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Comunicação e Produção Textual

Hugo Bulhões Cordeiro

Curso Técnico em Multimeios Didáticos


Educação a Distância
2019
EXPEDIENTE

Professor Autor
Hugo Bulhões Cordeiro

Design Instrucional
Deyvid Souza Nascimento
Maria de Fátima Duarte Angeiras
Renata Marques de Otero
Terezinha Mônica Sinício Beltrão

Revisão de Língua Portuguesa


Eliane Azevedo

Diagramação (2.ed. 2019)


Roberto de Freitas Morais Sobrinho

Catalogação e Normalização
Hugo Cavalcanti (Crb-4 2129)

Coordenação
Annara Perboire

Coordenação Executiva
George Bento Catunda

Coordenação Geral
Paulo Fernando de Vasconcelos Dutra

Conteúdo produzido para os Cursos Técnicos da Secretaria Executiva de Educação


Profissional de Pernambuco, em convênio com o Ministério da Educação
(Rede e-Tec Brasil).

Maio, 2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISDB

S586c
Braz, Marcia Ivo.
Comunicação e Produção Textual: Curso Técnico em Multimeios Didáticos: Educação a
distância / Hugo Bulhões Cordeiro. – 2.ed. – Recife: Escola Técnica Estadual Professor Antônio
Carlos Gomes da Costa, 2019.
81 p.: il.

Inclui referências bibliográficas.


Material produzido em maio de 2017 através de convênio com o Ministério da Educação
(Rede e-Tec Brasil) e a Secretaria de Educação de Pernambuco.

1. Educação a distância. 2. Contabilidade. 3. Balanço (Contabilidade). I. Título.

CDU – 657

Elaborado por Hugo Carlos Cavalcanti | CRB-4 2129


Sumário
Introdução .............................................................................................................................................. 9

1. Competência 1 | Compreender os Processos de Comunicação como Estratégia Essencial no Âmbito


Escolar. ................................................................................................................................................. 13

1.1. Linguagem e língua ................................................................................................................................. 14

1.1.1. Signo Linguístico ................................................................................................................................... 14

1.1.2. Tipos de linguagem .............................................................................................................................. 16

1.1.3. Texto e contexto .................................................................................................................................. 19

1.2. Considerações sobre o conceito de comunicação .................................................................................. 22

1.2.1. Teoria da comunicação ........................................................................................................................ 23

1.2.2. Elementos da comunicação ................................................................................................................. 23

1.2.3. Funções da linguagem.......................................................................................................................... 24

1.2.3.1. Função emotiva................................................................................................................................. 24

1.2.3.2. Função conativa ou apelativa ........................................................................................................... 25

1.2.3.3. Função poética .................................................................................................................................. 26

1.2.3.4. Função fática ..................................................................................................................................... 27

1.2.3.5. Função metalinguística ..................................................................................................................... 27

1.2.3.6. Função referencial ............................................................................................................................ 28

1.2.4. As limitações da teoria da comunicação para o ensino de língua portuguesa .................................... 29

2. Competência 02 | Apreender Noções Fundamentais sobre Estrutura e Conteúdo: Coesão,


Coerência, Clareza, Informatividade e Adequação. ............................................................................. 32

2.1. Textualidade e seus fatores .................................................................................................................... 34

2.2. Fatores de textualidade .......................................................................................................................... 34

2.2.1. Coesão .................................................................................................................................................. 35

2.2.1.1. Mecanismos de coesão ..................................................................................................................... 36

2.2.1.1.1. Referência ...................................................................................................................................... 36


2.2.1.1.1.1. Referência exofórica ................................................................................................................... 36

2.2.1.1.1.2. Referência endofórica ................................................................................................................. 37

2.2.1.1.2. Substituição.................................................................................................................................... 39

2.2.1.1.3 Elisão ............................................................................................................................................... 39

2.2.1.1.4. Conjunção/Conexão ....................................................................................................................... 39

2.2.1.1.4.1. Causalidade ................................................................................................................................. 40

2.2.1.1.4.2. Condicionalidade......................................................................................................................... 40

2.2.1.1.4.3. Finalidade .................................................................................................................................... 41

2.2.1.1.4.4. Alternância .................................................................................................................................. 41

2.2.1.1.4.5. Conformidade ............................................................................................................................. 42

2.2.1.1.4.6. Complementação ........................................................................................................................ 42

2.2.1.1.4.7. Delimitação ou Restrição ............................................................................................................ 43

2.2.1.1.4.8. Adição ......................................................................................................................................... 43

2.2.1.1.4.9. Justificação ou Explicação ........................................................................................................... 44

2.2.1.1.4.10. Conclusão .................................................................................................................................. 44

2.2.1.1.4.11. Oposição ................................................................................................................................... 45

2.2.1.1.4.12. Temporalidade .......................................................................................................................... 45

2.2.2. Coerência ............................................................................................................................................. 46

2.2.2.1. Tipos de coerência ............................................................................................................................ 48

2.2.3. Aceitabilidade ...................................................................................................................................... 49

2.2.4. Situcionalidade ..................................................................................................................................... 49

2.2.5. Informatividade.................................................................................................................................... 49

2.2.6. Intertextualidade ................................................................................................................................. 50

2.2.7. Intencionalidade .................................................................................................................................. 50

3. Competência 03 | Desenvolver Técnicas de Redação (Comunicação Escrita) e de Produção de


Textos de Diferentes Gêneros com Linguagem Dialógica. ................................................................... 51

3.1. Diferença entre gêneros e tipologias textuais ........................................................................................ 52


3.2. Estratégias de construção de textos de diferentes perspectivas tipológicas ......................................... 53

3.2.1. A narração ............................................................................................................................................ 53

3.2.1.1. Estratégias de construção de uma narrativa .................................................................................... 54

3.2.2. A dissertação ........................................................................................................................................ 56

3.2.2.1. Estratégias de construção de uma descrição .................................................................................... 56

3.2.2.2. Tipos de dissertação.......................................................................................................................... 56

3.3. Técnicas de redação para produção de textos ....................................................................................... 58

3.3.1. O conto ................................................................................................................................................. 58

3.3.1.1. Técnicas para a construção de um conto ......................................................................................... 61

3.3.2. O texto dissertativo-argumentativo..................................................................................................... 63

3.3.2.1. Técnicas para construção do texto dissertativo argumentativo....................................................... 63

3.3.2.2. Componentes de uma dissertação argumentativa para uma redação nota máxima ...................... 64

4. Competência 04 | Revisão e Reescrita Orientada dos Textos Produzidos. ..................................... 67

4.1. Processo de revisão e reescrita textual .................................................................................................. 67

4.2. A importância da seleção dos critérios avaliativos na revisão textual ................................................... 68

4.3. A correção diagnóstica e correção instrutiva e a reescrita na escola ..................................................... 69

4.4. Texto dissertativo-argumentativo: cinco competências do ENEM no processo de correção ................ 70

4.4.1. Competência I – Demonstrar domínio da norma culta da língua portuguesa .................................... 70

4.4.2. Competência II – Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas do
conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo
........................................................................................................................................................................ 71

4.4.3. Competência III – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e
argumentos em defesa de um ponto de vista ............................................................................................... 72

4.4.4. Competência IV – Demonstrar conhecimento dos mecanismos necessários para a construção da


argumentação ................................................................................................................................................ 73

4.4.5. Competência V – Elaborar proposta de solução para o problema abordado, respeitando os direitos
humanos ........................................................................................................................................................ 74
4.4.6 Correção comentada de texto dissertativo- argumentativo (ENEM) ................................................... 75

Conclusão ............................................................................................................................................. 79

Referências ........................................................................................................................................... 81
Introdução
Olá, querido estudante!

Seja muito bem-vindo à disciplina de Comunicação e Produção Textual.

Na primeira competência, relativa à compreensão dos processos de comunicação como


estratégia essencial no âmbito escolar, vamos debater os principais conceitos e aspectos da
linguagem como atividade constitutiva, sempre assumindo sua suficiência e complexidade na
tentativa de entender as interações humanas.

A partir dos conceitos de língua, linguagem e signo linguístico, você será convidado a
perceber como ocorre a relação de cada língua (seus falantes) com o mundo à sua volta, de forma
singular e motivada por necessidades específicas de cada comunidade de falantes. Será mostrado
que tudo que é constituído por linguagens possui um valor simbólico, que é constituído social e
historicamente.

Os tipos de linguagem, conceitos de texto e contexto serão trazidos ao debate a fim de


que você compreenda que, ao interagirmos com o nosso interlocutor, mobilizamos saberes que
relacionados aos conhecimentos linguísticos determinam a especificidades de cada modalidade de
linguagem. Também, serão discutidos os componentes da comunicação, conceitos e consequências
teóricas que foram se desenhando através de diversas teses e formas de encarar o ato comunicativo
e suas possibilidades. Você vai conhecer a Teoria da Comunicação pensada por Jakobson, o que toma
como elementos e funções da comunicação.

Em seguida, serão elencadas as limitações dessa teoria e, logo, apresentas concepções de


linguagem que passam a entendê-la como uma prática social humana, uma interação entre sujeitos
constituída de forma dialógica. Por fim, você será instigado a debater o ensino de língua portuguesa
a partir dessa perspectiva sociointeracionista, assim como, a tipos de conhecimentos que devem ser
ativados nos alunos nas aulas de língua portuguesa.

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Através da Competência 02, buscaremos o debate sobre o que realmente constitui um
texto, que fatores e elementos fazem parte dessa complexa forma de comunicação, presente em
todas nossas interações sociocomunicativas.

Partindo do pressuposto da textualidade, ou seja, da noção de que existe um conjunto de


elementos que fazem com que um texto seja considerado como tal, e não como um amontoado de
palavras e frases, desmistificar-se-ão conceitos sobre o tema. Baseado também em um corpus, o
conto Circuito Fechado, serão debatidos os fatores de textualidade, como coesão, coerência,
aceitabilidade intencionalidade, por exemplo.

Sobre coesão, serão detalhados os seus mecanismos, a partir de conceitos e exemplos


reais de uso da língua. Referência, substituição, elisão e conjunção/conexão serão demonstrados
como mecanismos coesivos possíveis através do repertório linguístico de qualquer falante de língua
portuguesa. Para manter a progressão textual, pronomes demonstrativos e pessoais podem
apresentar termos ou, propositalmente, antecipá-los, dependendo da intenção. Porém as referências
não estão apenas dentro do texto, podem ser contextuais e resgatadas a partir de motivações
inferenciais.

Quais conjunções operam e como operam nas relações sintático-semânticas entre termos
e orações, a fim de períodos bem conectados e, logicamente, coesos, serão elencadas
detalhadamente. Mas será que apenas existe coesão quando o texto possui elementos verbais
explícitos? Conjunções, por exemplo? Enfim, em uma perspectiva sociointeracionista, dialógica da
língua, você será convidado, durante todo material, a intervir pessoalmente sobre conceitos e textos,
podendo, ao final, registrar seu conhecimento e debater com seu professor e colegas de turma os
conhecimentos motivados.

A Competência 03, nos proporcionará trazer o debate da produção textual, não como algo
mecânico e por modelos totalmente prontos a seguir, mas através da perspectiva dialógica de
interação verbal. Acreditamos que estabelecemos relações interpessoais por meio da linguagem e
por meio de textos como produtos de práticas sociais orais ou escritas, naturais e espontâneas.

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Dentro dessa perspectiva, percebemos que os textos se materializam, efetivamente, mais
por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas
e estruturais. Não se pretende, nesse material, um manual artificial de produção com regras
estanques e completas por si só. Os atos comunicativos perpassam a escolha do tipo textual e do
gênero textual, já que não há como interagir linguisticamente fora dessa perspectiva. Assim, será
debatido que, antes de definir o gênero textual que desejamos produzir, deve estar clara a forma
como queremos dizer, como queremos agir: o tipo textual.

Durante todo o percurso didático do material, serão debatidos dois tipos textuais
diferentes: narrativo e dissertativo, pelo fato de serem mais comuns na produção textual do dia a dia
escolar. Estratégias, características, tipos e dicas serão demonstrados para que haja uma
sistematização do conteúdo, mesmo partindo do pressuposto que cada autor tem um estilo próprio
e específico. De infindos gêneros textuais que circulam na sociedade, escolhemos o conto e o texto
dissertativo-argumentativo para propor técnicas de produção textual.

Na quarta e última competência, relativa à revisão e reescrita orientada de textos escritos,


vamos debater, a fim de criar elementos para melhoria da sua produção textual, teorias sobre a
necessidade da “correção” textual, a partir de parâmetros bem definidos e conceitos relevantes para
esse fim.

Logo no início da discussão, você perceberá que no processo de escrita, de produção


textual, os sujeitos agem linguisticamente através de suas ideologias e visões de mundo. Ao escrever,
consolidamos um fenômeno social através de atos linguísticos bem planejados e definidos. No
entanto, vários processos e estratégias compõem a dimensão da redação de um texto, um deles é o
de reescrita. Numa prática de escrita e reescrita, o autor percebe o quanto seu texto pode ser
melhorado, e consequentemente, o indivíduo passa a refletir sobre os objetivos alcançados, sua
adequação vocabular, suas proposições e ideias, por exemplo.

Em seguida, a concepção de que a escrita é, antes de tudo, discursiva e espontânea será


trazida à tona (desmitificando a retrógrada perspectiva de artificialidade na produção) e, acima de

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tudo, de que há mecanismos de revisão e reescrita textuais. Em um texto, o discurso progride, vai
além dos aspectos apenas formais da adequação às normas gramaticais; ele é argumentação, é
discurso, é argumentação – em todas suas possibilidades.

No capítulo seguinte, será debatida de uma intervenção avaliativa através da revisão


diagnóstica e instrutiva, que busque a autonomia do sujeito da produção atrelada a uma contribuição
essencial do avaliador para as futuras reescritas. Por fim, serão descritos os critérios de avaliação para
o texto dissertativo-argumentativo, através de cinco competências básicas esperadas do produtor do
texto; assim como, será demonstrada uma avaliação comentada de um texto do gênero em questão.

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Competência 01

1. Competência 1 | Compreender os Processos de Comunicação como


Estratégia Essencial no Âmbito Escolar.
Antes de tudo, é imprescindível que afirmemos que ao homem é inerente interagir com
o outro, participar dialogicamente de um processo que se denominou durante muito tempo de
comunicação. Esse tema é relevante para que entendamos os mecanismos e funções desse campo
tão importante para as relações humanas hoje e sempre!

Primeiramente, o que diz o dicionário?

Comunicação (co.mu.ni.ca.ção) sf. 1. Conceito, capacidade, processo e técnicas


de transmitir e receber ideias, mensagens, com vistas à troca de informações,
instruções etc. [...] 2. Ação ou resultado de comunicar (-se), de transmitir
mensagens. [...] 3. A mensagem transmitida ou recebida, oral ou por escrito. [...]
4. O conjunto de conhecimentos, técnicas e procedimentos sobre essa recepção
de ideias, informações e mensagens, ministrado como disciplina. [...] 5.
Exposição oral ou escrita sobre determinado tema. 6. Capacidade de dialogar;
entendimento. 7. Ação de conversar; colóquio, conversação. 8. Aviso,
participação.
Dicionário Novíssimo Aulete (Dicionário Contemporâneo da Língua
Portuguesa). Editora Lexikon. 2011.

Será que agora, sim, você já definiu o que é comunicação?

Guarde esses conceitos por enquanto e vamos para uma discussão de algo que coopera
para o conceito de comunicação! Para instigar a curiosidade e o debate inicial, vejamos esse vídeo
introdutório:

O que é comunicação?
https://www.youtube.com/watch?v=xSI8LguRjT8

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Competência 01

1.1. Linguagem e língua

No dia a dia, no trato direto com a língua, deparamo-nos com diversas linguagens as quais
deverão ser lidas nas mais amplas possibilidades de interpretação. As linguagens são sistemas de
sinais empregados para que nos expressemos por meio da fala, da escrita, de imagens, da dança, da
mímica, de gestos, de sons, sinais etc. Nós utilizamos cada meio desse para provocar reação no outro,
buscando a interação – compreendermos e sermos compreendidos. Não é verdade?

Perceberam? Acabei de provocar um efeito de sentido a fim da aceitação do que acabei


de dizer! Há um uso contextual e social da linguagem que determina a interação dos interlocutores –
em suas relações com o mundo.

1.1.1. Signo Linguístico

As linguagens utilizadas pelos seres humanos, independente se através de palavras ou


não, pressupõem conhecimento, por parte de seus usuários, do valor simbólico dos seus signos. A cor
vermelha, nos semáforos de trânsito, possui um valor simbólico, que foi constituído socialmente, o
qual os habitantes de um espaço urbano devem conhecer: significa que não pode prosseguir adiante
enquanto não for acesa a cor verde – significando o oposto. Porém, há que haver um acordo entre os
falantes da língua para que essa significação, esse valor, seja possível aos usuários de uma mesma
linguagem para que aquilo que se deseja determinar através do signo faça referência e possua
significação efetiva.

Segundo Ferdinand Saussure (2006), pai da Linguística, mesmo que essa relação com os
signos seja arbitrária, como já foi dito, eles são acordados e aceitos socialmente. Vejamos esse quadro
explicativo:

O signo linguístico é uma unidade de significação que possui dupla face:


1. O significante (o suporte para uma ideia, isto é, a sequência de sons que se
combinam para formar palavras);
2. O significado (a própria ideia ou contexto intelectual).

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Competência 01

SIGNIFICANTE SUPORTE
SIGNO LINGUÍSTICO

SIGNIFICADO CONCEITO

Por exemplo,

A DUPLA FACE DO SIGNO LINGUÍSTICO

SIGNIFICANTE SIGNIFICADO

GATO (Português)

Котка (Búlgaro)

CHAT (Francês)

KISSA (Finlandês)

KOT (polonês)
Figura 1 – Gato
Fonte: https://encrypted-
tbn0.gstatic.com/images?q=tbn
:ANd9GcQrfICx85jdwu7-
1ISI5Phqo1MChDL4qHYu3JJUHf
b8rYAknhTM6w
Descrição: Gato malhado,
sentado, com as patas
encolhidas

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Competência 01

1.1.2. Tipos de linguagem

Como já foi dito anteriormente, usamos diversas formas de interação através do que
chamamos de linguagens. Se ocorrer através do código de uma língua, no nosso caso, a portuguesa,
iremos denominá-la de linguagem verbal; caso não, se por meio de outros meios, serão denominadas
de linguagem não verbal. Como assim? Mas esses meios são realmente constituídos como
linguagens? E podemos nos comunicar sem ser através das palavras?

Imagine, em situações reais de interação, as seguintes representações:

Figura 2 - Proibido uso de Bicicleta.


Fonte: http://placarsinalizacao.com.br/loja/images/R-12.png
Descrição: sinal de trânsito: proibindo o uso de bicicleta representado por uma bicicleta preta, com fundo branco,
circulada e cortada por uma faixa vermelha.

Figura 3 – Silêncio
Fonte: http://4.bp.blogspot.com/-
ihn1a6FSBS8/UU_PoWBZ7iI/AAAAAAAAAIs/pUDPk3TFqpQ/s1600/enfermeira+silencio.jpg
Descrição: enfermeira com o dedo indicador frente à boca, pedindo silêncio.

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Competência 01

Figura 4 –Cartão Vermelho


Fonte: https://3.bp.blogspot.com/-
zl_oxC7DlOc/VyaDLfpd94I/AAAAAAABCcU/gCBMwg8MYY88JIiXwK2Y3PH8HhdhX_BTwCLcB/s400/Cart%25C3%25A3o%2
BVermelho.jpg
Descrição: juiz de futebol com um apito na boca e um cartão vermelho na mão.

Figura 5 - Semáforo.
Fonte: https://static8.depositphotos.com/1013408/864/i/950/depositphotos _8643538-stock-photo-four-sided-traffic-
light-with.jpg
Descrição: semáforo de trânsito com as cores vermelha, amarela e verde.

Figura 6 - Mímico.
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/--fWHxVqg-yQ/TmYFnQUg4aI/AAAAAAAAAH8/fGE-
_dMDego/s1600/219805_43010.jpg
Descrição: artista expressivo fazendo mímica com as duas mãos, simulando uma tela.

Para concebermos sentido a esses símbolos e ações, os quais não foram decodificados
através de nenhuma palavra, traduzimos cada representação através de um conhecimento de mundo

17
Competência 01

apreendido no convívio social com outros sujeitos que partilham da mesma simbolização. Isso quer
dizer que mobilizamos saberes que não os relacionados aos conhecimentos linguísticos e, sim, a
especificidades de cada modalidade de linguagem.

A linguagem dos sinais de trânsito, por exemplo, como na figura 1, permite-nos ler que o
desenho de uma bicicleta dentro de um círculo de contornos vermelhos traçado por uma linha da
mesma cor significa que é proibido bicicletas num determinado local em que haja essa placa. Na figura
2, essa ação promovida por uma enfermeira é comumente conhecida como um pedido de silêncio no
ambiente hospitalar, sem a necessidade de palavras. Na seguinte, apenas conhecendo minimamente
a linguagem do esporte futebol, podemos reconhecer o ato da expulsão de um jogador, através da
apresentação visual de um cartão da cor vermelha.

Porém essas mesmas ações poderiam ser promovidas através de palavras (linguagem
verbal), do código linguístico, com efeitos de sentido semelhantes – impossível afirmar que de forma
igual, ou por meio de imagens/símbolos e de palavras (linguagem mista).

Figura 7 – Proibido Trânsito de Bicicleta.


Fonte:
https://static.wixstatic.com/media/19503e_74575d53491e4496a6f52e4adcf212dd.png/v1/fill/w_450,h_450,al_c,q_90/
file.jpg
Descrição: placa proibitiva de bicicleta, em português. Com os dizeres: ATENÇÃO. PROIBIDO TRÂNSITO DE BICICLETAS.

18
Competência 01

Figura 8 – Proibido Bicicleta na Garagem.


Fonte: http://www.souvistocom.br/loja/wp-content/uploads/2015/10/583-estacionamento-proibido-andar-de-
bicicleta-na-garagem3.jpg
Descrição: placa proibitiva de bicicleta, em português. Com os dizeres: PROIBIDO: ANDAR DE BICICLETA NA GARAGEM.

Figura 9 – No Bikes (Proibido Bicicletas).


Fonte: http://images.roadtrafficsigns.com/img/lg/K/No-Bikes-Sign-K-6737.gif
Descrição: placa proibitiva de bicicleta, em inglês. Com os dizeres: NO BIKES.

Figura 10 – Proibido Bicicleta


Fonte: https://werbesau.de/130-tm_thickbox_default/verbotsschild-fahrraeder-abstellen-verboten.jpg
Descrição: placa proibitiva de bicicleta, em alemão. Com os dizeres: FAHRRÄDER ABSTELLEN VERBOTEN!

1.1.3. Texto e contexto

Você, com certeza, já deve ter ouvido ou lido a palavra texto desde que começou a
estudar ou mesmo antes disso. Será que texto é algo que é escrito com muitas linhas, como muitos
pensam? Ou um conjunto de palavras aleatórias?

19
Competência 01

Realmente é difícil elaborar uma definição, pois é tão natural produzirmos textos, que
não são necessários conceitos para agir em língua através deles. Isso se justifica também porque no
ato da comunicação procuramos sempre nos fazer entender e sermos coerentes, através de qualquer
materialização de linguagens. Mas, teoricamente, o que é realmente um texto?

• Um texto verbal não é um conjunto de frases soltas. Pode ser apenas uma palavra ou um
conjunto de frases organizadas, ambos portadores de sentido;
• Um texto verbal é sempre delimitado e organizado, ou seja, tem início, meio e fim. Por
exemplo, em um texto escrito há os espaços em branco entre as palavras que “delimita”
o texto; já no texto oral, há o silêncio que marca essa entonação que faz a mesma função;
• Qualquer texto é sempre material, no entanto, não precisa ser verbal.

A cada situação comunicativa específica que você vive, que nós vivemos, há um ato
também singular de comunicação que chamamos de contexto. Quaisquer enunciados que não
partam de interlocutores definidos, espaços e tempo situados historicamente, que não se realize em
um ato significativo e dialógico, não se configura como texto. Dessa forma, não há efeito de sentido
que se configure, já que não há contexto que o valide. Porém, vale ressaltar que nem sempre ele é
resgatado facilmente, pois pode ser explícito, quando é expresso por palavras (o texto em que se
encontra a frase ou a frase em que se encontra a palavra), ou implícito, quando está embutido na
situação específica em que o texto é produzido.

Vejamos essa charge:

20
Competência 01

Figura 11 – Significação e Contexto


Fonte: http://www.nanihumor.com/2016/07/ricos-presos.html
Descrição: charge ambientada em uma sela de cadeia em que um preso comum conversa com um político (com um
charuto na boca).

As palavras “peixe” e “tubarão”, comumente utilizadas para nomear animais, assumem


significados distintos desse conceito. Isso ocorre e, você foi capaz de perceber isso, ao reconhecer as
ressignificações que essas palavras sofreram pela percepção do contexto da ação linguística expressa.
Você reconheceu os agentes da interação verbal, o homem “comum” e pobre, e o político rico e com
mais poderes que esse. Além disso, por conhecimento prévio, você foi capaz de resgatar dois
conhecimentos adquiridos: um da Biologia, adquirido na escola ou mesmo de forma empírica; outro,
da significação cultural e linguística das expressões.

Isso permitiu que você entendesse que a personagem pobre usou a palavra “peixe”
através da gíria, como vocativo; já o político por sua questão valorativa, já que o tubarão é mais forte
e, nesse contexto, conceberia a ele um status de superioridade. Além disso, dependendo do nível de
aproximação que você tenha com uma das leituras da expressão “peixe”, você poderia inferenciar,
por exemplo, o sentido de alguém que tem vantagens de qualquer grau, através de um “peixe”, ou
seja, alguém que tem poderes para exercê-las de maneira privilegiada.

Você chegou a esses níveis de leitura?

Analise até que ponto sua interpretação foi suficiente para compreender a situação
comunicativa da tirinha!

21
Competência 01

1.2. Considerações sobre o conceito de comunicação

Todos esses conceitos vistos até aqui são consequências teóricas que foram se
desenhando através de diversas teses e formas de encarar o ato comunicativo e suas possibilidades.
Vejamos, abaixo, a perspectiva dialógica e multimodal da comunicação, por José Angelo Giarsa:

O CORPO FALA – DEMAIS

Com Reich começamos a ampliar a noção de que o corpo fala tanto quanto a palavra. Na
verdade, sem este contexto, não-verbal, sem esta cara e gesto, sem este tom de voz, sem esta situação
e personagens, a frase não terá sentido – este sentido. A análise da comunicação verbal feita levando-
se em conta exclusivamente as palavras é tão inócua como estudar aerodinâmica na Lua – onde não
há atmosfera e não pode existir avião como nós o conhecemos.

O que dá sustentação, força e sentido aos pronunciamentos verbais é precisamente a cara,


o tom de voz, o gesto e a posição. Tudo isso entra em cena, isto é, numa situação. (...) De tal forma a
palavra engoliu a comunicação humana, que para a maior parte das pessoas ela é toda a
comunicação. Mas tanto a observação atenta das pessoas como o cuidadoso registro cinematográfico
das mesmas vão nos mostrando que qualquer diálogo envolve três conjuntos expressivos simultâneo
– quando menos.

Primeiro o que eu disse ou pensei – e que pode ser escrito. Depois o meu tom de voz e/ou
a música da frase, que é inteiramente outra coisa, a revelar o tempo inteiro minha disposição
emocional.

Quando tristes, com raiva, interessados ou ressentidos, nossa voz revela, o tempo todo,
os sentimentos que acreditamos secretos – ou que nem percebemos! Além da letra e da música da
palavra, temos a encenação ou a dança gestual – as caras, as poses e gestos que acompanham a
frase. Qualquer pronunciamento envolve todos esses elementos, e a alteração de qualquer um deles
altera o sentido do que pretendemos comunicar. Sabemos todos que é assim, mas arrastados pelo
sentido das palavras, quase nunca lembramos que é assim. Nem usamos – intencionalmente – o que

22
Competência 01

sabemos. (GAIARSA, José Ângelo. O que é corpo. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 14 – 25. Coleção
Primeiros Passos).

Wilhelm Reich (1897-1957), foi um psicólogo e psicanalista austríaco.

Inócuo: inocente, inofensiva, dispensável, desinteressante.


Aerodinâmica: estudo do ar e de outros gases em movimento.

No entanto, há teorias que embasaram as concepções de comunicação durante muito


tempo que, por tipos de investigação diferentes, deixaram de tratar sobre nuances importantes para
a consolidação de uma perspectiva sociointeracionista e dialógica da linguagem. Vejamos,
brevemente, esse percurso e suas limitações e avanços.

1.2.1. Teoria da comunicação

Buscando identificar elementos da situação comunicativa, em meados do século XX, o


linguista russo Roman Jakobson estudou, ampliou e reformulou um modelo da Teoria da
Comunicação. Sabe-se, todavia, que seu interesse principal era investigar as relações entre Linguística
e Literatura.

1.2.2. Elementos da comunicação

De acordo com esse modelo, em um ato comunicativo, uma pessoa (emissor) envia uma
mensagem a outra (receptor) de acordo com um código (conjunto de possibilidades de escolha e

23
Competência 01

combinação de signos). O emissor e o receptor partilhariam de um mesmo referente. A mensagem é


transmitida por um meio físico, o canal.

Figura 12 - Elementos da Comunicação.


Fonte: o autor
Descrição: esquema de Jakobson sobre os elementos da comunicação: EMISSOR. MENSAGEM. CANAL, CÓDIGO,
RECEPTOR E REFERENTE.

O vídeo a seguir, em relação a esse modelo que Jakobson propôs, pode mostrar o que foi
denominado de funções da linguagem. Vale a pena assistir!

Teoria da Comunicação
https://www.youtube.com/watch?v=0msSv6pco1o

1.2.3. Funções da linguagem

1.2.3.1. Função emotiva

De acordo com a Teoria da Comunicação, nessa função, enfatiza-se a linguagem do


emissor que expressa suas emoções, sentimentos, visões de mundo centradas na avaliação a partir
do “eu” e de seu mundo interior. Predomina nas cartas pessoais, na poesia confessional, ou nas
canções sentimentais, assim prevalece o uso da 1ª pessoa.

24
Competência 01

Temos como exemplo o seguinte poema Poética de Manuel Bandeira:

[...] Estou farto do lirismo comedido


Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações
de apreço ao sr. diretor. [...]

1.2.3.2. Função conativa ou apelativa

Nessa função, o objetivo da transmissão da mensagem é persuadir ou convencer o


receptor. Os textos publicitários, por exemplo, apresentam essa finalidade: influenciar o
comportamento do leitor e envolvê-lo com uma mensagem persuasiva – nem sempre de forma
imperativa. Vejamos as propagandas abaixo:

Figura 13 – Doril
Fonte: http://3.bp.blogspot.com/_AHLeUisAV-M/SutPEOQtXBI/AAAAAAAAAMI/KHXW0axZXfc/w1200-h630-p-k-no-
nu/doril011.jpg
Descrição: propaganda da DORIL. Com os dizeres: “TOMOU DORIL, A DOR SUMIU.”

25
Competência 01

Figura 14 – Activia
Fonte: https://s-media-cache-ak0.pinmg.com/236x/43/aa/6e/43aa6e4d308ee7ab9f44f542c4b47529.jpg
Descrição: propaganda da ACTIVIA. Com os dizeres: BOM QUANDO ENTRA, MELHOR QUANDO SAI.

1.2.3.3. Função poética

Quando a mensagem é elaborada de forma inovadora, utilizando combinações sonoras


ou rítmicas, jogos de imagem ou de ideias, a linguagem tem a função poética como mote - desenvolve
o sentido conotativo das palavras. A intenção também pode residir na intenção de construir a própria
mensagem através de uma maneira especial de arrumar as palavras, de suas combinações, motivadas
por questões subjetivas ou estéticas.

Figura 15 – Poema “Beba Coca Cola” de Décio Pignatari (1957)


Fonte: http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/galeria/detalhe.php?foto=291
Descrição: retângulo vermelho ao fundo com palavras brancas formadas por combinações diferentes das letras que
compõem a frase “Beba Coca Cola”.

26
Competência 01

1.2.3.4. Função fática

Essa função tem como foco o canal, ao testá-lo, a fim de um ato comunicativo eficaz. A
intenção é, também, iniciar um contato através de cumprimentos com uma abordagem coloquial –
mais objetiva e rápida. Como exemplo, podemos citar a música Sinal Fechado de Paulinho da Viola:

“Olá, como vai? / eu vou indo, e você, tudo bem? Tudo bem, eu vou indo, correndo /
pegar meu lugar no futuro. E você? [...]”

1.2.3.5. Função metalinguística

A principal característica da função metalinguística é o fato de a mensagem estar centrada


no próprio código. Para Roman Jackobson, “todo processo de aprendizado da linguagem,
particularmente a aquisição, pela criança, da língua materna, faz largo uso das operações
metalinguísticas”. Por exemplo, quando a criança está na fase de aprender sobre os conceitos
linguísticos, o tempo todo ela faz perguntas sobre o próprio código, buscando assim o seu
entendimento.

Figura 16 – Dicionário Aurélio


Fonte: http://www.papelariaapogeu.com.br/produtos/671/671_01.jpg
Descrição: Dicionário Aurélio, com capa em duas cores (azul claro na parte superior e cinza na inferior), divididas por uma
listra fina amarela. O nome Aurélio em preto, destaca-se na parte superior.

27
Competência 01

Figura 17 – Dicionário
Fonte: http://wwweducacionalcombr3.cdn.educacional.com.br/aurelio/imagens/images/01_ 07_.gif
Descrição: página de um dicionário. A palavra (código) conceituando a própria palavra (código).

Figura 18- A Perspicácia


Fonte: http://imgc.allpostersimages.com/images/P-473-488-90/51/5141/9SSEG00Z/posters/rene-magritte-la-
clairvoyance.jpg
Descrição: imagem da La Clairvoyance, ou A perspicácia, de René Magritte. Autorretrato do artista pintando um pássaro,
1936.

1.2.3.6. Função referencial

Destaca-se, na função referencial (ou denotativa), o referente, ou seja, o objeto da


mensagem. A intenção do emissor é transmitir informações objetivas sobre o referente.

Meio ambiente e ecologia são assuntos normalmente incômodos, pois colocam em


evidência a difícil relação entre a sociedade de consumo e a natureza. Com o culto ao novo, ao
tecnológico, produtos que poderiam durar anos passam a ser descartados em tempos curtíssimos e
de modo irregular, acelerando a geração de lixo [...] (adaptado: O Globo, 2013)

28
Competência 01

1.2.4. As limitações da teoria da comunicação para o ensino de língua portuguesa

Para averiguarmos se a Teoria de Comunicação de Roman Jakobson é suficiente para a


análise dos textos diversos, suas possibilidades de interpretação e leituras, seus pressupostos
comunicativos, seus efeitos de sentido, analisemos o exercício abaixo:

Leia os quadrinhos para responder às questões:

Figura 19 – Vida de Passarinho – CAULOS (Porto Alegre: L&PM, 1997)


Fonte: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/upload/conteudo/vida-de-passarinho-caulos(1).jpg
Descrição: o quadrinho, de fundo azul claro, mostra dois pássaros voando em cima de um jardim e conversando sobre
ser papagaio ou passarinho.

Você consegue perceber que para responder as perguntas sobre essa história em
quadrinhos, apenas identificar os elementos da comunicação e suas funções de acordo com a Teoria
da Comunicação não basta para uma compreensão da construção dos sentidos do texto. E o que, na
verdade, seria necessário para atingir uma interpretação eficaz?

29
Competência 01

Estudiosos da linguagem, como os linguistas, nas últimas décadas, passaram a entendê-


la como uma prática social humana (ação feita com regularidade), uma interação entre sujeitos
(indivíduos marcados por uma história, valores, crenças, ideologias e conhecimentos). Essa interação
é dialógica e se realiza na relação com o outro. Isso significa que os sujeitos produzem linguagem e
são, ao mesmo tempo, constituídos por ela.

Sabe o que isso significa no ato da produção comunicativa?

Para além da Teoria da Comunicação defendida por Jakobson, e mais do que a simples
expressão do pensamento ou instrumento de comunicação, a linguagem expressa, cria e institui a
identidade dos falantes. Podemos perceber isso na HQ em questão, em que, embora animais, os
personagens apresentam características humanas. O Sabiá, que pretendia conversar com o Papagaio,
logo constata que o interlocutor apenas conseguia repetir as palavras ditas por ele. No final da
história, o Sabiá percebe que havia sido enganado. Ao mesmo tempo em que interagem, as
personagens se revelam para o outro, e também para o leitor do texto, produzindo o efeito de humor
da história em quadrinhos.

A linguagem, assim, jamais pode ser separada dos sujeitos que a utilizam, e vice-versa. Ela
insere-se no universo das unidades humanas, que a todo momento reavaliam e ressignificam
posições, ideias, emoções e intenções; nada ocorre através dela de forma mecânica e automática,
como se fosse um processo artificial.

Já que é uma forma de interação viva e real entre sujeitos em constante transformação,
a linguagem cria sentido nem sempre previsíveis. As várias leituras e possibilidades semânticas e
pragmáticas da atitude verbal em relação ao outro, faz com que a linguagem construa realidades
outras, ultrapasse o universo factual de referências. Mais do que isso, o próprio termo comunicação
é restrito e insuficiente para denominar as infinitas possibilidades de interação humana. Na verdade,
ao interagir com o outro, promovemos atos de fala diversos, já que o homem é capaz das mais
diversas ações sobre o outro através das linguagens, além de comunicar-se. Xinga-se, aconselha-se,
ensina-se, desmente-se, julga-se, engana-se, entusiasma-se, amedronta-se.

30
Competência 01

Por isso, o modelo da Teoria da Comunicação mostra-se limitado: um “emissor” envia


uma mensagem pronta, um “pacote” a ser recebido por um “receptor”, como se esses sujeitos não
se modificassem e refizessem-se durante a interação e os sentidos que produzem já nascessem
prontos e acabados, unívocos. Espera-se hoje que, dentro do ensino de língua portuguesa, ao invés
de se falar em emissores e receptores, falemos em interlocutores, sujeitos constituídos na interação
pela linguagem, que produzem efeitos de sentido em um contexto social e histórico específico e
muito bem situado.

Vale a pena refletir, não?

31
Competência 02

2. Competência 02 | Apreender Noções Fundamentais sobre Estrutura e


Conteúdo: Coesão, Coerência, Clareza, Informatividade e Adequação.
Normalmente, nas interações verbais diárias através de nossa língua materna/natural, de
forma consciente ou não, ao ouvir ou ler um texto, você, assim como qualquer interlocutor, manifesta
alguns questionamentos:

Isso faz sentido? Esse texto é coerente?

Esses questionamentos são tão naturais e intrínsecos ao convívio do falante, leitor ou


escrevente, que passam às vezes despercebidos à nossa avaliação, no entanto, faz parte o tempo
todo de nossa relação direta e dialógica com a língua.

Além disso, na construção de um texto, através da fala ou da escrita, agimos através de


mecanismos linguísticos para garantir ao nosso interlocutor a compreensão do que é proferido.
Inerentes a isso, estão os fatores da coesão e coerência textuais – tão comentados, mas nem sempre
bem compreendidos. Com certeza você já ouviu de um professor ou de qualquer outro leitor que um
texto está incoerente, ou que os elementos do texto não estão coesos, bem ligados ou não promovem
sentido suficiente.

É ou não verdade? Mas o que é coesão e coerência mesmo? Será que a interpretabilidade
de um texto permeia unicamente esses fatores? Você, como falante nativo da língua, proficiente no
seu trato diário com seus interlocutores diversos, é capaz de definir se um texto é coerente ou se está
coeso?

Vamos fazer um teste?

É simples! Leia o que está escrito a seguir. Trata-se de um trecho do conto de Ricardo
Ramos intitulado Circuito Fechado. Através do conhecimento do conteúdo trabalhado na

32
Competência 02

competência anterior, reflita se ele pode ser considerado um texto. Após isso, pelo seu conhecimento
prévio como leitor proficiente da língua, considere se ele é coerente e coeso.

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme
de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme
para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira,
níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal.
Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro,
fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco
de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro,
fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales,
cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras,
esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz,
lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras,
copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de
dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo,
telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro,
fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro,
fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo,
revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo.
Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos,
meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água.
Chinelos. Coberta, cama, travesseiro. [...]

Leia o texto na íntegra, acessando o link abaixo:

Circuito Fechado (Ricardo Ramos)


https://www.youtube.com/watch?v=oKrKSRs_9zI

33
Competência 02

Guarde esses conceitos por enquanto e vamos para uma discussão de algo que coopera
para o conceito de comunicação!

2.1. Textualidade e seus fatores

Há um conjunto de características que fazem com que um texto seja considerado como
tal, e não como um amontoado de palavras e frases. Para fundamentar o que se entende por esse
termo, é que se desenvolveu o conceito de textualidade. Ela é compreendida como a característica
estrutural das atividades sociocomunicativas (logo, também, linguísticas) realizadas entre os
interlocutores da comunicação.

Seja em que língua, seja em que situação de interação verbal, o modo de manifestação
da atividade de comunicação é a textualidade, que se concretiza, toma forma, em algum gênero
textual previamente selecionado para uma ação linguística específica e bem delimitada. Ou seja,
nenhuma ação de linguagem acontece fora da textualidade ou independe dela – assim que alguém
age através da língua, começa automaticamente um texto.

2.2. Fatores de textualidade

Dois blocos de sete fatores, segundo Beaugrande e Dressler, são os responsáveis pela
textualidade de qualquer discurso:

34
Competência 02

FATORES DE TEXTUALIDADE

CENTRADOS NO TEXTO CENTRADOS NO USUÁRIO

COESÃO INTENCIONALIDADE

ACEITABILIDADE
COERÊNCIA
SITUCIONALIDADE

NFORMATIVIDADE

INTERTEXTUALIDADE

2.2.1. Coesão

Coesão é a conexão, ligação, harmonia entre os elementos de um texto. É ela que


assegura, ao lermos um texto, que as palavras, as frases e os parágrafos estejam entrelaçados, um
dando continuidade ao outro; concerne aos modos e recursos – gramaticais e lexicais – de inter-
relação, de ligação, de encadeamento desses vários segmentos. Embora seus recursos transpareçam
na superfície, a coesão se fundamenta nas relações de natureza semântica (sentidos) que ela cria e,
ao mesmo tempo, sinaliza. Logo, pela coesão se promove a continuidade do texto! E isso é essencial,
claro!

Vejamos algumas considerações sobre esse elemento:

• Um dos mais fundamentais para o estabelecimento da textualidade;


• Pode ser definida como o conjunto de estratégias de sequenciação responsável pelas
ligações linguísticas relevantes entre as constituintes no texto;

35
Competência 02

As ligações linguísticas podem ocorrer tanto no nível semântico, referentes aos sentidos
veiculados, como no nível sintático, relativas às questões de ordenação desses constituintes.

2.2.1.1. Mecanismos de coesão

2.2.1.1.1. Referência

Trata-se do relacionamento dos constituintes textuais com outros constituintes do texto


ou não, numa correspondência necessária à interpretação e expansão dos sentidos articulados. A
referência pode se processar no nível situacional, numa relação extralinguística – ou exofórica –, ou
nos limites do texto – denominada endofórica.

2.2.1.1.1.1. Referência exofórica

A referência exofórica diz respeito à situação comunicativa, em que o referente está fora
do texto.

“A gente era pequena NAQUELE tempo. E AQUELE era um tempo em que ainda se
apregoava nas ruas. Não em todas as ruas, mas NAQUELA onde vivíamos. NAQUELA
rua, que tinha por nome a data de um santo, o tempo passava mais lentamente do
que no resto da cidade de Porto Alegre.”
(Trecho inicial de uma crônica, postada no site http://revistagloborural.globo.com, por
Letícia Wierzchowski)

Qual tempo? Que rua? Perceba que o resgate de sentido não está expresso
linguisticamente em nenhuma parte do texto, mas depende de inferências promovidas fora do texto.

36
Competência 02

2.2.1.1.1.2. Referência endofórica

REFERÊNCIA ENDOFÓRICA

ANÁFORA CATÁFORA

Na remissão endofórica, o referente se situa no texto, podendo preceder ou suceder o


item com o qual se relaciona. Vejamos um exemplo:

Figura 20 – Toda Mafalda


Fonte:
http://3.bp.blogspot.com/_lVDNHdAC34c/S3gi1oaGwRI/AAAAAAAAAAU/s1Ojic5o8IM/s320/ESCOLA+SER+FREGUES.bm
p
Descrição: quadrinho do cartunista Quino, que mostra um dos personagens, Manolito, conversando com Mafalda sobre
sua insatisfação em tirar uma nota péssima.

37
Competência 02

Você percebe que os pronomes demonstrativos fazem referência a termos que estão
presentes no texto, linguisticamente representados? “Isso” e “isto” referem-se ao ato da professora
da personagem de ter dado “péssimo” como nota na escola. Mais simples, não é?

Para manter a progressão textual, seja em textos orais ou escritos, utilizamos nossas
referências, endofóricas e exofóricas, mesmo sem perceber.

a) Anáfora

Retomada que ocorre por precedência, a fim de garantir a unidade temática dos textos
ao promoverem a manutenção dos sentidos referidos.

a) A casa era por aqui...


Onde? Procuro-A e não acho.
(Manuel Bandeira, 1974, p.179)

b) Pizza para viagem. ELA chega quentinha!


(Propaganda de pizzaria)

b) Catáfora

Ocorre quando a conexão se articula com o item subsequente, contribuindo


consideravelmente para a coesão textual.

Sob um sol escaldante, ELE chega impecável (...) ao acampamento dos guerrilheiros (...) No
Camboja, território minado e onde nenhum diplomata havia pisado antes. Como prova de
confiança, os guerrilheiros pedem que ELE nade num rio. Sem titubear, ELE entra na água. Era
o ano de 1992. Negociava-se diplomaticamente a intrincada e difícil tarefa de repatriar 370
cambojanos, muitos vivendo na vizinha Tailândia. A repatriação aconteceu sem uma única
vítima. Esse é apenas um dos tantos méritos de SÉRGIO VIEIRA DE MELLO, Comissário de
Direitos Humanos da

38
Competência 02

2.2.1.1.2. Substituição

Tipo de retomada coesiva trata-se de uma estratégia comprometida com a progressão


informacional; representa uma expansão da forma – termos substituídos – correlata à expansão do
sentido – conteúdos veiculados.

Graças a Deus eu não experimentei a força e eficiência do AIR BAG, pois nunca fui vítima de
um acidente. Mas sou totalmente a favor do EQUIPAMENTO. Jamais soube de casos em que
pessoas que dirigiam um carro com esse dispositivo tiveram ferimento mais grave. (...)
Na compra de um automóvel, o brasileiro deve levar em conta os diversos parâmetros de
segurança, e não somente a disponibilidade do AIR BAG. Esse último ITEM, sozinho, não pode
ser considerado o “salvador da pátria.” (Isto É, 1996)

2.2.1.1.3 Elisão

Também chamada de anáfora zero, ou elipse, constitui um mecanismo de coesão em que


a recuperação de um constituinte é processada num espaço formalmente vazio; o preenchimento se
faz no plano semântico com a ativação das informações subentendidas, e essas informações, em
princípio, já ocorrem no texto num momento anterior.

a) Quem poupa øtem ø.


b) Quem procura øacha ø.
c) Quem dá øaos pobres empresta ø a Deus.
d) Quem sabe øfaz ø.

Conseguiu resgatar as palavras ou expressões omitidas pelas elipses acima? Que tal
tentar?

2.2.1.1.4. Conjunção/Conexão

As relações que, através das conjunções ou preposições, caracterizam-se por estabelecer


vínculos de natureza lógica e de sentido, dão sequência ao texto, como temporalidade, causatividade,

39
Competência 02

consequência, condição, finalidade, proporcionalidade, entre outros. Essas relações acontecem


através de mecanismos linguísticos expressos no texto.

2.2.1.1.4.1. Causalidade

É estabelecida sempre que, em um segmento (oração, período), expressa-se a causa da


consequência indicada em um outro. Essa relação se manifesta linguisticamente pelas expressões:
porque, uma vez que, já que, dado que, visto que, como.

a) COMO o sol não costuma dar trégua, as praias são sempre uma ótima
opção. (Anúncio de uma agência de viagens)

b) A atividade humana solicitou TANTO da natureza QUE não há mais


garantias de que os ecossistemas do planeta sustentem as futuras
gerações. (Isto É, 06/04/2005)

2.2.1.1.4.2. Condicionalidade

Ocorre quando um segmento expressa a condição para o conteúdo de um outro, de forma


que se um é verdadeiro o outro também será. Esse tipo de relação implica um valor de causa, porém
de causa hipotética. Essa relação é sinalizada linguisticamente pelos conectores: se, caso, desde que,
contanto que, a menos que, sem que, salvo se, exceto se.

a) SE não houvesse pesquisa, todas as grandes invenções e descobertas


científicas não teriam acontecido.
(Marcos Bagno, 1998, p.19)

b) SEM uma polícia limpa, o crime vencerá sempre.


(Veja, 13/04/2005)

40
Competência 02

2.2.1.1.4.3. Finalidade

Manifesta-se quando um dos elementos explicita o propósito, ou o objetivo pretendido e


expresso pelo outro. Essa relação é sinalizada pelos conectores: para que, a fim de que.

a) Estes cartões abrem portas PARA você fechar negócios.


(Anúncio publicitário)

b) A matança criminosa de focas e conhecida no mundo inteiro.


Atualmente, já existem certas medidas de proteção à fauna, PARA QUE tais
caçadas não se repitam. (Conhecer Nosso Tempo, 1974)

2.2.1.1.4.4. Alternância

Essa relação pode ocorrer de duas maneiras: em primeiro lugar, sendo sinalizada pelo ou
exclusivo, implica os elementos em alternância se excluem mutualmente.

a) Todo escritor é útil OU nocivo, um dos dois. (Yourcenar, 1983)

b) De acordo com a utilização, os meios de informação de massa podem


promover o desenvolvimento do indivíduo, a coesão e o progresso dos países
(...) OU ENTÃO tornar-se o novo ópio das massas. (Documento
da UNESCO, 1976)

Em segundo lugar, a alternância pode ser inclusiva, ou seja, por ela os elementos não se
excluem; pelo contrário, somam-se.

41
Competência 02

a) A gente tem o consolo de saber que alguma coisa que se disse por
acaso ajudou alguém a se reconciliar consigo mesmo OU com a sua vida de
cada dia. (Rubem Braga)

b) Sejam palavras bonitas OU sejam palavras feias; sejam mentira OU


verdade, OU sejam verdades meias; são sempre muito importantes as coisas
que a gente fala. (Ruth Rocha)

2.2.1.1.4.5. Conformidade

Estabelece-se quando um segmento expressa que algo foi realizado de acordo com o que
foi pontuado em um outro. Os conectores que sinalizam essa relação são: conforme, consoante,
segundo, como.

a) O brasileiro – mesmo que lentamente – dá sinais de reação. Cansado e


mais alerta, já não engole sapos tão facilmente. Procura se informar e
tem ousado contra-atacar, CONFORME mostram as queixas registradas
nos Procons. (Isto É, 07/02/2001)

b) SEGUNDO revelou o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE),


em nenhum lugar do mundo se desmata tanto quanto na Amazônia – o
equivalente a um campo de futebol por segundo. (Terra, Dez., 1999)

2.2.1.1.4.6. Complementação

Ocorre sempre que um segmento funciona como termo complementar de outro, isto é, quando uma
oração é sujeito, é complemento ou é aposto de outra. Essa relação vem sinalizada por conectores
como que, se, como.

42
Competência 02

a) Depois do longo voo do pontificado de João Paulo II, os cardeais do


conclave podem concluir QUE ESTÁ NA HORA DE O CATOLICISMO
SOFRER UMA REVISÃO.
(Veja, 13/04/05, p.11)

2.2.1.1.4.7. Delimitação ou Restrição

Manifesta-se quando uma oração delimita ou restringe o conteúdo de outra. Essa relação
é sinalizada pelo pronome relativo.

a) Aproveite a liberdade QUE a maturidade te dá.


(Veja, 13/04/05, p.16)
b) O saldo deixado por uma doença QUE que foge ao controle é quase
sempre catastrófico. (Veja, 13/04/05, p.125)

2.2.1.1.4.8. Adição

Estabelece-se quando mais um item é introduzido num conjunto ou, do ponto de vista
argumentativo, quando mais de um elemento é acrescentado a favor de uma determinada conclusão.
Operam pelas expressões: e, ainda, também não só... mas também, além de, nem.

a) Os benefícios de um bom café da manhã vão além de um corpo mais esbelto


Alimentar-se de forma saudável nas primeiras horas do dia TAMBÉM protege
contra diabetes E evita a formação de pólipos intestinais.
(Veja, 30/03/05, p.65)

b) As últimas pesquisas demonstram que os homens já estão se equiparando às


mulheres na frequência aos supermercados. Revelam AINDA que eles vêm
mostrado um talento incrível para as donas de casa. (Veja, 13/04/05, p.125)

43
Competência 02

2.2.1.1.4.9. Justificação ou Explicação

Ocorre quando um segmento tem a finalidade de justificar, explicar ou esclarecer um


outro segmento anterior. Essa relação é muito frequente em textos expositivos ou explicativos,
sobretudo aqueles com finalidade didática, e se expressa por meio de conectores como: isto é, quer
dizer, ou seja, pois.

a) Pelas normativas 300 e 301, os professores formados em outras áreas não


podem lecionar nos cursos de administração. OU SEJA, não podem ensinar
em nossas escolas os mais destacados professores. (Veja, 13/04/05, p.24)

b) Não existem animais inúteis, ISTO É, todo animal, para sobreviver,


alimenta-se necessariamente de outros seres, sejam eles animais ou
vegetais. (Carlos Eduardo Novais, 1974)

2.2.1.1.4.10. Conclusão

Acontece sempre que, em um segmento, expressa-se uma conclusão que se obteve a


partir de fatos ou conceitos expressos no segmento anterior. Essa relação é sinalizada pelos
conectores logo, portanto, pois, por conseguinte, então, assim.

a) Nossa grande vantagem: todos já sabemos português! Não precisamos,


PORTANTO, partir do zero.
(Carlos Alberto Faraco, 2003, p.3)

b) Escola pública não tem os mesmos recursos de uma escola privada para
se manter. POR ISSO, se você trabalha ou estuda em uma escola pública,
cuide dela como se fosse sua.
(Anúncio publicitário da Agência Criativa)

44
Competência 02

O conector de conclusão, como qualquer outro, pode vir subentendido e, assim, o elo
entre os segmentos não aparece na superfície. Sua interpretação é legitimada pelos nossos
conhecimentos prévios, nesse contexto, mais diretamente mobilizados. Veja esse exemplo:

Quer continuar a respirar? Comece a preservar.


(Fundação S.O.S. Mata Atlântica)

2.2.1.1.4.11. Oposição

Manifesta-se pelas expressões que, na gramática tradicional, são conhecidas como


adversativas e concessivas. Essa relação implica um conteúdo que se opõe a algo explicitado ou
implicado em um enunciado anterior. Opera por meio de expressões como: mas, porém, contudo,
entretanto, embora, se bem que, ainda que, apesar de.

a) A educação básica é a grande prioridade nacional, MAS o tema que ocupa


os jornais é o ensino superior. (Isto É, 13/04/05, p.47)
b) As pesquisas com células-tronco embrionárias, AINDA QUE de forma
bastante limitada, foram aprovadas. (Veja, 13/04/05)

2.2.1.1.4.12. Temporalidade

Expressa o tempo a partir do qual são localizadas as ações ou os eventos em foco. Essa relação pode
envolver: tempo anterior, tempo posterior, tempo simultâneo, tempo habitual, tempo proporcional.
Os segmentos que sinalizam essa relação são iniciados pelos conectivos quando, enquanto, apenas,
mal, antes que, depois que, logo que, assim que, sempre que, até que, desde que, logo que, assim
que, sempre que, até que, desde que, todas as vezes que, cada vez que.

45
Competência 02

a) Muito nunca é demais QUANDO o preço é de menos.


(Anúncio publicitário)

b) DESDE QUE foi escolhido para substituir o italiano Albino Luciani, em


outubro de 1978, João Paulo II foi assunto de capa da Veja treze vezes.
(Veja, 13/04/05, p.9)

2.2.2. Coerência

Leia o texto abaixo, a fim de sua interpretação. Pela sua leitura e seu conhecimento de
mundo, ele é coerente?

Subi a porta e fechei a escada.


Tirei minhas orações e recitei meus sapatos.
Desliguei a cama e deitei-me na luz.

Tudo porque
Ele me deu um beijo de boa noite...
(AUTOR ANÔNIMO)

Você consegue promover sentido a esse texto? Ou seja, consegue recuperar um mínimo
de sentido ou intenção clara? Diz algo? Como se pode explicar que são construções dentro de uma
gramaticalidade da língua, linear e possível, mas não possuem sentido aparente? Fechamos escadas?
Recitam-se sapatos? Desligam-se camas? Ou será que essa visível desarrumação foi proposital? Será
que também não tem a ver com o texto Circuito Fechado do início desse caderno? Os dois seriam
incoerentes?

Vamos, primeiramente ao conceito de coerência!

Coerência refere-se, diferentemente da coesão que é gramatical e lexical, ao tipo de


encadeamento de sentido, a convergência conceitual, que confere ao texto uma interpretabilidade –

46
Competência 02

local e global – dando-lhe uma unidade de sentido. Ela vai além dos componentes propriamente
linguísticos da comunicação verbal, ou seja, existem outros fatores além daqueles puramente
linguísticos, fatores que estão implicados na situação em que acontece a situação verbal. Ou seja, há
outros elementos constituintes da situação comunicativa, que denotam uma percepção de contexto,
intencionalidade, pressupostos, propósitos comunicativos, conhecimento partilhado e prévio, dentre
outros. O sentido não está apenas nas palavras, é bem mais amplo!

Já consegue responder previamente às perguntas iniciais sobre o texto Circuito Fechado?


Vamos refletir sobre isso lendo o texto abaixo:

Gerativismo e Gramaticalidade
http://www.professores.uff.br/eduardo/artigos_arquivos/manualdelinguistica_
2008.pdf

Voltando ao texto em análise, o que faz dele coerente? Depois da explicação acima,
mudou sua posição em relação a ele? Ele é coerente exatamente porque o “sentido” do poema não
está nos “sentidos” de uma interpretação explícita. Ele está na forma como as coisas foram ditas –
ou melhor – está na desorganização da forma como as coisas foram ditas. O eu lírico consegue dizer,
de forma bem particular, que quem ama vê tudo além das aparências das coisas; tudo tem sua ordem
(ou desordem) própria, a ordem natural das coisas é subvertida.

Por ser um texto poético é que consideramos que nele podemos exercitar os limites
lexicais e de sentido impostos pela realidade e pela lógica, fugir às convenções da gramática, sem
fugir ao coerente, fazendo sentido. Logo, a coerência pode claramente ser determinada por um texto
coeso através dos recursos linguísticos, mas também do que é extralinguístico – está fora dele, mas
pertence à construção de seus sentidos.

47
Competência 02

2.2.2.1. Tipos de coerência

Para que seu texto tenha nexo, elementos e sentidos bem interligados, é imprescindível
que você saiba que existem tipos de coerência, elementos que colaboram para a construção da
coerência global de um texto:

a) Coerência genérica: para cada ato linguístico, deve haver a escolha adequada do gênero
textual, que deve estar de acordo com o conteúdo pretendido do enunciado. Em um
anúncio de classificados, a prática social exige que ele tenha como objetivo ofertar algum
serviço, bem como vender ou comprar algum produto, e que sua linguagem seja concisa
e objetiva, pois essas são as características essenciais do gênero.

b) Coerência temática: todos os enunciados de um texto, escrito ou falado, precisam possuir


nexo e ser relevantes para o tema. Os trechos irrelevantes devem ser evitados, impedindo
assim o comprometimento da coerência temática;

c) Coerência sintática: relaciona-se à estrutura linguística, como termo de ordem dos


elementos, seleção lexical etc., e também à coesão. Empregamo-la a fim de eliminarmos
estruturas ambíguas, como também o uso inadequado dos conectivos. Baseia-se nos
mecanismos linguísticos usados pelo falante/escrevente no ato comunicativo;

d) Coerência semântica: para que a coerência relacionada aos sentidos possíveis esteja
presente em um texto, é preciso, antes de tudo, que o texto não seja contraditório,
mesmo porque a semântica está relacionada com as relações de sentido entre as
estruturas. Para detectar uma incoerência, é preciso que se faça uma leitura cuidadosa,
ancorada nos processos de analogia e inferência.

e) Coerência pragmática: refere-se ao texto visto como uma sequência de atos de fala. Os
textos, orais ou escritos, são exemplos dessas sequências, portanto, devem obedecer às
condições para a sua realização. Se o locutor ordena algo a alguém, é contraditório que
ele faça, ao mesmo tempo, um pedido. Quando fazemos uma pergunta para alguém,

48
Competência 02

esperamos receber como resposta uma afirmação ou uma negação, jamais uma
sequência de fala desconectada daquilo que foi indagado.

f) Coerência estilística: refere-se à linearidade do emprego de uma variedade de língua


adequada, que deve ser mantida do início ao fim de um texto para garantir a coerência
estilística. A incoerência estilística não provoca prejuízos claros para a interpretabilidade
de um texto, contudo, a mistura de registros — como o uso concomitante da linguagem
coloquial e linguagem formal — deve ser evitada, principalmente nos textos não
literários.

2.2.3. Aceitabilidade

O texto produzido também deverá ser compatível com a expectativa do receptor em


colocar-se diante de um texto coerente, coeso, útil e relevante. O contrato de cooperação
estabelecido pelo produtor e pelo receptor permite que a comunicação apresente falhas de
quantidade e de qualidade, sem que haja vazios comunicativos. Isso se dá porque o receptor esforça-
se em compreender os textos produzidos.

2.2.4. Situcionalidade

É a adequação do texto a uma situação comunicativa, ao contexto. Note-se que a situação


orienta o sentido do discurso, tanto na sua produção como na sua interpretação. Por isso, muitas
vezes, menos coeso e, aparentemente, menos claro pode funcionar melhor em determinadas
situações do que outro de configuração mais completa.

2.2.5. Informatividade

É a medida na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não,


pelo receptor. Um discurso menos previsível tem mais informatividade. Sua recepção é mais
trabalhosa, porém mais interessante, envolvente. O excesso de informatividade pode ser rejeitado
pelo receptor, que não poderá processá-lo. O ideal é que o texto se mantenha num nível mediano de

49
Competência 02

informatividade, que fale de informações que tragam novidades, mas que venham ligadas a dados
conhecidos.

2.2.6. Intertextualidade

Concerne aos fatores que tornam a interpretação de um texto dependente da


interpretação de outros. Cada texto constrói-se, não isoladamente, mas em relação a outro já dito,
do qual abstrai alguns aspectos para dar-lhes outra feição. O contexto de um texto também pode ser
outros textos com os quais se relaciona.

2.2.7. Intencionalidade

Todo ato comunicativo possui uma intenção, um objetivo. Intencionalidade refere-se ao


esforço do produtor do texto em construir uma comunicação eficiente capaz de satisfazer os
objetivos de ambos os interlocutores. Quer dizer, o texto produzido deverá ser compatível com as
intenções comunicativas de quem o produz.

Enfim, depois de toda essa discussão, você é capaz de responder as perguntas


abaixo? Circuito Fechado é realmente um texto, mesmo sendo composto de
forma geral apenas por substantivos? Ele possui os fatores de textualidade
mínimos essenciais para seu entendimento? Se sim, quais podemos observar? É
coeso? Sua coesão é linguística ou é construída a partir das inferências e
conhecimento de mundo do leitor? Os mecanismos de coesão, mesmo sem
conjunções, estão presentes no texto? Ou essas relações não podem estar
subtendidas? É coerente? Constitui sentido para você? Por quê?

Debata no fórum suas posições aos questionamentos sobre Circuito Fechado.


Dê sua Opinião!

50
Competência 03

3. Competência 03 | Desenvolver Técnicas de Redação (Comunicação


Escrita) e de Produção de Textos de Diferentes Gêneros com Linguagem
Dialógica.

A utilização da língua de forma oral ou escrita produz significados sobre “alguma coisa”
para alguém, num determinado contexto e em determinadas situações de interlocução – isso se dá
porque não falamos nem escrevemos aleatoriamente, para ninguém, não é verdade? Expressamos e
estabelecemos relações interpessoais por meio da linguagem e por meio de textos como produtos
de práticas sociais orais ou escritas, assim uma palavra dita só é entendida dentro de um contexto
dialógico.

Dentro desse contexto escolhemos, segundo o escritor Bakhtin (2011), o conceito de


gêneros. Os gêneros do discurso por mais que sejam considerados como híbridos (possuem formas
de organização que possam juntar características de outros gêneros) são formas relativamente
estáveis e normativas de enunciados, caracterizadas por um tema, uma construção na sua
composição e um estilo, das quais nos apropriamos nas relações sociais.

Assim, antes de pensar que os textos que escrevemos seguem um manual de regras
estanques, que definem a produção textual como algo mecânico e artificial, devemos pensar que os
gêneros são entidades sociodiscursivas e formas de ação social presentes em qualquer situação
comunicativa. São materializados por sujeitos, em situações reais de interação, partem de uma
subjetividade, de marcas sociais e individuais, pois, os gêneros textuais surgem, situam-se e integram-
se funcionalmente nas culturas em que se desenvolvem. Para saber mais sobre a teoria dos gêneros
textuais, leia:

Diálogo e Dialogismo em Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: Contribuições para a


Educação a Distância
http://www.scielo.br/pdf/edur/v30n3/v30n3a11.pdf

51
Competência 03

3.1. Diferença entre gêneros e tipologias textuais

Os gêneros textuais, também chamados de discursivos, são modelos específicos de


textos, que usamos em nosso dia a dia, logo isso faz com que eles realizem uma função social, pois
são uma das várias formas de organização de nossa linguagem. Levando em consideração que, tanto
oralmente como na escrita, são os textos que auxiliam na comunicação, os gêneros são reconhecidos
através de suas macroestruturas, por possuírem características, estilo e conteúdos próprios. Alguns
exemplos de gêneros textuais são: notícias, conversas, carta comercial, carta pessoal, romance,
bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula
de remédio, cardápio, resenha, edital de concurso, e assim por diante.

No entanto, antes de definir o gênero que desejamos produzir, deve estar clara a forma
como queremos dizer, como queremos agir – narrando ou dissertando, por exemplo. Esses são os
tipos textuais, que não são muitos como os gêneros, mas são reconhecidos pela forma que se
apresentam os textos e pela função comunicativa exercida pelo uso da linguagem. Entendeu? Ainda
não? Por exemplo, antes de produzir o gênero fábula, você deve escolher narrar e depois seguir as
características típicas do gênero textual, já que a tipologia textual é como se designa a natureza
linguística dos textos.

Segue um texto que vai ajudar você a se aprofundar nesse conceito:

Gêneros Textuais: definição e funcionalidade


https://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/133018/mod_resource/content/3
/Art_Marcuschi_G%C3%AAneros_textuais_defini%C3%A7%C3%B5es_funcionali
dade.pdf

Para conhecer mais sobre a relação entre língua e discurso, acesse essa página, a fim de
facilitar o entendimento desse assunto.

52
Competência 03

Discurso e Ideologia
http://www.filologia.org.br/revista/artigo/6(17)47-53.html

3.2. Estratégias de construção de textos de diferentes perspectivas tipológicas

Ao definirmos o tipo de texto que desejamos produzir, nossos objetivos, nosso


interlocutor e outros elementos essenciais da comunicação, é que vamos sistematizar estruturas de
pensamento e de formas de agir linguisticamente. Cada um possui propriedades linguísticas próprias,
como o vocabulário, relações lógicas, tempos verbais, formas de falar sobre as coisas do mundo,
construções sintáticas e semânticas, além de outras características que definem os gêneros.

3.2.1. A narração

A narração, como um tipo textual, é dotada de algumas estratégias para assegurar sua
principal função comunicativa, que é a de contar algo – nesse caso o interlocutor tem uma principal
função nessa tipologia textual. Geralmente, quando estamos em uma roda de amigos, em uma
situação do dia a dia ou em uma conversa, é bem comum que, ao lembrarmos experiências vividas,
comecemos a contá-las como uma forma de relembrar. Exatamente a esse processo chamamos de
narração, pois ela se configura pela apresentação de um fato que envolve personagens que estão
situados em um determinado espaço e tempo.

Como qualquer outra tipologia, o texto narrativo, possui um conjunto de gêneros que
compartilham da mesma função comunicativa, mas que se diferem pela sua organização estratégica.
Textos como fábulas, contos, romances, notícias, piadas, entre outros possuem, muitas vezes, esse
mesmo objetivo textual, mas se distinguem pelas suas características próprias – isso é o que os
consolidam como gêneros textuais diferentes. A construção da narrativa passa tanto pelo estudo dos
elementos que devem se fazer presentes nela, tais como os personagens, o espaço, o tempo, o
discurso, assim como pelo momento que a compõe, como por exemplo a introdução (onde os
elementos serão apresentados), o desenvolvimento da narrativa, o clímax, o desfecho.

53
Competência 03

3.2.1.1. Estratégias de construção de uma narrativa

Conscientes de que não há fórmulas prontas para a produção de textos, sejam orais ou
escritos, estão elencadas abaixo algumas estratégias para se construir textos da tipologia narrativa:

1) Na introdução apresente as personagens, situando-as no tempo e no espaço;


2) No desenvolvimento através das ações das personagens, construa a trama e o
suspense que culmina no clímax (momento chave do texto);
3) Na conclusão esclarecer a trama é apenas uma das formas de encerrar a narrativa.
Existem várias maneiras de se concluir uma narração. Mas geralmente as narrativas
surpreendem com o final.

• Recursos que podem ser utilizados nesse tipo textual: Verbos de ação, discursos: direto,
indireto e indireto livre.

• O que se pede: A narrativa deve tentar elucidar os acontecimentos, respondendo às


seguintes perguntas essenciais:

O QUÊ? – O(s) fato(s) que determina(m) a história;


QUEM? – A(s) personagem(s);
COMO? - O enredo, o modo como se tecem os fatos;
ONDE? - O lugar ou lugares da ocorrência
QUANDO? - O momento ou momentos em que se passam os fatos;
POR QUÊ? - A causa do acontecimento.

Observe como se aplicam no texto de Manuel Bandeira esses elementos:

TRAGÉDIA BRASILEIRA
Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade. Conheceu Maria Elvira na Lapa,
prostituída com sífilis, dermite nos dedos, uma aliança empenhada e os dentes em petição de miséria.

54
Competência 03

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista,
manicura... Dava tudo quanto ela queria. Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou
logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez
nada disso: mudou de casa. Viveram três anos assim. Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado,
Misael mudava de casa. Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria,
Ramos, Bom Sucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, encantado, Rua Clapp, outra vez
no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos...

Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e inteligência, matou-a
com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.
(Manuel Bandeira)

Vejamos como Manuel Bandeira usou essas estratégias no seu texto narrativo, Tragédia
Brasileira:

• O quê? Romance complicado e tenso, que resulta em crime passional.


• Quem? Misael e Maria Elvira.
• Como? O envolvimento de um homem de 63 anos com uma prostituta.
• Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares.
• Quando? Duração do relacionamento: três anos.
• Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.

Quanto à estruturação narrativa tradicional, acompanhe a sequência de ações que


compõem o enredo:

• Apresentação: a união de Misael, 63 anos, funcionário público, e Maria Elvira, prostituta;


• Complicação: a infidelidade de Maria Elvira obriga Misael a buscar nova moradia para o
casal;
• Clímax: as repetidas mudanças de residência, provocadas pelo comportamento
desregrado de Maria Elvira, leva o descontrole emocional de Misael;

55
Competência 03

• Desfecho: a polícia acha Maria Elvira assassinada com seis tiros.

3.2.2. A dissertação

O texto dissertativo é um tipo de texto que se preocupa em falar sobre algum tema, por
meio de uma argumentação lógica, coerente e coesa.

3.2.2.1. Estratégias de construção de uma descrição

A estrutura de um texto dissertativo está baseada em três momentos que se conectam e


que tornam o texto bem articulado. São eles:

Introdução: Também chamada de "Tese", nesse momento, o mais importante é mostrar


a ideia central sobre o tema de maneira clara. É importante lembrar que a introdução é a parte mais
importante do texto e por isso deve conter informações que logo serão desenvolvidas, além da
apresentação do tema abordado.

Desenvolvimento: Nessa parte do texto é que se desenvolve a argumentação por meio


de opiniões, levantamentos, dados, estatísticas, fatos e exemplos sobre o tema, a fim de que sua tese
(ideia central) seja defendida com propriedade e com embasamento.

Conclusão: O próprio nome já supõe que é necessário encerrar o texto. Ou seja, esse é
um momento de fechamento das ideias. A tese é retomada e é mostrado como as ideias ao longo do
texto se ligam.

3.2.2.2. Tipos de dissertação

a) Texto Dissertativo Argumentativo

Nesse tipo, a intenção é persuadir o leitor, convencê-lo da relevância da sua tese (ideia
central) a partir de uma argumentação coerente, exemplificada e segura. Exemplo:

56
Competência 03

Ao despontar como potência econômica do século XXI, o Brasil tem cada vez mais atraído
os olhares do mundo, chamando a atenção da mídia, de grandes empresas e de outros países.
Contudo, é outro olhar, não menos importante, que deveria começar a nos sensibilizar mais: o olhar
marginalizado e cheio de esperança daqueles que não têm dinheiro, dos famintos e desempregados
ao redor do globo. São pessoas com esse perfil que majoritariamente contribuem para o crescente
volume de imigrantes no país, e o que se vê é uma ausência de políticas públicas eficientes para
receber e integrar essas pessoas à sociedade.

Não parece que a solução seja simplesmente deixar que imigrantes pouco qualificados
continuem entrando no país de forma irregular e esperar que eles, sozinhos, encontrem um ofício
para se sustentar. O governo ainda não percebeu que a regularização desses imigrantes e a inserção
dos mesmos no mercado de trabalho formal poderiam servir como oportunidades para o país
arrecadar mais impostos e possíveis futuros cidadãos, ou seja, novos contribuintes para a deficitária
Previdência Social.

Visando aproveitar tais benefícios, o governo poderia começar a implantar, nas regiões
por onde chegam os imigrantes, mais órgãos e agências que oferecessem serviços de regularização
do visto e da carteira de trabalho, posto que ainda há muita deficiência de controle nesse setor. Além
disso, nos destinos finais desses imigrantes poderiam ser oferecidos cursos de português e cursos
qualificantes voltados para os mesmos. Isso facilitaria muito a inserção dessas pessoas no mercado
de trabalho formal e poderia inclusive suprir a alta demanda por mão de obra em setores como o da
construção civil, por exemplo.

Nesse sentido, é preciso que atitudes mais energéticas sejam tomadas a fim de que o país
não deixe escapar essa oportunidade: a de transformar o problema da imigração crescente em uma
solução para outros. A questão merece mais atenção do governo, pois não deve ser a toa que o Brasil,
além de ser conhecido pela hospitalidade, também o é pelo modo criativo de resolver problemas.
Prestemos mais atenção aos olhares que nos cercam; deles podem vir novas oportunidades.

b) Texto Dissertativo Expositivo

57
Competência 03

É a exposição de ideias, teorias, conceitos, sem necessariamente tentar convencer o


leitor, nesse texto apenas fala-se sobre o tema proposto.

Exemplo: Os Relatórios das Organizações das Nações Unidas (ONU) sobre a gestão e
desenvolvimento dos recursos hídricos alertam para a preservação e proteção dos recursos naturais
do planeta, sobretudo da água. Sendo assim, as estatísticas apontam para uma enorme crise mundial
da falta de água a partir de 2025, de forma que atingirá cerca de 3 bilhões de pessoas, e que pode
provocar diversos problemas sociais e de saúde pública.

Um dos maiores problemas apresentados pela ONU é a “escassez de água” que já atinge
cerca de 20 países no mundo, ou seja, 40% da população do planeta. Os estudos completam que a
água doce do planeta está em risco visto as mudanças climáticas registradas nas últimas décadas.

3.3. Técnicas de redação para produção de textos

3.3.1. O conto

O conto é uma obra de ficção. Cria um universo de seres e acontecimentos de ficção, de


fantasia ou imaginação. O conto apresenta um narrador, personagens e enredo.

Características:

• É uma narrativa linear e curta, tanto em extensão quanto no tempo em que se passa;
• A linguagem é simples e direta, não se utiliza de muitas figuras de linguagem ou de
expressões com pluralidade de sentidos;
• Todas as ações se encaminham diretamente para o desfecho;
• Envolve poucas personagens e, as que existem se movimentam em torno de uma única
ação;
• As ações se passam em um só espaço, constituem um só eixo temático e um só conflito.

Exemplo:

58
Competência 03

O Caso do Papagaio Zé Augusto

Eu já contei esse caso do papagaio Zé Augusto algumas vezes, mas ninguém acredita.
Felizmente, tenho testemunhas. Não somente a família toda é testemunha, como alguns amigos, que
tiveram a oportunidade de ver Zé Augusto depois que ele chegou aos paroxismos do vício, por assim
dizer. É uma história triste. Lá em casa, sempre tivemos bichos doidos. Uma vez, por exemplo, quando
a gente morava perto de Cotinguiba, em Sergipe, meu pai pegou um torrão de barro pequeno e o
jogou num pinto já meio frangote, que estava ciscando uma plantinha de estimação.

Aconteceu que o torrão pegou na cabeça do bicho e ele ficou maluco, deu muito trabalho
depois. Para comer era uma dificuldade, porque ele partia para a comida de marcha a ré e considerava
necessário fazer umas piruetas antes de bicar o milho. E ele sempre errava de milho, era uma
produção muito grande dar comida a esse frango. Mas cresceu, ficou um belo galo e se dava muito
bem com toda a família. Todo mundo gostava dele, apesar do problema que ele tinha na ideia. Até
com as galinhas ele se dava bem, embora errasse bastante (meu pai dizia que não era erro, era porque
o bicho era inovador) e tivesse sido, provavelmente, responsável por vários escândalos naquele
galinheiro. Morreu de velho. Segundo minha mãe, muito feliz, porque não sabia que ia morrer e até a
última hora ficou dançando aquelas dancinhas dele, ninguém dizia que já estava nas últimas.

Desta forma, não se estranhou Zé Augusto. Zé Augusto era um papagaio azul que deram
de presente a meu pai e que só falava “Zé Augusto”. A gente mostrava esse papagaio a todo mundo
que aparecia, porque ele tinha um ar muito inteligente e, quando se perguntava como era o nome
dele, ele respondia “Zé Augusto”. Mas depois não dizia mais nada e a pessoa ficava decepcionada.
Minha irmã hoje acha que era um problema de temperamento difícil mais do que propriamente
limitação de recursos, embora não se possa ter certeza, a esta altura. O fato é que Zé Augusto vivia
ali, na dele, num poleiro instalado junto do tanque de lavar roupa, onde havia uma tomada para
máquina de lavar roupa, sem máquina de lavar roupa.

59
Competência 03

Não incomodava ninguém, passava o dia inteiro comendo as comidinhas dele e


balançando a cabeça. Na realidade, ele balançava tanto a cabeça que só podia ser de desgosto ou de
desilusão, hoje é que a pessoa entende. Mas, um dia, minha irmã anunciou à mesa:

— Minha mãe, Zé Augusto está tomando choque. Já peguei uma ou duas vezes. Minha
mãe pediu esclarecimentos. Aconteceu que o papagaio roeu a tomada e agora, assim umas três ou
quatro vezes por dia, olhava para um lado, olhava para o outro, e enfiava a língua no fio descoberto,
para tomar choque. O choque devia ser um grande barato, porque ele ficava arrepiado, se tremia
todo, largava o fio e passava os próximos cinco minutos agitadíssimo, percorrendo nervosamente o
poleiro de ponta a ponta. No começo, minha mãe teve uma certa tolerância. Houve pelo menos uma
vez em que eu quis levar uns amigos para mostrar o truque do “como é seu nome”, e ela mandou que
eu esperasse.

— Espere mais uns quinze minutos, eu acho que está na hora do choque dele. E, de fato,
ele ficava acanhado, no começo, em tomar o choque na frente de visitas, ou mesmo de alguém da
família que estivesse observando muito de perto. Só quando a pessoa não desistia mesmo é que ele
acabava não aguentando e tomava o choque de qualquer jeito, mas ficava de péssimo humor,
ameaçava bicar quem estivesse por perto e dava até uns gritos, coisa que, justiça seja feita, ele só
fazia quando o chateavam demais.

O problema, entretanto, surgiu quando ele passou a tomar um número cada vez maior de
choques. Nos últimos dias, era praticamente um choque de cinco em cinco minutos, uma coisa triste
de se ver. As penas começaram a cair, nem mesmo “Zé Augusto” ele falava mais, comia pouco,
suspirava, interrompia qualquer tentativa de aproximação com um novo choque, e assim por diante.
Minha mãe tentou recuperá-lo, conversava com ele, tinha paciência, mas nada adiantava.

Quando a gente tentou cobrir o fio com fita isolante, ele só faltou botar a casa abaixo com
a gritaria que fez, além de ter reduzido a picadinho a pouca fita isolante que conseguimos botar. Era
um caso perdido. Num belo domingo, lembro como se fosse hoje, minha mãe comunicou à hora do

60
Competência 03

almoço que ia dar Zé Augusto, já tinha encontrado quem quisesse e essa pessoa já sabia do problema
dele.

— Eu, particularmente — disse minha mãe —, acredito que não adianta afastar Zé
Augusto dos choques muito repentinamente. Ele pode ter um trauma. Então eu expliquei que devem
fazer a coisa com cuidado, gradualmente. Mas o que eu não posso é ter um animal viciado em casa,
é um péssimo exemplo para as crianças.

— Principalmente porque não fala nada — disse meu pai, e nunca mais nós vimos Zé
Augusto.
João Ubaldo Ribeiro

3.3.1.1. Técnicas para a construção de um conto

a) Selecione uma situação

A situação não precisa ser uma história completa, basta ser um acontecimento, como, por
exemplo: uma flor no quintal do vizinho, uma batida de carro, um susto. Enfim, um momento no
tempo; um recorte do tempo.

b) Apresente o evento

É neste ponto que sua narrativa deixa de lado os fatos reais para entrar numa realidade
totalmente diferente do evento observado, onde ganhará um personagem e um ambiente. Nesse
momento, portanto, é a hora que sua individualidade vai permitir você criar realidades diferentes. A
descrição pode ajudar tanto o leitor quanto o escritor.

c) Fuja do óbvio

Não se deixe enganar pelo óbvio, lembre-se: o momento da apresentação do evento é o


mais interessante e divertido, onde TUDO pode acontecer. Lembre-se que seu texto tem que retratar

61
Competência 03

um fato ou uma visão curiosa sobre o que aconteceu, por isso seu texto deve chamar a atenção do
leitor.

d) Desenvolvimento da narrativa
Agora que você já apresentou seu personagem, já situou ele no tempo e no espaço, vem
a parte que mais exige da sua imaginação, ou seja, a criação da narrativa, propriamente dita. Nessa
parte você deverá narrar os acontecimentos posteriores à situação inicial.

e) Use diálogos

Os diálogos são essenciais para apresentar o personagem. Com ele, você pode abusar de
erros gramaticais, caso queira representar a oralidade como um retrato fiel da fala do personagem,
através disso você pode demonstrar que o seu personagem é mais introspectivo, mais extrovertido,
mais brincalhão. Enfim, é uma forma de ajudar na elaboração do personagem, deixando a cargo do
leitor a criação psicológica do personagem, por exemplo.

f) Anote suas ideias

Por mais simples que possa parecer, escolher uma situação não garante a continuidade
do conto, causando-nos o tão preocupante “bloqueio mental” e suas consequências. O maior
problema ao escrever um conto não está no começo, nem no desenvolvimento, mas no final, pois, se
ele tem que surpreender de alguma forma o leitor, encontrar essa surpresa poderá demorar bastante,
causando cansaço ao escritor que, misturado com o bloqueio causado pela insegurança, impedirá a
continuidade da história. Portanto, uma forma de evitar isso é manter as suas ideias sempre
anotadas, mesmo as mais absurdas.

g) O Final

O final de um Conto deve trazer uma euforia, uma excitação, algo que instigue o leitor.
Não precisa ser rebuscado, basta ser inesperado, algo que o leitor não estava esperando ou, pelo

62
Competência 03

menos, que não fosse tão óbvio. Essa estrutura cativa o leitor, deixando-o pensativo e ávido para
deixar seu comentário.

3.3.2. O texto dissertativo-argumentativo

O texto dissertativo argumentativo possui como principais características a apresentação


de um raciocínio, a defesa de um ponto de vista (uma tese) ou o questionamento de uma
determinada realidade. O autor se mune de argumentos, de fatos, de dados, que servirão para ajudar
a justificar as ideias que ele irá desenvolver.

3.3.2.1. Técnicas para construção do texto dissertativo argumentativo

Características:

• Apresentação do ponto de vista;


• Discussão dos argumentos;
• Análise crítica do texto.

A diferença desse modelo para um texto narrativo, por exemplo, é que o texto narrativo
descreve uma história, contendo alguns elementos importantes como personagens, local, tempo
(intervalo no qual ocorreram os fatos), enredo (fatos que motivaram a escrita). O texto dissertativo,
por outro lado, tem como objetivo defender um ponto de vista usando argumentos.

Seis questionamentos para uma boa redação:

1. Qual o problema?
2. Por que se trata de um problema?
3. Quais as causas e consequências do tal problema?
4. Quais os exemplos que podem comprovar minha opinião?
5. Qual o percurso que devo traçar para convencer meu leitor?
6. Esse problema tem solução? Qual? Como executar?

63
Competência 03

Todas essas perguntas fazem parte do que chamamos de tempestade de ideias. Uma vez
respondidas essas questões, construa um projeto de texto e defina com mais detalhes a tese a ser
defendida.

Dicas!

• Primeiramente, anote suas ideias em uma folha de rascunho; isso servirá para selecionar
suas ideais posteriormente;
• Tome cuidado para escolher uma tese que você conheça profundamente e possa
defender com bom desempenho, e para que não torne seu texto subjetivo demais, como
se suas ideologias e crenças fossem a única forma de enxergar os problemas da sociedade.
Seja sensato! A partir desse momento, você começa a colocar “a mão na massa”;
• Seu principal objetivo deve ser o conteúdo. Então, dê mais importância para a
organização de seus argumentos. Suas ideias devem fazer sentido e se conectarem com
o tema, então, selecione-as e organize-as bem para que seu texto seja progressivo e
coerente;
• Apresente seus argumentos de forma sequenciada para que a leitura do texto seja fluida,
ou seja, fácil de ler e de compreender. Seja objetivo, claro e seguro nos posicionamentos;
• A coerência e a organização vão valorizar cada ponto de seus argumentos. Quanto mais
fácil for para o leitor entender seu texto, maiores as chances de garantir uma boa nota;
• Crie propostas de intervenção em que sujeitos possíveis colaborem efetivamente para
solucionar a problemática proposta; detalhe o que vai ser feito e quem (ou quais
entidades) irá promover essas ações;
• Respeite os direitos humanos, mesmo que seu posicionamento ideológico fira, de alguma
forma, algum de seus pontos!

3.3.2.2. Componentes de uma dissertação argumentativa para uma redação nota


máxima

• Introdução

64
Competência 03

A introdução equivale ao primeiro parágrafo. Nessa parte você fará a apresentação do


problema e do tema e de suas principais abordagens. Sua tese principal também deve estar nesse
parágrafo. Os argumentos que vão explicar e defender seu ponto de vista estarão nos parágrafos
seguintes, porque aqui é espaço de apenas você apresentar o que será defendido ao longo do texto.
Dessa forma, você irá direcionar o olhar do leitor para seguir sua linha de raciocínio.

• Desenvolvimento

Os dois ou três parágrafos depois da introdução compõem o desenvolvimento. É a partir


do segundo parágrafo que você vai defender a tese apresentada na introdução, vai criar exemplos,
vai apresentar fatos que comprovem a relevância das ideias apresentadas na introdução. O tema
também tem que ser explicitado aqui nessa fase e, além disso, ele precisa ser debatido com ideias
que favoreçam um diálogo com as várias áreas do conhecimento. Cada parágrafo do
desenvolvimento deve apresentar argumentos que sustentem as afirmações anteriores. Dessa forma,
será possível analisar de forma profunda e contextualizar sua ideia principal.

• Conclusão

No parágrafo final da dissertação, você deve retomar o que apresentou na introdução, de


modo a reforçar o problema discutido até aqui. A diferença é que na conclusão, você pode apresentar
soluções sobre as questões levantadas anteriormente. Nesse parágrafo você vai resumir a discussão
feita ao longo do texto, a fim de apresentar ao leitor um panorama geral do que foi abordado até ali.
Dessa forma, quando o leitor terminar a leitura, estará certo de que você é bem articulado com os
argumentos e que seu ponto de vista não é irrelevante. Além disso, o leitor compreende que além de
falar sobre o tema você também propõe as melhores soluções possíveis para os fatos apresentados
ao longo do texto.

Para saber mais como produzir um texto dissertativo satisfatório, há algumas dicas e
estratégias descritas e analisadas nos vídeos abaixo! Vamos assistir aos dois? É já!

65
Competência 03

5 Passos para Criar uma Redação Nota 10


https://www.youtube.com/watch?v=8BvcUQQAemE

Como Você Pode Tirar 1000 na Redação?


https://www.youtube.com/watch?v=igVHU3Tn0xQ

66
Competência 04

4. Competência 04 | Revisão e Reescrita Orientada dos Textos Produzidos.


É imprescindível a cada sujeito que escreve, que produz textos, a atitude de revisar seu
texto, a fim de uma percepção mais detalhada de suas partes, estratégias, ideias e mecanismos
linguísticos utilizados no ato da escrita. Contudo, antes disso, deve refletir sobre o papel da revisão,
sobre como o texto se constitui através de um trabalho de reescrita.

4.1. Processo de revisão e reescrita textual

Em uma produção textual, os sujeitos se ressignificam, reinventam-se, instituem-se


ideologicamente e se singularizam em suas posições mediante uma proposta textual, através de atos
linguísticos bem planejados. No entanto, vários processos e estratégias compõem a dimensão da
redação de um texto, um deles é o de reescrita. Numa prática de escrita e reescrita, o autor percebe
o quanto seu texto pode ser melhorado, e consequentemente, o indivíduo passa a refletir sobre os
mecanismos de uso da linguagem verbal, apropriando, assim, as técnicas de escrita e de reflexão
sobre o próprio objeto textual realizado.

No processo de reescrita o autor, sujeito produtor da unidade linguística verbal em


questão, percebe suas dificuldades e busca superá-la por meio da transformação do texto. Mas não
se deve confundir a reescrita com a revisão textual. O âmbito da reescrita é bem maior que o da
revisão, uma vez que diz respeito ao aprimoramento das operações linguísticas usadas pelo autor. É
importante também salientar que a revisão é um processo externo ao ato de escrita, é uma correção
indicativa, normalmente feita por outra pessoa, por exemplo, um professor de língua portuguesa; já
a reescrita é um trabalho subjetivo, é um processo individual, do escritor diretamente com seu texto.
É nesse momento de produção que vão ser validadas mudanças linguísticas, atos produtivos, desde
os níveis sintáticos a semânticos, através de intervenções diretas dentro do texto.

Assim, quanto mais o ato de reescrever acontecer, mais o produtor irá notar que todo o
texto poderá ser transformado, que não é uma construção de dimensões significativas acabadas no
próprio ato de escrever. E, assim, vai captando condições de domínio da escrita, porque vai
internalizando e compreendendo regras de composição de gêneros textuais, e consequentemente,

67
Competência 04

melhorando seu desempenho na construção dos textos e compreendendo, aos poucos, o mundo dos
textos escritos e suas estratégias.

4.2. A importância da seleção dos critérios avaliativos na revisão textual

A seleção de critérios avaliativos é uma questão delicada e é importante frisar que o que
será discutido a seguir não pode nem deve ser tomado como regra, como a única ou a mais correta
forma de corrigir um texto, embora se tenha mostrado um procedimento eficaz na correção do
gênero dissertativo-argumentativo, especialmente por atender às expectativas dos alunos para
resolver os problemas do texto, conforme indica o seguinte registro:

Quanto à correção de texto na escola, a tradição escolar mostra que a prioridade tem sido
dada aos aspectos formais/gramaticais que aparecem na superfície textual, tais como ortografia,
pontuação, concordância, acentuação, entre outros. Vale salientar que isso é apenas um ponto, uma
competência de correção gramatical. E o resultado desse trabalho, em geral, tem se mostrado
desanimador aos professores e aos alunos. Para os professores, o desânimo está relacionado com o
fato de que, à medida que os alunos avançam na escolarização, seus textos, além de perderem a
qualidade, vão encurtando de tal modo que escrever mais que dez linhas se torna um suplício.

Para os alunos, o exercício da escrita torna-se desanimador porque os comentários não


atendem às expectativas que têm para resolver os problemas do seu texto. Saber gramática significa
escrever bem? Há só aspectos formais a serem revistos? A revisão desse ponto é suficiente? É óbvio
que não. O plano da escrita é, antes de tudo, discursivo, natural e espontâneo. As ideias progridem,
além dos aspectos formais que, nas primeiras versões da produção dos alunos, não devem ser
ignorados, mas relativizados em relação ao plano da argumentação. Organizar o pensamento, manter
uma tese e comprová-la coerentemente deve ser primeiro plano didático, a fim de que o aluno não
encare a produção textual como artificial e mecânica.

Esse procedimento simples levará o aluno/escritor a refletir primeiramente sobre seu


discurso para, num momento posterior, preocupar-se com o polimento da superfície textual. Para
efetivação deste trabalho, dois procedimentos se mostraram determinantes: como corrigir o texto e

68
Competência 04

o que corrigir no texto. Já que a correção é um ato sistemático e planejado, visando à avaliação de
competências de produção de textos específicas e bem definidas.

4.3. A correção diagnóstica e correção instrutiva e a reescrita na escola

Uma das maiores complicações e dificuldades dos professores de Língua Portuguesa está
no ensino da produção textual, mais especificamente, na hora da correção e posterior avaliação. Você
já se perguntou como corrigir? O que corrigir? Para que corrigir? Essas são perguntas que os
professores muitas vezes fazem, justamente por se sentirem diante de uma situação complicada de
correção textual dos seus alunos. Além disso, há uma sensação apenas punitiva em relação ao ato da
correção textual, como se o propósito fosse o de avaliar negativamente, como se o texto fosse um
material capaz de ser corrigido como um objeto mecânico e automático. Muito pelo contrário, ele é
significação, é resultado de uma ação linguística que vai além da superficialidade corretiva.

Com isso, é imprescindível postular definições de correção que vise contemplar a noção
de proporcionar a autonomia ao aluno para analisar o próprio discurso. É um processo, além de tudo,
de significação e apreensão dos critérios avaliativos – devem fazer sentido para quem escreve. Caso
contrário, nada mais serão que indicativos irrelevantes de intervenção na produção textual. Para isso,
faz-se necessário que a prática da correção leve de fato o aluno à reflexão sobre seu próprio texto e
sobre os possíveis efeitos de sentido que seu enunciado textual produzirá no interlocutor.

A intervenção da revisão deve, então, ser diagnóstica e instrutiva, pois esse processo
inicia-se na percepção das “falhas” e itens a serem “melhorados” no texto, para que assim haja a
colaboração do professor quanto aos mecanismos da língua e organização das ideias. Nessa
perspectiva, o texto ganha outras dimensões que extrapolam os limites de uma redação escolar e
passa a ser compreendido como uma unidade significativa que produz conhecimento, que revela
opiniões, ideologias, pontos de vista, enfim, que se constitui por meio de um sujeito produtivo e ativo
através de um fenômeno linguístico real.

69
Competência 04

4.4. Texto dissertativo-argumentativo: cinco competências do ENEM no processo de


correção

Como escolhemos o texto dissertativo-argumentativo como gênero para produção


escrita, é importante conhecer o que é exigido numa prova de redação. Além disso, também é
essencial conhecer os critérios de avaliação que servem atualmente de base para o ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio), através do Guia do Participante: A redação no Enem, atualizado e
publicado anualmente. Segundo esse documento, em sua versão do ano de 2016, a prova de redação
exigirá de você a produção de um texto em prosa, do tipo dissertativo-argumentativo, sobre um tema
de ordem social, científica, cultural ou política. Os aspectos a serem avaliados relacionam-se às
“competências” que devem ter sido desenvolvidas durante os anos de escolaridade. Nessa redação,
você deverá defender uma tese, uma opinião a respeito do tema proposto, apoiada em argumentos
consistentes estruturados de forma coerente e coesa, de modo a formar uma unidade textual. Seu
texto deverá ser redigido de acordo com a modalidade escrita formal da Língua Portuguesa. Por fim,
você deverá elaborar uma proposta de intervenção social para o problema apresentado no
desenvolvimento do texto que respeite os direitos humanos.

Partindo dessa elucidação, o Guia tem por objetivos tornar mais transparente a
metodologia de correção da redação e informar o que se espera do participante em cada uma das
competências da sua matriz de referência. Sobre essa expectativa, detalharemos cada uma dessas
competências. A partir daí, você terá embasamento teórico para o processo de revisão e reescrita,
porque não, reescritas, da sua produção textual.

4.4.1. Competência I – Demonstrar domínio da norma culta da língua portuguesa

A primeira competência a ser avaliada no texto é o domínio da modalidade escrita formal


da língua, a distinção entre a modalidade escrita e a oral, bem como entre registro formal e informal.
O candidato tem essa competência desconsiderada (ou seja, tira nota zero neste item), quando
mostra total falta de conhecimento da modalidade escrita formal da Língua Portuguesa. O
desempenho é considerado precário quando são notados desvios gramaticais graves e recorrentes,

70
Competência 04

que passam pela ortografia, pontuação, concordância, acentuação e assim por diante. Além disso, o
candidato que recebe essa qualificação apresenta no texto muitas gírias e marcas de oralidade.

É insuficiente o desempenho do candidato nesta competência quando são notados


muitos desvios gramaticais, como escolha de registro e de convenções de escrita e ainda muito traço
de oralidade e algumas gírias ao longo da construção textual. A avaliação mediana considera que o
aluno teve alguns desvios da Língua Portuguesa — mesmo que sejam poucos erros considerados
graves ou gravíssimos, ou, ainda, vários deslizes leves. O fato de não haver uso adequado da
concordância verbal ou nominal não impede o candidato de enquadrar-se nesse nível na referida
competência, desde que não seja configurada falta de domínio da norma culta.

O candidato que possui um bom nível nessa competência traz no texto poucos desvios
gramaticais leves. Até por isso se há uma falha ou outra de concordância verbal ou nominal na prova
de redação, é dado um peso menor, por entender que o aluno compreendeu o conteúdo e trata-se
de uma falha eventual. No caso de um desempenho ótimo, o estudante demonstra um excelente
domínio da Língua Portuguesa, com pouco ou nenhum desvio gramatical (são aceitos em caso de
excepcionalidade, ou seja, quando não há reincidência do erro no mesmo texto).

4.4.2. Competência II – Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das


várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites
estruturais do texto dissertativo-argumentativo

Esse critério avalia bem a capacidade de interpretação do texto que o candidato possui,
pois ao fugir do tema ele demonstra um indício de não ter conseguido compreender a proposta da
prova. Pelo fato de terem textos de apoio na exposição do tema, mesmo que não tenha domínio
sobre o assunto, o aluno em tese tem condições de atender a esse pré-requisito.

O desempenho é desconsiderado completamente (nota zero) quando o autor do texto


foge completamente ao tema e não apresenta a estrutura completa da dissertação argumentativa,
tipo de texto exigido para a prova do ENEM. O desempenho precário é percebido pelos avaliadores

71
Competência 04

quando o inscrito apresenta o tema, mas tangencia o assunto. Trocando em miúdos: fica numa
superficialidade que beira o desconhecimento do tema (um forte indício de que faltaram condições
de interpretação). Outra característica da redação enquadrada nesse nível é apresentar traços
constantes de outros tipos textuais (tais como narração ou descrição, por exemplo).

A avaliação é considerada insuficiente nesta competência quando o candidato reproduz


cópia de trechos do material de apoio (também conhecidos como textos motivadores). Outra
percepção dos examinadores é a ausência da estrutura textual dissertativa-argumentativa, sem ter
claros os aspectos de introdução, argumentação e conclusão. Mediana é a qualificação atribuída aos
candidatos com argumentação óbvia ou previsível e com mais clareza sobre a estrutura de redação
exigida na prova do ENEM, embora ainda não apresente com propriedade os componentes desse tipo
textual.

O desempenho é considerado bom quando o inscrito possui uma argumentação


consistente, com linha de raciocínio que atende ao formato do texto dissertativo-argumentativo,
passando pela proposição, argumentação e conclusão. O desempenho máximo, ou ótimo, é atribuído
pelos avaliadores quando há argumentação consistente, notada a partir de um repertório
sociocultural e com zelo e domínio das etapas que compõem o tipo de texto da prova do ENEM.

4.4.3. Competência III – Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações,


fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista

Essa competência está intimamente ligada à capacidade de compreensão do tema e a


relação dele com o repertório sociocultural do inscrito. A preparação do aluno para esse item passa,
acima de tudo, pela vivência e experiências adquiridas ao longo de sua vida escolar. Mas sempre pode
ser potencializada essa qualidade a partir de exercícios de leitura, debates e outras estratégias (como
a do cinema na escola, que tratamos por aqui). Nessa competência é esperado do aluno que ele
organize o conhecimento que possui em defesa de um ponto de vista pessoal dentro do tema
estipulado.

72
Competência 04

A nota zero é atribuída à prova de redação do candidato que apresenta informações, fatos
e opiniões não relacionados ao tema, sem que haja defesa de ponto de vista. O desempenho precário
do inscrito é percebido quando há pouca relação dos dados apresentados com o tema e, ainda,
opiniões incoerentes, que levam o autor a não defender um ponto de vista. O nível insuficiente é
entendido pelos examinadores quando há exposição de informações e fatos sobre o tema, mas de
maneira desorganizada e contraditória. Outro elemento percebido é que o conhecimento
apresentado se restringe aos dados trazidos nos textos motivadores.

É considerado mediano o texto que traz informações, fatos e opiniões relacionamentos


ao tema, mas ainda centrados apenas nos argumentos propiciados pelos textos de apoio. O que difere
da redação que recebe uma avaliação boa nesta competência. Nela, o inscrito traz o conteúdo dentro
do tema, de maneira organizada, e com indícios de autoria e defesa de ponto de vista. O ótimo
desempenho é notado quando o candidato traz os dados todos totalmente relacionados ao assunto
proposto, de modo organizado e consistente.

4.4.4. Competência IV – Demonstrar conhecimento dos mecanismos necessários para


a construção da argumentação

Um dos pontos fortes do texto dissertativo, a argumentação recebe uma atenção especial
nessa competência. Os candidatos devem apresentar uma excelente capacidade de estruturar o texto
e apresentar, de maneira coesa e fundamentada, os argumentos. Esses requisitos facilitarão no
processo de defesa de ponto de vista.

A nota zero é atribuída ao texto que não dispõe de marcas de articulação e com ideias
totalmente fragmentadas, sem apresentar uma ordem lógica e clara. O desempenho precário é
percebido nas redações cujos autores apresentam as informações um pouco mais coesas, mas ainda
bem fragmentadas. Já o nível insuficiente desta competência é notado em textos que apresentam
inadequações na formatação e pouco conhecimento de recursos de coesivos (conjunto de
mecanismos linguísticos que ajudam a estabelecer relações de sentido no texto).

73
Competência 04

Os examinadores qualificam como mediana, nesta competência, a redação que apresenta


articulação das partes do texto abaixo do adequado, cujo repertório do autor é pouco diversificado
dos recursos que dão lógica e clareza. Diferentemente do candidato que tem um desempenho bom
neste item. Eles reproduzem no texto poucas inadequações de argumentação e trazem, com clareza,
as informações e repertório diversificado. No quesito, é enquadrado como ótimo o inscrito que
consegue articular muito bem o texto, utilizando-se de conhecimento diversificado sobre o assunto
e com vários recursos que garantem a lógica e clareza.

4.4.5. Competência V – Elaborar proposta de solução para o problema abordado,


respeitando os direitos humanos

Essa competência é a que tem, nas últimas edições do ENEM, apresentado o pior
desempenho na média dos inscritos. A expectativa é a de que o candidato proponha alguma ideia
para solucionar um problema relacionado do tema. Nesse quesito, os examinadores redobram as
exigências para fazer com que as propostas estejam em concordância com os direitos humanos,
considerando valores universais de cidadania, liberdade e diversidade sociocultural.

Os textos que têm nota zero nessa competência não apresentam proposta de intervenção
ou a que é trazida pelo autor não faz relação nenhuma ao tema tratado. É encaixada no nível precário
a redação que apresenta uma proposta de intervenção vaga ou muito abrangente, relacionada
apenas ao assunto central. Já no item insuficiente, o candidato traz uma proposta que não está
articulada com a discussão desenvolvida no texto.

O desempenho mediano é atribuído ao aluno que traz ao texto uma proposta de


intervenção mais conectada ao tema e à argumentação trazida. O que difere dos que se enquadram
na avaliação boa, cuja redação dispõe de uma proposta ligada ao tema e é mais sintonizada ao que
foi relacionado nas linhas anteriores. E, por fim, o desempenho ótimo é atribuído aos estudantes que
apresentam uma proposta de intervenção detalhada e com total relação ao assunto central,
alinhavando aquilo que foi trazido pelo autor ao longo de seu texto.

74
Competência 04

Por fim, apresentamos duas recomendações: para potencializar o conhecimento dos seus
alunos, é fundamental investir em práticas de texto (trouxemos um post que pode ajudá-lo nessa
caminhada). Essa atitude demanda tempo, tanto pela preparação quanto para a correção dos textos
produzidos pelos alunos. E sobre este último aspecto, sabemos que o extraclasse para o corpo
docente não é tarefa fácil, por conta da demanda pesada de preparação das aulas e análise dos textos
produzidos pelos alunos. Para ajudá-lo nisso, a “Imaginie” possui a maior plataforma de correção,
contando com professores especializados nas competências do ENEM que tratamos acima.

4.4.6 Correção comentada de texto dissertativo- argumentativo (ENEM)

A seguir, para criar estratégias de revisão e reescrita do seu texto dissertativo-


argumentativo, está disponível uma redação do ENEM 2012, nota 1000 (máxima), sobre o tema “O
movimento imigratório para o Brasil no século XXI”. Posteriormente, veremos uma análise – com base
na comissão de redação do exame – de como o candidato atingiu o nível de cada competência
analisada.

REDAÇÃO

O fluxo imigratório para o Brasil vem se acentuando desde a década de noventa, devido a
melhorias nos campos sociais e econômicos, os quais eram os principais fatores de emigração, ou seja,
de saída do país. Apesar de estimular o respeito à diversidade cultural, além de outros benefícios, a
imigração exige atenção, pois caso negligenciada, poderá ocasionar problemas sociais.

A principal causa para tal movimento é o progresso econômico do Brasil, confirmado pela
liderança do bloco financeiro sulamericano, o Mercosul. Além disso, como consequência do
crescimento econômico, as condições sociais melhoraram, como a expectativa de vida, as quais
também são resultado das políticas assistenciais do governo, como o Bolsa-família. Com isso, grande
parte da população que emigrava, em busca de melhores condições de vida, permanece no país.
Paralelamente, as dificuldades econômico-sociais de outros países, como o Haiti, abalado pelo
terremoto ocorrido em 2010, estimulam a entrada de estrangeiros no Brasil.

75
Competência 04

Além disso, a globalização, fenômeno de interdependência entre as nações, facilita a


imigração. Como nenhuma produz todos os bens e alimentos dos quais necessita, os fluxos comerciais
e de trabalho aumentam. Um exemplo é a migração de cientistas e engenheiros estrangeiros para os
pólos tecnológicos paulistas. Além disso, a globalização também se caracteriza pelos progressos nas
telecomunicações e nos transportes, mais rápidos e acessíveis, facilitando os deslocamentos. Nesse
sentido, o Brasil é favorecido, com a entrada de mais indivíduos na população economicamente ativa,
e com a interação de sua sociedade com novas culturas, respeitando as diferenças.

Contudo, apesar de tais benefícios, o fluxo imigratório pode ser prejudicial. Um exemplo,
verificado principalmente na fronteira com a Bolívia, é o tráfico de drogas, o qual é facilitado. Além
disso, doenças podem ser trazidas, vitimando brasileiros. Outra questão problemática é a adaptação
à língua portuguesa, o que pode dificultar a garantia de trabalhos dignos. Com isso, pode aumentar
a informalidade, bem como a criminalidade. Tal situação se agrava quando a imigração é ilegal, pois
dificulta a atuação do Estado brasileiro.

Desse modo, percebe-se que boa parte de tais problemas pode ser solucionada a partir da
integração do migrante à sociedade, de forma plena. No caso da sociedade civil, faz-se importante
recepcionar bem os estrangeiros, o que pode ser conseguido com festas ou encontros públicos, que
facilitam a interação e o aprendizado da língua portuguesa. Quanto ao Estado, é importante garantir
a dignidade dos empregos, aplicando as dirigências da Consolidação das leis do trabalho (CLT), além
de fiscalizar regiões de fronteiras, combatendo o tráfico de drogas.

• Comentários da Comissão de Correção de Redação do ENEM

O texto revela excelente domínio da modalidade escrita formal e não apresenta sérios
problemas linguísticos. Há falta de uma vírgula na quarta linha, após “pois”, há ausência de hífen em
“sul-americano” e o uso do neologismo “dirigências”. Revela também domínio seguro do tipo
dissertativo-argumentativo, pois o texto é objetivo, impessoal e claro.

76
Competência 04

A redação organiza-se em cinco parágrafos bem construídos e articulados entre si. O texto
desenvolve a tese de que o Brasil vive um excelente momento econômico, destacando-se no
panorama sul-americano, e essa estabilidade econômica atrai muitos imigrantes em busca de
melhores condições de vida.

Na introdução, afirma que o fluxo imigratório está se intensificando e apresenta aspectos


positivos e negativos. Desenvolve essa ideia esclarecendo as causas do fluxo imigratório: a melhoria
das condições socioeconômicas no Brasil (o que permite a permanência de brasileiros que
emigravam) e as dificuldades em outros países.

Esclarece também o papel da globalização nesse fenômeno. Até então, focaliza os


aspectos positivos da imigração: vinda de mão de obra qualificada, contato com outras culturas,
respeito à diversidade. Em seguida, apresenta os possíveis problemas decorrentes do acentuado fluxo
imigratório: tráfico de drogas, doenças, dificuldades com a Língua Portuguesa que são obstáculos ao
trabalho, subemprego e criminalidade. A imigração ilegal ainda dificulta o trabalho do Estado
brasileiro.

Como conclusão, apresenta proposta de intervenção que respeita os direitos humanos,


é abrangente e está coerente com o desenvolvimento das ideias: a sociedade deve promover a
interação com os estrangeiros e o governo deve continuar a desenvolver políticas de apoio ao
trabalho dos imigrantes, bem como fiscalizar as fronteiras combatendo o tráfico de drogas.

A redação apresenta encadeamento de ideias e demonstra que o participante soube


selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos e argumentos em defesa de seu
ponto de vista: o tema é desenvolvido de forma coerente, os argumentos selecionados são
consistentes e a conclusão é relacionada ao ponto de vista adotado.

No texto são utilizados diversos recursos coesivos, assegurando a articulação entre as


ideias e, portanto, a textualidade: “Apesar de”, “tal movimento”, “Além disso”, “Com isso”, “Nesse

77
Competência 04

sentido”, “Contudo”, “Outra questão”, “Desse modo”, “Isso”, “assim como”, “a esses”, “Feito isso”.
Assim, emprega largamente os recursos linguísticos necessários à construção da argumentação.

Segue um link do manual de redação completo do ENEM 2016, para que você conheça
todas as sugestões para uma boa produção textual:

MANUAL DE REDAÇÃO/ ENEM 2016


http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2016/
manual_de_redacao_do_enem_2016.pdf

78
Conclusão
Ao fim do nosso curso, a partir dos conceitos de língua, linguagem e signo linguístico, você
foi convidado a perceber como ocorre a relação de cada língua (seus falantes) com o mundo à sua
volta, de forma singular e motivada por necessidades específicas de cada comunidade de falantes.
Tudo que é constituído por linguagens possui um valor simbólico, que é constituído social e
historicamente. Pois, ao interagirmos com o nosso interlocutor, mobilizamos saberes que,
relacionados aos conhecimentos linguísticos, determinam a especificidade de cada modalidade de
linguagem.

Baseado no pressuposto da textualidade, você apreendeu a noção de que existe um


conjunto de elementos que fazem com que um texto se consolide como tal, através de atos sociais e
de fala bem estruturados e efetivados. A coesão e a coerência, de forma explícita ou implícita no
texto, estruturada fora ou dentro dele, cooperam para que ajamos, oralmente ou pela escrita, através
da materialização do que pretendemos dizer. Salientamos, também, que os textos se efetivam mais
por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades linguísticas
e estruturais.

Durante toda a discussão, foi demonstrado como todo ato comunicativo perpassa a
escolha do tipo textual e do gênero textual, já que não há como interagir linguisticamente fora dessa
perspectiva. Assim como, no percurso didático do material, foram debatidos tipos e gêneros textuais
diferentes: suas estratégias, características, objetivos discursivos, a fim de uma sistematização do
conteúdo. E esse conhecimento é essencial para que você possa agir socialmente com a língua através
de formas e estruturas relevantes, sempre buscando a interação que se efetiva eficazmente.

Você, cursista, deve ter percebido que no processo de escrita, de produção textual, os
sujeitos agem linguisticamente através de suas ideologias e visões de mundo. Ao escrever,
consolidamos um fenômeno social através de atos linguísticos bem planejados e definidos. No
entanto, além da subjetividade criativa do interlocutor, existem vários processos e estratégias que
compõem a dimensão da redação de um texto, um deles é o de reescrita. Numa prática de escrita e
reescrita, o autor percebe o quanto seu texto pode ser melhorado, e consequentemente, o indivíduo

79
passa a refletir sobre os objetivos alcançados, sua adequação vocabular, suas proposições e ideias,
por exemplo.

Portanto, chegamos à conclusão de que a escrita é, antes de tudo, discursiva e


espontânea (desmitificando a retrógrada perspectiva de artificialidade na produção) e, acima de
tudo, de que há mecanismos de revisão e reescrita textuais – como discutimos durante o curso. Em
um texto, o discurso progride, vai além dos aspectos apenas formais da adequação às normas
gramaticais; ele é argumentação, é discurso, é argumentação – em todas suas possibilidades.
Sabendo disso, é que devemos aceitar a ideia de uma intervenção avaliativa através da revisão
diagnóstica e instrutiva, que busque a autonomia do sujeito da produção atrelada a uma contribuição
essencial do avaliador para as futuras reescritas.

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Referências
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

BEAUGRANDE, R., DRESSLER, W. U. Einfhrung in die Textlinguistik. Tubingen: Niemeyer, 1981.

GAIARSA, José Ângelo. O que é corpo. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 14 – 25. (Coleção Primeiros
Passos).

GEIGER, Paulo (org.). Dicionário Novíssimo Aulete: Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Editora Lexikon, 2011.

JACKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. São Paulo: Cultrix, 2007.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguísica Geral. São Paulo: Ed. Cultrix, 2006.

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