceitado, consciente e
e que estava relacionado com os fieis da Ásia Menor, livremente, ser Mãe do Redentor.
do mesmo modo qu e com os da Europa, coloca Maria
i:
diante da primeira Mãe do género humano e, fazendo Maria passou também à ídealogia e à vida reli-
o confronto das duas, diz: «Eva pecou contra a obe- giosa dos povos como a mulher excelsa : « Nossa
diência, tendo já Adão por esposo, mas sendo ainda Senhora>, a mulher que é Mãe e Raínha ao mesmo

538 539

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JESUS
' 1

! iI ~ está acima de todos os outros na boca e no coração


'1 ~.· do povo simples.
r~
j Como a « Nossa Senhora » saudava também a Mãe
de Jesus, há quase mil anos, Germano o Tolhido, o
I',
1/1 • monge paciente da ilha de Reichenau. Esta saudação <f
i
li' converteu-se depois na saudação usual de todo o

!1
11[\!
l1

1
1
f
i
.' mundo a Maria; e, como o santo sacrifício da missa ,
percorre todo o mundo ao despontar do sol. l'

Encerremos também o nosso livro com esta


1:11
saudação: ,
Indices
1
SALVE RAINHA, MÃE DE MISERICÓRDIA,
"1
VIDA, DOÇURA E ESPERANÇA NOSSA.
SALVE!
A Vós BRADAMOS
OS DEGREDADOS FILHOS DE EVA ;
I· A Vós SUSPIRAMOS
GEMENDO E CHORANDO NESTE VALE DE LÁGRIMAS.
.\ :1 ·· 1!1.i'·ll EIA , POIS, ADVOGADA NOSSA,
'.I •I' 1
Jl1
1
ESSES VOSSOS OLHOS MISERICORDIOSOS A NÓS VOLVEI.
.' ' 1:1 1 E DEPOIS DESTE DESTERRO, NOS MOSTRAI JESUS,

\:'I: BENDITO FRUTO DO VOSSO VENTRE,

l'
l1
ó CLEMENTE, ó PIEDOSA, ó DOCE,
SEMPRE VIRGEM MARIA !
H
1'
\ ,

540

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1NDICE

PRóLoGo Do AuroR •.
IX
PRÓLOGO DO TRADUTOR
XIII

Vida de Maria até à Anunciação do Anjo

V1srA RETROSPECTIVA DA JUVENTUDE DE IViARIA À LUZ DA MENSAGEM


DO ANJO
3
I - A vida de Maria na graça
Infância e juventude de Maria ..
7
A soledade da « cheia de graça " II
Os votos em Israel
I7
Matrimónio, viuvez e virgindade em Israel 23
Maria Virgem - Sua consagração a Deus 28
II - A vida de Maria na sociedade religiosa
Ascendência de Maria
33
Maria como filha da Casa de David
39
Os « dias do Salvador» na expectação do povo
43 ~
Ansias de Maria pela vinda do Salvador ~
46 '\
Maria no ambiente dos salmos ..
53
III - Vida de Maria no seio da Família
Os desposórios em Israel ..
59
Os desposórios de Maria com José .. 64

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N D C E S N D C E S

1: II IV
,1
1

Desde a Anuncia~ão até ao Nascimento de Je:su.s A vida oculta em Nazaré


1

I - A Anunciação PÁ G. J - Vestuário e vida d;is mulliercs . .


41
Maria, depois dos despos6rios com S. José .. 75 O pai e a mãe na fomHia
A mensagem do Anjo .. 79 Em casa e diante de casa ..
A resposta de Maria 86 Ao lado da Máe, oc upada na s li das da casa 20I
Maria, Mãe do Salvador 90
A visita a sua p1·ima Isabel II - Maria dirigindo o Menino para Deus ..
95
O dntico de Maria 99 As orações de cada dia ..
A humildade de Maria na sua eleiçáo io8 O dia de fest:i
A expectação de Maria e de Isabel 1 10 Humildade d e M aria nas suas rel ações com Jesus .. 232
O matrim6nio de S. José I I2 Revefo-se o mistério do M enino Jesus 2 34
A viagem a Belém .. I ::! t.J Jesus fica no templo .. 237
O nascimento de jesus .. I'.! 5 O Menino perdido e achado no templo 244
Ma ria de p ois da v olta da peregrinação da Páscoa .. 2 52
1
A vida de Nbria n o omb ien te dos salmos (durante a
III v ida oculta) .. 2 56

.1 A morte de S. José .. 263


Vida de Maria desde o nascimento de Jesus Jesus e Maria na intimidade.. 266
1
li até ao regresso a Nazaré O s sofrimentos futuros <le M aria aos olhos de Jesus 271

1 li III - Disposição intima de Maria


1
Adoraçáo dos pastores l 35
O Sacerd ócio eterno pro meti do p or Deus a jes us .. 2
77
' il 1: A circuncisão e a imposição do nome r 39
l
'
1
\1· 1
As leis sobre a a presentação do Menino e a purificação
~T
~
da Mãe r.-14
1 1
A Apresentação de Jesus no templo .. 149
'" ,'\J
; ·1 I A Mãe do Homem das Dores.. 1 56 Passagem da vi<!a oculta li vida pública de JeSll!s

1 \1 Os Magos do Oriente..
A fugida para o Egipto
A travessia do deserto ..
160
167
170
Rela<;óes mútuas da vida dos parontes de Jesus e Maria ..
Os parentes de Jesus em Nazaré
283
286
' 1
A permanência no Egipto .. 172 Jesus procura João Baptista n o Jordão. Regresso do Jor-
li O regresso a Nazaré 178 dão e viagem a Caná .. 2 93
11

11
544 35 545
1
1

li
,I

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"
1 111
·1. N D e E S N D C E S
·i 1

Pfo.
As bodas de Caná
1 Praxes referentes às bodas ..
A parição de Jesus e de seus discípulos nas bodas ..
VII
Maria sauda seu Filho pela primeira vez, como Messias Maria e o sacrifício de Jesus na cru1:
1 proclamado por João
O primeiro encontro de Jesus com sua Mãe depois de 1 -- A caminho de Jerusalém PÁG.
proclamado M essias ..
A súplica de M aria 3º9 Últimos vaticínios de Jesus sobre a Pai xfo .. 393
3u Preparação de Maria para a Paixão e M orte d e Jesus .. 396
Resposta de Jesus a sua Mãe ..
3I5 Maria no ambiente dos salmos - Desde as últimas pro-
O milag re ..
322 feci as de Jesus a respeito da sua Morte e o começo
Efeitos do milagre .. fi
326 da Paixáo 4°3 i"
Valor si mbólico do milagre ~

~
33°
II - A Paixão de Jesus
A Quinta-feira 4º9
VI A noite an terior à Sexta-feira Santa 41 3
Angústia de M aria naquela noite 4I6
Maria durante a vida pública de Jesus O caminho do Calvário e a crucifixão .. 4I8
A oração de Jesus por seus inimigos 422
I - Maria durante as viagens apostólic'1s de Jesus
343
A inscrição 4 25
A Mãe .. A distribuição dos vestidos 428
348 O escárneo
Hostilidade dos parentes .. 43°
355 Abandono de M aria durante o abandono de Jesus
Louvores à Mãe d e Jesus .. 433
361
A expulsão de Nazaré
364 III - Voca~ão de Maria para uma nova maternidade
Conselho d os parentes antes da festa dos Tabernác ulos ..
37° Maria aos pés da cru z 437
II - Progresso de Maria na Fé Significado da assistência materna prestada a Jesus e '1
Teve Maria revelações par ticulares ? .. sua obra .. 44 2
375 Investidura de Maria numa nova maternidade ..
Maria, discíp ula de Jesus - A revelação do Mistéri o da 447
Trindade .. As palav ras de Jesus segundo S. João .. 453
Maria e o mistério da geração eterna de Jesus ..
IV - Jesus no sepulcro
A fé de Maria duramente provada ..
A vida íntima de Maria relacionada com a realeza de Jesus M aria depositária da fé na Ressurrei ção - A morte de
prometida por Deus - O seu reino não terá hm .. Jesus ..
O pranto fúnebre ..
Preparativos para o enterro
Descimen to da cruz e sepultura de Jesus ..

546

547

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1
N D e E s
''1

Mat·ia na Igreja nascente


Pfo .
I- A caminho da Rcssurrdç;fo
479 ~~}'
ÍNDICE DAS GRAVUR AS
Da Páscoa à Ascensão
A Ascensão 484
487 ~
'1
.
II - Maria e a revelação do Espírito Santo ~i Pfo. t.
r;:~ ~
MADONNINA
O Pentecostes ..
495
.I - Vista de Nazaré, na direcçáo do mar ..
"498 ~
I2 t·
Test~munho de MJri,'. so bre -~ d;·vin.dad~ de Jesus .. II - x) Descida das alturas de Nazaré para a p lanície
f'
50 I ~ Vi
Mana no amb;ente dos SJlmos - D epois da Ressurrei- !i do Esdrelão. - 2) Vista da descida das altu- 11
ção de Jesus .. .. .. .. ..
III - O trânsito de Mada ..
5°9
il
i,•!
III -
ras de Nazaré tirada da planície do Esdrelão ..
Meninas em oraçáo 48
24
~
5 7
1 li IV - 1) Entrada na pousada. - 2) Pousada com arcadas 122
Maria encontra-se coei Jesus no Céu r:"
IV -- As últimos alusões bíblicas e as primeiras alusões cristãs a
525
~
V -
VI -
Acesso a uma gruta habitada, junto a Belém ..
Vista p<ucial de Belém com a igreja do Nascimento
130
146
1
~)
1!
x) Presépio oriental com forragem. - 2) Menino fl
Maria, Mãe <!e Jesus .. ~ VII -
53' ~1 num presépio .. [*
íl
1
54

l
VIII - r) Mãe com seu filho, em viagem, sobre um ju-
~
1;
mento. - 2) Entre o deserto e o mar 164
(1 IX - I) Mulheres co m véus. - 2) Mulheres transpor- ~
~
~
(1 X -
tando combustível
Interio r de uma casa oriental
176
190 ~
~
~
XI - x) Mulheres cozinhando. - 2) Fornos em forma f
de cabana junto à aldeia de Endor 202 t;
~~
XII - Naím : Agrnpamento típico de casas 210 1.:

X III -
XIV -

XV -
Preparando o pão ..
r) Duas mulheres com moínho de mão. - 2) Ti-
rando as pedras que no forno aderiram ao pão
x) Bordando à mão. - 2) Mulher com o filho às
224

236 l
costas e o fuso na mão .. 242
XV I - Junto à Fonte de Nazaré .. 254
XVII - Formação de uma peregrinação para a festa de Nebi-
-Musa .. 274

548
549

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N D e E s

PÁG.
XVIII ·- Tertúlia de convidados num casamento : homens
dançando em roda
290
XIX- Pormenor do rio Jordão .. .. ..
XX - Aglomeração de gente diante de uma casa ..
3°4
328
XXI - Andar superior de uma casa do Oriente
398
XXII - O Cenáculo .. .. .. .. .. 4r2
XXIII - Uma rua de Jerusalém
422
XXIV -- Panorama de Jerusalém
434
XXV - Fachada do Santo Sepulcro
474
XXVI - T Úmulo da Virgem .. .. .. .. 52 2
XXVII - r) Maria e a Igreja. -- 2) A intercessão de Maria
5 .J~6
A EXECUÇf.-0 GR,i\FICA DESTA _ QJ:l~i\

NQY..?!113!SQ_
TERMINOU AQ~ ~_X_{Ç .DIAS_ DO __M_f:S P.? __
DO _ ANO DE MC_J\1.)fLYI

NA?. .QFICINA? DA
TIPOGRAFIAPQRTO MÉI)IÇO, LIMITARA
PRAÇ;\ !?A J3ATALHA, JkA-::::: PQF-TO .

550

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