Você está na página 1de 1066

PRINCÍPIOS DE NEFROLOGIA E

DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS
PRINCÍPIOS DE NEFROLOGIA
E
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS

Miguel Carlos Riella


Professor Titular de Clínica Médica da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Professor Titular de Clínica Médica e Diagnóstico da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná.
Diretor do Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba.
Ex-Research Fellow em Nefrologia na University of Washington (Seattle, U.S.A.).
Doutor em Medicina pela UNIFESP

QUARTA EDIÇÃO
NOTA DA EDITORA: A área da saúde é um campo em constante mudança. As normas
de segurança padronizadas precisam ser obedecidas; contudo, à medida que as novas
pesquisas ampliam nossos conhecimentos, tornam-se necessárias e adequadas modificações
terapêuticas e medicamentosas. O autor desta obra verificou cuidadosamente os nomes
genéricos e comerciais dos medicamentos mencionados, bem como conferiu os dados
referentes à posologia, de modo que as informações fossem acuradas e de acordo com os
padrões aceitos por ocasião da publicação. Todavia, os leitores devem prestar atenção às
informações fornecidas pelos fabricantes, a fim de se certificarem de que as doses
preconizadas ou as contra-indicações não sofreram modificações. Isso é importante,
sobretudo em relação a substâncias novas ou prescritas com pouca freqüência. O autor e a
editora não podem ser responsabilizados pelo uso impróprio ou pela aplicação incorreta do
produto apresentado nesta obra.

No interesse de difusão da cultura e do conhecimento, o autor e os editores envidaram o


máximo esforço para localizar os detentores dos direitos autorais de qualquer material
utilizado, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertidamente, a identificação
de algum deles tenha sido omitida.

Editoração Eletrônica:

Capa: Leonardo Vidal Riella

Direitos exclusivos para a língua portuguesa


Copyright © 2003 by
EDITORA GUANABARA KOOGAN S.A.
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040-040
Tel.: 21–2221-9621
Fax: 21–2221-3202
www.editoraguanabara.com.br

Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação


ou reprodução deste volume, no todo ou em parte,
sob quaisquer formas ou por quaisquer meios
(eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia,
distribuição na Web, ou outros),
sem permissão expressa da Editora.
COLABORADORES

ABRAHÃO SALOMÃO FILHO CESAR COSTA


Professor Adjunto do Departamento de Clínica Médica da FM/ Professor Titular do Departamento de Medicina Interna, Faculdade
UFMG. Coordenador do Grupo de Transplantes Renais do HU/ de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Médi-
UFMG co Assistente do Serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre, RS
ALEXANDER J. ROUCH
Associate Professor of Physiology in the Department of Physiology CHRISTOPHE LEGENDRE
at Oklahoma State University Center for Health Sciences Professor Adjunto da Universidade de Paris V, Université René
Descartes, Faculté de Médécine Necker-Enfants Malades, Serviço de
ALUIZIO BARBOSA DE CARVALHO Transplante Renal do Hospital Necker, Paris, França
Professor Afiliado Doutor da Disciplina de Nefrologia da Escola
Paulista de Medicina — UNIFESP. Responsável pelo Setor de Do- CIBELE ISAAC SAAD RODRÍGUEZ
enças Ósseas do Hospital do Rim da Fundação Oswaldo Ramos — Professora Titular do Departamento de Medicina, Disciplina de
Hospital do Rim e Hipertensão Nefrologia, da Faculdade de Ciências Médicas de Sorocaba — PUC/
SP. Mestrado e Doutorado em Nefrologia na UNIFESP-EMP
AMÉRICO LOURENÇO CUVELLO NETO
Doutor em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade CLÁUDIA MARIA DE BARROS HELOU
de São Paulo (FMUSP). Médico Assistente do Grupo de Insuficiên- Professora Assistente Doutora, Disciplina de Nefrologia, do Hospital
cia Renal Aguda, Hospital das Clínicas — FMUSP das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

ANTONIO BARBIERI CRISTINA MARTINS


Professor Adjunto do Departamento de Diagnóstico por Imagem da Mestre em Nutrição Clínica pela New York University, U.S.A.
Universidade Federal de São Paulo. Coordenadoria de Radioisóto- Doutoranda em Ciências Médicas, Disciplina de Nefrologia, UFRGS.
pos da Escola Paulista de Medicina Nutricionista-Chefe, Clínica de Doenças Renais — Curitiba, PR.
Professora Assistente — Curso de Nutrição PUC/PR. Diretora Ge-
ANTONIO CARLOS SEGURO ral da Nutroclínica
Professor Livre-Docente de Nefrologia do Hospital das Clínicas da
Faculdade de Medicina da USP DALTRO ZUNINO
Mestre em Pediatria. Especialista em Nefrologia Pediátrica. Respon-
ANTONIO JOSÉ BARROS MAGALDI sável pelo Setor de Nefropediatria dos Serviços de Pediatria e
Professor Assistente Doutor e Professor Colaborador da USP-Labo- Nefrologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, PR
ratório e Pesquisa Básica LIM 12 — Nefrologia — Hospital das
Clínicas da FMUSP DÉCIO MION JR.
Professor Livre-Docente. Chefe da Unidade de Hipertensão do Hos-
ANTONIO MARMO LUCON pital das Clínicas, Disciplina de Nefrologia, da Faculdade de Medi-
Professor Assistente da Disciplina de Urologia. Departamen- cina da Universidade de São Paulo
to Cirúrgico da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo E. BARSANULFO PEREIRA
Professor Titular de Clínica Médica, Disciplinas de Nefrologia
CARLOS JADER FELDMAN e Farmacologia Clínica, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Médico-Chefe do Serviço de Radiologia do Instituto de Cardiologia
do Rio Grande do Sul/FUC EDISON MATOS NÓVAK
Neurologista. Professor Adjunto de Neurologia — UFPR. Mestre
CARLOS PEREZ GOMES em Medicina Interna. Membro Titular da Academia Brasileira de
Mestre em Nefrologia. Nefrologista do Hospital da Polícia Civil JCM. Neurologia. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Investiga-
Médico Nefrologista da Pró-Renal ção Neurológica
vi Colaboradores

EDIVALDO CELSO VIDAL HENRI KREIS


Professor Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade Fede- Professor Adjunto da Universidade de Paris V, Université René
ral de Uberlândia, MG Descartes, Faculté de Médécine Necker-Enfants Malades, Serviço de
Transplante Renal do Hospital Necker, Paris, França
EDNA REGINA SILVA PEREIRA
Professora Adjunta. Chefe do Serviço de Nefrologia do Hospital das HENRY DE HOLANDA CAMPOS
Clínicas, Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal Professor Adjunto do Departamento de Medicina Clínica da Uni-
de Goiás versidade Federal do Ceará. Professor Associado da Universidade de
Paris V, Université René Descartes, Faculté de Médécine Necker-
ELIAS ASSAD WARRAK Enfants Malades, Paris, França
Professor Auxiliar da Disciplina de Nefrologia da Universidade
Federal Fluminense HEONIR ROCHA
Professor Titular do Departamento de Medicina — Faculdade de
EMIL SABBAGA Medicina da Universidade Federal da Bahia
Professor Associado Livre-Docente de Nefrologia da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo IRENE L. NORONHA
Doutora em Imunologia de Transplantes pela Universidade de
EMMANUEL DE ALMEIDA BURDMANN Heidelberg, Alemanha. Professora Livre-Docente Doutora da Dis-
Professor Livre-Docente da Faculdade de Medicina da Universi- ciplina de Nefrologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
dade de São Paulo. Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia Medicina da USP. Staff da Clínica de Nefrologia do Hospital da
da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, SP Beneficência Portuguesa de São Paulo. Coordenadora do Progra-
ma Clínico de Transplante de Pâncreas-Rim do Hospital da Be-
ERIC ROGER WROCLAWSKI neficência Portuguesa de São Paulo e Hospital Israelita Albert
Professor Adjunto e Regente da Disciplina de Urologia da Facul- Einstein
dade de Medicina do ABC. Responsável pelo Serviço de Urologia
do Hospital Universitário da Fundação do ABC. Urologista do Hos- IRINA ANTUNES
pital Israelita Albert Einstein. Chefe do Setor Cirúrgico da Uni- Doutora em Nefrologia pela Universidade de São Paulo. Médica
dade de Transplante Renal do Instituto Dante Pazzanese de Car- Colaboradora do Serviço de Nefrologia do Hospital das Clínicas da
diologia de São Paulo. Presidente da Sociedade Brasileira de FMUSP
Urologia
ISTÊNIO FERNANDES PASCOAL
EUTHYMIA BRANDÃO A. PRADO Doutor em Medicina pela Universidade de São Paulo. Pós-Douto-
Docente do Curso de Pós-Graduação em Nefrologia da Faculdade de rado pela Universidade de Chicago. Nefrologista Clínico em Brasí-
Medicina da Universidade de São Paulo lia, DF

FERNANDO ANTONIO DE ALMEIDA JOÃO PROCÓPIO FORTES JÚNIOR


Professor Titular do Departamento de Medicina, Disciplina de Mestre em Radiologia pela Universidade Federal de São Paulo. Físi-
Nefrologia, Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Sorocaba co Especialista em Medicina Nuclear
— PUC/SP. Doutor em Nefrologia — Escola Paulista de Medicina.
Post-Doctoral Fellow Cornell University Medical College, New JOCEMIR RONALDO LUGON
York, U.S.A. Professor Titular de Nefrologia da Universidade Federal Fluminense.
Rio de Janeiro, RJ
FERNANDO MEYER
Mestre em Clínica Cirúrgica pela UFPR. Professor Assistente do JORGE KALIL
Curso de Medicina da PUC/PR Professor Titular de Imunologia Clínica e Alergia, Diretor do Labo-
ratório de Imunologia do Instituto do Coração, Faculdade de Medi-
FLÁVIO M. BARBOSA cina da Universidade de São Paulo
Médico Residente do Serviço de Radiologia do Instituto de Cardio-
logia do Rio Grande do Sul/FUC JORGE LUIZ GROSS
Professor Titular do Departamento de Medicina Interna da Facul-
GILBERTO ALONSO dade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Professor Adjunto do Departamento Diagnóstico por Imagem da Chefe do Serviço de Endocrinologia do Hospital de Clínicas de Por-
Escola Paulista de Medicina — Universidade Federal de São Paulo to Alegre, RS

GILVAN NEIVA FONSECA JORGE PAULO STROGOFF DE MATOS


Doutor em Urologia pela UNIFESP — Escola Paulista de Medicina. Mestre em Nefrologia pela Universidade do Estado do Rio de
Professor Adjunto de Urologia do Serviço de Urologia da Faculdade Janeiro. Médico Nefrologista da Clínica de Doenças Renais, Rio de
de Medicina da Universidade Federal de Goiás Janeiro
Colaboradores vii

JOSÉ HERMÓGENES ROCCO SUASSUNA LUIZ ESTEVAM IANHEZ


Mestre em Medicina — Nefrologia. Doutor em Ciências — Professor Livre-Docente de Nefrologia da Faculdade de Medicina da
Microbiologia e Imunologia. Médico da Kidney Assistance/CDR USP — São Paulo. Chefe do Setor Clínico da Unidade de Transplante
Serviços Hospitalares. Professor Adjunto, Disciplina de Nefrologia, Renal da Divisão de Clínica Urológica — Hospital das Clínicas da
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio FMUSP. Médico Nefrologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
de Janeiro (UERJ)
LUIZ SERGIO SANTOS
JOSÉ LUIZ MONTEIRO Professor Adjunto da Disciplina de Urologia da PUC/PR
Professor Assistente Doutor da Disciplina de Nefrologia da Facul-
dade de Medicina da Universidade de São Paulo MARCELLO FABIANO DE FRANCO
Professor Titular de Patologia da Escola Paulista de Medicina —
JOSÉ MAURO VIEIRA JÚNIOR Universidade Federal de São Paulo
Assistente Doutor do LIM 16 da Faculdade de Medicina da Univer-
sidade de São Paulo MARCELO MAZZA DO NASCIMENTO
Mestre em Medicina Interna pela Universidade Federal do Paraná.
JOSÉ NERY PRAXEDES Doutor em Medicina (2003), Universidade Federal do Rio Grande do
Professor Doutor da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Me- Sul. Chefe do Serviço de Hemodiálise do Hospital Universitário Evan-
dicina da Universidade de São Paulo gélico de Curitiba da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná

LEONARDO VIDAL RIELLA MÁRCIA CRISTINA DE ALMEIDA


Doutorando em Medicina pela Universidade Federal do Paraná Mestre em Nefrologia pela Universidade Federal de São Paulo. Es-
pecialista em Medicina Nuclear
LINEU CÉSAR WERNECK
Professor Titular de Neurologia — UFPR. Doutor em Neurologia. MARCOS ALEXANDRE VIEIRA
Chefe do Serviço de Neurologia e Doenças Neuromusculares do Hos- Médico da Fundação Pró-Rim de Santa Catarina. Nefrologista For-
pital de Clínicas — UFPR. Membro Titular da Academia Brasileira mado pelo Hospital Universitário Evangélico de Curitiba
de Neurologia. Membro Titular da Sociedade Brasileira de Investi-
gação Neurológica. Membro da American Academy of Neurology. MARIA APARECIDA PACHALLY
Membro da American Neurological Association Nefrologista do Hospital Universitário de Curitiba. Especialista em
Terapia Intensiva
LUCIA H. KUDO
Professora Aposentada pela Universidade de São Paulo e Atual Re- MARIA DE FÁTIMA SANTOS BANDEIRA
search Scientist no OSU Center for Health Sciences, Tulsa, Oklaho- Nefrologista da Clínica de Doenças Renais, RJ
ma, U.S.A.
MARIA FERNANDA CORDEIRO DE CARVALHO
LÚCIO SILVA Professora Doutora em Nefrologia da Faculdade de Medicina de
Médico Nefrologista do Instituto Mineiro de Nefrologia. Coordena- Botucatu — UNESP
dor da Clínica de Nefrologia e Hemodiálise do Hospital Belo Hori-
zonte. Preceptor da Residência Médica do Hospital Belo Horizonte MARIANGELA M. COSNER
Médica Radiologista do Serviço de Radiologia do Instituto de Car-
LUÍS HENRIQUE CANANI diologia do Rio Grande do Sul/FUC
Pesquisador Associado do Serviço de Endocrinologia do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre. Pós-Doutorado na Unidade de Genética e MÁRIO ABBUD FILHO
Epidemiologia da Clínica Joslin, Boston, U.S.A. Professor Adjunto, Departamento de Medicina, Faculdade de Me-
dicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Diretor do Laboratório
LUIS YU de Imunologia de Transplantes, Instituto de Urologia e Nefrologia
Professor Livre-Docente da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de S. J. do Rio Preto, SP. Diretor do Centro Interdepartamental de
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico Res- Transplantes de Órgãos da FAMERP/FUNFARME
ponsável pelo Grupo de Insuficiência Renal Aguda, Hospital das
Clínicas — FMUSP MARISTELA CARVALHO DA COSTA
Doutora em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universi-
LUIZ ANTONIO RIBEIRO DE MOURA dade de São Paulo (FMUSP). Médica Responsável pela UTI
Professor Adjunto Doutor, Departamento de Patologia, Faculdade Nefrologia do Hospital das Clínicas — FMUSP
de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
MAURI FÉLIX DE SOUZA
LUIZ APARECIDO BORTOLOTTO Mestre em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da UFRGS. Pro-
Doutor em Cardiologia. Médico Assistente da Unidade de Hiperten- fessor Assistente de Nefrologia da Faculdade de Medicina da UFG.
são do Instituto do Coração Pós-Graduando da Faculdade de Medicina — USP a nível de doutorado
viii Colaboradores

MAURÍCIO DE CARVALHO PAULO SCHIAVOM DUARTE


Professor Adjunto, Disciplina de Nefrologia, da Pontifícia Univer- Especialista em Medicina Nuclear
sidade Católica do Paraná. Preceptor da Residência em Medicina
Interna da Universidade Federal do Paraná. Ex-Research Fellow em REINALDO MARTINELLI
Nefrologia, Universidade de Chicago, U.S.A. Professor Titular, Departamento de Medicina, Faculdade de Medi-
cina da Universidade Federal da Bahia
MIGUEL CARLOS RIELLA
Professor Titular de Clínica Médica da Pontifícia Universidade RICARDO AUGUSTO FARIA
Católica do Paraná. Professor Titular de Clínica Médica e Diag- Mestre em Nefrologia. Médico Nefrologista do Ministério da Saú-
nóstico da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná. Dire- de. Médico da Kidney Assistance/CDR Serviços Hospitalares
tor do Serviço de Nefrologia do Hospital Universitário Evangéli-
co de Curitiba. Ex-Research Fellow em Nefrologia na University ROBERTO C. MANFRO
of Washington (Seattle, U.S.A.). Doutor em Medicina pela Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna, Facul-
UNIFESP dade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mé-
dico Assistente do Serviço de Nefrologia do Hospital de Clínicas de
MIGUEL CENDOROGLO NETO Porto Alegre, RS
Professor Adjunto da Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista
de Medicina — Universidade Federal de São Paulo ROBERTO FLÁVIO DA SILVA PECOITS FILHO
Professor Adjunto de Clínica Médica da Pontifícia Universidade Cató-
MIGUEL LUIS GRACIANO lica do Paraná. Doutor em Nefrologia pela Universidade de São Paulo.
Pós-Graduando em Nefrologia (Doutorado), USP, São Paulo, SP. Pesquisador Associado ao Karolinska Institutet, Estocolmo, Suécia
Mestre em Nefrologia, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. Nefrologista, Hos-
pital Universitário Antônio Pedro, UFF, Niterói, RJ. Nefrologista, ROBERTO ZATZ
Hospital Geral de Bonsucesso, Rio de Janeiro, RJ Professor Associado de Disciplina de Nefrologia, Departamento de
Clínica Médica, Faculdade de Medicina da USP
MIRELA JOBIM DE AZEVEDO
Professora Adjunta do Departamento de Medicina Interna da Fa- RODRIGO VIEIRA OZELAME
culdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialista em Radiologia Pediátrica
Livre-Docente pela Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulis-
ta de Medicina — Universidade Federal de São Paulo RONALDO ROBERTO BÉRGAMO
Professor Titular da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Me-
MIRIAN APARECIDA BOIM dicina do ABC
Professora Afiliada da Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista
de Medicina — Universidade Federal de São Paulo RUI TOLEDO BARROS
Professor Assistente da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de Me-
NESTOR SCHOR dicina da Universidade de São Paulo. Coordenador do Grupo de
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa. Professor Titular da Dis- Nefrologia Clínica do Serviço de Nefrologia do Hospital das Clíni-
ciplina de Nefrologia da Escola Paulista de Medicina — Universi- cas da FMUSP
dade Federal de São Paulo
SANDRA BALEEIRO ABRAHÃO
NICOLAS PANAJOTOPOULOS Doutora em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universidade
Pesquisador do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração, de São Paulo. Médica do Serviço-Disciplina de Nefrologia do HCFMUSP
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
SANDRA PINHO SILVEIRO
NOEMIA PERLI GOLDRAICH Professora Adjunta do Departamento de Medicina Interna da Fa-
Doutora em Nefrologia pela UNIFESP. Professora Adjunta do De- culdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
partamento de Pediatria e Puericultura da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Chefe da Unidade SEBASTIÃO O. L. DE CARVALHO
de Nefrologia Pediátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS Radiologista do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná

OSCAR FERNANDO PAVÃO DOS SANTOS SERGIO ANTONIO DRAIBE


Professor Associado da Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista Professor Associado da Disciplina de Nefrologia da Escola Paulista
de Medicina — Universidade Federal de São Paulo de Medicina — Universidade Federal de São Paulo

PAULO HENRIQUE FRAXINO SÉRGIO AUGUSTO DE MUNHOZ PITAKI


Nefrologista da Santa Casa de Irati. Diretor Médico da Clínica Re- Médico Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem — Colé-
nal Irati. Ex-Residente do Serviço de Nefrologia do Hospital Uni- gio Brasileiro de Radiologia (CBR). Membro da Sociedade Norte-Ameri-
versitário Evangélico de Curitiba, PR cana de Radiologia (RSNA). Diretor da Clínica Alphasonic-Curitiba, PR
Colaboradores ix

TAÍS TINNUCCI VANILDO JOSÉ OZELAME


Doutora em Nefrologia pela Faculdade de Medicina da Universi- Doutor em Radiologia. Professor Titular de Radiologia da Uni-
dade de São Paulo. Docente pela Escola de Educação Física e Espor- versidade Federal de Santa Catarina. Especialista em Radiologia Pe-
tes da Universidade de São Paulo diátrica

TELMA SAKUNO VIKTÓRIA WORONIK


Especialista em Radiologia Pediátrica. Radiologista do Hospital In- Professora Assistente da Disciplina de Nefrologia da Faculdade de
fantil Joana de Gusmão e do Hospital Universitário da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Responsável pelo Ambu-
Medicina da Universidade Federal de Santa Catarina latório de Glomerulopatias do Serviço de Nefrologia do Hospital das
Clínicas da FMUSP
VANDA JORGETTI
Doutora em Nefrologia pela USP. Médica Assistente do Serviço de Nefro- VITOR AUGUSTO SOARES (IN MEMORIAM)
logia do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo. Responsável Professor Livre-Docente em Nefrologia e Professor Emérito da Fa-
pelo Laboratório de Osteodistrofia Renal e Doenças Ósseas Metabólicas culdade de Medicina de Botucatu — UNESP.
A meus pais,
Edith e Carlos, uma homenagem de gratidão.

A minha esposa
Marila e a meus filhos Leonardo e Cristian, pelo incentivo, compreensão e apoio.
APRESENTAÇÃO DA QUARTA EDIÇÃO

No ano de 1980, o Prof. Miguel Carlos Riella lançou, com o dades trazidas por avanços da biologia molecular. Ao lado dis-
sucesso esperado, o seu livro de Nefrologia, o qual, de modo so, a necessidade cada vez maior de termos evidências essenci-
progressivo, foi se tornando o livro de informação nefrológica que ais que fundamentem o entendimento do processo patológico. A
considero o mais completo entre os textos usados nas escolas nefrologia é uma rica área nesse sentido.
médicas de nosso País, além de ser, acredito, o mais informativo Um livro moderno deve facilitar o leitor, acompanhando os
em língua portuguesa. avanços na área. Principalmente deve ajudar o professor no pre-
Engano pensar que a reedição de um livro como este, que tenho paro de suas aulas e conferências, bem como na revisão de tópi-
a satisfação especial de apresentar, seja um trabalho relativamente cos que se atualizam continuamente. Nesse particular, a apresen-
simples de realizar, pelo fato de grande parte já ter sido feita. tação moderna da formatação dos capítulos e um site na Internet
A nova edição de um livro deste porte implica a necessidade no final de cada um deles, além de todo o conteúdo do livro apre-
de novos capítulos, cuja escolha precisa ser criteriosa, adicionando sentado em um CD, vão ajudar o manuseio prático e a realização
informações necessárias e complementares. No caso atual, aos 51 de revisões e atualizações mais freqüentes e mais fáceis de serem
capítulos já existentes, foram adicionados mais três, cobrindo im- feitas e aproveitadas.
portantes áreas. Além de investigação através de imagem do apa- O acompanhamento de um livro como este, através de edi-
relho urinário, foi incluída a imagem renal por ressonância mag- ções sucessivas e aprofundadas e cuidadosamente aprimoradas,
nética, sendo discutidas suas indicações, vantagens e limites. serve também para definir e apresentar o vigor científico dessa
Pela importância do tema, foi acrescentado um capítulo sobre área motivadora e estimulante sobre que se detém o trabalho
a hipertensão arterial na mulher, assim como um capítulo espe- apresentado.
cífico e destacado sobre diálise peritoneal, além de métodos De parabéns o Prof. Riella e seus colaboradores; seu livro de
hemodialíticos contínuos para tratamento da insuficiência renal Nefrologia melhora a cada nova edição, demonstrando a serie-
aguda. dade com que realiza o seu trabalho. A Nefrologia brasileira se
Tudo isso vem acrescentar conhecimentos práticos e objetivos enriquece com mais esta contribuição.
na conduta diagnóstica e terapêutica no cuidado com o nefropata.
Há necessidade de aprimorar as informações sobre patogenia HEONIR ROCHA
e fisiopatologia das nefropatias, sobretudo pelo volume de no- Faculdade de Medicina
vas informações de ordem imunológica, assim como pelas novi- Universidade Federal da Bahia
PREFÁCIO DA QUARTA EDIÇÃO

Agora já se passaram 23 anos desde que escrevemos o prefá- to. Capítulos foram atualizados e outros desdobrados, como mé-
cio da primeira edição, publicada em setembro de 1980. Princí- todos de depuração extra-renal: hemodiálise, diálise peritoneal
pios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos é o livro de e métodos contínuos são agora apresentados separadamente.
Nefrologia adotado pela maioria das escolas de medicina do Bra- Além disso, expandiu-se a abordagem aos métodos de imagem
sil. Em função disso, a sua editoração tornou-se cada vez mais do aparelho urinário e introduziu-se um novo capítulo: hiperten-
criteriosa. Algumas inovações foram introduzidas nesta edição: são na mulher.
esta é a primeira vez que o texto é impresso em duas cores; pon- Esperamos novamente que o livro satisfaça aos nossos estu-
tos-chave destacam tópicos importantes a serem lembrados pelo dantes de medicina e jovens nefrologistas. Reiteramos o com-
leitor, e, para complementar a informação, são fornecidos diver- promisso de mantê-lo atualizado. Agradecemos mais uma vez
sos endereços eletrônicos que poderão auxiliar sobremaneira o aos nossos colaboradores, dignos representantes da Nefrologia
leitor. E, como se isso não bastasse, o livro é apresentado também brasileira.
sob a forma de CD, que permite uma pesquisa rápida e uma vi-
são abrangente das figuras e fotos coloridas. Na era da medicina MIGUEL CARLOS RIELLA
baseada em evidências, procurou-se referenciar extensamente o tex- Curitiba, março de 2003
APRESENTAÇÃO DA TERCEIRA EDIÇÃO

Dr. Miguel Carlos Riella tomou a decisão muito acertada de do. A meu ver, é o único livro nacional que cumpre esta finalida-
lançar, no mercado de livros científicos, a terceira edição de Prin- de. É extremamente abrangente, analisando não só as alterações
cípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos. eletrolíticas do paciente nefropata, como a fisiopatologia, a clínica
nefrológica e a terapêutica.
O prefácio da primeira edição (1980) foi escrito pelo Dr.
Belding H. Scribner, com quem Riella fez seu fellowship. Scribner, A medicina, da qual a Nefrologia é um capítulo substancial, é uma
a meu ver, deveria já ter recebido o prêmio Nobel de Medicina ciência profundamente dinâmica, o que determinou esta nova edi-
pelos seus trabalhos e pesquisas no tratamento do renal crônico. ção de 1996 e que permite prever que novas edições se sucederão.

A segunda edição (1988) foi prefaciada pelo Prof. Oswaldo Professor Miguel Riella é um nefrologista extremamente mo-
Luiz Ramos, Professor de Nefrologia da Escola Paulista de Me- tivado em ensino, pioneiro no Brasil em algumas técnicas
dicina, local onde Riella defendeu seu doutorado. nefrológicas, e lança a terceira edição do seu livro quando ocupa
Esta edição, muito mais ampla que as anteriores, com 51 capí- muito meritoriamente o cargo de Presidente da Sociedade Brasi-
tulos, é prefaciada por mim, cujo único mérito reside no fato de leira de Nefrologia.
ser um amigo e admirador do Dr. Riella de longa data.
Parabéns, meu amigo Riella, por ter contribuído mais uma vez
É preciso ressaltar a importância de um livro deste padrão den- para o progresso da nossa especialidade.
tro do contexto do ensino de nefrologia no Brasil. Os graduandos
de medicina, os residentes e pós-graduandos de Nefrologia encon- EMIL SABBAGA
traram nele um instrumento muito adequado para seu aprendiza- Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
PREFÁCIO DA TERCEIRA EDIÇÃO

A primeira edição de Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hi- Belding H. Scribner, meu mentor na Universidade de Washing-
droeletrolíticos foi apresentada em 1980 com 30 capítulos e ten- ton em 1973, consolidou a minha formação nesta área, que hoje
do como alvo principal os nossos estudantes de medicina. A se- faz parte integrante de Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hi-
gunda edição é de 1988 com 35 capítulos, consolidando-se como droeletrolíticos.
livro-texto nas escolas de medicina e bastante útil também para Se me coube o mérito pela iniciativa da primeira edição, hoje
os jovens médicos residentes e nefrologistas. Esta terceira edi- em dia o partilho com a Nefrologia brasileira. Tenho ao longo dos
ção, de 1996, é ampliada para 51 capítulos, procurando tradu- anos abdicado de escrever certos capítulos para que novos cola-
zir o avanço da Nefrologia, tornando-se mais atualizada para o boradores participem, estimulando-os a escrever, expor suas idéi-
jovem nefrologista, sem contudo perder as características dos as e trabalho e, de certa forma, procurando traduzir a pujança, o
temas básicos para o estudante de medicina. A seção de distúr- crescimento e a valorização da nossa especialidade. O lançamento
bios hidroeletrolíticos é mantida e de certa forma tem uma desta terceira edição, estando eu Presidente da Sociedade Brasi-
conotação histórica, já que é responsável pela minha escolha da leira de Nefrologia, muito me honra e de certa forma coroa a mi-
Nefrologia como especialização clínica. Durante todo o curso nha trajetória na Nefrologia brasileira. Aos amigos e colaborado-
de medicina preparava-me para ser um cirurgião. A noção de res, o meu sincero agradecimento.
que seria importante para o cirurgião o domínio da reposição
hidroeletrolítica, do plano parenteral, levou-me mais de per- MIGUEL CARLOS RIELLA
to a conhecer e encantar-me com a Nefrologia. O interesse de Curitiba, setembro de 1996
APRESENTAÇÃO DA SEGUNDA EDIÇÃO

Temos enorme prazer em apresentar a 2.ª edição de Princípios de surge esta nova edição com pelo menos quatro novos capítulos e uma
Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos, de autoria do Professor Mi- real atualização dos restantes, conservando, entretanto, as caracte-
guel Carlos Riella. A 1.ª edição cumpriu integralmente sua finalida- rísticas de precisão e concisão que nortearam a edição antecedente.
de, cobrindo, de maneira direta e precisa, os principais conhecimen- Parabéns ao autor e à Nefrologia brasileira por mais esta demons-
tos indispensáveis à formação de um nefrologista. O livro se mostrou tração de pujança e competência.
extremamente útil a estudantes, residentes e pós-graduandos da
área. Passados sete anos, sentiu o autor que, para manter o mesmo OSWALDO LUIZ RAMOS
padrão de qualidade, era necessário haver uma atualização. Assim, Escola Paulista de Medicina
PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO

Após sete anos do lançamento da primeira edição deste li- Nesta 2.ª edição, além de atualização de cada capítulo, introdu-
vro, sinto-me gratificado pela sua aceitação entre os estudan- zimos outros novos: Fisiopatologia do Edema; Modernos Métodos
tes e jovens médicos das escolas de Medicina deste País. Pas- Diagnósticos: Radioisótopos, Ultra-sonografia e Tomografia Computa-
sou-me, no entanto, despercebida, na época, a responsabilida- dorizada; Métodos de Depuração Extra-renal; Síndrome Nefrítica e En-
de que assumia perante a comunidade científica de manter fermidades Túbulo-intersticiais. Acredito que esta renovação apri-
esta obra atualizada e, portanto, útil a gerações vindouras. mora e enriquece a nova edição.
Isto significa, na prática, que mal sai uma nova edição come- O sentimento de que este texto poderá contribuir para a for-
çamos a nos preocupar com a seguinte. É um trabalho e uma mação de nossos médicos e jovens nefrologistas deixa-me orgu-
responsabilidade contínua. Mais uma vez coube-me o privilé- lhoso e gratificado, sentimento este que partilho com todos aque-
gio e a honra de coordenar esta edição. Dela participam gru- les que aqui colaboram.
pos nefrológicos os mais representativos do País, refletindo,
de certa forma, o aprimoramento e progresso da Nefrologia MIGUEL CARLOS RIELLA
brasileira. Curitiba, 12 de setembro de 1987
APRESENTAÇÃO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

Este único volume contém uma quantidade quase inacreditável da-me o fato de que alguns conhecimentos que o Dr. Riella apren-
de informações úteis e práticas. Abrangendo ambas as áreas de deu em Seattle, durante o seu Research Fellowship, fazem parte
balanço hidroeletrolítico e nutrição parenteral, o Dr. Riella e seus deste novo e importante texto.
colaboradores produziram um livro que deve provar ser muito útil.
Além disto, os vários capítulos de Nefrologia abordam este cam- BELDING H. SCRIBNER, M. D.
po de maneira a satisfazer as necessidades de qualquer clínico geral Professor de Medicina Interna. Chefe, Divisão de Nefrologia,
ou internista, assim como de nefrologistas e urologistas. University of Washington, Seattle, USA.
Através de uma cuidadosa seleção de tópicos, o Dr. Riella e
seus co-autores criaram uma fonte única de informações. Agra-
PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO

A idéia inicial de organizar este texto de Nefrologia surgiu cos. A participação de vários co-autores compromete a homoge-
durante a minha permanência na Universidade de Washington neidade do texto, por mais bem familiarizados que estejam com
em Seattle. Impressionou-me sobremaneira a preocupação dos o espírito da obra. Estes fatos, aliados a nossa inexperiência no
educadores em orientar os estudantes de Medicina e proporcio- campo editorial, trarão à tona, sem dúvida, erros e falhas. No
nar-lhes textos atualizados da matéria a ser ministrada. O ensino entanto, conscientes das deficiências, antecipamos o nosso espí-
era encarado com seriedade e responsabilidade. As anotações em rito receptivo a críticas e sugestões, procurando aprimorar este
classe, que tanto distraem o estudante, tornavam-se desneces- trabalho inicial. Colaboram, neste livro, nefrologistas e pesqui-
sárias. Desapareciam as aulas magistrais e surgia um proveitoso sadores de diversas escolas médicas do Brasil, cada um trazendo
diálogo professor-alunos. o melhor da sua experiência pessoal. Sem eles, esta obra não se-
Esta experiência inicial foi marcante e constituiu-se, sem dú- ria uma realidade. Além do mais, muitos foram aqueles que me
vida, numa fonte geradora de energia e estímulos para a organi- apoiaram e incentivaram na organização deste texto. Inicialmente
zação deste livro, cuja finalidade primordial é a de proporcionar o meu agradecimento e admiração aos mestres que serviram de
aos nossos estudantes de Medicina um texto de Nefrologia sim- estímulo: Belding H. Scribner, Gary E. Striker, Robert Hickman,
ples, prático e atualizado. É óbvio que, dada a profundidade com Leonard J. Quadracci e Ralph Cutler, da Universidade de Wa-
que alguns temas foram abordados, poderá ser útil a residentes, shington, Seattle. A minha gratidão aos meus colegas de traba-
clínicos gerais e nefrologistas. Além dos temas básicos de lho, João Loewen e Luiz Sallim Emed, que arcaram com grande
Nefrologia, abordamos neste volume a Terapia Parenteral, inici- parte das minhas obrigações no Serviço de Nefrologia, proporci-
ando com os distúrbios hidroeletrolíticos, que sem dúvida enri- onando-me o tempo e a tranqüilidade que um trabalho desta
quecem o texto e suprem um vazio há muito sentido pelos estu- natureza requer. Agradeço ainda aos jovens médicos Marco Polo
dantes nos textos nefrológicos, e finalizando com noções de Nu- Rauth e Angel A. J. Mate que, com seus trabalhos artísticos, ilus-
trição Parenteral, que, embora atraia os mais diversos especialis- tram alguns capítulos deste livro; à minha secretária Cecília Hallu
tas (clínicos, cirurgiões, anestesiologistas etc.), pode ser de extre- Palma, pela sua paciência e incansável dedicação no preparo dos
ma utilidade para o nefrologista, freqüentemente envolvido no manuscritos; ao Dr. Antonino S. Rocha, pela análise e comentá-
cuidado do paciente gravemente enfermo. rio de alguns capítulos de fisiologia renal. E, por fim, mas não
Apenas aqueles que se defrontaram com a árdua tarefa de or- menos importante, o agradecimento a minha esposa Marila, pela
ganizar e editar um livro sabem do esforço e dificuldades envol- compreensão e apoio.
vidos. A tentativa de agilizar a publicação e, por conseguinte,
evitar a disseminação de informação ultrapassada traz seus ris- MIGUEL CARLOS RIELLA
CONTEÚDO

26 Nefropatia do Refluxo, 507


I. ESTRUTURA E FUNÇÃO RENAL
27 Doenças Vasculares dos Rins, 519
1 Anatomia Renal, 1 28 Nefropatia e Gestação, 537
2 Circulação Renal, 20 29 Hipertensão na Mulher, 546
3 Filtração Glomerular, 30 30 Tubulopatias Hereditárias, 557
4 Função Tubular, 37 31 Doenças Císticas Renais, 580
5 Mecanismos de Acidificação Urinária, 49 32 Nefropatia Diabética, 597
6 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária, 58 33 Nefrolitíase, 609
7 Peptídeos Vasoativos e o Rim, 69 34 Uropatia Obstrutiva, 620
35 Tumores Renais, 631

II. DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS


IV. FISIOPATOLOGIA DAS NEFROPATIAS
8 Compartimentos Líquidos do Organismo, 90
36 Insuficiência Renal Crônica (IRC), 649
9 Metabolismo da Água, 100
37 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia, 661
10 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema, 132
38 Conseqüências Hematológicas da Uremia, 691
11 Metabolismo Ácido-Básico, 162
39 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal, 705
12 Metabolismo do Potássio, 189
40 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da
13 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio, 213
Osteodistrofia Renal, 717
14 Metabolismo do Ácido Úrico, 238
41 Hipertensão Arterial Primária, 730
15 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica, 254
42 Hipertensão Renovascular, 757
43 Hipertensão Arterial e Doença Renal Parenquimatosa, 769
III. PATOGENIA DAS NEFROPATIAS
16 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal, 267
V. MANEJO CLÍNICO DO PACIENTE
17 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no COM INSUFICIÊNCIA RENAL
Adulto, 294
44 Diuréticos. Mecanismo de Ação e Uso Clínico, 775
I. Introdução aos Métodos de Diagnóstico por Imagem
45 Drogas Anti-hipertensivas, 787
da Doença Renal, 294
46 Uso de Medicamentos em Insuficiência Renal, 799
II. Radiologia do Aparelho Urinário no Adulto, 295 47 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico, 843
18 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância 48 Nutrição Parenteral Intradialítica, 861
Magnética, 315 49 Hemodiálise, 869
I. Ultra-sonografia Renal, 315 50 Métodos Hemodialíticos Contínuos para Tratamento da
II. Imagem Renal por Ressonância Magnética, 326 Insuficiência Renal Aguda, 908
19 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança, 336 51 Diálise Peritoneal, 919
20 Radioisótopos em Nefrourologia, 372 52 Imunologia do Transplante Renal, 929
21 Insuficiência Renal Aguda, 388 53 Manejo Clínico do Transplante Renal, 944
22 Glomerulonefrites Primárias, 402 54 Infecções em Transplante Renal, 974
23 Glomerulopatias Secundárias, 424
24 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial, 450
25 Infecção do Trato Urinário, 490
Índice Alfabético, 988
PRINCÍPIOS DE NEFROLOGIA E
DISTÚRBIOS HIDROELETROLÍTICOS
Capítulo
Anatomia Renal

1 Leonardo Vidal Riella, Luiz Antonio Ribeiro de Moura e Miguel Carlos Riella

MACROSCOPIA Células epiteliais viscerais


VASCULARIZAÇÃO Células epiteliais parietais
CIRCULAÇÃO LINFÁTICA Aparelho justaglomerular
INERVAÇÃO Células peripolares
EMBRIOLOGIA Túbulo proximal
Anomalias do desenvolvimento Alça de Henle
O NÉFRON Túbulo distal
Glomérulo Ducto coletor
Células endoteliais INTERSTÍCIO RENAL
Células mesangiais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

de 13 a 44 gramas.7 A variação do tamanho e do peso dos


MACROSCOPIA rins na população demonstrou estar mais relacionada com
a superfície corporal do indivíduo, não sendo influenciada
Os rins, em número de dois, são órgãos que lembram a por sexo, idade ou raça, quando se leva em consideração o
forma de um grão de feijão, de coloração marrom-averme- tipo de constituição corporal. Outros estudos demonstraram
lhada, situados no espaço retroperitoneal, um de cada lado também que o nível de hidratação do organismo e a pres-
da coluna vertebral, de tal forma que seu eixo longitudi- são arterial provocam variações no tamanho do rim.8
nal corre paralelamente ao músculo psoas maior. Na parte medial côncava de cada rim, localiza-se o hilo
Na posição ortostática, sua margem superior encontra- renal, local onde se encontram a artéria e a veia renal, vasos
se ao nível da primeira vértebra lombar e a inferior, da linfáticos, plexos nervosos e o ureter, que se expande den-
quarta vértebra lombar. Em decúbito dorsal, as margens tro do seio renal, formando a pelve. O rim é envolvido em
superior e inferior dos rins elevam-se ao nível do bordo toda sua superfície por membrana fibroelástica muito fina
superior da 12-ª vértebra torácica e da terceira vértebra lom- e brilhante, denominada cápsula renal. Esta adere à pelve e
bar, respectivamente.1 Com a respiração os rins podem des- aos vasos sanguíneos na região do hilo. No rim sadio, con-
locar-se cerca de 1,9 cm, chegando a 4,1 cm na inspiração segue-se destacar facilmente a cápsula renal do restante do
profunda. Normalmente, o rim direito é um centímetro me- órgão, sendo que o mesmo não acontece no rim doente.
nor e encontra-se ligeiramente mais caudal em relação ao Ao redor dos rins, no espaço retroperitoneal, tem-se uma
esquerdo (Fig. 1.1). condensação de tecido conjuntivo, que representa a fáscia
O rim de um indivíduo adulto mede de 11 a 13 cm de de Gerota ou fáscia renal. Ela divide-se em fáscias renais
comprimento, 5 a 7,5 cm de largura e 2,5 a 3 cm de espessu- anterior e posterior, envolvendo um tecido adiposo, deno-
ra, pesando entre 125 e 170 gramas, no homem, e 115 e 155 minado gordura perirrenal, que contorna o rim e a glân-
gramas, na mulher. Com o envelhecimento, há uma dimi- dula adrenal de cada lado, constituindo o espaço perirre-
nuição do peso renal.6 Em recém-nascidos este peso varia nal. Essa gordura é a responsável pela visualização radio-
2 Anatomia Renal

Músculo grande Pleura (recesso costodiafragmático)


dorsal
Ligamento lombocostal
Músculo serrátil
posterior inferior Músculo quadrado lombar
(seccionado)
Músculo oblíquo externo Diafragma
do abdome
Nervo subcostal
Aponeurose do músculo
transverso do abdome Rim direito

Músculo oblíquo Colo ascendente


interno do abdome
Músculo transverso
Fáscia toracolombar do abdome
(lâmina posterior) Nervo ílio-hipogástrico
Crista ilíaca Nervo ílio-inguinal
Músculo eretor
da espinha Músculo quadrado
lombar (seccionado)
Fáscia (aponeurose Músculo psoas maior
glútea) sobre o músculo
glúteo médio Ligamento iliolombar
Músculo glúteo
máximo

Fig. 1.1 Relações anatômicas dos rins com a estrutura músculo-esquelética em uma visão posterior da região lombar. (Obtido de
Netter, F.H. Anatomia, estrutura e embriologia. Seção I: rins, ureteres e bexiga. Ciba-Geigy, vol. 6, 1973.4)

lógica da silhueta renal, devido à sua maior radiotranspa- Segundo Löfgren, o rim humano contém, em média, 14
rência. A fáscia renal tem a tendência de limitar a dissemi- lobos, sendo seis no pólo renal superior, quatro no pólo
nação de infecções renais, hemorragias ou extravasamen- médio e quatro no pólo inferior. Outro estudo, feito por Inke,
to de urina1 e determina a divisão do retroperitônio em três propõe que o rim se forma a partir de quatro protolobos, que
compartimentos: espaços pararrenal anterior, perirrenal e se dividem de maneira desigual, resultando num número
pararrenal posterior. variável de lobos, sendo geralmente oito.9,10
Ao corte, o parênquima renal apresenta uma porção A medula é constituída somente por túbulos e divide-
cortical de cor avermelhada e uma porção medular de cor se em duas regiões. A zona medular interna contém os
amarelo-pálida. Na região medular, observam-se várias ductos coletores, as partes ascendente e descendente dos
projeções cônicas ou piramidais, de aspecto estriado, cu- segmentos delgados das alças de Henle e os vasa recta. A
jas bases estão voltadas para o córtex, enquanto seus ápi- zona medular externa é formada por duas faixas: a exter-
ces se dirigem ao hilo renal e se projetam na pelve renal. O na, composta pela porção terminal reta dos túbulos con-
conjunto, pirâmide renal e seu córtex associado, denomi- tornados proximais, segmentos espessos da alça de Henle
na-se lobo renal. A parte do córtex que encobre a base de- e ductos coletores, e a interna, contendo os ramos ascen-
nomina-se córtex centrolobar, e a parte localizada lateral- dentes espessos e descendentes delgados das alças de
mente à pirâmide renal é o septo renal. A união de septos Henle e os ductos coletores (Fig. 1.3).
renais adjacentes constitui a formação das colunas renais O córtex, com cerca de um centímetro de espessura,
ou de Bertin, que separam uma pirâmide da outra (Fig. 1.2). contém túbulos e glomérulos. Nele observam-se, a inter-

Cápsula fibrosa

Córtex renal Cálices renais menores

Medula renal Vasos sangüíneos entrando


(com pirâmide) no parênquima renal

Papila renal Seio renal

Coluna renal Cálices renais maiores


(de Bertin) Pelve renal
Radiações medulares Gordura no seio renal
(parte radiada)
Cálices renais menores Fig. 1.2 Rim direito seccionado em planos, mos-
Base da pirâmide trando o parênquima e a pelve renal. (Obtido de
Ureter
Netter, F.H. Anatomia, estrutura e embriologia.
Rim direito seccionado em
vários planos, expondo o Seção I: rins, ureteres e bexiga. Ciba-Geigy, vol.
parênquima e a pelve renal 6, 1973.4)
capítulo 1 3

apresentam formato circular, rígido, achatado, ou até mes-


mo côncavo, predispondo ao surgimento do fenômeno do
refluxo intra-renal, relacionado na etiologia da pielonefri-
te crônica e da nefropatia do refluxo. Seqüelas de pielone-
frite são mais observadas nos pólos renais, locais de maior
ocorrência de papilas compostas.11
A porção do cálice menor que se projeta para cima, ao
redor da papila, é chamada de fórnix e é importante por-
que os primeiros sinais de infecção ou obstrução ocorrem
a este nível (v. Fig. 1.2).
Os cálices menores unem-se para formar os cálices mai-
ores, que são em número de dois a quatro. Comumente,
apenas três cálices são vistos no urograma excretor (v. Cap.
17). Os cálices maiores, por sua vez, unem-se para formar
um funil curvo, chamado pelve renal, que se curva no sen-
tido medial e caudal, para tornar-se o ureter a um ponto
denominado junção ureteropélvica.

Pontos-chave:
• Órgão retroperitoneal localizado entre as
Fig. 1.3 Relações entre os vários segmentos do néfron e o córtex e vértebras L1 e L4, apresenta
medula renal. (Obtido de Netter, F.H. Anatomia, estrutura e em-
briologia. Seção I: rins, ureteres e bexiga. Ciba-Geigy, vol. 6, 1973.4) aproximadamente 12 cm de comprimento.
Seu peso médio é de 150 g. A diminuição do
tamanho renal está principalmente
valos regulares, estriações denominadas raios medulares. associada à nefropatia crônica
Estes raios originam-se das bases das pirâmides e contêm • Macroscopicamente, pode ser dividido em
túbulos coletores, ramos ascendentes da alça de Henle e as
córtex e medula. O córtex se constitui de
porções retas terminais dos túbulos contornados proxi-
mais, cuja disposição em paralelo é responsável pelo as- glomérulos, túbulos contorcidos proximais
pecto estriado das pirâmides (Fig. 1.2). e distais; já a medula contém as alças de
Cada raio medular ocupa o centro de um lóbulo renal, uma Henle e os túbulos coletores, os quais se
pequena e cilíndrica área de córtex, delimitada por artérias abrem nas papilas dos cálices menores
interlobulares. O termo lóbulo renal, apesar de descrito, não • A gordura perirrenal, localizada entre o rim
é muito empregado, uma vez que não se consegue definir e a fáscia renal, é a responsável pela
uma importância anatomofuncional para o mesmo. visualização radiológica da silhueta renal
Alguns dos túbulos se unem para formar ductos coleto-
• Cálculos renais obstruem os ureteres
res. Os ductos coletores maiores, ou ductos de Bellini, abrem-
se no ápice da pirâmide, na papila renal, região que contém principalmente em três regiões: junção
a área crivosa com cerca de 10 a 25 perfurações. A urina, que ureteropiélica, porção anterior à bifurcação
daí drena, cai num receptáculo chamado cálice menor. da artéria ilíaca comum e junção
Até a 28-ª semana de gestação existem 14 cálices, de tal ureterovesical
maneira que cada cálice se associa apenas a uma papila. • Na cirurgia de histerectomia, especial
Após este período, dá-se início a um processo de fusão atenção deve ser tomada na hora de ligar a
lobar, que pode prolongar-se até após o nascimento, e que artéria uterina, devido à sua relação íntima
determina a diminuição do número de cálices e de papilas
com o ureter, o qual passa posteriormente
renais. O grau de fusão calicial é maior que o de fusão pa-
pilar, o que determina o aparecimento de cálices compos-
tos, ou seja, cálices que recebem mais que uma papila. O ureter é um tubo muscular que se estende da pelve
Aparecem também papilas compostas, que drenam mais renal à bexiga urinária. Localiza-se no compartimento re-
de um lobo. Este processo mostra-se mais evidente nos troperitoneal e descende anteriormente ao músculo psoas.
pólos superior e inferior do rim, sendo que na região cen- Em seu trajeto apresenta algumas relações importantes
tral predominam os cálices e papilas simples.9 com outras estruturas: é cruzado anteriormente pelos va-
As papilas simples possuem extremidades convexas, sos gonadais; passa anteriormente à bifurcação da artéria
enquanto as compostas, dependendo do número de fusões, ilíaca comum na entrada da pelve, e se situa posteriormente
4 Anatomia Renal

ao ducto deferente no homem e posteriormente à artéria ados, que correm ao longo da base da pirâmide medular e
renal na mulher. Esta última relação é especialmente im- dão origem às artérias interlobulares. Essas artérias interlo-
portante nas cirurgias de histerectomia, em que o ureter bulares dirigem-se perpendicularmente em direção à cáp-
pode ser inadvertidamente ligado ou clampeado junto com sula do rim, e delas originam-se as arteríolas aferentes que
a artéria uterina. O ureter apresenta três segmentos onde nutrem um ou mais glomérulos (Fig. 1.5).
a impactação de um cálculo é mais freqüente: na junção As arteríolas aferentes dividem-se dentro de cada glo-
ureteropiélica, na porção ureteral anterior à bifurcação das mérulo formando uma rede capilar. Em seguida, conflu-
artérias ilíacas comuns e na junção ureterovesical. em-se e emergem do tufo capilar para formar as arterío-
las eferentes que deixam o glomérulo e formam os capi-
lares peritubulares, no caso dos néfrons corticais, ou as
VASCULARIZAÇÃO arteríolas retas (vasa recta), no caso dos néfrons justame-
dulares. As arteríolas retas são vasos paralelos, relativa-
Cada rim recebe uma artéria renal principal, que se ori- mente sem ramos colaterais, que se estendem até a me-
gina da aorta ao nível da primeira ou da segunda vértebra dula renal, onde originam os plexos capilares. Anatomi-
lombar (v. também Cap. 2). A artéria renal direita geralmente
se origina da aorta a um nível mais inferior em relação à Nefro cortical

esquerda e passa posteriormente à veia cava inferior. Em 20


a 30% dos casos, podemos ter artérias renais acessórias que, Arteríola
aferente
Arteríola
usualmente, nutrem os pólos inferiores dos rins. De um eferente Nefro
justamedular
modo geral, a artéria renal divide-se, no hilo, em um ramo
Artéria
anterior que passa diante da pelve e em um ramo posterior
Córtex
e veia
interlobular
que passa por trás. Estes ramos — anterior e posterior —

externa
Faixa
dividem-se por sua vez em várias artérias segmentares, que
Zona externa

nutrirão os vários segmentos do rim (Fig. 1.4). O ramo ante-


Faixa interna

rior divide-se em quatro artérias segmentares, que irrigarão Artéria


e veia
Vasa Alça de
recta Henle
o ápice do rim, os segmentos superior e médio da superfí- interlobular espessa

cie anterior e todo o pólo inferior, respectivamente. O ramo Ducto


Medula

posterior nutre o restante do órgão. Estas artérias segmen- coletor

tares são artérias terminais, pois não há anastomoses entre Alça de


Henle
Zona interna

delgada
seus ramos. Os ramos anteriores não se comunicam com os
posteriores, oferecendo ao cirurgião uma linha de incisão no
rim que sangra muito pouco. As artérias segmentares sofrem
nova divisão, originando as artérias interlobares. As artéri- Ductos de
Bellini
as interlobares correm ao lado das pirâmides medulares e
dentro das colunas renais. Na junção córtico-medular, os Fig. 1.5 Diagrama ilustrando a circulação renal. (Obtido de Pitts,
vasos interlobares dividem-se para formar os vasos arque- R.F.3)

Artéria do segmento superior Secção frontal do rim esquerdo:


Artéria do segmento vista anterior
ântero-superior
Ramos capsular e
perirrenal Artérias
interlobares
Artéria supra-renal inferior

Ramo (divisão) anterior Artérias


da artéria renal arqueadas
Artéria renal
Ramo (divisão) posterior da artéria
renal (artéria do segmento posterior) Artérias
interlobulares
Ramos pélvico e uretérico
Artéria do segmento Ramo
ântero-inferior capsular
Artérias dos segmentos posteriores perfurante

Artéria do segmento inferior Fig. 1.4 Corte longitudinal mostrando a vasculariza-


ção arterial renal em vista anterior. (Obtido de Net-
ter, F.H. Anatomia, estrutura e embriologia. Seção
I: rins, ureteres e bexiga. Ciba-Geigy, vol. 6, 1973.4)
capítulo 1 5

camente, a circulação venosa costuma seguir paralela-


mente o trajeto do sistema arterial. As veias são forma- Pontos-chave:
das perto da superfície do rim por confluência dos capi- • A circulação renal apresenta uma
lares do córtex. Elas drenam nas veias interlobulares e característica única: duas redes capilares se
tornam-se veias arqueadas na junção do córtex com a
encontram em série em um mesmo órgão —
medula (v. Fig. 1.5). As vênulas retas na medula também
drenam nas veias arqueadas, que então formam as veias
rede capilar e peritubular
interlobares. Estas veias interlobares drenam em veias • A artéria renal se divide em ramo anterior e
segmentares, as quais, eventualmente, formam as veias ramo posterior. Algumas vezes é possível
renais. A veia renal esquerda recebe a veia adrenal esquer- encontrar artérias acessórias renais, as quais
da e a veia gonadal esquerda e passa inferiormente à ar- apresentam importância cirúrgica, por
téria mesentérica superior antes de entrar na veia cava exemplo na nefrectomia
inferior. As veias adrenal e gonadal direita entram dire- • A inervação simpática renal atua
tamente na veia cava inferior. A veia renal direita é me- principalmente nas arteríolas aferentes e
nor e situa-se dorsalmente ao duodeno.
eferentes e no aparelho justaglomerular.
Devido à migração dos rins durante seu desenvolvimen-
Nesta estimula a secreção de renina e
to, a vascularização renal também apresenta um processo
de transformação no qual as artérias mais inferiores regri- naquela atua na musculatura lisa
dem e novas artérias mais superiores surgem, acompa- • A inervação aferente da dor também
nhando o trajeto renal. Quando as artérias inferiores não apresenta papel importante, pois pode
regridem, os rins podem apresentar artérias acessórias, as ajudar a localizar a altura de um cálculo em
quais devem ser identificadas pela arteriografia antes de migração. O rim distendido estimula as
um procedimento cirúrgico renal. terminações nervosas da cápsula renal e
provoca dor em região lombar agravada à
punho-percussão. Já a dilatação ureteral por
CIRCULAÇÃO LINFÁTICA cálculo causa dor que segue o trajeto do
ureter à medida que o cálculo desce, com
Aparentemente, nos animais estudados, os linfáticos
intra-renais distribuem-se, primariamente, ao longo das irradiação para a genitália quando localizado
artérias interlobulares e arqueadas, não penetrando no principalmente no segmento inferior ureteral
parênquima propriamente. Os linfáticos corticais origi-
nam-se ao nível do tecido conjuntivo que envolve as arté-
rias interlobulares, drenam nos linfáticos arqueados na
junção córtico-medular e atingem os linfáticos do hilo atra-
EMBRIOLOGIA
vés dos linfáticos interlobares. Há também uma rede lin-
O desenvolvimento do sistema urinário está intimamente
fática no interior e sob a cápsula renal, comunicando-se
relacionado com o do sistema genital, sendo estes os últimos
com os linfáticos intra-renais.5
sistemas a se desenvolverem durante a embriogênese. Ambos
têm origem mesodérmica, e seus canais excretores penetram
inicialmente numa cavidade comum denominada cloaca.
INERVAÇÃO Durante o desenvolvimento embrionário, identificam-se três
sistemas de excreção: pronefro, mesonefro, que são transitó-
Origina-se basicamente do plexo celíaco. Há, no entan-
rios, e metanefro, ou rim permanente. Estes sistemas originam-
to, contribuições do plexo hipogástrico superficial e de
se do mesoderma intermediário ou cordão nefrogênico.
nervos intermesentéricos, esplâncnicos superiores e torá-
cicos. A distribuição das fibras nervosas segue os vasos
arteriais através do córtex e medula externa. Parece não Pronefro
haver inervação nos túbulos renais (com exceção do apa- A sua formação se inicia por volta da terceira semana de
relho justaglomerular) e tampouco terminações nervosas vida. Cada pronefro é composto de aproximadamente sete
nos glomérulos. No entanto, uma extensa inervação dos túbulos. A porção cefálica degenera-se e forma nefrostomas
vasos arteriolares eferentes foi descrita. Há evidência da que se abrem na cavidade celômica (Fig. 1.6 A). A porção
presença, no parênquima renal, de fibras nervosas colinér- caudal funde-se com a do lado oposto, formando o ducto
gicas e adrenérgicas. As fibras para a sensibilidade dolo- pronéfrico (mesonefro), que se abre na cloaca.
rosa, principalmente a partir da pelve renal e da parte su- Na maioria dos vertebrados adultos, o pronefro é vesti-
perior do ureter, penetram na medula espinhal através dos gial ou nem sempre existe, embora na lampreia, o mais in-
nervos esplâncnicos.12 ferior dos vertebrados, funcione como um rim permanente.
6 Anatomia Renal

Mesonefro posição justamedular, enquanto os últimos encontram-se


Desenvolve-se a partir da quarta semana, numa posição mais externamente no córtex.
caudal à do pronefro. Cada túbulo mesonéfrico possui uma Embora os néfrons do metanefro comecem a funcionar em
estrutura glomerular proximal, um segmento tubular pro- torno da 11-ª e 12-ª semanas de vida, a maturação renal conti-
ximal e um distal, que se abre no ducto mesonéfrico (Fig. nua após o nascimento. Alguns autores sugerem que o cor-
1.6 B). Nos peixes superiores e nos anfíbios, o mesonefro é púsculo renal pode aumentar por 20 anos e os túbulos con-
o órgão excretor final. Nos répteis, aves e mamíferos, o tornados proximal e distal chegam a atingir um comprimen-
mesonefro também degenera, formando o metanefro em to 10 vezes maior, desde o nascimento até a vida adulta.
posição mais caudal. Naturalmente, o que foi descrito é uma explicação sim-
No homem, os túbulos e ductos mesonéfricos originam plificada do desenvolvimento do rim, e não envolve as vá-
vários componentes do sistema reprodutor masculino: epi- rias teorias e fatores existentes para explicar este complexo
dídimo, ducto deferente e vesículas seminais. Na mulher os processo. Não foram enfatizados aqui os mecanismos celu-
mesonefros degeneram e os ductos de Müller, que aparecem lares e moleculares da formação renal. Segundo Clapp e
na oitava semana, originarão o útero, a vagina e as trompas. Abrahamson, estes parecem estar relacionados também com
as desordens genéticas primárias do rim, com o tipo de res-
Metanefro posta e com a recuperação renal frente às doenças, o que
Representa o desenvolvimento final do rim do mamí- torna o seu entendimento de grande importância.15
fero. Sua formação resulta da interação entre o broto ure-
teral, que surge a partir do ducto metanéfrico por volta da
quarta e da quinta semana, com o blastema metanéfrico,
Anomalias do Desenvolvimento
derivado da parte caudal do mesoderma intermediário Podemos observar ausência congênita ou agenesia de um
(Fig. 1.6 A). Estudos atribuem ao broto ureteral um papel ou ambos os rins, assim como hipoplasia renal. Agenesia bi-
importante como indutor da gênese renal, uma vez que na lateral, quando presente, é freqüentemente observada em
ausência ou no distúrbio de sua interação com a massa
metanéfrica o metanefro não se forma, constituindo os
casos de agenesia renal. Pontos-chave:
Após se dilatar e se subdividir em cálices primários e
secundários, seguindo um padrão muito bem estudado por • O sistema urinário tem origem na
Osathanondh e Potter, o broto ureteral formará o sistema mesoderma intermediária. Durante a
coletor do rim: pelve, cálices e os ductos coletores; enquan- embriogênese, ocorre regressão de algumas
to o blastema formará o sistema excretor: corpúsculo re- estruturas, sendo que são os metanefros os
nal, túbulos proximais e distais e alça de Henle.13,14 responsáveis pela formação do rim adulto
O blastema metanefrogênico origina-se de pequenos focos • A agenesia renal bilateral não é compatível
de mesênquima condensado, localizados ao lado do broto com a vida e deve ser suspeitada na
ureteral. As células do mesoderma metanefrogênico, estimu-
presença de oligoidrâmnio por volta da 14-ª
ladas pelo epitélio da extremidade cega dilatada de cada
semana de gestação
ducto coletor, agregam-se ao redor desta (Fig. 1.6 C), sofrem
diversas mitoses e estágios de diferenciação, formando inici- • A doença policística da infância é outra
almente uma vesícula que se alonga e se une à luz do ducto grave enfermidade que leva a insuficiência
coletor. Esta vesícula alongada tem a forma de um S; uma renal e morte, caso um transplante renal não
depressão na extremidade do S é o local do futuro gloméru- seja realizado. É uma doença autossômica
lo. Nesta depressão aparecem células mesenquimais e, a se- recessiva, diferente da forma do adulto, a
guir, forma-se uma membrana basal ao redor da estrutura em qual é autossômica dominante
S (Fig. 1.6 D). Algumas células tubulares da estrutura em S • A migração deficiente do rim pode levar a
formarão as células epiteliais ou podócitos, e as células me-
localização pélvica renal, a qual apresenta
senquimais darão origem às células endoteliais e mesangiais.
principal importância no diagnóstico
Outras células mesenquimais se diferenciam em células mus-
culares lisas das arteríolas aferentes e eferentes (Fig. 1.6 E). diferencial de massa pélvica
Portanto, esta vesícula alongada em S origina, na sua • O rim em ferradura é uma anormalidade
porção inferior, o corpúsculo renal, e na outra porção ori- relativamente comum causada pela fusão
gina os túbulos proximal e distal da alça de Henle. dos pólos inferiores dos rins. O rim se situa
Com o crescimento do sistema coletor e a indução do em região lombar baixa devido à
blastema metanéfrico simultaneamente, tem-se um padrão incapacidade de migração superiormente à
de crescimento centrífugo ao longo do córtex renal, de tal raiz da artéria mesentérica inferior
maneira que os primeiros néfrons passam a ocupar uma
capítulo 1 7

Blastema
metanefrogênico
Túbulos pronéfricos Cápsula
em degeneração
Intestino anterior Pelve
Ducto mesonéfrico
Intestino posterior (ducto pronéfrico) Cálice
Túbulos mesonéfricos primário
Alantóide no tecido nefrogênico Cálice
secundário
Membrana cloacal Brotamento uretérico
Cloaca (ducto metanéfrico) Ductos
coletores
Blastema
metanefrogênico

Somito

Aorta dorsal

Glomérulo

Veia
cardinal
posterior

Ducto
mesonéfrico
Túbulo
mesonéfrico
Crista genital

Celoma

Intestino

Fig. 1.6 A. Representação esquemática do embrião humano mostrando a topografia do pronefro, mesonefro e metanefro. B. Corte
através do mesonefro. Observem que ramos da aorta dorsal alcançam as extremidades cegas dos túbulos e formam os glomérulos.
Embora os túbulos e glomérulos tenham uma função excretora pela sexta semana de vida intra-uterina, ambos começam a degene-
rar logo em seguida. C. Agregação de células do mesoderma metanefrogênico ao redor da extremidade cega dilatada de cada ducto
coletor. D. Após a fusão da vesícula metanéfrica alongada (em forma de S) com o ducto coletor, aparecem células dentro de uma inva-
ginação da estrutura em S e forma-se a membrana basal. E. As células da invaginação diferenciam-se em células endoteliais, mesangi-
ais, musculares lisas e justaglomerulares. As células tubulares de estrutura em S originam as células epiteliais ou podócitos. (Baseada
na representação de Netter, F.H. Anatomia, estrutura e embriologia. Seção I: rins, ureteres e bexiga. Ciba-Geigy, vol. 6, 1973.4)

fetos natimortos. A agenesia unilateral é uma anomalia con- dente. Rins supranumerários são geralmente ectópicos e
gênita, não muito rara, com uma incidência de 1/1.000. Hi- menores. Uma das malformações renais mais comuns é a
poplasia renal verdadeira é uma condição bastante rara e de fusão dos pólos inferiores dos rins, formando o rim em ferra-
difícil diagnóstico. O rim Ask-Upmark é uma forma rara de dura. Ela ocorre em 0,25% da população em geral. Estes rins
hipoplasia renal caracterizada pela parada de desenvolvimen- têm um risco elevado de infecção e são sujeitos à formação
to de um ou mais lóbulos renais e ectasia do cálice correspon- de cálculos, principalmente devido à distorção ureteral.
8 Anatomia Renal

sistema multiplicador, acredita-se numa relação direta entre


O NÉFRON a capacidade máxima de concentração urinária e o compri-
mento da medula renal.17
A unidade funcional do rim é o néfron, formado pelos se-
guintes elementos: o corpúsculo renal, representado pelo glo-
mérulo e pela cápsula de Bowman; o túbulo proximal; a alça Glomérulo
de Henle; o túbulo distal e uma porção do ducto coletor (v. Esta porção do néfron é responsável pela produção de um
Fig. 1.3). Há aproximadamente 700.000 a 1,2 milhão de néfrons ultrafiltrado a partir do plasma. Está formada por uma rede
em cada rim.16 Os néfrons podem ser classificados como su- de capilares especializados (tufo glomerular) nutridos pela
perficiais, corticais e justamedulares. Existe uma segunda clas- arteríola aferente e drenados pela arteríola eferente. Esta rede
sificação que os divide segundo o comprimento da alça de capilar projeta-se dentro de uma câmara que está delimita-
Henle, existindo néfrons com alça curta e néfrons com alça da por uma cápsula (cápsula de Bowman) que, por sua vez,
longa. A maior parte dos néfrons são corticais e possuem uma possui uma abertura comunicando a câmara diretamente
alça de Henle curta, com o ramo delgado curto ou praticamen- com o túbulo contornado proximal. No hilo do glomérulo
te não-existente. Apenas um oitavo dos néfrons é justaglome- passa a arteríola aferente que se divide em quatro a oito ló-
rular, com os glomérulos na junção córtico-medular, e têm bulos, formando o tufo glomerular. Aparentemente, existem
longas alças de Henle, as quais possuem longos ramos delga- anastomoses entre os capilares de um lóbulo, mas não entre
dos (v. Fig. 1.3). A alça de Henle é formada pela porção reta lóbulos (Fig. 1.7). Os capilares se reúnem para formar a arte-
do túbulo proximal (pars recta), segmento delgado e porção reta ríola eferente, que deixa o glomérulo através do mesmo hilo.
do túbulo distal. Em função das partes específicas do néfron O glomérulo possui cerca de 200 nm de diâmetro, sen-
localizadas em vários níveis da medula, é possível, como já do que os glomérulos justamedulares possuem um diâme-
indicamos, dividir a medula em zona interna e zona externa, tro 20% maior em relação aos demais. Têm uma área de
esta última ainda dividida em faixa interna e externa. Estas filtração ao redor de 0,136 milímetro quadrado. Entram na
divisões têm importância quando se relaciona a estrutura re- sua composição as células epiteliais dos folhetos parietal e
nal com a capacidade do rim em concentrar o máximo de uri- visceral da cápsula de Bowman e as respectivas membra-
na. Acredita-se que a capacidade máxima de concentração nas basais, uma rede capilar com células endoteliais e uma
urinária está relacionada ao comprimento do sistema multi- região central de células mesangiais circundadas por um
plicador. Como no mamífero as alças de Henle atuam como material denominado matriz mesangial (Fig. 1.8).

Fig. 1.7 Estrutura do glomérulo e cápsula de Bowman que o envolve. A cápsula de Bowman se constitui de dois folhetos: o visceral
(formado pelos podócitos — terceira camada da barreira de filtração) e o parietal (delimitador do espaço capsular — receptor do
ultrafiltrado glomerular). Na mesma figura ainda se observa o aparelho justaglomerular, composto pela mácula densa (túbulo dis-
tal) e pelas células justaglomerulares localizadas na arteríola aferente. (Obtido de Kumar, V., Cotran, R., Robbins, S. Basic Pathology,
6th Edition, W. B. Saunders Company, 1997.70)
capítulo 1 9

2. Uma membrana basal contínua que constitui a camada


Arteríola Mácula densa média;
aferente
Arteríola 3. Uma camada mais externa, formada de células epiteli-
Células eferente
justaglomerulares ais (podócitos), que constitui o folheto visceral da cáp-
Pólo vascular
sula de Bowman (Figs. 1.7 e 1.9).
Folheto visceral A membrana basal do capilar glomerular está forma-
(podócitos) da por uma região central densa, denominada lâmina
densa, e por duas camadas mais finas, menos densas, de-
nominadas lâminas raras interna e externa (Fig. 1.9). A
Folheto parietal
ou externo
espessura total da membrana basal está em torno de 310
nm.19 Num estudo recente verificou-se, em rins doados
para transplante, uma espessura de 373 nm para membra-
Espaço
capsular nas basais glomerulares nos rins de homens e de 326 nm
Pólo urinário nos de mulheres.20 Não há evidência morfológica de que
existam poros na membrana basal. Ela está constituída
Túbulo contorcido basicamente por duas substâncias: colágeno e glicopro-
proximal
teína.
O principal componente da membrana basal é uma
molécula apolar do tipo procolágeno associada a glicopro-
Fig. 1.8 Representação esquemática de um corte transversal ao
teínas, sendo a molécula procolágeno composta de cadei-
nível central do glomérulo. (Obtido de Junqueira, L. C., Car- as alfa ricas em hidroxiprolina, hidroxilisina e glicina. Um
neiro, J. Histologia Básica, 8ª Edição, Guanabara Koogan, segundo componente seria uma fração não-colágena, po-
1995.71). lar, representada por unidades de polissacarídeos ligados
à asparagina.
O colágeno tipo IV representa o principal constituinte
da fração colágena da membrana basal. Sua molécula, de
A parede do capilar glomerular está formada por três
aspecto helicoidal, forma-se pela união de três cadeias alfa,
camadas:
sendo duas delas idênticas entre si. Esta união inicia-se nas
1. Células endoteliais que formam a porção mais interna porções carboxiterminais dessas cadeias através de pontes
e representam uma continuação direta do endotélio da dissulfeto, onde não se tem o aspecto helicoidal, e conti-
arteríola aferente. Este prolongamento é também de- nua em direção às porções aminoterminais num formato
nominado lâmina fenestrada, pela característica pecu- de tripla hélice.22 Uma vez formado, o colágeno tipo IV é
liar dos citoplasmas das células endoteliais (Figs. 1.8 e secretado e incorporado à matriz extracelular, envolven-
1.9); do as células.

Fig. 1.9 Micrografia eletrônica da barrei-


ra de filtração glomerular. São mostra-
dos o espaço urinário (US), as projeções
dos podócitos (PE), a membrana basal
(BL) e o endotélio capilar (E). Ainda se
podem observar as fendas de filtração
(FS) e as três camadas que constituem a
membrana basal: as lâminas rara inter-
na e externa (LRI e LRE) e a lâmina den-
sa (LD). (Obtido de Berman, I. Color
Atlas of Basic Histology, 2nd Edition,
Appleton & Lange, 1998.69)
10 Anatomia Renal

Já foram identificados tipos diferentes de cadeias alfa da por soro nefrotóxico.38 Evidenciou-se que nessa situação
formadoras de colágeno tipo IV. A cadeia alfa-1, codifica- experimental há perda ou diminuição do conteúdo polianiô-
da pelo gene COL4A1, e a cadeia alfa-2,23 codificada pelo nico da membrana basal, explicando um aumento na filtra-
gene COL4A2, ambos situados no cromossomo 13, apare- ção de poliânions circulantes, incluindo a albumina. Outros
cem no mesângio, na membrana basal glomerular (suben- experimentos evidenciaram, também, que a perda de cargas
dotelial), na cápsula de Bowman, em toda membrana ba- negativas pode influenciar na localização e na magnitude da
sal tubular e vasos. A cadeia alfa-3,24 codificada pelo gene deposição de imunocomplexos, bem como na deposição de
COL4A3, a cadeia alfa-4,25 codificada pelo gene COL4A4, agregados circulantes não-imunes no mesângio e na parede
localizado no cromossomo 2, e a cadeia alfa-5, codificada glomerular.39 Esses agregados levam a um estímulo contínuo
pelo gene COL4A5, situado no braço longo do cromosso- à produção de matriz mesangial, que, quando se estende por
mo X,26 aparecem na membrana basal glomerular (lâmina muito tempo, pode levar à esclerose nodular.
densa), na cápsula de Bowman e na membrana basal do
túbulo distal. CÉLULAS ENDOTELIAIS
Alterações nessas cadeias podem levar ao surgimento Revestem o lúmen dos capilares glomerulares. O núcleo
de alterações estruturais com conseqüências mórbidas, e a maior parte do citoplasma estão no lado mesangial do
como a síndrome de Alport, onde foi detectada ausência capilar, sendo que uma estreita faixa do citoplasma esten-
das cadeias alfa-3 e alfa-4 na membrana basal glomerular,27 de-se ao longo da parede capilar (Fig. 1.13). Esta faixa de
em função de uma mutação do gene da cadeia alfa-5.28 Esta citoplasma é contínua, mas apresenta várias fenestras ou
mutação impede a formação do colágeno tipo IV, uma vez poros, cujo diâmetro aproximado é de 70 a 100 nm (Fig. 1.9).
que as cadeias alfa-3 e alfa-4 necessitam da cadeia alfa-5 Membranas delgadas, ou diafragmas, foram observadas
para formar a tripla hélice. Como conseqüência, observam- entre poros (Fig. 1.12). Alguns acreditam que estes diafrag-
se graus variados de malformação estrutural da membra- mas são altamente permeáveis e não constituem barreira
na basal, com repercussões na filtração e seletividade da à passagem de moléculas maiores.
mesma ao longo do tempo. Estas células possuem uma superfície carregada nega-
Ao contrário dos outros tipos de colágeno, o colágeno tivamente devido à presença de glicoproteínas polianiôni-
tipo IV apresenta nas suas cadeias numerosas seqüências cas, como a podocalixina.40 Na sua membrana são apresen-
Gly-X-Y, onde X e Y representam outros tipos de aminoá- tados antígenos como os de grupo sanguíneo ABO e HLA
cidos, aumentando a flexibilidade da molécula.29 Além de tipos I e II.
disso, o colágeno tipo IV não perde sua porção carboxiter-
minal após ser secretado pela célula, o que possibilita três CÉLULAS MESANGIAIS
tipos diferentes de interações entre as moléculas: porção Muitos acreditam serem de origem mesenquimal, pois
carboxiterminal de uma molécula com porção carboxiter- apresentam certas propriedades características das células
minal de outra (head-to-head); porção carboxiterminal de do músculo liso. As células têm forma irregular, com vári-
uma com porção lateral da tripla hélice de outra;30 e, final- os processos citoplasmáticos estendendo-se do corpo da
mente, porção aminoterminal de uma com porção amino- célula. Na região paramesangial e ao longo dos processos
terminal de outras três moléculas (tail-to-tail). Com isso, citoplasmáticos mesangiais justamedulares, foi evidenci-
temos a formação de uma rede poligonal, não-fibrilar e fle- ada uma extensa rede de microfilamentos compostos pelo
xível que servirá de arcabouço para o depósito de glicopro- menos em parte por actina, alfa-actina e miosina.41 Sua
teínas e para a fixação das células.31 membrana plasmática apresenta receptores de B1-integri-
Colágeno tipo V,32 laminina, fibronectina33 e entactina/ na para fibronectina e, talvez, também para laminina.42
nidógeno34 também foram identificados na membrana basal. O material que as circunda, aparentemente sintetizado
Dados recentes indicam que a membrana basal do glo- pelas próprias células, chama-se matriz mesangial. Nela se
mérulo possui locais fixos de cargas negativas capazes de encontram glicosaminoglicanos sulfatados, laminina e fi-
influenciar a filtração de macromoléculas.35 Ela seria a prin- bronectina.43 É similar na aparência mas não idêntica à
cipal responsável pela seletividade da filtração glomeru- membrana basal do glomérulo.
lar, permitindo ou não a passagem de moléculas, de acor- Ao conjunto célula mesangial e matriz dá-se o nome de
do com a carga elétrica e com o tamanho destas. Num ex- mesângio. Este está separado da luz capilar pelo endotélio.
perimento, empregando-se o processo de digestão enzimá- A função da célula mesangial não está bem definida,
tica, retiraram-se os glicosaminoglicanos ricos em heparan mas, além da função de suporte estrutural, ela provavel-
sulfato, presentes no lado aniônico da membrana basal, e mente participa de mecanismos de fagocitose e da modu-
notou-se um aumento da permeabilidade à ferritina36 e à lação da filtração glomerular, regulando o fluxo sanguíneo
albumina sérica em bovinos.37 nos capilares glomerulares através de suas propriedades
Os efeitos de danos glomerulares, alterando a seletivida- musculares de contração e relaxamento. A célula mesan-
de e a permeabilidade da membrana basal, foram estuda- gial também produz muitos agentes vasoativos, sintetiza
dos utilizando-se o modelo experimental de nefrite causa- e degrada várias substâncias do tufo glomerular.44
capítulo 1 11

Segundo Schlondorff, substâncias como vasopressina, an- varia de 25 a 60 nm, ao nível da membrana basal. Este es-
giotensina II, fator de ativação plaquetária, tromboxane, leu- paço é também referido como fenda de filtração ou, impro-
cotrienos e fator de crescimento derivado de plaqueta atuam priamente, poro (Fig. 1.12). Aqui também há uma membra-
na indução da contração da célula mesangial.44 A produção na delgada ou diafragma entre os pés dos podócitos. Nela
local de prostaglandina E2, pela própria célula mesangial, faria encontrou-se, por estudos imuno-histoquímicos,46 a prote-
o papel contrário dos vasoconstritores anteriormente citados. ína ZO-1, específica dos complexos unitivos intercelulares
Acredita-se, no entanto, que esse mecanismo de contra- (tight junctions). Uma densidade central com um diâmetro
ção seria mais para prevenir a distensão da parede capilar de 11 nm é observada neste diafragma. Esta densidade
e para elevar a pressão hidrostática intracapilar45 e não tan- representa um filamento central contínuo conectado à
to para ser o controle da filtração glomerular. membrana plasmática do pedicelo adjacente por pontes
Há evidências de que células mesangiais tenham proprie- espaçadas regularmente com 7 nm de diâmetro e 14 nm de
dades de endocitose de imunocomplexos, fagocitose, de pro- comprimento, dando uma configuração semelhante a um
duzir e de ser alvo de substâncias reguladoras de crescimento zíper.47 Discute-se se esta estrutura também entra na de-
celular, além de atuarem na modulação de dano celular glo- terminação da seletividade da barreira de filtração.
merular.44 A produção de prostaglandinas influencia a proli- Na superfície das células epiteliais viscerais notou-se o
feração celular local, a produção de citocinas, a produção e a receptor C3b em glomérulos humanos,48 bem como o antí-
destruição de matriz mesangial e de membrana basal. A inte- geno de Heymann, gp 330.49 A superfície negativa que co-
ração entre células mesangiais, prostaglandinas e citocinas bre os pedicelos é rica em ácido siálico. Encontrou-se tam-
deve fornecer pistas importantes para a compreensão da le- bém podoxilina na superfície urinária, mas não na super-
são glomerular presente nos processos patológicos. fície basal, dos podócitos.50
Além do mais, é provável que a célula mesangial possa Em várias nefropatias associadas com proteinúria, os pés
transformar-se em célula endotelial quando houver neces- dos podócitos são substituídos por uma faixa contínua de
sidade da expansão da rede capilar. citoplasma adjacente à lâmina rara externa. Este aspecto tem
sido denominado fusão dos pés dos podócitos. É uma ex-
CÉLULAS EPITELIAIS VISCERAIS pressão errônea porque não se sabe se realmente há uma
Conhecidas também como podócitos, são as maiores fusão, e tudo indica que alguns pés na verdade se retraem e
células do glomérulo. Possuem lisossomos proeminentes, os que permanecem expandem-se. A fusão dos pés dos
um aparelho de Golgi bem desenvolvido e muitos filamen- podócitos resulta, pelo menos em parte, da perda de forças
tos de actina. Do corpo da célula, estendem-se trabéculas eletrostáticas repulsoras normais entre os processos adjacen-
alongadas, das quais se originam processos denominados tes, devido à neutralização (ou perda) de sua cobertura ani-
pedicelos ou pés dos podócitos, que ficam em contato com ônica. Em estudos experimentais, com a perfusão de rins de
a lâmina rara externa da membrana basal do glomérulo rato com neuroaminidase, que remove ácido siálico, obser-
(Figs. 1.7 e 1.10). A distância entre os pés dos podócitos vou-se que tanto as células viscerais quanto as epiteliais

Fig. 1.10 Imagem de microscopia eletrônica das células viscerais da cápsula de Bowman (podócitos). São visualizados os corpos
celulares dos podócitos (CB) e as projeções citoplasmáticas primárias (PB) e secundárias (SB). (Obtido de Berman, I. Color Atlas of
Basic Histology, 2nd Edition, Appleton & Lange, 1998.69)
12 Anatomia Renal

descolam-se da membrana basal glomerular.51 Portanto, CÉLULAS EPITELIAIS PARIETAIS


sugere-se que os campos de carga negativa da membrana São células escamosas que revestem a parede externa da
destas células sejam muito importantes na manutenção da cápsula de Bowman (v. Fig. 1.7). Possuem esparsas orga-
estrutura e da função da barreira de filtração. nelas, pequenas mitocôndrias e numerosas vesículas, de 40
Acredita-se que a célula epitelial visceral seja capaz de a 90. Apresentam microvilosidades de até 600 nm de com-
fazer endocitose, capturando proteínas e outros componen- primento na superfície livre e, freqüentemente, em cada
tes do ultrafiltrado, e que ela também seja responsável, pelo célula encontra-se um longo cílio. Estas células são respon-
menos em parte, pela síntese e manutenção da membrana sáveis pela manutenção da integridade da cápsula. Em
basal do glomérulo,52 embora ainda se conheça pouco so- algumas nefropatias, como na glomerulonefrite rapida-
bre a dinâmica desse processo. mente progressiva, estas células parietais podem vir a pro-
liferar, vindo a constituir um dos elementos das semiluas
ou crescentes. O estímulo para esta proliferação parece ser
Pontos-chave:
a presença de fibrina ou material proteináceo e hemácias
• O néfron é a unidade funcional do rim e é no espaço urinário.
constituído pelo corpúsculo renal
(glomérulo ⫹ cápsula de Bowman), túbulo Aparelho Justaglomerular
contorcido proximal, alça de Henle, túbulo
contorcido distal e ducto coletor Está situado no hilo do glomérulo e é formado pelos
• A barreira de filtração glomerular é seguintes elementos:
constituída por três camadas: 1. porção terminal da arteríola aferente;
-Endotélio fenestrado do capilar glomerular 2. mácula densa;
-Membrana basal 3. uma região mesangial extraglomerular;
-Células epiteliais especializadas (podócitos), 4. a arteríola eferente.
as quais circunscrevem os capilares com suas A região mesangial extraglomerular está localizada en-
projeções citoplasmáticas, formando tre a mácula densa e as células mesangiais do tufo glome-
inúmeras fendas de filtração rular (Figs. 1.7 e 1.11). Nesta região, encontram-se dois ti-
pos de células: agranulares e granulares.
• Esta complexa barreira permite a passagem
As células agranulares ocupam o centro dessa região e
seletiva de água e pequenos solutos.
são as mais abundantes. As células granulares ou mioepi-
Moléculas de carga negativa apresentam uma teliais (pois parecem representar células especializadas do
menor taxa de filtração em relação a cátions músculo liso) estão localizadas principalmente no interior
devido à negatividade da barreira glomerular das paredes das arteríolas glomerulares aferentes e eferen-
• Alterações estruturais na barreira podem tes. Os grânulos representam o hormônio renina ou o seu
levar a uma série de doenças renais, dentre precursor. Durante o desenvolvimento renal a expressão
elas as glomerulonefrites primárias da renina aparece ao longo de todas as arteríolas do glo-
• A fusão dos pés dos podócitos está presente mérulo em formação. Especula-se que a alta expressão de
renina esteja relacionada à proliferação vascular.53
na nefrose lipoídica e na glomeruloesclerose
focal e segmentar, levando a um quadro de
síndrome nefrótica com proteinúria maciça Células agranulares
• As glomerulonefrites rapidamente
progressivas apresentam à microscopia
óptica uma proliferação anormal das células
epiteliais parietais associada à infiltração de
monócitos e macrófagos, formando as
Células
crescentes glomerulares granulares

• A nefropatia por IgA é uma doença


glomerular extremamente comum
te
en

Art
er

caracterizada por hematúria recorrente,


erí
af
ria

ola

freqüentemente seguindo um quadro Mácula densa



Ar

efe

infeccioso. As imunoglobulinas A são


ren
te

depositadas no mesângio glomerular


Fig. 1.11 Diagrama do aparelho justaglomerular.
capítulo 1 13

A mácula densa deriva de células epiteliais da borda justaglomerular e especula-se que a liberação de seus fa-
superior da fissura vascular, que se estabelecem no seg- tores no espaço de Bowman afete o transporte de elemen-
mento ascendente espesso da alça de Henle, parte do tú- tos distalmente do corpúsculo renal.
bulo distal. O túbulo distal está em extenso contato com a
arteríola eferente e com a região mesangial extraglomerular
e possui um contato menos extenso com a arteríola aferen- Túbulo Proximal
te. O corte transversal do túbulo distal, a este nível, mos- Com cerca de 14 nm de comprimento, inicia-se no pólo
tra que as células adjacentes do hilo são distintas das de- urinário do glomérulo, forma vários contornos próximos ao
mais: são colunares, com um núcleo apical (v. Fig. 1.11). A glomérulo de origem e depois desce, sob a forma de segmen-
microscopia eletrônica mostra interdigitações entre a base to reto, em direção à medula. O segmento inicial é geralmen-
da célula e as células mesangiais extraglomerulares. O te denominado pars convoluta e o mais distal, pars recta, sen-
aparelho justaglomerular é a estrutura mais importante do do que estes últimos constituem parte dos raios medulares.
sistema renina-angiotensina. Ele parece participar do me- As células da pars convoluta são colunares e possuem um
canismo de feedback entre o túbulo distal e as arteríolas afe- bordo em escova, devido às projeções da membrana plas-
rentes e eferentes, atuando ativamente na regulação da mática, denominadas microvilos (Figs. 1.12 e 1.13).
excreção de sódio pelo organismo (v. Cap. 10). Há duas Há numerosas mitocôndrias alongadas, estendendo-se da
teorias para explicar o mecanismo de liberação de renina base ao ápice da célula, possuindo ramificações e anastomo-
pelo aparelho justaglomerular: a da mácula densa e a do ses entre elas.61 Essas células também possuem numerosos
receptor de volume. processos interdigitais laterais de outras células, o que au-
A primeira infere que a concentração de sódio na má- menta o espaço intercelular. A microscopia eletrônica reve-
cula densa controla a liberação de renina;54 a segunda, que la numerosas mitocôndrias de forma alongada, situadas
alterações no volume da arteríola aferente seriam respon- dentro desses compartimentos formados pelos processos
sáveis pelo fato.55 interdigitais entre células adjacentes. Como resultado des-
Posteriormente, as duas teorias foram integradas na sa extensa interdigitação lateral entre células adjacentes,
explicação deste mecanismo, que se baseia no seguinte forma-se um complexo compartimento extracelular, deno-
princípio: quanto maior for o contato entre o túbulo e os minado espaço intercelular lateral. Este espaço intercelular
componentes vasculares do aparelho justaglomerular,
menor quantidade de renina é secretada; quanto menor for
este contato, maior será a secreção da substância. Assim,
pela teoria da mácula densa, quanto menos sódio atingir
o túbulo distal, menor o diâmetro do túbulo e, portanto,
menor o contato com os componentes vasculares, haven-
do, então, um aumento da secreção de renina. O inverso Túbulo contorcido
proximal
ocorre quando muito sódio chega ao túbulo distal. Pela
outra teoria, um aumento do volume arteriolar aumenta o
contato dos componentes vasculares com o túbulo distal,
e logo menos renina é liberada. Havendo um volume arte-
riolar reduzido, ocorrerá o contrário.56
Atualmente, sabe-se que o sistema simpático também é Túbulo contorcido distal
e parte espessa da alça
capaz de estimular a secreção de renina. de Henle

Células Peripolares
Parte delgada da
alça de Henle
Acredita-se que sejam um componente adicional do
aparelho justaglomerular. Encontram-se interpostas entre
células epiteliais parietais e viscerais na origem do tufo
glomerular da cápsula de Bowman, estando comumente
separadas da arteríola aferente pela membrana basal da
cápsula. Têm seu lado oposto voltado para o espaço uri-
Tubo coletor
nário ou espaço de Bowman.
Estas células possuem grânulos eletrondensos que se
acredita serem do tipo secretório. Evidenciaram-se Fig. 1.12 Representação esquemática da ultra-estrutura celular
dos vários segmentos do néfron. Apesar da semelhança das cé-
exocitoses desse material granular em rins de ovelhas lulas da parte espessa da alça de Henle e as do túbulo distal, suas
depletadas de sódio. Acredita-se que as células peripolares funções são diferentes. (Obtido de Junqueira, L.C. , Carneiro, J.
estejam envolvidas no controle da função do aparelho Histologia Básica, 8ª Edição, Guanabara Koogan, 1995.71)
14 Anatomia Renal

Fig. 1.13 Microscopia eletrônica do túbulo proximal mostrando os inúmeros microvilos que constituem o característico bordo em
escova da microscopia óptica. Ainda se observam mitocôndrias (M) — responsáveis pela energia para o transporte ativo; lisossomos
(L) e vesículas pinocíticas (V), e os complexos juncionais próximos à superfície luminal (J). (Obtido de Burkitt, H.G., YOUNG, B.,
HELATH, J.W. Weather’s Functional Histology, 3rd Edition, Churchill Livingston, 1993.68)

está separado do lúmen tubular por uma estrutura especi- so seletivo determinado pela carga elétrica e pela distribui-
alizada, localizada na parte superior do espaço e denomi- ção desta carga na molécula, além do tamanho e configu-
nada tight junction ou zonula occludens (Fig. 1.13). A impor- ração moleculares da proteína.
tância deste espaço intercelular está na sua participação ati- Há evidências também de endocitose mediada por re-
va na reabsorção de água e de solutos no túbulo proximal, ceptor nessas células.
assunto particularmente abordado no Cap. 10. Além disso, O túbulo proximal é importante na formação de amô-
a pars convoluta reabsorve várias substâncias protéicas (p. ex., nia e na secreção de íons de hidrogênio.
albumina) e não-protéicas (p. ex., carboidratos). Foi bem estabelecido que bases fracas, como cloreto de
O epitélio da pars recta é geralmente cubóide. A super- amônio e cloroquina, acumulam-se nos compartimentos
fície apical da célula é convexa e recoberta de microvilos. acídicos intracelulares, incluindo endossomos e lisosso-
É uma célula mais simples, com menos vesículas, vacúo- mos. Este mecanismo talvez explique o acúmulo de dro-
los, mitocôndrias e interdigitações entre as células. Esta gas catiônicas anfifílicas, como a cloroquina, os antidepres-
redução de complexidade morfológica sugere que esta re- sivos tricíclicos e os antibióticos aminoglicosídeos. Metais
gião está menos envolvida no transporte ativo de sódio e pesados também se acumulam nos lisossomos, provavel-
água quando comparada com a pars convoluta. Essa impres- mente porque estão ligados a proteínas.
são é corroborada por estudos experimentais. Por muitos anos sabe-se que a pars recta do túbulo pro-
O túbulo proximal promove uma reabsorção, quase isos- ximal está envolvida na secreção de ácidos e bases orgâni-
mótica, de 2/3 do ultrafiltrado, acoplada a transporte ati- cas. Assim, essa porção é freqüentemente lesada por com-
vo de sódio. Qualquer doença que afete essa região causa postos nefrotóxicos, incluindo várias drogas e metais pe-
um desequilíbrio hidroeletrolítico mais importante. As sados, secretados por essa via de transporte.
células do túbulo contornado proximal possuem um sis-
tema vacúolo-lisossomal muito bem desenvolvido. Assim,
uma importante função da pars convoluta e, em menor grau,
Alça de Henle
da pars recta é a reabsorção e a degradação de várias ma- A transição entre o túbulo contornado proximal e o seg-
cromoléculas, inclusive a albumina e proteínas de baixo mento delgado da alça de Henle é abrupta e marca a divi-
peso molecular do filtrado glomerular. As proteínas são são entre a faixa externa e a faixa interna da zona externa da
reabsorvidas, levadas ao lisossomo e degradadas. A reab- medula. As células do segmento delgado ascendente têm
sorção dá-se juntamente com o transporte ativo de sódio, aspecto morfológico distinto das células do segmento del-
constituindo um transporte ativo secundário. É um proces- gado descendente (Fig. 1.12). Estas últimas são mais com-
capítulo 1 15

plexas, irregulares na configuração e apresentam extensas mácula densa e há também evidência anatômica para a
interdigitações entre si. Este segmento delgado da alça de presença de uma região de conexão ou transição entre a
Henle possui grande importância no mecanismo de concen- pars convoluta do túbulo distal e o ducto coletor. Desta
tração da urina, participando do mecanismo de contracor- maneira, o túbulo distal pode ser formado por quatro ti-
rente e gerando um interstício medular hipertônico (v. Cap. pos diferentes de epitélio.
6). O segmento ascendente é relativamente impermeável à Em geral, a porção inicial do túbulo distal correspon-
água, mas bastante permeável a sódio e cloro, enquanto, no de ao túbulo contornado distal ou pars convoluta do ana-
segmento descendente, a água passa passivamente para o tomista. Este possui a maior atividade sódio/potássio
interstício hipertônico e sódio e cloro praticamente não pas- ATPase, comparando-se com os demais segmentos. Pos-
sam. Não há evidências de que nesses segmentos delgados sui também muitas mitocôndrias e está associada à reab-
haja um transporte ativo de sódio e cloro. Estudos recentes sorção de cálcio e magnésio, apresentando, em estudos
indicam que a concentração de urina na medula interna é histoquímicos, uma elevada reatividade imunológica
um processo puramente passivo, embora o debate ainda para uma proteína carreadora de cálcio, vitamina D-de-
persista. Verificou-se que a saída de sódio e cloro do segmen- pendente. A porção mais distal do túbulo distal está re-
to ascendente é maior que a entrada de uréia, o que ajuda presentada pelo túbulo conector e a primeira porção do
na formação do gradiente osmótico da medula interna. ducto coletor, habitualmente referido como túbulo cole-
tor inicial (v. Cap. 4).
O túbulo conector é uma região de transição e parece estar
Túbulo Distal envolvido com a secreção de potássio, pelo menos em parte,
Constitui-se através do segmento ascendente espesso da regulada por mineralocorticóides, e na secreção de íons H⫹.
alça de Henle (pars recta), da mácula densa e do túbulo
contornado distal (pars convoluta).
A pars recta atravessa a medula externa e sobe no raio Ducto Coletor
medular do córtex até ficar em contato com o seu próprio Deriva-se do broto ureteral. De acordo com a localiza-
glomérulo. Esta porção tubular contígua ao glomérulo for- ção no rim, costuma-se dividir o ducto coletor (DC) em três
ma a mácula densa. As células neste segmento aumentam segmentos: segmento coletor cortical, segmento medular
de altura, tornando-se cubóides na parte média do segmen- interno e externo. O segmento coletor cortical está forma-
to (Fig. 1.11). A transição entre o segmento ascendente do no começo pelo túbulo coletor inicial e, depois, conti-
delgado e o segmento espesso marca a divisão entre zona nua com uma porção arqueada e medular. O segmento
externa e zona interna da medula. medular interno termina na papila.5
A pars recta possui um alto metabolismo, sendo especi-
almente sensível à isquemia.62 Nos processos laterais de
suas células e próximas à membrana basal aparecem mui-
tas mitocôndrias alongadas, contendo vários tipos de fila-
mentos e inclusões cristalinas. A principal função da pars
recta encontra-se no transporte de cloreto de sódio (trans-
porte ativo de sódio, ATPase sódio/potássio, e passivo de
cloro) para o interstício, função muito importante para o
mecanismo contracorrente58 (v. Cap. 10). A pars recta tem
sua atividade influenciada por hormônios, como parator-
mônio (PTH), vasopressina, calcitonina e glucagon, atra-
vés da ativação do sistema adenilato ciclase. O PTH esti-
mula a reabsorção de cálcio e magnésio no segmento as-
cendente, parte cortical.
A pars convoluta estende-se da mácula densa ao início do
ducto coletor. As células desse segmento são muito seme-
lhantes às da pars recta.
A relação entre a estrutura e a função neste segmento
do néfron é um pouco complicada, pela diferente termino-
logia usada por anatomistas e fisiologistas. Para os fisiolo-
gistas dedicados à micropunção, o túbulo distal é defini-
do como aquela região do néfron que se inicia após a má-
Fig. 1.14 Microscopia óptica do ducto coletor (CD), segmento
cula densa e se estende até a junção com outro túbulo dis- delgado da alça de Henle (TL) e algumas arteríolas retas (V).
tal (TD). Mas em muitas ocasiões o segmento cortical do (Obtido de Berman, I. Color Atlas of Basic Histology, 2nd Edition,
ramo ascendente da alça de Henle se estende além da Appleton & Lange, 1998.69)
16 Anatomia Renal

A célula mais abundante no ducto coletor é uma célula


clara, contendo um núcleo central cercado por um citoplas- INTERSTÍCIO RENAL
ma claro e um pequeno número de mitocôndrias (Fig. 1.14).
Um outro tipo de célula encontrado é uma célula escu- O interstício renal engloba tudo o que se encontra no
ra ou intercalada: citoplasma escuro com numerosas mi- espaço extravascular e intertubular do rim, estando limi-
tocôndrias. Estudos imuno-histoquímicos demonstraram tado pelas membranas basais dos vasos e túbulos. Segun-
altos níveis de atividade da anidrase carbônica nessas cé- do Lemley e Kriz,63 o interstício não se constitui de um sim-
lulas, sugerindo que elas estejam envolvidas no processo ples espaço com elementos celulares e uma matriz extra-
de acidificação da urina. celular que envolve as “estruturas funcionais dos rins”,
As funções do ducto coletor são muitas, embora às ve- néfrons e túbulos. Há evidências de que ele não só fornece
zes seja difícil separá-las das funções do túbulo contorna- suporte estrutural, mas também funciona como mediador,
do distal. Juntos, ducto coletor e túbulo contornado distal ou mais exatamente como modulador de quase todas as
formam o néfron distal, onde vários processos fisiológicos trocas que ocorrem ao longo dos vasos capilares e túbulos
ocorrem: reabsorção de bicarbonato, secreção de hidrogê- do parênquima renal. Considera-se provável sua influên-
nio, reabsorção e secreção de potássio, secreção de amô- cia na filtração glomerular, através de seus efeitos no feed-
nia, reabsorção de água, etc. Evidência experimental do- back túbulo-glomerular. Ele também tem muita importân-
cumenta nitidamente que todo ducto coletor reabsorve cia no crescimento e na diferenciação das células do parên-
água sob a influência de vasopressina (Fig. 1.15). quima renal, bem como na determinação da distribuição
Na presença de vasopressina, sendo a água reabsorvi- da microvasculatura peritubular e na circulação linfática.
da do interior do ducto coletor, há uma maior concentra- Além disso, produz fatores autacóides e hormônios de ação
ção de uréia no interior do ducto coletor, cujos segmentos local, como a adenosina e a prostaglandina, e sistêmica,
cortical e medular são impermeáveis à uréia. Os segmen- como a eritropoetina. Alterações no interstício renal con-
tos medular interno e papilar são permeáveis à uréia, faci- tribuem para as manifestações clínicas da doença renal.
litando a passagem desta para o interstício medular, fato O interstício renal divide-se nos compartimentos corti-
muito importante no mecanismo de concentração de uri- cal e medular, que por sua vez têm suas subdivisões. No
na (v. Cap. 9). Além disso, há evidência de que o DC par- córtex têm-se as partes peritubular, periarterial e especial,
ticipa da reabsorção de cloreto de sódio, secreção ou reab- formada pelo mesângio glomerular e extraglomerular. Na
sorção de potássio, secreção de íons hidrogênio e do pro- medula observam-se as faixas externa e interna da medu-
cesso de acidificação urinária, como já foi citado. lar externa e a medular interna. Na região periarterial do
interstício cortical encontram-se os vasos linfáticos renais,
particularmente abundantes ao redor das artérias arquea-
Túbulo contornado distal das e corticais radiais ou interlobulares. Eles possuem um
Túbulo coletor
endotélio perfurado e sem membrana basal. Não existem
vasos linfáticos na medula renal.
Isotônico
O volume do interstício em relação ao parênquima vai
aumentando em direção à papila renal, a partir do córtex.
Assim, temos um volume relativo intersticial de 30 a 40%
na medula interna de rins de animais de laboratório, en-
Hipertônico quanto a parte intersticial cortical tem apenas 7 a 9%. Em
rins de adultos jovens normais o volume relativo do inters-
tício varia de 5 a 10% no córtex e aumenta com a idade.64
No córtex, identificam-se basicamente dois tipos de cé-
lulas intersticiais. O tipo mais freqüente assemelha-se a fi-
broblastos, e o outro lembra células mononucleares (macró-
fagos). A produção de adenosina por células semelhantes a
Epitélio permeável à água fibroblastos da parte cortical inibe a liberação de renina e
diminui a reabsorção de sódio, tendo-se revelado parte do
Epitélio impermeável à água
mecanismo de proteção renal frente a situações de hipóxia.
Epitélio permeável à água
somente em presença de HAD Durante a hipóxia, há evidências de aumento de adenosina
e de eritropoetina. Sugere-se que a síntese desta última é
Fig. 1.15 Representação esquemática do nefro procurando sali- estimulada pela adenosina, representando a resposta celu-
entar as diferenças morfológicas e funcionais da porção inicial e
lar a um sinal de diminuição do O2 disponível.
distal do túbulo distal. Observem que o túbulo contornado dis-
tal é impermeável à água, como o ramo ascendente da alça de Na medula, especialmente na medula interna, as célu-
Henle. A porção distal do TD (túbulo coletor) responde ao HAD, las intersticiais são numerosas e vários tipos foram identi-
como todo o ducto coletor. ficados. Através de microscopia eletrônica identificaram-
capítulo 1 17

se, inclusive, partículas de gordura em determinadas cé-


Pontos-chave: lulas, muito abundantes nessa região. Por meio de reações
• O aparelho justaglomerular é histoquímicas, revelou-se que estas partículas são compos-
tas de ácidos graxos saturados e insaturados. Esses ácidos
principalmente formado pelas células
são precursores de prostaglandinas, formando assim a
granulares da arteríola aferente (secretoras evidência de que essas células intersticiais medulares es-
da renina) e pela mácula densa tejam envolvidas na síntese de prostaglandinas renais, sen-
(diferenciação celular do túbulo distal). Esta do a medula o principal sítio de produção. Evidenciou-se
estrutura é a principal responsável pelo também que elas participam da síntese de glicosaminogli-
controle do sistema renina-angiotensina- canos presentes na matriz do interstício e que têm uma
aldosterona (SRAA), o qual tem como função endócrina anti-hipertensiva.65
função a regulação do metabolismo de As células mononucleares têm a capacidade de fagoci-
sódio tose e estão freqüentemente associadas às células dendrí-
ticas intersticiais, que não se diferenciam claramente das
• A estenose de artéria renal diminui o fluxo
células semelhantes a fibroblastos e funcionam como ex-
glomerular, atuando diretamente no
celentes apresentadoras de antígenos, como se observou
aparelho justaglomerular. Ocorre, então, em trabalhos experimentais.66 Em humanos, as células
uma estimulação do SRAA, o qual leva a homólogas a essas células dendríticas intersticiais encon-
um quadro de hipertensão arterial sistêmica tram-se mais no parênquima, como células endoteliais, e
de causa renovascular expressam o antígeno comum leucocitário CD45.67
• O túbulo proximal é responsável pela
reabsorção da maioria dos pequenos
solutos filtrados, e dentre eles temos os REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
íons sódio, cloreto, potássio, cálcio e
bicarbonato, assim como moléculas de 1. CHAPMAN, W.H. et al. The Urinary System. An Integrated Approach.
W.B. Saunders Co., 1973.
aminoácidos e glucose. A água é 2. HEPTINSTALL, R.H. Pathology of the Kidney, 2nd edition. Little, Bro-
permeável neste segmento, sendo wn and Co., cap. 1, 1974.
reabsorvida passivamente. Uma disfunção 3. PITTS, R.F. Physiology of the Kidney and Body Fluids. Year Book Me-
dical Publishers, 1972.
hereditária ou adquirida no túbulo 4. NETTER, F.H. Anatomia, estrutura e embriologia. Seção I: rins, ure-
proximal leva à síndrome de Fanconi teres e bexiga. Ciba-Geigy e Guanabara Koogan, vol. 6, 1973.
5. TISHER, C.C. & MADSEN, K.M. Anatomy of the kidney. In Brenner,
• A alça de Henle possui grande importância B.M. & Rector Jr, F.C. The Kidney. W.B. Saunders Co., p. 3, 1986.
na concentração da urina, participando na 6. WALD, H. The weight of normal adult human kidneys and its
criação do mecanismo de contracorrente variability. Arch. Pathol. Lab. Med., 23:493-500, 1937.
7. EMERY, J.L.; MITHAL, A. The weight of kidneys in late intra-uterine
através da criação de um interstício life and childhood. J. Clin. Pathol., 13:490-3, 1960.
medular hipertônico 8. KASISKE, B.L.; UMEN, A.J. The influence of age, sex, race and body
• Os túbulos distais, junto com os ductos habitus on kidney weight in humans. Arch. Pathol. Lab. Med., 110:55-
60, 1986.
coletores, formam os néfrons distais. 9. SYKES, D. The morphology of renal lobulations and calyces, and
Nestes segmentos agem a aldosterona their relationship to partial nephrectomy. Br. J. Surg., 51:294-304,
1964.
(reabsorção de sódio e secreção de
10. INKE, G. The Protolobar Structure of the Human Kidney: Its Biologic and
potássio), o hormônio antidiurético Clinical Significance. New York, Alan R. Liss, 1988.
(reabsorção de água) e o fator natriurético 11. HODSON, C.J. Reflux nephropathy: A personal historical review.
Am. J. Roentgenol., 137:451-62, 1981.
atrial (inibe reabsorção de sódio). Além 12. GARDNER, GRAY, O’RAHILLY. Anatomia do Corpo Humano — Es-
disto, o ducto coletor tem papel importante tudo Regional, 4-ª edição. Ed. Guanabara Koogan, Caps. 37 e 38, 1988.
na secreção de ácido através do amônio e 13. OSATHANONDH, V.; POTTER, E.L. Development of human
kidney as shown by microdissection: II. Renal pelvis, calyces, and
no mecanismo de contracorrente com a papillae. Arch. Pathol., 76:277-89, 1963.
uréia 14. OSATHANONDH, V.; POTTER, E.L. Development of human kid-
• A nefrite intersticial é um quadro de ney as shown by microdissection: III. Formation and interrelati-
onships of collecting tubules and nephrons. Arch. Pathol., 76:290-302,
inflamação aguda do interstício renal 1963.
provocada principalmente por drogas, 15. CLAPP, W.L.; ABRAHAMSON, D. Development and gross ana-
tomy of the kidney. In Tisher, C.C. & Brenner, B.M. Renal Pathology,
como derivados da penicilina e 2nd edition. Philadelphia, J.B. Lippincott Company, pp. 3-59, 1994.
antiinflamatórios não-esteroidais 16. DUNNIL, M.S.; HALLEY, W. Some observations on the quantitati-
ve anatomy of the kidney. J. Pathol., 110:113-21, 1973.
18 Anatomia Renal

17. BANKIR, B.; de ROUFFIGNAC, C. Urinary concentrating ability: 35. FARQUHAR, M.G. The glomerular basement membrane — A
Insights from comparative anatomy. Am. J. Physiol., 249 (Regulatory selective macromolecular filter. In Hay, E.D. Cell Biology of
Integ. Comp. Physiol., 18):R643-66, 1985. Extracellular Matrix. New York, Plenum Press, p. 335-78, 1981.
18. TISHER, C.C.; BRENNER, B.M. Structure and function of the 36. KANVAR, Y.S.; LINKER, A.; FARQUHAR, M.G. Increased perme-
glomerulus. In Renal Pathology, 2nd edition. Philadelphia, J.B. Lippin- ability of the glomerular basement membrane to ferritin after remo-
cott Company, pp. 143-61, 1994. val of glycosaminoglycans (heparan sulfate) by enzyme digestion.
19. OSTERBY, R. Morphometric studies of the peripheral glomeru- J. Cell Biol., 86:688-93, 1980.
lar basement membrane in early juvenile diabetes: Development 37. ROSENZWEIG, L.J.; KANVAR, Y.S. Removal of sulfated
of initial basement membrane thickening. Diabetologia, 8:84-92, (heparan sulfate) or nonsulfated (hyaluronic acid) glycosamino-
1972. glycans results in increased permeability of the glomerular
20. STEFFES, M.W.; BARBOSA, J.; BASGEN, J.M.; SUTHERLAND, basement membrane to 123I-bovine serum albumin. Lab. Invest.,
D.E.R.; NAJARIAN, J.S.; MAUER, S.M. Quantitative glomerular 47:177-84, 1982.
morphology of the normal human kidney. Lab. Invest., 49:82-6, 38. BOHRER, M.P.; BAYLIS, C.; HUMES, H.D.; GLASSOCK, R.J.; RO-
1983. BERTSON, C.R.; BRENNER, B.M. Permselectivity of the glomeru-
21. KASHTAN, C.E.; MICHAEL, A.F.; SIBLEY, R.K.; VERNIER, R.L. lar capillary wall: Facilitated filtration of circulating polycations. J.
Hereditary nephritis — Alport syndrome and thin glomerular Clin. Invest., 61:72-8, 1978.
basement disease. In Tisher, C.C. & Brenner, B.M. Renal Patholo- 39. COUSER, W.G.; HOYER, J.R.; STILMANT, M.M.; JERMANOVICH,
gy, 2nd edition. Philadelphia, J.B. Lippincott Company, p. 1250, N.B.; BELOCK, S. Effect of aminonucleoside nephrosis on immune
1994. complex localization in autologous immune complex nephritis in the
22. WEBER, S.; ENGEL, J.; WIEDEMANN, H.; GLANVILLE, R.W.; TIMPL, rat. J. Clin. Invest., 61:561-72, 1978.
R. Subunit structure and assembly of the globular domain of basement 40. HORVAT, R.; HOVOKA, A.; DEKAN, G.; POCZEWSKI, H.;
membrane collagen type IV. Eur. J. Biochem., 139:401-10, 1984. KERJASCHKI, D. Endothelial cell membranes contain podocalyxin
23. BOYD, C.D.; TOTH-FEJEL, S.; GADI, I.K.; LITT, M.; CONDON, — the major sialoprotein of visceral glomerular epithelial cells. J. Cell
M.R.; KOLBE, M.; HAGEN, I.K.; KURKINEN, M.; MACKENZIE, Biol., 102:484-91, 1986.
J.W.; MAGENIS, E. The genes coding for human pro alpha 1(IV) 41. DRENCKHAHN, D.; SCHNITTLER, H.; NOBILING, R.; KRIZ, W.
and pro alpha 2(IV) collagen are both located at the end of the Ultrastructural organization of contractile proteins in rat glomeru-
long arm of the chromossome 13. Am. J. Hum. Genet., 42:309-14, lar mesangial cells. Am. J. Pathol., 137:1343-52, 1990.
1988. 42. GEHLSEN, K.R.; DILLNER, L.; ENGVALL, E.; RUOSLAHTI, E. The
24. MORRISON, K.E.; GERMINO, G.G.; REEDERS, S.T. Use of the po- human laminin receptor is a member of the integrin family of cell
lymerase chain reaction to clone and sequence a cDNA encoding the adhesion receptors. Science, 241:1228-9, 1988.
bovine alpha-3 chain of the type IV collagen. J. Biol. Chem., 266:34-9, 43. LAITINEN, L.; VARTIO, T.; VIRTANEN, I. Cellular fibronectins are
1991. differentially expressed in human fetal and adult kidney. Lab. Invest.,
25. MARIYAMA, M.; KALLURI, R.; HUDSON, B.J.; REEDERS, S.T. The 64:492-8, 1991.
alpha-4(IV) chain of basement membrane collagen: isolation of 44. SCHLONDORFF, D. The glomerular mesangial cell — An expan-
cDNAs encoding bovine alpha-4(IV) and comparison with other ding role for a specialized pericyte. FASEB J. 1:272-81, 1987.
type of collagens. J. Biol. Chem., 67:1253-8, 1991. 45. KRIZ, W.; ELGER, M.; LEMLEY, K.; SAKAI, T. Structure of the glo-
26. HOSTIKKA, S.L.; EDDY, R.L.; BYERS, M.G.; HOYHTYA, M.; merular mesangium: A biomechanical interpretation. Kidney Int.,
SHOWS, T.B.; TRYGGVASON, K. Identification of a distinct type 38(Suppl 30):S2-9, 1990.
IV collagen alpha chain with restricted kidney distribution and 46. SCHNABEL, E.; ANDERSON, J.M.; FARQUHAR, M.G. The tight
assignment of its gene to the locus of X chromossome-linked Alport junction protein ZO-1 is concentrated along the slit diaphragms of
syndrome. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 87:1606-10, 1990. the glomerular epithelium. J. Cell Biol., 111:1255-63, 1990.
47. SCHNEEBERGER, E.E.; LEVEY, R.H.; McCLUSKEY, R.I.;
27. KLEPPEL, M.M.; KASHTAN, C.E.; BUTKOWSKI, R.J.; FISH, A.J.;
KARNOVSKY, M.J. The isoporous substructure of the human glo-
MICHAEL, A.F. Alport familial nephritis — absence of 28 kilodalton
merular slit diaphragm. Kidney Int., 8:48-52, 1975.
non-collagenous monomers of type IV collagen in glomerular
48. KAZATCHKINE, M.D.; FEARON, D.T.; APPAY, M.D.; MANDET,
basement membrane. J. Clin. Invest., 80:263-6, 1987.
C.; BARIETY, J. Immunohistochemical study of the human glome-
28. ANTIGNAC, C.; DECHENES, G.; GROS, F.; KNEBELMANN, B.;
rular C3b receptor in normal kidney and in 75 cases of renal disea-
TRYGGVASON, K.; GUBLER, M.C. Mutations in the COL4A5 gene
ses. J. Clin. Invest., 69:900-12, 1982.
in Alport syndrome. J. Am. Soc. Nephrol., 2:249, 1991.
49. KERJASCHKI, D.; FARQUHAR, M.G. Immunocytochemical loca-
29. BRAZEL, D.; OBERBAUMER, I.; DIERINGER, H.; BABEL, W.;
lization of the Heymann antigen (gp 330) in glomerular epithelial
GLANVILLE, R.W.; DEUTZMANN, R.; KUHN, K. Completion of
cells of normal Lewis rats. J. Exp. Med., 157:667-86, 1983.
the amino acid sequence of the alfa-1 chain of human basement
50. KERJASCHKI, D.; SHARKEY, D.J.; FARQUHAR, M.G. Identifica-
membrane collagen (type IV) reveals 21 non-triplet interruptions
tion and characterization podocalyxin — the major sialoprotein of
located within the collagenous domain. Eur. J. Biochem., 168:529-36, renal glomerular epithelial cell. J. Cell Biol., 98:1591-6, 1984.
1987. 51. KANVAR, Y.S.; FARQUHAR, M.G. Detachment of the endothelium
30. TSILIBARY, E.; CHARONIS, A. The role of the main noncol- and epithelium from the glomerular basement membrane produced
lagenous domain (NC1) in type IV collagen assembly. J. Cell. Biol., by kidney perfusion with neuraminidase. Lab. Invest., 42:375-84,
103:2467-73, 1986. 1980.
31. AUMAILLEY, M.; TIMPL, R. Attachment of cells to basement mem- 52. KURTZ, S.M.; FELDMAN, J.D. Experimental studies on the
brane collagen type IV. J. Cell Biol., 103:1569-75, 1986. formation of the glomerular basement membrane. J. Ultrastr. Res.,
32. MARTINEZ-HERNANDEZ, A.S.; GAY, S.; MILLER, E.J. Ultrastruc- 6:19-27, 1962.
tural localization of type V collagen in rat kidney. J. Cell Biol., 92:343- 53. GOMEZ, R.A.; PUPILLI, C.; EVERETT, A.D. Molecular aspects of
9, 1982. renin during kidney ontogeny. Pediatr. Nephrol., 5:80-7, 1991.
33. MADRI, J.A.; ROLL, F.J.; FURTHMAYR, H.; FOIDART, J.M. Ultras- 54. THURAU et al. Composition of tubular fluid in the macula densa
tructural localization of fibronectin and laminin in basement mem- segment as a factor regulating the function of the juxtaglomerular
branes of murine kidney. J. Cell Biol., 86:682-7, 1980. apparatus. Circ. Res., 20:suppl. 2:79, 1967.
34. KATZ, A.; FISH, A.J.; KLEPPEL, M.M.; HAGEN, S.G.; MICHAEL, 55. TOBIAN et al. Correlation between granulation of juxtaglomerular
A.F.; BUTKOWSKI, R.J. Renal entactin (nidogen): isolation, charac- cells and extractable renin in rats with experimental hypertension.
terization and tissue distribution. Kidney Int., 40:643-52, 1991. Proc. Soc. Exp. Biol. Med., 100:94, 1959.
capítulo 1 19

56. BARAJAS, L. Renin secretion: an anatomical basis for tubular con- 69. BERMAN, I. Color Atlas of Basic Histology, 2nd Edition, Appleton &
trol. Science, 172:485, 1971. Lange, 1998.
57. RHODIN, J.A.G. Structure of the kidney. In Disease of the Kidney, 2nd 70. KUMAR, V.; COTRAN, R.; ROBBINS, S. Basic Pathology, 6th Edition,
edition. Little, Brown and Co., 1971. W.B. Saunders Company, 1997.
58. ROCHA, A.S. and KOKKO, J.P. Sodium chloride and water trans- 71. JUNQUEIRA, L.C.; CARNEIRO, J. Histologia Básica, 8-ª Edição, Gua-
port in the medullary thick ascending limb of Henle: evidence for nabara Koogan, 1995.
active chloride transport. J. Clin. Invest., 52:612, 1973.
59. WOODHALL, P.B. and TISHER, C.C. Response of the distal tubule
and cortical collecting duct to vasopressin in the rat. J. Clin. Invest., ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
47:203, 1968.
60. MADSEN, K.M., BRENNER, B.M. Structure and function of the renal http://www.nlm.nih.gov/medlineplus/aboutmedli-
tubule and interstitium. In Tisher, C.C. & Brenner, B.M. Renal Patholo-
gy, 2nd edition. Philadelphia, J.B. Lippincott Company, pp. 661-98, 1994.
neplus.html — site do MEDLINEplus, uma mina de ouro
61. BERGERON, M.; GUERETTE, D.; FORGET, J.; THIÉRY, G. Three- de informações na área da saúde da maior biblioteca mé-
dimentional characteristics of the mitochondria of the rat nephron. dica do mundo, a National Library of Medicine.
Kidney Int., 17:175-85, 1980. http://www.e-kidneys.net/ — site do ALtruis Biomedi-
62. ALLEN, F.; TISHER, C.C. Morphology of the ascending thick limb
of Henle. Kidney Int., 9:8-22, 1976. cal Network, uma colecão de websites com foco na pesqui-
63. LEMLEY, K.V.; KRIZ, W. Anatomy of the renal interstitium. Kidney sa médica e cuidado da saúde.
Int., 39:370-81, 1991. http://www.mhhe.com/biosci/ap/saladin2e/student/
64. KAPPEL, B.; OLSEN, S. Cortical interstitial tissue and sclerosed glo-
adam/aoa.mhtml — acesso a Anatomia e Fisiologia de
meruli in the human kidney related to age and sex: A quantitative
study. Virchows Arch.(A), 387:271-7, 1980. Kenneth Saladin.
65. MUIRHEAD, E.E.; GERMAIN, G.S.; ARMSTRONG, F.B.; BROOKS, http://www.gradesummit.com/studentinfo-q1.htm —
B.; LEACH, B.E.; BYERS, L.W.; PITCOCK, J.A.; BROWN, P. Endo- um instrumento de auto-avaliacão e preparação para exa-
crine-type antihypertensive function of renomedullary interstitial
mes. Há uma seção de anatomia e fisiologia.
cells. Kidney Int., 8:S271-82, 1975.
66. GURNER, A.C.; SMITH, J.; CATTEL, V. The origin of Ia antigen- http://www.abdn.ac.uk/~phy050/kidney.htm — é um
expressing cells in the rat kidney. Am. J. Pathol., 127:169-75, 1984. programa tutorial desenvolvido com Asymetrix Toolbook
67. ALEXPOULOS, E.; SERON, D.; HARTLEY, R.B.; CAMERON, J.S. e serve como uma introdução e revisão tutorial para estu-
Lupus nephritis: correlation of interstitial cells with glomerular func-
dantes de medicina do primeiro ano. Introduz o estudan-
tion. Kidney Int., 37:100-9, 1990.
68. BURKITT, H.G.; YUONG, B.; HELATH, J.W. Wheather’s Functio- te na anatomia e histologia do rim e complementa as au-
nal Histology, 3rd Edition, Churchill Livingston, 1993. las.
Capítulo
Circulação Renal

2 José Luiz Monteiro e Claudia Maria de Barros Helou

INTRODUÇÃO Método das microesferas marcadas com isótopos


ANATOMIA VASCULAR RENAL radioativos
MEDIDAS DO FLUXO SANGUÍNEO RENAL Fluxo sanguíneo medular
Fluxo sanguíneo renal total Doppler
Métodos de medida do fluxo sanguíneo renal REGULAÇÃO DA CIRCULAÇÃO RENAL
Método das microesferas radioativas Inervação renal
Fluxômetro eletromagnético Auto-regulação do fluxo sanguíneo renal
Técnicas de processamento de imagem Teoria miogênica
DISTRIBUIÇÃO INTRA-RENAL DO FLUXO SANGUÍNEO Teoria do feedback túbulo-glomerular
Fluxo sanguíneo cortical Regulação parácrina da microcirculação renal
Técnica dos gases inertes Mecanismos de ativação em resposta a estímulo
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA

pulações de néfrons superficiais e profundos (justamedu-


INTRODUÇÃO lares), tanto quanto ao fluxo sanguíneo como à taxa de fil-
tração glomerular.
Os rins humanos pesam cerca de 300 g, representando Com os avanços recentes através de técnicas de micro-
aproximadamente 0,5% do peso corpóreo. Apesar deste dissecção, conseguiu-se isolar heterogêneas arteríolas afe-
baixo peso, recebem de 20 a 25% do débito cardíaco, cor- rentes e eferentes, como será descrito adiante.
respondendo a 400 ml de fluxo por 100 g de tecido renal As células endoteliais eram consideradas no passado
por minuto, 5 a 50 vezes maior que o de outros órgãos tam- como simples membranas semipermeáveis, que impediam
bém importantes, coração, cérebro e fígado. Devido à sua a passagem principalmente de proteínas. Atualmente, atu-
baixa resistência vascular, associada à grande capacidade am como verdadeiros órgãos, dotados de propriedades
filtrante, possui, portanto, a maior taxa de perfusão entre metabólicas autócrinas e parácrinas, isto é, com síntese de
todos os tecidos dos mamíferos. fatores vasomotores agindo nas próprias células ou nos
A circulação renal apresenta certas características inte- tecidos adjacentes. Para que ocorra um verdadeiro equilí-
ressantes: ocorre uma baixa diferença arteriovenosa de oxi- brio na regulação da circulação renal, são evidenciados
gênio, indicando que o alto fluxo sanguíneo é muito mai- vasodilatadores representados pelo óxido nítrico, pelas
or que sua necessidade metabólica. Por outro lado, em es- prostaglandinas e pelo fator hiperpolarizante derivado do
tado de choque circulatório sistêmico, uma freqüente com- endotélio (EDHF) e os vasoconstritores, endotelina e trom-
plicação é a ocorrência de insuficiência renal aguda, mui- boxane. Estes agonistas, uma vez liberados pelo endotélio,
to mais comum que lesões no coração, cérebro e fígado. exercem a sua função na musculatura lisa das arteríolas
Outra peculiaridade do rim refere-se às diferentes po- renais.
capítulo 2 21

queadas. A partir destas, formam-se as artérias radiais corti-


Pontos-chave: cais, que se dirigem perpendicularmente ao córtex super-
• Os rins são órgãos de baixa resistência ficial, dividindo-o em lóbulos, e por isso eram antigamen-
vascular cujo fluxo sanguíneo corrigido por te denominadas de artérias interlobulares.
Das artérias radiais corticais originam-se as arteríolas afe-
grama de tecido é o maior do organismo.
rentes, cuja porção distal penetra na cápsula de Bowman
• A circulação renal não é homogênea.
ramificando-se em múltiplos capilares que convergem e
• As células endoteliais sintetizam e/ou formam as arteríolas eferentes (Fig. 2.1). Estas arteríolas são
liberam agonistas que modulam a importantes na regulação da resistência vascular glomeru-
tonicidade da musculatura lisa das lar por apresentarem estruturas esfinctéricas modulando,
arteríolas renais. então, a hemodinâmica renal e a filtração glomerular.
Essa rede capilar formada no interior da cápsula de
Bowman tem o endotélio envolvido por prolongamentos
ANATOMIA VASCULAR RENAL das células epiteliais da cápsula, os podócitos. Além das
células endoteliais e epiteliais, há um terceiro tipo de célu-
As artérias renais usualmente são únicas, dividindo-se las que são responsáveis pela matriz e denominadas de
junto ao hilo em um ramo anterior e outro posterior. O ramo células mesangiais. As células mesangiais, além da impor-
anterior se divide em quatro artérias segmentares respon- tante participação no arcabouço glomerular, também de-
sáveis pela irrigação de todo o pólo inferior, do ápice e dos sempenham papel na regulação da filtração glomerular
segmentos superior e médio da face anterior renal. Os seg- devido à presença de elementos contráteis que induzem
mentos restantes são irrigados pelo ramo posterior. Não variações das áreas filtrantes. A esse conjunto de estrutu-
existem anastomoses entre estes ramos iniciais da artéria ras vasculares, epiteliais e mesangiais é dado o nome de
renal, subentendendo-se daí que a obstrução de qualquer glomérulo.
deles levará à isquemia de todo o tecido para o qual o flu- Os diâmetros glomerulares são heterogêneos ao longo
xo sanguíneo se distribui. do córtex renal, sendo maiores os justamedulares em rela-
Essas artérias segmentares dividem-se em várias outras ção aos superficiais, correspondendo também a uma mai-
que se dirigem até a junção córtico-medular, delimitando or filtração por cada unidade funcional renal, o néfron.
espaços denominados de lobos, e por isso elas recebem o As arteríolas aferentes, que são os vasos pré-glomerula-
nome de artérias interlobares. res, caracterizam-se por apresentarem parede espessa e
Na região córtico-medular, as artérias interlobares assu- regular devido à distribuição homogênea das fibras circu-
mem forma encurvada, originando-se então as artérias ar- lares de músculo liso independentemente de sua localiza-

Fig. 2.1 Fotomicrografia dos vasos do córtex renal humano, fixados com silicone. As flechas indicam as artérias radiais corticais (in-
terlobulares), perpendiculares à superfície renal, e os glomérulos são visíveis como pequenos objetos arredondados. (Obtido de
Brenner, B.M. et al. The renal circulations. In: Brenner, B.M. and Rector, F.C., Jr. (eds). The Kidney, 4th ed. W.B. Saunders Company,
Philadelphia, 1991, p. 165.)
22 Circulação Renal

ção cortical. O citoplasma da célula muscular possui dois rentes são também responsáveis pela irrigação da medula
prolongamentos laterais simétricos que envolvem o tubo renal, que é realizada por longas arteríolas, localizadas no
endotelial formando um anel de cada lado. É interessante córtex justamedular. Estas, ao penetrarem na medula ex-
salientar que, se de um lado a espiral formada é no senti- terna, formam os vasa recta através de suas múltiplas divi-
do horário, no outro o sentido é anti-horário (Fig. 2.2). sões. Dessa maneira, as arteríolas eferentes desempenham
Dessa maneira, a contração da célula muscular induz re- importante função na reabsorção de água e eletrólitos, além
dução do diâmetro luminal sem haver torção do vaso. Pró- de sua participação na filtração glomerular já referida an-
ximo ao glomérulo, dois tipos distintos de células com- teriormente.
põem a parede das arteríolas aferentes: as células musculares De modo geral, as arteríolas eferentes são mais finas que
lisas já descritas e as justaglomerulares, que se caracterizam as respectivas aferentes e apresentam parede irregular de-
por serem do tipo mioepitelial com a função de secretar vido à distribuição descontínua de células de musculatu-
renina. Estas células são mais abundantes nas arteríolas afe- ra lisa. Aliás, a célula muscular das arteríolas eferentes tem
rentes do córtex superficial em relação às do córtex justa- forma totalmente irregular, não permitindo o envolvimen-
medular. to total da camada endotelial e deixando fenestrações. Essa
As arteríolas eferentes, por sua vez, são heterogêneas ao descrição é válida para todas as arteríolas eferentes, exceto
longo do córtex renal. Elas se caracterizam por apresenta- para o grupo de localização justamedular responsável pela
rem ramificações laterais que vão formar um plexo capi- formação dos vasa recta. Neste grupo observa-se que as
lar para envolver o túbulo contornado proximal. Aliás, essa arteríolas eferentes apresentam diâmetro igual ou até maior
rede capilar não necessariamente envolve o túbulo de cujo que sua respectiva aferente. A parede é regular e uniforme
glomérulo a arteríola eferente se originou. As arteríolas efe- na microscopia óptica devido à camada contínua de mus-

IV
III III IV
aferente eferente
aferente IV
I eferente
I

A B

CÓRTEX
MEDU-
LA
IV aferente IV
III eferente
aferente eferente aferente II
I IV
eferente III
I
I
II
II
C
D E

III III

III

Tipos de células musculares


IV
I III

IV

II IV
IV IV

Fig. 2.2 Esquema que demonstra a heterogeneidade morfológica das arteríolas eferentes. No córtex superficial encontram-se dois
tipos de arteríolas eferentes, que podem ser denominadas de eferentes superficiais finas, cujas ramificações podem ocorrer próximo
(A) ou longe do glomérulo (B). No córtex justamedular se observam três tipos de arteríolas eferentes: eferente justamedular fina (C),
eferente justamedular espessa muscular (D), responsável pela formação dos vasa recta, e eferente justamedular intermediária (E). A
heterogeneidade morfológica das arteríolas eferentes é devida aos diferentes tipos de célula muscular lisa que compõem a túnica
média dos microvasos renais. Enquanto as arteríolas aferentes se caracterizam por apresentar parede muscular espessa à custa da
distribuição homogênea de células que possuem citoplasma largo e prolongamentos laterais (I) que envolvem o tubo endotelial, as
arteríolas eferentes apresentam parede constituída por células musculares cujo citoplasma é totalmente irregular (II), resultando em
ocasionais junções entre as células. As arteríolas eferentes finas, como também as porções distais das arteríolas eferentes espessas
musculares, são formadas por células de morfologia mais irregular e são denominadas de pericitos (III). Estes podem ser também do
tipo delgado (IV), sendo observados principalmente nas ramificações e na formação dos capilares peritubulares.
capítulo 2 23

culatura lisa e é somente pela presença de ramificações que são finas e de parede irregular, mas elas são extremamen-
se permite distingui-las das aferentes. Entretanto, na mi- te curtas devido às múltiplas ramificações para formar o
croscopia eletrônica também se observam fenestrações na plexo capilar que envolve o túbulo contornado proximal.
parede muscular, uma vez que a irregularidade dos pro- Esta rede vascular é tão complexa que impede distinguir
longamentos laterais dessas células não permite a forma- o caminho individual de um capilar.
ção de um anel contínuo muscular sobre o tubo endotelial No córtex profundo ou justamedular, também se obser-
(Fig. 2.2). vam arteríolas eferentes finas com parede irregular e rami-
No córtex superficial as arteríolas eferentes são sempre fi- ficações laterais situadas longe do glomérulo e portanto
nas (16 a 18 µm de diâmetro no rim do rato) e de parede ir-
regular. Entretanto, elas podem mostrar padrão heterogê-
neo quanto ao local da ramificação. Algumas se ramificam
bem próximas ao glomérulo e em outras as ramificações só
ocorrerão a partir de 100 a 200 m. Ao local onde ocorrem
as ramificações é dado o nome de “welling point”, ou “vaso
estrelado”, como preferiam os micropuncionadores.
No córtex intermediário, as arteríolas eferentes também

Pontos-chave:
• As artérias renais são únicas e se dividem
sucessivamente até a formação do
glomérulo (a. renal 씮 a. segmentar 씮 a.
interlobar 씮 a. arqueada 씮 a. radial cortical
씮 arteríola aferente)
• Devido à ausência de anastomoses entre as
múltiplas divisões da artéria renal, a
obstrução de uma dessas divisões ocasiona
isquemia parcial do órgão
• As arteríolas aferentes apresentam o mesmo
padrão morfológico por todo o córtex renal
• As arteríolas eferentes apresentam
heterogeneidade morfológica e
caracterizam-se pela presença de
ramificações laterais que formam os plexos
capilares que envolvem os túbulos. No Fig. 2.3 Representação esquemática da organização microvascu-
lar e tubular do rim de cão. Notam-se três tipos de néfrons com
córtex justamedular, as a. eferentes espessas seus glomérulos situados no córtex externo, médio e interno. À
musculares penetram na medula e formam direita, há a divisão do córtex (C), medula externa (OM) e medu-
os vasa recta através de múltiplas divisões la interna (IM). À esquerda, notam-se o glomérulo (G), arteríolas
aferentes (AA) e os vasos eferentes (EV), dos quais formam-se os
longitudinais capilares peritubulares. Na superfície renal, os túbulos contorna-
• As arteríolas eferentes participam do dos proximais (PCT) são vistos ao lado de densa rede capilar
controle da filtração glomerular, da peritubular (retângulo 1). No córtex médio e interno, os túbulos
proximais localizam-se ao lado de artérias interlobulares e rede
irrigação medular e da reabsorção de água e capilar adjacentes (retângulos 2 e 4). Vêem-se também ductos
eletrólitos através da formação dos plexos coletores (CD), entre vasos interlobulares e alças de Henle. Os
capilares e dos vasa recta capilares peritubulares desta região, derivados de arteríolas efe-
rentes do córtex médio, orientam-se paralelamente às estruturas
• O sangue retorna à circulação através dos tubulares do raio medular (retângulo 3). No córtex interno ou
vasa recta ascendentes, de anastomoses justamedular, os glomérulos têm arteríolas eferentes que se diri-
venosas entre os capilares peritubulares e as gem para baixo, dividindo-se para formar uma extensa rede vas-
cular da medula externa. Em direção à medular interna, há a for-
veias na região cortical que drena para v. mação dos vasa recta, ao lado de alças de Henle e ductos coleto-
interlobulares 씮 v. interlobares 씮 v. renal res. (Obtido de Beeuwkes, R. e Bonventre, J.V. Tubular organi-
씮 v. cava inferior zation and vascular tubular relations in the dog kidney. Am. J. Phy-
siol., 229:695, 1975.)
24 Circulação Renal

com aspecto morfológico semelhante ao daquelas do cór- onde Ux  concentração do indicador x na urina; Vu 
tex superficial. Como já foi referido em parágrafos anteri- fluxo urinário; Ax e Vx  concentração do indicador na
ores, nesta região se localizam as arteríolas eferentes espes- artéria e veia renal, respectivamente; e FPR  fluxo plas-
sas musculares (diâmetro de 23,0  1,5 m em ratos) que mático renal. Portanto:
se dirigem à medula para formar os vasa recta. Além disso,
nesta região também se reconhece um outro tipo de arterí- Ux  Vu
FPR  (2)
ola eferente de diâmetro (19,3  0,5 m) e morfologia inter- Ax 2 Vx
mediários entre as eferentes finas e as espessas musculares. Esta remoção da substância do sangue arterial renal é
Do plexo capilar oriundo dos vasa recta descendentes
designada de extração renal do referido indicador. O mais
formam-se a circulação venosa e os vasa recta ascendentes.
utilizado é o ácido paraminoipúrico (PAH), o qual é ativa-
Esses capilares, além de suprirem as necessidades meta-
mente secretado pelos túbulos proximais. Sua extração é
bólicas locais, são também responsáveis pela captação e
cerca de 0,7 a 0,9 em humanos. Com infusão constante
remoção de água extraída dos ductos coletores durante o exógena do PAH, em clínica assume-se este valor igual a 1
processo de formação da urina. Para manter a tonicidade e, nestas condições, a equação (2) representaria o clearance
do interstício, o fluxo sanguíneo medular desempenha
de PAH. É importante salientar que este método somente
importante função na formação de gradiente de solutos. A
é válido quando a substância é administrada continuamen-
representação esquemática desta microcirculação é mos-
te, mantido um bom fluxo urinário, e a mesma não seja
trada na Fig. 2.3.
sintetizada nem metabolizada pelos rins.
Anastomoses venosas entre capilares peritubulares e O fluxo sanguíneo renal (FSR) pode ser calculado atra-
veias são encontradas na região cortical. A circulação ve- vés da correção pelo hematócrito (Ht):
nosa inicia-se então através das veias corticais superficiais
que formam as veias interlobulares. Estas, na região córtico- FSR  FPR/1  Ht
medular, originam as veias arqueadas, saindo destas as vei-
as interlobares, que vão formar finalmente a veia renal prin- MÉTODO DAS MICROESFERAS RADIOATIVAS
cipal, saindo do hilo renal em direção à veia cava inferior. É utilizado especificamente para condições experimen-
tais.
Microesferas são partículas plásticas de dimensões uni-
MEDIDAS DO FLUXO formes de 15  5 m de diâmetro, com propriedades quí-
micas inertes e densidade específica muito próxima à do
SANGUÍNEO RENAL sangue. Possuem a vantagem de poderem ser marcadas
com isótopos radioativos e ser extraídas pelo leito capilar
Fluxo Sanguíneo Renal Total de um órgão, distribuindo-se de acordo com o fluxo san-
guíneo do mesmo. No rim, são captadas pelas arteríolas ou
Como foi dito anteriormente, o fluxo sanguíneo renal capilares glomerulares, sem alterar a hemodinâmica local.
corresponde a 1/4 do débito cardíaco, ou seja, em torno de Quando injetadas no ventrículo esquerdo ou aorta, dis-
1.200 ml/min no homem adulto. É um pouco maior no sexo tribuem-se homogeneamente por toda a circulação. A
masculino, e em crianças de até um ano de idade corres- quantidade de microesferas que atinge o rim, ou seja, a
ponde à metade dos valores do adulto, índice que alcança medida da radioatividade renal total (Qt), é proporcional
ao redor dos três anos de vida. A partir da terceira década ao fluxo sanguíneo renal total (FSR), assim como a radioa-
começa a decrescer, chegando à metade dos valores nor- tividade por minuto de amostra de sangue coletada por
mais aos 80 anos. Baseado no peso renal, o fluxo sanguí- aspiração na artéria femoral durante a administração das
neo renal total é aproximadamente de 4 ml/min/g de te- microesferas (qt) é proporcional ao fluxo sanguíneo (ml/
cido. O fluxo cortical é cerca de duas vezes e meia maior min) na artéria femoral (Ff) coletado por bomba de aspira-
em relação ao medular. ção contínua. Assim:
FSR  Qt  Ff/qt
Métodos de Medida do Fluxo
Sanguíneo Renal FLUXÔMETRO ELETROMAGNÉTICO
Para medidas diretas do fluxo sanguíneo renal total, este
O método mais utilizado em clínica baseia-se na aplica- método oferece a vantagem de monitorização contínua da
ção do princípio de Fick. Se uma substância não é sinteti- taxa de perfusão do rim. Baseia-se na implantação de ele-
zada nem metabolizada dentro do rim, a sua passagem trodos circulares ao redor da artéria renal, sendo captadas
pelo órgão e posterior aparecimento na urina poderá ser ondas magnéticas oriundas do volume líquido em movi-
calculada através da equação: mento nas mesmas, registrando-se os valores em velocida-
Ux  Vu  (Ax  Vx)  FPR (1) de do fluxo sanguíneo renal. Pode ser utilizado em condi-
capítulo 2 25

ções experimentais e mesmo no homem, quando em cirur- hilar. Devido a várias dificuldades técnicas relacionadas a
gias com acesso às artérias renais. este método, como distribuição do gás no tecido renal e o
fato de a medida do fluxo ser dada por volume, pratica-
TÉCNICAS DE PROCESSAMENTO DE IMAGEM mente não está mais sendo utilizado.
Baseiam-se no método de processamento eletrônico da
imagem microscópica capilar, com a determinação da ve- MÉTODO DAS MICROESFERAS MARCADAS
locidade do eritrócito e o tempo necessário para percorrer COM ISÓTOPOS RADIOATIVOS
uma distância conhecida. Medidas simultâneas do diâme- É o método mais utilizado experimentalmente. As
tro do vaso e o hematócrito determinam o fluxo sanguíneo microesferas marcadas com isótopos são injetadas direta-
neste vaso. Através de filmagem de vídeo, as imagens mente no ventrículo esquerdo ou aorta, distribuindo-se
podem ser transferidas para um sistema com avaliação em para todos os órgãos de forma homogênea, sendo propor-
maior grau do fluxo arterial e, por conseguinte, o fluxo cional ao fluxo sanguíneo de cada um. No rim ficam im-
sanguíneo renal. A região medular é mais bem examina- pactadas nas arteríolas ou capilares glomerulares.
da por este método. A principal crítica a esta técnica refe- A medida do fluxo sanguíneo para diferentes regiões do
re-se à distribuição preferencialmente axial das hemácias, rim pode ser determinada através de cortes paralelos, no
ocorrendo, portanto, superestimação do fluxo sanguíneo sentido horizontal da superfície para o córtex mais inter-
capilar. no. Com a retirada de um fragmento do córtex, seccionan-
do-se três fatias paralelas, da superfície externa para a in-
terna, de igual espessura, designamos, respectivamente,
Pontos-chave:
zona 1 o córtex externo, zona 2 o córtex médio e zona 3 o
• Diversos métodos vêm sendo utilizados córtex interno. Determinando-se a radioatividade e o peso
para medida do fluxo sanguíneo renal total de cada zona, a porcentagem de fluxo sanguíneo de cada
em pesquisa clínica e/ou experimental zona (Pz) é calculada pela fórmula:
• O método do clearance de PAH permite Pz  qz/qt
estimar o fluxo sanguíneo renal total em
humanos onde qz é a radioatividade (contagens) por minuto por
grama de uma determinada zona do córtex renal e qt é a
radioatividade das três zonas (qz1  qz2  qz3).
As críticas a este método relacionam-se, na distribuição
DISTRIBUIÇÃO INTRA-RENAL axial das microesferas, à semelhança das hemácias. Desta
DO FLUXO SANGUÍNEO maneira, em vasos menores, tipo artéria interlobular, sua
concentração mediana poderia estar superestimando o flu-
xo sanguíneo cortical superficial, local de maior popula-
Fluxo Sanguíneo Cortical ção destas artérias e das arteríolas aferentes.
A distribuição intra-renal do fluxo sanguíneo e a fun-
ção renal parecem não se correlacionar com os métodos de
estudo até o momento realizados. Exemplo neste sentido
Fluxo Sanguíneo Medular
são os resultados, principalmente após trauma e hemorra- A circulação medular provém das arteríolas pós-glome-
gia, com as diferentes taxas de perfusão nas regiões inter- rulares dos néfrons justamedulares.
nas do rim. Como foi dito anteriormente, existem hetero- O fluxo medular, mesmo sendo menor que o cortical,
gêneas populações de néfrons, não só quanto à sua anato- assemelha-se ao de outros órgãos. Característica importan-
mia microvascular, como também quanto à função e à taxa te é a baixa pressão parcial de oxigênio nesta região, em
de perfusão de cada uma. torno de 10 a 20 mmHg, ao contrário da cortical, cerca de
50 mmHg. Esta hipóxia medular é considerada como ten-
TÉCNICA DOS GASES INERTES do papel fisiológico para que ocorra uma eficiente concen-
Baseia-se na administração endovenosa ou diretamen- tração urinária. Se o fluxo sanguíneo for excessivo, rompe
te em artéria renal de um marcador (criptônio ou xenônio) o gradiente osmolar do interstício, alterando o mecanismo
com captação externa em região lombar com detector de contracorrente multiplicador. Se for baixo, ocorre lesão
cintilográfico da passagem pelo rim deste marcador. Ten- isquêmica das células tubulares. Pré-requisito crítico para
ta correlacionar os vários componentes de uma curva que a urina se concentre devidamente é uma exata perfu-
multiexponencial, obtida com o detector, com as diversas são de oxigênio e a demanda, através de um preciso equi-
regiões córtico-medulares, baseado em comparações auto- líbrio entre a regulação do fluxo sanguíneo medular e o
radiográficas. São descritos quatro componentes: cortical, trabalho tubular.
medular externo, medular interno e perirrenal e gordura As técnicas de medida do fluxo sanguíneo medular ne-
26 Circulação Renal

cessitam de estudos em conjunto, ou seja, avaliação do flu- À estimulação do nervo renal, ocorre imediatamente
xo dos néfrons justamedulares combinados com estudos contração da musculatura lisa dos vasos, com conseqüen-
anatômicos detalhados da região medular. Os mais utili- te queda do fluxo sanguíneo. Este efeito pode ser minimi-
zados são os realizados através de indicadores não-difusí- zado com pequenas doses de noradrenalina e totalmente
veis, tais como albumina marcada com 131I, eritrócitos mar- abolido com agentes bloqueadores alfa-adrenérgicos. São
cados com 32P e rubídio radioativo. encontrados também receptores beta-adrenérgicos e dopa-
minérgicos.
DOPPLER O efeito da estimulação do nervo renal sobre a micro-
O princípio do Doppler é utilizado na transmissão do som circulação renal mostra um aumento na resistência arteri-
do sangue fluindo através dos vasos numa freqüência que olar aferente e eferente, com grande redução do fluxo san-
é captada por um transdutor. As imagens detectadas guíneo glomerular, com semelhantes alterações no coefi-
quantificam o fluxo sanguíneo correspondente ao vaso es- ciente de ultrafiltração do capilar glomerular e vasos peri-
pecífico, indicando também a direção do respectivo fluxo. tubulares.
A maior importância deste método aplica-se nos estu-
dos de anastomoses de vasos em transplante renal, tanto
artérias como veias, identificando-se possíveis estenoses ou
Auto-Regulação do Fluxo
oclusões. Sanguíneo Renal
A maioria dos órgãos são capazes de manter o seu flu-
Pontos-chave: xo sanguíneo quando ocorrem alterações da pressão de
perfusão.
• A distribuição do fluxo sanguíneo é O fenômeno da auto-regulação no rim é demonstrado
heterogênea no rim, sendo que 80% deste com variações da pressão arterial entre 80 e 180 mmHg. Um
fluxo destina-se à região cortical aumento da pressão de perfusão é acompanhado por um
• A medula renal apresenta baixa pressão equivalente aumento da resistência vascular, tornando-se
parcial de oxigênio inalterado o fluxo sanguíneo renal total.
A auto-regulação persiste mesmo após denervação re-
nal, em rim isolado e perfundido in vitro com plasma e após
retirada da medula adrenal (que previne a produção de
REGULAÇÃO DA catecolaminas). Portanto, auto-regulação é um fenômeno
CIRCULAÇÃO RENAL intrínseco que ocorre dentro do rim e só não está presente

Os vasos renais possuem musculatura lisa em várias


camadas, porém a partir das arteríolas aferentes elas se RESISTÊNCIA NAS ARTERÍOLAS FSR TFG
restringem a uma única camada.
CONTROLE
A vasoconstrição ou dilatação arteriolar manifesta-se
dependendo de fatores físicos intra-renais, humorais e
Af Ef
neurogênicos agindo na arteríola aferente e/ou eferente.
Este aumento ou diminuição da resistência vascular alte- REDUÇÃO NA
ra tanto a filtração glomerular como o fluxo sanguíneo re- AFERENTE
nal, desde que a pressão de perfusão não se altere.
A Fig. 2.4 ilustra as várias mudanças que ocorrem no
AUMENTO NA
fluxo sanguíneo e na filtração glomerular quando a resis- AFERENTE
tência é alterada.

REDUÇÃO NA
Inervação Renal EFERENTE

No rim são encontradas terminações nervosas simpáti-


cas ao longo das arteríolas aferentes e eferentes até o com-
AUMENTO NA
plexo justaglomerular. Através de microscopia eletrônica, EFERENTE
revelou-se a presença de vesículas granulares em nervos
renais, que são típicas de fibras adrenérgicas, e vesiculares
agranulares, provavelmente de natureza colinérgica. Entre Fig. 2.4 Efeito das alterações da resistência das arteríolas aferen-
os túbulos renais, existem também ocasionalmente nervos, te e eferente sobre o fluxo sanguíneo renal (FSR) e filtração glo-
que podem influenciar os processos de reabsorção tubular. merular (TFG), mantendo-se constante a pressão de perfusão.
capítulo 2 27

quando existem grandes alterações da pressão de perfu- renal e da pressão hidráulica do capilar glomerular. Estas
são arterial. alterações causam um aumento na taxa de filtração glome-
É importante salientar que a auto-regulação também se rular, elevando-se o fluxo de fluido ao túbulo distal. O
aplica à taxa de filtração glomerular, de tal maneira que no aumento de oferta de fluido a este segmento sensibilizaria
caso de alterações mais profundas da pressão de perfusão, a mácula densa, que ativaria mecanismos efetores, aumen-
por exemplo quando da administração do vasodilatador tando a resistência pré-glomerular, reduzindo o fluxo san-
papaverina, ocorre abolição do efeito da auto-regulação guíneo renal, a pressão glomerular e, por conseguinte, a
tanto do fluxo como da filtração. taxa de filtração glomerular.
As teorias envolvidas, muito provavelmente em com- O principal soluto envolvido nesta resposta da mácula
binação, no processo da auto-regulação são: miogênica e densa alterando o tônus da musculatura lisa das arterío-
feedback túbulo-glomerular. las aferentes talvez seja o cloreto de sódio. Algumas evi-
dências experimentais foram demonstradas, principalmen-
TEORIA MIOGÊNICA te após perfusão intratubular em velocidades crescentes de
Segundo esta teoria, a musculatura lisa arterial contrai- NaCl. Entretanto, o verdadeiro mecanismo efetor não está
se e relaxa-se em resposta a um aumento ou redução da esclarecido, podendo ser através da ativação do sistema
tensão na parede vascular, respectivamente. Perante uma renina-angiotensina, da adenosina, do ATP ou de algum
elevação abrupta da pressão de perfusão, há um aumento prostanóide não-ciclooxigenase.
do raio do vaso. Entretanto, quase imediatamente, a mus- Convém salientar que tanto a resposta miogênica como
culatura lisa se contrai, permitindo que o fluxo sanguíneo o feedback túbulo-glomerular são indispensáveis para que
se mantenha constante. O contrário existe quando há uma ocorra a auto-regulação renal. Estes dois mecanismos não
queda da pressão de perfusão. Crê-se atualmente que o são apenas aditivos, pois existe uma interação complexa
mediador deste processo de relaxamento e constrição vas- para que a auto-regulação ocorra em sua eficiência máxima.
cular seja a entrada de cálcio nas células musculares lisas
dos vasos. Nas situações de aumento de pressão intravas-
cular, o estímulo mecânico exercido na parede do vaso
Regulação Parácrina da
deflagra a despolarização da membrana da célula muscu- Microcirculação Renal
lar lisa. Os canais de cálcio operados por voltagem (VOCC)
Além da ação dos hormônios circulantes, a microcircu-
se abrem, permitindo a entrada de cálcio do extracelular
lação renal pode ser controlada néfron a néfron através de
para o intracelular. A elevação deste íon no citosol deflagra
agonistas liberados pelo endotélio, pelo epitélio ou pelo
a fosforilação das pontes de miosina, resultando na con-
interstício. Esta regulação local recebe o nome de regula-
tração da célula muscular.
ção parácrina. Entre os vários sistemas que exercem esta
O mecanismo miogênico baseia-se na lei de Laplace,
função, podemos citar: 1) sistema renina-angiotensina in-
pela equação:
tra-renal, 2) mediadores purinérgicos, 3) metabólitos do
T  R/(Pi  Pe) ácido araquidônico, 4) agonistas liberados ou sintetizados
pelo endotélio (endotelina, óxido nítrico, fator hiperpola-
onde T é a tensão na parede do vaso, R é o seu raio inter-
rizante derivado do endotélio).
no, Pi é a pressão hidrostática intravascular e Pe é a pres-
Atualmente, reconhecem-se dois sistemas renina-angi-
são hidrostática extravascular. O gradiente de pressão
otensina, que podem ser denominados como circulante e
transmural (Pi  Pe) reduzindo-se, diminuiria a tensão na
intra-renal. No primeiro, a síntese de angiotensina II é re-
parede e a resistência vascular. Quando a pressão de per-
alizada pela ação integrada do rim, fígado e endotélio pul-
fusão renal cai, reduz-se também a pressão transmural e a
monar. No segundo, a angiotensina II é formada localmen-
tensão na parede do vaso, e a resistência na arteríola afe-
te no rim. Em ambas as situações a angiotensina II exerce
rente diminui igualmente para manter relativamente cons-
ação de constricção dos vasos pré- e pós-glomerulares. Há
tante o fluxo sanguíneo renal.
indícios de que esta ação seja preferencial nas arteríolas
Convém também lembrar que a regulação miogênica só
aferentes em relação às eferentes no córtex superficial. Por
ocorre nos vasos pré-glomerulares, ou seja, ao nível da
outro lado, estudos vêm demonstrando ação semelhante
artéria interlobular e principalmente da arteríola aferente.
entre as arteríolas aferentes e eferentes no córtex justame-
dular. Assim, a regulação da microcirculação renal feita
Teoria do Feedback Túbulo-Glomerular pela angiotensina II não é homogênea, como se pensou
durante tantos anos. E o conhecimento da regulação pará-
O mecanismo túbulo-glomerular na auto-regulação do crina permite compreender melhor a heterogeneidade que
fluxo sanguíneo renal envolve também a taxa de filtração existe na microcirculação renal.
glomerular. Sugere-se que, quando ocorre uma elevação Os compostos purinérgicos, em especial o ATP, vêm
da pressão arterial, há um aumento do fluxo sanguíneo sendo citados como importantes reguladores parácrinos.
28 Circulação Renal

A ação do ATP ou da adenosina seria através da ativação te pela abertura dos VOCC presentes na membrana da
dos receptores P2 presentes apenas nas arteríolas aferen- musculatura lisa. Entretanto, outros mecanismos como a
tes induzindo a vasoconstrição. A hipótese aventada é de liberação do cálcio estocado nas organelas também contri-
que grandes quantidades de ATP seriam liberadas pela buem para elevação da [Ca2]i. As arteríolas eferentes do
mácula densa em resposta a um aumento do aporte de córtex superficial não possuem VOCC e a sinalização via
NaCl aos segmentos distais do néfron. Assim, o ATP seria cálcio é feita preferencialmente por outros mecanismos de
o mediador parácrino do feedback túbulo-glomerular. Um entrada deste cátion do extracelular para o intracelular,
dos argumentos para esta hipótese é devido ao fato de as como também pela liberação deste íon estocado nas orga-
células da mácula densa serem ricas em mitocôndrias e de nelas citoplasmáticas. No córtex justamedular, os canais de
a atividade da Na-K-ATPase ser baixa em relação à quan- cálcio operados por voltagem estão presentes tanto nas
tidade de ATP que é gerada nestas células. arteríolas aferentes como também nas arteríolas eferentes
Importante ação parácrina é exercida pelos metabólitos espessas musculares que são responsáveis pela formação
do ácido araquidônico que são também conhecidos como dos vasa recta. Então, a regulação da microcirculação renal
eicosanóides. Estes metabólitos apresentam importante deve ser heterogênea, ou seja, os fatores que influenciam
ação reguladora principalmente ao nível da arteríola afe- o córtex superficial não necessariamente influenciam a re-
rente mediando tanto a vasoconstrição quanto a vasodila- gião medular e vice-versa.
tação. Atualmente são reconhecidas três vias enzimáticas:
a da ciclooxigenase (COX), a da lipooxigenase e a do cito-
Pontos-chave:
cromo P-450 (CYP450). Os eicosanóides podem ser origi-
nários das células endoteliais, epiteliais ou intersticiais. • A circulação renal é regulada pelas
Entre os mediadores da vasoconstrição podemos citar o terminações simpáticas presentes nas
tromboxane, os leucotrienes e os ácidos hidroxieicosatetra- arteríolas glomerulares e pela ação de
enóicos (HETEs). Na vasodilatação geralmente são descri-
agonistas circulantes ou sintetizados
tas as ações das prostaglandinas PGE2 e PGI2, como tam-
localmente pelo endotélio, pelo epitélio ou
bém as dos ácidos epoxieicotrienóicos (11,12-EET).
E por fim, outro importante sistema na regulação pará-
pelo interstício (regulação parácrina)
crina é representado pelos agonistas e/ou metabólitos que • O rim possui um sistema de auto-regulação
são gerados ou liberados pelo endotélio. Na vasoconstri- de fluxo sanguíneo a fim de que este
ção, as endotelinas exercem importante ação tanto nas ar- permaneça constante independente da
teríolas aferentes quanto nas eferentes. Na vasodilatação, variação da pressão arterial. A auto-
o óxido nítrico, a bradicinina e o fator hiperpolarizante regulação renal ocorre quando a pressão
derivado do endotélio (EDHF) são os mediadores. A ação arterial está entre 80 e 180 mmHg
do óxido nítrico é evidente nas arteríolas aferentes mas • A resposta miogênica exercida pelos vasos
discutível nas eferentes. Provavelmente, o não-reconheci- pré-glomerulares e o feedback túbulo-
mento de que grupo morfológico a arteríola eferente estu-
glomerular são os fatores determinantes
dada pertença seja responsável pelos resultados contradi-
para que ocorra a auto-regulação do fluxo
tórios. Assim, o óxido nítrico exerce possivelmente ação
vasodilatadora nas arteríolas eferentes que formam os vasa sanguíneo renal
recta e não tem ação nos outros grupos morfológicos. Mais • A microcirculação renal pode ser regulada
uma vez, o conhecimento da regulação parácrina permite localmente, néfron a néfron, através de
compreender melhor a heterogeneidade que existe na mi- agonistas parácrinos: a) sistema renina-
crocirculação renal. angiotensina, b) mediadores purinérgicos,
c) metabólitos do ácido araquidônico, d)
agonistas liberados ou sintetizados pelo
Mecanismos de Ativação em endotélio (endotelina, óxido nítrico, fator
Resposta a Estímulo hiperpolarizante derivado do endotélio)
Além da já mencionada heterogeneidade morfológica
existente entre as arteríolas glomerulares, a microcircula-
ção renal é dotada de distintos mecanismos de ativação em BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
resposta a estímulo mecânico ou induzido por agonistas.
Assim, no córtex superficial, canais de cálcio operados ARENDSHORST, W.J. and NAVAR, L.G. Renal Circulation and Glomeru-
lar Hemodynamics. In: Schrier, R.W. and Gottschalck C.W. (eds). Disea-
por voltagem (VOCC) participam dos mecanismos para a
ses of the Kidney, 6th ed. Little, Brown and Company, pp. 59-106, 1996.
resposta vascular apenas nas arteríolas aferentes. Então, o BREZIS, M. and ROSEN, S. Hypoxia of the renal medulla — Its implica-
aumento do cálcio citosólico ([Ca2]i) ocorre principalmen- tions for disease. The New England Journal of Medicine, 332:647-655, 1995.
capítulo 2 29

DWORKIN, L.D., SUN A.M. and BRENNER, B.M. The renal circulations. NAVAR, LG. Integrating multiple paracrine regulators of renal micro-
In: Brenner, B.M. and Rector, F.C., Jr. (eds). The Kidney, 6th ed. W.B. vascular dynamics. American Journal of Physiology, 274:F433-F444, 1998.
Saunders Company, Philadelphia, pp. 277-318, 2000. VALTIN, H. and SCHAFER, J.A. Renal hemodynamics and oxygen con-
EVAN, A.P. and DAIL, W.G., Jr. Efferent arterioles in the cortex of the sumption. In: Valtin, H. and Schaffer, J.A. (eds). Renal Function, 3rd ed.
rat kidney. Anat. Rec., 187:135-145, 1977. Little, Brown and Company, pp. 95-114, 1995.
GATTONE II, V.H.; LUFT, F.C. and EVAN, A.P. Renal afferent and
efferent arterioles of the rabbit. American Journal of Physiology, 247:F219-
F228, 1984.
Capítulo
Filtração Glomerular

3 Antonio Carlos Seguro e Luis Yu

DETERMINANTES DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR HIPERFILTRAÇÃO GLOMERULAR


FILTRAÇÃO GLOMERULAR POR NEFRO MEDIDA DA FILTRACÃO GLOMERULAR
REGULAÇÃO HORMONAL DA FILTRAÇÃO GLOMERULAR BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
PERMEABILIDADE SELETIVA GLOMERULAR ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET

Os rins recebem normalmente 20% do débito cardíaco, onde K é o coeficiente de permeabilidade hidráulica do
o que representa um fluxo sanguíneo de 1.000 a 1.200 ml/ capilar glomerular; P é a diferença entre a pressão hidros-
min para um homem de 70-75 kg. Este alto fluxo é ainda tática do capilar glomerular (Pcg) e a pressão hidrostática
mais significativo se considerado pelo peso dos rins, cerca do fluido da cápsula de Bowman, que é igual à pressão
de 300 gramas. Assim, o fluxo sanguíneo por grama de rim intratubular (PT);  é a diferença entre a pressão oncóti-
é de cerca de 4 ml/min, um fluxo 5 a 50 vezes maior que ca do capilar glomerular (cg), que é uma força que se opõe
em outros órgãos. Este sangue que atinge o rim passa ini- à ultrafiltração, e a pressão oncótica do fluido da cápsula
cialmente pelos glomérulos, onde cerca de 20% do plasma de Bowman, esta última igual a zero, uma vez que este flui-
é filtrado, totalizando uma taxa de filtração glomerular de do é um ultrafiltrado, portanto, isento de proteínas. Assim,
120 ml/min ou 170 litros/dia. Os estudos de micropunção a equação pode ser estendida para:
mostraram que o líquido filtrado tem composição iônica e
Jv  K (Pcg  PT  cg),
de substâncias cristalóides (glicose, aminoácidos etc.) idên-
tica ao plasma, porém sem a presença de elementos figu- onde Pcg  PT  cg é igual à pressão de ultrafiltração
rados do sangue (hemácias, leucócitos, plaquetas) e com (Puf).
quantidades mínimas de proteínas e macromoléculas, Com a descoberta de uma raça mutante de ratos Wistar
constituindo-se, portanto, em um ultrafiltrado do plasma. (ratos Wistar de Munique), que apresentam glomérulos na
superfície renal, portanto, acessíveis à micropunção, foi
possível fazer medidas diretas da pressão capilar glome-
DETERMINANTES DA rular e estimar todos os determinantes da ultrafiltração.
Desta forma, a pressão capilar glomerular, em condi-
FILTRAÇÃO GLOMERULAR ções de hidropenia, tem um valor de 45 mmHg e se man-
tém praticamente constante ao longo do capilar glomeru-
A passagem de água e moléculas através do capilar glo-
lar. A pressão intratubular é em torno de 10 mmHg. A
merular é governada pelas mesmas forças que atuam em
pressão oncótica no início do capilar glomerular é de 20
qualquer outro capilar do organismo.
mmHg, sendo igual à pressão oncótica da artéria renal. À
Tomando-se um determinado ponto do capilar glome-
medida que vai havendo saída de água ao longo do capi-
rular, o ritmo de ultrafiltração (Jv) neste local é dado pela
lar glomerular, aumenta a concentração de proteína intra-
equação:
capilar, traduzindo-se por uma pressão oncótica mais ele-
Jv  K (P  ) vada (Fig. 3.1). A determinação direta da pressão oncóti-
capítulo 3 31

intermediário do capilar glomerular. A Fig. 3.2 mostra duas


das infinitas possibilidades de valores da Puf na condição
de equilíbrio.

Pontos-chave:
• A pressão capilar glomerular é uma força
que favorece a filtração glomerular
• A pressão intratubular e a pressão oncótica
do capilar glomerular são forças que se
opõem à filtração
• A filtração glomerular depende da
permeabilidade do capilar glomerular

Fig. 3.1 Determinantes da pressão de ultrafiltração. Representa- FILTRAÇÃO GLOMERULAR


ção esquemática de um capilar glomerular. Pcg é a pressão hi-
drostática do capilar glomerular, constante ao longo de toda sua
POR NEFRO
extensão. Pt é a pressão intratubular e cg é a pressão oncótica
das proteínas do capilar glomerular, que aumenta progressiva- Considerando-se a filtração glomerular de um único
mente ao longo do capilar, à medida que a água vai sendo filtra- glomérulo (RFGn), pode-se escrever:
da, concentrando-se as proteínas.
RFGn  Kf  Puf
onde Kf, o coeficiente de permeabilidade glomerular, é igual
ca do capilar glomerular ao nível da arteríola eferente, ao produto de k e S, sendo k o coeficiente de permeabilida-
através de ultramicrométodo, revela uma pressão em tor- de hidráulica do capilar glomerular, anteriormente descri-
no de 35 mmHg. to, e S é a área, ou superfície filtrante de todo o glomérulo.
A pressão de ultrafiltração pode, então, ser calculada em Vários estudos mostraram que a filtração glomerular
dois pontos: por nefro nos ratos Wistar é altamente dependente do flu-
Puf no início do capilar glomerular  45 mmHg  xo plasmático glomerular, isto é, o aumento do fluxo plas-
10 mmHg  20 mmHg  15 mmHg. mático glomerular leva ao aumento da filtração glomeru-
lar por aumento da pressão de ultrafiltração, deslocando
Puf no fim do capilar glomerular  45 mmHg  10
o ponto de equilíbrio para mais próximo do fim do capilar
mmHg  35 mmHg  0 mmHg.
glomerular, como, por exemplo, na Fig. 3.2, levando da
A esta condição observada em ratos e macacos, em que condição A para a condição B.
a pressão de ultrafiltração chega a zero no fim do capilar Através de infusões endovenosas isoncóticas de plasma
glomerular, chama-se de equilíbrio de pressão de filtração. em ratos, pode-se aumentar o fluxo plasmático glomeru-
A pressão de filtração, nesta condição de equilíbrio, não lar a níveis três vezes maiores que o normal, até um ponto
pode ser calculada, pois poderia ser 0 em qualquer ponto em que a pressão oncótica não se iguala à pressão hidros-

Fig. 3.2 Equilíbrio da pressão de filtração. Em abscissa está representada a distância do capilar glomerular. Zero corresponde ao
início do capilar, e 1, ao fim. Em ordenadas, os valores de pressão em mmHg. A diferença de pressão hidrostática (∆p) é praticamen-
te constante ao longo do capilar. A diferença de pressão oncótica (∆π) aumenta progressivamente. A pressão de ultrafiltração (Puf)
é representada pela área entre as duas curvas. Os gráficos A e B representam duas das infinitas possibilidades de valores de Puf em
condição de equilíbrio de filtração. Em ambas (A e B),  se iguala a P antes do fim do capilar glomerular.
32 Filtração Glomerular

ção ou relaxamento, ocasionando modificações do diâme-


tro dos vasos e da resistência vascular. Toda a vasculatura
está alinhada sobre uma camada contínua de células en-
doteliais que previnem a ocorrência de trombose intravas-
cular e atuam como barreira na difusão de solutos e flui-
dos através dos capilares. As células endoteliais são uni-
dades metabólicas dinâmicas que possuem receptores e
enzimas acopladas às suas membranas. Estas enzimas for-
mam ou degradam substâncias vasoativas circulantes
como a angiotensina II (enzima de conversão), bradicini-
na (cininase II), adeninonucleotídeos (nucleotidases) e en-
dotelina (metalopeptidase). Estas células participam dire-
tamente dos mecanismos contráteis e dilatadores através
Fig. 3.3 Desequilíbrio da pressão de filtração. Nesta condição,
como vemos,  não se iguala a ∆P no fim do capilar glomeru- da resposta a vários estímulos, e também formando e libe-
lar, podendo-se calcular um único valor da pressão de ultrafil- rando substâncias vasoativas. Entre os fatores relaxadores
tração (Puf), correspondente à área entre as duas curvas. encontram-se o fator relaxador do endotélio (EDRF), iden-
tificado como o óxido nítrico e a prostaciclina; e entre os
fatores contráteis, destacam-se a endotelina, tromboxane,
tática no fim do capilar glomerular, como pode ser visto angiotensina II e os radicais livres de oxigênio.
na Fig. 3.3. Além dos efeitos vasculares, a angiotensina II e o hor-
Nesta condição, denominada de desequilíbrio de pres- mônio antidiurético, in vitro, ligam-se às células mesangi-
são de filtração, induzida no rato, porém encontrada nor- ais, causando contração destas células, pois elas possuem
malmente no cão, pode-se calcular a Puf e, conseqüente- microfilamentos intracelulares contráteis. É possível que
mente, o Kf. estes hormônios, in vivo, provoquem contração das célu-
Valores calculados de Kf são da ordem de 0,08 nl/s  las mesangiais, causando diminuição da superfície glome-
mmHg. Tomando-se uma superfície média (S) de 0,0019 cm2 rular filtrante (S) e conseqüente redução do Kf e da pró-
do glomérulo do rato, obtém-se um coeficiente de permea- pria filtração glomerular.
bilidade hidráulica (k) em torno de 42,1 nl/(s  mmHg  cm2) Outros hormônios, como o hormônio da paratireóide e
para o capilar glomerular, coeficiente este 10 a 100 vezes a prostaglandina E2, não agem diretamente sobre a célula
maior que qualquer outro capilar do organismo, o que per- mesangial, porém aumentam, via AMP cíclico, a síntese
mite ao capilar glomerular manter um alto ritmo de filtra- local de angiotensina II. Desta forma, o paratormônio pode
ção, apesar de uma pressão de ultrafiltração baixa. reduzir a filtração glomerular por diminuição do Kf. A
prostaglandina E2, apesar de aumentar o fluxo plasmático
glomerular, não altera a filtração glomerular devido à di-
Pontos-chave:
minuição do Kf, efeito este devido à liberação local de an-
• A filtração glomerular depende do giotensina II induzida pela prostaglandina.
coeficiente de permeabilidade glomerular Os hormônios glicocorticóides no homem aumentam a
(k), da superfície da membrana filtrante e filtração glomerular. Estudos em ratos Wistar mostraram
da pressão de ultrafiltração que esta ação dos glicocorticóides se faz seletivamente por
aumento do fluxo plasmático renal. O fator atrial natriuré-
• O Kf é o produto do coeficiente de
tico promove vasodilatação renal com aumento do fluxo
permeabilidade glomerular e a área filtrante plasmático glomerular e conseqüente aumento da filtração
• A permeabilidade do capilar glomerular é glomerular.
10 a 100 vezes maior do que a de qualquer O óxido nítrico é produzido pelas células mesangiais e é
outro capilar do organismo importante na manutenção do fluxo plasmático renal e da
• A filtração glomerular por nefro depende filtração glomerular. O bloqueio da síntese de óxido nítrico
diretamente do fluxo plasmático glomerular aumenta a resistência das arteríolas aferente e eferente e
diminui o Kf, causando queda da filtração glomerular. A
filtração glomerular diminui com a infusão de endotelina-
1. A endotelina-1 contrai a célula mesangial, diminuindo o
REGULAÇÃO HORMONAL DA Kf, e aumenta proporcionalmente as resistências das arterí-
FILTRAÇÃO GLOMERULAR olas aferente e eferente, reduzindo o fluxo plasmático renal
sem alterar a pressão capilar glomerular.
Alterações da perfusão vascular são em última análise Existem, portanto, várias evidências de que os hormô-
mediadas pelas células musculares lisas através de contra- nios têm um papel importante na regulação da filtração
capítulo 3 33

glomerular e podem também estar envolvidos nas altera- de de contração, com conseqüente redução da área filtran-
ções da filtração glomerular, observados em condições te (S) e do Kf. Estes mecanismos reguladores podem estar
patológicas ou induzidas por drogas. afetados e contribuir para a queda da filtração glomerular
O uso crônico da gentamicina induz queda da filtração observada em doenças renais.
glomerular. Estudos com ratos Wistar mostraram que esta
queda ocorre principalmente devido à redução do Kf, efeito
este que pode ser atenuado por ingestão de dieta rica em PERMEABILIDADE SELETIVA
sal, ou pela administração crônica de captopril, situações
estas que diminuem a geração de angiotensina II, sugerin- GLOMERULAR
do um papel deste hormônio na insuficiência renal aguda
nefrotóxica causada por aminoglicosídeos. A ciclosporina Os capilares glomerulares permitem a passagem livre
diminui a filtração glomerular por nefro devido ao aumen- de pequenas moléculas como a água, uréia, sódio, clore-
to das resistências das arteríolas aferente e eferente com tos e glicose; mas não permitem a passagem de moléculas
diminuição do fluxo plasmático glomerular e do Kf. maiores como eritrócitos ou proteínas plasmáticas. O ca-
Em modelos experimentais de obstrução renal parcial, pilar glomerular comporta-se como uma membrana filtran-
demonstrou-se que a filtração glomerular por nefro pou- te contendo canais aquosos localizados entre as células e a
co se altera, embora ocorra queda do Kf, e esta é contraba- membrana basal do capilar glomerular. Além destes com-
lançada por aumento do gradiente de pressão hidrostáti- ponentes, as células epiteliais com seus podócitos também
ca (∆P). Entretanto, se a síntese de prostaglandina for ini- fazem parte desta barreira filtrante. Estima-se que o diâ-
bida pela indometacina, os valores da filtração glomeru- metro desses canais varie entre 75 e 100 Å devido à per-
lar por nefro no rim parcialmente obstruído caem intensa- meabilidade seletiva que eles apresentam.
mente, sugerindo que durante a obstrução ureteral parci- Vários estudos foram feitos, tanto no homem como em
al o efeito vasodilatador da prostaglandina antagoniza o animais, para se estudar a permeabilidade seletiva do ca-
efeito vasoconstritor simultâneo, provavelmente da angi- pilar glomerular. A maioria destes estudos foram feitos
otensina II. utilizando-se macromoléculas, como o dextran, uma subs-
Experimentalmente, tem sido demonstrado que nas le- tância homogênea quanto à estrutura química e forma
sões glomerulares primárias há mediação da angiotensi- molecular, porém encontrado em tamanhos diferentes, os
na II. O aminonucleosídeo puromicina, quando adminis- quais podem ser utilizados para o estudo da permeabili-
trado em ratos, causa proteinúria, acompanhada por que- dade glomerular.
da da filtração glomerular devido principalmente à dimi- O dextran, uma vez filtrado, não é reabsorvido nem se-
nuição do Kf, que pode ser parcialmente revertida pela cretado pelos túbulos renais. Pode-se comparar o clearan-
infusão de um antagonista da angiotensina II (saralasina). ce do dextran com o clearance de inulina, molécula peque-
Em resumo, a filtração glomerular é regulada por uma na que é filtrada pelo rim, cuja concentração no fluido da
série de substâncias vasoativas sistêmicas ou localmente cápsula de Bowman é a mesma do plasma, e também não
sintetizadas pelas células glomerulares, incluindo-se as é reabsorvida nem secretada pelos túbulos. Desta forma, a
células endoteliais e musculares lisas. A célula mesangial razão entre o clearance do dextran e o clearance de inulina é
pode ser o alvo destas substâncias devido à sua capacida- uma medida indireta da permeabilidade seletiva. Esta ra-
zão pode variar de 0 (zero), quando determinada molécu-
la de dextran não é filtrada pelo rim, até 1 (um), quando a
molécula atravessa livremente o filtro glomerular, como a
Pontos-chave: inulina.
• A angiotensina II e o hormônio A Fig. 3.4 mostra a variação do clearance fracional de
antidiurético promovem contração das dextran em função do raio da molécula.
células mesangiais e redução do Kf Verifica-se que não ocorre qualquer restrição à passa-
gem de dextran com raio molecular até 20 Å (clearance fra-
• A endotelina-1 e o bloqueio do óxido nítrico
cional igual a 1). A partir deste valor, à medida que se au-
diminuem o Kf menta o raio molecular, a molécula vai sendo menos fil-
• O fator atrial natriurético aumenta o fluxo trada pelo rim até se tornar impermeável (raio de 42 Å).
plasmático glomerular Estes dados não explicam por que uma molécula como
• Os glicocorticóides aumentam o fluxo a albumina, de raio molecular de aproximadamente 36 Å,
plasmático glomerular não é filtrada pelo rim, visto que uma molécula de dextran
• A gentamicina diminui o Kf de mesmo raio ainda atravessa o filtro glomerular.
• A ciclosporina diminui o fluxo plasmático Outros estudos mostraram que a permeabilidade glo-
glomerular e o Kf merular não depende só do tamanho da molécula, mas
também da forma, flexibilidade, e especialmente da carga
34 Filtração Glomerular

Fig. 3.4 Em abscissa está representado o raio mo-


lecular e em ordenada o clearance fracional de dex-
tran neutro (sem cargas elétricas). Como vemos,
não existe qualquer restrição à filtração de molé-
culas com menos de 20 Å de raio. À medida que
aumenta o tamanho da molécula, esta vai sendo
menos filtrada até se tornar impermeável com 42
Å de raio. Por esta figura, vemos que moléculas
de raio de 36 Å ainda seriam parcialmente filtra-
das (clearance fracional  0,2). (Adaptado de
Brenner, B.M.)

elétrica. A Fig. 3.5 mostra as medidas do clearance fracio- filtrada, já que se trata de uma molécula aniônica, isto é,
nal de dextran sulfato, portanto, com cargas negativas, em carregada com cargas negativas como o dextran sulfato.
animais normais. Verifica-se que para moléculas de 18 Å Esta maior barreira às moléculas aniônicas ocorre devi-
de raio molecular ocorre certa restrição à filtração, que do à presença de glicoproteínas carregadas negativamen-
aumenta mais acentuadamente do que demonstrado na te, as sialoproteínas, que revestem todos os componentes
figura anterior, tornando-se impermeável para moléculas do capilar glomerular, especialmente o endotélio, membra-
de 36 Å. Entende-se, então, o fato de a albumina ser pouco na basal e os podócitos.
Este conhecimento é de grande importância na compre-
ensão da proteinúria maciça, que ocorre na síndrome ne-
frótica. Vários estudos mostraram que a perda das cargas
negativas da membrana glomerular pode ser a causa da
proteinúria em algumas formas de glomerulonefrites.
Na mesma Fig. 3.5, observando-se a curva do clearance
fracional de dextran sulfato em ratos com nefrite por soro
nefrotóxico, constata-se maior clearance fracional de dex-
tran sulfato para qualquer raio molecular nos animais
nefríticos quando comparados aos normais, sugerindo que
as cargas negativas do filtro glomerular nos animais
nefríticos podem estar diminuídas.
Além disto, cátions polivalentes, como as protaminas,
podem produzir alterações estruturais nos podócitos, se-
melhantes às observadas na síndrome nefrótica de lesões
mínimas. É interessante notar que estas alterações produ-
zidas pelas protaminas podem ser revertidas ou normali-
zadas experimentalmente pela administração de um âni-
on polivalente, como a heparina.
Fig. 3.5 Nesta figura está representado o clearance fracional de Embora não haja um modelo definitivo quanto à natu-
dextran sulfato (carregado com cargas negativas) em função do reza da barreira filtrante glomerular, muitos admitem que
raio molecular, em ratos normais (䊉) e ratos com nefrite por soro o endotélio atua como um filtro grosseiro que separa as
nefrotóxico — NSN — (䊊). Como vemos, nos ratos normais exis- células e controla o acesso ao filtro principal, a membrana
te uma maior restrição à filtração de moléculas aniônicas, quan-
basal. O epitélio se constitui em uma barreira adicional
do comparados ao dextran neutro (Fig. 3.4). Os animais com ne-
frite por soro nefrotóxico apresentam um maior clearance fracio- importante, podendo fagocitar macromoléculas que ultra-
nal de dextran aniônico do que os normais para qualquer raio mo- passarem a membrana basal. E finalmente, as células me-
lecular. (Adaptado de Brenner, B.M.) sangiais que envolvem as alças capilares podem influen-
capítulo 3 35

ciar o fluxo plasmático e conseqüentemente a filtração glo- Tem sido demonstrado que a redução da ingesta pro-
merular devido às suas propriedades contráteis. téica retarda a deterioração da função renal nestas condi-
ções, assim como a hiperfiltração do diabetes pode ser
normalizada com um tratamento adequado com insulina.
Pontos-chave:
• A permeabilidade seletiva da barreira Pontos-chave:
glomerular depende do tamanho, da forma
e especialmente da carga da molécula • Na redução de massa renal, no diabetes
• A albumina tem raio molecular de 32 Å e é mellitus e no aumento da ingestão protéica
muito pouco filtrada por se tratar de ocorre hiperfiltração glomerular
molécula aniônica • O aumento do fluxo plasmático glomerular
• Nas glomerulonefrites a perda das cargas e da pressão capilar glomerular são os
negativas da membrana glomerular responsáveis pelo aumento da filtração
aumenta a filtração de proteínas glomerular por nefro

HIPERFILTRAÇÃO MEDIDA DA FILTRAÇÃO


GLOMERULAR GLOMERULAR
A redução da massa renal, cirúrgica ou por lesão do A quantidade de plasma filtrado por minuto pode ser
parênquima renal, induz aumento da filtração glomerular determinada pela depuração plasmática de alguma subs-
dos nefros remanescentes, principalmente devido ao au- tância livre no plasma, que não esteja ligada às proteínas
mento do fluxo plasmático glomerular e do gradiente de plasmáticas, com diâmetro menor que 75 Å, sem cargas
pressão hidrostática (∆P). O aumento da filtração glome- elétricas e que passe prontamente pela membrana capilar
rular por nefro é tanto maior, quanto maior a redução da glomerular. Além disso, não deve ser reabsorvida, secre-
massa renal. tada ou metabolizada pelos túbulos renais. Uma destas
A hiperfiltração glomerular é também observada em substâncias é a inulina, que possui um diâmetro aproxima-
crianças e adultos jovens com diabetes mellitus e parece con- do de 30 Å. Assim, a filtração glomerular pode ser avalia-
tribuir com o início e a manutenção da glomerulopatia fre- da pela medida da depuração ou clearance da inulina. Esta
qüentemente encontrada na doença. Estudos em ratos com medida é feita após infusão endovenosa contínua de inu-
diabetes induzido pela administração de estreptozocin lina, envolvendo as seguintes etapas, conforme o exemplo
mostraram que estes animais apresentam aumento da fil- abaixo em seres humanos:
tração glomerular devido ao aumento do fluxo plasmáti- 1) Medida do fluxo urinário (V) em ml/min: 1,0 ml/min
co e da pressão capilar glomerular. 2) Medida da concentração urinária de inulina (Uin): 60 mg/
Outro fator que pode levar ao aumento da filtração glo- ml
merular é a ingestão protéica. Ratos mantidos em dieta com 3) Cálculo da quantidade de inulina excretada por mi-
35% de proteínas apresentam filtração glomerular 70% nuto:
maior que animais mantidos com apenas 6% de proteínas Uin  V  60 mg/ml  1,0 ml/min  60 mg/min
na dieta. Este efeito parece ser devido à vasodilatação re-
nal induzida pelas proteínas ou aminoácidos. Há evidên- Uma vez que toda a inulina alcançou os rins por filtra-
cias recentes sugerindo que este efeito seja mediado via ção e não foi secretada, reabsorvida ou metabolizada pe-
liberação de óxido nítrico. los túbulos renais e a concentração plasmática de inulina
Vários estudos sugerem que a hiperfiltração leva, ao (Pin) medida foi de 0,5 mg/ml, pode-se afirmar que 120
longo do tempo, à lesão glomerular com aumento da per- ml de plasma foram filtrados por minuto para haver uma
meabilidade glomerular às macromoléculas aniônicas, re- excreção urinária (Uin  V) de 60 mg/min, ou seja:
sultando no aparecimento de proteinúria. Este aumento de 60 mg/min  5 mg/ml  60 mg/min  1 ml/0,5 mg 
proteínas no mesângio serve como estímulo para a proli- 120 ml/min
feração das células mesangiais e maior produção de ma-
Desta forma, em 1 minuto, 120 ml de plasma e os solu-
triz mesangial, causando a glomeruloesclerose. A esclero-
tos foram separados por ultrafiltração do sangue e das
se glomerular reduz ainda mais o número de nefros funci-
proteínas plasmáticas. Esta medida da filtração glomeru-
onantes, com conseqüente maior redução de massa renal,
lar é o clearance de inulina, cuja fórmula é esta:
conduzindo a uma progressão inexorável para a insufici-
ência renal crônica terminal. Cin  Uin  V/Pin
36 Filtração Glomerular

O resultado é expresso em ml/min/1,73 m2 de superfí- tada pelos túbulos. Os níveis plasmáticos da cistatina C
cie corpórea, significando o volume de plasma no qual toda já aumentam quando a filtração glomerular cai para 88
a inulina é retirada em 1 minuto. ml/min/1,73 m2, sugerindo que a medida da cistatina C
O clearance de inulina é muito utilizado para estudos sérica pode ser importante na clínica para se detectar a
experimentais e clínicos, porém é pouco utilizado na prá- insuficiência renal inicial que acontece em uma série de
tica médica diária devido à necessidade de infusão plas- doenças renais para as quais um tratamento precoce é
mática contínua da inulina. Por esta razão, geralmente uti- crítico.
liza-se o clearance de creatinina, que é uma substância en-
dógena e não necessita de infusão venosa, para avaliação
rotineira da filtração glomerular. BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
A creatinina não é um marcador ideal da filtração glo-
merular, pois existe uma pequena secreção tubular desta BOIM, M.A.; TEIXEIRA, V.P.C.; SCHOR, N. Rim e compostos vasoati-
substância. Como outras substâncias endógenas do plas- vos. In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal. Atheneu 2000, p. 21-39.
ma interferem com a dosagem sérica de creatinina supe- BRENNER, B.M. The Kidney., 6th ed. W.B. Saunders Company, 2000.
COLL, E.; BOTEY, A.; ALVAREZ, L. et al. Serum cystatin C — a new
restimando sua concentração plasmática, estes dois efeitos marker for noninvasive estimation of glomerular filtration rate and
contrários acabam se compensando, o que faz com que o as a marker for early renal impairment. Am. J. Kidney Dis., 36:29-34,
clearance de creatinina seja uma medida bastante razoável 2000.
da filtração glomerular na clínica, exceto em pacientes com STANTON, B.A.; KOEPPEN, B.M. Elements of renal function. In: Berne,
R.M.; Levy, M.N. Physiology, 4th ed. Mosby, 1998, p. 677-698.
filtração glomerular muito baixa, situação na qual a secre-
VALTIN, H. and SCHAFER, J.A. Renal Function, 3rd ed. Little, Brown and
ção tubular de creatinina aumenta muito. Company, 1995, p. 41.
Mais recentemente um outro composto endógeno, a ZATZ, R. Distúrbios da filtração glomerular. In: Zatz, R. Fisiopatologia
cistatina C, tem-se mostrado promissor como marcador Renal. Atheneu, 2000, p. 1-20.
ZATZ, R. Proteinúria. In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal. Atheneu, 2000, p.
da filtração glomerular. A cistatina C é produzida por
41-55.
todas as células nucleadas e seu ritmo de produção é cons-
tante. A cistatina C é livremente filtrada pelo glomérulo
ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET
e primariamente catabolizada pelos túbulos, de tal forma
que como molécula intacta não é reabsorvida nem secre- www.renalnet.org
Capítulo
Função Tubular

4 Antonio Carlos Seguro, Lúcia H. Kudo e Claudia M. de B. Helou

INTRODUÇÃO Túbulo contornado distal


TRANSPORTE ATRAVÉS DA MEMBRANA EPITELIAL Túbulo de conexão
PROCESSOS REGULADORES DE TRANSPORTE Ducto coletor
TRANSPORTE AO LONGO DO NÉFRON BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Túbulo proximal ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Alça de Henle

características de transporte de suas duas membranas:


INTRODUÇÃO apical e basolateral (Fig. 4.2).
A membrana apical ou luminal, que está em contato
O néfron é a unidade funcional do rim e é constituído direto com o fluido tubular, apresenta diferentes canais
pelo glomérulo e 14 segmentos tubulares. O trabalho de iônicos, carregadores, trocadores e co-transportadores, de
milhões de néfrons resulta na formação da urina. Cerca de acordo com as necessidades de transporte do segmento,
25% do plasma que atinge o rim são ultrafiltrados pelos glo- além de bombas de transporte ativo, como a H-ATPase.
mérulos, levando à formação de 100 a 120 ml/min de A membrana basolateral é a que está em contato com o
ultrafiltrado em média no homem. Entretanto, apenas 1,2% espaço intercelular e o capilar peritubular. Além de canais
desse volume é eliminado, e o restante reabsorvido da luz e outros tipos de transportes facilitados, a membrana ba-
tubular para o espaço peritubular (Fig. 4.1). solateral apresenta uma densidade variável de bombas,
Ao lado deste intenso processo de reabsorção temos que utilizam a energia liberada pela hidrólise do ATP para
outro, não menos importante, o de secreção tubular. Este se transportar ativamente o Na para fora e o K para o inte-
caracteriza pelo transporte de substâncias do espaço peri- rior da célula (Fig. 4.3). Essas bombas são na verdade en-
tubular (vasos e interstício) para a luz tubular. Este pro- zimas transportadoras e são denominadas de Na,K -
cesso permite a excreção pela urina de substâncias que não ATPases. Em condições normais as Na,K-ATPases distri-
passaram pela barreira dos capilares glomerulares, como buem-se apenas na face basolateral das células tubulares
macromoléculas ou partículas ligadas a proteínas. renais. Como esta enzima necessita de ATP, a sua distri-
Portanto, a formação da urina resulta de três processos: buição nos segmentos do néfron é diretamente proporcio-
nal aos segmentos que possuem maior quantidade de mi-
1. Filtração glomerular
tocôndrias. Portanto, o túbulo contornado proximal e a
2. Reabsorção tubular
porção espessa ascendente da alça de Henle são os segmen-
3. Secreção tubular
tos do néfron que apresentam maior distribuição quanti-
O túbulo renal é formado por uma parede de epitélio tativa da Na,K-ATPase.
simples, ou seja, uma única camada de células que repou- A maior parte do transporte de solutos e de água no
sa sobre a membrana basal birrefringente. As células epi- epitélio renal é realizada pela via transcelular, ou seja, atra-
teliais renais são ditas polarizadas devido às diferentes vés da célula. Mas o fluido e os solutos podem atingir o
38 Função Tubular

TÚBULO PROXIMAL
TÚBULO DISTAL E COLETOR
ARTÉRIA
EFERENTE
60%-80%
3%-5%
G
L
O
M 14-20 mM/min
É NaCl
R 1-2 kg/dia
U
L
O
20%-25%
ARTÉRIA
AFERENTE

Fig. 4.1 Filtração glomerular e


reabsorção tubular de NaCl ao
ALÇA DE HENLE 1-10 g longo do néfron. Observe que
0,1%-1% apenas 0,1% da carga filtrada
NaCl de NaCl é eliminada na urina.

PROTEÍNAS
PLASMÁTICAS
CÉLULA INICIAL Na
70 mV
ATP
Na+ K+

GLICOSE GLICOSE
+
Na

H+ + OH HOH
+ CO2 A.C. HCO3 ENDOTÉLIO

Na
“TIGHT JUNCTION” Cl
H2O
Na+
Cl ATP
ÂNION K+

Cl

H+

Na+

CÉLULA FINAL CAPILAR PERITUBULAR


MEMBRANA MEMBRANA
APICAL BASAL

Fig. 4.2 Célula do início e do final do túbulo proximal demonstrando o transporte de Na, Cl e H2O através das vias transcelular e
paracelular.
capítulo 4 39

2K+ baixa condutância dos complexos juncionais que se deter-


A Ouabaína mina a resistência ao movimento molecular pela via para-

celular em muitas células. Pode-se citar como exemplo o
3 túbulo contornado proximal, que é considerado como seg-
2
mento do néfron cujo epitélio é de vazamento devido à alta
condutância do complexo juncional (Fig. 4.2). O contrário
Citoplasma
1  é observado no ducto coletor medular interno, onde as
4 5 células epiteliais são fortemente aderidas devido à presença
3 Na + de complexos juncionais de baixa condutância, além de
desmossomos.
Mg ATP Mg ADP + Pi

B subunidade  subunidade 
C TRANSPORTE ATRAVÉS DA
c C ? MEMBRANA EPITELIAL
b
2
a 3
O transporte de uma substância através de uma mem-
brana epitelial pode ser feito por:
1. Mecanismo passivo
N N 2. Mecanismo ativo
1 C ?
Nos processos de transporte passivo, o movimento
4 5
transepitelial (reabsorção ou secreção) se faz sem gasto de
Fig. 4.3 Estrutura da Na-K-ATPase. (A) A bomba pode ser um
energia, obedecendo às forças físicas como gradiente quí-
heterodímero , . A subunidade  contém os sítios de ligação mico (reabsorção de uréia), pressão hidrostática (filtração
para Na (1), para ATP (4), para fosforilação (5), para K (2) e para glomerular), gradiente elétrico (reabsorção de cloretos no
ouabaína (3). (B) O painel inferior mostra a subunidade  atra- túbulo proximal) ou pela diferença de potencial eletroquí-
vessando a membrana sete a oito vezes. A subunidade , que é mico ocorrido pelo transporte de algum íon, ou então pela
glicosilada em sua porção extracelular, atravessa somente uma
vez a membrana. A função da subunidade  não é conhecida, mas força física resultante do movimento do arrasto do solvente
ela é indispensável para o completo funcionamento da Na-K- (solvent drag). O transporte passivo pode ser então por sim-
ATPase. ples difusão ou por difusão facilitada através de poros, carre-
gadores ou canais existentes na membrana.
O processo de difusão simples através do epitélio ocor-
capilar pela via paracelular, que é através das junções estrei- re com muitas substâncias ao longo do néfron, caracteri-
tas (tight junctions) e do espaço intercelular, portanto, o zando-se pela migração transmembrana de uma substân-
movimento é realizado pela face lateral das células. As cia apenas sob a ação do gradiente químico, elétrico ou
junções estreitas variam de morfologia e de componentes então de pH. Neste caso a quantidade transportada depen-
dependendo do segmento, e por isso são denominadas derá apenas do gradiente existente e da maior ou menor
atualmente de complexos juncionais. É através da alta ou da permeabilidade da membrana em relação à substância a ser
transportada.
Com relação ao solvente como a água, que também é
Pontos-chave: reabsorvida em muitos segmentos do néfron, a difusão
passiva se dá no túbulo renal por osmose, isto é, a água se
• A formação da urina se deve à filtração
movimenta do meio menos concentrado (com menor os-
glomerular e ao trabalho do epitélio tubular
molalidade) para o mais concentrado (com maior osmola-
em processos de reabsorção e secreção lidade). O coeficiente de reflexão do soluto, que pode va-
• O transporte tubular se faz pelas vias riar de zero a um, é que determina o movimento da água
transcelular e paracelular através dos através da membrana. Quanto maior o coeficiente de re-
complexos juncionais flexão, maior a capacidade do soluto de produzir um mo-
• O gradiente eletroquímico gerado pela vimento de água através da membrana. Isto é, o soluto que
Na,K-ATPase inserida na membrana possui alto coeficiente de reflexão exerce maior pressão
basolateral é o responsável por diversos osmótica para um mesmo gradiente de concentração. A
transportes que ocorrem na membrana osmose determina a reabsorção de 99% da água filtrada
pelo glomérulo, e é este tipo de transporte que permite a
luminal
formação de urina concentrada (alta osmolalidade).
40 Função Tubular

O gradiente gerado por pH também pode induzir difu- Os transportadores que utilizam diretamente a energia
são passiva de uma substância pela membrana epitelial. liberada pela hidrólise do ATP são considerados como ele-
Provavelmente devido à natureza hidrofóbica da membra- mentos de transporte ativo primário e são chamados de bom-
na celular, formas não-ionizadas de ácidos e bases fracas bas. Na verdade, as bombas são enzimas que possuem um
penetram mais rapidamente do que formas ionizadas. sítio de ligação para o ATP e por isso são também conheci-
Considerando que em muitos segmentos do néfron o pH das como ATPases. A fosforilação destas enzimas permite
do fluido tubular difere do existente no espaço peritubu- que íons sejam transportados contra gradientes químicos
lar, a geração de um gradiente de pH favorece a difusão e/ou elétricos (Fig. 4.3). Um bom exemplo é a Ca-ATPa-
de ácidos e bases fracas pelo epitélio. Se o pH do fluido se, que ativamente transporta o Ca do intracelular, cuja
tubular for mais ácido, como ocorre normalmente, o gra- concentração é de 100 a 150 nM, para o interstício, onde a
diente resultante favorecerá a reabsorção de ácidos fracos concentração deste íon é aproximadamente 6.000 a 10.000
do lúmen para o espaço peritubular. Mesmo que a concen- vezes maior (1 mM).
tração do ácido fraco seja idêntica nos dois lados do epité- A energia liberada por uma ATPase para o transporte
lio, o baixo pH luminal favorecerá a não-dissociação do de um íon pode induzir um gradiente eletroquímico que
ácido e portanto a sua difusão do espaço luminal para o facilita o movimento desse íon a favor do gradiente gera-
peritubular. Entretanto, se o pH luminal for mais elevado do. A este transporte iônico pode-se acoplar um outro so-
que o do espaço peritubular, a dissociação do ácido será luto que poderá ser na mesma direção, co-transporte, ou em
favorecida, resultando em menor reabsorção, por ser esta sentido oposto, antiporte. Por isso, este transporte acopla-
forma menos permeável (Fig. 4.4). do é tido como transporte secundariamente ativo (Fig. 4.2).
O inverso ocorre com bases fracas. A acidificação do flui- Como exemplo de co-transporte secundariamente ati-
do tubular aumenta a dissociação de bases fracas, dificul- vo podemos citar o de Na-glicose que existe na face lu-
tando então a sua difusão do lúmen para o espaço peritu- minal das células do túbulo proximal. As Na,K-ATPases
bular (Fig. 4.4). presentes na face basolateral dessas células geram um gra-
Em resumo, a evidência de transporte passivo origina- diente eletroquímico que facilita a entrada de Na pela face
se de duas observações básicas: 1a) desaparecimento do luminal (Fig. 4.2). Esta entrada pode ser através de uma
transporte quando se abole ou anula o gradiente elétrico proteína transportadora que possui sítios específicos para
e/ou químico; 2a) quando o uso de inibidores metabólicos Na e para glicose (Fig. 4.5). Primeiro, o Na se liga ao seu
não altera o transporte da substância em estudo. respectivo sítio e produz uma alteração na conformação
No caso de transporte ativo, a reabsorção ou a secreção protéica do carregador, expondo o sítio para a ligação da
de uma determinada substância se faz contra gradiente glicose. Essa segunda ligação (glicose e receptor) provoca
elétrico, químico ou ambos, e por conseguinte é feita à custa uma nova alteração na estrutura da proteína, permitindo
de energia. No transporte ativo temos uma dependência que tanto o Na quanto a glicose atravessem a membrana.
imediata do metabolismo celular, e a inibição deste deter- Portanto, Na e glicose passam pela membrana lipoprotéi-
mina a parada do transporte. ca utilizando a energia liberada pela Na,K-ATPase. A
florizina pode inibir este co-transporte, competindo com
a glicose pelo mesmo sítio de ligação no carregador. A li-
A B gação da florizina ao sítio não promove a segunda altera-
ção na proteína carregadora, impedindo então o co-trans-
porte Na-glicose (Fig. 4.5).
HA H
Em muitos segmentos do néfron a secreção de H ocor-
HA A
re através do transportador Na-H. Este sistema trocador de
H
íons é também secundariamente ativo, pois a secreção de
H para a luz tubular é feita acoplada a um movimento
A
contrário de Na. O Na movimenta-se da luz para o in-
B OH BOH BOH tracelular a favor de gradiente eletroquímico gerado pela
atividade da Na,K-ATPase (Fig. 4.2).
B
Convém também citar um tipo especial de transporte
pH 5,5 pH 7,4
PERITUBULAR
pH 8,5 OH ativo, que é a endocitose. Macromoléculas são reabsorvidas
LUZ TUBULAR LUZ TUBULAR
pH 7,4
PERITUBULAR
através do seu envolvimento pela membrana apical, resul-
tando em invaginações e formação de vacúolos. Quando
Fig. 4.4 Difusão transtubular à custa de um gradiente de pH. o conteúdo dos vacúolos é de substâncias sólidas, esse
Esquema A: reabsorção de um ácido fraco (HA) e ausência de
processo recebe o nome de fagocitose, e quando o vacúolo
reabsorção de base fraca (BOH) em virtude de o pH do fluido
tubular ser inferior ao peritubular. Esquema B: reabsorção de uma é formado por fluido, a denominação é de pinocitose. No
base fraca (BOH) e não-reabsorção de ácido fraco decorrente de citoplasma, o material fagocitado pode sofrer ações de di-
um pH urinário alcalino. gestão. A extrusão do conteúdo vacuolar para o extracelu-
capítulo 4 41

GLICOSE GLICOSE

Na Na

GLICOSE OU
FLORIZINA
Na LISINA
TIRO-
SINA

FLORIZINA FLORIZINA

Na Na

Fig. 4.5 Representação esquemática do co-transporte Na-glicose. Os sítios de ligação de sódio e glicose na proteína transportadora
localizam-se no lado externo da membrana celular. A ligação do sódio causa alteração estrutural na enzima transportadora, resul-
tando na exposição do sítio de ligação à glicose. A interação glicose e receptor induz uma segunda alteração estrutural que permite
a passagem do Na e da glicose para o interior da célula. A florizina pode competir com a glicose pelo receptor. Entretanto, a ligação
florizina-receptor não induz alteração estrutural, impedindo então que tanto florizina quanto Na sejam transportados para o intra-
celular.

lar recebe o nome de exocitose e consiste na fusão da mem- substância pode ser saturável ou insaturável, independente
brana vacuolar à membrana basolateral da célula e conse- de ele ser ativo ou passivo.
qüente extrusão do conteúdo do vacúolo para o espaço Um transporte é classificado como saturável quando a
extracelular. quantidade da substância transportada na unidade de tem-
Nos túbulos renais o transporte de macromoléculas é po aumenta até um certo limite, acima do qual o aumento
representado principalmente pela reabsorção de proteínas da substância a ser transportada não mais incrementa o
filtradas pelo glomérulo, que ocorre logo no primeiro seg- transporte, pois alcançou o transporte máximo, Tm. Portan-
mento do néfron, túbulo contornado proximal. to, quando se atinge o Tm de uma substância, nem a adi-
ção de energia, no caso de transporte ativo, nem o aumen-
to do gradiente químico e/ou elétrico, no caso de transpor-
Pontos-chave: te passivo, aumenta o transporte.
• Transporte passivo: difusão, difusão A existência de um transporte máximo saturável pode
facilitada, “solvent-drag” ser decorrente de vários mecanismos:
• O transporte ativo é realizado por ATPases, 1. Existência de um carregador auxiliando no transporte.
enzimas que hidrolisam o ATP Então, o Tm da substância a ser transportada é deter-
• O gradiente eletroquímico gerado pelas minado pela quantidade de carregadores existentes, ou,
ATPases pode permitir o transporte então, se o sítio de ligação a uma determinada substân-
cia apresenta afinidade a uma outra, resultando em um
secundário de outros íons
processo de competição. A galactose por exemplo com-
pete com a glicose pelos mesmos receptores da proteí-
na carregadora presente no túbulo contornado proxi-
PROCESSOS REGULADORES DE mal.
TRANSPORTE 2. Limite de energia para transporte ativo. Por exemplo, o
Tm de glicose pode ser diminuído pela presença de
Didaticamente podemos dividir os processos regulado- transporte de fosfato que compete pela energia libera-
res de transporte em: fatores cinéticos, endocitoses- da pela Na,K-ATPase.
exocitoses e segundos mensageiros. 3. Limite do gradiente eletroquímico gerado pelo transpor-
Os fatores cinéticos modulam a velocidade de transporte te ativo. Assim, uma substância ou íon sendo transpor-
alterando a concentração de solutos. O transporte de uma tado da luz tubular para o espaço peritubular por um
42 Função Tubular

mecanismo ativo diminuiria progressivamente sua con- ção e a ativação desta bomba na membrana basolateral. A
centração luminal, aumentando-a no espaço peritubu- capacidade metabólica da célula também é influenciada
lar se esses fluidos não fossem removidos. Este aumen- pela mediação da aldosterona a nível de mitocôndria e
to de concentração no espaço peritubular e o gradiente portanto pela produção de ATP (Fig. 4.3). Assim, a aldos-
elétrico criado pelo transporte favorecem a volta deste terona é um agonista que participa da adaptação da célula
íon ou da substância para a luz tubular, anulando o tra- do ducto coletor para aumentar o transporte de Na neste
balho ativo efetuado. segmento do néfron.
O processo de endocitose-exocitose é considerado como
regulador de transporte, pois em condições de repouso os
transportadores podem estar seqüestrados em vesículas TRANSPORTE AO LONGO DO
logo abaixo da membrana apical. É necessário um estímu- NÉFRON
lo apropriado para que ocorra a inserção dessas proteínas
formando evaginações na face luminal da membrana. O
aumento de inserções dessas proteínas favorece o transpor-
Túbulo Proximal
te da substância em questão. Como exemplos podemos O túbulo proximal, segmento que segue imediatamen-
citar a secreção de H e o fluxo de água induzido pela va- te o glomérulo, é responsável pela reabsorção da maior
sopressina. No caso da secreção de H, a acidificação da parte das substâncias que são filtradas pelo glomérulo. Por
célula é o estímulo para a inserção na borda luminal das isso, este segmento do néfron desempenha importante
vesículas que contêm as H-ATPases. No caso do transpor- papel no controle da eliminação de diversas substâncias.
te de água estimulado pela vasopressina, os canais de água Assim, pequenas alterações na intensidade de reabsorção
(aquaporinas) são ancorados à membrana através da ge- ao nível do túbulo proximal podem causar variações sig-
ração de AMP cíclico e portanto com a utilização de um nificantes na excreção urinária de uma dada substância.
segundo mensageiro. A exocitose por sua vez requer a ação O túbulo proximal é constituído por três segmentos. Os
integrada do citoesqueleto celular. Assim, um estímulo in- dois primeiros, que são denominados de S1 e S2, correspon-
duz o aumento de circulação de vesículas ativando tanto dem à parte convoluta do túbulo e a eles se segue uma
a endocitose quanto a exocitose. porção retificada, S3, conhecida também como pars recta. A
A regulação de transporte através da ação de segundos maior parte de água, sódio e cloro filtrados pelo gloméru-
mensageiros vem sendo amplamente estudada, principal- lo (60% a 70% da carga filtrada) é reabsorvida pelo túbulo
mente nos últimos anos. Entre eles podemos citar a gera- proximal (Fig. 4.1).
ção do AMP e GMP cíclicos e a variação da concentração A análise da composição química do fluido obtido do
do Ca livre intracelular ([Cai]), que podem modular túbulo proximal mostra que a concentração de Na perma-
diretamente as proteínas transportadoras ou afetar a aber- nece idêntica à do plasma (⬃140 mEq/L), assim como a
tura de um canal iônico. osmolaridade. Estes dados indicam, então, que a reabsor-
Na regulação de transporte existe ainda o fenômeno de ção do Na nesta região do néfron é acompanhada pela
adaptação ao longo do tempo. O melhor exemplo é o da esti- mesma proporção de água, portanto, uma reabsorção isotô-
mulação da reabsorção de Na no ducto coletor induzido nica.
pela aldosterona. Este hormônio estimula a produção de Como já foi referido em parágrafos anteriores, a entra-
proteínas que ativam os canais de Na+ existentes na mem- da do Na pela membrana apical das células do túbulo
brana luminal, como também aumenta a síntese de Na,K- proximal ocorre através de mecanismos passivos a favor
ATPase. Este mineralocorticóide também favorece a inser- de um gradiente eletroquímico gerado pelas Na,K-
ATPases presentes na membrana basolateral. Na verdade,
esses mecanismos são secundariamente ativos, pois utili-
Pontos-chave: zam a energia liberada pela quebra do ATP. A entrada de
sódio na célula se faz através de dois mecanismos:
• Certos transportadores como o da glicose
1. co-transporte que pode ser com a glicose, com o fosfato
são saturáveis. Portanto, atingem um inorgânico, com os aminoácidos, com os sulfatos ou
transporte máximo (Tm) então com os outros ácidos orgânicos (Fig. 4.2). Este sis-
• O processo de endocitose permite estocar tema ocorre principalmente nos segmentos S1 e S2 e é
dentro das células ATPases e outras através de um processo de difusão facilitada que essas
proteínas, como por exemplo as substâncias saem passivamente da célula pela membra-
aquaporinas. O inverso, a exocitose, permite na basolateral;
a inserção dessas proteínas na membrana 2. trocador Na-H. Através da quebra da molécula da
celular em condições de estímulo água o íon H+ é liberado e secretado para a luz tubular
através de uma troca com o Na. A hidroxila, por sua
capítulo 4 43

vez, em presença da anidrase carbônica, reage com o lular e mecanismos passivos. O fato de a água ser ampla-
CO2 formando o HCO3 que sai da célula pela membra- mente reabsorvida ao longo do néfron induz um aumento
na basolateral por um co-transporte ligado ao Na na na concentração de potássio na luz tubular, criando-se en-
proporção de 1 cátion para 3 ânions (Fig. 4.2). tão um gradiente químico que facilita a sua reabsorção.
No início do túbulo proximal, o gradiente elétrico entre Além desse mecanismo, também se tem sugerido a possi-
a luz tubular e o espaço peritubular é da ordem de 2 a bilidade de o K ser reabsorvido neste segmento por um
4 mV, lúmen negativo (Fig. 4.6). Estes dados sugerem que transporte ativo. Experimentos inibindo a reabsorção de
a reabsorção de Na se faz contra gradiente elétrico. O Na com acetazolamida (inibidor da anidrase carbônica)
movimento de cargas positivas devido à ação das Na,K- mostraram que a concentração de potássio no fluido tubu-
ATPases existentes na face basolateral das células seria lar diminui, atingindo valores inferiores aos observados no
responsável por essa diferença de potencial transtubular. espaço peritubular e plasma, indicando que a reabsorção
Entretanto, nos segmentos finais do túbulo proximal onde de potássio no túbulo contornado proximal envolve tam-
praticamente toda a glicose, o fosfato e os aminoácidos bém um mecanismo ativo de transporte.
foram reabsorvidos, a diferença de potencial transtubular O transporte de água através do túbulo proximal se faz
passa a ser de 1 a 2 mV, lúmen positivo (Fig. 4.6). Isto tanto pela via transcelular quanto paracelular devido ao
é explicado pela difusão de íons cloro, cuja concentração gradiente de pressão osmótica existente entre o fluido tu-
aumenta progressivamente ao longo do túbulo proximal. bular e o espaço peritubular. Apesar do baixo gradiente
No início do túbulo proximal, a reabsorção de sódio é pre- osmótico, de 2 a 5 mOsm/kg H2O, ele é suficiente para
ferencialmente acompanhada pela reabsorção do bicarbo- induzir a reabsorção da água, uma vez que as membranas
nato. Dessa maneira, a concentração de cloro na luz tubu- apical, basolateral e complexo juncional das células do tú-
lar aumenta progressivamente ao longo deste túbulo, atin- bulo proximal são muito permeáveis a este solvente. Por
gindo a concentração de 135 mEq/L no segmento S3, valor isso, como já foi referido anteriormente, este epitélio é con-
este superior à do plasma e à do espaço peritubular, que é siderado como de vazamento.
de 105 a 110 mEq/L, como está ilustrado na Fig. 4.6. Nas porções iniciais do túbulo proximal essa ligeira hi-
A reabsorção de cloro se faz tanto pela via paracelular pertonicidade do fluido peritubular em relação ao lúmen
quanto pela transcelular. Neste último caso, o cloro entra é induzida pela reabsorção de Na acoplada ao HCO3 ou
pela membrana apical através de um trocador de Cl aco- ao co-transporte com outros solutos como a glicose. Na
plado a outro ânion, e através de gradiente eletroquímico metade final deste túbulo, embora a concentração luminal
favorável, o cloro se difunde pela membrana basolateral de Cl (⬃135 mEq/L) seja maior que a do espaço peritu-
da célula. Em conseqüência à difusão passiva dos íons Cl, bular, a reabsorção da água também é feita por osmose,
o gradiente elétrico é gerado com lúmen positivo, favore- uma vez que o sódio, o bicarbonato e os outros solutos que
cendo portanto a reabsorção passiva de cátions como Na, foram reabsorvidos na porção inicial geram um gradiente
K e Ca neste segmento do néfron. osmótico maior que o Cl.
Outro importante íon reabsorvido pelo túbulo proximal A intensa reabsorção de Na e água ao longo do túbulo
é o potássio. Este íon utiliza principalmente a via parace- contornado proximal forma o gradiente químico que fa-

TÚBULO CONTORNADO PROXIMAL


A. EFERENTE

CAPILAR
PERITUBULAR
INICIAL FINAL

Cl 110 Cl 135

GLOMÉRULO 4 mV + 1,0 mV

Na+
HCO3 Cl
+
FOSFATO Na
A. AFERENTE GLICOSE H2O
AMINOÁCIDOS Ca2+

Fig. 4.6 Transporte de água e solutos ao longo do túbulo contornado proximal.


44 Função Tubular

vorece a reabsorção passiva de outras substâncias perme- Quanto às proteínas, que eventualmente escapam no
áveis a este epitélio, como a uréia, o ácido úrico e os íons processo de ultrafiltração glomerular, são reabsorvidas atra-
K e Cl. Desta maneira, a diminuição na reabsorção pro- vés de mecanismo de endocitose já descrito anteriormente.
ximal de Na acarreta também a diminuição da reabsor- A pars recta ou segmento S3 do túbulo proximal se inicia
ção desses outros solutos. O transporte de Ca e Mg é no córtex renal a partir da última alça da parte convoluta e
modulado por fatores hormonais, mas existem evidências se dirige em linha reta para a medula terminando ao nível
de que também está relacionado com o transporte ativo de de medula externa. Na microscopia óptica as células des-
Na. O fosfato também é intensamente reabsorvido, prin- se segmento são semelhantes às da parte convoluta. Entre-
cipalmente nas porções iniciais do túbulo contornado pro- tanto, os estudos de microscopia eletrônica revelam que a
ximal. Este transporte diminui com a redução na quanti- pars recta é constituída por células epiteliais retangulares
dade de Na reabsorvida e com o aumento da concentra- com grande quantidade de mitocôndrias junto à membra-
ção de paratormônio através do estímulo da adenilciclase. na peritubular, mas com menor número de invaginações
Ainda em relação ao transporte de Na no túbulo pro- na membrana basolateral.
ximal, é importante descrever a teoria do balanço gloméru- Quanto à fisiologia da pars recta, a reabsorção de sódio
lo-tubular. Verifica-se que frente a variações fisiológicas da também se faz à custa da geração de gradiente eletroquími-
filtração glomerular ocorrem alterações paralelas da reab- co induzido pelas Na-K-ATPases presentes na membra-
sorção de Na no túbulo proximal, de modo que perma- na basolateral. O gradiente elétrico e químico criado pelo
nece constante a quantidade do íon reabsorvido em rela- transporte de Na é que determina a reabsorção passiva de
ção à sua carga filtrada, ou seja, a fração de reabsorção de Na Cl, cuja concentração é elevada neste segmento. A reabsor-
mantém-se inalterada. O balanço glomérulo-tubular é de- ção de Na também é do tipo isotônica, pois a mesma quan-
corrente pelo menos em grande parte das variações da tidade de água acompanha este cátion (Fig. 4.8).
concentração de proteínas nos capilares, pressão oncótica, Apesar de a pars recta dos néfrons superficiais possuir
que ocorre durante as alterações da filtração glomerular, um comprimento de 5 mm, a quantidade reabsorvida de
como mostra a Fig. 4.7. Quanto à finalidade da existência NaCl e água é apenas em torno de 5 a 10% da carga fil-
do balanço glomérulo-tubular, acredita-se que esse proces- trada, e portanto significativamente menor do que nas
so, juntamente com o feedback túbulo-glomerular, que será porções convolutas.
descrito adiante, constituem os dois mecanismos pelos Entretanto, analisando a capacidade de secreção de áci-
quais o rim impede a perda de sódio durante variações fi- dos orgânicos, verifica-se que a pars recta tem maior capa-
siológicas da carga filtrada de sódio devido a alterações da cidade em secretar ácido úrico, para-amino-hipurato e
filtração glomerular. outros ácidos que os segmentos S1 e S2. O transporte des-

BALANÇO
GLOMÉRULO-TUBULAR
E
NT
70%
ERE T.C. Proximal
AF
A.
GLOMÉRULO

14 mEq/min Na+Cl
H 2O
Na+
P
Ác. Orgânicos
A
TE
EN R
2,8 ER min S K+
mEq/min AF Eq/
A. m 3-5%
+ 0,9 R Uréia
Na E Na+Cl
A
CUL C H2O
MÁ S A T
DE N Ác. Orgânicos
A
Cl 15%
10%

“FEEDBACK”
TÚBULO-GLOMERULAR
Fig. 4.7 Mecanismos que impediriam a perda de NaCl: balanço Fig. 4.8 Processos de reabsorção e secreção na pars recta do túbu-
glomérulo-tubular e feedback túbulo-glomerular. lo proximal.
capítulo 4 45

ses ácidos orgânicos é mediado por carregadores e portanto PORÇÃO ESPESSA ASCENDENTE DA ALÇA DE HENLE
por mecanismo saturável. Do ponto de vista clínico e far-
macológico, a alta capacidade do segmento S3 em secretar LÚMEN CÉLULA PERITUBULAR
ácidos orgânicos constitui uma via importante de excreção +3 a +10 mV 70 mV 0 mV
de muitos medicamentos como a aspirina, antibióticos e
diuréticos.
Uma outra função muito importante atribuída ao seg- 1 Na+ Na+
mento S3 é a sua capacidade de secretar K e uréia. Portan- 2 Cl  ATP

to, a pars recta participa dos mecanismos de concentração K+


1 K+
urinária como elemento integrante no sistema de contra- Na+ K+
corrente. H+ + OH HOH Cl
A.C.
+ CO2 HCO3
K+
Pontos-chave:
• O túbulo proximal é responsável pela Na+ e
reabsorção isotônica de 60 a 70% da carga OUTROS
filtrada de NaCl e água CÁTIONS
• O sódio é reabsorvido na membrana
Fig. 4.9 Célula da porção espessa ascendente da alça de Henle
luminal através de diferentes mecanismos: mostrando o co-transporte Na-K-2Cl e o contratransporte
trocador Na-H, co-transporte com glicose, Na-H na membrana luminal. Os íons Na são ativamente trans-
fosfato e aminoácido portados através da membrana basal pela Na-K-ATPase e os
íons K e Cl saem passivamente da célula através de canais.
• O bicarbonato é preferencialmente Outro dado importante a assinalar é o potencial positivo do flui-
reabsorvido nos segmentos S1 e S2 do tubular em relação ao peritubular.
• Na pars recta (segmento S3) ocorre
reabsorção preferencial de Cl e secreção de
ácidos orgânicos dem resultando em alterações na estrutura do co-transpor-
tador para poder permitir as uniões seguintes. Primeiro é
o Na que se liga, seguindo-se um íon Cl e em terceiro
Alça de Henle lugar o K, e só então é que se liga o segundo Cl. A furo-
semida e a bumetanida podem inibir este sistema de co-
A alça de Henle é dividida em porção fina descendente,
transporte ao se ligarem no lugar do segundo Cl na últi-
porção fina ascendente, porção espessa ascendente medular e
ma etapa.
porção espessa ascendente cortical.
Uma vez no intracelular, o Na é ativamente transporta-
A porção fina descendente é altamente permeável à
do para o interstício através da ação da Na-K-ATPase na
água e pouco permeável a solutos. Aproximadamente 20%
membrana basal, mas o K e o Cl são transportados passi-
da água filtrada é reabsorvida neste segmento. A diferen-
ça de potencial transtubular é próxima a zero com lúmen
negativo (2 a 4 mV).
Pontos-chave:
O segmento que se segue à porção fina descendente da
alça de Henle é a curvatura. Esta porção do néfron é mui- • A porção fina descendente é permeável à
to utilizada pelos micropuncionadores para o estudo da água e muito pouco a solutos
função dos néfrons justamedulares. • 25% da carga filtrada de NaCl é
A porção fina ascendente da alça de Henle apresenta reabsorvida nas porções ascendentes da alça
como característica ser impermeável à água mas permeá-
de Henle
vel a Cl e a Na, que são reabsorvidos por um processo
• Presença do co-transportador Na-K-2Cl,
passivo na sua maior parte.
A porção espessa ascendente da alça de Henle que tam- sensível ao furosemide, na membrana
bém é impermeável à água é responsável pela reabsorção luminal da porção espessa ascendente. Este
de 25% da carga filtrada de sódio. A Na, K-ATPase pre- co-transportador é elemento muito
sente na membrana basolateral gera um gradiente eletro- importante nos mecanismos de
químico que favorece a entrada do Na pela membrana concentração e diluição urinárias
apical através de um co-transporte Na-K-2Cl (Fig. 4.9). • Ca2 e Mg2 são reabsorvidos pela via
Existem indícios de que o co-transporte Na-K-2Cl paracelular
obedece a uma seqüência de ligações iônicas que se suce-
46 Função Tubular

vamente. O K retorna ao lúmen através de um canal espe- e a regulação da filtração glomerular. De acordo com esta
cífico (pertencente à família ROMK) na membrana apical e teoria, a quantidade de Na ao atingir o início do túbulo
o Cl sai da célula pela membrana basal através de um ca- distal sensibiliza a mácula densa, que por sua vez ativa
nal específico a este ânion. A saída de carga positiva para o mecanismos efetores que irão modular a resistência dos
lúmen e de uma carga negativa para o interstício gera um vasos pré-glomerulares. Portanto, se grande quantidade de
potencial positivo luminal de cerca de 7 mV. Esta diferen- Na atinge o início do túbulo distal, a renina é liberada,
ça de potencial permite que o Na+ e outros cátions como o induzindo vasoconstrição da arteríola aferente com con-
próprio K, Ca e Mg sejam reabsorvidos passivamente seqüente redução do fluxo sanguíneo renal, pressão glo-
pelos espaços intercelulares laterais, como ilustra a Fig. 4.9. merular e filtração glomerular (Fig. 4.7).
No segmento cortical da porção espessa ascendente da
alça de Henle é descrita também a secreção de H através
Ponto-chave:
do trocador Na-H presente na membrana luminal; cer-
ca de 10% da carga filtrada de bicarbonato são reabsorvi- • Presença do co-transportador Na-Cl
dos neste segmento. sensível a tiazídicos na membrana luminal

Túbulo Contornado Distal Túbulo de Conexão


O túbulo contornado distal é a continuidade do segmen- A região de transição entre o túbulo contornado distal
to cortical da porção espessa ascendente da alça de Henle e o ducto coletor pode ser abrupta ou gradual, e como neste
se estendendo da mácula densa até a região de transição local vários túbulos distais se reúnem para formar o ducto
com o ducto coletor. Este segmento do néfron também é coletor, esse segmento do néfron recebe então o nome de
impermeável à água e apresenta características especiais túbulo de conexão. Ele é constituído por dois tipos de célu-
quanto ao transporte de sódio e cloro. Através de um co- las: as do túbulo de conexão e as intercaladas. As células
transporte com o Cl, o Na é transportado pela membra- do túbulo de conexão apresentam características morfoló-
na luminal de maneira passiva. Este co-transporte pode ser gicas compatíveis com a transição entre as células do dis-
inibido por tiazídicos e é secundariamente ativo à ação da tal e as principais do ducto coletor. A principal função
Na-K-ATPase que transporta ativamente o Na+ pela dessas células está relacionada à secreção de potássio, que
membrana basal, mas o Cl sai do interior da célula atra- é em parte regulada por mineralocorticóides. As células
vés de mecanismo passivo por canal específico (Fig. 4.10). intercaladas, por sua vez, desempenham importante papel
A teoria do feedback túbulo-glomerular relaciona a quan- nos mecanismos de secreção de H, que será descrito em
tidade de Na que chega aos segmentos distais do néfron detalhes no parágrafo referente ao túbulo coletor.
Neste segmento do néfron, o sódio pode ser reabsorvi-
TÚBULO DISTAL INICIAL do através de um co-transporte acoplado ao Cl semelhan-
te ao acima descrito nas células do túbulo contornado dis-
tal. Aliás, estudos em coelhos onde o túbulo de conexão é
LÚMEN CÉLULA PERITUBULAR
NEGATIVO 70 mV 0 mV bem evidente sugerem que o co-transporte Na-Cl sensí-
vel a tiazídico ocorre apenas neste segmento. O Na pode
também ser transportado para o intracelular através de
Na+ canais sensíveis ao amiloride e do trocador Na-H aco-
Na+ plado a um trocador Cl-HCO3. A ação ativa da Na,K-
Cl ATP
ATPase presente na membrana basal também é respon-
K+
INIBIÇÃO sável pela saída do Na da célula (Fig. 4.11).
PELO Cl É importante ressaltar que o túbulo de conexão e o cole-
TIAZÍDICO
tor cortical são os únicos segmentos do néfron onde o bicar-

Pontos-chave:
• Constituído por células de transição entre as
do túbulo distal e do ducto coletor
• Presença do trocador Cl-HCO3 na
Fig. 4.10 Célula do túbulo distal inicial mostrando o transporte membrana luminal pode permitir a secreção
de Na acoplado a Cl sensível ao tiazídico na membrana lumi- de bicarbonato em certas condições de
nal secundariamente ativo à ação de Na-K-ATPase da mem- alcalemia
brana basal.
capítulo 4 47

TÚBULO DE CONEXÃO sódio da membrana apical, a densidade de Na,K-ATPa-


ses da membrana basal e por fim estimulam a produção de
LÚMEN CÉLULA PERITUBULAR
5 mV 0 mV ATP pelas mitocôndrias, resultando em aumento na ativi-
85 mV
dade das Na,K-ATPases. A espironolactona interfere com
o sítio citoplasmático da aldosterona impedindo a produ-
Na+ ção do RNAm, e dessa maneira a reabsorção de Na e a se-
 Na+
Cl
ATP
creção de K ficam prejudicadas.
K+ As células intercaladas caracterizam-se por serem célu-
INIBIÇÃO Na + las escuras devido à presença de grânulos em seu citoplas-
PELO ma. São descritos atualmente dois tipos de células interca-
AMILORIDE Na+
KCl KCl ladas: as  e as . Elas estão relacionadas ao transporte ati-
H+
HCO3 vo de H através de H-ATPases. Estas se localizam na
Cl
membrana luminal nas células do tipo  e na membrana
basal nas do tipo . No caso das células intercaladas do tipo
α a secreção luminal de H está acoplada ao sistema troca-
dor Cl-HCO3 na membrana basal. O inverso é observado
nas células intercaladas do tipo , onde o H é transporta-
do pela H-ATPase agora localizada na membrana basal da
Fig. 4.11 Célula do túbulo de conexão mostrando na membrana
luminal os canais de Na sensíveis ao amiloride, o co-transporte célula e o sistema trocador Cl-HCO3 tem localização na
Na-Cl e os co-transportes Na-H e Cl-HCO3 secundariamen- membrana apical. Acredita-se que as condições ácido-bási-
te ativos à Na-K-ATPase da membrana basal. cas determinam a quantidade de células  ou . Na acidose
predominam as células do tipo  e na alcalose, as do tipo .
Como já foi referido no túbulo de conexão, uma ATPa-
bonato pode ser secretado para a luz tubular utilizando para se relacionada à reabsorção de K está presente nas célu-
tal o trocador Cl-HCO3 presente na membrana apical. las intercaladas do ducto coletor. A H,K-ATPase é mais
Também é descrita a presença de uma ATPase na face abundante nos segmentos corticais e diminui à medida que
luminal das células intercaladas neste segmento, denomi- se aproxima da papila. Ainda é controverso na literatura
nada H,K-ATPase. Esta enzima seria estimulada pela se alterações ácido-básicas modulam a atividade dessa
depleção de K. enzima. Há indícios de que no ducto coletor medular in-
terno outros cátions possam ocupar o lugar do H na
Ducto Coletor H,K-ATPase, e por isso ela tem sido denominada como
X,K-ATPase, como o amônio (NH4).
O ducto coletor é dividido em cortical, medular exter- O ducto coletor medular interno é dividido em três seg-
no e medular interno, apresentando dois tipos de células: mentos devido à sua heterogeneidade morfológica e fun-
as principais e as intercaladas. cional: IMCD1, IMCD2 e IMCD3. As células que compõem
As células principais caracterizam-se na microscopia ele- o IMCD1 são muito semelhantes às do ducto coletor me-
trônica por apresentarem um cílio central. O sódio é reabsor- dular externo, estando presentes as células do tipo princi-
vido nestas células por mecanismo passivo através de canais pal e cerca de 10% de intercaladas. Entretanto, as porções
na membrana luminal sensíveis ao amiloride ou trianterene, IMCD2 e IMCD3 parecem representar um segmento distin-
denominados ENaC. É também através da Na,K-ATPase to. Estudos recentes têm considerado que o ducto coletor
que o transporte ativo de Na gera potencial negativo no medular interno apresenta dois segmentos funcionalmente
lúmen na ordem de 30 mV no coletor cortical (Fig. 4.12). distintos: a porção inicial que corresponde ao IMCD1 e a
A concentração de K no intracelular das células princi- porção distal com os segmentos IMCD2 e IMCD3.
pais do ducto coletor é elevada devido à alta atividade das Este último segmento do néfron tem importante papel
Na,K-ATPases presentes na membrana basal. É através de na regulação final da composição da urina pelo ajuste da
canais específicos (ROMK) tanto na membrana apical quan- reabsorção de sódio, potássio, uréia e água. Convém sali-
to na basolateral que o K é transportado passivamente para entar que o ducto coletor medular interno é o único seg-
fora da célula (Fig. 4.12). A secreção de K está diretamente mento do néfron que possui sítio de ação aos peptídios
relacionada à diferença de potencial gerada pela quantida- atriais natriuréticos, e também existem evidências da pre-
de de Na reabsorvida. sença do co-transporte Na-K-2Cl.
Tanto a reabsorção de sódio quanto a secreção de potás- O transporte de água no túbulo distal final e ducto co-
sio nas células principais do ducto coletor são moduladas letor varia com a concentração plasmática do hormônio an-
pela aldosterona. Este mineralocorticóide entra no citoplas- tidiurético, HAD, que altera a permeabilidade destes seg-
ma da célula induzindo através de RNAm a síntese de pro- mentos à água. A ação do hormônio antidiurético torna
teínas pelo núcleo, que aumentam o número de canais de também o epitélio do coletor medular permeável à uréia.
48 Função Tubular

CÉLULA  CÉLULA  CÉLULA PRINCIPAL


Cl

PERITUBULAR PERITUBULAR PERITUBULAR


HCO3 K+ K+

Cl ATP H+ Na +
Cl Cl Na+
H+ ATP Cl ATP
HCO3 K+
Cl
K+ Cl Cl

LUMINAL LUMINAL LUMINAL

Fig. 4.12 Representação dos três tipos de células do ducto coletor: intercalada α, intercalada  e principal. Observa-se que na inter-
calada α a inserção da H-ATPase é na membrana luminal, e do contratransporte Cl-HCO3 , na membrana basolateral, o que favo-
rece a secreção de ácidos. O inverso é observado nas células intercaladas . Na face luminal das células principais o Na é reabsor-
vido através de canais sensíveis ao amiloride. O K é secretado passivamente para a luz tubular. Ambos os transportes são decor-
rentes do gradiente eletroquímico gerado pela Na-K-ATPase na membrana basal.

Esta permeabilidade aumenta em direção à papila, promo- tubular que permite a manutenção do balanço de sódio,
vendo a hipertonicidade do interstício. Esta propriedade, potássio, hidrogênio e água; entretanto, o rim tem outras
que é importante na determinação da osmolaridade da importantes funções do ponto de vista metabólico, como,
urina, será discutida com mais detalhes em outro capítulo por exemplo: no metabolismo de hidratos de carbono pela
referente a mecanismos de concentração urinária. síntese de glicose que ocorre no córtex renal e pela inativa-
Antes de finalizar este capítulo sobre a função tubular, ção de insulina e glucagon, diminuindo a meia-vida desses
é importante salientar dois aspectos da função renal: hormônios; no metabolismo ósseo pela regulação da excre-
1.º) A descrição da função tubular foi feita considerando ção de cálcio, fósforo, ativação de vitamina D e inativação
o rim como constituído por uma população homogênea de de paratormônio. Não devemos esquecer também o impor-
néfrons; entretanto, sabemos que existem diferenças mor- tante papel do rim na regulação da pressão arterial.
fológicas e funcionais entre os néfrons justamedulares (cór-
tex profundo) e os néfrons superficiais. Entre as diferenças
deve-se destacar a maior capacidade dos néfrons justame-
dulares de variar a excreção de NaCl frente a variações
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
do volume extracelular. Em condições de depleção intensa KRIZ, W. and BANKIR, L. A standard nomenclature for structures of the
do volume extracelular, observa-se uma maior reabsorção kidney. American Journal of Physiology, 254(23):F1-F8, 1988.
de NaCl pelos néfrons justamedulares e, em condições de MOE, O.W.; BERRY, C.A. and RECTOR JR, F.C. Renal transport of
expansão, também são os néfrons profundos os que apre- glucose, amino acids, sodium, chloride, and water. In: Brenner, B.M.
and Rector, F.C., Jr. (eds.) The Kidney, 6th ed. W.B. Saunders Company,
sentam a maior capacidade de excreção de NaCl. Philadelphia, pp. 375-415, 2000.
2.º) A função renal foi apresentada como simplesmente SEGURO, A.C.; MAGALDI, A.J.B.; HELOU, C.M.B.; MALNIC, G. e ZATZ,
um processo de filtração glomerular, reabsorção e secreção R. Processamento de água e eletrólitos pelos túbulos renais. In Zatz, R.
(ed.) Fisiopatologia Renal, 1.ª edição, Atheneu, pp. 71-96, 2000.
STOKES, J.B. Principles of epithelial transport. In: Narins, R.G. (ed.)
Maxwel & Kleeman’s Clinical Disorders of Fluid and Electrolyte Metabo-
Pontos-chave: lism, 5th ed. McGraw-Hill, Inc. New York, pp. 21-44, 1994.
VALTIN, H. and SCHAFER, J.A. Tubular reabsorption. In: Valtin, H. and
• As células principais são responsáveis pela Schafer, J.A. (eds.) Renal Function, 3rd ed. Little, Brown and Company,
pp. 62-82, 1995.
reabsorção de sódio e secreção de potássio, VALTIN, H. and SCHAFER, J.A. Tubular secretion. In: Valtin, H. and
sendo estes processos modulados pela Schafer, J.A. (eds.) Renal Function, 3rd ed. Little, Brown and Company,
aldosterona pp. 84-93, 1995.
• As células intercaladas são células escuras
responsáveis pela acidificação urinária ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
• O ducto coletor medular interno é a porção http://www.hdcn.com
final do néfron, onde ocorrem os ajustes http://www.nephron.com
finais para a formação da urina http://www.renalnet.org
Capítulo
Mecanismos de Acidificação Urinária

5 Alexander J. Rouch

INTRODUÇÃO SÍNTESE E EXCREÇÃO RENAL DE AMÔNIA


SECREÇÃO DE H E REABSORÇÃO DE HCO3 NO REGULAÇÃO DA ACIDIFICAÇÃO URINÁRIA
TÚBULO PROXIMAL FUTUROS ESTUDOS
SECREÇÃO DE H E REABSORÇÃO DE HCO3 NO RESUMO
TÚBULO DISTAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FORMAÇÃO E EXCREÇÃO DE ÁCIDO TITULÁVEL ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

HCO3 para substituir aquele que foi usado para tampo-


INTRODUÇÃO nar o ácido não-volátil.

O rim, para cumprir o seu papel na manutenção do ba-


lanço ácido-básico, deve excretar ácido não-volátil numa Pontos-chave:
proporção igual à sua produção metabólica, que sob as
condições de dieta normal é cerca de 1,0 mEq/kg por dia. • O principal papel do rim é no balanço
Portanto, a excreção de ácido (EA) para um indivíduo que ácido-básico de todo o organismo
pesa 70 kg deve ser de aproximadamente 70 mEq/dia. A • O rim acidifica a urina a fim de excretar
excreção renal de ácido (EA) pode ser determinada atra- ácido não-volátil e manter normal a
vés da seguinte equação: concentração plasmática de bicarbonato
EA  U NH 4 V UTAV  UHCO3V [HCO3]

Esta equação mostra que a excreção de ácido, EA, é igual


à taxa de excreção de amônia (U NH 4 V) mais a taxa de ex- Investigações sobre os mecanismos de acidificação uri-
creção de ácido titulável (UTAV) menos a taxa de excreção nária têm enfocado o transporte celular da secreção renal
de bicarbonato (UHCO3V). de H e a reabsorção de HCO3. Neste capítulo, discutire-
Para excretar esse ácido, o rim deve acidificar a urina. mos primeiro estes mecanismos de transporte celular no
Mecanismos de acidificação urinária envolvem secreção de túbulo proximal e no túbulo distal. A importância da ani-
H ao longo do néfron, particularmente no túbulo contor- drase carbônica (AC) será enfatizada. Os fatores determi-
nado proximal e no ducto coletor. É importante observar nantes da excreção de ácido titulável serão então apresen-
que a taxa de secreção de H foi “projetada” para manter tados seguidos por uma discussão sobre a síntese e a ex-
normal a concentração plasmática de [HCO3]. Isto requer creção renal de amônia e, finalmente, a regulação da aci-
que o rim reabsorva todo o HCO3 filtrado e gere novo dificação urinária.
50 Mecanismos de Acidificação Urinária

Na/H na membrana apical, embora haja também a par-


Pontos-chave: ticipação da H-ATPase. O primeiro processo está ligado
• EA  (UNH4V)  (UTAV) – (UHCO3V) à entrada passiva de Na para o interior da célula e o últi-
• EA  produção de ácido não-volátil mo é um mecanismo de transporte primariamente ativo.
O H secretado combina-se com o HCO3 filtrado para
• Mecanismos de ação celular
formar H2CO3, que é convertido em CO2 e H2O no lúmen.
• Túbulo proximal
O CO2 difunde para o interior da célula, onde a reação
• Túbulo distal química é revertida e então formando íons H para poste-
• Excreção de ácido titulável rior secreção de íons HCO3, que deixa a célula pelo lado
• Síntese e excreção de amônia basolateral e entra para o fluido peritubular. A anidrase
• Regulação de acidificação urinária carbônica (AC) estimula a reação química tanto no lúmen
quanto no citoplasma celular e mantém alta a taxa de se-
creção de H (ver adiante). O transporte de HCO3 para
fora da célula pela membrana basolateral ocorre passiva-
SECREÇÃO DE H E mente através de dois principais processos: cotransporte
REABSORÇÃO DE HCO3 NO Na/3HCO3 e troca HCO3/Cl. Algumas discussões
sobre esses transportadores estão em ordem.
TÚBULO PROXIMAL
O túbulo proximal reabsorve cerca de 80% do HCO3 Pontos-chave:
filtrado.
Pesquisadores acreditam que a reabsorção de HCO3 • O túbulo proximal reabsorve cerca de 80%
pode ocorrer através de dois mecanismos: 1) secreção de do HCO3 filtrado
próton pela célula para o lúmen; ou 2) transporte direto do • Secreção de H é o mecanismo responsável
HCO3 filtrado através da membrana apical. Estudos uti- pela acidificação do fluido luminal e pela
lizando diferentes tipos de eletrodos sensíveis ao pH e me- reabsorção de HCO3 no túbulo proximal e
dindo o pH intracelular na presença e na ausência de ini- não o transporte direto de HCO3
bição da anidrase carbônica (AC) demonstraram que a se-
• A secreção de H ocorre primariamente
creção de H é o mecanismo responsável pela acidificação
do fluido luminal e pela reabsorção de HCO3 no túbulo através da troca Na/H na membrana
proximal, e não o transporte direto de HCO3. O leitor pode apical, embora haja também a participação
obter mais detalhes desta técnica nos trabalhos indicados da H-ATPase
nas referências 1 a 3.
A Fig. 5.1 ilustra os mecanismos fundamentais da secre-
Troca Naⴙ/Hⴙ. Vários estudos têm sido realizados para
ção de H e da reabsorção de HCO3 no túbulo proximal.
examinar as características funcionais e moleculares do
A secreção de H ocorre primariamente através da troca
antiporte Na/H na membrana apical do túbulo proximal
(ver Cap. 4). A troca Na/H foi primeiro demonstrada nas
vesículas de membrana da borda em escova do córtex re-
nal de ratos. 4 Outros trabalhos demonstraram que o
antiporte apresenta uma saturação cinética de Michaelis-
Menten e que pode ser inibida pelo amiloride.5,6 Estudos
utilizando medidas de pH intracelular no túbulo proximal
e técnicas de substituição de Na confirmaram a existên-
cia de um transportador Na/H na membrana apical do
túbulo proximal.7-9 Além disso, este transportador é dife-
rente do chamado “housekeeping” trocador Na/H, que
ajuda a controlar o pH e o volume celular.10
Foram identificados cinco isoformas de trocador Na/H,
(NHE 1-5) através de estudos em ratos e coelhos, e NHE-1 a
NHE-4 foram identificados no rim.11,12 Pesquisas empregan-
do técnicas de imuno-histoquímica, expressão molecular de
RNAm e métodos de “knockout” de gens confirmam que a
isoforma NHE-3 é a proteína da membrana apical do túbulo
Fig. 5.1 Mecanismos de secreção e reabsorção de HCO3 no tú- proximal responsável pela secreção de H.13,14 Esta isoforma
bulo proximal. é sensível ao amiloride e apresenta um peso molecular apa-
capítulo 5 51

rente de 92.997, e assim como as outras NHEs ela possui sí-


tios de fosforilação para proteína-quinase. SECREÇÃO DE H E REABSORÇÃO
A maior parte da secreção de H no túbulo proximal DE HCO3 NO TÚBULO DISTAL
ocorre via trocador NHE-3 dependente de Na. O restan-
te, via H-ATPase, independente de Na. Isso tem sido de- O néfron distal reabsorve o restante do HCO3 filtrado
monstrado nas vesículas de membrana da borda em esco- através de mecanismos que secretam H. A secreção de H
va e túbulo proximal de ratos.15,16 Existem evidências que no néfron distal também resulta em titulação de ânions
demonstram que as células do túbulo proximal podem tampões, primariamente fosfato, e em amônia impulsio-
defender o pH intracelular em presença de uma carga de nando dois processos necessários para a formação de novo
ácido na ausência de Na extracelular, e este mecanismo é bicarbonato (discutidos adiante). A pequena quantidade
eletrogênico, criando uma voltagem luminal positiva sob do HCO3 filtrado é liberada para o ducto coletor e reab-
condições apropriadas.17,18 sorvida da mesma forma básica que foi descrita no túbulo
Quando a célula secreta H para o interior do lúmen, uma proximal. Isto é, o íon H secretado combina-se com o íon
base equivalente é formada e esta deve ser transportada. HCO3 e forma CO2 e H2O no lúmen. O CO2 então se di-
Existem dois mecanismos aparentes para a saída da base funde para o interior da célula e é convertido em HCO3,
através da membrana basolateral: transporte eletrogênico que deixa a célula através da membrana basolateral.
Na/3HCO3 e troca Cl/HCO3. Pesquisas mostram que O néfron distal apresenta uma considerável heterogenei-
a maior parte do transporte de HCO3 ocorre via transpor- dade em relação à morfologia e à função celular. Segmen-
tador Na/3HCO3. Técnicas eletrofisiológicas bem como tos distais que precedem o ducto coletor parecem acidificar
termodinâmicas foram usadas para determinar a estequio- o lúmen via membrana apical pela troca Na/H mediada
metria de três HCO3 para um Na no efluxo de HCO3 atra- pela NHE-2.25,26 O túbulo coletor cortical (TCC) e o ducto
vés da membrana basolateral.19,20 Além disso, tem sido mos- coletor da medula externa (DCME) acidificam o lúmen por
trado que a absorção de HCO3 no túbulo proximal é muito uma via eletrogênica, mecanismo independente de Na que
mais dependente de Na do que de Cl.21 Estudos empregan- tem sido atribuído ao H-ATPase na membrana apical das
do técnicas de cloning sobre esse transporte certamente for- células intercaladas.27,28 Técnicas de imuno-histoquímica têm
necerão mais detalhes para melhor entendimento da regu- sido empregadas para identificar H-ATPase na membra-
lação da absorção de HCO3.22 na apical e na basolateral do túbulo coletor cortical e na mem-
brana apical do ducto coletor da medula externa.15 Estes re-
sultados são consistentes com o modelo atual de transporte
Pontos-chave: funcional das células intercaladas do túbulo distal. Estas cé-
lulas podem ser divididas em tipo alfa e tipo beta (IC e IC).
• Mecanismos de secreção de H e absorção
O mecanismo básico destas células é ilustrado na Fig 5.2. A
de HCO3 no túbulo proximal IC secreta H e absorve HCO3, enquanto a IC secreta
• A maior parte da secreção de H no túbulo HCO3 e absorve H. Pesquisas têm mostrado que no TCC
proximal ocorre via trocador NHE-3 a absorção de HCO3 predomina durante as condições de
dependente de Na acidose, enquanto a secreção de HCO3 predomina duran-
• Secreção de H através da membrana apical te as condições de alcalose.29
– NHE-3 e H-ATPase
• A absorção de HCO3 no túbulo proximal é Pontos-chave:
muito mais dependente de Na do que de • A alça de Henle reabsorve cerca de 10 a 15%
Cl do HCO3 filtrado
• Transporte de HCO3 através da membrana • O néfron distal reabsorve o restante do
basolateral HCO3 filtrado através de mecanismos que
– Na/3HCO3 Cl/HCO3 secretam H
• A secreção de H no néfron distal também
Porção espessa ascendente. Na alça de Henle, particu- resulta em titulação de ânions tampões,
larmente na porção espessa ascendente, a secreção de H primariamente fosfato, e em amônia,
e a reabsorção de HCO3 ocorrem através de mecanismos impulsionando dois processos necessários
semelhantes que ocorrem no túbulo proximal. 23,24 A secre- para a formação de novo bicarbonato
ção de H é sensível ao amiloride e mediada pelo antiporte • No TCC, a absorção de HCO3 predomina
NHE-3, e a absorção de HCO3 ocorre via cotransporte durante as condições de acidose, enquanto a
Na/3HCO3. A alça de Henle reabsorve cerca de 10 a 15% secreção de HCO3 predomina durante as
do HCO3 filtrado. Portanto, apenas 5 a 10% do HCO3 fil- condições de alcalose
trado é liberado para o túbulo distal e ducto coletor.
52 Mecanismos de Acidificação Urinária

Evidências também indicam que H/K-ATPase no


ducto coletor funciona para promover a absorção de K e
secreção de H.30 A depleção de K estimula a H/K-
ATPase no ducto coletor.31,32 A significância deste transpor-
tador sobre regulação global da acidificação urinária não
está ainda esclarecida, e é a H-ATPase o método predo-
minante para secreção de H no túbulo distal.
Assim como no túbulo proximal, a secreção de um pró-
ton através da membrana apical do néfron distal obriga a
saída de uma base equivalente através da membrana ba-
solateral. Evidências indicam que no túbulo distal o troca-
dor Cl/HCO3 na membrana basolateral é o mediador
neste mecanismo.33 O íon Cl que entrou na célula via este
trocador deixa a célula através da membrana basolateral
via canal condutor de Cl. 34

Pontos-chave:
Mecanismos de secreção de H1 e absorção de
HCO3 no túbulo distal
• IC
• Membrana apical — H-ATPase, H/K-
ATPase
• Membrana basolateral — troca H/HCO3
• IC
• Membrana apical — trocador Cl/HCO3
• Membrana basolateral — H-ATPase
Fig. 5.2 Transporte de H e HCO3 pelas células intercaladas (Cl
Importância da anidrase carbônica. Esta enzima já foi e Cl).
mencionada anteriormente, sendo importante reconhecer
a sua função na acidificação urinária. Ela catalisa a reação
entre CO2 e OH para formar HCO3.35 Sem a anidrase car- Pontos-chave:
bônica (AC), as reações químicas no lúmen e na célula
ocorreriam num ritmo muito lento e a secreção de H e a Papel funcional da anidrase carbônica
reabsorção de HCO3 seriam significantemente reduzidas. • Esta enzima catalisa a reação entre CO2 e
Ânions monovalentes e sulfonamidas inibem a AC.36 É OH para formar HCO3
bem conhecido que a acetazolamida, inibidor da AC, re- • CO2  OH HCO3
duz a secreção de H e a reabsorção de HCO3 e pode cau- • Acelera a secreção de H e a absorção de
sar uma acidose metabólica. HCO3
No organismo existem quatro isoformas de AC (I-IV) e
sua distribuição ao longo do néfron tem sido muito estu-
dada.37,38 A isoforma tipo II é encontrada no citoplasma das
células renais, enquanto a do tipo IV é encontrada na mem- FORMAÇÃO E EXCREÇÃO DE
brana plasmática. Nas células do túbulo contornado pro- ÁCIDO TITULÁVEL
ximal, a AC é encontrada tanto no citoplasma quanto na
membrana apical e na basolateral. A atividade enzimática Como já foi mencionado anteriormente, o organismo
é aparentemente reduzida nos segmentos terminais do produz uma quantidade de ácido fixo ou não-volátil atra-
túbulo proximal. A porção espessa ascendente da maioria vés do metabolismo de uma dieta normal. Estes ácidos
das espécies estudadas mostrou uma atividade da AC no primariamente incluem ácido sulfúrico produzido a par-
citoplasma e nas membranas apical e basolateral, embora tir do metabolismo de aminoácidos contendo enxofre, áci-
o segmento do coelho seja uma exceção. As células interca- do fosfórico produzido pelo metabolismo de fosfolípides
ladas no ducto coletor contêm altos níveis de AC, que está e ácido clorídrico produzido pelo metabolismo de amino-
correlacionada com o seu papel na acidificação urinária. ácidos catiônicos. A produção de ácido metabólico é par-
capítulo 5 53

cialmente balanceada pela produção de HCO3 através do o menor pH urinário é obtido no ducto coletor, enquanto
metabolismo de aminoácidos aniônicos e ácidos orgânicos. o pH no final do túbulo proximal é cerca de 6,5.
Entretanto, o efeito global do metabolismo é a produção Se mais fosfato puder ser liberado para o ducto coletor,
resultante de ácido que entra na corrente sanguínea e é então mais H2PO4 poderá ser formado no lúmen e mais
tamponado pelo HCO3 extracelular. Estes ácidos são fil- HCO3 novo poderá ser liberado para a corrente sanguí-
trados no glomérulo e titulados pelo mecanismo de secre- nea. Outros ácidos que são titulados são: citrato acetato e
ção de H, descrito anteriormente. creatinina, mas eles contribuem muito pouco para a quan-
A Fig. 5.3 ilustra um exemplo de titulação de fosfato tidade total de ácido titulável comparado ao fosfato. Sim-
em que a quantidade de ácido titulável na urina pode ser plesmente não há ácido titulável suficiente para o rim re-
determinada medindo a quantidade de base forte neces- por completamente o HCO3 usado no tamponamento de
sária para trazer de volta o pH urinário para o mesmo pH ácidos não-voláteis. Felizmente, o rim utiliza um outro
plasmático, que é em torno de 7,4. Quantitativamente, é mecanismo para gerar novo HCO3, que é a síntese e a
o ácido titulável mais importante. O H secretado com- excreção de amônia.
bina-se com o fosfato monoidrogênico para formar o fos-
fato diidrogênico que é excretado pela urina final. O im-
portante evento neste processo é que um novo íon HCO3
Pontos-chave:
(isto é, aquele que não foi filtrado) é formado na célula e Ácido titulável (AT)
absorvido para repor o HCO3 usado no tamponamento • A quantidade de ácido titulável na urina
extracelular. pode ser determinada medindo a
Três fatores determinam a eficácia da excreção de áci-
quantidade de base forte necessária para
do titulável: 1) a quantidade total de ácido fraco disponí-
vel para a titulação; 2) o pK do ácido fraco; e 3) o limite de
trazer de volta o pH urinário para o mesmo
capacidade do rim acidificar a urina (isto é, o menor pH pH plasmático, que é em torno de 7,4
urinário). A reação de equilíbrio de fosfato é um bom exem- • Forma novo HCO3
plo: • Fosfato — o AT mais abundante
HPO4 2  H ↔ H2PO4  pK  6,8 Importantes fatores na excreção de AT
• Quantidade total de AT
H2PO4   H ↔ H3PO4 pK  2,1 • pK
O menor pH urinário que o rim é capaz de produzir é • pH urinário
cerca de 4,5 ([H]  3,2  105 M). A este nível, H-ATPa-
se não é capaz de bombear íons H contra um gradiente
de concentração (entre a célula e o lúmen) tão grande (mai- SÍNTESE E EXCREÇÃO RENAL
or que 1:1.000). A um pH de 4,5, virtualmente todo o fos-
fato está sob a forma de fosfato diidrogênico (H2PO4). DE AMÔNIA
H3PO4 não pode ser formado em grande quantidade na
urina porque o baixo pK desta reação está fora da ampli- Amônia é uma base fraca existente em equilíbrio como
tude de variação do pH urinário. Deve ser observado que amônia iônica, NH4, e não-iônica, NH3:
NH3  H ↔ NH4 pK  9,2
Tanto a amônia quanto o fosfato são tampões urinári-
os. Por definição, a amônia não é um ácido titulável. Como
já foi mencionado anteriormente, o ácido titulável é deter-
minado pela quantidade de base forte necessária para tra-
zer de volta o pH urinário para 7,4. Como o pK da reação
da amônia é 9,2 num pH de 7,4, a maior parte da amônia
permanece ainda como NH4 e não se dissocia até o pH al-
cançar 8,0 a 8,5. Sob condições normais, a maioria do H
na urina final é excretada como NH4 e a excreção renal de
NH4 aumenta significantemente durante condições de
acidose. Portanto, quantitativamente, embora o fosfato seja
o ácido titulável mais importante, a amônia é o mais im-
portante tampão urinário.
O mecanismo básico da síntese renal de amônia é ilus-
Fig. 5.3 Mecanismo de titulação do fosfato. trado na Fig. 5.4. NH4 é produzido primariamente no tú-
54 Mecanismos de Acidificação Urinária

para NaCl estabelecido pelo mecanismo de contracorren-


te multiplicador.
O epitélio renal é relativamente impermeável ao íon
NH4 mas é permeável ao NH3, não-iônico, que se difun-
de passivamente para o lúmen do ducto coletor onde ocor-
re a secreção de H pelas células intercaladas , formando
então NH4. A NH4 é assim captada no lúmen e excreta-
da. Como o pK da amônia é 9,2, sua maior parte está sob a
forma de NH4 na urina ácida. Este mecanismo é referido
como “difusão-captação” da amônia. Observe que, diferen-
te do fosfato que é derivado somente da dieta, NH4 é sin-
tetizada pelo rim e portanto está sujeita a regulação fisio-
lógica (ver adiante).

Pontos-chave:

Fig. 5.4 Mecanismo da síntese renal de amônia.


• Significância da síntese de amônia — gera
novo HCO3
• Tanto a amônia quanto o fosfato são
bulo proximal a partir do metabolismo de aminoácido, tampões urinários
glutamina, via enzima glutaminase I. A amônia pode tam- • Quantitativamente, embora o fosfato seja o
bém ser sintetizada em outros segmentos do néfron, mas ácido titulável mais importante, a amônia é
sua síntese é mais abundante e fisiologicamente mais rele- o mais importante tampão urinário
vante no túbulo contornado proximal.39,40 • Síntese da amônia
A síntese envolve a entrada de glutamina nas células do
– Metabolismo de glutamina no túbulo
túbulo proximal e uma série de passos bioquímicos para
formar dois íons NH4 e dois íons HCO3. O NH4 é secre-
proximal
tado no lúmen pela substituição de H do trocador Na/ Manipulação renal de amônia
H na membrana apical. O HCO3 é transportado para a • Secreção de NH4 no túbulo proximal
corrente sanguínea pelo mesmo mecanismo ilustrado na • Absorção de NH4 na porção espessa
Fig. 5.1.
ascendente
A manipulação renal da amônia secretada é ilustrada na
• Difusão de NH4 para o túbulo distal
Fig. 5.5. Este mecanismo é relativamente complexo e não é
completamente conhecido. Uma parte da NH4 secretada • “Difusão-captação” via secreção de H no
no túbulo proximal é reabsorvida na porção espessa ascen- túbulo distal
dente pela substituição de íon K do cotransportador Na/
K/2Cl na membrana apical. Uma parte da NH4 reab-
sorvida entra na porção fina descendente da alça de Hen- REGULAÇÃO DA ACIDIFICAÇÃO
le e portanto é reciclada. Este processo produz um gradi-
ente córtico-medular para NH4 semelhante ao gradiente URINÁRIA
Existem vários fatores que influenciam os mecanismos
de acidificação já descritos. Alguns desses fatores regulam
a quantidade e o ritmo de acidificação, enquanto outros
simplesmente afetam esses mecanismos.
Um fator importante que afeta a reabsorção de HCO3
é a sua carga filtrada. O balanço glomérulo-tubular para
HCO3 ocorre da mesma forma que ocorre para o Na,
onde a mudança na carga filtrada de HCO3 resulta numa
mudança apropriada na reabsorção de HCO3 no túbulo
proximal. Um aumento na carga filtrada resulta num au-
mento na reabsorção, prevenindo assim a bicarbonatúria.
O mecanismo para esta resposta adaptativa é ainda des-
conhecido. Aumentando a taxa de filtração glomerular
Fig. 5.5 Manipulação renal do NH4 excretado. (RFG), aumenta o fluxo luminal no túbulo proximal, e isso
capítulo 5 55

de alguma forma estimula a troca Na/H e/ou transpor- co para secreção de H. Isto representa um mecanismo
te Na/3HCO3.41 indireto da aldosterona na secreção de H no ducto cole-
Como a troca Na/H é responsável pela maior parte tor. Há também evidências que mostram que a aldostero-
da secreção de H no túbulo proximal, fatores que regu- na estimula diretamente a secreção de H e a troca Cl/
lam a reabsorção de Na afetarão também a secreção de H HCO3 no ducto coletor.43 Um outro mecanismo indireto
neste segmento do néfron. Obviamente, estes fatores tam- pelo qual a aldosterona afeta a acidificação urinária está
bém afetarão a reabsorção de HCO3 no túbulo proximal. relacionado com a síntese de amônia. Aldosterona estimula
Talvez o fator mais importante seja o volume extracelular a secreção de K nas células principais e isto pode levar à
(VEC). Quando o VEC se expande, a reabsorção de Na no hipocalemia, que aumenta a produção de amônia, como já
túbulo proximal diminui e portanto a reabsorção de HCO3 foi explicado. Com maior produção de amônia no túbulo
também diminui. Quando o VEC se contrai, aumenta a proximal, maior reabsorção de HCO3 pode ocorrer no
reabsorção de Na e de HCO3 no túbulo proximal. ducto coletor.
O status ácido-base influencia a secreção de H. Tanto a Assim como a aldosterona, o PTH afeta a secreção de
acidose metabólica quanto a respiratória estimulam a se- H de várias formas. Evidências mostram que o PTH esti-
creção de H no túbulo proximal, porção espessa ascenden- mula a adenil-ciclase no túbulo proximal, e o aumento de
te e ducto coletor. A acidose aumenta a secreção porque concentração celular de AMPc inibe a troca Na/H. O
quando o fluido intracelular acidifica, o gradiente célula- PTH pode estimular a fosfolipase C levando a um aumen-
lúmen torna-se favorável para a secreção de H através de to de cálcio intracelular e ativando a proteinoquinase C.
ambas as vias: troca Na/H e H-ATPase. Como era es- Estas vias celulares podem estar ligadas à inibição da aci-
perado, a alcalose diminui a secreção de H. Existem evi- dificação. PTH também inibe a reabsorção de HCO3 na
dências interessantes indicando que mudanças no pH pe- porção espessa ascendente. Evidências também indicam
ritubular resultam na inserção de novos transportadores que o PTH aumenta a secreção de H no ducto coletor,
de H na membrana apical do túbulo proximal e ducto aumentando a excreção de ânions não-reabsorvíveis e agin-
coletor.42 do como um tampão urinário, tal como o fosfato. Isso pode
Acidose, tanto a crônica quanto a aguda, também esti- ser um mecanismo compensatório para a inibição de secre-
mula a síntese renal de amônia, provavelmente ativando ção de H induzido pelo PTH no túbulo proximal. As in-
enzimas envolvidas no metabolismo da glutamina. Dimi- fluências do PTH sobre a acidificação urinária continuam
nuição do pH intracelular aparentemente estimula a pro-
dução enzimática da amônia e conseqüentemente a pro-
dução de novos HCO3. A concentração plasmática de K Pontos-chave:
também influencia a síntese de amônia. O mecanismo para
este efeito não está totalmente esclarecido, entretanto, acre- Regulação da acidificação urinária
dita-se que está relacionado às mudanças na concentração • Carga filtrada de HCO3
intracelular de H. Hipercalemia diminui a concentração – Aumento da carga filtrada aumenta a
intracelular de H, assim inibindo a síntese de amônia, absorção e vice-versa
enquanto a hipocalemia apresenta efeitos opostos. Doucet • Status ácido-base
mostrou que a deficiência de K estimula a secreção de H
– Acidose aumenta a secreção de H e a
via o aumento da expressão aparente de H/K-ATPase
na membrana apical do ducto coletor.31
alcalose diminui a secreção de H
Efeitos hormonais sobre a acidificação urinária. Vári- • Status volume extracelular (VEC)
os hormônios afetam a secreção de H no néfron. Existem – Expansão de VEC inibe a secreção de H
novamente questões como: se estes efeitos hormonais são e a contração do VEC estimula a secreção
destinados a regular a acidificação urinária ou se eles são de H
simplesmente destinados a alterar a secreção de H. Dois • Amoniagênese
hormônios que têm sido muito estudados são a aldostero- – Acidose aumenta a síntese e a alcalose
na e o hormônio da paratireóide, o paratormônio (PTH). diminui a síntese
Aldosterona estimula a secreção de H no ducto cole-
– Hipocalemia aumenta a síntese, e a
tor através de diferentes mecanismos. Um é pela estimu-
hipercalemia diminui a síntese
lação da reabsorção de Na nas células principais. Como
já foi dito anteriormente, o ducto coletor apresenta células • Hormônios
principais e células intercaladas. As células principais reab- – Aldosterona aumenta a secreção de H
sorvem o Na e secretam o K, e a aldosterona estimula direta e indiretamente
ambos os processos. A estimulação da reabsorção de Na – PTH inibe a secreção de H no túbulo
no ducto coletor pela aldosterona produz uma voltagem proximal
negativa no lúmen que aumenta o gradiente eletroquími-
56 Mecanismos de Acidificação Urinária

controversas, e mais estudos são necessários para melhor Para obter uma discussão mais completa e detalhada,
entendimento. aconselhamos o leitor a consultar a seguinte referência:
Glicocorticóides aumentam a troca Na/H no túbulo Alpern, R.J. Renal acidification mechanisms. Brenner, B.M.
proximal, aumentando a quantidade de proteína NHE-3 e (Ed.) The Kidney, 6th ed. Philadelphia: Saunders, 2000,
de RNAm.44 Outros hormônios que também aumentam a Capítulo 11.
secreção de H e HCO3 são: adenosina, catecolaminas,
endotelinas e angiotensina II. Provavelmente existem ou-
tros envolvidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. DUBOSE, T.D.J.; PUCACCO, L.R. and CARTER, N.W. Determina-
tion of disequilibrium pH in the rat kidney in vivo: evidence for
FUTUROS ESTUDOS hydrogen secretion. Am. J. Physiol., 240 (Renal Fluid Electrolyte Phy-
siol., 9):F138-F146, 1981.
A evidência com relação ao efeito de glicocorticóides e 2. KURTZ, I.; STAR, R.; BALABAN, R.S.; GARVIN, J.L. and KNEPPER,
da proteína NHE-3 enfatiza a necessidade de futuras pes- M.A. Spontaneous luminal disequilibrium pH in S3 proximal tubu-
les. J. Clin. Invest., 78:989-996, 1986.
quisas nesta área. O transporte de proteínas responsáveis 3. VIEIRA, G.L. and MALNIC, B. Hydrogen ion secretion by rat renal
pela acidificação urinária ao nível molecular está agora cortical tubules as studied by an antimony microelectrode. Am. J.
esclarecido, e evidências sobre a regulação destas proteí- Physiol., 214: 710-718, 1968.
nas a este nível certamente irão fornecer respostas às ques- 4. MURER, H.; HOPFER, U. and KINNE, R. Sodium/proton antiport
in brush-border membrane vesicles isolated from rat small intestine
tões de como a acidificação urinária é regulada e irão dis- and kidney. Biochem. J., 154: 597-604, 1976.
tinguir os reguladores e os efetores. 5. KINSELLA, J.L. and ARONSON, P.S. Amiloride inhibition of the Na-
H exchanger in renal microvillus membrane vesicles. Am. J. Physi-
ol., 241:F374-F379, 1981.
6. WARNOCK, D.G.; REENSTRA, W.W. and YEE, V.J. Na/H antipor-
RESUMO ter of brush border vesicles: Studies with acridine orange uptake.
Am. J. Physiol., 242:F733-F739, 1982.
7. ALPERN, R.J. and CHAMBERS, M. Cell pH in the rat proximal con-
O complexo mecanismo de acidificação urinária é desti- voluted tubule. J. Clin. Invest., 78:502-510, 1986.
nado a manter o balanço ácido-básico que requer um pH 8. BORON, W.F. and BOULPAEP, E.L. Intracellular pH regulation in
plasmático estável (entre 7,35 e 7,40 ) e a concentração plas- the renal proximal tubule of the salamander. J. Gen. Physiol., 81:53-
94, 1983.
mática de HCO3 (entre 23 e 25 mM). O rim deve reabsor-
9. SASAKI, S.; SHIIGAI, T. and TAKEUCHI, J. Intracellular pH in the
ver todo o HCO3 e fabricar novo HCO3 para substituir isolated perfused rabbit proximal straight tubule. Am. J. Physiol.,
aquele que foi usado para tamponar o ácido não-volátil. O 249(Renal Fluid Electrolyte Physiol., 18):F417-F423, 1985.
rim reabsorve HCO3 através da secreção de H que ocorre 10. HAGGERTY, J.G.; AGARWAL, N. and REILLY, R.F. Pharmacolo-
gically different Na/H antiporters on the apical and basolateral
através de três mecanismos primários: troca Na/H, H-
surfaces of cultured porcine kidney cells (LLC-PK1). Proc. Natl. Acad.
ATPase e troca K/H. O túbulo proximal e a porção espessa Sci., 85:6797-6801, 1988.
ascendente secretam H primariamente pela troca Na/H 11. ORLOWSKI, J.; KANDASAMY, R.A. and SHULL, G.E. Molecular
via proteína NHE-3, e esses segmentos do néfron reabsor- cloning of putative members of Na/H exchanger gene family. J. Biol.
Chem., 267:9331-9339, 1992.
vem a maior parte da carga filtrada de HCO3. O túbulo
12. TSE, C.M.; BRANT, S.R.; WALKER, M.S.; POUYSSEGUR, J. and
distal e o ducto coletor secretam H primariamente pela H- DONOWITZ, M. Cloning and sequencing of a rabbit cDNA enco-
ATPase nas células intercaladas alfa (CI). Novo HCO3 é ding an intestinal and kidney-specific Na/H exchanger isoform
gerado pela excreção de ácido titulável e síntese de amônia. (NHE-3). J. Biol. Chem., 267:9340-9346, 1992.
13. ORLOWSKI, J. Heterologous expression and functional properties
Quantitativamente, o ácido titulável mais importante é o
of amiloride high affinity (NHE-1) and low affinity (NHE-3) isoforms
fosfato. Amônia, o tampão mais importante, é sintetizada of the rat Na/H exchanger. J. Biol. Chem., 268:16369-16377, 1993.
através do metabolismo de glutamina no túbulo proximal. 14. TSE, C.M.; LEVINE, S.A.; YUN, C.H.C.; BRANT, S.R.; POUSYSSE-
A carga filtrada de HCO3 afeta a sua reabsorção no GUR, J.; MONTROSE, M.H. and DONOWITZ, M. Functional cha-
racteristics of a cloned epithelial Na/H exchanger (NHE3): resis-
túbulo proximal assim como o status de VEC, alterando a
tance to amiloride and inhibition by protein kinase C. Proc. Natl.
reabsorção de Na. Acidose estimula e alcalose inibe a se- Acad. Sci., 90:9110-9114, 1993.
creção de H. Acidose e hipocalemia estimulam a síntese 15. BROWN, D.; HIRSCH, S. and GLUCK, S. Localization of a proton-
de amônia, enquanto alcalose e hipercalemia apresentam pumping ATPase in rat kidney. J. Clin. Invest., 82:2114-2126, 1988.
16. KINNE-SAFFRAN, E.; BEAUWENS, R. and KINNE, R. An ATP-
efeitos inibitórios. Aldosterona estimula a secreção de H
driven proton pump in brush-border membranes from rat renal
no ducto coletor através de um mecanismo indireto asso- cortex. J. Membrane Biol., 64:67-76, 1982.
ciado ao aumento de reabsorção de Na e um mecanismo 17. KURTZ, I. Apical Na/H antiporter and glycolysis-dependent H-
direto associado à H-ATPase, e por um outro mecanismo ATPase regulate intracellular pH in the rabbit S3 proximal tubule. J.
Clin. Invest., 80:928-935, 1987.
indireto associado à hipocalemia e à síntese de amônia.
18. YOSHITOMI, K.; BURCKHARDT, B.C. and FROMTER, E. Rheoge-
PTH inibe a troca Na/H no túbulo proximal estimulan- nic sodium-bicarbonate cotransport in the peritubular cell membra-
do a adenil-ciclase. ne of rat renal proximal tubule. Pflugers Arch., 405:360-366, 1985.
capítulo 5 57

19. ALPERN, R.J. Cell mechanisms of proximal tubule acidification. 33. HAYS, S.R. and ALPERN, R.J. Apical and basolateral membrane H
Physiol. Rev., 70:79-114, 1990. extrusion mechanisms in inner stripe of rabbit outer medullary col-
20. PREISIG, P.A. and ALPERN, R.J. Basolateral membrane H/OH/ lecting duct. Am. J. Physiol., 259(Renal Fluid Electrolyte Physiol.,
HCO3 transport in the proximal tubule. Am. J. Physiol. 256:F751-F765, 28):F628-F635, 1990.
1989. 34. KOEPPEN, B.M. Conductive properties of the rabbit outer medul-
21. SASAKI, S. and BERRY, C.A. Mechanism of bicarbonate exit across lary collecting duct: Inner stripe. Am. J. Physiol., 248:F500-F506, 1985.
basolateral membrane of the rabbit proximal convoluted tubule. Am. 35. SILVERMAN, D.N. and VINCENT, S.H. Proton transfer in the
J. Physiol., 246:F889-F896, 1984. catalytic mechanism of carbonic anhydrase. CRC Crit. Rev. Biochem.,
22. ROMERO, M.F.; HEDIGER, M.A.; BOULPAEP, E.L. and BORON, 14:207-255, 1983.
W.F. Expression cloning and characterization of a renal electrogenic 36. MAREN, T.H. Carbonic anhydrase: Chemistry, physiology, and
Na/HCO3 cotransporter. Nature., 387:409-413, 1997. inhibition. Physiol. Rev., 47:595-781, 1967.
23. GOOD, D.W. Ammonia and bicarbonate transport by thick 37. DOBYAN, D.C. and BULGER, R.E. Renal carbonic anhydrase. Am.
ascending limb of rat kidney. Am. J. Physiol., 248:F821-F829, 1984. J. Physiol., 243:F311-F324, 1982.
24. KRAPF, R. Basolateral membrane H/OH/HCO3 transport in the rat 38. PREISIG, P.A.; TOTO, R.D. and ALPERN, R.J. Carbonic anhydrase
cortical thick ascending limb. J. Clin. Invest., 82:234-241, 1988. inhibitors. Renal Physiol., 10:136-159, 1987.
25. CHAMBREY, R.; WARNOCK, D.G.; PODEVIN, R.A. BRUNEVAL, 39. CURTHOYS, N.P. and LOWRY, O.H. The distribution of glutami-
P.; MANDET, C.; BELAIR, M.F.; BARIETY, J. and PAILLARD, M. nase isoenzymes in the various structures of the nephron in normal,
Immunolocalization of the Na/H exchanger isoform NHE2 in rat acidotic, and alkalotic rat kidney. J. Biol. Chem.; 248:162-168, 1973.
kidney. Am. J. Physiol., 275:F379-F386, 1998. 40. GOOD, D.W. and BURG, M.B. Ammonia production by individual
26. WANG, T.; MALNIC, G.; GIEBISCH, G. and CHAN, Y.L. Renal segments of the rat nephron. J. Clin. Invest., 73:602-610, 1984.
bicarbonate reabsorption in the rat. IV. Bicarbonate transport me- 41. ALPERN, R.J.; COGAN, M.G. and RECTOR, F.C.J. Flow dependence
chanisms in the early and late distal tubule. J. Clin. Invest., 91:2776- of proximal tubular bicarbonate absorption. Am. J. Physiol., 245:F478-
2784, 1993. F484, 1983.
27. KOEPPEN, B.M. and HELMAN, S.I. Acidification of luminal fluid 42. SCHWARTZ, G.J. and AL-AWQATI, Q. Carbon dioxide causes
by the rabbit cortical collecting tubule perfused in vitro. Am. J. Phy- exocytosis of vesicles containing H pumps in isolated perfused pro-
siol. 242(Renal Fluid Electrolyte Physiol., 11):F521-F531, 1982. ximal and collecting tubules. J. Clin. Invest., 75:1638-1644, 1985.
28. LOMBARD, W.E.; KOKKO, J.P. and JACOBSON, H.R. Bicarbonate 43. HAYS, S.R. Mineralocorticoid modulation of apical and basolateral
transport in cortical and outer medullary collecting tubules. Am. J. membrane H/OH/HCO3 transport processes in the rabbit inner
Physiol., 244(Renal Fluid Electrolyte Physiol., 13):F289-F296, 1983. stripe of outer medullary collecting duct. J. Clin. Invest., 90:180-187,
29. MCKINNEY, T.D. and BURG, M.B. Bicarbonate transport by rabbit 1992.
cortical collecting tubules. J. Clin. Invest., 60:766-768, 1977. 44. BAUM, M.; MOE, O.W.; GENTRY, D.L. and ALPERN, R.J. Effect of
30. NAKAMURA, S.; WANG, Z.; GALLA, J.H. and SOLEIMANI, M. K glucocorticoids on renal cortical NHE-3 mRNA. Am. J. Physiol.,
depletion increases HCO3 reabsorption in OMCD by activation of 267:F437-F442, 1994.
colonic H-K-ATPase. Am. J. Physiol., 274:F687-F692, 1998.
31. DOUCET, A. and MARSY, S. Characterization of K-ATPase activi-
ty in distal nephron: Stimulation by potassium depletion. Am. J. Phy-
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
siol., 253:F418-F423, 1987. http://www.qldanaesthesia.com/AcidBaseBook/AB8-
32. WINGO, C.S. Active proton secretion and potassium absorption in
the rabbit outer medullary collecting duct. J. Clin. Invest., 84:361-365,
5.htmhttp://www.ha.org.hk/tmh/medicine/rta.html
1989. http://www.niddk.nih.gov/health/kidney/pubs/rta/rta.htm
Capítulo
Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

6 Antonio José Barros Magaldi

INTRODUÇÃO SECREÇÃO DE HAD


FORMAÇÃO DA MEDULA HIPERTÔNICA REGULAÇÃO DA INGESTA — MECANISMO DA SEDE
AÇÃO DO HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
BALANÇO HÍDRICO ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET

INTRODUÇÃO FORMAÇÃO DA MEDULA


O estudo do mecanismo de concentração e de diluição
HIPERTÔNICA
urinária constitui um dos capítulos mais fascinantes da fi-
O estudo da medula renal de animais em estado de res-
siologia renal. Os recentes avanços na metodologia de pes-
trição aquosa mostra que a hipertonicidade aí existente
quisa e as admiráveis descobertas acerca da secreção e do
decorre, fundamentalmente, da acumulação de uréia e
mecanismo de ação do hormônio antidiurético mostram
solutos, principalmente NaCl. O mecanismo pelo qual es-
como o rim, com um mínimo gasto de energia, consegue
tes solutos se depositam no interstício medular foi genial-
variar a osmolaridade da urina e a excreção de água de
mente idealizado em 1942 por Werner e Kuhn, com a hi-
acordo com as necessidades do organismo.
pótese da existência de um sistema de contracorrente
A eliminação de urina concentrada resulta da reabsor-
multiplicador nos ramos em “U” da alça de Henle. Este
ção de água no ducto coletor. Para que esta reabsorção
sistema produziria um aumento progressivo da osmolari-
aconteça, dois fatos devem ocorrer: 1.º) formação de me-
dade da medula renal do córtex em direção à papila, com
dula hipertônica em relação ao fluido do ducto coletor e
pouco gasto de energia. Esse modelo foi baseado no siste-
2.º) permeabilidade do ducto coletor à água aumentada
ma multiplicador de calor, utilizado na indústria, onde
pelo hormônio antidiurético (HAD). Portanto, a análise do
uma fonte constante de calor aquece o fluido em um pon-
mecanismo de concentração e diluição urinária resume-se
to na alça de um tubo em forma de “U”, promovendo um
no estudo do processo pelo qual o rim acumula solutos no
aumento progressivo da temperatura desse fluido, sem
interstício medular durante os estados hidropênicos e o
grande consumo de energia. Este tubo dobrado e justaposto
modo de ação do hormônio antidiurético.
um ao lado do outro faz com que exista um fluxo do mes-
mo fluido em sentidos opostos proporcionando troca de
Pontos-chave: calor contínua a partir do ponto que recebe o calor, forman-
do um gradiente de temperatura (Fig. 6.1). Um sistema
Condições para a reabsorção de água no semelhante existe nos membros inferiores das aves pernal-
ducto coletor medular tas que ficam com os pés mergulhados em águas de baixa
• Formação de uma medula hipertônica temperatura, onde a artéria descendente fica justaposta às
• Ação do hormônio antidiurético veias ascendentes, ajudando a aumentar gradualmente a
temperatura do sangue que se dirige dos pés ao coração.
capítulo 6 59

Fluido tuados com a técnica de microperfusão em porções isola-


30°
das do néfron de coelhos, que permitiram a análise direta
Fluido das características de permeabilidade e de transporte nos
30° 40°
segmentos medulares do néfron. Os estudos funcionais da
30° 40° porção espessa da alça de Henle, tanto da região medular
30° como da região cortical (segmento diluidor), mostraram ser
Fonte 60° 70° eles impermeáveis à água, mesmo na presença de hormô-
de nio antidiurético.
Calor
Neste segmento, na membrana luminal ocorre uma re-
90° 100° absorção de Na acoplado a Cl e K em um co-transporte
40°
Na:K:2Cl, secundariamente ativo ao transporte de Na ati-
vo pela Na-K-ATPase na membrana basolateral. Este trans-
porte ativo propicia um gradiente eletroquímico favorável
A B à entrada de Na na célula. A passagem de Na da luz tubu-
40° Fonte de Calor lar para o interstício, retirando Na do fluido filtrado e adi-
Fig. 6.1 Princípio da contracorrente. Tanto no sistema reto A quan- cionando-o ao interstício, constitui o chamado efeito uni-
to no sistema dobrado B a fonte de calor produz a mesma quan-
tidade de calorias; no entanto, no sistema B ocorre a formação de
um gradiente de temperatura, em decorrência da conformação
de dois tubos justapostos com fluxos inversos. Este modelo ex-
plica a formação de gradiente de osmolaridade que ocorre na
medula renal com a conformação idêntica à existente na alça de
Henle. Adaptado de Berliner, R.W., Lewinsky, N.G., Davidson,
D.G., Eden, M. Am. J. Med., 24:730-744, 1958.
CÓRTEX Uréia

NaCl

No rim, este tubo dobrado corresponde às alças descenden- 1 2


H2O
NaCl
tes e ascendentes de Henle. Uréia
HAD
NaCl NaCl H2O
H2O NaCl
O sistema de contracorrente multiplicador inicialmen- MEDULA NaCl
NaCl HAD
INTERNA NaCl Uréia
te idealizado e aplicado à medula renal é apresentado na VASA H2O
NaCl 2
RECTA NaCl
1
Fig. 6.2. A energia inicial que movimentaria este sistema 3 HAD

H2O H2O H2O


seria dada pelo transporte ativo de NaCl da luz tubular Uréia Uréia

para o interstício medular na porção ascendente da alça de Uréia


H2O NaCl H2O
Henle. Este transporte de NaCl é que, aumentando a os- 7 NaCl
6
HAD
molaridade do interstício, promoveria a reabsorção de NaCl H2O Uréia NaCl
Uréia
H2O
2
água no ramo descendente da alça, com conseqüente au- 3
H2O
5
HAD
7 H2O Uréia
mento progressivo da osmolaridade do seu fluido tubular Uréia NaCl
6
HAD
H2O
em direção à papila. Este efeito inicial seria multiplicado e MEDULA Uréia
NaCl 2
H2O
NaCl
o gradiente osmótico então criado determinaria maior re- EXTERNA 5
Uréia
H2O
NaCl
absorção de água no ducto coletor. 7 4
NaCl 6 HAD
Alguns estudos experimentais que se seguiram à pro- Uréia H2O
Uréia
4
posta do sistema de contracorrente multiplicador na me-
dula renal foram compatíveis com a sua existência. Assim,
Fig. 6.2 Mecanismo de concentração urinária. 1) Transporte ativo
observou-se que o fluido no início do túbulo distal é hipo- de cloreto de sódio no ramo ascendente espesso da alça de Henle
tônico (100 mOsm/kg H2O) em relação ao filtrado glome- — efeito inicial — aumentando a quantidade de sódio no interstício.
rular (289 mOsm/kg H2O) e que está de acordo com a exis- 2) Reabsorção de água no ducto coletor cortical, medular externo
tência de uma reabsorção ativa de NaCl, na ausência de e interno, na presença de HAD ocasionado pelo gradiente osmóti-
transporte de água no ramo ascendente da alça de Henle. co resultante do transporte ativo de NaCl na porção espessa ascen-
dente. 3) Reabsorção de água na alça descendente de Henle frente
Observou-se, também, que o aumento da osmolaridade da ao gradiente osmótico entre a luz tubular e a medula. 4) Adição de
medula externa em direção à papila é diretamente propor- uréia à medula interna na presença de HAD. 5) Efluxo de NaCl da
cional ao comprimento da alça de Henle do animal em porção fina ascendente, na ausência de transporte de água, aumen-
estudo. São semelhantes as osmolaridades dos fluidos co- tando a osmolaridade medular e multiplicando o efeito inicial. 6)
lhidos dos vasa recta e da porção fina descendente da alça Aumento da reabsorção de água no ducto coletor medular inter-
no, decorrente do aumento da tonicidade intersticial dado pelo sis-
de Henle. tema multiplicador. 7) Reabsorção de solutos e de água pelos vasa
A maioria das proposições para explicar o mecanismo recta, fazendo a recirculação de uréia e mantendo a medula hiper-
de contracorrente foram elucidadas através de estudos efe- tônica.
60 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

tário do mecanismo de contracorrente multiplicador. Este acúmulo de NaCl e uréia no interstício papilar. Entretan-
co-transportador Na:K:2Cl já foi clonado e seqüenciado to, como descrevemos no início, a hipertonicidade medu-
pela técnica de biologia molecular. A porção espessa ascen- lar se faz à custa de NaCl e uréia e, por conseguinte, preci-
dente da alça de Henle é uma região importante para o samos explicar como se forma o gradiente túbulo-intersti-
mecanismo de concentração urinária e é o local de ação dos cial desse soluto (uréia). Como veremos a seguir, ele é tam-
chamados diuréticos de alça, como a furosemida e a bu- bém o resultado de diferenças nas características de per-
metanida, que se ligando ao sítio do íon Cl promovem a meabilidade dos vários segmentos medulares e principal-
inibição do co-transportador Na:K:2Cl. mente das várias porções do túbulo coletor.
Os ramos finos da alça de Henle, tanto ascendentes O papel importante da uréia no mecanismo de concen-
como descendentes, são formados por um epitélio simples tração urinária já era conhecido de longa data pelas obser-
escamoso, que repousa sobre uma membrana basal, e o vações de que animais submetidos a dieta pobre em pro-
citoplasma de suas células é escasso em mitocôndrias. Este teínas tinham menor capacidade de formar urina hipertô-
padrão morfológico é de um epitélio favorável ao equilí- nica. Contudo, foi só recentemente que as investigações
brio osmótico entre o lúmen e o interstício, e não a um acerca do transporte de solutos nos vários segmentos do
transporte ativo com gasto de energia. néfron trouxeram a explicação para esse fato.
O estudo funcional da porção fina descendente da alça O mecanismo de conservação de uréia no rim é dado por
de Henle mostra que este ramo é altamente permeável à vias de recirculação indicadas na Fig. 6.3. A uréia filtrada
água e pouco permeável ao sódio e a outros solutos, suge- pelo glomérulo e não reabsorvida pelo túbulo contornado
rindo que o equilíbrio osmótico com o interstício medular proximal junta-se à secretada pela pars recta antes de atin-
ocorra à custa da reabsorção de água, com conseqüente gir a porção fina descendente da alça de Henle. Nesse seg-
aumento da concentração de cloreto de sódio, uréia e ou- mento, o equilíbrio osmótico com o interstício se faz prin-
tros solutos no fluido tubular, em direção à papila renal, cipalmente à custa da saída de água e aumento da concen-
como está apresentado na Fig. 6.2. tração de solutos do fluido tubular. No rato a permeabili-
A porção fina ascendente da alça de Henle apresenta dade à uréia aí existente permite que, em parte, ocorra in-
características opostas às descritas acima para o ramo des- fluxo desse soluto, elevando ainda mais a concentração
cendente. Observa-se que a porção ascendente é imperme- luminal. A seguir, no ramo fino ascendente, relativamen-
ável à água e é altamente permeável a Na e Cl, sendo que te permeável à uréia, impermeável à água e altamente per-
o movimento transtubular de cloretos deve ocorrer por um meável a Na e Cl, o equilíbrio osmótico com o interstí-
mecanismo passivo facilitado. cio se faz à custa de saída rápida de NaCl e entrada lenta
Nestas condições, a mudança de características de per- de uréia. Vemos, portanto, que na porção fina ascendente
meabilidade à água e solutos nos ramos finos descenden- da alça de Henle ocorre adição de uréia ao fluido tubular.
tes e ascendentes permite que o acúmulo de NaCl que Por outro lado, no ramo espesso ascendente, túbulo distal
ocorre na porção descendente da alça de Henle por reab- e túbulo coletor cortical não temos nenhum movimento
sorção de água se desfaça, pelo menos em parte, na por-
ção fina ascendente, como ilustra a Fig. 6.2. No entanto,
Néfrons Corticais e Rotas de Recirculação
neste segmento ascendente o equilíbrio osmótico com o Justamedulares da Uréia
interstício medular dá-se à custa do efluxo de NaCl rápi-
do e influxo de uréia mais lento, o que resulta na forma- 햵
Córtex
ção de um fluido tubular com menor concentração de 햶
NaCl que o interstício. Este fluido, agora atingindo a por- zona
ção espessa ascendente onde ocorre grande reabsorção de externa
Medula
NaCl ativamente, ficará cada vez mais hipotônico, sendo 햴 햶 Externa

que a sua osmolaridade pode atingir valores inferiores a zona
interna
100 mOsm/kg H2O no início do túbulo distal. Assim, por 햶

este fato, este segmento é chamado de segmento diluidor. 햲 Medula
Vê-se, portanto, que apenas as características opostas de Interna
햷 햷
permeabilidade dos ramos finos, descendentes e ascen-
dentes, proporcionam um meio genial de adicionar solu-
to (NaCl) ao nível da região medular interna e de formar Fig. 6.3 Recirculação da uréia. Mecanismo pelo qual alta concen-
um fluido hipotônico à custa, unicamente, da reabsorção tração de uréia é mantida na medula (1) à custa da sua difusão
ativa de NaCl da região medular externa, como está da luz do ducto coletor medular interno para a papila e reabsor-
esquematizado na Fig. 6.2. ção ao nível da porção fina ascendente da alça de Henle (etapas 1
a 7) e (2) à custa da sua retirada do interstício pelos vasa recta,
Esses dados sobre as características de transporte de sendo novamente filtrada e lançada na luz tubular. Adaptado de
Na, Cl, H2O e uréia nas várias porções da alça de Henle Valtin, H. e Schafer, J.A. Renal Function, Little, Brown and Com-
são capazes de explicar, pelo menos qualitativamente, o pany, 1995.
capítulo 6 61

transtubular de uréia. No túbulo coletor distal, a reabsor- lar no começo do ducto coletor medular externo, isto é, en-
ção de água em presença de hormônio antidiurético deter- tra 10 vezes mais plasma que fluido tubular numa mesma
mina elevação na concentração luminal de uréia até atin- região da medula. A alta permeabilidade à água e a solutos
gir o coletor papilar. Nesta porção final do coletor existe de suas paredes, associada à sua disposição em forma de
permeabilidade transtubular à uréia que permite que este hairpin, como a alça de Henle, permite que seja possível a
soluto mais concentrado na luz tubular eflua para o inters- remoção de água e solutos do interstício medular também
tício papilar. Esta uréia adicionada ao interstício medular através de um mecanismo de troca em contracorrente sem
promoverá maior reabsorção de água no ramo fino descen- alterar a formação do gradiente de concentração medular e
dente da alça de Henle, acionando, ainda mais, o mecanis- auxiliando diretamente o mecanismo de contracorrente
mo de contracorrente multiplicador passivo. O equilíbrio multiplicador que ocorre na luz tubular. Trabalhos publi-
osmótico medular é conseguido pela circulação sanguínea cados recentemente evidenciaram nestes vasos a existência
lenta e pela entrada de uréia, novamente, para a alça fina de receptores do tipo V1 e V2 da vasopressina, mostrando
ascendente, conservando-a dentro do néfron. que este hormônio também pode regular o fluxo medular
Segundo alguns autores, o epitélio que separa a papila — a estimulação do receptor V1 diminui o fluxo medular,
renal da pelve é constituído por células relativamente per- enquanto a estimulação do receptor V2 aumentaria este flu-
meáveis à uréia, que permitiriam que uma parte desse so- xo — e evidenciaram também canais de água do tipo
luto eliminado pela urina se retrodifunda para a papila aquaporin 1 nos vasa recta descendentes.
renal, constituindo outro mecanismo para conservação de Vemos, portanto, que esquematicamente a formação de
soluto dentro da medula renal. uma medula hipertônica consta de duas partes: A) uma
No processo de formação da medula hipertônica os vasa relacionada com as diferenças de permeabilidade a NaCl
recta possuem um papel importante, pois deve existir uma e água nos ramos finos da alça de Henle, que leva à adição
troca intensa entre o interstício medular e a luz dos vasos de NaCl ao interstício papilar a partir da reabsorção de
que penetram neste interstício para que se mantenha o gra- NaCl na porção espessa ascendente, e B) outra que deter-
diente de concentração medular (Fig. 6.4). Cerca de 5% do mina a adição de uréia ao interstício papilar, resultante das
fluxo renal plasmático são dirigidos para os vasos da me- diferenças de permeabilidade à uréia entre o túbulo cole-
dula externa e interna, e como o fluxo plasmático renal é alto, tor cortical e o ducto coletor papilar. Esta uréia adiciona-
o fluxo plasmático nos vasa recta descendente e ascendente da à papila constitui uma segunda força que promove a
é cerca de 10 vezes mais intenso que o fluxo do fluido tubu- reabsorção de água no ramo fino descendente da alça de
Henle, acelerando o mecanismo de contracorrente
Troca em contracorrente nos vasa recta
multiplicador passivo aí localizado. Estas idéias aqui apre-
sentadas com base nos estudos experimentais constituem
o modelo de contracorrente multiplicador atualmente acei-
to e que é esquematizado na Fig. 6.2.
291 325 Córtex

400 400 Pontos-chave:


350 475
450 450 Medula Externa • Heterogeneidade tubular
425 625
600 600 • Efeito unitário na porção espessa da alça de
575 775
750
750
Henle
900
725 925 • Sistema de contracorrente multiplicador
900
1.050
875 1.075 Medula Interna • Recirculação da uréia
1.050
1.200 1.025 1.200
1.200
1.200 Papila

AÇÃO DO HORMÔNIO
Difusão passiva de solutos ANTIDIURÉTICO
Difusão passiva de água
O conhecimento dos eventos celulares envolvidos na ação
Fig. 6.4 Contracorrente nos vasa recta. Os números referem-se às do hormônio antidiurético (HAD) expandiu-se considera-
osmolaridades (mOsm/kg) no sangue e no fluido intersticial. velmente nos últimos anos. O HAD é um hormônio capaz
Note-se que estes vasos propiciam a retirada da medula de parte de induzir alterações estruturais na parede luminal das cé-
dos solutos (principalmente NaCl e uréia) e da água, ajudando
na formação e na manutenção da medula hipertônica. Adaptado
lulas principais, determinando um aumento da permeabi-
de Berliner, R.W., Lewinsky, N.G., Davidson, D.G. and Eden, lidade à água e à uréia. O HAD, que evoca a resposta celu-
M.A. Am. J. Med., 24:730-744, 1958. lar, é o “primeiro mensageiro”, e o seu efeito intracelular é
62 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

mediado por um “segundo mensageiro”, que é produzido uma estrutura complexa que também está inserida na
como resultado da interação do hormônio com o seu recep- membrana celular e contém doze domínios intramembra-
tor específico. Os dois mais importantes sistemas de “segun- nosos divididos em dois grupos de seis domínios, mais oito
dos mensageiros” conhecidos são os sistemas da adenosina domínios extracelulares e oito domínios intracelulares. A
monofosfato cíclico (AMPc) e o do Ca. O HAD exerce seu AC que atua na cascata do HAD é a de número IV e per-
efeito hormonal estimulando dois tipos de receptores, cha- tence a uma família de nove componentes. A ação da AC é
mados de V1 e V2, sendo que respectivamente utilizam o catalisar a passagem da adenosina trifosfato (ATP) para
Ca e o AMPc como “segundos mensageiros”. Estes recep- adenosina monofosfato cíclico (AMPc, 3',5',AMPc), já re-
tores estão localizados na membrana basolateral da célula ferida acima como sendo o segundo mensageiro do HAD.
principal e quando estimulados determinam alterações bio- A quantidade de AMPc intracelular é regulada pela fosfo-
químicas intracelulares que, por sua vez, acarretam modifi- diesterase, que é uma enzima que o transforma em uma
cações na membrana luminal modulando ou regulando a forma inativa, o 3' AMPc. Prosseguindo na ativação da
permeabilidade à água, como mostra a Fig. 6.5. cascata do HAD, o AMPc vai estimular a proteinoquinase
O receptor V2 do HAD é uma estrutura inserida na A (PKA), que é uma proteína multimérica que contém na
membrana e que contém sete domínios intramembranosos, sua forma inativa duas subunidades catalíticas e duas su-
quatro extracelulares e quatro intracelulares formando bunidades reguladoras. A unidade reguladora é compos-
quatro alças intracelulares. O receptor, uma vez estimula- ta por quatro tipos de proteína ( I e II e  I e II), enquanto
do pela inserção do HAD no seu locus específico, promo- a unidade catalítica é composta por três tipos (,  e ).
ve o estímulo do complexo proteína G, que contém três Quando o AMPc se liga nas unidades reguladoras, estas
unidades: unidades ,  e , formando um complexo se dissociam das unidades catalíticas, resultando na ativi-
heterotrimérico. Existe uma família de proteínas G, e a dade quinásica das subunidades catalíticas. A PKA vai
proteína G acoplada ao receptor V2 é do grupo s. Este com- então fosforilar canais de água que se encontram inseridos
plexo de proteína-Gs, através da unidade , é capaz de se na superfície de microvesículas livres do citoplasma. Pro-
ligar na guanidina trifosfato (GTP) formando a Gs-GTP, teínas dos microtúbulos (dineínas e dinactinas) e dos mi-
que, por sua vez, auxiliada pelas unidades , vão estimu- crofilamentos, que são sistemas motores citosólicos, e re-
lar uma enzima chamada de adenilciclase (AC). A AC é ceptores localizados na superfície destas vesículas (VAMP-

Fig. 6.5 Esquema mostrando uma célula principal do ducto coletor e a translocação das vesículas contendo AQP. A cascata do HAD
promove a formação de PKA que vai fosforilar a AQP contida nas vesículas. Proteínas motoras dos microtúbulos (dineínas e dinactinas)
e receptores localizados nas vesículas (Vamp-2, sintaxina-4 e NSF) participam da fixação das vesículas na membrana luminal. A
PKA, acredita-se, também agiria no núcleo celular fosforilando fatores nucleares (CREB-P e AP-1) e aumentando a transcrição gê-
nica de AQP, resultando na sua síntese e na sua liberação para o citosol, e entrando no processo de traficking e docking. Adaptado de
Nielsen, S., Kwon, T.-H., Christensen, B.M., Promeneur D., Frøkiær, J., Marples, D. JASN, 10:647-663,1999.
capítulo 6 63

2, sintaxina-4, NSF) participam do processo de trafficking e


Quadro 6.1 Eventos que envolvem a geração
docking, isto é, de translocação destas vesículas em direção
de AMPc
à membrana celular e que termina com a sua inserção na
membrana apical da célula, expondo finalmente os canais A nível de receptor
de água na superfície luminal e aumentando a permeabi- Ocupação do receptor V2
lidade à água (Fig. 6.5). Agonistas — DDAVP (desmopressina)
Antagonistas — d (CH2) 5 Tyr (Et) VAVP etc.*
No modelo da Fig. 6.6 a AC estaria ligada a dois recep-
[Ca] sérico
tores de naturezas opostas: um deles a estimularia (Rs), Ocupação do receptor V1 — ativação da via do
enquanto o outro a inibiria (Ri), através das unidades re- fosfoinositol
guladoras da proteína G, respectivamente Gs e Gi. Estes AVP
receptores ativariam (Gs) ou inibiriam (Gi) a adenilcicla- Agentes 1-adrenérgicos
Somatostatina
se, quando o receptor estimulador ou inibidor fossem ocu-
Acetilcolina
pados, respectivamente. O receptor do HAD é o receptor Carbacol
estimulador (Rs), enquanto o receptor ocupado pelos agen-
tes -2 adrenérgicos seria inibidor (Ri), uma vez que estes Modulação do complexo adenilciclase
A nível da proteína reguladora
agentes inibem o transporte de água. Este processo, no GTP
entanto, pode ser modulado intracelularmente, como já foi Toxina da cólera (Ns)
dito acima, pela atividade da AMPc fosfodiesterase (que Toxina pertussis (Ni)
transformaria o AMPc na sua forma inativa, a 5’adenosi- Prostaglandina (Ns)
na monofosfato, 5’AMPc), bem como por autacóides como Bradicinina (Ni)
Agentes 2-adrenérgicos
as prostaglandinas e por outras substâncias como o Ca Ao nível da unidade catalítica (adenilciclase)
e a proteinoquinase C (PKC). No Quadro 6.1 podemos ver Forskolin (Ni)
várias substâncias que estão envolvidas na geração do Calmodulina (?)
AMPc e na sua modulação. Ao nível ainda não determinado
Fator atrial natriurético
*Atualmente são conhecidos inúmeros agonistas e antagonistas do hor-
vasopressina mônio antidiurético. Adaptado de Abramov. M. et al. Kidney Int., 32 Su-
ppl 21:S56-S66, 1987.

PGE2
EXTRA-
2-agonista CELULAR Recentemente foi descrita a presença de receptores do
MEMBRANA tipo V1 nas células principais dos túbulos distais (Fig. 6.5).
BASOLATERAL
Este receptor, quando ocupado pelo HAD, desencadearia
O2 V2
PGE2
V1 uma reação em cascata da seguinte forma: ativação de uma
Ri Rs fosfolipase C (PLC) de membrana que clivaria o fosfatidil-
MEMBRANA
CELULAR Gi Gs inositol-bifosfato (PIP2) em dois segundos mensageiros —
PLA PLC o diacilglicerol (DAG) e o inositol-trifosfato (ITP). O DAG,
AC PGE2 junto com os Ca, ativaria uma proteinoquinase C (PKC),
CITOSOL PGE2 AA PL e o ITP estimularia a liberação de cálcio das organelas para
ATP AMPc o citosol. O aumento do cálcio intracelular mais a PKC re-
gulariam a atividade da adenilciclase, exercendo sobre ele
PIP2 ITP
PROTEINOQUINASE um efeito inibitório.
Ca++
O HAD também estimula uma fosfolipase A de mem-
brana que, agindo sobre o ácido araquidônico (AA), trans-
EFEITO V2
(SUPERFÍCIE APICAL) EFEITO V1 forma-o em prostaglandina (PGE2), que por sua vez tem
um efeito inibitório sobre a adenilciclase, constituindo
Fig. 6.6 Representação esquemática dos efeitos da vasopressina desta forma um sistema de feedback negativo modulando
nas células do DCMI. Abreviações: V1 e V2 — subtipo de recep-
tores; Rs e Ri — receptores para agentes estimuladores e inibido- a ação do próprio HAD.
res, agindo sobre a adenilciclase; Gs e Gi — unidades guanina re- Com a técnica recente da biologia molecular, foi de-
guladoras, estimuladora e inibidora; AC — unidade catalítica ade- monstrado que existem vários tipos de canais de água no
nilciclase; AMPc — adenosina monofosfato cíclica; ATP — ade- reino animal. Muitos são proteínas de baixo peso molecu-
nosina trifosfato; PGE2; PL — pool de fosfolípides; AA — ácido lar (25.000 a 30.000 daltons) que pertencem a famílias de
araquidônico; PLA — fosfolipase A; PLC — fosfolipase C; PIP2
— fosfatidilinositol-4-5-bifosfato; ITP — inositol-trifosfato; Ca canais de água chamadas MIP 26 (Membrane Integral Pro-
cálcio citosólico livre. Adaptado de Kinter, L.B., Huffman, W.F., tein com PM 26.000 daltons). São encontrados em grande
Stassen, F.L. Am. J. Physiol., 254:F165-177, 1988. variedade em tecidos transportadores de fluidos, como o
64 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

plexo coróide, o cristalino, os alvéolos pulmonares, o rim,


bem como em leveduras e vegetais. O primeiro canal de
água identificado foi no eritrócito e foi chamado de CHIP
28 (Channel-forming Integral Protein, com PM de 28.000
daltons). Este canal é capaz de transportar uma grande
quantidade de água e tem a denominação genérica de
aquaporinas (AQP). Até o momento já foram identificados
nove tipos de AQP, sendo que as de número 1, 2, 3, 4, 6, 7
e 8 são expressas no rim. A AQP2 é o canal de água depen-
dente da ação do HAD.
A AQP é uma estrutura de alta complexidade. Ela pos-
sui seis domínios intramembranosos, três alças extracelu-
lares (A, C e E) e duas intracelulares (B e D). As alças B e E
contêm uma seqüência de aminoácidos NPA — asparagi-
na-prolina-alanina — que quando combinadas de modo
entrelaçado formam o poro de água. Esta disposição da
molécula é conhecida pelo nome de ampulheta (hourglass
model, Fig. 6.7). Uma unidade de AQP2 (monômero) se as-
socia a mais três formando um tetrâmero com quatro ca-
nais conjuntos. Estudos recentes mostraram que a prosta-
glandina E2 também tem uma ação, através de um recep-
tor na membrana celular, sobre a síntese de AQP no nú-
cleo celular (Fig. 6.5).
Como já foi dito, as células principais do ducto coletor
medular interno possuem a AQP2 na membrana basolate-
ral e possuem nas membranas basolaterais as AQP 3 e 4, que
são os canais responsáveis pela saída de água da célula para
o interstício. Em outros segmentos do néfron a presença das
AQP 1, 3, 4, 6, 7 e 8 garante a passagem de água sem a ne-
cessidade da ação do HAD e participam ativamente no
mecanismo de concentração do fluido tubular.
O HAD também tem efeito sobre a permeabilidade à
uréia no ducto coletor medular interno, função de extre-
ma importância exercida pelo receptor V2. A uréia é um
elemento essencial na formação da hipertonicidade medu-
lar, que é um dos dois fatores fundamentais para a reab-
sorção de água no ducto coletor. No mecanismo de con-
centração urinária a uréia é reabsorvida no ducto coletor e
localizando-se no interstício. Do interstício, parte desta
uréia é retirada pelos vasa recta e eritrócitos e vai ser nova-
mente filtrada, voltando para os túbulos, e parte passa
diretamente para o lúmen das alças de Henle descendente
e ascendente, aumentando a sua concentração na luz tu-
bular (ver recirculação da uréia, acima, e Fig. 6.3). A per- Fig. 6.7 Aquaporina-modelo hourglass (ampulheta). Acima: CHIP-
meabilidade do ducto coletor à uréia é regulada pelo HAD AQP mostrando os domínios intramembranosos, intra- e extra-
através do receptor V2, que gerando PKA estimula trans- celulares e as seqüências NPA nas duas alças B e E. As setas ho-
rizontais indicam a direção do dobramento da molécula com
portadores de uréia (UT) localizados na membrana apical
a justaposição dos terminais NH2 e COOH, resultando na estru-
da célula tubular determinando um transporte facilitado. tura em forma de ampulheta e na formação do poro para a pas-
Dois tipos de transportadores de uréia já foram clonados sagem da água entre as duas seqüências NPA entrelaçadas. Abai-
e seqüenciados. O UT-A é expresso nos segmentos tubu- xo: Oligomerização de quatro subunidades assimétricas forman-
lares e apresenta quatro isoformas: UT-A1, UT-A2, UT-A3 do um tetrâmero contendo quatro poros aquosos. Adaptado de
Preston, G. M. and Agre, P. Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A., 88:11110-
e UT-A4. O UT-B é expresso nos eritrócitos e nas células
11114, 1991.
endoteliais dos vasa recta. O UT-A1 se expressa no ducto
coletor e é regulado pelo HAD. O UT-A2 está presente na
alça fina descendente de Henle e os UT-A3 e UT-A4 não
capítulo 6 65

têm ainda bem definidos os papéis que efetuam, apesar de


serem expressos no ducto coletor.
A uréia é o produto final do metabolismo das proteínas H2O
e o seu excesso deve ser eliminado pelo rim. Este processo
de secreção se dá principalmente no terço final do DCMI e
não é dependente da ação do HAD, envolvendo um me-
canismo de transporte secundariamente ativo acoplado ao
sódio, um contratransporte na membrana apical das célu-
las destes segmentos.

Pontos-chave:
• Receptor V2-membrana basolateral
• Geração de AMPc-segundo mensageiro
• Inserção da aquaporina 2 na membrana
luminal
Fig. 6.8 Modelo esquemático representando o CHIP-aquaporin
inserido na membrana de bicamada lipídica compreendendo um
complexo homotetramérico com uma subunidade de polilacto-
BALANÇO HÍDRICO saminoglicano e possíveis canais de água individuais dentro de
cada subunidade. Adaptado de Agre, P. et al. Am. J. Physiol.,
O balanço de água do organismo é dado pela quantida- 265:F463-476, 1993.
de de água que é ingerida, comparada com a quantidade
de água que é excretada. Sob condições basais, as perdas
hídricas e a ingesta aquosa variam em torno de 2 a 2,5 li-
tros. Assim, o balanço aquoso pode ser mantido por lon- peptídios na neuro-hipófise de vertebrados e mais de 200
gos períodos sem a intervenção de mecanismos regulado- análogos já foram sintetizados. O grande progresso obti-
res específicos. No entanto, esta condição ideal pode ser do na química desse hormônio trouxe a descoberta de com-
rompida pela atividade física, por alterações climáticas, por postos sintéticos de variável potência, tempo de ação pro-
variação de dieta ou outras alterações ambientais. Sempre longada, fácil absorção etc., o que é de extrema importân-
que tais desvios ocorrem, um poderoso mecanismo home- cia no tratamento substitutivo nos casos de portadores de
ostático entra em ação, aumentando ou diminuindo a in- diabetes insipidus.
gesta ou a excreção de água e solutos. Esta homeostase se O hormônio antidiurético, ou arginina vasopressina nos
faz pela regulação da secreção de HAD (eliminação) e pela mamíferos, é secretado pelos corpos celulares dos neurô-
regulação da sede (ingestão). nios existentes nos núcleos supra-ópticos e paraventricu-
lares do hipotálamo em forma de grânulos. Há uma estreita
correlação entre o número desses grânulos nas células ner-
Pontos-chave: vosas secretoras e o estado de hidratação do animal. O hor-
mônio antidiurético está como que “empacotado” nesses
• Água ingerida
grânulos que percorrem o axoplasma dos nervos em dire-
• Perdas hídricas ção à glândula pituitária posterior (Fig. 6.9). Dentro des-
ses grânulos o hormônio antidiurético está ligado a uma
proteína específica chamada neurofisina A ou neurofisina
SECREÇÃO DE HAD II, formando um complexo. Ambos, tanto o hormônio
como a neurofisina, podem originar-se de um mesmo pre-
O principal meio pelo qual o organismo elimina a água cursor biológico. As células secretoras da oxitocina na
sem movimento resultante de solutos ocorre no rim, pela neuro-hipófise também têm grânulos nos quais a oxitoci-
ação do hormônio antidiurético nos túbulos renais, como na está ligada a uma outra proteína carregadora, a neuro-
já foi mencionado anteriormente. fisina B ou neurofisina I. As neurofisinas são cadeias de
Quimicamente o hormônio antidiurético, na maioria dos polipeptídios contendo 90 a 100 aminoácidos de aproxima-
mamíferos, é a arginina vasopressina. Nos suínos é cons- damente 10.000 daltons. Estudos com a técnica de freeze-
tituído pela lisina vasopressina. Ambos são octapeptídios fracture e estudos eletromicroscópicos mostram que a se-
de aproximadamente 1.100 daltons. Nos animais vertebra- creção na neuro-hipófise ocorre por exocitose. Tem sido
dos mais inferiores, o hormônio antidiurético é a arginina sugerido que na neuro-hipófise existem dois pools de hor-
vasotocina. Até o momento já foram identificados sete octa- mônio antidiurético: um pronto para ser liberado e outro
66 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

npv polidipsia primária


normal
12
diabetes insipidus
nefrogênico

Vasopressina plasmática (pg/ml)


10

or 6

2
diabetes insipidus
nso 0 pituitário

270 280 290 300 310 320


co ds
Osmolalidade plasmática (mOsm/kg H2O)

nh Fig. 6.10 Relação entre níveis plasmáticos de vasopressina e os-


ah molaridade do plasma em indivíduos normais e em diferentes ti-
pos de poliúria.
ap

nts
essa relação individualmente, que num mesmo animal po-
br de-se calcular a osmolaridade plasmática a partir dos ní-
veis de vasopressina com um erro menor que 1%.
Tanto a arginina como a lisina vasopressina existem no
Fig. 6.9 Esquema da neuro-hipófise e das suas relações anatômi- plasma de forma livre não ligada a proteínas, e devido ao
cas. Abreviações: nh — neuro-hipófise; ah — adeno-hipófise; ds
seu baixo peso molecular elas são filtradas facilmente atra-
— diafragma da sela; co — quiasma óptico; nso — núcleo supra-
óptico; npv — núcleo paraventricular; or — osmorreceptores; br vés dos capilares glomerulares. A extração plasmática des-
— barorreceptores; nts — núcleo do trato solitário; ap — área ses hormônios é feita principalmente pelo fígado e pelo rim,
postrema. Adaptado de Robertson, G.L. and Berl, T. In: Brener, mas outros tecidos como o cérebro podem também que-
B.M. and Rector Jr., F.C. The Kidney W.B. Saunders Company. brar sua molécula. A excreção urinária é o segundo méto-
do de eliminação e a sua concentração urinária correlacio-
na-se perfeitamente com a sua concentração plasmática.
de estoque. Os grânulos prontos para serem liberados es- Em indivíduos com diabetes insipidus nefrogênico familial
tariam próximos à membrana plasmática das células. (nos quais o túbulo coletor é incapaz de responder ao hor-
O estímulo para exocitose de grânulos depende em mônio antidiurético) ocorre alta concentração de vasopres-
parte de alterações da membrana plasmática pelo cálcio. sina na urina. A destruição tecidual e a eliminação renal
Parece provável que a estimulação das áreas quimiossen- dão um clearance de hormônio antidiurético de 2 a 4 ml/
sitivas para produção de hormônio antidiurético no hi- min, o que determina uma meia-vida curta para esse hor-
potálamo por fibras colinérgicas resulta numa excitação mônio (10 a 40 minutos). Esta observação indica que em
celular, despolarização parcial e subseqüente potencial de indivíduos normais a supressão da secreção de hormônio
ação. Esta despolarização da membrana aumentaria a per- antidiurético resulta em alterações detectáveis na diurese
meabilidade ao cálcio, o qual, por mecanismo não iden- em aproximadamente 20 a 30 minutos.
tificado, ativaria a exocitose dos grânulos neurossecreto- Como dissemos, a secreção de hormônio antidiurético
res e a liberação de hormônio antidiurético e neurofisina e conseqüentemente seus níveis plasmáticos são determi-
na circulação. nados por dois fatores:
A secreção de hormônio antidiurético pelo hipotálamo 1. Fator osmótico — tonicidade plasmática. O aumento
é determinada por dois fatores: tonicidade plasmática e da osmolaridade plasmática por solutos impermeáveis à
volemia. Em estado de hipovolemia ou hipertonicidade há célula determinam aumento na secreção de vasopressina.
estímulo para secreção do hormônio. A grande sensibili- Os osmorreceptores são: a) as próprias células do núcleo
dade na dosagem de arginina vasopressina pelo método supra-óptico e paraventricular; b) os osmorreceptores in-
de radioimunoensaio permitiu correlacionar os níveis plas- tracardíacos (localizados na artéria carótida e aurículas)
máticos deste hormônio com a osmolaridade do sangue. que por via vagal estimulam os centros hipotalâmicos.
Vemos na Fig. 6.10 que após 280  65 mOsm/kg H2O (li- É interessante notar que o aumento da osmolaridade por
miar osmótico) ocorre um aumento linear de vasopressi- solutos permeáveis através das membranas celulares e
na plasmática em relação à osmolaridade e é tão constante portanto que penetram no interior das células dos núcleos
capítulo 6 67

hipotalâmicos não determinam aumento da secreção de enzima conversora e denominado de angiotensina 1-7 pos-
hormônio antidiurético. Assim, por exemplo, tanto a infu- sui efeitos semelhantes ao do HAD, isto é, é capaz de au-
são de uréia como o aumento da glicemia no diabetes melli- mentar a permeabilidade à água no ducto coletor medu-
tus (em ausência de hipovolemia e desidratação), apesar lar interno.
de aumentarem a osmolaridade do plasma, não acarretam É importante salientar que em certas condições patoló-
aumento da secreção de hormônio antidiurético. Ao con- gicas observa-se quadro de oligúria (antidiurese) em pre-
trário, a hiperglicemia (na ausência de hipovolemia) deter- sença de hipotonicidade plasmática, mesmo com volemia
mina uma diminuição na liberação de vasopressina, o que normal ou aumentada, como nos casos de:
indica ser a poliúria do diabetes mellitus o resultado de, pelo
1. Síndrome de secreção inapropriada de hormônio anti-
menos, dois fatores: diurese osmótica  inibição do hor-
diurético que ocorre associada a tumores, patologias
mônio antidiurético, causando uma menor reabsorção de
pulmonares, lesões cranianas etc.
água no túbulo e ducto coletor.
2. Decorrente da administração de drogas que estimulam
2. Fatores não-osmóticos — volemia. Em condições de
a produção de hormônio antidiurético, como morfina,
depleção de volume, o fator volemia é mais importante
barbitúricos e clofibrato, ou mesmo de drogas que au-
como estímulo que a osmolaridade plasmática. Assim, em
mentam a atividade do hormônio, como clorpropami-
condições de hipovolemia, mesmo com hipotonicidade do
da e carbamazepina (Tegretol).
plasma, observa-se um aumento na secreção de hormônio
3. Endocrinopatias, como o mixedema, no qual os fatores
antidiurético. Ao contrário, em condições de hipertonici-
responsáveis pela incapacidade de eliminar urina dilu-
dade (osmolaridade plasmática acima de 280 mOsm/kg
ída permanecem ainda por serem esclarecidos, e na
H2O) o fator tonicidade predomina, observando-se au-
doença de Addison, onde se observa também uma in-
mento da secreção do hormônio mesmo em condições de
suficiente excreção de água conseqüente à falta de gli-
expansão do volume extracelular. Os receptores de volu-
cocorticóides.
me para secreção de hormônio antidiurético podem ser di-
vididos em: de baixa pressão (localizados no setor veno- A combinação da excreção de urina hipertônica associ-
so — aurícula direita) e de alta pressão (localizados no se- ada à hipotonicidade do sangue ocorre em condições de
tor arterial — aurícula esquerda, carótida etc.). A via afe- hipovolemia, depleção ou má distribuição de volume.
rente desses receptores é o vago e glossofaríngeo. O siste- Observamos, também, em condições de redução da pres-
ma de baixa pressão é mais sensível que o de alta pressão, são na aurícula esquerda durante a comissurotomia mitral,
bastando ocorrer uma depleção de volume de 10%, mes- ventilação pulmonar prolongada, insuficiência cardíaca
mo sem alterações da pressão arterial, para que se obser- grave e cirrose hepática avançada.
ve um aumento de 6 vezes na secreção de hormônio anti-
diurético através de estímulos recebidos no sistema de
Pontos-chave:
baixa pressão.
Além desses fatores volêmicos e osmóticos, outros, • Fator osmótico
como a ação de drogas vasoativas, levam a alterações na • Fator volêmico
secreção desse hormônio. É comum a observação de anti- • Outros fatores — secreção inapropriada de
diurese durante a infusão de isoproterenol em animais em HAD
diurese aquosa. Também a infusão de noradrenalina, em
pequenas doses, pode determinar aumento da diurese por
aumento da pressão arterial ou menor reabsorção de água
no túbulo coletor.
REGULAÇÃO DA INGESTA –
Inúmeros trabalhos têm chamado a atenção para a par- MECANISMO DA SEDE
ticipação do sistema renina-angiotensina na regulação da
excreção urinária de urina. Estudos têm demonstrado que A sede é a maior defesa do organismo contra a deple-
a administração sistêmica ou intracerebral (liquórica) de ção dos fluidos corporais e é definida como a sensação que
angiotensina II determina aumento na secreção de hor- compele o indivíduo a beber água. É estimulada pelas
mônio antidiurético. Por outro lado, a administração de mesmas variáveis que estimulam o HAD, ou seja, o aumen-
HAD exógeno a ratos Brattleboro, que apresentam diabe- to da osmolaridade plasmática ou a diminuição da vole-
tes insipidus hipotalâmico hereditário, produz diminuição mia, mas a hipertonicidade do plasma parece ser mais
da secreção renal e níveis plasmáticos de renina. Foi ve- potente que a hipovolemia. No homem, um aumento de
rificado, também, que o sistema renina-angiotensina pode apenas 2% a 3% acima do nível basal produz um desejo
desempenhar um papel importante no centro regulador intenso de ingestão de água. O nível efetivo de osmolari-
da sede. dade plasmática que provoca um desejo urgente consciente
Recentemente foi descrito que um heptapeptídio forma- de ingestão de água é chamado de limiar da sede e é ligei-
do diretamente da angiotensina I sem a participação da ramente diferente de indivíduo para indivíduo e varia em
68 Mecanismo de Concentração e de Diluição Urinária

torno de 295 mOsm/kg. O limiar para o estímulo da sede


está ligeiramente abaixo do limiar para o estímulo de libe- BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ração do HAD. As vias neuronais que medeiam a dipso-
AGRE, P. et al. Aquaporin CHIP: the archetypal molecular water channel.
gênese osmótica não estão ainda bem definidas, mas pa- Am. J. Physiol., 265:F463, 1993.
rece que envolvem osmorreceptores localizados na área BRENNER, B.M. and RECTOR Jr., F.C. (eds) The Kidney, 6th edition. W.
ventromedial do hipotálamo próximo àquelas que regulam B. Saunders Company, Phil., 2000.
KINTER, L.B. et al. Antagonist of the antidiuretic activity of vasopressin.
a secreção de HAD e devem ter uma representação no cór-
Am. J. Physiol., 254:F165, 1988.
tex cerebral, a fim de permitir que o indivíduo tenha cons- KOVÁCS, L. and LICHARDUS, B. Vasopressin — Disturbed Secretion and
ciência da necessidade de ingerir líquidos. Além dos fato- its Effects, 1.ª ed., Kluwer Academic Publishers, 1989.
res já descritos, o sistema renina-angiotensina e mesmo o NIELSEN, S. et al. Aquaporins in the kidney: from molecules to medici-
ne. Physiol. Ver., 82:205, 2002.
próprio HAD exercem uma mediação parcial sobre a dip- NIELSEN, S. et al. Physiology and pathophysiology of renal aquaporins.
sogênese. JASN, 10:647, 1999.
SANDS, J.M. Regulation of urea transporters. JASN, 10:635, 1999.
SANDS, J.M. et al. Urea transporters in the kidney and erythrocytes. Am.
Pontos-chave: J. Physiol., 273:F321, 1997.

• Fator osmótico ENDEREÇO RELEVANTE NA INTERNET


• Fator volêmico
http://www.ndif.org
Capítulo
Peptídeos Vasoativos e o Rim

7 Irene L. Noronha e Miguel Luis Graciano

INTRODUÇÃO Receptores para cininas


SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA (SRA) Localização renal dos componentes do sistema
Componentes do SRA calicreína-cinina
Angiotensinogênio Ações do sistema calicreína-cinina no rim
Renina Efeitos na hemodinâmica renal
Biossíntese da Renina Efeitos na excreção de sódio e água
ESTRUTURA DO APARELHO JUSTAGLOMERULAR Inter-relações entre sistema calicreína-cinina e outros
CONTROLE DA SECREÇÃO DE RENINA sistemas
QUANTIFICAÇÃO DA ATIVIDADE DA RENINA Sistema renina-angiotensina
ENZIMA CONVERSORA DE ANGIOTENSINA (ECA) Eicosanóides
Propriedades bioquímicas Peptídeo natriurético atrial (ANP)
Distribuição tecidual Óxido nítrico
ANGIOTENSINA II SISTEMA CALICREÍNA-CININA EM SITUAÇÕES
Ações na vasculatura FISIOPATOLÓGICAS
Ações renais Cirrose hepática
Ações na supra-renal Hipertensão arterial
Ações no sistema nervoso central Fibrose miointimal
Ações da Ang II no crescimento celular Infarto do miocárdio
Receptores para Ang II e mecanismo de ação celular PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
ANGIOTENSINASES Peptídeo natriurético atrial (ANP)
SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA EM SITUAÇÕES Síntese e estrutura
FISIOPATOLÓGICAS Regulação da secreção do ANP
Hipertensão arterial Receptores para ANP
Nefropatia diabética Ações do ANP
Nefropatias crônicas Efeitos na hemodinâmica renal e efeitos na indução de
PEPTÍDEOS DERIVADOS DAS ANGIOTENSINAS natriurese
Ang-(I-7) Efeitos no sistema renina-angiotensina-aldosterona,
Ang III vasopressina e endotelina
Ang IV Efeitos na vasculatura
SISTEMA RENAL CALICREÍNA-CININA ANP em situações fisiopatológicas
Componentes do sistema renal calicreína-cinina Insuficiência cardíaca congestiva
Cininogênios Taquicardia supraventricular
Calicreínas Hipertensão arterial
Cininas Cirrose hepática
Cininases Doença renal
70 Peptídeos Vasoativos e o Rim

PEPTÍDEO NATRIURÉTICO CEREBRAL (BNP) Hipertensão arterial


Peptídeo natriurético do tipo C (CNP) Ciclosporina A
URODILATINA Doenças glomerulares
ENDOTELINA Fibrose renal e insuficiência renal crônica
Biossíntese e estrutura ADRENOMEDULINA
Receptores para endotelina e mecanismo de ação celular REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ações da endotelina no rim ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Endotelina em situações fisiopatológicas
Insuficiência renal aguda

mantém uma adequada perfusão capilar principalmente


INTRODUÇÃO quando ocorrem alterações do volume de água corporal.
A atividade do SRA é regulada pela renina, que é pro-
Existe no rim um importante balanço entre agentes va- duzida e armazenada no aparelho justaglomerular renal
soconstritores e vasodilatadores, responsável pela regula- e liberada em resposta a uma série de sinais. A renina é
ção da filtração glomerular. Dentre os agentes vasocons- uma enzima proteolítica que quebra o angiotensinogênio
tritores devem ser ressaltados: peptídeos como a angioten- existente no plasma, formando o decapeptídeo angioten-
sina (Ang II) e endotelina, além de outras substâncias como sina I (Fig. 7.1). Este peptídeo, biologicamente inativo, é
adenosina, PAF (fator ativador de plaquetas) e metabóli- convertido pela enzima conversora formando o hormônio
tos do ácido araquidônico (PGF2a, tromboxane A2 e leu- ativo Ang II. A Ang II é clivada por aminopeptidases for-
cotrienos). Os agentes vasodilatadores incluem: peptíde- mando a angiotensina III, que é subseqüentemente que-
os como bradicinina e peptídeos natriuréticos, além de brada em fragmentos inativos.1,2,3 Atualmente tem sido
outras substâncias como óxido nítrico, PGE2, PGI2 e do- cada vez mais conhecido o papel fisiológico de metabóli-
pamina. No presente capítulo, serão abordados alguns dos
mais relevantes peptídeos vasoativos que desempenham
papel fundamental na regulação da hemodinâmica renal. ANGIOTENSINOGÊNIO
pró-renina

Pontos-chave: renina
Principais peptídeos vasoconstritores
• Angiotensina II
• Endotelina ANGIOTENSINA I

Principais peptídeos vasodilatadores


• Bradicinina
enzima conversora
• Peptídeo atrial natriurético

ANGIOTENSINA II
SISTEMA RENINA-
pressão de perfusão
ANGIOTENSINA (SRA)
O sistema renina-angiotensina (SRA) tem como impor-
tante função a regulação da pressão arterial e do volume VASOCONSTRIÇÃO síntese de
ALDOSTERONA
intravascular. Este controle é possível graças à ação da an-
giotensina II (Ang II), que promove uma potente vasocons-
trição na musculatura lisa dos vasos (e assim aumenta a reabsorção de
Na⫹ e H2O
resistência vascular periférica), além de diminuir a excreção
renal de sódio (mediado pela aldosterona). Deste modo, Fig. 7.1 Componentes do sistema renina-angiotensina-aldosterona.
capítulo 7 71

tos das angiotensinas, como por exemplo a ação vasodi- que correspondem ao mRNA para renina, localizados no
latadora da Ang-(1-7).4 hilo renal (Fig. 7.2). Tal localização corresponde à topogra-
fia das arteríolas aferentes, o que é confirmado pelo exame
da imuno-histoquímica (Fig. 7.3). A mácula densa é a parte
Componentes do SRA da alça ascendente espessa de Henle que se encontra próxi-
ANGIOTENSINOGÊNIO ma à região da arteríola aferente.
O angiotensinogênio plasmático é uma glicoproteína de
peso molecular que varia de 52 a 60 kDa, produzido pri- Pontos-chave:
mariamente no fígado. No entanto, RNAm para angioten-
sinogênio também foi encontrado no cérebro, rim, supra- Principais componentes do sistema renina-
renal, coração, pulmão, vasos e trato gastrintestinal,5 de- angiotensina
monstrando que o angiotensinogênio pode ser produzido • Renina
em diversos tecidos extra-hepáticos. O sítio de produção • Angiotensinogênio
do angiotensinogênio pode ter relevância fisiopatológica, • Enzima conversora da angiotensina II
uma vez que pode contribuir para a formação local de Ang • Angiotensina II
II, que por sua vez pode ser importante na regulação local • Aldosterona
de diversas funções nos tecidos.
• Receptores AT1 e AT2 da angiotensina II
RENINA
Biossíntese da Renina CONTROLE DA SECREÇÃO DE
Renina foi o nome dado em 1898 por Tigerstedt e
Bergamann6 à substância com capacidade pressora extraí- RENINA
da de rins de coelhos. A renina é uma protease que quebra
Inúmeros fatores estão envolvidos no controle da secre-
especificamente a ligação LEU-VAL da região aminotermi-
ção da renina (Quadro 7.1). Os estímulos primários para a
nal do angiotensinogênio, formando a Ang I.
liberação de renina renal dependem, basicamente, da re-
O gene da renina humana (localizado no cromossoma
dução da pressão de perfusão renal e da restrição da in-
1) codifica uma proteína precursora de 45 kDa chamada
gesta de sódio ou perda de sódio. O grau de estimulação
de PRÉ-PRÓ-renina, que rapidamente é quebrada forman-
do eixo renina-angiotensina depende do grau de depleção
do a PRÓ-renina. Tanto a PRÉ-PRÓ-renina como a PRÓ-reni-
de volume.1,3
na são completamente inativas. A PRÓ-renina é clivada
A diminuição da pressão de perfusão renal pode ser
formando a enzima ativa de 40 kDa denominada renina.
decorrente de hemorragia aguda, estenose crônica de ar-
Apesar de o rim ser a principal fonte da produção de
téria renal ou depleção do fluido de volume extracelular
renina, existem diversos órgãos que têm a capacidade de
(resultado da restrição de sódio ou da administração de
sintetizar renina: fígado, cérebro, próstata, testículo, baço,
timo e pulmão.5

ESTRUTURA DO APARELHO
JUSTAGLOMERULAR
O aparelho justaglomerular, situado no hilo glomerular,
é formado pelas células justaglomerulares, pela mácula den-
sa e por um tecido interposto entre eles, o mesângio extra-
glomerular, que é um prolongamento do mesângio glome-
rular. As células justaglomerulares são células modificadas
da musculatura lisa encontradas na parede da arteríola afe-
rente. A renina é produzida e armazenada nas células jus-
taglomerulares, que aparecem à microscopia eletrônica
como grânulos eletrodensos, sendo secretada por exocito-
se. Utilizando-se imuno-histoquímica, foi possível demons- Fig. 7.2 Expressão de mRNA para renina utilizando-se hibridi-
zação in situ em rim de rato submetido a restrição de sódio na
trar que os grânulos intracelulares contêm renina e Ang II.7,8,9 dieta associado ao uso de diurético de alça (furosemida). Note a
Estudos utilizando-se hibridização in situ demonstraram grande concentração de grânulos negros, que correspondem ao
claramente uma grande concentração de grânulos negros, mRNA para renina, localizados no hilo renal.
72 Peptídeos Vasoativos e o Rim

Quadro 7.1 Condições que alteram níveis de renina


Estimula Secreção Inibe Secreção
de RENINA de RENINA

 pressão de perfusão renal  pressão de


perfusão renal

restrição na ingesta de Na⫹ dieta rica em Na⫹


perda de Na⫹ (uso de diuréticos) expansão de volume
depleção de volume
hipovolemia funcional
(ICC, cirrose hepática com
ascite, síndrome nefrótica)

estímulo adrenérgico (epinefrina, deficiência de


norepinefrina, dopamina) catecolamina
Fig. 7.3 Expressão de renina em arteríola aferente. Imuno-histo- inibição de AII AII
química. Note a arteríola marcada em vermelho. (Ver o Cd-ROM.)
Íons Íons
 Ca⫹⫹ intracelular  Ca⫹⫹ intracelular
diuréticos). Além disso, situações clínicas que cursam com (quelação de Ca com
EDTA, bloqueador de
baixa perfusão renal, como é o caso da insuficiência cardía-
canais de Ca)
ca congestiva descompensada e cirrose hepática, estão fre-  Mg⫹⫹  K⫹
qüentemente associadas ao aumento da liberação renal  K⫹
de renina. Ao contrário, a expansão de volume e a dieta rica
prostaglandinas inibição de
em sódio levam à supressão da liberação de renina.6,10 (PGE2 e PGI2) prostaglandinas
Assim, a liberação de renina responde inversamente a
alterações da perfusão renal. Esta resposta parece ser me- adenosina ADH
diada por mecanismo barorreceptor renal localizado nas Fatores de crescimento Fatores de
células justaglomerulares da arteríola aferente, sensíveis a TNF, IL-1 crescimento
pequenas alterações de pressão transmural e de estiramen- IGF EGF
to da parede da arteríola. O aumento da pressão de perfu- TGF-␤
são estira a parede da arteríola aferente induzindo dimi- tumor secretor de renina
nuição da secreção de renina, enquanto a redução da pres-
são de perfusão renal aumenta a secreção de renina.
Existe também uma relação inversa entre a ingestão de
sódio e a atividade da renina. Devido à disposição anatô- comportamento do transportador sensível à furosemida
mica especial da alça de Henle (no local da mácula densa) (Na-K-2 Cl). Na verdade as células da mácula densa são
com as células justaglomerulares produtoras de renina (na células da alça de Henle e o fato de ser o canal Na-K-2 Cl o
arteríola aferente), a concentração de cloreto de sódio do mediador do sinal para a secreção de renina explica por que
fluido tubular é detectada pela mácula densa, regulando a o uso de furosemida aumenta em grande monta a secre-
secreção de renina. Dieta rica em sódio e expansão do vo- ção deste hormônio. Isto ocorre porque quanto menor o
lume estão associadas com baixos níveis plasmáticos de transporte de NaCl na mácula densa, maior é a liberação
renina, enquanto dieta pobre em sal e depleção de volume de renina pelas células justaglomerulares.11
são acompanhadas por baixos níveis de sódio e cloro no O estímulo adrenérgico desempenha um papel relevan-
fluido tubular distal, que estimula renina.6,10 te na regulação da secreção de renina. As células justaglo-
Foi objeto de grande discussão se era o conteúdo de merulares são inervadas por fibras simpáticas e apresentam
sódio ou de cloro do fluido tubular o responsável pela sen- receptores ␤-adrenérgicos. Diversos estudos demonstraram
sibilização da mácula densa. A favor da possibilidade do que a estimulação elétrica dos nervos renais12 ou infusões
cloro como principal modulador da secreção de renina, os de concentrações farmacológicas de epinefrina e norepine-
estudos de Hackenthall e cols demonstraram que a infu- frina13 estimulam diretamente a secreção de renina, sem al-
são de sais de sódio (outros que não o cloreto de sódio) não terar o fluxo sanguíneo renal nem a excreção de sódio. A
consegue diminuir a liberação de renina, enquanto a infu- dopamina também influencia a secreção de renina, uma vez
são de variadas concentrações de cloro produz alterações que existe inervação dopaminérgica específica no aparelho
da secreção de renina.10 No entanto, é importante observar justaglomerular. Infusão intra-renal de dopamina produz
que este padrão de resposta é idêntico ao que se observa um aumento da secreção de renina que é dose-dependente
na alça ascendente espessa de Henle quando se estuda o e bloqueada por drogas bloqueadoras dopaminérgicas.
capítulo 7 73

A secreção de renina pode ser influenciada de maneira dores do crescimento ␤1 e ␤2 (TGF-␤1 e TGF-␤2) estimu-
significativa por substâncias circulantes e por substâncias lam a renina e aparentemente seus efeitos são mediados
produzidas localmente. Neste contexto, destaca-se a parti- via prostaglandinas. A privação de água aumenta a expres-
cipação da Ang II, que inibe diretamente a liberação de re- são de TGF-␤ com aumento da atividade da renina plas-
nina.10 Assim, a inibição de Ang II por qualquer modalida- mática. Ao contrário, o fator de crescimento epidérmico
de (por exemplo, inibidores da enzima de conversão) é um (EGF) (que apresenta muitas propriedades em comum com
potente estímulo para a liberação de renina. Prostaglandi- Ang II) é mais potente inibidor de renina que de Ang II.
nas, tais como PGE2 ou PGI2, estimulam a secreção de reni-
na,14 e a inibição da síntese de prostaglandinas bloqueia a
liberação de renina. As cininas são vasodilatadores que tam-
Pontos-chave:
bém estimulam a liberação de renina. O hormônio antidiuré- Principais estímulos para secreção de renina
tico (ADH) inibe a liberação de renina estimulada, porém • Diminuição da volemia
não está claro se esta inibição é devida a uma ação direta nas • Hipoperfusão renal
células justaglomerulares ou à expansão do volume plasmá-
tico. A ação do peptídeo atrial natriurético (ANP) na secre- Principais estímulos para diminuição da
ção de renina é controversa. Na maioria dos estudos o ANP secreção de renina
diminui a atividade da renina plasmática. • Aumento da volemia
O óxido nítrico pode tanto inibir quanto estimular a
• Aumento da perfusão dos rins
secreção de renina.15 Como a mácula densa tem grande
quantidade de sintetase do óxido nítrico do tipo b (bNOS),
que é uma das enzimas que sintetizam óxido nítrico, é
bastante provável que o óxido nítrico participe do sinal QUANTIFICAÇÃO DA
para produção de renina gerado na mácula densa. ATIVIDADE DA RENINA
Alterações nas concentrações extracelulares de diversos
íons podem também alterar a liberação de renina. O cálcio A renina plasmática circulante é constituída por sua
tem um papel central no controle da secreção de renina: di- forma precursora inativa (PRÓ-renina) e sua forma ativa
minuição do cálcio citosólico estimula a secreção de renina, (renina). A atividade da renina plasmática é determinada
enquanto aumento do cálcio intracelular está associado com através da medida da taxa de geração de Ang I a partir do
diminuição da liberação de renina.10 Tanto a quelação do angiotensinogênio plasmático endógeno. A quantidade de
cálcio com EDTA quanto o uso de bloqueadores de canais Ang I produzida durante um determinado período é me-
de cálcio estimulam a secreção de renina. O aumento da con- dida por radioimunoensaio e expressa em unidade de
centração de magnésio estimula a secreção de renina prova- nanogramas por ml/min.
velmente por hiperpolarização da membrana celular, que A coleta de sangue de veia renal para dosagem de reni-
inibe o influxo de cálcio. Existe uma correlação entre potás- na é realizada para auxiliar o diagnóstico de estenose de
sio e liberação de renina. Aumento de potássio despolariza artéria renal unilateral (hipertensão arterial renovascular).
a membrana celular, aumenta a permeabilidade da célula ao Nos pacientes com suspeita de estenose de artéria renal a
cálcio e assim permite um aumento do influxo de cálcio. administração de inibidores de enzima de conversão res-
A adenosina parece ser um sinal adicional inibindo a salta a secreção de renina no rim afetado.
liberação de renina. A adenosina exógena, in vivo, leva a A medida da atividade da renina periférica pode ser um
uma vasoconstrição renal passageira, com redução da taxa importante parâmetro para avaliação da participação do
de filtração glomerular e inibição da secreção de renina. SRA em determinadas situações fisiopatológicas. Uma vez
Estudos com bloqueadores do receptor da adenosina mos- que a secreção de renina é altamente influenciada pela in-
traram que a adenosina é um mediador parcial da libera- gesta de sódio na dieta e pelo estado do volume extracelu-
ção de renina dependente da mácula densa.16 Assim, seus lar, a determinação de renina plasmática deve estar corre-
efeitos na secreção de renina podem também ser secundá- lacionada ao balanço de sódio.
rios às alterações na hemodinâmica renal.
Mais recentemente, tem sido analisado o papel dos fa-
tores de crescimento na hemodinâmica renal e sistêmica.
O fator de necrose tumoral (TNF) e a interleucina-1 (IL-1) ENZIMA CONVERSORA DE
são potentes indutores da secreção de renina mas inibem ANGIOTENSINA (ECA)
a secreção de aldosterona. Estas citocinas foram implica-
das na síndrome do hipoaldosteronismo hiper-reninêmico Propriedades Bioquímicas
observado em pacientes graves. Concentrações fisiológicas
de insulina e fator de crescimento semelhante à insulina A enzima conversora de angiotensina (ECA) é uma car-
(IGF) também estimulam a renina. Os fatores transforma- boxipeptidase com peso molecular de 120-180 kDa que
74 Peptídeos Vasoativos e o Rim

converte Ang I para Ang II e, adicionalmente, inativa a em-se sob a ação da Ang II.22 Entretanto, existe uma maior
bradicinina. sensibilidade na arteríola eferente. O óxido nítrico pode
modular a ação vasoconstritora da Ang II na arteríola afe-
rente mas não na eferente. Ang II induz ainda a contração
Distribuição Tecidual de células mesangiais e com isso leva à redução da super-
A ECA encontra-se totalmente distribuída no organis- fície de filtração glomerular, reduzindo o coeficiente de
mo e mais abundantemente no endotélio, mas também na filtração glomerular (Kf). A Ang II afeta ainda o tamanho
borda em escova (p. ex.: rim, duodeno e íleo) e em órgãos do poro da membrana basal glomerular e assim influen-
sólidos como útero e coração. Além disso a ECA também cia a proteinúria: aumento do tamanho do poro induzido
está presente no sistema nervoso central e em células mo- por aumento dos níveis locais de Ang II resulta em protei-
nonucleares.17 Originalmente o endotélio pulmonar foi núria. Por outro lado, inibidores de Ang II diminuem a pro-
responsabilizado como principal local da conversão de teinúria na síndrome nefrótica. No túbulo proximal, a Ang
Ang I para Ang II. No entanto, a formação de Ang II em II estimula a reabsorção de sódio, água e bicarbonato.
tecidos periféricos pode ser igualmente importante. No
rim, a ECA está localizada nas células endoteliais e na bor- Ações na Supra-renal
da em escova do túbulo proximal.18 Uma vez que o túbulo
proximal é capaz de produzir Ang II isoladamente,19 a ECA Ang II estimula a síntese de aldosterona na zona glome-
produzida pelas células da borda em escova nestes túbu- rulosa do córtex supra-renal. Desta maneira, o SRA man-
los deve participar da ativação local do SRA, importante tém a homeostase de sódio, água e potássio.
na regulação da reabsorção do fluido tubular proximal.

Ações no Sistema Nervoso Central


ANGIOTENSINA II A Ang II age aumentando a sede e o apetite ao sal, con-
tribuindo assim para o aumento do volume extracelular.
A Ang II é um peptídeo que tem um papel chave na
regulação da pressão arterial e no balanço de sódio e água
em resposta a alterações do volume extracelular ou da pres- Ações da Ang II no Crescimento Celular
são sanguínea sistêmica. Estas ações são resultado de uma
A Ang II pode promover crescimento e hipertrofia ce-
ação direta no rim, na vasculatura extra-renal e nos túbu-
lular. A Ang II induz uma resposta hipertrófica em célu-
los renais e indiretamente através dos efeitos na supra-re-
las mesangiais em cultura, além de induzir a produção de
nal e no sistema nervoso central.1,2,3
fatores de crescimento, tais como fator de crescimento de-
rivado de plaqueta (PDGF) e TGF-␤, levando ao aumento
Ações na Vasculatura da produção de matriz extracelular.23
A Ang II modula também o crescimento celular das cé-
A Ang II é um potente vasoconstritor, fundamental para lulas da musculatura lisa dos vasos e dos miócitos cardía-
manter a homeostase da pressão sanguínea. A infusão de cos e assim deve ter participação no desenvolvimento da
Ang II aumenta a resistência periférica total, principalmen- hipertrofia cardíaca que acompanha algumas formas de
te na circulação renal, mesentérica e da pele, mas não em hipertensão arterial.24
músculo esquelético.20 O sistema nervoso central respon-
de à Ang II aumentando a descarga simpática e diminuin-
do o tônus vagal. Pontos-chave:
• A angiotensina II mantém a volemia
Ações Renais conservando sal e água e promovendo
vasoconstrição periférica (ação sistêmica)
No rim existe um SRA completo que gera Ang II local-
• A angiotensina II é um agente proliferativo
mente. Assim, as ações da Ang II no rim podem ser deri-
vadas de Ang II da circulação ou da produção local. A Ang e fibrogênico (ação local)
II tem ações importantes no rim que incluem modificações
da resistência vascular com conseqüente alteração da fun-
ção glomerular, além de influir de maneira marcante na Receptores para Ang II e
reabsorção de sódio. Mecanismo de Ação Celular
A Ang II diminui o fluxo sanguíneo renal e a taxa de
filtração glomerular devido ao aumento da resistência vas- As células respondem à Ang II através de receptores
cular.21 Tanto a arteríola aferente como a eferente contra- altamente específicos presentes na membrana celular.25
capítulo 7 75

Duas classes principais de receptores para a Ang II foram vidade do SRA. Já nas formas de hipertensão arterial es-
identificadas: AT1 e AT2. O receptor AT1 é o mediador de sencial, os níveis de renina se encontram dentro da faixa
quase todas as funções fisiológicas conhecidas da Ang II de normalidade em 60% dos casos, enquanto que em 15%
(vasoconstrição, secreção de aldosterona, sede, crescimento dos casos os níveis estão elevados.
e reabsorção tubular de sódio). O Losartan é um antago- As principais formas de inibir o SRA são através da uti-
nista do receptor AT1 e o PD-123177 é o antagonista do re- lização de inibidores da ECA, que bloqueiam a formação
ceptor AT2. de Ang II, e dos antagonistas dos receptores AT1, que im-
Os receptores para Ang II, particularmente AT1, foram pedem a ação da Ang II. São drogas usadas na terapêutica
demonstrados no sistema nervoso central, nos vasos, fíga- da hipertensão arterial e da insuficiência cardíaca conges-
do, supra-renal, rim, ovário, baço, pulmão e coração. Os tiva, situações nas quais há excessiva retenção de sal.
receptores vasculares para Ang II se concentram nas célu- A inibição da ECA está associada ao aumento das cini-
las da musculatura lisa dos vasos. No rim, receptores para nas, que também contribuem para o efeito terapêutico
Ang II estão localizados nos vasos, glomérulos, túbulos (como será discutido ainda neste capítulo). Por outro lado,
proximais e distais, mácula densa e na medula renal.26,27 são responsáveis pelo aparecimento da tosse seca como
Após a interação da Ang II com seus receptores ocorre efeito colateral. Os antagonistas dos receptores AT1 dimi-
ativação de uma cascata de eventos regulada principalmen- nuem a pressão arterial e inibem os efeitos mitogênicos
te pelas proteínas G associadas ao receptor. Estas proteí- mediados por Ang II.
nas reguladoras ativam (fosfolipase C) ou inibem (adenil-
ciclase) enzimas presentes na membrana celular, levando
à alteração da concentração de componentes intracelula- Nefropatia Diabética
res (“segundos mensageiros”) como o aumento do inosi- No diabetes, associado ou não com hipertensão arteri-
tol trifosfato (IP3) e diacilglicerol (DAG) e a diminuição dos al, os níveis de renina encontram-se diminuídos, provavel-
níveis de AMP cíclico (AMPc). O IP3 liga-se a receptores mente como resultado da expansão de volume, função
no retículo endoplasmático, liberando cálcio ionizado de anormal do sistema nervoso autônomo e baixa produção
organelas não-mitocondriais e assim aumenta o cálcio renal de PGI2. Como conseqüência, há baixa produção de
intracitoplasmático. O DAG, na presença do aumento do aldosterona, levando à hiperpotassemia.
cálcio livre citosólico, une-se e ativa a proteína cinase C. Curiosamente, apesar de a atividade do SRA ser baixa
Este mecanismo de ativação promove a contração das cé- no diabetes, a Ang II é um importante mediador das alte-
lulas da musculatura lisa dos vasos, como também a con- rações fisiopatológicas da nefropatia diabética. A Ang II
tração de células mesangiais, além de agir como estímulo leva ao aumento da pressão intraglomerular (por vasocons-
mitogênico.28 trição da arteríola eferente) e induz hipertrofia da célula
mesangial com aumento da produção de matriz. O uso de
inibidores da ECA (e mais recentemente antagonista do
ANGIOTENSINASES receptor AT1) diminui a proteinúria assim como retarda a
progressão da nefropatia diabética, tanto em modelos ex-
A inativação da Ang II e da Ang III ocorre por hidrólise perimentais como em humanos.
causada por angiotensinases não-específicas que estão pre-
sentes no sangue e tecidos. A degradação da angiotensina
ocorre nos diferentes órgãos, incluindo o rim. Nefropatias Crônicas
Em diversas nefropatias foi demonstrada a atividade do
SRA, que por mecanismos mediados via Ang II pode le-
SISTEMA RENINA- var ao aumento da pressão capilar intraglomerular e pro-
ANGIOTENSINA EM SITUAÇÕES teinúria. Assim, inibidores da ECA têm sido utilizados
FISIOPATOLÓGICAS
Pontos-chave:
Hipertensão Arterial Patologias tratáveis pela inibição do sistema
Não há dúvida de que a infusão de Ang II leva à hiper- renina-angiotensina
tensão arterial por induzir vasoconstrição, além de aumen- • Hipertensão arterial
tar o volume intravascular mediado pela aldosterona. • Hipertrofia do ventrículo esquerdo
Existem formas de hipertensão arterial que são classi- • Insuficiência cardíaca congestiva
camente renina-dependentes, como é o caso da estenose de • Nefropatia diabética
artéria renal e tumor secretor de renina. No entanto, a hi-
• Insuficiência renal crônica (inicial)
pertensão maligna também está associada com hiperati-
76 Peptídeos Vasoativos e o Rim

como agentes antiproteinúricos e nefroprotetores. No en- deriva tanto do bloqueio da degradação do heptapeptídeo
tanto, o efeito antiproteinúrico é variável: a resposta pare- quanto do acúmulo de substrato (Ang I). Além disso, o uso
ce melhor em pacientes normotensos e quando se associa de bloqueador de receptor AT1 também pode levar ao acú-
a restrição de sal na dieta. Além desses efeitos o bloqueio mulo de Ang-(1-7).4
do SRA pode ser nefroprotetor por inibir a formação de fi- A Ang-(1-7) potencializa os efeitos hipotensores da bra-
brose intersticial. dicinina. O mecanismo envolvido é complexo e inclui fa-
cilitação da liberação de óxido nítrico, prostaglandinas,
fator hiperpolarizante derivado do endotélio (EDHF) e
PEPTÍDEOS DERIVADOS DAS inibição da quebra de bradicinina (BK) via ECA. No entan-
to, a Ang-(1-7) também pode agir tendo a BK como medi-
ANGIOTENSINAS ador, pois a Ang-(1-7) é capaz de se ligar ao receptor AT2
e a ativação deste estimula a síntese de bradicinina.29
Alguns peptídeos derivados da degradação das angio-
No rim a Ang-(1-7) produz diurese e natriurese. Estes
tensinas não são biologicamente inertes. Os mais conheci-
efeitos são bloqueáveis por losartan, mas não são devidos
dos são Ang-(1-7), Ang-(2-8) ou Ang III e Ang-(3-8) ou Ang
à ação do receptor AT1 e sim a um outro receptor sensível
IV. Estes peptídeos são gerados através da ação de
a losartan, denominado receptor AT1-símile. A Ang-(1-7)
angiotensinases, conforme mostrado na Fig. 7.4.
também afeta o transporte de água no túbulo renal, e como
este efeito é bloqueável por PD 123319, deve ser mediado
Ang-(1-7) por AT2. Parte dos efeitos da Ang-(1-7) no rim também
pode ser mediada pelo receptor da Ang IV, uma vez que a
A Ang-(1-7) é um derivado da angiotensina que tem Ang-(1-7) pode ser convertida em Ang-(3-7) que, por sua
ações fisiológicas, na maior parte das vezes, antagônicas vez, é capaz de ativar o receptor da Ang IV.
às da Ang II. O heptapeptídeo é produzido pela ação de
peptidases teciduais sobre a angiotensina e é rapidamente
hidrolisado depois de formado, principalmente através da Ang III
ação da enzima conversora da angiotensina. Desta forma,
com o uso dos inibidores da ECA ocorre acúmulo de Ang- A Ang III determina os mesmos efeitos da ativação do
(1-7). Neste caso, o aumento da concentração de Ang-(1-7) receptor AT1 da Ang II, tendo já sido inclusive questiona-
do se os efeitos fisiológicos da Ang II não seriam media-
dos por Ang III. Destes efeitos, parece que a Ang III real-
mente é a responsável pela liberação de vasopressina, uma
vez que quando se bloqueia a conversão Ang II–Ang III o
Angiotensinogênio
efeito não é mais observável. Além disso, a Ang III pode
ter um papel importante na inflamação e fibrose glomeru-
lares.30

Ang I (1-10) Ang IV


A Ang IV está envolvida nos mecanismos de recorda-
ção de memória, vasodilatação encefálica e crescimento
celular da adeno-hipófise. O receptor da Ang IV está dis-
Ang II (1-8) Ang-(1-7) tribuído em vários sítios anatômicos do sistema nervoso
central, mas também está presente em outros órgãos e te-
cidos como coração, supra-renais e músculo liso vascular.
Sua ação nestes alvos ainda está sob investigação.31

Ang III (2-8) Ang IV (3-8)


Pontos-chave:
Efeitos dos metabólitos da angiotensina II
• Ang-(1-7): vasodilatação e antiproliferação
Ang-(3-7) • Ang III: vasoconstrição e proliferação
celular
Fig. 7.4 Catabolismo das angiotensinas. § representa ACE, * en- • Ang IV: efeitos no sistema nervoso central
dopeptidases neutras, # aminopeptidases e † carboxipeptidases.
capítulo 7 77

xo peso molecular — LMW (50-68 kDa). Na circulação sis-


SISTEMA RENAL têmica a calicreína quebra o cininogênio de alto peso mo-
CALICREÍNA-CININA lecular e nos tecidos a calicreína age sobre os dois tipos de
cininogênio. Os cininogênios estão também presentes na
As cininas são peptídeos vasodilatadores, sendo que o membrana das plaquetas, nos neutrófilos e no endotélio
mais conhecido, a bradicinina, foi descoberta por um cien- vascular. No rim, LMW-cininogênio (o substrato preferi-
tista brasileiro, o Professor Rocha e Silva.32 A participação do para calicreína tissular renal) é detectado tanto no cór-
do sistema calicreína-cinina na função renal, com ações tex como na medula renal.
primordialmente vasodilatadoras, continua pouco defini-
da. No entanto, existem fortes evidências de que estas subs- CALICREÍNAS
tâncias atuem na regulação do fluxo sanguíneo renal e no As calicreínas são proteases que existem em duas gran-
controle da excreção renal de sódio e água.2,3,33 des formas, a plasmática e a tissular, e que diferem entre
si estrutural e funcionalmente. A calicreína plasmática (100
Componentes do Sistema Renal kDa) participa da cascata de coagulação e libera cininas
(principalmente bradicinina) do cininogênio de alto peso
Calicreína-cinina molecular mas não do LMW-cininogênio. A calicreína plas-
Assim como existe um sistema vasoconstritor (sistema mática não é encontrada no rim e é pouco provável que
renina-angiotensina) cujo elemento ativo é um peptídeo afete a função renal. No entanto, pela liberação de bradici-
(Ang II, com oito aminoácidos), existe um sistema vasodi- nina, um potente vasodilatador, podem ocorrer efeitos
latador cujo agonista ativo mais comum é outro peptídeo vasculares periféricos. A calicreína tissular (24-45 kDa),
(bradicinina, com nove aminoácidos). Da mesma forma também chamada calicreína glandular, está presente em
que o SRA, o sistema calicreína-cinina tem um zimogênio glândulas endócrinas e exócrinas e no rim. Diversas
precursor (cininogênio) que é quebrado para gerar os pep- proteinases são capazes de ativar a PRÓ-calicreína. Uma vez
tídeos ativos através da ação de uma enzima ativadora (ca- ativada, a calicreína renal quebra usualmente o LMW-ci-
licreína). Além disso, os peptídeos são degradados por ninogênio liberando a lisil-bradicinina (calidina).
enzimas proteolíticas (cininases).34 A bradicinina é gerada A atividade enzimática das calicreínas tissulares pode
na circulação, mas nos tecidos é produzido um decapeptí- ser inibida pela aprotinina (6,5 kDa). A aprotinina está dis-
deo chamado calidina, que é uma molécula de bradicini- ponível comercialmente e é amplamente empregada como
na acrescida de uma lisina em sua porção amino-terminal, inibidor tissular de calicreína, ainda que não seja específi-
portanto é uma lisil-bradicinina. Uma pequena quantida- ca para este fim.
de da calidina pode ser convertida a bradicinina por uma O gene humano da calicreína renal localiza-se no cro-
aminopeptidase (Fig. 7.5). mossoma 19 (q13.2-13.4) e é denominado hKLK1. Foi ob-
servado que existe homologia, tanto no nível genômico
CININOGÊNIOS DNA como no nível protéico, entre a calicreína tissular e o
Os cininogênios são glicoproteínas de cadeia simples hKLK3, que codifica o antígeno prostático específico (PSA).
sintetizados primariamente no fígado e depois secretados O PSA está presente na próstata e é relevante na detecção
e transportados no plasma. O gene do cininogênio huma- do carcinoma de próstata. Na verdade, o PSA pertence, do
no (localizado no cromossoma 3q26) codifica a produção ponto de vista estrutural, à família das calicreínas, embo-
de dois cininogênios: um cininogênio de alto peso mole- ra não tenha função correlata às mesmas. Outras proteínas
cular — HMW (88-120 kDa) — e outro cininogênio de bai- também têm esta característica, como a tonina, que, embora
seja assemelhada às cininas, gera angiotensina II a partir
de angiotensinogênio.
Cininogênio de baixo Cininogênio de alto
peso molecular peso molecular
CININAS
As cininas têm uma meia-vida extremamente curta de 10
a 30 segundos, o que dificulta e limita o estudo destas subs-
tâncias. A concentração de cininas em fluidos biológicos
também é muito baixa, da ordem de pg/ml. A cinina for-
mada no rim é detectada na urina, no fluido intersticial re-
nal e, em algumas circunstâncias, no sangue venoso renal.
Calidina Bradicinina
CININASES
Fig. 7.5 Componentes do sistema calicreínas-cininas. * represen- As cininas são rapidamente inativadas por cininases
ta calicreína tissular, # calicreína plasmática e § aminopeptidase. (cininases I e II) e pelas endopeptidases neutras (EPN),
78 Peptídeos Vasoativos e o Rim

todas presentes no sangue e nos tecidos.35 A cininase I é na extra-renal filtrada não alcança este local porque ocor-
uma carboxipeptidase específica que remove o aminoáci- re degradação no néfron proximal.
do carboxiterminal das cininas (arginina). A cininase II e a A cininase II está localizada nas células endoteliais, cé-
endopeptidase neutra EPN 24-11 quebram a ligação Pro- lulas epiteliais do túbulo proximal (borda em escova) e do
Phe da bradicinina.36 A cininase II também quebra a liga- túbulo distal e no glomérulo. A endopeptidase neutra está
ção His-Leu da Ang I, levando à formação da Ang II, sen- localizada na borda em escova do túbulo proximal. Assim,
do também conhecida como enzima conversora da angio- os rins são muito ativos em degradar. As cininas circulan-
tensina I. Os rins são muito ativos em degradar cininas, pois tes filtradas pelo rim são degradadas rapidamente pela
90% do hormônio é inativado e 1% é excretado na urina.37 cininase II na borda em escova do túbulo proximal,33 e se
elas entram na circulação pós-glomerular são inativadas
pela cininase II das células endoteliais ou então degrada-
Receptores para Cininas das no pulmão. Uma vez que a atividade das cininases é
As cininas agem nas células-alvo através de receptores, tão abundante no túbulo proximal e na vasculatura, é pou-
denominados BK1 e BK2.38 Os receptores BK2 são os prin- co provável que cininas circulantes sejam capazes de mo-
dular a função renal. Por isso, a geração endógena parece
cipais mediadores das cininas. Os receptores BK1 são me-
ser necessária para a ativação da cinina in vivo.33
nos proeminentes que os BK2 e exercem efeitos quando
Receptores para bradicinina estão presentes em alta
induzidos por inflamação, como no choque endotóxico
densidade nos túbulos coletores corticais e medulares e em
induzido por endotoxina de E. coli, situação na qual ocor-
re uma marcante vasodilatação e hipotensão. células intersticiais, e mais recentemente foram detectados
também em células mesangiais em cultura.42
Em resumo, a localização de cininogênio, calicreína e
Pontos-chave: locais específicos de ligação para cininas no néfron distal
sugere que esta região seja o principal local de produção e
Componentes do sistema calicreína-cininas de ação das cininas renais.
• Cininogênio (tissular ou plasmático)
• Calicreína
• Bradicinina ou calidina Ações do Sistema
• Receptores BK1 e BK2 Calicreína-cinina no Rim
• Cininase II (ECA)
Desde 1909, quando foram constatadas as propriedades
hipotensoras da urina (agora reconhecidas como sendo de-
vido à excreção renal de calicreína), discute-se o papel do
Localização Renal dos Componentes do sistema calicreína-cinina na função renal, no controle da
pressão arterial e na regulação da excreção de sódio e água.
Sistema Calicreína-cinina No entanto, até hoje a contribuição isolada do sistema cali-
Utilizando técnicas de imuno-histoquímica39 e de hibri- creína-cinina isoladamente ainda não foi estabelecida. Os
dização in situ,40 foi possível localizar os componentes do dados demonstrando um alto turnover diário da taxa de
sistema calicreína-cinina ao longo do néfron. LMW-cinino- calicreína renal em humanos, além da presença de altas con-
gênio foi identificado no néfron distal, particularmente nos centrações de cininases renais e da identificação de recep-
túbulos distais medulares e corticais e nos ductos coleto- tores para cininas em túbulos, células intersticiais e células
res.39 mesangiais, falam a favor da ação local deste sistema. Por
Imunorreatividade para calicreína e atividade enzimá- outro lado, estudos mais recentes indicam que o sistema
tica foram demonstradas predominantemente no túbulo de calicreína-cinina parece agir como parte de um complexo
conexão no córtex renal.39,41 Técnicas de imunocitoquími- sistema de regulação que envolve também as prostaglandi-
ca sugerem que a calicreína é encontrada predominante- nas, a renina, a Ang II e outros peptídeos vasoativos.
mente na membrana plasmática e sua reatividade é maior
do lado luminal. A calicreína é secretada para a luz do tú- EFEITOS NA HEMODINÂMICA RENAL
bulo distal, e parte vai para o espaço peritubular, onde Os primeiros estudos sobre a ação das cininas na fun-
pode agir no cininogênio plasmático e formar bradicinina. ção renal foram realizados em 1964 por Webster43 e cols e
A calicreína urinária consiste predominantemente em ca- em 1965 por Gill e cols.44 Foi demonstrado que a infusão
licreína secretada pelo rim, embora uma pequena parte aguda de doses farmacologicamente ativas de cininas in-
possa ser resultado de calicreína filtrada. duzia um importante efeito de vasodilatação renal, com
Tanto a calidina como a bradicinina são excretadas na aumento do fluxo sanguíneo renal e aumento da excreção
urina. É provável que os túbulos coletores sejam o princi- de sódio e água. Estes resultados sugerem que as cininas
pal sítio de produção de cinina e de sua ação. A bradicini- sejam fatores capazes de regular o fluxo sanguíneo renal.
capítulo 7 79

Já a administração crônica de bradicinina na artéria re- papilar, a diurese e a excreção de sódio. Neste modelo, o
nal mostrou que, embora a vasodilatação renal permane- uso de bloqueadores específicos de receptores de cininas
ça, o aumento na excreção de sódio e água não se mantém BK2 consegue atenuar ou mesmo abolir estes efeitos. As-
ao longo do tempo.45 Estes achados falam contra a possi- sim, fica claro que cinina produzida endogenamente afeta
bilidade de as cininas terem um papel natriurético croni- de forma significativa a hemodinâmica renal e a função
camente. Todos estes resultados devem ser analisados cri- excretora.33
teriosamente, pois infusões destes peptídeos podem não
refletir verdadeiramente os efeitos da bradicinina gerada
endogenamente. É pouco provável que in vivo as cininas Inter-relações entre Sistema
circulantes modulem a função renal, pois, como já discuti- Calicreína-cinina e outros Sistemas
do acima, devido à abundante atividade das cininases nos
vasos e no túbulo proximal, estas substâncias são rapida- É provável que as cininas exerçam seus efeitos modula-
mente degradadas. Assim, a geração endógena parece ser dores na função renal por interação com outros hormôni-
necessária para a ação de cinina in vivo. os vasoativos, incluindo o sistema renina-angiotensina,
A bradicinina tem um potente efeito relaxante na arte- prostaglandinas e vasopressina.33
ríola glomerular, promovendo vasodilatação tanto da ar-
teríola aferente como da eferente.46 Entretanto, a arteríola SISTEMA RENINA-ANGIOTENSINA
eferente dilata em resposta à bradicinina de uma maneira A inter-relação entre o sistema calicreína-cinina e o sis-
dose-dependente.46 tema renina-angiotensina é complexa e não compreendi-
da completamente. No entanto, alguns aspectos têm sido
bem reconhecidos. Há evidências de que a bradicinina
EFEITOS NA EXCREÇÃO DE SÓDIO E ÁGUA
pode estimular diretamente a liberação de renina no glo-
As cininas induzem o aumento da excreção de sódio e
mérulo.48 Por outro lado, a enzima conversora de angioten-
água, porém o exato mecanismo deste efeito continua con-
sina é eficiente em inativar cininas. Por este motivo, parte
troverso. Muitos autores correlacionam a natriurese aos do efeito anti-hipertensivo dos inibidores da ECA pode ser
efeitos vasodilatadores das cininas. Desde os experimen- uma conseqüência da diminuição da destruição de cinina,
tos de Webster e Granger tem sido documentado que in- mantendo os seus efeitos vasodilatadores. É possível que
fusão de bradicinina na artéria renal induz natriurese sem o uso de bloqueadores do receptor AT1 da Ang II condu-
alterar a taxa de filtração glomerular,43,45 sugerindo efeito za a efeitos semelhantes, pois com o bloqueio destes recep-
direto no transporte tubular de sódio. tores há aumento da concentração de Ang II e conseqüen-
A favor desta possibilidade estão os estudos de micro- temente maior ativação dos receptores AT2. Existe a sus-
perfusão de porções distais do túbulo proximal com solu- peita de que os receptores AT2 possam ativar o sistema
ções suprafisiológicas de bradicinina, nos quais há aumen- calicreína-cininas.38
to da excreção de sódio, provavelmente por ação direta no É interessante que em algumas situações os dois siste-
epitélio urinário.35,47 mas parecem ter comportamentos opostos e paradoxais.
A inibição do eixo calicreína-bradicinina endógeno Por exemplo, dietas pobres em sódio e outras alterações
usando anticorpos específicos antibradicinina ou utilizan- sistêmicas, como depleção de volume, estimulam a sínte-
do-se aprotinina acaba com o efeito natriurético e diuréti- se de renina e aumentam os níveis de Ang II e aldostero-
co da infusão salina.35 Estes resultados indicam que as ci- na, com objetivo de reter sódio e água e aumentar a pres-
ninas endógenas podem agir como substâncias natriuréti- são arterial em defesa da homeostase circulatória. Por ou-
cas. tro lado, estes mesmos estímulos aumentam a calicreína
A cinina produzida endogenamente, quer seja pelo uso renal e a produção de cinina, que têm ações vasodilatado-
de inibidores de cininases renais (captopril) ou pelo trata- ras e objetivam uma defesa local do fluxo sanguíneo renal
mento crônico com desoxicorticosterona (que aumenta os e da taxa de filtração glomerular.
níveis de cininas endógenas), aumenta o fluxo sanguíneo
EICOSANÓIDES
Pontos-chave: O sistema calicreína-cinina ativa a síntese de eicosanói-
des no rim. Diversos estudos demonstram que a cinina
Principais efeitos das cininas estimula a liberação do ácido araquidônico e subseqüente
• Diminuição da pressão arterial síntese de eicosanóides na vasculatura renal, células inters-
• Vasodilatação sistêmica ticiais e células epiteliais. Isto tudo parece ocorrer via ati-
• Vasodilatação renal vação de receptor BK2 e liberação de ácido araquidônico
• Natriurese mediado por fosfolipase A2.
A estimulação da produção de PGE2 ocorre em respos-
• Diurese
ta à cinina em células dos ductos coletores assim como em
80 Peptídeos Vasoativos e o Rim

arteríolas glomerulares e células mesangiais. A síntese de dores da enzima de conversão diminui a destruição das
PGI2 vascular é poderosamente estimulada pela cinina, cininas, o que provavelmente desempenha papel signifi-
assim como é a síntese de tromboxane A2. cante na sua eficiência anti-hipertensiva.
A vasopressina estimula a liberação de calicreína renal
e a produção de cininas, mas as cininas inibem a reabsor-
ção de sódio e água induzida por vasopressina nos ductos Fibrose Miointimal
coletores, provavelmente via produção de PGE2 neste lo- Os inibidores da ECA são capazes de prevenir a fibrose
cal. Assim, é possível que existam alças de feedback negati- miointimal que ocorre em artérias lesadas. Estudos mais
vo local entre cininas, eicosanóides e vasopressina no né- aprofundados mostraram que tanto a Ang II quanto as ci-
fron distal. ninas desempenham um papel na formação/prevenção da
fibrose miointimal. O efeito das cininas é, provavelmente,
PEPTÍDEO NATRIURÉTICO ATRIAL (ANP) mediado pela geração de óxido nítrico.41
A calicreína tissular é capaz de formar ANP a partir de
seu precursor e catabolizar a atividade dos eupeptídeos in
vitro. A administração de ANP afeta a excreção urinária de Infarto do Miocárdio
calicreína. A endopeptidase neutra NEP 24.11 degrada tan- Os inibidores da ECA, quando usados no infarto agu-
to as cininas quanto os peptídeos natriuréticos, assim os do do miocárdio, são capazes de melhorar a função cardí-
efeitos farmacológicos de sua ação são inespecíficos. Fato aca, diminuir a mortalidade e a taxa de reinfarto. A maior
semelhante ocorre com o bloqueio da ECA, que tanto im- quantidade de cininas presentes na circulação coronária
pede a formação de Ang II quanto impede a degradação poderia, neste caso, gerar maior quantidade de PGI2 e NO,
das cininas. que são importantes inibidores da agregação plaquetária.
Além disso, as cininas são estimuladores potentes da libe-
ÓXIDO NÍTRICO ração de tPA (ativador tissular de plasminogênio), que
O óxido nítrico é um mediador implicado na vasodila- pode, por sua vez, ativar a plasmina e induzir fibrinólise.41
tação induzida por cinina. A vasodilatação produzida pela
administração de bradicinina é significativamente, mas não
totalmente, dependente da síntese de óxido nítrico e pode Pontos-chave:
ser marcadamente atenuada por inibidores da óxido nítri- Patologias associadas à depleção de cininas
co sintetase. (ou que poderiam se beneficiar do aumento
de cininas)
• Síndrome hepatorrenal
SISTEMA CALICREÍNA-CININA • Fibrose miointimal
EM SITUAÇÕES • Infarto do miocárdio
FISIOPATOLÓGICAS • Hipertensão arterial

Cirrose Hepática
Pacientes com cirrose hepática apresentam aumento da
PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
excreção urinária de calicreína. Quando estes pacientes
Existe uma família de peptídeos natriuréticos conheci-
evoluem para a síndrome hepatorrenal ocorre uma dimi-
dos, todos com fórmula estrutural semelhante, consistin-
nuição drástica desta excreção, sugerindo que a incapaci-
do em um anel de 17 aminoácidos ligados por uma ponte
dade de produzir cininas possa contribuir para a gênese
de dissulfeto. No momento, quatro destes peptídeos foram
da insuficiência renal aguda na síndrome hepatorrenal.
razoavelmente estudados, ANP, BNP, CNP e urodilatina.
O ANP e a urodilatina são codificados pelo mesmo gene e
Hipertensão Arterial o BNP e o CNP são codificados cada um por seu próprio
gene.
Em hipertensão arterial clínica e experimental foi de-
monstrada uma diminuição da excreção urinária de cali-
creína e que esta redução correlaciona-se com a gravidade Peptídeo Natriurético Atrial (ANP)
da hipertensão. A diminuição da atividade do sistema ca-
licreína-cinina renal pode ser responsável, em parte, pela O peptídeo natriurético atrial (ANP), que foi o primei-
retenção de sódio e assim participar da fisiopatologia da ro peptídeo natriurético descrito, é um potente hormônio
hipertensão arterial. Além disso, a terapêutica com inibi- natriurético produzido principalmente pelos miócitos do
capítulo 7 81

átrio cardíaco em resposta à distensão local da parede atri-


Quadro 7.2 Situações que estimulam a secreção
al. Desta maneira, é uma substância que tem uma partici-
de ANP
pação importante na regulação da homeostase de volume
do organismo. DeBold e cols49 foram os primeiros a de- • estiramento cardíaco e aumento da pressão intra-
monstrar que a injeção intravenosa de extratos de átrio em atrial
ratos produzia um efeito potente e imediato de aumentar — sobrecarga de sal
— sobrecarga aguda e crônica de volume
a excreção renal de sódio e de água. Sua infusão leva con- — insuficiência cardíaca congestiva
comitantemente a uma diminuição da pressão arterial. Sub- — insuficiência renal aguda
seqüentemente, foi demonstrado que os grânulos localiza- — insuficiência renal crônica
dos no átrio armazenavam uma substância natriurética. — aldosteronismo primário
— síndrome da produção inapropriada do hormônio
Este peptídeo foi inicialmente chamado de fator natriuré-
antidiurético
tico atrial. • endotelina
O ANP age principalmente nos rins, na vasculatura e nas • acetilcolina
glândulas supra-renais através de receptores específicos. • epinefrina
Os principais efeitos do ANP incluem inibição do transpor- • vasopressina
• glicocorticóides
te de sódio e supressão da liberação de renina e aldostero-
na, além do relaxamento da musculatura lisa dos vasos. Por
estes mecanismos leva à natriurese, diurese e diminuição
da pressão arterial, com conseqüente diminuição do volu- inapropriada do hormônio antidiurético. Finalmente, en-
me extravascular.50,51 dotelina, acetilcolina, epinefrina, vasopressina e glicocor-
ticóides aumentam a secreção de ANP50,51,53 (Quadro 7.2).
SÍNTESE E ESTRUTURA A secreção do ANP pode ser controlada basicamente
O gene humano que codifica o PRÉ-PRÓ-ANP está loca- pelos seguintes mecanismos: primeiro, a conversão de PRÓ-
lizado no braço curto do cromossoma 1 e contém 3 exons ANP em ANP (e liberação de ANP armazenado) e aumento
(Fig. 7.4). O produto do gene é o PRÉ-PRÓ-ANP formado por da síntese de mRNA (levando ao aumento de PRÓ-ANP e
151 aminoácidos. A quebra da molécula resulta em PRÓ- ANP). O primeiro mecanismo está principalmente envol-
ANP, que é a principal forma de armazenamento como vido na liberação de ANP quando ocorrem estímulos agu-
grânulos nos miócitos cardíacos. No momento da libera- dos de aumento da pressão intra-atrial. Já estímulos crô-
ção do átrio cardíaco, o PRÓ-ANP é convertido no peptí- nicos promovem a secreção de ANP, via aumento da sín-
deo ativo ANP (composto por 28 aminoácidos), que é a tese.2,54
forma do hormônio que se encontra na circulação com
importantes funções fisiológicas.50,51 RECEPTORES PARA ANP
Utilizando-se anticorpos específicos anti-PRÉ-PRÓ-ANP Para exercer seus efeitos fisiológicos, o ANP tem que se
foi possível localizar imunorreatividade nos grânulos se- ligar a receptores específicos presentes na membrana das
cretórios do átrio cardíaco.52 Uma pequena quantidade do células alvo.51 Os receptores estão presentes no rim, supra-
pró-hormônio também é produzida no ventrículo esquer- renal, cérebro e vasculatura. No rim, localizam-se princi-
do e esta produção está muito aumentada na hipertrofia palmente nos vasos renais, no glomérulo e na medula e
do ventrículo esquerdo. A expressão de mRNA para ANP papila renal. Há três tipos de receptores para ANP: GC-A
também foi encontrada em cérebro, pituitária, hipotálamo, (guanilato-ciclase A), GC-B (guanilato-ciclase B) e CR (cle-
arco aórtico, pulmão, medula adrenal e rim, confirmando arance receptor, ou receptor catabólico).
a produção deste peptídeo em outros tecidos. No entan- Os receptores GC-A e GC-B são biologicamente ativos,
to, a quantidade de ANP sintetizada nestes locais é bem são os mediadores das ações do ANP e dos outros peptí-
menor que a encontrada em átrio e aparentemente não deos natriuréticos e apresentam um domínio citosólico
contribui de maneira significativa para o hormônio circu- com atividade enzimática associada à proteína G. O ANP
lante. age via receptor GC-A. Quando o hormônio se liga ao re-
ceptor na superfície da membrana celular, a atividade da
REGULAÇÃO DA SECREÇÃO DO ANP guanilato ciclase é estimulada e desta maneira é sinteti-
O estímulo mais importante para liberação de ANP é o zado cGMP (que é o mediador dos efeitos do ANP). Os
estiramento cardíaco,53 que pode ser resultado de vários receptores CR não apresentam atividade enzimática e são
fatores, dentre eles: sobrecarga de sal, sobrecarga aguda e receptores de clearance que servem para depurar o ANP
crônica de volume, estados clínicos associados com o au- da circulação e regular desta maneira o nível circulante de
mento da pressão intra-atrial (insuficiência cardíaca con- ANP.2 O ANP tem uma outra importante via de catabo-
gestiva, insuficiência renal aguda e insuficiência renal crô- lismo que ocorre pela ação da endopeptidase neutra NEP
nica), aldosteronismo primário e síndrome da produção 24.11.
82 Peptídeos Vasoativos e o Rim

AÇÕES DO ANP diminuição do débito cardíaco, redução da resistência vas-


A ação do ANP é imediata e de curta duração. A meia- cular periférica e diminuição do volume intravascular, o que
vida do ANP exógeno injetado endovenoso é de 2 a 4 mi- ocorre tanto devido à diurese/natriurese como por transfe-
nutos.55,56 A administração endovenosa de ANP ou a inje- rência de líquido do interior dos vasos para o interstício.
ção em artéria renal produz imediata diurese e natriurese,
porém de duração muito curta.49 O aumento da excreção
de sódio e água é acompanhado por aumento importante
Pontos-chave:
da excreção de cálcio, magnésio e cloro.2 Principal estímulo para secreção de peptídeo
natriurético atrial
EFEITOS NA HEMODINÂMICA RENAL E • Aumento da volemia
EFEITOS NA INDUÇÃO DE NATRIURESE
O exato mecanismo pelo qual o ANP induz natriurese Principais efeitos do peptídeo natriurético
é multifatorial. No rim, o ANP aumenta a taxa de filtração atrial
glomerular.57 Estudos de micropunção demonstraram que • Diurese
o ANP dilata a arteríola aferente e leva à vasoconstrição • Natriurese
da arteríola eferente, resultando em aumento da pressão • Vasodilatação sistêmica
hidráulica do capilar glomerular. Outros estudos mostra- • Diminuição da produção de
ram que o Kf aumenta significantemente após infusão de
vasoconstritores (Ang II, endotelina e
ANP.58 Efetivamente, o aumento da filtração glomerular
vasopressina)
pode levar ao aumento da natriurese.50,51 A diminuição da
hipertonicidade medular também contribui para o efeito
natriurético.50,51
Apesar de estas ações hemodinâmicas serem importan- ANP em Situações Fisiopatológicas
tes, aparentemente a principal ação natriurética do ANP é
o efeito direto nos túbulos, inibindo o transporte de sódio INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA
nos ductos coletores.50,51,59 O principal local de ação do ANP Uma vez que ANP é secretado em resposta ao estira-
são as células do ducto coletor da medula interna. O ANP mento atrial, não causam surpresa os achados de níveis
estimula a produção de cGMP nestas células e estudos de plasmáticos elevados de ANP em pacientes com insufici-
microperfusão in vitro demonstraram que a reabsorção de ência cardíaca congestiva. Na insuficiência cardíaca con-
sódio é inibida pelo ANP neste segmento. gestiva com hipertrofia ventricular foi detectada síntese au-
mentada de ANP também pelos ventrículos.50
EFEITOS NO SISTEMA RENINA- Há correlação entre os níveis plasmáticos de ANP com
ANGIOTENSINA-ALDOSTERONA, a gravidade da insuficiência cardíaca congestiva, e o tra-
VASOPRESSINA E ENDOTELINA tamento da insuficiência cardíaca se acompanha por dimi-
nuição de ANP. No entanto, em fases avançadas de des-
A infusão de ANP diminui significativamente a secre-
compensação cardíaca, os efeitos do sistema nervoso sim-
ção de renina e aldosterona.60,61 A inibição da secreção de
renina pode ser devida ao aumento da carga filtrada de pático e do sistema renina-angiotensina-aldosterona pas-
cloreto de sódio que alcança a mácula densa, que respon- sam a dominar, levando a um estado refratário ao ANP,
contribuindo com a retenção de sal e água.
de diminuindo a secreção de renina.62 Existe também um
O PRÓ-ANP está presente no sangue de pacientes com
efeito inibitório direto do ANP na secreção de renina.63 O
insuficiência cardíaca congestiva classe I (assintomática),
ANP inibe a secreção de aldosterona, indiretamente pela
e o peptídeo natriurético cerebral (BNP) (ver adiante) se
diminuição da secreção de renina e diretamente afetando
as células da camada glomerulosa do córtex adrenal, que correlaciona com o grau de disfunção miocárdica avalia-
secretam a aldosterona.64 ANP inibe a liberação de vaso- do pelo ecocardiograma. Assim, os peptídeos natriuréticos
são marcadores da disfunção cardíaca.54,65
pressina,50,51 levando ao aumento do clearance de água li-
vre. O ANP também diminui a liberação de endotelina, um
peptídeo vasoconstritor.65 TAQUICARDIA SUPRAVENTRICULAR
Na taquicardia supraventricular pode haver diurese/
EFEITOS NA VASCULATURA natriurese induzidas pela liberação anômala de ANP de-
ANP causa relaxamento da musculatura lisa dos vasos sencadeada pela estimulação elétrica das fibras atriais.65
levando à vasodilatação. Infusão de doses farmacológicas
de ANP em indivíduos normais e hipertensos induz uma HIPERTENSÃO ARTERIAL
rápida e mantida diminuição da PA média. Os mecanismos O ANP reduz a pressão arterial porque, além dos efei-
pelos quais o ANP diminui a pressão sanguínea incluem tos natriurético, diurético e vasodilatador, suprime a libe-
capítulo 7 83

ração de renina e aldosterona. Os níveis de ANP em paci- Em pacientes em hemodiálise, os níveis de ANP pré-diáli-
entes portadores de hipertensão arterial essencial são muito se encontram-se muito elevados, sendo que após a diálise
variáveis. há redução de ANP circulante.
A administração de ANP em pacientes hipertensos re- Finalmente, em casos de obstrução ureteral bilateral, o
sulta em diminuição da pressão arterial. No entanto, o uso ANP pode estar envolvido na resposta diurética e natriuré-
de ANP como um agente anti-hipertensivo é limitado de- tica que ocorre após a desobstrução.
vido à falta de apresentação via oral desta substância. O
uso de preparações de ANP intranasal mostrou ser de di-
fícil manuseio: pequenas doses têm pouco efeito e doses PEPTÍDEO NATRIURÉTICO
um pouco maiores causam hipotensão grave.66,67
CEREBRAL (BNP)
CIRROSE HEPÁTICA Este peptídeo foi inicialmente detectado em cérebro de
Na cirrose hepática avançada ocorre retenção de sódio porco (daí o nome em inglês, brain natriuretic peptide). No
e água, situação na qual existe a possibilidade do envolvi- entanto, seu principal sítio de produção é no ventrículo car-
mento do ANP. Em pacientes com ascite, os níveis plas- díaco, sendo secretado de forma constitutiva e não regu-
máticos de ANP encontram-se elevados. Entretanto, como lada.
na insuficiência cardíaca congestiva, parece existir uma O BNP tem 32 aminoácidos e é estruturalmente seme-
falta de resposta do rim ao ANP, provavelmente por pre- lhante ao ANP, pois também tem um anel de 17 aminoáci-
domínio do estado de vasoconstrição induzido por ativa- dos ligados por ponte de dissulfeto. A seqüência está lo-
ção do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sis- calizada na parte carboxiterminal de um transcrito de 134
tema nervoso simpático, impedindo a ação do ANP em aminoácidos (PRÉ-PRÓ-BNP). Após a remoção de 26 ami-
induzir diurese e natriurese. noácidos obtém-se uma molécula de 108 aminoácidos, o
A infusão de ANP em pacientes cirróticos com ascite PRÓ-BNP, e deste é formado o peptídeo ativo, após cliva-
resultou em modesta e transiente natriurese e diurese. gem proteolítica.
Adicionalmente causou como efeito colateral hipotensão A secreção de BNP aumenta enormemente na hipertro-
arterial grave. fia do ventrículo esquerdo. Nesta condição, o pró-hormô-
nio também é liberado na circulação, mas não está prova-
DOENÇA RENAL do que este pró-hormônio circulante possa funcionar como
Os níveis de ANP na síndrome nefrótica estão geralmente uma reserva periférica de BNP.
diminuídos, apesar do aumento do sódio e da água corpo- Os efeitos biológicos do BNP são os mesmos do ANP:
ral total, sugerindo que nesta situação existe uma diminui- natriurese e diurese, hipotensão arterial e diminuição do
ção do volume sanguíneo efetivo, o que realmente acontece volume intravascular e diminuição de renina e aldostero-
em alguns tipos de síndrome nefrótica. A administração de na. Tal panorama é esperável, uma vez que os dois peptí-
ANP não se acompanha por aumento da excreção renal de deos agem através do mesmo receptor, isto é, via GC-A.
sódio e água, demonstrando um estado de falta de resposta Como descrito anteriormente, o ANP não tem um efei-
ao ANP na síndrome nefrótica.68 No entanto, este estado de to diurético importante na insuficiência cardíaca. Entretan-
refratariedade ao ANP não foi observado em humanos.69 to, o BNP mantém seu efeito natriurético mesmo na insu-
Na insuficiência renal crônica, os níveis de ANP estão ficiência cardíaca congestiva. Isto se deve ao fato de que o
diretamente relacionados ao grau de expansão do volume. BNP tem menos afinidade pelas vias de degradação dos
peptídeos natriuréticos, seja pelos CR, seja pela endopep-
tidase neutra NEP 24.11, e portanto tem uma meia-vida
Pontos-chave: maior. A meia-vida do BNP é de 8 a 22 minutos, compara-
Patologias que cursam com aumento de ANP da aos 1 a 4 minutos do ANP.54,65
• Insuficiência renal com hipervolemia
• Ascite Peptídeo Natriurético do Tipo C (CNP)
• Insuficiência cardíaca
• Obstrução ureteral Este peptídeo tem 22 aminoácidos e foi inicialmente iso-
lado de cérebro de porco. Parece estar restrito ao cérebro,
• Taquicardia supraventricular
mais exatamente ao tálamo, cerebelo e hipotálamo. O CNP
Patologias que cursam com diminuição de se liga ao receptor GC-B, cuja sinalização intracelular e efei-
ANP tos biológicos desencadeados são diferentes do receptor
• Síndrome nefrótica (com diminuição do que liga os peptídeos ANP e BNP.
A injeção sistêmica de CNP provoca hipotensão arterial
volume efetivo)
e diminuição do débito cardíaco; no entretanto o peptídeo
84 Peptídeos Vasoativos e o Rim

é completamente desprovido de efeitos renais. Além disso, medular interno, local onde se dá a regulação fina da ex-
o CNP é antimitogênico para vasos estimulados por diver- creção de sódio. Deve ser ressaltado que muito pouco do
sos fatores de crescimento (FGF, PDGF, EGF) e pode estar que é filtrado de peptídeos natriuréticos alcança o ducto
envolvido no controle da fibrose vascular induzida por hi- coletor medular interno pela luz tubular, uma vez que há
pertensão arterial. Uma analogia pode ser traçada aqui com uma grande quantidade de endopeptidases neutras no
o sistema renina-angiotensina. Um dos motivos pelos quais túbulo contorcido proximal. Estas endopeptidases virtu-
o bloqueio do SRA se mostrou superior terapeuticamente almente extinguem qualquer traço de peptídeos natriuré-
quando comparado, por exemplo, com a hidralazina é o fato ticos no fluido tubular. Assim, a urodilatina é o peptídeo
de que aquele tratamento inibe a proliferação e a fibrose capaz de impedir a absorção de sódio agindo na superfí-
induzidas por Ang II. De modo semelhante, o CNP (ou pos- cie luminal do ducto coletor medular interno, onde há de
síveis agonistas do receptor GC-B) tem vantagem terapêu- fato receptores para o peptídeo. A urodilatina age neste
tica teórica, ainda não comprovada, sobre os peptídeos que sítio, bloqueando a absorção de sódio via canal de sódio
agem no receptor GC-A,65 pois inibiriam a proliferação in- sensível ao amiloride.71 Entretanto, os outros peptídeos na-
duzida por fatores de crescimento (FGF, PDGF, EGF). triuréticos também podem estimular as células do ducto
coletor medular interno, mas atingindo o rim por via sis-
têmica, ativando receptores na superfície basolateral.
URODILATINA A urodilatina tem variação circadiana concomitante-
mente à excreção de sódio, donde se infere sua importân-
Em 1988 foi identificado um peptídeo natriurético na cia na regulação fisiológica na excreção deste íon. Outro
urina humana que era praticamente idêntico ao ANP, ex- papel importante da urodilatina é o fato de que ela é o prin-
ceto pela adição de quatro aminoácidos suplementares à cipal modulador da natriurese que ocorre após infusão
extremidade amino-terminal. Na verdade este peptídeo é salina. Estas funções permanecem ativas mesmo na dener-
codificado pelo mesmo gene do ANP e é produzido atra- vação do coração e podem ocorrer independentemente da
vés da clivagem da molécula precursora em um sítio dife- secreção de ANP.
rente do sítio de clivagem do ANP. Tal peptídeo foi deno- Os efeitos biológicos da urodilatina, assim como os do
minado urodilatina (Fig. 7.6).70 ANP, são mediados por receptores GC-A, mas a urodila-
A urodilatina é produzida no córtex renal no néfron dis- tina é um natriurético mais potente que o ANP, mesmo
tal (túbulo contorcido distal, túbulo de conexão e túbulo quando os dois peptídeos agem sob uma mesma pressão
coletor cortical) e age preferencialmente no ducto coletor de perfusão.

ANP BNP

CNP URODILATINA

Fig. 7.6 Estrutura dos peptídeos natriuréticos. Os aminoácidos conservados estão em azul-escuro e os variantes estão em amarelo.
Observar que a urodilatina é idêntica ao ANP exceto pela adição de quatro aminoácidos à extremidade aminoterminal (parte supe-
rior dos desenhos).
capítulo 7 85

Embora a urodilatina não esteja aumentada na insufici- Receptores para Endotelina e


ência cardíaca congestiva, ela pode ser benéfica nesta pa-
tologia, uma vez que sua infusão em pacientes com esta Mecanismo de Ação Celular
síndrome leva à natriurese e diurese, efeitos estes que não Receptores específicos para endotelina foram identifi-
são vistos na infusão de ANP. O mesmo pode ocorrer na cados em diversos tecidos.77 Existem dois subtipos de re-
insuficiência renal aguda.70,71 ceptores para endotelina, receptor tipo A (ET-RA) e recep-
tor tipo B (ET-RB), que apresentam afinidades diferentes
para as várias isoformas de endotelina. ET-1 age principal-
Pontos-chave:
mente no ET-RA. A afinidade para ET-RA das diferentes
Efeitos do BNP endotelinas é: ET-1⬎ET-2⬎ET-3. Já o ET-RB tem afinida-
• Natriurese e diurese de semelhante para as três isoformas.
• Vasodilatação e hipotensão O ET-RA está expresso nas células da musculatura lisa
dos vasos. O ET-RB está presente nas células endoteliais e
• Diminuição da secreção de vasoconstritores
parece ser o responsável pela liberação de prostaciclina e
Efeitos do CNP óxido nítrico. A este respeito é curioso notar que na infu-
• Vasodilatação e hipotensão são de endotelina inicialmente ocorre uma vasodilatação
• Antimitogênese fugaz seguida de vasoconstrição sustentada.
A ligação da ET com seu receptor leva à ativação da via
Efeitos da urodilatina do fosfatidil inositol,77 com estimulação da fosfolipase C,
• Natriurese e diurese que aumenta o cálcio intracelular pelo aumento do influ-
xo de cálcio através dos canais de cálcio. A ET leva à libe-
ração de ácido araquidônico por ativação da fosfolipase A2.
Além disso, a ET age despolarizando o potencial de mem-
ENDOTELINA brana e aumentando a bomba de Na⫹/H⫹, e assim alcali-
niza o interior da célula e inibe a Na+/K+-ATPase.
A endotelina (ET) é uma substância produzida pelo No rim, receptores para endotelina foram identificados
endotélio vascular que apresenta um potente efeito vaso- principalmente na vasculatura renal, incluindo as alças ca-
constritor.72 A família das endotelinas é composta por três pilares glomerulares, capilares peritubulares, vasa recta, e
peptídeos de 21 AA: endotelina-1 (ET-1), endotelina-2 (ET- no endotélio das artérias e veias arqueadas, assim como nas
2) e endotelina-3 (ET-3). A expressão das três endotelinas arteríolas renais. Em menor intensidade nas células mesan-
é diferente nos diversos tecidos. A ET-1 é a única endoteli- giais, nos túbulos proximais e nos ductos coletores.76,77
na expressa pelas células do endotélio vascular e foi tam-
bém detectada em cérebro, rim e pulmão. ET-1 é a forma
clássica de endotelina e é a única forma do peptídeo iden- Ações da Endotelina no Rim
tificada na circulação humana. ET2 e ET3 são produzidos
A ET é um vasoconstritor renal potente, 30 vezes mais
no cérebro, rim, supra-renal e intestino. Todas as isoformas
potente que a AII.76 A injeção de endotelina endovenosa
de endotelina são potentes vasoconstritores.
leva a uma resposta pressora bifásica caracterizada inici-
almente por uma resposta vasodilatadora periférica e di-
Biossíntese e Estrutura minuição da pressão sanguínea de curta duração, prova-
velmente devido à liberação de óxido nítrico e prostacicli-
Três genes para endotelina humana foram identificados, na e diminuição de liberação de norepinefrina. Em segui-
cada um deles codificando um produto diferente.73 A ET- da, ocorre uma resposta de vasoconstrição que leva ao
1 humana é derivada de PRÉ-PRÓ-endotelina, um precur- aumento da pressão arterial sistêmica.
sor de 210 resíduos.74 A PRÉ-PRÓ-endotelina-1 é convertida No rim, ET-1 produz vasoconstrição renal também pre-
em pré-endotelina intermediária, também chamada de cedida de uma resposta vasodilatadora de curta duração.
“ET-1 grande”. A “ET-1 grande” é convertida em ET-1 ati- Em resposta ao ET-1, ocorre vasoconstrição tanto nas arte-
va através da enzima conversora de endotelina. ríolas aferentes como nas eferentes. Infusões de ET direta-
A secreção de ET-1 por células endoteliais é controlada mente na artéria renal causam primariamente constrição
em nível transcripcional, e estas células não armazenam da arteríola aferente, enquanto a administração endoveno-
ET-1 para liberação. A expressão de mRNA da PRÉ-PRÓ- sa de doses maiores causa um maior efeito no vaso eferen-
endotelina aumenta induzida por trombina, epinefrina, te.76 A infusão endovenosa de ET-1 em humanos resulta em
estresse na parede do vaso, TGF-b, IL-1 e AII.75,76 No rim, a diminuição do fluxo sanguíneo renal (dose-dependente)
endotelina é produzida pelas células endoteliais renais, com diminuição da taxa de filtração glomerular. A ET cau-
glomérulo e também pelas células tubulares renais.75 sa uma diminuição do Kf, o qual pode ser explicado, pelo
86 Peptídeos Vasoativos e o Rim

cDNA EXON 1 EXON 2 EXON 3 ção in situ, foi possível detectar aumento do mRNA para
ET-1 no glomérulo e nos ductos coletores 12 horas após
isquemia com normalização 48 horas após. Concomitan-
151 AA
temente, o mRNApara ET-RB está aumentado nestas regi-
Met Pré-Pró-ANP ões. O uso de antagonista de receptor de endotelina, assim
como o uso de anticorpos antiendotelina, tem efeito pro-
126 AA tetor.78
Pró-ANP
HIPERTENSÃO ARTERIAL
28 AA
O papel da ET na hipertensão arterial tem sido ampla-
mente discutido, uma vez que esta substância causa poten-
ANP COOH
te vasoconstrição. Em ratos hipertensos, a administração
Fig. 7.7 Biossíntese do ANP. de fosfaramidone, que bloqueia a ação de enzima conver-
sora da endotelina, reduz a pressão arterial.
Os níveis circulantes de endotelina não estão aumenta-
menos em parte, pela contração da célula mesangial indu- dos em diversas formas de hipertensão arterial. No entan-
zida pela ET-1. to, pacientes hipertensos com insuficiência renal crônica
Em doses que não diminuem a taxa de filtração glome- apresentam níveis de ET maiores que os de indivíduos
rular, o ET é natriurético.74 Este efeito é abolido se a pres- normotensos.
são de perfusão renal for mantida constante, o que sugere
que a natriurese é pelo menos em parte relacionada à pres- CICLOSPORINA A
são. Entretanto, também há evidências de um efeito tubu- A ciclosporina leva a alterações da hemodinâmica renal
lar direto.74 É discutível se a liberação de ANP induzida por caracterizadas por vasoconstrição com aumento da resis-
ET participe da resposta natriurética. tência vascular renal e diminuição da taxa de filtração glo-
A ET tem outros efeitos que podem ser importantes na merular. Foi demonstrado que a ciclosporina aumenta a
homeostase do fluido e de eletrólitos. ET-1 estimula a li- liberação de ET de células endoteliais em cultura. Além
beração adrenal de catecolaminas e aldosterona. Apesar de disso, pacientes em uso de ciclosporina apresentam aumen-
inibir a liberação de renina das células justaglomerulares to dos níveis sanguíneos de ET. Anticorpos antiendotelina
in vitro, a ET, quando administrada por via sistêmica, au- e antagonistas do receptor de endotelina abolem a vaso-
menta a atividade da renina plasmática.74,78 Os níveis plas- constrição induzida por ciclosporina. Assim, a endotelina
máticos de ANP aumentam com a infusão de ET-1. pode ser a responsável pela diminuição do fluxo sanguí-
A ET pode ter um papel na inflamação glomerular atra- neo renal durante a administração de ciclosporina e possi-
vés do efeito mitogênico. A ET tem ação mitogênica nas velmente por sua nefrotoxicidade.
células da musculatura lisa dos vasos, células mesangiais
e fibroblastos. As células mesangiais humanas em cultura DOENÇAS GLOMERULARES
expressam mRNA para ET-1 e a expressão do gene de ET- É sabido que a ET é um potente mitógeno e que pode
1 é aumentada com a incubação com certos mediadores in- mediar os efeitos proliferativos de várias citocinas e que,
flamatórios.79 portanto, pode participar da patogênese de doenças infla-
matórias. A produção renal de ET está aumentada na glo-
merulonefrite humana e experimental e há maior expres-
Pontos-chave: são do receptor ETB na glomerulonefrite (GN) em ratos.
Efeitos da endotelina Além disso, a ET está aumentada no plasma de pacientes
• Vasoconstrição sistêmica com doenças glomerulares. O uso de antagonista de recep-
tor de ET diminui a proliferação mesangial na glomerulo-
• Aumento da pressão arterial
nefrite experimental e diminuiu a lesão renal no lúpus
• Mitogênese
murino.

Endotelina em Situações Fisiopatológicas FIBROSE RENAL E INSUFICIÊNCIA


RENAL CRÔNICA
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA A ET-1 induz acúmulo de matriz e conseqüentemente
A ET regula a hemodinâmica sistêmica e renal e tem leva à fibrose. A ET age na produção de componentes da
papel na reperfusão após a injúria induzida por isquemia matriz (fibronectina e colágeno), na inibição de sua degra-
renal. Cinco minutos após a isquemia, os níveis de ET-1 dação (metaloproteases) e na liberação de citocinas fibro-
estão significativamente elevados. Utilizando-se hibridiza- gênicas (TGF-␤). O uso de um antagonista de receptor de
capítulo 7 87

ET diminui o acúmulo de matriz em modelos experimen- angiotensin system in human tissues. Quantitative analysis by the
tais de glomerulonefrite. Interessantemente, o uso destes polymerase chain reaction. J. Clin. Invest., 91:2058-2064, 1993.
6. LARAGH, J.H.; SEALEY, J.E. The renin-angiotensin-aldosterone
bloqueadores de ET promove diminuição da proteinúria, system for normal regulation of blood pressure and sodium and
hipertensão e elevação da creatinina no modelo de abla- potassium homeostasis. In: Hypertension: Pathophysiology, Diagnosis
ção renal. and Management, 2nd edition, edited by J.H. Laragh and B.M. Brenner.
Raven Press, New York, pp. 1763, 1995.
7. CELIO, M.R. Angiotensin II immuno-reactivity coexisting with renin
in the human juxtaglomerular epithelioid cells. Kidney Int., 22(sup-
Pontos-chave:
pl. 12):S30-32, 1982.
Patologias potencialmente tratáveis pela 8. CANTIN, M.; GUTKOWSKA, J.; LACASSE, J. Ultrastructural im-
munocytochemical localization of renin and angiotensin II in the
inibição da endotelina juxtaglomerular cells of the ischaemic kidney in experimental renal
• Insuficiência renal aguda hypertension. Am. J. Pathol., 115:212, 1984.
9. TAUGNER, R.; KIM, S.J.; MURAKAMI, K.; WALDHERR, R. The fate
• Hipertensão arterial of prorenin during granulopoiesis in epithelioid cells. Histochemistry,
• Toxicidade por ciclosporina 86:249, 1987.
• Glomerulonefrites 10. HACKENTHAL, E.; PAUL, M.; GANTEN, D.; TAUGNER, R.
Morphology, physiology, and molecular biology of renin secretion.
• Insuficiência renal crônica Physiol. Rev., 70:1067, 1990.
11. BRIGGS, J.P.; SCHNERMANN, J. Control of renin release and glo-
merular vascular tone by the juxtaglomerular apparatus. In: Hyper-
tension: Pathophysiology, Diagnosis and Management, 2nd edition, edited
ADRENOMEDULINA by J.H. Laragh and B.M. Brenner. Raven Press, New York, pp. 1359,
1995.
12. DiBONA, G.F. Neural control of renal function: Cardiovascular
A adrenomedulina é um peptídeo vasodilatador de 52 implications. Hypertension, 13:539, 1989.
aminoácidos, inicialmente isolado de amostras de feocromo- 13. TIDGREN, B.; HJEMDAHL, P. Renal responses to mental stress and
citoma, mas que está presente na medula adrenal normal. epinephrine in humans. Am. J. Physiol., 257:F682, 1989.
14. BEIERWALTES, W.H. Possible endothelial modulation of prosta-
Ela também é encontrada em outros tecidos como cérebro,
glandin-stimulated renin release. Am. J. Physiol., 258:F1363, 1990.
coração e pulmões. No rim, o peptídeo é expresso no glo- 15. BACHMANN, S.; OBERBÄUMER, I. Structural and molecular dis-
mérulo e túbulos coletores, corticais e medulares. A adre- section of the juxtaglomerular apparatus: new aspects for the role
nomedulina é derivada de um PRÉ-PRÓ-hormônio de 185 of nitric oxide. Kidney Int., 54(Suppl. 67):S29-S33, 1998.
16. LORENZ, J.N.; WEINPRECHT, H.; SCHNERMANN, J.; SK∅TT, O.,
aminoácidos, codificado por um gene no cromossoma 11. BRIGGS, J.P. Characterization of the macula densa for renin secre-
Inicialmente esta molécula precursora é convertida em PRÓ- tion. Am. J. Physiol., 259:F186-F193, 1990.
hormônio de 164 aminoácidos e então na molécula ativa.80 17. CHAI, S.Y.; JOHNSTON, C.I. Tissue distribution of angiotensin-con-
Seus efeitos renais incluem natriurese e diurese e são verting enzyme. In: Hypertension: Pathophysiology, Diagnosis and
Management, 2nd edition, edited by J.H. Laragh and B.M. Brenner.
devidos a aumento da taxa de filtração glomerular e dimi- Raven Press, New York, pp. 1683, 1995.
nuição da reabsorção de sódio. A concentração plasmáti- 18. METZGER, R.; BOHLE, R.M.; KATHARINA, P. Angiotensin-con-
ca da adrenomedulina está aumentada na hipertensão ar- verting enzyme in non-neoplastic kidney diseases. Kidney Int.,
56:1442-1454, 1999.
terial, insuficiência renal crônica e insuficiência cardíaca
19. BRAAM, B.; MITCHELL, K.D.; FOX, J.; NAVAR, L.G. Proximal tu-
congestiva, possivelmente como mecanismo compensador bular secretion of angiotensin II in rats. Am. J. Physiol., 264:F891-F898,
à vasoconstrição e à retenção de sal e água que ocorre nes- 1993.
tas doenças. 20. FORSYTH, R.P.; HOFFBRAND, B.I.; MELMON, K.L. Hemodyna-
mic effects of angiotensin in normal and environmentally stressed
monkeys. Circulation, 44:119, 1971.
21. ROSIVALL, L.; NAVAR, G. Effects on renal hemodynamics of in-
tra-arterial infusions of angiotensins I and II. Am. J. Physiol., 245:F181,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1983.
22. ICHIKAWA, I.; HARRIS, R.C. Angiotensin actions in the kidney:
1. HSUEH, W.A.; ANTONIPILLAI, I. Renin-angiotensin system. In: Renewed insight into the old hormone. Kidney. Int., 40:583, 1991.
Textbook of Nephrology, 3.ª edição, editado por Massry, S.G. e Glas- 23. MEZZANO, S.A.; RUIZ-ORTEGA, M.; EGIDO, J. Angiotensin II and
sock, R.J. Baltimore, Williams & Wilkins, pp. 197, 1995. renal fibrosis. Hypertension, 38[part 2]:635-638, 2001.
2. BALLERMANN, B.J.; ZEIDEL, M.L.; GUNNING, M.E.; BRENNER, 24. MORGAN, H.E.; BAKER, K.M. Cardiac hypertrophy: Mechanical,
B.M. Vasoactive peptides and the kidney. In: The Kidney, 5.ª edição, neural, and endocrine dependence. Circulation, 83:13, 1991.
volume 1, editado por Brenner, B.M. Philadelphia, WB Saunders Co, 25. GUNTHER, S.; ALEXANDER, R.W.; ATKINSON, W.J.; GIMBRO-
pp. 510, 1986. NE, M.A. Jr. Functional angiotensin II receptors in cultured vascu-
3. RABKIN, R.; DAHL, D.C. Hormones and the kidney. In: Diseases of lar smooth muscle cells. J. Cell. Biol., 92:289, 1982.
the Kidney. 5.ª edição, editado por Schrier, R.W. e Gottschalk, C.W. 26. MIYATA, N.; PARK, F.; LI, X.F.; COWLEY, A.W. Distribution of AT1
Little, Brown and Company, pp. 283, 1993. and AT 2 receptors subtypes in the rat kidney. Am. J. Physiol.,
4. SANTOS, R.A.S.; PASSAGLIO, K.T.; PESQUERO, J.B.; BADER, M.; 277:F437-F446, 1999.
SIMÕES E SILVA, A.C. Interactions between angiotensin-(1-7), 27. HARRISON-BERNARD, L.M.; GABRIEL NAVAR, L.; HO, M.M.;
kinins, and angiotensin II in kidneys and blood vessels. Hypertensi- VINSON, G.P.; EL-DAHR, S.S. Immunohistochemical localization
on, 38[part II]:660-664, 2001. of ANG II AT1 receptor in adult rat using a monoclonal antibody.
5. PAUL, M.; WAGNER, J.; DZAU, V.J. Gene expression of the renin- Am. J. Physiol., 273:F170-F177, 1997.
88 Peptídeos Vasoativos e o Rim

28. SIRAGY, H.M. AT1 and AT2 receptors in the kidney: role in disea- 54. SUZUKI, T.; YAMAZAKI, T.; YAKAZI, Y. The role of the natriure-
se and treatment. Am. J. Kidney Dis., 36 (Suppl. 1):S4-S9, 2000. tic peptides in the cardiovascular system. Cardiovasc. Res., 51:489-494,
29. TSUTSUMI, Y.; MATSUBARA, H.; MUSAKI, H. Angiotensin II type 2001.
2 receptor expression activates the vascular kinin system and cau- 55. LUFT, F.C.; LANG, R.E.; ARONOFF, G.R. Atriopeptin III kinetics
ses vasodilation. J. Clin. Invest., 104:925-935, 1999. and pharmacodynamics in normal and anephric rats. J. Pharmacol.
30. RUIZ-ORTEGA, M.; LORENZO, O.; EGIDO, J. Angiotensin III up- Exp. Ther., 236:416, 1986.
regulates genes involved in kidney damage in mesangial cells and 56. YANDLE, T.G.; RICHARDS, A.M.; NICHOLLS, M.G. Metabolic cle-
renal interstitial fibroblasts. Kidney Int., 54 (Suppl. 68):S41-S45, 1998. arance rate and plasma half life of alpha human atrial natriuretic
31. MOELLER, I.; ALLEN, A.M.; CHAI, S-Y.; MENDELSON, F.A.O. peptide in man. Life Science, 38:1827, 1986.
Bioactive angiotensin peptides. J. Human Hypertens., 12:289-293, 1998. 57. YUKIMURA, T.; ITO, K.; TAKENAGA, T. Renal effects of synthetic
32. ROCHA E SILVA, M.; BERALDO, W.T.; ROSENFELD, G. Bradyki- human atrial natriuretic polypeptide in anesthetized dogs. Eur. J.
nin, a hypotensive and smooth muscle stimulating factor released Pharmacol., 103:363, 1984.
from plasma globin by snake venoms and by trypsin. Am. J. Physi- 58. FRIED, T.A.; McCOY, R.N.; OSGOOD, R.W.; STEIN, J.H. Effect of
ol., 156:261-273, 1949. atriopeptin II on determinants of glomerular filtration rate in the in
33. MARGOLIUS, H.S. Kallikrein-kinin system. In: Textbook of Nephro- vitro perfused dog glomerulus. Am. J. Physiol., 250:F 1119, 1986.
logy, 3.ª edição, editado por Massry, S.G. e Glassock, R.J. Baltimore, 59. LIGHT, D.B.; SCHWIEBERT, E.M.; KARLSON, K.H.; STANTON,
Williams & Wilkins, pp. 203, 1995. B.A. Atrial natriuretic peptide inhibits a caption channel in renal
34. BHOOLA, K.D.; FIGUEROA, C.D.; WORTHY, K. Bioregulation of inner medullary collecting duct cells. Science, 243:383, 1989.
kinins: kallikreins, kininogens, and kininase. Pharmacol. Rev., 44:1- 60. OELKERS, W.; KLEINER, S.; BAHR, V. Effects of incremental
80, 1992. infusions of atrial natriuretic factor on aldosterone, renin, and blood
35. SCICLI, A.G.; CARRETERO, O.A. Renal kallikrein-kinin system. pressure in humans. Hypertension, 12:462, 1988.
Kidney Int., 29:120, 1986. 61. MAACK, T.; MARION, D.N.; CAMARGO, M.J. Effects of auriculin
36. URA, N.; CARRETERO, O.A.; ERDOS, E.G. Role of renal endopep- on blood pressure, renal function, and the renin-aldosterone system
tidase 24.11 in kinin metabolism in vitro and in vivo. Kidney Int., in dogs. Am. J. Medicine, 77:1069, 1984.
32:507, 1987. 62. OPGENORTH, T.J.; BURNETT, J.C. Jr.; GRANGER, J.P.; SCRIVEN,
37. NASJLETTI, A.; COLESSA-CHORERIO, J.; McGIFF, J.C. Disappea- T.A. Effects of atrial natriuretic peptide on renin secretion in
rance of bradykinin in the renal circulation of dogs: Effects of kini- nonfiltering kidney. Am. J. Physiol., 250:F798, 1986.
nase inhibition. Cir. Res., 37:59, 1975. 63. KURTZ, A.; DELLA BRUNA, R.D.; PFEILSCHIFTER, J. Atrial na-
38. CAMPBELL, D.J. Towards understanding the kallikrein-kinin sys- triuretic peptide inhibits renin release from juxtaglomerular cells
tem: insights from measurements of kinin peptides. Braz. J. Med. Biol. by a cGMP-mediated process. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 83:4769,
Res., 33:665-677, 2000. 1986.
39. FIGUEROA, C.D.; MACLVER, A.G.; MACKENZIE, J.C.; BHOOLA, 64. KUDO, T.; BAIRD, A. Inhibition of aldosterone production in the
K.D. Localization of immunoreactive kininogen and tissue kallikrein adrenal glomerulosa by atrial natriuretic factor. Nature, 312:756, 1984.
in the human nephron. Histochemistry, 89:437, 1988. 65. LEWICKI, J.A.; PROTTER, A.A. Physiological studies of the natriu-
40. XIONG, W.; CHAO, L.; CHAO, J. Renal kallikrein mRNA localiza- retic peptide family. In: Hypertension: Pathophysiology, Diagnosis and
tion by in situ hybridization. Kidney Int., 35:1324, 1989. Management, 2nd edition, edited by J.H. Laragh and B.M. Brenner.
41. CARRETERO, O.A.; SCICLI, A.G. The kallikrein-kinin system as a Raven Press, New York, pp. 1029-1053, 1995.
regulator of cardiovascular and renal function. In: Hypertension: 66. JANSSEN, W.M.T.; deJONG, P.E.; VAN DER HEM, G.K.; de
Pathophysiology, Diagnosis and Management, 2nd edition, edited by J.H. ZEEUW, D. Effect of human atrial natriuretic peptide on blood pres-
Laragh and B.M. Brenner. Raven Press, New York, pp. 983, 1995. sure after sodium depletion in essential hypertension. Br. Med. J.,
42. BASCANDS, J.L.; PECHER, C.; ROUAUD, S.; EDMOND, C.; TACK, 293:351, 1986.
J.L.; BASTIE, M.J.; BURCH, R.; REGOLI, D.; GIROLAMI, J.P. Evi- 67. RICHARDS, A.M.; NICHOLLS, M.G.; ESPINER, E.A. Effects of
dence for existence of two distinct bradykinin receptors on rat me- alpha-human atrial natriuretic peptide in essential hypertension.
sangial cells. Am. J. Physiol., 264:F548, 1993. Hypertension, 7:812, 1985.
43. WEBSTER, M.E.; GILMORE, J.P. Influence of kallidin-10 on renal 68. HILDEBRANDT, D.A.; BANKS, R.O. Effects of atrial natriuretic
function. Am. J. Physiol., 206:714, 1964. factor on renal function in rats with nephrotic syndrome. Am. J. Phy-
44. GILL, J.R.; MELMON, K.L.; GILLESPIE, L.; BARTTER, F.C. Bradyki- siol., 254:F210,1988.
nin and renal function in normal man: Effects of adrenergic blocka- 69. ZIETSE, R.; SCHALEKAMP, M.A. Effect of synthetic human atrial
de. Am. J. Physiol., 209:844, 1965. natriuretic peptide (102-126) in nephrotic syndrome. Kidney Int.,
45. GRANGER, J.P.; HALL, J.E. Acute and chronic actions of bradykinin 34:717, 1988.
on renal function and arterial pressure. Am. J. Physiol., 248:F87, 1985. 70. FORSSMANN, W.G.; MEYER, M.; FORSSMANN, K. The renal
46. EDWARDS, R.M. Response of isolated renal arterioles to acetylco- urodilatin system: clinical implications. Cardiovasc. Res., 51:450-462,
line, dopamine and bradykinin. Am. J. Physiol., 248:F183, 1985. 2001.
47. KAUKER, M.L. Bradykinin action on the efflux of luminal 22Na in 71. GUNNING, M.; BRENNER, B.M. Urodilatin. In: Hypertension: Pa-
the rat nephron. J. Pharmacol. Exp. Ther., 214:119, 1980. thophysiology, Diagnosis and Management, 2nd edition, edited by J.H.
48. BEIERWALTES, W.H.; SCHRYVER, S.; SANDERS, E. Renin release Laragh and B.M. Brenner. Raven Press, New York, pp. 1021-1027,
selectively stimulated by prostaglandin PGI2 in isolated rat glome- 1995.
ruli. Am. J. Physiol., 243:F276, 1982. 72. YANAGISAWA, M.; KURIHARA, H.; KIMURA, S. A novel potent
49. DeBOLD, A.J.; BORENSTEIN, H.B.; VERESS, A.T.; SONENBERG, vasoconstrictor peptide produced by vascular endothelial cells. Na-
A. A rapid and potent natriuretic response to intravenous injection ture, 332:411, 1988.
of atrial myocardial extract in rats. Life Sci., 28:89, 1981. 73. RUBANYI, G.M.; BOTELHO, L.H.P. Endothelins. FASEB J., 5:2713,
50. BRENNER, B.M.; BALLERMANN, B.J.; GUNNING, M.E.; ZEIDEL, 1991.
M.L. Diverse biological actions of atrial natriuretic peptide. Physiol. 74. MARSDEN, P.A.; GOLIGORSKY, M.S.; BRENNER, B.M. Endothe-
Rev., 70:665, 1990. lial cell biology in relation to current concepts of vessel wall struc-
51. COGAN, M.G. Atrial natriuretic peptide. Kidney Int., 37:1148, 1990. ture and function. J. Am. Soc. Nephrol., 1:931, 1991.
52. TANG, J.; FEI, H.; XIE, C.W. Characterization and localization of 75. LUSCHER, T.F.; BOCK, H.A.; YANG, Z.; DIEDERICH, D. Endothe-
atriopeptin in rat atrium. Peptides, 5:1173, 1984. lin-derived relaxing and contracting factors: Perspectives in nephro-
53. INAGAMI, T. Atrial natriuretic factor. J. Biol. Chem., 264:3043, 1989. logy. Kidney Int., 39:575, 1991.
capítulo 7 89

76. KING, A.J.; BRENNER, B.M. Endothelium-derived vasoactive fac- American Heart Association
tors and the renal vasculature. Am. J. Physiol., 260:R653, 1991. http://www.americanheart.com
77. SIMONSON, M.S.; DUNN, M.J. Cellular signaling by peptides of the American Heart Association (journals)
endothelin gene family. FASEB J., 4:2989, 1990.
http://www.ahajournals.org
78. NAICKER, S.; BHOOLA, K.D. Endothelins: vasoactive modulators
of renal function in health and disease. Pharmacology & Therapeutics, American Society of Physiology
90:61-88, 2001. http://www.the-aps.com
79. SIMONSON, M.S.; DUNN, M.J. Endothelin peptides: A possible role American Society of Physiology (journals)
in glomerular inflammation. Lab. Invest., 64:1, 1991. http://intl-ajpcon.physiology.org
80. JOUGASAKI, M.; BURNETT, J.C. Adrenomedullin: potential in Nomenclatura de peptídeos (IUPAC)
physiology and pathophysiology. Life Sci., 66:855-872, 2000. http://www.chem.qmw.ac.uk
Grupos de discussão sobre peptídeos
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.bio.net/hypermail/PEPTIDES
Federation of American Societies for Experimental Biology
Brazilian Journal of Medical and Biological Research
(FASEB)
http://www.scielo.br/scielo.php?script⫽sci-serial&pid⫽0100-
http://www.faseb.org
879X&lng⫽en&nrm⫽iso
Capítulo
Compartimentos Líquidos do Organismo

8 Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella

UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA E DE ELETRÓLITOS Plasma


Peso atômico Volume intersticial-linfático
Peso molecular Volume dos líquidos transcelulares
Equivalente eletroquímico Determinação do volume intracelular (VIC)
Pressão osmótica, osmol e miliosmol COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA DOS COMPARTIMENTOS
Concentração molar ou molaridade (M) LÍQUIDOS
Concentração molal ou molalidade (m) DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE COMPARTIMENTOS
DIFUSÃO E OSMOSE Adição de água ou solução hipotônica
OSMOLALIDADE E TONICIDADE Adição de solução hipertônica de NaCl
Soluções isotônicas, hipertônicas e hipotônicas Adição de solução isotônica de NaCl
Soluções isosmóticas, hiperosmóticas e hiposmóticas TROCAS LÍQUIDAS ENTRE PLASMA E INTERSTÍCIO
ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO EXERCÍCIOS
Determinação da água corporal total REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Determinação do volume extracelular (VEC) RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Determinação do volume dos subcompartimentos
extracelulares

A água é o principal constituinte do corpo humano e


de todos os organismos vivos. O próprio organismo é uma UNIDADES DE MEDIDA DE ÁGUA
solução aquosa na qual estão dissolvidos vários íons e E DE ELETRÓLITOS
moléculas. Em circunstâncias normais, mesmo havendo
variações na dieta, o conteúdo de água e eletrólitos é man- O corpo humano é formado por uma solução aquosa
tido estável au6évés de modificações na excreção uriná- que representa 45 a 60% do peso corporal.2 Nesta solução,
ria.1 o solvente é a água e o soluto está representado por subs-
A distribuição desta solução aquosa e de seus vários tâncias orgânicas e inorgânicas. Para melhor compreensão
constituintes no organismo é objeto de discussão nas pá- das unidades que expressam a concentração dos solutos,
ginas seguintes. os seguintes conceitos são importantes:
capítulo 8 91

Peso Atômico 2). Por exemplo, no cloreto de cálcio 1 mol de Ca com-
bina-se com 2 moles de Cl e é igual a 2 equivalentes.1
Peso atômico é o peso total de um átomo ou a média das
1 mol Ca (40 g)  2 mol Cl (71g) 씮
massas dos isótopos naturais de um elemento químico. O
peso de 1 átomo de oxigênio é 16 e serve como referência 1 mol CaCl2 (111 g)
para o peso atômico de todas as substâncias. Assim, o peso Por sua pequena concentração no organismo, os eletró-
atômico do potássio é 39, em relação ao peso atômico do litos são comumente expressos em miliequivalentes (mEq).
oxigênio.1 Um miliequivalente é igual a 103 equivalentes.

Peso Molecular Pressão Osmótica, Osmol e Miliosmol


É a soma dos pesos atômicos de todos os elementos Outra maneira de expressar o número de partículas de
encontrados na fórmula de uma substância. O peso mole- soluto presentes é através da pressão osmótica, que deter-
cular expresso em gramas é igual a mol (M) e, em miligra- mina a distribuição de água entre os compartimentos. A
mas, é igual a milimol (mM).1 Exemplo: pressão osmótica é proporcional ao número de partículas
por unidade do solvente e não se relaciona à valência ou
SUBSTÂNCIA FÓRMULA PESO MOLECULAR MOL (M) MILIMOL peso das partículas.1 As unidades utilizadas são o osmol
(mM) (Osm) e o miliosmol (mOsm). Um osmol é o número de íons
Cloreto de KCl 39  35,5  74,5 74,5 g 74,5 mg por mol ou a quantidade de substância que se dissocia em
Potássio solução para formar um mol de partículas osmoticamente
ativas. Por exemplo, 1 mol de NaCl tem 2 osmóis de solu-
to, pois se dissocia em Na e Cl. Um mol de glicose contém
Equivalente Eletroquímico apenas 1 osmol de soluto, pois a glicose não é ionizável.
A pressão osmótica determina a distribuição de água
Partículas com carga positiva são chamadas cátions (por entre os espaço intra- e extracelular, como será discutido
exemplo, Na e K) e partículas com carga negativa são ao se abordar tonicidade (v. a seguir).
chamadas ânions (Cl e HCO3). Quando cátions e ânions
se combinam, eles o fazem de acordo com sua carga iônica
(valência) e não de acordo com seu peso.1 Concentração Molar ou Molaridade (M)
Equivalência eletroquímica se refere ao poder de com-
É o número de moles do soluto por litro de solução, a
binação de um íon. Um equivalente é definido como o peso
uma dada temperatura.
em gramas de um elemento que se combina com ou subs-
titui 1 g de íon hidrogênio (H). Também se obtém o equi-
valente de uma determinada substância dividindo-se o Concentração Molal ou Molalidade (m)
peso molecular por sua valência.1 Para íons monovalentes,
1 mol é igual a 1 equivalente. Para íons divalentes, 1 mol é É o número de moles do soluto por 1.000 gramas do
igual a 2 equivalentes. solvente.

peso molecular
1 Eq 
valência iônica
DIFUSÃO E OSMOSE
Como 1 g de H é igual a 1 mol de H (contendo apro-
ximadamente 6,02  1023 partículas), um mol de qualquer A difusão é dividida em dois subtipos: a difusão sim-
ânion monovalente (carga –1) se combinará como H e será ples e a difusão facilitada. Na difusão simples, a passagem
igual a um equivalente (eq). de íons ou moléculas através de uma membrana ocorre
devido ao movimento cinético aleatório destas partículas,
1 mol H (1 g)  1 mol Cl (35,5 g) 씮 sem a necessidade de ligação com proteínas de transpor-
1 mol HCl (36,5 g) te. A taxa de difusão simples depende da quantidade de
substância disponível, velocidade de movimento cinético
Da mesma forma, 1 mol de um cátion monovalente (car-
e número de aberturas na membrana celular através das
ga 1) também é igual a 1 equivalente, pois pode substituir quais as moléculas ou íons podem se mover. Na difusão
o H e combinar-se com 1 equivalente de algum ânion. facilitada, há necessidade de interação com uma proteína
1 mol Na(23 g)  1 mol Cl (35,5 g) 씮 transportadora, a qual se liga quimicamente às moléculas
e facilita sua passagem através da membrana.5
1 mol NaCl (58,5 g)
A osmose ocorre quando duas soluções de concentra-
Já o cálcio ionizado (Ca) é um cátion divalente (carga ções diferentes encontram-se separadas por uma membra-
92 Compartimentos Líquidos do Organismo

na semipermeável. Há então um movimento de água da


solução menos concentrada para a mais concentrada, a qual
sofre uma diluição progressiva, até que as duas soluções
atinjam um equilíbrio.

A B C
OSMOLALIDADE E Fig. 8.1 Efeito do contato de diferentes soluções com hemácias:
TONICIDADE solução isotônica (A); solução hipertônica (B); e solução hipotô-
nica (C).

É importante diferenciar os conceitos de osmolalidade


e tonicidade. A osmolalidade é determinada pela concen-
tração total de solutos numa determinada solução ou com- ção inferior a 0,9%. A Fig. 8.1 exemplifica os efeitos des-
partimento. Tonicidade é a capacidade que os solutos têm critos.
de gerar uma força osmótica que provoca o movimento de
água de um compartimento para outro.3,4 Para que ocorra
aumento da tonicidade no espaço extracelular, por exem-
Soluções Isosmóticas, Hiperosmóticas e
plo, é necessário que solutos permaneçam confinados neste Hiposmóticas
espaço sem atravessar livremente as membranas celulares
A osmolalidade de uma solução é determinada pela
e sem migrar para os demais compartimentos. Isto provo-
quantidade total de partículas dissolvidas, incluindo os
cará o movimento de água do compartimento intracelular
solutos que atravessam as membranas celulares. Os termos
para o extracelular (osmose) para estabelecer um equilíbrio
isosmótico, hiperosmótico e hiposmótico se referem a uma
osmótico, gerando também diminuição do volume das
comparação com o fluido extracelular normal. Por exem-
células. Alguns dos solutos capazes de produzir este mo-
plo, a solução salina a 0,9% é ao mesmo tempo isotônica
vimento de água (osmóis efetivos) são: sódio, glicose, ma-
(não provoca movimento de água) e isosmótica (apresen-
nitol e sorbitol. O sódio permanece no espaço extracelular
ta o mesmo número de partículas de soluto) em relação ao
sem movimentar-se para outros compartimentos devido à
espaço extracelular.
ação da bomba sódio-potássio ATPase, que continuamen-
te bombeia o sódio para fora das células.
A glicose é um osmol efetivo, mas é normalmente me- Pontos-chave:
tabolizada no interior das células, e desta forma não con-
tribui significativamente para a tonicidade sob circunstân- • A osmolalidade depende do número total
cias normais. No diabetes mellitus descontrolado, a concen- de solutos numa solução ou compartimento
tração elevada de glicose no plasma pode levar a um au- • Tonicidade é a capacidade que os solutos
mento significativo da osmolalidade e da tonicidade, cau- têm de provocar movimento de água de um
sando movimento de água para dentro do espaço extrace- compartimento para outro. Esta propriedade
lular. A uréia contribui para a osmolalidade, mas atraves- define o que são soluções isotônicas,
sa livremente as membranas e não influi no movimento de hipotônicas e hipertônicas
água entre compartimentos.3,4

Soluções Isotônicas, Hipertônicas e ÁGUA TOTAL DO ORGANISMO


Hipotônicas A água total do organismo varia entre 45 e 60% do peso
As soluções isotônicas apresentam a mesma tonicidade corporal, de acordo com a idade, o sexo e a composição
que o plasma, e conseqüentemente não induzem movimen- corporal do indivíduo.3,7 Esta proporção variável é devido
to de água através das membranas celulares e não provo- às diferentes quantidades de gordura presentes no orga-
cam variação do volume celular. Exemplo de solução iso- nismo, pois em gordura neutra quase não existe água.
tônica: solução salina a 0,9%; solução glicosada a 5%. Assim, indivíduos obesos, embora mais pesados, possuem
Soluções hipertônicas geram o movimento de água em menos água no organismo. Da mesma forma, por possuí-
direção ao espaço extracelular, provocando diminuição do rem maior quantidade de gordura no organismo, as mu-
volume celular. Exemplo: solução salina em concentração lheres têm menor proporção de água corporal (50%). Já os
superior a 0,9%. idosos, por apresentarem menor massa muscular, têm um
As soluções hipotônicas provocam o movimento de menor conteúdo de água.3 Nas crianças, a água corporal
água em direção ao compartimento intracelular, provocan- total equivale a cerca de 70%-80% do peso, pois apresen-
do edema celular.5 Exemplo: solução salina em concentra- tam menor conteúdo de tecido adiposo.
capítulo 8 93

Para efeitos práticos de cálculo, consideraremos a água


total como sendo 60% do peso corporal, independentemen- COMPARTIMENTOS LÍQUIDOS
te das variações anteriormente mencionadas. A água do organismo se distribui em compartimentos,
em parte devido a diferentes composições iônicas (Fig. 8.2).
Determinação da No entanto, estes compartimentos não são estanques, ha-
vendo um constante intercâmbio hidroeletrolítico. Basica-
Água Corporal Total mente, identificam-se dois grandes compartimentos: intra-
celular e extracelular.
O método laboratorial que determina a água total do
O compartimento intracelular é composto pela água
organismo baseia-se na técnica de diluição,5,8 fundamenta-
existente no citoplasma de todas as células. Já o comparti-
da no seguinte princípio: quando se adiciona uma quan-
mento extracelular, como o próprio termo indica, refere-
tidade conhecida de soluto a um volume desconhecido de
se a toda a água externa às células e possui subcomparti-
solvente, e dosa-se a concentração final da substância, é
mentos: plasma, líquido intersticial e linfa, água dos ossos
possível calcular o volume do solvente. Por exemplo, adi-
e líquidos transcelulares (Fig. 8.2).
cionando 1 kg (1.000 mg) de uma substância a um volu-
Os líquidos transcelulares representam coleções de lí-
me de solvente, e obtendo-se uma concentração final de
quidos que não são simples transudatos, mas são líquidos
100 mg/litro, chega-se à conclusão de que o volume do
secretados e incluem: secreções das glândulas salivares,
solvente é igual a 10 litros. Acompanhe com a fórmula
pâncreas, fígado e árvore biliar, além dos líquidos nas ca-
abaixo:
vidades pleurais, oculares, peritoneal, no lúmen do trato
Ci/Vf  Cf e Vf  Ci/Cf gastrintestinal e líquido cefalorraquidiano.4
Onde: Terceiro espaço é um termo proposto por Randall, em
1952, para descrever a situação na qual o líquido extrace-
Ci: concentração (quantidade) inicial da substância lular é perdido ou seqüestrado numa área do corpo onde
adicionada; não participa das trocas, e conseqüentemente não satisfaz
Cf: concentração final da substância adicionada; às necessidades hídricas do paciente. Exemplos: líquido
Vf: volume final da solução. no intestino na presença de íleo, líquido peritoneal na pe-
1.000 mg/Vf  100 mg/litro ritonite, líquido peripancreático na pancreatite aguda e o
edema do queimado. Por exemplo, no paciente com obs-
Vf  1.000/100  10 litros
trução intestinal ou íleo intenso, vários litros de fluidos
A determinação da quantidade de água do organismo ricos em eletrólitos podem estar confinados ao intestino,
in vivo só foi possível após o emprego de isótopos da água: sem que o paciente possa utilizá-los, mesmo que esteja hi-
estáveis (deutério) ou radioativos (trítio). Um destes com- povolêmico.
postos é injetado na circulação e aguarda-se um determi-
nado período para que haja equilíbrio no plasma. Natural-
mente, a quantidade da substância que é metabolizada e Determinação do Volume Extracelular
excretada durante este período de equilíbrio deve ser con-
(VEC)
siderada. A antipirina foi também uma substância bastan-
te utilizada na determinação da água total do organismo. O método utilizado também se baseia no princípio da téc-
nica de diluição, preferindo-se uma substância que seja ex-
cluída das células e permaneça no espaço extracelular. Vá-
rias substâncias têm sido utilizadas: 36Cl, sulfato, tiossulfato
e tiocianato, além de certos sacarídeos (manitol, inulina e
sucrose).8 Nenhuma destas substâncias é considerada ideal.
Elas variam na sua capacidade de penetração nas células e
os resultados da determinação do VEC são, portanto, diver-
sos, variando de 16 a 28%. Na prática, considera-se que o
volume extracelular corresponde a 20% do peso corporal.5

Determinação do Volume dos


Subcompartimentos Extracelulares
PLASMA
Fig. 8.2 Compartimentos líquidos do organismo (percentual do O volume plasmático é determinado empregando-se
peso corporal). substâncias que ficam confinadas ao leito vascular. A al-
94 Compartimentos Líquidos do Organismo

bumina ou eritrócitos podem ser utilizados. A albumina


marcada com 131I é a mais empregada, e o volume de dis- Pontos-chave:
tribuição determinado está em torno de 4,5% do peso cor- • Regra 60:40:20
poral. Entretanto, alguma 131I-albumina escapa do leito • Água corporal total  60% do peso
vascular para o interstício. Quando se empregam eritró-
corporal.
citos, eles são previamente marcados com crômio-51
• Compartimentos:
(51Cr).
Intracelular  40% do peso corporal
VOLUME INTERSTICIAL-LINFÁTICO Extracelular  20% do peso corporal
É calculado indiretamente, subtraindo-se o volume plas-
mático do volume extracelular, e aproxima-se de 20% da
água total ou 12% do peso corporal. COMPOSIÇÃO ELETROLÍTICA
VOLUME DOS LÍQUIDOS DOS COMPARTIMENTOS
TRANSCELULARES LÍQUIDOS
É calculado pela soma das várias secreções e aproxima-
se de 1,5% do peso corporal ou 2,5% da água total (Qua- A composição eletrolítica do plasma e dos líquidos in-
dro 8.1). tersticial e intracelular pode ser apreciada no Quadro 8.2.
No líquido extracelular o cátion mais abundante é o
sódio, e o cloro é seu principal ânion. Em menor concen-
Determinação do Volume Intracelular tração no líquido extracelular, observamos K, Ca e Mg
(VIC) e os ânions HPO4  , H 2 PO4 e SO4 . Além disso, muitos
ácidos orgânicos (láctico, pirúvico, cítrico) existem no líqui-
O volume intracelular não pode ser determinado dire- do extracelular como ânions e podem estar elevados em
tamente e é calculado subtraindo-se o volume extracelu- diversas enfermidades.5 O sódio no líquido extracelular
lar da água corporal total. Na prática, considerando-se a representa a metade de sua osmolalidade.
água total do organismo como sendo 60% do peso corpo- No líquido intracelular o cátion mais abundante é o
ral e o volume extracelular 20%, conclui-se que o volume potássio, e os ânions prevalentes são compostos orgânicos
intracelular é de 40% do peso total.5 como os fosfatos, sulfatos e proteínas. Observam-se ainda
Mg, Ca e os ânions inorgânicos Cl e HCO3. Note que
o total de íons intracelulares excede o do plasma e, no en-
tanto, a osmolalidade intra- e extracelular é a mesma. Acre-
Quadro 8.1 Distribuição da água total num
adulto jovem* dita-se que alguns destes íons intracelulares sejam osmo-
ticamente inativos, isto é, ligados a proteínas e a outros
% do Peso % da Água constituintes celulares. Metade da osmolalidade do líqui-
Compartimento Corporal Total do intracelular é dada pelo K.
Plasma 4,5 7,5
A determinação de eletrólitos no interior das células é
tecnicamente difícil, além de variar de acordo com a ori-
Líquido intersticial linfático 12,0 20,0 gem do tecido estudado. Por exemplo, apesar da possibi-
lidade de acesso às hemácias do sangue periférico, a dosa-
Tecido conjuntivo denso e gem dos eletrólitos nestas células, que não possuem núcle-
cartilagem 4,5 7,5
os e mitocôndrias, pode não refletir o que ocorre no tecido
Água do osso (inacessível) 4,5 7,5 muscular.6
O líquido intersticial é um ultrafiltrado do plasma. Sen-
Transcelular 1,5 2,5 do assim, não contém os elementos celulares (hemácias, leu-
cócitos, plaquetas), e sim um líquido ultrafiltrado que pra-
Extracelular total 27,0 45,0
ticamente não contém proteínas. Note-se que a soma total
Extracelular funcional** 21,0 — de íons no plasma é maior que a do líquido intersticial. A
explicação está na distribuição de Gibbs-Donnan5,7,9 (Fig. 8.3):
Água total 60,0 100,0
a) quando há um ânion pouco difusível num dos lados da
Água intracelular 33,0 55,0 membrana (no caso, as proteínas no lado vascular), a
concentração de um íon positivo difusível será maior
*Modificado de Edelman, I. S. e Leibman, J.11
**O líquido extracelular funcional representa o extracelular total menos neste lado, e a concentração de um ânion difusível será
a água do osso e do líquido transcelular. menor;
capítulo 8 95

Quadro 8.2 Composição iônica do plasma, líquido intersticial e intracelular


Líquido Líquido
Plasma Intersticial Intracelular
Íons mEq/L mEq/kg/H2O mEq/L mEq/kg/H2O

Cátions
Sódio (Na) 142,0 151,0 144,0  10,0
Potássio (K) 4,0 4,3 4,0 156,0
Cálcio (Ca) 5,0 5,4 2,5  3,3
Magnésio (Mg) 3,0 3,2 1,5 26,0

Total 154,0 163,9 152,0 195,3

Ânions
Cloro (Cl) 103,0 109,7 114,0  2,0
Bicarbonato
(HCO3) 27,0 28,7 30,0  8,0
Fosfato (HPO4) 2,0 2,1 2,0 95,0
Sulfato (SO4) 1,0 1,1 1,0 20,0
Ácidos orgânicos 5,0 5,3 5,0 —
Proteínas 16,0 17,0 0,0 55,0

Total 154,0 163,9 152,0 180,0

las e de uma eliminação ativa de outros íons do interior da


célula. Assim, a concentração de sódio no líquido extrace-
lular é alta e no interior das células é baixa, porque o sódio
é ativamente eliminado das células por meio de bombas
iônicas.

Pontos-chave:
• Os solutos dissolvidos na água não se
Fig. 8.3 Equilíbrio de Gibbs-Donnan. No diagrama, os comparti- distribuem igualmente no intracelular e no
mentos A e B estão separados por uma membrana permeável ao extracelular, devido à ação de bombas
Na e Cl, mas impermeável à proteína. Após o equilíbrio final, iônicas
observa-se que:
1.º) O produto da concentração de íons difusíveis num compar- • Partículas restritas a um compartimento
timento é igual ao produto dos mesmos íons no outro comparti- determinam seu volume. Exemplo: o sódio,
mento (94 no compartimento A e 66 no compartimento B); restrito ao espaço extracelular por meio de
2.º) Em cada compartimento, a soma dos cátions deve ser igual à
soma dos ânions (9 Na e 4 Cl  5 Pr no compartimento A; 6
bombas iônicas, determina o volume deste
Na e 6 Cl no compartimento B); espaço. O mesmo vale para o potássio em
3.º) A concentração de cátions difusíveis será maior no compar- relação ao espaço intracelular
timento que contém a proteína (carga negativa) não difusível que
no outro compartimento, e a concentração de ânions difusíveis
será menor no compartimento A que no B;
4.º) A osmolalidade é maior no compartimento A, que contém a DISTRIBUIÇÃO DA ÁGUA ENTRE
proteína. (Obtido de Valtin, H.9)
COMPARTIMENTOS
As membranas celulares permitem o livre movimento
b) o número total de íons difusíveis será maior no lado que
de água em qualquer direção. Este movimento depende da
contiver o ânion pouco difusível.
distribuição dos íons. É a quantidade de soluto e não de
A diferente concentração iônica nos diversos comparti- solvente que define o volume do compartimento. Cada
mentos não é devido a uma impermeabilidade iônica en- compartimento líquido no organismo tem um soluto que,
tre um compartimento e outro. A diferença é o resultado devido a seu confinamento àquele espaço, determina o
de uma acumulação ativa de certos íons dentro das célu- volume do compartimento: proteínas séricas para o volu-
96 Compartimentos Líquidos do Organismo

me intravascular, sódio para o compartimento extracelu- por uma camada de células e uma membrana pouco per-
lar e potássio para o intracelular. A rápida distribuição meável à água. Desta forma, secreções gastrintestinais e o
proporcional de água entre os compartimentos assegura suor são hiposmóticos.
uma concentração osmolar intra- e extracelular essencial- Como a osmolalidade é a mesma dentro e fora das cé-
mente idêntica. lulas, a passagem de água do interior para fora das célu-
A osmolalidade plasmática de um indivíduo normal las, ou vice-versa, só ocorre se houver mudança de osmo-
está em torno de 289 mOsm/kg H2O, atribuída principal- lalidade e tonicidade. As seguintes circunstâncias, ilustra-
mente ao sódio e aos ânions uréia e glicose. A osmolalida- das na Fig. 8.4 e baseadas na discussão de Robert Pitts, tra-
de plasmática é igual a duas vezes a concentração plasmá- duzem situações em que se alteram a osmolalidade e o
tica do sódio, mais a osmolalidade da uréia, mais a osmo- volume dos compartimentos extra- e intracelular.10
lalidade da glicose. A osmolalidade plasmática poderá ser
deduzida, considerando-se as seguintes concentrações Pontos-chave:
normais: sódio plasmático — 140 mEq/L; uréia plasmáti-
ca — 30 mg/100 ml, e glicemia — 90 mg/100 ml. • Osmolalidade plasmática  (Na  2) 
Osmolalidade plasmática 
( Uréia  10) ( Glic  10)
60 180
Uréia Glic
(Na  2)  (  10)  (  10) • Osmolalidade plasmática normal ⬵ 290
60 180
mOsm/kg H2O
Na  2  140 mEq/L  280 mOsm/kg H2O

Uréia:
30 mg / 100 ml
 10  5 mOsm/kg H2O Adição de Água ou Solução Hipotônica
60
Se administrarmos água ou solução hipotônica a um
90 mg / 100 ml indivíduo, seja por via oral ou endovenosa, e se conside-
Glicemia:  10  5 mOsm/kg H2O
180 rarmos que não haverá diurese durante o período do es-
tudo, a água distribui-se rápida e proporcionalmente en-
Então, a osmolalidade plasmática estimada com os da- tre os dois compartimentos. Observa-se uma redução uni-
dos acima é de 290 mOsm/kg H2O. forme na osmolalidade e um aumento no volume dos dois
Para o cálculo da contribuição da uréia para a osmola- compartimentos (aumento maior no intracelular por ser
lidade, dividimos a concentração plasmática da uréia por maior que o extracelular)5,7 (Fig. 8.4).
60, que é seu peso molecular. Da mesma forma, dividimos
a glicose por seu peso molecular, que é 180. Multiplicamos
ambos os cálculos por 10, a fim de convertermos mg/100 Adição de Solução
ml em mg/L. Quando não se dispõe das concentrações de Hipertônica de NaCl
uréia e glicose, a osmolalidade do plasma pode ser estima-
da multiplicando-se a concentração de sódio por dois. A infusão endovenosa de uma solução hipertônica de
Alguns líquidos transcelulares têm uma osmolalidade NaCl expande o compartimento extracelular e provoca
muito diferente dos outros compartimentos. Isto se deve um movimento passivo de água do compartimento in-
ao fato de estarem separados dos outros compartimentos tracelular (osmolalidade menor) para o extracelular (os-

Fig. 8.4 Alterações no volume e na osmolalidade dos compartimentos intra- e extracelulares, quando se adiciona: A) apenas água ao
organismo; B) uma solução salina hipertônica; C) uma solução salina isotônica. O estado inicial dos compartimentos intracelular (I)
e extracelular (E) está representado pelas linhas contínuas e no final está representado por linhas interrompidas. A altura do com-
partimento representa a osmolalidade, e a largura, o volume. (Modificado de Pitts, R.10)
capítulo 8 97

molalidade maior devido à solução adicionada), até que


ambos os compartimentos se equilibrem e se tornem isos- TROCAS LÍQUIDAS ENTRE
móticos. A saída de água reduz o volume do comparti- PLASMA E INTERSTÍCIO
mento intracelular e, conseqüentemente, aumenta a osmo-
lalidade deste compartimento. No final, ambos os compar- A nutrição das células e a remoção dos produtos do
timentos terão uma osmolalidade maior que a inicial5,7 metabolismo celular somente são possíveis devido à exis-
(Fig. 8.4). tência de uma circulação capilar. Ela permite uma rápida
troca de nutrientes entre a circulação e as células através
do líquido intersticial. O transporte dos nutrientes e cata-
Adição de Solução Isotônica de NaCl bólitos pelo sangue depende da adequação da função cir-
Como o sódio permanece principalmente no comparti- culatória e do volume líquido circulante. Portanto, man-
mento extracelular, há uma expansão do volume deste ter o volume plasmático é essencial.
compartimento, mas não ocorre alteração na osmolalida- A pressão hidrostática determinada pela bomba cardí-
de intra- e extracelular e, tampouco, no volume intracelu- aca num compartimento (vascular) altamente permeável
lar5,7 (Fig. 8.4). à água e aos solutos poderia determinar a passagem de
todo o líquido intravascular rapidamente para o interstí-
cio. Isto não ocorre porque a esta pressão hidrostática se
Pontos-chave: opõe uma outra pressão — a pressão osmótica determina-
• Soluções de diferentes tonicidades da pelas proteínas, principalmente albumina, também co-
provocam variações no volume dos nhecida como pressão coloidosmótica ou pressão oncóti-
ca. A pressão oncótica está em torno de 25 mmHg. Já o lí-
compartimentos intra- e extracelular
quido intersticial tem pouca proteína, tendo uma pressão
• Soluções isotônicas de sódio aumentam o
oncótica em torno de 5 mmHg.2 A diferença, portanto, en-
extracelular, pois o sódio se mantém neste tre a pressão osmótica do plasma e a do interstício é de 20
compartimento mmHg e esta força se opõe à pressão hidrostática.5,7
• Soluções hipotônicas e água se distribuem Foi Starling quem primeiro formulou o mecanismo de
no intra- e extracelular (maior proporção no distribuição de líquido entre os compartimentos vascular
intracelular) e intersticial (Fig. 8.5). Segundo ele, o sangue chega aos
• Soluções hipertônicas causam movimento capilares com uma certa força (pressão hidrostática), capaz
de água do intra- para o extracelular, de determinar o retorno venoso ao coração. A pressão hi-
diminuindo o primeiro e aumentando o drostática é determinada pela pressão mecânica gerada
segundo pelo coração. A pressão média nas grandes artérias é de 95
mmHg, mas, quando o sangue chega ao leito capilar, a

Fig. 8.5 Hipótese de Starling para troca de líquido entre plasma e interstício. Os fatores que determinam esta troca são denominados
forças de Starling. (Obtido de Valtin, H.9)
98 Compartimentos Líquidos do Organismo

pressão hidrostática cai para 40-45 mmHg. Esta pressão trapassada a capacidade de remoção pelos linfáticos, ha-
hidrostática de 40-45 mmHg determina a passagem de lí- verá edema.
quido intravascular para o interstício e a ela se opõem a
pressão oncótica das proteínas, em torno de 25-30 mmHg,
e uma pressão do turgor intersticial de 2-5 mmHg. Desta
forma, o balanço dessas forças resulta numa pressão de EXERCÍCIOS
filtração positiva, em torno de 10-15 mmHg.5
(Respostas no final do capítulo.)
Uma pequena quantidade de proteínas atravessa os ca-
pilares, mas quase tudo retorna à circulação através do sis- 1) Adulto jovem de 70 kg. Calcular a água corporal total, espaço ex-
tracelular, volume plasmático e volume intracelular.
tema linfático. No entanto, uma fração permanece no inters- 2) Em relação à proporção de água corporal total, que diferenças exis-
tício e é responsável pela pressão oncótica intersticial de 3 tem em pacientes obesos, mulheres, crianças e idosos?
mmHg. Quando a coluna de sangue atinge o lado venoso 3) Qual a osmolalidade plasmática de um paciente que apresenta as
do capilar, a pressão hidrostática está reduzida a 10-15 seguintes dosagens plasmáticas: uréia  240 mg/dl; glicose  360
mg/dl; sódio  133 mEq/litro.
mmHg e o balanço das forças é negativo, determinando a 4) Frente à osmolalidade encontrada na questão anterior, o que ocorre
reabsorção do líquido filtrado no lado venoso capilar.5 com os compartimentos intra- e extracelular?
Acredita-se que o principal mecanismo que altera a pres- 5) O que ocorre com as forças de Starling em presença de hipoalbu-
são hidrostática intracapilar não é a resistência ao longo do minemia?
6) Cite um exemplo de solução endovenosa que deve ser adminis-
capilar e sim a atividade de esfíncteres pré-capilares (Fig.
trada quando se deseja aumentar o volume do espaço extracelu-
8.5). Quando há um relaxamento do esfíncter, a pressão hi- lar.
drostática intracapilar aumenta, favorecendo a filtração ao 7) Cite um exemplo de solução endovenosa que se administra para
longo do capilar; quando o esfíncter se contrai, a pressão expandir o espaço extracelular e contrair o espaço intracelular.
hidrostática cai, e talvez só ocorra reabsorção ao longo do
capilar. Também é importante a área de superfície dos ca-
pilares. Quando o esfíncter se contrai, muitos capilares são
desviados da circulação arterial, reduzindo a área de super-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
fície capilar; quando o esfíncter se relaxa, ocorre o inverso. 1. ROSE, B.; POST, T.W. Units of solute measurement. Up to Date, vol.
Além do mais, o ritmo de fluxo líquido através do capi- 9, n. 1, Cap. 1B. 2000.
lar endotelial não depende só das forças de Starling, mas 2. HAYS, R.M. Dynamics of body water and electrolytes, Cap. 1, pág.
também do coeficiente de filtração, expresso pela seguin- 1. In: Clinical Disorders of Fluid and Eletrolyte Metabolism. Eds. Mor-
ton H. Maxwell and C. R. Kleeman. McGraw-Hill Book Co., 1972.
te fórmula:9 3. PRESTON, R.A. Acid-Base, Fluids and Electrolytes Made Ridiculously
q  Kf(Pc – Pt) – (pp – pt), onde: Simple. Cap.1, pág. 3. MedMaster Inc., Miami, 1997.
4. OH, M.S. and CARROLL, H.J. Regulation of intracellular and
q  ritmo de fluxo através do capilar; extracellular volume. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Disorders.
Kf  coeficiente de filtração; Eds. Arieff, A.I. and DeFronzo, R.A. Cap. 1, pág. 1. Churchill Livin-
gstone Inc. New York, 1995.
Pc  pressão hidrostática intracapilar; 5. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. The body fluid compartments:
Pt  pressão do turgor tecidual; extracellular and intracellular fluids; interstitial fluid and edema. In:
pp  pressão oncótica do plasma; Textbook of Medical Physiology. Cap. 25, págs. 297-313. W.B. Saunders
pt  pressão oncótica intersticial. Co., 1996.
6. MAFFLY, R.H. The body fluids: volume, composition and physical
Conclui-se que se a pressão hidrostática for excessiva, chemistry, Cap. 2, pág. 65. In: The Kidney. Eds. B. M. Brenner and F.
ou a pressão oncótica do plasma reduzida, haverá um ex- C. Rector Jr. W. B. Saunders Co., 1976.
7. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physio-
cesso de filtração de líquido para o interstício e, se for ul- logy. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology — A Problem-Based
Approach. Cap. 6, pág. 217. W.B. Saunders Co., 1994.
8. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal. EPU, 1986.
Pontos-chave: 9. VALTIN, H. Renal Function: Mechanisms Preserving Fluid and Solute
Balance in Health. Cap. 2, pág. 20, Little, Brown and Co., Boston, 1995.
• A pressão hidrostática é a principal força 10. PITTS, R.D. Physiology of the Kidney and Body Fluids. Cap. 2, pág. 11.
Year Book Medical Publishers Inc., 3rd edition, 1974.
que provoca o movimento de líquido para 11. EDELMAN, I.S. and LEIBMAN, J. Am. J. Med., 27:256, 1959.
fora da luz do capilar
• A pressão coloidosmótica ou oncótica
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
(determinada principalmente pela
albumina) é a principal força que se opõe à Química e soluções
hidrostática e provoca o movimento de http://dbhs.wvusd.k12.ca.us
líquido para dentro da luz do capilar Forças de Starling
sanguíneo www.liv.ac.uk/⬃petesmif/teaching/1bds - mb/notes/fluid/
text.htm
capítulo 8 99

Outros Osmolalidade plasmática  (133  2)  (240/60  10)  (360/180


www.physio.mcgill.ca/209A/Body - fluids/Body - fl3.htm  10)  326 mOsm/kg H2O
www.umds.ac.uk/physiology/rbm/bodyflu
4) No exemplo acima, com o aumento da osmolalidade e tonicidade
do plasma (a osmolalidade normal oscila entre 280 e 290 mOsm/
kg H2O), ocorre a passagem de água do espaço intracelular para o
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS extracelular até haver um equilíbrio osmótico entre os dois com-
partimentos. Como resultado final, o volume do espaço intrace-
lular sofre redução (pela perda de água) e o extracelular sofre o
1) Num adulto jovem de 70 kg: acréscimo de água, inclusive diluindo o sódio do intravascular.
a. Água corporal total  60% de 70 kg  42 litros
b. Volume do espaço extracelular  20% de 70 kg  14 litros 5) Em presença de hipoalbuminemia, existe redução da pressão on-
c. Volume plasmático  4,5% de 70 kg  3,15 litros cótica, o que favorece a filtração de líquido para o interstício no
d. Volume do espaço intracelular  40% de 70 kg  28 litros lado venoso do capilar e dificulta a reabsorção de líquido intersti-
cial no lado venoso do capilar; caso seja ultrapassada a capacida-
2) A água corporal total encontra-se diminuída (menos que 60% do de de absorção pelos linfáticos, isto resultará em edema.
peso corporal) em pacientes obesos e mulheres, devido ao maior
conteúdo de gordura que apresentam. Os idosos apresentam me- 6) Solução salina a 0,9% (chamada solução salina isotônica).
nor massa muscular, e conseqüentemente menor proporção de
água em relação ao peso. As crianças apresentam conteúdo de 7) Solução salina hipertônica (concentração maior que 0,9%).
gordura reduzido, e então a proporção de água corporal total é
maior em relação ao peso.

Uréia Glic
3) Osmolalidade plasmática  (Na  2)  (  10)  (  10),
então: 60 180
Capítulo
Metabolismo da Água

9 Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly

MECANISMO DA SEDE Manejo do paciente com hipernatremia


VASOPRESSINA (HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO) Linhas gerais
Mecanismo de ação do hormônio antidiurético (HAD) — Cálculo do déficit de água
aquaporinas Tipo de fluido
OUTROS HORMÔNIOS Ritmo de correção
Catecolaminas Evolução
Hormônio tireoidiano EXCESSO DE ÁGUA — HIPONATREMIA — ESTADO
Hormônios adrenocorticais HIPOSMOLAR
Sistema renina-angiotensina Causas de hiponatremia
MECANISMO RENAL DE REGULAÇÃO DA ÁGUA Pseudo-hiponatremia
Considerações anatômicas Redistribuição de água
Vascularização da medula renal Intoxicação aguda pela água
Concentração da urina — mecanismo de contracorrente Hiponatremia crônica
Fluxo sanguíneo medular MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE HIPONATREMIA
Papel da uréia no mecanismo de concentração Diagnóstico
urinária TRATAMENTO DA HIPONATREMIA
Recirculação medular da uréia Linhas gerais
Diluição da urina Cálculo do excesso de água
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DA ÁGUA Tratamento da hiponatremia sintomática
DÉFICIT DE ÁGUA — HIPERNATREMIA — ESTADO Ritmo de correção
HIPEROSMOLAR Complicações do tratamento
Causas de hipernatremia e estado hiperosmolar EXERCÍCIOS
Hipernatremia com hipovolemia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hipernatremia com hipervolemia ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Hipernatremia com volemia aparentemente normal RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
Manifestações clínicas de hipernatremia

No dia-a-dia, a ingesta de líquidos deve igualar-se às corporal, sendo a maior parte localizada no espaço intra-
perdas através da respiração, suor, trato gastrintestinal e celular.
diurese.*1 Nos adultos, a água corresponde a 60% do peso Para evitar que haja variações na osmolalidade plasmá-
tica, a qual é determinada principalmente pela concentra-
ção plasmática de sódio, devem ser feitos ajustes adequa-
*O termo diurese refere-se a um fluxo de urina maior do que o normal,
isto é, superior a 1 ml/min no adulto; antidiurese refere-se a um fluxo dos na ingesta e excreção de água. Estes ajustes são reali-
urinário reduzido, geralmente inferior a 0,5 ml/min no adulto. zados de forma mais significativa sobre o controle da sede,
capítulo 9 101

secreção do hormônio antidiurético (HAD) e mecanismos desencadeia a sensação de sede. Nesta situação, a inges-
renais de conservação ou eliminação de água.1 tão de água pode provocar alívio imediato da sede, mes-
Quando existe déficit de água no organismo, os rins mo antes de ter havido absorção da água no trato gastrin-
participam de um sistema de retroalimentação com osmor- testinal ou qualquer modificação na osmolaridade do plas-
receptores e hormônio antidiurético, minimizando a per- ma. Porém este alívio da sede é de curta duração, e o dese-
da de água. Já quando existe excesso de água no organis- jo de ingerir água só é efetivamente interrompido quando
mo, estes mecanismos se dirigem a uma maior excreção de a osmolaridade plasmática ou o volume extracelular retor-
água pelos rins. 2 narem ao normal. De modo geral, a água é absorvida e
distribuída no organismo cerca de 30-60 minutos após a
ingestão. O alívio imediato da sede, apesar de temporário,
MECANISMO DA SEDE é um mecanismo que impede que a ingestão de água pros-
siga indefinidamente, o que levaria ao excesso de água e
Para equilibrar as perdas diárias de água, é necessário diluição excessiva dos fluidos corporais. 2
haver ingesta de líquido, que é regulada pelo mecanismo Estudos experimentais demonstram que os animais não
da sede. Sede é definida como o desejo consciente de inge- ingerem quantidades de água superiores às necessárias
rir água.2 para restaurar a osmolaridade plasmática e volemia ao nor-
Acredita-se que os estímulos para a sede se originam mal.2 Já em humanos, a quantidade de água ingerida va-
tanto no compartimento intracelular como no extracelular. ria de acordo com a dieta e a atividade do indivíduo, e em
A sensação de sede origina-se no centro da sede, localizado geral é excessiva em relação às necessidades diárias. Esta
nas porções anterior e ventromedial do hipotálamo. Na ingestão excessiva, que não é induzida por um déficit de
verdade, os neurônios que compõem o centro da sede são água e cujo mecanismo é desconhecido, é extremamente
especializados na percepção de variações de pressão osmó- importante, pois assegura as necessidades futuras do in-
tica do plasma, e por isso recebem a denominação de os- divíduo.
morreceptores. Um dos mais importantes estímulos para a Habitualmente, a sede e a ingesta líquida representam
sede é o aumento da osmolaridade do líquido extracelu- uma resposta normal a um déficit de água. Isto é o que
lar, e o “limiar” para o surgimento da sede é em torno de ocorre nos exemplos já mencionados, de vômitos, diarréia,
290 mOsm/L. Nesta situação, os osmorreceptores sofrem diabetes insipidus, diabetes mellitus, hipocalemia, hipercalce-
certo grau de desidratação, gerando impulsos que são con- mia etc. No entanto, em algumas situações, o paciente tem
duzidos por neurônios especializados até centros corticais sede, mas não há um déficit de água. Este estado patológi-
superiores, onde então a sede se torna consciente.2,3 Este co pode ser devido à irritação contínua dos neurônios da
mecanismo é ativado nas situações em que há aumento da sede por tumor, trauma ou inflamação, ingestão compul-
osmolalidade do plasma, como no déficit de água e na siva de água, hiper-reninemia etc.
administração de soluções hipertônicas cujos solutos não Hipodipsia (diminuição ou ausência de sede) é usual-
penetram nas células. mente causada por tumor (p.ex., craniofaringioma, glioma,
Por sua vez, déficits no volume extracelular e na pres- pinealoma ectópico etc.) ou trauma. Além de afetarem o
são arterial também desencadeiam a sede, por vias inde- centro da sede, estes exemplos podem também ocasionar
pendentes das estimuladas pelo aumento da osmolarida- lesão do sistema supra-óptico-hipofisário, causando diabe-
de do plasma. Por exemplo, depleção do espaço extrace- tes insipidus, o que agrava o déficit de água e dificulta o
lular (diarréia, vômitos) e a perda de sangue por hemorra- manejo clínico.
gia estimulam a sede mesmo sem haver modificação na
osmolaridade do plasma. O mecanismo para que isto ocor-
ra está relacionado ao estímulo de barorreceptores, que são
receptores de pressão existentes na circulação torácica.2 Um
VASOPRESSINA (HORMÔNIO
terceiro importante estímulo à sede é a angiotensina II. ANTIDIURÉTICO)
Fitzsimons acredita que a angiotensina e outras substân-
cias vasoativas atuem em estruturas vasculares periventri- O hormônio antidiurético (HAD) interage com porções
culares (seriam receptores mecânicos da sede no cérebro), terminais do nefro, aumentando a permeabilidade destes
reduzindo o volume vascular a esse nível e causando sede.4 segmentos à água, desta forma aumentando a conservação
Como a angiotensina II também é estimulada pela hipo- da água e a concentração urinária.
volemia e baixa pressão arterial, seu efeito sobre a sede Além do aumento da permeabilidade à água nos túbu-
auxilia na restauração do volume sanguíneo e pressão ar- los coletores, o HAD tem uma importante participação na
terial, juntamente com as ações renais da angiotensina II, recirculação da uréia entre o ducto papilar e a porção fina
reduzindo a excreção de fluidos.2 ascendente da alça de Henle, pois aumenta a permeabili-
Alguns outros fatores influenciam a ingesta de água. Por dade do ducto coletor à uréia, e este mecanismo auxilia na
exemplo, a falta de umidade da mucosa oral e do esôfago manutenção da hipertonicidade da medula renal.5
102 Metabolismo da Água

O HAD é um hormônio sintetizado no hipotálamo por ingesta líquida e mantendo, assim, a água total constante.
grupos de neurônios que formam os núcleos supra-óptico Desta forma, a tonicidade da água total do organismo é
e paraventricular, próximos ao centro da sede. Após a sín- preservada dentro de uma estreita margem, cujo limite
tese, este decapeptídio (arginina-vasopressina em huma- superior é regulado pelo osmorreceptor da sede, e o infe-
nos) é armazenado em grânulos e transportado ao longo rior, pelo osmorreceptor do HAD. Dentro destes limites
dos axônios, em direção à neuro-hipófise (lobo posterior (280-294 mOsm/kg), a tonicidade da água total ainda é
da hipófise). No interior dos grânulos, o hormônio forma regulada por ajustes na excreção de água livre (v. a seguir)
um complexo com uma proteína chamada neurofisina A ou controlada pelo HAD.
neurofisina II. Parte destes grânulos pode ser liberada rapi- A liberação de ADH pode ser desencadeada por estímu-
damente, através de exocitose, enquanto os demais servi- los não-osmóticos, entre os quais destacamos: diminuição
riam de estoque.3 da pressão arterial; diminuição da tensão da parede do
A liberação deste hormônio está condicionada a estímu- átrio esquerdo e das veias pulmonares; dor, náusea, hipó-
los, que podem ser osmóticos ou não-osmóticos. xia, hipercapnia, hipoglicemia, ação da angiotensina, es-
O estímulo osmótico refere-se a uma alteração da osmo- tresse emocional; aumento da temperatura do sangue que
lalidade. Quando ocorre déficit de água no organismo, há perfunde o hipotálamo e drogas: colinérgicas e betadre-
um aumento na osmolalidade, reduzindo o volume das
células por desidratação celular* (inclusive das células dos
núcleos supra-óptico e paraventricular), estimulando as-
sim a liberação do HAD. É necessário ressaltar que os os-
morreceptores são estimulados apenas por variações reais
da tonicidade plasmática, isto é, por solutos que não atra-
vessam as membranas. Solutos que atravessam as mem-
branas celulares, como a uréia (e glicose nas células cere-
brais), não aumentam a secreção de HAD.5,6
Por outro lado, quando há excesso de água no organis-
mo, a hiposmolalidade que se estabelece inibe a liberação
do hormônio antidiurético. Tudo indica que a alteração do
volume celular altera a atividade elétrica dos neurônios dos
núcleos hipotalâmicos, afetando assim a liberação de va-
sopressina.
A sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode
ser apreciada na Fig. 9.1. Observem que, à medida que
aumenta a osmolalidade plasmática, aumenta a concentra-
ção plasmática de HAD (Fig. 9.1 A). Com pressões
osmóticas plasmáticas superiores a 280 mOsm/L (limiar
osmótico) a concentração plasmática de HAD aumenta de
modo linear com a pressão osmótica. Mesmo com varia-
ção de 1 mOsm ou menos, a secreção de HAD varia.3,7 A
sensibilidade deste mecanismo osmorregulador pode ser
ainda melhor avaliada quando se examina a relação entre
o HAD plasmático e a osmolalidade urinária. Observem
na Fig. 9.1 B que, para cada aumento de uma unidade na
concentração plasmática de HAD, a osmolalidade uriná-
ria aumenta em média 25 mOsm/kg. Isto significa que
pequenas alterações na osmolalidade plasmática são rapi-
damente seguidas por grandes alterações na osmolalida-
de urinária. Assim sendo, uma alteração na osmolalidade
plasmática de 1 mOsm/kg normalmente acarreta uma al-
teração na osmolalidade urinária de 95 mOsm/kg. Isto é
muito importante, permitindo que o organismo altere ra-
pidamente o volume urinário, compensando a variação na
Fig. 9.1 A. Representação esquemática dos efeitos de pequenas
alterações na osmolalidade plasmática sobre os níveis plasmáti-
*O termo desidratação é empregado aqui para indicar um déficit isolado cos de vasopressina. B. Repercussões de alterações na vasopres-
de água. V. Cap. 10 para miores detalhes sobre a conotação genérica do sina plasmática sobre a osmolalidade urinária. Ver texto para
termo desidratação. interpretação da figura. (Obtido de Robertson, B.L. e col.6)
capítulo 9 103

nérgicas (acetilcolina e isoproterenol, respectivamente), O HAD é o principal hormônio atuante na regulação da


morfina, nicotina, ciclofosfamida, barbitúricos etc.2,7 Entre excreção de água. No entanto, outros hormônios afetam a
os estímulos não-osmóticos para a liberação do HAD, es- excreção de água, como veremos na seção seguinte.
tão os provenientes de áreas onde se encontram receptores
de pressão (barorreceptores): seio carotídeo, átrio esquerdo
e veias pulmonares. Eles respondem a variações da pressão Pontos-chave:
sobre a parede do órgão receptor, emitindo impulsos ner- • A sede e a liberação de HAD são
vosos que modulam a liberação hipotalâmica de HAD. desencadeadas por um aumento da
Quando há uma menor tensão na parede do órgão, há trans- osmolalidade plasmática e têm por objetivo
missão de estímulos para a liberação central de HAD. Isto manter a osmolalidade estável
pode ocorrer, por exemplo, na contração do volume extra- • No rim, o HAD ativa a fusão de canais de
celular ou volume circulante efetivo e hipotensão arterial.8
água (aquaporina 2) com a membrana
Ao contrário, uma inibição não-osmótica da liberação de
ADH ocorre quando há: aumento da pressão arterial, au-
luminal dos túbulos coletores, permitindo a
mento da tensão da parede do átrio esquerdo e das veias reabsorção de água
pulmonares, diminuição da temperatura do sangue que
perfunde o hipotálamo e uso de algumas drogas (norepi-
nefrina, clonidina, haloperidol, difenil-hidantoína, álcool).2 OUTROS HORMÔNIOS

Mecanismo de Ação do Hormônio Catecolaminas


Antidiurético (HAD) — Aquaporinas As catecolaminas afetam a excreção de água através de
um mecanismo intra-renal e outro extra-renal. No meca-
O HAD modifica a membrana luminal das células prin- nismo intra-renal, os agentes adrenérgicos alteram a res-
cipais dos túbulos distal final e coletor, causando aumento posta da membrana tubular renal ao HAD. Assim, os ago-
da permeabilidade à água. O HAD interage com receptores nistas alfadrenérgicos tipo norepinefrina causam aumen-
específicos da superfície (receptores V1 e V2), localizados na to do volume urinário, por diminuírem o efeito do HAD
membrana basolateral. Esta interação produz efeitos sobre sobre a permeabilidade da membrana tubular renal à
o cálcio e o AMPc intracelulares, que por sua vez modifi- água. Já a estimulação betadrenérgica aumenta a perme-
cam a permeabilidade da membrana luminal à água. O re- abilidade tubular à água, causando diminuição do volu-
ceptor V1 existe também no músculo liso vascular, sendo me urinário.12
responsável pelo efeito vasoconstritor do HAD, que por isto No mecanismo extra-renal, a ação das catecolaminas
também recebe o nome de vasopressina.5,7 se faz através de alterações na liberação de HAD, como
Recentemente, foi evidenciada a existência de uma fa- já mencionado. Várias outras substâncias vasoativas (an-
mília de proteínas de membrana que exercem a função de
giotensina II, prostaglandina E1, nicotina) têm efeitos
canais de água em tecidos transportadores de fluidos (por
sobre os barorreceptores atriais, alterando a liberação de
exemplo, no cristalino, nos túbulos renais, etc).3,9 Estes ca-
HAD.
nais de água são hoje conhecidos como aquaporinas. Até o
momento, já foram identificadas cinco aquaporinas que se
expressam nos rins (AQP 1, 2, 3, 4 e 6).10 Nas células prin- Hormônio Tireoidiano
cipais dos túbulos distais e ductos coletores, está presente
a aquaporina 2, que é um canal de água sensível ao HAD. Sabe-se que pacientes hipotireóideos têm comprometi-
Na presença de HAD, o receptor V2 é estimulado e ativa a da a sua capacidade de excretar uma carga de água. Por
adenil ciclase e o AMP cíclico. Com isto, vesículas especí- outro lado, são desconhecidos os mecanismos pelos quais
ficas no citoplasma se movem e se fundem com a membra- o hormônio tireoidiano facilita a excreção de água. Uma
na apical (luminal). Estas vesículas contêm a aquaporina das hipóteses é a de que o hormônio tireoidiano altera a
2, que, uma vez inserida na membrana luminal das célu- sensibilidade do túbulo renal ao HAD. Há evidência de que
las principais dos túbulos distais e coletores, permite a a maioria dos pacientes com hipotireoidismo e hiponatre-
passagem de água para dentro da célula.11 No bordo baso- mia têm elevada concentração plasmática de HAD. Como
lateral das células principais, estão presentes as aquapori- o hipotireoidismo cursa com débito cardíaco habitualmen-
nas 3 e 4, que permitem o transporte de água de dentro da te diminuído,13 nestes casos a liberação de HAD pode es-
célula para o interstício, porém neste ponto sem a partici- tar sendo estimulada pela redução associada do volume ar-
pação do HAD.5 As aquaporinas 1 e 6 estão relacionadas à terial efetivo. Também se encontrou queda da taxa de fil-
absorção de água, mas em outros segmentos tubulares, tração glomerular nestes pacientes, o que é revertido com
também sem dependência do HAD.10 a terapia hormonal apropriada.14
104 Metabolismo da Água

Hormônios Adrenocorticais Para melhor compreensão dos mecanismos de concen-


tração e diluição da urina, vale a pena relembrar alguns
Na insuficiência adrenal, pode ser observado um com- conceitos anatômicos.
prometimento na excreção de água, cuja causa não está
esclarecida. Alguns autores acreditam que a deficiência de
glicocorticóides seja responsável pela deficiente excreção Considerações Anatômicas
de água. Segundo eles, a deficiência de glicocorticóides
Como sabemos, cada nefro (unidade funcional básica
produziria alguns efeitos hemodinâmicos sistêmicos (ta-
do rim) é constituído pelo glomérulo e por uma forma-
quicardia, diminuição do volume sistólico), e estas altera-
ções estimulariam o mecanismo barorreceptor de estímu- ção tubular longa, onde os sucessivos segmentos apresen-
lo ao HAD, causando retenção de água. tam diferentes características quanto a estrutura e função.
Também tem sido investigada a participação da deficiên- Em sua maior parte, os nefros são superficiais, contendo
cia dos mineralocorticóides na diminuição da excreção de água alças de Henle curtas e sem ramo ascendente delgado. Os
existente na insuficiência adrenal. Acredita-se que os minera- nefros restantes são justamedulares, e seus glomérulos
locorticóides influenciam a secreção de HAD indiretamente, estão situados próximo à junção corticomedular, possu-
pois ao manter o volume extracelular evitam a liberação não- indo longas alças de Henle com ramo ascendente delga-
osmótica de HAD observada na depleção de volume. do (Fig. 9.2).
Os trabalhos experimentais mostraram que o transpor-
te de água e solutos no nefro distal ocorre em pelo menos
Sistema Renina-Angiotensina cinco segmentos morfologicamente distintos: a) Ramo as-
O sistema renina-angiotensina também participa no cendente espesso da alça de Henle; b) Mácula densa; c)
controle da secreção de HAD, principalmente quando a Túbulo contornado distal; d) Ductos coletores corticais e
osmolalidade plasmática está aumentada. A angiotensina e) Ductos coletores papilares.
estimula a liberação de HAD e aumenta a sensibilidade do O ramo ascendente espesso da alça de Henle estende-
sistema de osmorregulação.8 se da medula externa até a mácula densa. Este segmento
reabsorve NaCl através de uma membrana impermeável
à água, elaborando, portanto, um líquido hipotônico.
MECANISMO RENAL DE A mácula densa é um segmento mais curto, cujas célu-
las parecem agir como sensoras no mecanismo regulador
REGULAÇÃO DA ÁGUA do feedback túbulo-glomerular (v. Cap. 10).
Na mácula densa, inicia-se o túbulo contornado distal.
O tremendo progresso nesse campo deve-se basicamen-
O túbulo distal clássico sempre foi considerado como o seg-
te à aplicação de técnicas de micropuntura in vivo no rim de
mento que se estende da mácula densa até a junção com
mamíferos, principalmente o rato, e mais recentemente pelo
avanço da biologia molecular.
Para que seja mantida a homeostase do organismo, é
necessário que o rim apresente a capacidade de variar o
volume urinário de modo a reter ou eliminar água, ou seja,
concentrar ou diluir a urina.
Diariamente o organismo humano necessita eliminar pro-
dutos tóxicos resultantes do metabolismo (p.ex., uréia, ácidos
orgânicos) e solutos em excesso (sódio, potássio, cálcio, mag-
nésio). A média diária a ser eliminada é de cerca de 750
mOsm/dia. Com a ingestão usual de água (2-2,5 L/dia), a
osmolaridade urinária encontra-se entre 400 e 450 mOsm/L,
o que requer um volume urinário de 1,5 litro/dia. Caso a in-
gestão de água seja deficiente, a osmolaridade da urina pode
subir até 1.300 mOsm/L, e então o volume urinário vai variar
correspondentemente, da seguinte forma: 750 mOsm a serem
eliminados  osmolaridade de 1.300  volume urinário de 0,6
litro.3 Esta variação decorre do efeito do HAD, conforme já
discutido, causando a reabsorção de água no ducto coletor.
Da mesma forma, a capacidade de diluir a urina é im-
portante para que o organismo elimine excessos de água.
Isto é obtido através da redução da osmolaridade da uri- Fig. 9.2 Relação dos vários segmentos do nefro com o córtex e a
na até valores como 50 mOsm/L.3 medula renal.
capítulo 9 105

outro túbulo distal. Recentemente, foi mostrado que este


segmento, na verdade, está formado por dois segmentos
distintos: segmento proximal, cujo epitélio é similar ao do
ramo ascendente espesso, e segmento distal (também deno-
minado túbulo coletor), cujo epitélio é similar ao do ducto
coletor cortical15 (v. também Cap. 1).
O segmento distal (túbulo coletor) do túbulo contorna-
do distal só responde à ação do hormônio antidiurético em
algumas espécies de animais. Já o segmento cortical do ducto
coletor tem uma permeabilidade alta à água na presença de
HAD e uma permeabilidade baixa na ausência deste.
A permeabilidade à uréia do segmento cortical do duc-
to coletor é baixa, mesmo na presença de HAD. O segmento
medular interno-papilar do ducto coletor tem uma perme-
abilidade à uréia mais alta que a do segmento cortical e,
na presença de HAD, ela aumenta mais. A permeabilida-
de deste segmento medular interno-papilar à água é alta
na presença de HAD e baixa na ausência deste.

Vascularização da Medula Renal


A medula renal pode ser dividida em: a) Medula exter-
na, com uma faixa externa e outra interna (a faixa externa
é também conhecida como zona subcortical), e b) Medula Fig. 9.3 Esquema da estrutura da medula renal no rato (zona in-
interna (v. Fig. 9.2). terna e zona externa). VRA = vasa recta arteriais; VRV  vasa recta
venosos; RD  ramo descendente da alça de Henle; RA  ramo
O sangue chega à medula renal através das arteríolas ascendente da alça de Henle; DC  ducto coletor. (Modificado
eferentes de glomérulos justamedulares. Estes vasos divi- de Kriz, W. e Lever, A.F.16)
dem-se na zona subcortical para formarem os vasa recta
arteriais, que atravessam a medula em feixes em forma de
cone e, às vezes, deixam estes feixes para suprirem um
significa que, num adulto, aproximadamente 100 ml de fil-
plexo capilar adjacente. Os plexos capilares são drenados
trado glomerular chegam aos túbulos proximais a cada mi-
por vasa recta venosos que entram num destes feixes e as-
nuto. A maior parte da água filtrada (60 a 70%) é reabsorvida
cendem até a base do cone, na zona subcortical (Fig. 9.3).
no túbulo contornado proximal, acompanhando a reabsor-
No rato, uma secção transversal da medula externa
ção de NaCl. Portanto, neste segmento a absorção de água é
mostra três zonas concêntricas: a) área central, contendo
passiva. Cerca de 10% são reabsorvidos na pars recta do tú-
vasa recta arterial e venoso; b) anel periférico, contendo vasa
bulo proximal pelo mesmo mecanismo. No ramo descendente
recta venosos e a maioria dos ramos descendentes das al-
delgado da alça de Henle, ocorre a reabsorção (10 a 15%) de
ças de Henle, e c) por fora do anel, o ramo ascendente da
água livre (sem soluto), devido ao gradiente osmótico exis-
alça de Henle, ducto coletor e plexo capilar.16
tente entre o túbulo e o interstício medular. Este gradiente
Acredita-se que os vasa recta têm a função de remover o
osmótico se estabelece graças a um sistema de contracorren-
líquido absorvido dos ductos coletores e segmento descen-
dente da alça de Henle. O fluxo de plasma na parte terminal te multiplicador (v. a seguir). O restante é reabsorvido nos
dos vasa recta ascendentes é maior que o fluxo de plasma na ductos coletores, sob a influência do hormônio antidiurético.
entrada dos vasa recta descendentes, e esta diferença é igual O líquido que atinge o túbulo contornado distal é sempre
ao ritmo de absorção de líquido do segmento descendente da hipotônico e a eliminação de urina concentrada ou diluída
alça de Henle e do ducto coletor. Isto é necessário, pois não depende da reabsorção de água nos ductos coletores.
se conhece nenhuma outra via pela qual a água reabsorvida Foi observado inicialmente, em vários mamíferos, que
possa chegar da medula à circulação sistêmica. o grau de concentração urinária por eles alcançado estava
relacionado com o comprimento do segmento delgado das
alças de Henle. Posteriormente, comprovou-se que apenas
Concentração da Urina — Mecanismo mamíferos e alguns pássaros podiam elevar a concentra-
ção de urina acima da do plasma e que estes animais pos-
de Contracorrente
suíam alças de Henle medulares (portanto, longas). Este
Recorde-se que são 180 litros de líquido filtrados pelos rins fato sugeriu que a concentração de urina deveria ocorrer
diariamente e que apenas 1,5 litro é excretado na urina. Isto no interior das alças de Henle.
106 Metabolismo da Água

A hipótese do sistema de contracorrente multiplicador para Na presença destes elementos, o líquido tubular seria
explicar a concentração de urina ao longo dos túbulos foi concentrado da seguinte maneira (Fig. 9.4):
sugerida em 1942 por Werner Kuhn, baseada na configu-
ração em U da alça de Henle. Ele observou que, devido a 1. No segmento espesso ascendente da alça de Henle, há
esta configuração, o líquido tubular fluiria em ramos ad- uma reabsorção ativa de cloro. Esta reabsorção ativa cria
jacentes, mas em direções opostas. Sendo um físico-quími- uma diferença transtubular de potencial elétrico, que é
co familiarizado com termodinâmica, ele sabia que um flu- responsável pela remoção passiva de sódio.
xo contracorrente poderia estabelecer grandes gradientes 2. O segmento ascendente espesso tem uma baixa perme-
de temperatura ao longo do eixo longitudinal de canais abilidade à água, o que permite que o fluido tubular
adjacentes, enquanto são pequenos os gradientes de tem- neste segmento se torne hiposmótico em relação ao do
peratura entre canais transversais (v. Fig. 9.5).17 Transpor- interstício. No entanto, a uréia permanece no interior do
tando estes princípios para a pressão osmótica, ele imagi- túbulo, pois este segmento tem uma permeabilidade
nou que pequenas diferenças na concentração de solutos baixa à uréia.
entre os dois ramos da alça de Henle poderiam resultar em 3. No ducto coletor cortical já existe ação do HAD, e, na
grandes diferenças de concentração ao longo dos túbulos. presença deste, a água é reabsorvida, tornando o líqui-
Além do mais, ele achou que estas grandes diferenças de do tubular isosmótico com o sangue. A permeabilida-
concentração poderiam ser transmitidas ao interstício que de deste segmento à uréia é baixa, e, com a perda de
cerca os túbulos, criando assim um aumento progressivo água, a concentração intraluminal de uréia aumenta
na concentração de soluto, paralelo aos túbulos. ainda mais.
Haveria necessidade, no entanto, de três fatores básicos 4. Na medula externa, o interstício hiperosmolar (osmo-
para que o sistema de contracorrente multiplicador funci- lalidade determinada em parte pela reabsorção de NaCl
onasse: a) fluxo contracorrente (proporcionado pela alça de no segmento ascendente espesso) retira mais água do
Henle); b) diferenças de permeabilidade entre os túbulos líquido tubular, aumentando ainda mais a concentração
(o ramo ascendente é praticamente impermeável à água), de uréia.
e c) uma fonte de energia (atualmente atribuída ao trans- 5. Na medula interna, tanto a água como a uréia são reab-
porte ativo de cloro no ramo ascendente espesso). sorvidas do ducto coletor na presença do HAD. Este

Fig. 9.4 Sistema de contracorrente multiplicador.* O diagrama mostra os ramos descendente e ascendente da alça de Henle, o túbulo distal
e o ducto coletor. O contorno mais espesso do ramo ascendente da alça de Henle indica que este ramo é impermeável à água. 1. Reabsorção
ativa de cloro e passiva de sódio, mecanismo que dilui o líquido tubular e torna o interstício medular hiperosmótico. 2. No segmento distal
(túbulo coletor) do túbulo distal (em algumas espécies de animais) e 햴 no ducto coletor, ocorre reabsorção de água através de um gradi-
ente osmótico. A presença de HAD (v. texto) facilita este transporte passivo. Com a reabsorção de água, ocorre concentração intratubular
da uréia. Na medula interna, a água e a uréia são reabsorvidas. 3. O acúmulo da uréia no interstício medular cria o gradiente osmótico para
a reabsorção passiva de água no ramo descendente da alça de Henle 햵 e, assim, concentra o NaCl no ramo descendente da alça de Henle.
O tamanho das letras dos solutos indica-lhes a concentração relativa.
*Baseado na hipótese de Stephenson19 e Kokko e Rector.20
capítulo 9 107

segmento (medular interno do ducto coletor) tem uma Stephenson,19 e ainda de Kokko e Rector.20,21 A descrição
permeabilidade mais alta à uréia do que o segmento utilizada acima para o mecanismo de concentração do lí-
cortical do ducto coletor; esta permeabilidade aumenta quido tubular baseou-se no modelo de Kokko e Rector, que
mais na presença de HAD. Este segmento apresenta parte do pressuposto que não há um transporte ativo na
uma permeabilidade alta à água na presença de HAD e medula interna (segmento delgado ascendente), no que diz
baixa na sua ausência. respeito ao mecanismo de concentração.
6. O cloreto de sódio e a uréia no interstício exercem uma
força osmótica para retirar água do segmento delgado FLUXO SANGUÍNEO MEDULAR
descendente da alça de Henle. Este segmento é relati- Como já mencionamos, acredita-se que os vasa recta têm
vamente impermeável a uréia e NaCl. Esta perda de a função de remover o líquido absorvido nos ductos cole-
água faz aumentar a concentração de NaCl no ramo tores e segmento descendente da alça de Henle. Natural-
descendente delgado, de tal forma que, na curva da alça, mente, o fluxo sanguíneo medular deve ser de tal ordem
a concentração de NaCl será maior no interior do túbu- que os solutos do interstício não sejam excessivamente
lo do que no interstício. No entanto, o líquido tubular a removidos, o que eliminaria o gradiente osmótico medu-
esse nível é isosmótico com o interstício papilar, cuja lar, tão importante na concentração urinária. Sabe-se, pois,
concentração total de soluto está na maior parte consti- que a concentração osmolar na ponta da papila é inversa-
tuída pela uréia. mente proporcional ao fluxo sanguíneo para esta área.
7. Quando líquido tubular atingir o ramo ascendente del- A manutenção deste interstício hiperosmolar deve-se:
gado da alça de Henle (segmento impermeável e per- a) a um baixo fluxo sanguíneo medular (apenas 5% do flu-
meável ao NaCl), o NaCl passará passivamente para o xo plasmático renal passam pela área medular e papilar);
interstício (devido ao gradiente de concentração). Como b) à presença dos vasa recta, responsáveis por um sistema
a permeabilidade deste segmento é mais alta para o de contracorrente trocador. A disposição anatômica da cir-
NaCl do que para a uréia, o NaCl sai do túbulo para o culação capilar na medula tem todas as características de
interstício mais rapidamente que a uréia quando esta um sistema de contracorrente trocador.
passa do interstício para o interior do túbulo. Com o O princípio deste sistema, conhecido em termodinâmi-
aumento da concentração de NaCl no interstício, have- ca, tem sido aplicado a sistemas biológicos e está ilustrado
rá maior absorção de água na porção fina descendente na Fig. 9.5. Suponhamos um tubo ao qual fornecemos água
da alça, com conseqüente maior hipertonicidade do flui- a 30°C e a um fluxo de 10 ml/min (Fig. 9.5 A). Esta água
do tubular, o que gera um maior fluxo de Na e Cl no passa por uma fonte de calor e recebe 100 calorias por mi-
ramo fino ascendente da alça de Henle, constituindo nuto. Logo, a água que sai do tubo está a uma temperatu-
assim um sistema de contracorrente multiplicador, apa- ra de 40°C. A seguir, dobramos o tubo, introduzindo, por-
rentemente passivo na medula interna, que foi iniciado tanto, um fluxo contracorrente no sistema e mantendo a
e mantido pelo transporte de Na e Cl na porção es- fonte de calor no mesmo local (Fig. 9.5 B). O sistema é
pessa da alça na região medular externa. montado de tal maneira que o fluxo de saída passa próxi-
8. O ramo espesso ascendente recebe, portanto, um flui- mo do fluxo de entrada, propiciando a troca de calor entre
do diluído, que se tornará ainda mais diluído em virtu- os dois fluxos (entrada e saída). Desta forma, a água aque-
de da reabsorção de NaCl neste segmento. cida (que está saindo) encontra a água fria (que está entran-
A urina final pode alcançar uma concentração próxima, do) e perde calor para ela. Portanto, a temperatura da água
mas não exceder a concentração do interstício medular. No que entra se eleva antes de atingir a fonte de calor. O pro-
homem, em condições de antidiurese, a concentração uri- cesso continua até que se atinja um estado de equilíbrio. A
nária máxima alcançada é de aproximadamente 1.200-1.300 temperatura máxima alcançada no sistema de contracor-
mOsm/kg, ou seja, quatro vezes a osmolalidade do plasma. rente é maior que no fluxo retilíneo.
Apesar do progresso alcançado nos últimos anos em As mesmas considerações são válidas para a adição de
relação aos mecanismos de concentração da urina, muitos soluto em vez de calor (Fig. 9.5 C). O soluto (NaCl) é adi-
aspectos ainda permanecem sem solução. Atualmente, cionado ao interstício e o equilíbrio entre os capilares se faz
aceita-se que a alça de Henle é o elemento multiplicador através do interstício. A finalidade deste sistema é facili-
no sistema de contracorrente e que o segmento delgado da tar ao máximo a transferência de uma molécula permeá-
alça é o multiplicador na medula interna.18 Pouca dúvida vel entre canais adjacentes, evitando o movimento das
resta também de que o segmento delgado ascendente da moléculas ao longo desses canais.
alça é a fonte de NaCl responsável pelo aumento na con- A arquitetura vascular da medula renal facilita a troca
centração de NaCl desde a base da medula interna até a de água e solutos entre os vasa recta ascendentes e descen-
papila.18 A incerteza permanece em relação ao mecanismo dentes, minimizando a entrada de água e saída de soluto
de reabsorção do NaCl no segmento delgado ascendente: da medula renal da seguinte maneira22 (v. Fig. 9.6).
se ativo ou passivo. Nos últimos anos, vários modelos ex- 1. O sangue circula pelos vasa recta através do interstício
perimentais tentaram solucionar o problema, como os de medular, progressivamente mais hiperosmolar em dire-
108 Metabolismo da Água

Fig. 9.5 Princípios do sistema de contracorrente trocador. Observem que a temperatura máxima obtida no sistema de contracorrente
(B) é maior que a obtida no sistema de fluxo linear (A). Em (C), representamos uma alça capilar em contato com o líquido intersticial.
Notem que, no início (flechas), os sais de sódio penetram no capilar e, no final, retornam para o interstício (v. texto para uma expli-
cação mais detalhada). (Modificado de Berliner R.W. e col.17)

ção à papila. A pressão hidrostástica transcapilar favore- 2. Como a concentração dos solutos no interstício é mai-
ce a saída de líquido do capilar, e a pressão oncótica trans- or, a pressão osmótica transcapilar favorece a saída de
capilar favorece a entrada de líquido para o capilar. Como água do capilar descendente, aumentando a concentra-
o sangue circula rapidamente, não há tempo para um ção das proteínas plasmáticas.
equilíbrio osmótico entre o capilar e o interstício. 3. Como os capilares são permeáveis a NaCl e uréia, e a
concentração destes no interstício é maior que no capi-
lar, eles entram no capilar descendente.
4. Quando o sangue atinge o capilar ascendente, a concen-
tração de solutos no plasma excede a do interstício (que
se torna progressivamente menos hiperosmolar em di-
reção ao córtex), e os solutos, então, deixam o capilar.
5. Da mesma forma, a pressão oncótica (determinada pe-
las proteínas plasmáticas) está elevada quando o san-
gue atinge o capilar ascendente. A soma da pressão
oncótica e da pressão osmótica (determinada pelos so-
lutos não-protéicos) determina a entrada de líquido no
capilar.
6. A quantidade de líquido que entra no capilar ascendente
é maior que a quantidade de líquido removida do capi-
lar descendente, e a diferença é igual ao volume de lí-
quido reabsorvido no ramo descendente da alça de
Henle e nos ductos coletores.
7. Em resumo, os vasa recta preservam os solutos e remo-
vem a água, mantendo a hiperosmolalidade da medula
renal.

PAPEL DA URÉIA NO MECANISMO DE


CONCENTRAÇÃO URINÁRIA
A uréia é o produto final do metabolismo protéico nos
mamíferos, sendo excretada quase unicamente pelos rins.
Fig. 9.6 Sistema de contracorrente trocador pelos vasa recta. Pr  Além da água e dos gases sanguíneos, a uréia é a substân-
proteína plasmática. O tamanho das letras dos solutos indica a
concentração relativa de cada soluto com relação à sua localiza- cia mais difusível no organismo.
ção na medula (v. texto para detalhes de funcionamento do sis- Investigações passadas já haviam demonstrado que a
tema). Obtido de Jamison, R.L. e Maffly, R.H.22 presença de uréia era essencial para a obtenção de uma
capítulo 9 109

osmolalidade urinária máxima. Se um animal deficiente em Devido à ausência de HAD, a permeabilidade à uréia
proteínas recebia uréia, a capacidade de concentração uri- do segmento medular interno-papilar do ducto coletor
nária aumentava. diminui; logo, a reabsorção de uréia também diminui.
Além disso, como há redução geral na reabsorção de água,
RECIRCULAÇÃO MEDULAR DA URÉIA o gradiente transtubular de uréia também diminui (recor-
de-se que é a reabsorção de água dos segmentos pouco
1. Uma quantidade mais ou menos constante de uréia é permeáveis à uréia que determina o aumento de sua con-
reabsorvida no túbulo proximal, independentemente do centração intratubular), e logo se reduz a recirculação
balanço de água. medular do sistema coletor para a alça de Henle. E, como
2. No ducto coletor cortical (e, em algumas espécies, no já foi exposto, a uréia exerce um papel fundamental no sis-
túbulo coletor), sob a influência do hormônio antidiuré- tema de contracorrente.
tico, a água é reabsorvida, o que determina um aumen- A capacidade de um indivíduo ingerir grande quantida-
to da concentração intraluminal de uréia (Fig. 9.4). de de água, sem desenvolver um excesso de água, traduz a
3. No segmento medular interno-papilar do ducto coletor, capacidade renal de excretar grande quantidade de urina
a permeabilidade à uréia aumenta mesmo na ausência diluída. A osmolalidade mínima que pode ser alcançada
do HAD, o qual, quando presente, parece aumentar ain- pelo rim humano é de aproximadamente 50 a 60 mOsm/
da mais esta permeabilidade. Desta forma, devido à kg, permitindo volumes de urina de 15 a 20 litros por dia.
diferença transtubular da concentração de uréia, esta se É necessário frisar alguns pontos importantes no meca-
difunde para o interstício medular. nismo de diluição da urina e expor os conceitos de clearan-
4. A uréia, então, torna a entrar no túbulo renal na pars recta ce osmolar e clearance de água livre.
do túbulo proximal ou ramo descendente de nefros su- Baseando-se no que já foi exposto nas páginas preceden-
perficiais e justamedulares. Como a alça delgada justa- tes, conclui-se que a formação e a excreção de uma urina
medular está numa região contendo uma alta concen- diluída dependem de três fatores básicos: a) oferta adequa-
tração de uréia no interstício, mais uréia entra no nefro da de líquido tubular ao segmento diluidor do nefro; b) re-
justamedular do que no superficial. Portanto, o fluxo de absorção adequada de soluto no segmento diluidor do nefro;
uréia que deixa o túbulo distal justamedular é maior do c) impermeabilidade do segmento diluidor do nefro à água.
que o que deixa o nefro superficial. Se analisarmos a urina, veremos que ela está constituí-
da por uma fase aquosa na qual vários solutos estão dis-
Pontos-chave: solvidos. Os solutos são ânions e cátions não-voláteis e os
produtos do metabolismo nitrogenado. Se relacionarmos
• Quando existe déficit de água, os rins a concentração destes solutos na urina (ou seja, a osmola-
reabsorvem mais água pelo mecanismo de lidade urinária) com a osmolalidade plasmática, podere-
concentração urinária, estimulado pelo mos ter três tipos de tonicidade urinária: urina isotônica,
HAD hipotônica e hipertônica em relação ao plasma (v. Fig. 9.7).
• A concentração urinária depende da Foi Homer Smith quem originalmente considerou a urina
manutenção de uma medula renal como contendo dois volumes virtuais: um volume conten-
do uma quantidade de soluto excretado numa concentra-
hipertônica pelo mecanismo de
ção igual à do plasma (isotônica) e um outro volume con-
contracorrente e recirculação de uréia
tendo água sem soluto.23
Quando se considera o fluxo urinário (ml de urina por
Diluição da Urina minuto), o volume de urina que contém os solutos numa
concentração igual à do plasma é denominado de clearan-
Não importa se a urina final será hiper- ou hipotônica: ce osmolar e o volume de urina sem solutos refere-se ao cle-
o líquido tubular que chega ao túbulo contornado distal arance de água livre. O termo clearance de água livre é errô-
será sempre hipotônico. Os ductos coletores (segmento cor- neo, pois, na verdade, não indica a depuração de uma subs-
tical e medular interno-papilar) e o segmento distal do tância e não é calculado pela fórmula clássica U  V/P, e
túbulo contornado distal são segmentos sensíveis à ação sim pela fórmula:
do HAD. Quando há uma redução ou cessação na libera-
ção de HAD, estes segmentos tornam-se relativamente CH2O  V  Cosm
impermeáveis à água. Em conseqüência, no sistema cole-
tor o líquido hipotônico permanece hiposmótico em rela- Onde:
ção ao plasma. No segmento medular interno-papilar do
ducto coletor, ocorre reabsorção de água, pois o segmento CH2O  clearance de água livre
ainda é permeável à água (embora menos) na ausência de V  volume de urina (fluxo urinário em ml/min)
HAD. Cosm  clearance osmolar
110 Metabolismo da Água

Fig. 9.7 Relação do clearance de água livre com a tonicidade da urina (v. texto). (Modificado de Hays, R.M. e Levine, S.D.33)

Considerando de outra maneira, podemos dizer que o cle- 2. Calcular o clearance de água livre de um paciente cuja
arance de água livre refere-se à quantidade de água livre (água urina apresenta osmolalidade de 600 mOsm/L, osmo-
sem solutos) que precisa ser adicionada ou retirada da urina lalidade plasmática de 300 mOsm/L e fluxo urinário de
para que a urina se torne isosmótica com o plasma. 1 ml/min:
Observem na Fig. 9.7 B que, quando a urina é isotônica,
isto é, tem a mesma concentração osmolar que o plasma, o 600  1
CH O  1  1
clearance de água livre é zero. Já na urina hipotônica, o clea- 2 300
rance de água livre é positivo e, na hipertônica, negativo. (significa urina hipertônica)
Costuma-se empregar a expressão TCH2O quando o clearance
de água livre for negativo. A letra C indica que a reabsorção Interpretação do clearance osmolar e do clearance de
ocorre nos ductos coletores. Portanto, TCH2O  CH2O. água livre
O clearance osmolar, que se refere ao volume de urina É óbvio que variações na ingesta e na excreção osmolar
necessário para excretar todos os solutos urinários numa não causarão alterações na osmolalidade plasmática (pois
proporção isosmótica, é calculado através da fórmula clás- a fração osmolar é sempre isosmótica). No entanto, para
sica do clearance: que a osmolalidade seja mantida, a fração de água livre
ingerida deverá ser igual ao clearance de água livre. Se a
Uosm  V ingestão de água livre exceder o clearance de água livre,
Cosm 
Posm haverá uma diminuição da osmolalidade plasmática. Fica
Onde: claro, portanto, a importância do mecanismo renal de di-
luição da urina (excreção de água livre) na preservação da
Cosm  osmolalidade urinária (mOsm/L) osmolalidade plasmática.
V  fluxo urinário (ml/min)
Posm  osmolalidade plasmática (mOsm/L)
Pontos-chave:
Vejamos, nos dois exemplos seguintes, o cálculo do cle- • A diluição urinária é resultado da
arance osmolar e do clearance de água livre. impermeabilidade dos túbulos coletores à
1. Calcular o Cosm de um paciente que apresenta osmolali-
água na ausência de HAD
dade plasmática de 300 mOsm/L, osmolalidade uriná-
• A excreção dos excessos de água é realizada
ria de 100 mOsm/L e fluxo urinário de 5 ml/min:
através da elaboração de urina final
100  5 diluída
Cosm   1,66 ml/min
300
capítulo 9 111

trutura e a função da célula, especialmente no cérebro. Os


DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO sintomas de hiperosmolaridade aparecem quando estes
METABOLISMO DA ÁGUA mecanismos de adaptação são ultrapassados.27
A membrana celular é de modo geral altamente perme-
A integração do sistema sede-HAD-rim permite que mes- ável à água, o que torna o volume intracelular muito sus-
mo com grandes variações na ingesta líquida a osmolalidade cetível às variações da osmolaridade do extracelular. A
no organismo seja mantida mais ou menos constante. Quan- hiperosmolalidade induz um movimento de água do in-
do há déficit de água, ocorre aumento da osmolalidade no tracelular para o extracelular, reduzindo o volume celular.
organismo, a qual estimula a sede e a liberação de HAD; esta Esta alteração no volume celular leva a mudanças no vo-
altera a permeabilidade do epitélio do ducto coletor, permi- lume e função celulares.
tindo maior conservação de água. Na presença de excesso de Por razões anatômicas, o cérebro é especialmente vulne-
água, ocorre o inverso: hiposmolalidade, ausência de sede e rável às alterações no volume celular. Reduções agudas no
menor liberação de HAD e conseqüente menor permeabilida- volume cerebral podem levar a uma separação entre o cére-
de à água no ducto coletor, causando, portanto, maior diure- bro, as meninges e o crânio, com ruptura de vasos sanguíne-
se. Daí se deduz que alterações no mecanismo de concentra- os e hemorragia. Porém, no cérebro, os astrócitos são capa-
ção e diluição da urina provocam distúrbios no metabolismo zes de restaurar o volume cerebral ao normal após transtor-
da água, que são a hipernatremia e a hiponatremia. nos osmóticos. No caso da hipernatremia, após algum tem-
É importante também relembrar que os distúrbios do po estas células respondem com um aumento na concentra-
metabolismo da água estão relacionados a alterações na ção intracelular de vários solutos osmoticamente ativos, in-
osmolalidade plasmática e são evidenciados pela dosagem cluindo o sódio, o potássio, o cloro. Além destes, progressi-
do sódio plasmático, o qual estará concentrado ou diluído vamente há acúmulo também dos chamados osmóis idiogêni-
no plasma, de acordo com a água corporal total do indiví- cos, que incluem aminoácidos (glutamato, glutamina, tauri-
duo. Já os distúrbios do metabolismo do sódio são verifi- na, ácido gama-aminobutírico), creatina, fosfocreatina,
cados pela avaliação do estado do espaço extracelular, atra- mioinositol e glicerofosforilcolina. Na hipernatremia aguda,
vés do exame físico (v. Caps. 8 e 10).24 por não ter havido tempo suficiente para o acúmulo destas
O termo desidratação refere-se à perda de água que leva substâncias, que manteriam o volume celular, é mais prová-
a uma elevação do sódio plasmático e a um déficit de água vel ocorrer variação do volume celular cerebral, com mani-
intracelular devido ao movimento de água das células para festações clínicas importantes. Na hipernatremia crônica, es-
o líquido extracelular. Já o termo depleção de volume se tes osmóis acumulados no interior das células levam à ma-
refere à diminuição do espaço extracelular devido à perda nutenção do volume celular, com menor sintomatologia.27
de sódio e água, como ocorre, por exemplo, nas diarréias.24,25 Os outros mecanismos de adaptação à hipernatremia
são a liberação de HAD e a ativação do mecanismo da
sede.27 Normalmente, o centro da sede é muito sensível
DÉFICIT DE ÁGUA — mesmo a pequenos aumentos da osmolalidade, da ordem
de 1 a 2%. Porém, mesmo que o mecanismo da sede seja
HIPERNATREMIA — ativado, muitos pacientes podem não expressar a sede
ESTADO HIPEROSMOLAR adequadamente ou não ter acesso à água. Isto é observa-
do em crianças pequenas e adultos com alterações do ní-
Hipernatremia ocorre quando a concentração plasmá- vel de consciência, principalmente idosos. Além disso, a
tica de sódio encontra-se acima de 145 mEq/L. A hiperna- capacidade de concentração urinária e conservação de água
tremia é um dos distúrbios eletrolíticos mais comuns em diminuem com a idade, e, nos idosos, a osmolalidade uri-
pacientes hospitalizados. Chega a ser preocupante que, nária máxima pode ser de apenas 500-700 mOsm/kg.28-30
nesta população, uma importante causa de hipernatremia Então, vários fatores tornam estes indivíduos mais propen-
é a iatrogenia, por reposição inadequada das perdas em sos ao desenvolvimento de hipernatremia significativa.
pacientes com acesso restrito à água.26
Um déficit de água no organismo é acompanhado por
um aumento na concentração plasmática de sódio. Como Pontos-chave:
já foi abordado no Cap. 8, o sódio é o principal íon deter-
minante da osmolalidade no compartimento extracelular, • Hipernatremia é diagnosticada com
de forma que a hipernatremia tem grande importância clí- concentração plasmática de sódio maior que
nica, por sua associação com hiperosmolaridade e conse- 145 mEq/L
qüentes efeitos sobre o conteúdo celular de água. A hiper- • Hipernatremia produz hiperosmolalidade,
natremia é a principal causa de hiperosmolaridade. uma vez que o sódio é o principal
Uma série de adaptações ocorre em todo o organismo determinante da osmolalidade plasmática
para minimizar o efeito da hiperosmolaridade sobre a es-
112 Metabolismo da Água

Fig. 9.8 Relação entre a osmolalidade plasmática e a ingesta e excreta osmolar e de água livre. Como a fração osmolar é sempre uma
fração isotônica, não há alterações na osmolalidade plasmática quando se modifica a ingesta ou excreta da fração osmolar. No en-
tanto, variações na ingesta ou excreta de água livre modificam a osmolalidade plasmática. (Baseado no diagrama de Hays, R.M. e
Levine, S.D.33)

Causas de Hipernatremia e renais de fluidos hipotônicos.31 Há uma perda concomitan-


te de água e sódio, embora haja proporcionalmente uma
Estado Hiperosmolar maior perda de água. Clinicamente, observam-se sinais de
No Quadro 9.1 podem ser observadas as principais cau- contração de volume: veias jugulares invisíveis, hipoten-
sas de hipernatremia. Uma abordagem também bastante são ortostática, taquicardia, pobre turgor da pele e muco-
didática se baseia na determinação do estado do espaço sas secas. Devido à hemoconcentração, o hematócrito e as
extracelular nos pacientes com hipernatremia, agrupando proteínas plasmáticas estão elevados.
as causas mais prováveis do distúrbio de acordo com a Perdas extra-renais podem ser decorrentes de sudorese
volemia do paciente e o sódio urinário31 (v. Quadro 9.10). excessiva ou diarréia, particularmente em crianças. Em
A hipernatremia é uma das causas de estado hiperos- alguns tipos de diarréia, principalmente nas osmóticas,
molar, o qual pode também ser ocasionado por uréia, gli- ocorre perda de fluido hipotônico em relação ao plasma,
cose e etanol. provocando aumento na concentração plasmática de sódio.
Isto pode ser observado também em crianças em que o flui-
do de reposição é hipertônico. Como resposta às perdas,
HIPERNATREMIA COM HIPOVOLEMIA os rins são estimulados a conservar água e sódio, a urina
Hipernatremia com depleção do espaço extracelular e mostra-se hipertônica e a concentração urinária de sódio é
hipovolemia pode ser decorrente de perdas extra-renais ou baixa, menor que 20 mEq/L.31
Por sua vez, perda de fluidos hipotônicos pelos rins
pode ser observada durante a diurese osmótica, como ocor-
Quadro 9.1 Causas de hipernatremia re na administração de manitol e no paciente diabético
descompensado, com glicosúria. A glicosúria é a principal
Perda de água causa de diurese osmótica em pacientes ambulatoriais.
• Perdas insensíveis (respiração e sudorese) Não se evidencia conservação renal de água e sódio, pois
• Hipodipsia
a urina é justamente a fonte de perda. A urina pode ser iso-
• Diabetes insipidus central
• Diabetes insipidus nefrogênico ou hipotônica e o sódio urinário é maior que 20 mEq/L.
Em pacientes hospitalizados, outras causas de diurese os-
Perda de fluido hipotônico
mótica são encontradas: alimentação hiperprotéica (a uréia
• Perdas renais
• Diurese osmótica age como agente osmótico); expansão do volume por so-
• Diuréticos de alça lução salina e liberação de obstrução urinária bilateral. A
• Fase poliúrica de NTA osmolalidade urinária nestas situações está geralmente
• Diurese pós-obstrutiva acima de 300 mOsm/kg, ao contrário da urina diluída da
• Perdas gastrintestinais diurese aquosa. Além do mais, a excreção de solutos (pro-
• Vômitos, sondagem nasogástrica
• Diarréia duto da urina de 24 h  volume  osmolalidade) é nor-
• Catárticos osmóticos mal na diurese aquosa (600-900 mOsm/kg/dia) e aumen-
• Perdas cutâneas tada na diurese osmótica.
• Queimaduras
Sobrecarga de sódio HIPERNATREMIA COM HIPERVOLEMIA
• Administração de soluções hipertônicas de sódio Esta categoria de hipernatremia é pouco freqüente. Ge-
• Enemas ricos em sódio
ralmente ocorre em pacientes que receberam grandes
• Hiperaldosteronismo primário
• S. de Cushing quantidades de cloreto ou bicarbonato de sódio hipertô-
nico. Ao exame físico há sinais do excesso de extracelular,
capítulo 9 113

como congestão pulmonar e ingurgitamento dos vasos do


pescoço.31 Quadro 9.2 Causas de diabetes insipidus pituitário

Pós-hipofisectomia
HIPERNATREMIA COM VOLEMIA Idiopático
APARENTEMENTE NORMAL Pós-traumático
Tumores supra- e intra-selares — metastático (pp. mama)
Este é o tipo mais freqüente de hipernatremia, e se deve craniofaringioma
a perdas de água sem eletrólitos. Ao exame, o espaço ex- pinealoma
tracelular pode ser considerado normal. Devido à per- Cistos
meabilidade das membranas celulares à água, um terço Histiocitose
da água perdida provém do extracelular, e dois terços, do Granulomas — tuberculose, sarcoidose
Vasculares — aneurismas, trombose, síndrome de
intracelular. É por isso que a principal conseqüência da Sheehan
perda de água é a hipernatremia, e não a depleção do ex- Infecciosas e imunológicas — meningite, encefalite
tracelular.31 síndrome de Guillain-Barré
Hipernatremia com volemia normal pode ser decorrente
de perdas insensíveis pelo suor e respiração, que, se não
forem apropriadamente repostas, elevam a concentração
plasmática de sódio. Estas perdas em geral somam 0,6 ml/ cérebro, que envolvam a região pituitário-hipotalâmica,
kg/hora, mas aumentam muito nas queimaduras, febre, podem cursar com DI central. Isto ocorre mais freqüente-
taquipnéia e exercícios intensos.32 mente com metástases de câncer de pulmão, leucemia ou
É causada principalmente por distúrbios que prejudi- linfoma. A incidência de DI varia com a extensão da lesão:
cam os mecanismos normais de conservação renal de água, 10-20% na remoção transesfenoidal de adenoma hipofisá-
por baixa concentração plasmática de hormônio antidiuré- rio restrito à cela e até 60-80% nos casos de grandes tumo-
tico (diabetes insipidus pituitário ou central) ou por compro- res que requerem hipofisectomia total. Alguns pacientes
metimento da resposta renal a níveis máximos de HAD apresentam um padrão trifásico de polidipsia-poliúria no
(diabetes insipidus nefrogênico). pós-operatório: na primeira fase, imediata à cirurgia, os pa-
Se a perda líquida for através da pele e do trato respira- cientes apresentam polidipsia-poliúria; segue-se a segun-
tório, a urina será hipertônica. A quantidade de sódio uri- da fase, caracterizada por quatro a cinco dias de antidiu-
nário é variável e reflete a ingesta diária. Se a perda líqui- rese; e, após vários dias, uma terceira fase, na qual a poli-
da for de origem renal (diabetes insipidus central ou nefro- úria reaparece. Acredita-se que, na primeira fase, ocorra
gênico), a urina será hipotônica, e a quantidade de sódio uma lesão aguda dos núcleos hipotalâmicos e que, portan-
urinário, também variável. to, não haja síntese e liberação de vasopressina. Já a segun-
da fase ocorreria devido à liberação de vasopressina pelo
tecido neuro-hipofisário necrosado. Nesta fase, entre os
Ponto-chave: dias 6 e 11, ingestão excessiva de água pode causar hipona-
• Hipernatremia pode cursar com espaço tremia. Pacientes com lesões menos graves podem ter um
extracelular normal, diminuído ou DI central transitório que começa 24-48 horas depois da ci-
rurgia e melhora em uma semana. Além disto, nem todos
aumentado
os pacientes passam pelas três fases. É importante frisar que
a maioria dos casos de poliúria após neurocirurgia não são
Diabetes insipidus (DI) pituitário ou central decorrentes de DI central, mas devidos a um excesso de lí-
Caracteriza-se por uma alteração central na síntese ou quidos durante a cirurgia e diurese osmótica pelo uso de
secreção de HAD, limitando a capacidade renal de concen- manitol e corticosteróides para minimizar o edema cerebral
trar a urina e causando graus variados de poliúria e poli- (que podem causar hiperglicemia e glicosúria). A diferenci-
dipsia. A falta de HAD pode ser induzida por distúrbios ação pode ser feita pela osmolalidade urinária, resposta à
em um ou mais locais de secreção do HAD: osmorrecep- restrição de água e administração exógena de HAD.
tores hipotalâmicos, núcleos supra-óticos ou paraventricu- Aproximadamente 30% dos casos de DI central são de
lares; ou a porção superior do trato supra-ótico hipofisá- natureza idiopática, por um processo auto-imune com in-
rio. Por outro lado, lesão do trato abaixo da eminência flamação linfocítica da haste hipofisária e da parte poste-
média ou da parte posterior da hipófise produz apenas rior. Uma causa mais rara é o diabetes insipidus central fa-
uma poliúria transitória. Nestes casos, o HAD produzido miliar, habitualmente transmitido como um traço autossô-
no hipotálamo ainda pode ser secretado na circulação sis- mico dominante. O DI central familiar parece estar associ-
têmica através dos capilares portais da eminência média. ado a uma mutação do gene que controla a síntese de HAD:
CAUSAS. As cirurgias de hipófise, tumores supra-se- preprovasopressina-neurofisina II. O precursor não é cli-
lares e traumatismo craniano são causas de DI central33 (v. vado em HAD, acumulando-se localmente e causando a
Quadro 9.2). As neoplasias primárias ou secundárias do morte de células produtoras de HAD.
114 Metabolismo da Água

A encefalopatia hipóxica (ou isquemia grave, como ocor-


re na parada cardiocirculatória ou choque) causa uma di- Quadro 9.4 Causas de diabetes insipidus nefrogênico
minuição da liberação de HAD. A gravidade do defeito Congênito
pode ser variável, desde uma discreta e assintomática po-
liúria até uma forma mais evidente. Exemplo: síndrome de Adquirido
Nefropatia crônica
Sheehan, onde a secreção de HAD é subnormal, mas a
Doença policística
manifestação clínica é discreta. Doença cística medular
Após um quadro de taquicardia supraventricular pode Amiloidose
ocorrer poliúria transitória devido à liberação aumentada Pielonefrite
do fator atrial natriurético e secreção diminuída de HAD. Uropatia obstrutiva
Anemia de células falciformes
As alterações hormonais parecem ocorrer devido à ativa-
Distúrbios eletrolíticos (hipercalcemia, hipocalemia)
ção de receptores locais de volume devido ao aumento da Alterações na dieta — redução na ingesta de
pressão no átrio esquerdo e da pressão sistêmica. proteína e sódio
Na anorexia nervosa a liberação de HAD é subnormal — ingestão crônica excessiva
ou errática, talvez devido à disfunção cerebral. É um de- de água
Agentes farmacológicos: lítio, metoxiflurano,
feito geralmente discreto, e quando ocorre poliúria, esta é
demeclociclina etc.
decorrente do aumento na sede.

Diabetes insipidus nefrogênico


Refere-se à diminuição da capacidade de concentração soconstrição e aumento da liberação de prostaglandinas,
urinária que resulta da resistência à ação do HAD. Isto enquanto receptores V2 se relacionam a resposta antidiuré-
pode refletir uma resistência no local de ação do HAD nos tica, vasodilatação periférica e liberação do fator VIII e fa-
ductos coletores ou interferência com o mecanismo contra- tor de von Willebrand das células endoteliais. A transmis-
corrente devido à lesão medular ou diminuição na reab- são é ligada ao sexo (X-linked). Como a mutação é no re-
sorção de NaCl no segmento medular espesso ascendente ceptor V2, estão comprometidas as respostas antidiuréti-
da alça de Henle. cas, vasodilatadoras e do fator de coagulação, enquanto os
CAUSAS. As principais causas de DI nefrogênico estão efeitos vasoconstritores e nas prostaglandinas estão intac-
agrupadas no Quadro 9.4. tos. A herança ligada ao sexo significa que os homens têm
O diabetes insipidus nefrogênico hereditário é um distúr- marcada poliúria e as mulheres variam de um estado por-
bio infreqüente que resulta em graus variados de resistên- tador a uma importante poliúria. Recentemente uma for-
cia ao HAD. Há dois receptores diferentes para o HAD: os ma autossômica recessiva foi descrita na qual o receptor
receptores V1 e V2. Ativação dos receptores V1 induz va- V2 está intacto, assim como as respostas sobre a vasodila-
tação e a coagulação; o defeito está nos “canais de água”
coletores (chamados aquaporina-2). Estes canais normal-
mente armazenados no citosol, sob influência do HAD,
Quadro 9.3 Diferenciação de distúrbios poliúricos movem-se e se fundem com a membrana luminal, permi-
por desidratação e administração exógena de
tindo a reabsorção de água.
vasopressina
O diabetes insipidus nefrogênico adquirido é mais comum
Uosm Uosm que o congênito e também menos grave, porque a capaci-
antes* depois** dade renal de concentrar a urina até a osmolalidade do
plasma está preservada. Assim, a polidipsia e a poliúria são
Normal 1,067 ± 68,7 987,0 ± 79,4
(N = 9) moderadas: 3-5 litros por dia. As principais causas de DI
Diabetes insipidus 168 ± 13,0 445,0 ± 52,0 nefrogênico são abordadas a seguir.
(N = 18) As nefropatias crônicas podem causar DI nefrogênico,
Diabetes insipidus 437 ± 33,6 548,0 ± 28,2 com comprometimento da capacidade renal de concentra-
incompleto ção máxima da urina (geralmente quando a TFG for me-
(N = 12)
Polidipsia 738 ± 52,9 779,8 ± 73,1 nor que 60 ml/min). Embora se possa encontrar hiposte-
primária núria (osmolalidade urinária menor que a plasmática) em
(N = 7) nefropatias crônicas avançadas, uma poliúria sintomática
é rara. No entanto, a evidência mais precoce e mais grave
Modificado de Berl, T. e cols.29 após adaptação do trabalho de Miller, M.
e cols.38 deste comprometimento na concentração urinária ocorre
N indica o número de casos estudados em cada grupo. em enfermidades que afetam a região medular e papilar
Uosm  osmolalidade urinária. do rim, tais como: doença policística, doença cística medu-
*antes — ao término do período de privação líquida e antes de receber
vasopressina. lar, amiloidose, pielonefrite, uropatia obstrutiva, anemia
**depois — após a administração de vasopressina. de células falciformes, etc. As causas deste defeito na con-
capítulo 9 115

centração urinária são múltiplas: destruição na medula vasopressina na formação de adenosina-monofosfato cícli-
renal das inter-relações anatômicas entre a alça de Henle, co (cAMP) e induz poliúria reversível.35 Pacientes com acne
vasa recta e ducto coletor; talvez a presença de toxinas urê- tratados com doses altas de dimetilclortetraciclina (deme-
micas na circulação, que antagonizam a ação da vasopres- clociclina) podem apresentar poliúria e polidipsia.36 Esta
sina, e a diurese osmótica a que são submetidos os nefros droga inibe a ação da vasopressina, possivelmente através
remanescentes. de uma interferência na geração e ação de cAMP. Ela tam-
Alterações na dieta podem causar diabetes insipidus ne- bém se liga a uma proteína específica da célula epitelial,
frogênico. Em reduções crônicas na ingesta protéica, a con- que é importante na ação do HAD. O metoxifluorano é um
centração máxima da urina está comprometida, e isto pa- agente anestésico que pode causar diabetes insipidus nefro-
rece estar relacionado com a menor formação de uréia, que gênico por induzir redução da permeabilidade do ducto
representa mais ou menos 50% da tonicidade do interstí- coletor ou diminuição da tonicidade do interstício medu-
cio medular. Da mesma forma, a restrição de sódio com- lar.37
promete o mecanismo de concentração, pois o primeiro MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DO DI CENTRAL E
passo no mecanismo de contracorrente multiplicador é a NEFROGÊNICO. Além da poliúria, noctúria e da polidip-
reabsorção ativa de cloro (e passiva de sódio) no segmen- sia que pode chegar a 15 litros ao dia, a maior parte dos
to espesso ascendente da alça de Henle. A restrição de clo- pacientes portadores de DI central apresenta níveis de só-
reto de sódio resulta num aumento da reabsorção proxi- dio plasmático normal ou pouco aumentado, uma vez que
mal destes íons, e, portanto, a quantidade que chega à alça o mecanismo da sede está intacto, repondo pelo menos
de Henle é menor. Por fim, a ingestão crônica de excessos parcialmente a perda de água. Porém, pode ocorrer hiper-
de água, como ocorre nos bebedores compulsivos de água natremia no DI central em que o paciente não tenha aces-
(polidipsia primária), reduz a tonicidade do interstício so à água ou que tenha seu mecanismo da sede alterado.
medular e compromete a capacidade de concentração Com o tempo, pode ocorrer grande dilatação vesical e dos
máxima da urina 34 (v. Quadro 9.4). ureteres, a ponto de não haver mais noctúria. Além disso,
Alguns distúrbios eletrolíticos também são causa de di- outras manifestações decorrem da doença de base.
abetes insipidus nefrogênico. Entre eles, a hipercalcemia e
a hipocalemia. O mecanismo pelo qual a hipercalcemia
compromete a concentração urinária ainda não está escla- Pontos-chave:
recido. A deposição de cálcio na medula renal e a contra- • Diabetes insipidus central é causado por
ção de volume que geralmente acompanha a hipercalce- alteração da produção e/ou liberação do
mia são fatores a considerar. Uma ação direta a nível celu-
HAD
lar alterando o equilíbrio osmótico também tem sido con-
• Diabetes insipidus nefrogênico decorre da
siderada. O defeito na concentração torna-se clinicamente
aparente quando a concentração plasmática de cálcio está insensibilidade renal ao HAD
persistentemente acima de 11 mg/dl. Com concentração
plasmática de potássio persistentemente abaixo de 3 mEq/L, DIAGNÓSTICO DO DI CENTRAL, NEFROGÊNICO
há indícios de que ocorre redução da reabsorção de NaCl E OUTRAS FORMAS DE POLIÚRIA. Além da poliúria,
no segmento ascendente espesso da alça de Henle e uma polidipsia e hipernatremia com volemia normal, no diabe-
menor resposta do túbulo coletor ao HAD. Tanto na hiper- tes insipidus central a densidade da urina é bastante baixa
calcemia como na hipocalemia, o defeito no mecanismo de (1,001-1,005), embora formas parciais de DI, na vigência de
concentração é discreto, e, para explicarem a ingesta líqui- desidratação intensa, possam formar urina hipertônica. Há
da superior às vezes a 3-5 litros, alguns autores sugerem alguns testes para o diagnóstico de DI, como a restrição de
um efeito destes eletrólitos no mecanismo da sede. água, administração de solução salina hipertônica e admi-
Uma outra causa de DI nefrogênico é a anemia de célu- nistração exógena de hormônio antidiurético, como vere-
las falciformes, em que há uma tendência das hemácias em mos a seguir.
adquirir a forma de foice no ambiente hipertônico e de A restrição simples de água é o teste mais utilizado e
baixa tensão de oxigênio na medula renal. Esta alteração determina a capacidade de o paciente elaborar HAD em
na forma das hemácias compromete a circulação dos vasa resposta à hipertonicidade do plasma. O paciente é pesa-
recta e causa edema e infartos da papila renal, ocasionan- do e, a seguir, restringe-se a água por 12-16 horas ou até
do a incapacidade de concentrar adequadamente a urina. que ele perca 3-5% do peso corporal. Cada amostra de uri-
Existem drogas que interferem com a ação renal do na é coletada para determinação do volume e densidade
HAD, prejudicando a reabsorção de água. Entre estas dro- urinária e/ou osmolalidade. Um indivíduo normal reduz
gas, destacamos o lítio, a dimetilclortetraciclina, o o volume urinário para menos de 0,5 ml/min e aumenta a
metoxifluorano e as sulfoniluréias. O lítio é uma droga osmolalidade urinária (superior a 800 mOsm/kg). O paci-
muito usada em psiquiatria no manejo de psicose manía- ente com DI mantém um alto volume urinário e uma os-
co-depressiva. Aparentemente esta droga inibe a ação da molalidade urinária em torno de 200 mOsm/kg. Alguns
116 Metabolismo da Água

autores preferem um teste mais curto (6-8 horas) e compa- pela medida da excreção urinária de aquaporina-2, que é
ram a osmolalidade sérica e urinária inicial com a final. Um o “canal de água” do túbulo coletor. A excreção de
longo período de restrição líquida deve ser evitado devi- aquaporina-2 aumenta muito após a administração de
do ao risco de depleção de volume e hipernatremia, e al- HAD em indivíduos normais e naqueles com DI central,
guns autores sugerem períodos de restrição de água de podendo ser usada como um índice da ação deste hormô-
apenas 2-3 horas. O volume e a osmolalidade urinária são nio no rim.39,40
determinados a cada hora, e o sódio plasmático, a cada 2
horas.
Com a administração de solução salina hipertônica (300
Ponto-chave:
ml de NaCl a 5%), ocorre aumento da osmolalidade plas- • Ο diagnóstico diferencial entre diabetes
mática e, nos indivíduos normais, há uma liberação de insipidus central, nefrogênico e outras
HAD e conseqüente redução do volume urinário. Este teste formas de poliúria é realizado através da
não tem sido utilizado de rotina.
história clínica e dos testes de restrição de
O aumento da osmolalidade plasmática em indivíduos
normais conduz a uma elevação progressiva da liberação
água, infusão de salina hipertônica e
do HAD e, portanto, da osmolalidade urinária. Quando a administração de HAD
osmolalidade plasmática atinge 295-300 mOsm/kg (nor-
mal 275-290 mOsm/kg), a ação endógena do HAD no rim TRATAMENTO DO DI CENTRAL. O tratamento do
é máxima. Neste ponto, administrar HAD não eleva a os- DI central visa a diminuição do débito urinário, através do
molalidade urinária, a menos que haja um problema cen- aumento na atividade do HAD e reposição adequada das
tral na liberação de HAD, ou seja, DI central. O teste de perdas líquidas. O DI central é tratado com a administra-
restrição da água continua até que a osmolalidade uriná- ção do hormônio antidiurético (HAD) ou com o uso de
ria atinja um nível normal (acima de 600 mOsm/kg), indi- outros medicamentos não-hormonais.41
cando liberação e ação intactas do HAD, a osmolalidade Atualmente, está disponível a desmopressina (DDA-
urinária fique estável em duas medidas consecutivas, ape- VP), que tem efeito antidiurético potente, sem efeito
sar de um aumento na osmolalidade plasmática, ou se a vasopressor. A desmopressina é apresentada na forma lí-
osmolalidade plasmática exceder 295-300 mOsm/kg. Nes- quida e pode ser utilizada pela via intranasal, aplicada atra-
tas duas últimas situações, administra-se HAD exógeno (10 vés de um pequeno tubo plástico ou na forma de spray.
mg de DDAVP por spray nasal). Monitora-se o volume e a Inicia-se com dose de 5 µg à noite; dependendo dos efei-
osmolalidade urinária. Os padrões de resposta à restrição tos sobre a noctúria, a dose pode ser aumentada em 5 µg e
de água e à administração de DDAVP são distintos, depen- depois acrescentadas doses diurnas. Nos EUA está dispo-
dendo da causa do DI.29,38 nível uma apresentação oral de DDAVP, mas que tem
No DI central, que é geralmente parcial, a liberação de potência de apenas 10-20% da forma nasal.41 O risco da
HAD e a osmolalidade urinária podem aumentar com o administração do DDAVP é a retenção de água e hipona-
aumento da osmolalidade plasmática. Porém, como a libe- tremia, já que, sob o efeito desta droga, o paciente é inca-
ração de HAD é inadequada, a concentração urinária ob- paz de excretar normalmente a água ingerida.
tida não é máxima, e neste caso o HAD exógeno leva a um Para os pacientes que têm resposta incompleta à desmo-
aumento da osmolalidade urinária e queda no débito uri- pressina, pode ser necessário acrescentar drogas que au-
nário. mentem a liberação de ADH, aumentem o efeito do ADH
No DI nefrogênico a restrição de água causa elevação no rim (em DI central parcial) ou diminuam o débito uri-
submáxima na osmolalidade urinária. O aumento da os- nário de maneira independente do HAD. Entre estas dro-
molalidade plasmática estimula a liberação de HAD, mas gas, podem ser utilizadas a clorpropamida, clofibrato, ace-
como os pacientes com DI nefrogênico de modo geral são taminofen e tegretol, diuréticos tiazídicos e antiinflamató-
parcialmente resistentes ao HAD, pode haver um aumen- rios não-hormonais.
to pequeno na osmolalidade urinária. A administração de A clorpropamida é uma droga utilizada no manejo de
HAD exógeno também pode aumentar a osmolalidade diabetes mellitus, mas também é eficaz no tratamento do DI
urinária. central. Esta droga é capaz de reduzir o volume urinário e
Na polidipsia primária, a restrição de água aumenta a elevar a osmolalidade urinária em pacientes portadores de
osmolalidade urinária. Como a liberação de HAD está DI central. Acredita-se que potencialize os efeitos do HAD
normal, não há resposta ao HAD exógeno. A capacidade circulante, talvez sensibilizando o túbulo renal à ação da
de concentração urinária está diminuída, pois a poliúria e HAD. Ainda não está esclarecido se a clorpropamida tem
a polidipsia crônicas retiram solutos da medula renal, di- uma ação central (estimulando a liberação de HAD). Após
minuindo o gradiente intersticial medular.39 o diagnóstico, administram-se 250 mg de clorpropamida
Talvez no futuro os resultados do teste de restrição à uma ou duas vezes ao dia, e o efeito será observado entre
água e administração de HAD possam ser confirmados o terceiro e o sétimo dia após a administração. Ela não é
capítulo 9 117

efetiva na forma nefrogênica do DI e é menos efetiva quan- mentar a resposta renal a este hormônio. Dessa forma, a
to mais grave for o DI. O maior problema é a hipoglicemia desmopressina pode ser utilizada em pacientes com poli-
que causa, sobretudo em crianças. úria persistente após a utilização das outras medidas.
O clofibrato (droga usada no tratamento de dislipide-
mias) parece aumentar a secreção pituitária de vasopres-
sina e não possuir nenhuma ação sensibilizante ao nível de
Pontos-chave:
túbulo renal. Por não ter efeitos colaterais (como a hipo- • Ο princípio do tratamento do diabetes
glicemia da clorpropamida), pode ser utilizado no manejo insipidus central é a utilização de análogos
do DI parcial. A dose de 500 mg cada 6 horas pode reduzir do HAD (DDAVP). Também são úteis:
a poliúria em DI central. A carbamazepina (usada no tra-
clorpropamida, clofibrato, acetaminofen,
tamento da epilepsia) parece aumentar a resposta tubular
ao HAD. A carbamazepina é utilizada numa dose de 100 a
carbamazepina, tiazídicos e
300 mg duas vezes ao dia. A clorpropamida, clofibrato e antiinflamatórios não-hormonais
carbamazepina podem reduzir o débito urinário no DI • No diabetes insipidus nefrogênico,
central em até 50%.41 recomenda-se dieta com baixo teor de sal e
A indução de discreta depleção de volume com uma proteínas, e o uso de tiazídicos e
dieta baixa em sódio e diuréticos tiazídicos (hidroclorotia- antiinflamatórios não-hormonais
zida, 25 mg uma ou duas vezes ao dia) são medidas efica-
zes no tratamento do DI, reduzindo o débito urinário em
cerca de 50%. A hipovolemia induzida aumenta a reabsor- Manifestações Clínicas de Hipernatremia
ção proximal de água e sódio, reduzindo assim a oferta de
água aos locais HAD-sensíveis dos ductos coletores.41 As manifestações clínicas de um estado hiperosmolar
Os antiinflamatórios não-hormonais (principalmente o dependem da existência ou não de alterações no volume
ibuprofeno) causam inibição da síntese de prostaglandinas dos compartimentos líquidos. Isto, por outro lado, depen-
renais, e isto aumenta a capacidade de concentração uri- de de a substância que determina o estado hiperosmolar
nária, já que as prostaglandinas normalmente antagonizam ter livre acesso à água intracelular. O estado hiperosmolar
a ação do HAD. Podem reduzir o débito urinário em 25- pode ser classificado em dois grupos: devido à substância
50%.41 com fácil acesso à água intracelular (uréia, etanol) e devi-
TRATAMENTO DO DI NEFROGÊNICO. O tratamen- do ao acúmulo de solutos habitualmente excluídos do com-
to se dirige à correção da doença de base e à diminuição da partimento intracelular (glicose, sódio).43 Como já menci-
poliúria. Os pacientes com DI nefrogênico não se benefici- onamos, a hipernatremia é uma das causas mais importan-
am da administração de HAD ou drogas que aumentem sua tes de estado hiperosmolar.
secreção ou resposta renal, pois o defeito é justamente uma Como a uréia é altamente difusível, alterações na con-
resistência renal (parcial ou completa) ao HAD. Ao invés centração plasmática de uréia não são acompanhadas de
disso, apresentam efeitos favoráveis no tratamento do DI mudanças no volume dos compartimentos líquidos. Ape-
nefrogênico: diuréticos tiazídicos, antiinflamatórios não- nas quando é administrada rapidamente e em grandes
hormonais e dieta hipossódica e baixa em proteínas. doses, a uréia pode causar um gradiente osmótico trans-
Como já mencionado, os diuréticos tiazídicos induzem celular e produzir mudanças nos compartimentos líquidos.
uma depleção do extracelular, aumentando a reabsorção A ingestão de etanol é uma causa comum de hiperosmo-
proximal de sódio e água, com isso diminuindo a oferta de lalidade, mas, da mesma forma que a uréia, tem fácil aces-
água aos locais sensíveis ao HAD nos túbulos coletores. so à água intracelular e, portanto, não causa mudanças no
Esta resposta é potencializada com o uso concomitante de volume dos compartimentos líquidos. Apenas o álcool etí-
amiloride ou outro diurético poupador de potássio. Os lico pode causar um aumento da osmolalidade de signifi-
diuréticos de alça induzem uma resistência relativa ao cação clínica, pois cada 100 mg/100 ml elevam a osmolali-
ADH e não devem ser usados.42 dade em 22 mOsm/L.
Os antiinflamatórios não-hormonais apresentam no DI A glicose, por sua vez, é uma substância osmoticamente
nefrogênico os mesmos efeitos já discutidos com relação ativa, pois atravessa as membranas celulares muito lenta-
ao tratamento do DI central. mente. Diabetes mellitus e diálise peritoneal com glicose
O débito urinário no DI nefrogênico pode ainda ser re- hipertônica são situações clínicas comuns de hiperosmo-
duzido com a utilização de uma dieta com pouco sal e lalidade plasmática. Durante a fase inicial de descompen-
pouca proteína, que induz uma diminuição na excreção de sação do diabetes mellitus, ocorre hiperglicemia sem glicosú-
solutos (sal e uréia) e no volume de água necessário para ria, enquanto o limiar renal de excreção da glicose não foi
excretá-los. excedido. Esta hiperglicemia inicial causa um aumento da
Para os pacientes com DI nefrogênico parcial, talvez a osmolalidade plasmática, e o desvio da água do comparti-
utilização de níveis suprafisiológicos de HAD possa au- mento intracelular para o extracelular torna os dois com-
118 Metabolismo da Água

partimentos isosmóticos. O resultado final é um aumento


da osmolalidade nos dois compartimentos, aumento do Quadro 9.5 Mecanismos renais necessários para o
clearance de água
volume do compartimento extracelular e hiponatremia
devido à diluição do sódio no extracelular pela água pro- A. Produção de um gradiente osmótico
veniente do compartimento intracelular. Na segunda fase de 1. Número suficiente de nefros funcionantes
descompensação do diabetes mellitus, a hiperglicemia exce- 2. Oferta suficiente de NaCl aos segmentos medulares
de o limiar de excreção renal e aparece a glicosúria. Nesta 3. Transporte suficiente de NaCl nos segmentos
medulares
fase ocorre uma diurese osmótica, com grandes perdas 4. Conservação suficiente de uréia na medula renal
urinárias de água e cloreto de sódio e conseqüente contra-
ção do volume plasmático. No coma diabético hiperglicê- B. Utilização do gradiente osmótico
mico não-cetótico, a depleção de água pode ser tão grande 1. Fluxo sanguíneo renal apropriado
que, apesar da hiperglicemia (1.000 mg/100 ml), o sódio 2. Ação apropriada da vasopressina nos ductos
coletores
plasmático está normal ou elevado. O organismo reage à 3. Resposta apropriada da vasopressina pelos ductos
contração do volume plasmático, desviando líquido do coletores
interstício e, mais importante, desviando líquido das célu- 4. Fluxo urinário apropriado
las para expandir o compartimento extracelular. A água
intracelular sai, acompanhada de eletrólitos (K, Cl ,
HPO4), para que a isosmolalidade transcelular seja man-
tida. O manejo desses pacientes requer, além da adminis- ciente receba sobrecarga de sódio ou reidratação muito in-
tração de insulina, a administração de líquidos e eletróli- tensa.
tos. Se a osmolalidade inicial não for muito elevada, admi- Entre os pacientes hospitalizados, as manifestações po-
nistra-se solução salina isotônica, a fim de restaurar o vo- dem não ser tão nítidas, pois muitos deles apresentam
lume plasmático. Particular atenção deve ser dada à repo- doença neurológica preexistente. Na maioria das vezes, há
sição de potássio, pois, mesmo na presença de hipercale- alterações sensoriais, como confusão mental, estupor e,
mia, a administração de insulina e líquido é seguida de eventualmente, coma. Pode haver hipotensão, taquicardia
rápida queda na concentração plasmática de potássio. e até hipertermia. O volume urinário é pequeno, a menos
Quando a osmolalidade plasmática inicial for muito ele- que haja uma diurese osmótica ou uma síndrome poliúri-
vada, recomenda-se a administração de uma solução sali- ca. A concentração plasmática das proteínas está elevada
na hipotônica (NaCl a 0,45%). e, se houver um déficit de sódio associado, verifica-se uma
O sódio tem um acesso limitado ao compartimento in- elevação da hemoglobina e do hematócrito. O líquido ce-
tracelular, e o estado hiperosmolar que acompanha a hi- falorraquidiano pode ser xantocrômico ou sanguinolento,
pernatremia reflete um déficit de água total, sobretudo da graças a um aumento da permeabilidade ou mesmo rup-
água intracelular. Este déficit de água pode ser acompa- tura dos capilares cerebrais devido à redução de volume
nhado de um déficit de sódio, mas sempre em menor quan- do cérebro.
tidade que a perda de água29 (v. Quadros 9.6 e 9.10). Além
da associação com hipovolemia, também é possível encon- Pontos-chave:
trar hipernatremia com volemia normal ou aumentada. É
necessário avaliar o espaço extracelular através de um cui- • As principais manifestações da
dadoso exame físico, conforme será abordado no Cap. 10. hipernatremia se relacionam ao sistema
Entre as manifestações clínicas da própria hipernatre- nervoso central e dependem da idade do
mia, predominam aquelas que refletem disfunção do sis- paciente e da rapidez de instalação
tema nervoso central, principalmente se o aumento na con- • Os sintomas são mais intensos na
centração do sódio se fez de forma rápida, ao longo de al- hipernatremia aguda que na crônica, pois o
gumas horas. A maior parte dos pacientes não internados mecanismo de compensação (ganho
que apresentam hipernatremia é muito jovem ou idosa.
intracelular de osmóis) não está ativado
Estes grupos etários apresentam alterações do mecanismo
da sede, redução da capacidade de concentração máxima
da urina e falha na resposta normal ao ADH.44 Manejo do Paciente com Hipernatremia
Em crianças, são comuns a hiperpnéia, fraqueza mus-
cular, inquietude, choro, insônia, letargia e até mesmo LINHAS GERAIS
coma. As crianças geralmente não apresentam sintomas até O tratamento da hipernatremia depende de dois fato-
que a concentração plasmática de sódio exceda 160 mEq/L. res importantes: volume do compartimento extracelular e
Se o paciente está consciente, a sede pode ser intensa. O ritmo de aparecimento da hipernatremia.
nível de consciência se correlaciona com a gravidade da hi- Na hipernatremia associada à depleção do volume ex-
pernatremia. Convulsões não ocorrem, a menos que o pa- tracelular, o primeiro objetivo é restaurar a volemia com
capítulo 9 119

Quadro 9.6 Interpretação e manejo da hipernatremia*

Distúrbio Sódio total Causas clínicas Osmolalidade Tratamento


básico do organismo urinária e NaU**

Perda de Sódio total Perdas renais: Urina iso - ou hipo- Solução salina
água e sódio reduzido (diurese osmótica) tônica; NaU isotônica
 20 mEq/L
Perdas extra-renais: Urina hipertônica
sudorese NaU  10 mEq/L

Perda de Sódio total Perdas renais: Urina iso-, hipo- ou Água ou soro
água normal diabetes insipidus, hipertônica glicosado a 5%
central ou nefrogênico NaÜ variável
Perdas extra-renais: Urina hipertônica
pele e trato respiratório NaÜ variável
Adição Excesso de Hiperaldosteronismo Urina iso - ou hiper- Água ou soro
de sódio sódio total primário; síndrome de tônica NaU glicosado a 5%
Cushing; diálise  20 mEq/L  diuréticos
hipertônica; bicarbonato
de sódio hipertônico

*Modificado de Berl, T. e cols.8


**NaÜ indica a concentração urinária de sódio.

soro fisiológico. Se houver sinais de colapso circulatório sendo menor em pacientes hipernatrêmicos e que estão
pela contração de volume, a solução salina isotônica deve com déficit de água; logo usam, em vez de 60% e 50%,
ser administrada até que a instabilidade hemodinâmica valores de 50% e 40% para homens e mulheres, respecti-
seja corrigida. Posteriormente, podem ser utilizados o soro vamente).
glicosado a 5% ou uma solução hipotônica (0,45%) de clo- 2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este
reto de sódio. Se não houver instabilidade hemodinâmica paciente possui com o sódio em 155 mEq/L.
inicial, inicia-se a administração simultânea de soro glico-
sado a 5% e solução salina isotônica. Quando se dispuser Água normal  Sódio normal 42  140
de uma solução salina hipotônica (NaCl 0,45%), esta será Água atual   ⬵ 38 litros
Sódio atual 155
preferida.
O manejo dos pacientes com hipernatremia associada a 3.º passo: Calcular o déficit de água: Água atual  água
um excesso de volume extracelular baseia-se na reposição normal  38  42  4 litros de déficit de água. Esta é a
de água por via oral ou parenteral e na remoção do sódio quantidade de fluido hipotônico que o paciente necessi-
com diuréticos de alça. Na presença de insuficiência renal, ta receber para que seu sódio plasmático retorne a 140
hipernatremia e excesso de volume são manejados através mEq/L.
de diálise.
Finalmente, naqueles pacientes com hipernatremia e TIPO DE FLUIDO
volemia normal o manejo baseia-se na interrupção da per- A escolha do fluido a ser infundido para a correção da
da continuada de líquido e na administração de água sob hipernatremia depende da via de administração e da ne-
a forma de soro glicosado a 5%. A administração de líqui- cessidade de corrigir outro distúrbio hidroeletrolítico coe-
do pode ser feita por via oral, via sonda nasogástrica ou xistente. Para uso enteral, podem ser utilizadas a água
via parenteral.46 destilada ou soluções eletrolíticas hipotônicas.27
Para reposição endovenosa, o fluido ideal é aquele que
CÁLCULO DO DÉFICIT DE ÁGUA não contém osmóis efetivos e ao mesmo tempo não ocasi-
Considere um paciente com peso usual de 70 kg, apre- one o risco de hemólise por exposição dos eritrócitos a um
sentando sódio plasmático atual de 155 mEq/L e sódio fluido excessivamente hipotônico. Alguns autores sugerem
normal de 140 mEq/L: que a correção com solução contendo glicose está associa-
1.º passo: Calcular a água total normal deste paciente: da a acidose láctica intracelular cerebral, devendo por isto
70 kg x 60%  42 litros (alguns autores consideram a água ser evitada.27
total do homem como 60% do peso corporal, e 50% nas Em alguns casos, a solução salina a 0,9%, contendo 154
mulheres, por possuírem mais tecido adiposo e, logo, me- mEq de sódio por litro, pode ser útil. Isto é verdadeiro
nos água. Além disso, consideram a água total atual como quando coexiste depleção do espaço extracelular com a
120 Metabolismo da Água

hipernatremia. Esta solução (154 mEq/L) terá ainda um ença de base. Muitos dos pacientes que sobrevivem desen-
certo efeito diluidor sobre o plasma em condições de hi- volvem algum grau de dano cerebral permanente.27
pernatremia muito intensa. Na maioria das vezes, entre- Além disso, alguns autores relatam a possibilidade de
tanto, a correção de hipernatremia somente com solução a hipernatremia crônica acionar um processo catabólico
salina isotônica é um procedimento inadequado. É prefe- sistêmico. A hipótese é que a diminuição do volume das
rível repor uma solução salina a 0,45%, o que pode ser células hepáticas e musculares pela hipernatremia desen-
obtido pela infusão simultânea de volumes iguais de SG cadearia um processo de catabolismo protéico, caquexia e
5% (ou água destilada) e solução salina isotônica (a 0,9%).27 degradação tecidual.27
Há autores que recomendam que a solução glicosada a
5% seja utilizada nas situações em que existe a possibili-
dade de sobrecarga de volume com a infusão de fluidos Pontos-chave:
contendo sódio, como na insuficiência cardíaca.27 • Ο tratamento da hipernatremia é feito com
soluções hipotônicas
RITMO DE CORREÇÃO • Para evitar edema cerebral, a correção dos
Uma correção rápida da hipernatremia é perigosa. Com níveis plasmáticos de sódio não deve
a hipernatremia ocorre saída de líquido das células cere-
exceder 0,5 mEq/L por hora
brais. Dentro de 1-3 dias o volume cerebral é restaurado
por líquido cefalorraquidiano (aumentando o volume in-
tersticial) e pela entrada de solutos nas células (atraindo
água para o interior das células e logo restaurando o volu- EXCESSO DE ÁGUA —
me). Em casos de hipernatremia aguda, que se desenvol-
ve em algumas horas, a correção rápida é relativamente
HIPONATREMIA — ESTADO
segura e eficaz. HIPOSMOLAR
Porém, nas hipernatremias que se instalam ao longo de
várias horas ou dias, é necessária uma abordagem mais Em condições normais, a concentração plasmática de só-
cautelosa. Nesta situação crônica, uma correção rápida dio é mantida dentro de limites estreitos, 135 a 145 mEq/L,
causa movimento osmótico de água para dentro do cére- devido à regulação da sede e adequada secreção e ação do
bro, aumentando o seu volume.27 Este edema cerebral pode HAD. A capacidade de o rim excretar água sem solutos
causar convulsões, lesão neurológica irreversível e morte. (controlada pelo HAD) é um ponto fundamental no con-
Há evidência de que existe segurança com um ritmo de trole da tonicidade do organismo.45 A osmolalidade efeti-
correção entre 0,5-0,7 mEq/L por hora, acima do qual rea- va ou tonicidade se refere à contribuição de solutos que não
ções adversas ocorrem.47 Nenhuma reação adversa ocorre podem atravessar livremente todas as membranas celula-
quando o ritmo de correção não excede 0,5 mEq/L por res (como o sódio e a glicose), induzindo assim desvios
hora. Assim, se o sódio plasmático for de 168 mEq/L, o transcelulares de água (v. Cap. 8).48
excesso de 28 mEq/L (168-140) deve ser corrigido em 56 A dificuldade na excreção de água livre é uma das cau-
horas (28 divididos por 0,5 mEq).27 sas mais comuns de hiponatremia ou estado hiposmolar
Algumas vezes, a taxa de correção não se iguala àquela encontrado no paciente hospitalizado, correspondendo a
que foi calculada. Isto provavelmente se deve a perdas 1-2% dos pacientes admitidos por doença aguda ou crôni-
continuadas de fluidos hipotônicos. Nestas circunstânci- ca.45 Os idosos apresentam diminuição da capacidade de
as, o tratamento da doença de base deve ser revisado e eliminação de uma carga de água, o que pode explicar em
todas as perdas fluidas devem ser reavaliadas e acrescen- parte a suscetibilidade deste grupo ao desenvolvimento de
tadas à reposição já calculada. Idealmente, deve ser feita hiponatremia.44
uma monitorização laboratorial a cada 4-6 horas para ava- As principais situações clínicas associadas à hiponatre-
liar a eficácia do tratamento.27 mia estão agrupadas no Quadro 9.7. A hiponatremia pode
A piora do quadro neurológico durante a reposição de resultar de liberação excessiva de HAD, anormalidades na
fluido hipotônico pode significar o desenvolvimento de diluição urinária e/ou desordens do mecanismo da sede.45
edema cerebral e requer reavaliação imediata e interrup- Enquanto a hipernatremia sempre implica hipertonici-
ção temporária da reposição.44 dade e hiperosmolalidade, a hiponatremia pode cursar
com tonicidade baixa, normal ou aumentada.48
EVOLUÇÃO A hiponatremia dilucional ou hipotônica (também chama-
Aparentemente, a morbidade e a mortalidade pela hi- da de hiponatremia real), que é a forma mais comum de
pernatremia se relacionam principalmente com a rapidez hiponatremia, é causada por retenção de água e cursa com
de instalação do distúrbio, e não com sua intensidade. osmolalidade plasmática menor que 275 mOsm/kg. Se a
Mesmo com o tratamento, a mortalidade em adultos ultra- ingesta ou aporte de água é superior à capacidade de ex-
passa 40%, o que em parte pode ser conseqüência da do- creção renal, ocorrerá diluição dos solutos do organismo,
capítulo 9 121

A redução na dosagem de sódio causada por hipertri-


Quadro 9.7 Situações clínicas associadas com gliceridemia pode ser calculada multiplicando-se a concen-
hiponatremia*
tração plasmática dos triglicérides (mg/dl) por 0,002. Por
1. Pseudo-hiponatremia exemplo, para uma concentração de triglicérides de 5.000
2. Insuficiência cardíaca congestiva mg/dl, a concentração de sódio diminuiria de 144 para 134
3. Cirrose hepática avançada mEq/L.45 Para pacientes com hiperproteinemia, calcula-se
4. Síndrome nefrótica a repercussão sobre a dosagem plasmática de sódio multi-
5. Insuficiência renal crônica
6. Contração de volume intravascular ou extravascular
plicando-se a quantidade de elevação da proteína total
7. Estresse emocional e físico acima de 8 g/dl por 0,25. Por exemplo, para uma concen-
8. Distúrbios endócrinos tração plasmática de proteína de 17 g/dl, a concentração
9. Agentes farmacológicos de sódio diminui apenas 2,25 mEq/L. A pseudo-hipona-
10. Síndrome de secreção inapropriada de vasopressina tremia é tratada com a correção da doença que ocasiona o
*Obtido de Berl, T. e col.8 distúrbio.45
Em todo caso, para uma conclusão correta sobre uma
baixa concentração de sódio, é prudente verificar que mé-
todo está sendo utilizado pelo laboratório para a dosagem
resultando em hiposmolalidade e hipotonicidade. São cau-
deste íon.
sas deste tipo de hiponatremia: insuficiência cardíaca, se-
creção inapropriada de HAD e depleção do espaço extra-
celular.48-50 A hiponatremia hiperosmolar ou hipertônica ocor- REDISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA
re na hiperglicemia e infusão de manitol e cursa com os- Outra causa de hiponatremia em que a diminuição na
molalidade plasmática habitualmente superior a 290 concentração de sódio não está associada com uma dimi-
mOsm/kg.48,50 Por fim, a hiponatremia isosmolar ou isotô- nuição na osmolalidade plasmática também merece um
nica é a causada por hiperproteinemia ou hiperlipidemia comentário especial. Quando está presente no plasma gran-
graves (pseudo-hiponatremia) e cursa com osmolalidade de quantidade de um soluto (que não o sódio) que não se
plasmática normal, de 275-290 mOsm/kg.49 difunde livremente através das membranas celulares, cria-
A hiponatremia também pode ser classificada de acor- se um gradiente osmótico que favorece o movimento de
do com sua duração, sendo chamada de aguda, quando água do intracelular para o extracelular, resultando em
dura menos que 48 horas, e crônica, quando ultrapassa este hiponatremia com hipertonicidade.
período.51 A causa mais comum deste tipo de hiponatremia é a
hiperglicemia, mas também tem sido relatada durante te-
rapia com manitol hipertônico. Ao contrário do que ocor-
Causas de Hiponatremia re com a hiperlipidemia e hiperproteinemia, a baixa con-
centração de sódio nestas circunstâncias é um reflexo real
PSEUDO-HIPONATREMIA da concentração de sódio no espaço extracelular. O que
Tanto a hiperproteinemia (por exemplo, no mieloma múl- ocorre é a passagem de água do intracelular para o extra-
tiplo) como a hiperlipidemia podem resultar em dosagens celular, diluindo o sódio do plasma. O tratamento deste
aparentemente baixas de sódio, devido ao espaço que estas tipo de hiponatremia deve ser dirigido à correção das con-
substâncias ocupam na fase aquosa de uma amostra de san- centrações elevadas de glicose ou manitol, o que resultará
gue.45,52 Se grandes quantidades de macromoléculas ou li- no movimento de água para o intracelular, com restaura-
pídios estão presentes, a quantidade de água por unidade ção da concentração do sódio plasmático ao normal.45
de volume de plasma está diminuída. Os laboratórios apre- Outra causa é a irrigação durante cirurgia de próstata,
sentam os resultados da dosagem de sódio por unidade de com grandes volumes de manitol, sorbitol, glicina ou água
volume de plasma. Entretanto, a concentração real de sódio destilada, que acabam sendo absorvidos através do leito
é a quantidade (mEq) em uma unidade de volume (1 litro) cirúrgico cruento. Inicialmente, o soluto absorvido fica
de plasma dividida pela percentagem de água no plasma confinado ao espaço extracelular, trazendo água do intra-
(cerca de 93%). Os 7% restantes do plasma correspondem celular, a qual dilui o sódio plasmático, resultando num
às proteínas e lipídios. Uma vez que os íons sódio estão dis- estado de hiponatremia isotônica. O manitol é imediata-
solvidos somente na fase aquosa do plasma, uma concen- mente excretado na urina, mas o sorbitol e a glicina são
tração de sódio de 143 mEq/L no plasma total equivale a metabolizados, causando severa hipotonicidade e desvio
uma concentração de 154 mEq/L na água do plasma (143 de água para o intracelular. Sintomas neurológicos graves
 0,93). Para evitar avaliações errôneas, o plasma pode ser podem ocorrer, especialmente com a glicina, devido à neu-
centrifugado para separar e remover as proteínas e os lipí- rotoxicidade direta do aminoácido e níveis elevados de
dios, ou a dosagem pode ser feita diretamente com eletro- amônio gerados durante seu metabolismo.45
dos sensíveis a íons, que somente reconhecem a quantida- Para calcular a contribuição da glicose ou do manitol
de de sódio dissolvido na água do plasma.45 para a osmolalidade plasmática, basta dividir a concentra-
122 Metabolismo da Água

ção plasmática (mg/100 ml) pelo peso molecular da subs- cilmente exceder a capacidade do rim de excretar uma car-
tância (glicose e manitol têm peso molecular de 180). Mul- ga de água, mesmo que o mecanismo de diluição esteja
tiplica-se a concentração plasmática da substância por 10 intacto.45
para transformar mg/100 ml em mg/L. Exemplo: se a con-
centração plasmática da glicose for 180 mg/100 ml, a con- HIPONATREMIA CRÔNICA
tribuição para a osmolalidade será: 180  10  180  10 A abordagem racional ao paciente com hiponatremia
mOsm/L. envolve uma avaliação correta do sódio corporal total e
Pode-se também considerar que para cada 100 mg/dl espaço extracelular (através do exame físico),31 osmolali-
de elevação na glicemia acima de 200 mg/dl, há uma re- dade urinária e sódio urinário (v. Quadros 9.11 e 9.12). A
dução de 1,6 mEq/L no sódio plasmático. Exemplo: a gli- avaliação e a classificação do paciente hiponatrêmico com
cemia passou de 200 a 1.200 mg/dl. A concentração de base na volemia têm sido utilizadas desde a década de
sódio plasmático deve cair de 140 para 124 mEq/L sem 1960.
alteração no conteúdo total de água ou de eletrólitos, mas
apenas com desvio de água do intracelular para o extrace-
Hiponatremia com Sódio Corporal Total Aumentado
lular (1,6 mEq/L  10  16 mEq).
Hiponatremia com um aumento no sódio corporal é
observada em três situações: cirrose, síndrome nefrótica e
INTOXICAÇÃO AGUDA PELA ÁGUA insuficiência cardíaca congestiva. O exame físico destes
Hiponatremia pode desenvolver-se agudamente em pacientes demonstra sinais de sobrecarga e excesso do
pacientes que ingerem grandes quantidades de fluido hi- extracelular (v. Cap. 10). O denominador comum entre
potônico. Isto ocorre em três situações: pacientes com taxa estas condições é um volume circulante efetivo diminuí-
de filtração glomerular (TFG) normal que ingerem gran- do, ao qual o rim responde como se estivesse sendo
des quantidades de água (polidipsia psicogênica); pacien- hipoperfundido, com menor TFG e retendo sódio proxi-
tes com TFG muito reduzida que ingerem quantidades malmente. Esta diminuição do volume circulante efetivo
moderadas de água; e pacientes bebedores de cerveja.45 ativa a liberação não-osmótica de HAD, o sistema renina-
A polidipsia psicogênica ou ingestão compulsiva de
angiotensina-aldosterona e o sistema simpático. A concen-
água é relatada em pacientes psiquiátricos, sendo que parte
tração urinária encontra-se aumentada, como resultado da
deles desenvolve hiponatremia sintomática. A ingesta agu-
secreção excessiva de HAD e pelo menor fluxo urinário,
da de líquidos pode exceder 15-20 litros ao dia, superando
que tem maior tempo de contato com o epitélio do ducto
a capacidade máxima do rim em eliminar a sobrecarga de
coletor, permitindo maior retrodifusão passiva de água
água. De modo geral, a interrupção da ingesta excessiva e
para o interstício. Com aumento da gravidade da cirrose,
uma diurese volumosa são suficientes para a correção da
síndrome nefrótica ou insuficiência cardíaca congestiva,
hiponatremia; estes pacientes raramente desenvolvem sin-
perde-se a capacidade de concentrar a urina, e uma urina
tomas. Porém, um grupo de pacientes psiquiátricos desen-
isotônica com o plasma, e com alto teor de sódio, é elabo-
volve hiponatremia sintomática. Nestes, estudos demons-
rada. Deve-se tomar cuidado ao avaliar a dosagem de só-
traram sensibilidade aumentada ao HAD, defeito na dilui-
dio urinário nos pacientes que recebem diuréticos, parti-
ção urinária independente do HAD ou mesmo níveis ele-
cularmente os diuréticos de alça, pois também produzem
vados de HAD. Alguns fatores, tais como a própria psico-
se, náuseas, nicotina e várias drogas psicotrópicas, estimu- urina hipotônica e com sódio alto.45
lam a secreção de HAD.45
Hiponatremia é bem descrita em indivíduos que inge- Hiponatremia com Sódio Corporal Total Diminuído
rem grandes quantidades de cerveja, sem aporte nutricio- Hiponatremia associada com diminuição do espaço
nal adequado. Nesta situação, há redução da quantidade extracelular pode ocorrer por perdas renais ou não-renais.
de urina diluída que pode ser formada, pois há poucos A semiologia evidencia sinais de contração do espaço ex-
solutos na urina. tracelular (v. Cap. 10).
Na insuficiência renal, a diluição urinária não está com- As perdas não-renais incluem as perdas gastrintestinais
prometida, mas a quantidade total de urina que pode ser (diarréia e vômitos), perdas cutâneas excessivas (queima-
excretada está muito reduzida devido ao comprometimen- duras, raramente sudorese) ou acúmulo de terceiro espa-
to da TFG. Por exemplo, num paciente com TFG de 5 li- ço (pancreatite, peritonite, queimaduras, esmagamento
tros ao dia, apenas 30% do filtrado glomerular alcançam muscular). Em todas estas situações, a redução do espaço
os segmentos diluidores do nefro, resultando em 1,5 litro extracelular resulta em hipoperfusão renal e diminuição da
de urina ao dia. Mesmo que os níveis de HAD estivessem TFG. Isto provoca aumento da reabsorção de sódio no tú-
completamente suprimidos, e que os 5 litros de filtrado bulo proximal, com menos sódio disponível para os seg-
alcançassem o segmento diluidor, o volume urinário não mentos diluidores distais. Também existe um estímulo ao
poderia exceder 5 litros. Então, no paciente com insufici- HAD, com maior reabsorção de água. Recentemente tem
ência renal severa, a ingestão excessiva de água pode fa- sido descrita a síndrome de hiponatremia dos maratonis-
capítulo 9 123

tas, em que os atletas perdem grandes quantidades de só-


dio pelo suor e de modo geral ingerem fluidos de reposi- Quadro 9.8 Situações clínicas associadas com
SIHAD*
ção que contêm água, glicose e pouco sódio.45,53,54
Perdas renais de sódio são observadas com o uso de 1. Produção excessiva de HAD por tumor
diuréticos, doença renal intersticial crônica e deficiência • Pulmão, gastrintestinal, timo, próstata, linfoma
de aldosterona. Todos os diuréticos, independentemen-
2. Aumento da liberação hipotálamo-hipofisária de
te de seu local de ação, induzem um balanço negativo de HAD
sódio. Esta depleção de sódio, por sua vez, desencadeia a) Doença pulmonar
a liberação não-osmótica de HAD. Na nefrite intersticial • Tuberculose, pneumonia, abcesso
crônica, há lesão direta das células tubulares nos segmen- b) Doenças do sistema nervoso central
• Trauma, convulsões, meningite, encefalite,
tos diluidores distais e alteração da arquitetura renal nor-
abcesso
mal. Disso resultam uma perda renal de sódio e diminui- • Tumor
ção do clearance de água livre. Por fim, na deficiência de • Hemorragia subdural, subaracnóide, aneurisma
aldosterona, o defeito na diluição urinária está relaciona- • Acidente vascular encefálico
do ao balanço negativo de sódio, que resulta em diminui- c) Doenças endócrinas
• Deficiência de glicocorticóides
ção do sódio que chega aos segmentos diluidores distais,
• Mixedema
e à liberação não-osmótica de HAD induzida pela deple- d) Drogas
ção do EEC.45 • Opiáceos e barbitúricos
• Ecstasy
Hiponatremia com Sódio Corporal • Sulfoniluréias (clorpropamida, tolbutamida)
• Nicotina
Aparentemente Normal • Clofibrato
Hiponatremia em um paciente com o espaço extracelu- • Antidepressivos tricíclicos
lar aparentemente normal pode resultar de secreção ina- • Inibidores seletivos da recaptação de serotonina
propriada de HAD (SIHAD) ou de um reajuste de (fluoxetina, sertralina)
• Carbamazepina
osmostato.45 • Drogas antineoplásicas (vincristina, vinblastina)
A SIHAD foi inicialmente descrita em 1957.55 É assim • Tiazídicos
chamada, pois a secreção de HAD não se deve a um estí- e) AIDS
mulo osmótico ou não-osmótico. Tem como características 3. Administração exógena de HAD
a hiponatremia, hipotonicidade, urina inapropriadamen-
te concentrada, sódio urinário elevado e, freqüentemente, 4. Drogas que potencializam o efeito do HAD ou têm
efeito HAD-símile
ácido úrico plasmático em níveis baixos.56 As causas desta • Clorpropamida
síndrome podem ser observadas no Quadro 9.8. O meca- • Ciclofosfamida64
nismo básico da SIHAD é atividade HAD ou HAD-símile • Ocitocina
excessiva, causando aumento da reabsorção de água no
*SIHAD = Síndrome da secreção inapropriada de HAD.
ducto coletor, resultando em expansão do espaço extrace-
lular. Como apenas um terço da água retida é distribuída
no espaço extracelular, sinais de hipervolemia, como ede-
ma ou ingurgitamento das veias do pescoço, não estão réia podem causar depleção de volume circulante efetivo,
presentes. Porém, uma discreta expansão do intravascular ativando a liberação de HAD pelos mecanismos já descri-
resulta em aumento do fluxo plasmático renal e TFG e di- tos. Uma causa menos comum de hiponatremia em aidéti-
minuição da reabsorção proximal de sódio. Como a secre- cos é a insuficiência de adrenais, relacionada com infecção
ção de aldosterona é normal ou tende a ser suprimida pela por citomegalovírus, micobactérias, pelo próprio HIV ou
expansão crônica de volume, uma quantidade significati- ainda por infiltração e hemorragia por sarcoma de Kaposi.58
va de sódio deixa de ser reabsorvida na alça de Henle e Os pacientes com um quadro compatível com reajuste
túbulo distal. Conseqüentemente, quantidades aumenta- do osmostato possuem um limiar de osmorregulação em
das de sódio chegam ao túbulo coletor, que possui capaci- torno de uma hiposmolalidade plasmática. Estes pacien-
dade limitada de absorver sódio, e a excreção de sódio está tes conseguem suprimir o HAD adequadamente quando
aumentada.45 A hipouricemia encontrada na SIHAD se a osmolalidade plasmática está baixa e a diluição urinária
deve a uma menor reabsorção proximal de ácido úrico.57 é adequada. Em situação de hipertonicidade, há aumento
Cabe aqui um comentário a respeito da hiponatremia em apropriado na secreção de HAD e concentração urinária.
pacientes com SIDA (síndrome da imunodeficiência adqui- O reajuste de osmostato pode ser encontrado em qualquer
rida). A hiponatremia é encontrada em 35-55% dos paci- uma das causas de SIHAD, estados hipovolêmicos, qua-
entes aidéticos internados e é geralmente causada por driplegia, psicose, desnutrição e tuberculose.45,59 A hipona-
SIHAD relacionada a pneumonia, neoplasia ou infecção do tremia não é progressiva e melhora espontaneamente com
sistema nervoso central. Eventualmente perdas por diar- a resolução da doença básica.45
124 Metabolismo da Água

potássio plasmático e gasometria são de utilidade no diag-


Pontos-chave: nóstico diferencial das hiponatremias.
• Ο diagnóstico de hiponatremia é feito com A osmolalidade plasmática encontra-se diminuída na
concentrações plasmáticas de sódio  135 maior parte dos pacientes hiponatrêmicos, uma vez que é
basicamente determinada pela concentração plasmática de
mEq/L
sódio. Mas, em alguns casos, a osmolalidade (e não a tonici-
• Hiponatremia pode cursar com volemia dade) do plasma está normal (como na hiperlipidemia e na
normal, aumentada ou diminuída hiperproteinemia) ou elevada (hiperglicemia, administração
de manitol). Quando há osmolalidade plasmática elevada,
ocorre movimento osmótico de água para fora das células, e
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DE a concentração de sódio no plasma diminui por diluição.57
A resposta renal apropriada em presença de um exces-
HIPONATREMIA so de água é excretar urina maximamente diluída. Quan-
do isto não ocorre, deve-se suspeitar de que exista ação do
O nível de hiponatremia que pode causar sinais e sinto-
ADH ou anormalidade renal.61 Na urina, a osmolalidade
mas varia com o ritmo de queda do sódio plasmático e com
auxilia a diferenciar entre uma alteração na capacidade de
a idade do paciente. Em geral, um paciente mais jovem
excretar urina diluída (presente na maior parte dos casos)
tolera melhor um determinado nível de hiponatremia que
e a polidipsia primária, na qual a excreção de água é nor-
um mais idoso. Entretanto, hiponatremia aguda pode de-
mal, mas a ingesta é tão volumosa que ultrapassa a capa-
terminar importantes sinais e sintomas do sistema nervo-
cidade de excreção. Na polidipsia primária, a resposta à
so central: depressão do nível de consciência, convulsões
hiponatremia é a supressão do HAD, resultando numa
e morte, mesmo com níveis de sódio plasmático entre 125
urina com osmolalidade abaixo de 100 mOsm/kg e densi-
e 130 mEq/L. Estas manifestações são atribuídas principal-
dade menor que 1,003. No restante dos casos, a secreção
mente a um edema cerebral, causado pela rápida redução
de HAD continua apesar da hiponatremia, prejudicando
na concentração plasmática de sódio.60 Isto ocorre porque
a diluição urinária e mantendo a osmolalidade urinária
não há tempo para as células cerebrais eliminarem partí-
culas osmoticamente ativas do seu interior, reduzindo as- maior ou igual a 300 mOsm/kg.57
sim o edema celular. Por outro lado, este mecanismo prote- Concentrações urinárias de sódio menores que 25 mEq/L
tor contra o edema cerebral é muito efetivo na hiponatre- sugerem a participação de perdas não-renais de sódio na
mia crônica, de forma que um paciente pode estar assinto- gênese da hiponatremia, enquanto concentrações superi-
mático com um sódio plasmático inferior a 110 mEq/L. ores a 40 mEq/L sugerem secreção inapropriada de HAD.57
Os sinais e sintomas se correlacionam com o grau de A dosagem do potássio e a verificação do estado ácido-
edema cerebral. Náuseas e mal-estar são sintomas preco- básico podem auxiliar a diferenciar algumas situações: por
ces e podem ser observados quando a concentração plas- exemplo, alcalose metabólica e hipocalemia indicam uso
mática de sódio cai para 125-130 mEq/L. Na seqüência de diuréticos ou vômitos; acidose metabólica e hipocale-
ocorrem cefaléia, letargia, obnubilação e eventualmente mia sugerem diarréia ou uso de laxantes, e acidose meta-
convulsões, coma e parada respiratória, caso o sódio caia bólica e hipercalemia sugerem insuficiência adrenal.57
para 115-120 mEq/L.60 Outros sinais e sintomas incluem
câimbras e anorexia, diminuição dos reflexos tendinosos
profundos, reflexos patológicos, hipotermia e paralisia TRATAMENTO DA
pseudobulbar. São particularmente suscetíveis ao edema HIPONATREMIA
cerebral mulheres jovens em pós-operatório, mulheres ido-
sas usando diuréticos tiazídicos, crianças e pacientes hipo-
xêmicos.51 Linhas Gerais
Estão presentes também os sinais e sintomas relaciona- Com exceção da pseudo-hiponatremia e da hiperglice-
dos à doença de base que ocasionou a hiponatremia.45 mia, a hiponatremia implica um desvio de água para den-
tro das células e edema das células. Este desvio é particu-
Diagnóstico larmente importante no sistema nervoso central, uma vez
que o cérebro está alojado no espaço inextensível da caixa
Na avaliação de um paciente hiponatrêmico, a história craniana e o edema cerebral causa sintomas graves.61
clínica é de grande importância, assim como a verificação A idade do paciente, rapidez de instalação da hipona-
do balanço hídrico, perdas e aporte de fluidos nos dias tremia, avaliação do volume do compartimento extracelu-
precedentes.50 lar e a concentração do sódio urinário são muito importan-
Além da dosagem do sódio plasmático e do sódio uri- tes no planejamento terapêutico dos pacientes com hipo-
nário, a osmolalidade plasmática, osmolalidade urinária, natremia (Quadros 9.9 e 9.11).45 A doença básica deve ser
capítulo 9 125

Quadro 9.9 Interpretação e manejo da hiponatremia*

Concentração
Distúrbio Compartimento urinária de
básico extracelular Causas clínicas sódio (NaU)** Tratamento

Déficit de água Depleção do Perdas renais: NaÜ > 20 mEq/L Solução salina
total e déficit volume extra- excesso de isotônica
maior de sódio celular diuréticos;
total Deficiência de
mineralocorticóide;
Nefrite perdedora
de sal;
Acidose tubular
renal com
bicarbonatúria
Perdas extra-renais: NaÜ  10 mEq/L
vômitos, diarréias,
terceiro espaço;
queimaduras,
pancreatite
Excesso de Discreto excesso de Defic. de glicocorticóide; NaÜ  20 mEq/L Restrição de água
água total volume extrace- Hipotireoidismo;
lular (sem edema) Dor, emoção, drogas;
Síndrome de secreção
inapropriada de HAD

Excesso de Excesso do Síndrome nefrótica; NaÜ  10 mEq/L Restrição de água


sódio total volume extra- Insuf. cardíaca;
e maior celular (edema) Cirrose hepática
excesso de
água total Insuf. renal aguda NaÜ  20 mEq/L
e crônica

*Modificado de Berl, T. e cols.8


**NaÜ indica a concentração urinária de sódio.

avaliada e tratada adequadamente. Deve ser interrompi- para a liberação de HAD, permitindo que a água em ex-
do o uso de qualquer agente farmacológico que interfira cesso seja eliminada. Além disso, a solução salina também
com o manejo renal da água.45 auxilia na correção da hiponatremia por possuir uma con-
A maior parte dos pacientes hiponatrêmicos são assin- centração de sódio mais elevada (154 mEq/L) que o plas-
tomáticos e apresentam concentração plasmática de sódio ma hiponatrêmico.62
maior que 120 mEq/L. Nestes, a correção da hiponatremia Se o paciente apresenta excesso do extracelular conco-
pode ser feita de modo mais lento e gradual, através da mitantemente, ou se o paciente estiver perdendo o sódio
restrição de água livre,62 e o tratamento com solução sali- infundido através da urina, pode ser administrado diuré-
na hipertônica não é indicado.45 Com a restrição de água tico de alça juntamente com a salina hipertônica. Nesta
livre para menos de 1 litro ao dia, ocorre balanço negativo situação, é necessário avaliar a dosagem do sódio na uri-
de água, e o sódio plasmático é corrigido lentamente. Em na após início do tratamento, para que este sódio seja re-
pacientes que se alimentam normalmente por via oral, a posto, ao menos parcialmente. Se a correção do sódio plas-
taxa de correção do sódio com a restrição de água raramen- mático for menor que a esperada, a infusão deve ser rea-
te excede 1,5 mEq/dia. Já nos que não estão recebendo justada. 45
nutrição via oral, e são mantidos apenas com fluidos in- Na hiponatremia que ocorre no diabetes, a correção
travenosos, o balanço entre as perdas insensíveis e a repo- da hiperglicemia fará a água retornar para o interior das
sição pode estar próximo de zero, e será ainda mais difícil células, normalizando a concentração plasmática de só-
obter um balanço negativo de água.45 dio.
Em um paciente hiponatrêmico com depleção do extra- A hiponatremia associada a um excesso de sódio total
celular concomitante, a solução salina isotônica (154 mEq no organismo ocorre na insuficiência cardíaca, insuficiên-
de sódio por litro) é a solução escolhida. A solução salina cia renal, cirrose ou síndrome nefrótica. O manejo destes
causa repleção do extracelular, interrompendo o estímulo pacientes com excesso de água e sal baseia-se na restrição
126 Metabolismo da Água

Quadro 9.10 Diagnóstico diferencial da hipernatremia

HIPERNATREMIA

AVALIAR
VOLEMIA

HIPOVOLEMIA NORMOVOLEMIA HIPERVOLEMIA


– Água corporal total 앗앗 – Água corporal total 앗 – Água corporal total 앖
– Sódio corporal total 앗 – Sódio corporal total ↔ – Sódio corporal total 앖앖

NaU  20 NaU  20 NaU variável NaU 20

Perda Renal Perda Perda Perda Extra-renal Ganho de Sódio


de H2O  Na Extra-renal Renal de H2O Primário
Diurético de H2O  Na de H2O Perda insensível Hiperaldosteronismo
osmótico Sudorese D insipidus Pele S. Cushing
de alça excessiva Hipodipsia Respiratória Diálise hipertônica
Pós- Queimaduras Bic. sódio hipertônico
desobstrução Diarréia Comprimidos de NaCl
Doença renal Fístulas

Adaptado de Schrier, R.W.31


NaU  sódio urinário (mEq/L).

Quadro 9.11 Diagnóstico diferencial da hiponatremia

HIPONATREMIA

AVALIAR
VOLEMIA

HIPOVOLEMIA EUVOLEMIA HIPERVOLEMIA


– Água corporal total 앗 – Água corporal total 앖 – Água corporal total 앖앖
– Sódio total 앗앗 – Sódio total ↔ – Sódio total 앖

NaU  20 NaU  20 NaU  20 NaU  20 NaU  20

Perda Renal Perda – Deficiência de – Insufic. – Síndrome


– Diuréticos Extra-renal glicocorticóide renal nefrótica
– Deficiência de – Vômitos – Hipotireoidismo aguda – Cirrose
mineralocorticóide – Diarréia – Drogas ou – Insufic.
– Nefrite intersticial – Terceiro – Estresse crônica cardíaca
crônica espaço – SIHAD
– Diurese osmótica

Adaptado de Schrier, R.W.31


NaÜ  sódio urinário (mEq/L).
capítulo 9 127

de água e sal e no uso apropriado de diuréticos. Conside- 2.° passo: Calcular a quantidade de água total que este pa-
rar hemodiálise nos casos de concomitante insuficiência ciente possui com o sódio em 120 mEq/L.
cardíaca congestiva ou síndrome nefrótica.
Água normal  Sódio normal 42  140
O manejo dos pacientes com hiponatremia e depleção Água atual    49 litros
Sódio atual 120
do volume extracelular baseia-se na expansão do volume
circulante com solução salina isotônica. Os diuréticos, se
3.º passo: Excesso de água: Água atual  água normal
em uso, deverão ser suspensos, e potássio deverá ser ad-
 49  42  7 litros de excesso de água.
ministrado, se houver hipocalemia. No caso da insufici-
ência de adrenal, deve ser feita a adequada reposição hor-
monal. Tratamento da Hiponatremia Sintomática
Nos pacientes com hiponatremia e sem sinais de altera-
ção do sódio total do organismo, como ocorre na SIHAD e A hiponatremia sintomática é uma emergência médica,
reajuste do osmostato, o manejo básico é a restrição líqui- e muitas vezes os pacientes necessitam de suporte avan-
da, que geralmente normaliza a concentração plasmática çado de vida, dada a intensidade do edema cerebral. Os
do sódio. Apenas quando há sintomas de intoxicação aquo- sinais neurológicos e sintomas já foram descritos. Esta sín-
sa, há necessidade de uma correção mais rápida (estupor, drome pode ocorrer em qualquer estado hiposmolar, in-
coma, convulsões). Em caso de necessidade de uso de so- dependente do volume extracelular do paciente. Mesmo
lução contendo sódio, considerar que o manejo renal do pacientes com hiponatremia e grave depleção de volume
sódio na SIHAD está intacto, ao contrário da depleção do podem desenvolver edema cerebral.
extracelular, em que o sódio é retido. Isto significa que o Nestas circunstâncias, é necessária correção mais ágil do
sódio administrado será eliminado na urina, e para isso distúrbio (v. Quadro 9.12). Por isso, a restrição de água não
necessitará de um volume de água. Por exemplo, ao se é considerada terapia adequada para a hiponatremia sin-
administrar 1 litro de solução salina isotônica (300 mOsm), tomática, uma vez que promove correção lenta do sódio
o sódio será eliminado juntamente com cerca de 500 ml de plasmático.45 Nos indivíduos com hiponatremia sintomá-
água. Os 500 ml restantes terminarão por diluir ainda mais tica, o tratamento de escolha é a administração de solução
o plasma hiponatrêmico. Se for administrada uma solução salina hipertônica (a 3%).
hipertônica a 3% (1.026 mOsm/L), o sódio será eliminado O cálculo da quantidade de sódio necessária para ele-
pela urina, mas para isso necessitando de um volume maior var a concentração plasmática a um determinado valor é
de água, o que produz um balanço negativo de água, cola- feito com a fórmula a seguir:
borando para a correção da hiponatremia. Concluindo, na Na necessário (mEq)  Água corporal normal  (Na
hiponatremia sintomática da SIHAD a osmolalidade do desejado  Na atual)
fluido administrado deve exceder a osmolalidade da uri-
na (que nesta síndrome geralmente é superior a 300 Por exemplo, quantos mEq de sódio são necessários para
mOsm/L). Portanto, a solução salina é de pouca utilidade elevar o sódio plasmático de 110 para 120 mEq/L num
nesta situação. Pode haver benefício também na adminis- paciente de 70 kg? Na necessário (mEq)  42 L  (120 
tração de diurético de alça, o qual inibe a reabsorção de 110)  420 mEq
cloro no ramo ascendente espesso da alça de Henle, o que Então, são necessários 420 mEq de sódio.
interfere com o mecanismo de contracorrente e induz um Uma vez que a solução salina a 3% contém aproxima-
estado de resistência ao ADH. A demeclociclina e o lítio damente 514 mEq de sódio por litro, serão necessários cerca
diminuem a responsividade do túbulo coletor ao HAD e de 800 ml desta solução para atingir o objetivo, o que pode
aumentam a excreção de água.62 causar sobrecarga de volume, principalmente nos pacien-
Para os pacientes hiponatrêmicos com insuficiência car- tes com baixa reserva cardíaca. Quando a solução salina a
díaca, cirrose ou SIHAD, uma perspectiva para o futuro é 3% não estiver disponível, pode ser preparada a partir da
a utilização de um antagonista seletivo dos receptores V2 solução salina isotônica a 0,9%, acrescentando 10 ml de clo-
(antidiuréticos) do HAD, atualmente em fase de testes. Este reto de sódio a 20% para cada 100 ml de salina isotônica.
agente produziria um balanço negativo de água sem pro- Observe que, no exemplo acima, a correção de 10 mEq es-
duzir mudanças na excreção de sódio e potássio.62,63 taria dentro do limite de segurança para as 24 horas, mas,
na presença de sintomas, a correção inicial pode chegar a
1,5-2 mEq nas primeiras 3-4 horas, até a melhora dos mes-
Cálculo do Excesso de Água mos (v. Quadro 9.12).
Este modo de correção não deve ser usado para restaurar o
Calcular qual o excesso de água em um paciente de 70
sódio plasmático a níveis normais! A utilização da salina hiper-
kg, com sódio plasmático de 120 mEq/L.
tônica visa a melhora dos sintomas neurológicos mais graves.
1.° passo: Calcular qual seria a água total normal deste pa- Durante o intervalo em que a correção da hiponatremia
ciente: 70 kg  60%  42 litros. sintomática estiver sendo feita, devem ser monitorados os
128 Metabolismo da Água

Quadro 9.12 Tratamento da hiponatremia, com base na duração e nos sintomas

HIPONATREMIA

SINTOMÁTICA ASSINTOMÁTICA

AGUDA CRÔNICA AGUDA CRÔNICA

Solução salina Solução salina Restrição Não é


hipertônica hipertônica de necessária
1-2 ml/kg/h 1-2 ml/kg/h água livre correção
  imediata
Furosemide Furosemide
A correção não A correção não
deve ultrapassar 2 deve ultrapassar
mEq/L por hora 10-12 mEq/dia

Baseado em Berl, T.51

eletrólitos plasmáticos, até que o paciente esteja neurolo- dagem ocorre se o tratamento for iniciado antes do apare-
gicamente estável.45 Além disso, há necessidade de se cimento de sintomas neurológicos, ou seja, nas primeiras
monitorar a volemia, se possível com medida da pressão 24 horas. Não há benefício se a desmielinização já se insta-
central venosa (considerando suas limitações potenciais) lou.62
ou pressão em capilar pulmonar com o cateter de Swan-
Ganz.
Em 1973, Hantman e colaboradores propuseram o em-
Ritmo de Correção
prego de furosemida no manejo da hiponatremia.64 Isto se Não se sabe ao certo com que rapidez se deve corrigir
aplica sobretudo aos pacientes que não podem tolerar uma uma hiponatremia grave. Em pacientes assintomáticos,
expansão do compartimento extracelular. A administração considera-se adequado corrigir cerca de 10-12 mEq/dia (0,5
endovenosa de furosemida induz um balanço negativo de mEq/hora).
água, quando ao mesmo tempo se repõem as perdas ele- Já os pacientes sintomáticos necessitam de uma corre-
trolíticas (sódio e potássio) através de uma solução mais ção mais rápida, com outra estratégia, mas mantendo os
concentrada. Os autores propõem a administração inicial limites de segurança. Nos pacientes sintomáticos, com con-
de 1 mg/kg de furosemida. A concentração urinária de vulsões ou outros sintomas graves, recomenda-se uma
sódio e potássio é determinada a cada hora, e a quantida- correção inicial mais rápida, cerca de 1,5-2 mEq/hora, nas
de excretada é reposta através de uma solução salina hi- primeiras 3-4 horas, ou até melhora dos sintomas neuro-
pertônica (3%) com a quantidade apropriada de potássio. lógicos. A correção no primeiro dia também não deve ul-
Nesta circunstância, a infusão de salina hipertônica deve trapassar 12 mEq.
ser igual às perdas de sódio, potássio e cloro. O balanço
negativo de água assim obtido é a diferença entre o fluxo
urinário e a quantidade de solução hipertônica adminis-
Complicações do Tratamento
trada. Doses subseqüentes de furosemida são administra- A adaptação que preserva o volume cerebral na hipo-
das para manter o balanço líquido negativo. natremia crônica protege contra o aparecimento de edema
No caso de uma correção muito rápida ocorrer e ser cerebral, mas cria problemas no momento do tratamento,
prontamente reconhecida, deve-se suspender temporari- pois um aumento rápido na concentração de sódio no plas-
amente a correção da hiponatremia e administrar DDAVP ma durante a correção pode levar à mielinólise pontina
para os pacientes com osmolalidade urinária baixa, pois o central (ou desmielinização osmótica).
ADH é suprimido pela hiponatremia. No caso da SIHAD, O termo mielinólise pontina central pode não ser o mais
suspender a salina hipertônica. Os dados obtidos experi- adequado, uma vez que a desmielinização é geralmente
mentalmente sugerem que o benefício deste tipo de abor- mais difusa e muitas vezes não envolve a ponte. Estas al-
capítulo 9 129

terações podem ocasionar graves repercussões neurológi-


cas que permanecem transitória ou definitivamente após EXERCÍCIOS
o tratamento. 1) Um paciente de 35 anos sofreu trauma cranioencefálico grave e foi in-
Na hiponatremia crônica (desenvolve-se em mais de ternado em coma, escala de Glasgow 5, evoluindo para Glasgow 3. Seu
48 horas) há perda de osmóis intracelulares como prote- débito urinário nos primeiros dois dias foi de aproximadamente 7 li-
ção contra o edema cerebral. Porém, estes osmóis não tros/dia. Além de receber 2 litros de solução salina isotônica e 1 litro
de solução glicosada a 5% a cada dia, manitol era administrado na dose
podem ser rapidamente repostos quando o cérebro dimi- de 70 ml a cada 8 horas. Seus exames atuais demonstraram: Na  165
nui de volume durante a elevação do nível de sódio no mEq/litro. Responda:
sangue. Como resultado, o volume do cérebro diminui a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual?
durante a correção rápida da hiponatremia. É nas áreas b) Qual a causa mais provável para o mesmo?
c) Como você corrigiria este distúrbio?
onde o reacúmulo de osmóis é mais lento que as lesões
de mielinólise são mais intensas. Um mecanismo possí- 2) Para um sódio plasmático de 150 mEq/litro, num paciente de 70 anos
vel é que a diminuição de volume dos axônios induzida de idade, com 60 kg e assintomático, calcule:
a) Qual a água normal?
pela variação osmótica produza a desmielinização pela b) Qual a água atual?
ruptura de conexões dos axônios com sua bainha de mi- c) Como corrigir este distúrbio?
elina.60
3) Mulher de 55 anos, usuária de fluoxetina, internada por broncopneu-
De maneira geral, as manifestações clínicas de desmi- monia. Na admissão, espaço extracelular aparentemente normal,
elinização osmótica ocorrem 2-6 dias após a correção dos contactuando adequadamente. Na  128 mEq/litro. Durante a in-
níveis de sódio. Os sintomas incluem disartria, disfagia, ternação atual, tornou-se confusa e progressivamente sonolenta. Na
letargia, paraparesia ou quadriparesia e até coma. Estes  117 mEq/litro. Peso = 55 kg.
a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Qual?
sintomas podem não ser reversíveis.62 Evidências de- b) Qual a causa mais provável?
monstram que é a rapidez de correção nas primeiras 24 c) Como tratar?
horas que determina a ocorrência de lesões desmielini-
4) Homem portador de síndrome nefrótica, em anasarca, internado por
zantes. Estas lesões são mais freqüentes quando a corre- tromboflebite em membro inferior. Sem outros sintomas. Peso = 72
ção ultrapassa 20 mEq/dia ou quando o sódio se eleva kg. Na  125 mEq/L.
para mais de 140 mEq/L, e mais raras com correções a) Qual a água normal?
abaixo de 0,5 mEq/hora ou 10-12 mEq/dia. Lesões des- b) Qual a água atual?
c) Qual o tratamento?
mielinizantes não são vistas quando a correção é mais
lenta.62
A tomografia computadorizada e a ressonância magné-
tica detectam as lesões de desmielinização, sendo este úl- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
timo método o preferido.65 Às vezes são necessárias até
1. ROSE, B.D.; POST, T.W. Cap. 9A: Water balance and regulation of
quatro semanas para as lesões serem detectadas.62 plasma osmolality. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
Encontram-se em maior risco para o desenvolvimento 2. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Regulation of extracellular fluid
da desmielinização osmótica: mulheres na fase pré-meno- osmolarity and sodium concentration. In: Textbook of Medical Physi-
pausa usando tiazídicos, etilistas, desnutridos, queimados, ology, pp. 349-365, Saunders, 1996.
3. SEGURO, A.C.; ZATZ, R. Distúrbios da tonicidade do meio inter-
pacientes depletados em potássio e crianças pré-púberes no: regulação do balanço de água. In: ZATZ, R. (ed.) Fisiopatologia
e pacientes em insuficiência respiratória.51,66 Os pacientes Renal, pp. 189-208, Atheneu, 2000.
psiquiátricos que desenvolvem polidipsia com hiponatre- 4. FITZSIMONS, J.T. The physiological basis of thirst. Kidney Int.,
mia de modo geral corrigem rapidamente a hiponatremia, 10(1):3, 1976.
5. MAGALDI, A.J.B. Mecanismos de concentração e diluição urinári-
sem seqüelas.60,62 as. In: ZATZ, R. (ed.). Fisiopatologia Renal, pp. 57-69, Atheneu, 2000.
6. ROBERTSON, G.L. e col. The osmoregulation of vasopressin. Kid-
ney Int., 10(1):25, 1976.
Pontos-chave: 7. ROSE, B.D.; POST, T.W. Cap. 6B: Antidiuretic hormone and water
balance. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
• O tratamento da hiponatremia depende da 8. BERL, T.; ROBERTSON, G.L. Pathophysiology of water metabolism.
gravidade dos sintomas e rapidez de In: BRENNER, B.; RECTOR, F. (eds) The Kidney, pp. 866-924, Saun-
ders, 2000.
instalação. Os sintomas mais graves 9. KNEPPER, M.A.; VERBALIS, J.G.; NIELSEN, S. Role of aquaporins
decorrem de edema cerebral in water balance disorders. Nephrology and hypertension – Current
opinion, jul. 1997.
• A hiponatremia sintomática é corrigida com 10. KWON, T.H.; HAGER, H.; NEJSUM, L.N.; ANDERSEN, M.L.E.;
a administração de solução salina FROKIAER, J.; NIELSEN, S. Physiology and pathophysiology of
hipertônica a 3% renal aquaporins. Seminars in Nephrology, 21(3):231-238, 2001.
11. ZEIDEL, M.L. Recent advances in water transport. Seminars in Ne-
• A correção da hiponatremia sintomática não phrology, 18(2):167-177, 1998.
deve ultrapassar 0,5 mEq/L/hora 12. MCDONALD, K.M. e col. Hormonal control of renal water excreti-
on. Kidney Int., 10(1):38, 1976.
130 Metabolismo da Água

13. ROSE, B.D. Hyponatremia in hypothyroidism. Up To Date, v.9, n.3, 43. LOEB, J.N. The hyperosmolar state. The New Engl. J. Med., 290:1184, 1974.
2001. 44. KUGLER, J.P.; HUSTEAD, T. Hyponatremia and hypernatremia in
14. CAPASSO, G.; De TOMMASO, G.; ANASTASIO, P. Glomerular the elderly. Am. Fam. Phys., 61:3623-30, 2000.
hemodynamics and renal sodium handling in hypothyroid and 45. De FRONZO, R.; ARIEFF, A.I. Disorders of sodium metabolism –
hyperthyroid patients. J. Am. Soc. Nephrol., 9:68A, 1998. Hyponatremia. In: Fluid, Electrolyte, and Acid-Base Disorders, pp.255-
15. WOODHALL, P.B. e TISHER, C.C. Response of the distal tubule and 303, Churchill-Livingstone, 1995.
cortical collecting duct to vasopressin in the rat. J. Clin. Invest., 46. ADROGUÉ, H.J.; MADIAS, N.E. Hypernatremia. N. Engl. J. Med.,
52:3095, 1975. 342(20):1493-1499, may, 2000.
16. KRIZ, W. e LEVER, A.F. Renal countercurrent mechanisms: struc- 47. ROSE, B.D. Treatment of hypernatremia. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
ture and function. Am. Heart J., 78. 48. ADROGUÉ, H.J.; MADIAS, N.E. Hyponatremia. N. Engl. J. Med.,
17. BERLINER, R.W. e col. Dilution and concentration of the urine and 342(21):1581-1589, may, 2000.
the action of antidiuretic hormone. Am. J. Med., 24:730, 1958. 49. FALL, P.J. Hyponatremia and hypernatremia. A systematic
18. BERLINER, R.W. The concentrating mechanism in the renal approach to causes and their correction. Postgrad. Med., 107(5):75-
medulla. Kidney Int., 9(2):214, 1976. 82, may 2000.
19. STEPHENSON, J.L. Concentration of urine in a central core of the 50. PRESTON, R.A. Hyponatremia. In: Acid-Base, Fluids and Electrolytes
renal counterflow system. Kidney Int., 2:85, 1972. Made Ridiculously Simple, pp. 39-64, MedMaster, Inc., 1997.
20. KOKKO, J.P. e RECTOR, Jr., F.C. Countercurrent multiplication 51. BERL, T. Therapy of hypo and hypernatremia. Parts 1, 2, 3. Ameri-
system without active transport in inner medulla. Kidney Int., 2:214, can Society of Nephrology Board Review Course, sep. 1998 (slide
1972. and audio symposium – www.hdcn.com).
21. KOKKO, J.P. e TISHER, C.C. Water movement across nephron 52. ROSE, B.D. Causes of hyponatremia. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
segments involved with the countercurrent multiplication system. 53. DAVIS, D.P.; VIDEEN, J.S.; VILKE, G.M. e cols. Exercise-associated
Kidney Int., 10(1):64, 1976. hyponatremia in marathon runners: a two-year experience. J. Emerg.
22. JAMISON, R.L. e MAFFLY, R.H. The urinary concentrating mecha- Med, 21(1):47-57, jul. 2001.
nism. N. Engl. J. Med., 295:1059, 1976. 54. SPEEDY, D.B.; NOAKES, T.D.; SCHNEIDER, C. Exercise-associated
23. AYUS, J.C. Hypo and hypernatremia – Pathogenesis and diagnosis. hyponatremia: a review. Emerg. Med., 13(1):5-6, mar., 2001.
Part 1 and 2. American Society of Nephrology Board Review Course, 55. SCWARTZ, W.B. e col. Syndrome of renal sodium loss and hipona-
sep. 1998 (slide and audio symposium – www.hdcn.com). tremia probably resulting from inappropriate secretion of
24. ROSE, B.D.; POST, T.W. Cap. 8D: Volume regulation versus osmo- antidiuretic hormone. Am. J. Med., 23:529, 1957.
regulation. Up To Date, v.9, n.3, 2001. 56. ROSE, B.D. Causes of the SIADH. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
25. MANGE, K.; MATSUURA, D.; CIZMAN, B.; SOTO, H.; ZIYADEH, 57. ROSE, B.D. Diagnosis of hyponatremia. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
F.N.; GOLDFARB, S.; NEILSON, E.G. Language guiding therapy: 58. ROSE, B.D. Electrolyte disturbances with HIV infection. Up To Date,
the case of dehydration versus depletion. Ann. Intern. Med., v.9, n.3, 2001.
127(9):848-853, 1997. 59. ROSE, B.D. Treatment of hyponatremia: SIADH and reset osmostat.
26. PALEVSKY, P.M.; BHAGRATH, R.; GREENBERG, A. Hypernatre- Up To Date, v.9, n.3, 2001.
mia in hospitalized patients. Ann. Intern. Med., 124:197-203, jan., 1996. 60. ROSE, B.D. Symptoms of hyponatremia and hypernatremia. Up To
27. AYUS, J.C.; BRENNAN, S. Hipernatremia. In: De FRONZO, R.; Date, v.9, n.3, 2001.
ARIEFF, A.I. (eds) Fluid, Electrolyte, and Acid-Base Disorders, pp.304- 61. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physiolo-
317, Churchill-Livingstone, 1995. gy. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology. A problem-based
28. ROSE, B.D.; POST, T.W. Cap. 9B: Renal water excretion and reab- approach, pp.217-320. W.B. Saunders, 1994.
sorption. Up To Date, v.9, n.3, 2001. 62. ROSE, B.D. Treatment of hyponatremia. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
29. BERL, T. e col. Clinical disorders of water metabolism. Kidney Int.,
63. GROSS, P. Correction of hyponatremia. Seminars in Nephrology,
10(1):117, 1976.
21(3):269-272, may 2001.
30. ROSE, B.D. Causes of hypernatremia. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
64. HANTMAN, D. e col. Rapid correction of hyponatremia in the syndro-
31. SCHRIER, R. The patient with hyponatremia or hypernatremia. In:
me of inappropriate secretion of Antidiuretic Hormone. An alternati-
Manual of Nephrology, pp. 20-36, Little, Brown, 1994.
ve treatment to hypertonic saline. Ann. Intern. Med., 78:870, 1973.
32. FRIED, L.F.; PALEVSKY, P.M. Hyponatremia and hypernatremia.
65. PIRZADA, N.A. Central pontine myelinolysis. Mayo Clin. Proc.,
Med. Clin. N. Am., 81(3):585-609, 1997.
76(5):559-62, may, 2001.
33. HAYS, R.M. e LEVINE, S.D. Pathophysiology of water metabolism.
66. ARIEFF, A.L.; AYUS, J.C. Outcome in hyponatremic encephalopathy
Cap. 15, p. 553 in The Kidney. Eds. B.M. Brenner e F.C. Rector Jr. W.B.
is unrelated to rate of correction. J. Am. Soc. Nephrol., 10:119A, 1999.
Saunders Co., 1976.
34. SINGER, I. e FORREST Jr., J.N. Drug-induced states of nephrogenic
diabetes insipidus. Kidney Int., 10(1): 82, 1976. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
35. COX, M. e SINGER, I. Lithium and water metabolism. Am. J. Med.,
59:153, 1975.
http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1_01.pdf —
36. MILLER, M. e MOSES, A.M. Drug-induced states of impaired water Excelente capítulo do Atlas on-line de Doenças Renais de
excretion. Kidney Int., 10(1): 96, 1976. Robert Schrier. Ótimas figuras.
37. MAZZE, R.I. e col. Renal dysfunction associated with methoxyflu- http://www.postgradmed.com/issues/2000/05_00/
rane anesthesia: a randomized, prospective clinical evaluation. fall.htm — Artigo interessante sobre hipo- e hipernatremia.
JAMA, 216:278, 1971. http://www.aafp.org/afp/20000615/3623.html — Artigo
38. MILLER, M. e col. Recognition of partial defects in antidiuretic hor-
mone secretion. Ann. Inter. Med., 73:721, 1970.
sobre hipo- e hipernatremia em idosos.
39. ROSE, B.D. Diagnosis of polyuria and diabetes insipidus. Up To Date, http://www.emedicine.com/emerg/topic263.htm — Boa
v.9, n.3, 2001. revisão sobre hipernatremia.
40. KANNO, K.; SASAKI, S.; HIRATA, Y. e cols. Urinary excretion of http://www.emedicine.com/emerg/topic275.htm — Boa
aquaporin-2 in patients with diabetes insipidus. N. Engl. J. Med., revisão sobre hiponatremia.
332:1540-5, jun. 1995.
http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter19.htm
41. ROSE, B.D. Treatment of central diabetes insipidus. Up To Date, v.9,
n.3, 2001. — Auto-avaliação em metabolismo da água.
42. ROSE, B.D. Treatment of nephrogenic diabetes insipidus. Up To Date, http://www.swmed.edu/stars/resources/toto.pdf —
v.9, n.3, 2001. Grupo de slides muito bons sobre hipernatremia.
capítulo 9 131

http://www.curriculum.som.vcu.edu/m2/renal/ppt/ 2) 70 anos de idade, 60 kg, sódio  150 mEq/litro.


Homeostasis/ — Grupo de slides sobre distúrbios do a) Água normal  60% do peso  60  0,6  36 litros
metabolismo do sódio e da água. b) Sódio atual  água atual  sódio normal  água normal
Água atual  140  36/150  33,6 litros
http://www.ndif.org/Translation/jtran-160.html — Déficit de água  33,6  36  2,4 litros
Resumo de um artigo da Medical Clinics of North c) Deve ser administrada solução salina hipotônica (2,4 litros) em
America de maio de 1997, pela Nephrogenic Diabetes 20 horas (a dosagem de sódio está 10 mEq/litro acima do nor-
Insipidus Foundation. mal; 10 divididos pela taxa de 0,5  20 horas).
3) 55 anos, broncopneumonia. Sódio  117 mEq/litro.
a) Trata-se de hiponatremia.
b) Existem algumas possibilidades: a primeira é que a paciente
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS tenha uma SIHAD pela broncopneumonia, daí a impossibili-
dade de eliminar urina diluída. Em segundo lugar, está em uso
OBS.: Nestes exercícios utilizaremos 60% como a percentagem de água de fluoxetina, que pode induzir aumento na liberação de HAD.
em relação ao peso corporal, para homens e mulheres. Neste caso, deveria ser cuidadosamente verificado o balanço
de fluidos dos dias antecedentes, para excluir a participação
1) 35 anos, trauma cranioencefálico, sódio  165 mEq/litro. de uma reposição excessiva de soro glicosado a 5%.
a) Existe distúrbio hidroeletrolítico? Sim. Qual? Hipernatremia. c) Como a paciente tornou-se agudamente sintomática, deve re-
b) Qual a causa mais provável? Este paciente apresenta pelo me- ceber solução salina hipertônica (3%). A quantidade de sódio
nos três causas em potencial para o desenvolvimento de hiper- necessária para elevar o sódio plasmático para 125 mEq é:
natremia. A primeira é o trauma cranioencefálico, que pode Sódio necessário  água corporal normal  (sódio desejado  atual)
causar dano à secreção ou liberação de HAD, tornando o paci- Sódio necessário  (55  60%)  (125  117)  33  8  264 mEq
ente incapaz de concentrar a urina, o que explicaria a poliúria Sabendo que a solução salina hipertônica tem 514 mEq/litro, serão
apresentada. Em segundo lugar, a administração de manitol necessários aproximadamente 500 ml desta solução. Nas primeiras 3-4
induz à produção de urina hipotônica. E por último, as perdas horas, o ritmo de correção pode ser mais rápido (1,5-2 mEq/hora), e de-
de água livre através da respiração e pela urina não estão sen- pois manter 0,5 mEq/hora.
do adequadamente repostas. Observe que em 264 ml desta solução há tanto sódio como em 1.700
c) Para corrigir esta hipernatremia, deveria ser reposta uma solu- ml de salina isotônica. Além de corrigir a hiponatremia sintomática, este
ção hipotônica. O déficit de água que o paciente apresenta é de: sódio também estará provocando expansão do extracelular, com o risco
de congestão circulatória.
Sódio atual  água atual  sódio normal  água normal
Água atual  140  (70  0,6)/165  35,6 litros 4) Paciente com síndrome nefrótica, em anasarca. Sódio  125 mEq/
Déficit de água  água atual  água normal  35,6  42  6,36 litros litro.
Portanto, para que o sódio retorne ao normal (140 mEq/litro), é ne- a) Água normal  (72  0,6)  43 litros.
cessário administrar 6,36 litros de solução salina hipotônica ou SG 5%. A b) Água atual  43  140/125  48 litros.
correção não deve ultrapassar 0,5 mEq/litro/hora, em pelo menos 50 c) Este paciente apresenta excesso de 5 litros de água e está as-
horas (a dosagem de sódio está 25 mEq/litro acima do normal; 25 dividi- sintomático. Deve ser restrita a ingestão de água e administra-
dos pela taxa de 0,5  50 horas). do diurético, pois apresenta extracelular aumentado.
Capítulo
Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

10 Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Leonardo Vidal Riella

INTRODUÇÃO Fatores derivados do endotélio


Balanço do sódio Prostaglandinas
RESPOSTA DO RIM ÀS ALTERAÇÕES NA INGESTA DE Sistema nervoso simpático
SÓDIO Diurese pressórica
QUEM PERCEBE E REGULA AS ALTERAÇÕES DO DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO SÓDIO
VOLUME EXTRACELULAR? Depleção de sódio ou do volume extracelular
REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA EXCREÇÃO DE SÓDIO Dados laboratoriais
Auto-regulação renal Conseqüências da depleção do volume extracelular
Filtração glomerular — balanço glomérulo-tubular Tratamento da depleção
Reabsorção e propriedades físicas no capilar peritubular Tipo de solução
Pressão oncótica peritubular Velocidade de administração
Pressão hidrostática no capilar peritubular Volume a ser infundido (grau de depleção)
Balanço glomérulo-tubular e fatores humorais intra-renais Monitorização do tratamento
Reabsorção dependente da velocidade do fluxo de EXCESSO DE VOLUME EXTRACELULAR—EDEMA
líquido tubular Fisiopatologia do edema
Reabsorção dependente do volume do túbulo proximal Edema localizado
TIPOS DE TRANSPORTE DE SÓDIO Edema generalizado
REABSORÇÃO NOS DIFERENTES SEGMENTOS DO Fisiopatologia do edema em situações clínicas específicas
NEFRO Insuficiência cardíaca congestiva (ICC)
Túbulo contornado proximal (TCP) Cirrose hepática
Segmentos delgados da alça de Henle Síndrome nefrótica
Segmento ascendente espesso da alça de Henle Glomerulonefrite aguda
(segmento diluidor) Edema observado em mulheres
Túbulo contornado distal (TCD) Causas diversas de edema
Ducto coletor Princípios gerais no tratamento do edema
OUTROS FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE Tratamento da doença básica
SÓDIO Adequação da ingesta de sal e água
Redistribuição do filtrado glomerular Mobilização do edema
Angiotensina II Indução de balanço negativo de sódio
Aldosterona EXERCÍCIOS
Fatores físicos e volume do espaço extracelular REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hormônio natriurético ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Fator natriurético atrial (FNA) RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
capítulo 10 133

do compartimento extracelular determina aumento na


INTRODUÇÃO excreção de sódio.
Se determinarmos a osmolalidade plasmática ou sérica,
O sódio é o íon mais abundante do compartimento ex- teremos a relação da soma dos solutos osmoticamente ati-
tracelular, e a quantidade de sódio neste compartimento é vos (intra e extracelulares) com o volume de água nestes
que determina o seu volume. O sódio e seus dois princi- compartimentos. Como o sódio é o principal soluto no lí-
pais ânions, o cloro e o bicarbonato, constituem 90% ou quido extracelular, a concentração do sódio no plasma ou
mais da quantidade de soluto no líquido extracelular. Por soro indica a relação existente entre a quantidade total de
outro lado, a quantidade de sódio no líquido intracelular soluto e água no organismo.
é pequena, devido a mecanismos que ativamente eliminam Normalmente, a excreção de sódio na urina não depen-
o sódio das células. de da concentração plasmática de sódio, e vários experi-
A concentração de solutos é a mesma nos compartimen- mentos demonstram isto. Por exemplo, quando se expan-
tos intra e extracelular devido à livre movimentação da de o volume extracelular com solução salina isotônica, a
água pelas membranas celulares, em resposta a um gradi- excreção urinária de sódio aumenta. Da mesma forma, a
ente osmótico. Portanto, se há retenção de sódio no líqui- ingestão de água, combinada à administração de vasopres-
do extracelular, a pressão osmótica deste compartimento sina, causa retenção de água que, eventualmente, acarreta
aumenta e a água intracelular move-se para o comparti- expansão do volume extracelular. Com o volume extrace-
mento extracelular até que haja equilíbrio osmótico. A hi- lular expandido, há aumento na excreção urinária de só-
perosmolalidade do líquido extracelular também pode dio, apesar da hiponatremia causada pela administração
estimular a sede e a liberação do hormônio antidiurético, simultânea de água e vasopressina. Um outro exemplo é a
ambos determinando um balanço positivo de água. Então, situação em que o organismo só perde água, o que causa
o resultado final de um aumento de sódio no líquido ex- diminuição do volume extracelular e, conseqüentemente,
tracelular é um aumento do volume extracelular. Da mes- diminuição da excreção urinária de sódio, apesar da hiper-
ma forma, uma diminuição da quantidade de sódio no lí- natremia.
quido extracelular determina uma redução do volume ex-
tracelular. Tudo indica, portanto, que o sistema que con-
trola o balanço de sódio faz parte integrante do sistema que Balanço do Sódio
controla o volume extracelular. A ingestão média de cloreto de sódio em um adulto
Tendo em vista que a maior parte do volume líquido normal é de 7 g ou 150 mEq por dia.1 Para manter o equi-
extracelular corresponde à água, seria legítimo supor que líbrio, a mesma quantidade deve ser excretada.2 Ao con-
a regulação daquele volume fosse realizada por intermé- trário da água, cuja ingestão é controlada pela sede, não
dio dos mecanismos que controlam o balanço de água.1 No existe no ser humano um apetite específico para sódio.
entanto, as alterações na liberação de HAD e na excreção Uma vez absorvido, o íon sódio distribui-se no orga-
de água são mediadas principalmente pela tonicidade dos nismo da seguinte maneira: 45% para o líquido extrace-
líquidos no organismo, a qual é controlada pelo sistema lular, 7% para o líquido intracelular e 48% para o esque-
osmorregulador e não pelo sistema de controle do volu- leto. O sódio do esqueleto se apresenta sob duas formas:
me extracelular. Desde que o balanço de sódio é preserva- permutável (50%) e não-permutável (50%). Esta divisão
do, o controle da tonicidade serve para manter o volume é baseada na maior ou menor facilidade com que o sódio
de líquido extracelular constante. se liberta do osso para a circulação. O sódio não-permu-
Contudo, em algumas situações, a excreção de água é tável integra áreas firmemente mineralizadas, sendo
regulada primariamente pelo volume e não pela tonicida- menos acessível à circulação e, portanto, dificilmente se
de. Isto ocorre, por exemplo, quando há uma intensa con- liberta do esqueleto. O sódio permutável pode libertar-
tração do volume extracelular. Neste caso, a água é conti- se do osso em condições especiais como a acidose meta-
nuamente reabsorvida (apesar da hipotonicidade que se bólica, onde o carbonato de sódio dos cristais deposita-
estabelece), na tentativa de restaurar o volume extracelu- dos na matriz óssea neutraliza o íon H⫹, trocando-o pelo
lar. Nesta situação, a regulação do volume tem preferên- sódio.1
cia sobre a osmorregulação. A concentração plasmática de sódio está entre 135 e 145
Num indivíduo normal, o volume de líquido extracelu- mEq/L, sendo a concentração intracelular em torno de 10%
lar e o balanço de sódio variam dentro de limites estreitos, da concentração plasmática. O sódio é eliminado do orga-
mesmo em face de grandes variações na ingesta e excre- nismo na urina, fezes e suor. Para efeito de balanço, o que
ção renal de água e sal. E é o rim que mantém o volume importa é a excreção urinária de sódio. A eliminação pelo
extracelular constante, modulando a excreção de sódio. suor adquire importância somente em casos de sudorese
Assim, qualquer distúrbio que reduza o volume do com- profusa, pois a concentração de sódio no suor é baixa. Da
partimento extracelular é acompanhado por uma redução mesma forma, diarréias graves podem determinar perdas
da excreção de sódio, enquanto um aumento de volume consideráveis de sódio nas fezes.
134 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

RFG ⫽ 125 ml/min = 180 L/DIA


PNa⫹ ⫽ 140 mEq/L
RESPOSTA DO RIM ÀS
ALTERAÇÕES NA INGESTA DE
SÓDIO
Quando se altera a ingesta de sódio, a adaptação na
excreção renal de sódio é lenta, podendo levar muitos dias
para que se iguale à ingesta.3 Observem na Fig. 10.1 que,
quando a ingestão de NaCl aumenta, apenas uma parte
deste incremento é eliminada no primeiro dia. O restante
é retido, juntamente com água, resultando numa expansão
do volume extracelular. A expansão do volume extracelu-
lar estimula progressivamente um aumento na excreção de
sódio, até que a quantidade excretada se iguale à ingerida.
Por outro lado, se a ingesta de sódio for reduzida abrupta- UNa⫹ ⫽ 100 mEq/L
mente, levará muitos dias para que a excreção de sódio seja
reduzida a uma quantidade igual à ingesta.
O mecanismo pelo qual alterações no volume extrace-
lular modificam a excreção de sódio não está totalmente
Fig. 10.2 Filtração e excreção diária de sódio num adulto normal.
esclarecido e será abordado a seguir. Normalmente, a
No diagrama, o nefro representa toda a população de nefros de
quantidade de sódio excretado na urina está em torno de ambos os rins. Observe que cerca de 80% do sódio filtrado são re-
0,5% da quantidade filtrada pelo rim. Na Fig. 10.2, um absorvidos no nefro proximal e que no final apenas 0,6% da carga
único nefro representa a função total de ambos os rins. filtrada aparece na urina. Observe, também, que a quantidade ex-
Considerando uma filtração glomerular de 125 ml/min e cretada é mais ou menos igual à quantidade ingerida, o que indica
que há um balanço. (Baseado na concepção de Valtin, H. 53)
um sódio plasmático de 140 mEq/L, o sódio total filtrado
por dia será de 25.200 mEq. Aproximadamente 67% do
sódio filtrado são reabsorvidos no túbulo contornado pro- Considerando-se um fluxo urinário normal de 1 ml por
ximal e 10% na parte reta do túbulo proximal. Isto signifi- minuto (1.440 minutos em 24 horas), o volume urinário es-
ca que a reabsorção proximal de sódio está em torno de 80% tará em torno de 1.500 ml. Se a concentração urinária de
da carga filtrada, enquanto 20% do sódio filtrado são reab- sódio for de 100 mEq/L, a excreção urinária diária de sódio
sorvidos em segmentos distais ao túbulo proximal. será em torno de 150 mEq ou 0,6% do sódio total filtrado.

Fig. 10.1 Balanço de sódio no homem. Observe que, quando a ingesta de sódio é subitamente elevada, apenas cerca da metade do
incremento aparece na urina no primeiro dia. O restante do incremento fica retido no organismo e aumenta o volume de líquido
extracelular, que se traduz por um aumento do peso. Nos dias subseqüentes, uma fração menor de sódio é retida, e a excreção de
sódio aumenta progressivamente, até que em três a cinco dias a excreção se iguala à ingestão. O estímulo para o aumento na excre-
ção de sódio se deve à expansão do volume extracelular. Observe também que, quando se reduz abruptamente a ingesta, a diminui-
ção na excreção de sódio é também gradual e os mesmos mecanismos operam, só que de maneira inversa. (Obtido de Earley, L.E.3)
capítulo 10 135

Pelo exposto, poderíamos deduzir que uma alteração da pé, a excreção de sódio diminui.3 Isto significa que a pos-
filtração glomerular ou da reabsorção tubular de sódio tura influi sobre a excreção de sódio. Epstein e cols. verifi-
pode comprometer o balanço de sódio e, conseqüentemen- caram que, quando se comprimia externamente uma fís-
te, o volume dos compartimentos líquidos do organismo. tula arteriovenosa grande, a excreção de sódio na urina
aumentava.5 No caso da fístula arteriovenosa, a compres-
são externa impede a passagem do sangue arterial para o
Pontos-chave: sistema venoso, causando aumento do volume arterial efe-
• A concentração plasmática de sódio é de tivo. Isto sugere que o volume arterial efetivo exerce con-
135-145 mEq/L trole sobre o volume extracelular.
• A adaptação renal às variações na ingesta Há receptores de volume no leito vascular venoso e
pulmonar (intratorácicos),6 capazes de perceber reduções
de sódio é lenta
no retorno venoso e ativar uma diminuição na excreção
• A excreção urinária diária de sódio deve urinária de sal. Isto ocorre, por exemplo, quando o indiví-
equilibrar-se com a ingesta duo fica muito tempo em pé, quando se aplicam tornique-
• Apenas 0,6% de todo o sódio filtrado é tes nas pernas ou em indivíduos em ventilação com pres-
eliminado na urina são positiva. De modo inverso, o aumento do retorno ve-
noso torácico aumenta a excreção urinária de sódio, como
se observa em indivíduos em decúbito dorsal.
O tônus simpático e a secreção de adrenalina e noradre-
QUEM PERCEBE E REGULA AS
nalina são ativados quando existe queda no débito cardía-
ALTERAÇÕES DO co ou queda de pressão arterial. Esta redução na pressão
VOLUME EXTRACELULAR? ativa os receptores cardíacos e arteriais, aumentando as
descargas em tronco cerebral que aumentam o tônus sim-
A homeostase dos fluidos é essencial para a manuten- pático, iniciando eventos que levam à normalização da
ção da estabilidade circulatória. Pequenas modificações no perfusão, entre eles um aumento da reabsorção tubular de
volume extracelular devem ser prontamente identificadas sódio.7
e corrigidas, para que o equilíbrio seja mantido.4 Existem Talvez a demonstração mais convincente da influência
estruturas no organismo que agem como receptores de da volemia intratorácica e receptores cardiopulmonares na
volume, e, através de mecanismos nervosos, humorais e natriurese derive de estudos com indivíduos normais imer-
hormonais, provocam adaptações funcionais em vários sos em água até o pescoço. A pressão hidrostática do líqui-
órgãos e fornecem aos rins os elementos para correção dos do de imersão ocasiona a redistribuição do fluido intravas-
desvios no volume extracelular1 (Quadro 10.1). Por exem- cular e do interstício dos membros inferiores para o tórax.
plo, a expansão de volume ativa uma seqüência de sinais O conseqüente aumento no volume circulante central pro-
provenientes de vários destes receptores, aumentando a voca natriurese e aumento da diurese. Resposta similar é
excreção de sódio. Ao contrário, a resposta à depleção de obtida em pacientes cirróticos, que excretam pouco sódio
volume é a conservação renal de sal e água.4 em condições basais.7
A redistribuição interna do volume intravascular, mes- Foram identificados receptores de volume localizados nos
mo sem mudança no volume circulante, provoca alteração átrios, seio carotídeo e arco aórtico. Quando existe queda na
na excreção de sódio. Por exemplo, quando um indivíduo pressão arterial ou débito cardíaco, o tônus simpático e a
se deita, a excreção de sódio aumenta, e, quando fica de secreção de adrenalina e noradrenalina são ativados por
estes receptores, iniciando eventos que levam à normaliza-
ção da perfusão, entre eles aumento da reabsorção tubular
de sódio.7 Além disso, estes receptores estão associados ao
Quadro 10.1 Receptores mecânicos sensíveis a controle da liberação de HAD (v. Cap. 9).
alterações regionais da volemia A liberação de HAD e a sede, mecanismos de restaura-
ção do déficit de água, podem também ser estimulados por
Receptores de volume intratorácicos aumento da osmolalidade plasmática e pela contração isos-
Aurículas mótica do volume extracelular (através do sistema renina-
Ventrículo direito
Capilares pulmonares
angiotensina).
Receptores de volume no sistema arterial O rim percebe alterações no volume e na pressão intra-
Artérias carótidas vascular através de um sistema barorreceptor localizado
Arco aórtico no aparelho justaglomerular da arteríola aferente e célu-
Receptores de volume no rim las da mácula densa no túbulo distal (v. Cap. 7). Estes re-
Receptores de volume no sistema nervoso central
Receptores de volume no fígado
ceptores influenciam a atividade do sistema renina-angi-
otensina-aldosterona, endotelina e óxido nítrico.7 Uma re-
136 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

dução na pressão de perfusão renal promove liberação de nal, mantendo estáveis o fluxo sanguíneo renal, TFG e só-
renina do aparelho justaglomerular, com formação de an- dio filtrado.9
giotensina II, liberação de aldosterona e retenção de sódio. Porém, somente modificações na TFG não são suficien-
A administração de soluções distintas causa diferentes tes para explicar os ajustes na excreção de sódio.4
taxas de excreção de sódio. Uma expansão do comparti-
mento intravascular com a administração de plasma ou
sangue, por exemplo, causa natriurese menos significati- Filtração Glomerular — Balanço
va do que a obtida com quantidades equivalentes de solu- Glomérulo-tubular
ção salina isotônica. Todavia, a administração de uma so-
lução hipertônica de albumina expande o intravascular e Observou-se que uma diminuição da filtração glomeru-
contrai o compartimento intersticial, podendo não modi- lar, causada por hemorragia ou constrição da artéria renal,
ficar a excreção de sódio. Isto indica que outros estímulos, diminuía a excreção de sódio. Já um aumento na filtração
além da expansão absoluta do volume extracelular, são glomerular causado pela administração de solução salina
importantes na excreção de sódio.3 era acompanhada por aumento na excreção de sódio. Por-
Há sugestões de que o fígado também possua recepto- tanto, estes estudos demonstravam um paralelo entre fil-
res especiais e participe da regulação da excreção de água tração glomerular e excreção de sódio.
e sal. Estudos demonstraram que a infusão de solução sa- Entretanto, De Wardener10 e outros investigadores de-
lina isotônica ou hipertônica no sistema porta causa uma monstraram que o aumento na excreção de sódio que
natriurese mais significativa do que se a mesma solução ocorre com a expansão do volume extracelular permane-
fosse infundida numa veia sistêmica.8 ce mesmo quando se reduz a filtração glomerular e con-
seqüentemente a quantidade de sódio filtrada. Por outro
lado, ao se produzir um aumento na filtração glomeru-
Pontos-chave:
lar, mas sem expandir o volume extracelular, a excreção
• O sódio é o principal cátion do extracelular de sódio permanece inalterada ou aumenta muito pou-
• A quantidade de sódio no organismo co. Isto tudo indica que as alterações na filtração glome-
determina o volume do espaço extracelular rular não são essenciais para o rim regular o volume ex-
tracelular.6 O ponto principal na regulação do equilíbrio
• Para manter a estabilidade circulatória, o
de sódio é o controle de sua reabsorção,2 como veremos a
volume extracelular deve ser
seguir.
adequadamente controlado Numerosas investigações demonstraram que alterações
• Os sensores de volume e pressão na filtração glomerular são acompanhadas por alterações
desencadeiam mecanismos de regulação do proporcionais na reabsorção de líquido no túbulo proxi-
extracelular, aumentando ou diminuindo a mal, de modo que a fração do volume filtrado que é reab-
excreção de sódio sorvida pelo túbulo proximal permanece mais ou menos
constante.1 Normalmente, 80% do filtrado glomerular são
reabsorvidos pelo túbulo proximal.
O fenômeno pelo qual alterações na taxa de filtração
REGULAÇÃO INTRA-RENAL DA glomerular se acompanham de modificações correspon-
EXCREÇÃO DE SÓDIO dentes na reabsorção tubular de sódio é chamado de ba-
lanço glomérulo-tubular (v. Quadro 10.2).1,2 Este balanço
Num indivíduo sadio a quantidade reabsorvida de só- evita alterações excessivas na excreção de sódio quando a
dio é superior a 99% da quantidade filtrada. Como a quan- filtração é abruptamente aumentada ou diminuída. Os
tidade filtrada excede em muito a excretada, torna-se cla- principais mecanismos responsáveis pelo balanço glomé-
ro que o rim deve possuir um sistema de conservação de rulo-tubular são: pressão oncótica e hidrostática peritubu-
sódio altamente desenvolvido.

Quadro 10.2 Balanço glomérulo-tubular


Auto-regulação Renal
Filtração Reabsorção Fração de Volume não
Vários mecanismos mantêm a quantidade de sódio fil- Glomerular Proximal Reabsorção Reabsorvido
trada relativamente constante. Os rins são capazes de man- (ml/min) (ml/min) (%) (ml/min)
ter a taxa de filtração glomerular constante, mesmo que
haja amplas variações da pressão de perfusão renal. Este 150 120 80 30
fenômeno é chamado auto-regulação renal. Respostas na 100 80 80 20
50 40 80 10
musculatura lisa das arteríolas aferentes ocorrem em di-
reta proporção com mudanças na pressão de perfusão re- Obtido de Malnic, G. e Marcondes, M.1
capítulo 10 137

lares, fatores humorais intra-renais, velocidade do fluxo lar recebe sangue do glomérulo, a pressão oncótica plas-
tubular e volume do túbulo proximal.11 Estes mecanismos mática é alta no início do capilar devido ao ultrafiltrado
são descritos a seguir. glomerular (líquido sem proteína). Logo, quanto maior for
o ritmo de filtração glomerular em relação ao fluxo plas-
mático (fração de filtração), maior será a concentração pro-
Reabsorção e Propriedades Físicas no téica na arteríola eferente. Assim sendo, ao contrário do
Capilar Peritubular capilar periférico e glomerular, o capilar peritubular é ca-
racterizado por valores elevados de pressão oncótica que
PRESSÃO ONCÓTICA PERITUBULAR em muito excedem a pressão hidrostática, resultando em
Alterações na concentração de albumina e pressão on- absorção de líquido. Apesar de a pressão oncótica no ca-
cótica nos capilares peritubulares afetam o movimento pilar peritubular diminuir ao longo do capilar, à medida
transtubular de sódio. A concentração de albumina no ca- que o líquido é reabsorvido, esta pressão permanece mai-
pilar peritubular é determinada pela concentração plasmá- or que a pressão hidráulica.
tica de albumina na arteríola eferente e pela fração de fil-
tração (porção do fluxo plasmático renal que é filtrada). BALANÇO GLOMÉRULO-TUBULAR E
Portanto, um aumento no ritmo de filtração glomerular FATORES HUMORAIS INTRA-RENAIS
aumenta a fração de filtração, formando o ultrafiltrado A participação de um fator luminal na reabsorção de
(plasma sem proteínas), retirando água e eletrólitos do sódio foi sugerida por Leyssac.15 Segundo este autor, um
capilar glomerular e aumentando a concentração relativa aumento na reabsorção tubular proximal reduz a pressão
de albumina no capilar peritubular. Este aumento da pres- intraluminal e, conseqüentemente, aumenta as forças que
são oncótica favorece a reabsorção de sal e água. A dimi- promovem a filtração glomerular. Um maior ritmo de fil-
nuição da filtração glomerular tem efeito oposto. tração glomerular aumenta a quantidade de líquido
Brenner e cols. demonstraram que a diminuição da reab- ofertado ao túbulo proximal, restaurando o balanço glo-
sorção de sódio no túbulo proximal, que ocorre durante a mérulo-tubular. Uma diminuição na reabsorção tubular
expansão do volume extracelular com solução salina iso- aumentaria a pressão intraluminal, a qual diminuiria a fil-
tônica, é decorrente da diminuição da pressão oncótica do tração glomerular.
capilar peritubular. Quando os autores perfundiam o ca- Thuray e Schnermann, por sua vez, propuseram um
pilar peritubular com uma solução de albumina, normali- mecanismo diferente para explicar a relação entre a filtra-
zando a pressão oncótica, a inibição da reabsorção de só- ção glomerular e a reabsorção tubular de sódio.16 Segundo
dio era corrigida.12,13 estes autores, a quantidade de sódio que atinge a mácula
densa do nefro pode, por um mecanismo de feedback (con-
PRESSÃO HIDROSTÁTICA NO trole retrógrado), controlar a filtração glomerular deste
CAPILAR PERITUBULAR nefro, através da liberação local de renina e geração de
Earley e cols. sugeriram que alterações na pressão hidros- angiotensina II, que é um potente constritor de músculo
tática do capilar peritubular seriam responsáveis por mo- liso.
dificações na reabsorção de sal e água.14 Um aumento da Um aumento na filtração glomerular aumenta a quan-
pressão capilar peritubular causaria natriurese, e a diminui- tidade de sal e água que chega à mácula densa. Isto pro-
ção da pressão capilar teria um efeito oposto. O mesmo gru- move a liberação de renina e formação de angiotensina II.
po de investigadores demonstrou que a natriurese induzi- A angiotensina II causa constrição da arteríola aferente,
da por aumento na pressão hidrostática do capilar peritu- diminuindo a filtração glomerular e restaurando, assim, o
bular poderia ser inibida por um aumento da pressão oncó- balanço glomérulo-tubular. Uma redução da filtração glo-
tica do plasma. Estas observações levaram o grupo a postu- merular resulta em diminuição da quantidade de sal e água
lar que o ritmo de reabsorção de sódio pode ser influencia- que atinge a mácula densa, havendo então redução na li-
do pelo balanço das forças de Starling (v. Cap. 8). beração de renina. Com isso, menos angiotensina II é for-
Existem importantes diferenças no movimento transca- mada, resultando em vasodilatação da arteríola aferente,
pilar de líquido entre os capilares periféricos, glomerula- o que causa aumento na filtração glomerular. Posterior-
res e peritubulares. As forças de Starling que norteiam a mente, os mesmos autores concluíram que não era a con-
troca de líquido no capilar periférico já foram abordadas centração de sódio intraluminal na mácula densa que da-
no Cap. 8, enquanto as forças que governam a filtração ria o sinal para liberação de renina, e sim a quantidade de
glomerular foram abordadas no Cap. 3. sódio transportada pelas células da mácula densa e que
No capilar peritubular são muito distintas as forças res- entraria em operação somente quando houvesse aumento
ponsáveis pela troca de líquido. A arteríola eferente, fun- no transporte de sódio a esse nível. No entanto, até o mo-
cionando como um vaso de resistência, contribui para a mento esta teoria é conflitante e talvez não tenha partici-
redução da pressão hidrostática entre o glomérulo e o ca- pação na regulação da filtração glomerular em condições
pilar peritubular. Além do mais, como o capilar peritubu- fisiológicas.
138 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

REABSORÇÃO DEPENDENTE DA VELOCIDADE filtração glomerular. Se o volume extracelular não é alte-


DO FLUXO DE LÍQUIDO TUBULAR rado, um aumento na filtração glomerular acompanha-se
Alguns estudos mostram que a reabsorção de líquido é de pouco ou nenhum aumento na excreção de sódio. Por
maior no segmento inicial do túbulo contornado proximal outro lado, uma expansão do volume extracelular sempre
do que nos segmentos mais distais. Postulou-se, então, que causa aumento na excreção de sódio, mesmo que não se
o acúmulo de um soluto pouco reabsorvível nos segmen- reduza a filtração glomerular.
tos iniciais do túbulo contornado proximal (acúmulo de- Atualmente, vários investigadores têm tentado esclare-
vido à reabsorção de água, que progressivamente concen- cer o papel destes fatores na reabsorção distal de sódio.
tra este soluto) inibiria a reabsorção de sal nos segmentos Alguns estudos sugerem que as alterações nas forças de
mais distais. Entretanto, túbulos isolados e perfundidos in Starling são também capazes de alterar a reabsorção de
vitro não exibiram esta característica de reabsorção aumen- sódio no nefro distal.
tada no segmento inicial do túbulo contornado proximal
(TCP). Mas, quando o líquido perfundido utilizado foi um
ultrafiltrado do plasma, esta relação entre fluxo e reabsor- TIPOS DE TRANSPORTE
ção de sódio foi novamente detectada.17 A conclusão é de
que esta relação fluxo/reabsorção ainda padece de de- DE SÓDIO
monstração mais convincente.
O transporte ativo de Na⫹ através de tecidos epiteliais
é o processo fisiológico primário responsável pela manu-
REABSORÇÃO DEPENDENTE DO VOLUME
tenção do balanço de sal em vertebrados.
DO TÚBULO PROXIMAL O conhecimento que se tem sobre o transporte tubular
Esta teoria propõe que o ritmo de absorção de líquido de sódio deve-se ao estudo de segmentos isolados do nefro
do túbulo proximal é diretamente proporcional ao volu- através da técnica de micropunção em animais como o rato
me tubular. Segundo os proponentes desta teoria, a varia- (Quadro 10.3). Nesta técnica, obtêm-se amostras do líqui-
ção do volume tubular é importante, pois expõe o filtrado do tubular através de micropipetas. Além disto, os segmen-
glomerular a uma maior ou menor área de reabsorção e tos do nefro podem ser isolados e perfundidos in vitro,
permite um maior tempo de contato do líquido intratubu- observando-se sua função. Mais recentemente, a evolução
lar com as paredes do túbulo proximal.18 Assim sendo, um das técnicas de micropunção (patch-clamp) e a biologia
aumento na filtração glomerular proporciona um volume molecular trouxeram grandes progressos no entendimen-
maior de filtrado e, conseqüentemente, maior volume tu- to do transporte de íons e solutos através de membranas
bular, que se acompanha de aumento na sua capacidade biológicas.
de reabsorção. Uma redução da filtração glomerular reduz Pela técnica patch-clamp uma pipeta cheia de líquido é
o volume de filtrado, e, portanto, o volume tubular, redu- colocada contra a superfície da célula e leve sucção é apli-
zindo a capacidade reabsortiva. Em face de outras investi- cada, permitindo o estudo do movimento de íons pelos
gações, que concluíram que o volume tubular não é fator canais existentes nesta área. É possível até mesmo obter
importante no balanço glomérulo-tubular, a hipótese ori- dados de um único canal e saber quanto tempo permane-
ginal não é por todos aceita. ce aberto ou fechado (gating).
Em resumo, pode-se afirmar que alterações na filtração Os mecanismos de entrada de sódio nas células tubula-
glomerular podem ou não ser acompanhadas de alterações res são:
na excreção de sódio. Tudo depende de como se alterou a
a) Via canais de sódio: Esta entrada é característica do
túbulo distal (contornado) e ducto coletor, e ocorre pela
membrana apical. Estes canais são especificamente blo-
Pontos-chave: queados pelo diurético amiloride.
b) Acoplada ao movimento de outros íons ou solutos:
• O ponto principal na regulação do balanço
Estes sistemas de co-transporte são encontrados em todo
do sódio é o controle de sua reabsorção o nefro e são as vias predominantes de transporte api-
• Balanço glomérulo-tubular: é um cal de Na⫹ no túbulo proximal e ramo espesso ascenden-
mecanismo de ajuste na reabsorção de sódio te da alça de Henle. Os sistemas de co-transporte são
pelos túbulos, de acordo com a filtração classificados em symporters ou antiporters. Os symporters
glomerular operam o movimento de Na⫹ e o íon ou soluto acopla-
• Variações nas pressões oncótica e do na mesma direção. Por exemplo, o transportador de
hidrostática peritubulares, pressão e volume Na⫹/glicose, em que ambos são transportados para
tubulares e fatores hormonais afetam a dentro da célula. Já os antiporters trocam o Na⫹ por ou-
tro íon ou soluto. Um exemplo de sistema antiporter é o
excreção de sódio
co-transporte de Na⫹/H⫹.
capítulo 10 139

Quadro 10.3 Transporte de NaCl e permeabilidade de diferentes segmentos do nefro a H2O e NaCl

Permeabilidade
Absorção
Ativa H2O NaCl

PROXIMAL
Contornado Na⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹
Pars recta Na⫹ ⫹⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹
SEGMENTO DELGADO
ALÇA DE HENLE
Descendente Nenhuma ⫹⫹⫹⫹ ⫹
Ascendente Nenhuma ⫾ ⫹⫹⫹⫹
DISTAL
Segmento diluidor Cl⫺ ± ⫹⫹⫹
Contornado Na⫹ ⫾ ⫹
SEGMENTO COLETOR
Ducto coletor Na⫹ ± HAD ⫹⫹⫹ ⫹
Ducto papilar Na⫹ ⫾ ⫹

Modificado de Burg, M.B.19

c) Transporte pela via paracelular: Além dos mecanis- outro cátion, a reabsorção de líquido cessa.19 O principal
mos acima, no tecido epitelial tubular há uma via adici- ânion que acompanha a reabsorção do sódio neste segmen-
onal para o movimento de íons entre células através das to é o bicarbonato. Além do sódio e bicarbonato, a glicose,
tight junctions; esta via é conhecida como via paracelular. aminoácidos e outros substratos orgânicos como o lactato
O transporte paracelular é passivo e depende da mag- são reabsorvidos neste segmento. Observa-se também aqui
nitude e direção de gradientes químicos e elétricos que, se estes substratos são retirados do líquido tubular, a
transepiteliais. reabsorção diminui.19
Na porção inicial do túbulo proximal (S1) o sódio é reab-
sorvido junto com o HCO3⫺ e com vários solutos orgâni-
cos, como glicose e aminoácidos. Como resultado desta
REABSORÇÃO NOS DIFERENTES reabsorção preferencial de ânions não-cloro, a concentra-
SEGMENTOS DO NEFRO ção luminal de cloro aumenta. Nas outras porções do tú-
bulo proximal (S2 e S3) a reabsorção de Na⫹e Cl⫺ é acopla-
Túbulo Contornado Proximal (TCP) da. A membrana apical das células S1 contém um sistema
de co-transporte para açúcares acoplado ao sódio. O
O túbulo proximal é constituído por um segmento con- symporter Na/glicose transporta um Na⫹ junto com uma
tornado proximal e uma parte reta (pars recta). Cada célu- molécula de glicose. Há também sistemas de transporte
la do túbulo proximal possui uma membrana luminal (api- acoplados ao Na⫹ para aminoácidos, ácidos orgânicos e
cal) e uma membrana peritubular (basolateral). As células íons inorgânicos, como fosfato e sulfato. Como já frisamos,
adjacentes estão ligadas no bordo apical por uma estrutu- uma grande parte do Na⫹ é reabsorvida durante o proces-
ra denominada zonula occludens ou tight junction (Fig. 10.5) so de “resgate” do HCO3⫺ filtrado. Isto ocorre devido à
(v. Cap. 1). O transporte realizado através da membrana atividade do antiporter Na⫹/H⫹ na membrana apical da
apical é chamado de transcelular, e o realizado através da célula. A entrada de Na⫹ na célula, favorecida pelo gradi-
membrana basolateral é chamado paracelular. ente eletroquímico, gera uma força secundária para o trans-
A permeabilidade do túbulo proximal a água, sódio e porte de H⫹ para o lúmen (secreção), o qual vai titular o
cloro é muito alta. Cerca de 67% do sódio filtrado são reab- HCO3⫺, gerando CO2 e H2O.
sorvidos no túbulo contornado proximal e 10% na pars Esta interação entre os substratos orgânicos (glicose,
recta. A reabsorção de líquido no túbulo proximal é isos- aminoácidos) e o sódio também é encontrada no intestino
mótica, isto é, mesmo após a reabsorção de 2/3 do líquido delgado, onde o transporte ativo destes substratos aumenta
filtrado, o líquido remanescente no lúmen do túbulo pro- a entrada de sódio nas células absortivas do intestino. Com
ximal tem a mesma osmolalidade do plasma. Portanto, a o transporte de sódio, há um transporte adicional de âni-
concentração do sódio em condições normais permanece ons e líquido. Este mecanismo tem sido aproveitado na
constante em toda a extensão do túbulo proximal. prática no manejo de pacientes portadores de cólera.20 Na
A reabsorção de líquido está acoplada ao transporte ati- cólera, a diarréia é profusa, e grandes quantidades de lí-
vo de sódio. Isto significa que, se o sódio é substituído por quidos e eletrólitos precisam ser administradas. Natural-
140 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

mente a via oral é mais prática e mais econômica. No en-


tanto, a administração de uma solução de água e eletróli-
tos acompanha-se de uma reabsorção intestinal pequena,
insuficiente para corrigir as perdas. No entanto, se a solu-
ção eletrolítica contiver glicose, ocorre aumento na reab-
sorção intestinal de sódio e, conseqüentemente, de outros
ânions e líquido.
Do total de NaCl reabsorvido, estima-se que 2/3 mo-
vem-se pela via transcelular e 1/3 pela via paracelular. Como
a concentração intracelular de sódio é baixa, a entrada de
sódio do lúmen para a célula depende de um gradiente
eletroquímico. Já a principal via de saída do Na⫹ da célula
é pela membrana basolateral, através da Na,K-ATPase.
Além disto, o Na⫹ sai através do symporter 1 Na⫹/3HCO3⫺.
O transporte de sódio para fora da célula é ativo (Fig. 10.4).
O transporte paracelular de NaCl é passivo. É movido
por gradientes químicos e elétricos transepiteliais (trans-
porte difuso) ou por fluxo de líquido através do epitélio
(transporte convectivo ou solvent drag effect — efeito arras-
tão). A via paracelular tem uma alta permeabilidade a NaCl
e água. Já mencionamos também que a composição do lí-
quido tubular é diferente nas porções iniciais e finais do
túbulo proximal. Assim, no segmento inicial do TP há uma
queda dramática na concentração de HCO3⫺, glicose e
aminoácidos, e um aumento concomitante no cloreto. Na
parte final do TP este cloreto se difunde para o interstício
passivamente e a geração de voltagem proporciona a for-
ça para a reabsorção difusa de Na⫹. Fig. 10.3 Repercussões sobre a excreção urinária de sódio quan-
A reabsorção de água pelo TP proporciona um meca- do se aumenta o ritmo de filtração glomerular, com ou sem ex-
nismo adicional para o transporte paracelular de NaCl. pansão simultânea do volume extracelular, através de solução
Com a reabsorção de solutos, o líquido luminal fica um salina isotônica e hormônio da paratireóide (PTH), respectiva-
pouco hipotônico em relação ao interstício. Este pequeno mente. Observe que, quando se administra PTH, a carga filtrada
de sódio (CFNa) aumenta aproximadamente 6.000 mEq/min, en-
gradiente osmótico é suficiente para causar a reabsorção quanto a excreção de sódio (UNaV) aumenta somente 100 mEq/
de grande quantidade de água e junto levar o NaCl pelo min. Durante a expansão do volume, a CFNa aumentou 1.200
efeito de arrasto. mEq/min com uma natriurese significativa (1.600 mEq/min).
O sódio parece entrar na célula passivamente, através (Obtido de Slatopolski, E. e col.54)
da membrana apical, e é transportado para o espaço in-
tercelular. Isto causa aumento na concentração (osmola-
lidade) no espaço intercelular, o que atrai água passiva- o ambiente hiperosmolar do espaço intercelular criado
mente devido ao gradiente osmótico. Com a chegada de pela reabsorção ativa de sódio atrai água, também atrai
água, a pressão hidrostática aumenta no espaço interce- outros solutos. (efeito arrastão). Isto explica por que, quan-
lular e o líquido é forçado a sair através da membrana do se expande o volume extracelular e se reduz a reab-
basal (Fig. 10.5). Portanto, a pressão hidrostática elevada sorção proximal de sal e água, também se percebe dimi-
do espaço intercelular cria um gradiente de pressão en- nuição na reabsorção de potássio, cloro, bicarbonato, cál-
tre este espaço e o interstício, fazendo com que este líqui- cio e fosfato.
do passe para o interstício. Daí para o capilar, há um ou- O balanço dos gradientes de pressão oncótica e hidros-
tro gradiente de pressão determinado pela pressão hi- tática é que determina a força que move o líquido do in-
drostática intracapilar (que favorece a saída de líquido) e terstício para o capilar peritubular. Se a pressão hidrostá-
pela pressão oncótica do plasma (que se opõe à filtração tica aumentar, ou a pressão oncótica diminuir, menos lí-
do líquido). Os solutos orgânicos transportados para o quido passará do interstício para o capilar. A presença de
espaço intercelular aumentam a osmolalidade, explican- mais líquido no interstício aumenta a pressão hidrostática
do em parte por que eles, quando presentes no líquido no local. Haverá, então, inversão do gradiente de pressão
tubular, aumentam a reabsorção de líquido. Naturalmen- no espaço intercelular e fluxo retrógrado de sal e água para
te, o líquido tubular contém vários íons e o movimento o lúmen tubular. Além disto, poderá haver redução no
de sódio altera o ritmo de absorção destes íons. Quando transporte ativo de sódio para o espaço intercelular devi-
capítulo 10 141

Fig. 10.4 Transporte de sódio através da célula tubular proximal. Observe que a entrada de sódio na célula é passiva, devido ao
gradiente de potencial eletroquímico. Para sair da célula para o sangue, o sódio deve vencer um gradiente de potencial eletroquími-
co e para isto precisa ser ativamente eliminado através de uma bomba de sódio. (Modificado de Burg, M.B.19)

Fig. 10.5 Mecanismo proposto para o transporte isosmótico de líquido através de membranas epiteliais. (Obtido de Valtin, H.53)

do ao movimento lento de líquido no espaço, permitindo O processo ativo de transporte do sódio também envol-
aumento na concentração de sódio. Esse aumento na con- ve alguma forma de troca com o íon hidrogênio.21 Afirma-
centração de sódio limita o transporte de sódio das célu- se freqüentemente que, ao longo do nefro e mais especial-
las, devido a um elevado gradiente de concentração entre mente no túbulo proximal, o hidrogênio secretado é troca-
as células e o espaço intercelular. do pelo sódio, implicando uma certa ligação direta no
Por outro lado, um aumento na pressão oncótica ou uma movimento destes dois íons. Mas não parece haver uma
diminuição na pressão hidrostática dos capilares peritubu- bomba que troque ativamente sódio e hidrogênio. Aceita-
lares aumentam o transporte do líquido do interstício para se, no entanto, que a passagem do hidrogênio da célula
o capilar. para o lúmen é um processo ativo, mas a passagem do
Este modelo oferece a explicação provável para algumas sódio do lúmen para a célula é um processo passivo. No
interações importantes entre fluxos de diferentes solutos momento, acredita-se que o mecanismo de troca (Na⫹/H⫹)
através do túbulo proximal e a ligação com o transporte de não é específico e resulta da necessidade de manter uma
sódio. O espaço intercelular é o local provável desta liga- neutralidade elétrica dentro do lúmen tubular.21
ção. Nos segmentos mais distais do túbulo contornado proxi-
142 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

mal, o transporte ativo de sódio ainda é o processo básico Segmento Ascendente Espesso da Alça
responsável pela absorção de líquido. Como no segmento
proximal do TCP a reabsorção de bicarbonato foi mais rá- de Henle (Segmento Diluidor)
pida que a de cloro (devido ao processo de acidificação), Este segmento estende-se do ramo ascendente delgado
neste segmento distal a concentração de bicarbonato no à mácula densa. A permeabilidade à água é baixa e a reab-
líquido tubular é menor e a do cloro maior, e é possível que sorção de sal em excesso (em relação à água) gera um flui-
o transporte de cloro neste segmento seja passivo, devido do tubular diluído. No segmento espesso ascendente, a
ao gradiente de concentração entre o lúmen e o sangue. reabsorção ativa de cloro gera uma diferença de potencial
Alguns acreditam que a difusão do cloro, através deste capaz de reabsorver passivamente o sódio.
gradiente químico, possa ser a força primária na reabsor- O ritmo de reabsorção de NaCl no segmento diluidor
ção de água e sal nestes segmentos mais distais do TCP. depende da quantidade absoluta de NaCl que chega. Por
Devido à extensa reabsorção no segmento inicial do TCP,
outro lado, o ritmo de transporte de NaCl no segmento
a concentração de glicose, aminoácidos e outros substra-
diluidor depende da concentração de NaCl no lúmen. Se
tos orgânicos diminui no segmento distal, e, conseqüente-
aumenta a quantidade absoluta do NaCl que chega ao seg-
mente, o ritmo de absorção de líquido também diminui. A
mento diluidor, aumenta a concentração de NaCl no seg-
pars recta é relativamente inacessível à micropuntura, ra-
mento e, portanto, aumenta a reabsorção de NaCl. Se a
zão pela qual tem sido estudada em preparações in vitro.
reabsorção de NaCl no túbulo proximal diminui, aumen-
O transporte de sódio é ativo, e o de cloro, provavelmente
ta a quantidade de NaCl que chega ao segmento diluidor,
passivo.
e logo aumenta a reabsorção de NaCl, minimizando as al-
terações na quantidade de NaCl ofertada ao túbulo con-
Segmentos Delgados da Alça de Henle tornado distal.
Este segmento normalmente absorve 20% da carga fil-
As características de permeabilidade dos segmentos trada de NaCl. A entrada de Na⫹ e Cl⫺ ocorre através da
delgados à água e solutos são bastante importantes para a membrana apical por um symporter eletroneutro: 1 Na⫹:1
compreensão do transporte destes elementos.19 K⫹:2 Cl⫺. Os diuréticos de alça são inibidores específicos
No segmento delgado descendente a permeabilidade à deste transportador. O gradiente de Na⫹ do lúmen para a
água é alta, enquanto no segmento delgado ascendente é célula gera um grande componente da força propulsora
baixa. A permeabilidade ao sódio e à uréia é maior no seg- para reabsorção destes íons. O gradiente de Na⫹ é manti-
mento delgado ascendente do que no descendente. No do pela Na,K-ATPase na membrana basolateral, que ati-
segmento ascendente a permeabilidade ao sódio excede a vamente elimina o Na⫹ do interior da célula. Além da via
da uréia. transcelular, o Na⫹ é reabsorvido pela via paracelular. Como
A evidência atual é de que não há transporte ativo de durante o transporte transcelular se gera uma voltagem
NaCl nos segmentos delgados da alça de Henle, e as ca- transepitelial, a absorção de Na⫹ se faz pela via paracelu-
racterísticas de permeabilidade anteriormente descritas lar (aproximadamente 50% da reabsorção de Na⫹).
explicam o transporte passivo de NaCl e uréia nos segmen-
tos delgados da alça de Henle.
No segmento descendente ocorre concentração de so- Túbulo Contornado Distal (TCD)
luto devido à saída passiva de água, determinada pelo
gradiente osmótico. Alguns autores sugeriram que o au- Aproximadamente 7% da carga filtrada de NaCl é aqui
mento na concentração de soluto também se dá devido à reabsorvida. Estende-se da mácula densa até a junção com
entrada de soluto do interstício para o lúmen tubular (de- outro túbulo contornado, formando, a partir de então, o
vido ao gradiente osmótico), embora em menor proporção ducto coletor cortical.
que a saída de água. Na curva da alça, o líquido é hiperos- A reabsorção de sal continua neste segmento e a reab-
molar e tem a mesma osmolalidade que o interstício, mas sorção de água depende da resposta deste segmento ao
a concentração de NaCl é superior à do interstício. A HAD. O líquido tubular que chega ao TCD é hiposmótico
isosmolalidade é dada pela uréia, cuja concentração no devido à reabsorção de NaCl no segmento diluidor. Em
interstício é maior que a do lúmen tubular. Devido a estas algumas espécies de animais, como o cão e o macaco, o
características de concentração e de permeabilidade do líquido permanece hiposmótico porque a parte distal do
segmento ascendente delgado, o NaCl difunde-se do lú- TCD (túbulo coletor) não responde à ação do HAD. Em
men para o interstício. A uréia não se difunde tão rapida- outras espécies animais, a osmolalidade do líquido aumen-
mente do interstício para o lúmen, porque o segmento é ta, e isto porque o segmento distal do TCD responde à ação
mais permeável ao sódio do que à uréia. do HAD.
Desta forma, ocorre a reabsorção de NaCl e diluição do Acredita-se que Na⫹ e Cl⫺ entram na célula por um sis-
líquido tubular no segmento ascendente delgado da alça tema de transporte eletroneutro e a força propulsora é o
de Henle (v. Cap. 4). gradiente de Na⫹ do lúmen para a célula. O gradiente é
capítulo 10 143

mantido pela atividade da Na,K-ATPase na membrana Redistribuição do Filtrado Glomerular


basolateral. A reabsorção de cloro ocorre de modo ativo e
passivo. O rim do mamífero é formado por uma população he-
terogênea de nefros. Aproximadamente 85% dos nefros são
superficiais, localizados próximo ao córtex (nefros corti-
Ducto Coletor cais), e possuem alças de Henle curtas. Os nefros restan-
Normalmente este segmento reabsorve 3% da carga fil- tes, mais ou menos 15%, estão localizados na junção do
trada de sódio. Entretanto, é nesta porção que existem os córtex com a medula (nefros justamedulares) e possuem
maiores gradientes de concentração entre sangue e urina alças de Henle longas.
e onde são feitos os ajustes finais para a excreção de íons. A excreção renal de sódio pode ser influenciada por
Os ductos coletores vão desde o córtex externo até a uma redistribuição de filtrado glomerular entre os nefros
ponta da papila. São divididos em três segmentos. O pri- corticais e justamedulares. Os nefros corticais (alça curta)
meiro segmento (ducto coletor cortical) se estende do cór- teriam mais chances de deixar o sódio escapar do que os
tex externo até a junção corticomedular. Contém dois ti- justamedulares (alça longa). Por outro lado, uma redistri-
pos de células: célula principal e célula intercalada. A cé- buição do filtrado dos nefros corticais para os justamedu-
lula principal é local de reabsorção de Na⫹ e K⫹, e a célula lares facilitaria a retenção de sódio. Embora seja uma hi-
intercalada está envolvida na acidificação da urina. A reab- pótese atraente, ainda faltam dados mais convincentes
sorção ativa de Na⫹ se faz pela atividade da Na,K-ATPase para aceitá-la.
localizada na membrana basolateral. Com esta atividade,
estabelece-se um grande gradiente eletroquímico para a
entrada do Na⫹ na célula através de um canal seletivo de
Angiotensina II
Na⫹, sensível ao amiloride. O segundo segmento (ducto A angiotensina II é produzida quando a renina é libera-
coletor medular externo) vai da junção corticomedular até da pelo aparelho justaglomerular. A angiotensina integra
a junção da medula interna e externa. O transporte de Na⫹ o sistema renina-angiotensina-aldosterona (v. Cap. 7). Uma
parece ser o mesmo do ducto coletor cortical. O terceiro diminuição do volume circulante efetivo é estímulo à pro-
segmento (ducto coletor medular interno) é um segmento dução de renina, que gera angiotensina; esta estimula a
muito ramificado com um único tipo de célula. Pouco se secreção de aldosterona, que, por sua vez, aumenta a reab-
sabe sobre o transporte de íons neste segmento. sorção tubular de sódio, tentando restaurar o volume cir-
culante.
Pontos-chave: O principal efeito renal da angiotensina II é estimular a
reabsorção de NaHCO3⫺ no túbulo contornado proximal.
• O túbulo proximal (parte contornada e Como o fluido deve permanecer isosmótico neste local, a
parte reta) é o principal local de reabsorção água é reabsorvida, e o cloro intraluminal aumenta. Este
do sódio filtrado — cerca de 77% do sódio aumento cria uma diferença de concentração que leva à
filtrado são aí reabsorvidos reabsorção passiva de cloro (arrastando sódio pela eletro-
• O restante do sódio é reabsorvido nos neutralidade e água pela isosmolalidade). A angiotensi-
segmentos distais ao túbulo proximal na II é também potente vasoconstritora seletiva de arterí-
olas eferentes. Com isso, ocorre aumento na fração de fil-
tração, alterando a reabsorção proximal devido a fatores
físicos.2
OUTROS FATORES QUE
REGULAM A EXCREÇÃO DE
Aldosterona
SÓDIO
É um hormônio secretado pela zona glomerulosa das
A regulação da excreção de sódio depende em última glândulas adrenais. É capaz de estimular o transporte de
análise do controle da diferença entre a quantidade de só- eletrólitos por células epiteliais de glândulas salivares, trato
dio filtrada e a quantidade reabsorvida. Teoricamente, a gastrintestinal e túbulos renais. A aldosterona tem um
excreção de sódio pode ser regulada por alterações na fil- papel importante na manutenção da homeostase do Na⫹,
tração glomerular ou reabsorção tubular. Mas, como já foi e chega a ser responsável por 5% da reabsorção total de
mencionado, a filtração glomerular não é peça crítica na sódio.
excreção de sódio, e, portanto, alterações na excreção são A secreção de aldosterona é estimulada pela angioten-
resultado de alterações da reabsorção tubular. Os fatores sina, concentração de potássio plasmático e hormônio adre-
que parecem ter um papel importante na regulação da nocorticotrófico (ACTH). Aparentemente a aldosterona
excreção de sódio são apresentados a seguir.11 entra na célula por difusão, migra até o núcleo e induz a
144 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

síntese de proteínas que aumentam a entrada de sódio do são do espaço extracelular em um animal também ocorri-
meio externo para o interior da célula. am no segundo animal. A expansão do intravascular com
No epitélio tubular, a aldosterona induz aumento da solução salina provocava diurese ativa, sem modificações
permeabilidade da membrana apical ao sódio e, ao mes- na pressão de perfusão renal, taxa de filtração glomerular,
mo tempo, excreção de potássio. Após ser absorvido, o ou atividade mineralocorticóide. Presumiu-se que a natriu-
sódio é então removido para o capilar peritubular pela rese era devida a uma substância circulante que exercia
bomba de sódio. O transporte ao nível da bomba de sódio tam- seus efeitos diretamente nos processos de reabsorção tu-
bém está vinculado ao de potássio. À medida que o sódio bular de sódio.
é expulso da célula, aumenta a concentração intracelular Experimentos posteriores confirmaram que extratos do
de potássio, o qual, devido ao gradiente químico que se plasma, urina e certos tecidos eram natriuréticos in vivo e
estabelece entre o meio intracelular e o meio extracelular, apresentavam um efeito direto no transporte transepiteli-
sai passivamente da célula1 (v. também Cap. 12). al do sódio. Entre os vários fatores natriuréticos isolados,
o fator isolado por Bricker e cols. parece apresentar a me-
lhor correlação com a manipulação renal de sódio. Este
Fatores Físicos e Volume do fator foi encontrado também no sangue e na urina de pa-
Espaço Extracelular cientes urêmicos.23,24 Estas substâncias possuem caracterís-
ticas semelhantes aos digitálicos. A descoberta destas subs-
Como já abordamos, há evidência de que fatores físicos tâncias nos tecidos dos mamíferos e a existência de isofor-
influenciam o ritmo de absorção de líquido do túbulo con- mas de Na,K-ATPase com diferentes afinidades pelos gli-
tornado proximal. Os principais fatores são: hematócrito, cosídeos cardíacos sugerem que a bomba Na,K-ATPase é
concentração plasmática de proteínas e as pressões hidros- endogenamente regulada por este composto. Porém, ain-
táticas na artéria renal, veia renal e ureter.22 da não foi esclarecido se o hormônio natriurético e o inibi-
O papel das pressões oncótica e hidrostática do capilar dor digital-like da bomba Na,K-ATPase são a mesma mo-
peritubular já foi comentado. Com relação à pressão venosa lécula. Possivelmente o local de origem do hormônio na-
renal, demonstrou-se que um aumento desta pressão di- triurético é o hipotálamo. Cogita-se que esta substância se
minui a reabsorção de sódio no nefro proximal, desde que origina nas adrenais.25,26
não haja redução da filtração glomerular. Quando o volu- O hormônio natriurético induz:
me do espaço extracelular está reduzido, a urina elimina-
a) natriurese in vivo;
da contém quantidades muito pequenas de sódio. O inver-
b) inibição do transporte ativo de sódio in vitro;
so ocorre quando o espaço extracelular encontra-se expan-
c) inibição da Na,K-ATPase;
dido. Nos indivíduos euvolêmicos, o rim excreta a carga
d) inotropismo positivo e
diária de NaCl. Então, não se costumam definir valores
e) reatividade vascular aumentada (pode estar envolvido
“normais” de sódio na urina, pois os mesmos devem ser
na gênese da hipertensão essencial).
avaliados de acordo com o estado fisiológico e a ingesta
pelo paciente.2 Recentemente a estrutura química do inibidor endóge-
Quanto ao hematócrito, uma redução deste causa au- no da Na,K-ATPase foi caracterizada como um isômero do
mento na excreção de sódio e redução da fração de filtra- glicosídeo cardíaco ouabaína. É possível que mais de um
ção e da resistência vascular renal. Estes efeitos podem ser composto digital-like esteja presente em humanos.25
mediados pela alteração da viscosidade do sangue na cir- Outros hormônios conhecidos afetam a excreção de só-
culação pós-glomerular, a qual, alterando a fração de fil- dio. A ocitocina pode aumentar a excreção de sódio, mas
tração e a resistência vascular renal, altera as pressões não há evidência de que normalmente participe da regu-
peritubulares oncótica e hidrostática, respectivamente. lação da excreção de sódio. A vasopressina, quando admi-
nistrada por muito tempo, pode aumentar a excreção de
sódio, parecendo isto ocorrer por expansão do volume
Hormônio Natriurético extracelular, devido à retenção de água.
Observações experimentais conduziram ao conceito da A angiotensina, quando administrada em doses capa-
existência de um regulador da bomba Na,K-ATPase há zes de elevar a pressão arterial, pode aumentar a excreção
mais de 30 anos.10 Foram as experiências de De Wardener de sódio, na ausência de uma elevação da filtração glome-
e cols. que demonstraram que a natriurese que ocorria com rular. O efeito parece ser devido a um aumento na pressão
a infusão de solução salina não dependia dos dois fatores hidrostática do capilar peritubular.
até então considerados importantes no controle da excre-
ção de sódio, isto é, ritmo de filtração glomerular e aldos- Fator Natriurético Atrial (FNA)
terona.10 Os experimentos iniciais foram feitos com circu-
lação cruzada entre animais, um dos quais tinha o volume Na década de 60, estudos demonstraram a presença de
extracelular expandido.10 Os efeitos natriuréticos da expan- grânulos nos miócitos atriais. Em 1981 confirmou-se que
capítulo 10 145

estes grânulos produzem substâncias que possuem impor- de sódio e sobrecarga de volume da insuficiência renal crô-
tante participação na regulação do volume extracelular. A nica.26,27
investigação inicial demonstrou que a administração en-
dovenosa de um extrato atrial causava uma abrupta diu-
rese, natriurese, caliurese e uma diminuição da pressão
Fatores Derivados do Endotélio
arterial. Mais recentemente verificou-se que este fator atrial O endotélio é importante fonte de substâncias capazes
natriurético é um peptídeo, cuja seqüência de aminoácidos de regular o tônus vascular, tais como a endotelina, o óxi-
já foi identificada e sintetizada. Em seres humanos este do nítrico (antes conhecido como fator de relaxamento
peptídeo provoca redução da pressão arterial média, ele- derivado do endotélio — FRDE) e a prostaciclina. Estas
vação do ritmo de filtração glomerular, do fluxo urinário substâncias estão envolvidas no equilíbrio do sódio e água,
e aumento da excreção de sódio e potássio. A elevação do pois têm propriedades vasodilatadoras e vasoconstritoras
ritmo de filtração produzida se acompanhou de fluxo plas- que regulam a pressão de perfusão dos rins, coração e vas-
mático renal inalterado ou diminuído.26,27 culatura.4
O mecanismo pelo qual o fator atrial eleva a filtração A endotelina tem efeitos vasoconstritores, com redução
glomerular não está elucidado. É possível que exerça efei- do fluxo sanguíneo renal e TFG e retenção de sódio e água.
to vasoconstritor aferente e eferente,26 elevando a pressão O óxido nítrico pode ser produzido na mácula densa e tem
capilar glomerular e, portanto, o ritmo de filtração. Outras efeito vasodilatador aferente,28 com aumento da natriure-
hipóteses seriam: redistribuição da filtração glomerular se por inibição da Na,K-ATPase e aumento da diurese.4
para nefros mais profundos e elevação do coeficiente de
filtração. O FNA também diminui a reabsorção de sódio
no túbulo proximal, através da liberação local de dopami- Prostaglandinas
na e inibição da liberação de renina pelo rim, inibição da As prostaglandinas têm efeitos sobre o fluxo sanguíneo
liberação de aldosterona pelas adrenais e inibição da rea- renal e sobre o manejo tubular de água e sal. Aparentemen-
bsorção proximal mediada pela angiotensina II.26,27 A re- te, os resultados finais da estimulação da síntese de pros-
dução da secreção de renina pode ser devida em parte a taglandinas pelo rim são: vasodilatação, aumento da per-
um aumento na carga de sódio para a mácula densa gera- fusão renal, natriurese e facilitação da excreção de água.
da pela elevação do ritmo de filtração glomerular. No mús- Quando se bloqueia a ciclo-oxigenase com antiinflamató-
culo liso de grandes artérias isoladas e pré-constritas, lei- rios não-hormonais, existe diminuição da excreção de só-
tos vasculares periféricos e músculo liso intestinal, o FNA dio, aumento da resposta vasoconstritora renal à angioten-
produz relaxamento. sina II e queda da TFG.4
Aparentemente, o estiramento das paredes dos átrios
cardíacos é o principal estímulo à síntese do fator natriuré-
tico atrial, como ocorre na sobrecarga de volume.25 Porém, Sistema Nervoso Simpático
as células ventriculares podem ser recrutadas para a sua
O tônus simpático aumenta a reabsorção de sódio pe-
produção.24 Em pacientes com doença cardíaca ou pulmo-
los túbulos por um efeito direto e pela secreção de angio-
nar, o FNA pode ser utilizado como marcador de prognós-
tensina II e aldosterona.7
tico, pois existe correlação entre os níveis de FNA circu-
lantes e as pressões de átrio direito e esquerdo.25
A principal forma circulante de FNA é um peptídeo de Diurese Pressórica
28 aminoácidos, consistindo nos aminoácidos 99 a 126 da
extremidade C da pró-FNA. Além desta forma, já foram Em indivíduos normais, mesmo pequenas elevações da
isolados e descritos outros tipos de agentes natriuréticos, pressão arterial são acompanhadas de um aumento na
que podem ter importância similar ou superior ao FNA em excreção renal de sódio e água, por diminuição da reab-
termos de natriurese.26 Estas substâncias diferem do FNA sorção no túbulo proximal e alça de Henle. Possivelmente
pela seqüência de aminoácidos envolvida: além de pelo o aumento da pressão arterial sistêmica seja transmitido ao
menos quatro subtipos de FNA, existem ainda o peptídeo interstício, desencadeando estas alterações. As prostaglan-
natriurético cerebral (BNF) e o peptídeo atrial natriurético dinas e o óxido nítrico podem estar envolvidos.29
tipo C (CNF). O local de produção varia de um tipo para
outro, mas estas substâncias mantêm funções similares ao Ponto-chave:
FNA.26,27
Estes agentes natriuréticos e diuréticos, com certo efei- • O aumento ou diminuição da excreção renal
to vasodilatador renal seletivo, têm potencial terapêutico de sódio resulta de uma ampla rede de
em situações clínicas tais como: insuficiência renal aguda, eventos, em que participam fatores físicos,
síndrome hepatorrenal e insuficiência cardíaca congesti- hemodinâmicos, humorais e hormonais
va. Além disso, podem ser úteis no manejo da retenção
146 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

Habitualmente grande parte do volume secretado na luz


DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO do trato gastrintestinal é reabsorvida, resultando num
METABOLISMO DO SÓDIO volume fecal de cerca de 100-200 ml ao dia. Porém, em si-
tuações em que a reabsorção se encontra diminuída, como
Distúrbios do equilíbrio do sódio são diagnosticados atra- nas diarréias e sondagem gástrica, perdas significativas de
vés de uma avaliação do volume extracelular. Um déficit de fluido extracelular podem ocorrer, resultando em deple-
sódio total no organismo causa depleção do volume extracelu- ção.32
lar, e as manifestações clínicas dependem da magnitude Os rins possuem um sistema de ajuste para equilibrar a
desta depleção. Um excesso de sódio total no organismo excreção com a ingesta. Mas se este sistema falha e a ex-
expande o volume extracelular e, se a expansão for consi- creção é excessiva, a depleção pode instalar-se. São exem-
derável, poderá manifestar-se clinicamente por edema. plos disso situações como o uso de diuréticos, nefropatias
O termo desidratação, freqüentemente empregado, perdedoras de sal e o hipoaldosteronismo.32
pode causar confusão. Partilhamos da opinião de outros, Não existe nenhum método laboratorial prático para se
segundo os quais as expressões excesso ou depleção do volu- determinar o volume extracelular. O diagnóstico se baseia
me extracelular refletem melhor a idéia de que distúrbios do na história clínica, exame físico e alguns exames laborato-
sódio são distúrbios de volume e envolvem déficit ou ex- riais. O dado mais importante no diagnóstico é a história
cesso de uma solução isotônica de sódio, o que tem tam- de perda de líquido que contém sódio.
bém implicações terapêuticas.30 Os pacientes com depleção Na história clínica, o paciente relata vômitos e/ou diar-
do extracelular perderam sal e água, e a concentração plas- réia, sudorese profusa, poliúria etc. O diagnóstico de de-
mática de sódio é de modo geral normal. pleção do volume extracelular, na ausência de história de
Ao contrário, os distúrbios do balanço de água são dis- perda de líquido que contém sódio, obriga-nos a questio-
túrbios da osmolalidade plasmática, traduzida por altera- nar e rever o diagnóstico. Isto porque, se a ingesta de só-
ções na concentração de sódio plasmático e indicados pela dio cessa, o mecanismo renal de conservação do sódio é tão
terminologia déficit ou excesso de água. Talvez o termo de- eficiente que um déficit de sódio não se estabelecerá.
sidratação seja melhor empregado em situações em que O paciente pode inicialmente apresentar fraqueza, ano-
existe déficit de água, como nas hipernatremias.31 É preci- rexia, náuseas e, a seguir, tonturas, síncope e, finalmente,
so salientar que os distúrbios do balanço de água depen- um estado de colapso circulatório.
dem somente da quantidade relativa de água (em relação à Os sintomas resultam de inadequado volume circulante
quantidade de soluto), e não da quantidade absoluta de e dependem de quatro fatores principais: a) magnitude da
água. Assim, um paciente com edema pode ter aumento perda de volume; b) velocidade na perda de volume; c)
na água total do corpo, mas desde que o sódio e a água natureza do fluido perdido, se somente água, água com
retidos no extracelular sejam isotônicos, não haverá alte- sódio, ou sangue; e d) resposta vascular à redução de vo-
ração na água intracelular e, portanto, não haverá distúr- lume.4
bio do balanço de água. Por exemplo, a perda aguda de 1 litro de sangue por
hemorragia gastrintestinal resulta em oligúria e manuten-
Pontos-chave:
• A avaliação e o diagnóstico dos distúrbios Quadro 10.4 Causas de depleção de sódio
clínicos do metabolismo do sódio e do 1. Perdas renais
espaço extracelular são feitos através da A. Ausência de doença renal
história clínica e do exame físico, a. Diurese osmótica (glicosúria, manitol etc.)
b. Diuréticos (tiazídicos, furosemida etc.)
detectando-se a depleção ou o excesso c. Insuficiência adrenal (primária)
(edema) d. Secreção inapropriada de HAD
• O diagnóstico de distúrbios do metabolismo (primária)
B. Enfermidades renais
da água é feito através da dosagem do sódio a. Nefropatia crônica (particularmente doença
plasmático medular cística e nefrite intersticial)
b. Fase diurética da necrose tubular aguda
c. Uropatia pós-obstrução
2. Perdas extra-renais
Depleção de Sódio ou do A. Gastrintestinal: vômitos, diarréia, fístulas etc.
Volume Extracelular B. Pele: sudorese, queimaduras
C. Iatrogênicas: paracentese, toracocentese
As causas de depleção do espaço extracelular encon- D. Terceiro espaço: pancreatite aguda, fraturas,
esmagamentos, íleo
tram-se listadas no Quadro 10.4, sendo divididas basica-
mente em causas renais e não-renais. Modificado de Chapman, W.H. e col.30
capítulo 10 147

ção do hematócrito, com pouca contribuição do fluido in- jugulares são invisíveis e, em outras, se apresentam cheias
tersticial em expandir o intravascular. A perda mais lenta por possuírem válvulas ou alterações da elasticidade, sem
da mesma quantidade de sangue permite que haja trans- refletirem o volume circulante. Desta forma, em alguns
ferência de fluido do intersticial para o intravascular, com casos, necessitamos da determinação direta da pressão ve-
queda conseqüente do hematócrito. Com a parcial restau- nosa central.
ração do volume sanguíneo, o volume de urina e a respos- Quando a depleção de volume é intensa, o débito car-
ta hemodinâmica à contração de volume podem estar pou- díaco cai, o mesmo ocorrendo com a pressão venosa sistê-
co afetados.4 mica intratorácica. Portanto, a determinação da pressão
Os achados clínicos também dependem do tipo de flui- venosa central (PVC) poderia ser um indicador sensível de
do perdido. A perda de 1 litro de água sem eletrólitos num redução no retorno venoso e débito cardíaco. Entretanto,
paciente de 70 kg reduz o volume sanguíneo em 2,5%, e a como os limites de normalidade são muito amplos em in-
hemodinâmica renal e sistêmica são pouco afetadas. A divíduos diferentes, é impossível definir hipovolemia
perda de 1 litro de fluido extracelular reduz o volume de numa única determinação. Por outro lado, uma única de-
sangue em 6,6%, e instalam-se oligúria e taquicardia dis- terminação do volume sanguíneo não dá idéia do grau de
cretas com o paciente deitado. A perda de 1 litro de san- deficiência e de como o coração vai tolerar a restauração
gue reduz o volume em 20%, resultando em oligúria gra- do volume. Quando se correlacionaram o volume sanguí-
ve e choque.4 neo e a PVC em pacientes em choque, observou-se que a
Entre os sinais mais sensíveis no diagnóstico de um ina- correlação era pobre33 (v. Fig. 10.6). Talvez o melhor guia
dequado volume circulante, destacamos as alterações ortos- da adequação do volume sanguíneo circulante não seja
táticas de pressão arterial e a determinação simultânea do uma única determinação da PVC ou do volume sanguíneo,
pulso periférico. Portanto, determinam-se a pressão arteri- e, sim, a observação da resposta cardiovascular à expan-
al e o pulso com o paciente deitado, sentado no leito, com são do volume (v. próxima seção). Para uma boa interpre-
os pés para fora da cama e de pé, quando possível. Fazer o tação da PVC, os seguintes princípios são importantes:33
paciente sentar-se no leito, sem que os pés fiquem penden-
1. Uma PVC reduzida não permite uma conclusão eviden-
tes para fora da cama, pode não ser suficiente para produ- te de que o volume sanguíneo está reduzido.
zir uma queda ortostática da pressão arterial. Normalmen- 2. Num paciente com insuficiência circulatória (choque),
te, quando o paciente muda da posição deitada para a sen- uma PVC baixa indica que uma expansão do volume
tada ou de pé, a sua pressão sistólica quase não se altera, e a
será benéfica. No entanto, uma PVC alta não contra-in-
pressão diastólica aumenta 5 ou 10 mm Hg. Se há um ina-
dica uma expansão do volume sanguíneo, mas deve
dequado volume circulante, as pressões sistólica e diastóli-
permanecer a mesma ou cair à medida que o volume
ca caem 10 mm Hg ou mais, e nota-se aumento da freqüên-
sanguíneo aumenta. Por outro lado, se a PVC inicial é
cia cardíaca ou pulso periférico. Uma queda ortostática da elevada e continua a elevar-se à medida que a expan-
pressão arterial também pode ocorrer independente do vo- são de volume prossegue, a infusão deve ser suspensa.
lume circulante e estar relacionada com comprometimento
3. Uma elevação da PVC acima do normal, durante a ex-
do sistema nervoso autônomo periférico, tal como ocorre no
pansão, indica que a expansão está sendo excessiva.
diabetes mellitus, insuficiência renal crônica ou com o uso de
drogas, especialmente bloqueadores adrenérgicos. É neces- É preciso lembrar que o controle da PVC fornece-nos
sário salientar que pressão arterial aparentemente normal uma idéia mais ou menos precisa da pressão de enchimento
pode ser encontrada em indivíduos previamente hiperten- do ventrículo direito, mas não nos esclarece nada sobre a
sos que estejam depletados.32 função do ventrículo esquerdo. Num indivíduo normal, a
Os sinais chamados clássicos de depleção do volume expansão de volume eleva simetricamente as pressões de
extracelular, como diminuição do turgor da pele, diminui- átrio direito e esquerdo, o que não ocorre em indivíduos
ção do volume da língua ou diminuição do tônus ocular, com insuficiência ventricular esquerda. A pressão venosa
têm pouco valor clínico. Quando estes sinais são detectá- intratorácica, normalmente, não deve exceder 8 cm de
veis, o grau de depleção do volume extracelular é de tal água, podendo ser determinada através de um cateter em
ordem que o paciente está quase em choque. Por outro veia cava superior e tomando-se o zero do manômetro na
lado, pessoas obesas, jovens ou com depleções leves podem altura da linha axilar média.
apresentar turgor de pele normal.32
Um outro sinal clínico bastante útil é a avaliação do en- DADOS LABORATORIAIS
chimento venoso no pescoço. Quando um paciente está em Entre os exames de laboratório, a elevação do hemató-
decúbito dorsal, as veias jugulares são visíveis até quase o crito e da concentração plasmática das proteínas acompa-
ângulo da mandíbula. Se as veias jugulares não forem vi- nha a depleção do volume extracelular, pois ambos estão
síveis ou mostrarem pobre enchimento, suspeita-se de confinados ao espaço intravascular. Uréia e creatinina po-
depleção do volume extracelular. É necessário, no entan- dem estar elevadas, dependendo do grau de redução da
to, salientar que, em algumas pessoas normais, as veias taxa de filtração glomerular.32
148 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

Fig. 10.6 Comparação entre a pressão venosa central (PVC) e o volume sanguíneo em 46 pacientes em choque. Embora exista uma
correlação grosseira, observe que alguns pacientes com volume sanguíneo baixo têm PVC elevada. (Obtida de Cohn, J.N.33)

A determinação urinária do sódio ou cloro também é um o aumento do fluxo sanguíneo medular, dissipa-se o gra-
guia útil para as necessidades de sódio. Na presença de diente osmótico córtico-papilar. Como a concentração uri-
função renal normal e depleção do volume extracelular, a nária de sódio é baixa, não explica a hipertonicidade da
concentração urinária de sódio e cloro geralmente é inferi- urina, que se deve à concentração urinária elevada de
or a 10 e 50 mEq/L, respectivamente. A densidade uriná- uréia.1
ria acima de 1.015 é consistente com uma urina concen- Quando a depleção de volume é significativa, o sistema
trada, encontrada nas situações de depleção do espaço nervoso simpático entra em atividade. Ocorre venocons-
extracelular. Além disso, a urinálise é praticamente nor- trição, mobilizando sangue da periferia para a circulação
mal.32 central, assegurando o enchimento cardíaco. A estimula-
Dependendo da causa da depleção do espaço extrace- ção cardíaca aumenta a freqüência e a força de contração
lular, podem ser encontradas anormalidades na concen- do miocárdio. A vasoconstrição arterial mantém a pressão
tração plasmática de potássio e sódio e no estado ácido- arterial e a perfusão de áreas críticas. A resposta final tra-
básico.32 duz-se por taquicardia, oligúria e vasoconstrição cutânea.

Conseqüências da Depleção do Tratamento da Depleção


Volume Extracelular TIPO DE SOLUÇÃO
Como conseqüência da depleção do espaço extracelu- O tipo de solução a ser administrado depende do tipo
lar, há queda do ritmo de filtração glomerular, aumento de fluido que foi perdido e da existência de outros distúr-
moderado da fração de filtração e diminuição proporcio- bios hidroeletrolíticos34 (v. Cap. 15).
nal do fluxo sanguíneo medular em relação ao cortical. Se O tratamento da depleção do espaço extracelular deve
a depleção for grave, a fração de filtração se reduz e o flu- ser feito com uma solução que contenha sódio, preferenci-
xo sanguíneo medular se eleva.1 almente a solução salina isotônica (1 litro de solução sali-
Observa-se aumento da reabsorção proximal de sódio, na a 0,9% contém 154 mEq de sódio e 154 mEq de cloro).
com a liberação de um menor volume de fluido isotônico Após a administração de 1 litro de solução salina isotôni-
para as porções distais do nefro. Há também maior pro- ca, 300 ml permanecem no intravascular.4
dução de aldosterona e de HAD. Conseqüentemente, há A repleção do espaço extracelular também pode ser fei-
redução da diurese e natriurese e a urina final é hipertô- ta com a solução de Ringer lactato35 (1 litro contém 130 mEq
nica. de sódio, 109 mEq de cloro, 4 mEq de potássio, 3 mEq de
Mas se a depleção for intensa, a pressão osmótica da cálcio e 28 mEq de lactato). Em situações em que a quanti-
urina se aproxima da plasmática. Isto ocorre porque, com dade a ser reposta é muito grande, esta solução apresenta
capítulo 10 149

benefícios, pois o lactato é convertido a bicarbonato no fí- Uma depleção leve (10-15% de redução no EEC) não
gado e ameniza ou evita uma acidose dilucional. Não deve cursa com sinais clínicos muito significativos, mas há his-
ser utilizada em pacientes hipercalêmicos e com função tória de perda. Uma depleção moderada está entre 20 e 30%
renal comprometida. de redução no volume extracelular.37 O paciente pode apre-
As soluções colóides (plasma, albumina) expandem sentar, em decúbito dorsal, pressão arterial normal, mas ao
principalmente o intravascular, pois suas grandes molécu- mesmo tempo ter taquicardia, pobre perfusão capilar e
las não ultrapassam o endotélio capilar. Este tipo de flui- diminuição da temperatura da pele (devido à vasoconstri-
do deve ser reservado para situações graves, em que a ex- ção). Uma determinação dos sinais vitais, na posição sen-
pansão do intravascular necessita ser rápida e efetiva, co- tada ou em pé, aumenta os sinais de insuficiência circula-
mo, por exemplo, em queimaduras extensas e choque. Não tória. Considerando o paciente acima, o déficit seria de 2,8
se justifica a administração destas soluções em outras si- a 4,2 litros de solução salina isotônica (v. Cap. 15 para
tuações. Devem também ser levados em conta fatores como maiores detalhes sobre reposição hidroeletrolítica).
o alto custo e a meia-vida curta destas soluções.4 Mais re- Uma depleção intensa representa 40 a 50% de redução
centemente, tem sido utilizado o amido hidroxietílico do volume extracelular.37 Clinicamente, o paciente apresen-
(hetastarch), cujas moléculas têm cerca de 200.000 daltons ta hipotensão arterial mesmo em decúbito dorsal, ou já está
e que permanece por até 24-36 horas no compartimento em choque. O déficit de volume extracelular será, portan-
intravascular. No Brasil, estão disponíveis as apresentações to, de 5,6 a 7 litros. Além disso, os pacientes em choque
a 6% e 10% (Haes-steril®), que em 1 litro contém 60-100 g hipovolêmico apresentam intensa ativação adrenérgica,
do amido e 154 mEq de sódio. caracterizada por taquicardia, extremidades frias com en-
Ao se administrar sangue, este permanece inteiramen- chimento capilar lento, cianose de extremidades, oligúria
te no intravascular. Deve ser administrado quando hemor- e agitação e confusão mental, que se devem à diminuição
ragia tiver sido a causa da depleção e das alterações hemo- do fluxo sanguíneo cerebral.32
dinâmicas já mencionadas.4 O hematócrito não deve ser
elevado acima de 35%.36 MONITORIZAÇÃO DO TRATAMENTO
A administração de solução glicosada a 5% não é ade- Em pacientes com reserva cardíaca normal, o efeito de
quada no tratamento da depleção do extracelular, pois um desafio líquido pode ser monitorizado pela avaliação
equivale à administração de água sem sódio, que se distri- do pulso, pressão arterial e fluxo urinário. Em pacientes
bui uniformemente na água corporal total e não permane- com função cardíaca comprometida, a determinação seri-
ce em volume suficiente no intravascular. Por exemplo, ada da PVC ou preferencialmente da pressão em capilar
após a administração de 1 litro de solução glicosada a 5%, pulmonar (PCap) e débito cardíaco através de um cateter
permanecem no intravascular apenas 75-100 ml. de Swan-Ganz possibilitam o diagnóstico precoce de so-
brecarga de volume secundária ao desafio hídrico. Estas
VELOCIDADE DE ADMINISTRAÇÃO medidas devem ser seriadas e sua avaliação dinâmica, ou
A velocidade de administração da solução salina depen- seja, à medida que se vai expandindo o volume circulante.
de da magnitude da insuficiência circulatória. Desde que Administra-se rapidamente um volume de 100 ml e obser-
não haja cardiopatia, pode-se administrar um litro de so- vam-se as mudanças na PVC e PCap. Durante a expansão
lução salina por hora ou até em menor intervalo, em casos de volume, a PVC ou a pressão em capilar pulmonar po-
graves. Não há necessidade de que todo o déficit de volu- dem inicialmente subir para depois cair. Esta elevação ini-
me seja corrigido em poucas horas. O importante é que os cial se deve à infusão de fluidos num leito vascular vaso-
sinais de hipovolemia grave desapareçam. A partir de en-
tão, a reposição de volume pode ser mais lenta.
Um dos elementos muito importantes no manejo clíni- Pontos-chave:
co é o controle dos fatores precipitantes: sangramento,
vômitos, diarréia etc. Não havendo mais perdas, uma • São sinais sensíveis para o diagnóstico de
maior parcela do líquido administrado permanecerá no depleção do espaço extracelular: alterações
espaço extracelular, restaurando o seu volume. ortostáticas da pressão arterial e pulso,
enchimento das jugulares e débito urinário
VOLUME A SER INFUNDIDO • A depleção pode ser classificada como leve,
(GRAU DE DEPLEÇÃO) moderada e intensa, dependendo das
O grau de depleção do volume extracelular pode ser alterações encontradas no exame físico
estabelecido pela história clínica e achados de exame físi- • O tratamento geral da depleção do
co, sendo o cálculo aproximado. Por exemplo: um indiví- extracelular consiste na administração de
duo de 70 kg tem 14 litros, aproximadamente, de volume solução isotônica contendo sódio
extracelular (20% do peso corporal).
150 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

constrito.4 Enquanto persistirem o choque, a hipotensão, ou Kf  coeficiente de filtração (proporcional à permeabi-


se a PVC não se elevar, a expansão do volume é conside- lidade capilar e à área do leito capilar)
rada inadequada. Pc  pressão hidrostática intracapilar
Um outro dado útil na avaliação da adequação do volu- Pt  pressão do turgor tecidual
me sanguíneo é o volume urinário horário. Se, durante a repo- p  pressão oncótica do plasma
sição do volume, o volume urinário aumentar de 0-10 ml/h t  pressão oncótica intersticial
para 50 ml/h ou mais, isto indica um adequado plano de re-
O edema localizado ocorre quando as alterações nas for-
posição. Por outro lado, a queda do volume urinário indica
ças de Starling estão restritas a um órgão ou a um determi-
que a reposição não está sendo suficientemente rápida.
nado território vascular. Normalmente, o balanço de forças
de Starling na porção arteriolar do capilar é de tal ordem que
ocorre filtração de líquido para o interstício. Com isto ocor-
EXCESSO DE VOLUME re diminuição da pressão hidráulica capilar e aumento da
EXTRACELULAR — EDEMA pressão coloidosmótica do plasma (v. também Cap. 8). De
acordo com a visão clássica de distribuição de líquido trans-
Um excesso de sódio total no organismo acompanha-se capilar, a reversão do balanço das forças de Starling ocorria
de expansão do volume extracelular, que, se considerável, na porção terminal venosa do capilar, havendo então reab-
se manifestará por edema. Edema é o acúmulo anormal de sorção do líquido filtrado. Assim sendo, havendo equilíbrio
fluido em qualquer parte do organismo. Geralmente isto entre o líquido filtrado e reabsorvido, apenas uma pequena
ocorre em pacientes com cardiopatia, nefropatia, hepato- quantidade deveria retornar ao sistema vascular via linfáti-
patia ou hipoproteinemia. cos. No entanto, recentemente demonstrou-se que a pres-
são hidráulica transcapilar excede a pressão coloidosmóti-
ca do plasma em toda a extensão do capilar, de sorte que a
Fisiopatologia do Edema filtração ocorre ao longo de todo o capilar.40 O líquido fil-
trado retorna à circulação via linfáticos. Desta forma a cir-
Edema significa um acúmulo excessivo de líquido no
culação linfática passa a ter um papel importante no con-
compartimento intersticial, ou seja, na parte não-vascular
trole da formação do edema.
do compartimento líquido extracelular. A passagem para
Também existe vasodilatação que aumenta a saída de
o interstício de fluido ultrafiltrado do plasma (sem prote- líquido do capilar principalmente através de aumento da
ínas), decorrente da alteração das forças de Starling, é de- pressão hidrostática intracapilar e do coeficiente de filtra-
nominada transudação.38 São exemplos deste mecanismo os
ção. O aumento do Kf ocorre devido à abertura de novos
edemas decorrentes de obstrução venosa, insuficiência
capilares, dilatação dos capilares e aumento da permeabi-
cardíaca e edema pulmonar cardiogênico.
lidade. Uma diminuição da p e um aumento da t tam-
Outro tipo de edema ocorre por aumento da permeabi-
bém contribuem para a saída de líquido do capilar (Qua-
lidade dos capilares a determinados solutos, tais como as dro 10.5).
proteínas, num mecanismo de exsudação. 38 Este mecanis-
mo de formação de edema é observado em queimaduras,
trauma, abcessos. Edema Generalizado
O edema pode ser bem localizado, como numa peque-
na inflamação, ou generalizado, como na insuficiência car- É a principal manifestação clínica da expansão do vo-
díaca. lume líquido do compartimento extracelular e está invari-
avelmente associado a uma retenção renal de sódio. É uma
manifestação comum em situações clínicas tais como: in-
EDEMA LOCALIZADO
suficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica,
O edema localizado resulta de fatores inflamatórios ou
onde a retenção renal de sódio é apenas uma resposta re-
físicos que aumentam a formação ou diminuem a remo-
nal a um distúrbio hemodinâmico determinado pela enfer-
ção de líquido intersticial em uma região do corpo.9 O
midade básica (Quadro 10.6).
mecanismo de formação do edema localizado pode ser
A distribuição do edema generalizado é afetada por fa-
adequadamente explicado com base numa alteração das
tores locais e gravitacionais. Assim sendo, o líquido inters-
forças de Starling que controlam a troca de líquido entre o
ticial em excesso pode acumular-se nos membros inferio-
plasma e o interstício. Estas forças estão relacionadas na
res de pacientes ambulatoriais e na região pré-sacra de
seguinte expressão: 39
pacientes acamados. A baixa pressão do turgor tecidual nas
. regiões periorbital e escrotal pode acentuar o edema nes-
q  Kf [(Pc  Pt) – (p  t)
tas áreas.9
.
onde: q ritmo do fluxo de líquido através da parede ca- O edema classifica-se em dois tipos: edema duro e ede-
pilar ma mole.42 O edema mole revela o sinal do cacifo quando a
capítulo 10 151

Quadro 10.5 Fatores que contribuem para a Quadro 10.6 Causas de edema generalizado
formação do edema*
1. Enfermidades renais
1. Dilatação arteriolar A. Glomerulonefrite aguda
A. Inflamação B. Síndrome nefrótica
B. Calor C. Insuficiência renal aguda
C. Toxinas D. Insuficiência renal crônica
D. Excesso ou déficit neuro-humoral 2. Insuficiência cardíaca
2. Redução da pressão osmótica A. Baixo débito
A. Hipoproteinemia B. Alto débito (anemia, beribéri, tireotoxicose,
a. Desnutrição sepse etc.)
b. Cirrose hepática 3. Enfermidades hepáticas
c. Síndrome nefrótica A. Cirrose
d. Gastroenteropatia perdedora de B. Obstrução da drenagem hepática venosa
proteína 4. Enfermidades confinadas a mulheres
B. Aumento da permeabilidade capilar A. Gravidez
a. Inflamação B. Toxemia gravídica
b. Queimaduras
C. Síndrome da tensão pré-menstrual
c. Trauma
D. Edema cíclico idiopático
d. Reação alérgica ou imunológica
C. Obstrução linfática 5. Enfermidades vasculares
3. Aumento da pressão venosa A. Fístulas arteriovenosas
A. Insuficiência cardíaca congestiva B. Obstrução das veias do tórax
B. Tromboflebite a. Veia cava inferior
C. Cirrose hepática b. Veia cava superior
4. Retenção de sódio 6. Distúrbios endócrinos
A. Ingesta excessiva de sal A. Hipotireoidismo
B. Elevada reabsorção tubular renal de sódio B. Excesso de mineralocorticóides
a. Redução da perfusão renal C. Diabetes mellitus
b. Aumento da secreção de renina- 7. Drogas
angiotensina-aldosterona A. Estrogênios, anticoncepcionais orais
B. Agentes anti-hipertensivos
*Baseado em Leaf, A. e Cotran, R.S.41 8. Miscelânea
A. Hipocalemia crônica
B. Anemia crônica
pressão digital deixa uma depressão transitória na pele, C. Edema nutricional
D. Síndrome da permeabilidade capilar elevada
como ocorre por exemplo na insuficiência cardíaca. O ede-
ma duro não revela o sinal do cacifo, pois a pressão digital
não consegue mobilizar o líquido intersticial devido a obs-
trução linfática (linfedema), fibrose do tecido subcutâneo,
como pode ocorrer na obstrução venosa crônica, ou aumen- Pontos-chave:
to da matriz intersticial, como no mixedema.43
• Um dos principais sinais de excesso de
É importante salientar que pode haver um acúmulo de
4 a 5 litros de líquido no compartimento extracelular antes sódio no organismo é o edema
que o paciente ou o médico percebam o edema com sinal • O edema pode ser localizado ou
do cacifo presente. Há, no entanto, sinais e sintomas suges- generalizado, e forma-se por transudação ou
tivos do excesso de líquido no organismo: ganho de peso, exsudação
flutuações diárias no peso (mais pesado à noite), redução
da diurese, noctúria, tosse ou dispnéia ao deitar-se e disp-
néia aos esforços. Fisiopatologia do Edema em Situações
A intensidade do edema é graduada em cruzes (, , Clínicas Específicas
 ou /4), dependendo da profundidade da
depressão criada com a compressão digital e também de INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA (ICC)
acordo com a extensão do edema. Por exemplo, um paci- A ICC ocorre quando o coração falha na sua função de
ente com síndrome nefrótica com moderado edema de bomba e está habitualmente associada a uma retenção re-
membros inferiores até os joelhos tem um edema de / nal de sal e água e com edema pulmonar ou periférico. Há
4. Já um paciente com edema até a raiz das coxas, edema muito se discutem os fatores que estariam envolvidos na
de parede abdominal e sinais de ascite tem um edema de retenção renal de sódio na insuficiência cardíaca. A teoria
/4 e anasarca.42 de “insuficiência retrógrada” propõe que à medida que o
A fisiopatogenia do edema em situações clínicas diver- coração falha, as pressões venosas periféricas e centrais
sas será abordada na próxima seção. aumentam, elevando a pressão hidráulica transcapilar e
152 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

conseqüentemente promovendo a transudação de líquido A importância do fluxo sanguíneo no circuito arterial para
no espaço intersticial, edema e contração do volume cir- controle da volemia foi demonstrada pela resposta renal à
culante. A teoria da “insuficiência anterógrada” diz que, abertura e fechamento de uma fístula arteriovenosa.44 O fe-
com o comprometimento da função cardíaca e do ventrí- chamento da fístula acarretava uma rápida natriurese sem
culo esquerdo, a periferia, incluindo o rim, passa a ser mal alteração no ritmo de filtração glomerular, enquanto a aber-
perfundida, o que estimula mecanismos renais e intra-re- tura da fístula novamente reduzia a excreção de sódio. Nes-
nais para a retenção renal de sódio. É provável que haja tas circunstâncias, as pressões hidráulicas nos átrios e cir-
uma interdependência entre as duas teorias, e que o acon- culação pulmonar diminuíam com o fechamento da fístula
tecimento básico seria uma retenção renal de sódio, e a tran- e aumentavam com a abertura da fístula.
sudação transcapilar seria um evento secundário. A percepção arterial ocorre em vários locais do leito
Na insuficiência cardíaca os rins estão funcionando ade- vascular arterial. Existem os barorreceptores carotídeos e
quadamente e retêm sódio numa tentativa de restaurar o os barorreceptores intra-renais no aparelho justaglomeru-
volume circulante efetivo. Este mecanismo, denominado lar. Uma redução da pressão de perfusão renal estimula a
“subpreenchimento” (underfilling) é também observado na liberação de renina do aparelho justaglomerular resultan-
cirrose hepática e síndrome nefrótica.38 do na formação de angiotensina II, aldosterona e retenção
de sódio (Fig. 10.7). Esta retenção de sódio é na verdade
Volume Sanguíneo Arterial Efetivo um mecanismo protetor para preservar a adequação do
Na insuficiência cardíaca congestiva há um distúrbio na volume circulante.
relação normal do volume intravascular (volume efetivo) e
a capacidade do leito vascular. Há sugestões de que o au- Papel do Rim na Retenção de Sódio
mento da reabsorção tubular renal de sódio seja decorrente Na ICC há aumento do tônus simpático e das cate-
de alterações circulatórias percebidas por sensores de volu- colaminas circulantes, responsáveis por aumento da re-
me nos átrios cardíacos e grandes vasos torácicos. Como já sistência vascular periférica. No rim também ocorre au-
mencionado anteriormente, talvez os efeitos na excreção mento da resistência vascular e freqüentemente redução
renal de sódio sejam oriundos da estimulação mecânica dos do ritmo de filtração glomerular (RFG). Mas não é a re-
átrios cardíacos, através da liberação de um peptídio atrial dução do RFG a responsável pela retenção de sódio, pois
natriurético e por reflexos neurais bem estabelecidos. esta ocorre mesmo na ausência de qualquer alteração no

Fig. 10.7 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema da insuficiência cardíaca. (Baseado em Schrier, R.W.9)
capítulo 10 153

Fig. 10.8 Controle peritubular da reabsorção de líquido do túbulo proximal.


p  pressão hidráulica transcapilar
  pressão oncótica transcapilar
A elevação da resistência vascular renal na ICC reduz a  . O aumento da fração de filtração na ICC aumenta a . As alterações
em ambas as pressões aumentam a reabsorção proximal de sódio.

RFG. Na ICC os nefros apresentam elevada fração de fil- queio da síntese de prostaglandina reduz o fluxo sanguí-
tração, decorrente de aumento da resistência arteriolar neo renal e a filtração glomerular. Da mesma maneira, a
eferente. Com a elevação da fração de filtração há aumen- inibição da síntese de prostaglandina só reduz a excreção
to da pressão oncótica pericapilar tubular, alterando as de sódio se houver concomitante depleção de volume ou
forças peritubulares de Starling e acarretando aumento comprometimento intrínseco da função renal.
da reabsorção de sódio a nível de túbulo proximal (Fig. Em resumo, os níveis elevados de substâncias vasocons-
10.8). tritoras, especialmente angiotensina II e catecolaminas, têm
Outras alterações hemodinâmicas intra-renais podem um importante papel na preservação de um adequado flu-
estar envolvidas: talvez o aumento do tônus simpático a xo sanguíneo renal na ICC.
nível renal cause uma redistribuição do fluxo sanguíneo
para nefros justamedulares (alças de Henle longas) que Fator Natriurético
podem reabsorver sódio mais avidamente que nefros cor- A infusão contínua deste fator atrial causa uma redu-
ticais. ção da pressão arterial média, com elevação do ritmo de
filtração glomerular, do fluxo urinário e da excreção de
Sistema Renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) sódio e potássio. A influência do FNA na pressão arterial
Como já frisamos, a diminuição da perfusão renal esti- relaciona-se à sua capacidade de suprimir níveis plasmá-
mula a liberação de renina com formação de angiotensina ticos de renina e em relaxar diretamente os vasos sanguí-
I e II e aldosterona. A manutenção da pressão arterial em neos. Como o FNA pode aumentar a filtração glomerular
face de uma redução do volume sanguíneo arterial é ex- em doses que diminuem a pressão arterial e o fluxo san-
plicada pela elevação da angiotensina II. A retenção renal guíneo renal, pode vir a ser útil no tratamento agudo do
de sódio decorre da ação hemodinâmica da angiotensina coração insuficiente.45
II (vasoconstrição da arteríola glomerular eferente e au- Ao estudarem as anormalidades na excreção de sódio e
mento da fração de filtração), da sua ação direta no túbulo água na ICC, Mettaurer et al. verificaram que os principais
proximal e do hiperaldosteronismo. fatores determinantes na excreção de sódio eram a ativa-
ção do sistema renina-angiotensina e a função ventricular.46
Prostaglandinas Com relação à excreção de água, os fatores mais importan-
Mesmo que haja variação no volume plasmático, a in- tes foram os níveis plasmáticos de vasopressina e norepi-
teração entre angiotensina II e prostaglandinas mantém o nefrina, a função renal e o grau de comprometimento da
fluxo sanguíneo renal quase constante. A inibição da sín- função ventricular esquerda. Um dos principais mecanis-
tese da prostaglandina em animais normovolêmicos não mos de que o organismo lança mão para compensar a que-
compromete a filtração glomerular, mas quando há deple- da do débito cardíaco é a ativação de sistemas neuro-hu-
ção de volume e níveis elevados de angiotensina II, o blo- morais. Na ICC, a secreção de vasopressina e a ativação
154 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

dos sistemas simpático e renina-angiotensina servem para forma de ascite, deve-se às alterações localizadas das for-
otimizar a pré-carga e aumentar a contratilidade do mio- ças de Starling, pela hipertensão portal. Aqueles autores
cárdio. demonstraram aumento no volume efetivo de sangue nas
fases iniciais da cirrose. A retenção de sódio ocorreu inde-
CIRROSE HEPÁTICA pendentemente de débito cardíaco, pressão arterial
As alterações hepáticas estruturais terminam por cau- média, fluxo sanguíneo esplâncnico e hepático, TFG, flu-
sar obstrução à drenagem venosa hepática, hipertensão xo sanguíneo renal, níveis de aldosterona, estrógenos e
portal e shunt sanguíneo porta-sistêmico. Além destas al- progesterona ou atividade simpática.4
terações hemodinâmicas, a função hepatocelular está com- Há várias outras influências independentes do volu-
prometida, causando redução na síntese de albumina e me sistêmico que sustentam a hipótese de overflow. A per-
fatores de coagulação. Há comprometimento na excreção cepção de uma obstrução da drenagem venosa hepática
de sal e água e redução do ritmo de filtração glomerular e elevada pressão hepática intra-sinusoidal através de
(RFG). De modo semelhante à insuficiência cardíaca, a re- uma via neural reflexa podem ser importantes mecanis-
tenção renal de sódio e água não se deve a uma anor- mos na retenção renal de sal e água, efetivada através de
malidade intrínseca dos rins, mas a mecanismos extra-re- aumento na atividade simpática renal e cardiopulmonar
nais que regulam a excreção renal destes elementos. (Fig. 10.9).47
Alguns autores, como Levy, Wexler e Allotey propõem Mesmo que o volume plasmático total esteja elevado na
que um mecanismo de overflow esteja presente ao menos cirrose, o enchimento relativo do leito vascular arterial
nas fases iniciais da cirrose. De acordo com este conceito, estará reduzido devido à redução da resistência vascular
uma retenção de sódio pelo rim, não dependente de volu- periférica, inclusive com comprometimento dos reflexos
me, é o distúrbio primário na homeostase do sódio em vasomotores autônomos e diminuição da resposta pressó-
pacientes com cirrose. Nesta teoria, a retenção de sódio e rica a angiotensina II e catecolaminas.48 Isto resulta num
expansão plasmática resultam da ausência do “escape” de leito vascular dilatado, hiporreativo a alterações de vole-
mineralocorticóides e antecedem o “subpreenchimento”. mia e comprometido na sua capacidade de regular o tônus
A predileção pelo acúmulo de líquido no peritônio, sob e a capacidade. Assim sendo, pacientes cirróticos se tornam

Fig. 10.9 Esquema dos mecanismos envolvidos na retenção de sódio e edema na cirrose hepática. (Baseado em Schrier, R.W.9 e Seifter,
J.L. et al.47)
capítulo 10 155

muito vulneráveis e sujeitos a um colapso hemodinâmico qüentemente aumento da reabsorção de sódio ao nível do
quando sofrem uma perda de volume aguda, como numa túbulo proximal. O aldosteronismo secundário ocorre de-
hemorragia ou diurese agressiva.47 A percepção por sen- vido à elevação de angiotensina II, esta última procuran-
sores intratorácicos e arteriais da redução do volume san- do preservar a pressão arterial. Portanto, face a uma redu-
guíneo arterial efetivo promove a retenção de sódio. A re- ção do volume intravascular, a ativação do eixo renina-
dução da resistência vascular periférica observada em cir- angiotensina-aldosterona serve para preservar a pressão
rose hepática avançada está relacionada, pelo menos em arterial numa situação em que a capacidade vascular está
parte, a shunts arteriovenosos, mas talvez um vasodilata- muito aumentada. Além da estimulação da angiotensina
dor (produzido, ou não inativado pelo fígado) tenha algu- II sobre a produção de aldosterona, a redução do fluxo
ma participação. A seqüestração venosa esplâncnica que sanguíneo hepático compromete a degradação da aldos-
ocorre secundária à hipertensão portal também contribui terona e contribui ainda mais para a elevada atividade da
para a redução da volemia. aldosterona na cirrose. Entretanto, como na insuficiência
Com a obstrução da drenagem hepática venosa, os si- cardíaca, antagonistas da aldosterona não são efetivos em
nusóides hepáticos (altamente permeáveis a proteínas) aumentar a excreção de sódio no tratamento do edema e
permitem a passagem para o interstício de um elevado flu- da ascite do cirrótico.9
xo de filtrado rico em proteínas, resultando num aumento Na síndrome hepatorrenal existe caracteristicamente
da formação de linfa hepática, principal responsável pela uma pronunciada redução do fluxo sanguíneo renal com
ascite em cirróticos. Quando o ritmo de formação da linfa isquemia cortical e elevada resistência vascular renal,
hepática excede o ritmo de retorno do líquido extracelular provavelmente devido à ação de substâncias vasoconstri-
à circulação via ducto torácico, ocorre diminuição do vo- toras como a angiotensina II e norepinefrina.
lume intravascular.47 O sucesso de procedimentos tais
como o shunt peritoniovenoso, nos cirróticos com ascite, Prostaglandinas
parece estar relacionado a uma rápida elevação do volu- A função das prostaglandinas na cirrose descompensa-
me intravascular. Além disso, a hipoalbuminemia freqüen- da é provavelmente a mesma de outros estados hipovolê-
temente presente nos cirróticos e a resultante redução da micos: manutenção do fluxo sanguíneo renal e ritmo de
pressão coloidosmótica do plasma contribuem para a tran- filtração glomerular através do antagonismo aos efeitos
sudação de líquido no compartimento intersticial e cavi- pressóricos da angiotensina II e outros vasoconstritores na
dade abdominal. microvasculatura renal.
Em conjunto, estes fatores levariam a um “subpreenchi-
mento” da árvore arterial levando à ativação do sistema
SÍNDROME NEFRÓTICA
renina-angiotensina-aldosterona e do eixo simpático e li-
Pacientes com síndrome nefrótica apresentam proteinú-
beração de vasopressina. Estes eventos causariam a reten-
ria maciça, hipoalbuminemia, edema periférico ou gene-
ção de sódio e água pelo rim em fases mais avançadas da
ralizado (anasarca) e hipercolesterolemia.49 O fenômeno
cirrose hepática.4
primário na síndrome nefrótica é a perda maciça de prote-
ínas pelo rim.
Função Renal na Cirrose Hepática Estudos iniciais revelam uma correlação entre a concen-
Os distúrbios característicos de função renal na cirrose tração sérica de albumina e o grau de edema em pacientes
são a retenção de sódio e o comprometimento no clearance nefróticos. Em face destas observações, achava-se que a
de água livre.47 A retenção renal de sódio pode ocorrer na hipoalbuminemia, através da redução da pressão oncóti-
cirrose na vigência de um RFG normal. Com a redução do ca do plasma, era responsável pela saída de líquido do
volume intravascular efetivo, há um aumento na reabsor- compartimento intravascular para o intersticial. Entretan-
ção tubular proximal de sódio e uma redução da oferta de to, investigações experimentais não corroboraram esta hi-
líquido aos túbulos distais, sendo esta última a causa da pótese: diminuições da concentração plasmática de prote-
redução do clearance de água livre. ína no homem e em animais eram acompanhadas de vo-
lume plasmático constante ou elevado. Logo, ponderou-
Renina-angiotensina-aldosterona se que ajustes nos mecanismos de troca transcapilar peri-
Embora as causas de diminuição do volume sanguíneo férico deveriam ocorrer: queda da pressão oncótica do lí-
arterial efetivo sejam distintas na cirrose e na insuficiência quido intersticial, aumento na pressão hidráulica do líqui-
cardíaca, são similares os eventos subseqüentes que cau- do intersticial e aumento do fluxo linfático e proliferação
sam retenção renal de sódio e água. A resistência vascular linfática.50
renal está elevada nos cirróticos com ascite. A angiotensi- Outros estudos recentes demonstraram que a perme-
na II determina aumento da resistência da arteríola glome- abilidade do capilar periférico à albumina varia direta-
rular eferente, causando aumento da fração de filtração, mente com as alterações na concentração sérica de albu-
aumento da pressão oncótica pericapilar tubular e conse- mina e inversamente com as alterações do volume plas-
156 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

riado de acordo com o volume plasmático. Ativação do


Quadro 10.7 Mecanismos protetores contra a
eixo renina-angiotensina-aldosterona é encontrada nos
formação do edema periférico em estados
hipoalbuminêmicos* casos de volume plasmático reduzido e supressão do eixo
nos casos de volume plasmático elevado. Logo, parece não
Elevada drenagem linfática haver um único mecanismo para explicar a retenção renal
Vasoconstrição pré-capilar de sal na síndrome nefrótica.
Diluição da proteína do líquido intersticial
Como na insuficiência cardíaca e cirrose hepática, a ati-
Baixa complacência do tecido intersticial
Ajustes da permeabilidade da parede capilar à albumina vidade simpática e o nível de catecolaminas circulantes
estão elevados, refletindo-se num aumento de resistência
*Obtido de Skorecki, K.L. et al.50 vascular renal. Entretanto, o fluxo sanguíneo renal e o RFG
não estão uniformemente diminuídos na síndrome nefró-
tica e, em algumas circunstâncias, o RFG está elevado. Esta
mático.40,51 Portanto, há certos mecanismos protetores con- filtração elevada é devida à hipoalbuminemia, que dimi-
tra a formação de edema em estados hipoproteinêmicos nui a pressão oncótica do capilar glomerular e, portanto,
(Quadro 10.7). tende a aumentar a pressão de filtração glomerular. Por
Parece, então, que o grau de edema não está tão relaci- outro lado, em situações de importante hipoalbuminemia,
onado com o grau de hipoalbuminemia per se, mas com a vasoconstrição da arteríola aferente do glomérulo pode
alterações de mecanismos renais de controle do volume diminuir a pressão hidrostática do capilar glomerular e
extracelular. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas na reduzir o aumento do RFG. Portanto, na síndrome nefró-
criança, a hipoalbuminemia tem um papel importantíssi- tica, o RFG pode estar normal, elevado ou reduzido, de-
mo na formação do edema. Nestes casos a redução do vo- pendendo do balanço entre o efeito da redução da pressão
lume intravascular ativa a retenção renal de sódio (meca- oncótica do plasma, a resistência vascular renal e a pres-
nismo de underfilling). A seqüência de eventos que deter- são de filtração glomerular.
minam aumento na reabsorção renal de sódio pode ser Outro aspecto do edema nefrótico quando comparado
apreciada na Fig. 10.10 e é semelhante à que ocorre na in- com o cirrótico ou cardíaco é o seguinte: há uma maior
suficiência cardíaca e cirrose. diminuição na reabsorção tubular proximal de sódio e água
Entretanto, convém salientar que muitos pacientes com devido à redução da pressão oncótica peritubular causa-
síndrome nefrótica podem ter volume plasmático elevado. da pela hipoalbuminemia. Além disso, quando se bloqueia
O perfil renina-angiotensina-aldosterona também tem va- a reabsorção distal de sódio com diuréticos, os nefróticos
excretam uma fração maior da carga filtrada de sódio.
Logo, nefróticos podem responder melhor do que cardía-
cos e cirróticos a diuréticos que agem no nefro distal. Es-
tes achados sugerem que o principal local de retenção de
sódio na síndrome nefrótica está no nefro distal. Não se
sabe se a elevada atividade da aldosterona explica este
achado.
Em certos casos de síndrome nefrótica causada por
glomerulonefrites do tipo membranosa e membranopro-
liferativa, pode existir lesão renal que afete a capacidade
intrínseca do rim em excretar sódio, resultando na reten-
ção líquida e edema pelo mecanismo de overflow.38

GLOMERULONEFRITE AGUDA
Glomerulonefrite proliferativa difusa aguda e outras
formas de lesão glomerular aguda podem causar retenção
de sódio e água e formação de edema sem muitas altera-
ções na concentração plasmática de albumina. Este balan-
ço positivo de sódio e água aumenta o volume sanguíneo
e a pressão arterial. Se houver elevação também da pres-
são hidráulica capilar, há desequilíbrio nas forças de
Starling, com passagem de fluido intravascular para o in-
terstício. Se as defesas do interstício forem vencidas (au-
mento do fluxo linfático, características físicas do interstí-
Fig. 10.10 Esquema dos mecanismos atuantes na retenção de só- cio), ocorre edema. Este mecanismo de retenção de líqui-
dio e edema da síndrome nefrótica. (Baseado em Schrier, R.W.9) do devido a uma incapacidade renal de excretar sódio e
capítulo 10 157

água é conhecido como “transbordamento”(overflow) e é tida ao capilar peritubular, resulta numa redução de reab-
também observado na insuficiência renal crônica.38 Os sorção de líquido no túbulo proximal. Há, no entanto, pou-
mecanismos envolvidos na retenção de sódio na glomeru- ca evidência de que as alterações na reabsorção proximal de
lonefrite aguda (Fig. 10.11) são discutidos a seguir. sódio sejam o principal mecanismo na retenção de sódio da
glomerulonefrite aguda. Existem evidências de que o nefro
Comprometimento do Coeficiente de Ultrafiltração distal participe ativamente na reabsorção de sódio da nefri-
A lesão glomerular compromete o coeficiente de ultrafil- te aguda. Com a redução do coeficiente de ultrafiltração e
tração (Kf) causando redução do ritmo de filtração glome- do RFG, diminui a oferta distal de sódio e conseqüentemente
rular (RFG), o qual causa redução na excreção de sódio. cai a excreção absoluta e fracional de sódio.
Havendo manutenção da ingestão normal de sódio, have- A atividade plasmática da renina está reduzida face à
rá balanço positivo de sódio com expansão do volume ex- expansão do volume extracelular e a secreção de aldoste-
tracelular. Em condições normais esta expansão do volu- rona habitualmente não está elevada.
me extracelular acarretaria uma série de reações que alte-
rariam a reabsorção tubular de sódio, aumentando a ex- Insuficiência Cardíaca
creção fracional de sódio e restaurando o balanço. Por ra- A insuficiência cardíaca que pode ocorrer na glomeru-
zões desconhecidas, na glomerulonefrite aguda estas adap- lonefrite aguda, tanto pela elevação da pré-carga (volume)
tações na reabsorção de sódio não ocorrem. como da pós-carga (hipertensão arterial), acaba sendo mais
um mecanismo que determina retenção de sódio.
Alterações na Função Tubular Renal O edema na glomerulonefrite aguda resulta de uma ex-
Não é surpresa que lesões obstrutivas e inflamatórias pansão do volume extracelular e elevação da pressão intra-
dos capilares glomerulares resultem em alterações signifi- capilar sistêmica, alterando as forças de Starling nos capila-
cativas das forças de Starling do capilar peritubular, mo- res periféricos. Com isto há saída de sal e água para o in-
dificando o ritmo de absorção tubular. terstício, e, dependendo do grau de volume e pressão do
Um achado característico na glomerulonefrite aguda é líquido intersticial, haverá evidência clínica de edema.
uma queda da fração de filtração (FF), que se acompanha
de diminuição da pressão oncótica capilar, a qual, transmi- EDEMA OBSERVADO EM MULHERES
Edema da Gravidez
Numa gravidez normal há aumento na retenção renal
de sal, expansão do volume plasmático e ganho de peso.
Há também aumento significativo do RFG, fluxo plasmá-
tico renal e do débito cardíaco. Esta retenção de sódio na
gravidez é considerada fisiológica para satisfazer as neces-
sidades do feto, o aumento da capacidade vascular mater-
na e a seqüestração de líquido na cavidade amniótica. Al-
guns dos fatores importantes na retenção de sódio da gra-
videz estão enumerados no Quadro 10.8.29 Alterações de
fatores físicos atuantes no túbulo renal parecem ser impor-
tantes na retenção de sódio. O RFG está mais elevado do
que o fluxo plasmático renal, resultando num aumento da
fração de filtração.42,43 Edema localizado nas extremidades
inferiores ocorre em 75% das mulheres grávidas. Este ede-
ma ocorre por várias razões:
• Efeito mecânico do útero aumentando a pressão veno-
sa nos membros inferiores;
• Perfusão elevada nas pernas devido a um aumento no
débito cardíaco e diminuição da resistência vascular
periférica;
• Aumento do volume plasmático e redução da pressão
oncótica do plasma;
• Outros fatores enumerados no Quadro 10.8.
Edema generalizado pode ocorrer em até 20% das mu-
Fig. 10.11 Fisiopatologia do edema nefrítico. (Baseado em Glas- lheres grávidas e na ausência de toxemia é considerado até
sock, R.J. et al.56) fisiológico.
158 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

Quadro 10.8 Possíveis fatores importantes na Edema Pré-menstrual


retenção renal de sódio da gravidez normal* O edema geralmente faz parte da síndrome pré-mens-
trual caracterizada por nervosismo, irritabilidade e cefaléia.
1. Obstrução ureteral devida ao útero grávido A causa da retenção de sódio não é conhecida mas é pro-
2. Efeitos da postura no RFG e na perfusão renal vavelmente devida a um distúrbio endócrino como uma
3. Efeitos da postura na seqüestração venosa nos
alteração na relação estrógeno/progesterona ou, como
membros inferiores
4. Possível aumento no apetite por sal sugerido mais recentemente, uma elevação dos níveis plas-
5. Mecanismos responsáveis pela retenção tubular máticos de prolactina.52
renal de sódio
a. Níveis elevados de aldosterona e outros
CAUSAS DIVERSAS DE EDEMA
mineralocorticóides
b. Níveis elevados de estrogênios Síndrome da Permeabilidade Capilar Elevada
c. Presença de fatores humorais retentores
Há relatos de alguns pacientes que apresentaram angi-
de sódio ?
d. Diminuição da resistência vascular oedema generalizado recorrente. Desconhece-se a causa da
periférica elevada permeabilidade capilar, sendo a única anormali-
e. Aumento anatômico da capacidade vascular dade detectada a presença de uma paraproteína monoclo-
nal IgG.53
*Obtido de Levy & Seely.57

Hipocalemia Crônica
Alguns pacientes com depleção crônica de potássio
Toxemia Gravídica podem apresentar edema periférico. Não se conhece a cau-
Os fatores responsáveis pela elevada retenção de sódio sa da elevada reabsorção tubular de sódio.
na toxemia são desconhecidos. Os níveis de renina-angio-
tensina-aldosterona diminuem com o aparecimento da Medicamentos
toxemia assim como diminuem o RFG e o fluxo sanguíneo Várias substâncias administradas e pacientes podem
renal. Postula-se que a retenção de sódio pode ser devida determinar um aumento na reabsorção de sódio: estrogê-
a um comprometimento do balanço glomérulo-tubular nios (anticoncepcionais); diazóxido; hidralazina; minoxi-
resultante de uma hiper-reabsorção do filtrado, a exemplo dil e outras drogas simpatolíticas como metildopa, guane-
do que ocorre numa glomerulonefrite proliferativa aguda, tidina e clonidina. Mais recentemente antiinflamatórios
pois na toxemia há importante lesão endotelial com depo- não-esteróides foram incluídos neste grupo de drogas.
sição de material fibrinóide. O mecanismo da retenção de sódio dos estrógenos não
é conhecido, mas provavelmente relaciona-se a uma ação
Edema Cíclico Idiopático a nível tubular.
Esta é uma síndrome observada predominantemente em Os vasodilatadores utilizados na hipertensão arterial
mulheres obesas, adultas, que ainda não entraram na me- reduzem a resistência vascular periférica, alterando a re-
nopausa. A síndrome é caracterizada por períodos de ede- lação volume plasmático/capacitância vascular.
ma, cefaléia, irritabilidade e distensão abdominal. A in-
vestigação não revela alterações cardíacas, renais ou he- Microangiopatia Capilar do Diabetes Mellitus
páticas. Há relatos de alguns diabéticos com função renal nor-
Como a maioria destas pacientes apresenta boa diurese mal que apresentam edema idiopático. Para estes casos tem
e natriurese quando em repouso no leito, questiona-se se sido sugerido que, na posição ereta, pode haver uma pas-
a elevada reabsorção de sódio não estaria associada à po- sagem excessiva de líquido para o interstício devido a uma
sição ortostática. Além do componente ortostático de re- microangiopatia capilar, com conseqüente retenção de
tenção de líquido, há considerável evidência de que estas sódio e edema.
pacientes têm diminuição do volume plasmático.
Entre outros fatores aventados para explicar o edema Pontos-chave:
destacam-se: defeito na permeabilidade capilar e elevados
níveis de prolactina. Muitas pacientes usam ou usaram • A fisiopatogênese do edema na insuficiência
diuréticos. Como os diuréticos causam contração do volu- cardíaca, cirrose, síndrome nefrótica e
me circulante, há um estímulo à retenção de sódio com síndrome nefrítica tem a participação dos
elevação dos níveis de renina-angiotensina-aldosterona e mecanismos de subpreenchimento e/ou
participação de outros mecanismos. O edema parece ocor- transbordamento
rer principalmente após a cessação do uso dos diuréticos. • O tratamento medicamentoso do edema é
A magnitude do ganho de peso está aumentada com uma
feito com diuréticos
dieta alta em sal e em carboidratos.
capítulo 10 159

Princípios Gerais no Tratamento Quadro 10.9 Princípios gerais no tratamento do


do Edema edema*
1. Avaliação da adequação do tratamento da doença
TRATAMENTO DA DOENÇA BÁSICA
básica responsável pelo edema
Como a redução do volume sanguíneo arterial efetivo 2. Avaliação do grau de ingesta de água e sal
é um denominador comum na retenção de sódio da insu- 3. Mobilização do edema
ficiência cardíaca, cirrose hepática e síndrome nefrótica, o 4. Avaliação da indicação do uso de diuréticos
manejo clínico deve ser dirigido para a correção deste dis- A. Comprometimento da função respiratória
a. Edema pulmonar
túrbio básico. Assim sendo, na insuficiência cardíaca me-
b. Ascite com elevação dos diafragmas e
lhorar o débito cardíaco restaura o volume circulante efe- associada a atelectasias
tivo. Na síndrome nefrótica por lesões mínimas o uso de B. Comprometimento da função cardiovascular
corticosteróides reduz a proteinúria e conseqüentemente secundária a sobrecarga de volume
a hipoalbuminemia. C. Excesso de líquido comprometendo a atividade
física e causando desconforto
D. Permitir maior liberalização do sal na dieta,
ADEQUAÇÃO DA INGESTA DE SAL E ÁGUA aumentando o paladar dos alimentos
Embora a restrição de sódio seja efetiva na prevenção E. Indicação cosmética
do aumento do edema, ela não causa um balanço negati-
*Obtido de Schrier, R.W.9
vo de sódio. A diurese de pacientes cardíacos hospitaliza-
dos e colocados em dietas hipossódicas está mais relacio-
nada ao efeito benéfico do repouso no débito cardíaco do pacientes em uso de diuréticos seja feita cuidadosa moni-
que resultante da dieta hipossódica. torização diária do peso, volume urinário e pressão arteri-
Pacientes que estão formando edema retêm uma fração al com o paciente deitado, sentado e em pé.38 Além disso,
da ingesta diária de sal a fim de restaurar o volume san- é essencial o conhecimento da potência, local de ação e
guíneo arterial efetivo. A excreção urinária diária de sódio complicações do uso de diuréticos (ver Cap. 43).
destes pacientes reflete a capacidade de excreção renal. A presença de edema per se não é uma indicação de uso
Conhecendo-se a oferta de sódio na dieta, a determinação de diuréticos. Em geral, o uso dos diuréticos deve ficar
da excreção de sódio nas 24 horas permite saber se o ba- restrito a situações tais como: comprometimento da fun-
lanço de sódio é positivo ou negativo. Concentrações uri- ção cardíaca e/ou respiratória; desconforto físico devido
nárias de sódio da ordem de 10 a 15 mEq/L geralmente ao acúmulo excessivo de líquido e permitir liberalização
indicam um balanço positivo, ou seja, maior quantidade do sal na alimentação de pacientes que toleram pouco di-
de sódio está sendo reabsorvida nos túbulos renais. etas hipossódicas (Quadro 10.9).
A maior parte dos pacientes edemaciados tem um
comprometimento na excreção renal de água. A ingesta
diária de líquido deve ser ajustada para as perdas insensí-
EXERCÍCIOS
veis (500 a 700 ml) por dia mais as perdas urinárias.
(Respostas no final do capítulo.)
MOBILIZAÇÃO DO EDEMA 1) Num indivíduo de 70 kg, qual o volume do espaço extracelular?
O repouso no leito é capaz de induzir diurese devido à
Nos exercícios 2 e 3, responda às seguintes perguntas:
redução da seqüestração venosa na periferia, aumentan-
a. Qual o distúrbio do extracelular que este paciente apresenta?
do assim o volume sanguíneo arterial efetivo. Efeito simi- b. Qual a intensidade deste distúrbio (em percentagem aproxi-
lar possuem as meias elásticas. mada)?
c. Que tipo de solução administrar?
d. Qual a quantidade de solução a infundir?
INDUÇÃO DE BALANÇO NEGATIVO DE SÓDIO e. Em quantas horas deve ser administrada esta solução?
É possível induzir balanço negativo de sódio com a uti-
2) Tome como exemplo o mesmo indivíduo acima, com história de
lização de diuréticos (v. Cap. 43). Com a eliminação de dois dias de evolução com vômitos e diarréia profusa. Ao exame
sódio provocada por estas drogas, há redução do volume físico apresenta queda de 15 mmHg na pressão sistólica e diastó-
circulante, diminuição da pressão capilar e conseqüente lica quando fica em pé. A mucosa oral está seca e as jugulares têm
enchimento lento.
movimentação de fluido do interstício para o intravascu-
3) Considere uma paciente de 60 kg, que permaneceu internada por
lar, devido à modificação das forças de Starling. O fluido três dias em outra cidade, com quadro de encefalite, com drena-
assim trazido ao intravascular torna-se disponível para a gem por sonda nasogástrica de aproximadamente 2 litros de esta-
filtração glomerular.38 se ao dia, utilizando manitol, e recebendo solução glicosada 2.000
ml/dia. Esta paciente é admitida, no hospital onde você é planto-
Deve ser salientado, porém, que a redução no volume
nista, com PA 60  30 mmHg, FC  132 bpm, extremidades frias
intravascular obtida com os diuréticos pode provocar hi- e perfusão periférica comprometida, enchimento capilar lento,
povolemia e insuficiência renal. Recomenda-se que nos jugulares colabando com a inspiração e anúria. Além disso, encon-
160 Metabolismo do Sódio e Fisiopatologia do Edema

tra-se confusa e sonolenta. Assim que a paciente chega, você pun- 21. GIEBISCH, G. Coupled ion and fluid transport in the kidney. The
ciona uma veia jugular e encontra uma PVC de 3 cm H2O. New Engl. J. Med., 287:913, 1972.
22. SCHRIER, R.W. e DE WARDENER, H.E. Tubular reabsortion of
sodium ion: influence of factors other than aldosterone and glome-
rular filtration. N. Engl. J. Med., 285:1231, 1971 e 285:1292, 1971.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 23. BOUGOIGNIE, J.J. e col. The presence of a natriuretic factor in uri-
ne of patients with chronic uremia. J. Clin. Invest., 53:1559, 1974.
1. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal, pág. 91, 3.ª parte 24. BRICKER, N.S.; ZEA, L.; SHAPIRO, M., et al. Biologic and physical
— Regulação do volume extracelular. EDART — São Paulo Livra- characteristics of the non-peptidic, non-digitalis-like natriuretic hor-
ria Ltda. 1972. mone. Kidney Int., 44:937, 1993.
2. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Sodium and water physio- 25. HAUPERT, G.T. Natriuretic hormones. In: Cecil Textbook of Medici-
logy. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology — A Problem Based ne, W.B. Saunders Co, Cap. 234, pp. 1194-1198, 2000.
Approach, Eds. Halperin, M.L.; Goldstein, M.B., pp. 217-251. W.B. 26. ROSE, B.D. Natriuretic hormones: atrial peptides and ouabain-like
Saunders Co, 1994. hormone. Up to Date v. 9, n. 3, 2001.
3. EARLEY, L.E. Sodium metabolism. Cap. 3, pp. 95-119. In: Clinical 27. LEVIN, E.R.; GARDNER, D.G.; SAMSON, W.K. Natriuretic Pepti-
Disorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Eds. Maxwell, M.H. and des. The New Engl. J. Med., 339(5):321-328, 1998.
Kleeman, C.R. McGraw-Hill Book Co., 1972. 28. HIGA, E.M.S. Óxido nítrico e o rim. In: Atualidades em Nefrologia, Eds:
4. WINAVER, J.; ABASSI, Z.; GREEN, J.; SKORECKI, K.L. Control of Cruz, J.; Barros, R.T., vol. 4, pp. 357-365, Sarvier, 1996.
extracellular fluid volume and the pathophysiology of edema for- 29. ROSE, B.D.; POST, T.W. Regulation of renal Na excretion. Cap. 8C,
mation. Cap. 19, pp. 795-866. In: The Kidney, Eds. Brenner, B.M.; Rec- Up to Date v. 9, n. 3, 2001.
tor Jr, F.C. W.B. Saunders Co., 2000. 30. CHAPMAN, W.H. e col. The Urinary System. An Integrated Approach.
5. EPSTEIN, F.H. e cols. Effects of an arteriovenous fistula on renal W.B. Saunders Co. 1973.
hemodynamics and electrolyte excretion. J. Clin. Invest., 32:233, 1955. 31. POST, T.W.; ROSE, B.D. Dehydration is not synonymous with hypo-
6. DIRKS, J.H. e cols. Control of extracellular fluid volume and the volemia. Up to Date v. 9, n. 3, 2001.
pathophysiology of edema formation. Cap. 4, pp. 495-552. In: The 32. POST, T.W.; ROSE, B.D. Clinical manifestations and diagnosis of
Kidney, Eds. Brenner, B.M. and Rector Jr, F.C. W.B. Saunders Co., volume depletion, Up to Date v. 9, n. 3, 2001.
1976. 33. COHN, J.N. Central venous pressure as a guide to volume expansi-
7. ROSE, B.D.; POST, T.W. Up to Date v. 9., n. 3. Cap. 8B: Regulation of on. Ann. Intern. Med., 66:1283, 1967.
the effective circulating volume, 2001. 34. ROSE, B.D. Fluid replacement in volume depletion. Up to Date v. 9,
8. HABERICH, F.J. Osmoreception in the portal circulation. Fed. Proc., n. 3, 2001.
27:1.137, 1968. 35. PRESTON, R.A. IV solutions and IV orders. In: Acid-Base, Fluids and
9. BICHET, D.G.; ANDERSON, R.J.; SCHRIER, R.W. Renal sodium Electrolytes Made Ridiculously Simple. Ed. Preston, R.A., Cap. 2, pp.
excretion, edematous disorders, and diuretic use. In: Renal and 31-38, MedMaster, Inc., 1997.
Electrolyte Disorders, Ed. Schrier, R.W. Cap. 2, pp. 89-159, Little, Bro- 36. ROSE, B.D.; MANDEL, J. Treatment of severe hypovolemia or hypo-
wn and Co, 1992. volemic shock. Up to Date v. 9, n. 3, 2001.
10. DE WARDENER, H.E. e cols. Studies on the efferent mechanism of 37. SCRIBNER, B.H. Apostila para o curso de Equilíbrio Hidroeletrolí-
the sodium diuresis, which follows the administration of intrave- tico (Syllabus), 1953.
nous saline in the dog. Clin. Sci., 21:249, 1961. 38. SEGURO, A.C.; HELOU, C.M.B.; ZATZ, R. Fisiopatologia do edema.
11. KLAHR, S. e SLATOPOLSKY, E. Renal regulation of sodium excre- Cap. 2, pp. 151-172, In: Fisiopatologia Renal. Ed. Zatz, R., Atheneu, 2000.
tion. Function in health and in edema-forming states. Arch. Intern. 39. VALTIN, H. Renal Dysfunction: Mechanisms Involved in Fluid and
Med., 131:780, 1973. Solute Imbalance. Cap. 3, p. 65 Little, Brown and Co. 1979.
12. BRENNER, B.M. e cols. Postglomerular vascular protein concentra- 40. INTAGLIETTA, M.E.; ZWEIFACH, B.W. Microcirculatory basis of
tion: evidence for a causal role in governing fluid reabsorption and fluid exchange. Adv. Biol. Med. Phys., 15:11, 1974.
glomerulotubular balance by the renal proximal tubule, J. Clin. 41. LEAF, A., COTRAN , R.S. Renal Pathophysiology. Cap. 6, p. 136.
Invest., 50:336, 1971. Oxford University Press, 1976.
13. BRENNER, B.M. e col. Quantitative importance of changes in 42. PORTO, C.C. Exame físico geral. In: Porto, C.C. Semiologia Médica,
postglomerular colloid osmotic pressure in mediating glomerulo- Cap. 7, pp. 65-114. Guanabara Koogan, 1997.
tubular balance in the rat. J. Clin. Invest., 52:190, 1973. 43. BAKRIS, G.L.; STEIN, J.H. Sodium metabolism and maintenance
14. EARLEY, L.E. e FIEDLER, R.N. The effect of combined renal of extracellular fluid volume. In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Di-
vasodilatation and pressor agents on renal hemodynamics and the sorders, Eds. Arieff, A.I.; DeFronzo, R.A. Cap. 2, pp. 29-49. Chur-
tubular reabsorption of sodium. J. Clin. Invest., 45:542, 1966. chill-Livingstone, 1995.
15. LEYSSAC, P.P. Dependence of GFR on proximal tubular reabsorp- 44. EPSTEIN, F.H.; POST, R.S.; McDOWELL, M. Effects of an arterio-
tion of salt. Acta Physiol. Scand., 58:236, 1963. venous fistula on renal hemodynamics and electrolyte excretion. J.
16. THURAY, K. e SCHNERMANN, J. Die Natriumkonzentration an den Clin., Invest., 32:233, 1953.
Macula Densa-Zellen als regulierender faktor für das glomerulumfil- 45. NEEDLEMAN, P.; GREENWALD, J.E. Atriopeptin: a cardiac hor-
trat (Mikropunktions-versuche). Klin. Wochenschr., 43:410, 1965. mone intimately involved in fluid, electrolyte and blood pressure
17. BARTOLI, E. e EARLEY, L.E. Evidence for the intraluminal action homeostasis. New Engl. J. Med., 314:828, 1986.
of plasma factors on proximal sodium reabsorption. Clin. Res., 20:586, 46. METTAURER, B.; ROULEAU, J.L.; BICHET, D. et al. Sodium and
1972. water excretion abnormalities in CHF. Ann Intern. Med., 105:161,
18. BRUNNER, F.P. e col. Mechanism of glomerulotubular balance: II. 1986.
Regulation of proximal tubular reabsorption by tubular volume, as 47. SEIFTER, J.L.; SKORECKI, K.L.; STIVELMAN, J.C.; HAUPER, G.;
studied by stopped-flow microperfusion. J. Clin. Invest., 54:603, 1966. BRENNER, B.M. Control of extracellular fluid volume and patho-
19. BURG, M.B. The renal handling of sodium chloride. Cap. 7, pp. 272- physiology of edema formation. Cap. 10, p. 343. In: The Kidney. Eds.
298. In: The Kidney. Eds. Brenner, B.M. and Rector Jr, F.C. W.B. Saun- Brenner B.M., Rector Jr., F.C. W.B. Saunders Co. 1986.
ders Co., 1976. 48. LUNZER, M.R.; NEWMAN, S.P.; BERNARD, A.G. et al. Impaired
20. PEIRCE, N.F. e col. Replacement of water and electrolyte losses in cardiovascular responsiveness in liver disease. Lancet, 2:382, 1975.
cholera by an oral glucose-electrolyte solution. Ann. Inter. Med., 49. ROSE, B.D. Approach to the patient with edema. Up to Date, v. 9, n.
70:1.173, 1969. 3, 2001.
capítulo 10 161

50. SKORECKI, K.L.; NADLER, S.P.; BADR, K.F.; BRENNER, B.M. Re- http://www.geocities.com/HotSprings/4234/cirrose.html
nal and systemic manifestations of glomerular diseases. Cap. 21. p.
— página que entre outros itens descreve a fisiopatogenia
891. In: The Kidney, Eds. Brenner, B.M., Rector Jr, F.C. W.B. Saunders
Co., 1986. das alterações renais encontradas na cirrose hepática.
51. WRIGHT, E.P. Capillary permeability of protein as a factor in the http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter22.htm
control of plasma volume. J. Physiol., 237:39, 1974. — site com questões de auto-avaliação.
52. HALBREICH, U.; ASSAEL, M.; BEN-DAVID, M.; BORNSTEIN, R.
Serum prolactin in women with premenstrual syndrome. Lancet,
2:654, 1976.
53. ATKINSON, J.P.; WALDMANN, T.A.; STEIN, S.F. et al. Systemic
capillary leak syndrome and monoclonal IgG gammopathy. Medi-
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
cine, 56:225, 1977.
54. VALTIN, H. Renal Function: Mechanisms Preserving Fluid and Solute 1) Espaço extracelular  20% do peso. Paciente de 70 kg  14 litros.
Balance in Health, p. 114. Little, Brown and Co., 1973. 2) Paciente de 70 kg com diarréia e queda de PA e aumento da FC
55. SLATOPOLSKI, E. e cols. Studies on the characteristics of the con- ortostáticas.
trol system governing sodium excretion in uremic man. J. Clin. a. Depleção do espaço extracelular.
Invest., 47:521, 1968. b. 20-30% de depleção.
56. GLASSOCK, R.J.; COHEN, A.H.; BENNET, C.M.; MARTINEZ- c. Solução salina isotônica.
MALDONADO, M. Primary glomerular diseases. Cap. 26. p. 1351. d. 70 kg  14 litros de EEC; 20-30% de DEEC  14  0,2-0,3 
In: The Kidney. Eds. Brenner, B.M.; Rector, Jr, F.C. W.B. Saunders Co., 2,8-4,2 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apre-
1981. sentado.
57. LEVY, M.; SEELY, J.F. Pathophysiology of edema formation. The e. Na primeira hora infundir volume suficiente para que os sinais
Kidney, Eds. Brenner, B.M.; Rector, Jr. F.C. W.B. Saunders Co., p. 723, hemodinâmicos encontrados sejam melhorados; o restante do
1981. volume infundir nas próximas horas.
3) Paciente de 60 kg com história de perda por sonda gástrica e uso
de diurético osmótico.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET a. Esta paciente apresenta um grau avançado de depleção do es-
paço extracelular, com sinais de choque hipovolêmico.
http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1-02.pdf — Ex-
b. Depleção de 40-50% do espaço extracelular.
celente capítulo do atlas on-line editado pelo Dr Schrier. c. Solução salina isotônica.
http://umed.med.utah.edu/ms2/renal/Word%20files/ d. 60 kg  12 litros de EEC; 40-50% de DEEC  12  0,4-0,5  4,8-
c)%20Disorders%20of%20Volume-Ed.htm — página que 6 litros de solução a infundir, pois este é o déficit apresentado.
e. Na primeira hora é importante infundir volume suficiente para
aborda a fisiopatogenia e tratamento do edema.
desaparecerem os sinais de comprometimento hemodinâmico.
http://www.medonline.com.br/med-ed/med10/ A monitorização da diurese auxilia a verificar a adequação da
orimicc.htm — artigo que aborda as alterações renais en- reposição; continuar monitorizando a PVC, avaliando este pa-
contradas na insuficiência cardíaca. râmetro sem esquecer de suas limitações.
Capítulo
Metabolismo Ácido-Básico

11 Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly

INTRODUÇÃO Manifestações clínicas e efeitos sistêmicos


CONCEITOS E PRINCÍPIOS QUÍMICOS Achados laboratoriais
Ácido Tratamento
Base Alcalose metabólica
Sistema tampão Causas de alcalose metabólica
pH Geração da alcalose metabólica
Lei de ação das massas Manutenção da alcalose metabólica
Equação de Henderson-Hasselbalch Mecanismos de defesa do pH na alcalose
Eletroneutralidade metabólica
METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO Manifestações clínicas
SISTEMAS TAMPÃO Dados laboratoriais
Sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato Tratamento
Proteínas plasmáticas Acidose respiratória
Hemoglobina Causas
Tamponamento nos ossos Conseqüências clínicas
CONTROLE RESPIRATÓRIO DA PCO2 Conseqüências fisiológicas
CONTROLE RENAL DO EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO Tratamento
Reabsorção tubular do bicarbonato filtrado Alcalose respiratória
Secreção tubular de H Causas
Fatores que influenciam na reabsorção do bicarbonato Conseqüências clínicas
filtrado Conseqüências fisiológicas
Excreção de acidez titulável (AT) Tratamento

Excreção de amônio (NH ) 4 Distúrbios ácido-básicos mistos
Produção proximal e secreção de NH4 Diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos

Gradiente intersticial corticopapilar para NH /NH3
4 Roteiro para interpretação dos distúrbios
Secreção de amônia nos ductos coletores (NH3) ácido-básicos
Difusão não-iônica Alguns exemplos
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO EXERCÍCIOS
ÁCIDO-BÁSICO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acidose metabólica ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Causas RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
capítulo 11 163

INTRODUÇÃO Sistema Tampão


É o sistema formado por um ácido e uma base a ele con-
Para que seja mantida a estabilidade do meio interno, jugada, cuja finalidade é a de minimizar alterações na con-
deve haver equilíbrio entre a produção e a remoção de íons centração hidrogeniônica [H] de uma solução. Em outras
hidrogênio (H) em nosso organismo. Os rins são funda- palavras, uma base fraca se liga aos H dissociados de um
mentais na eliminação do H, mas o controle da concen- ácido forte para formar um ácido fraco pouco dissociável,
tração deste íon envolve ainda outros mecanismos, como tamponando e, portanto, minimizando as alterações na
o tamponamento realizado pelo sangue, células e pul- concentração de H. Além disso, um sistema tampão tam-
mões.1 bém pode doar H.5
A quantidade de íon hidrogênio é mantida dentro de
limites estreitos, num processo extremamente sensível,
uma vez que a quantidade de hidrogênio no extracelular pH
(40 nanoequivalentes/litro  0,00004 mEq/litro) é cerca Como a concentração hidrogeniônica [H] é muito
de 1 milionésimo das concentrações do sódio, potássio ou baixa, torna-se mais simples expressar esta concentração
cloro.2 em escala logarítmica, utilizando as unidades de pH. O
A manutenção desta baixa concentração hidrogeniôni- pH é inversamente proporcional à concentração hidro-
ca é essencial para a função celular normal. Os íons hidro- geniônica. Um baixo pH corresponde a uma alta concen-
gênio são altamente reativos, particularmente com porções tração de íons hidrogênio, enquanto um pH alto corres-
de moléculas protéicas com carga negativa.2 Assim, varia- ponde a uma concentração hidrogeniônica baixa. Portan-
ções na concentração de hidrogênio produzem grande to, a atividade dos íons H em uma solução determina
impacto sobre as funções celulares, pois quase todos os a sua acidez.1,6
sistemas enzimáticos de nosso organismo e proteínas en-
volvidas na coagulação e contração muscular são influen- pH  log 1/H   log [H]
ciados pela concentração de íons hidrogênio.2,3 Para a [H] normal de 40 mEq/litro, o pH é:
pH   log [0,00000004]  7,4
Nos líquidos corporais e diferentes tecidos existe uma
CONCEITOS E PRINCÍPIOS ampla variação de pH. O pH arterial normal é 7,40, sen-
QUÍMICOS do um pouco menor no sangue venoso e interstício
(7,35), devido à quantidade de CO2 que se difunde dos
Ácido tecidos. O pH urinário pode variar de 4,5 a 8,0, depen-
dendo do estado ácido-básico do fluido extracelular. No
Substância capaz de doar íons H (prótons). Exemplos: estômago, a produção de HCl pode reduzir o pH para
H2CO3, NH4, HCl. Um ácido forte como o HCl se dissocia 0,8.1
rapidamente e libera grandes quantidades de H. Os áci- Considera-se o pH como normal se estiver entre 7,35 e
dos fracos têm uma menor tendência à dissociação, libe- 7,45. Os limites de pH sanguíneo compatível com a vida
rando H com menor intensidade. O acúmulo excessivo de são 6,8 e 8,0.1
íons H é chamado de acidose.1,4

Lei de Ação das Massas


Base
A lei de ação das massas estabelece que a velocidade de
Substância (íon ou molécula) capaz de receber íons H. uma determinada reação química é proporcional à concen-
Exemplos: HCO3, NH3, HPO4. Uma base forte (p.ex., o tração dos reagentes. Por exemplo, na reação abaixo, a ve-
OH) reage de maneira rápida e intensa com o H, remo- locidade com que a reação ocorre para a direita ou para a
vendo-o de uma solução. Uma base fraca reage de manei- esquerda é uma constante que depende da concentração
ra pouco intensa. O termo base é usado como sinônimo de dos substratos.
álcali. Álcali é uma molécula formada pela combinação de
HPO4  H ↔ H2PO4
um metal alcalino (p. ex., sódio, potássio) com um íon for-
temente básico, como o íon hidroxila (OH). Os íons hidro- Em equilíbrio, são iguais as constantes para cada lado
xila reagem rapidamente com os íons hidrogênio, portan- da equação. Porém, se houver maior quantidade de subs-
to são bases típicas. A remoção excessiva de íons H dos trato em um lado, a reação se dirige para o lado oposto. A
líquidos corporais é chamada de alcalose. No equilíbrio lei de ação das massas é útil para descrever a dissociação
ácido-básico normal, a maior parte dos ácidos e bases exis- de todos os ácidos e bases do organismo. Por exemplo, para
tentes no espaço extracelular é fraca.1 a dissociação de um ácido HA em H  A: 7
164 Metabolismo Ácido-Básico

[H]  [A] A produção endógena de ácidos é um processo normal,


Ka  mas pode estar aumentada na presença de certas influên-
[HA]
cias hormonais, substratos exógenos ou interrupção das
Onde: vias de controle. Alguns estados patológicos se caracteri-
Ka  constante de dissociação para este ácido (há um va- zam por um aumento significativo na produção de ácidos
lor para cada ácido). orgânicos, como os cetoácidos formados no diabetes meli-
to descompensado, alcoolismo ou jejum prolongado. Dro-
gas e toxinas podem acelerar a produção de ácidos orgâ-
Equação de Henderson-Hasselbalch nicos, como o ácido fórmico a partir do metanol; ácido
A equação que acabamos de ver pode ser reorganiza- oxálico a partir do etilenoglicol, e ácido salicílico a partir
da, originando a equação de Henderson-Hasselbalch, que da aspirina. Outro mecanismo para acúmulo de ácido ocor-
quando aplicada ao sistema tampão ácido carbônico-bicar- re quando seu metabolismo e excreção estiverem compro-
bonato, um dos mais importantes de nosso organismo, metidos. Exemplo disso é o acúmulo de ácido láctico, caso
define a relação entre pH, PCO2 e HCO3. Neste caso, pK é sua conversão para glicose (ciclo de Cori) seja interrompi-
a constante de dissociação do ácido carbônico. Fica assim da por algum motivo; como o tecido muscular produz
demonstrado que o pH do sangue é determinado pela con- imensas quantidades deste ácido todos os dias, ele rapida-
centração de bicarbonato e tensão de CO2.6,7 mente se acumularia.9 Ao contrário do CO2, que pode ser
eliminado pelos pulmões, os demais ácidos são denomi-
log [HCO3] nados ácidos não-voláteis ou fixos e devem ser eliminados
pH  pK  pelo rim.
log [H2CO3]
Além do ganho diário de ácidos voláteis e não-voláteis,
nosso organismo também deve compensar as perdas fisi-
Eletroneutralidade ológicas de substâncias alcalinas, de cerca de 20-30 mEq de
bicarbonato por dia. Em algumas doenças diarréicas, esta
É o princípio segundo o qual não pode haver acúmulo perda pode aumentar dez vezes.1
de quantidades significativas de cargas elétricas em siste- Frente a todos estes dados, percebemos que existe em
mas biológicos, pois isto geraria diferenças muito altas de nosso organismo uma predominância de mecanismos que
potencial elétrico nos tecidos. Então, ao ser absorvido um levam a um excesso de ácidos. A manutenção de um pH
cátion, é necessário que seja reabsorvido um ânion, ou eli- normal nos fluidos corporais frente a uma carga ácida re-
minado outro cátion, de forma que resulte o mesmo nú- quer a integração de mecanismos fisiológicos que impedem
mero de cargas positivas e negativas.8 que haja variações muito intensas na concentração de hi-
drogênio.
A primeira linha de defesa que atua na manutenção de
METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO um pH fisiológico frente à adição de ácidos são os tampões
(bicarbonato e outros tampões extracelulares), que agem
O metabolismo de gorduras e carboidratos origina CO2 instantaneamente. Já a segunda linha de defesa envolve o
e H2O. Aproximadamente 20.000 mEq de CO2 são produzi- sistema respiratório e consiste na variação da PCO2 de acor-
dos diariamente. Ao observar a reação abaixo, percebe-se do com a [H] em minutos a horas. Por último, há a tercei-
que se o CO2 não fosse eliminado, a reação se dirigiria no ra linha de defesa, que envolve o sistema renal através do
sentido de produção do H2CO3, que se dissociaria e aumen- controle da concentração de bicarbonato. A eficácia máxi-
taria a quantidade de hidrogênio no organismo, resultando ma deste último sistema é atingida 24 a 48 horas após o
início do desequilíbrio.2,10
em acidose. A eliminação do CO2 é realizada pelos pulmões;
Desta maneira, e voltando à equação de Henderson-
por este motivo o CO2 é chamado de ácido volátil.2
Hasselbalch, podemos compreender que o organismo atua
CO2  H2O ↔ H2CO3 ↔ H  HCO3 na normalização do pH atuando nas variáveis que deter-
Além da produção de ácido volátil, são produzidos minam o pH: PCO2 e HCO3.
outros ácidos em nosso metabolismo. A dieta ocidental O desvio do pH arterial abaixo de 7,35 ou acima de 7,45
contém aminoácidos e outras substâncias ácidas. Por exem- é referido como acidemia e alcalemia, respectivamente. Os
plo, o cloreto de lisina é metabolizado em ácido clorídrico processos que tendem a reduzir ou elevar o pH são cha-
e uréia; a hidrólise de proteínas e ácidos nucléicos forma mados acidose e alcalose. Desta maneira, poderemos ter
ácido fosfórico, e a oxidação de aminoácidos que contêm quatro alterações primárias do estado ácido-básico:
enxofre gera ácido sulfúrico. Desta forma, produz-se uma 1. acidose metabólica: quando o HCO3 diminuir, ou quan-
carga ácida diária da ordem de 1 mEq/kg/dia. Além dis- do a concentração de H aumentar;
so, a oxidação incompleta da glicose pode originar 20-30 2. alcalose metabólica: quando o HCO3 estiver elevado ou
mEq de ácidos orgânicos por dia.9 quando ocorrer uma perda de H;
capítulo 11 165

3. acidose respiratória: quando ocorrer um aumento na


PCO2;
4. alcalose respiratória: quando a PCO2 for reduzida.
Porém, há situações em que duas ou mais anormalida-
des estão presentes, caracterizando os distúrbios ácido-
básicos mistos.2

Pontos-chave:
• Os ácidos voláteis e não-voláteis,
produzidos diariamente, são eliminados
pelos pulmões e rins, respectivamente
• pH normal  7,35-7,45. Para preservar as
funções celulares, variações de pH devem
ser corrigidas, através das seguintes linhas
de defesa: Fig. 11.1 Alteração no pH de uma solução tampão, à medida que
um ácido é adicionado à solução. Observem que, quando o tam-
1.ª (instantânea): Sistemas tampão pão estiver 50% livre e 50% combinado com H (pK do tampão),
2.ª (minutos): Componente respiratório haverá pouca alteração do pH. Portanto, o tampão será mais efi-
3.ª (horas a dias): Componente renal (lento) ciente em soluções com um pH nesta faixa. (Obtido de Makoff,
D.L.49)

SISTEMAS TAMPÃO difunde-se para dentro das células (Fig. 11.2). Aproxima-
damente 60% são tamponados nas células e nos ossos, num
A manutenção de um pH relativamente constante no
processo que envolve troca de H por Na ou K. Os 40%
organismo se deve à integração renal-respiratória, já men-
restantes são tamponados no líquido extracelular pelos
cionada, e à atuação de sistemas tampão (componente
tampões existentes. Quando se adiciona uma substância
químico), que minimizam as variações de pH conseqüen-
alcalina, aproximadamente 70% são tamponados em líqui-
tes a uma carga ácida ou alcalina. do extracelular e o restante nas células.12 O movimento de
Os sistemas tampão são de modo geral formados por áci- H, OH ou HCO3 através da membrana celular é impor-
dos fracos (e o sal correspondente ou base), que não se disso- tante para o tamponamento de variações de pH que ocor-
ciam completamente e, portanto, têm a capacidade de rece- rem no extracelular ou intracelular.10
ber ou doar H quando a concentração de H se altera. Por No organismo, os seguintes sistemas tampão são impor-
exemplo, quando um ácido forte é introduzido no sangue, ele tantes: bicarbonato, proteínas plasmáticas (extracelulares)
se dissocia completamente e aumenta a concentração de H. Ao e hemoglobina, fosfato, complexos organofosfatados, amô-
entrar em contato com o sistema tampão, o hidrogênio nio, proteínas intracelulares e cristais de apatita do osso.
dissociado do ácido forte liga-se ao sal do sistema tampão, De acordo com o princípio iso-hídrico, todos os tampões em
reduzindo a atividade de H. Assim, o ácido forte é substitu- uma solução estão em equilíbrio com a mesma concentra-
ído por um ácido fraco, de dissociação menos intensa.1,11 ção de hidrogênio. Estes vários sistemas tampão não agem
Ácido forte  base fraca ↔ sal neutro  ácido fraco isoladamente; eles atuam ao mesmo tempo, cada qual com
Exemplo: HCl  Na2HPO4 ↔ NaCl  NaH2PO4 seu pK e concentração. Quando ocorre uma variação na
concentração de hidrogênio, ocorrem modificações em
Ao acrescentar uma base forte a um sistema tampão, ela todos os sistemas tampão. Qualquer condição que modifi-
é substituída por seu sal de base e um ácido fraco.1,11 que o equilíbrio de um sistema tampão altera o equilíbrio
Base forte  ácido fraco ↔ base fraca  água de todos os outros.1,8
Exemplo: NaOH  NaH2PO4 ↔ Na2HPO4  H2O
A capacidade do sistema tampão em resistir às altera- Sistema Tampão Ácido Carbônico-
ções do pH é dependente da concentração e do pK do sis-
Bicarbonato
tema tampão (Fig. 11.1). Quanto mais próximo do pK do
sangue estiver o pK do tampão, maior será a sua capaci- É o principal sistema tampão do organismo. Observe que
dade de tamponamento. as reações químicas deste sistema tampão obedecem à quan-
Quando se adiciona ácido (H) ao organismo, parte dele tidade existente de substrato e acontecem ao mesmo tempo
é tamponada quimicamente no líquido extracelular, e parte no sangue e nos túbulos renais. Quando íons H são adici-
166 Metabolismo Ácido-Básico

Fig. 11.2 Mecanismos de defesa frente a um excesso de ácido. Quando ocorre alcalose, as reações se processam em sentido inverso.
(Obtido de Makoff, D.L.49)

onados ao organismo, combinam-se com o HCO3 do plas- carboxila (COOH), que podem perder um próton e for-
ma, formando H2CO3, que se dissocia em água e CO2, o qual mar COO. Também apresentam grupos amino (NH2),
pode ser removido pelos pulmões. Neste sistema, o pH do que podem receber um próton e formar NH3.10 A ação
líquido extracelular é controlado pela eliminação ou recupe- tamponante de uma proteína pode ser vista na Fig. 11.3.
ração de HCO3 pelos rins e remoção de CO2 pelos pulmões. A carga elétrica das proteínas varia com o pH do extra-
celular. Para uma determinada proteína, a carga é deter-
H  HCO3 ↔ H2CO3 ↔ CO2  H2O
minada pelo equilíbrio entre seus grupos de carga negati-
Devido à sua importância no equilíbrio ácido-básico, o va e positiva. Uma proteína pode ser caracterizada pelo seu
sistema tampão ácido carbônico-bicarbonato será aborda- ponto isoelétrico, isto é, o pH em que não apresenta car-
do em mais detalhe ao longo deste capítulo. gas negativas. Para as proteínas plasmáticas, o ponto isoe-
létrico está em torno de 5,1-5,7, ou seja, bem abaixo do pH
normal de nosso organismo. Por isso, de modo geral as
Proteínas Plasmáticas proteínas plasmáticas se comportam como poliânions.10
As proteínas e aminoácidos do sangue e intracelulares A albumina realiza uma parte significativa da ação
são tampões importantes, pois possuem grupos químicos tamponante do plasma que não é executada pelo bicarbo-
capazes de receber ou liberar H, comportando-se como nato, pois há vários grupos imidazol em sua molécula. Sua
ácidos ou bases. As proteínas possuem numerosos grupos capacidade tamponante é superior à da globulina.10

Fig. 11.3 Representação esquemática da ação tamponante de uma proteína.


capítulo 11 167

As proteínas localizadas no espaço intracelular também No sangue que transita pelos pulmões, a reação quími-
contribuem para o tamponamento do H. Por exemplo, as ca anterior sofre uma inversão, e o CO2 é eliminado.10
proteínas intracelulares do músculo esquelético colaboram
com 60% do tamponamento não realizado por bicarbona-
to, sendo os 40% restantes realizados por fosfatos orgâni- Tamponamento nos Ossos
cos e inorgânicos.10 Os ossos contêm cerca de 60% do CO2 do organismo,
sendo a maior parte sob a forma de carbonato, formando
complexos com cálcio, sódio e outros cátions. O restante
Hemoglobina
existe sob a forma de bicarbonato, associado à hidroxiapa-
A hemoglobina é responsável pela maior parte do tam- tita. Existem evidências demonstrando que na acidose crô-
ponamento plasmático não realizado pelo bicarbonato, nica (como na insuficiência renal crônica) a necessidade de
devido à sua alta concentração nas hemácias e sua grande tamponamento leva à dissolução óssea, com liberação de
capacidade de tamponamento, por possuir vários grupos tampões fosfato e carbonato, num mecanismo possivel-
ácidos ou básicos em sua molécula: carboxila (COOH), mente mediado pelo paratormônio.10
amino (NH2), amônia (NH3).
O CO2 proveniente do metabolismo tissular difunde-se
para dentro das hemácias. A hemoglobina reduzida, pre- CONTROLE RESPIRATÓRIO
sente ao nível tecidual, tem máxima afinidade por radicais
ácidos, favorecendo a captação e o transporte de CO2. Den-
DA PCO2
tro das hemácias, apenas uma pequena parte do CO2 per-
A segunda linha de proteção contra distúrbios ácido-
manece dissolvida. A maior parte do CO2 que adentra a
básicos é o controle da concentração de CO2 pelos pulmões.
célula sofre hidratação, por ação da anidrase carbônica
A equação de Henderson-Hasselbalch demonstra que a
(presente em grandes quantidades nas hemácias), forman-
variação da PCO2 através da respiração é uma importante
do H2CO3, que se dissocia em H e HCO3. O hidrogênio
maneira de normalizar o pH. Assim, quando há aumento
assim liberado é tamponado por grupos amino da hemo-
da concentração de H, este se combina com o bicarbona-
globina, a qual se transforma em H-Hb. 10
to, formando ácido carbônico (H2CO3), que se dissocia em
CO2  H2O ↔ H2CO3 ↔ H  HCO3 H2O e CO2. O CO2 continuamente produzido pelo meta-
앖 bolismo e resultante das reações dos sistemas tampão é
anidrase carbônica (AC) rapidamente eliminado pelos pulmões.
Com o aumento da concentração intra-eritrocitária de H  HCO3 ↔ H2CO3 ↔ H2O  CO2 씮 respiração
bicarbonato, este se difunde para o plasma devido ao gra- 앖
diente de concentração. Portanto, é nas hemácias que se metabolismo
forma parte do bicarbonato plasmático. Com a saída de Além disso, a ventilação alveolar é estimulada ou inibi-
HCO3, o Cl adentra a célula, a fim de manter a eletroneu- da por variações na [H]. Quando a concentração hidro-
tralidade.10 geniônica está elevada, o centro respiratório é estimulado,
aumentando a amplitude dos movimentos respiratórios
(hiperventilação alveolar), eliminando mais CO2. Uma ini-
Pontos-chave: bição do centro respiratório (hipoventilação alveolar) ocor-
re se a concentração de hidrogênio está baixa, por um
• Tampões são substâncias capazes de doar mecanismo de feedback.1
ou receber íons hidrogênio, atenuando
variações de pH
• Os principais tampões existentes em nosso CONTROLE RENAL DO
organismo são:
Bicarbonato
EQUILÍBRIO ÁCIDO-BÁSICO
Proteínas plasmáticas e intracelulares Apesar da eficiência dos sistemas tampão e do controle
Hemoglobina respiratório, estes mecanismos proporcionam proteção
Ossos temporária, minimizando alterações do pH quando ácidos
• Cerca de 95% dos ácidos voláteis são fortes ou bases são adicionados ao organismo, ou quando
tamponados no intracelular. Dos ácidos a concentração de CO2 se altera.
fixos, 50% são tamponados no intracelular e Um mecanismo mais duradouro é realizado pelos rins,
50% no extracelular através da reabsorção de quase todo o bicarbonato filtra-
do e recuperação do HCO3 que foi consumido no proces-
168 Metabolismo Ácido-Básico

Fig. 11.4 Filtração, reabsorção e excreção de bicarbonato de acordo com a concentração plasmática. Observem que todo o bicarbona-
to será reabsorvido quando a concentração plasmática for inferior a 25-26 mM/L. (Modificado de Pitts, R.F.50)

so de tamponamento de ácidos fixos. Este último proces- mos na secreção de H varia nos diferentes segmentos tu-
so é obtido através da excreção de uma quantidade equi- bulares. Nos ductos coletores há um terceiro mecanismo,
valente de H na urina.3 Para cada molécula de bicarbona- por meio de uma bomba H-K-ATPase.3
to consumida, o rim reabsorve ou regenera uma nova A maior capacidade secretora de H ocorre no túbulo
molécula de bicarbonato.8 A urina torna-se ácida pela reab- proximal (80-90%), alça de Henle e túbulo contornado dis-
sorção das substâncias alcalinas ou pela adição de ácido ao tal (10-20%), e apenas uma pequena fração no túbulo cole-
fluido tubular.13 tor. No entanto, os segmentos proximais conseguem pe-
quenas alterações de pH urinário; as maiores alterações são
obtidas no ducto coletor.
Reabsorção Tubular do Vários fatores interferem com a secreção de hidrogênio
Bicarbonato Filtrado na luz tubular, como a PCO2, níveis de potássio e hormô-
nios adrenais. A secreção de hidrogênio aumenta quando
Como o sódio e outros solutos, o bicarbonato é filtrado há retenção de CO2. Se a PCO2 cair, aumenta o pH intrace-
livremente pelo glomérulo. Em adultos, cerca de 4.500 mEq lular e diminui a secreção de H.
de bicarbonato são filtrados por dia. Se houvesse perdas O potássio também interfere na secreção de H. Quan-
de bicarbonato, mesmo que pequenas em relação ao total, do existe depleção de potássio, ocorre aumento na concen-
os estoques seriam rapidamente esgotados. Isto é evitado tração intracelular de H, com aumento de sua secreção e
pela existência de uma grande avidez tubular pela reab- da reabsorção de bicarbonato. Quando existe excesso de
sorção de bicarbonato, que ultrapassa 99,9% do bicarbona- potássio, diminuem a concentração intracelular e a secre-
to filtrado, ou seja, apenas 2 mEq de bicarbonato são ex- ção de hidrogênio, diminuindo também a reabsorção de
cretados por dia.3 bicarbonato.
A elevação dos níveis circulantes de hormônios adrenais
leva a um aumento na reabsorção de HCO3 principalmen-
Secreção Tubular de H te em presença de deficiência de potássio. Quando não há
Os estudos de Pitts e colaboradores na década de 1940 déficit de potássio, a aldosterona parece atuar apenas nas
demonstraram que grande parte do ácido excretado che- porções mais distais do nefro, aumentando sua capacida-
ga até a urina não por filtração glomerular, e sim por se- de de secretar H. Aldosterona causa expansão do extra-
creção tubular. Dentro das células tubulares, a água está celular, diminuindo sua capacidade de reabsorção proxi-
em equilíbrio com o H e OH. O hidrogênio é secretado mal de HCO3 e contrabalançando o aumento que causa
para a luz tubular principalmente por dois mecanismos: na secreção distal de H. Então, em presença de potássio
1) Através de um processo ligado à entrada passiva de normal, não há nem alcalose nem acidose. Porém, quando
sódio filtrado para a célula (troca Na / H)13,14 e 2) Atra- há hipocalemia, o déficit de potássio aumenta a reabsor-
vés de um processo ativo por uma bomba iônica (H-ATPa- ção proximal de bicarbonato, suplantando o efeito supres-
se). A presença e importância de cada um desses mecanis- sor da expansão do extracelular sobre a reabsorção do
capítulo 11 169

mesmo, e ainda secretando mais hidrogênio. Como resul- formado dentro dos túbulos pelo H secretado retorna à
tado, estabelece-se uma alcalose metabólica. célula, formando mais H por hidroxilação. Até aqui, não
Outro fator que interfere com a secreção do H é a pre- houve secreção verdadeira de hidrogênio.3
sença de ânions não-reabsorvíveis em alta concentração no Como se observa na Fig. 11.5, a maior parte da reabsor-
túbulo distal, como carbenicilina e penicilina. Isto aumen- ção de bicarbonato (70-85%) ocorre nos segmentos iniciais
ta o fluxo e a eletronegatividade intraluminal, favorecen- do túbulo proximal e proporções variáveis na alça de Hen-
do a secreção de hidrogênio e potássio, resultando em al- le, túbulo distal e ducto coletor. 3
calose metabólica.15,16
Uma vez na luz tubular, o hidrogênio secretado se com-
bina com HCO3 filtrado, formando H2CO3, que é conver- Fatores que Influenciam na Reabsorção
tido em CO2 e H2O. No túbulo proximal e ramo ascenden- do Bicarbonato Filtrado
te espesso da alça de Henle (mas não em segmentos mais
distais), esta reação ocorre em milissegundos, sob influên- A proporção de bicarbonato que retorna ao sangue é
cia da anidrase carbônica, que é uma enzima presente na afetada por fatores que interagem entre si, como: a) quan-
membrana luminal das células e que não existe no fluido tidade de bicarbonato apresentada aos túbulos; b) estado
tubular. A anidrase carbônica é encontrada na porção con- do espaço extracelular; e c) PCO2 arterial. É possível que
tornada do túbulo proximal, porção ascendente espessa da estes fatores alterem a reabsorção de bicarbonato princi-
alça de Henle e túbulo contornado distal. A inibição desta palmente através de modificações na ativação ou no nú-
enzima (p.ex., pela acetazolamida) bloqueia a reabsorção mero de trocadores Na/K e H-ATPases. Alguns hormôni-
de bicarbonato e acidificação urinária. os e substâncias vasoativas (paratormônio, hormônios
O CO2 assim formado dentro do lúmen se difunde para adrenais, angiotensina II, catecolaminas e dopamina) afe-
dentro da célula, onde se combina com o OH que resulta tam a reabsorção de bicarbonato, através de mecanismos
da dissociação da água, e novamente, sob ação da anidra- ainda não muito compreendidos. Outros fatores, como a
se carbônica, forma-se HCO3. O HCO3 então se difunde deficiência de potássio e cloro, exercem influência impor-
passivamente para o fluido peritubular e sangue. Em mui- tante apenas em presença de doença.3
tos segmentos do nefro o HCO3 atravessa a membrana 1) A quantidade de bicarbonato filtrado e apresentado
basolateral por difusão facilitada, acompanhando o Na aos túbulos varia de acordo com a concentração plas-
(por um co-transportador), ou em troca por Cl. Apesar de mática de bicarbonato e a taxa de filtração glomeru-
que algum Na que acompanha o HCO3 então atravesse lar. Se as outras variáveis estiverem constantes (p.ex.,
a célula passivamente, a maior parte é transportada ativa- o volume do extracelular), a quantidade de bicarbo-
mente para o fluido peritubular e sangue, pela bomba Na- nato reabsorvido é quase igual à quantidade filtrada.
K-ATPase. Assim, para cada H secretado um HCO3 re- O mecanismo deste efeito ainda não está esclarecido,
torna ao fluido peritubular e sangue, e praticamente todo mas a taxa de reabsorção parece estar ligada à reab-
o bicarbonato filtrado é recuperado. Note que este não é sorção de sódio, principalmente no túbulo proximal.
um mecanismo puro de secreção de hidrogênio, pois o CO2 Isto pode ser em parte decorrente da necessidade de
conservar sódio e manter o espaço extracelular.3,13
2) Efeito do volume do extracelular: quando o volume
está bastante expandido, ocorre diminuição da reab-
sorção de bicarbonato filtrado; o oposto ocorre quan-
do o extracelular está contraído. Novamente, o me-
canismo parece estar ligado a modificações na reab-
sorção de sódio impostas pelas variações no volume
extracelular.3
3) Influência de modificações prolongadas na PCO2:
quando ocorre diminuição da PCO2 (como, por exem-
plo, por hiperventilação crônica), a reabsorção do
bicarbonato diminui; quando há elevação da PCO2,
aumenta a reabsorção de bicarbonato. Dois mecanis-
mos parecem estar envolvidos nesta variação de re-
absorção: a) mudança na quantidade de bicarbonato
filtrado e apresentado aos túbulos (isto só ocorre em
distúrbios crônicos, pois, nos agudos, a concentração
plasmática de bicarbonato muda muito pouco); e b)
Fig. 11.5 Mecanismo de reabsorção do bicarbonato filtrado. Ver efeito direto da PCO2 sobre a atividade da H-ATPa-
o texto. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3) se e H-K-ATPase.3
170 Metabolismo Ácido-Básico

Como já foi mencionado, a dieta ocidental rica em pro-


teínas produz vários ácidos não-voláteis (fixos), como o
ácido sulfúrico, fosfórico e ácidos orgânicos. Estes ácidos
são tamponados nos seguintes tipos de reação:
2 H  SO4  2 Na  2 HCO3
↔ 2 Na  SO4  2 H2O  2 CO2
2 H  HPO4  2 Na  2 HCO3
↔ 2 Na  HPO4  2 H2O  2 CO2
Nestes exemplos, o CO2 assim produzido é eliminado
pelos pulmões, e os dois sais neutros, Na2SO4 e Na2PO4, são
filtrados pelo glomérulo. Se estes sais fossem excretados
pela urina, o organismo ficaria em déficit de bicarbonato
de sódio (NaHCO3), o principal tampão extracelular utili-
zado na neutralização dos ácidos fixos. Os rins evitam este
déficit de bicarbonato de sódio através da excreção de NH4 Fig. 11.6 Mecanismo de formação de acidez titulável. Ver o tex-
e de acidez titulável. Em ambas as operações, o bicarbona- to. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
to recém-formado nas células tubulares renais é absorvi-
do para o sangue peritubular, juntamente com o sódio que
foi filtrado.3
Excreção de Amônio (NH4)
Excreção de Acidez Titulável (AT) Se a formação de acidez titulável fosse o único mecanis-
Se considerarmos uma urina com pH de 5,2, podemos mo para excretar H, a quantidade de hidrogênio elimina-
adicionar a ela uma substância alcalina até que seu pH se do na urina seria muito limitada pela quantidade de fos-
iguale ao pH do sangue, ou seja, 7,4. A quantidade de fato e outros tampões que são filtrados. A observação de
substância alcalina (em ml) necessária para titular a uri- que na acidose existe um aumento não só da AT mas tam-
na até se igualar ao pH do sangue é equivalente à quan- bém do NH4 na urina gerou a hipótese de que o NH4
tidade de H ligada aos tampões filtrados. Esta quanti- pudesse constituir um mecanismo adicional. Note que o
dade de ácido assim excretada é calculada e denomina- amônio aparece na urina sob forma de sais neutros (p.ex.,
da acidez titulável. cloreto de amônio — NH4Cl), o que serve para excretar H
Com a reabsorção de bicarbonato, a urina nos túbulos sem uma maior diminuição no pH urinário.3
renais se torna ácida. O hidrogênio secretado para a luz O provável mecanismo para a excreção de NH4 é de-
tubular se combina com outros tampões que foram filtra- monstrado nas Figs. 11.7 e 11.8. Este processo consta de três
dos. Como parte deste último processo, o sal neutro etapas: 1) produção e secreção de NH4 nos túbulos proxi-
Na2HPO4 é convertido no sal ácido NaH2PO4, principal mais; 2) mecanismo de contracorrente multiplicador de
maneira de excreção de acidez titulável. Outros tampões NH4 nas alças de Henle, resultando no desenvolvimento
filtrados, como ânions orgânicos, citrato, acetato e 3-hidro- de um gradiente corticopapilar para NH4/ NH3 dentro do
xibutirato, são também titulados, mas de modo geral con- interstício medular; e c) difusão não-iônica de NH3 para
tribuem pouco para a AT, devido à sua baixa concentra- dentro dos ductos coletores.3
ção e baixo pK.3
O esquema de formação da AT urinária é mostrado na PRODUÇÃO PROXIMAL E SECREÇÃO DE NH4ⴙ
Fig. 11.6 (note as semelhanças com a Fig. 11.5). A principal Esta primeira etapa ocorre predominantemente nas cé-
reação que gera o hidrogênio secretado parece ser a disso- lulas tubulares proximais, onde a deaminação da glutami-
ciação da água; o OH que é simultaneamente liberado se na produz dois íons NH4 e um íon de alfa-cetoglutarato.
combina com o CO2 intracelular, sob ação da anidrase car- O metabolismo do último para glicose, ou para CO2 e água,
bônica. Forma-se HCO3, que é adicionado ao fluido peri- produz dois novos íons HCO3. Assim como na excreção
tubular e sangue. No lúmen tubular, o H secretado se de AT, esta reação adiciona um HCO3 para cada H que
combina com Na e HPO4, formando NaH2PO4, que é é excretado — neste caso, como parte do NH4. O sódio que
excretado como ácido titulável na urina. Estas reações ocor- acompanha o HCO3 pode adentrar o fluido peritubular
rem no túbulo proximal, túbulo distal e ductos coletores. através da Na-K-ATPase ou via co-transportador HCO3.
O efeito aqui obtido é reabastecer o sangue com um bicar- Em muitas circunstâncias, o NH4 produzido no túbulo
bonato para cada bicarbonato consumido no processo de proximal é responsável por quase todo o NH4 excretado
tamponamento de um ácido fixo.3 na urina.3 É importante lembrar que nos quadros de aci-
capítulo 11 171

Nos segmentos ascendentes delgados a reabsorção de


NH4 pode ser passiva. A secreção de NH4 nos ramos
descendentes pode ocorrer mais por secreção paralela de
H e NH3 do que por secreção de NH4. O efeito final é o
mesmo, e a conseqüência importante é que a concentração
intersticial de amônia total (isto é, NH4 e NH3) se eleva
com a proximidade da papila.3

SECREÇÃO DE AMÔNIA NOS


DUCTOS COLETORES (NH3)
O segmento distal dos túbulos coletores e o ducto cole-
tor são constituídos por pelo menos dois tipos principais de
células, uma das quais, a célula intercalada alfa, secreta H
mas não reabsorve Na. Nesta célula, o H que é derivado
da dissociação da água é secretado na luz tubular por dois
Fig. 11.7 Produção de amônio (NH4) nos túbulos proximais, a co-transportadores, H-ATPase e H-K-ATPase. O H se-
partir da glutamina. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
cretado se combina com o NH3 para formar NH4, que é
então excretado sob a forma de sais neutros, como o NH4Cl
ou (NH4)2SO4. O NH3 pode difundir-se passivamente do
dose metabólica há um aumento significativo na produ- interstício onde é gerado pelo mecanismo de contracorren-
ção de NH3 a partir da glutamina, tornando-se a molécu- te multiplicador, através da célula, para a luz tubular.3
la de NH4 o principal meio de excreção dos íons H na O HCO3 formado pela dissociação da água cruza a mem-
urina. Além disso, a hipocalemia aumenta a produção de brana basolateral para o fluido peritubular por difusão fa-
NH4, levando a uma maior secreção de H para o lúmen cilitada, através de um trocador HCO3/Cl. Então, como
tubular. na excreção de AT e com o mecanismo do NH4 dos túbu-
los proximais, o resultado da reação nos ductos coletores é
GRADIENTE INTERSTICIAL CORTICOPAPILAR a recuperação de um HCO3 para cada H que é excretado,
PARA NH4ⴙ/NH3 ou seja, exatamente o que é preciso após um HCO3 ter sido
Nas alças de Henle, há um mecanismo contracorrente consumido no tamponamento de um H adicionado. O só-
multiplicador de NH4 que produz um gradiente para dio filtrado é reabsorvido pelas células principais.3
NH4/NH3 no interstício medular. Nos segmentos ascen-
dentes espessos, o NH4 é reabsorvido principalmente por DIFUSÃO NÃO-IÔNICA
transporte ativo secundário, substituindo o K no co-trans- A amônia (NH3) é um gás que atravessa a membrana
portador Na:K:2Cl que se localiza na membrana apical. celular com grande facilidade, por ser lipossolúvel, e pode

Fig. 11.8 Produção de amônio nas células intercaladas alfa dos ductos coletores. (Adaptado de Valtin, H.; Schafer, J.A.3)
172 Metabolismo Ácido-Básico

difundir-se do interstício para o lúmen tubular. Pratica- Acidose Metabólica


mente todo o NH3 que se difunde é transformado em NH4,
pois o fluido tubular é ácido. Quanto mais ácida for a uri- A acidose metabólica é um distúrbio em que há eleva-
na, maior é esta transformação. Devido à impermeabili- ção na concentração de hidrogênio, gerando pH baixo no
dade do segmento, o NH4 formado não pode difundir- fluido extracelular. O bicarbonato encontra-se diminuído,
se novamente através do epitélio, e então tem que ser ex- por estar sendo consumido no tamponamento do excesso
cretado. Mais de 98% da amônia total (NH3  NH4) es- de ácido (H). O hidrogênio em excesso estimula o centro
tão sob a forma de NH4, pois o pH urinário está na faixa respiratório, provocando hiperventilação como mecanis-
de 4,4-7,4.3 mo compensatório, eliminando mais CO2.19
A excreção ácida total corresponde à soma da acidez
titulável e amônio urinário, menos o bicarbonato restante CAUSAS
na urina (AT  NH4  HCO3 urinário).17 A acidose metabólica pode ser resultado de um aumento
na produção ou diminuição na excreção renal de ácido, ou
ainda, perda de bicarbonato (v. Quadro 11.1).
Ponto-chave:
• O controle renal do equilíbrio ácido-básico é Produção Aumentada de Ácido
realizado através dos seguintes Quando existe aumento na produção de ácidos, pode ocor-
mecanismos: rer acidose grave, causando significativa diminuição no bi-
Reabsorção do HCO3 filtrado carbonato plasmático. São exemplos disso a acidose láctica, a
cetoacidose diabética ou alcoólica e a intoxicação por algumas
Regeneração de HCO3 através da excreção
drogas (como, por exemplo, o ácido acetilsalicílico).19
de H ligado a tampões (AT) e na forma de ACIDOSE LÁCTICA. O ácido láctico é normalmente
amônio (NH4) produzido em nosso organismo, sendo quase todo conver-
tido em glicose ou piruvato, no fígado e nos rins. O lactato
acumula-se quando sua produção está aumentada ou sua
DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO utilização diminuída.19

METABOLISMO ÁCIDO-BÁSICO
O estado ácido-básico é avaliado através da gasometria, Quadro 11.1 Causas de acidose metabólica
e não há diferenças significativas entre uma amostra arte-
Produção ácida aumentada
rial ou venosa com relação ao pH, bicarbonato e PCO2. No a) Acidose láctica
sangue arterial, porém, é possível avaliar também as vari- • Hipoperfusão tecidual
áveis de oxigenação, como a PO2 e a saturação arterial de • Metformin
oxigênio, que permitem considerações sobre a ventilação • Etilismo
• Doenças malignas
do paciente. Tomar o cuidado de não utilizar garrote e
• Infecção por HIV
heparinizar a seringa adequadamente. Após a coleta do • Acidose D-láctica
sangue, homogeneizar o conteúdo, eliminar as bolhas de b) Cetoacidose
ar e vedar a seringa, encaminhando a amostra imediata- • Diabetes melito
mente para laboratório ou mantendo-a refrigerada até o • Etilismo
c) Toxinas ingeridas
momento da análise. A demora em processar a amostra • Aspirina
promove o consumo de oxigênio e a produção de CO2, • Etilenoglicol
modificando os resultados.18,19 • Metanol
Como mencionamos há pouco, a observação da equação Perda de bicarbonato pela urina ou fezes
de Henderson-Hasselbalch indica que quatro distúrbios a) Diarréia
primários do metabolismo ácido-básico podem ocorrer: aci- b) Fístulas pancreáticas, biliares
dose metabólica, acidose respiratória, alcalose metabólica e c) Acidose tubular renal proximal (tipo 2)
alcalose respiratória. Em princípio, pode parecer que o diag- Redução na excreção renal de ácido
nóstico de anormalidade metabólica ou respiratória pode ser a) Insuficiência renal
feito apenas conhecendo-se o bicarbonato plasmático e a b) Acidose tubular renal tipo 1
c) Acidose tubular renal tipo 4
PCO2, respectivamente. Em realidade, isto não é possível,
(hipoaldosteronismo)
pois cada distúrbio ácido-básico primário produz uma rea-
ção compensatória secundária. Além das reações compen- Outras
• Dilucional
satórias normais, podem surgir distúrbios ácido-básicos
mistos, como veremos nas próximas seções. Adaptado de Rose, B.D.19
capítulo 11 173

A produção deste ácido aumenta em situações em que vômitos, podendo evoluir com pancreatite. As alterações
a oferta de oxigênio para os tecidos é inferior às necessi- oculares, como hiperemia conjuntival, diplopia e amauro-
dades, como, por exemplo, na hipoperfusão presente no se, acompanham-se de alteração da fundoscopia, que de-
choque hipovolêmico, cardiogênico ou séptico. Nestas cir- monstra neurite óptica. O metabolismo do metanol produz
cunstâncias, além de o piruvato ser preferencialmente con- ácido fórmico, responsável pela acidose.24,25
vertido a lactato, sua utilização está diminuída, devido às O etilenoglicol está presente em produtos anticongelantes
alterações na perfusão do fígado e rins.19 Menos freqüen- e fluido de radiador, e é também utilizado em algumas eta-
temente, a produção de ácido láctico pode aumentar ou seu pas na indústria de bebidas. O etilenoglicol ingerido é meta-
metabolismo diminuir, por doenças hepáticas ou deficiên- bolizado em compostos tóxicos, como o ácido oxálico, pela
cias enzimáticas hereditárias.20 ação da desidrogenase alcoólica. Estes compostos tóxicos
O uso de metformin no diabetes melito pode produzir provocam disfunção neurológica aguda, com ataxia, confu-
acidose láctica, principalmente em presença de disfunção são, convulsões e coma. Nos rins, determinam a deposição
renal, hepática, ou etilismo. Eventualmente, pacientes eti- de cristais de oxalato de cálcio e insuficiência renal aguda.25
listas apresentam acidose láctica, causada por hipoperfu-
são ou diminuição da utilização hepática de lactato.21 Perda de Bicarbonato
Nas doenças malignas, o metabolismo anaeróbio que Para cada molécula de base que é perdida, um próton deixa
ocorre dentro de massas celulares mal vascularizadas pode de ser tamponado, resultando em acúmulo de ácido fixo.20 A
ocasionar acidose láctica. Em pacientes com SIDA, a aci- perda de secreções alcalinas do pâncreas e árvore biliar e as
dose láctica está relacionada à doença hepática ou miopa- diarréias induzidas ou não por laxantes podem causar aci-
tia induzidas pela zidovudina, ou à presença de deficiên- dose metabólica.19 Na acidose tubular renal proximal ocor-
cia de riboflavina.21 re perda de grandes quantidades de bicarbonato.
A acidose D-láctica ocorre em pacientes submetidos a
bypass jejuno-ileal, ressecção de intestino delgado ou ou-
Redução na Excreção Renal de Ácido
tras causas de síndrome do intestino curto. Nestas situa-
Para que o equilíbrio ácido-básico seja mantido na in-
ções, na presença de crescimento exagerado de bactérias
suficiência renal, é necessário que ocorram adaptações nos
anaeróbicas, o cólon converte glicose e amido em ácido D-
nefros restantes. Inicialmente, há aumento da excreção de
láctico, que é absorvido pela circulação. A desidrogenase
amônio (NH4) por nefro. Porém, quando a taxa de filtra-
L-láctica, que metaboliza o L-lactato fisiológico em piru-
vato, não atua sobre o ácido D-láctico. Os pacientes apre- ção glomerular cai para menos de 30-40% do normal, co-
sentam anormalidades neurológicas após sobrecarga de meça a haver retenção da carga ácida diária; acidose ocor-
carboidratos.22 re quando a massa renal remanescente estiver em torno de
CETOACIDOSE. A cetoacidose diabética é uma desor- 20%. A diminuição da excreção ácida na falência renal é
dem em que a deficiência de insulina e o excesso de gluca- causada principalmente pela pequena quantidade de
gon produzem aumento da síntese hepática de cetoácidos, nefros funcionantes. Aumento de PTH, expansão volêmi-
principalmente ácido beta-hidroxibutírico e ácido acetoa- ca e diurese de solutos, observados na insuficiência renal,
cético.19 inibem a reabsorção de bicarbonato. Também ocorre dimi-
O jejum prolongado também pode produzir cetoacido- nuição da produção de amônia (NH3). Como o bicarbona-
se, mas de modo geral os ácidos gerados não consomem to está sendo consumido, outros tampões acabam sendo
mais do que 3-4 mEq de bicarbonato/litro. Em etilistas, a acumulados (sulfato e fosfato).24 Os tampões plasmáticos
associação de um aporte deficiente de carboidratos com os são utilizados para neutralizar parte do ácido retido, mas
efeitos do álcool inibindo a gliconeogênese e estimulando a principal forma de tamponamento nesta situação é feita
a lipólise também pode produzir cetoacidose. A presença dentro das células e nos ossos.19
de diabetes agrava esta condição.23 As acidoses tubulares do tipo 1 (distal) e 4 (hipoaldos-
INGESTÃO DE TOXINAS. Em nosso organismo, o teronismo) são raras. Na ATR tipo 1, o acúmulo de ácido
ácido acetilsalicílico é convertido em ácido salicílico. A resulta de uma incapacidade de diminuir o pH urinário
intoxicação por altas doses deste ácido produz acidose para menos que 5,5-6. O pH urinário alcalino que resulta
metabólica devido à interferência com o metabolismo oxi- impede os mecanismos de produção de acidez titulável e
dativo, levando ao acúmulo de ácidos orgânicos, como o aprisionamento da amônia no lúmen tubular sob forma de
lactato e cetoácidos. Em doses menores, o ácido acetilsali- amônio.19 Na acidose distal tipo 4, a deficiência de aldos-
cílico pode induzir alcalose respiratória, por estimulação terona impede a secreção distal de hidrogênio e potássio,
direta do centro respiratório.19,24 resultando em acidose metabólica e hipercalemia.18
A intoxicação pelo metanol produz um quadro caracte-
rístico de sintomatologia do sistema nervoso central, ocu- Outras
lar e abdominal. Agudamente os pacientes apresentam sin- Cabe aqui um comentário sobre a acidose dilucional.
tomas de embriaguez, confusão mental, dor abdominal e Esta acidose, de modo geral discreta, resulta da diluição
174 Metabolismo Ácido-Básico

do bicarbonato plasmático pela infusão rápida de grandes esta saída do potássio da célula se deva a uma inibição da
quantidades de fluido que não contém bicarbonato ou seus bomba Na-K-ATPase celular pela acidose. Ao se corrigir a
precursores (p.ex., o lactato). Habitualmente a queda no acidose, o potássio retorna para dentro das células, pois não
bicarbonato não ultrapassa 10% e é rapidamente corrigi- existe mais necessidade de tamponamento intracelular.
da pelos rins.18,25 Além dos dados da história clínica, uma medida que
auxilia no diagnóstico causal da acidose metabólica é o
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E cálculo do anion gap (hiato-iônico).28 A necessidade de
EFEITOS SISTÊMICOS manter a eletroneutralidade faz com que o número de cá-
As manifestações clínicas da acidose metabólica depen- tions no plasma seja igual ao número de ânions. Os cáti-
dem da doença primária que está produzindo a acidose e ons são representados principalmente pelo sódio (o potás-
da velocidade de instalação do distúrbio. Porém, em cir- sio não é habitualmente incluído no cálculo, pois sua in-
cunstâncias graves, pode haver sintomas decorrentes da terferência é pequena), e os ânions, pelo cloro e bicarbona-
própria acidose metabólica. to. Porém, há outros ânions, que não são dosados habitu-
Como já foi mencionado, a acidose metabólica produz almente, mas que contribuem para a fração aniônica do
uma hiperventilação, com movimentos respiratórios pro- plasma: proteínas, lactato fosfato e sulfato. Esta fração de
fundos (respiração de Kussmaul), observada ao exame fí- ânions é identificada ao se verificar que a soma dos ânions
sico, principalmente quando o pH é menor que 7,20. medidos não é igual à dosagem do sódio.24
Observam-se vômitos, dores pelo corpo e fadiga. Com o Anion gap  Na  (Cl  HCO3)
aumento da gravidade da acidose, geralmente com bicar-
bonato inferior a 10 mEq/litro, observa-se diminuição da Utilizando as concentrações normais dos eletrólitos na
contratilidade miocárdica, dilatação arteriolar, venoconstri- fórmula acima (Na  140, HCO3  24, e Cl  105), veri-
ção periférica e arteriolar pulmonar. Conseqüentemente há ficamos que entre cátions e ânions existe uma diferença de
diminuição do débito cardíaco, hipotensão arterial, diminui- 8-16 mEq/litro, e que corresponde aos ânions que não fo-
ção do fluxo sanguíneo para os rins e fígado, maior sensibi- ram medidos (ânions “não mensuráveis”), mas que estão
lidade a arritmias cardíacas e diminuição da responsivida- presentes no plasma e contribuem para contrabalançar as
de cardiovascular às catecolaminas. A associação destas cargas catiônicas.20,24 Possivelmente os ânions que consti-
manifestações gera um ambiente propício para o desenvol- tuem o hiato iônico sejam os tampões aniônicos do espaço
vimento de insuficiência cardíaca congestiva. extracelular. 20
Há também manifestações neurológicas, com progres- Observe a fórmula do hiato iônico. Se a concentração de
siva diminuição do nível de consciência e até coma. Obser- cloro se mantém constante na acidose metabólica, mesmo
va-se também maior degradação protéica e redução da havendo queda no bicarbonato (usado no tamponamento
densidade óssea, principalmente nas acidoses crônicas.26 do hidrogênio dissociado), a manutenção da eletroneutra-
lidade se faz à custa do aumento de algum ânion que não
ACHADOS LABORATORIAIS o cloreto.20 Os fosfatos e as proteínas não sofrem variações
A acidose metabólica caracteristicamente causa uma rápidas, de forma que existe pequena possibilidade de que
diminuição do pH, diminuição do bicarbonato e diminui- sejam os responsáveis pelo aumento. Então, a eletroneu-
ção da PCO2. A compensação respiratória se inicia na primeira tralidade deve estar sendo mantida pelo aumento de algum
hora e se completa em até 24 horas. Esta compensação cau- ânion que em condições normais não está presente no plas-
sa a queda de 1,2 mmHg na PCO2 para cada redução de 1 ma. Exemplos disso são: a) lactato, que se acumula na aci-
mEq/litro na concentração de bicarbonato. dose láctica; b) beta-hidroxibutirato na cetoacidose; c) au-
mento dos ânions sulfato, fosfato e ácidos orgânicos, na
 [HCO3]  1,2   [CO2] insuficiência renal crônica; d) ácido fórmico na intoxicação
(podem ser aceitas diferenças de 2 mEq/litro)27 pelo metanol; oxalato e glicolato na intoxicação por etile-
Por exemplo, para um bicarbonato de 18 (redução de 6 noglicol, e lactato e cetonas na intoxicação pelo ácido ace-
em relação ao normal), a hiperventilação deverá trazer a tilsalicílico.27 Esse tipo de acidose metabólica, em que o
PCO2 para cerca de 32,8 (PCO2 normal de 40  7,2). Se a cloro permanece normal, é chamada de acidose normoclorê-
PCO2 estiver maior ou menor que este valor, o paciente tem mica, ou com anion gap (hiato iônico) aumentado.20,27
um distúrbio misto: além da acidose metabólica, acidose Ao contrário, nas acidoses causadas por perda de bicar-
ou alcalose respiratória, respectivamente.25,27 bonato, como as diarréias, não há retenção de ânions anô-
Pode haver hipercalemia, causada pelo desvio iônico con- malos, e o hiato iônico praticamente não se altera, já que à
seqüente à necessidade de tamponamento do excesso de medida que diminui o bicarbonato, pela perda intestinal,
hidrogênio dentro das células.26 Um íon hidrogênio entra aumenta a reabsorção de cloro, para manter a eletroneu-
na célula, mas ao mesmo tempo, para manter a eletroneu- tralidade. Este tipo de acidose, em que há perda de bicar-
tralidade, deve sair da célula um outro íon de carga posi- bonato, com aumento do cloro, é chamada de acidose hiper-
tiva — o potássio, principal cátion do intracelular. Talvez clorêmica, ou com anion gap normal (v. Fig. 11.10).20
capítulo 11 175

qüência de hipocalcemia, hipomagnesemia ou hiperalbu-


minemia na contração de volume, e o AG diminuído em
presença de hipercalemia ou hipoalbuminemia.27 Porém,
rotineiramente, a interpretação tradicional do anion gap é
suficiente. No Quadro 11.2 são observadas as concentra-
ções normais dos cátions e ânions não determinados.
As acidoses metabólicas podem ser classificadas de acor-
do com o anion gap (v. Quadro 11.3). Esta classificação pode
auxiliar principalmente quando há dificuldade em definir
a causa da acidose metabólica, por exemplo, num pacien-
te comatoso, cuja história clínica se desconhece; o cálculo
do anion gap permite situar entre as causas mais prová-
veis, possibilitando uma abordagem apropriada para cada
caso.
Além do desvio de potássio originado pela necessida-
de de manter a eletroneutralidade, os níveis de potássio no
sangue podem fornecer pistas quanto à etiologia da acidose
metabólica. No Quadro 11.4 observa-se a correlação entre
os níveis de potássio e causas de acidose metabólica.
Em algumas situações pode haver sobreposição de cau-
sas de anion gap normal ou aumentado. Por exemplo, de
modo geral, a cólera causa acidose com anion gap normal,
como as outras diarréias. Porém, quando esta doença cursa
com hipoperfusão (acidose láctica) e contração de volume
Fig. 11.9 Relação entre o pH urinário e a excreção de NH3. Ob- (hiperalbuminemia), o anion gap pode estar aumentado.27
servem que, quando o pH urinário diminui, a produção de NH3 Além destas alterações laboratoriais, a acidose metabó-
aumenta. (Obtido de Pitts, R.F.50) lica ocasiona leucocitose, hiperfosfatemia, hiperglicemia e
hiperuricemia. A leucocitose, muitas vezes superior a
25.000 leucócitos, é conseqüente a uma diminuição da
Alguns autores têm ressaltado o fato de que outros âni- marginação leucocitária, devendo ser excluídos processos
ons e cátions, medidos rotineiramente ou não, podem al- infecciosos subjacentes.24
terar o cálculo do hiato iônico, e que, na verdade, o termo A acidose láctica hipóxica pode provocar degradação
anion gap não é correto. Na verdade, o hiato iônico seria a muscular e hiperfosfatemia. A acidose inibe a ação perifé-
diferença entre os ânions e os cátions não mensuráveis (âni- rica da insulina, gerando hiperglicemia. A competição de
ons não mensuráveis  cátions não mensuráveis). Assim, ânions orgânicos e uratos pela secreção leva a um aumen-
fica mais simples compreender o AG aumentado em conse- to dos níveis de ácido úrico no sangue.24,26

Fig. 11.10 Classificação da acidose metabólica de acordo com o anion gap. (Adaptado de Adrogué, H.J.; Madias, N.E. In: Schrier, R.
Atlas of Kidney Diseases on line — www.HDCN.com)
176 Metabolismo Ácido-Básico

Quadro 11.2 Concentrações normais dos cátions e Quadro 11.4 Correlação entre os níveis de
ânions não mensurados rotineiramente potássio, anion gap e causas de acidose metabólica

Cátions não Ânions não Anion gap normal Anion gap aumentado
determinados mEq/L determinados mEq/L
Potássio sérico Potássio sérico normal
K 4,5 Proteína 15 reduzido ou elevado

Ca 5 PO4 2 Diarréia Cetoacidose


diabética
Mg 1,5 SO4 1
Inibição da anidrase Cetoacidose
Ácidos orgânicos 5 carbônica alcoólica

Total 11 23 Acidose tubular Acidose láctica


renal
Intoxicação por
salicilato
TRATAMENTO Potássio sérico Metanol
O tratamento é dirigido à doença básica e, em algumas elevado
situações, à própria acidose metabólica, como veremos a Administração de Ingestão de
seguir. NH4Cl paraldeído
Pielonefrite crônica Etilenoglicol
Tratamento da Doença de Base Uropatia obstrutiva Insuficiência renal
A acidose metabólica é manifestação de uma doença
primária, e o tratamento deve ser dirigido à correção des-
ta doença.
Na cetoacidose diabética, o ponto fundamental no tra- retidos resulta em rápida regeneração do bicarbonato, com
tamento é a administração de insulina e a correção dos resolução parcial ou completa da acidemia. O álcali pode
distúrbios da água, sódio e potássio. Não se deve adminis- até mesmo retardar a recuperação, por aumentar a cetogê-
trar álcali de rotina, pois o metabolismo dos cetoácidos nese hepática. Em pacientes com cetoacidose diabética e pH
inferior a 7,10, pequenas doses de bicarbonato podem ser
administradas com o objetivo de minimizar a depressão
miocárdica e hipoperfusão tecidual.29
Quadro 11.3 Causas de acidose metabólica de A cetoacidose alcoólica é corrigida com a apropriada
acordo com o hiato iônico reposição de nutrientes e interrupção da ingestão de eta-
nol. A infusão de glicose estimula a secreção de insulina
Hiato iônico normal (hiperclorêmica)
Perdas de bicarbonato
mas inibe a secreção de glucagon, promovendo a regene-
a) Gastrointestinal ração dos estoques de bicarbonato a partir do metabolis-
• Diarréia mo dos cetoácidos retidos.29
• Fístulas pancreáticas, biliares Nos casos de acidose láctica causada por oxigenação
b) Renal tecidual inadequada, o ponto essencial no tratamento é a
• Inibidores da anidrase carbônica
correção da mesma, com repleção do volume circulante
• Acidose tubular renal
Outras efetivo, suporte ventilatório, agentes inotrópicos e trata-
• Acidose dilucional mento da septicemia. Na acidose láctica resultante de in-
• Nutrição parenteral toxicação por metanol ou etilenoglicol, está indicada a di-
álise para remoção das toxinas, além da administração de
Hiato iônico aumentado (normoclorêmica)
Produção ácida aumentada grandes quantidades de álcali. Etanol é o antagonista do
• Cetoacidose diabética ou alcoólica metanol. 29
• Acidose láctica
• Erros inatos do metabolismo
Ingestão de substâncias tóxicas
Tratamento da Acidose Metabólica
• Intoxicação por salicilato Para pacientes com acidemia leve ou moderada (pH

• Ingestão de metanol 7,20), ou quando o processo subjacente possa ser rapidamente


• Ingestão de etilenoglicol controlado, muitas vezes a administração de álcali não é ne-
Falha na excreção ácida cessária. Porém, em pacientes com acidose grave (pH menor
• Insuficiência renal aguda ou crônica
que 7,20; bicarbonato inferior a 8), já existem depressão mio-
Adaptado de Shapiro, J.I.18 cárdica e disfunções enzimáticas significativas, e a adminis-
capítulo 11 177

tração de bicarbonato de sódio pode ser benéfica. A acidose e, se necessário, diálise. Outro aspecto desfavorável é a
deve ser tratada se estiver causando disfunções orgânicas possibilidade de alcalose muito abrupta, quando a corre-
graves.18 Para calcular a quantidade necessária de bicarbona- ção da acidose for muito agressiva.29
to a ser administrada, utilizamos a fórmula a seguir: O tamponamento de prótons pelo bicarbonato libera
CO2 (HCO3  H ↔ H2CO3 ↔ H2O  CO2), elevando a
Bic necessário  (Bicdesejado  Bicatual)  espaço do Bic18
PCO2 nos líquidos corporais. Este efeito pode ser prejudi-
Onde: cial em pacientes com reserva ventilatória limitada, falên-
Bicnecessário  quantidade de bicarbonato de sódio a admi- cia circulatória ou que estão sendo submetidos a ressusci-
nistrar (em mEq) tação cardiopulmonar. Nestas circunstâncias, paradoxal-
Bicdesejado  nível desejado de bicarbonato mente pode ocorrer piora da acidose intracelular e extra-
Bicatual  bicarbonato dosado no sangue celular, se a PCO2 exceder a fração de HCO3. No sistema
Espaço do Bic  50% do peso corporal nervoso central isto traz conseqüências graves, pois o CO2
em maior quantidade atravessa rapidamente a barreira li-
O espaço de bicarbonato é uma estimativa da capacida- quórica, elevando a PCO2 do líquor e piorando a acidose
de total de tamponamento do organismo, que inclui o bi- do sistema nervoso central.29,32
carbonato do extracelular, proteínas intracelulares e carbo- De acordo com os consensos mais recentes da Sociedade
nato do osso. Com bicarbonato normal ou pouco reduzi- Americana de Cardiologia sobre parada cardiorrespiratória,
do, o excesso de hidrogênio é tamponado proporcional- o uso de bicarbonato de sódio na parada cardiorrespirató-
mente na água corporal total, e o espaço aparente de bi- ria é considerado Classe 3 (tratamento inadequado, sem
carbonato é de 50% do peso magro do indivíduo.18,30 Este evidência científica de validade, e que pode ser prejudici-
espaço aumenta na acidose metabólica grave, pois as cé- al). Porém, em situações especiais, e sob monitorização ade-
lulas e o osso passam a contribuir cada vez mais para o quada, o bicarbonato de sódio pode vir a ser utilizado: a)
tamponamento, podendo chegar a 70% do peso corporal Quando houver acidose e hipercalemia comprovada (Clas-
quando a concentração de bicarbonato cai abaixo de 10 se 1 — considerado tratamento útil e efetivo); b) No trata-
mEq/litro; com bicarbonato menor que 5 mEq/litro, o es- mento de acidose metabólica responsiva a bicarbonato (Clas-
paço pode ser de 100%.29-31 se 2a — existência de evidências favoráveis ao seu uso); e c)
Por exemplo, um paciente de 70 kg tem um bicarbona- Para controle de acidose pós-circulação espontânea em pa-
to de 9 mEq/litro, que se deseja elevar para 15 mEq/litro. rada cardiorrespiratória de longa duração e como coadju-
O espaço de bicarbonato é de 70% e 50% para estas con- vante na parada cardiorrespiratória desencadeada por an-
centrações, respectivamente. Considere então como espa- tidepressivos tricíclicos (Classe 2b — tratamento não vali-
ço de bicarbonato a média entre 70% e 50%, ou seja, 60%. dado em estudos clínicos, podendo ser útil em alguns do-
Bicnecessário  (Bicdesejado  Bicatual)  espaço do Bic entes e provavelmente sem reações adversas).33
Nas acidoses metabólicas crônicas, o bicarbonato de
Bicnecessário  (15  9)  (0,7  70 kg)  6  49  294 mEq sódio pode ser administrado por via oral.18 No Brasil está
Então, de acordo com este cálculo, cerca de 290 mEq de disponível o bicarbonato de sódio em pó, contendo 12 mEq
álcali (geralmente bicarbonato de sódio intravenoso) po- de bicarbonato e 12 mEq de bicarbonato por grama.
dem ser administrados nas primeiras 4-6 horas. Alguns
autores sugerem que sempre se utilize o valor de 50% para Pontos-chave:
o espaço de bicarbonato, independente do valor do bicar-
bonato plasmático.29 Deve ser assinalado que esta estima- • A acidose metabólica é classificada de
tiva não é exata, e são necessárias avaliações do pH extra- acordo com o hiato iônico, que indica qual a
celular pelo menos 30 minutos após o término da infusão. causa mais provável: hiato iônico  Na 
Com o pH em nível mais seguro, não é mais necessária (HCO3  Cl)
reposição intravenosa, pois os rins serão capazes de rege- Hiato iônico aumentado: acréscimo de ácido
nerar o bicarbonato necessário.30 Hiato iônico normal: perda de bicarbonato
O tratamento da acidose metabólica é controverso, em
• O mecanismo esperado de compensação é a
função dos potenciais efeitos deletérios do bicarbonato
administrado.18 A infusão de grandes quantidades de bi- eliminação de CO2, através de
carbonato de sódio a 8,4% (1 mEq/ml) pode ocasionar hi- hiperventilação
pernatremia, hiperosmolalidade, diminuição da fração • A administração de bicarbonato tem
ionizada do cálcio, hipocalemia e aumento da produção de indicações precisas, e a quantidade é
ácidos orgânicos.26 Outra complicação que ocorre principal- calculada pela fórmula:
mente em pacientes cardiopatas ou nefropatas é a sobre- Bicnecessário  (Bicdesejado  Bicatual)  espaço do
carga de volume ocasionada pelo sódio da solução, que Bic
pode ser evitada ou tratada com o uso de diuréticos de alça,
178 Metabolismo Ácido-Básico

Como alternativa à administração de bicarbonato, que aumentada. Isto ocorre em situações em que existe aporte
tem como inconveniente a produção de CO2, poderia ser adequado de sódio e água aos sítios tubulares distais e
utilizada uma mistura de bicarbonato de sódio com car- aumento dos níveis de aldosterona. Além de estimular a
bonato de sódio (Carbicarb® — ainda não disponível para bomba H-ATPase, a aldosterona estimula a reabsorção de
uso clínico), que gera mais bicarbonato do que CO2; além sódio, tornando a luz tubular mais eletronegativa e mini-
disso, o carbonato de sódio reage com o ácido carbônico, mizando a retrodifusão dos íons hidrogênio para fora da
consumindo o CO2. Esta solução não evita hipervolemia e luz tubular. A secreção distal de potássio também está
hipertonicidade.29 aumentada, resultando em hipocalemia.35
O excesso primário de mineralocorticóides cursa com
alcalose metabólica e freqüentemente com hipertensão
Alcalose Metabólica arterial. Porém, os pacientes com hiperaldosteronismo se-
É a situação clínica em que há pH elevado (alcalino), cundário (p.ex., na cirrose ou insuficiência cardíaca) de
baixa concentração hidrogeniônica, aumento na concentra- modo geral não apresentam alcalose metabólica ou hipo-
ção de bicarbonato e PCO2 elevada. calemia, pois o efeito estimulatório da aldosterona é con-
A alcalose é um distúrbio ácido-básico relativamente trabalançado pelo menor aporte distal de sódio e menor
comum, e sua importância pode ser melhor avaliada quan- volume urinário. Estes fatores reduzem a quantidade de
do se correlacionam mortalidade e grau de alcalose. Em um hidrogênio e potássio na urina final. Se um ânion não
grupo de 177 pacientes cirúrgicos intensamente alcalóticos, reabsorvível (p.ex., penicilina) for administrado na vigên-
verificou-se que, num pH de 7,54 a 7,56, a mortalidade foi cia de depleção de volume, a excreção deste ânion obriga
de 40%, e num pH de 7,65 a 7,7, ela atingiu 80%.34 a perda de H ou K para manter a eletroneutralidade,
levando então a hipocalemia e alcalose metabólica.35
O uso de diuréticos de alça ou tiazídicos produz aumen-
CAUSAS DE ALCALOSE METABÓLICA
to do aporte distal de sódio e água, possibilitando a indu-
Ao se avaliar um paciente com alcalose metabólica, é
ção de excreção aumentada de hidrogênio. Uma diurese
necessário esclarecer dois pontos fundamentais: o motivo
volumosa pode produzir algum grau de depleção, contri-
que levou ao aumento do bicarbonato (fase de geração da
buindo para o desenvolvimento de alcalose metabólica.35
alcalose metabólica) e os fatores que evitaram a excreção
A acidose respiratória crônica leva a um aumento na
de bicarbonato pelos rins, permitindo a persistência da
secreção de hidrogênio, ao mesmo tempo em que o bicar-
alcalose (fase de manutenção)2,35 (v. Quadros 11.4 e 11.5).
bonato do plasma aumenta, para normalizar o pH (meca-
nismo de compensação). Mas quando se reduz abrupta-
GERAÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA mente a PCO2 (p.ex., em ventilação mecânica), desenvol-
Perda de Hidrogênio ve-se alcalose metabólica, por não ter havido tempo para
O íon H pode ser perdido do líquido extracelular atra- os rins eliminarem o excesso de bicarbonato. Nesta situa-
vés do trato gastrintestinal, dos rins ou por um desvio para ção, podem desenvolver-se graves anormalidades neuro-
o interior das células. Se a perda for maior que o ganho de lógicas, pois o pH no cérebro aumenta rapidamente com a
ácido proveniente da dieta e catabolismo, ocorrerá um diminuição da PCO2. Estas complicações justificam a ne-
aumento da concentração plasmática de bicarbonato. O cessidade de redução gradual da PCO2 em pacientes com
Quadro 11.4 mostra as diversas situações clínicas em que acidose respiratória crônica.35
esta perda de H pode ocorrer. DESVIO DO HIDROGÊNIO PARA O INTRACELU-
PERDA GASTROINTESTINAL DE Hⴙ. Em indivídu- LAR. O desvio do íon hidrogênio para o espaço intracelu-
os normais, a secreção de ácido pelo estômago não leva a lar pode ocorrer na hipocalemia (v. Cap. 12). Com o obje-
alcalose metabólica, pois esta perda de hidrogênio equili- tivo de repor o potássio do espaço extracelular, a hipoca-
bra-se com uma perda de bicarbonato nas secreções pan- lemia induz a saída do potássio do intracelular; para man-
creáticas. Porém, quando o suco gástrico é eliminado atra- ter a eletroneutralidade, o hidrogênio entra nas células,
vés de vômitos ou drenagem gástrica por sondas, há ten- diminuindo os níveis plasmáticos e aumentando o pH.
dência para alcalose metabólica por dois motivos: perda
pura do hidrogênio e ausência de estímulo para a secre- Adição de Bicarbonato ao Líquido Extracelular
ção de bicarbonato. Quando se perde hidrogênio, a reação A administração de bicarbonato ou seus precursores,
do sistema ácido carbônico-bicarbonato gera HCO3, de tais como lactato, citrato ou acetato, num ritmo maior que
forma que para cada mEq de hidrogênio perdido é gerado a produção diária de ácido elevará os níveis plasmáticos
1 mEq de bicarbonato.2 de bicarbonato. Se a função renal for normal, uma carga
de bicarbonato é quase toda excretada, causando pequena
CO2  H2O ↔ H2CO3 ↔ H  HCO3
variação no pH (v. Quadro 11.5). Porém, se a capacidade
PERDA RENAL DE Hⴙ. É possível haver perda renal de excreção renal for ultrapassada, a alcalose metabólica
de hidrogênio quando a secreção distal deste íon estiver se estabelece.
capítulo 11 179

A síndrome de Bartter é uma desordem rara, diagnosti-


Quadro 11.5 Etiologia e classificação da alcalose
cada principalmente em crianças, e que causa hipocalemia
metabólica
e alcalose metabólica resistente ao cloreto (v. próximas
Responsiva ao cloreto (cloro urinário menor que seções). Os pacientes apresentam cloro urinário elevado,
10 mEq/L) alcalose metabólica, hiperplasia do aparelho justaglome-
a) Distúrbios gastrointestinais rular (inespecífica), gradiente transtubular de potássio ina-
• Vômitos propriadamente alto e hiperaldosteronismo hiper-
• Drenagem gástrica
• Adenoma viloso do cólon reninêmico, sem hipertensão arterial. É causada por uma
• Cloridorréia congênita alteração na função do co-transportador potássio/cloreto.37
b) Uso de diuréticos A síndrome de Gitelman tem características semelhan-
c) Correção de hipercapnia crônica tes à síndrome de Bartter, porém com hipomagnesemia e
d) Fibrose cística
hipocalciúria. É causada por alteração na função do co-
Resistente ao cloreto (cloro urinário maior que transportador sódio/cloreto no túbulo contornado distal.37
20 mEq/L)
a) Excesso de mineralocorticóide
• Hiperaldosteronismo MANUTENÇÃO DA ALCALOSE METABÓLICA
• Síndrome de Cushing Como já foi mencionado, normalmente os rins são ca-
• Síndrome de Bartter pazes de excretar os excessos de bicarbonato. Portanto,
• Alcaçuz para que uma alcalose metabólica persista, é necessária a
b) Hipocalemia
presença de dois grupos de anormalidades: 1) Perda con-
Adaptado de Shapiro, J.I.18 tinuada de hidrogênio, desvio transcelular de hidrogênio,
administração de bicarbonato ou alcalose de contração; e
2) Aumento na reabsorção renal de bicarbonato ou dimi-
Outro fato a ser considerado é que o lactato (na acidose nuição na secreção distal de bicarbonato.35
láctica) e o beta-hidroxibutirato (na cetoacidose diabética) Em presença de função renal normal, o aumento ou
regeneram bicarbonato quando são metabolizados. Nestas manutenção da reabsorção de bicarbonato pelos rins se
duas circunstâncias, a administração de bicarbonato exó- deve a pelo menos um dos seguintes fatores: a) Depleção
geno representaria um excesso de álcali, resultando em do volume circulante efetivo; b) Depleção de cloro; c) Hi-
alcalose metabólica. pocalemia, e d) Hipoventilação e hipercapnia.35
O citrato utilizado em anticoagulação para hemodiáli- Estes fatores acima mencionados são responsáveis pela
se em pacientes com risco de sangramento, ou na anticoa- manutenção da alcalose metabólica, pois impedem a atu-
gulação de hemoderivados, pode também ser convertido ação dos mecanismos renais fisiológicos de eliminação de
a bicarbonato. A administração de mais de oito unidades maiores quantidades de bicarbonato que levariam à nor-
de sangue estocado ou plasma fresco congelado produz malização do bicarbonato no plasma. O esclarecimento de
este efeito.35 qual o fator envolvido auxilia na classificação das alcaloses
metabólicas e no planejamento terapêutico posterior.
Perda de Líquido Contendo Grandes
Quantidades de Cloro Volume Extracelular
Quando se perde sódio, cloro e pouco bicarbonato, como A depleção de volume aumenta a reabsorção de sódio
ocorre na administração de diurético de alça, há contração e o resgate de bicarbonato no túbulo proximal. No túbulo
do extracelular com aumento relativo na concentração do distal, também ocorre um aumento na reabsorção de só-
bicarbonato. dio (mediada por mineralocorticóide) em troca da secre-
Em certas situações, porém, há perda de fluidos mui- ção de H ou K. Com um aumento da secreção de H,
to ricos em cloro. São exemplos disso a perda de secreções ocorre regeneração de bicarbonato.
gástricas em pacientes com acloridria, a diarréia no ade- Um aumento na reabsorção distal de sódio também
noma viloso do cólon e cloridorréia congênita (esta última pode ocorrer na ausência de depleção de volume extrace-
um defeito raro na reabsorção intestinal de cloro e secre- lular, devido a um excesso de mineralocorticóide, como no
ção de bicarbonato, com diarréia crônica). Note que gran- hiperaldosteronismo primário. A elevada reabsorção dis-
de parte dos adenomas vilosos do cólon, que constituem tal de sódio pode gerar e manter uma concentração eleva-
5% dos pólipos intestinais e que têm potencial de malig- da de bicarbonato se os hormônios mineralocorticóides
nidade, produzem acidose metabólica hiperclorêmica, estimularem a secreção de H.18
pela perda de grandes volumes de fluido contendo po-
tássio e bicarbonato. Cerca de 10-20% destes tumores têm Deficiência de Cloro
um padrão secretor diverso, com secreção preferencial de Para que seja mantida a eletroneutralidade, quando a
cloro.36 concentração plasmática de bicarbonato se eleva, a con-
180 Metabolismo Ácido-Básico

centração de cloro deve reduzir-se. Porém, com a perda de de elevação até 60-75 mmHg em indivíduos normais. De-
sódio, e conseqüente contração do volume extracelular, o vido a estes fatores, a compensação respiratória na alcalo-
estímulo para restaurar o volume extracelular supera o se metabólica é menos intensa que na acidose metabólica.
estímulo para aumentar a excreção de bicarbonato. O pa-
pel do cloro é crucial nesta situação, pois é o único outro Correção Renal
ânion, além do bicarbonato, que pode acompanhar a rea- O rim é responsável pela terceira fase do mecanismo de
bsorção de sódio. Portanto, para se elevar ou manter a reab- defesa do pH. O rim tem a capacidade de eliminar o ex-
sorção de sódio enquanto simultaneamente se eleva a ex- cesso de bicarbonato, a não ser que outros fatores compro-
creção de bicarbonato, um ânion reabsorvível (cloro) pre- metam esta capacidade renal (v. a seguir). Esta eliminação
cisa estar presente para acompanhar a reabsorção de só- de base é bem mais rápida que a capacidade renal de ex-
dio. Se há deficiência de cloro, os rins reabsorvem outro cretar H.
ânion, o bicarbonato, perpetuando a alcalose metabólica.18
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Depleção de Potássio Na maioria das vezes, os sinais e sintomas da enfermi-
É um fator importante na origem e manutenção da al- dade básica dominam o quadro clínico e dificilmente po-
calose metabólica. Com a saída de potássio das células, derão ser separados. Não há sintomas ou sinais patogno-
aumenta a concentração de H intracelular, inclusive nas mônicos. A avaliação do espaço extracelular fornece dados
células tubulares renais. Havendo mais H para secreção,
muito importantes. Num paciente depletado, com defici-
maior será o resgate de bicarbonato. Além disso, em pre-
ência de potássio, a causa provável da alcalose metabólica
sença de hipocalemia, as bombas H-K-ATPase (que pro-
é a perda renal (diuréticos) ou gastrintestinal (vômitos).
movem reabsorção de potássio e secreção de hidrogênio)
Além destes sintomas, há os referentes à hipocalemia, como
e a síntese de NH3 são estimuladas, resultando em elimi-
fraqueza ou paralisia muscular, distensão abdominal, íleo
nação de maiores quantidades de H, na forma de NH4.18,35
e arritmias cardíacas, poliúria e aumento da produção de
amônia (que aumenta o risco de encefalopatia em hepa-
Hipoventilação e Hipercapnia topatas).38 Um extracelular expandido, com hipertensão
Da mesma forma que a depleção de potássio, a hipercap- arterial e hipocalemia, leva à suspeita de hiperaldostero-
nia aumenta a concentração intracelular de H disponível nismo.37
para secreção e, portanto, para resgate de bicarbonato. O elevado risco de intoxicação digitálica, intervalo QT
prolongado e ondas U são complicações conhecidas da
MECANISMOS DE DEFESA DO pH NA alcalose. A resistência vascular cerebral é sensível à PCO2
ALCALOSE METABÓLICA e a hipocapnia é uma potente força vasoconstritora cere-
Com a elevação do bicarbonato plasmático por um dos bral. Um fluxo sanguíneo cerebral reduzido pode justifi-
três mecanismos básicos já mencionados, os mecanismos car muitos sinais e sintomas neurológicos observados,
de defesa do organismo entram em ação, na tentativa de como cefaléia, convulsões, letargia, delirium e estupor.38
normalizar o pH.
DADOS LABORATORIAIS
Sistema Tampão O padrão diagnóstico no sangue arterial é elevação do
A fase de tamponamento é controlada pelo imediato pH, da concentração de bicarbonato e PCO2. O padrão ele-
tamponamento químico. Aproximadamente 1/3 do exces- trolítico é de hipocloremia e hipocalemia. A hipocalemia é
so de bicarbonato é tamponado pelo H intracelular, que basicamente conseqüente à perda urinária de potássio que
sai das células para o líquido extracelular. Exemplo disto se deve a uma elevada secreção distal.
é a saída de lactato das células musculares, para tamponar Como o mecanismo de compensação da alcalose é a re-
o espaço extracelular. tenção de CO2 através de hipoventilação, em alguns casos
observa-se hipóxia, dependendo da função pulmonar pré-
Compensação Respiratória via do paciente.
A segunda fase do mecanismo de defesa do pH é con- A concentração urinária de cloro é muito útil na avalia-
trolada pelo sistema respiratório. Para que o pH retorne ao ção inicial da alcalose metabólica. Concentração de cloro
normal, em face de uma elevação na concentração de bi- numa amostra de urina inferior a 10 mEq/litro indica que
carbonato, a PCO2 deve ser elevada. Isto ocorre através da o rim está reabsorvendo sódio avidamente, compatível
hipoventilação alveolar, com retenção de CO2 e elevação com situações associadas à depleção de volume e que res-
da PCO2. O grau de compensação é limitado pelas neces- pondem à infusão de cloreto de sódio (“sensíveis” ao clo-
sidades de O2, já que a pO2 será reduzida com a hipoventi- reto de sódio) (v. a seguir).
lação. O limite superior de elevação compensatória da Concentração urinária de cloro superior a 20 mEq/litro
PCO2 é geralmente aceito como 55 mmHg, mas há relatos demonstra que não há depleção de volume e que o cloro
capítulo 11 181

não é um elemento crucial na manutenção da alcalose; este da no bicarbonato plasmático (mEq/L). O objetivo do tra-
perfil geralmente corresponde às alcaloses resistentes ao tamento com HCl é reverter uma alcalose grave, e inicial-
cloreto de sódio. O sódio urinário não é útil nestas circuns- mente deve-se calcular uma correção parcial do bicarbo-
tâncias porque pode estar elevado durante períodos de nato, e não total. Pode-se preparar uma solução isotônica
bicarbonatúria. de HCl adicionando-se 150 ml de ácido clorídrico 1 N em
Como a alcalemia estimula a glicólise anaeróbica e au- 1 litro de água destilada. A infusão de 1 a 2 litros desta
menta a produção de ácido láctico e cetoácidos, pode ha- solução, em 24 horas, corrige a alcalose na maioria dos
ver moderada elevação no anion gap. casos.36 (Obs: solução 0,1-0,2 N é a solução contendo 100-
A alcalemia aguda reduz a liberação de oxigênio para 200 mEq de hidrogênio por litro.)38
os tecidos, por aumentar a afinidade entre oxigênio e he- O HCl deve ser administrado em ambiente de terapia
moglobina. A alcalemia crônica anula este efeito, aumen- intensiva, por cateter em veia cava ou outra veia central de
tando a concentração de ácido 2,3 difosfoglicérico nas he- grande calibre, sendo a posição do cateter necessariamen-
mácias.38 te confirmada por RX, já que a administração de HCl fora
do vaso provocaria repercussões dramáticas.36 A velocida-
TRATAMENTO de de infusão pode chegar a 25 ml/hora. Recentemente
Pelo exposto, fica evidente a necessidade de serem cor- Knutsen mostrou a possibilidade de se administrar, atra-
rigidos os mecanismos que impedem os rins de excretarem vés de uma veia periférica, ácido clorídrico 0,15 N em uma
quantidades maiores de bicarbonato. Abordaremos o tra- solução de aminoácidos e emulsão lipídica.39
tamento da alcalose metabólica de acordo com sua classi- Alternativas ao HCl são: o cloreto de amônio (NH4Cl) e
ficação. a arginina mono-hidrocloreto. O cloreto de amônio (374
mEq de hidrogênio por litro) pode ser administrado por
Alcalose Metabólica Responsiva ao Cloreto veia periférica, em quantidade não superior a 300 mEq nas
Apesar de a correção do déficit de cloreto ser essencial, 24 horas; é contra-indicado na insuficiência renal ou hepá-
a seleção do cátion que o acompanha em solução (sódio, tica.36 A arginina mono-hidrocloreto (475 mEq de H por
potássio ou próton) depende do estado do espaço extrace- litro) pode causar hipercalemia grave em pacientes com
lular, da presença e do grau de depleção de potássio asso- insuficiência renal, principalmente se houver doença he-
ciada, e do grau e reversibilidade de qualquer diminuição pática concomitante.38
da taxa de filtração glomerular. Quando a função renal é Se a taxa de filtração glomerular for adequada, o uso de
normal, ao se repor cloreto o excesso de bicarbonato será acetazolamida, que é um diurético inibidor da anidrase
eliminado pelos rins.36 carbônica, na dose de 250-500 mg via oral ao dia aumenta
Se existe depleção de cloreto e do extracelular concomi- significativamente a excreção renal de bicarbonato e potás-
tantemente (que é a situação mais comum), a administra- sio. É benéfico para pacientes que tenham sobrecarga de
ção de solução salina isotônica (NaCl 0,9%) é adequada e volume e particularmente útil para os pacientes em que se
corrige os dois déficits. Em presença de sinais de depleção necessita manter eliminação de sódio ou quando o potássio
do extracelular, a quantidade a ser administrada está em estiver elevado. Se não houver hipocalemia, é aconselhável
torno de 3-5 litros de solução salina isotônica. Porém, se não a reposição de potássio, pela alta probabilidade de se desen-
há sinais de depleção do extracelular, o déficit de cloro volver hipocalemia na vigência de diurese alcalina.18,36
pode ser calculado pela fórmula: 0,2  peso (kg)  aumen- Caso não haja resposta renal após a repleção de cloro ou
to desejado no cloreto plasmático (mEq/litro). for necessária diálise para o controle da insuficiência re-
As perdas continuadas de cloro e potássio devem ser nal, a diálise corrigirá a alcalose metabólica. Porém, se só
calculadas e acrescentadas à reposição. Como se instala estiverem disponíveis os líquidos de diálise com altas con-
diurese alcalina com a correção do cloreto, recomenda-se centrações de bicarbonato ou seus precursores, pode ser
acrescentar 10-20 mEq de potássio por litro de solução realizada diálise peritoneal de emergência com solução
administrada, para evitar que se some uma hipocalemia.36 salina isotônica, sendo a manutenção de potássio, cálcio e
Na presença de sobrecarga de volume, está contra-in- magnésio feita pela via intravenosa.36
dicada a reposição de grandes quantidades de volume No caso de a alcalose ser conseqüência de perdas conti-
contendo sódio; então repor cloreto sob forma de cloreto nuadas de suco gástrico, são úteis os antieméticos. Na al-
de potássio, em doses de 10-20 mEq. calose da gastrocistoplastia, a administração de um inibi-
O HCl é indicado se o NaCl ou KCl não puderem ser dor da bomba de prótons, como o omeprazol, bloqueará a
usados, ou se houver necessidade de correção imediata, por secreção gástrica na neobexiga.
exemplo, se o pH for maior que 7,55, ou na presença de
encefalopatia hepática, arritmia cardíaca, intoxicação digi- Alcalose Metabólica Resistente ao Cloreto
tálica ou alteração do estado mental. A quantidade neces- Quando a hipocalemia estiver associada com uma alca-
sária de HCl, administrado como solução 0,1 ou 0,2 M, é lose discreta a moderada, a administração de 40-60 mEq
calculada pela fórmula: 0,5  peso (kg)  redução deseja- de KCl quatro vezes ao dia é de modo geral suficiente. No
182 Metabolismo Ácido-Básico

entanto, se estiver presente arritmia cardíaca ou situação patias) ou enfermidades pulmonares (asma, enfisema etc.).
de ameaça à vida, o KCl pode ser administrado na propor- O denominador comum é uma hipoventilação alveolar,
ção de 40 mEq/hora, em concentrações não superiores a que pode ser causada por uma simples obstrução das vias
60 mEq/litro, sob monitorização eletrocardiográfica. A aéreas superiores. V. Quadro 11.6.
glicose deve ser inicialmente omitida da solução de repo-
sição, pois a secreção de insulina pode diminuir ainda mais CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS
a concentração de potássio. Uma vez iniciada a reposição Clinicamente, há uma diferença entre o estabelecimen-
de potássio, a presença de glicose na solução auxilia na to rápido e o gradual da retenção de CO2. Os pacientes se
repleção celular de potássio.36 adaptam melhor quando a elevação é gradual.
Quando a causa for um excesso de mineralocorticóide, A retenção de CO2 pode causar confusão mental, tremor
o tratamento é dirigido à remoção cirúrgica da fonte ou do tipo flapping e coma. O único sinal clínico fidedigno de
bloqueio da mesma. Os efeitos do mineralocorticóide so- hipercapnia é a demonstração de PCO2 elevada no sangue.
bre o sódio, o potássio e o bicarbonato podem ser reverti- A PCO2 venosa é geralmente 6 mmHg mais elevada que a
dos com a espironolactona, diurético poupador de potás- arterial.
sio. Além disso, podem ser úteis a restrição de sódio e o
acréscimo de potássio na dieta.36 CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS
Nas síndromes de Bartter e Gitelman, o principal obje- Observando-se a equação de Henderson-Hasselbalch,
tivo do tratamento é diminuir a perda urinária de potás- fica claro que, para o organismo manter o pH sanguíneo,
sio. Na síndrome de Bartter, os inibidores da enzima con- a concentração plasmática de bicarbonato deve variar.
versora reduzem a produção de angiotensina II e diminu- Os tampões celulares desempenham o papel principal
em a secreção de aldosterona. Como a síntese de prosta- na resposta a alterações agudas da concentração de CO2.
glandinas está elevada nesta síndrome, e pode contribuir Quando a PCO2 aumenta, aumenta também a concentra-
para as perdas de sódio, cloro e potássio, inibidores da ção de H2CO3, e, portanto, a concentração de H. O H
prostaglandina sintetase podem melhorar a alcalose me-
tabólica. Na síndrome de Gitelman, os diuréticos poupa-
dores de potássio e a suplementação dietética de potássio
Quadro 11.6 Causas de acidose respiratória
são necessários.36
(aguda e crônica)

Pontos-chave: Acidose respiratória aguda


a) Anormalidades neuromusculares
• A alcalose metabólica apresenta as fases de • Lesão neurológica (tronco, medula alta)
• Síndrome de Guillain-Barré, miastenia gravis
geração e manutenção. Na fase de • Drogas
manutenção a eliminação de bicarbonato b) Obstrução de vias aéreas
pelos rins está prejudicada • Corpo estranho
• Edema ou espasmo de laringe
• Classificação: responsiva ou resistente ao • Broncoespasmo grave
cloreto c) Desordens tóraco-pulmonares
• O tratamento se baseia na correção de: • Tórax instável
• Pneumotórax
Espaço extracelular • Pneumonia grave
Deficiência de potássio • Inalação de fumaça
Deficiência de cloro • Edema pulmonar
d) Doença vascular pulmonar
• Em casos graves, pode ser necessária a • Embolia pulmonar maciça
administração de ácido clorídrico e) Ventilação mecânica controlada
• Parâmetros inadequados (freqüência, volume
corrente)
Acidose Respiratória • Espaço morto aumentado

Ocorre quando há uma retenção de CO2 (hipercapnia) Acidose respiratória crônica


no organismo e traduz-se por uma elevação da PCO2 no a) Anormalidades neuromusculares
• Paralisia diafragmática
sangue. Isto ocorre quando a produção de CO2 nos tecidos • Síndrome de Pickwick
excede a capacidade de remoção pelos pulmões. b) Desordens tóraco-pulmonares
• Doença pulmonar obstrutiva crônica
CAUSAS • Cifoescoliose
• Doença pulmonar intersticial terminal
Mais comumente são distúrbios neuromusculares (le-
sões do sistema nervoso central, da parede torácica e mio- Baseado em Kaehny W.D.43
capítulo 11 183

entra na célula em troca por Na e K e é tamponado pelas etc.), estados infecciosos (septicemias), estados hipermeta-
proteínas celulares, deixando o bicarbonato no líquido bólicos (febre, delirium tremens), insuficiência hepática, es-
extracelular. Este tamponamento celular é responsável por tados conversivos, etc.43
aproximadamente 50% do aumento agudo na concentra-
ção plasmática de bicarbonato.40 CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS
Ao mesmo tempo, parte do CO2 entra na hemácia, for- Clinicamente, a hiperventilação pulmonar, além das
mando H2CO3, o qual, dissociando-se, libera H e HCO3. manifestações clínicas da enfermidade básica, pode ser
O íon H é tamponado pela hemoglobina, e o bicarbonato acompanhada de outros sintomas e sinais, possivelmente
entra no líquido extracelular em troca de cloro. Este meca- relacionados com o pH do sangue, circulação cerebral e
nismo é responsável por aproximadamente 30% do aumen- nível de cálcio iônico: parestesias nas extremidades e re-
to agudo na concentração plasmática de bicarbonato. No gião perioral, alteração na consciência e espasmos
homem, a magnitude do aumento na concentração de bi- carpopedais.
carbonato plasmático é pequena, sendo inferior a 5 mEq
quando a PCO2 aumenta gradualmente de 40 para 80 mm CONSEQÜÊNCIAS FISIOLÓGICAS
Hg.40,41 Quando há redução da PCO2 (hipocapnia), ocorrem re-
Quando a hipercapnia continua, a capacidade de tam- ações em sentido inverso ao daquelas que mencionamos
ponamento se esgota rapidamente. A necessidade de com- durante retenção de CO2. Os tampões intracelulares libe-
pensação leva a um aumento na excreção de H e na reab- ram H e trocam cloro e bicarbonato na direção oposta.40
sorção e produção de bicarbonato. Estes processos causam redução do bicarbonato plasmáti-
Schwartz e cols. mostraram, em cães expostos a uma co. Geralmente, esta redução é da ordem de 7-8 mEq/L
atmosfera de CO2, que o rápido aumento que ocorria nas quando a PCO2 é reduzida de 40 para 15 mmHg. Há tam-
primeiras 24 horas no bicarbonato plasmático não se acom- bém redução do limiar de reabsorção renal de bicarbona-
panhava de um aumento na excreção urinária de H. Mas, to e retenção de cloro pelo rim.
entre três e seis dias, o bicarbonato plasmático continuava
aumentando, até atingir um platô. O autor, então, demons- TRATAMENTO
trou que este último aumento no bicarbonato estava asso- É dirigido ao distúrbio que originou a hiperventilação
ciado a um aumento na excreção urinária de H, sob a for- alveolar. No entanto, a PCO2 pode ser rapidamente eleva-
ma de NH4, e, durante esta fase, o rim restaurou os tam- da, fazendo-se o paciente respirar uma mistura de gás car-
pões celulares e extracelulares consumidos durante a fase bônico a 5%, ou aumentando o espaço morto e diminuin-
aguda, gerando novo bicarbonato (v. Fig. 11.9).42 Portanto, do o volume-minuto quando em uso de ventilador.
na retenção crônica de CO2, o limiar da reabsorção de bi-
carbonato está elevado, assim como há uma excreção ele-
vada de cloro. É preciso mencionar que, no homem com Distúrbios Ácido-básicos Mistos
retenção crônica de CO2, não há uma compensação com-
Chamamos distúrbio ácido-básico misto à ocorrência de
pleta.
dois ou mais distúrbios ácido-básicos simultaneamente no
mesmo paciente. Assim, as desordens combinadas podem
TRATAMENTO mascarar umas às outras, resultando em pH relativamen-
É dirigido à causa da hipoventilação alveolar. Exemplo: te normal. Distúrbios ácido-básicos graves podem passar
desobstrução das vias aéreas superiores, alívio do bronco- despercebidos, a menos que uma abordagem passo a pas-
espasmo do asmático, etc. so seja utilizada na avaliação das gasometrias.44

Alcalose Respiratória DIAGNÓSTICO DOS DISTÚRBIOS


ÁCIDO-BÁSICOS
Ocorre quando há uma redução de CO2 no organismo e História clínica e exame físico completos devem ser rea-
traduz-se por uma diminuição da PCO2 no sangue. Esta lizados, verificando antecedentes de perdas fluidas, uso de
situação é conhecida como hipocapnia e é o resultado de medicamentos e estado do espaço extracelular. Verifique
uma hiperventilação alveolar. os valores encontrados na gasometria (arterial ou venosa)
e compare com os valores normais (Quadro 11.7).
CAUSAS Alguns autores sugerem que, antes de iniciar a avalia-
Qualquer condição que estimule a ventilação pulmonar ção dos resultados da gasometria, seja verificada a valida-
poderá ocasionar uma redução da PCO2. Exemplos: dor, de interna dos dados obtidos, através da fórmula de
ansiedade, salicilatos, tumores cerebrais ou acidentes vas- Henderson: [H]  24  PCO2/[HCO3]. A concentração
culares encefálicos, estados de hipóxia (cardiopatias cianó- hidrogeniônica (em mEq/litro) para cada pH é encontra-
ticas, altitudes, insuficiência cardíaca congestiva, anemia da no Quadro 11.8. Os valores intermediários podem ser
184 Metabolismo Ácido-Básico

Quadro 11.7 Valores normais para a gasometria em sangue arterial e venoso

pH HCO3 PCO2 pO2

Sangue arterial 7,35-7,45 22-26 mEq/litro 35-45 mmHg 80-100 mmHg

Sangue venoso 0,05 unidade menor igual ao arterial 6 mmHg maior 50% menor

Obtido de Kratz, A.52

Quadro 11.8 pH e concentração hidrogeniônica correspondente

pH 6,80 6,90 7,00 7,10 7,20 7,30 7,40 7,50 7,60 7,70 7,80

[H] 160 125 100 80 63 50 40 32 26 20 16

calculados por interpolação. Caso não haja correspondên- Como o pH está normal neste caso, os diagnósticos pos-
cia entre a [H] e o pH, há erro na medida de uma das síveis seriam uma alcalose metabólica (bicarbonato ele-
variáveis, no registro dos dados, ou ainda, as amostras vado) ou acidose respiratória (PCO2 elevada).46
foram obtidas em momentos diferentes.45 2) Aplicar as fórmulas para verificar se a compensação
está adequada (Quadro 11.10).
ROTEIRO PARA INTERPRETAÇÃO DOS Uma vez identificado um distúrbio, a aplicação da fór-
DISTÚRBIOS ÁCIDO-BÁSICOS mula específica permite identificar se um segundo distúr-
bio está presente. A pergunta deve ser: a compensação está
1) Primeira etapa: através do pH, PCO2 e HCO3ⴚ, identi- adequada para o que era previsto? Por exemplo: para as
ficar a desordem mais aparente (Quadro 11.9). desordens metabólicas, qual deveria ser a PCO2 após a
a) Se pH menor que 7,35  acidemia = acidose metabólica compensação. Para as desordens respiratórias, qual deve-
ou acidose respiratória. ria ser a concentração de bicarbonato após a compensação?
Se o HCO3 estiver baixo, é uma acidose metabólica. Se As fórmulas mostram aproximadamente a compensação
a PCO2 estiver alta, é uma acidose respiratória. esperada. Se a compensação não foi consistente com o que
b) Se pH maior que 7,45  alcalemia  alcalose metabóli- se previa, então um segundo distúrbio está presente.46
ca ou alcalose respiratória. Uma medida auxiliar no diagnóstico dos distúrbios áci-
Se o HCO3 estiver alto, é uma alcalose metabólica. Se a do-básicos é o mapa ácido-básico idealizado por Arbus (v.
PCO2 estiver baixa, é uma alcalose respiratória. Fig. 11.11).47
c) Se o pH estiver normal (7,35-7,45), mas o HCO3 e/ou a 3) Calcular o anion gap.
PCO2 estiverem alterados, verificar qual deles está mais Isto permite classificar a acidose metabólica, como foi
anormal. Por exemplo, pH  7,40; PCO2  60; HCO3 discutido anteriormente. Anion gap entre 16 e 20 pode ser
 36. Tanto a PCO2 como o HCO3 estão alterados. causado por outras situações, além da acidose metabólica.

Quadro 11.9 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: identificação da desordem mais evidente,
através do pH, PCO2 e HCO3

Distúrbio pH PCO2 HCO3

Acidose metabólica Diminuído Diminuída (secundária) Diminuído (primário)

Alcalose metabólica Aumentado Aumentada (secundária) Aumentado (primário)

Acidose respiratória Diminuído Aumentada (primária) Aumentado (secundário)

Alcalose respiratória Aumentado Diminuída (primária) Diminuído (secundário)

Adaptado de Preston, R.A.46


capítulo 11 185

Quadro 11.10 Roteiro de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos: aplicar as fórmulas para verificar se a
compensação está adequada

Acidose metabólica PCO2  1,5  [HCO3]  8 ou


 [HCO3]  1,2   [CO2]
Variação aceita nos distúrbios simples: 2 mEq/litro

Alcalose metabólica PCO2  40  0,7  [HCO3 atual  HCO3 normal]


Variação aceita nos distúrbios simples: 5 mEq/litro

Acidose respiratória Aguda: [HCO3] aumenta 1 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2

Crônica: [HCO3] aumenta 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2

Alcalose respiratória Aguda: [HCO3] diminui 2 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2

Crônica: [HCO3] diminui 5 mEq para cada 10 mmHg de queda na PCO2

Adaptado de Preston, R.A.46

Valores acima de 30 sempre significam acidose metabóli- Observação: Os elementos BE (base excess) e BD (base defi-
ca com anion gap aumentado. Para valores acima de 20, cit) da gasometria refletem o excesso de álcalis na alcalose
existe alta probabilidade de ser acidose metabólica com e a falta de bases na acidose metabólica. Valores normais:
anion gap aumentado.46 BE  2 mEq/L; BD  2mEq/L. Na alcalose metabóli-

BICARBONATO
mEq/l

PCO2 (mmHg)

Fig. 11.11 Mapa ácido-básico. A área central (N) representa a área de normalidade. Conhecendo-se pelo menos duas das variáveis
(PCO2, pH e HCO3), traça-se uma linha pelos respectivos valores, e o ponto de encontro de duas linhas indica o distúrbio ácido-
básico e a variação normal de compensação que pode ocorrer. Se o ponto de encontro das linhas cair fora das áreas sombreadas, as
chances são de que o paciente tenha um distúrbio ácido-básico misto. (Obtido de Arbus, G.S.47)
186 Metabolismo Ácido-Básico

ca encontramos valor positivo de BE e valor negativo de Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose me-
BD. Na acidose metabólica, valor negativo de BE e valor tabólica? PCO2  (1,5  10)  8  23
positivo de BD. Não julgamos aconselhável utilizar os con- Então, a PCO2 esperada seria de 23 mmHg, e está em 35,
ceitos de déficit ou excesso de base como ferramenta prin- ultrapassando em muito a variação aceitável. O pa-
cipal de diagnóstico dos distúrbios ácido-básicos. De fato, ciente deveria ter tido uma hiperventilação suficien-
entre 152 pacientes estudados por Fencl e colaboradores, te para que sua PCO2 caísse até 23 mmHg, mas ela
o BE deixou de diagnosticar distúrbio ácido-básico grave permaneceu em torno de 35. Podemos concluir que
em 1/6 dos pacientes.48 o paciente hipoventilou, e não eliminou CO2. Então,
o distúrbio que apresenta é uma acidose metabólica
ALGUNS EXEMPLOS com acidose respiratória.
Etapa 3: Anion gap 14. Portanto, o anion gap está nor-
Exemplo 1 mal.
Paciente com os seguintes valores na gasometria arteri- Diagnóstico final: Acidose mista, metabólica e respira-
al: tória, com anion gap normal.
pH  7,15; HCO3  6 mEq/litro; PCO2  18 mmHg
Na  135 mEq/litro; Cl  114 mEq/litro; K  4,5 Exemplo 3
Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo = acidose pH  7,15; HCO3  6 mEq/litro; PCO2  12 mmHg
metabólica (não é necessário calcular o AG neste exemplo)
Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose me- Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo  acidose
tabólica? PCO2  (1,5  6)  8  17 metabólica
Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em 18. Etapa 2: Qual deveria ser a PCO2 para esta acidose me-
Como os valores estão muito próximos e a variação não é tabólica? PCO2 = (1,5  6)  8  17
superior a 2 mmHg, consideramos que se trata de uma Então, a PCO2 esperada seria de 17 mmHg, e está em
acidose metabólica pura (simples). 12. Este valor ultrapassa a variação aceitável. A hiper-
Etapa 3: Anion gap  [Na]  [Cl  HCO3] 135  ventilação estimulada pela acidose metabólica deveria
(114  6)  15. Portanto, o anion gap está normal. ter permitido que a PCO2 chegasse a 17, porém, o que
Diagnóstico final: Acidose metabólica simples, com ocorreu foi uma variação acima da esperada, por hiper-
anion gap normal. ventilação. Portanto, o distúrbio que o paciente apresen-
ta é misto: uma acidose metabólica com alcalose respi-
Exemplo 2 ratória.
pH  7,08; HCO3  10 mEq/litro; PCO2  35 mmHg. Diagnóstico final: Distúrbio misto (acidose metabólica
Anion gap  14 e alcalose respiratória).
Etapa 1: Com pH baixo e bicarbonato baixo  acidose No Quadro 11.11, você encontra resumidos alguns
metabólica exemplos de distúrbios ácido-básicos.

Quadro 11.11 Quadro gasométrico resumido dos principais distúrbios ácido-básicos

Hiato
pH PCO2 [HCO3] [Cl] [Na] iônico

Normal 7,40 40 24 100 140 20

Acidose metabólica com hiato iônico normal 7,32 29 14 111 140 20

Acidose metabólica com hiato iônico aumentado 7,32 29 14 100 130 30

Alcalose metabólica 7,63 49 36

Acidose respiratória aguda 7,21 70 27

Acidose respiratória crônica 7,35 70 38

Alcalose respiratória aguda 7,63 20 20

Alcalose respiratória crônica 7,50 20 15

Adaptado de Zatz.20
capítulo 11 187

20. ZATZ, R.; MALNIC, G. Distúrbios do equilíbrio ácido-base. In: Zatz,


EXERCÍCIOS R. Fisiopatologia Renal, pp. 209-244, Atheneu, 2000.
21. ROSE, B.D.; POST, T.W.; NARINS, R.G. Causes of lactic acidosis. Up
Nos exercícios a seguir, avalie os dados clínicos e laboratoriais, e uti- To Date, v.9, n.3, 2001.
lizando o roteiro sugerido, responda: a) Qual o distúrbio ácido-básico? 22. ROSE, B.D. D-Lactic acidosis. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
b) Qual a compensação esperada? c) Qual o hiato iônico? 23. ROSE, B.D. Alcoholic and fasting ketoacidosis. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
24. NARINS, R.G. Introduction to metabolic acidosis, Part 1, 2 and 3.
1) pH  7,54; PCO2  53; HCO3  42; Na  141; K  3,1; Cl  88. American Society of Nephrology Board Review Course, sep. 1998
2) pH  7,27; PCO2  26; HCO3  12; Na  142; K  3,6; Cl  100. (www.hdcn.com).
3) pH  7,10; PCO2  20; HCO3  11; Na  140; K  3,8; Cl  110. 25. PRESTON, R.A. Metabolic Acidosis. In: Acid-base, Fluids, and
4) pH  7,54; PCO2  32; HCO3  16; Na  141; K  3,1; Cl  Electrolytes Made Ridiculously Simple, pp. 97-115, MedMaster Inc., 1997.
88. Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Fre- 26. ADROGUÉ, H.J.; MADIAS, N.J. Disorders of acid-base balance. In: Schrier,
qüência respiratória: 32 mrm. R.W. Atlas of Kidney Diseases (on line - http://www.kidneyatlas.org/),
5) pH  7,18; PCO2  65; HCO3  48; Na  137; K  4,3; Cl  Blackwell Science, 1999.
95. Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumo- 27. POST, T.W.; ROSE, B.D. Approach to the patient with metabolic
nia. Creatinina  4,5 mg/dl. acidosis. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
28. OH, M.S. e CARROL, H.J. Current concepts: the anion gap. New Engl.
J. Med., 297:814, 1977.
29. ADROGUÉ, H.J.; MADIAS, N.E. Management of life-threatening
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS acid-base disorders. Part I. N. Engl. J. Med., 38(1):26-34, 1998.
30. ROSE, B.D. Treatment of metabolic acidosis. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
1. GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Regulation of acid-base balance. In: 31. GARELLA, S. e col. Severity of metabolic acidosis as a determinant
Guyton, A.C.; Hall, J.E. (eds) Textbook of Medical Physiology, pp. 385- of bicarbonate requirements. New Engl. J. Med., 289:121, 1973.
403, W.B. Saunders, 1996. 32. POSNER, J.B. e PLUM, F. Spinal fluid pH and neurologic symptoms
2. ROSE, B.D.; RENNKE, H.G. Acid-base physiology and metabolic in systemic acidosis. New Engl. J. Med., 277:605, 1967.
alkalosis. In: Renal Pathophysiology — The Essentials, pp. 123-151, 33. MATTAR, J.A. Bicarbonato de sódio na parada cardiorrespiratória.
Williams & Wilkins. Rev. Soc. Cardiol. Est. São Paulo, 1997;1.
3. VALTIN, H.; SCHAFER, J.A. H balance. In: Valtin, H.; Schafer, J.A. 34. WILSON, R.F. e col. Severe alkalosis in critically ill surgical patients.
Renal Function, pp.183-133. Arch Surg., 105:197, 1972.
4. RECTOR Jr, F.C. Renal acidification and ammonia production; 35. BLACK, R.M.; ALFRED, H.J.; FAN, P.Y.; STOFF, J.S. Metabolic alka-
chemistry of weak acids and bases; buffer mechanisms. Cap. 9, p. losis. In: Rose & Black’s Problems in Nephrology, pp. 64-73, Little, Bro-
318. In: The Kidney. Eds. B.M. Brenner e F.C. Rector Jr. W.B. Saun- wn and Co., 1996.
ders Co. 1976. 36. GALLA, J.H. Metabolic alkalosis. J. Am. Soc. Nephrol., 11:369-375,
5. SCRIBNER, B.H. Teaching Syllabus for the Course on Fluid and Eletrolyte 2000.
37. DuBOSE, T., Jr. Metabolic alkalosis. American Society of Nephrology
Balance. University of Washington, 7th revision, 1969.
Board Review Course, sep. 1998 (www.hdcn.com).
6. CHAPMAN, W.H. e col. The Urinary System. An integrated approa-
38. ADROGUÉ, H.J.; MADIAS, N.E.; Management of life-threatening
ch. W.B. Saunders Co. 1973.
acid-base disorders. Part 2. N. Engl. J. Med., 38(2):107-111, 1998.
7. ROSE, B.D.; POST, T.W. Acids and bases. Up To Date, v.9, n.3, 2001.
39. KNUTSEN, O.H. New method for administration of hydrochloric
8. SEGURO, A.C.; MAGALDI, A.J.B.; HELOU, C.M.B.; MALNIC, G.;
acid in metabolic alkalosis. Lancet, 2:953, 1983.
Zatz, R. Processamento de água e eletrólitos pelos túbulos renais.
40. RASTEGAR, A. e THIERS, S.O. Physiologic consequence and bodily
In: Zatz, R. Fisiopatologia Renal, pp. 71-96, Atheneu, 2000.
adaptations to hyper- and hypocapnia. Chest., 62:283, 1972.
9. BRENNER, B.; COE, F.L.; RECTOR, F.C. Acid base homeostasis. In:
41. BRACKETT, N.C. e col. Carbon dioxide titration in man. New Engl.
Brenner, B.; Coe, F.L.; Rector, F.C. Renal Physiology in Health and
J. Med., 272:6, 1965.
Disease, pp. 112-131. W.B. Saunders Co, 1987.
42. SCHWARTZ, W.B. e col. The response of extracellular hydrogen ion
10. BIDANI, A.; DuBOSE, T.D, Jr. Cellular and whole-body acid-base concentration to grade degree of chronic hypercapnia: the physio-
regulation. In: Arieff, A.I.; DeFronzo, R.A. (eds) Fluid, Electrolyte, and logic limit of the defense of pH. J. Clin. Invest., 44:291, 1965.
Acid-base Disorders, pp. 69-103. Churchill, Livingstone, 1995. 43. KAEHNY, W.D. Pathogenesis and management of respiratory and
11. MALNIC, G. e MARCONDES, M. Fisiologia Renal. Pág. 125, Edart- mixed acid-base disorders. In: Schrier, R.W. (ed) Renal and Electro-
São Paulo, 1972. lyte Disorders, pp. 211-230. Little, Brown, 1992.
12. SWAN, R.C. e PITTS, R.F. Neutralization of infused acid by nephrec- 44. MCCURDY, D.K. Mixed metabolic and respiratory acid-base
tomized dogs. J. Clin. Invest., 34:205, 1955. disturbance: diagnosis and treatment. Chest, 62:35S, 1972.
13. RECTOR Jr, F.C. Acidification of the urine. Cap. 14, p. 431. In: Han- 45. FALL, P.A stepwise approach to acid-base disorders. Postgrad. Med.,
dbook of Physiology. Ed. Geiger, S.R. Waverly Press, Inc., Baltimore, 107(3):249-263, 2000.
1973. 46. PRESTON, R.A. Mixed acid-base disorders. In: Acid-base, Fluids, and
14. PITTS, R.F. e ALEXANDER, R.S. The nature of the renal tubular me- Electrolytes Made Ridiculously Simple, pp. 125-143, MedMaster Inc.,
chanism for acidifying the urine. Am. J. Physiol., 144:239, 1945. 1997.
15. CLAPP, J.R. e col. Effects of unreabsorbed anions on proximal and 47. ARBUS, G.S. An in vivo acid-base nomogram for clinical use. Can.
distal transtubular potentials in rats. Am. J. Physiol., 202:781, 1962. Med. Assoc. J., 109:291, 1973.
16. SCHWARTZ, W.B. e col. Effect of chronic hypercapnia on eletrolyte 48. FENCL, V.; JABOR, A.; KAZDA, A.; FIGGE, J. Diagnosis of metabolic
and acid-base equilibrium. II. Recovery with special reference to the acid-base disturbances in critically ill patients. Am. J. Respir. Crit. Care
influence of chloride intake. J. Clin. Invest., 40:1238, 1961. Med., 162(6):2246-51, 2000.
17. ROSE, B.D.; POST, T.W. Renal hydrogen excretion. Up To Date, v.9, 49. MAKOFF, D. L. Acid-base metabolism. Cap. 8, p. 297. In: Clinical Di-
n.3, 2001. sorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Eds. M.H. Maxwell e C.R.
18. SHAPIRO, J.I.; KAEHNY, W.D. Pathogenesis and management of Kleeman. McGraw-Hill Book Co., 1972.
metabolic acidosis and alkalosis. In: Schrier, R.W. (ed). Renal and 50. PITTS, R.F. Physiology of the Kidney and Body Fluids, 3rd Edition. Year
Electrolyte Disorders, pp. 161-210. Little, Brown, 1992. Book Medical Publishers Inc., 1974.
19. ROSE, B.D.; RENNKE, H.G. Metabolic acidosis. In: Renal Pathophy- 51. SELDIN, D.W e RECTOR Jr, F.C. The generation and maintenance
siology — The Essentials, pp. 152-168, Williams & Wilkins. of metabolic alkalosis. Kidney Int., 1:306, 1972.
188 Metabolismo Ácido-Básico

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa
씮 acidose metabólica.
http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1 – 06.pdf — b) Compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventi-
Excelente capítulo do Atlas de Doenças Renais on line de lação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta
gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação
Robert Schrier. da alcalose metabólica é adequada: PCO2  1,5  [HCO3]  8 씮
http://www.biology.arizona.edu/biochemistry/ 32  (1,5  11)  8 씮 24,5 17. O mecanismo de compensação
problem – sets/medph/01q.html — Tutorial muito in- foi insuficiente e não reduziu a PCO2 aos níveis esperados. Por-
teressante com perguntas e respostas comentadas. tanto, trata-se de uma acidose mista (acidose metabólica  acido-
se respiratória).
http://perfline.com/cursos/cursos/acbas/acbas.htm — c) Anion gap  Na  (HCO3  Cl) 씮 AG  140 – (11  110) 씮
Revisão geral do equilíbrio ácido-básico e testes. AG  19. O anion gap está normal. Verifique as causas prováveis.
4) pH  7,54; PCO2  32; HCO3  16; Na  141; K  3,1; Cl  88.
Paciente ingeriu 6 g de ácido acetilsalicílico há 12 horas. Freqüência
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS respiratória: 32 mrm.
a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato baixo, PCO2 baixa 씮
alcalose respiratória.
1) pH  7,54; PCO2  53; HCO3  42.
b) Compensação esperada para a alcalose respiratória é a eliminação
a) Distúrbio ácido-básico: pH alto, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮 al- de bicarbonato e retenção de ácido pelo rim. Aplicando a fórmula
calose metabólica. de alcalose respiratória (aguda) para verificar se a compensação é
b) Compensação esperada para a alcalose metabólica é a hipoventi- adequada: [HCO3] deveria diminuir 2 mEq para cada 10 mmHg
lação alveolar, com aumento na PCO2, como se observa nesta ga- de queda na PCO2. Como a PCO2 caiu 8 mmHg, a concentração
sometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação da de bicarbonato deveria cair para cerca de 22,4 mEq/L. Porém, a
alcalose metabólica é adequada: queda no bicarbonato foi superior, chegando a 16 mEq/L. O me-
(PCO2  40  0,7  [HCO3 atual  HCO3 normal]) 씮 53  40  canismo de compensação foi inadequado, e conclui-se que este
0,7  (42  24) 씮 53  52,6. Portanto, a compensação está dentro paciente apresenta um distúrbio ácido-básico misto: alcalose res-
do que era esperado, e se trata de um distúrbio simples. piratória e acidose metabólica.
c) Anion gap  Na  (HCO3  Cl) 씮 AG  11. c) AG  Na  (HCO3  Cl) 씮 AG  37.
5) pH  7,18; PCO2  65; HCO3  28; Na  137; K  4,3; Cl  95.
2) pH  7,27; PCO2  26; HCO3  12; Na  142; K  3,6; Cl  100.
Paciente enfisematoso, internado com extensa broncopneumonia.
a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato baixo, PCO2 baixa Creatinina  4,5 mg/dl.
씮 acidose metabólica. a) Distúrbio ácido-básico: pH baixo, bicarbonato alto, PCO2 alta 씮
b) A compensação esperada para a acidose metabólica é a hiperventi-
acidose respiratória.
lação alveolar, com diminuição na PCO2, como se observa nesta b) Compensação esperada para a acidose respiratória é a retenção de
gasometria. Aplicando a fórmula para verificar se a compensação bicarbonato pelo rim. Aplicando a fórmula de acidose respirató-
da acidose metabólica é adequada: PCO2  1,5  [HCO3]  8 씮
ria (crônica) para verificar se a compensação é adequada: [HCO3]
26  (1,5  12)  8 씮 26  26. Portanto, a compensação está ade- Deve aumentar 3,5 mEq para cada 10 mmHg de aumento na PCO2.
quada: a acidose estimulou a hiperventilação, reduzindo a PCO2 ao Como a PCO2 aumentou 25 mmHg, o bicarbonato deveria estar
nível que era esperado.
em torno de 32,75. Observe que o bicarbonato elevou-se pouco,
c) Anion gap  Na  (HCO3  Cl) 씮 AG  142 – (12  100) 씮 frente ao que era esperado, talvez devido ao comprometimento de
AG  30. O anion gap está aumentado. Verificar quais as causas função renal que este paciente apresenta. Então, o distúrbio apre-
prováveis.
sentado por ele é uma acidose mista (metabólica  respiratória).
3) pH  7,10; PCO2  32; HCO3  11; Na  140; K  3,8; Cl  110. c) AG  Na  (HCO3  Cl) 씮 AG  14.
Capítulo
Metabolismo do Potássio

12 Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly

INTRODUÇÃO Hormônios adrenocorticais


DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO ORGANISMO Como age a aldosterona?
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA QUANTIDADE DE ADAPTAÇÃO A NÍVEIS ELEVADOS DE POTÁSSIO
POTÁSSIO NO ORGANISMO Adaptação renal ao potássio
Concentração plasmática do potássio Adaptação extra-renal ao potássio
Determinação do potássio total com 40K PAPEL DO BALANÇO ÁCIDO-BÁSICO
Determinação do potássio trocável HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA INSUFICIÊNCIA RENAL
Outros métodos Papel do sistema renina-angiotensina-aldosterona
INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO PLASMÁTICO Excreção gastrintestinal de potássio
FATORES QUE AFETAM A DISTRIBUIÇÃO Tolerância celular ao potássio
TRANSCELULAR DE POTÁSSIO AÇÃO DOS DIURÉTICOS
BALANÇO DO POTÁSSIO DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO METABOLISMO DO POTÁSSIO
Ingesta e excreta Depleção de potássio (hipocalemia)
Excreção renal de potássio Causas de hipocalemia
Transporte tubular renal de potássio Manifestações clínicas
Canais de potássio Diagnóstico diferencial
Túbulo proximal Tratamento da hipocalemia
Ramo descendente da alça de Henle (RDAH) Cálculo do déficit de potássio
Ramo ascendente da alça de Henle (RAAH) Reposição de potássio em algumas situações especiais
Túbulo distal (TD) Excesso de potássio (hipercalemia)
Reciclagem medular de potássio Causas de hipercalemia
Fatores que influenciam a secreção de potássio nos Diagnóstico diferencial
túbulos distal e coletor Manifestações clínicas
SISTEMAS HORMONAIS ATUANTES NA HOMEOSTASIA Tratamento da hipercalemia
DO POTÁSSIO EXERCÍCIOS
Insulina REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Glucagon ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Catecolaminas RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS
190 Metabolismo do Potássio

te transporta o potássio para dentro e o sódio para fora das


INTRODUÇÃO células.4
O papel do potássio intracelular com relação à água é
O potássio é o cátion intracelular mais abundante e sua análogo ao papel do sódio no líquido extracelular, isto é,
influência se faz sentir em vários processos metabólicos da cada um é o principal determinante da osmolalidade do
célula. A função neuromuscular e os potenciais de mem- seu compartimento e a quantidade absoluta de cada um
brana dependem de maneira crítica da relação entre a con- está relacionada com o volume do compartimento intra-
centração de potássio intracelular e extracelular. ou extracelular.5
Em vista disso, os mecanismos que regulam a concen- A facilidade com que se pode determinar a concentra-
tração de potássio devem ser bastante precisos. Embora a ção de sódio no líquido extracelular contrasta com as difi-
concentração de potássio no líquido extracelular seja redu- culdades existentes na determinação direta do potássio
zida, quando comparada com a concentração intracelular, intracelular.
a variação é pequena (3,5 a 5,0 mEq/L). As repercussões
clínicas de pequenas variações nesta concentração extra-
celular de potássio são, no entanto, dramáticas. Cabe ao rim
grande parte da responsabilidade pelo controle da concen- MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DA
tração de potássio. QUANTIDADE DE POTÁSSIO NO
ORGANISMO
DISTRIBUIÇÃO DO POTÁSSIO NO Concentração Plasmática do Potássio
ORGANISMO
Demonstrou-se que há uma correlação entre a quantidade
O potássio total do corpo está em torno de 55 mEq/kg, de potássio no plasma e a quantidade total de potássio no
e portanto, num indivíduo de 70 kg, há aproximadamente organismo de um indivíduo normal.6 Embora alguns es-
3.500 mEq de potássio, sendo pelo menos 90% intracelula- tudos não tenham mostrado uma correlação entre a con-
res1,2 e 10% extracelulares (Fig. 12.1). Porém, apenas 2% do centração plasmática de potássio e o potássio total do orga-
potássio extracelular se encontram no plasma e fluido in- nismo, há muita evidência na literatura que demonstra que
tersticial (50-70 mEq); o restante encontra-se no tecido ós- a concentração plasmática de potássio reflete a quantida-
seo, de onde pode ser mobilizado lentamente.3 de total de potássio no organismo.5
A maior parte do potássio intracelular (em torno de
3.000 mEq) está no interior das células musculares, o que Determinação do Potássio Total com 40K
não implica um acúmulo relativo de potássio no músculo,
mas apenas reflete a preponderância da massa muscular A administração de potássio radioativo (40K) permite a
em relação à massa corporal. detecção externa de toda a radiação emitida pelo 40K pro-
A acentuada diferença de concentração entre os espa- veniente do corpo.7 Por este método, chegou-se à conclu-
ços intracelular e extracelular é mantida pela bomba iôni- são de que o potássio total do homem está em torno de 55
ca sódio-potássio-ATPase (Na-K-ATPase), que ativamen- mEq/kg, e o da mulher, em torno de 49 mEq/kg.1 A dife-

Fig. 12.1 Distribuição do potássio num adulto pesando 70 kg. Observe que a maior parte do potássio está contida nas células mus-
culares. (Obtido de Black, D.A.K.1)
capítulo 12 191

rença deve-se ao fato de as mulheres possuírem maior


Quadro 12.1 Alterações no potássio sérico
quantidade de tecido adiposo e menor massa muscular.
Distribuição transcelular alterada
1. Ácido-básico
Determinação do Potássio Trocável* a. Acidose: para cada 0,1 unidade de pH que cai, o
potássio se eleva em 0,6 mEq/L
O potássio trocável representa 92 a 99% do potássio to- b. Alcalose: para cada 0,1 unidade de pH que sobe, o
tal e refere-se ao potássio que se mobiliza com mais facili- potássio diminui em 0,1 mEq/L
dade. O método baseia-se na administração de uma quan- 2. Insulina
tidade conhecida de 42K, e, após um período de equilíbrio, 3. Aldosterona
a concentração de 42K, multiplicada pela dose administra- 4. Agentes ␤-adrenérgicos (epinefrina)
da, fornece o potássio trocável.
Alteração das reservas de potássio
1. Depleção — 1 mEq/L de redução para um déficit de
200-300 mEq
Outros Métodos 2. Retenção — 1 mEq/L de aumento reflete um excesso
de 200 mEq
A determinação do potássio total ou trocável não nos
permite saber a concentração intracelular de potássio. Para Modificado de Tannen, R.L. Manual of Nephrology. Edit. Robert Schrier.
isto haveria necessidade de determinar a água do organis- Little, Brown and Co., 1981.

mo e o volume do compartimento extracelular.5 Estas de-


terminações são difíceis e não muito precisas. Felizmente,
existem outras maneiras de expressar os dados de potás- Quadro 12.2 Depleção de potássio: algumas causas
sio: o potássio do organismo pode ser relacionado com o gastrintestinais
peso do indivíduo (v. Quadro 12.2), com a sua massa cor-
Diarréia
poral sem gordura e com a altura e excreção de creatinina. Fezes líquidas: cólera, síndrome de Zollinger-Ellison
Além disso, há métodos de análise tissular. A biópsia Fezes formadas: esteatorréia, pós-gastrectomia
de músculo é útil, pois o músculo contém aproximadamen-
Secreção de tumores: adenoma viloso
te 60% do potássio do organismo, e uma estimativa do Exsudato inflamatório: colite ulcerativa
potássio muscular total dá uma idéia grosseira do potás- Vômito e diarréia: gastroenterite
sio total do organismo.5 Vômito: estenose pilórica
A determinação do potássio intracelular em eritrócitos Aspiração gástrica contínua
e leucócitos também tem sido utilizada para a estimativa Fístulas: biliar, pancreática, gastrocólica
Outras: abuso de purgativos, enemas
do potássio total.
Os vários métodos existentes refletem as dificuldades Modificado de Black, D.A.K.1
encontradas pelos investigadores.

de referência era essencial, pois que alterações no potássio


INTERPRETAÇÃO DO POTÁSSIO total, per se, não tinham significado. Exemplificavam com
o paciente em jejum, que perde potássio mas não se torna
PLASMÁTICO deficiente em potássio porque, ao mesmo tempo, destrói
massa protéica (devido ao jejum). O ponto de referência
Scribner e Burnell desenvolveram a idéia de que deple-
escolhido foi denominado capacidade total do potássio (total
ção e excesso de potássio devem ser definidos em face das
potassium capacity)§ e refere-se à soma de todos os ânions e
alterações do potássio total do organismo, tomando-se um
outros grupos químicos fora do líquido extracelular e ca-
ponto de referência.8 Os autores acreditavam que um ponto
pazes de reter íons K⫹ ou ligarem-se a estes. A capacidade
do potássio teria vários componentes (v. Fig. 12.2). As cé-
lulas musculares contribuiriam com a maior parcela, além
*A determinação da massa de eletrólitos no corpo está intimamente rela-
cionada com a determinação do volume dos líquidos no corpo. Quando do fígado, glicogênio, hemácias e ossos.
se administra sódio ou potássio radioativo, eles são diluídos pelos isóto- Desta maneira, define-se depleção de potássio como uma
pos, que ocorrem normalmente no corpo. Alguns eletrólitos do corpo diminuição do potássio total em relação à capacidade do
estão em solução e se equilibram rapidamente com os eletrólitos marca-
potássio. Exemplo: depleção de potássio devido a perdas
dos por substâncias radioativas. Outros eletrólitos estão incorporados em
fáscias, tendões, ossos etc. e se equilibram mais lentamente com os ele- gastrintestinais ou renais, sem ingesta adequada (v. Fig.
trólitos marcados. Isto dificulta o cálculo da massa total de determinado 12.2).
eletrólito. A massa de eletrólito que se equilibra ou se troca rapidamente
com o eletrólito marcado é denominada massa trocável ou permutável. Daí
as expressões sódio ou potássio trocável, de troca ou permutável. É óbvio que §
O termo capacidade total do potássio talvez não traduza com fidelidade o
a massa trocável será sempre inferior à massa total do organismo.7 significado do termo total potassium capacity.
192 Metabolismo do Potássio

Fig. 12.2 Diagrama ilustrando as relações entre o potássio total e a capacidade do potássio. (Modificado de Chapman, W.H. e cols.44)

Define-se excesso de potássio como um aumento na rela- c) Aldosterona: modifica a excreção urinária de potássio.
ção potássio total/capacidade do potássio. Como os rins Deficiência de aldosterona provoca retenção de potás-
normalmente excretam rapidamente um excesso de potás- sio e aumento do potássio no extracelular.
sio, a causa mais comum de excesso de potássio é uma d) Agentes adrenérgicos: por exemplo, a epinefrina pro-
diminuição da capacidade do potássio e não um aumento move a entrada de potássio nas células.
no potássio total. O exemplo representativo seria aquele do Se nenhum dos fatores acima estiver atuando, a concen-
paciente com insuficiência renal aguda. O paciente geral- tração sérica de potássio reflete o potássio total. Para se ava-
mente não se alimenta, de forma que o potássio total per- liar a magnitude da depleção a partir do potássio sérico,
manece constante, pois o rim cessou a excreção. No entan- podemos utilizar a seguinte regra prática: a redução de 1
to, devido ao jejum, ele passa a destruir a sua massa celu- mEq/L no potássio sérico corresponde a uma perda apro-
lar em busca de fontes de energia, consome as reservas de ximada de 200-300 mEq do potássio total. Uma outra ma-
glicogênio e, assim, reduz a sua capacidade do potássio neira de se interpretar a magnitude do déficit leva em con-
(Fig. 12.2). sideração o nível sérico de potássio: nível sérico entre 2,5 e
Quando existe um quadro de caquexia ou jejum prolonga- 3,5 mEq/L significa aproximadamente uma redução de 10%
do, não há depleção de potássio, pois o potássio total e a capa- (200-400 mEq) no potássio total. Este déficit geralmente não
cidade do potássio decrescem simultaneamente (Fig. 12.2). acarreta sintomas e pode ser manejado com reposição oral
Entretanto, como veremos a seguir, existem fatores que de potássio. Nível sérico inferior a 2,5 mEq/L indica 15-20%
afetam a distribuição transcelular de potássio, sem altera- ou mais de depleção do potássio total (400-700 mEq) e pode
rem a quantidade total de potássio no organismo. exigir uma reposição mais agressiva, dependendo das ma-

FATORES QUE AFETAM A Pontos-chave:


DISTRIBUIÇÃO TRANSCELULAR • Potássio normal ⫽ 3,5-5,0 mEq/L
DE POTÁSSIO • O nível de potássio no sangue deve ser
avaliado com base na capacidade calêmica
a) Estado ácido-básico: a acidose determina a saída de total
potássio das células, enquanto a alcalose age no senti- • O potássio pode redistribuir-se entre os
do inverso, determinando redução na concentração sé- compartimentos extra- e intracelular e vice-
rica do potássio. A isto chamamos desvio iônico. versa, de acordo com o estado ácido-básico,
b) Insulina: promove a entrada de potássio nas células. De-
insulina e estímulo adrenérgico
ficiência de insulina aumenta o potássio no extracelular.
capítulo 12 193

H⫹ H⫹ H⫹ guma excreção também ocorre nos segmentos proximais,


H⫹ H⫹ H⫹ enquanto alguma reabsorção ocorre no ducto coletor. Cerca
H⫹
H⫹ H⫹ de 65% do potássio filtrado são reabsorvidos no túbulo
proximal, e 25-30% na alça de Henle, principalmente no
K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹ K⫹
K⫹ ramo ascendente espesso. Como estes segmentos tubula-
K⫹ res mais proximais executam principalmente processos de
K⫹ K⫹
K⫹ reabsorção de potássio, a maior parte da variação em sua
K⫹ excreção é causada por ajustes na secreção nos segmentos
tubulares mais distais (como os túbulos distais e túbulos
ACIDOSE ALCALOSE
coletores).2
앗0,1 pH ⫽앖K 0,6 mEq/L 앖0,1 pH ⫽앗K 0,1 mEq/L

Fig. 12.3 Desvio iônico do potássio em presença de acidose e al- Transporte Tubular
calose. Na acidose, para cada 0,1 de queda no pH, há uma eleva-
ção de 0,6 mEq/L no potássio sérico. Na alcalose, para cada 0,1 Renal de Potássio
de aumento no pH, o nível do potássio sérico cai 0,1 mEq/L.
CANAIS DE POTÁSSIO
Sabe-se atualmente que o movimento passivo de íons e
água através de membranas biológicas é facilitado por um
nifestações clínicas. É difícil imaginar-se o déficit quando o
grupo de proteínas conhecidas como canais. Canal de íon
nível sérico é inferior a 1,8-2,0 mEq/L. Em caso de hiperca-
é definido como uma proteína transmembrana com um
lemia, um aumento de 1 mEq/L no potássio sérico reflete
orifício ou poro através do qual os íons podem passar por
pelo menos 200 mEq de excesso de potássio total.
eletrodifusão.
Canais de potássio (K⫹) constituem um grupo de prote-
ínas de membrana que facilitam o movimento passivo (gui-
BALANÇO DO POTÁSSIO ado pelo gradiente eletroquímico para K⫹) de K⫹ através
de membranas celulares. Um ou mais tipos de canais de
Ingesta e Excreta K⫹ podem ser detectados em virtualmente todas as célu-
las de mamíferos. Os canais de K⫹ que se abrem e fecham
Normalmente, a quantidade diária de potássio ingeri- em resposta a alterações na voltagem da membrana são
da varia entre 50 e 150 mEq. A quantidade de potássio chamados de canais voltagem-dependentes (Kv). Uma
excretada pela pele através do suor é pequena, cerca de 16 subclasse de canais Kv necessita de cálcio para ativação e
a 18 mEq/L. A excreção de potássio nas fezes é da ordem são conhecidos como maxicanais K⫹. Recentemente veri-
de 5 a 10 mEq por dia, mas perdas consideráveis ocorrem ficou-se que canais Kv têm um papel crucial na regulação
nas diarréias, esteatorréias e com uso de laxantes.1 da contração vascular da musculatura lisa e portanto na
Em vista da pequena excreção cutânea e intestinal de resistência vascular periférica e pressão arterial.
potássio, é óbvio que a maior responsabilidade pela excre- Os íons K⫹ atravessam as membranas fundamentalmen-
ção do potássio cabe ao rim.2 te por dois mecanismos: via canais ou carregadores. A força
propulsora do movimento de potássio através do canal é
a diferença de potencial eletroquímico. O transporte de
Excreção Renal de Potássio potássio mediado por carregador envolve a ligação com uma
A excreção renal de potássio depende de três processos: proteína específica carregadora, e a alteração na conforma-
a) taxa de filtração glomerular do potássio (que é igual ção desta proteína é necessária para atravessar a barreira
à taxa de filtração glomerular ⫻ concentração plasmática celular.
de potássio); b) taxa de transporte de potássio do lúmen Embora a importância fisiológica de canais Kv não possa
tubular para o sangue (reabsorção), e c) taxa de transporte ser imediatamente óbvia no epitélio renal, está claro que
do potássio do sangue para o lúmen tubular (secreção). Em vários destes genes se expressam no rim e que os Kv po-
condições habituais, a taxa de filtração do potássio é man- dem ter um papel na secreção de potássio no ducto cole-
tida constante, e a maior parte do potássio excretado não tor cortical e na reciclagem de K na medula interna.9
resulta do processo de filtração glomerular, e sim do pro-
cesso de secreção tubular. Em circunstâncias em que a taxa TÚBULO PROXIMAL
de filtração glomerular está reduzida, como a insuficiên- Após a filtração, 60-65% do potássio no líquido tubular
cia renal, pode haver acúmulo de potássio com graves re- são reabsorvidos no túbulo contornado proximal. O túbu-
percussões clínicas.2 lo proximal funciona como um epitélio de baixa resistên-
De maneira geral, as porções iniciais do nefro reabsor- cia, onde ocorre uma extensa reabsorção de água, sódio,
vem potássio e as mais distais o secretam. No entanto, al- potássio e outros íons. Duas forças passivas promovem
194 Metabolismo do Potássio

CARGA FILTRADA RAMO ASCENDENTE DA ALÇA


600-700 MEQ/DIA
DE HENLE (RAAH)
Está bem estabelecido que a reabsorção de potássio atra-
vés da membrana luminal se faz contra um gradiente ele-
REABSORÇÃO DE K⫹ troquímico e através de um mecanismo de co-transporte,
60-70% SECREÇÃO DE K⫹ de tal forma que um Na⫹, um K⫹ e dois Cl⫺ são translocados
simultaneamente. Este processo eletricamente neutro cons-
INICIAL MÉDIA FINAL titui o transporte ativo secundário de potássio. A força

promotora origina-se da extrusão ativa de sódio através da
K Túbulo distal
REABSORÇÃO membrana baso-lateral da célula. A saída de potássio da
Túbulo proximal 20-30% SECREÇÃO célula se faz pela membrana baso-lateral e pode ser por
DE K⫹
Túbulo difusão através de canais de potássio ou acoplado a íons
coletor cloro via um co-transportador KCl.

TÚBULO DISTAL (TD)


A porção do túbulo distal responsável pela secreção de
EXCREÇÃO
URINÁRIA potássio parece estar restrita à parte final do segmento
90 mEq/dia entre a mácula densa e a confluência de dois túbulos dis-
tais: a parte mais distal do TD e o túbulo coletor cortical. A
Fig 12.4 Reabsorção tubular de potássio nos diferentes segmen-
tos do nefro. Adaptado de DeFronzo, R.A.; Smith, J.D.47 parte convoluta do TD (parte inicial) não participa funcio-
nalmente do transporte de potássio.
Há dois tipos de células no túbulo distal que participam
do transporte de potássio: as células principais (claras), mais
numerosas e responsáveis pela reabsorção e secreção de
reabsorção transepitelial de potássio: a) o movimento de potássio, e as células intercaladas (escuras), que regulam a
líquido através de junções intercelulares provoca um ar- reabsorção de potássio e a secreção de íons H⫹.4
rasto de potássio no mesmo sentido (solvent drag effect); b) A célula principal transporta o K⫹ através da membra-
uma força eletroquímica, determinada por uma diferença na baso-lateral pela atividade Na-K-ATPase. O movimen-
de potencial transepitelial que varia de valores positivos to preferencial do K⫹ se faz para o lúmen, e isto ocorre pela
no túbulo proximal, favorecendo a reabsorção, a valores eletrodifusão de sódio do lúmen para a célula pela mem-
negativos nos segmentos distais (túbulo coletor), favore- brana apical. A secreção de potássio pode ser poderosa-
cendo a secreção de potássio. Desta forma, ocorre uma re- mente influenciada por qualquer coisa que altere a entra-
absorção passiva por eletrodifusão.4 da de sódio (íons) na célula através da membrana apical.
Além destas forças passivas, há evidência de uma via A aldosterona aumenta a condução de sódio pela membra-
transcelular ativa para reabsorção de potássio. Esta infor- na apical, aumentando secundariamente a secreção e a
mação deriva de experimentos em que a reabsorção de lí- saída de potássio.
quido e sódio é marcadamente reduzida e a reabsorção de Um segundo tipo de reabsorção de potássio está nos
potássio continua. ductos coletores medulares. É possível que o transporte de
A saída de potássio da célula para o líquido peritubu- potássio e hidrogênio esteja ligado neste local. A estimu-
lar e capilar peritubular é exclusivamente passiva. Isto lação da secreção de H⫹ aumenta o potencial positivo do
ocorre pelo gradiente eletroquímico e pela alta permeabi- lúmen, aumentando a reabsorção passiva de potássio, e
lidade da membrana celular baso-lateral. vice-versa.

RAMO DESCENDENTE DA ALÇA RECICLAGEM MEDULAR DE POTÁSSIO


DE HENLE (RDAH) Há evidência recente de que é diferente o transporte de
Atualmente, acredita-se que o potássio seja secretado no potássio entre os nefros superficiais (corticais) e os profun-
líquido tubular neste segmento do nefro. Jamison e cols. dos (justamedulares). A base da alça de Henle contém mais
mostraram que, no final deste segmento, a quantidade de K⫹ do que está presente no filtrado glomerular. Há evidên-
potássio excede a filtrada e concluíram que este potássio cia de que este K⫹ adicionado à alça de Henle provém do
secretado provém do potássio absorvido no ramo ascen- ducto coletor medular. Desta forma, o K sofre uma recicla-
dente da alça de Henle (v. a seguir) e que o ritmo de secre- gem na medula renal, similar ao que ocorre com a uréia. A
ção depende do gradiente existente entre o interstício me- alta concentração medular de K origina um gradiente que
dular e o lúmen tubular. Portanto, o mecanismo de trans- favorece a secreção passiva de potássio na pars recta e ramo
porte parece ser passivo.10 fino descendente da alça de Henle. A reciclagem de K
capítulo 12 195

proporciona ótimas condições para o nefro distal excretar f) Modificações agudas no estado ácido-básico: a alcalo-
K. Quando ocorre uma alta ingesta de K, a urina deve ex- se aguda aumenta e a acidose aguda diminui a secre-
cretar o excesso. Assim, a alta concentração de K no ducto ção de potássio. É possível que com elevações na con-
coletor não se dissipa para o interstício devido à alta con- centração de íons H⫹ (acidose) haja diminuição da ati-
centração de K na medula. vidade da Na-K-ATPase das células, gerando acúmulo
de potássio no extracelular. O pH ácido pode também
FATORES QUE INFLUENCIAM A SECREÇÃO aumentar a permeabilidade celular à saída de potássio.
DE POTÁSSIO NOS TÚBULOS DISTAL E Nas células principais, isto ocasiona redução na secre-
ção, sendo o resultado final uma retenção de potássio.
COLETOR
Nas alcaloses, o movimento de potássio é do extracelu-
a) Ingesta de potássio: a secreção de potássio aumenta lar para o intracelular, levando à hipocalemia.3,4
quando o potássio dietético é elevado e diminui quan-
do este é reduzido. O efeito do aporte de potássio sobre
a secreção é mediado por alterações na concentração Pontos-chave:
plasmática de potássio, aumentando ou diminuindo a • A principal forma de excreção do potássio é
atividade da enzima sódio-potássio-ATPase da mem-
através de secreção nos segmentos mais
brana baso-lateral. Além disso, a elevação dos níveis de
distais do nefro
potássio estimula a secreção de aldosterona, que aumen-
ta a secreção de potássio.2,4 • A excreção renal de potássio sofre a
b) Fluxo de líquido tubular distal e concentração intra- influência dos níveis plasmáticos do íon,
celular: se o fluxo é maior, aumenta a secreção de po- aldosterona, fluxo tubular e estado ácido-
tássio.3 Porém, a secreção depende também da concen- básico
tração intracelular de potássio: mesmo que haja um
aumento de fluxo tubular, se a concentração intracelu-
lar de potássio for baixa, não há aumento em sua secre-
ção.4,11 SISTEMAS HORMONAIS
c) Aporte de sódio aos segmentos distais: como já men- ATUANTES NA HOMEOSTASIA
cionamos, a concentração de sódio intraluminal a esse
nível pode potencialmente modificar o ritmo de secre-
DO POTÁSSIO
ção de potássio. A entrada de sódio pela membrana lu-
A regulação da concentração do potássio extra- e intra-
minal das células principais diminui a negatividade in-
celular e da sua excreção pelo rim parece estar sob a influ-
tracelular, favorecendo a secreção de potássio. Com o ência de vários sistemas hormonais. E eles se inter-relaci-
aumento da concentração intracelular de sódio, aumenta onam de maneira a garantir a existência de um mecanis-
também a atividade da sódio-potássio-ATPase baso-la-
mo de segurança contra falhas. Se ocorrer elevação dos
teral, o que aumenta o potássio intracelular e aumenta
níveis de potássio, todo o sistema é acionado, procurando
sua secreção. Então, quando a concentração de sódio do
reduzir sua concentração.
TCD aumenta, a secreção de potássio também aumen-
ta.12 Isto explica por que situações em que existe aumen-
to da oferta de sódio às porções finais do túbulo distal Insulina
(por exemplo, uso de diuréticos) podem levar a um dé-
ficit de potássio.3 Quando se remove o sódio do lúmen, A insulina provoca a entrada de potássio para den-
a secreção de potássio diminui.12 tro das células, de modo independente de sua ação so-
d) Aldosterona: é um hormônio produzido pelas glându- bre o metabolismo da glicose.3 Este efeito se deve à ca-
las adrenais; influencia diretamente alguns dos princi- pacidade da insulina de ativar a Na-K-ATPase, aumen-
pais determinantes da secreção de potássio, tais como tando a concentração intracelular de potássio e diminu-
concentração de potássio intracelular, permeabilidade indo a de sódio. A interação insulina-receptor também
da membrana luminal ao potássio e diferença de poten- ativa um contratransportador Na⫹-H⫹, que resulta em
cial transepitelial4 (v. adiante). entrada de sódio na célula e que estimula ainda mais a Na-
e) Ânions não absorvíveis na luz tubular: o gradiente K-ATPase, com os efeitos já descritos. Além disso, a hiper-
transepitelial distal é lúmen-negativo devido à contínua calemia aguda estimula a liberação de insulina pelo pân-
reabsorção ativa de sódio; a presença de ânions como creas.3,13
bicarbonato, sulfato e fosfato ajuda a manter negativa a Há muito tempo já se reconhecia que a administração
diferença de potencial elétrico entre luz e interstício, de glicose reduzia a concentração de potássio no plasma e
favorecendo a secreção de potássio. Quanto mais nega- na urina. Hoje, sabe-se que a insulina liberada pela hiper-
tivo o gradiente, maior é a secreção de potássio.3,4 glicemia promove a transferência de potássio para muitos
196 Metabolismo do Potássio

tecidos, sobretudo fígado e músculo esquelético. Esta ca- do pâncreas. A insulina, por sua vez, causa a entrada de
pacidade da insulina em transferir potássio para dentro das potássio nas células.
células pode ser clinicamente observada durante o trata- Com a estimulação ␤-adrenérgica há passagem de po-
mento da cetoacidose diabética e tem uma extraordinária tássio para dentro das células do músculo esquelético. As
importância prática na terapêutica da hipercalemia.13,14 implicações são as seguintes:14
Uma discreta hipercalemia num indivíduo normal é 1.º) Alguns agentes que possuem atividade estimuladora
acompanhada de uma liberação de insulina. Isto faz pres- de receptor ␤-adrenérgico podem ser úteis no trata-
supor que um indivíduo com deficiência de insulina seria mento da hipercalemia aguda;
mais propenso a desenvolver hipercalemia. Porém, os 2.º) Agentes ␤-bloqueadores como o propranolol, que evi-
mecanismos de defesa contra uma hipercalemia não de- tam a entrada de potássio no músculo esquelético,
pendem só da insulina, mas também de aldosterona, a qual podem ser úteis em estados hipocalêmicos nos quais
tem uma ação mais retardada. A implicação prática des- a entrada de potássio no músculo está acelerada. Exem-
ta inter-relação é a propensão de pacientes diabéticos a plo: paralisia periódica.
desenvolverem hipercalemia quando recebem uma dro- 3.º) Pacientes que recebem ␤-bloqueadores podem desen-
ga que interfere com a ação da aldosterona, tipo triamte- volver hipercalemia, pelo menos em cinco situações:
rene.14,15 deficiência de insulina, insuficiência renal, exercício,
Assim como a alteração no metabolismo dos carboidra- administração de KCl e quando ingerem simultanea-
tos provoca mudanças no metabolismo do potássio, o in- mente drogas que interferem com a ação da aldoste-
verso é também verdadeiro. Há evidências na literatura de rona, tipo espironolactona.
que uma deficiência de potássio compromete o metabolis-
mo dos carboidratos. Demonstrou-se que o uso de diuré- A infusão endovenosa de epinefrina ou nor-epinefrina
ticos tiazídicos, em pacientes com curva anormal de tole- pode causar uma hipercalemia aguda transitória que pa-
rância à glicose, era capaz de causar diabetes mellitus sinto- rece ocorrer por liberação de potássio do fígado.18 A epi-
mático.14,16 Esta intolerância à glicose que se desenvolve em nefrina aumenta a produção de glucagon pelas células alfa
pacientes que recebem tiazídicos pode ser corrigida com do pâncreas e estimula a produção de glicose pelo fígado.
Ambos os mecanismos podem estimular a liberação de
suplementação de potássio. A implicação prática é de que
insulina, a qual, como já mencionamos, é capaz de reduzir
uma intolerância aos carboidratos clinicamente importan-
o potássio plasmático.
te associada a diuréticos ocorre mais provavelmente em
A estimulação α-adrenérgica causa efeitos opostos, po-
pacientes diabéticos ou com diabetes mellitus latente. Tal-
dendo originar hipercalemia pela saída de potássio das
vez pela deficiência de insulina, pode não haver hipocale-
células e inibição da liberação de insulina pelo pâncreas.12
mia, o que pode levar o médico a não suspeitar de um dé-
ficit de potássio.
Hormônios Adrenocorticais
Glucagon A aldosterona é um dos mais potentes mineralocorticói-
des naturais e tem uma participação importantíssima na
A administração de doses farmacológicas de glucagon
regulação da quantidade de sódio e potássio no organis-
pode causar hiperglicemia e hipercalemia agudas. O glu-
mo. Este hormônio, atuando nos túbulos renais, aumenta
cagon tem efeito glicogenolítico potente, responsável pela
a reabsorção de sódio e a secreção de potássio. Embora as
hiperglicemia. A hipercalemia é proveniente da liberação
ações sejam opostas, o balanço de sódio permanece está-
de potássio pelo fígado.17
vel, mesmo quando a ingesta de potássio varia muito, e
vice-versa.
Catecolaminas Um aumento de 0,3 mEq/L na concentração de potás-
sio é suficiente para produzir um aumento significativo na
Os efeitos das catecolaminas na concentração de potás- secreção de aldosterona.19,20 A administração de potássio
sio do espaço extracelular são complexos e dependem do aumenta a secreção de aldosterona, ao passo que a deple-
tipo de receptor estimulado. ção a diminui. Além dos níveis de potássio, outro fator de
Os estímulos aos receptores ␤2-adrenérgicos estimulam estímulo à síntese de aldosterona pelas adrenais são os
o movimento de potássio para dentro das células, prova- níveis de angiotensina II.
velmente via Na-K-ATPase, podendo causar hipocale- A depleção de volume ou de sódio ativa a secreção de
mia.3,13 Este mecanismo pode envolver um aumento no renina pelas células dos aparelhos justaglomerulares dos
AMP cíclico e, como resultado, fosforilação e ativação da rins. A renina age sobre um substrato plasmático chama-
sódio-potássio-ATPase. As catecolaminas também podem do angiotensinogênio, convertendo-o em angiotensina I, o
atuar de modo indireto, estimulando a glicogenólise, que qual, sob o efeito da enzima conversora no pulmão, con-
leva a hiperglicemia e liberação de insulina pelas células β verte-se em angiotensina II. Esta estimula a secreção de
capítulo 12 197

aldosterona, que causa secreção tubular de potássio e reab- da secreção urinária deste íon. Da mesma forma, na insu-
sorção de sódio, restaurando a volemia, a qual inibe o es- ficiência renal crônica, os nefros remanescentes aumentam
tímulo inicial para produção de renina. Como se pode a sua capacidade de excretar potássio.21
observar, estes fatores não atuam isoladamente, e o con-
junto recebe o nome de sistema renina-angiotensina-aldoste-
rona (SRAA).2,13 Adaptação Renal ao Potássio
Uma concentração elevada de potássio estimula a secre- Em vista do que mencionamos acima, concluímos que
ção de aldosterona, a qual, atuando nos túbulos renais, o rim tem uma capacidade intrínseca de responder a uma
aumenta a excreção de potássio, normalizando o potássio carga de potássio, excretando mais potássio na urina. O
plasmático. Quando a concentração de potássio plasmáti- mecanismo responsável por esta secreção elevada de po-
co cai, desaparece o estímulo para secreção de aldostero- tássio reside na atividade das células do nefro distal, já
na, completando-se um sistema fechado de controle retró- abordada anteriormente.
grado. Simultaneamente, o potássio plasmático elevado São um pouco contraditórios os dados experimentais
inibe diretamente a secreção de renina e vice-versa. com relação ao local no nefro responsável pela adaptação
ao potássio. Parece não haver dúvida de que o túbulo dis-
COMO AGE A ALDOSTERONA? tal tem um papel crítico na secreção de potássio, mas a
Estudos mostram que a aldosterona e os mineralocorti- participação do sistema coletor não está definida. Wright
cóides atuam no túbulo coletor cortical e não no túbulo con- e cols., por exemplo, mostraram que, em ratos submetidos
tornado distal, como se pensava anteriormente. Acredita-se à ingestão crônica de potássio, só o túbulo distal era res-
que a aldosterona entra na célula pelo lado sanguíneo e se ponsável pela excreção elevada de potássio. No entanto,
liga a um receptor de proteína no citoplasma, o qual se une se os animais não recebiam sódio, o sistema coletor contri-
com o núcleo para promover síntese protéica. As proteínas buía significativamente para a excreção de potássio. Estu-
assim sintetizadas poderiam aumentar a permeabilidade da dos mostraram que o epitélio do sistema coletor é poten-
membrana plasmática apical ao sódio, aumentando o apor- cialmente capaz de secretar potássio.22
te de sódio para o lado sanguíneo da célula (local do trans-
porte ativo). A bomba de sódio na face peritubular, estimu-
lada pela maior síntese protéica, aumenta a extrusão de só- Adaptação Extra-renal ao Potássio
dio da célula para o espaço extracelular. Este maior trans- Em situações de excesso de potássio, outros órgãos po-
porte de sódio determina um maior gradiente elétrico trans- dem contribuir para a homeostase do potássio. Há várias
tubular, criando condições para maior secreção de potássio.6 evidências de que a aldosterona age em outros tecidos de
A entrada de potássio pela membrana peritubular em troca modo semelhante ao observado nos túbulos renais.3 Por
pelo sódio é mediada pela Na-K-ATPase. Cargas de potás- exemplo, o cólon pode aumentar a excreção de potássio,
sio aumentam a atividade de Na-K-ATPase, independente num mecanismo mediado pela aldosterona. No tecido
da secreção de aldosterona. muscular, a aldosterona parece deslocar o potássio para o
intracelular.3 Experimentalmente, a entrada de potássio nas
células é maior em animais submetidos à ingestão eleva-
Pontos-chave:
da crônica de potássio (e presumivelmente com níveis ele-
• A insulina e os estímulos ␤2-adrenérgicos vados de aldosterona), do que em animais submetidos a
estimulam a captação do potássio pelas uma ingesta normal de potássio.23
células As inter-relações potássio-insulina-glucagon e catecola-
• A aldosterona atua no túbulo coletor minas já foram analisadas nas páginas precedentes.
cortical, aumentando a reabsorção de sódio
e a secreção de potássio
PAPEL DO BALANÇO
ÁCIDO-BÁSICO
ADAPTAÇÃO A NÍVEIS Existe evidência de que a produção de amônia está inti-
ELEVADOS DE POTÁSSIO mamente relacionada com a homeostase do potássio.24,25
Assim, durante uma depleção de potássio, há um aumento
Atualmente, aceita-se a existência de um mecanismo de na excreção de amônio (NH4⫹), possivelmente devido a um
adaptação que explica a tolerância de animais a doses ele- aumento na produção renal de amônia (NH3). Simultane-
vadas de potássio. Por exemplo, quando se administram amente, observa-se um aumento no pH urinário, o que
por via endovenosa doses elevadas de potássio a animais levou alguns autores a postular a possível coexistência de
submetidos a uma ingestão alta de potássio, há uma rápi- um defeito no gradiente de hidrogênio.
198 Metabolismo do Potássio

Existe um pouco de controvérsia quanto ao distúrbio de uma diminuição na reabsorção distal de sódio, a qual,
ácido-básico que uma depleção de potássio produz. Alguns como mencionamos anteriormente, se acompanha de uma
investigadores demonstraram que, no cão, a depleção de diminuição na excreção de ácido.24
potássio causa acidose sistêmica, e esta seria responsável Uma das implicações práticas do aumento na produção
pela produção aumentada de amônia.26 Já no rato, ocorre de amônio foi dada em 1963. É clássico o conceito de que
alcalose metabólica e no homem não há alteração ou ocor- hipocalemia pode precipitar coma hepático. Como em
re discreta alcalose metabólica. Em vista desta discrepân- pacientes cirróticos muitas vezes se administram diuréti-
cia, acredita-se, no momento, que não é o estado ácido- cos, estes podem causar hipocalemia, a qual aumenta a
básico sistêmico que influi sobre a produção de amônia e produção de amônia, e o paciente com disfunção hepática
pH urinário.24 pode ser incapaz de metabolizar a amônia, predispondo-
Em face de um excesso de potássio, ocorre uma dimi- se à instalação de coma hepático.29
nuição na excreção de amônio. A secreção de K⫹ e H⫹ depende muito da concentração
O metabolismo do sódio parece estar intimamente re- intracelular destes íons. Por exemplo, numa alcalose agu-
lacionado com a homeostase potássio/ácido-básico. A in- da (respiratória ou metabólica), o potássio passa do líqui-
ter-relação, embora ainda controvertida, seria da seguinte do extracelular para o interior das células, e, numa acido-
maneira:19 se (respiratória ou metabólica), o potássio sai das células.
A depleção de potássio aumenta a atividade da renina plas- O mecanismo deste movimento transcelular não está
mática e diminui a secreção de aldosterona. Parece também bem esclarecido. Portanto, na alcalose, a concentração in-
resultar num aumento da reabsorção de sódio no nefro tracelular de potássio aumenta (inclusive na célula tubu-
proximal e numa diminuição da reabsorção do nefro dis- lar renal), e mais potássio está disponível para excreção.
tal.27 É provável que a diminuição da reabsorção de sódio Na acidose, ocorre o contrário.
no nefro distal seja mediada pela diminuição na secreção Uma alcalose sistêmica aumenta a perda urinária de
de aldosterona. potássio, enquanto uma acidose sistêmica diminui a excre-
Um excesso de potássio diminui a atividade da renina e ção renal de potássio. Mas, na verdade, o potássio e o hi-
estimula a secreção de aldosterona. Além disto, diminui a drogênio não competem pela secreção, e os dados experi-
reabsorção proximal de sódio e estimula a sua reabsorção mentais mostram que, enquanto a secreção de hidrogênio
distal. O aumento da secreção de aldosterona contribui aumenta, a de potássio também aumenta, e vice-versa.12
para a reabsorção distal elevada de sódio.
Estes ajustes na reabsorção de sódio servem para man-
ter a homeostase do sódio e do potássio quando a ingesta HOMEOSTASIA DO POTÁSSIO NA
de potássio é modificada. Assim, na presença de um défi- INSUFICIÊNCIA RENAL
cit de potássio, como há um aumento na reabsorção proxi-
mal de sódio, menos sódio chega ao nefro distal, onde A manutenção do balanço de potássio, durante a insta-
normalmente ocorre a troca Na⫹-K⫹, e como a secreção de lação de insuficiência renal crônica, reflete a participação
aldosterona também está diminuída, a reabsorção distal de progressiva de mecanismos de adaptação.30
sódio também é reduzida. Assim, o balanço de sódio é A concentração plasmática de potássio aumenta apenas
mantido, enquanto a excreção de potássio é diminuída. na fase terminal da insuficiência renal crônica. Isto impli-
Quando há um excesso de potássio, ocorre o inverso. ca que, à medida que cai o ritmo de filtração glomerular, a
Várias observações indicam que a reabsorção de sódio fração do potássio filtrado também aumenta.
também influencia a excreção de hidrogênio no nefro dis- Bank e cols. demonstraram que, em ratos com insufici-
tal.28 Acredita-se que a produção de amônia possa minimi- ência renal causada por nefrectomia subtotal, não havia al-
zar as alterações ácido-básicas quando a reabsorção de teração na fração de reabsorção de potássio ao longo do tú-
sódio é modificada. bulo distal (quando comparados com o grupo-controle), mas
Se existe menos amônia para tamponar o H⫹ no lúmen, aumentava muito a secreção de potássio no ducto coletor.31
o pH urinário cai muito, elevando o gradiente transtubu- Tanto na insuficiência renal como na ingestão crônica
lar para a secreção de H⫹ e, portanto, diminuindo a excre- de potássio, a adaptação renal resulta de um aumento de
ção de ácido.24 atividade da Na-K-ATPase.
Na presença de uma depleção de potássio, há uma dimi-
nuição na reabsorção distal de sódio e um aumento na
produção de amônia. A amônia tampona o H⫹ no lúmen, Papel do Sistema
transformando-se em amônio (NH4⫹). Com isto, o pH no Renina-Angiotensina-Aldosterona
lúmen não cai muito e, por conseguinte, o gradiente trans-
tubular para a secreção de H⫹ também não é muito gran- A aldosterona é um estimulador potente da secreção
de, e logo a excreção de ácido não é reduzida. Portanto, o tubular de potássio. A evidência baseada em dados expe-
papel da amônia é manter a excreção de ácido na vigência rimentais é de que uma produção elevada de aldosterona
capítulo 12 199

não é indispensável para a manutenção do equilíbrio de Como alguns diuréticos inibem a reabsorção proximal
potássio na uremia. de sódio, uma maior quantidade de sódio chega ao nefro
Vários autores mostraram que a concentração plasmá- distal, e postulou-se inicialmente que a caliurese que ocor-
tica de aldosterona na insuficiência renal terminal é nor- ria com estes diuréticos era resultado da maior concentra-
mal, desde que a renina e o potássio plasmático estejam ção intraluminal de sódio no túbulo distal cortical.
dentro do normal. Quando aumenta a concentração plas- Atualmente, não se acredita que esta concentração in-
mática de potássio e/ou renina, aumenta a concentração traluminal de sódio limite a secreção de potássio (apenas
de aldosterona.32 potencialmente, como já foi frisado). Mas há evidência de
A conclusão é de que há necessidade, pelo menos, de que, no sistema coletor (cortical e medular), a concentra-
níveis normais de aldosterona, pois se uma insuficiência ção intraluminal de sódio limita a secreção de potássio.
renal se complica com hipoaldosteronismo, ocorre hiper- Assim, um aumento da oferta de sódio ao sistema coletor
calemia.33 aumenta a secreção de potássio (v. também Cap. 43).

Excreção Gastrintestinal de Potássio


DISTÚRBIOS CLÍNICOS DO
Normalmente, a quantidade de potássio excretada nas
METABOLISMO DO POTÁSSIO
fezes representa uma quantidade pequena da ingesta diá-
ria. No entanto, o intestino é potencialmente uma fonte de
perda de potássio, como ocorre nas diarréias. Estudos em Depleção de Potássio (Hipocalemia)
indivíduos normais e urêmicos, numa dieta normal de
Refere-se a uma diminuição do potássio total em rela-
potássio, mostraram que, enquanto nos indivíduos nor-
ção à capacidade do potássio ou resultado de uma distri-
mais a excreção fecal era de 12% da ingesta, em urêmicos
buição transcelular e traduz-se habitualmente por uma
era de 34%.34
redução na sua concentração plasmática (hipocalemia ⬍ 3,5
Tem sido sugerido que o mecanismo da excreção intesti-
mEq/L). A alcalose é a causa mais comum de alteração na
nal aumentada de potássio seja mediado pela aldosterona.
distribuição transcelular. Um déficit real de potássio resulta
geralmente de perdas gastrintestinais ou renais.
Tolerância Celular ao Potássio
CAUSAS DE HIPOCALEMIA
Quando se administra potássio a urêmicos, o potássio A depleção a que nos referimos é a que se deve à perda
sérico aumenta muito mais do que em pacientes normais. do íon K⫹ e não pela redução da massa celular (capacida-
Isto indica que a tolerância celular ao potássio diminui na de do potássio). Isto pode ocorrer durante um período de
insuficiência renal. Conclui-se, portanto, que um mecanis- ingesta reduzida de potássio, não compensada por uma
mo de adaptação renal existe em indivíduos normais e redução na excreção de potássio. Isto não é freqüente, pois
urêmicos, mas um mecanismo de adaptação extra-renal só
quando a ingesta diminui por letargia, anorexia, coma etc.,
existe em normais.30
a excreção também diminui. Portanto, depleção de potás-
sio por falta de ingesta só ocorre se os rins forem impedi-
Ponto-chave: dos de conservar potássio.
A causa mais comum de depleção de potássio é uma
• Na insuficiência renal, existe uma perda elevada de potássio do corpo. Como a perda de
adaptação aos níveis elevados de potássio, potássio pela pele é desprezível (a não ser em sudorese
com aumento da excreção renal e intestinal profusa), restam o rim e o trato gastrintestinal como vias
frente a cargas de potássio, pela ação da importantes na perda de potássio.
aldosterona
Desvio Transcelular ou Redistribuição
Apenas uma pequena fração do potássio corporal total
está localizada no espaço extracelular, e pequenos desvios
AÇÃO DOS DIURÉTICOS
para o intracelular produzem grandes variações na concen-
Como já mencionamos, um dos fatores determinantes tração plasmática de potássio.35 Estes desvios podem ser
do ritmo de secreção distal de potássio é o fluxo de urina causados por:
pelo segmento do nefro. Portanto, quanto maior o fluxo de a) Alterações do estado ácido-básico: na alcalose metabó-
urina pelo túbulo distal cortical, maior é a excreção de lica ou respiratória, íons hidrogênio saem das células
potássio. E os diuréticos são agentes que aumentam o flu- para minimizar as mudanças no pH do extracelular. A
xo de urina.12 necessidade de manter a eletroneutralidade entre os
200 Metabolismo do Potássio

compartimentos leva à entrada de potássio nas células. hipocalemias causadas pelas diarréias podem cursar
Este efeito produz um aumento de 0,6 mEq/L no potás- também com acidose metabólica pela perda de bicarbo-
sio do extracelular para cada 0,1 unidade de pH que cai, nato. A acidose provoca um desvio iônico que mesmo
no caso da alcalose metabólica, e 0,1 mEq/L no caso de em vigência de hipocalemia provoca a saída de potás-
alcalose respiratória.36 sio de dentro das células, mascarando os níveis plasmá-
b) Ação da insulina: como já comentado anteriormente, a ticos de potássio.
insulina promove a entrada de potássio nas células Normalmente, a resposta à perda de potássio pelo
musculares e hepáticas, reduzindo os níveis plasmáti- intestino é a conservação renal de potássio, através da
cos. Este efeito pode ser observado após a administra- diminuição de sua secreção tubular. Porém, esta respos-
ção de insulina na hiperglicemia grave ou na cetoacidose ta sofre um efeito antagônico: como a diarréia provoca
diabética.36 depleção de sódio e hipovolemia, e estas ocasionam
c) Infusão de glicose: a concentração plasmática de potás- maior produção de aldosterona, a secreção de potássio
sio diminui com a administração de glicose, por meca- pode estar elevada.3
nismo similar à insulina.36 c) Ureterossigmoidostomia: resulta em absorção anormal
d) Atividade ␤-adrenérgica: a estimulação de receptores ␤2- de cloreto de sódio em associação com secreção de po-
adrenérgicos promove a entrada de potássio nas células. tássio e bicarbonato para a luz da alça intestinal. Causa
Então, hipocalemia transitória pode ser observada em também acidose metabólica do tipo hiperclorêmica.37
situações em que há liberação de epinefrina, como, por d) Vômitos: o teor de potássio no suco gástrico não é ele-
exemplo, intoxicação por teofilina e isquemia coronaria- vado, mas os vômitos ou a drenagem nasogástrica po-
na. A infusão de aminas vasoativas também pode pro- dem ocasionar hipocalemia. Isto se deve mais à perda
vocar este efeito, que pode ser utilizado terapeuticamen- de ácido clorídrico do que à perda de potássio.3,38 A per-
te na hipercalemia: a administração de um agonista ␤- da de ácido leva à alcalose metabólica, a qual produz um
adrenérgico (como a terbutalina e o albuterol) reduz os desvio iônico de potássio para dentro das células e se-
níveis de potássio em cerca de 0,5-1 mEq/L.36 creção de potássio pelas células tubulares distais. Tam-
e) Paralisia periódica hipocalêmica: um raro distúrbio ca- bém está ativo o sistema renina-angiotensina-aldostero-
racterizado por ataques recorrentes de paralisia flácida na, pela perda de água e sódio, o que acelera a perda de
desde a infância, acompanhados de hipocalemia devi- potássio pelos rins.3
do a uma redistribuição do potássio para o interior das
células.36,37 Perdas Renais
f) Envenenamento pelo bário (carbonato de bário): pode Já apresentamos, nas páginas precedentes, muita evi-
produzir paralisia flácida e hipocalemia devido a um dência da importância do rim como via final de controle
bloqueio dos canais de potássio na membrana, que nor- da homeostase do potássio. Muitas vezes, a resposta renal
malmente permitem a passagem de potássio para o ex- é apropriada pela interferência dos mecanismos de controle
tracelular. O sulfato de bário utilizado em exames radi- do balanço de potássio. Outras vezes, a resposta renal in-
ográficos não acarreta risco para os pacientes.36 dica uma nefropatia ou um distúrbio na ação dos mecanis-
g) Tratamento de anemias graves: resulta em rápida assi- mos de controle, como ocorre, por exemplo, com o uso de
milação do potássio para dentro das hemácias que es- diuréticos.
tão sendo produzidas, levando a hipocalemia. Este efeito
a) Diuréticos: o uso de diuréticos é, talvez, a causa mais
habitualmente é observado dois dias após o início do
freqüente de hipocalemia na prática clínica. Todos os
tratamento da anemia.35
diuréticos provocam excreção de potássio, exceto os
h) Outras causas: hipotermia, intoxicação por teofilina,
chamados poupadores de potássio (v. Cap. 43 para maio-
cloroquina.35,36
res informações).
Os tiazídicos causam maior perda de potássio porque
Perdas Gastrintestinais aumentam o fluxo de urina pelos segmentos corticais do
As principais causas gastrintestinais de hipocalemia nefro distal, além de, em parte, serem inibidores da ani-
estão enumeradas no Quadro 12.2. drase carbônica.12
a) Aporte dietético insuficiente: pode ocorrer em pacien- O furosemide e o ácido etacrínico inibem a reabsorção
tes idosos e etilistas, em que a ingesta de potássio é ina- ativa de cloro no ramo ascendente da alça de Henle,
dequada, e em pacientes em fase de rápida síntese ce- responsável provável pela reabsorção passiva de potás-
lular, como os submetidos a hiperalimentação. sio neste segmento. Ademais, além de produzirem um
b) Diarréias: normalmente, a excreção de potássio para um maior fluxo de urina, estes agentes parecem inibir a re-
volume fecal habitual de 200 ml não excede 10 mEq/dia, absorção proximal de potássio, promovendo caliurese.12
mas pode elevar-se muito em certas situações, como nas Os inibidores da anidrase carbônica, tipo acetazolami-
diarréias agudas ou crônicas e abuso de laxativos. As da, não afetam o transporte proximal de potássio mas
capítulo 12 201

aumentam a secreção de potássio no nefro distal. O me- mais comum, e podem ocorrer tetania e fadiga. Geral-
canismo parece ser duplo: a inibição da secreção de H⫹ mente é diagnosticada em crianças maiores ou adultos
no nefro distal causa hiperpolarização transtubular, que jovens.36
é uma força para o movimento passivo do potássio da e) Ânions não reabsorvíveis: normalmente o gradiente
célula para a urina. Além disto, como estes agentes ini- elétrico negativo no túbulo coletor, gerado pela reabsor-
bem a reabsorção proximal de bicarbonato, mais bicar- ção de sódio, é equilibrado pela reabsorção de cloreto.
bonato chega ao nefro distal e, sendo ele pouco reabsor- Em algumas situações, o sódio chega ao nefro distal
vível, induz um aumento do fluxo de urina, como fazem acompanhado de um ânion não reabsorvível (por exem-
outros agentes.12 Algumas drogas utilizadas na prática plo, bicarbonato, penicilina). Nestes casos, parte do só-
clínica, como a anfotericina e a carbenicilina, também dio será reabsorvida em troca com o potássio, aumen-
aumentam a perda de potássio. tando sua excreção.36
Os diuréticos osmóticos, tipo manitol, também aceleram f) Hipomagnesemia: uma grande parte dos pacientes com
a excreção de potássio por elevarem o fluxo de líquido hipocalemia apresentam hipomagnesemia (por uso de
tubular no nefro distal. diuréticos, diarréia). A hipomagnesemia induz à perda
b) Hiperaldosteronismo: a produção excessiva de aldos- renal de potássio por mecanismos complexos. É comum
terona por um tumor ou hiperplasia adrenais (hiperal- encontrar hipomagnesemia em pacientes em que existe
dosteronismo primário) ou por hipovolemia e hipoper- dificuldade para correção da hipocalemia; nestes casos,
fusão renal (hiperaldosteronismo secundário) determi- só se conseguirá corrigir o potássio após a reposição de
na um aumento na excreção de potássio pelos mecanis- magnésio.35,36
mos já abordados anteriormente, com conseqüente hi- g) Anfotericina B: este medicamento modifica a permea-
pocalemia. O mesmo ocorre com a estenose de artéria bilidade celular através da interação com esteróis da
renal.38 membrana, promovendo secreção de potássio.36
O alcaçuz (Glycyrrhiza glabra, elemento utilizado na h) Outras causas: gentamicina e cisplatina têm efeito tóxi-
fabricação de laxantes, indústria de doces, tabaco e cer- co direto sobre as células tubulares, induzindo à perda
vejarias) contém um esteróide, o ácido glicirrízico, o qual renal de potássio.35
inibe uma enzima que converte o cortisol em cortisona.
Desta forma o cortisol em níveis elevados induz um
aumento na atividade mineralocorticóide.38 Ponto-chave:
c) Alterações tubulares: como as estruturas tubulares do
• A hipocalemia (potássio ⬍ 3,5 mEq/L) pode
nefro distal excretam a maior parte do potássio ingeri-
do, é fácil compreender que alterações tubulares podem ser causada por redistribuição, perdas
levar a uma excreção excessiva de potássio. Exemplos: gastrintestinais e renais
acidose tubular renal, síndrome de Fanconi, pielonefri-
te, fase poliúrica da necrose tubular aguda, etc.
d) Alterações genéticas: a síndrome de Bartter é uma desor- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
dem rara que se manifesta na infância e cursa com hi-
Metabólicas
pocalemia, alcalose metabólica, hiper-reninemia, hipe-
A hipocalemia pode afetar o metabolismo protéico e
raldosteronismo, hiperplasia do aparelho justaglomeru-
gerar dificuldade em obter balanço nitrogenado positivo
lar e, algumas vezes, hipomagnesemia. São comuns
durante nutrição parenteral. Testes de tolerância à glicose
poliúria, polidipsia, hipercalciúria. Mais rara é a ocor-
podem estar alterados, possivelmente devido a uma me-
rência de hipomagnesemia. Também existe aumento na
nor resposta das células beta do pâncreas à glicose. Além
liberação renal de prostaglandinas vasodilatadoras, o
disso, encontram-se comprometidas, também, a liberação
que pode explicar a pressão arterial normal. Resulta de
de aldosterona e hormônio de crescimento.37
anormalidades na função tubular, primariamente no
transporte de cloreto de sódio na porção espessa da alça
de Henle. Com isso, ocorre uma discreta depleção de Cardiovasculares
volume, que ativa o sistema renina-angiotensina-aldos- Ocorrem irregularidades do ritmo cardíaco, caracteriza-
terona. A combinação de hiperaldosteronismo e aumen- das por batimentos ectópicos e alterações eletrocardiográ-
to do fluxo distal (pelo defeito reabsortivo) aumenta a ficas: alargamento do QRS, depressão do segmento ST,
secreção de potássio e hidrogênio nos túbulos coletores, diminuição de ondas T e, eventualmente, o aparecimento
levando a hipocalemia e alcalose metabólica.36 de ondas U após as ondas T (Fig. 12.7). Estas alterações
A síndrome de Gitelman cursa com os mesmos acha- refletem o impacto da hipocalemia sobre o potencial de
dos da síndrome de Bartter, porém o defeito é no co- membrana. A depleção de potássio também aumenta o
transportador sódio-potássio do segmento inicial do risco de arritmias em pacientes recebendo digital. Estes
túbulo distal.3 Nesta síndrome, perda de magnésio é pacientes costumam receber diuréticos e uma dieta pobre
202 Metabolismo do Potássio

Complexo Membrana basal em sal, o que aumenta a propensão para um déficit de


Via paracelular juncional
Espaço intercelular lateral potássio.
É relatada também a associação de hipocalemia com o
desenvolvimento de hipotensão arterial ortostática pelos
efeitos sobre o sistema nervoso autônomo e diminuição da
resistência vascular sistêmica.37

Na⫹ K⫹ Neuromusculares
Os sinais e sintomas de depleção de potássio habitual-
mente não aparecem até que a deficiência seja significativa.
Na⫹ K⫹ Na⫹ A hipocalemia diminui a excitabilidade neuromuscular. Os
Na⫹ K⫹
Na⫹
sintomas podem ir desde apatia, fraqueza, parestesias, até
tetania. Uma depleção grave causa fraqueza no músculo
Na⫹ K⫹
esquelético e, eventualmente, paralisia flácida. Uma das
conseqüências da hipocalemia sobre o músculo esquelético
é a rabdomiólise, por diminuição do fluxo sanguíneo para
o músculo, redução dos depósitos de glicogênio e diminui-
Membrana apical Membrana basolateral ção da sódio-potássio-ATPase e potencial de membrana.37
Em pacientes portadores de doença hepática grave a
Fig. 12.5 Representação esquemática de células dos túbulos proxi-
mais. A via de transporte transcelular consiste nas membranas hipocalemia pode precipitar ou exacerbar a encefalopatia,
apical e basolateral. A via paracelular consiste nos complexos jun- aumentando a concentração de amônia no tecido cerebral
cionais e espaços intercelulares laterais. (Baseado em: Brenner, ␤.4) e líquor.37

0
Potencial
de ação
Milivolts

Limiar normal
⫺65

Repouso
⫺90

NORMAL Kⴙ Kⴙ Caⴙⴙ Caⴙⴙ


ELEVADO BAIXO ELEVADO BAIXO

Fig. 12.6 Efeitos do potássio e cálcio séricos nos potenciais de membrana. (Adaptado de Leaf, A.; Cotran, R.S.48)

Fig. 12.7 Alterações eletrocardiográficas seqüenciais na hipocalemia. (Modificado de Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G.
Ferreira da Silva Jr.)
capítulo 12 203

Digestivas Podem ocorrer ainda polidipsia por estímulo da sede e


Podem ocorrer sintomas digestivos, como náuseas e poliúria pela incapacidade de concentrar maximamente a
distensão abdominal e de alças intestinais (íleo paralítico). urina, como um diabetes insípido nefrogênico. Aparente-
mente, a hipocalemia causa uma dificuldade de o ADH
Renais formar o segundo mensageiro, o AMP cíclico.37,38
Como conseqüência da hipocalemia, os mecanismos de
conservação de potássio encontram-se ativados, e a con- DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
centração urinária de potássio está diminuída. Naturalmente para se determinar a causa da hipocale-
Além disso, vários estudos, no ser humano e em animais, mia devemos verificar se a mesma resulta de uma redistri-
demonstraram que a depleção de potássio está associada a buição do potássio ou representa realmente um déficit. As
uma vacuolização das células epiteliais tubulares, mais pro- causas de alteração na distribuição (alcalose, insulina, al-
nunciada no túbulo proximal, todavia também vista no tú- dosterona e drogas ␤-adrenérgicas) já foram abordadas. Se
bulo contornado distal. Tudo indica que as lesões são rever- a causa da hipocalemia não estiver na redistribuição do
síveis, pelo menos nas fases iniciais da depleção.39 Há uma potássio, estaremos frente a um déficit real de potássio, e
sugestão na literatura, baseada em observações clínicas e devemos determinar se a perda de potássio é renal ou ex-
experimentais, de que a depleção de potássio torna os indi- tra-renal (Quadros 12.3 e 12.7).
víduos (e animais) suscetíveis à pielonefrite.40 Pela própria história clínica podemos ter idéia da causa

Quadro 12.3 Diagnóstico diferencial de hipocalemia


I - Perda extra-renal (K urinário ⬍ 20 mEq/dia)
A. Ácido-básico normal B. Acidose metabólica
1. Ingesta inadequada 1. Perdas gastrintestinais
a. anorexia nervosa a. diarréia
b. dieta de chá c/torradas b. fístula
2. Pele c. adenoma viloso
a. suor d. abuso de laxativos
II - Perda renal (K urinário ⬎ 20 mEq/dia)
A. Acidose metabólica B. Ácido-básico variável
1. Acidose tubular renal 1. Síndrome de Fanconi
a. distal (tipo I) 2. Fase diurética (NTA, pós-obstrução)
b. proximal (tipo II) 3. Nefrite intersticial
2. Diamox 4. Leucemia
3. Cetoacidose diabética 5. Antibióticos (penicilina, carbenicilina)
4. Enterostomia ureteral 6. Depleção de magnésio
a. ureterossigmoidostomia a. adquirida
b. ureteroileostomia b. perda renal hereditária
C. Alcalose metabólica
Cloro urinário baixo 1. Vômitos ou perda gástrica
(cloro urinário < 10 mEq/dia) 2. Diuréticos
3. Pós-hipercapnia
4. Diarréia perdedora de Cl (congênita)
Cloro urinário elevado
(cloro urinário ⬎ 10 mEq/dia)
Excesso de mineralocorticóide
(hipertensão arterial)
앖 Aldosterona 앗 Renina 1. Hiperaldosteronismo primário
a. adenoma
b. hiperplasia
앖 Renina 1. Hipertensão renovascular
2. Hipertensão maligna
3. Tumor secretor de renina
Aldosterona N ou ↓ 1. Excesso de corticosterona ou DOC
2. Alcaçuz
3. Síndrome de Liddle
4. Síndrome de Cushing
5. ACTH ectópico
Outros 1. Diuréticos, síndrome de Bartter, depleção grave de K

Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41


204 Metabolismo do Potássio

do distúrbio, porém alguns dados laboratoriais além da o potássio adentra as células e refaz os estoques intracelu-
dosagem do potássio plasmático podem fornecer significati- lares, para em seguida iniciar a normalização dos níveis no
vas informações. Por exemplo, a dosagem do potássio em urina extracelular.
de 24 horas pode auxiliar a determinar se a causa da hipo- É importante lembrar que a administração de potássio
calemia é uma perda urinária ou não. Caso o potássio uri- em solução que contenha glicose pode reduzir ainda mais
nário esteja acima de 20 mEq/litro, suspeita-se de perda os níveis de potássio; se for possível, a reposição inicial
renal. Se menor que 20 mEq/litro, demonstra que a con- deve ser feita em solução salina isotônica.36
servação renal de potássio está ocorrendo, e a causa da Numa hipocalemia grave (⬍ 2,0 mEq/L) e associada a
hipocalemia é extra-renal. A dosagem de potássio em arritmias cardíacas, até 80-100 mEq deverão ser adminis-
amostra aleatória de urina pode ser usada, mas é menos trados em 1 hora para suprimir a irritabilidade cardíaca.
precisa.36 O fator limitante nestas altas doses é a dor no trajeto veno-
Também a gasometria venosa, além de demonstrar a pos- so durante a infusão. Uma solução para este problema se-
sibilidade de desvio iônico, pode evidenciar uma causa pro- ria a administração através de dois acessos periféricos, cada
vável para o distúrbio: por exemplo, vômitos e síndrome de infusão contendo 40-50 mEq/L. Se houver problema de
Bartter cursam com alcalose; alguns distúrbios tubulares excesso de volume, podemos concentrar a solução, mas aí
renais e cetoacidose diabética cursam com acidose. devemos utilizar uma veia de alto fluxo, como por exem-
plo uma veia femoral. A infusão de grandes quantidades
através das veias subclávia, jugular ou através de cateter
Ponto-chave: atrial não é recomendada, pois as altas concentrações in-
tracardíacas de potássio podem causar arritmias. Sempre
• Além da dosagem plasmática de potássio,
que for urgente a reposição de potássio, esta deverá ser
auxiliam no diagnóstico de hipocalemia: efetuada sob controle eletrocardiográfico.
Dosagem de potássio na urina No Brasil, a apresentação de cloreto de potássio mais
Gasometria venosa utilizada para uso endovenoso é na concentração de 19,1%,
onde cada ml tem 2,5 mEq de potássio e 2,5 mEq de cloro.
Os riscos da utilização de potássio dependem da via de
TRATAMENTO DA HIPOCALEMIA administração, idade e presença de co-morbidades, como
Está indicada a reposição de potássio para os pacientes por exemplo a insuficiência renal. Mesmo administrado
que apresentem hipocalemia cuja causa não seja a redis- por via oral, o potássio pode ocasionar parada cardíaca por
tribuição entre compartimentos.38 hipercalemia, sendo este fato mais observado em pacien-
A hipocalemia é raramente uma emergência, e, sempre tes idosos, pacientes com insuficiência renal, pacientes que
que possível, a via oral deverá ser empregada para reposi- recebem simultaneamente potássio por via oral e endove-
ção de soluções de potássio, preferencialmente sob a for- nosa e naqueles que recebem potássio e diuréticos poupa-
ma de cloreto.35 No Brasil, estão disponíveis as seguintes dores de potássio.43
apresentações de cloreto de potássio: drágeas de 500 mg, As drágeas de potássio para liberação entérica eventu-
drágeas de liberação lenta contendo 600 mg e xarope con- almente provocam ulceração do intestino delgado. Já as
tendo 900 mg em 15 ml. Na prática, a correção de hipoca- preparações líquidas de potássio não têm bom paladar,
lemia somente pela ingestão de alimentos com alto teor de mas raramente causam ulcerações intestinais.
potássio não é adequada.
A via endovenosa só será utilizada se houver necessi- CÁLCULO DO DÉFICIT DE POTÁSSIO
dade de uma administração mais rápida ou se o paciente Na ausência de um distúrbio ácido-básico, a magnitu-
não puder ingerir. A urgência na administração do potás- de do déficit pode ser calculada considerando-se a capaci-
sio depende basicamente das repercussões cardíacas e neu- dade para potássio (massa muscular) do paciente44 (Qua-
romusculares. Pacientes com envolvimento muscular sig- dro 12.4) ou utilizando-se as regras práticas já enumera-
nificativo ou alterações eletrocardiográficas deverão rece- das. Portanto, se o potássio total pode ser estimado (consi-
ber quantidades maiores e em menor tempo. derando-se o peso e a massa muscular do paciente), pode-
A maior parte da literatura indica que não mais de 40 se calcular o déficit de potássio em mEq (v. exercícios adi-
mEq de potássio devam ser colocados em cada litro de ante).
solução para uso endovenoso e que a administração não Se desejarmos usar o potássio plasmático como guia da
deve ser inferior a 60 minutos. Hamill sugere que a infu- terapêutica, há necessidade de uma estimativa grosseira da
são de até 0,5 mEq/kg em uma hora é segura para pacien- influência do distúrbio ácido-básico na relação entre o
tes gravemente doentes.42 Outros sugerem 0,75 mEq/kg ou potássio plasmático e o intracelular. Esta relação é expos-
30 mEq/m2 em pessoas obesas durante 1 a 2 horas. As ta na Fig. 12.9, a qual indica a influência do pH sanguíneo
quantidades de potássio a serem administradas serão tan- na concentração do potássio plasmático sem que haja alte-
to maiores quanto maior a depleção, pois primeiramente ração no potássio total. Pode-se verificar que, para cada
capítulo 12 205

Quadro 12.4 Estimativa da capacidade do potássio Excesso de Potássio


Potássio Total (mEq/kg)
(Hipercalemia)
Massa Muscular Homens Mulheres
O excesso de potássio é definido como um aumento na
Normal 45 35 relação potássio total/capacidade de potássio ou devido a
Perda moderada 32 25 uma redistribuição transcelular e é geralmente identifica-
Perda acentuada 23 20 do por um aumento da concentração plasmática acima dos
Modificado de Chapman, W.H. e col.44 valores normais (hipercalemia > 5 mEq/L).

CAUSAS DE HIPERCALEMIA
alteração no pH de 0,1 unidade, ocorre uma alteração no As situações que mais comumente resultam em hiper-
potássio plasmático de 0,6 mEq/L. Portanto, tendo-se o pH, calemia são aquelas em que o rim não mais consegue ex-
pode-se deduzir o potássio plasmático, como se não hou- cretar o potássio ingerido ou proveniente de uma libera-
vesse distúrbio ácido-básico (v. exercícios adiante). ção endógena. A capacidade de excreção renal do potás-
sio é muito grande, e, em indivíduos normais, a ingestão
REPOSIÇÃO DE POTÁSSIO EM ALGUMAS excessiva de potássio não produz um excesso de potássio.
SITUAÇÕES ESPECIAIS
Em pacientes não edemaciados e que desenvolvem hi- Pseudo-hipercalemia
pocalemia durante a administração de diuréticos tiazídi- Refere-se à elevação da concentração sérica ou plasmá-
cos, pode-se normalizar o potássio plasmático administran- tica de potássio por movimento deste íon para fora das
do-se 60 mEq de cloreto de potássio por dia.43 Apenas al- células durante ou após a coleta de sangue. Geralmente isto
guns permanecem hipocalêmicos mesmo que se adminis- se relaciona a trauma durante a coleta, quando o garrote é
trem 100 mEq por dia.45 A administração de diuréticos que mantido por muito tempo antes da punção venosa, ou
poupam potássio normaliza o potássio plasmático duran- quando há demora no processamento da amostra, resul-
te a terapia com diuréticos tiazídicos ou de alça, mas a ex- tando em liberação de potássio das hemácias por hemóli-
periência clínica mostra que a administração de cloreto de se.36,46 Leucócitos acima de 100.000/mm3 ou plaquetas aci-
potássio em quantidades suficientes tem o mesmo efeito. ma de 400.000/mm3 podem resultar em pseudo-hiperca-
O bom senso atual indica que, em pacientes não edemaci- lemia, pois estas são células ricas em potássio, que pode
ados recebendo diuréticos de modo crônico, não há neces- ser liberado durante o processo de coagulação.36
sidade de administrar potássio profilaticamente. Nestes O ECG pode ser útil na diferenciação entre a hipercale-
pacientes, recomenda-se um controle laboratorial a cada mia verdadeira e a factícia, pois alterações só ocorrem na
um ou dois meses e, se a concentração plasmática do po- hipercalemia verdadeira.
tássio chegar a menos de 3 mEq/L, administra-se uma
solução de potássio a 10% por via oral, proporcionando- Redistribuição
se 50-60 mEq por dia.43 A entrada de íons hidrogênio em excesso pelas células,
A administração de sais de potássio ou diuréticos pou- como ocorre nas acidoses, leva a um movimento de potás-
padores de potássio a pacientes edemaciados está particu- sio para fora das células com o objetivo de manter a ele-
larmente indicada naqueles que recebem digital ou que são troneutralidade. Para cada 0,1 unidade de pH que cai, o
suscetíveis ao desenvolvimento de coma hepático. A ad- potássio extracelular sobe 0,6 mEq/L.
ministração diária de 40-80 mEq de uma solução de potás- Uma liberação rápida de potássio pode ocorrer também
sio é em geral suficiente. Se a administração de sais de em destruição celular maciça após cirurgia, trauma com
potássio por via oral não corrige o déficit, podem-se em- esmagamento e lesão muscular (rabdomiólise), infecções
pregar agentes bloqueadores da secreção de potássio no extensas ou hemólise maciça.38 Estes quadros geralmente
nefro distal. A espironolactona é eficiente, mas o custo é se acompanham de um comprometimento da função re-
elevado e a terapia prolongada pode causar ginecomastia. nal e conseqüente redução na excreção de potássio.
O custo do triamterene é menor, mas ele já é menos efici- Outras causas de hipercalemia por redistribuição seri-
ente. am: uso de ␤-bloqueadores, intoxicação digitálica, parali-
Em pacientes com alcalose metabólica e hipocalemia, a sia periódica familiar hipercalêmica, exercícios extenuan-
administração de sais de potássio, sob a forma de acetato, tes e administração de succinilcolina.38
gluconato ou lactato, não corrige o déficit de potássio, a não
ser que o déficit de cloro seja corrigido através da admi- Insuficiência Renal Aguda
nistração de cloreto de potássio ou através da administra- Na insuficiência renal aguda, há uma redução impor-
ção simultânea de um destes sais de potássio e uma outra tante na excreção do potássio, pois se estabelece um qua-
fonte de cloro (v. Cap. 11). dro de oligúria ou anúria, geralmente com destruição ce-
206 Metabolismo do Potássio

lular num paciente hipercatabólico, diminuindo a capaci-


dade do potássio e lançando na circulação o potássio libe- Pontos-chave:
rado das células. Hipercalemia em insuficiência renal crô- • A hipercalemia (potássio ⬎ 5,0 mEq/L)
nica não é comum, por razões já abordadas nas páginas pode ocorrer por problemas durante a
precedentes. Cumpre apenas salientar que vários estudos coleta ou por redistribuição, insuficiência
mostram que a secreção de potássio na insuficiência renal
adrenal e insuficiência renal
crônica está aumentada, talvez pelo maior aporte de sódio
• É raro ocorrer hipercalemia sem disfunção
ao nefro distal. De modo geral, pacientes renais crônicos
sem aporte excessivo de potássio podem manter-se sem renal
hipercalemia enquanto o clearance de creatinina estiver
acima de 5-10 ml/min.35
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Ao se identificar uma hipercalemia, devemos diferen-
Insuficiência Adrenal ciar entre uma falsa determinação laboratorial (pseudo-
Os principais estímulos fisiológicos para a liberação de hipercalemia), fenômeno de redistribuição e um aumento
aldosterona são a angiotensina II (gerada pela liberação de real do potássio total (Quadro 12.5). Mais uma vez, a his-
renina pelos rins) e a elevação do potássio plasmático. Des-
te modo, a hipercalemia por diminuição do efeito da aldos-
terona se deve geralmente a doença renal (prejudicando a Quadro 12.5 Diagnóstico diferencial de
secreção de renina), disfunção adrenal (alterando a libera- hipercalemia
ção de aldosterona) ou resistência tubular à ação da aldos-
terona. I - Pseudo-hipercalemia
1. Hemólise
Na insuficiência adrenal com hipoaldosteronismo, se o
2. Trombocitose
paciente ingere uma dieta adequada em sal, não ocorre 3. Leucocitose
hipercalemia, talvez porque, havendo uma oferta adequa-
II - Redistribuição
da de sódio ao nefro distal, haverá secreção de potássio, 1. Acidose
apesar do hipoaldosteronismo. A hipercalemia é mais fre- 2. Insulina
qüentemente observada na crise addisoniana, que depen- 3. Bloqueio ␤-adrenérgico
de de uma depleção de sódio.1 4. Infusão de arginina
5. Succinilcolina
Existe uma situação chamada hipoaldosteronismo hi- 6. Intoxicação digitálica (superdose)
porreninêmico, que acomete principalmente idosos diabé- 7. Paralisia periódica
ticos com algum grau de insuficiência renal. Neles, a hi- III - Retenção de potássio
percalemia seria causada por uma baixa produção de re-
RFG ⬍ 5 ml/min — 1. Oligoanúria
nina devido à lesão de células justaglomerulares. Esta se-
2. Carga de potássio
ria também uma explicação para o fato de que os pacien- a. exógena
tes diabéticos são mais suscetíveis a desenvolverem hi- b. endógena — necrose
percalemia quando utilizam diuréticos poupadores de po- tissular
hemólise
tássio.
hipercata-
A heparina e inibidores da enzima conversora também bolismo
podem suprimir a produção de aldosterona. RFG ⬎ 20 ml/min
앗 Aldosterona 1. Doença de Addison
Diuréticos Poupadores (Retentores) de Potássio 2. Hipoaldosteronismo
hiporreninêmico
A utilização de espironolactona, amiloride e triamtere-
3. Inibição de prostaglandina
ne pode causar hipercalemia, sobretudo se empregados em sintetase
pacientes com insuficiência renal. Como já mencionamos Aldosterona 1. Tubulopatias primárias
nas páginas precedentes, a administração de diuréticos normal a. Adquiridas
— transplante renal
poupadores de potássio a pacientes diabéticos os predis-
— lúpus eritematoso
põe à hipercalemia. — amilóide
— anemia de células
Ureterojejunostomia falciformes
b. Hereditárias
O jejuno absorve o potássio existente na urina, provo- 2. Drogas
cando elevação dos níveis sanguíneos deste íon. a. espironolactona
b. amiloride
c. triamterene
Outras Causas
Trimetoprim, antiinflamatórios não-esteróides. Modificado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41
capítulo 12 207

tória clínica e a correlação com a gasometria arterial tam-


bém são importantes na determinação correta da etiologia
do distúrbio.41 (V. Quadro 12.8.)

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
As manifestações clínicas podem estar ausentes, mas,
quando ocorrem, são intensificadas pela presença conco-
mitante de hiponatremia, hipocalcemia ou acidose. As
manifestações neuromusculares são similares às da hipo-
calemia e as parestesias podem ser manifestações mais
precoces. Outras manifestações neuromusculares são: fra-
queza, arreflexia e paralisia muscular ou respiratória.
Fig. 12.8 Relação entre a concentração plasmática e o potássio
total. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44)
Neuromusculares
A facilidade em gerar um potencial de ação (chamada
excitabilidade de membrana) depende da magnitude do
potencial de repouso e do estado de ativação dos canais de
sódio da membrana. A abertura destes canais de sódio leva
à difusão passiva de sódio do extracelular para o interior
das células. De acordo com a equação de Nernst, o poten-
cial de repouso depende da relação entre o potássio intra
e extracelular. Uma elevação do potássio extracelular di-
minui esta relação e parcialmente despolariza a membra-
na das células musculares (torna o potencial de repouso
menos eletronegativo). Entretanto, o efeito final no paci-
ente é que a despolarização persistente inativa os canais de
sódio da membrana, produzindo uma diminuição na ex-
citabilidade, o que clinicamente se manifesta como altera-
ção na condução cardíaca ou fraqueza e paralisia muscu-
lares. Pequenas são as repercussões sobre o sistema ner-
voso central.

Cardiovasculares
As manifestações cardíacas são freqüentes quando a
concentração plasmática do potássio ultrapassa 8,0 mEq/L.
Elas são incomuns quando a concentração é inferior a 6,0- Fig. 12.9 Relação entre o pH sanguíneo e a concentração plasmá-
7,0 mEq/L. As repercussões cardíacas incluem: bradicar- tica de potássio. (Obtido de Chapman, W.H. e cols.44)
dia, hipotensão, fibrilação ventricular e parada cardíaca. As
manifestações eletrocardiográficas seqüenciais (v. Fig.
12.10) são: ondas T altas, pontiagudas nas derivações pre- to do intervalo QT. Pode ocorrer a fusão de um complexo
cordiais (devido à despolarização mais rápida); segmento QRS com uma onda T, formando uma configuração ondu-
ST deprimido; diminuição de amplitude das ondas R; pro- lada ou sinusoidal. Arritmias ventriculares ou parada car-
longamento do intervalo PR, ondas P diminuídas ou au- díaca podem ocorrer. Estas manifestações indicam grave
sentes e alargamento do complexo QRS com prolongamen- risco de vida para o paciente. 37,38

Fig. 12.10 Alterações eletrocardiográficas se-


qüenciais na hipercalemia. (Modificado de
Krupp, A.M.49 — gentileza do Dr. Olavo G.
Ferreira da Silva Jr.)
208 Metabolismo do Potássio

Hormonais e Renais potássio na célula muscular cardíaca. O aumento do cál-


Em resposta à hipercalemia, há aumento da insulina e cio no extracelular restaura a diferença normal entre o
aldosterona, que efetuam mecanismos protetores, como potencial de repouso e o limiar, tornando normal a excita-
entrada de potássio nas células e aumento da excreção bilidade. Sempre que o eletrocardiograma apresentar sinais
através do túbulo distal. Se há número reduzido de nefros, de hipercalemia, o cálcio é a primeira droga a ser utiliza-
há um sensível aumento na secreção de potássio pelo sis- da, pois sua ação é imediata. Seu uso é contra-indicado no
tema coletor. Portanto, o sistema coletor sobressai como paciente digitalizado, pois pode precipitar a intoxicação
um importante órgão de reserva, colocado no final do digitálica.36 Sob controle eletrocardiográfico, 10 a 20 ml de
nefro para impedir uma intoxicação de potássio no orga- gluconato de cálcio a 10% são injetados lentamente na veia.
nismo.12 Ao mesmo tempo, prepara-se uma solução de manuten-
ção, contendo 500 ml de soro glicosado a 5% e 10 ml de
TRATAMENTO DA HIPERCALEMIA gluconato de cálcio a 10%; esta solução deve ser infundida
A primeira etapa é confirmar a dosagem de potássio com continuamente na veia, em velocidade suficiente para
uma nova coleta, desta vez sem garrote. Como regra geral manter o eletrocardiograma normal.
deve ser suspensa qualquer medicação que forneça ou re- O cálcio não deve ser administrado em soluções conten-
tenha potássio.35 do bicarbonato, pois ocorre precipitação de carbonato de
A forma de tratamento empregado (antagonizar os efei- cálcio.36
tos do potássio, desviar o potássio para dentro das células
ou remover o potássio do organismo) depende da gravi- Bicarbonato de Sódio
dade da hipercalemia refletida pela concentração plasmá- Desvia o potássio para dentro das células e é mais efi-
tica de potássio e presença de alterações eletrocardiográfi- caz em pacientes que apresentam algum grau de acidose.36
cas. Portanto, toda vez que se identifica um paciente O bicarbonato de sódio (50-100 mEq) pode ser administra-
hipercalêmico, um eletrocardiograma deve ser obtido. Se do por via endovenosa em 15 a 30 minutos. Lembrar que
o paciente apresentar potássio menor que 6,5 mEq/litro e cada grama de bicarbonato de sódio leva consigo 12 mEq
sem alterações eletrocardiográficas, pode ser suficiente de sódio, o que pode ser um fator limitante nos pacientes
diminuir a ingesta e suspender as drogas que diminuam a com excesso de volume extracelular. No Brasil, uma das
excreção de potássio. apresentações disponíveis de bicarbonato de sódio é na
Se houver alterações eletrocardiográficas ou se o potás- concentração de 8,4%, onde 1 ml contém 1 mEq de bicar-
sio for maior que 6,5 mEq/L, medidas mais agressivas bonato e 1 mEq de sódio.
devem ser tomadas (Quadro 12.6).
Agonistas ␤-adrenérgicos
Cálcio A administração endovenosa ou inalatória destes agen-
A administração endovenosa de cálcio não reduz o po- tes também provoca uma redistribuição do potássio para
tássio plasmático, mas antagoniza os efeitos tóxicos do o intracelular. Estudos foram feitos com o uso de albute-

Quadro 12.6 Terapêutica da hipercalemia aguda


Mecanismo Dose Início Duração

Gluconato de cálcio 10% Antagonismo de 10-20 ml EV 1-3 min 30-60 min


membrana
Bicarbonato de sódio Redistribuição 50-100 mEq EV 5-10 min 2h
Insulina e glicose Redistribuição 20 U de insulina 30 min 4-6 h
simples ⫹ 40 g
de glicose EV
em 1 hora
␤-agonistas inalatórios Redistribuição 10-20 mg 30 min 2h
(Albuterol)
Resina catiônica de Remoção 20-50 g VO 1-2 h 4-6 h
troca (Kayexalate, Sorcal) ou 100 g retal com
sorbitol
Hemodiálise ou diálise Remoção Minutos Da diálise
peritoneal
capítulo 12 209

Quadro 12.7 Diagnóstico da hipocalemia

HIPOCALEMIA
Pseudo-hipocalemia Redistribuição
Depleção real de potássio

Perda extra-renal
Perda renal
(potássio urinário ⬍ 20 mEq/L) (potássio urinário ⬎ 20 mEq/L)

Bicarbonato Pressão Arterial

Baixo Normal Alto Elevada Normal


Diarréias Sudorese Diuréticos
Fístulas profusa Vômitos
intestinais Fístula
baixas gástrica Renina Plasmática Bicarbonato

Alta Baixa Baixo Alto


Hipertensão:
Maligna
Renovascular Acidose Tubular Cloreto Urinário
Aldosterona
Túbulo secretor Renal
renina
Alta Baixa ⬍ 10 mEq/dia ⬎ 10 mEq/dia

Hiperaldos- S. de Cushing Vômitos Diuréticos


teronismo Mineralocorticóide S. de Bartter
primário Hiperpasia Hipomagnesemia
congênita Hiperaldos-
de adrenais teronismo
com pressão
normal
Depleção extrema
de potássio

Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41

rol, 10-20 mg por via inalatória em 4 ml de solução salina, de de insulina. Costuma-se gotejar na veia 200 ml de soro
ou 0,5 mg via endovenosa (no Brasil, o albuterol não é dis- glicosado a 20% com 20 unidades de insulina, durante 60
ponível). Também pode ser utilizada a epinefrina via en- minutos. É necessária cuidadosa observação para sinais de
dovenosa (0,05 ␮g/kg/minuto). Deve ser lembrado que a hipoglicemia, como sonolência, sudorese, taquicardia.
absorção via inalatória é errática e a administração endo-
venosa é potencialmente arritmogênica. Outros efeitos in- Resinas de Troca
cluem: taquicardia e angina de peito em indivíduos susce- As resinas de troca removem o potássio do organismo,
tíveis. Então, estes agentes devem ser evitados em pacien- mas atuam mais lentamente. As resinas são substâncias
tes com doença coronariana. Em pacientes renais crônicos, que, administradas por via oral ou retal, promovem a tro-
que muitas vezes têm doença coronariana subclínica, deve ca de sódio ou cálcio (dependendo da resina empregada)
ser feita monitorização cuidadosa.36 pelo potássio plasmático. Elas são capazes de remover 1
mEq de potássio por grama de resina. É importante lem-
Infusão de Glicose-Insulina brar que as resinas que trocam sódio por potássio (1,7 a 2,5
Desvia o potássio para dentro das células, causando mEq de Na⫹/mEq de K⫹) podem acarretar um excesso de
rápida redução do potássio plasmático. Pode-se utilizar 1 sódio no organismo e, conseqüentemente, determinar so-
unidade de insulina para cada 2 g de glicose. Se o paciente brecarga cardiovascular. No Brasil, a resina disponível é à
não estiver alimentando-se e para evitar hipoglicemia, re- base de poliestirenossulfonato de cálcio (Sorcal), apresen-
comenda-se administrar 4 g de glicose para cada unida- tada em envelopes de 30 gramas.
210 Metabolismo do Potássio

Quadro 12.8 Diagnóstico da hipercalemia

HIPERCALEMIA
PSEUDO-HIPERCALEMIA REDISTRIBUIÇÃO
Garrote Acidose
Hemólise Hiperglicemia
Leucocitose Beta-bloqueadores
Trombocitose Succinilcolina
Intoxicação digitálica
Paralisia periódica

EXCESSO REAL DE POTÁSSIO

TFG ⬍ 10 ml/min TFG ⬎ 20 ml/min


Oligúria de qualquer causa
Aporte de potássio
Exógeno
Endógeno
Hemólise Aldosterona normal ou alta
Necrose de tecido Desordens tubulares primárias
Hipercatabolismo Transplante renal
Lúpus eritematoso
Amiloidose
Aldosterona baixa Anemia falciforme
Uropatia obstrutiva
Drogas
Espironolactona
Triamterene
Amiloride
Renina plasmática baixa Renina plasmática Trimetoprim
Hipoaldosteronismo normal ou alta
hiporreninêmico Doença de Addison
Inibição da PG sintetase Defeitos hereditários na síntese de aldosterona
Ciclosporina Heparina
Inibidores da enzima conversora

Adaptado de Narins, R.G.; Heilig, C.W.; Kupin, W.L.41

Diálise apropriada para sintomas de sobrecarga de volume, uma


Quando os métodos conservadores falham, o tratamen- vez que retém sódio ao mesmo tempo em que elimina
to dialítico remove o potássio do organismo (v. Cap. 48). potássio.

Mineralocorticóides
A fludrocortisona é usada no tratamento dos pacien- EXERCÍCIOS
tes com hipoaldosteronismo, porém com monitorização
1) Um homem de 70 kg e sem perda aparente de massa muscular chega
ao hospital após um quadro de gastroenterite, e a investigação labo-
ratorial mostra um potássio plasmático de 2,8 mEq/L. Calcular o
Pontos-chave: potássio total e a percentagem de déficit.
2) Um paciente chega ao hospital após três dias de vômitos e a investi-
• A hipercalemia é um distúrbio grave, gação mostra um pH de 7,6 e um potássio plasmático de 3,0 mEq/L.
principalmente por suas repercussões sobre Qual seria a concentração de potássio com pH de 7,4?
3) Um paciente etilista, com quadro de vômitos há três dias, vem ao
a condução cardíaca pronto-socorro. Seu espaço extracelular está reduzido em 20%. Potás-
• Eletrocardiograma sempre deve ser sio = 2,3 mEq/L; pH de 7,52 e bicarbonato de 40 mEq/L. Que distúr-
solicitado na hipercalemia bio de potássio apresenta e qual a causa?
4) Ao ser chamado(a) para avaliar uma paciente diabética, renal crôni-
• Os achados no ECG determinam a rapidez ca, com potássio de 6,8, qual sua conduta?
com que deve ser tratada a hipercalemia 5) Paciente de 27 anos, admitido na UTI em mal epiléptico após overdose
de cocaína. pH ⫽ 6,9; bicarbonato ⫽ 12 mEq/L; potássio ⫽ 8,5 mEq/L.
capítulo 12 211

Urina acastanhada, positiva para hemoglobina. Enzimas musculares 23. ALEXANDER, E.A. e LEVINSKY, N.G. An extrarenal mechanism
elevadas. Explique os motivos pelos quais este paciente apresenta of potassium adaptation. J. Clin. Invest., 47:740, 1968.
hipocalemia e qual é o potássio real para um pH de 7,4. 24. TANNER, R.L. Relationship of renal ammonia production and po-
tassium homeostasis. Kidney Int., 11(6):453, 1977.
25. PITTS, R.F. Control of renal production of ammonia. Kidney Int.,
1:297, 1972.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 26. BURNELL, J.M. e col. Metabolic acidosis accompanying potassium
deprivation. Am. J. Physiol., 227:329, 1974.
1. BLACK, D.A.K. Potassium metabolism. Cap. 4, p. 121. In: Clinical 27. BRANDIS, M. e cols. Potassium induced inhibition of proximal tu-
Disorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Eds. Maxwell, M.H. e bular fluid reabsorption in rats. Am. J. Physiol., 222:421, 1972.
Kleeman, C.R. McGraw-Hill Book Co., 1972. 28. SCHWARTZ, W.B. e cols. Acidification of urine and increased
2. GUYTON, A.C. and HALL, J.E. Integration of renal mechanisms for ammonium excretion without change in acid-base equilibrium:
control of blood volume and extracelular fluid volume; and renal sodium reabsorption as a stimulus to acidifying process. J. Clin.
regulation of potassium, calcium, phosphate and magnesium. In: Invest., 34:673, 1955.
Textbook of Medical Physiology. Cap. 29, p. 367-383. W.B. Saunders Co., 29. BAERTL, J.M. e cols. Relation of acute potassium depletion to renal
1996. ammonium metabolism in patients with cirrhosis. J. Clin. Invest.,
3. SEGURO, A.C.; MALNIC, G.; ZATZ, R. Distúrbios do metabolismo 42:696, 1963.
do potássio. In: Fisiopatologia Renal, Ed. Zatz, R. Cap. 8, p. 123-150. 30. van YPERSELE de STRIHOU, C. Potassium homeostasis in renal
Atheneu, 2000. failure. Kidney Int., 11(6):491, 1977.
4. BRENNER, B.; COE, F.L.; RECTOR, F.C. Potassium Homeostasis. In: 31. BANK, N. e AYNEDJIAN, H.S. A micropuncture study of potas-
Renal Physiology in Health and Disease. Eds: Brenner, B.; Coe, F.L.; sium excretion by the remnant kidney. J. Clin. Invest., 52:1.480, 1973.
Rector, F.C. W.B. Saunders Co., 1987. 32. WEIDMAN, P. e cols. Plasma aldosterone in terminal renal failure.
5. PATRICK, J. Assessment of body potassium stores. Kidney Int., Ann. Intern. Med., 78:13, 1973.
11(6):476, 1977. 33. GERSTEIN, A.R. e cols. Aldosterone deficiency in chronic renal fai-
6. BODDY, K. e cols. The relation between potassium in body fluids lure. Nephron, 5:90, 1968.
and total body potassium in healthy and diabetic subjects. Clin. Sci. 34. HAYES, C.P. e cols. An extrarenal mechanism of the maintenance
Mol. Med., 49:385, 1975. of potassium balance in severe chronic renal failure. Trans. Assoc. Am.
7. BLAHD, W.H. Radioisotope techniques, Cap. 15, p. 613. In: Clinical Physicians, 80:207, 1967.
Disorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Eds. Maxwell, M.H. e 35. PRESTON, R.A. Hypokalemia and Hyperkalemia. In: Acid-Base,
Kleeman, C.R. McGraw-Hill Book Co., 1972. Fluids and Electrolytes Made Ridiculously Simple. Caps. 5 e 6, p. 77-96.
8. SCRIBNER, B.H. e BURNELL, J.M. Interpretation of the serum po- Medmaster Inc. Miami, 1997.
tassium concentration. Metabolism, 5:468, 1956. 36. ROSE, B. Potassium. In:. Up to Date, vol. 9, n.1, 2000.
9. Symposium on Ion Channels. Kidney International, vol. 48, out. 1995. 37. GABOW, P.A.; PETERSON, L.N. Disorders of potassium metabo-
10. JAMISON, R.L. e cols. Potassium secretion by the descending limb lism. In: Renal and Electrolyte Disorders. Cap. 5, p. 231-285, Ed: Schrier,
of pars recta of the juxtamedullary nephron in vivo. Kidney Int., 9:323, R.W. Little, Brown, 4th edition, 1992.
1976. 38. ROSE, B.D.; RENNKE, H.G. Disorders of potassium balance. In: Re-
11. KHURI, R.N. e col. Effects of flow rate and potassium intake on dis- nal Pathophysiology — the Essentials. Cap. 7, p. 169-190. Eds: Rose, B.D.;
tal tubule potassium transfer. Am. J. Physiol., 228:1.249, 1975. Rennke, H.G. Williams & Wilkins.
12. GRANTHAM, J.J. Renal transport and excretion of potassium. Cap. 39. SUKI, W.N. e EKNOYAN, G. Tubulo-interstitial disease. Cap. 25,
8, p. 299. In: The Kidney. Eds. Brenner, B.M. e Rector Jr., F.C. W.B. p. 1.126. In: The Kidney. Eds. Brenner, B. M. and Rector Jr, F.C. W.B.
Saunders Co., 1976. Saunders Co., 1976.
13. HALPERIN, M.L.; GOLDSTEIN, M.B. Potassium Physiology. In: 40. MUEHRCKE, R.C. e McMILLAN, J.C. The relationship of chronic
Fluid, Electrolyte and Acid-Base Physiology – A Problem-Based Appro- pyelonephritis to chronic potassium deficiency. Ann. Intern. Med.,
ach. Cap. 9, p. 321-424. W.B. Saunders Co., 1994. 59:427, 1963.
14. KNOCHEL, J.P. Role of glucoregulatory hormones in potassium 41. NARINS, R.G.; HEILIG, C.W.; KUPIN, W.L. The patient with hypo-
homeostasis. Kidney Int., 11(6):443, 1977. kalemia or hyperkalemia. In: Manual of Nephrology, Cap. 3, p. 37-54.
15. WALKER, B.R. e col. Hyperkalemia after triamterene in diabetic Ed.: Schrier, R.W. Little, Brown, 4th edition, 1995.
patients. Clin. Pharmacol. Ther., 13:643, 1972. 42. HAMILL, R.J. Efficacy and safety of potassium infusion therapy in
16. SHAPIRO, A.P. e cols. Effect of thiazides on carbohydrate meta- hypokalemia critically ill patients. Critical Care Medicine, 19(6):694,
bolism in patients with hypertension. N. Engl. J. Med., 265:1028, 1991.
1961. 43. KASSIRER, J.P. e HARRINGTON, J.T. Diuretics and potassium me-
17. ELLIS, S. e BECKETTS, S.B. Mechanism of the potassium mobilizing tabolism: a reassessment of the need, effectiveness and safety of
action of epinephrine and glucagon. J. Pharmacol. Exp. Ther., 142:318, potassium therapy. Kidney Int., 11(6):505, 1977.
1963. 44. CHAPMAN, W.H. e cols. The Urinary System. Cap. 4, p. 114. W.B.
18. CRAIG, A.B.J.R. e col. Blockade of hyperkalemia and hyperglycemia Saunders Co., 1973.
induced by epinephrine in frog liver and in cats. Am. J. Physiol., 45. SCHWARTZ, A.B. e SWARTZ, C.D. Dosage of potassium chloride
197:52, 1959. elixir to correct thiazide-induced hypokalemia. JAMA, 230:702, 1974.
19. SEALEY, J.E. e LARAGH, J.H.A. Proposed cybernetic system for 46. BOEDEKER, E.C. e DAUBER, J.H. Manual of Medical Therapeutics.
sodium and potassium homeostasis: Coordination of aldosterone Cap. 2, p. 44, 21st edition. Little, Brown and Co., Boston, 1974.
and intrarenal physical factors. Kidney Int., 6:281, 1974. 47. DeFRONZO, R.A.; SMITH, J.D. Disorders of potassium metabolism.
20. BODY, J.E. e MULROW, P.J. Further studies of the influence of po- In: Fluid, Electrolyte and Acid-Base Disorders, Eds: Arieff, A.I.; DeFron-
tassium upon aldosterone production in the rat. Endocrinology, zo, R.A., Churchill Livingstone, 1995.
90:299, 1972. 48. LEAF, A.; COTRAN, R.S. Renal Pathophysiology, 2nd edition, New
21. SILVA, P. e cols. Adaptation to potassium. Kidney Int., 11(6):466, York, Oxford University Press, 1980.
1977. 49. KRUPP, A.M. Fluid and electrolyte disorders. Ap. 2, pp. 13-30. In:
22. WRIGHT, F.S. Relation of electrical potencial difference to potassium Current Diagnosis and Treatment. Eds: Krupp, M.A. e Chatton, M.J.
secretion by the distal renal tubule. Int. Congr. Physiol. Sci., 11:115, Lange Medical Publications, 1973. (Gentileza do Dr. Olavo G. Fer-
1974. reira da Silva Jr.)
212 Metabolismo do Potássio

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET Isto significa que, se o pH fosse corrigido para 7,4, o potássio plasmá-
tico seria de 4,5 mEq/L.
http://www.emedicine.com/emerg/topic273.htm — com 3) Este paciente apresenta hipocalemia (potássio menor que 3,5 mEq/L),
exemplos de ECG. que provavelmente se deve à perda renal de potássio, uma vez que a
depleção do espaço extracelular ativa o sistema renina-angiotensina-
http://www.learndoctor.com/chapterpages/chapter22.
aldosterona, aumentando a excreção renal de potássio. Além disso, o
htm — questões para self-assessment com respostas dis- bicarbonato age como um ânion pouco reabsorvível, carregando só-
cutidas – Chris O’Callaghan e Barry Brenner. dio para o túbulo coletor, o que também aumenta a secreção de po-
http://www.seaox.com/lz/lz20-b.html — exemplos de tássio na luz tubular. A alcalose metabólica que este paciente apre-
ECG em hipo- e hipercalemia. senta pode ter ocasionado um desvio iônico de cerca de 0,6 mEq/L
de potássio para o intracelular; seu potássio real deve ser em torno de
http://www.barttersite.com/hyper&hypoK.htm — pági- 2,3 ⫹ 0,6 ⫽ 2,9 mEq/L.
na muito boa, com um artigo de revisão da Medical Cli- 4) Interromper qualquer administração de potássio. Obter um eletrocar-
nics of North America de 1997. diograma. A presença de ondas T apiculadas confirma a hipercale-
http://www.medinfo.ufl.edu/year2/clinmed/Nephro- mia verdadeira. Neste caso, é necessária intervenção imediata para
antagonizar os efeitos tóxicos do potássio sobre a fibra cardíaca (ad-
logy/Potassium.PDF — artigo com bom resumo da clíni-
ministrar cálcio EV). Prosseguir com as outras etapas de tratamento
ca de hipo- e hipercalemia, inclusive com as alterações de da hipercalemia: bicarbonato, glicose-insulina, agentes ␤2-adrenérgi-
ECG e potencial de ação. cos, resinas de troca e diálise. Afastar a possibilidade de redistribui-
ção. Afastar a possibilidade de pseudo-hipercalemia.
5) Este paciente apresenta dados compatíveis com rabdomiólise, possi-
velmente decorrente das convulsões prolongadas. Além disso, apre-
RESPOSTAS DOS EXERCÍCIOS senta acidose metabólica, que pode ter sido causada pelo metabolis-
mo anaeróbio induzido pela hipoxemia e convulsões. O potássio do-
1) Com a ajuda do Quadro 12.4, obtém-se: 45 mEq ⫻ 70 kg ⫽ 3.150 mEq. sado é de 8,5 para um pH de 6,9. O potássio real deste paciente para
Como não há distúrbio ácido-básico, verificamos, na Fig. 12.8, que um um pH de 7,4 é de 5,5. As causas da hipercalemia neste caso poderi-
potássio plasmático de 2,8 corresponde a um déficit de aproximada- am ser: redistribuição, pela acidose metabólica, e destruição de célu-
mente 13% do potássio total, ou seja, em torno de 400 mEq. las musculares, principal reservatório de potássio no organismo. De-
2) Na Fig. 12.9, verificamos que, se não houver alteração no potássio total, vemos realizar um ECG imediatamente e tratar a hipercalemia de
a concentração normal de potássio para um pH de 7,6 seria 3,0 mEq/L. acordo com a seqüência já mencionada.
Capítulo
Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

13 Marcelo Mazza do Nascimento, Miguel Carlos Riella e Marcos Alexandre Vieira

CÁLCIO Introdução
Introdução Causas
Homeostase do cálcio Quadro clínico
Distribuição do cálcio Diagnóstico
Absorção, excreção, balanço interno Formas de apresentação
Fatores que regulam a homeostase do cálcio Hiperfosfatemia
PTH e vitamina D Introdução
Funções no organismo Causas
Hipocalcemia Pseudo-hiperfosfatemia
Definição Quadro clínico
Causas de hipocalcemia Tratamento
Diagnóstico MAGNÉSIO
Quadro clínico Homeostase do magnésio
Tratamento Distribuição
Hipercalcemia Unidades de medida
Definição Absorção, excreção e balanço interno
Resposta adaptativa Fatores que influenciam a excreção de magnésio
Causas de hipercalcemia Funções do magnésio no organismo
Quadro clínico Hipomagnesemia
Diagnóstico Causas
Tratamento Quadro clínico
FÓSFORO Diagnóstico
Introdução Tratamento
Homeostase do fósforo Hipermagnesemia
Distribuição Definição
Absorção, excreção e balanço interno Causas de hipermagnesemia
Mecanismos de transporte Quadro clínico
Fatores que regulam a excreção de fósforo Tratamento
Funções do fósforo no organismo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hipofosfatemia ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
214 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

absorvido no duodeno (400 mg). O suco digestivo acresce


CÁLCIO cerca de 200 mg de cálcio nas 24 horas, perfazendo no to-
tal uma absorção diária de 600 mg.
Introdução Os mecanismos de transporte do cálcio são realizados
tanto de forma ativa quanto passiva. O transporte ativo se
A manutenção da homeostase do cálcio é de fundamen- dá principalmente pela presença de sódio na luz intestinal,
tal importância, do ponto de vista fisiológico, metabólico baixa concentração de cálcio e ação do calcitriol. O meca-
e estrutural, em nosso organismo. Sua participação na cas- nismo não dependente de energia ocorre quando a concen-
cata da coagulação, reações enzimáticas e na transmissão tração de cálcio no lúmen intestinal é alta (13 mg/dl).1,2,3
neuromuscular dá a dimensão de sua importância para que
se mantenham níveis plasmáticos normais.
Rins
Os mecanismos fisiológicos necessários à manutenção
A filtração renal do cálcio se dá pela sua porção difusí-
de níveis séricos normais de cálcio, bem como as alterações
vel (complexos na forma de vários sais e fração ionizável),
deste equilíbrio (hipocalcemia, hipercalcemia), serão dis-
isto é, 60% do cálcio total. A reabsorção tubular do cálcio
cutidos a seguir.
acontece principalmente no túbulo contornado proximal,
ramo ascendente espesso da alça de Henle e no túbulo
Homeostase do Cálcio contornado distal.

DISTRIBUIÇÃO DO CÁLCIO
Ponto-chave:
Cerca de 99% do cálcio do nosso organismo encontra-
se no esqueleto. Um indivíduo normal de 70 kg contém • Cálculo da concentração plasmática de
aproximadamente 1,2 kg de cálcio. Deste total, 5,3 g estão cálcio na presença de hipoalbuminemia
no fluido intracelular, 1,3 g no fluido extracelular (exclu- [Ca] corrigido  [Ca] medido  0,8  (4,5 
indo-se ossos) e mais de 1 kg encontra-se nos ossos sob a
[albumina]
forma de cristais de hidroxiapatita.
A distribuição sanguínea do cálcio se dá da seguinte
maneira: cerca de 50% na forma difusível (cálcio ionizável [Ca] medido em mg/dl
e na forma de complexos) e o restante, não-difusível, liga- Albumina medida em g/dl
do às proteínas plasmáticas. Exemplo: [Ca] medido 7,6 mg/dl
Como a albumina é a proteína mais abundante no plas- Albumina 2,5 g/dl
ma, 90% do cálcio ligado às proteínas encontra-se ligado a [Ca] corrigido  7,6  0,8  2  9,2 mg/dl
ela. Sendo assim, a diminuição dos níveis séricos de albu-
mina determina alterações na concentração de cálcio séri-
No túbulo contornado proximal, o cálcio é reabsorvido
co total. Por exemplo, a diminuição em 1,0 g/dl da concen-
conjuntamente com o sódio, e em estados de depleção de
tração sérica de albumina diminui a concentração de cál-
volume extracelular a sua reabsorção é aumentada. Em
cio total em 0,8 mg/dl. As alterações da concentração séri-
situações de expansão do espaço extracelular, porém, ocor-
ca de globulinas determinam menores variações na con-
re o inverso. Cerca de 60% do cálcio filtrado é reabsorvido
centração de cálcio sérico (1,0 g/dl de globulina para 0,12
no túbulo contornado proximal.
mg/dl de cálcio total).
No ramo espesso ascendente da alça de Henle, outros
A porção do cálcio difusível se divide em fração ionizá-
20 a 25% do cálcio filtrado são reabsorvidos, e drogas que
vel, 90% do total (ultrafiltrável), e o restante formando
atuam neste segmento específico do néfron, como o furo-
complexos com bicarbonato, citrato, fosfato, lactato e sul-
semide, aumentam a excreção de cálcio, como se verá pos-
fato. A fração ionizável de cálcio varia com o pH sanguí-
teriormente.
neo, sendo que a alcalose diminui a concentração de cál-
cio ionizável, ao contrário da acidose. Alteração em 0,1
unidade no pH sérico modifica a ligação proteína-cálcio em Ponto-chave:
0,12 mg/dl.1,2,3 • No túbulo contornado proximal o cálcio é
reabsorvido conjuntamente com o sódio e
ABSORÇÃO, EXCREÇÃO, BALANÇO INTERNO na presença de depleção extracelular a sua
Absorção Intestinal reabsorção aumenta. Na presença de
Um indivíduo normal ingere aproximadamente 1.000 expansão extracelular, ocorre o inverso, e
mg de cálcio elementar ao dia (15 mg/kg/dia). Dependen- isto pode ser usado no tratamento da
do da concentração de 1,25-diidroxivitamina D3 (calcitri- hipercalcemia
ol) e do conteúdo de cálcio na dieta, 20 a 40% deste total é
capítulo 13 215

pela tireóide, fazendo com que aconteça uma diminuição na


produção de calcitriol, normalizando os níveis de cálcio.
Os principais reguladores da atividade da 1-hidroxi-
lase são o PTH (estímulo) e o fósforo inorgânico, sendo que
a hiperfosfatemia possui uma ação inibidora da atividade
enzimática, ao contrário da hipofosfatemia.

Funções no Organismo
A função do cálcio no organismo humano a nível celu-
lar se dá principalmente pela estabilização das membra-
nas celulares e pelo transporte de sódio e potássio. Seu
papel em processos como a endocitose e a exocitose está
bem estabelecido.1,2,3,7
No osso exerce função estrutural. A transmissão neuro-
muscular e a excitação nervosa são dependentes do cálcio, já
Fig. 13.1 Demonstração das áreas e da proporção de reabsorção que este regula a entrada de sódio e potássio no interior da
de cálcio. célula, necessária para a propagação do potencial de ação.7
No músculo o cálcio se liga à superfície da célula deter-
minando o nível de despolarização necessária para que se
A regulação da reabsorção do cálcio ocorre no túbulo inicie a contração. Também a intensidade de contração
contornado distal (10% do total), pela ação do PTH e do depende da concentração de cálcio ionizado a nível intra-
calcitriol. Estas substâncias aumentam a reabsorção local celular. Daí se percebe que as alterações para cima ou para
através de mecanismos ativos da bomba de cálcio e trocas baixo dos níveis de cálcio causam sinais e sintomas princi-
de sódio por cálcio. palmente a nível neuromuscular.

Fatores que Regulam a Hipocalcemia


Homeostase do Cálcio
DEFINIÇÃO
PTH E VITAMINA D A queda do cálcio sérico total abaixo de 8,8 mg/dl é
A vitamina D3 é formada a partir da dieta e da clivagem indicativo de hipocalcemia, porém isto não define uma
fotolítica na pele do 7-desidrocolesterol. A vitamina D2, pro- diminuição da concentração da fração ionizável, já que
veniente de fonte dietética (ergosterol), juntamente com a existe uma ligação do cálcio à albumina. Para cada queda
vitamina D3, são as formas ativas da vitamina D no sangue. de albumina em 1,0 g/dl abaixo de 4,0 g/dl, adicionamos
No fígado a vitamina D sofre a ação da 25-hidroxivita- 0,8 mg/dl à concentração total de cálcio plasmático (v. fór-
mina D3 (calcidiol), que nos rins, pela ação da 1-hidroxi- mula mais precisa no ponto-chave, anteriormente).
lase diidroxivitamina D3 (1-hidroxilase), transforma-se Nas situações de hipocalcemia, a resposta do organismo
em calcitriol. se dá pela atuação das paratireóides na liberação de PTH.
Em situações de hipocalcemia ou em estados de deman- Quando a normocalcemia é atingida, diminui a secre-
da de cálcio, é feita a conversão de calcidiol em calcitriol, ção de PTH, e este efeito de retroalimentação negativo é
porém em estados de normocalcemia o calcitriol não é for- exercido e estimulado pelo aumento do calcitriol e norma-
mado em grande quantidade.1,2,3 lização dos níveis de cálcio.7,8
O calcitriol aumenta o transporte de cálcio no intestino,
HIPOCALCEMIA
age no néfron distal aumentando a reabsorção de cálcio e
nos ossos aumenta a mobilização de cálcio.
O PTH em situações de hipocalcemia tem sua síntese PTH
aumentada e agirá sobre os ossos aumentando a ativida-
Fração excretora de cálcio Mobilização
de das células reabsortivas (osteoclastos). Nos rins, no tú- óssea
Atividade da 1-hidroxilase
bulo distal aumenta a reabsorção de cálcio e estimula a 25(OH)D3
atividade da enzima 1-hidroxilase, com conseqüente
maior síntese de calcitriol. A normocalcemia e o aumento Calcitriol
do calcitriol agem como inibidores da secreção de PTH.
Já em situações de hipercalcemia, dar-se-á uma inibição da
produção de PTH e um estímulo à liberação de calcitonina NORMOCALCEMIA
216 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

CAUSAS DE HIPOCALCEMIA alterações cardiovasculares). O diagnóstico é feito por um


São inúmeras as causas de hipocalcemia. As principais não-aumento do AMP cíclico urinário à infusão de PTH.
que se apresentam na prática clínica serão comentadas a No pseudo-hipoparatireoidismo tipo 2, há a formação
seguir (v. Quadro 13.1). de AMPc urinário, porém com uma resposta fosfatúrica
prejudicada (diminuída). Os níveis de PTH no sangue se
Hipoparatireoidismo apresentam normais ou elevados.
Idiopático. A forma idiopática se encontra ligada a de-
feitos na embriogênese ou sendo parte de síndromes Hipomagnesemia (v. Hipomagnesemia)
poliglandulares. Na primeira forma, há uma ausência con- A hipocalcemia vista nos pacientes com deficiência em
gênita das quatro glândulas que, quando associada à au- magnésio acontece principalmente nos etilistas, que con-
sência de timo, é conhecida como síndrome de DiGeorge.1,10 comitantemente apresentam má absorção intestinal e dé-
Quando associado a síndromes poliglandulares, inclui ficit de vitamina D. Níveis séricos menores que 0,8 mEq/L
insuficiência supra-renal, hipogonadismo primário, diabe- de magnésio atuam sobre as paratireóides diminuindo a
tes mellitus, hepatite crônica ativa, má absorção, anemia liberação e a ação do PTH; nos ossos, reduzindo a mobili-
perniciosa. Anticorpos antiparatireóide são encontrados zação de cálcio e inibindo sua ação diretamente no túbulo
em até 40% dos casos.10 renal. A hipocalcemia nesta situação só será corrigida com
Pós-cirúrgico. A forma mais comum de hipoparatireoi- reposição de magnésio.11
dismo é a cirurgia na região cervical (doença de Graves,
das paratireóides, câncer de tireóide). Estes pacientes po- Hiperfosfatemia (v. Hiperfosfatemia)
dem desenvolver hipocalcemia grave com 24 horas de pós- A hiperfosfatemia causa diminuição na produção de
operatório. A hipofosfatemia e a hipomagnesemia acom- calcitriol, pela inibição da atividade da 1-hidroxilase, com
panham o quadro clínico.10 conseqüente menor formação de calcitriol diminuindo a
absorção intestinal e óssea de cálcio. A infusão de fósforo
Pseudo-hipoparatireoidismo pode fazer com que haja precipitação de cálcio quando o
Nesta síndrome há uma resistência periférica (rins e produto cálcio  fósforo atinge 70.2,3,13,14
esqueleto) à ação do PTH. A osteodistrofia hereditária de
Albright (pseudo-hipoparatireoidismo do tipo 1), com suas Drogas Anticonvulsivantes
alterações somáticas características (face arredondada, Cerca de 20% dos pacientes epilépticos recebendo dro-
pescoço grosso, retardo mental, encurtamento de falange, gas anticonvulsivantes apresentam hipocalcemia e osteo-
tórax em barril), é o exemplo clássico deste quadro, que tem malácia.
como característica uma não-formação de AMP cíclico Níveis subnormais de calcitriol, por inibição da 1-hi-
(AMPc) em resposta ao PTH.1,2,10 droxilase ou maior degradação enzimática do calcidiol no
Os pacientes apresentam sinais de hipocalcemia crôni- hepatócito, são hipóteses que tentam explicar este achado.
ca (catarata, achados neuromusculares, dentição anormal,
Relacionadas à Vitamina D
Má Absorção. Encontrada em etilistas, idosos e pacien-
tes com esteatorréia (lipossolubilidade da vitamina D), que
Quadro 13.1 Causas de hipocalcemia apresentam absorção diminuída de vitamina D.
Drogas. Rifampicina, isoniazida e cetoconazol podem
HIPOPARATIREOIDISMO PRIMÁRIO
diminuir a síntese de calcitriol e calcidiol. A gentamicina
Idiopático
Pós-cirúrgico pode causar hipocalcemia por mecanismo indireto devi-
PSEUDO-HIPOPARATIREOIDISMO do à perda de magnésio pela urina.
HIPOCALCEMIA ASSOCIADA A DOENÇA MALIGNA
HIPOMAGNESEMIA
SÍNDROME DO CHOQUE TÓXICO NEONATAL Pontos-chave:
PANCREATITE AGUDA
INSUFICIÊNCIA RENAL • Hipocalcemia resistente ao tratamento pode
HIPERFOSFATEMIA RELACIONADA À VITAMINA D ser secundária a hipomagnesemia e só
Dietético (baixa ingesta) melhora com a correção dos níveis séricos
Má absorção
Terapia anticonvulsivante de magnésio
Doença hepática • Hiperfosfatemia inibe a atividade da 1-
Raquitismo dependente de vitamina D hidroxilase, diminuindo a produção de
DOENÇAS TUBULARES RENAIS
DROGAS (mitramicina, colchicina, furosemide, citrato calcitriol e logo diminuindo a reabsorção
endovenoso, drogas anticonvulsivantes) intestinal de cálcio
capítulo 13 217

Doença Hepática Crônica. A hipocalcemia pode ocor- DIAGNÓSTICO


rer nesta situação pela deficiência na 25-hidroxilação da O diagnóstico de hipocalcemia deve levar em conta a sua
vitamina D e deficiência na formação de bile (diminuição fração ionizável, que se detecta por medidas diretas (nor-
na absorção intestinal da vitamina D). mal de 4,75 a 5,2 mg/dl) ou do cálcio sérico total, conside-
Raquitismo Dependente de Vitamina D. Há dois tipos rando as correções quanto à medida de albumina sérica e
fundamentais: pH (v. discussão anterior).
O comportamento dos níveis séricos de fósforo pode
Tipo I – Deficiência enzimática da 1-hidroxilase. auxiliar na descoberta da etiologia da hipocalcemia. A hi-
Tipo II – Resistência periférica à ação ao calcitriol. perfosfatemia sugere hipoparatireoidismo, pseudo-hipo-
paratireoidismo e insuficiência renal, enquanto a hipofos-
Estes pacientes desenvolvem hipofosfatemia grave, por fatemia é comumente observada nos casos de hiperparati-
diminuição da absorção intestinal de fósforo, e fosfatúria reoidismo secundário (diminuição na produção renal de
devido ao hiperparatireoidismo secundário, ocasionando calcitriol) e em outros distúrbios da vitamina D.
deformidades ósseas significativas.8,10,12 Medidas séricas do PTH podem distinguir os pacientes
com hipoparatireoidismo primário de pacientes com pseu-
Causas Renais do-hipoparatireoidismo.
Síndrome Nefrótica. A diminuição dos níveis de A medida na urina de fósforo, cálcio e AMP cíclico após
calcidiol tem sido relatada, proporcionalmente à intensi- infusão de PTH (teste de Ellsworth-Howard) auxilia no
dade da proteinúria e da hipoalbuminemia. Suspeita-se diagnóstico diferencial de hipoparatireoidismo primário,
que a perda da proteína ligante de vitamina D seja elimi- que apresenta aumento dos níveis de AMPc e fósforo com
nada na urina. diminuição da excreção de cálcio, não havendo nenhuma
Disfunções Tubulares. As disfunções tubulares distais mudança destes parâmetros quando da suspeita de pseu-
e proximais podem causar hipocalcemia e raquitismo. A do-hipoparatireoidismo.
interferência da acidose na produção de calcitriol tem sido A concentração de calcidiol se encontra diminuída nos
descrita. pacientes com má absorção intestinal e déficit de vitamina
Insuficiência Renal Crônica. A hipocalcemia aparece D. A suspeita de hipomagnesemia, como causa de hipo-
devido à retenção de fósforo e diminuição da produção de calcemia, dá-se quando os níveis plasmáticos de magné-
calcitriol, com conseqüente hiperparatireoidismo secundá- sio se encontram abaixo de 1,2 mg/dl.1,2,3,7,8,12,13,14 Nos paci-
rio.1,2,3,6,13 A concentração sérica elevada ou normal de entes com concentração diminuída de calcidiol, a presen-
calcidiol, com calcitriol diminuído, sugere a presença de ça de hipocalcemia e hipofosfatemia são indicadores de
insuficiência renal crônica ou raquitismo dependente de baixa absorção e ingestão de alimentos. As concentrações
vitamina D. de PTH devem ser dosadas conjuntamente com cálcio sé-
rico e variam conforme a causa de hipocalcemia. Pacien-
Outras Causas tes com hipomagnesemia podem ter PTH elevado, normal
Doenças Malignas. Câncer de próstata, mama, ou leu- ou baixo. Sua concentração geralmente é reduzida nos
cemia aguda podem causar hipocalcemia (não devido à pacientes com hipoparatireoidismo. Anormalidades como
hipoalbuminemia) em decorrência de lesões osteoblásticas pseudo-hipoparatireoidismo ou distúrbios no metabolis-
no esqueleto que captam cálcio. mo da vitamina D apresentam concentrações de PTH ele-
Pancreatite Aguda. Várias causas concorrem para a hi- vadas.
pocalcemia nesta situação: insuficiência renal aguda, ní-
veis elevados de calcitonina, necrose gordurosa, que nes- QUADRO CLÍNICO
ta situação formam sais insolúveis de gordura com o cál- As principais manifestações clínicas encontradas na hi-
cio. pocalcemia são principalmente de caráter neuromuscular
Hipocalcemia Pré-natal. Níveis baixos de PTH e níveis (v. Quadro 13.2).
elevados de calcitonina nos três primeiros dias de nasci- Neuromuscular. Tetania e convulsões são as manifes-
mento podem ser responsáveis por esta síndrome. Ocorre tações mais graves. A tetania latente pode ser demonstra-
mais em filhos de mães diabéticas, prematuros e com an- da pelo sinal de Chvostek (encontrado em 10% da popu-
gústia respiratória. lação normal) percutindo-se o nervo facial após sua saída
Síndrome do Choque Tóxico. Ocorre em mulheres jo- do canal auditivo, sendo positivo quando se observa uma
vens que utilizam tampões durante a menstruação e é pro- contração da musculatura da hemiface.1,2,3
duzida por algumas cepas de estafilococo que provocam Outro sinal para se detectar tetania incipiente é o de
o choque endotóxico. Trousseau, que não se encontra em pessoas normais e
Alcalose Respiratória. Aumenta a ligação do cálcio io- consiste em se insuflar o manguito do aparelho de pres-
nizável à albumina. são arterial 3 mmHg acima da pressão arterial sistólica por
218 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

dual quando ocorre infusão rápida ou no extravasamento


Quadro 13.2 Manifestações clínicas da hipocalcemia
tecidual.
NEUROMUSCULARES A administração de cálcio deve ser feita até o desapare-
Tetania cimento dos sintomas, repetindo a infusão de gluconato a
Convulsões 10% lentamente na dose de 0,5 a 1,5 mg/kg/hora (90 mg
Papiledema
de cálcio elementar em 10 ml da ampola), com monitora-
Ansiedade, depressão, psicose
ECTODÉRMICAS ção dos níveis séricos, até atingir uma concentração de
Pele seca cálcio total de 8,0 mg/dl.
Perda de cabelo Alguns cuidados devem ser tomados quanto à infusão
Catarata de cálcio.
Eczema
CARDIOVASCULARES • Pacientes tomando digital. A infusão de cálcio aumen-
Hipotensão ta a sensibilidade miocárdica à intoxicação por digital,
Arritmias devendo-se fazer a monitoração cardíaca durante a in-
Insuficiência cardíaca
GASTRINTESTINAL fusão.
Esteatorréia • Hipopotassemia e hipomagnesemia devem ser corrigi-
das.
• Irritação endovenosa pode acontecer, se a solução for
muito concentrada.
• A solução não deve ter bicarbonato ou fosfato, pois po-
3 min, observando-se então a pressão de contração espas- dem formar complexos insolúveis com o cálcio.
módica dos músculos da região. O sinal é negativo em 34% Forma Crônica. Administração oral de cálcio e vitami-
dos pacientes com hipocalcemia latente. na D nas situações de deficiência vitamínica e diminuição
Convulsões e distúrbios emocionais, como irritabilida- da função das paratireóides.
de, labilidade emocional, alucinações e depressão, também Cálcio na forma oral deve ser dado para que se atinja
são observados.1,2,3 uma concentração de 1 g de cálcio elementar ao dia. As
Cardiovascular. Hipotensão arterial e arritmias (cujo formas de apresentação incluem o carbonato de cálcio em
eletrocardiograma aponta prolongamento do intervalo QT comprimidos de 500 mg com 400 mg de cálcio elementar,
e alterações de onda T) têm sido descritas. e acetato de cálcio, comprimidos de 350 mg com 87,5 mg
Lesões Dermatológicas. Anormalidades da pele, unhas, de cálcio elementar.
dentes e oculares são vistas na hipocalcemia crônica.
Gastroenterológicas. Constipação e dor abdominal
podem fazer parte do quadro. Diarréia com deficiência de
absorção de vitamina B6 e gorduras ocasionalmente podem Pontos-chave:
aparecer.
• Hipocalcemia: Ca  8,8 mg/dl
• Relação cálcio-albumina: Redução de 1,0 g/
TRATAMENTO
Deve-se tratar a hipocalcemia quando o valor corrigido dl no valor da albumina abaixo de 4,0 eleva
de cálcio sérico total é inferior a 7 mg/dl e naqueles paci- 0,8 no valor do cálcio total
entes cujos sintomas neuromusculares (tetania, parestesi- • Diagnóstico: Nível de cálcio total corrigido
as, convulsões) estão presentes. ou cálcio ionizável. Correlacionar com
A terapêutica também se divide quanto à apresentação níveis de fósforo e PTH e calcidiol para
na forma aguda e crônica. facilitar o diagnóstico. Pesquisar sinais de
Forma Aguda. A situação clínica mais evidente nesta Trousseau e Chvostek
forma de apresentação é pós-paratireoidectomia. A abor- • Quadro clínico: Caracteriza-se por
dagem nesta situação deve ser encarada como urgente. Os
manifestações neuromusculares
sintomas geralmente estão presentes quando os valores de
• Tratamento: Forma aguda — Gluconato de
cálcio total são menores que 7,0 mg/dl.
A administração endovenosa de gluconato de cálcio cálcio 10% lentamente. Correção do
a 10% (1 a 2 g de gluconato de cálcio-cálcio intravenoso, magnésio e potássio concomitante se
100 a 200 mg de cálcio elementar), infundindo num tem- necessário
po não inferior a 10 minutos, é a abordagem inicial. Ou- • Tratamento: Forma crônica — Cálcio oral,
tras formas de apresentação incluem o cloreto e o citrato vitamina D ou tiazídicos conforme a
de cálcio. O gluconato de cálcio é a apresentação esco- etiologia
lhida geralmente pela menor propensão a necrose teci-
capítulo 13 219

Vitamina D. A vitamina D, como já foi visto, aumenta CAUSAS DE HIPERCALCEMIA


os níveis séricos de cálcio, conseqüentemente provocando As duas principais causas de hipercalcemia são hi-
hipercalciúria. Devido a este fato, nefrocalcinose e calcifi- perparatireoidismo e malignidade. As etiologias prin-
cação de tecidos moles podem ser observadas. cipais deste distúrbio serão descritas a seguir (v. Qua-
A monitoração dos níveis de cálcio no sangue e na uri- dro 13.3).
na deve ser feita periodicamente. As formas de vitamina
D mais utilizadas são o calcitriol (biologicamente mais Hiperparatireoidismo Primário
potente — de 0,5 a 1,0 g) e a outra menos ativa, o ergo- Incidência. O hiperparatireoidismo primário apresen-
calciferol (vitamina D3 — 1 a 10 g/dia). ta uma média anual de incidência na população de 22 ca-
A hiperfosfatemia pode acontecer com a correção da sos por 100.000, havendo um aumento progressivo com a
hipocalcemia pela vitamina D e aumentar os riscos de ne- idade, sendo duas vezes mais comum nas mulheres do que
frocalcinose e calcificação de partes moles. Manutenção dos nos homens.
níveis de fósforo através da dieta e drogas como acetozo- Causas. Cerca de 85% dos pacientes com hiperparati-
lamide pode ser de utilidade clínica. reoidismo primário têm como causa principal o adenoma
Tiazídicos. Limitam a excreção urinária de cálcio, dimi- simples de uma das quatro glândulas da paratireóide. O
nuindo as necessidades de vitamina D e cálcio (v. Hiper- restante se deve à hiperplasia e carcinoma, este responsá-
calcemia).1,2,3,13 vel por menos de 1% dos casos.
As causas podem ser de origem genética ou devido à
Hipercalcemia irradiação da região cervical. A causa genética mais conhe-
cida é a neoplasia endócrina do tipo I. Prévia irradiação da
DEFINIÇÃO cabeça e pescoço pode dar origem a adenomas, numa in-
A hipercalcemia é definida quando os níveis séricos de cidência que pode atingir 4 a 11%. A hipercalcemia se de-
cálcio total são superiores a 10,5 mg/dl. Em aproximada- senvolve pelo aumento da produção de PTH, com conse-
mente 80% dos casos, as causas mais comuns são hiperpa- qüente aumento na reabsorção tubular de cálcio e diminui-
ratireoidismo e tumores malignos. ção de sua excreção. O conseqüente estímulo da atividade
osteoclástica e aumento do turnover ósseo é demonstrado
pelo aumento dos níveis de fosfatase alcalina, osteocalci-
RESPOSTA ADAPTATIVA
na e hidroxiprolina urinária.
Os eventos metabólicos principais que ocorrem em res-
O aumento dos níveis de calcitriol determina incremento
posta à hipercalcemia são apresentados abaixo:
da absorção intestinal de cálcio. O PTH também eleva a
A hipercalcemia provoca a diminuição na liberação de
PTH e aumento na produção de calcitonina, provocando
diminuição na atividade da 1-hidroxilase e conseqüen-
Quadro 13.3 Causas de hipercalcemia
HIPERCALCEMIA HIPERPARATIREOIDISMO
• Primário
• Terciário: Má absorção/Insuficiência renal crônica
Liberação de PTH
e (IRC)
Calcitonina
ASSOCIADA A DOENÇAS MALIGNAS
ASSOCIADA A DOENÇAS ENDÓCRINAS
Atividade 1-hidroxilase • Hipertireoidismo
25(OH)D3 • Feocromocitoma
• Insuficiência adrenal
Fração excretora de cálcio Mobilização
óssea SARCOIDOSE E OUTRAS DOENÇAS
Calcitriol GRANULOMATOSAS
INTOXICAÇÃO POR VITAMINA D
INTOXICAÇÃO POR VITAMINA A
NORMOCALCEMIA SÍNDROME ÁLCALI-LEITE
IMOBILIZAÇÃO PROLONGADA
ASSOCIADA A DROGAS
te redução do calcitriol. Por conseguinte, isto se traduz na • Diuréticos tiazídicos
redução da absorção e reabsorção do cálcio na luz intes- • Carbonato de lítio
tinal e no túbulo distal, respectivamente, com aumento • Estrógenos
da fração excretora de cálcio e diminuição da mobiliza-
DOENÇA DE PAGET
ção do cálcio ao nível ósseo, levando à normocalce-
HIPERCALCEMIA IDIOPÁTICA DA INFÂNCIA
mia.1,2,5,17
220 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

excreção de fósforo e bicarbonato urinário, devido à dimi- gos do calcitriol, como 22-oxacalcitriol, pode ser uma al-
nuição da reabsorção no túbulo proximal destes íons e ternativa no futuro.54
ocasionando uma acidose metabólica hiperclorêmica, além Produção de Fatores que Estimulam Osteoclastos e
de elevação do AMPc urinário. Análogos da Vitamina D. Tumores hematológicos como
Diagnóstico. Além da hipercalcemia, a elevação dos o mieloma causam hipercalcemia devido à liberação de
níveis de PTH (tanto fração terminal como região média citocinas produzidas pelas células malignas, que são os
da molécula) é característica da doença. Os pacientes se fatores de ativação do osteoclasto nas superfícies ósseas tra-
apresentam habitualmente com cálculos renais recorren- beculares. Linfomas de células T podem produzir calcitri-
tes e ocasionalmente com alterações ósseas características ol. Os tumores de mama, além de poderem aumentar a
(aumento da reabsorção óssea pelo aumento da atividade absorção óssea diretamente através de suas células malig-
osteoclástica), levando à osteíte fibrosa e à osteopenia. É nas, podem produzir prostaglandinas que estimulam a
importante notar que pacientes apresentam carcinoma de atividade osteoclástica.2,5,17,18
paratireóide em 10% dos casos.
Tratamento. A cirurgia com remoção do tecido anormal Tireotoxicose
da paratireóide é o tratamento de escolha. Naqueles paci- É uma causa relativamente freqüente de hipercalcemia,
entes com quadro discreto, assintomáticos, o tratamento com incidência chegando a 10 a 20% dos pacientes porta-
clínico pode estar indicado, devendo o paciente ser acom- dores deste distúrbio. O hormônio tireoidiano age direta-
panhado freqüentemente (v. tratamento da hipercalcemia). mente no osso, acelerando o turnover ósseo. O tratamento
Em mãos experimentadas, a cura pela cirurgia pode che- do hipertireoidismo é eficaz na diminuição dos níveis de
gar a 95% dos casos.1,2,5,6,12,17 cálcio.2,5

Malignidade Doenças Granulomatosas


Incidência. É a causa mais comum de hipercalcemia
Dentre as doenças granulomatosas, como tuberculose,
encontrada em pacientes internados, sendo a segunda cau-
histoplasmose, candidíase e coccidioidomicose, destaca-se
sa mais freqüente, depois do hiperparatireoidismo. Estima-
a sarcoidose como a principal causa de hipercalcemia.
se a incidência de 135 casos de câncer por ano que desen-
A hipercalcemia na sarcoidose se deve ao fato dos ma-
volvem hipercalcemia. Os principais tumores envolvidos
crófagos (localizados no pulmão destes pacientes) conver-
estão descritos no Quadro 13.4.
terem o calcidiol em calcitriol. Isto provoca um aumento
Causas. Os mecanismos principais envolvidos no desen-
da reabsorção intestinal de cálcio, com conseqüente su-
volvimento de hipercalcemia incluem:
pressão da produção de PTH, resultando em hipercalci-
Produção de PTHrP (Peptídio Relacionado ao Parator-
úria, formação de cálculos de oxalato de cálcio e nefro-
mônio). Esta substância produzida pelo tumor, com estru-
calcinose.
tura de aminoácidos semelhante ao PTH, liga-se aos seus
O acometimento renal pela sarcoidose associado a ne-
receptores, aumentando a reabsorção tubular de cálcio e
frocalcinose leva à insuficiência renal observada neste dis-
também ao nível ósseo.
túrbio. A medida da concentração sérica do PTH é de fun-
Os tumores mais envolvidos na produção de PTHrP são:
damental importância no diagnóstico diferencial, pois o hi-
tumor de células escamosas do pulmão, pescoço e carci-
perparatireoidismo pode ocorrer conjuntamente com a sar-
noma de células renais. A abordagem da hipercalcemia
coidose.1,2,5
induzida por câncer poderá ocorrer com a redução da li-
beração de proteína relacionada ao PTH. O uso de análo-
Imobilização
A imobilização prolongada é uma causa conhecida de
Quadro 13.4 Hipercalcemia e malignidade hipercalcemia e hipercalciúria. A perda de massa óssea é
acompanhada de paralisia muscular de qualquer etiologia
INCIDÊNCIA
— a chamada osteoporose de desuso.
(em porcentagem)
A hipercalcemia suprime a produção de PTH e forma-
Pulmão 35 ção de calcitriol, promovendo a hipercalciúria e conseqüen-
Mama 25 te nefrolitíase. A causa principal de imobilização é o trau-
Hematológico 14 ma raquimedular, porém outras situações como poliomi-
(mieloma, linfoma)
Cabeça/Pescoço 6
elite, síndrome de Guillain-Barré e queimaduras extensas
Renal 3 são outras causas descritas.1,2,5
Próstata 3
Origem desconhecida 7 Intoxicação por Vitamina D
Outros 8
A maior parte dos casos desenvolve-se durante o trata-
Adaptado de Mundy, G.R. e Martin, T.J. Metabolism, 31:1247-77, 1982. mento com vitamina D em casos de hipoparatireoidismo,
capítulo 13 221

doenças ósseas ou tentativas de minorar os efeitos do cor- Aminofilina. A toxicidade por aminofilina tem sido
ticóide sobre o esqueleto a longo prazo. relatada como causa de hipercalcemia em até 20% dos ca-
Também doses excessivas de suplementos vitamínicos sos. A causa do distúrbio é desconhecida.1,2,5
podem causar intoxicação. A hipercalcemia é devida tan- Aspirina. Níveis tóxicos de ácido acetilsalicílico podem
to a um aumento na absorção óssea, como a um aumento causar hipercalcemia, sem aumento nos níveis de albumi-
na absorção intestinal. A presença de hiperfosfatemia, di- na.
minuição da função renal (nefrocalcinose) e deposição te- Estrógenos e Antiestrógenos. Podem causar hipercal-
cidual de cálcio nos tecidos são outros achados. Altas con- cemia no tratamento do câncer de mama metastático.
centrações de vitamina D aumentam a 25-hidroxilação
hepática, elevando os níveis de calcidiol. Por outro lado, a Outras Causas
1-hidroxilação no rim é inibida por altas concentrações Síndrome Álcali-leite. Esta doença está associada à in-
de calcitriol, determinando nesta situação níveis altos de gestão de carbonato de sódio (forma de antiácido) mais
calcidiol e normais de calcitriol.1,2,5,8,16,17 leite. A fisiopatologia deste distúrbio envolve a hiperab-
sorção intestinal de cálcio e álcali, como também a excre-
Drogas ção urinária inadequada de cálcio, diminuição da função
Diuréticos Tiazídicos. A maior parte de seus efeitos no renal e alcalose metabólica. Hoje em dia esta síndrome é
metabolismo de cálcio pode ser explicada pela contração menos comum, restringindo-se aos casos de uso de cálcio
do volume plasmático, associada à dieta hipossódica ge- no tratamento da osteoporose.2,5,17
ralmente prescrita aos pacientes hipertensos (aumentan- Intoxicação por Vitamina A. A vitamina A é um fator
do a reabsorção proximal de cálcio conjuntamente com o de estímulo à atividade do osteoclasto e, quando ingerida
sódio, devido à depleção de volume extracelular). Especu- numa quantidade superior a 50.000 UI/dia, pode causar
la-se um efeito potencializador do PTH nos rins. osteopenia por diminuição da função do osteoblasto. O
Geralmente não se observam elevações significativas achado radiológico característico é a calcificação laminar
dos níveis séricos de cálcio (acima de 11 mg/dl), ocorren- periosteal que pode ser vista na radiografia das mãos.5,17
do na maioria das vezes a reversão da hipercalciúria e hi- Hipercalcemia Hipocalciúrica Familiar. É uma patolo-
gia que se caracteriza pela presença de hipercalcemia e
percalcemia. Elevações significativas do cálcio sérico com
diminuição na fração excretora de cálcio (menor que 100
uso crônico de tiazídico devem levar à suspeita de outras
mg/g de creatinina), transmitindo-se como um traço au-
doenças subjacentes, em especial o hiperparatireoidis-
tossômico dominante. Difere do hiperparatireoidismo por
mo.1,2,5,17
apresentar uma diminuição na fração excretora de cálcio e
Diuréticos de Alça. Agem diminuindo a reabsorção de
níveis normais de PTH. A presença de familiares com este
cálcio na alça de Henle, porém este efeito pode ser masca-
distúrbio auxilia no diagnóstico. A maioria dos pacientes
rado pela contração de volume. Nestes casos, geralmente
não requer tratamento.1,2,5,17
associados a dieta hipossódica, maior quantidade de cál-
Doença de Addison. Os mecanismos envolvidos nesta
cio é reabsorvida no túbulo proximal e menos cálcio che-
patologia devem-se principalmente à contração de volu-
ga até a alça de Henle, podendo piorar estados prévios de
me aumentando a reabsorção tubular de cálcio e deficiên-
hipercalcemia.1,2,5,17,39
cia na ação do glicocorticóide, que normalmente possui
Carbonato de Lítio. Têm sido descritos casos (em tor-
uma ação antivitamina D.17
no de 5%) de pacientes em uso desta mediação nos quais a Insuficiência Renal Aguda. A hipercalciúria pode, por
suspensão da droga faz com que haja retorno dos níveis si só, causar insuficiência renal (mecanismo de vasocons-
de cálcio sérico aos valores normais. trição renal), principalmente na sarcoidose, mieloma, in-
toxicação por vitamina D, ou ser sua conseqüência, como
ocorre na fase de recuperação da insuficiência renal agu-
Pontos-chave: da e na rabdomiólise.1,2,5,17
• Hiperparatireoidismo e doença maligna são Insuficiência Renal Crônica. É observada principal-
mente nos pacientes em hemodiálise em que a água usada
as principais causas de hipercalcemia
no tratamento contém alta concentração de alumínio. Isto
• Neoplasias de pulmão e mama são as mais
ocorre pelo fato de que o alumínio, ao ser depositado no
freqüentemente associadas à hipercalcemia osso, retarda a formação óssea e inibe a atividade osteo-
• Hipercalcemia e hipofosfatemia sugerem blástica. A osteomalácia resultante não responde à vitami-
hiperparatireoidismo ou malignidade na D, e o osso não atua mais como depósito de cálcio, re-
• Mais recentemente o uso indiscriminado de sultando em hipercalcemia.
multivitamínicos contendo vitamina D tem A hipocalcemia crônica da IRC pode levar ao desenvol-
sido associado à hipercalcemia vimento de hiperparatireoidismo secundário, por estímu-
lo contínuo na glândula, tornando-se esta autônoma. O uso
222 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

continuado de quelantes de fósforo, que contenham cálcio que são: constipação, anorexia, náuseas, vômitos e úlcera
(carbonato de cálcio e acetato de cálcio), e de calcitriol pode duodenal.
levar à hipercalcemia.1,2,5,17 Renal. A litíase renal pode ser observada nos quadros
Pseudo-hipercalcemia. Elevações na concentração de de hiperparatireoidismo. A nefrocalcinose (calcificação
proteínas plasmáticas no sangue podem levar ao aumen- parenquimatosa principalmente a nível da medula renal)
to do cálcio sérico total porém sem aumento da fração li- não é necessariamente associada à litíase, sendo que nos
vre. Isto pode ocorrer após infusão de grande quantidade pacientes com hiperparatireoidismo as duas condições
de plasma (tratamento da púrpura trombocitopênica podem ocorrer separadamente.
trombótica) e no mieloma múltiplo, quando a proteína do A insuficiência renal é multifatorial e decorre de:
mieloma se liga ao cálcio, aumentando sua concentração
• Obstrução tubular
sérica.1,5,17
• Depósito parenquimatoso (nefrite intersticial)
• Vasoconstrição renal, depleção do volume extracelular.
QUADRO CLÍNICO
Sintomas Gerais. A hipercalcemia na sua forma leve A correção da hipercalcemia pode reverter e melhorar
pode não apresentar sintomas, porém nos quadros mais significativamente o ritmo de filtração glomerular.
graves sintomas como anorexia, náuseas, vômitos, obnu- Outra anormalidade causada pela hipercalcemia é a
bilação, cefaléia, poliúria e nictúria podem estar presentes resistência à ação do ADH nos túbulos coletores, cujo me-
(v. Quadro 13.5). canismo exato não está estabelecido. Alcalose metabólica,
devido ao aumento da capacidade de tamponamento ós-
seo, pelo acometimento do esqueleto nos tumores malig-
Sistemas Afetados
nos, pode ser responsável por este distúrbio ácido-básico.
Nervoso. Embora os mecanismos não estejam comple-
Acidose tubular renal pode ser ocasionada nos pacien-
tamente estabelecidos, o aumento do cálcio livre no siste-
tes com hiperparatireoidismo pela ação do PTH no túbulo
ma nervoso central pode acarretar diminuição da condu-
contornado proximal, resultando em perda de bicarbona-
ção nervosa nos terminais nervosos, traduzindo-se em le-
to e conseqüente acidose metabólica hiperclorêmica. Per-
targia em casos mais graves, confusão mental, coma.
das renais de sódio, magnésio e potássio também são des-
Cardiovascular. Pacientes portadores de hipercalcemia
critas na hipercalcemia.1,2,5,15,16,18
desenvolvem hipertensão arterial provavelmente por me-
canismos de vasoconstrição.
No coração, o cálcio provoca um aumento da contratili- Pontos-chave:
dade cardíaca. As alterações eletrocardiográficas mais co-
muns são encurtamento do espaço PR e do QT, bloqueio • Hipercalcemia pode acarretar depleção do
AV de primeiro grau e alterações da onda T. volume extracelular e contribuir para
Gastrintestinal. A ação do cálcio na musculatura lisa e aumentar a reabsorção proximal de cálcio
condução nervosa, além de seu efeito sobre a produção de • Na hipercalcemia há uma resistência à ação
gastrina, aponta para as principais manifestações clínicas, do hormônio antidiurético nos túbulos
coletores, contribuindo para a poliúria
observada na hipercalcemia
Quadro 13.5 Sinais e sintomas de hipercalcemia
NEUROLÓGICOS: Confusão mental, estupor,
DIAGNÓSTICO
irritabilidade, coma. Cerca de 80 a 90% dos casos de hipercalcemia são cau-
sados por hiperparatireoidismo ou tumores malignos. Es-
CARDIOVASCULARES: Aumento da contratilidade
miocárdica, alterações no ECG (aumento do QTc, tes mais encontrados em pacientes hospitalizados e aque-
bloqueio AV de primeiro grau, etc.), hipertensão le, em pacientes assintomáticos. A história clínica, o exa-
arterial sistemática. me físico e a dosagem de PTH sérico oferecem uma preci-
GASTRINTESTINAIS: Constipação, náusea, vômito, são diagnóstica em 99% dos casos.
úlcera duodenal. Além disto, é importante destacar que no hiperparati-
RENAIS: Nefrocalcinose, litíase renal, insuficiência renal, reoidismo alguns detalhes clínicos são de fundamental
diabetes insipidus nefrogênico, distúrbios ácido-básicos importância no auxílio diagnóstico, destacando-se:
(acidose e alcalose metabólica), perdas renais de
fosfato, magnésio, potássio, glicose e aminoácidos. • Hipercalcemia assintomática
OCULAR: Calcificação da conjuntiva e da córnea.
• História familiar ou evidência de neoplasia endócri-
na
HEMATOLÓGICO: Fibrose de medula óssea nos casos
• Irradiação prévia na região cervical
de hiperparatireoidismo secundário.
• Mulheres na menopausa.
capítulo 13 223

Fósforo. A hipofosfatemia só acontece nas situações de


Quadro 13.6 Tratamento da hipercalcemia
elevação do PTH sérico, como no hiperparatireoidismo, ou
na presença do PTHrP nos tumores malignos, em conse- Diminuição da absorção intestinal
qüência destes aumentarem a excreção de fósforo pelos • Corticóide
rins. • Fosfato oral
A hiperfosfatemia estará presente nas outras situações Aumento da excreção urinária
onde não acontece uma maior excreção de fósforo uriná- • Solução salina + furosemide
rio, como se presencia nas doenças granulomatosas, into- Diminuição na reabsorção óssea
xicação por vitamina D, síndrome leite-álcali e tireotoxico- • Calcitonina
se, entre outras. • Mitramicina
Cálcio Urinário. A dosagem do cálcio urinário é um • Difosfonatos
• Nitrato de gálio
importante auxílio diagnóstico principalmente na síndro-
Diálise
me de hipercalcemia hipocalciúrica familiar, quando a
evidência de uma dosagem de cálcio na urina menor que Quelação do cálcio ionizado
• EDTA
100 mg/g de creatinina faz o diagnóstico. Outras duas si-
• Fosfato endovenoso ou oral
tuações em que se presencia a hipocalciúria são a síndro-
me álcali-leite e o uso de tiazídicos.
Cloro. Devido à redução de bicarbonato (bicarbonatú-
ria), evidenciada no hiperparatireoidismo, a dosagem de
cloro pode ser de ajuda diagnóstica, já que concentrações • Diminuição da absorção intestinal de cálcio
acima de 103 mEq/L podem ser encontradas. Na síndro- • Aumento na excreção urinária
me leite-álcali se verá a situação inversa, ou seja, a presen- • Diminuição na reabsorção óssea
ça de alcalose metabólica com dosagem de cloro inferior a • Quelação do cálcio ionizado.
100 mEq/L.
RX. A presença de alterações radiológicas característi- Os pacientes assintomáticos que apresentam cálcio sé-
cas da osteíte fibrosa — reabsorção subperiosteal falangi- rico com valores menores ou iguais a 13 mg/dl também
ana, lesões císticas na clavícula e imagens de “pimenta e devem ser tratados, pelos efeitos deletérios da hipercalce-
sal” no crânio — é observada em 5% dos casos de hiperpa- mia crônica. As principais drogas utilizadas no tratamen-
ratireoidismo. to da hipercalcemia serão discutidas a seguir.1,2,5,16,17,18,19
PTH. A dosagem da fração intacta do PTH, pelo méto- Corticóides. São utilizados em pacientes nos quais a
do imunorradiométrico, é o exame de escolha no diagnós- causa da hipercalcemia é uma maior absorção de cálcio
tico do hiperparatireoidismo primário. A presença de ní- intestinal. Agem diretamente no epitélio intestinal, inibin-
veis de PTH normais deve ser vista com cuidado, pois a do a absorção de cálcio. Na sarcoidose e em outras doen-
hipercalcemia persistente suprime a sua produção. A pre- ças granulomatosas, têm seu efeito direto sobre a ativida-
sença de elevação do PTHrP acontece nos tumores malig- de da doença.
nos.17,18 São eficazes nas doenças malignas em 30% dos casos, e
Vitamina D. Quando as dosagens de PTH e PTHrP es- especialmente naqueles com doença hematológica. Têm
tão normais, e não for encontrada nenhuma evidência de seu efeito em torno de 7 a 10 dias do início de seu uso, uti-
neoplasia maligna, deve-se proceder à dosagem de calci- lizando-se prednisona na dose de 1 mg/kg/dia.1,2,5,17,19
triol e calcidiol. O aumento do calcidiol sugere intoxicação Solução Salina e Furosemide. O cálcio é principalmen-
por vitamina D. O calcitriol se elevará nas seguintes con- te reabsorvido no túbulo contornado proximal e na alça
dições clínicas: doenças granulomatosas, linfomas, produ- de Henle, devido ao gradiente elétrico criado pela reab-
ção renal aumentada causada por hiperparatireoidis- sorção concomitante de sódio e cloro, neste segmento do
néfron.
mo.1,2,5,16,17,18
Desta forma, a inibição da reabsorção de sódio no tú-
Deve-se iniciar o tratamento da hipercalcemia naqueles
bulo contornado proximal inibe o transporte passivo de
pacientes sintomáticos ou que apresentam cálcio sérico
cálcio, promovendo a calciúria. A expansão de volume
acima de 15 mg/dl. Conforme o mecanismo fisiopatológi-
plasmático ocasionada pela infusão salina leva à natriure-
co causador da hipercalcemia, modalidades terapêuticas
se e conseqüentemente à excreção concomitante de cálcio
diferenciadas são instituídas (v. Quadro 13.6).
pela urina. Como há uma maior oferta de sódio, cálcio e
água na alça de Henle, a adição de furosemide inibe o trans-
TRATAMENTO porte destes íons, incrementando o efeito calciúrico da in-
Aborda-se este distúrbio tentando, conforme a causa fusão salina.
subjacente, agir sobre o mecanismo desencadeador da hi- Deve-se ter cuidado antes da infusão de furosemide, já
percalcemia, promovendo: que a maioria destes pacientes podem estar depletados
224 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

pelas condições clínicas subjacentes às quais estão sujeitos O etidronato (EDHP) deve ser iniciado na forma endo-
e devido ao próprio efeito natriurético da hipercalcemia. venosa, 7,5 mg/kg/dia em 250 ml de solução salina em um
A infusão prévia de solução salina, antes de administrar período não inferior a 4 horas, por três dias. O prolonga-
furosemide, faz-se necessária. mento do tratamento de três para cinco dias aumenta a
O regime sugerido é a administração de solução salina resposta em 60 a 100%.
isotônica (3 a 5 L/dia), com a verificação e eventual repo- A duração da normocalcemia é de 1 a 7 semanas. A te-
sição de potássio e magnésio sendo feita de acordo com as rapia deve ser mantida por via oral, na dose de 10 mg/kg/
medidas séricas. Utilizando-se este esquema, espera-se dia, e é ineficaz sem o uso intravenoso prévio. Os efeitos
normalizar os níveis de cálcio em 12 a 24 horas.1,5,17 colaterais mais importantes são a hiperfosfatemia, devido
Regimes com maior infusão salina são descritos, inici- a uma maior reabsorção de fosfato. A dosagem deve ser
ando-se a infusão de 1 a 2 litros de solução salina isotônica reduzida em 50% na presença de insuficiência renal.
em período de 1 hora, acrescido de furosemide, 80 mg a O pamidronato é mais potente que o etidronato e causa
cada 2 horas, a fim de se manter um débito urinário não menor desmineralização óssea, sendo a droga de escolha
inferior a 250 ml/h. Este regime produz uma maior excre- entre os bifosfonatos. É utilizada na forma intravenosa,
ção urinária de sódio, fósforo, cálcio, cloro, magnésio e numa dose inicial de 30 mg num período de infusão de 4
água, sendo que se este tratamento tiver duração maior que horas em dose única, podendo ser repetida em sete
100 horas, a infusão de magnésio se faz necessária, num dias.2,5,17,18,19
ritmo de 15 mg/h. Em caso de hipercalcemia grave, a dose pode ser de até
O volume urinário deve ser reposto a cada hora, com 90 mg. Várias preparações orais estão sendo propostas para
solução contendo soro glicosado a 5%, 90 a 120 mEq/L de substituir o pamidronato como agente de escolha na hiper-
sódio e 10 a 20 mEq/L de potássio. Haverá queda do cálcio calcemia associada a malignidade.
sérico, de 2 a 4 horas, havendo normalização em até 24 ho- Os bifosfonatos têm sido utilizados no tratamento dos
ras. Deve-se lembrar da necessidade de reposição dos ou- pacientes com hiperparatireoidismo primário, porém com
tros eletrólitos (sódio, fósforo, cloro, magnésio), através de menor eficácia do que nos pacientes portadores de neo-
suas medidas na urina coletadas a intervalos de 4 horas.2 plasias.
O regime deve ser cuidadosamente avaliado em paci- Calcitonina. Utilizada na maioria das vezes em pacien-
entes portadores de insuficiência cardíaca e renal onde a tes com hipercalcemia associada a malignidade e nos pa-
sobrecarga de volume pode ser uma complicação. O diuré- cientes com função renal alterada. Em situações onde os
tico só é utilizado quando se descarta a presença de deple- bifosfonatos são contra-indicados, a calcitonina, na dose de
ção do espaço extracelular.1,2,5,17,18 4 UI/kg intramuscular ou subcutânea, age rapidamente,
normalizando o cálcio em até 2 a 3 horas. A resposta ocor-
re em 60 a 70% dos pacientes que a utilizam. Há contro-
Pontos-chave no manejo da hipercalcemia: vérsia na literatura quanto ao uso simultâneo de corticói-
de, no sentido de diminuir o aparecimento de resistência
• Lembrar que a expansão do volume
à calcitonina. Quando utilizado, administra-se hidrocorti-
extracelular inibe o transporte passivo de sona na dose de 100 mg a cada 6 horas.2,5,17,18
cálcio, promovendo a calciúria Mitramicina. É uma droga antineoplásica que inibe a
• A adição de um diurético de alça síntese de DNA dependente de RNA e é altamente efetiva
(furosemide) inibe a reabsorção de cálcio a no tratamento da hipercalcemia, principalmente associa-
este nível mas não deve ser usado sem antes da às neoplasias. Utiliza-se na dose de 25 g/kg em um
corrigir-se a depleção do volume período de 6 horas, com pico máximo de ação em 12 ho-
extracelular ras, durando seu efeito por alguns dias e repetindo-se a
dose a cada 3 a 7 dias.
Hepatotoxicidade, nefrotoxicidade e disfunção plaque-
Bifosfonatos. Este grupo de drogas se utiliza no trata- tária limitam o seu uso.2,5,17,18
mento da hipercalcemia na malignidade, conjuntamente Fósforo Oral. Tem utilidade no tratamento dos pacientes
com a infusão salina. Sua ação se dá pela inibição da ativi- portadores de hiperparatireoidismo primário, com hipofos-
dade osteoclástica, diminuindo os níveis de cálcio sérico e fatemia (menor que 3,5 mg/dl), na dose de 1 a 3 g/dia.
diminuindo a dor nos pacientes com lesões osteolíticas sig- Outros quelantes do cálcio ionizado, como o EDTA (áci-
nificativas. do etileno diaminotetracético), e o fósforo endovenoso
O efeito máximo dos bifosfonatos se dá entre o quinto e podem determinar insuficiência renal, precipitação de cál-
o sétimo dia. Nos Estados Unidos, o etidronato e o pami- cio e fósforo em partes moles e arritmias fatais, limitando
dronato são as drogas disponíveis, existindo uma terceira a sua utilização.1,2,5,17,18
droga, o clodronato, sendo maior a experiência clínica com Estrógenos. Nos pacientes portadores de hiperparati-
as duas primeiras. reoidismo primário, a cirurgia é a terapia de eleição, po-
capítulo 13 225

rém, quando a cirurgia é contra-indicada, em quadros de valente, e outros 40% formam sais com sódio, magnésio e
hipercalcemia sintomática, ou níveis superiores a 11 mg/ cálcio. Menos de 0,01% existe na forma de PO4. Os valores
dl nas mulheres em menopausa, os estrógenos podem ser normais nos adultos vão de 2,5 a 4,5 mg/dl (0,81 a 1,45
utilizados. mmol).
O seu modo de ação é desconhecido, podendo ser utili-
zado como estilbestrol ou preparação equivalente de eti- ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO INTERNO
nil estradiol.1,2,5,17 Os mecanismos envolvidos na regulação do fósforo
Cloroquina e Cetoconazol. Utilizados na sarcoidose. envolvem o trato gastrintestinal, rins e ossos. O PTH, cál-
Devido a não existir grande experiência na utilização des- cio, vitamina D e a calcitonina desempenham papel fun-
tes medicamentos, serão utilizados nos casos de ausência damental na homeostase deste ânion.
de resposta ao corticóide e na contra-indicação destes.1,2,5,17 Absorção Intestinal. A ingestão diária varia de 800 a
Nitrato de Gálio. É um inibidor da reabsorção óssea, 1.850 mg/dia; deste total, 65% são absorvidos principal-
com relatos de ser mais potente que o etidronato, sendo mente a nível de duodeno e jejuno.
administrado pela via endovenosa por até cinco dias, tor- No duodeno, sua absorção ocorre por meio de transpor-
nando seu uso de alto custo. Tem efeito nefrotóxico com- te ativo, intimamente relacionado e estimulado pela pre-
provado.1,2,5,17 sença de vitamina D (cujo mecanismo é independente da
Diálise. Está reservada àqueles pacientes que apresen- absorção de cálcio), e pela concentração de sódio no lúmen
tam insuficiência cardíaca ou insuficiência renal em que a intestinal.
infusão salina não pode ser suportada. A utilização de diá- Outro mecanismo envolvido é o transporte passivo do
lise peritoneal é uma alternativa à hemodiálise.1,2,5,15 íon, que ocorre no jejuno e no íleo e é diretamente propor-
Agentes calcimiméticos, como a norcalcina, ligam-se aos cional à concentração de fósforo nestes segmentos.
receptores sensíveis ao cálcio e suprimem a liberação de O PTH age indiretamente na absorção de fosfato por
PTH, podendo ser um tratamento futuro do hiperparati- aumentar os níveis de calcitriol e conseqüentemente au-
reoidismo primário. O uso de anticorpos contra os hor- mentando a absorção intestinal de fósforo.
mônios responsáveis pela hipercalcemia pode ser feito O cálcio e o magnésio em altas concentrações no lúmen
futuramente. Imunização em pacientes com hipercalcemia digestivo se ligam ao fósforo, diminuindo sua absorção. O
por carcinoma de paratireóide também pode ter resulta- alumínio também forma complexos insolúveis no trato
dos benéficos.59,60,61 digestivo com o fósforo, sendo esta uma terapia utilizada
na hiperfosfatemia da insuficiência renal crônica, por tem-
po limitado.1,2,21,23,25
FÓSFORO Ossos. O fósforo participa de maneira direta e indireta
do processo de mineralização óssea. Indiretamente, atra-
vés da ação do PTH e da vitamina D. A hipofosfatemia leva
Introdução a defeitos da mineralização óssea, além de aumento da
Embora o fósforo não seja o principal ânion em nosso atividade absortiva do osso por aumento dos níveis de
organismo (é o sexto mais abundante), seu papel é de fun- vitamina D. Diretamente, pela ação do fosfato na matura-
damental importância na manutenção do metabolismo
celular, processo de mineralização óssea e manutenção do
equilíbrio ácido-básico, entre outras funções. Quadro 13.7 Fatores que influenciam a excreção
A sua homeostase é dependente da interação entre os de fósforo
sistemas digestivo, ósseo e dos rins, cabendo ao parator-
mônio (PTH) e à vitamina D a sua regulação. HIPERCALCEMIA DIMINUI
PTH AUMENTA

Homeostase do Fósforo ACIDOSE AUMENTA


ALCALOSE DIMINUI
DISTRIBUIÇÃO VITAMINA D DIMINUI
O fósforo representa 1% do peso corporal total. A sua
INSULINA DIMINUI
distribuição é a seguinte: 85% se encontram nos ossos, 14%
GLUCAGON AUMENTA
nos tecidos moles e 1% no fluido extracelular.
O fósforo se apresenta no sangue principalmente na DIURÉTICOS AUMENTA
forma de fosfolipídio (fósforo orgânico), cerca de 70% do EXPANSÃO DE VOLUME AUMENTA
total, sendo os 30% restantes na forma inorgânica. Nesta CALCITONINA AUMENTA
última forma, 15% estão ligados a proteínas e 75% são for-
CORTICÓIDE DIMINUI
mas livres; destas, 50% formam fosfato monovalente e di-
226 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

ção e mineralização da matriz óssea, participando da pro- A administração de glicose provoca fosfatúria devido à
dução de colágeno.20 diurese osmótica por ela provocada.
Rins. Em um adulto normal, cerca de 5,25 g de fós- Cálcio. A hipercalcemia provoca alterações na quanti-
foro inorgânico (Pi) são filtrados diariamente. Deste total, dade de Pi filtrado no túbulo, principalmente provocada
80 a 97% são reabsorvidos nos túbulos renais. No túbulo pela saída de fósforo do interior da célula e conseqüente
contornado proximal (TCP) acontece 80% da reabsor- formação de complexos com o cálcio [Ca(PO4)2]; este efei-
ção, com reabsorção quase nula a nível de alça de Hen- to independe da ação do PTH. O efeito indireto se dá pela
le. No túbulo contornado distal, 10% do total de Pi fil- ação do PTH na hipercalcemia anteriormente descrita no
trado é reabsorvido, sendo controversa a reabsorção nos metabolismo do cálcio.
ductos coletores. Corticóides. O corticóide diminui a reabsorção tubular
de fósforo agindo diretamente no túbulo proximal, como
MECANISMOS DE TRANSPORTE acontece na síndrome de Cushing.
O principal mecanismo de transporte, no túbulo proxi-
mal, é transcelular, dependente de energia, mantido pelo FUNÇÕES DO FÓSFORO NO ORGANISMO
gradiente de sódio gerado pela bomba Na-K-ATPase na Nos ossos, o fósforo tem papel fundamental na minera-
membrana basolateral. lização óssea, pois ele é depositado na forma de cristais de
Este mecanismo é saturável, necessitando da presença hidroxiapatita, na matriz orgânica do osso. A sua defici-
de sódio no local de entrada na célula (bordo em escova ência pode ocasionar osteomalácia e raquitismo.
da membrana), sugerindo assim um mecanismo carreador. Nos tecidos moles é componente das membranas celu-
O transporte se dá em torno de uma molécula de fósfo- lares, material genético (DNA e RNA) e fator intermediá-
ro para duas moléculas de sódio, ou seja, sódio e fósforo rio no metabolismo celular. Os fosfolipídios são os consti-
são co-transportados.23,24 tuintes essenciais das membranas celulares e das organe-
las intracelulares.
FATORES QUE REGULAM A EXCREÇÃO DE No eritrócito, o 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) exerce
FÓSFORO influência direta na disponibilidade de oxigênio aos teci-
dos. Na deficiência de fósforo há redução na síntese de 2,3-
Gradiente de Sódio e pH. Estes fatores fazem a regula-
DPG, aumentando a afinidade da hemoglobina com o oxi-
ção renal a curto prazo (modificação alostérica). Quando
gênio e diminuindo sua disponibilidade aos tecidos.
a concentração de sódio luminal está aumentada, ocorre
O fósforo faz parte da formação da adenosina trifosfato
uma maior absorção de fósforo pelos mecanismos já des-
(ATP), que fornece energia para vários processos metabó-
critos.
licos fundamentais na vida da célula.1,2,20,25
A atividade de co-transporte de sódio e fósforo é redu-
zida pelo aumento da concentração luminal de íons hidro-
gênio, sendo o efeito luminal da acidose maior quando a Pontos-chave:
concentração de sódio no lúmen tubular diminui; isto pode
ser explicado por um efeito inibitório da acidose no trans- • Em torno de 80% do fósforo filtrado é
porte de sódio.20,23,24,25 reabsorvido no túbulo contornado proximal
PTH. É o fator hormonal mais importante na reabsor- • PTH é o fator mais importante na
ção do fósforo nos rins, especialmente no túbulo contor- reabsorção de fósforo pelos rins
nado proximal. Sua ação a nível intracelular parece ser
mediada pelo AMPc e proteína cinase C, regulando o co-
transporte de sódio e Pi e inibindo a reabsorção local de Hipofosfatemia
fósforo.23,24
Vitamina D. A vitamina D, em especial o calcitriol, tem INTRODUÇÃO
ação independente do PTH, pela maior absorção de fósfo- Cerca de 1% do fósforo se distribui no espaço extrace-
ro no trato digestivo, promovendo sua maior reabsorção lular, sendo que deste total 30% representam a sua fração
no túbulo contornado proximal. inorgânica, e é esta fração que é medida no plasma (Pi).
Calcitonina. Tem efeito hiperfosfatúrico pela diminui- Sendo assim, pode-se ter uma depleção do fósforo corpo-
ção do cálcio ionizado plasmático, diminuindo assim a ral total com concentrações “normais” no sangue.
reabsorção de fósforo no túbulo proximal. A hipofosfatemia é considerada leve quando os níveis
Insulina, Glicose e Glucagon. A insulina tem um efei- de Pi estão em torno de 1 a 2,5 mg/dl, e grave quando esta
to independente, aumentando a entrada de fósforo no in- concentração se encontra abaixo de 1,5 mg/dl. Um grupo
terior da célula e levando à hipofosfatemia. A inibição da especial de pacientes, os etilistas, desenvolvem mais fre-
neoglicogênese diminui a concentração do fósforo citosó- qüentemente este distúrbio, chegando à incidência de 10%
lico e aumenta a reabsorção tubular de fósforo. em pacientes hospitalizados.25,26
capítulo 13 227

CAUSAS Diminuição da Absorção Intestinal


São três os mecanismos responsáveis pela diminuição A causa mais comum nesta situação é o uso de antiáci-
da concentração plasmática de Pi: redistribuição do fos- dos, que formam complexos insolúveis com o fósforo e não
fato extracelular para dentro da célula, diminuição da ab- são absorvidos. Doenças do trato gastrintestinal que cau-
sorção intestinal e aumento das perdas urinárias. As prin- sam dificuldade de absorção de fósforo (doença de Crohn,
cipais causas de hipofosfatemia são listadas no Quadro síndrome do intestino curto, doença celíaca, entre outras)
13.8. e má absorção de vitamina D também são responsáveis
pela diminuição na absorção.
Redistribuição Interna A diminuição da ingesta de fósforo é raramente causa
Nutrição. No processo de nutrição (enteral ou paren- isolada de hipofosfatemia, mas freqüentemente esta situ-
teral) em pacientes desnutridos, há um consumo maior de ação é associada a diarréia crônica, onde a deficiência de
fósforo intracelular. Se quantidades insuficientes de fós- vitamina D também desempenha o seu papel, causando
foro são fornecidas na repleção nutricional destes pacien- hiperparatireoidismo secundário e aumentando a excreção
tes, e concomitantemente grandes quantidades de carboi- de fósforo.
drato (estímulo à liberação de insulina) forem fornecidas, O jejum prolongado por si só raramente causa deficiên-
a hipofosfatemia aguda pode desenvolver-se. Pacientes cia de fósforo, já que nesta situação há uma hipoinsuline-
submetidos a nutrição parenteral podem, por má absor- mia e aumento do catabolismo celular, liberando fósforo
ção, jejum e aumento do metabolismo, desenvolver o da célula. Quando esses pacientes são novamente alimen-
mesmo quadro se a repleção de fosfato não for adequa- tados, este processo se inverte sem reposição de fósforo, e
da.2,21 a hipofosfatemia aparecerá.2,28,30
Alcalose Respiratória. A queda da pressão parcial de
CO2 provoca a saída de CO2 do interior da célula, não sen- Aumento da Excreção Urinária
do acompanhada na mesma proporção pelo bicarbonato. Hiperparatireoidismo e Raquitismo. A hipersecreção
Isto desencadeia uma alcalose intracelular, com ativação de PTH ou análogo (PTHrP) leva a um quadro de hipofos-
da glicólise (ativada pela fosfofrutoquinase) e deslocamen- fatemia por aumento na secreção de fosfato. A forma he-
to do fósforo do extra- para o intracelular. reditária de raquitismo (raquitismo resistente à vitamina
É a causa mais comum de hipofosfatemia em pacientes D) ou em associação a tumores na vida adulta (osteomalá-
hospitalizados. Situações clínicas como alcoolismo, síndro- cia oncogênica) provoca defeitos seletivos tubulares na
me de abstinência, queimaduras, hiperalimentação, uso de reabsorção de fósforo.
corticóides, calcitonina e catecolaminas determinam este Raquitismo severo, osteomalácia e retardo do cresci-
distúrbio ácido-básico, levando à hipofosfatemia.31 mento manifestam-se nas crianças. Os níveis de calcitriol
Leucose. Contagens superiores a 100.000 leucócitos em são reduzidos nas duas situações. Outra forma mais rara
leucemias ou crise blástica podem aumentar o consumo de de raquitismo é aquele conhecido como hereditário
fósforo pela intensa proliferação celular. hipercalciúrico hiperfosfatêmico de transmissão autossô-
Síndrome do Osso Faminto. Deposição de cálcio e fós- mica recessiva, apresentando níveis elevados de calcitriol
foro nos ossos após cirurgia na região cervical (paratireoi- devido à hipercalciúria2,21,23,26
dectomia) causa hipocalcemia e hipofosfatemia, pela inten- Diabetes Mellitus. Pacientes que apresentam diabetes
sa deposição de cálcio e fósforo ósseo. descompensado com glicosúria, poliúria e acidose aumen-
tam a excreção de fósforo na urina em grandes quantida-
des.
Quadro 13.8 Causas de hipofosfatemia No quadro de cetoacidose ocorre uma maior produção
de fósforo intracelular, havendo maior liberação para o
REDISTRIBUIÇÃO INTERNA plasma e aumentando ainda mais a sua excreção renal.
Aumento de insulina, durante nutrição A correção da cetoacidose com insulina e repleção do
Alcalose respiratória aguda
Síndrome do osso faminto volume extracelular leva a queda rápida dos níveis de fós-
foro, porém a níveis dificilmente inferiores a 1 mg/dl, tor-
DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO URINÁRIA nando sua reposição na maioria das vezes desnecessá-
Hiperparatireoidismo primário e secundário ria.21,25,26
Raquitismo resistente à vitamina D
• ligado ao X (infância) Síndrome de Fanconi. É uma disfunção tubular proxi-
• osteomalácia oncogênica (no adulto) mal que acontece no adulto geralmente em decorrência de
Raquitismo hereditário hipofosfatêmico com mieloma múltiplo e na criança devido a cistinose ou do-
hipercalciúria ença de Wilson, que se traduz por glicosúria, aminoacidú-
Síndrome de Fanconi ria e hipouricemia com acidose tubular renal tipo 2, além
Acetazolamida
de hiperfosfatúria.
228 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

QUADRO CLÍNICO Sistema Cardiopulmonar


A hipofosfatemia causa uma variedade de sinais e sin- A depleção de ATP prejudica a contratilidade miocárdi-
tomas. O quadro clínico é decorrente da diminuição dos ca, levando à insuficiência cardíaca de baixo débito, poden-
níveis de 2,3-difosfoglicerato (2,3-DPG) e de compostos do levar à falência miocárdica franca quando os níveis de
energéticos fundamentais à base de fósforo que mantêm o fósforo atingem limites inferiores a 1,0 mg/dl. O acometi-
metabolismo celular (adenosina trifosfato-ATP). mento da musculatura diafragmática e insuficiência respi-
Os pacientes sintomáticos apresentam níveis de Pi abai- ratória podem acontecer em casos graves de hipofosfatemia.21
xo de 1,0 mg/dl. As condições clínicas mais associadas à
sintomatologia são: alcoolismo crônico, hiperalimentação DIAGNÓSTICO
sem fosfato e ingestão crônica de antiácidos. Na maioria das vezes a causa da hipofosfatemia é apa-
A cetoacidose diabética e a hiperventilação causam hi- rente, pelos dados de história e exame físico. Quando a
pofosfatemia grave, porém em menor freqüência por não depleção de fosfato se estabelece, a reabsorção renal é
causar uma depleção crônica. Os principais sistemas atin- máxima: sendo assim, podem-se diferenciar as situações
gidos com suas respectivas repercussões clínicas serão clínicas calculando-se a fração excretora de fósforo ou
descritos adiante.2,21,26,27,28 medindo-se a sua concentração urinária nas 24 horas.
A fração excretora de fósforo é calculada da seguinte
Disfunção Hematológica maneira:
Hemácias. A diminuição intracelular do ATP leva a uma
fósforo urinário  creatinina plasmática
maior rigidez do eritrócito, promovendo a hemólise quan- Fep   100
do as concentrações de fósforo são inferiores a 0,5 mg/dl. fósforo plasmático  creatinina urinária
Leucócitos. Também a diminuição do ATP intracelular Uma fração excretora de fósforo abaixo de 5% ou uma
leva a defeitos na fagocitose e quimiotaxia. concentração urinária menor que 100 mg na urina de 24
Plaquetas. Trombocitopenia com defeitos na retração do horas afasta o diagnóstico de perda renal de fosfato.
coágulo é observada. As principais causas envolvidas nesta situação se devem
ou a um desvio intracelular de fósforo ou a uma diminui-
Sistema Nervoso Central ção da absorção intestinal. O desvio intracelular aumenta-
Um quadro de encefalopatia metabólica pode ocorrer, do acontece mais freqüentemente se o paciente recebeu
levando a sintomas de irritabilidade, confusão mental, es- infusões de glicose ou insulina, como no tratamento do
tupor e até mesmo coma, por provável mecanismo de hi- diabetes mellitus descompensado ou realimentação. A alca-
póxia. lose respiratória se encontra dentro das principais causas.
Diarréia crônica, uso de antiácidos ou deficiência de vita-
mina D são as principais causas de má absorção.
Sistema Músculo-esquelético
Quando a fração excretora de fósforo é maior que 20%
Os músculos necessitam de grande quantidade de ATP
ou a urina de 24 horas apresenta uma concentração maior
para manter atividades de contração e manutenção de
que 100 mg, a perda renal de fosfato está presente, deven-
potencial de membrana, que são prejudicadas pela hipo-
do-se investigar como causas principais hiperparatireoidis-
fosfatemia.
mo primário e secundário (hipercalcemia, hipofosfatemia,
A hipofosfatemia crônica leva a um acúmulo de água,
perda urinária de fósforo), defeitos tubulares já anterior-
sódio e cloro no interior da célula. O quadro clínico pode
mente descritos, como a síndrome de Fanconi, raquitismo
apresentar-se como uma miopatia proximal ou disfagia
resistente à vitamina D (na criança) e osteomalácia onco-
(atingindo a musculatura lisa).
gênica no adulto.1,2,21,25
A rabdomiólise pode ocorrer quando a hipofosfatemia
Os sintomas de hipofosfatemia se iniciam quando os
aguda acontece em um paciente que já apresenta depleção
níveis séricos de fósforo atingem níveis inferiores a 1,5 mg/
prévia de fósforo. Tais situações são vistas no alcoolismo
dl; a maioria dos pacientes hipofosfatêmicos são assinto-
crônico e em pacientes recebendo hiperalimentação sem
máticos, de maneira que o tratamento da causa subjacente
suplemento de fósforo. Elevação da creatinina fosfoquinase
é o principal objetivo.
aponta para necrose muscular.29
Por outro lado, nos pacientes sintomáticos, ou nos que
tenham defeitos tubulares crônicos e que venham a desen-
Sistema Ósseo volver hipofosfatemia, a correção com suplementos à base
A hipofosfatemia leva a um aumento de calcitriol que de fósforo deve ser feita.
dá origem a uma maior reabsorção óssea, levando à hiper- O fósforo dosado no plasma é a forma elementar (inor-
calciúria pela liberação de cálcio do osso. Hipofosfatemia gânico), e o fosfato se encontra nos sistemas biológicos,
prolongada leva ao raquitismo na infância e à osteomalá- embora na prática não se faça esta distinção. A concentra-
cia no adulto, por defeitos na mineralização óssea.30 ção plasmática de fosfato (2,5 a 4,5 mg/dl) é medida em
capítulo 13 229

mg/dl ou mmol/L, sendo que a conversão de uma unida- Neutra-Phos. 75 ml de solução contém 250 mg e fósfo-
de em outra obedece aos seguintes cálculos:2 ro e 7,1 mEq de sódio e potássio.
Neutra-Phos-K. Cada cápsula ou 75 ml de solução con-
1 mmol de fosfato  31 mg de fósforo elementar
tém 350 mg de fósforo e 14,2 mEq de potássio.
1 mmol de fosfato  3,1 mg/dl de fósforo Prie demonstrou que o uso de dipiridamol na dose de
1 mg de fósforo  0,032 mmol de fosfato 75 mg quatro vezes ao dia pode ser útil para aumentar os
níveis de fósforo em pacientes com aumento idiopático da
1 mg/dl de fósforo  0,32 mmol/L de fosfato fosfatúria.69
A reposição é preferível na forma oral, já que a reposi-
ção endovenosa apresenta riscos de precipitação com cál-
cio, insuficiência renal e arritmias cardíacas. A administra-
Hiperfosfatemia
ção oral se dá numa dose de 2,5 a 3,5 g (80 a 110 mmol) INTRODUÇÃO
diários em doses divididas. A hiperfosfatemia, na maioria das vezes, é resultado da
Valores séricos abaixo de 1,0 mg/dl podem causar da- incapacidade dos rins em excretar, de maneira eficiente, o
nos importantes ao paciente, como rabdomiólise, sendo a fosfato do organismo. Em indivíduos normais, elevações
administração endovenosa necessária.58 na ingesta de fósforo não acarretam elevações similares na
No paciente sintomático a administração endovenosa não concentração plasmática. A hiperfosfatemia é diagnostica-
deve ultrapassar 2,5 mg (0,08 mmol/L)/kg a cada 6 horas, da quando o nível plasmático de fósforo se encontra aci-
com monitorização dos níveis de fósforo, cálcio, potássio e ma de 4,5 mg/dl.1,2,22
magnésio a cada 6 horas, podendo a dose ser dobrada se as
manifestações clínicas são muito graves. A infusão deve ser
CAUSAS
suspensa quando os níveis de fósforo atingem 2,0 mg/dl e
As principais causas de hiperfosfatemia são conseqüên-
os de cálcio estão menores que 8,0 mg/dl.1,2,21,25
cias de:

FORMAS DE APRESENTAÇÃO • Aumento da ingesta


• Diminuição de sua excreção
Intravenosa • Desvios intracelulares de fósforo.
Fosfato de Potássio. Cada ml contém 3 mmol de fosfa- A seguir se discutirão as principais causas dos distúr-
to (93 mg de fósforo) e 4,4 mEq de potássio. Ampola de 5 bios e suas conseqüências clínicas (v. Quadro 13.9).
ml e 15 ml são disponíveis.
Fosfato de Sódio. Cada ml contém 3 mmol de fosfato
(93 mg de fósforo) e 4 mEq de sódio. Ampolas de 15 e 30 Quadro 13.9 Causas de hiperfosfatemia
ml são disponíveis.
DIMINUIÇÃO NA EXCREÇÃO RENAL
Insuficiência renal
Via Oral • aguda
K/Phos Neutro. Cada tablete possui 250 mg de fósforo, • crônica
13 mEq de sódio e 1,1 mEq de potássio.
Hipoparatireoidismo
Pseudo-hiperparatireoidismo
Acromegalia
Difosfonatos
Pontos-chave: Calcinose tumoral
• Hipofosfatemia: Fósforo  2,5 mg/dl DESVIOS TRANSCELULARES
• Freqüente em alcoólatras Infecções
Estados hipercatabólicos
• Diagnóstico através do quadro clínico e Leucose/leucemia
exame físico Acidose metabólica e respiratória
• Fração excretora de fósforo auxilia o Síndrome de esmagamento (rabdomiólise)
Hipertermia
diagnóstico Anemia hemolítica
• Dieta geralmente é o suficiente para tratar o
PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA
déficit Paraproteinemias
• Quando presentes sintomas graves, preferir Mieloma múltiplo
a reposição endovenosa Macroglobulinemia de Waldenström
Hiperlipidemia
• Dipiridamol parece elevar os níveis de Refrigeração prolongada
fósforo Contaminação por heparina sódica
230 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

Diminuição na Excreção mada síndrome de lise tumoral, caracterizada por hiper-


Insuficiência Renal. A hiperfosfatemia acontece quan- fosfatemia, hipocalcemia, hiperuricemia e hiperpotasse-
do o ritmo de filtração glomerular cai em torno de 20 a 25 mia. Quando existe precipitação de ácido úrico nos túbu-
ml/min, mantendo-se uma ingesta normal de fósforo. Na los renais, ocorre insuficiência renal, podendo agravar a
insuficiência renal crônica, a carga de fósforo filtrada por hiperfosfatemia. Na cetoacidose diabética, apesar de ha-
néfron aumenta, porém à custa da elevação dos níveis plas- ver uma diminuição do fósforo corporal total devido à
máticos. Já na insuficiência renal aguda, quando há uma diurese osmótica, há um desvio de fósforo (Pi) do intra-
queda repentina do ritmo de filtração glomerular, este fe- celular para o extracelular (v. hipofosfatemia), revertido
nômeno compensatório não acontece, observando-se mai- com o tratamento e que posteriormente evolui para hipo-
ores elevações nos níveis plasmáticos de fósforo. fosfatemia.1,2,22,32
Hipoparatireoidismo. As situações clínicas de deficiên- A acidose metabólica provoca um maior metabolismo
cia na produção ou resistência na ação do PTH (pseudo- do fósforo orgânico para inorgânico e conseqüente libera-
hipoparatireoidismo) levam à hiperfosfatemia. A diferen- ção para o extracelular.2
ciação entre estas duas situações clínicas se dá pela medi-
da dos níveis de PTH (que se encontram elevados no pseu- PSEUDO-HIPERFOSFATEMIA
do-hipoparatireoidismo) e pela medida do AMP cíclico Situações como a hemólise durante a coleta de sangue,
urinário (diminuído no hipoparatireoidismo). ou a presença de gamopatias monoclonais (provocando
Acromegalia/Hipertireoidismo. Cerca de um terço dos uma maior ligação do fósforo com as paraproteínas), po-
pacientes com hipertireoidismo podem apresentar hiper- dem causar elevações falsas dos níveis plasmáticos.35
fosfatemia leve devido a uma maior reabsorção tubular e
óssea de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de QUADRO CLÍNICO
crescimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea
As manifestações clínicas da hiperfosfatemia se dão em
de fósforo. Na acromegalia por ação do hormônio de cres-
função de sua ação sobre os níveis de cálcio sérico, PTH,
cimento se dá uma maior reabsorção tubular e óssea de
calcitriol e na ação inibitória sobre a atividade da 1α-hidro-
fósforo, porém na maioria das vezes de forma discreta, sem
xilase. A hiperfosfatemia grave leva à hipocalcemia, devi-
repercussão clínica.33
do aos depósitos de cálcio e fósforo nos tecidos moles, além
Drogas. Os bifosfonatos usados no tratamento da hiper-
do efeito inibitório sobre o calcitriol.
calcemia e doença de Paget diminuem a excreção, bem
Este processo de deposição é visto quando o produto
como provocam desvios intracelulares de fósforo, elevan-
cálcio e fósforo ultrapassa o valor de 70 (normal de 40), e a
do seus níveis séricos. Outras medicações, como uso abu-
calcificação se dá nos vasos sanguíneos, pulmão, córnea,
sivo de enemas e laxativos à base de fósforo, bem como a
rins, pele e mucosas.2,22,32,33
administração endovenosa de fosfato e derivados de vita-
A síndrome do olho vermelho, devido à calcificação da
mina D (calcitriol) em portadores de insuficiência renal, são
córnea, e deposição periarticular atingindo articulações dos
outras causas bem estabelecidas.
dedos, costelas e ombros são outros achados.
Calcinose Tumoral. É uma síndrome rara, encontrada
A hipocalcemia sintomática aparecerá, levando a con-
em pacientes jovens da raça negra que apresentam calcifi-
vulsões em casos graves de hiperfosfatemia. Mesmo assim,
cações ao longo de suas articulações. Trata-se de uma anor-
elevações súbitas dos níveis de fósforo, que atinjam 6 mg/
malidade genética causada por um aumento na reabsor-
dl, podem causar sintomas.2
ção tubular de fósforo. Os níveis de cálcio e PTH são nor-
mais, porém há elevação dos níveis de calcitriol. O fósforo
forma complexos com o cálcio causando hipocalcemia. Os Pontos-chave:
níveis de cálcio permanecem normais devido a uma mai-
or reabsorção no néfron distal, não havendo evidência de • A insuficiência renal é a principal causa de
hipoparatireoidismo ou pseudo-hipoparatireoidismo. hiperfosfatemia
• Sendo o fósforo o principal ânion
Desvios Intracelulares de Fósforo intracelular, situações clínicas de destruição
Sendo o fósforo o ânion predominante no espaço intra- celular (ex., rabdomiólise) se acompanham
celular, o intenso catabolismo celular ou sua destruição de hiperfosfatemia
permite a passagem de fósforo do interior da célula para o
meio extracelular. Situações clínicas que provocam necro-
se celular, tais como hepatite fulminante, hipertermia ma- TRATAMENTO
ligna e síndrome de esmagamento com rabdomiólise, cau- Os princípios do tratamento da hiperfosfatemia são
sam hiperfosfatemia. aqueles que procuram atingir a causa subjacente do distúr-
A terapia citotóxica em doenças hematológicas, como bio, diminuindo a absorção e promovendo a maior excre-
a leucemia linfoblástica aguda e linfomas, provoca a cha- ção renal deste íon. Em pacientes que apresentam função
capítulo 13 231

renal normal, o aumento da ingesta de fósforo raramente gel®) fica reservado, geralmente, para pacientes com hi-
causa hiperfosfatemia. percalcemia, devido aos seus custos.64,65,68
Na síndrome de lise tumoral, quando da quimioterapia, Em pacientes portadores de hipoparatireoidismo, a ad-
a promoção de uma diurese vigorosa (como aquela pro- ministração de PTH aumentaria a excreção de fosfato uri-
movida na hipercalcemia), com infusão de solução salina nário, porém o uso a longo prazo determina a formação de
e uso de acetazolamida 15 mg/kg ou 500 mg a cada 6 ho- auto-anticorpos, limitando sua ação terapêutica. A impor-
ras, diurético que alcaliniza a urina impedindo a precipi- tância de sua utilização se dá na diferenciação do hipopara-
tação de cristais de ácido úrico e promovendo a natriure- tireoidismo primário do pseudo-hipoparatireoidismo, quan-
se, é eficaz na produção de uma maior excreção de fósfo- do se mede o fósforo urinário nestas duas situações, após
ro.2,22 sua administração. Observar-se-á que, no pseudo-hiperpa-
Nos pacientes portadores de insuficiência renal crôni- ratireoidismo, não há aumento na excreção urinária de fós-
ca, quando o ritmo de filtração glomerular atinge 20 a 25 foro, ao contrário do que ocorre no hipoparatireoidismo.
ml/min, a restrição da ingesta de fósforo em 600 a 900 mg/ Os genes responsáveis pelo transporte fosfato-sódio
dia se faz necessária, porém a utilização de substâncias que dependente foram recentemente isolados. Novas drogas
se liguem ao fósforo na luz intestinal (quelantes), impedin- estão sendo estudadas para tratar a hiperfosfatemia. Estas
do a sua absorção, é de uso corriqueiro.34 O hidróxido de drogas atuam nos transportadores fosfato-sódio, como o
alumínio na dose de 500 a 1.800 mg 3 a 6 vezes por dia com ácido fosfomórfico (PFA), que inibe o transporte fosfato-
as refeições ou 20 minutos após as refeições está indicado sódio-dependente no túbulo renal. Em ratos esta droga
para pacientes com hiperfosfatemia visando à redução aumentou a fração de excreção de fósforo, resultando em
mais rápida dos níveis séricos de fósforo. melhora dos valores séricos. O uso de PFA em humanos é
As formas de apresentação podem ser cápsulas, líqui- limitado pela toxicidade renal.66,67
do, suspensão e tabletes. As cápsulas se apresentam nas
doses de 400 mg ou 500 mg; líquido, 600 mg/5 ml; suspen-
são oral, 320 mg/5 ml, 450 mg/5 ml ou 675 mg/5 ml; e ta- Pontos-chave:
bletes de 300 mg, 500 mg ou 600 mg.51,63 No Brasil a forma • Hiperfosfatemia: Fósforo 4,5 mg/dl
mais comum de apresentação parece ser a suspensão oral.
• Quadro clínico: Semelhante à hipocalcemia.
O carbonato de cálcio na dose de 8,5 g (variando de 2,5
Predomínio de sintomas neurológicos.
a 20 g/dia), com efeito máximo de 1 g junto às refeições,
liga-se ao fosfato tanto exógeno como endógeno (secreta- Depósitos nos tecidos moles quando
do pelo pâncreas e parótidas) na luz intestinal e inibe de produto cálcio  fósforo 70
maneira eficaz a absorção do fósforo.1,2,22,34 A dose de car- • Tratamento da causa. Restrição dietética de
bonato de cálcio é aumentada gradualmente até o fósforo fósforo. Evitar prescrever hidróxido de
plasmático atingir uma concentração entre 4,5 e 5,5 mg/ alumínio devido a doença óssea relacionada
dl. Hipercalcemia é uma complicação comum com o uso ao alumínio. Uso restrito para redução
de carbonato de cálcio, ocorrendo mais freqüentemente rápida do fósforo
quando usadas preparações de vitamina D (calcitriol).62,63 • Sevelamer: Uso na presença de
O uso crônico de hidróxido de alumínio em pacientes em
hipercalcemia concomitante
hemodiálise pode levar à intoxicação por este metal, com
quadro de encefalopatia, osteomalácia resistente à vitami-
na D, anemia e miopatia, devendo-se fazer substituição
pelo carbonato de cálcio. Quando há hipercalcemia, cálcio MAGNÉSIO
em torno de 11 mg/dl com hiperfosfatemia persistente em
níveis elevados, o acréscimo de hidróxido de alumínio deve
ser feito por um período provisório até o melhor controle Homeostase do Magnésio
de cálcio e fósforo.22
DISTRIBUIÇÃO
Um novo agente não contendo cálcio, alumínio e mag-
O magnésio (Mg) é o quarto íon mais abundante do
nésio, assim evitando os problemas das medicações con-
organismo, sendo a nível intracelular o segundo mais pre-
tendo estes íons, está sendo usado com bons resultados. O
valente, após o potássio. Um adulto normal possui cerca
sevelamar é um polímero catiônico que quela o fósforo por
de 24 g de Mg, sendo a fração sérica muito pequena em re-
troca iônica. Trabalhos mostraram que o sevelamar foi tão
lação ao magnésio corporal total, distribuindo-se da se-
efetivo quanto os quelantes habitualmente usados, como
guinte maneira:
carbonato de cálcio ou acetato de cálcio, não alterando a
concentração plasmática de cálcio e controlando os níveis • 60% nos ossos
de fósforo. Também foi constatado um efeito na redução • 39% no espaço intracelular
dos níveis de colesterol total. O uso de sevelamer (Rena- • 1% no espaço extracelular.
232 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

No plasma cerca de 60% do magnésio se encontram li-


vres (fração iônica),30 35% ligados às proteínas e 5 a 10%
Néfron Justamedular Néfron Cortical Superficial
formando complexos com bicarbonato, citrato e fosfato.

UNIDADES DE MEDIDA
O magnésio é mensurado em três unidades; mmol/L,
mg/dl e mEq/L. 1 mEq/L corresponde a 0,5 mmol/L e 1,2
mg/dl.
O valor definido como normal para a concentração sé-
rica de magnésio é de 1,4 a 1,7 mEq/L.

ABSORÇÃO, EXCREÇÃO E BALANÇO


INTERNO
Absorção Intestinal
A dieta habitual de Mg é de aproximadamente 4 mg/
kg/dia. Deste total, 25 a 60% são absorvidos no intestino
delgado. Os mecanismos envolvidos neste processo são: Fig. 13.2 Demonstração das áreas de reabsorção de magnésio no
difusão passiva e difusão facilitada. O movimento de água néfron justamedular e néfron cortical superficial.
na luz intestinal tem papel relevante na absorção de Mg.
Os principais fatores que influenciam na absorção intesti-
nal de magnésio são: A célula tubular da alça de Henle na membrana basola-
teral possui um processo ativo de transporte de Mg para
• proteínas, carboidratos, sódio, água e vitamina D ⇒
fora da célula, através de bomba ativa ou troca de Na por
estimulam a absorção
Mg.
• fosfato ⇒ inibe a absorção.
No túbulo proximal, a absorção do magnésio é de 15 a
A quantidade de magnésio na dieta é de fundamental 25%, sendo o mecanismo unidirecional e dependente da
importância, pois dietas com baixo teor de magnésio au- quantidade de magnésio na luz tubular. Já no túbulo dis-
mentam a capacidade de absorção intestinal em até 90% tal, 10% do Mg filtrado é ofertado a este segmento, onde
do total ingerido. A excreção diária de magnésio é em tor- somente uma pequena fração é reabsorvida, através de
no de 30 a 40 mg/dia pelas fezes.1,2,36 canais de magnésio da membrana luminal e com mecanis-
mos na membrana basolateral semelhantes àqueles da alça
Rins de Henle.1,2,36
O Mg difere da absorção de outros ânions pelo fato
de o túbulo contornado proximal não ser o responsável
Ponto-chave:
principal pela sua reabsorção e sim a alça de Henle (ramo
ascendente espesso). Do total de 3.400 mg/dia de Mg • Reabsorção de magnésio: Principalmente no
filtrado, 15 a 25% são reabsorvidos no TCP e 5 a 10% no ramo espesso da alça de Henle (70 a 75%),
túbulo distal, sendo o restante na alça de Henle.1,2,36 ao contrário de outros íons
Os mecanismos responsáveis pela absorção de magné-
sio na alça de Henle não estão completamente estabeleci-
dos, porém o transporte paracelular por difusão devido a FATORES QUE INFLUENCIAM A EXCREÇÃO DE
um gradiente elétrico favorável, gerado pela reabsorção de MAGNÉSIO
cloreto de sódio, é a teoria mais aceita.36 A reabsorção pa- Os principais fatores envolvidos na excreção do mag-
racelular parece ser facilitada por uma proteína chamada nésio são:
paracelin 1 (PCLN-1). A perda de magnésio estaria relaci- Hipo- e Hipermagnesemia. A concentração de magné-
onada a mutações no gene da proteína PCLN-1, que estão sio plasmático é a principal responsável pela excreção uri-
localizadas na alça espessa de Henle.52 nária, principalmente no segmento cortical ascendente da
A ação do PTH, aumentando a reabsorção local, é um alça de Henle. A hipermagnesemia diminui a reabsorção,
fator relevante no transporte deste íon no ramo ascenden- ao contrário da hipomagnesemia. Há alguma evidência de
te espesso da alça de Henle. Também o transporte passivo que a concentração intracelular de Mg regula esta res-
de Mg se dá devido a um gradiente eletronegativo no posta, modificando o número de canais de Mg na mem-
interior da célula, gerado por uma concentração intrace- brana luminal.36
lular de magnésio de 1,0 mEq/L, facilitando o transporte Hipo- e Hipercalcemia. A hipercalcemia parece aumen-
do lúmen tubular para o interior da célula.2,36 tar a excreção de magnésio devido ao fato de o cálcio com-
capítulo 13 233

petir com o transporte passivo de magnésio. Por outro lado,


Quadro 13.10 Causas principais de
a hipocalcemia pode aumentar a reabsorção de Ca e
hipomagnesemia
Mg. Este fato se reflete nos pacientes portadores da sín-
drome de hipercalcemia hipocalciúrica que apresentam PERDAS GASTRINTESTINAIS
hipermagnesemia devido à ausência do efeito inibitório da Diarréia, pancreatite aguda, síndrome do intestino curto,
hipercalcemia na reabsorção de magnésio. hipomagnesemia intestinal primária, esteatorréia
PTH. Como já foi visto, o PTH aumenta a reabsorção de PERDAS RENAIS
magnésio, principalmente na alça de Henle. Diuréticos (de alça e tiazídicos), cisplatina,
Diuréticos. Tanto os diuréticos de alça como os tiazídi- aminoglicosídeos, anfotericina B, pentamidina,
cos e diuréticos osmóticos causam hipermagnesiúria, prin- ciclosporina
cipalmente por diminuir o transporte de sódio, cloro e cál- Álcool
Expansão de volume
cio.38 Hipercalcemia
Expansão de Volume. A expansão de volume causa Transplante renal
uma diminuição na reabsorção de sódio, água e magnésio, Diurese pós-obstrutiva
por um aumento do fluxo tubular que chega à alça de Síndrome de Bartter
Henle, gerando um menor gradiente elétrico transtubular Perda renal primária de magnésio
comprometendo a reabsorção. MISCELÂNEA
Ossos. Aproximadamente 60% do magnésio total se Síndrome do osso faminto
encontra nos ossos, na superfície óssea na forma de cris- Foscarnet
tais, pronto para a mobilização em estados de deficiência. Pós-operatório
A hipocalcemia que se dá em situações de hipomagnese-
mia pode em parte ser explicada pela troca a nível da su-
perfície óssea do cálcio pelo magnésio.1,2,36
cal, ressecção intestinal, fístulas biliares, causadoras de
perdas significativas de magnésio. Outras condições, como
FUNÇÕES DO MAGNÉSIO NO ORGANISMO a pancreatite aguda, causam deficiência de magnésio.
O magnésio participa de múltiplas funções no organis- A esteatorréia, outra situação de perda gastrintestinal,
mo. É importante para a ação de cerca de 300 enzimas, na forma “sabões” na luz intestinal, com perda de magnésio.
glicogenólise e respiração celular, nas funções da membra- Aspiração nasogástrica contínua sem reposição conco-
na e aderência celular, transporte transmembrana de só- mitante de magnésio causa hipomagnesemia, já que o flui-
dio, potássio e cálcio. Participa das funções de contração e do gástrico tem aproximadamente 1 mEq/L de magnésio.
relaxamento muscular, neurotransmissão e condução do Outra situação mais rara é um erro inato do metabolismo
potencial de ação e influencia na função de proteínas e caracterizado por deficiência seletiva na absorção de mag-
mitocôndrias. Também auxilia na estrutura do ribossomo nésio, sendo que esta desordem se apresenta no período
e na ligação do RNA mensageiro ao ribossomo.70,71 neonatal, quando ocorre hipocalcemia, que se corrige com
reposição de magnésio. O desenvolvimento de hipomag-
Hipomagnesemia nesemia por ingestão diminuída é uma causa rara do dis-
túrbio. O abuso de laxativos e diarréia crônica são outras
Define-se hipomagnesemia quando a concentração sé- causas.2,36,37,45
rica de magnésio é menor que 1,4 mEq/L (0,7 mmol/L ou
1,7 mg/dl). A incidência deste distúrbio chega a 12% dos Perdas Renais
pacientes hospitalizados, chegando em unidades de trata- As perdas renais de magnésio se dão ou por defeitos
mento intensivo a 65%. Desnutrição, hipoalbuminemia e tubulares específicos no transporte de magnésio, ou por
uso de aminoglicosídeos contribuem para esta maior inci- defeitos tubulares específicos no transporte de sódio, com
dência, nas unidades de tratamento intensivo.37,44 conseqüente déficit na reabsorção de magnésio nos seg-
mentos do néfron onde ocorre o transporte passivo de só-
CAUSAS dio e magnésio.36,45
Há três mecanismos principais causando a hipomagne- Diuréticos. Os diuréticos de alça e os tiazídicos inibem a
semia: redução na absorção intestinal, aumento da perda reabsorção de magnésio, enquanto os poupadores de potás-
urinária e desvio intracelular do íon. As causas principais sio aumentam o transporte de magnésio do lúmen tubular
de hipomagnesemia se encontram no Quadro 13.10. para o interior da célula no túbulo coletor. A diurese osmó-
tica, provocada por estados de hiperglicemia, e a diurese
Perdas Gastrintestinais pós-obstrutiva causam perdas de magnésio na urina.2,36,41
As principais causas de perdas gastrintestinais se devem Nefrotoxinas. Os aminoglicosídeos causam hipomag-
a quadros de má absorção intestinal, como o espru tropi- nesemia, hipocalcemia e hipopotassemia. A cisplatina é
234 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

outra droga que causa hipomagnesemia, chegando a 50% Outros estudos demonstram que a administração de
dos pacientes em algumas séries. Outras drogas são a an- magnésio após eventos isquêmicos nas primeiras 24 horas
fotericina B, que causa acidose tubular renal e hipomag- diminui a incidência de arritmias neste período. O risco de
nesemia leve, e a ciclosporina, que ocasiona perda renal de intoxicação digitálica pode ser observado na hipomagne-
magnésio após transplante renal e de medula óssea.1,2,36,43,45 semia, pela perda intracelular de potássio. Isto decorre do
Álcool. Vários mecanismos estão envolvidos no desen- fato de que a diminuição na concentração de magnésio
volvimento de hipomagnesemia nos pacientes etilistas: intracelular provoca uma diminuição na atividade do ATP,
diarréia, baixa ingestão e efeito direto do álcool no túbulo responsável por inibir a secreção de potássio do interior da
renal, causando perda urinária de magnésio. célula, abrindo-se os canais permeáveis ao potássio com
Hipercalcemia. Cálcio e magnésio parecem competir conseqüente secreção deste para o interior do lúmen tubu-
pelo mesmo local de reabsorção no ramo espesso ascenden- lar. A hipocalemia se desenvolve e só é corrigida com a
te da alça de Henle, onde a hipercalciúria nesta situação reposição concomitante de magnésio.39
provoca maior perda de magnésio na urina. Isto pode ser O papel que desempenha o magnésio na patogênese da
comprovado pela hipomagnesemia leve encontrada no hi- hipertensão arterial é investigado, parecendo haver uma
perparatireoidismo primário.2,36 correlação inversa entre a ingestão de magnésio e a inci-
Disfunção da Alça de Henle. Disfunções aí localizadas, dência de hipertensão.2,36
como na fase de recuperação da necrose tubular aguda, Hipocalcemia. O sinal mais proeminente de hipomag-
diurese pós-obstrutiva e na síndrome de Bartter (defeito nesemia grave é a hipocalcemia, onde são encontrados
congênito que promove a perda renal de potássio, alcalo- níveis de PTH normais ou baixos. A hipomagnesemia su-
se metabólica, hipercalciúria e hipomagnesemia).45 prime a secreção de PTH, aumenta a resistência óssea ao
Expansão de Volume. O maior exemplo é o que acon- hormônio e diminui os níveis de AMPc em resposta à ação
tece nos estados de hiperaldosteronismo cuja expansão do do PTH.2,36,42,45
volume extracelular leva a um menor efeito de reabsorção
do magnésio através de seus mecanismos passivos. DIAGNÓSTICO
Miscelânea. Dentre outras causas, destacamos a cetoa- A hipomagnesemia deve ser suspeitada na presença de:
cidose diabética antes do tratamento, pelo quadro hiper- diarréia crônica, uso de diuréticos, hipocalcemia, hipopo-
catabólico, e a perda urinária devida à diurese osmótica tassemia refratária, arritmias ventriculares particularmente
intensa. após eventos isquêmicos. Para diferenciar se a causa da
Na síndrome do osso faminto pós-tireoidectomia com hipomagnesemia é de origem renal ou gastrintestinal,
ressecção inadvertida da paratireóide ou paratireoidecto- deve-se medir a excreção de magnésio nas 24 horas. A
mia pode ocorrer uma maior deposição de magnésio ao medida em 24 horas e não em uma amostra é importante
nível ósseo. devido às variações diurnas na excreção do magnésio.53 A
Na insuficiência renal crônica, acidose tubular renal e fração de excreção de magnésio se calcula através da se-
nefrite intersticial, pode-se observar uma perda maior de guinte fórmula:
magnésio na urina.1,2,36,41,43,44,45
FE Mg  MgU  CrP / (0,7  MgP)  CrP
QUADRO CLÍNICO Onde U e P são as amostras das concentrações urinária
O quadro clínico da hipomagnesemia é acompanhado e plasmática de magnésio e creatinina, respectivamente. A
na maioria das vezes por outros distúrbios metabólicos, concentração plasmática de magnésio é multiplicada por
como hipopotassemia, hipocalcemia e alcalose metabóli- 0,7 devido ao fato de 70% do magnésio se encontrar livre
ca, além de depender da velocidade de instalação do dis- no plasma; este produto é então multiplicado pela concen-
túrbio. tração urinária de creatinina. A coleta da amostra para
Manifestações Neuromusculares. A tetania é um acha- determinação do magnésio sérico pode alterar-se quando
do comum, quando associada a hipocalcemia, sendo rara ocorre hemólise, elevando in vitro a sua concentração. Para
na ausência deste distúrbio. O sinal de Chvostek é mais cada 1 g/L de queda de hemoglobina por lise, há elevação
comum que o de Trousseau na hipomagnesemia. Convul- de 0,05 mmol/L. Valores de FE Mg maiores que 2% ou
sões, tremores e mioclonia também são outros achados.2 Os magnésio medido nas 24 horas maior que 10 mg represen-
sinais neuromusculares são mais comuns em etilistas e tam perdas devido ao uso de drogas (aminoglicosídeos,
pacientes com má absorção intestinal. cisplatina, diuréticos).1,2,44
Manifestações Cardiovasculares. As manifestações car-
diovasculares mais importantes são as arritmias ventricu- TRATAMENTO
lares, especialmente durante os fenômenos isquêmicos. A hipomagnesemia leve (níveis em torno de 1,4 mg/dl
Muitos estudos não controlados têm apontado uma maior a 1,7 mg/dl) não necessita de tratamento, mas de correção
incidência de arritmias ventriculares em pacientes com hi- da causa subjacente. Alguns autores recomendam terapia
pomagnesemia do que com níveis normais de magnésio.42,45 oral com tabletes de magnésio para pacientes assintomáti-
capítulo 13 235

cos. O uso de 2 a 4 tabletes com 5 a 7 mEq por tablete pare-


Quadro 13.11 Causas principais de
ce ser suficiente. Nos casos mais severos deve-se aumen- hipermagnesemia
tar para 6 a 8 tabletes.
Já em casos de emergência, pacientes apresentando con- AUMENTO DA INGESTA
vulsões ou tetania, as primeiras medidas são infusão de 200 • Administração excessiva de magnésio: oral, retal; rara
mg (8,2 mmol) de sulfato de magnésio a 50%, ou 4 ml de em pacientes com função renal normal
MgSO4 a 50% em 100 ml de solução salina isotônica, de- DIMINUIÇÃO DA EXCREÇÃO RENAL
vendo ser administrados em 10 minutos e os níveis de • Aumento da ingesta de substâncias que contenham
magnésio novamente medidos em 30 minutos. Pode ser magnésio, como antiácidos, laxativos, lítio, diuréticos,
repetida a dose quando necessário.1,2,36 poupadores de potássio
Em casos menos urgentes, uma infusão constante de 0,5 • Conteúdo alto de magnésio no dialisado
mmol/kg nas 24 horas ou 2 ml de sulfato de magnésio a OUTRAS CAUSAS
50% (4,1 mmol ou 100 mg) intramuscular a cada 3 ou 4 • Hiperparatireoidismo primário
horas podem ser administrados no primeiro dia, com pos- • Hipercalcemia hipocalciúrica familiar
terior redução da dose. • Cetoacidose diabética
Outra forma de reposição, quando há presença de ar- • Estados hipercatabólicos
• Tratamento da intoxicação por teofilina
ritmia ou tetania, é realizar a infusão de 50 mEq de mag- • Síndrome álcali-leite
nésio via endovenosa em 8 a 24 horas, com o intuito de • Insuficiência supra-renal
manter a concentração de magnésio acima de 1,0 mg/dl.
Em pacientes sob nutrição parenteral, a adição de 4,1
mmol (100 mg) previne o desenvolvimento de hipomag-
nesemia. Adultos com perda intestinal podem receber te- desenvolverá em casos de insuficiência renal ou devido ao
rapia oral na dose de 240 a 720 mg/dia.1,36,45 Como o mag- abuso de magnésio administrado sob a forma oral (antiá-
nésio plasmático é o principal responsável pela reabsorção cidos e laxativos), enema ou endovenosa.1,2,48,49,50
renal, elevações abruptas no plasma podem levar à elimi- Insuficiência Renal. Como se sabe, o rim tem grande
nação de 50% do magnésio infundido, pela abolição do capacidade de excretar o excesso de magnésio do organis-
estímulo de conservação do magnésio.36 mo. Desta maneira, a hipermagnesemia acontece nos pa-
cientes portadores de insuficiência renal crônica e em pa-
cientes que estão em hemodiálise. O uso, nesta população,
Pontos-chave: de antiácidos, enemas e dialisados com alta concentração
• Hipomagnesemia geralmente é de magnésio são causas deste distúrbio.
acompanhada de outros distúrbios Aumento da Ingestão. Em pacientes com função renal
normal, a administração excessiva de magnésio por via
metabólicos, como hipocalcemia e
oral, retal ou endovenosa pode ser responsável pelo au-
hipopotassemia. A hipocalcemia é um
mento dos níveis de magnésio no plasma.
indicador de gravidade da hipomagnesemia O exemplo clássico é o tratamento da eclâmpsia, quan-
• Hipomagnesemia leve: sem tratamento do níveis de 6 a 8,5 mg/dl podem causar hipocalcemia
• Hipomagnesemia com sintomas severos: materna (inibição da liberação de PTH) e hipopotassemia
terapia endovenosa neonatal.
Quantidades substanciais de magnésio são absorvidas
pelo intestino grosso na forma de enemas. Por exemplo, 400
Hipermagnesemia a 800 mmol/d de magnésio via retal aumentam a concen-
tração plasmática de 7,2 até 19,2 mg/dl.
DEFINIÇÃO Outras Causas. A insuficiência supra-renal e o hiperpa-
Define-se hipermagnesemia quando os níveis de mag- ratireoidismo têm sido relatados como causa de hipermag-
nésio são superiores a 2,1 mEq/L (1 mmol/L ou 2,6 mg/ nesemia, por provocarem contração de volume plasmáti-
dl). Em indivíduos com ingestão normal, ao redor de 3% co no primeiro caso e pelo efeito direto do PTH no segun-
do magnésio ingerido é excretado na urina, em especial no do, aumentando a reabsorção tubular de magnésio. A hi-
ramo ascendente espesso da alça de Henle.2,48,49 percalcemia diminui a reabsorção renal de magnésio, con-
trabalançando o efeito do PTH e deixando os níveis de
CAUSAS DE HIPERMAGNESEMIA magnésio normais e até baixos. Nos pacientes com a sín-
As causas principais de hipermagnesemia encontram- drome familiar da hipercalcemia hipocalciúrica, a ausên-
se no Quadro 13.11. Como o aumento de magnésio não cia do efeito inibitório do cálcio no túbulo renal provoca a
possui um sistema hormonal regulador e o rim é o princi- hipermagnesemia.
pal responsável pela sua excreção, a hipermagnesemia se O desvio de magnésio para o extracelular pode dar-se
236 Metabolismo do Cálcio, Fósforo e Magnésio

em casos de acidose, feocromocitoma, estados hipercata- nical Problems in Nephrology. New York: Little, Brown and Company,
1995, 96-120.
bólicos e síndrome de lise tumoral.1,2,48,49
3. KUMAR, R. Calcium metabolism. In: Jacobson, H.R.; Stiker, G.E.; Klahr,
S. The Principles and Practice of Nephrology. St Louis: Mosby, 964, 1995.
QUADRO CLÍNICO 4. MUNDY, G.R.; REASNER, C.A. Hypocalcemia. In: Jacobson, H.R.;
A hipermagnesemia é uma situação rara na ausência de Stiker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology. St Louis:
Mosby, 971, 1995.
insuficiência renal ou administração de substâncias que 5. MUNDY, G.R.; REASNER, C.A. Hypocalcemia. In: Jacobson, H.R.;
contenham magnésio. A gravidade e a presença dos sinto- Stiker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology. St Louis:
mas vão variar com a intensidade do distúrbio que, quan- Mosby, 977, 1995.
do leve (menor que 3 mEq/L, 3,6 mg/dl ou 5 mmol/L), 6. WASSERMANN, R.H. and FULMER, C.S. Calcium transport
proteins, calcium absorption, and vitamin D. Ann. Rev. Physiol.,
causa poucos sintomas. 45:375, 1983.
Neuromuscular. O aumento dos níveis de magnésio 7. KUROKAWA, K. Calcium regulating hormones and the kidney.
diminui o impulso nervoso através da junção neuromus- Kidney Int., 32:760, 1987.
cular, provocando um efeito curarizante. Há diminuição 8. REICHEL, H.; KOEFFLER, H.; NORMANN, A. The role of vitamin
D endocrine system in health and disease. N. Engl. J. Med., 320:980,
dos reflexos profundos, notados quando os níveis atingem 1989.
4 a 6 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2 a 3 mmol/L); se houver 9. DESAI, T., CALRSON, R., GEHEB, M. Prevalence and clinical im-
maior elevação dos níveis plasmáticos, poder-se-ão obser- plications of hypocalcemia in acutely ill pacients in a medical inten-
var quadriplegia flácida e paralisia respiratória.47 sive care setting. Am. J. Med., 84:209, 1988.
10. BRESLAU, N.A. and PAK, C.Y. Hypoparathyroidism. Metabolism,
Cardiovascular. No coração o magnésio tem efeito atra- 28:1261, 1979.
vés do bloqueio dos canais de cálcio e de potássio, levan- 11. GRABER, M.L. and SCHULMAN, G. Hypomagnesemic hypocalce-
do a efeito inotrópico negativo e arritmogênico, quando sua mia independent of parathyroid hormone. Ann. Int. Med., 104:804,
concentração atinge 4 a 5 mEq/L (4,8 a 7,2 mg/dl ou 2,0 a 1986.
12. PAPAPOULOS, S.E.; CLEMENS, T.L.; FRAHER, L.J. et al. Metabo-
2,5 mmol/L), com conseqüente hipotensão arterial e bra- lites of vitamin D in human vitamin D deficiency: Effect of vitamin
dicardia. Em quadros mais graves, bloqueio atrioventricu- D, or 1,25-dihydroxycholecalciferol. Lancet, 2:612, 1980.
lar total poderá ocorrer.46 13. THOMES, J.F., BILEZKIAN, J.P. Hypocalcemic emergencies. Endo-
Hipocalcemia. Hipermagnesemia leve a moderada crinol. Metab. Clin. North Am., 22:363, 1993.
14. ATTIE, M. Hypocalcemic symptoms following parathyroidectomy.
pode levar a inibição na secreção de PTH, levando a uma JAMA, 265:2888, 1991.
redução transitória na concentração de cálcio e na maioria 15. MERIC, F.; YAP, P.; BIA, M. Etiology of hypercalcemia in hemodi-
das vezes não associada a sintomas, além de exercer um alysis pacients on calcium carbonate therapy. Am. J. Kidney Dis.,
efeito bloqueador sobre os canais de cálcio.2,46,48 16:459, 1990.
16. ADAMS, J. Vitamin D metabolite related hypercalcemia. Endocrinol.
Hiperpotassemia. A hipermagnesemia provoca o blo- Metab. Clin. North Am., 18:765, 1989.
queio dos canais de secreção de potássio.2,48 17. MALLETE, L.E. The hypercalcemias. Semin. Nephrol., 12:159, 1992.
18. ADAMI, S.; ROSSINI, M. Hypercalcemia of malignancy: pathophy-
siology and treatment. Bone, 13 Suppl 1:51, 1992.
TRATAMENTO 19. MORTON, A.R.; FRIEFELD, J.; HALPERIN, F. Done of biphospho-
A maioria dos casos de hipermagnesemia pode ser evi- nate of malignancy. Lancet, 335:1496, 1990.
tada, como nos renais crônicos, não utilizando produtos 20. HRUSKA, K.A.; KOVACH, K.L. Phosphate balance and metabolism.
que contenham magnésio. Quando a função renal é nor- In: Jacobson, H.R.; Sticker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice
of Nephrology. St Louis: Mosby, 986, 1995.
mal, a parada de infusão de magnésio determina a resolu- 21. HRUSKA, K.A.; KOVACH, K.L. Hypophosphatemia. In: Jacobson,
ção do distúrbio. H.R.; Sticker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology.
Nos pacientes com quadro de risco de vida a infusão de St Louis: Mosby, 986, 1995.
gluconato de cálcio, 100 a 200 mg, infundido em 5 a 10 22. HRUSKA, K.A.; KOVACH, K.L. Hypophosphatemia. In: Jacobson,
H.R.; Sticker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology.
minutos, agindo como antagonista do magnésio (o mag- St Louis: Mosby, 1000, 1995.
nésio é um bloqueador dos canais de cálcio), deve ser feita 23. GMAJ, P.; MURER, H. Cellular mecanisms of inorganic phosphate
imediatamente. A associação de insulina e glicose aumen- transport in kidney. Physiol. Rev., 66:36, 1986.
ta a entrada de magnésio para o interior da célula.48,49 24. HAMMERMAN, M.R. Phosphate transport across renal proximal
tubular cell membranes. Am. J. Physiol., 251:385, 1986.
Nos pacientes em hemodiálise se fará o tratamento com 25. YU, C.G.; LEE, D.B.N. Clinical disorders of phosphorus metabolism.
um dialisado livre de magnésio.2,48,49 West. J. Med., 147:569, 1987.
26. CAMP, M.A.; ALLON, M. Severe hypophosphatemia in hospitali-
zed pacients. Miner. Electrol. Metab., 16:365, 1990.
27. KNOCHEL, J.P. The clinical status of hypophosphatemia. N. England
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS J. Med., 313:447, 1985.
28. KNOCHEL, J. The pathophysiology and clinical characteristics of
1. SUTTON, R.A.L., DIRKS, J.H. Disturbance of calcium and magne- severe hypophosphatemia. Arch. Intern. Med., 137:203, 1977.
sium metabolism. In: Brenner, B.M., Rector Jr, F.C. The Kidney, Phi- 29. KNOCHEL, J. Hypophosphatemia and rhabdomyolisis. Am. J. Med.,
ladelphia: W.B. Saunders, 841, 1991. 92:455, 1992.
2. BLACK, R.M.; ALFRED, H.J.; FAN, P.Y.; STOFF, J.S. Disorders of 30. GLORIEUX, F.H. Calcitriol treatment in vitamin D dependent and
calcium, phosphorus, and magnesium. In: Rose, D.; Black, R.M. Cli- vitamin D resistant rickets. Metabolism, 39:10, 1990.
capítulo 13 237

31. KRAPF, R.; JAEGER, P.; HULTER, H.N. Chronic respiratory alka- 58. LENTZ, R.D.; BROWN, D.M.; KJELLSTRAND, C.M. Treatment of
losis induces renal PTH resistance, hyperphosphatemia and hypo- severe hypophosphatemia. Intern. Med. Dec; 89 (6):941-4, 1978.
calcemia in humans. Kidney Int., 42:727, 1992. 59. ANTONSEN, J.L.; SHERRARD, D.J.; ANDRÉS, D.L. A calcimimetic
32. DELMEZ, J.A.; SLATOPOLSKY, E. Hyperphosphatemia: its conse- agent acutely suppresses parathyroid hormone levels in patients
quence and treatment in pacients with chronic renal disease. Am. J. with cronic renal failure. Rapid communication. Kidney Int., 53:223,
Kidney Dis., 19:303, 1992. 1998.
33. ALFREY, A.C.; ZHU, J.M. The role of hyperphosphatemia. Am. J. 60. COLLINS, M.; SKARUKIS, M.C.; BILEZIKIAN, J.P. et al. Treatment
Kidney Dis., 17:53, 1991. of hypercalcemia secondary to parathyroid carcinoma with a novel
34. SLATOPOLSKY, E.; RUTHEFORD, W.E.; ROSENBAUM, R. et al. calcimimetic agent. J. Clin. Endocrinol. Metab.; 83:1083, 1998.
Hyperphosphatemia. Clin. Nephrol., 7:138, 1977. 61. BRADWELL, A.R.; HARVEY, T.C. Control of hypercalcemia of
35. McCLOSKEY, E. et al. Pseudohyperphosphatemia in multiple mye- parathyroid carcinoma by immunization. Lancet, 353:370, 1999.
loma. Br. Med. J., 299:1381, 1989. 62. FOURNIER, A.; MONIERE, P.; BEN HAMIDA, F. et al. Use of
36. SUTTON, R.A.L.; SAKHAEE, K. Magnesium balance and metabo- alkaline calcium salts as phosphate binder in uremic patients. Kid-
lism. In: Jacobson, H.R.; Striker, G.E.; Klahr, S. The Principles and ney Int. Suppl., 38:S50, 1992.
Practice of Nephrology, St Louis: Mosby, 1005, 1995. 63. SLATOPOLSKY, E.; WEERTS, C.; LOPEZ-HIKER, S. et al. Calcium
37. SUTTON, R.A.L.; SAKHAEE, K. Hypomagnesemia. In: Jacobson, carbonate as a phosphate binder in patients with chronic renal fai-
H.R.; Striker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology, lure undergoing dialysis. N. Engl. J. Med., 315:317, 1986.
St Louis: Mosby, 1008, 1995. 64. CHERTOW, G.M.; BURKE, S.K.; LAZARUS, J.M.; et al. Polyallyla-
38. AL-GHAMDI, S.M.G., CAMERON, E.C.; SUTTON, R.A.L. Magne- mine hydrochloride (RenaGel): A noncalcemic phosphate binder for
sium deficiency: Pathophysiologic and clinical overview. Am. J. Kid- the treatment of hyperphosphatemia in chronic renal failure. Am. J.
ney Dis., 24:737, 1994. Kidney Dis., 29:66, 1997.
39. RYAN, M. Diuretics and potassium/magnesium depletion: Direc- 65. BLEYER, A.J.; BURKE, S.K.; DILLON, M. et al. A comparison of the
tions for treatment. Am. J. Med., 82 (3A):38, 1987. calcium-free phosphate binder sevelamar hydrochloride with cal-
40. SALEM, M., KASISKI, N., ANDREI, A.M.; BRUSSEL, T.; GOLD, cium acetate in the treatment of hyperphosphatemia in hemodialy-
M.R.; CONN, A.; CHERNOW, B. Hypomagnesemia is a frequent sis patients. Am. J. Kidney Dis., 33:694, 1999.
finding in the emergency department in pacients with chest pain. 66. MURER, H.; BIBER, J. Molecular mechanisms in renal phosphate
Arch. Intern. Med., 151:2185, 1991. reabsorption. Nephrol. Dial. Transplant, 10:1501, 1995.
41. WHANG, R.; RYDER, K. Frequency of hypomagnesemia and hyper- 67. BROOKS, D.P.; ALI, S.M.; CONTINO, L.C. et al. Phosphate excretion
magnesemia. Requested vs routine. JAMA, 263:3063, 1990. and phosphate transporter messenger RNA in uremic rats treated
42. RASMUSSEN, H. et al. Magnesium infusion reduces the incidence with phosphonoformic acid. J. Pharmacol. Exp. Ther., 281:1440, 1997.
of arrythmias in acute miocardial infarction. Arch. Intern. Med., 68. SLATOPOLSKY, E.A.; BURKE, S.K.; DILLON, M.A. and THE RE-
147:753, 1987. NAGEL STUDY GROUP. Renagel®, a nonabsorbed calcium- and
43. MARTINS, B.J.; BLACK, J.; McLELLAND, A.S. Hypomagnesemia aluminium free phosphate binder, lowers serum phosphorus and
in elderly hospital admissions: a study of clinical significance. Q. J. parathyroid hormone. Kidney Int., 55;299:307, 1999.
Med., 78:177, 1991. 69. PRIE, D.; BLANCHET, F.B.; ESSIG, M.; JOURDAIN, J.P., FRIE-
44. REINHART, R.A.; DESBIENS, N.A. Hypomagnesemia in pacients DLANDER, G. Dipyridamole decreases phosphate leak and
entering the ICU. Crit. Care Med., 13:506, 1985. augments serum phosphorus in patients with low renal phosphate
45. WHANG, R. Magnesium deficiency: pathogenesis, prevalence, and threshold. J. Am. Soc. Nephrol., jul; 9(7);1264-9, 1998.
clinical implications. Am. J. Med., (suppl 3A):24, 1987. 70. SWAMINATHAN, R. Hypo-hypermagnesemia In: Oxford Textbook
of Clinical Nephrology, 2nd ed., edited by Davison A.M.; Cameron, J.S.;
46. ZWERLING, H. Hypermagnesemia induced hypotension and hypo-
Grunfeld, J.P.; Kerr, D.N.S.; Ritz, E.; Winearls, C.G. Oxford Univer-
ventilation. JAMA, 266:2374, 1991.
sity Press, 271-310, 1998.
47. KRENDELL, D. Hypermagnesemia and neuromuscular transmis-
71. FAUCI, A.S.; BRAUNVALD, E.; ISSELBACHER, K.J.; WILSON, J.D.;
sion. Semin. Neurol., 10:42, 1990.
MARTIN, J.B.; KASPER, D.L.; HAUSER, S.L.; LONGO, D.L.; Labo-
48. SUTTON, R.A.L.; SAKHAEE, K. Hypermagnesemia. In: Jacobson,
ratory values of clinical importance. In: Harrison´s Principles of Inter-
H.R., Striker, G.E.; Klahr, S. The Principles and Practice of Nephrology,
nal Medicin, 14th international ed., McGraw-Hill Book Company: A1-
St Louis: Mosby, 1013, 1995.
A9, 1998.
49. ELLYN, R.J. Magnesium metabolism in health and disease. Disease
A Month, 34:161, 1988.
50. JUPPNER, H.; SCHIPANI, E. Receptors for parathyroid hormone ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
and parathyroid hormone-related peptide. Curr. Opin. Nephrol. Hy-
pertens., 5(4):300-6, 1996. www.hdcn.com
51. LACY, C. Drug Information Handbook, 1978. www.nejm.org
52. SIMON, D.B. et al. Science , jul 2;285 (5424):103-6, 1999. www.immunologyed.com
53. FLEMING, C.R.; GEORGE, L.; STONER, G.L. et al. The importance
www.acpjc.org
of urinary magnesium values in patients with gut failure. Mayo Clin.
Proc. 71:21, 1996. www.ajkd.org
54. YU, J.; RMI, J.; GOLTZMAN, D. et al. Vitamin D analogs as potenci- www.annals.org
al for the treatment of cancer associated with hypercalcemia (CAH). www.nature.com
Proc. Annu. Meet. Am. Assoc. Cancer Res., 34:A1526, 1993.
www.science.com
55. RYZEN, E.; NELSON, T.A.; RUDE, R.K. Low blood mononuclear
cell magnesium content and hypocalcemia in normomagnesemic pa- www.jcb.org
tients. West J. Med., 147:549, 1987. www.jci.org
56. BIBER, J. Celular aspects of proximal phosphate reabsorption. Kid- www.ovid.com
ney Int, 36:360, 1989. www.utol.com
57. MURER, H. Celular mechanisms in proximal tubular Pi reabsorpti-
on: Some answers and more questions. J. Am. Soc. Nephrol., 2:1649,
1992.
Capítulo
Metabolismo do Ácido Úrico

14 Paulo Henrique Fraxino e Miguel Carlos Riella

INTRODUÇÃO Nefropatia hiperuricêmica familiar


METABOLISMO DAS PURINAS E SÍNTESE DO ÁCIDO Nefrolitíase pelo ácido úrico
ÚRICO Hiperuricemia no transplante renal
METABOLISMO DO ÁCIDO ÚRICO Manejo clínico e farmacológico dos estados de
Produção de ácido úrico hiperuricemia
Produção exógena de ácido úrico Hiperuricemia assintomática
Produção endógena de ácido úrico Gota
Excreção de ácido úrico Nefropatia aguda pelo ácido úrico
Aparelho gastrintestinal Nefropatia crônica pelo ácido úrico
Aparelho urinário Nefropatia hiperuricêmica familiar
ESTADOS DE HIPERURICEMIA Nefrolitíase pelo ácido úrico
Definição Hiperuricemia no transplante renal
Classificação ESTADOS DE HIPOURICEMIA
Hiperuricemia primária Definição
Hiperuricemia secundária Diminuição na produção de ácido úrico
Epidemiologia Deficiência da xantina-oxidase
Apresentação clínica Excreção aumentada de ácido úrico
Gota REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Nefropatia aguda pelo ácido úrico ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Nefropatia crônica pelo ácido úrico

litíase renal, patologias geralmente relacionadas a estados


INTRODUÇÃO de hiperuricemia. Ou ainda, situações clínicas observadas
em associação a estados de hipouricemia, a saber: na defi-
O conhecimento das particularidades do metabolismo ciência de xantina-oxidase, em doenças hepáticas, na sín-
do ácido úrico torna-se imprescindível para a compreen- drome de Fanconi, na síndrome da imunodeficiência ad-
são da gênese de diversas patologias relacionadas, bem quirida, entre outras.
como dos seus tratamentos. É objetivo deste capítulo revisar a síntese do ácido úrico,
É sabido que alterações dos níveis séricos do ácido úri- como ocorre sua produção e excreção, as patologias decorren-
co poderão implicar complicações sistêmicas importantes, tes das alterações do seu metabolismo, as manifestações clíni-
como gota, nefropatia aguda e crônica pelo ácido úrico e cas destas doenças e seus manejos clínicos e terapêuticos.
capítulo 14 239

da glutamina associada a uma inversão do C-1 da ribose, ori-


METABOLISMO DAS PURINAS E ginando a 5’-fosforribosil-1’-amina. A partir de então esta
SÍNTESE DO ÁCIDO ÚRICO amina será conjugada a glicina. O resultante desta reação será
amidado com o nitrogênio amídico da glutamina. A etapa
A partir do metabolismo dos nucleotídeos das purinas é que seguinte corresponderá a uma desidratação, dependente de
teremos a formação do ácido úrico (Fig. 14.1). Sabe-se que a ATP, e fechamento do anel originando a porção imidazólica
síntese das purinas dar-se-á a partir da ribose-5’-fosfato. Inici- da purina (5’-aminoimidazol-ribonucleotídeo). O 5’-aminoi-
almente ocorrerá uma aminação do 5’-fosforribosil-1’-pirofos- midazol-ribonucleotídeo sofrerá uma carboxilação e uma
fato (PRPP), catalisada pela enzima PRPP-sintetase. Seqüen- amidação, formando um intermediário denominado 5’-ami-
cialmente observa-se a utilização de um nitrogênio amídico noimidazol-4’-carboximida-ribonucleotídeo, que sofrerá uma

Ribose-5ⴕ-Fosfato

PRPP-Sintetase

5’-Fosforribosil-1ⴕ-Pirofosfato (PRPP)

Glutamina

5ⴕ-Fosforribosil-1ⴕ-Alanina

Glicina Glutamina

5ⴕ-Aminoimidazol-Ribonucleotídeo

CO2 Aspartato

5ⴕ-Aminoimidazol-4ⴕ-Carboximida-Ribonucleotídeo

Formato H2O

Ácido Guanílico Ácido Inosínico Ácido Adenílico

HPRT

Guanosina Inosina Adenosina


HPRT

Guanina Hipoxantina

Xantina-oxidase

Guanase Xantina

Xantina-oxidase

Ácido Úrico

Fig. 14.1 Representação esquemática: Metabolismo da purina no homem. (Baseado em Brobeck, J.; Herbert, P.N.; Hricik, D.2)
240 Metabolismo do Ácido Úrico

formilação, recebendo um último átomo de carbono. Após a cursores de uratos é oriunda da dieta alimentar; sabe-se que
sua desidratação completar-se-á a síntese do ribonucleotídeo fórmulas dietéticas livres de purinas chegam a reduzir a ex-
da hipoxantina, o ácido inosínico (IMP).34 creção urinária de ácido úrico em aproximadamente 40%.33
Como podemos observar na Fig. 14.1, que corresponde à O processo de produção de uratos envolve a quebra dos
representação esquemática do metabolismo das purinas nos nucleotídeos de purinas, o ácido guanílico (GMP), o ácido
seres humanos, a partir da formação do ácido inosídico (IMP) inosínico (IMP) e o ácido adenílico (AMP). Finalmente, a
teremos uma ramificação na via de biossíntese das purinas. guanina e a hipoxantina são então metabolizadas em xan-
Para um lado ocorrerá oxidação e aminação do IMP na de- tina e esta, sob a ação irreversível da xantina-oxidase, em
pendência do ATP, originando o ácido guanílico (GMP), e ácido úrico.
para outro, dependendo agora do GTP, o IMP sofrerá ami-
nação para originar o ácido adenílico (AMP). Seguindo-se a PRODUÇÃO EXÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO
via de biossíntese, observamos que o ácido inosídico (IMP) Uma dieta alimentar sem restrição de purinas será sufi-
passará a inosina e esta a hipoxantina, que por ação da enzi- ciente para a manutenção da excreção urinária de ácido
ma xantino-oxidase originará a xantina e esta o ácido úrico úrico. Esta, por sua vez, dependerá da quantidade e do tipo
na dependência da ação da mesma enzima.34 de purina existentes na dieta.34 Adultos jovens e hígidos,
Uma vez revisado o metabolismo das purinas, vale res- submetidos a uma dieta sem purina, reduzirão a concen-
saltar que a velocidade de formação ou síntese do ácido tração sérica de ácido úrico em cerca de 37% em 10 dias e
úrico dependerá da concentração intracelular da PRPP. a excreção urinária em torno de 33%, no mesmo período.4
Portanto, é correto afirmar que uma ação maior da enzi-
ma PRPP-sintetase implicará concentração maior de PRPP PRODUÇÃO ENDÓGENA DE ÁCIDO ÚRICO
e conseqüente biossíntese acelerada de purinas com mai- A síntese continuada e o turnover endógenos das puri-
or formação de ácido úrico. Outra forma possível de au- nas mantêm a excreção urinária do ácido úrico em torno
mento da PRPP seria por uma deficiência ou menor ativi- de 300 a 400 mg/dia, fato este que independerá até mes-
dade da enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-trans- mo de uma restrição dietética de purinas.34
ferase (HPRT), enzima esta responsável pela conversão da
hipoxantina em IMP e da guanina em GMP.34
Segundo a literatura, cerca de 10% dos pacientes com pro- Excreção de Ácido Úrico
dução aumentada de ácido úrico teriam como causa princi-
De uma maneira geral, o organismo humano não é ca-
pal uma deficiência parcial de HPRT.2 Tanto esta alteração
paz de metabolizar o urato, o que significa dizer que para
quanto a hiperatividade da PRPP-sintetase são defeitos fami-
a manutenção da homeostase de seu metabolismo o urato
liares herdados como caráter ligado ao cromossomo X.3
deverá ser eliminado através dos rins ou intestino.
Um indivíduo adulto do sexo masculino apresenta um
Pontos-chave: pool de ácido úrico de aproximadamente 1.200 mg, sendo
que, nas mulheres, esta quantidade se reduz a 600 mg. Dia-
• A maioria das espécies mamíferas tem riamente, 50 a 60% das quantidades acima citadas serão re-
níveis muito baixos de ácido úrico porque o novadas através dos metabolismos endógeno e exógeno. A
mesmo é convertido em alantoína, um excreção diária média através da urina será em torno de 450
produto excretado e altamente solúvel mg, e a intestinal, de aproximadamente 200 mg.4
• Em humanos o ácido úrico é o produto final
do metabolismo das purinas porque o APARELHO GASTRINTESTINAL
homólogo humano do gene uricase dos Sabe-se que a entrada de urato através do intestino ocor-
mamíferos foi modificado e não tem re por um processo passivo variável de acordo com a con-
expressão (pseudogene) centração sérica do ácido úrico. As bactérias do trato in-
testinal são capazes de degradar o ácido úrico em dióxido
de carbono e amônia, através da ação das uricases,
alantoinases, alantoicases e ureases, num processo deno-
METABOLISMO DO ÁCIDO minado “uricólise intestinal”.4,34 A quantidade de ácido
ÚRICO úrico encontrada nas fezes, apesar de pequena, poderá
estar aumentada em alguns estados patológicos, como nas
situações de insuficiência renal.
Produção de Ácido Úrico
O ácido úrico é produzido no fígado a partir da degrada- APARELHO URINÁRIO
ção de purinas sintetizadas de forma endógena ou ingeridas Os processos que envolvem a excreção renal de ácido
através da alimentação. Uma quantidade significativa de pre- úrico têm sido definidos através de estudos de fisiologia e
capítulo 14 241

farmacologia renal em animais de experimentação e em Túbulo Proximal


seres humanos. Cerca de 5% do ácido úrico circulante está Após sofrer a filtração glomerular, o urato que chega ao
ligado a proteínas, o que significa dizer que todo o restan- túbulo proximal passará por três processos distintos:4,35
te poderá ser filtrado pelos glomérulos renais livremente.5,6
• Reabsorção, no início do túbulo proximal, de cerca de
Além da filtração glomerular, outras três etapas do seu
90 a 100% de tudo que foi filtrado.
metabolismo poderão ser identificadas como de responsa-
• No segmento S2 do túbulo proximal, haverá secreção de
bilidade renal: a reabsorção pré-secretória, a secreção e a
urato, proporcionando um retorno de 50% do que foi
reabsorção pós-secretória, todas ocorrendo no túbulo pro-
filtrado novamente ao lúmen tubular.
ximal.5, 35
• Finalmente no segmento S3 ocorrerá a dita absorção pós-
secretória.
Pontos-chave: Os mecanismos através dos quais estes processos ocor-
• A uricólise intestinal é responsável por rem não estão completamente definidos. Acredita-se, no
entanto, que as trocas aniônicas desempenhem um impor-
aproximadamente 1/3 do metabolismo total
tante papel. A reabsorção de urato poderá ser mediada por
de urato e é responsável pela eliminação
um urato-OH (ou urato-HCO3) contratransportador na
extra-renal de todo o urato membrana luminal do túbulo proximal que opera em pa-
• A excreção urinária de urato é responsável ralelo a uma troca Na-H (Fig. 14.2).
pelos 2/3 restantes do ácido úrico A secreção de uratos no segmento S2 do túbulo proxi-
produzido diariamente mal envolve mecanismos mais complexos no que diz res-
• O clearance de ácido úrico, no entanto, está peito à troca de ânions. Essa secreção depende, na realida-
em 7-12% de toda a carga filtrada de, de um transporte ativo secundário que envolve um
processo de co-transporte de sódio, que permite a excre-
ção renal não somente do ácido úrico mas também de fár-
Filtração Glomerular macos, como aspirina, antibióticos e diuréticos.43 Desta for-
Como já foi visto, apenas uma pequena porcentagem do ma, identificam-se situações de hiperuricemia resultantes
ácido úrico circulante está ligado à proteína. Conclui-se, da redução da secreção habitual de uratos por ação de al-
desta forma, que uma grande quantidade deste será filtra- guns destes ácidos.35 Modernamente, tenta-se explicar este
da pelos glomérulos diariamente. Apesar disto, o clearan- mecanismo com a teoria de carreadores de ânions na mem-
ce do ácido úrico em adultos normais encontra-se em tor- brana basolateral e, talvez, na membrana luminal.7,8,9 O
no de 7 a 12% de toda a carga filtrada, justificado pelo fato número e a distribuição de cargas negativas parecem ser
de que cerca de 90% do urato filtrado sofre reabsorção tu- os principais determinantes do grau de ligação. Os com-
bular. postos formados adentram a célula através de um co-trans-

Célula do Túbulo Proximal

Lúmen Capilar Peritubular

3 Na
Na
ATP ase
H 2 K

OH Ur

Ur A(?Cl)

Ur

Fig. 14.2 Representação esquemática. Reabsorção de ácido úrico no túbulo proximal.


242 Metabolismo do Ácido Úrico

porte com o sódio e, também, podem ser produzidos den- geral, como resultado de uma excessiva produção de ura-
tro destas células criando um gradiente favorável que ser- tos, pela diminuição da sua excreção renal ou por uma
virá como um mediador nas trocas aniônicas7,8,34,43 (Fig. combinação de ambos os fatores.36 Baseados neste conhe-
14.3). Além disso, um gradiente elétrico favorável poderá cimento, poderemos classificar a hiperuricemia em duas
propiciar um transporte por difusão facilitada de um âni- categorias: primária e secundária.
on orgânico para o interior da luz tubular, permitindo,
desta forma, a sua secreção.8
Após o exposto, conseguimos compreender a importân- Classificação
cia dos mecanismos que permitem ao túbulo proximal se- HIPERURICEMIA PRIMÁRIA
cretar e, especialmente, reabsorver ácido úrico. A concen-
Corresponde às situações em que níveis séricos eleva-
tração urinária deste será reflexo direto daquilo que acon-
dos de ácido úrico são identificados sem doenças coexis-
tece principalmente nos segmentos S2 e S3 do túbulo pro-
tentes ou uso de drogas que possam diminuir a sua excre-
ximal. Em termos numéricos, sabe-se que apenas 12% do
ção ou aumentar a sua produção (Quadro 14.1).
ácido úrico filtrado aparecerão na urina.4
HIPERURICEMIA SECUNDÁRIA
Nesta categoria encontramos as situações resultantes de
ESTADOS DE HIPERURICEMIA uma excessiva produção de uratos (Quadro 14.2) ou quan-
do se identifica uma diminuição de seu clearance renal
Definição (Quadro 14.3) por uso de drogas, toxinas, dieta ou outra
doença associada.
A melhor definição para o que é uma hiperuricemia ba- Uma situação clínica que merece discussão especial é a
seia-se no limite de solubilidade dos uratos nos fluidos hu- hiperuricemia assintomática. Neste caso a situação de
manos, ou seja, ocorrerá quando a concentração de uratos hiperuricemia não se encontra associada a nenhum acha-
séricos corresponder a um estado de maior saturação neste do clínico específico, como artrite, tofo ou litíase urinária.
compartimento orgânico. Esta definição físico-química cor- Embora a hiperuricemia esteja freqüentemente associada
responde à concentração de urato excedendo 7 mg/dl quan- a outras entidades clínicas, como hipertensão, obesidade,
do utilizarmos métodos enzimáticos (uricase) na sua men- dislipidemias ou abuso no consumo de álcool, não há evi-
suração. Um valor inferior em até 1 mg/dl poderá ser acei- dência clínica de que o ácido úrico seja um fator causal para
to quando métodos calorimétricos sejam utilizados. elas.39 Alguns indivíduos apresentam este estado hiperu-
A persistência de níveis séricos elevados de ácido úrico ricêmico durante toda a sua vida sem o desenvolvimento
(hiperuricemia) é uma alteração bioquímica relativamen- de qualquer outro tipo de complicação de maior gravida-
te comum em nosso meio. Tal situação ocorrerá, de maneira de.10,37,38

Célula do Túbulo Proximal

Lúmen Capilar Peritubular

3 Na
ATP ase

2 K
Ur

A(?Cl)
Ur

Ur

A

Fig. 14.3 Representação esquemática. Secreção de ácido úrico no túbulo proximal.


capítulo 14 243

Quadro 14.1 Origem das hiperuricemias


Hiperuricemias Primárias Hiperuricemias Secundárias
A. Produção Aumentada de Purina: A. Aumento do Catabolismo e do Turnover de Purina
1. Idiopática 1. Distúrbios mieloproliferativos
2. Defeitos enzimáticos (s. de Lesch-Nyhan, doenças do 2. Distúrbios linfoproliferativos
armazenamento de glicogênio) 3. Sarcoma e carcinoma disseminados
4. Anemias hemolíticas crônicas
5. Drogas citotóxicas
6. Psoríase

B. Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico: B. Diminuição do Clearance Renal do Ácido Úrico:
1. Idiopático 1. Doença renal intrínseca
2. Alteração da função de transporte tubular
• Induzido por drogas (tiazídicos, probenecide)
• Lactacidemia (acidose láctica, alcoolismo)
• Cetoacidose (diabetes)
• Diabetes insipidus
• Síndrome de Bartter
Modificado de Hellmann, D.B.11

Quadro 14.2 Causas de hiperuricema secundária. Quadro 14.3 Causas de hiperuricemia secundária
Aumento da biossíntese de purinas e/ou da pelo decréscimo do clearance renal
produção de uratos
A. Alterações Clínicas:
A. Defeitos Enzimáticos Genéticos: 1. Insuficiência renal crônica de qualquer etiologia.
1. Deficiência de hipoxantina-guanina-fosforribosil- 2. Depleção de volume.
transferase. 3. Nefropatia por chumbo.
2. Deficiência de fosfatase-6-glicose. 4. Cetoacidose diabética.
3. Hiperatividade da fosforribosil-pirofosfato-sintetase. 5. Acidose láctica.
6. Pré-eclâmpsia.
B. Alterações Clínicas que Cursam com Aumento da 7. Obesidade.
Produção de Purinas ou Uratos: 8. Hiperparatireoidismo.
1. Doenças mieloproliferativas. 9. Hipotireoidismo.
2. Doenças linfoproliferativas. 10. Sarcoidose.
3. Hemólise. 11. Nefropatia hereditária associada a hiperuricemia ou
4. Psoríase. gota.
5. Hipóxia tecidual.
6. Síndrome de Down. B. Induzida por Droga ou Dieta:
7. Doenças malignas. 1. Diuréticos tiazídicos e de alça.
2. Ciclosporina.
C. Aumento da Produção de Purinas Induzida por 3. Salicilatos em baixas doses.
Drogas, Dieta e Toxinas: 4. Etambutol.
1. Etanol. 5. Pirazinamida.
2. Dieta rica em purinas. 6. Etanol.
3. Frutose. 7. Levodopa.
4. Vitamina B12 (pacientes com anemia perniciosa). 8. Abuso de laxantes (alcalose).
5. Ácido nicotínico. 9. Restrição de sal.
6. Drogas citotóxicas.
7. Warfarina.
244 Metabolismo do Ácido Úrico

Epidemiologia
A incidência de hiperuricemia difere entre os sexos mas-
culino e feminino, especialmente quando as mulheres en-
contram-se em idade reprodutiva; este fato justifica-se de-
vido a um maior clearance de uratos por ação estrogênica.41
De uma maneira geral, os homens hiperuricêmicos já apre-
sentam início de elevações dos níveis de ácido úrico du-
rante a puberdade, e as manifestações clínicas se fazem pre-
sentes, em média, duas décadas após.

Apresentação Clínica
A hiperuricemia poderá apresentar-se clinicamente de Fig. 14.5 GOTA: Deformidade articular e tofo.
diversas formas; abordaremos a seguir as principais: gota,
nefropatia aguda pelo ácido úrico, nefropatia crônica pelo
ácido úrico, nefropatia hiperuricêmica familiar e nefrolití-
ase pelo ácido úrico.

GOTA
A gota é um transtorno metabólico de natureza hetero-
gênea e familiar, decorrente de alterações no metabolismo
das purinas, que se caracteriza, principalmente, por hipe-
ruricemia associada ao depósito de ácido úrico em diver-
sas estruturas (preferencialmente articulações). Sendo as-
sim, as crises agudas de artrite, geralmente monoarticula- Fig. 14.6 Monourato de sódio.
res, são achados freqüentes. Com a evolução do quadro
clínico a artrite torna-se crônica, associando-se a deformi-
dades articulares e ao aparecimento de tofos, que são de-
pósitos de monourato de sódio (Figs. 14.4 a 14.6). mg/dl desenvolveram gota num período de estudo de 14
A maior incidência de gota nos homens ocorre entre 30 anos.42
e 45 anos de idade, e nas mulheres, entre 55 e 70 anos (pós- Alguns autores afirmam que 90% dos casos de gota
menopausa). Cerca de 90% dos pacientes com gota primá- possam estar relacionados com uma excreção de ácido
ria são do sexo masculino.11 Campion e cols, em 1982, após úrico deficiente.2 Tal situação será identificada quando ti-
um acompanhamento de 2.046 homens saudáveis por 15 vermos uma menor filtração glomerular de uratos, um
anos, evidenciaram uma incidência de gota em 4,9%, 0,5% aumento na reabsorção tubular, uma menor secreção tu-
e 0,1% em decorrência de um aumento dos níveis séricos bular ou ainda uma combinação dos fatores citados.34 Nos
de ácido úrico maiores que 9,0 mg/dl, entre 7,0 e 8,9 mg/ quadros de insuficiência renal, aguda ou crônica, a redu-
dl e inferiores a 7,0 mg/dl, respectivamente.37 Já Langford ção do clearance renal do ácido úrico poderá resultar em
e cols, em 1987, demonstraram que apenas 12% dos paci- hiperuricemia; contudo, a gota raramente se manifesta nos
entes com níveis de ácido úrico sangüíneo entre 7,0 e 7,9 pacientes renais, talvez por uma diminuição da resposta
inflamatória aos cristais de ácido úrico proporcionada pela
uremia.2
Berger e Yu afirmam que a gota por si só raramente le-
vará a uma deterioração da função renal.12,13,14 Gota acom-
panhada de insuficiência renal grave poderá ser vista em
associações com outras patologias subjacentes, como litía-
se urinária, hipertensão arterial sistêmica, infecção uriná-
ria e outras.34 A maioria dos investigadores acredita que a
nefropatia gotosa é uma manifestação dependente do grau
e da duração da hiperuricemia.34
Vários estudos correlacionam achados histopatológicos
encontrados em biópsias renais com a ocorrência concomi-
Fig. 14.4 GOTA: Deformidade articular e tofo (gonagra). tante de hiperuricemia.12,15,16,17,18
capítulo 14 245

Diagnóstico por Imagem


Pontos-chave:
1. Ausência de achados radiológicos nos quadros iniciais
• As mulheres pré-menopausa têm um (radiografia negativa pode não afastar a gota).
clearance maior de uratos devido à ação 2. O aparecimento de cavidades ou erosões marginais nas
estrogênica extremidades ósseas poderá ser identificado nos qua-
• Cerca de 90% dos pacientes com gota dros de mais longa duração.
primária são homens 3. Edema, do tipo granuloso, nos tecidos moles de paci-
• Gota per se raramente causa deterioração da entes portadores de tofo gotoso.19
função renal
É importante a observação de que achados radiológicos
semelhantes aos da gota poderão ser identificados na ar-
Quadro Clínico trite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hiperpa-
Clinicamente, manifesta-se por um quadro de artrite ratireoidismo e na doença de Hand-Schüller-Christian.11
aguda, de aparecimento súbito, que ocorre na maioria das
vezes durante a noite, extremamente doloroso, que se se-
Diagnóstico Diferencial
gue a flutuações rápidas dos níveis de ácido úrico após
ingestão excessiva de álcool ou certos tipos de alimentos, 1. Celulite.
cirurgias, infecção, diuréticos ou drogas uricosúricas.34,40 2. Artrite piogênica aguda.
Febre de até 39°C poderá estar presente.11 O quadro artrí- 3. Condrocalcinose aguda (pseudogota), onde se identi-
tico acomete preferencialmente a primeira articulação ficam depósitos de pirofosfato de cálcio no líquido si-
metatarsofalangiana (podagra), entretanto, outras articu- novial, raio X positivo e nível sérico de ácido úrico nor-
lações poderão estar comprometidas, como os joelhos mal.
(gonagra — Fig. 14.4) e, menos freqüentemente, os punhos 4. Artrite reumatóide, sarcoidose, mieloma múltiplo, hi-
(quiragra).40 Nas mãos a articulação mais afetada é a inter- perparatireoidismo e doença de Hand-Schüller-
falangiana do quinto pododáctilo. As apresentações Christian.
poliarticulares são infreqüentes, e quando presentes carac-
terizam-se por serem assimétricas. NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO
De uma maneira geral, após a primeira crise (monoar- A característica desta patologia é o aparecimento de um
trite aguda), crises poliarticulares poderão surgir. Com a quadro de insuficiência renal oligúrica ou anúrica decor-
evolução da doença o período intercrítico se reduz progres- rente da precipitação intratubular de ácido úrico.20,21,34 Tal
sivamente, acabando por instalar-se uma artrite crônica situação relaciona-se a uma produção ou excreção aumen-
que sofre períodos de agudização. Nesse momento depó- tada de ácido úrico em pacientes portadores de linfoma,
sitos de monourato de sódio em tecidos moles começam a leucemia, doenças mieloproliferativas (policitemia vera),
ser reconhecidos, sendo denominados de tofos. Estes aco- particularmente naqueles submetidos à radioterapia ou
metem preferencialmente as mãos, pés, olécrano, patela e quimioterapia, em decorrência de uma intensa lise celular.
pavilhão auricular. A aspiração do material contido nos Outras causas, porém com menor freqüência, são: crises
tofos confirma a deposição dos cristais birrefringentes de convulsivas que levam a um maior catabolismo celular,
urato de sódio que poderão aparecer livres ou no interior tratamento de tumores sólidos, síndrome de deficiência da
de neutrófilos. enzima hipoxantina-guanina-fosforribosil-transferase
O comprometimento articular crônico, caracterizado por (HPRT) ou na síndrome Fanconi-like por diminuição na re-
lesões de reabsorção osteocartilaginosa em “saca-bocado” absorção de uratos no túbulo proximal.20,21,22,34
e deformidades, aparecerá com a evolução da doença (Fig.
14.5).
Quadro Clínico
Deve-se suspeitar do diagnóstico em pacientes que desen-
Diagnóstico Laboratorial
volvam um quadro de insuficiência renal associada às situ-
1. Níveis elevados de ácido úrico (7,5 mg/dl), excetuan- ações clínicas anteriormente mencionadas e que cursem com
do-se os casos em que drogas para sua redução tenham quadro de hiperuricemia. Os níveis de ácido úrico geralmen-
sido empregadas. te são superiores a 15 mg/dl, diferente de outras situações
2. VHS elevado nos surtos agudos. de insuficiência renal aguda, onde estes valores geralmente
3. Elevação na contagem de células brancas poderá acom- são inferiores a 12 mg/dl (faz-se exceção às de etiologia pré-
panhar também os quadros agudos. renal).
4. Cristais de urato de sódio observados na aspiração do Sintomas urinários não necessariamente se fazem pre-
conteúdo dos tofos ou líquido sinovial confirmam o sentes, podendo-se observar dor lombar ou em flanco re-
diagnóstico (Fig. 14.6). ferida por pacientes que apresentem litíase associada.
246 Metabolismo do Ácido Úrico

Diagnóstico Laboratorial células tubulares renais em fazer a remoção de ácido úrico


do interstício.3 Não há portanto, nestes pacientes, síntese
1. Hiperuricemia.
acelerada de purinas.25,26
2. Função renal alterada.
A exemplo do que foi descrito na nefropatia crônica pelo
3. Urinálise evidenciando cristais de ácido úrico. Quando
ácido úrico, a presença de uratos no interstício renal levaria
normal não afasta o diagnóstico.
inicialmente a uma reação inflamatória local que se seguirá
4. A relação entre ácido úrico (mg)/creatinina (mg) em
de fibrose e comprometimento progressivo da função renal.
uma amostra de urina será maior que 1,0. Nas demais
causas de insuficiência renal aguda costuma variar en-
tre 0,60 e 0,75.20 NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO
5. Hipercalemia, hiperfosfatemia e hipocalcemia poderão A incidência de nefrolitíase pelo ácido úrico pode ser
ser identificadas nos pacientes que apresentem síndro- bastante variável, estando relacionada diretamente com a
me de lise tumoral.33,44 população analisada. As características nutricionais, gené-
ticas e ambientais parecem ser bastante significativas no que
diz respeito à sua epidemiologia. Nos Estados Unidos da
NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO
América e Europa a sua prevalência é de aproximadamen-
Esta é uma forma de insuficiência renal crônica decor-
te 5 a 10% do total de casos relatados de nefrolitíase.4 Em
rente da deposição de cristais de urato de sódio no inters-
países em desenvolvimento esta prevalência poderá chegar
tício medular, originando microtofos. Tal deposição deter-
a 40%, especialmente naqueles de clima árido e quente, nos
minará uma resposta inflamatória crônica que levará a uma
fibrose intersticial.44 A deposição de cristais de urato no quais há uma maior tendência de se observar um volume
interior dos túbulos renais também poderá ocorrer, causan- urinário menor e um pH urinário mais ácido, favorecendo-
do lesão epitelial e obstrução intratubular. Alguns autores se assim a precipitação de cristais de ácido úrico. Um estu-
sugerem que a deposição intersticial ocorra como conse- do multicêntrico acerca da litíase renal no Brasil observou
qüência dos depósitos intratubulares de ácido úrico, que hiperuricosúria em aproximadamente 30% dos litiásicos.49
promoveriam uma ruptura da membrana basal com pos- Sabe-se que este tipo de cálculo pode incidir também numa
terior retubulização.23 população sem história prévia de gota; contudo, cerca de
A hiperuricemia como causa primária de insuficiência 20% dos portadores de gota acabam por desenvolvê-lo.4
renal crônica não é algo comum.34 A nefropatia por urato Mais de 80% dos cálculos de urato, encontrados em
já foi relacionada num passado à gota tofácea. Na atuali- pacientes portadores de gota, são exclusivamente de áci-
dade a formação de tofos e, especialmente, o comprometi- do úrico. Nos demais casos geralmente se observa oxalato
mento da função renal são infreqüentes.16 de cálcio ou fosfato de cálcio circundando um núcleo cen-
tral de urato. A prevalência de cálculos de oxalato de cál-
cio entre pacientes com gota chega a ser 10 a 30 vezes mai-
Quadro Clínico
or que na população não-gotosa.
Uma manifestação inicial comum da nefropatia crôni-
Na gota primária, a incidência na formação de cálculos
ca pelo ácido úrico é a albuminúria que, normalmente, é
variará de acordo com a quantidade de ácido úrico excre-
leve e de caráter intermitente.34 Com a progressão da do-
tada. Incidirá em 10 a 20% dos pacientes com excreção
ença renal, aparecem os sinais de uremia. Neste estágio, é
urinária normal (800 mg/dia no homem e 750 mg/dia na
difícil diferenciar se a doença renal é causa ou conseqüên-
mulher), podendo variar entre 40 e 50% quando a excre-
cia da hiperuricemia.34
ção de ácido úrico atinja 1.000 mg/dia.28,52,53
A formação de cálculos de ácido úrico, decorrente da
Diagnóstico Laboratorial precipitação urinária de seus cristais, está na dependência
Considera-se uma elevação dos níveis séricos de ácido direta de dois fatores: a sua alta concentração urinária e o
úrico desproporcional ao grau de insuficiência renal quando pH urinário ácido. Observe a equação a seguir:
este excede 9 mg/dl frente a uma creatinina plasmática igual
ou inferior a 1,5 mg/dl, 10 mg/dl nas situações em que a H  Urato ↔ Ácido Úrico
concentração de creatinina esteja entre 1,5 e 2,0 mg/dl, e 12 O desvio desta reação converterá sais relativamente
mg/dl nas situações de insuficiência renal mais avançada.17 solúveis de urato em ácido úrico insolúvel.27 A solubilida-
de total do ácido úrico na urina cai de 200 mg/dl num pH
NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR urinário de 7,0 para 15 mg/dl num pH de 5,0.27
A nefropatia hiperuricêmica familiar foi descrita no iní- Outras situações clínicas também poderão estar relaci-
cio da década de 60 por Duncan e Dixon.24 Embora seja uma onadas com a formação de litíase por ácido úrico, como:
patologia rara, vários relatos sobre ela permeiam a litera- aumento na produção do ácido úrico nas doenças mielo-
tura médica nas últimas décadas.25 A sua etiologia está proliferativas, uso de drogas uricosúricas (aspirina, probe-
relacionada com uma irregularidade na mobilização tubu- necide) diminuindo a sua reabsorção tubular, nas diarréi-
lar renal de urato, que resultaria de uma incapacidade das as crônicas em virtude da diminuição do volume urinário
capítulo 14 247

associado a uma queda do pH urinário27,28 ou pelo aumento


da excreção de ácido úrico proporcionado pelo uso de al-
guns hormônios, como estrógenos e corticosteróides.4
Houve a preocupação de alguns clínicos com a possibi-
lidade de que aqueles pacientes que apresentavam hipe-
ruricemia induzida pelo uso de tiazídicos pudessem desen-
volver nefrolitíase no momento em que se associassem
inibidores da enzima de conversão da angiotensina ou
mesmo antagonistas dos receptores de angiotensina II.54 Tal
fato parece infundado em virtude de drogas como o losar-
tan, por exemplo, serem capazes de aumentar o pH uriná-
rio pela redução da reabsorção de bicarbonato.
Para finalizar, poderíamos citar ainda casos idiopáticos
de nefrolitíase pelo ácido úrico, acometendo pacientes que
apresentam sua concentração plasmática e renal normais
Fig. 14.8 Nefrolitíase. Dilatação ureteral, pielocalicial e hidrone-
porém com uma tendência à acidificação urinária sem frose por uropatia obstrutiva.
outras anormalidades da função renal.4

Quadro Clínico HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL


Os achados clínicos são comuns às demais situações de Lin e colaboradores, em 1989, demonstraram a incidên-
litíase urinária com ou sem uropatia obstrutiva (ver capí- cia de hiperuricemia em 84% dos pacientes transplantados
tulo específico) (Figs. 14.7 e 14.8). em uso de ciclosporina comparada a 30% naqueles paci-
Nestes pacientes o que nos chama a atenção é a presen- entes que tinham a sua imunossupressão feita com azatio-
ça de quadro sugestivo de urolitíase subjacente a outras prina e prednisona.29 A artrite gotosa tem sido relatada em
patologias que cursem com hiperuricemia e/ou hiperse- 7 a 24% dos pacientes tratados com ciclosporina,29,30 sendo
creção urinária de ácido úrico. o diagnóstico inicial mais freqüentemente feito entre os
meses 17 e 24 após o transplante renal.29
Diagnóstico Laboratorial Além da ciclosporina, que pode promover hiperurice-
mia por uma diminuição do fluxo plasmático renal, outros
1. Dosagem sérica de ácido úrico.
fatores também poderão ser relacionados, como o uso de
2. pH urinário.
diuréticos e as situações de insuficiência renal decorrente
3. Dosagem da concentração urinária de ácido úrico.
de episódios de rejeição.29,30,31
4. Análise bioquímica do cálculo eliminado e/ou retirado.

Diagnóstico por Imagem Manejo Clínico e Farmacológico dos


1. Os cálculos puros de ácido úrico não são radiopacos, Estados de Hiperuricemia
desta forma o exame radiológico simples poderá ser
negativo. HIPERURICEMIA ASSINTOMÁTICA
2. Ultra-som e/ou tomografia de rins e vias urinárias po- Considerações Gerais
derão identificar a presença do cálculo. A hiperuricemia assintomática na grande maioria das
3. A urografia excretora revelará uma lesão intraluminar vezes (80 a 90%) ocorrerá por um excesso no consumo de
radiotransparente, sendo imprescindível o diagnóstico purinas, por uma secreção diminuída de uratos ou uma
diferencial com tumores e presença de coágulos. soma destes dois fatores. Um grupo menor de pessoas
poderão apresentá-la devido a um aumento da sua produ-
ção endógena.
As causas etiológicas de hiperuricemia secundária de-
verão ser investigadas e tratadas individualmente (Qua-
dro 14.2, Quadro 14.3). A coleta da urina de 24 horas, com
dosagem de ácido úrico e da creatinina, em pessoas com
função renal normal (recebendo uma dieta standard, com
exclusão de álcool e drogas que alterem o metabolismo do
ácido úrico) geralmente poderá estabelecer se estamos fren-
te a uma superprodução de ácido úrico ( 800 mg/dia ou
Fig. 14.7 Nefrolitíase. Hidronefrose por uropatia obstrutiva. 12 mg/kg/dia) ou uma diminuição de seu clearance renal.
248 Metabolismo do Ácido Úrico

A relação entre o clearance de urato e creatinina na urina artrítico agudo e da hiperuricemia.34,56 Sabe-se que redu-
de 24 horas menor que 6% define um déficit de excreção. ções súbitas nos níveis séricos de ácido úrico poderão pre-
Pacientes que persistem com níveis urinários superiores a cipitar episódios de artrite gotosa.34 Pelo exposto, o mane-
670 mg/dia, mesmo após uma dieta baixa em purinas jo do quadro de hiperuricemia deverá ser postergado até
durante um período de cinco dias (Quadro 14.4), deverão a resolução do quadro artrítico agudo.
ser considerados inicialmente como superprodutores.
Tratamento Farmacológico do Quadro Agudo
Tratamento Farmacológico
• Repouso
Quando analisamos riscos e benefícios, o tratamento
O paciente deverá ser mantido em repouso por pelo
com drogas hipouricemiantes nestes pacientes, na maio-
menos 24 horas após melhora dos sintomas agudos. Isto
ria das vezes, não se fará necessário. Entretanto, três situ-
porque a deambulação precoce poderá precipitar a recor-
ações clínicas deverão merecer atenção especial, com con-
rência do quadro artrítico.56
seqüente instituição de tratamento famacológico, são elas:

• Antiinflamatórios não-hormonais (AINH)


• Paciente em radioterapia ou quimioterapia deve- Os AINH têm sido as drogas de escolha no manejo do
rá receber alopurinol na profilaxia da nefropatia quadro artrítico agudo. Dentre eles, tradicionalmente, pres-
aguda pelo ácido úrico.21 creve-se a indometacina, embora outros antiinflamatórios
• Níveis séricos de ácido úrico persistentemente al- tenham bons resultados. A dose preconizada é de 25 a 50
tos, 13 mg/dl no homem e 10 mg/dl na mulher.34 mg a cada 8 horas por 5 a 10 dias, período este em que os
• Alopurinol deverá ser prescrito para paciente que sintomas deverão estar resolvidos.10,11,34,56 Nos casos em que
apresente excreção urinária de ácido úrico maior há risco do desenvolvimento de sangramento digestivo
que 1.000 mg/dia, quando o controle dietético não uma opção seria o uso dos inibidores da COX-2,56 nas do-
está sendo satisfatório.34 Deve-se objetivar uma ex- ses recomendadas pela farmacopéia. É importante salien-
creção urinária de 800 mg/dia. tarmos, no entanto, que o risco do desenvolvimento de
nefropatia pelos antiinflamatórios ditos tradicionais ou
aqueles inibidores da COX-2 é similar.57
GOTA
Considerações Gerais • Colchicina
Uma abordagem equivocada relativamente freqüente, A colchicina é uma droga que poderá ser empregada tan-
nos portadores de gota, é o manejo simultâneo do quadro to nos períodos intercrise como no manejo do quadro agudo
da gota. Esta droga é capaz de inibir a fagocitose de cristais
de urato pelos neutrófilos, não interferindo no metabolismo
Quadro 14.4 Conteúdo de purina nos alimentos dos uratos.34 Sua excreção se dará através da bile, secreções
intestinais e urina.34 Sua administração deverá ser iniciada
A. Alimentos com Pouca Purina:
1. Cereais refinados e seus produtos, flocos de milho,
poucas horas após o início dos sintomas.56 O esquema poso-
arroz branco, massa, araruta, sagu, farinha de milho, lógico preconizado é de 0,5 a 0,6 mg via oral a cada hora até
bolos, pães, fubá, tapioca. que sintomas gastrintestinais apareçam, como náuseas, vô-
2. Leite e seus derivados, ovos. mitos ou dor abdominal.56 A dose total necessária geralmen-
3. Açúcar, doces, gelatina. te variará entre 4 e 6 mg e não deverá jamais exceder 8 mg.56
4. Manteiga, margarina poliinsaturada, outras
gorduras.
O uso endovenoso poderá ser uma opção para que não te-
5. Tomate, vegetais de folhas verdes (algumas exceções). nhamos sintomas gastrintestinais, contudo dor local, extra-
6. Frutas, nozes, manteiga de amendoim. vasamento com dano tecidual e supressão de medula óssea
7. Sopas ou cremes feitos com vegetais permitidos e sem são complicações possíveis. A dose endovenosa inicial será
carnes. de 1 a 2 mg diluídos em 20 a 50 ml de solução salina adminis-
8. Água, suco de frutas, bebidas carbonatadas, chá,
café. trados através de catéter intravascular.10,11,32,56 Duas doses adi-
cionais de 2 mg poderão ser administradas em intervalos de
B. Alimentos com Muita Purina: seis horas.56 Não se deverá exceder um total de 4 mg, e a col-
1. Todos os tipos de carnes. chicina não deverá ser administrada pela via oral por pelo
2. Extratos e molhos de carne.
3. Fermento e derivados, cerveja, outras bebidas menos três semanas.56 Pacientes portadores de insuficiência
alcoólicas. renal ou hepática e indivíduos idosos deverão ter a dose re-
4. Feijão, ervilha, lentilha, grão-de-bico, espinafre, duzida em 50%. É importante salientar que o risco de toxici-
aspargo, couve-flor, soja, cogumelos. dade estará aumentado para aqueles pacientes que fazem uso
5. Cereais integrais (arroz, trigo, centeio, aveia). simultaneamente de drogas inibidoras da enzima P-450 (eri-
6. Coco, castanha-do-pará, castanha de caju.
tromicina, cimetidina, tolbutamina).32 Frente à associação
capítulo 14 249

entre doença hepática e renal, a via de administração endo- • Evitar medicamentos hiperuricemiantes
venosa deverá ser proscrita11 Diuréticos de alça e tiazídicos inibem a secreção renal
de ácido úrico e portanto devem ser evitados. O uso de
• Corticóides baixas doses de aspirina ( 3 g/dia) também agrava a hi-
Os corticóides estarão bem indicados para aqueles pa- peruricemia.56
cientes que apresentarem contra-indicação para o uso de
AINH.56 Uma possibilidade para o seu uso seria através de Redução dos Níveis Séricos de Ácido Úrico
injeções intra-articulares nos pacientes que apresentem
• Agentes uricosúricos
comprometimento monoarticular, desde que o diagnósti-
Estas drogas diminuem o pool de uratos pelo bloqueio
co de artrite séptica já tenha sido afastado.34 A administra-
de sua reabsorção tubular. Seu emprego é ineficaz em pa-
ção intra-articular poderá ser feita com o uso de triancino-
cientes com creatinina maior que 2 mg/dl.11 Sua principal
lona, 10 a 40 mg, na dependência do tamanho da articula-
indicação seria nos casos em que há um aumento na fre-
ção comprometida.56 Nos casos de gota com comprometi-
qüência ou gravidade dos ataques agudos, desde que a
mento poliarticular, a via endovenosa deverá ser prioriza-
excreção urinária diária de ácido úrico seja inferior a 800
da, com a administração de metilprednisolona, 40 mg ao
mg.11 O probenecide pode ser usado na dose de 500 mg por
dia, com redução da dose e retirada dentro de sete dias.56
dia, chegando até 1 a 2 gramas ao dia.32,56 A sulfinpirazona
O uso oral de corticóides também poderá ser uma opção
é utilizada em dose inicial de 50 a 100 mg duas vezes ao
de tratamento; preconiza-se o uso de prednisona, 40 a 60
dia, com aumentos graduais até 200 a 400 mg duas vezes
mg ao dia, com retirada da droga em sete dias.56
ao dia.32,56 Para minimizar o risco de precipitação de cris-
tais de ácido úrico com conseqüente formação de cálculos,
• Analgésico
sempre que optarmos pelo uso destas drogas deveremos
Poderemos lançar mão dos opióides somente nos casos
manter o pH urinário em torno de 6,0 (citrato de potássio,
de dor intensa.
30 a 80 mEq/dia) e um volume urinário superior a 2 litros
ao dia.
Tratamento Farmacológico do Período Intercrise
• Orientações dietéticas • Alopurinol
As purinas contidas na dieta usualmente não contribui- Pacientes hiperuricêmicos, que apresentem uma excre-
rão com mais que 1 mg/dl na concentração sérica de uratos.32 ção urinária diária de ácido úrico superior a 800 mg, se
Mesmo com uma pequena contribuição aparente, a orien- beneficiarão com o uso de alopurinol. Esta droga é uma
tação dietética deverá sempre ser feita, especialmente para inibidora da xantina-oxidase e prontamente diminui os
aqueles pacientes com alta ingesta de purinas (Quadro 14.4). níveis plasmáticos e urinários de ácido úrico. A dose inici-
A obesidade, o uso abusivo de álcool bem como períodos al é de 100 mg ao dia por sete dias, com aumento da dose
prolongados de jejum deverão ser desencorajados. Um dé- caso os níveis séricos de ácido úrico permaneçam elevados.
bito urinário superior a 2 litros ao dia deverá ser estimula- Os melhores resultados serão obtidos com doses entre 200
do através de uma ingesta hídrica adequada. a 300 mg de alopurinol ao dia.32,56

• Colchicina NEFROPATIA AGUDA PELO ÁCIDO ÚRICO


A colchicina aparece como uma das melhores opções na A nefropatia aguda pelo ácido úrico é uma entidade
profilaxia dos quadros agudos. A dose preconizada é de 0,5 clínica que acontece como parte da síndrome de lise tumo-
a 0,6 mg duas vezes ao dia.10,11,32,56 Pacientes com disfunção ral, com já foi descrito anteriormente. A sua prevenção
hepática ou renal deverão receber uma única dose ao dia, parece ser a melhor conduta terapêutica. Pacientes que
reduzindo-se assim o risco do desenvolvimento de neuropa- serão submetidos a radioterapia ou quimioterapia para
tia periférica e miosite.56 A interrupção da droga poderá ser tratamento de neoplasias, que possuem um alto turnover
feita quando não mais ocorrerem crises agudas num período celular, deveriam receber profilaticamente alopurinol em
de 6 a 8 semanas.10,11,32 Além da prevenção dos quadros agu- doses elevadas (600 a 900 mg/dia).21,45 O débito urinário
dos, o uso da colchicina também estará indicado no momen- deverá ser mantido elevado, acima de 2,5 litros ao dia, que
to em que iniciarmos a administração de drogas uricosúricas poderá ser conseguido através da administração de solu-
ou alopurinol, evitando-se quadros agudos precipitados por ção salina e até mesmo manitol.
mudanças abruptas nos níveis séricos de ácido úrico.11 A alcalinização da urina com o uso de acetazolamida ou
bicarbonato é controversa na literatura. Conger e colabo-
• Antiinflamatórios não-hormonais (AINH) radores, em 1976, num trabalho clássico demonstraram que
Doses diárias de indometacina ou seus equivalentes a simples hidratação com solução salina seria tão efetiva
poderão ser utilizadas nos casos em que a colchicina isola- quanto a alcalinização no sentido de diminuir a precipita-
da falha na prevenção de quadros agudos.32 ção de cristais de ácido úrico.45 A alcalinização da urina
250 Metabolismo do Ácido Úrico

objetivaria transformar o ácido úrico em sais de urato, mais • Deve-se manter um débito urinário em torno de 2 litros
solúveis e portanto com menor risco de precipitação. Con- ao dia no intuito de se diminuir a concentração uriná-
tudo, tal conduta poderia promover a precipitação de fos- ria de ácido úrico.
fato de cálcio em pacientes com hiperfosfatemia. • Alcalinizar a urina, pois se sabe que, em torno de um
Pacientes que evoluem com a instalação de um quadro de pH de 6,5, cerca de 90% do ácido úrico urinário estará
insuficiência renal aguda devem ser manejados com a pres- sob a forma de urato, minimizando-se assim o risco de
crição de alopurinol, hidratação vigorosa e diuréticos de alça, precipitação. Tal eficácia poderá ser comprovada pela
estando contra-indicado o uso de bicarbonato de sódio. O observação da equação de Henderson-Hasselbalch, que
tratamento dialítico (hemodiálise) deverá ser restrito aos ca- demonstra a relação entre urato e ácido úrico:
sos em que se necessita remover o excesso de ácido úrico cir-
pH  5,35  log ([urato]  [ácido úrico])
culante porém não se consegue induzir a diurese.
Outros agentes têm sido usados no manejo destes paci- • Uso de alopurinol, para que se reduza a produção de
entes, que são a uricase e o polietileno-glicol-uricase (PEG- ácido úrico e conseqüentemente a sua excreção.
uricase), ainda em fase experimental. Sabe-se que a uricase A administração de bicarbonato ou citrato de potássio,
ou urato oxidase é uma enzima que catalisa a oxidação do na dose de 60 a 80 mEq/dia,28,37 pode ser eficaz na dissolu-
ácido úrico em compostos mais solúveis.58 O seu uso atual- ção dos cálculos já formados ou na prevenção da forma-
mente tem sido limitado a pacientes com câncer que desen- ção de novos cálculos. A alcalinização utilizando-se sais de
volvem hiperuricemia induzida pela quimioterapia. Isto sódio não produz o efeito desejado, pois a expansão de
porque a sua administração associa-se com certa freqüên- volume resultante de sua administração aumentará a ex-
cia a reações alérgicas com possibilidade de anafilaxia.59
creção de sódio e secundariamente de cálcio.27,28 A hiper-
calciúria resultante poderá trazer conseqüências indesejá-
NEFROPATIA CRÔNICA PELO ÁCIDO ÚRICO veis, pois o ácido úrico poderá atuar como um nicho para
Uma vez que se instale a insuficiência renal crônica, o a formação de cálculos de oxalato de cálcio.27,28
tratamento mais efetivo no que diz respeito à remoção de Habitualmente, os pacientes que mantêm uma excreção
uratos é a hemodiálise. Conseguimos uma depuração de de ácido úrico diária superior a 1.000 mg e que não respon-
150 ml/min utilizando-se um fluxo de bomba de sangue dem a alcalinização e hidratação requerem o uso continu-
em torno de 300 a 400 ml/min. Estes valores são muito ado de alopurinol.27 Agentes uricosúricos são proscritos.
superiores àqueles obtidos através da diálise peritoneal.4 Procedimentos como litotripsia extracorpórea geral-
Mejias e Maldonado referem a possibilidade de uma redu- mente não são necessários, visto que as recomendações
ção superior a 50% da concentração plasmática inicial de
acima mencionadas podem levar à dissolução dos cálcu-
ácido úrico em um período de 6 horas de hemodiálise.4
los de ácido úrico.
Pacientes que já estejam em programa de tratamento di-
alítico regular e que mesmo assim persistam com níveis sé-
ricos de ácido úrico acima dos valores desejados devem ser HIPERURICEMIA NO TRANSPLANTE RENAL
tratados com alopurinol, para que se previnam surtos de ar- Sabendo-se que o tratamento da hiperuricemia nestes
trite recorrente. Sabendo-se que o alopurinol é uma droga pacientes não é isento de riscos, recomenda-se que paci-
que depende da excreção renal para sua eliminação, o ajus- entes assintomáticos não deverão ser tratados. Dado o
te de dose se faz necessário.47 Uma sugestão de prescrição grande número de interações medicamentosas, especial-
baseada no clearance de creatinina seria a seguinte: paci- mente no que diz respeito às drogas imunossupressoras,
entes com Clcreatinina entre 20 e 50 ml/min deveriam rece- a hiperuricemia ou gota em pacientes transplantados re-
ber apenas 1/3 da dose habitual, enquanto pacientes com nais só deverá ser conduzida por profissionais experimen-
Clcreatinina inferior a 20 ml/min, 1/6 da dose diária recomen- tados nesta área.
dada.48
• Colchicina
NEFROPATIA HIPERURICÊMICA FAMILIAR É a droga de escolha para os casos de artrite gotosa agu-
O tratamento desta entidade patológica deve fundamen- da em pacientes transplantados. A dose recomendada va-
tar-se no uso de agentes uricosúricos, do alopurinol, que riará de 0,15 a 0,6 mg ao dia, prescrito somente para paci-
tem demonstrado alguns bons resultados, como demons- entes que não apresentem disfunção renal. Convém lem-
traram Reitter e colaboradores em 1995,3 além do controle brar que a administração simultânea de ciclosporina ou
rigoroso dos níveis pressóricos. tacrolimus à colchicina diminui seu clearance.60,61

NEFROLITÍASE PELO ÁCIDO ÚRICO • Antiinflamatórios não-hormonais (AINH)


Existem três pontos fundamentais que regem o trata- O uso deste grupo farmacológico poderá aumentar os
mento dos pacientes portadores de litíase urinária pelo riscos de nefrotoxicidade à ciclosporina em função da di-
ácido úrico: 27,28 minuição da taxa de filtração glomerular possibilitada pela
capítulo 14 251

inibição da síntese renal de prostaglandinas. Riscos e be- enzima xantina-oxidase. O emprego desta droga talvez seja
nefícios deverão ser avaliados antes da prescrição dos a causa mais comum de hipouricemia, porém os níveis
AINH. séricos dificilmente serão inferiores a 2,5 mg/dl.

• Corticóides • Doenças hepáticas


Aumento nas doses de prednisona para 20 ou 30 mg ao Comprometimentos hepatocelulares graves poderão
dia poderá ser uma medida eficaz frente a quadros artríti- culminar com uma perda da ação enzimática da xantina-
cos agudos. oxidase hepática, levando a uma situação de hipouricemia.

• Alopurinol • Xantinúria hereditária


Pacientes que fazem uso de azatioprina não deverão A xantinúria é resultante de uma marcada redução da
receber alopurinol. O seu uso implicará o acúmulo de um atividade da enzima xantina-oxidase e está associada com
metabólito ativo da azatioprina denominado 6-mercapto- os mais profundos graus de hipouricemia no homem. Este
purina, que acarretará maior risco de toxicidade à medula defeito enzimático leva à síntese reduzida de ácido úrico
óssea.62,63 com acúmulo de seus precursores, hipoxantina e xantina.
Em situações em que o uso do alopurinol seja impres- A concentração sérica de ácido úrico na xantinúria é usu-
cindível, duas alternativas se apresentam: a primeira de- almente inferior a 1 mg/dl.4,34
las seria a redução na dose diária de azatioprina em pelo
menos 50%, com monitorização rigorosa da contagem de EXCREÇÃO AUMENTADA DE ÁCIDO ÚRICO
células brancas, ou até mesmo a descontinuação da droga;
• Expansão de volume extracelular
e a segunda seria a prescrição do micofenolato em lugar
A hipouricemia nesta situação será induzida pela redu-
da azatioprina.
ção na reabsorção de sódio e ácido úrico no túbulo proxi-
mal, decorrente da expansão do volume extracelular. Tal
• Agentes uricosúricos
situação poderá ser identificada nos pacientes que estão
O uso de drogas como probenecide ou sulfinpirazona
recebendo grandes quantidades de líquido endovenoso,
só poderá ser aventado para aqueles pacientes que apre-
nos portadores de síndrome da secreção inapropriada do
sentem função renal normal e não tenham história de cál-
hormônio antidiurético, ou ainda naqueles com polidipsia
culos renais. Lembrando que a sulfinpirazona reduz os
psicogênica.52,65
níveis de ciclosporina.
• Síndrome de Fanconi
Esta síndrome mais freqüentemente é observada em
ESTADOS DE HIPOURICEMIA crianças portadoras de cistinose e em adultos com mielo-
ma múltiplo. Observa-se uma redução na reabsorção de
Definição ácido úrico nos túbulos proximais e também de glicose,
fosfato, potássio, bicarbonato e aminoácidos.
A hipouricemia, por definição, corresponderia a todas
as situações clínicas em que nos deparamos com um nível • Hipouricemia renal familiar
sérico de ácido úrico igual ou inferior a 2 mg/dl.4 Esta si- Esta é uma síndrome de herança autossômica caracte-
tuação poderá ser identificada em até 2% dos pacientes rizada por um defeito tubular no transporte de uratos.
hospitalizados e em menos de 0,5% na população em ge-
ral.64 Os estados de hipouricemia de maneira geral resul-
• Síndrome da imunodeficiência adquirida
tarão de uma diminuição na produção de uratos ou do A hipouricemia tem sido identificada em alguns paci-
aumento de sua excreção. entes portadores de SIDA e relacionada a algum compro-
metimento intracraniano, a doença disseminada relaciona-
da e a um pobre prognóstico. Um outro fator associado que
Diminuição na Produção de Ácido Úrico poderá justificar a sua presença seria o uso de altas doses
Muitos mecanismos poderão estar envolvidos neste de sulfametoxazol-trimetoprim no tratamento das infec-
processo; em seguida descreveremos alguns deles. ções por Pneumocystis carinii.55

• Drogas
DEFICIÊNCIA DA XANTINA-OXIDASE
Talvez uma das causas mais comuns de hipouricemia
• Alopurinol fosse secundária ao uso de alguns fármacos. Alguns auto-
O alopurinol é uma droga que atua na redução dos ní- res referem que este tipo de etiologia poderia representar
veis séricos de ácido úrico através da inibição da ação da cerca de 66% do total de casos de hipouricemia.4 Algumas
252 Metabolismo do Ácido Úrico

drogas poderiam induzir a uricosúria diminuindo a liga- 20. ROSE, B.D. Pathophysiology of renal disease. In: ———. Pathophy-
siology of Renal Disease, 2nd ed. New York, USA: McGraw-Hill, 1987,
ção de urato às proteínas plasmáticas, inibindo a reabsor-
pp. 418-425.
ção do urato filtrado ou dificultando a secreção de urato 21. KJELLSTRAND, C.M.; CAMPBELL, D.C. et al. Hyperuricemic acu-
na porção média do túbulo proximal. Exemplos clássicos te renal failure. Archives of Internal Medicine, 133:349, 1974.
são os salicilatos em altas doses, certos tipos de contrastes 22. HRICIK, D.E.; GOLDSMITH, G.H. Uric acid nephrolithiasis and acu-
te renal failure due to streptozocin nephrotoxicity. American Jour-
radiológicos, o sulfametoxazol-trimetoprim e ainda alguns
nal of Medicine, 84:153, 1988.
antagonistas dos receptores de angiotensina II, como por 23. EMMERSON, B.T. The kidney and gout. In: Hamburger, J.; Crosnier,
exemplo o losartan. J.; Grunfeld, J.P. (Eds) Nephrology. New York, USA, Wiley, 1979, pp.
747-756.
24. DUNCAN, H.; DIXON, A. Gout, familial hyperuricemia, and renal
disease. Q.J. of Medicine, 113:127-135, 1960.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25. CAMERON, J.S. et al. Gout, uric acid and purine metabolism in
paediatric nephrology. Pediatric-Nephrology, 7:105-118, 1993.
1. BROBECK, J.R. Fisiologia das purinas e pirimidinas. In: ———. As 26. MORO, F. et al. Familial juvenile gouty nephropathy with renal urate
Bases Fisiológicas da Prática Médica, 9.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara hyposecretion preciding renal disease. Clinical Nephrology, 35:263-
Koogan, 1976, pp. 116-124. 269, 1991.
2. HERBERT, P.N.; HRICIK, D. Hiperuricemia e gota. In: Andreoli, T.E.; 27. COE, F.L. Uric acid and calcium oxalate nephrolithiasis. Kidney Inter-
Carpenter, C.C.J.; Plum, F.; Smith, L. Cecil — Medicina Interna Bási- national, 24:392, 1983.
ca, 2.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991, pp. 337-380. 28. RIESE, R.J. et al. Uric acid nephrolithiasis: patogenesis and treatment.
3. REITTER, L.; BROWN, M.; EDMONDS, J. Familial hyperuricemic Journal of Urology, 148:765, 1992.
nephropathy. American Journal of Kidney Diseases, v. 25, n. 2, pp. 235- 29. LIN, H. et al. Cyclosporine-induced hyperuricemia and gout. The
241, february, 1995. New England Journal of Medicine, 321:287, 1989.
4. MEJIAS, E.; MALDONADO, M.M. Disturbances of uric acid meta- 30. NOORDZIJ, T.C. et al. Renal handling of urate and incidence of gouty
bolism. In: Handbook of Renal Therapeutics (Edit. Maldonado, M.M.). arthritis during cyclosporine and diuretic use. Transplantation, 52:64,
Plenum Medical Book Co., 1983, Cap. 8, pp. 155-171. 1991.
5. KAHN, A.M. Effect of diuretics on the renal handling of urate. 31. DERAY, G.; BEHMIDA, M.; LEHOANG, P. et al. Renal function and
Seminars in Nephrology, 8:305, 1988. blood pressure in patients receiving long-term, low dose cyclospo-
6. GUGGINO, S.E.; MARTIN, G.J.; ARONSON, P.S. Specificity and rine therapy for idiopathic uveitis. Annals of Internal Medicine,
117:578, 1992.
modes of the anion exchanger in dog renal microvillus membranes.
32. EMMERSON, B.T. The management of gout. The New England Jour-
American Journal of Physiology, 244:F612, 1983.
nal of Medicine, February, v. 334, n. 7, p. 445-451, 1996.
7. BURCKHARDT, G.; ULLRICH, K.J. Organic anion transport across
33. GRIEBSCH, A.; ZOLLNER, N. Effects of ribonucleotides given orally
contraluminal membrane-dependence on sodium. Kidney Internati-
on uric acid production in man. Adv. Exp. Med. Biol., 4:4, 1974.
onal, 36:370, 1989.
34. FRAXINO, P.H.; CUBAS, J.A.M.; RIELLA, M.C. Metabolismo do áci-
8. PRITCHARD, J.B.; MILLER, D.S. Comparative insights into the
do úrico. In: Riella, M.C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroe-
mechanisms of renal organic anion and cation secretion. American
letrolíticos, 3.ª ed. Rio de Janeiro; Guanabara Koogan S.A., 1996, pp.
Journal of Physiology, 261:R1329, 1991.
161-170.
9. ULLRICH, K.J.; RUMRICH, G. Contraluminal transport systems in
35. KAHN, A.M. Indirect coupling between sodium and urate transport
the proximal renal tubule involved in secretion of organic anion.
in the proximal tubule. Kidney International, 36:378, 1989.
American Journal of Physiology, 254:f453, 1988.
36. WYNGAARDEN, J.B.; KELLEY, W.N. Gout and hyperuricemia.
10. KAHL, L.E. Artrite e doenças reumatológicas. In: Woodley, M.; Grune and Stratton, New York, 1976.
Alison, W. Manual de Terapêutica Clínica, 27.ª ed. Rio de Janeiro: Me- 37. CAMPION, E.W.; GLYNN, R.J.; DeLABRY, L.O. Assintomatic
dsi — Editora Médica e Científica Ltda, 1994, pp. 637-643. hyperuricemia. Risks and consequences in the normative aging stu-
11. HELLMANN, D.B. Arthritis and musculoskeletal disorders. In: Ti- dy. American Journal of Medicine, 82:421, 1982.
erney, L.M.; McPhee, S.J.; Papadakis, M.A. Current Medical Diagno- 38. HALL, A.P.; BARRY, P.E.; DAWBER, T.R.; McNAMARA, P.M. Epi-
sis and Treatment, 3.ªed. East Norwalk, Connecticut: Appleton and demiology of gout and hyperuricemia: A long term population stu-
Lange, 1994, pp. 668-672. dy. American Journal of Medicine, 42:27, 1967.
12. YU, T.F.; BERGER, L. Impaired renal function in gout: its associati- 39. JOHNSON, R.J.; KIVLIGHN, S.D.; KIM, Y.G. et al. Reappraisal of pa-
on with hypertensive vascular disease and intrinsic renal disease. thogenesis and consequences of hyperuricemia in hypertension,
American Journal of Medicine, 72:95-100, 1982. cardiovascular disease and renal disease. American Journal of Kid-
13. BERGER, L.; YU, T.F. Renal function in gout. IV. An analysis of 524 ney Disease, 33:225, 1999.
gouty subjects including long-term follow up studies. American Jour- 40. PORTO, C.C. e colaboradores. Sinais e Sintomas. In: Porto, C.C. Exa-
nal of Medicine, 59:605-613, 1975. me Clínico, 3.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 1996, pp.
14. YU, T.F.; BERGER, L.; DORPH, D.J.; SMITH, H. Renal function in 116.
gout. V. Factors influencing the renal hemodynamics. American Jour- 41. ANTON, F.M.; PUIG, J.G.; RAMOS, T. et al. Sex differences in uric
nal of Medicine, 67:766-771, 1979. acid metabolism in adults. Evidence for a lack of influence of estra-
15. TARNG, D.C. et al. Renal function in gout patients. American Jour- diol 17 (E2) on the renal handling of urate. Metabolism, 35:343, 1988.
nal of Nephrology, 15:31-37, 1995. 42. LANGFORD, H.G.; BLAUFOX, M.D.; BORHANI, N.O. et al. Is
16. BECK, L.H. Requiem for gouty nephropathy. Kidney International, thiazide-produced uric acid elevation harmful? Analysis of data
30:280-287, 1986. from the hypertension detection and follow-up program. Archives
17. MURRAY, T.; GOLDBERG, M. Chronic intersticial nephritis. Annals of Internal Medicine, 147:645, 1987.
of Internal Medicine, 82:453-459, 1975. 43. SEGURO, A.C.; MAGALDI, A.J.B.; HELOU, C.M.B.; MALNIC, G.;
18. FESSEL, W.J. Renal outcomes of gout and hyperuricemia. Ameri- ZATZ, R. Processamento de água e eletrólitos pelos túbulos renais.
can Journal of Medicine, 67:74-82, 1979. In: Zatz, R. Série Fisiopatologia Clínica — Fisiopatologia Renal (vol. 2),
19. PAUL, L.W.; JUHL, J.H. Doenças das articulações. In: ———. Inter- 1.ª ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2000, pp. 71-96.
pretação Radiológica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1977, pp. 246- 44. MONBALLYU, J.; ZACHEE, P.; VERBECKMOES, R.; BOOGAERTS,
248. M.A. Transient acute renal failure due to tumor-lysis-induced severe
capítulo 14 253

phosphate load in a patient with Burkitt’s lymphoma. Clinical of 60. BURACK, D.A.; GRIFFITH, B.P.; THOMPSON, M.E. et al. Hyperu-
Nephrology, 22:47, 1984. ricemia and gout among heart transplant recipients receiving cyclos-
45. RAZIS, E.; ARLIN, Z.A.; AHMED, T. et al. Incidence and treatment porine. American Journal of Medicine, 92:141, 1992.
of lysis syndrome in patients with acute leukemia. Acta Haematology, 61. SIMKIN, P.A.; GARDNER, G.C. Colchicine use in cyclosporine tre-
91:171, 1994. ated transplant recipients: how little is too much? [editorial]. Jour-
46. CONGER, J.D.; FALK, S.A. et al. A micropuncture study of the ear- nal of Rheumatology, 27:1334, 2000.
ly phase of acute urate nephropathy. Journal of Clinical Investigation, 62. ELLION, G.B.; CALLAHAN, S.; NATHAN, H. Potentiation by inhi-
58:681, 1976. bition of drug degradation: 6-substituted purine and xanthine oxi-
47. KOZENY, G.A., HANO, J.E. Rheumatologic disease. In: Daugirdas, dase. Biochem. Pharmacol., 12:85, 1963.
J.E., Ing, T.S. Handbook of Dialysis, 2.ª ed. USA: Little Brown, 1994, 63. RAGAB, A.H.; GILKERSON, E.; MYERS, M. The effect of 6-
pp. 665-666. mercaptopurine and allopurinol on granulopoiesis. Cancer Res.,
48. GUZMAN, N.J. Use of drugs in renal failure. In: ———. Nephrology, 34:2246, 1974.
3.ª ed. Baltimore, Maryland, USA: William and Wilkins, 1995, p. 289. 64. OGINO, K.; SAITOH, M. et al. Clinical significance of hypouricemia
49. LARANJA, S.M.R.; HEILBERG, I.P.; COÊLHO, S.T.S.N. e colabora- in hospitalized patients. J. Med., 22:76, 1991.
dores. Estudo multicêntrico de litíase renal no Brasil (Multilit). In: 65. PERETZ, A.; DECAUX, G.; FAMAEY, J.P. Hypouricemia and intra-
Calculose Renal — Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamento. São Paulo: venous infusions. Journal of Rheumatology, 10:66, 1983.
Editora Sarvier, 1995, pp. 295-298.
50. PAK, C.Y.; SAKHAEE, K.; FULLER, C. Successful treatment of uric
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
acid nephrolithiasis with potassium citrate. Kidney International,
30:442, 1986.
51. YU, T.F. Urolithiasis in hyperuricemia and gout. Journal of Urology, Nephrology, Dialysis and Transplantation
126:424, 1981. http://ndt.oupjournals.org
52. BECK, L.H. Hypouricemia in the syndrome of inappropriate secre- American Society of Nephrology
tion of antidiuretic hormone. The New England Journal of Medicine, http://www.asn-online.com/
301:528, 1979. International Society of Nephrology
53. YU, T.F.; GUTMAN, A.B. Uric acid nephrolithiasis in gout: Predis- http://www.isn-online.org
posing factors. Annals of Internal Medicine, 67:1133, 1967.
The New England Journal of Medicine
54. SHAHINFAR, S.; SIMPSON, R.L.; CARIDES, A.D. et al. Safety of lo-
sartan in hypertensive patients with thiazide-induced hyperurice- http://www.nejm.org/content/index.asp
mia. Kidney International, 56:1879, 1999. Cyber Nephrology
55. CHERTOW, G.M.; SEIFTER, J.L.; CHRISTIANSEN, C.L.; O’DONNEL, http://www.cybernephrology.org
W.J. Trimethoprim-sulfamethoxazole and hypouricemia. Clinical American Society of Hypertension
Nephrology, 46:187, 1996. http://www.ash-us.org
56. HELLMAN, D.B.; STONE, J.H. Arthritis & musculoskeletal disor- American College of Rheumatology
ders. In: Tierney Jr, L.M.; McPhee, S.J.; Papadakis, M.A. Current —
http://www.rheumatology.org
Medical Diagnosis & Treatment, 2001, pp. 817-821.
Annals of the Rheumatic Disease
57. PERAZELLA, M.A.; TRAY, K. Selective cyclooxygenase-2 inhibitors:
a pattern of nephrotoxicity similar to traditional nonsteroidal anti- http://www.anrheumdis.org
inflammatory drugs. American Journal of Medicine, 111(1): 64-67, 2001. Arthritis Foundation
58. LOUYOT, P.; MONTET, Y.; ROLAND, J. et al. L’urate oxydase dans http://www.arthritis.org
le traitement de la goutte et de l’hyperuricemie. Ver. Rheum. Mal. Johns Hopkins Arthritis Center
Oteortic., 37:795, 1970. http://www.hopkins-arthritis.org
59. MONTAGNAC, R.; SCHILLINGER, F. Accident anaphylactique lié
à l’injection intraveineuse d’urate-oxydase chez une dialysée.
Nephrologie, 11:59, 1990.
Capítulo
Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica

15 Miguel Carlos Riella e Maria Aparecida Pachaly

INTRODUÇÃO Correções para o sódio


COMO SE FORMULA O PLANO PARENTERAL DIÁRIO? O terceiro espaço
CÁLCULO DA NECESSIDADE BÁSICA Sangue e plasma
Perdas urinárias Ácido-básico
Volume Potássio
Sódio PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO PARENTERAL
Potássio PLANO DE ADMINISTRAÇÃO
Cloro PRESCRIÇÃO MÉDICA
Sensível e insensível EXEMPLOS
Perdas gastrintestinais APÊNDICE
Volume Soluções cristalóides
Eletrólitos Soluções colóides
CÁLCULO DAS CORREÇÕES Outras soluções e aditivos para uso parenteral
Correções para a água REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

sencorajando os investigadores. Apenas quando Floren-


INTRODUÇÃO ce Seibert descobriu por que havia substâncias pirogênicas
na água destilada, o progresso da terapia parenteral foi
O desenvolvimento da terapia parenteral iniciou-se por mais rápido.
volta de 1616, quando William Harvey descobriu a circu- No entanto, a grande utilidade da terapia parenteral no
lação do sangue. Mas foi só em 1818 que Blundell realizou pós-operatório foi restringida durante muitas décadas, pelo
a primeira transfusão humana. No início, as complicações conceito de que o paciente cirúrgico apresentava uma in-
foram muitas. Os grupos sangüíneos não eram conhecidos tolerância ao sal. Isto se baseava na observação de que, no
e as reações fatais eram freqüentes, a ponto de a troca de pós-operatório, a excreção urinária de sódio diminuía mui-
sangue humano ter sido proibida por lei. to, chegando a quase zero quando se administravam peque-
Atribuiu-se a Thomas Latta, da Escócia, em 1831, o mé- nas quantidades de soluções salinas. Na época, acreditou-
rito de ter sido o primeiro a empregar a terapia parenteral se que isto refletia uma incapacidade do rim, pós-cirurgia,
de maneira racional. Ele administrou uma solução salina de tolerar grandes quantidades de sal. Em vista disso, pa-
a pacientes com cólera e diarréia intensa. cientes no pós-operatório receberam, por muitos anos,
Quando Karl Landsteiner descobriu os grupos sangüí- apenas uma solução de água e glicose. É evidente que,
neos em 1901, reavivou-se o interesse na transfusão de numa análise retrospectiva, muitas das complicações pós-
sangue e na terapia parenteral. Porém, os problemas com operatórias, como o íleo prolongado, insuficiência renal,
as infecções e as reações pirogênicas continuavam de- hipotensão, catabolismo excessivo, etc., podem ser atribu-
capítulo 15 255

ídas a déficits de volume e sódio.1 Apenas quando se evi- sódio, potássio, cloro, bicarbonato, glicose, uréia e creati-
denciou que a redução de sódio urinário no pós-operató- nina já são rotina na maioria dos hospitais e, como vere-
rio era uma resposta compensatória, é que passaram a ser mos, são de extrema valia no diagnóstico e correção dos
administradas soluções mais balanceadas. distúrbios hidroeletrolíticos.
Nas últimas décadas, têm havido grandes progressos O método delineado a seguir, para a reposição hidroe-
nesta área. Técnicas mais sofisticadas permitiram uma aná- letrolítica, foi idealizado e aperfeiçoado pelo Dr. Belding
lise da composição corporal, de seus vários compartimen- H. Scribner, da Universidade de Washington, em Seattle,
tos líquidos e de seus constituintes. Foram determinadas as Estados Unidos.2 Ele acredita que o método é útil porque
necessidades básicas diárias do organismo com relação à permite a formulação de um plano parenteral diário para
água, a eletrólitos, minerais, vitaminas e, inclusive, necessi- cada paciente. Portanto, o plano é individualizado, de acor-
dades energéticas (calorias) e suas fontes: lipídios, carboi- do com as necessidades do paciente naquele momento.
dratos e proteínas. Com isto, tornou-se possível modificar a Acreditamos, particularmente, que a sua grande utilidade
necessidade básica, para corrigir déficits decorrentes de também está em proporcionar um plano de trabalho para
perdas anormais de água, solutos e fontes de energia. o diagnóstico e o tratamento de problemas complexos.
O suporte nutricional e a hiperalimentação passaram a Uma vez obtida toda a informação possível do pacien-
ter um lugar de destaque na terapia parenteral, comple- te, a formulação do plano obecede à seguinte ordem:
mentando a terapia hidroeletrolítica. A escolha entre a re- 1) Cálculo da necessidade básica: refere-se à quantidade
posição hidroeletrolítica e a de agentes nutritivos (nutri- de líquidos e eletrólitos que se prevê como perdas para
ção parenteral) passou a depender do período em que o o paciente nas próximas 24 horas. Estas perdas incluem:
paciente permanecerá em jejum. A reposição de água e perdas urinárias, digestivas e perdas sensíveis e insen-
eletrólitos não deverá prolongar-se por mais de sete dias síveis (pele e pulmão).
(em média), sem um suporte nutricional. A partir de en- 2) Cálculo das correções hidroeletrolíticas em face dos dis-
tão, a nutrição parenteral poderá atender às necessidades túrbios detectados através de uma avaliação clínica e
básicas de água, eletrólitos e substratos energéticos. laboratorial.
O capítulo atual integra os conhecimentos adquiridos 3) O balanço entre a necessidade básica e as correções in-
nos capítulos anteriores sobre a fisiologia e distúrbios dos dica o total de líquido e eletrólitos a ser administrado.
compartimentos líquidos, água, sódio, potássio e equilíbrio
ácido-básico, abordando os princípios da reposição hidro-
eletrolítica. As indicações, técnica, complicações e resulta- CÁLCULO DA NECESSIDADE
dos da nutrição parenteral são os assuntos do capítulo se-
guinte. BÁSICA
O plano parenteral básico tem por objetivo a reposição
de perdas de fluidos e eletrólitos ocorridas em 24 horas,
COMO SE FORMULA O PLANO através da pele, pulmões, urina e outros fluidos corporais.
PARENTERAL DIÁRIO? A necessidade básica de líquidos e eletrólitos correspon-
de à somatória das perdas ocorridas nas últimas 24 horas.
A etapa inicial para a formulação do plano parenteral é Os volumes e a quantidade de eletrólitos necessários encon-
a obtenção de todos os dados possíveis da história clínica, tram-se expostos no Quadro 15.1. As estimativas baseiam-
exame físico e dados laboratoriais.2 se em valores médios de populações saudáveis. Porém,
Na história, alguns sintomas podem sugerir distúrbios quando o paciente se encontra internado, e estiver sendo
hidroeletrolíticos específicos. Por exemplo, se o paciente monitorizada a diurese ou a dosagem dos eletrólitos uriná-
relatar que está vomitando, é mais provável que apresen- rios, estes valores são mais exatos e devem ser utilizados.
te uma alcalose metabólica e um déficit de sódio e potás- Recomendamos que seja utilizado o Quadro 15.3, para
sio. Se ele tiver sintomas de insuficiência cardíaca conges- organizar a anotação dos volumes das perdas líquidas e
tiva, poderá apresentar um excesso de sódio. Rápidas eletrolíticas de cada paciente. Uma vez tabulados todos os
mudanças no peso geralmente traduzem ganho ou perda dados de forma sistematizada, torna-se muito mais fácil
líquida. As informações sobre ingesta e excreta são extre- calcular os subtotais, assegurando que todas as perdas se-
mamente úteis.2 jam consideradas e repostas.
Há necessidade de uma anotação diária do volume de
líquido administrado e da quantidade excretada sob a for- Perdas Urinárias
ma de urina, perdas gastrintestinais, drenagem etc. A deter-
minação diária do peso, quando possível, pode servir como VOLUME
guia para as necessidades diárias de sódio (v. a seguir). O volume urinário para um indivíduo normal varia
As determinações das concentrações plasmáticas de entre 500 ml (em condições de restrição hídrica intensa) e
256 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica

Quadro 15.1 Necessidades básicas diárias

Perdas ÁGUA ELETRÓLITOS (mEq/dia)

(ml/dia) Sódio Potássio Cloro

Urina 1.500 75 40 115


Sensível e Insensível 1.000 0 0 0
Gastrintestinalb a
pH  4 50 mEq/L 10 mEq/L 100 mEq/L
pH  4 100 mEq/L 10 mEq/L 100 mEq/L

a) indica-se o volume perdido no dia anterior.


b) a secreção gástrica contém ainda 90 mEq de H por litro.

2.500 ml ao dia. O volume urinário de 1.500 ml, utilizado mais sódio quando há modificações da dieta, num proces-
para cálculo, representa um valor médio entre os volumes so de adaptação que é efetivo após alguns dias (v. Cap. 10).
urinários mínimo e máximo excretados habitualmente. Para atender às necessidades básicas, costumamos admi-
Desta forma, se o volume líquido administrado for exces- nistrar 50-75 mEq diários de sódio, permitindo ao rim eli-
sivo em relação às necessidades do paciente, o rim excre- minar uma maior ou menor quantidade, de acordo com as
tará o excesso, e se porventura for insuficiente, ele conser- necessidades.3
vará o máximo possível de líquido. É necessário lembrar
também que a urina contém dois componentes líquidos: POTÁSSIO
um, correspondente à água sem eletrólitos, e outro, em que A perda diária habitual pela urina e fezes é de 40 mEq
a água veicula eletrólitos. Por exemplo, num volume uri- (v. Cap. 12).3 Na necessidade básica, administramos estes
nário de 1.500 ml, com sódio de 75 mEq/litro, concluímos 40 mEq, observando que caberá ao rim modular a excre-
que cerca de 500 ml são suficientes para a eliminação do ção deste íon, de acordo com as necessidades.
sódio sob forma de uma solução isotônica, enquanto os
restantes 1.000 ml correspondem a água livre. CLORO
Quando o paciente apresenta um distúrbio da função
A necessidade básica de cloro é deduzida pela soma da
renal, os rins não são capazes de variar a excreção de água
necessidade dos dois cátions: Na e K.
e eletrólitos de acordo com a ingesta. Por exemplo: a) se o
paciente apresenta oligúria devido a um comprometimento
orgânico do rim, haverá uma incapacidade do rim em re-
SENSÍVEL E INSENSÍVEL
gular o balanço de água. A administração excessiva de lí- Habitualmente consideramos, para a necessidade bá-
quido em relação ao volume excretado causará um exces- sica, uma perda líquida diária pela pele e pulmões da or-
so de água no organismo. Nestes casos, o volume urinário dem de 1.000 ml. A perda diária através da pele está em
da necessidade básica deverá ser igual ao volume de uri- torno de 400 ml, mas aumenta muito por sudorese profu-
na excretada (v. também manejo da insuficiência renal sa, febre, ambientes quentes e de pouca umidade. As per-
aguda — Cap. 20); b) da mesma forma, a presença de ede- das eletrolíticas na sudorese e respiração são desprezíveis
ma implica um excesso de volume extracelular e, portan- (v. Quadro 15.1: zero nas colunas de sódio, potássio e clo-
to, de sódio total. É preciso, então, reduzir a necessidade ro), e a reposição é feita apenas com água. Caso haja fe-
básica de sódio a zero. bre, acrescentar mais 100 ml de água para cada grau aci-
É necessário lembrar que o metabolismo de proteínas, ma de 38°C. Em presença de taquipnéia, adicionar 100-
gorduras e carboidratos produz a chamada água endóge- 200 ml para cada 4 movimentos respiratórios por minu-
na, num volume de cerca de 400 ml ao dia. O metabolismo to acima de 20 no homem e 16 na mulher. Se a sudorese
de 1 g de lipídios gera 1 ml de água; de 1 g de glicose, 0,64 for excessiva, haverá perdas eletrolíticas que deverão ser
ml de água, e de 1 g de proteína, 0,4 ml de água. Este volu- repostas.
me de água pode, em algumas circunstâncias especiais,
como a insuficiência renal anúrica, contribuir para o apa- Perdas Gastrintestinais
recimento de hiponatremia dilucional.
VOLUME
SÓDIO No plano parenteral básico são levadas em conta as
A ingesta média diária de sódio é de 135 a 170 mEq (8 a perdas ocorridas pela drenagem de fluidos corporais, atra-
10 g de sal). Os rins são capazes de conservar ou excretar vés de sondas e fístulas. Procura-se fazer uma estimativa
capítulo 15 257

antecipada do volume a ser eliminado nas próximas 24


horas, baseando-se nas perdas ocorridas em dias anterio- CÁLCULO DAS CORREÇÕES
res. Isto é, se um paciente vem eliminando 1.000 ml de suco
A segunda fase do plano parenteral tem por objetivo a
gástrico ao dia, é natural esperar que ele elimine a mesma
quantidade nas próximas 24 horas. No entanto, é impor- correção de distúrbios encontrados em cada uma das ca-
tante salientar que, se uma avaliação ao final das primei- tegorias enumeradas a seguir: 1) água; 2) sódio; 3) ácido-
ras oito horas revela um volume eliminado próximo do básico; 4) potássio, e 5) sangue e plasma. Deve ser rotinei-
esperado para as 24 horas, há necessidade de revisar o pla- ramente verificada a presença de distúrbios em cada um
no terapêutico traçado. destes elementos. Isto será extremamente útil na aborda-
gem dos distúrbios hidroeletrolíticos mais complexos.
Na folha de reposição hidroeletrolítica, há uma seção
ELETRÓLITOS
específica para correções (Quadro 15.3). Se não há distúr-
Sem dúvida, o melhor meio de avaliar as perdas eletro-
bios a corrigir, deve-se colocar um zero na coluna apropri-
líticas em um determinado fluido do trato gastrintestinal
ada. Um sinal de adição () ou subtração () indica se a
é proceder à análise bioquímica do líquido. Como isto não
quantidade deverá ser adicionada ou retirada do plano
é realizado rotineiramente, utilizamos algumas regras prá-
parenteral.
ticas. No caso do suco gástrico, costuma-se utilizar o se-
guinte raciocínio: suco gástrico de pH superior a 4 tem uma
concentração de sódio em torno de 100 mEq/L, ou 10% do Correções para a Água
volume eliminado; se o pH for inferior a 4, a concentração
de sódio será de 50 mEq/L, ou 5% do volume eliminado. Naturalmente as considerações feitas no Cap. 9 são va-
De modo geral, consideramos que o suco gástrico elimina- liosas para a análise e a compreensão dos distúrbios do
do apresenta pH menor que 4. Exemplo: volume de suco metabolismo da água. Como foi frisado, a maneira mais
gástrico eliminado  1.500 ml, com pH  6; quantidade prática de avaliar a necessidade de água é determinar o
provável de sódio eliminado: 10% de 1.500  150, ou seja, sódio plasmático, que reflete a osmolalidade plasmática.
150 mEq de sódio. O objetivo é administrar uma quantidade de água que
A perda de potássio no suco gástrico é pequena e não mantenha o sódio plasmático entre 130 e 135 mEq/L.
varia com a acidez do líquido. O cálculo é geralmente feito Considerando que a água corporal total (ACT) equiva-
na base de 10 mEq/L, ou 1% do volume eliminado. A con- le a cerca de 60% do peso corporal, o déficit ou excesso de
centração habitual de cloro está em torno de 100 mEq/L água podem ser calculados pela fórmula abaixo. Ao se
(Quadro 15.2). comparar a água corporal normal com a atual, será possí-
Para as demais secreções do trato gastrintestinal, o Qua- vel verificar a magnitude do excesso ou déficit.
dro 15.2 demonstra as concentrações eletrolíticas médias
nos fluidos pancreáticos, biliares, intestinais, etc. Estas Água normal  Sódio normal
Água atual 
perdas também devem ser repostas no plano básico. Sódio atual

Quadro 15.2 Conteúdo eletrolítico dos fluidos corporais (mEq/L)

LÍQUIDO Naⴙ Kⴙ Clⴚ HCO3ⴚ Volume (L/dia)

Saliva 30 20 35 15 1-1,5
Suco gástrico — pH  4 50 10 100 - 2,5
Suco gástrico — pH  4 100 10 100 - 2
Bile 145 5 110 40 1,5
Duodeno 140 5 80 50 -
Pâncreas 140 5 75 90 0,7-1
Íleo 130 10 110 30 3,5
Ceco 80 20 50 20 -
Cólon 60 30 40 20 -
Suor 50 5 55 - 0-3
Ileostomia — recente 130 20 110 30 0,5-2
Ileostomia — adaptada 50 5 30 25 0,4
Colostomia 50 10 40 20 0,3

Adaptado de Koch, S.M.7


258 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica

Quadro 15.3 Folha de reposição hidroeletrolítica

Plano Básico
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ
Urina
Sensível  Insensível
Gastrintestinal
Total – Básico (A)

Plano de Correções
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic
Água
Sódio
Potássio
Ácido-Básico
Sangue e plasma
Total – Correções (B)
TOTAL (A + B)

Prescrição médica:

1.____________________________________________________________________________________________________________

2.____________________________________________________________________________________________________________

3.____________________________________________________________________________________________________________

4.____________________________________________________________________________________________________________

Adaptado de Scribner, B. H.2

Exemplo: Um paciente de 65 anos, que usualmente Correções para o Sódio


pesa 70 kg, chega ao hospital com um quadro de gastro-
enterite, queixando-se de sede. A determinação do sódio Os dados importantes de história e exame físico para
plasmático revela uma concentração de 154 mEq/L. Ba- uma avaliação das necessidades de sódio já foram aborda-
seado no sódio plasmático, o diagnóstico inicial é de hi- dos no Cap. 10, onde mencionamos que se pode estimar o
pernatremia (déficit de água livre). Que quantidade de déficit de sódio através de uma avaliação criteriosa dos
água livre deve ser administrada no plano parenteral de sinais físicos e pressão arterial e pulso nas três posições
correção? Observe o cálculo, empregando-se a fórmula (deitado, sentado e de pé). A ausência de sinais ao exame
anterior. físico, mas com história de perdas fluidas, permite o diag-
Água corporal total normal  60% de 70 kg  42 litros nóstico de depleção de pelo menos 10%. A variação da
pressão e pulso permite a caracterização de graus mais
Água normal  Sódio normal intensos de déficit de sódio: 20 a 30% ou 40 a 50% do volu-
Água atual  me extracelular.
Sódio atual
A orientação dada no Cap. 10 para avaliar o sódio no
organismo é a habitualmente utilizada no dia-a-dia. Pode-
42  140
Água atual   38 rão ocorrer, uma ou outra vez, dúvidas quanto às reais
154
necessidades de sódio. Podemos, então, lançar mão de uma
outra maneira de avaliar as necessidades de sódio, com
Portanto, se a água normal é 42 litros e a atual é 38 li- base na interpretação das alterações do peso corporal. Es-
tros, existe déficit de 4 litros de água livre. Na coluna de tas alterações podem refletir mudanças no volume extra-
correção para a água, anotaremos:  4.000 ml. celular e, portanto, mudanças no sódio total. Mas, para que
capítulo 15 259

o peso reflita o volume extracelular, duas correções são Comentário: A análise dos dados deste paciente permi-
necessárias: uma para o catabolismo e outra para a água te deduzir que, no 10.º dia de pós-operatório, ele deveria
intracelular. ter perdido 3 kg à custa do catabolismo. No entanto, ele
Estas correções são necessárias, pois é óbvio que, se um perdeu só 2 kg, e, como não houve variação no sódio plas-
indivíduo perdeu 2 kg nas últimas 48 horas, parte pode ter mático, deduz-se que não houve variação na água intrace-
sido devido a uma diminuição do volume extracelular, lular. Portanto, o aumento de 1 kg foi à custa de um au-
parte a um déficit de água, e o restante, ao catabolismo por mento no volume extracelular.
jejum, infecção etc. Atribui-se ao catabolismo uma perda Suponhamos agora que, no mesmo exemplo anterior, o
diária de peso (massa protéica e gordurosa) entre 0,3 e 0,5 sódio plasmático esteja em 126 mEq/L no 10.º dia de pós-
kg, dependendo do grau de catabolismo. A seguinte equa- operatório. Vejamos qual a alteração no volume extrace-
ção indica os fatores que causam alterações no peso: lular.
 peso   VEC   LIC  Perda de massa protéica e gor-  peso   VEC  (0,4  peso)  (PNai  PNaf)/PNai  (0,3
durosa, onde:  n.º dias)
 peso  diferença entre o peso inicial e final;  2 kg   VEC  (0,4  60)  (140  126)/140  0,3  10
 VEC  diferença entre o volume de líquido extracelular  2 kg   VEC  24  10%  3
inicial e final;  2 kg   VEC  2,4  3
 LIC  diferença entre a quantidade de líquido (água)  2 kg   VEC  0,6
intracelular inicial e final;  VEC   1,4 litro.
Perda de massa protéica e gordurosa  diferença na mas- Comentário: Como houve uma redução do sódio plas-
sa celular devido ao catabolismo diário. mático da ordem de 10% (140  126  14 ou 10% de 140),
A água intracelular equivale a 40% do peso corporal, e este paciente ganhou 10% do volume de água intracelular
supõe-se que alterações na água intracelular reflitam alte- (24 litros), ou seja, 2,4 litros. Como no final de 10 dias ele
rações na osmolalidade plasmática e, conseqüentemente, deveria ter perdido 3 kg devido ao catabolismo e adquiri-
alterações no sódio plasmático. Desta forma, a diferença no do 2,4 kg pelo ganho de água, a redução de peso deveria
líquido intracelular será: ser de apenas 0,6 kg. Mas, como ele perdeu 2 kg, isto sig-
 LIC  LIC  PNa nifica que o volume extracelular foi reduzido em 1,4 litro,
como se deduziu acima.
PNa  diferença entre o sódio plasmático inicial (PNai) e o A correção para sódio implica a administração de uma
sódio plasmático final (PNaf) em relação ao sódio plasmáti- solução isotônica de água e sódio. Se chegarmos à conclu-
co inicial. são de que há um déficit de sódio da ordem de 1.000 ml,
Pode-se também usar a percentagem de alteração no colocamos na coluna de volume o valor de 1.000 ml prece-
sódio plasmático ( %  Na). Logo,  LIC  (0,4  peso) dido do sinal . Nas colunas do sódio e cloro, colocamos
 (PNai - PNaf)/ PNai o valor 150 mEq, que se refere à quantidade de sódio e clo-
A equação final será: reto existente por litro de solução salina isotônica.
Na presença de edema e, portanto, de excesso de sódio
 peso   VEC  (0,4  peso)  (PNai  PNaf)/PNai  (0,3 no organismo, nenhuma solução contendo sódio será ad-
 n.º dias) ministrada, e a coluna de Na terá apenas zeros.
ou, substituindo (PNai  PNaf)/PNai por %  Na:
 peso   VEC  (0,4  peso)  %  Na  (0,3  n.o dias) O TERCEIRO ESPAÇO
Este termo foi criado para descrever um compartimen-
Exemplo: Um paciente de 60 kg é submetido a uma gas- to físico ou fisiológico no qual líquidos do organismo, es-
trectomia total, recebendo apenas água e eletrólitos por via pecialmente o líquido extracelular, acumulam-se em decor-
parenteral. No 10.º dia de pós-operatório, seu peso é de 58 rência de uma lesão e não mais participam do volume cir-
kg. O sódio plasmático inicial e agora no 10.º dia é o mes- culante.1,4 Seria talvez mais preciso imaginar este líquido
mo: 140 mEq/L. Qual foi a alteração no volume extracelu- como um volume seqüestrado internamente e oriundo do
lar? líquido extracelular. Desta forma, pode haver uma enor-
Aplicando a equação anterior, teremos: me diminuição no volume extracelular, sem que haja alte-
 2 kg   VEC  (24 litros  0  3kg) ração do peso. Como dissemos, este líquido localiza-se
mais comumente em tecidos lesados, como na pele, após
 2 kg   VEC  (0  3 kg)
queimaduras; na superfície peritoneal, após uma agressão
 2 kg   VEC  3 kg química ou bacteriana; na massa muscular esquelética,
 VEC   1 litro. após trauma ou esmagamento; acúmulo intraluminal de
260 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica

secreções digestivas no caso de uma obstrução intestinal e exposto no Cap. 12), anotamos o valor na coluna do potás-
o próprio líquido ascítico. Até que exista um restabeleci- sio e do cloro. Um outro modo de fazer um cálculo aproxi-
mento da integridade celular dos tecidos lesados, este lí- mado do déficit de potássio é o seguinte:3
quido acumulado não tem valor funcional. É importante
1. Se K sérico  3 mEq/L: para elevar o K sérico em
relembrar que, como este líquido se origina do extracelu-
1 mEq/L, há necessidade de administrar de 100 a 200
lar, inicialmente há uma redução do volume extracelular,
mEq de potássio.
e o organismo responde com retenção de água e sal, que 2. Se K sérico  3 mEq/L: para elevar o K sérico em
se traduz por aumento do peso. 1 mEq/L, há necessidade de administrar de 200 a 400
A redução da excreção de sódio urinário que ocorre no
mEq de potássio.
pós-operatório, que por muitos anos foi interpretada como
3. Para cada alteração no pH de 0,1 unidade, há uma alte-
uma intolerância do rim ao sódio (v. introdução do capí-
ração inversa de 0,6 mEq/L na concentração sérica de K.
tulo), nada mais é que uma resposta fisiológica face a uma
Exemplo: pH  7,3; K  4,6 mEq/L. Como houve uma
redução do volume extracelular, decorrente de uma se- redução de 0,1 no pH, o K sérico se elevou em 0,6 mEq/L.
qüestração de líquido (terceiro espaço) na área de incisão Com a correção do pH para 7,4, o K sérico voltará a 4,0
cirúrgica, área de dissecção e nos espaços manipulados,
mEq/L.
como ocorre com o edema das alças intestinais pós-mani-
pulação.

PRINCÍPIOS GERAIS DO PLANO


Sangue e Plasma PARENTERAL
Se houver uma redução importante do volume globu-
lar ou evidência de sangramento ativo, a administração de 1. É necessário que se faça apenas uma estimativa da mag-
sangue pode estar indicada. Da mesma forma, nos proces- nitude do distúrbio, a qual servirá de guia para a repo-
sos inflamatórios intraperitoneais (peritonites) ou no gran- sição. Uma determinação exata não é possível e tampou-
de queimado, a perda de plasma é significativa, e a sua re- co necessária.
posição será importante na manutenção de um bom volu- 2. À medida que se faz a correção do distúrbio, o plano
me circulante. terapêutico seguinte deverá aproximar-se da necessida-
É importante salientar que o volume plasmático e o de básica e permitir que o próprio rim faça os ajustes
volume extracelular podem variar em direções opostas. Por finais.
exemplo, na presença de hipoproteinemia e edema, o vo- 3. Nunca há necessidade de corrigir o distúrbio completa-
mente nas primeiras 24 horas.
lume extracelular está aumentado e o volume plasmático
4. Cálcio, magnésio e fósforo normalmente não são acres-
reduzido, podendo haver sinais de hipovolemia.
centados às soluções hidrossalinas que se destinam a uma
reposição hidroeletrolítica de poucos dias de duração,
Ácido-básico porém são essenciais na nutrição parenteral. No Cap. 13
se encontram as diretrizes para o diagnóstico e o trata-
O processo diagnóstico de um distúrbio ácido-básico já mento dos distúrbios relacionados a esses elementos.
foi abordado no Cap. 11. Ficou explícito que, se houver uma
alcalose metabólica, a correção da depleção do volume
extracelular e do déficit de potássio, em geral, será sufici-
ente. Raramente há necessidade da administração de áci-
PLANO DE ADMINISTRAÇÃO
dos minerais.
Na folha de reposição hidroeletrolítica, determinam-se
Se o diagnóstico é de acidose metabólica, calculamos a
os totais combinados de volume e eletrólitos da necessida-
quantidade de bicarbonato de sódio a ser administrada (já
de básica e correções.
abordada no Cap. 11) e anotamos na coluna do sódio. Lem-
Sódio. É administrado sob a forma de solução salina
brar de anotar, na coluna de volume, a quantidade de lí-
isotônica, na qual cada 1.000 ml possui 150 mEq de sódio.
quido que será utilizada para administrar o bicarbonato. Se a quantidade de sódio a ser determinada for de 300 mEq,
Também é necessário deduzir, da necessidade básica ou da são necessários 2.000 ml de solução salina isotônica (soro
correção para sódio, a quantidade de sódio administrada fisiológico). Este volume (2.000 ml) é deduzido do volume
com o bicarbonato de sódio. total do líquido previsto na reposição.
Água. É administrada sob a forma de uma solução de
Potássio glicose a 5% (isotônica). Soluções de glicose mais concen-
tradas (10, 20 ou 50%) poderão ser utilizadas, mas por veia
O potássio plasmático nos dá uma idéia do potássio total central, já que em veia periférica soluções hipertônicas
do organismo. Uma vez determinado o déficit (método causam flebite.
capítulo 15 261

Potássio. É encontrado sob a forma de cloreto de potás- 1.ª etapa — cálculo do plano básico:
sio, acetato de potássio e fosfato de potássio. Na reposição
• Perda por diurese  600 ml, com 30 mEq de Na; 15 mEq
hidroeletrolítica, geralmente utilizamos o cloreto de potás-
de K e 45 mEq de cloreto.
sio. As outras formas de apresentação são reservadas para
• Perda sensível e insensível  1.000 ml (sem eletrólitos).
a nutrição parenteral. O KCl a 19,1% (ampolas de 10 ml)
• Perda gastrintestinal  2.500 ml (é previsto um volume
contém 2,5 mEq de K por ml. A quantidade de potássio
de perda igual ao do dia anterior). Como o pH do suco
prevista na reposição é distribuída preferencialmente pe-
gástrico é elevado, a perda de sódio equivale a 10% do
los frascos de soro glicosado a 5%. Evita-se a colocação de
volume eliminado, ou seja, 250 mEq; a perda de potás-
potássio em soro fisiológico porque, numa emergência (p.
sio geralmente é de 1% do volume eliminado: 25 mEq.
ex., choque), o líquido a ser administrado rapidamente é o
soro fisiológico e nunca o soro glicosado. Se o soro fisioló-
gico contiver K, sua administração rápida poderá causar 2.ª etapa — cálculo do plano de correções:
sérias arritmias cardíacas. Evitar uma concentração de K • Água: A análise deste caso mostra que há um déficit de
superior a 30 mEq/L, pois concentrações maiores causam água (traduzido por hipernatremia). No cálculo do dé-
irritação e dor ao longo da veia. Se o paciente se apresenta ficit, verificamos que a água corporal normal desta pa-
oligúrico ou com retenção nitrogenada, é preferível não ciente deveria ser 36 litros; porém, com sódio plasmáti-
adicionar potássio ao primeiro frasco de solução. Se hou- co de 147 mEq/L, a água corporal (atual) se encontra em
ver boa diurese em resposta à reposição líquida, adiciona- 34,2 litros. Existe, portanto, um déficit de 1.800 ml.
se potássio aos demais frascos. • Sódio: Não são evidenciados sinais de depleção ou ex-
cesso do extracelular, apesar de uma certa redução no
débito urinário em relação ao esperado para um adulto
PRESCRIÇÃO MÉDICA normal. Observe que os dados de pressão arterial e pulso
estão normais. Não é necessária correção.
A prescrição do plano parenteral: • Potássio: O potássio sérico está normal. Não é necessá-
a) especifica a solução básica a ser administrada: soro fisi- ria correção.
ológico, soro glicosado a 5% etc.; • Ácido-básico: Não há dados.
b) especifica o volume de cada solução básica: 1.000 ml, • Sangue e plasma: Não há dados.
3.000 ml etc.;
c) identifica os frascos de cada solução por um número Exemplo n.º 2: Um homem de 35 anos é trazido para o
consecutivo: p. ex., soro fisiológico, 3.000 ml; frascos 1, Serviço de Emergência do hospital após ter sido encontra-
2 e 3; do por amigos num estado semi-estuporoso. Segundo os
d) indica os aditivos a serem usados na solução: p. ex., amigos, ele vinha bebendo muito nos últimos dias. A his-
adicionar 10 ml de KCl 19,1% aos frascos 4, 5, 6 e 7 de tória médica pregressa era irrelevante, a não ser por um
soro glicosado a 5%; tratamento ambulatorial de úlcera péptica. Ao exame físi-
e) indica a velocidade de infusão, ou gotejamento por mi- co, ele se apresentava obnubilado, com os seguintes dados
nuto. Aproximadamente, utilizando-se equipos comuns vitais:
de infusão, a seguinte relação é válida: PA (deitado): 100/60 mm Hg
gotas/min ml/h L/24 h PA (sentado): 40/? mm Hg
6 21 0,5 Pulso (deitado): 100 b.p.m.
12 42 1 Pulso (sentado): 140 b.p.m.
18 63 1,5 Freq. Resp.: 18 m.r.m.
24 84 2 Temp  38°C
Peso: 60 kg
EXEMPLOS As veias jugulares não eram visíveis em decúbito dorsal.
O exame do abdome acusou dor epigástrica e ruídos hi-
Exemplo n.º 1: Uma jovem de 28 anos é submetida a uma droaéreos hipoativos. Não havia edema. Os exames de la-
colecistectomia e, 24 horas após, apresenta-se bem, apenas boratório revelaram: hematócrito  45%; 10.500 leucócitos
com sede. Dados vitais: PA 140/80 mm Hg, deitada; pul- com 75% de polimorfonucleares; glicemia  120 mg/100
so: 80 b.p.m.; T  36,2°C; FR  10 m.r.m.; peso 60 kg; diu- ml; sódio plasmático  125 mEq/L; potássio plasmático 
rese das 24 horas: 600 ml; sódio e potássio plasmáticos: 147 3,0 mEq/L; cloro plasmático  75 mEq/L; bicarbonato
mEq/L e 3,9 mEq/L, respectivamente; drenagem nasogás- plasmático  25 mEq/L; creatinina  1,8 mg/100 ml; pH
trica: 2.500 ml (pH  6,0). Formular o plano parenteral para arterial  7,41; pCO2  38 e pO2  60. Formular o plano
as próximas 24 horas. Acompanhe pelo Quadro 15.4. parenteral para as próximas 24 horas (Quadro 15.5).
Quadro 15.4 Plano parenteral: exemplo n.º 1

Plano Básico
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ
Urina 600 30 15 45
Sensível  Insensível 1.000 0 0 0
Gastrintestinal 2.500 250 25 275
Subtotal — Básico 4.100 310 40 320

Plano de Correções
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic
Água 1.800 0 0 0 0
Sódio 0 0 0 0 0
Potássio 0 0 0 0 0
Ácido-Básico 0 0 0 0 0
Sangue e plasma 0 0 0 0 0
Subtotal — Correções 1.800 0 0 0 0
TOTAL 5.900 310 40 320 0

Do total de 5.900 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 310 mEq de sódio? Em 1 litro de SF há 150 mEq de sódio e 150 mEq
de cloreto. Por uma regra de três, concluímos que são necessários aproximadamente 2.000 ml de SF. O restante do volume será reposto sob forma de
soro glicosado a 5% (SG 5%).
São necessários ainda 40 mEq de potássio, ou seja, 16 ml de KCl a 19,1%. O cloreto é veiculado com o sódio (NaCl) e com o potássio (KCl).
Prescrição médica para o exemplo n.º 1:
1. Soro fisiológico: 2.000 ml (frascos 1 e 2); EV, 24 gotas/minuto.
2. Soro glicosado a 5%: 4.000 ml (frascos 3, 4, 5 e 6); EV, 48 gotas/minuto.
3. KCl a 19,1% — acrescentar 4 ml em cada frasco de soro glicosado a 5% (frascos 3, 4, 5 e 6).

Quadro 15.5 Plano parenteral: exemplo n.º 2

Plano Básico
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ
Urina 1.500 75 40 115
Sensível  Insensível 1.000 0 0 0
Gastrintestinal 0 0 0 0
Subtotal — Básico 2.500 75 40 115

Plano de Correções
Fonte Volume Naⴙ Kⴙ Clⴚ Bic
Água 2.000 0 0 0 0
Sódio 3.600 540 0 540 0
Potássio 0 0 90 90 0
Ácido-Básico 0 0 0 0 0
Sangue e plasma 0 0 0 0 0
Subtotal — Correções 1.600 540 0 630 0
TOTAL 4.100 615 130 745 0

Do total de 4.100 ml, qual volume de soro fisiológico (SF) é necessário para repor 615 mEq de sódio? Cerca de 4.000 ml. Você percebe que, nesta
situação, todo o volume a ser administrado para o paciente será composto por soro fisiológico.
São necessários 130 mEq de potássio (52 ml), que, pela ausência de SG 5% no plano, serão fracionados entre os frascos de SF.
Prescrição médica para o exemplo n.º 2:
1. Soro fisiológico: 4.000 ml (frascos 1, 2, 3 e 4); EV, 48 gotas/minuto.
2. KCl 19,1%: acrescentar 13 ml em cada frasco de soro fisiológico (frascos 1, 2, 3 e 4).
capítulo 15 263

1.ª etapa — cálculo do plano básico: atual de cerca de 40 litros. Portanto, o excesso de água é
de 4 litros. Não há necessidade de fazer a correção total
• Perda por diurese  desconhecida – considerar 1.500 ml,
nas primeiras 24 horas. Além disso, se retirarmos os 4
com 75 mEq de Na; 40 mEq de K e 115 mEq de cloreto.
litros, não teremos volume para administrar sódio. Por-
• Perda sensível e insensível  1.000 ml (sem eletrólitos).
tanto, na coluna para volume, colocamos  2.000 ml.
• Perda gastrintestinal  não houve.
• Sódio: Existe uma diminuição da pressão arterial e au-
mento da freqüência cardíaca com a mudança da posi-
2.ª etapa — cálculo do plano de correções:
ção deitado para sentado, e jugulares invisíveis. Isso
• Água: A hiponatremia apresentada significa excesso de permite fazer o diagnóstico de uma depleção do espaço
água. A água normal deste paciente de 60 kg deveria ser extracelular de cerca de 20-30%. Como o espaço extra-
36 litros. O cálculo da água atual demonstra um valor celular equivale a 20% do peso corporal, a depleção

Quadro 15.6 Conversões comumente utilizadas


mEq do ânion ou cátion/g de sal mg de sal/mEq

NaCl 17§ 58
NaHCO3 12 84
Lactato de sódio 9 112
NaSO4 1OH2O 6 161
KCl 13 75
Acetato de potássio 10 98
Gluconato de potássio 4 234
CaCl2 2H2O 14 73
Gluconato2 de cálcio 1H2O 4 224
Lactato2 de cálcio 5H2O 6 154
MgSO4 7H2O 0,8 123
NH4Cl 19 54

§Lembrar que, numa dieta, 1 g de Na contém 43 mEq, enquanto 1 g de sal (NaCl) contém 17 mEq de Na. Desta forma, uma dieta contendo 4 g de
sódio tem a mesma quantidade de sódio que uma dieta com 10 g de sal.
Modificado de Boedecker E.C. e Dauber J.H.8

Quadro 15.7A Composição* das principais soluções utilizadas em terapia hidroeletrolítica


FLUIDO Naⴙ Clⴚ Kⴙ Caⴙⴙ Osm pH PCO

Soro glicosado a 5% 0 0 0 0 252 5,0 0


Solução salina a 0,9% 154 154 0 0 308 5,7 0
Solução salina a 3% 513 513 0 0 1.025 5,8 0
Ringer lactato** 130 109 4 3 275 6,5 0
Albumina 5% 130-160 130-160 0 0 308 6,9 20
Albumina 25% 130-160 130-160 0 0 1.500 6,9 100
Plasma fresco 140 100 4 0 300 6,7-7,3 20
Hidroxietil-amido (6%) 154 154 0 0 310 5,5 70
Dextran 70 (6%) 154 154 0 0 287 3-7 60

*Eletrólitos em mEq/L
** Contém 28 mEq de lactato por litro.
Osm  osmolaridade (mOsm/L)
PCO  pressão coloidosmótica (mm Hg)
Adaptado de Kumar, A.; Wood, K.E.9
Quadro 15.7B Expansão inicial de volume ( 3 horas) com alguns fluidos intravenosos (ml)*
FLUIDO EIC EEC EIT PL

Soro glicosado a 5% 600 40 255 85


Solução salina a 0,9%  100 1.100 825 275
Solução salina a 3%  2.950 3.950 2.690 990
Ringer lactato 0 1.000 670 330
Albumina 5% 0 1.000 100 900
Albumina 25% 0 1.000  3.500 4.500
Papa de hemácias 0 1.000 130 870
Plasma fresco 0 1.000 0 1.000
Sangue total 0 1.000 0 1.000
Dextran 70 (6%) 0 1.000  1.000 2.000
HAES-steril 0 1.000  500 1.500

*Após infusão de 1 litro de solução. EEC  espaço extracelular


EIC  espaço intracelular PL  volume plasmático
EIT  espaço intersticial Adaptado de Carlson, R.W.; Rattan, S.; Haupt, M.10

Quadro 15.8 Principais aditivos utilizados


ADITIVOS ELETRÓLITOS – mEq/ml

Na K Cl Ca Mg HCO3§


NaCl 20% 3,4 - 3,4 - - -
KCl 19,1% - 2,5 2,5 - - -
Gluc. Cálcio 10% - - 4,8 - - 4,8
CaCl2 10% - - 13,6 13,6 - -
Sulfato de Mg 10% - - - - 8,1 -
NaHCO3 10% 1,2 - - - - 1,2
NH4Cl 20% - - 3,75 - - -

§Incluídos lactato, gluconato, acetato.


Modificado de Faintuch, J.11

Quadro 15.9 Perda estimada de líquido e sangue de acordo com os dados clínicos iniciais do paciente
Classe I Classe II Classe III Classe IV

Perda de sangue (ml) Até 750 750-1.500 1.500-2.000  2.000


Perda de sangue (% volume sanguíneo) Até 15% 15-30% 30-40%  40%
Pulso (b.p.m.)  100  100  120  140
Pressão de pulso (mm Hg) N ou 앖 앗 앗 앗
Freq. respiratória (m.r.m.) 14-20 20-30 30-40  35
Diurese (ml/h)  30 20-30 5-15 Desprezível
Estado mental / SNC Ansiedade Ansiedade Ansiedade e Confusão e
leve moderada confusão letargia
Reposição volêmica
(regra 3:1) Cristalóide Cristalóide Cristalóide e Cristalóide e
sangue sangue

A regra 3:1 se baseia no fato de que a maior parte dos pacientes em choque hemorrágico necessita de 300 ml de solução eletrolítica para cada 100 ml
de sangue perdido. A avaliação clínica contínua de cada paciente pode minimizar as dificuldades existentes para o cálculo exato da quantidade e
tipo de fluidos a administrar. Baseado em: Advanced Trauma Life Support.12
capítulo 15 265

apresentada neste caso corresponde a 2.400-3.600 ml. lução que contenha sódio tende a se distribuir no espa-
Neste caso, optamos por reposição de 3.600 ml, pois a ço de distribuição do sódio, ou seja, no extracelular.
PA e o pulso em decúbito dorsal poderiam ser conside- Soluções hipotônicas contêm um maior teor de água li-
rados alterados. vre, que se distribuirá parte para o extracelular e parte
• Potássio: O potássio sérico encontra-se diminuído (2,5 para o intracelular. A solução salina isotônica é adequa-
mEq/litro). Como não há distúrbio ácido-básico nem da para a correção de depleção do espaço extracelular,
desvio iônico, a necessidade de potássio deste paciente manejo líquido em pós-operatório (em que soluções
está entre 200 e 400 mEq. Outra forma de calcular a ne- hipotônicas causariam hiponatremia), correção inicial
cessidade de potássio é através da Fig. 12.5, onde veri- do choque, hemorragias e queimaduras. Por ser isotô-
ficamos que para um potássio de cerca do 3,0, corres- nica, esta solução não provoca desvios de líquido entre
ponde uma deficiência de 10%. Calculando o potássio compartimentos. Em 1 litro desta solução há aproxima-
total (45 mEq/kg  45  60  2.700 mEq), concluímos damente 150 mEq de sódio.5,6
que o déficit é de 270 mEq. Não há necessidade de cor- 3) Ringer lactato: é uma solução levemente hipotônica, que
rigir este déficit nas primeiras 24 horas, e, além do mais, contém sódio e lactato. No fígado, o lactato é converti-
como estamos restringindo água livre, não temos volu- do em bicarbonato. Sua utilização atenua a acidose
me para administrar o potássio, pois não desejamos ul- metabólica dilucional que poderia ocorrer em situações
trapassar a concentração de 30 mEq/L. Em vista disso, em que é necessária a reposição de grandes volumes de
optamos pela correção de apenas 1/3 do déficit total e solução salina isotônica.
anotamos 90 mEq na coluna do potássio e cloro. 4) Solução salina a 3%: é uma solução cristalóide hipertô-
• Ácido-básico: sem distúrbios. nica, que promove desvios de água do intracelular para
• Sangue e plasma: sem distúrbios. o intravascular. É utilizada no tratamento da hiponatre-
mia sintomática.

APÊNDICE Soluções Colóides


São suspensões de partículas muito grandes, que não
Soluções Cristalóides
atravessam membranas semipermeáveis. Sua presença em
São soluções verdadeiras em que sólidos cristalinos es- um dos lados da membrana exerce uma força de atração
tão dissolvidos em água, sob a forma de íons ou molécu- (pressão oncótica) que é proporcional à sua concentração.
las. Exemplo: solução salina isotônica, solução de Ringer Os colóides são utilizados para manter o volume plasmá-
lactato, solução glicosada 5%. Os cristalóides são infundi- tico, produzindo uma expansão efetiva do volume circu-
dos no espaço intravascular, mas distribuem-se em todo o lante, com pouca ou nenhuma perda para o interstício. A
espaço extracelular e, eventualmente, para o intracelular.5 permanência destas soluções no intravascular (quando o
1) Soro glicosado a 5% (SG 5%): é uma solução hipotônica, endotélio está íntegro) aumenta a duração de sua ação. Se
que veicula água e pequena quantidade de glicose. Em o endotélio estiver lesado, pode haver escape de solução
condições normais, a glicose é assimilada pelas células e colóide para o interstício. Devido às características da dis-
não causa alterações na glicemia do paciente. Porém, no tribuição destas soluções, doses menores de colóide cau-
diabetes melito, pode desenvolver-se hiperglicemia. Num sam maior expansão do intravascular que os cristalóides.
paciente não-diabético, ao administrarmos SG 5% junta- De modo geral, na ausência de lesão endotelial significati-
mente com SSI, a SSI permanecerá no espaço intravascu- va, são necessários três volumes de solução cristalóide para
lar; a glicose será metabolizada, e a água livre se distri- promover um efeito equivalente a 1 volume de solução
buirá no espaço extracelular e intracelular. É útil no tra- colóide em expansão do intravascular (“regra 3:1”). Esta
tamento da hipernatremia, como forma de administração distribuição modifica-se muito no choque séptico. São
de água livre, veículo para a administração de medica- exemplos de colóides: a albumina, o hidroxietil-amido, os
mentos, manutenção de acessos venosos permeáveis. dextrans e as gelatinas.5
Soluções mais concentradas de glicose (10, 20 ou 50%) As referências bibliográficas 13 a 23 demonstram a con-
podem ser utilizadas, mas causam flebite quando infun- trovérsia atual existente em torno da escolha da solução
didas em veias periféricas. Como não contém sódio, não mais adequada a ser administrada em situações especiais.
é adequada para repleção do extracelular.6 1) Albumina (Albumina Humana 20%): é a principal pro-
2) Solução salina a 0,9% — isotônica (SSI): esta solução é teína do soro, contribuindo com 80% da pressão oncó-
denominada isotônica por apresentar tonicidade seme- tica do plasma. É disponível em solução a 20%. Doses
lhante à do plasma. É utilizada quando se necessita ex- acima de 20 ml/kg causam maior aumento no intravas-
pandir o espaço extracelular, pois o sódio é o principal cular que o volume infundido, pois o incremento na
cátion deste espaço, e determina seu volume. Uma so- pressão oncótica provoca movimento de líquido para o
266 Terapia Parenteral. Reposição Hidroeletrolítica

intravascular. A meia-vida intravascular da albumina é trado rapidamente é o soro fisiológico e nunca o soro
de 16 horas. É um efetivo expansor de volume no trau- glicosado. Se o soro fisiológico contiver potássio, sua
ma e choque. São argumentos contra seu uso a possibi- administração poderá causar complicações cardíacas.
lidade de transmissão de doenças infecciosas (hepatite Cada ml desta solução contém 25 mEq de potássio.
e SIDA) e a ocorrência de eventuais reações anafiláticas.5 2) Bicarbonato de sódio: está disponível a solução de bi-
2) Hidroxietil-amido (Haes-Steril): é um polímero rami- carbonato de sódio a 8,4%, que contém 1 mEq de bicar-
ficado da glicose, com peso molecular e clearance variá- bonato e 1 mEq de sódio por ml. Frascos de 250 ml.
veis. É um expansor efetivo de volume. Acima de 20 ml/
kg, pode causar coagulopatia. Não possui o risco de
transmitir infecções; a possibilidade de reações anafilá- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ticas é pequena.5
3) Dextrans (Dextran 40): são misturas de polímeros da 1. DUKE, J.H. Jr. e BOWEN, J.C. Fluids and electrolytes: basic concepts
glicose, de vários tamanhos e pesos moleculares (dex- and recent developments. Contemporary Surgery, 7:19, 1975.
2. SCRIBNER, B.H. Teaching Syllabus for the Course on Fluid and Electro-
tran 40 e dextran 70). A expansão de volume causada lyte Balance, 1969, University of Washington, Seattle.
por estas soluções depende do peso molecular, quanti- 3. ARIEF, A.I. Principles of parenteral therapy and parenteral nutriti-
dade, velocidade de administração e taxa de eliminação. on. Cap. 13, pág. 567. Clinical Disturbance of Fluid and Electrolyte Meta-
A infusão de dextran 70 causa expansão mais prolon- bolism. Edits. M.M. Maxwell e C.R. Kleeman. McGraw-Hill Co., 1972.
4. CHAPMAN, W.H. et al. The Urinary System. An Integrated Approach.
gada e efetiva que o dextran 40. Estas soluções modifi- Cap. 4, pág. 89. W.B. Saunders Co., 1973.
cam as propriedades reológicas do sangue na microcir- 5. McCUNN, M.; KARLIN, A. Nonblood fluid resuscitation. Anesth.
culação (diminuem a viscosidade), podendo melhorar Clin. North America, 17(1):107-123, 1999.
6. PRESTON, R.A. IV solutions and IV orders. In: Preston, R.A. Acid-
o consumo de oxigênio em pacientes gravemente doen-
Base, Fluids, and Electrolytes Made Ridiculously Simple, Cap. 2, pp. 31-
tes. Como os outros colóides sintéticos, pode causar re- 38, MedMaster Inc., 1997.
ações de hipersensibilidade e efeitos sobre a coagulação.5 7. KOCH, S.M. Appendix: Critical care catalog. In: Civetta, J.M.; Taylor,
4) Gelatinas (Haemacel e Hisocel a 3,5%): o nível e a R.W.; Kirby, R.R. Critical Care, 1997.
8. BOEDECKER, E.C. e DAUBER, J.H. Manual of Medical Therapeutics,
duração de seu efeito sobre o volume plasmático depen- 21 st. edition. Little, Brown and Co., 1974.
dem da taxa de infusão. De modo geral não alteram a 9. KUMAR, A.; WOOD, K.E. Hemorrhagic and hypovolemic shock. In:
coagulação e são eliminadas inalteradas pelos rins e Parrillo, J.E. Current Therapy in Critical Care Medicine, 1997.
intestino. Experimentalmente, demonstrou-se que esta 10. CARLSON, R.W.; RATTAN, S.; HAUPT, M. Anesth. Rev., 17 (sup-
pl.3):14, 1990.
solução pode extravasar para o compartimento inters- 11. FAINTUCH, J. Hidratação no pós-operatório. Cap. 38, pág. 311.
ticial com certa rapidez.5 Manual de Pré- e Pós-Operatório. Edits. J. Faintuch, M.C.C. Machado
e A.A. Raia. Edit. Manole Ltda., 1978.
12. AMERICAN COLLEGE OF SURGEONS Advanced Trauma Life Su-
Outras Soluções e Aditivos para 13.
pport, 1993.
BUNN, F.; ALDERSON, P.; HAWKINS, V. Colloid solutions for fluid
Uso Parenteral resuscitation (Cochrane Review) — The Cochrane Library, Issue 1, 2002.
14. ALDERSON, P.; SCHIERHOUT, G.; ROBERTS, I.; BUNN, F.
1) Cloreto de potássio a 19,1% (KCl 19,1%): é o aditivo uti- Colloids versus crystalloids for fluid resuscitation (Cochrane Revi-
ew) — The Cochrane Library, Issue 1, 2002.
lizado para repor as perdas e deficiências de potássio,
15. KWAN, I.; BUNN, F.; ROBERTS, I. (WHO Pre-Hospital Trauma Care
principalmente em pacientes intolerantes ao potássio Steering Committee). Timing and volume of fluid administration for
administrado por via oral. A dose prescrita deve ser patients with bleeding following trauma. (Cochrane Review) — The
cuidadosamente observada. O potássio é um agente ir- Cochrane Library, Issue 1, 2002.
16. WHATLING, P.J. Intravenous fluids for abdominal aortic surgery
ritante para as veias, dependendo de sua diluição (se
(Cochrane Review) — The Cochrane Library, Issue 1, 2002.
maior que 30 mEq/litro). Mais importante, porém, é que 17. ORLINSKY, M.; SHOEMAKER, W.; REIS, E.; KERSTEIN, M.D.
pacientes com disfunção renal podem desenvolver hi- Current controversies in shock and resuscitation. Surgical Clinics of
percalemia fatal.6 Neste caso é preferível não adicionar North America, 81(6), dec. 2001.
18. NGUYEN, T.T.; GILPIN, D.A.; MEYER, N.A.; HERNDON, D.N.
potássio ao primeiro frasco de solução. Se houver boa
Current treatment of severely burned patients. Annals of Surgery,
diurese em resposta à reposição líquida, adiciona-se 223(1):15-26, 1996.
potássio aos demais frascos. O potássio pode ser admi- 19. ASTIZ, M.E.; RACKOW, E.C. Crystalloid-colloid controversy
nistrado com o soro glicosado ou com solução salina revisited. Critical Care Medicine, 27(1):34-35, 1999.
20. INTERNATIONAL TASK FORCE Practice parameters for hemody-
isotônica. Como apresentado no Cap. 12, a infusão com namic support of sepsis in adult patients. Critical Care Medicine,
soro glicosado causa a entrada de potássio mais rapida- 27(3):639-660, 1999.
mente nas células, devido à liberação de insulina, o que 21. HENRY, S.; SCALEA, T.M. Resuscitation in the new millennium.
dificultaria a correção do potássio no sangue. Por outro Surgical Clinics of North America, 79(6):1259-1267, 1999.
22. WAXMAN, K. Are resuscitation fluids harmful? Critical Care Medi-
lado, após a correção de uma hipocalemia grave, evita-
cine, 28(1):264-265, 2000.
se colocar o potássio em soro fisiológico, pois, numa 23. DROBIN, D.; HAHN, R.G. Volume kinetics of Ringer’s solution in hy-
emergência (p.ex., o choque), o líquido a ser adminis- povolemic volunteers. Anesthesiology, 90(1):81-91, 1999.
Capítulo
Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

16 Miguel Carlos Riella, Maria Aparecida Pachaly e Daltro Zunino

DADOS SUBJETIVOS Exames Laboratoriais


Alterações na micção Urinálise
Alterações no volume urinário Sedimento urinário
Alterações na cor da urina Exame microscópico da urina
Dor renal Provas de função renal
Edema Biópsia renal
PROCEDÊNCIA E HISTÓRIA PREGRESSA Indicações
Hipertensão arterial Contra-indicações
Doenças sistêmicas Preparo do paciente e material necessário
Distúrbios bioquímicos Técnica da biópsia renal percutânea
Infecções Complicações
Traumatismo e cirurgia prévia Radioisótopos e o rim
HISTÓRIA FAMILIAL COMO DIAGNOSTICAR UMA NEFROPATIA?
DADOS OBJETIVOS Insuficiência renal aguda
Hálito Insuficiência renal crônica
Pele Síndrome nefrítica aguda
Unhas Síndrome nefrótica
Pressão arterial Anormalidades urinárias assintomáticas
Fundo de olho Infecção urinária
Aparelho cardiopulmonar Obstrução do trato urinário
Exame dos rins Síndromes renais tubulares
Palpação Hipertensão arterial
Ausculta Nefrolitíase
Percussão REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

O diagnóstico de uma enfermidade do aparelho uriná- a) Polaciúria: aumento da freqüência miccional, com elimi-
rio depende dos dados subjetivos fornecidos pelo pacien- nação de pequenos volumes de urina. É um sintoma de
te, na história clínica, e dos dados objetivos obtidos atra- irritação vesical.
vés do exame físico e de testes laboratoriais. b) Urgência miccional: é a sensação de necessidade impre-
terível de urinar.
DADOS SUBJETIVOS c) Disúria: dor, ardência ou desconforto à micção. Freqüen-
temente os sintomas de urgência miccional, disúria e
polaciúria ocorrem juntos e são secundários a proces-
Alterações na Micção sos inflamatórios da bexiga, próstata ou uretra.1
Uma pessoa saudável urina a cada 4-6 horas durante o d) Nictúria: é a inversão do ritmo miccional, em que o pre-
dia, e normalmente não urina à noite. Entre as alterações domínio da diurese ocorre no período noturno. Normal-
miccionais mais importantes, destacamos: mente o indivíduo não acorda à noite para urinar, de-
268 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

vido a uma queda no ritmo de formação da urina. A glicemia do diabetes mellitus) causando diurese osmóti-
nictúria pode refletir uma perda da capacidade de con- ca, ou quando a capacidade de concentração renal está
centração urinária, como nas fases precoces da insufici- comprometida (insuficiência renal crônica, anemia de
ência renal crônica. É um sintoma anormal, mas não células falciformes etc.). Além disso, poliúria também é
específico, e pode ocorrer também na hipertrofia pros- observada no diabetes insipidus, causado por deficiência
tática benigna, diabetes mellitus, infecções do trato uriná- na produção ou liberação neuroendócrina de hormônio
rio, hepatopatias e insuficiência cardíaca congestiva. antidiurético (diabetes insipidus central) ou por falta de
Nestas duas últimas circunstâncias, o excesso de líqui- resposta dos túbulos renais a este hormônio (diabetes
do retido na periferia durante o dia retorna à circulação insipidus nefrogênico) (Cap. 9).
com o decúbito, aumentando o ritmo de filtração glo- c) Anúria: volume urinário igual ou inferior a 100 ml/dia.
merular neste período.1 A anúria pode refletir uma obstrução do trato urinário,
e) Incontinência urinária: perda involuntária de urina, que impedindo a passagem da urina, ou uma súbita inter-
pode ocorrer após esforços (evacuação, tosse, levantar rupção da perfusão renal, como ocorre na trombose das
peso). Ocorre com mais freqüência em mulheres artérias renais. Além disso, ela pode estar associada a
multíparas e comumente está associada a cistouretroce- uma insuficiência renal aguda (orgânica) grave e por
le. Outro tipo de incontinência urinária é a paradoxal, que vezes a uma necrose cortical do rim. A determinação do
consiste na perda involuntária de urina por extravasa- volume urinário diário é utilizada como um importan-
mento, devido à retenção urinária crônica. Pode ocor- te parâmetro de função renal, em várias situações clíni-
rer por obstrução de uretra, como na hiperplasia pros- cas: pós-operatório, insuficiência cardíaca congestiva
tática benigna, ou secundária à bexiga neurogênica. grave, choque, etc. Toda vez que a diurese nas 24 horas
f) Retenção urinária: resulta da incapacidade de esvaziar a é inferior a 400 ml podemos afirmar que há um compro-
bexiga, mesmo que a produção de urina pelos rins este- metimento funcional ou orgânico do rim. Por outro lado,
ja normal. Pode instalar-se agudamente, causando um uma diurese normal não indica, de maneira alguma,
quadro de dor suprapúbica intensa. Na retenção uriná- função renal normal e integridade orgânica do rim. É
ria crônica, a dor pode não estar presente, mas o paci- freqüente observar-se insuficiência renal aguda (orgâ-
ente apresenta dilatação da bexiga e eventualmente ure- nica) com diurese normal ou até poliúria, apesar da ele-
teres e pelves renais, sendo esta uma causa de insufici- vação dos níveis plasmáticos de creatinina e uréia, os
ência renal crônica. As causas mais comuns de retenção quais indicam uma redução da filtração glomerular. Até
urinária são: hiperplasia e neoplasia de próstata, este- mesmo na insuficiência renal crônica o volume uriná-
nose de uretra e bexiga neurogênica. Na história clínica rio pode ser normal.
do paciente devem ser objetivamente investigados sinto-
mas que possam sugerir doença prostática, como dor
perineal, redução da força e calibre do jato urinário, he- Alterações na Cor da Urina
sitação para iniciar o jato urinário, esforço para urinar e A cor da urina pode variar desde o amarelo claro, quan-
gotejamento quando o indivíduo termina a micção.1,2 do diluída, até o amarelo escuro, quando concentrada.
Quando o paciente não está ingerindo medicamentos ou
Alterações no Volume Urinário alimentos que contenham corantes, as alterações na cor da
urina podem indicar doenças em que há a presença de cer-
No adulto, o volume urinário diário varia entre 700 e tos pigmentos na urina: hemoglobina, mioglobina, porfi-
2.000 ml. As alterações de volume urinário podem ser as- rina, etc. Urina turva geralmente resulta da presença de
sim subdivididas: fosfatos e uratos amorfos (normal) ou leucócitos e bactéri-
a) Oligúria: volume urinário igual ou inferior a 400 ml/dia. as (anormal). Urina de coloração alaranjada é observada
A oligúria pode ser decorrente de uma resposta normal na bilirrubinúria e uso de rifampicina. Urina esverdeada
do rim, como nos estados hipovolêmicos (contração do pode ser causada pelo uso de fenazopiridina ou infecções
volume extracelular, choque etc.) e estados de volume urinárias por Proteus. Urina de cor preta é vista na alcap-
arterial efetivo diminuído (insuficiência cardíaca con- tonúria, porfiria aguda intermitente, uso de imipenem,
gestiva, cirrose hepática etc.), ou decorrente de uma le- nitrofurantoína e levodopa.3
são renal: glomerular (glomerulonefrite difusa aguda,
necrose cortical bilateral), tubular (necrose tubular) ou Urina Turva
obstrutiva. Geralmente indica piúria secundária a uma infecção.
b) Poliúria: volume urinário igual ou superior a 2.500 ml/ Outras vezes pode ser devida à precipitação de sais de fos-
dia. A poliúria pode ser observada quando a ingesta lí- fatos amorfos (pH alcalino) ou uratos amorfos (pH ácido).
quida é grande (p. ex., polidipsia psicogênica); quando Uma discreta acidificação da urina (1 a 2 gotas de ácido
existe um estado hiperosmolar no plasma (p. ex., hiper- clorídrico) determina o desaparecimento da turvação cau-
capítulo 16 269

sada por fosfatúria, o que não acontece se a turvação foi nas extremidades inferiores (ação da gravidade); no paci-
causada pela presença de leucócitos. ente em decúbito dorsal o edema é facilmente percebido
na região sacral e dorso (Cap. 10).
Urina Avermelhada Existem quatro situações clínicas em nefrologia que são
A urina pode estar avermelhada pela presença de san- comumente acompanhadas de edema: glomerulonefrite
gue (hematúria), hemoglobina (hemoglobinúria) ou mio- aguda, síndrome nefrótica e insuficiência renal aguda e
globina (mioglobinúria). crônica. Na prática, é possível caracterizar dois tipos de
A hematúria macroscópica é aquela reconhecida a olho nu, edema renal:
com urina de cor vermelha ou marrom, dependendo da a) Generalizado (anasarca). Os pacientes apresentam ede-
acidez da urina e da quantidade de sangue. Uma mínima ma de face, de extremidades superiores e inferiores e
quantidade de sangue (1 ml) em 1,5 L de urina é suficiente acúmulo de líquido nas cavidades pleural e abdominal.
para produzir hematúria macroscópica. Em urinas ácidas, Este tipo de edema é habitualmente encontrado em por-
o sangue adquire coloração acastanhada, e em urina alca- tadores de síndrome nefrótica, a qual se caracteriza por
lina, o tom avermelhado é mantido por mais tempo.1 Já a proteinúria intensa e hipoalbuminemia. A hipoalbumi-
hematúria microscópica só é detectada ao microscópio e pe- nemia causa diminuição no volume plasmático efetivo,
las tiras reagentes. Costuma-se ainda classificar a hematú- desencadeando aumento da reabsorção tubular de sódio
ria de acordo com a fase da micção em que ocorre: hema- e água, na tentativa de restaurar o volume plasmático ao
túria inicial ou final está usualmente associada às doenças normal. Com isto, há uma expansão do volume extrace-
do trato urinário baixo. Hematúria durante toda a micção lular, que em condições normais seria suficiente para ini-
pode originar-se do rim, do ureter ou da bexiga. bir a reabsorção de sódio aumentada. Entretanto, no ede-
Nas mulheres, a urina pode ter coloração avermelhada ma, o mecanismo de retenção de sódio está alterado e não
pelo contato com o sangue menstrual. A urina também pode responde normalmente aos processos fisiológicos de con-
adquirir cor vermelha pela ingestão de medicamentos e ali- trole de volume. Assim, temos um indivíduo com ede-
mentos com pigmentos vermelhos (p. ex., beterraba).2 ma e volume extracelular expandido, e que continua a
Hemoglobinúria pode ocorrer, por exemplo, na hemó- reabsorver sal e água avidamente (v. Cap. 10).
lise intravascular induzida por drogas ou transfusões san- b) Um edema de menor intensidade, que atinge predomi-
guíneas incompatíveis. Mioglobinúria consiste na presen- nantemente o rosto, pode ser observado nas doenças
ça de um pigmento de origem muscular (mioglobina) na renais, como as glomerulonefrites agudas. Nestas situ-
urina, o qual torna a urina avermelhada. Este pigmento é ações, há redução do sódio excretado, por aumento na
liberado quando há grande destruição de massa muscular, reabsorção tubular, mas sem a hipoalbuminemia obser-
por necrose induzida por isquemia, infecção ou queima- vada no item anterior. Também na insuficiência renal
duras extensas. aguda e crônica, o edema é de menor intensidade e se
deve a uma redução do sódio filtrado por redução do
número de nefros funcionantes. No Cap. 10 são discu-
Dor Renal tidos os outros fatores que participam da gênese do
edema em diversas situações clínicas.
A dor renal característica situa-se no flanco ou na região
lombar, entre a décima segunda costela e a crista ilíaca, e
às vezes ocorre irradiação anterior. A dor parece surgir por
distensão da cápsula renal, que ocorre quando há obstru- PROCEDÊNCIA E HISTÓRIA
ção do fluxo urinário (p. ex., cálculo ureteral) ou em con- PREGRESSA
dições que causam edema do parênquima renal (p. ex.,
pielonefrite aguda). Uma irritação da pelve renal ou do A procedência do paciente é uma informação importante
ureter causa dor no flanco e hipocôndrio, com irradiação em nosso meio. Pacientes provenientes de regiões endêmicas
para a fossa ilíaca ipsilateral e freqüentemente para o tes- de malária ou esquistossomose podem apresentar nefropatia
tículo ou grandes lábios. Esta irradiação reflete a distribui- decorrente de uma infecção por estes parasitas (v. Cap. 23).
ção cutânea da inervação renal. Além disso, os dados da história pregressa do paciente
podem sugerir a etiologia da doença renal, como veremos
a seguir.
Edema
É uma manifestação comum em nefropatias. Qualquer Hipertensão Arterial
que seja a causa do edema, ele significa excesso de água e
sal, o qual causa aumento do componente intersticial do A época da detecção da hipertensão arterial é útil no
volume extracelular. O edema é geralmente percebido nas esclarecimento da gênese e evolução de uma determinada
regiões periorbitárias (tecido celular subcutâneo frouxo) e nefropatia. Se a hipertensão arterial já existia anteriormen-
270 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

te, é possível que, com o decorrer dos anos, ela tenha lesa- Além disso, alguns procedimentos com instrumentação
do o parênquima renal, causando uma nefropatia crônica. das vias urinárias (p. ex., sondagem vesical) podem origi-
Por outro lado, o aparecimento mais tardio de hipertensão nar infecção urinária, que é uma das mais freqüentes cau-
arterial pode indicar que ela é conseqüência de uma nefro- sas de infecção hospitalar.
patia crônica (p. ex., glomerulonefrite crônica) que se te-
nha instalado lenta e progressivamente.
HISTÓRIA FAMILIAL
Doenças Sistêmicas A identificação de uma doença renal em familiares do
A nefropatia diabética é uma complicação grave em paciente pode orientar na caracterização da enfermidade em
pacientes diabéticos. A incidência cumulativa de nefropa- estudo. Assim, por exemplo, a nefrite hereditária, ou síndro-
tia no diabetes mellitus tipo 1 é de 10-20% ao ano, em um me de Alport, é uma forma hereditária de nefropatia e clini-
período de 10-15 anos, sendo rara nos cinco primeiros anos camente é indistinguível de uma glomerulonefrite crônica.
de diabetes. Uma proporção maior de pacientes do tipo 2 O achado radiológico de rim em esponja medular pode ser
se apresenta com microalbuminúria ou proteinúria logo visto em gerações sucessivas, embora sem evidência de
após o diagnóstico, tanto pelo fato de que o diabetes está transmissão genética; a doença policística do rim é transmiti-
presente por muitos anos antes do diagnóstico, como por- da geneticamente por um gene autossômico dominante.
que a albuminúria pode ser menos específica para a pre- Estes são alguns exemplos que ilustram a contribuição de
sença de nefropatia diabética.4 uma boa história familial à elucidação diagnóstica.
Doenças auto-imunes e imunológicas, como o lúpus erite-
matoso sistêmico (LES), poliarterite nodosa e esclerodermia,
podem comprometer os rins de formas variadas. Alguns da- DADOS OBJETIVOS
dos podem ser bastante sugestivos de algumas destas doen-
ças. Por exemplo, o LES predomina em mulheres jovens, e o A sistemática utilizada na avaliação dos dados objeti-
encontro de síndrome nefrótica ou nefrítica nesta população vos é a mesma que se aplica habitualmente no exame de
deve aumentar o índice de suspeita desta doença (v. Cap. 23). qualquer paciente. Na avaliação do paciente renal, os se-
guintes pontos são pertinentes:
Distúrbios Bioquímicos
A hipercalcemia e a hiperuricemia podem levar à pre- Hálito
cipitação de cristais no parênquima renal ou no lúmen tu- No paciente urêmico o hálito apresenta um odor des-
bular, causando uma nefrite intersticial ou nefrolitíase (v. crito comumente como amoniacal. Era detectado mais fre-
Caps. 13 e 14). qüentemente na era pré-diálise, quando era rotina obser-
varem-se pacientes renais debilitados, com estomatite,
gengivite e ulcerações da cavidade oral. A flora bacteria-
Infecções na oral hidrolisa a uréia (de concentração elevada na sali-
As infecções de orofaringe ou pele causadas pelo estrep- va), originando amônia, efeito que também ocorre pela
tococo beta-hemolítico podem causar glomerulonefrite presença de tártaro dentário.
aguda. Além disso, várias infecções bacterianas (abscessos, Atualmente, com o tratamento dialítico e melhores con-
endocardite etc.) podem causar comprometimento renal, dições de higiene oral e tratamento odontológico, não se
geralmente de caráter imunológico (Caps. 22 e 23). observa mais esta característica amoniacal no hálito dos
pacientes renais. É descrito que, pela presença de substân-
cias como a di- e trimetilamina, pode ser percebido no
Traumatismo e Cirurgia Prévia hálito um certo odor de peixe.5
Traumatismo lombar ou abdominal pode produzir um
hematoma intra- ou perirrenal, que eventualmente pode- Pele
rá ser o responsável por uma hipertensão arterial futura.
Também são importantes todos os dados que se pude- Em pacientes renais crônicos, freqüentemente se obser-
rem obter a respeito de uma cirurgia prévia. Devido à va pele pálida (por anemia normocrômica e normocítica —
multiplicidade de fatores envolvidos (desde agentes anes- v. Cap. 36) e de tom amarelado (devido à retenção de
tésicos utilizados, hipovolemia, transfusão de sangue, até urocromos). Escoriações decorrentes de prurido intenso
ligadura acidental dos ureteres), uma análise detalhada são também encontradas em insuficiência renal crônica e
poderá orientar o médico na descoberta do agente causal atribuídas em parte ao hiperparatireoidismo secundário
de uma oligúria ou anúria. que se estabelece, causando hiperfosfatemia e formação de
capítulo 16 271

complexos insolúveis com o cálcio, os quais se depositam por ser um exame que permite uma avaliação da repercus-
no subcutâneo (v. Cap. 36). A presença de púrpura e lesões são sistêmica e microvascular de doenças como a hiperten-
equimóticas, principalmente na superfície extensora dos são arterial e o diabetes mellitus, comumente envolvidos na
membros, também faz parte da síndrome urêmica. Nos pa- gênese das nefropatias crônicas.
cientes intensamente urêmicos pode haver deposição de Na classificação de Keith-Wagener-Barker, as retinopatias
cristais de uréia na face, descrita como orvalho urêmico. Atu- hipertensivas foram agrupadas em quatro tipos, de acordo
almente, com a diálise e o diagnóstico precoce, é raro o com a gravidade e a presença de alterações ateroscleróticas:
paciente tornar-se tão intensamente urêmico.
KWB - I Estreitamento ou esclerose arteriolar mínimos.
KWB - II Alargamento do reflexo dorsal da arteríola (as-
Unhas pecto de fio de cobre); estreitamento localizado e
generalizado das arteríolas; alterações nos cruza-
Aproximadamente 10% dos pacientes portadores de mentos arteriovenosos; hemorragias arredonda-
insuficiência renal crônica apresentam unhas cuja metade das ou em forma de chama de vela e alguns ex-
proximal é pálida e a metade distal é rósea (half and half nails sudatos pequenos. Pode haver oclusão vascular.
of Lindsay).6 Além disso, na síndrome nefrótica os pacien- KWB - III Retinopatia angioespástica (espasmo arterio-
tes podem apresentar nas unhas a linha de Muehrke, que lar localizado, hemorragias, exsudatos, edema
é uma única linha branca transversal. da retina e corpos citóides).
KWB - IV KWB - III e edema de papila.

Pressão Arterial Para uma boa interpretação desses achados, as seguin-


tes considerações são pertinentes:
Quando a média de três determinações de pressão ar-
terial em pelo menos três consultas médicas excede 140 mm
Reflexo Dorsal da Arteríola
Hg (sistólica) ou 90 mm Hg (diastólica), caracteriza-se um
Normalmente a parede arteriolar é transparente e o que
quadro de hipertensão arterial,7 que, como foi frisado an-
se vê na realidade é a coluna de sangue no interior do vaso.
teriormente, muitas vezes está associada às nefropatias,
O reflexo de uma luz sobre a coluna de sangue aparece
como causa ou conseqüência.
como uma delgada luz amarela, sendo a sua espessura 1/
Na determinação da pressão arterial, é importante que
5 da largura da coluna de sangue. Quando ocorrem alte-
a mesma seja determinada com o paciente em três posições:
rações escleróticas, as paredes das arteríolas tornam-se
deitado, sentado e em pé. Além de permitir uma avalia-
infiltradas com lipídios e colesterol. Os vasos gradualmente
ção do volume circulante (v. Cap. 10), a pressão arterial
perdem a sua transparência e tornam-se visíveis. A colu-
pode refletir a integridade do sistema nervoso autônomo.
na de sangue parece mais larga, assim como o reflexo dor-
Por exemplo, pacientes urêmicos ou diabéticos muitas
sal. A coloração amarela dos lipídios, com a cor vermelha
vezes apresentam queda ortostática da pressão arterial (na
do sangue, é responsável pela coloração de fio de cobre e
ausência de medicamentos), devido a um comprometimen-
reflete uma arteriosclerose moderada. Com o agravamen-
to do sistema nervoso autônomo. Nestes pacientes, deve
to da esclerose, o reflexo dorsal se parece a um fio de prata.
ser evitado o uso de drogas anti-hipertensivas que agra-
vam a queda ortostática da pressão arterial.
Por ocasião da primeira visita do paciente, é imprescin- Espasmo Vascular
dível palpar os pulsos periféricos de membros superiores e Há um estreitamento da coluna de sangue de uma ma-
inferiores. Quando se detectam pulsos femorais de peque- neira irregular e indica hipertensão.
na amplitude, ou em atraso em relação aos braquiais, em
associação com hipertensão em ambos os membros superi- Corpos Citóides
ores, é necessário medir a pressão arterial também nos mem- São manchas esbranquiçadas, de 1/5 do tamanho do
bros inferiores. O objetivo é excluir a coarctação da aorta, disco papilar, e representam um grupo de células gliais
que de modo geral se acompanha de pressão arterial eleva- edemaciadas, resultantes de um infarto isquêmico da ar-
da nos membros superiores e baixa ou indetectável nos teríola terminal na camada de fibras nervosas.
membros inferiores. Existem outros padrões anatômicos de
coarctação de aorta em que o pulso braquial esquerdo ou Exsudatos Duros
os pulsos dos quatro membros podem estar diminuídos.8 Representam a fração não-absorvida do soro após um
edema de retina.

Fundo de Olho Alterações nos Cruzamentos Arteriovenosos


O exame de fundo de olho deve ser rotina em qualquer Nas áreas de cruzamentos arteriovenosos, as paredes de
exame clínico. A sua importância é grande em Nefrologia, ambos os vasos estão muito próximas. Com o espessamen-
272 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

to da parede arteriolar, a veia, sendo menos resistente, é Rins policísticos são normalmente bilaterais e contêm
comprimida. múltiplos cistos. À medida que os cistos aumentam, mas-
sas podem ser palpáveis nas áreas renais. Obstrução uriná-
Edema de Papila ria, independente da localização, aumenta a pressão hidros-
Reconhecido pela perda da nitidez do contorno papilar, tática no sistema coletor do rim. Quanto mais alta a obstru-
é um achado sério na hipertensão arterial maligna. Ele pode ção, maior é a repercussão no rim. Com a persistência da
estar associado a um aumento da pressão intracraniana, obstrução, o rim aumenta de volume e pode ser palpado.
devido a alterações na circulação cerebral.
Em geral são reversíveis as seguintes alterações no fun- AUSCULTA
do de olho, decorrentes da hipertensão arterial: espasmo É útil na verificação de sopros abdominais, como ocorre
vascular, edema de retina, hemorragias, corpos citóides e na estenose da artéria renal. Utiliza-se o diafragma do este-
edema de papila. Já as alterações decorrentes da arterios- toscópio para a ausculta do mesogástrio e hipocôndrios.
clerose são relativamente irreversíveis: alterações do refle-
xo dorsal da arteríola, compressão venosa nos cruzamen- PERCUSSÃO
tos arteriovenosos, exsudatos e oclusão de vasos da retina Dor renal pode ser pesquisada com a mão fechada, fa-
de maior calibre. zendo-se leve percussão nos ângulos costovertebrais (ân-
gulo formado entre a décima segunda costela e a muscu-
latura paravertebral).
Aparelho Cardiopulmonar
O exame dos pulmões é inespecífico. Os achados de Pontos-chave:
derrame pleural ou congestão pulmonar são comuns a
várias doenças. No entanto, um atrito pleural evanescente • O diagnóstico das doenças renais se
e recorrente pode ser detectado em pacientes urêmicos e fundamenta numa boa história clínica e
parece fazer parte do quadro de polisserosite visto nestes cuidadoso exame físico do paciente, que
pacientes, os quais muitas vezes apresentam também si- inclui a avaliação do fundo de olho
nais de pericardite ou ascite (Cap. 36). • É importante considerar as alterações
No exame do coração, também os sinais clássicos de
subjetivas na micção, no volume urinário e
sobrecarga de volume circulante ou de pericardite urêmi-
ca podem ser encontrados. Um sopro diastólico de insufi- na cor da urina, assim como a existência de
ciência aórtica pode ser observado em pacientes com in- dor renal ou edema
suficiência renal e parece estar relacionado ao excesso de • A existência de doenças prévias, como a
volume circulante que faz dilatar o anel aórtico. A remo- hipertensão arterial, diabetes, vasculites,
ção do volume excedente, por exemplo, através de trata- infecções ou trauma e cirurgia, muitas vezes
mento dialítico, faz desaparecer este sopro.9 Entretanto, permite estabelecer uma relação causa-
Barrat e colaboradores concluíram que o sopro diastólico efeito com as doenças renais
precoce, associado à insuficiência renal, freqüentemente • Os dados laboratoriais, biópsia renal e
não é devido à insuficiência aórtica funcional e pode ser
exames de imagem complementam o
um som de origem pericárdica.10
raciocínio clínico construído com os dados
de história e exame físico
Exame dos Rins
PALPAÇÃO Exames Laboratoriais
O paciente é colocado em decúbito dorsal, com os joe-
lhos levemente fletidos. Coloca-se a mão posteriormente, URINÁLISE (EXAME DE URINA)
debaixo do rebordo costal, e faz-se pressão para cima. A O exame de urina compreende uma avaliação qualita-
outra mão é colocada anteriormente, debaixo do rebordo tiva de certos constituintes químicos e o exame microscó-
costal na linha clavicular média. Com a inspiração, o rim pico do sedimento urinário. A urina para exame deverá ter
se desloca para baixo, possibilitando a palpação. Pode ser sido recém-emitida, preferencialmente sem cateterismo
também de valia colocar o paciente em decúbito lateral. O vesical. Para a coleta de urina na mulher, a genitália exter-
rim tende a se deslocar para baixo e medialmente. Tumo- na deverá ser cuidadosamente limpa. Em homens e mu-
res renais benignos são raros e usualmente pequenos de- lheres o jato miccional inicial é desprezado, coletando-se
mais para serem palpáveis. O tumor de Wilms é maligno, o jato intermediário. Esta amostra de urina deve ser avali-
ocorre em crianças menores de cinco anos e freqüentemen- ada no máximo 60-120 minutos após a coleta, desde que
te a apresentação é uma massa palpável no flanco. mantida em geladeira a 4°C.
capítulo 16 273

Grande parte dos dados num exame de urina podem ser a reação. Como teste de screening para diabetes, a pesqui-
obtidos através das fitas reativas, porém, estas não substi- sa de glicosúria em jejum tem uma especificidade de 98%
tuem a realização do exame microscópico da urina.11 mas uma sensibilidade de apenas 17%.
A glicosúria também pode ocorrer com níveis normais
pH de glicemia, como nas tubulopatias, isoladamente (glicosú-
Embora seja determinado rotineiramente, não identifi- ria renal primária) ou como parte de um distúrbio tubular
ca nem exclui enfermidade renal. O pH urinário varia de complexo, que envolve também alterações na reabsorção
4,5 a 8,0, mas o pH urinário normal geralmente está entre de aminoácidos, fósforo, ácido úrico e outros elementos
5 e 6 na primeira urina da manhã. Uma urina alcalina (pH (síndrome de Fanconi).11
 7,0) pode sugerir infecção urinária ou proliferação de
bactérias que desdobram a uréia, como ocorre quando há Corpos Cetônicos
demora em se realizar o exame. O pH urinário também Acetoacetato e acetona podem aparecer na urina em je-
pode estar elevado pelo uso de diuréticos, dieta vegetari- jum prolongado e cetoacidose alcoólica ou diabética. Ge-
ana, sucção gástrica, vômitos e terapia com substâncias ralmente são detectados com a reação de nitroprussiato.
alcalinas. Por outro lado, nas acidoses e dieta rica em car- Entretanto, o -hidroxibutirato (freqüentemente 80% dos
ne, a urina produzida é ácida.12 Nas acidoses tubulares corpos cetônicos em cetose) não é detectado pelo nitroprus-
renais, em que há alteração na reabsorção do bicarbonato siato.
filtrado, ou incapacidade para acidificar apropriadamen-
te a urina, testes mais precisos devem ser efetuados. Hemoglobina e Mioglobina
A fita reagente utiliza a atividade peroxidase-like da
Bilirrubina e Urobilinogênio hemoglobina para catalisar a reação. A presença de hemá-
Apenas a bilirrubina conjugada (direta) é hidrossolúvel cias, hemoglobina ou mioglobina produz uma reação po-
e passa para a urina. Na estase biliar por obstrução ou dro- sitiva. Quando a capacidade da haptoglobina do plasma em
gas, a pesquisa de bilirrubina na urina é positiva. Em con- se ligar à hemoglobina livre é excedida, hemoglobina apa-
dições de hemólise, em que a bilirrubina indireta (não-con- rece na urina. A principal causa de hemoglobina livre é a
jugada) aumenta na circulação, a pesquisa de bilirrubina hemólise. Rabdomiólise produz mioglobinúria. O teste
na urina é negativa. positivo para hemoglobina na urina na ausência de hemá-
cias sugere hemólise (com hemoglobinúria) ou rabdomió-
Esterase Leucocitária e Nitrito lise (com mioglobinúria). A presença de hemoglobina ou
O método da esterase se baseia na liberação de esterase mioglobina também é caracterizada pela manutenção da
por granulócitos urinários que sofreram lise. A reação com coloração avermelhada no sobrenadante de uma amostra
o sal de diazônio da fita resulta numa cor rosa a roxa. Re- de urina após centrifugação. Nestas circunstâncias, o as-
sultados falso-positivos ocorrem quando há contaminação pecto do plasma pode auxiliar na diferenciação entre he-
vaginal. A reação pode ser inibida quando a urina conti- moglobinúria e mioglobinúria: na hemoglobinúria o plas-
ver muita glicose, albumina, ácido ascórbico, tetraciclina, ma é de coloração avermelhada e na mioglobinúria o plas-
cefalexina, cefalotina ou ácido oxálico. ma é de cor normal.11
Algumas bactérias (principalmente Enterobacteriaceae) Um resultado negativo na fita reativa afasta com segu-
convertem o nitrato urinário em nitrito. O nitrito reage na rança hematúria, hemoglobinúria e mioglobinúria. A pre-
fita com uma substância que no final resulta numa cor rosa. sença de urina vermelha, com reação negativa na fita, pode
Resultados falso-negativos podem ocorrer quando existe representar a excreção de pigmentos após a ingestão de
demora para a realização do exame, o que causa degrada- medicamentos (p.ex., fenazopiridina), alimentos (beterra-
ção dos nitritos. Também deve ser levado em considera- ba), ou a presença de porfiria.11
ção o fato de que alguns patógenos não convertem nitrato
em nitrito, como, por exemplo, o Streptococcus faecalis, a Densidade Urinária
Neisseria gonorrhoeae e o Mycobacterium tuberculosis. A concentração de solutos na urina pode ser determi-
nada pela densidade, índice de refração ou osmolalidade
Glicose urinária. É uma medida da concentração urinária. O valor
A maior parte das fitas usa o método glicose oxidase/ normal é de 1,003-1,030. A relação entre a densidade e a
peroxidase. Este método geralmente detecta níveis baixos osmolalidade urinária está ilustrada na Fig. 16.1.
de glicose urinária (50 mg/dl). Como o limiar renal de gli- O dado isolado de densidade ou osmolalidade da urina
cose é de 160-180 mg/dl, a presença de glicose na urina tem pouco valor, a menos que o estado de hidratação do
geralmente indica glicemia superior a 210 mg/dl. Grandes paciente seja conhecido. Terá valor uma osmolalidade mai-
quantidades de corpos cetônicos, ácido ascórbico e meta- or que 700 mOsm/L ou densidade superior a 1,023, pois este
bólitos da fenazopiridina (Pyridium®) podem interferir com grau de concentração indica uma boa função renal.
274 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

vez exista um aumento da permeabilidade glomerular pela


ação de angiotensina II ou norepinefrina.14 Exemplos dis-
so são: infecção urinária, febre, exposição ao frio e calor,
convulsões e exercício intenso.12
Além disso, existem algumas condições clínicas em que
a presença intermitente de proteinúria não se associa a
doença renal (histologia normal) e não acarreta repercus-
sões clínicas, como foi evidenciado em estudos com até 50
anos de seguimento. Exemplo disso é a proteinúria postural
(ortostática), geralmente inferior a 1,0 g/dia, e que ocorre
em 3-5% dos jovens sadios. Sua característica é ser detec-
tada durante o dia, desaparecendo durante a noite, em
posição supina. Para este diagnóstico, é necessário colher
a urina em dois períodos de 12 horas, um diurno e um
noturno. O aumento da permeabilidade glomerular nes-
tes casos está relacionado à ativação neuro-humoral e à
alteração da hemodinâmica glomerular.14
É fundamental uma cuidadosa observação para diferen-
ciar estes casos daqueles em que os pacientes aumentam a
proteinúria com a posição ortostática por apresentarem um
Fig. 16.1 Relação entre a osmolalidade e a densidade urinária. comprometimento renal.12
Observem que a relação não é linear.
Pacientes com proteinúria persistente mais freqüentemen-
te têm doença renal ou sistêmica, como diabetes, insufici-
ência cardíaca ou hipertensão arterial.14
A osmolalidade urinária pode ser estimada a partir da MECANISMOS DE PROTEINÚRIA. Durante sua for-
densidade da urina (sem glicose, manitol ou proteína), mação, o filtrado glomerular atravessa três camadas: a)
multiplicando-se por 35 os algarismos decimais do valor uma camada fenestrada de células endoteliais, cujos poros
da densidade.13 Exemplo: densidade  1,010. Osmolalida- têm um diâmetro de 700 Å; b) a membrana basal (espes-
de urinária  35  10  350 mOsm/kg. A presença de sura total de 3.000 Å), composta de uma lâmina densa en-
glicose e radiocontraste na urina pode modificar a densi- tre uma lâmina rarefeita interna e outra externa (lâmina rara
dade, com pouca mudança na osmolalidade. interna e externa); c) uma camada de células epiteliais
Usualmente, a capacidade de concentração urinária (podócitos) constituída de processos interdigitados deno-
pode ser determinada após um período de privação hídri- minados pés dos podócitos ou pedicelas, originários de pro-
ca, ou através da administração exógena de hormônio an- longamentos das células epiteliais. Os pés dos podócitos es-
tidiurético (v. Cap. 9). tão separados nas bases por poros de 250-500 Å. Além desta
barreira baseada no tamanho dos poros, existe uma bar-
Proteinúria reira que depende da carga negativa da parede glomeru-
Normalmente são filtrados 180 litros de plasma a cada lar, repelindo a passagem de proteínas de carga negativa.14
dia pelos glomérulos, cada um contendo 70 gramas de O glomérulo normal usualmente impede seletivamente
proteína. No entanto, graças a um eficiente mecanismo de a passagem de moléculas do tamanho da albumina plasmá-
reabsorção efetuado principalmente pelos túbulos proxi- tica (PM  40.000 daltons) ou maiores. O clearance de prote-
mais, menos de 150 mg de proteína aparecem por dia na ínas plasmáticas é inversamente proporcional ao seu diâme-
urina. De modo geral, as proteínas que aparecem na urina tro efetivo. A perda da seletividade, com aparecimento de
são de baixo peso molecular. grandes moléculas na urina, reflete a gravidade da lesão.
Dos 150 mg de proteínas excretadas por dia, 30-50 mg Assim, em pacientes com síndrome nefrótica e com lesões
são de uma mucoproteína (Tamm-Horsfall) de alto peso glomerulares importantes, a relação do clearance de molé-
molecular. Esta proteína é formada na superfície epitelial culas maiores (p.ex., 2-macroglobulina) com o clearance de
do ramo ascendente espesso da alça de Henle e parte ini- moléculas menores (p. ex., albumina) é relativamente mais
cial do túbulo contornado distal e é a maior constituinte alto do que em pacientes proteinúricos com lesões glome-
dos cilindros hialinos. A eletroforese de urina normal re- rulares mínimas. Entre as frações plasmáticas não detectá-
vela que o restante da proteína se constitui de globulinas e veis na urina normal pelo seu diâmetro elevado estão: 2-
muito pouca albumina (menos que 30 mg/dia). lipoproteínas, 2-lipoproteínas e -macroglobulinas.
Em algumas situações, é possível observar proteinúria Quantidades anormais de proteínas podem aparecer na
transitória sem que haja nenhuma lesão glomerular ou urina por mecanismos variados, como veremos resumida-
tubular. Esta é a chamada proteinúria funcional, na qual tal- mente a seguir:
capítulo 16 275

a) Dano da parede capilar glomerular, permitindo a pas- 1. Calor e ácido acético: algumas gotas de ácido acético são
sagem de proteínas de alto peso molecular em quanti- adicionadas à urina, a qual é então fervida. A presença
dades que superam a capacidade de reabsorção tubu- de proteína torna a urina opalescente.
lar. Esta proteinúria é chamada de proteinúria glomeru- 2. Ácido sulfossalicílico a 3%: adicionam-se algumas go-
lar.12 Em casos de proteinúria glomerular intensa, a al- tas de ácido sulfossalicílico a 5 ml de urina, que se tur-
bumina constitui 60-90% da proteinúria total. Quanti- va na presença de proteína.11
dades menores das quatro maiores frações de globuli- 3. Tiras de papel: nestes testes, as tiras reativas são impreg-
nas também são excretadas. De modo geral, considera- nadas com tetrabromofenol azul, que tem grande afini-
mos que proteinúrias acima de 1,0 g/dia muito prova- dade por proteínas de carga negativa (como a albumi-
velmente têm origem glomerular. na) e menor afinidade por proteínas de carga positiva
Quando, no seguimento de um paciente com protei- (como as imunoglobulinas de cadeias leves).12 Apenas
núria glomerular, observamos redução da excreção de na presença de quantidade superior a 300-500 mg de
proteína, isto pode ser devido a uma melhora da lesão proteínas ao dia, a tira torna-se verde, em intensidade
glomerular, progressão da destruição glomerular (me- que depende da quantidade de proteína. O teste detec-
nos proteína é filtrada), ou diminuição significativa dos ta albumina em quantidades maiores, mas não outras
níveis de albumina. Porém, existem algumas condições proteínas, como as cadeias leves de imunoglobulinas e
em que, apesar da piora da função renal, não há redu- proteínas de Bence-Jones. O teste da fita reativa pode ser
ção proporcional da proteinúria: diabetes mellitus, ami- falso-positivo para proteínas por cerca de 24 horas em
loidose renal e nefropatia membranosa. pacientes que receberam agentes de contraste radiográ-
b) Disfunções ou lesões tubulares proximais podem impe- fico. As tiras comuns também não detectam microalbu-
dir a reabsorção normal de proteínas neste local, resul- minúria (30-300 mg/dia), que é um evento precoce na
tando no aparecimento de proteínas, principalmente de evolução da nefropatia diabética. Para esta finalidade,
baixo peso molecular (geralmente globulinas – 2-micro- poderiam ser usadas fitas específicas (Micral-test®,
globulina e 2-microglobulina) na urina. A este tipo Albustix®, Microbumintest®), que detectam quantidades
denominamos proteinúria tubular, a qual não excede 1-2 baixas de albumina na urina.12
g/dia.12 Também pode haver aumento de produção de
DETERMINAÇÃO QUANTITATIVA DA PROTEI-
proteínas pelos túbulos (pouco freqüente).
NÚRIA. É útil na identificação e seguimento de certos ti-
c) Proteínas normais ou anormais produzidas em maior pos de nefropatias. A avaliação quantitativa usualmente é
quantidade, ultrapassando os mecanismos de reabsor-
feita colhendo-se urina de 24 horas e determinando-se o
ção proximal.12 Esta é a chamada proteinúria de hiperflu-
conteúdo de proteína, pelo método de precipitação, que de-
xo.14 Em algumas enfermidades a excreção de globuli- tecta grande parte das proteínas. Como já foi mencionado,
nas excede a de albumina (p. ex., mieloma múltiplo). Em
a quantidade normal de proteínas na urina não ultrapassa
pacientes com mieloma, as globulinas detectadas na
150 mg por dia. Quantidades superiores a esse limite re-
urina são proteínas de cadeia leve, de baixo peso mole- presentam grandes modificações na permeabilidade glo-
cular: 22.500-45.000 (Bence-Jones). Estas proteínas são
merular. Proteinúria acima de 3 g/dia é considerada pro-
estrutural e antigenicamente idênticas às cadeias leves
teinúria em faixa nefrótica.15 O maior problema na coleta
das proteínas mielomatosas IgG e IgA e têm uma ca- de urina de 24 horas é assegurar que a coleta seja comple-
racterística térmica: coagulam ao serem aquecidas en-
ta. Para verificar se toda a urina foi adequadamente colhi-
tre 45 e 55°C e novamente se solubilizam ao ferver-se a
da, podemos nos basear na quantidade de creatinina pre-
urina. Este simples teste de aquecimento é útil no diag- sente na urina: para homens entre 20 e 50 anos, a excreção
nóstico inicial de discrasias de células plasmáticas, mas
urinária de creatinina nas 24 horas é de 18,5 a 25 mg/kg/
só é positivo em 50-60% dos casos. Albuminúria eleva-
dia, e para mulheres de mesma idade, 16,5 a 22,4 mg/kg/
da em mieloma múltiplo significa aumento da permea- dia. Para homens e mulheres de 50 a 70 anos de idade, os
bilidade glomerular, secundária à infiltração por ami-
valores seriam 15,7 a 20,2 mg/kg/dia e 11,8 a 16,1 mg/kg/
lóide.
dia, respectivamente. Valores inferiores podem evidenci-
DETERMINAÇÃO QUALITATIVA DA PROTEINÚ- ar coleta incompleta da urina. É importante frisar que pa-
RIA. Existem vários métodos cujos resultados são usual- cientes desnutridos e com massa muscular reduzida têm
mente expressos em cruzes (0 a ), dependendo da menor excreção de creatinina.12
intensidade da reação. É importante salientar que, com A quantificação também é utilizada como screening em
estes métodos, há necessidade de se obter simultaneamente algumas situações especiais. Por exemplo, a presença de
a densidade da urina para melhor interpretação da protei- albuminúria entre 30 e 300 mg/dia em pacientes diabéti-
núria. Isto porque, com fluxos urinários muito elevados (o cos é indicativa de nefropatia diabética, mesmo com excre-
que usualmente significa uma urina diluída), a concentra- ção urinária de proteínas nas 24 horas aparentemente nor-
ção de proteína pode ser baixa e não ser detectada pelos mal. A albuminúria pode estar transitoriamente elevada
métodos habituais. em situações como a hiperglicemia, febre, exercício e in-
276 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

suficiência cardíaca.16 São maneiras de quantificar a albu-


Quadro 16.1 Elementos formados encontrados
mina urinária: radioimunoensaio, imunoturbidimetria,
na urina
nefelometria e ELISA imunoensaio. Todos estes métodos
têm precisão similar.12 1. Células do sangue
Ao invés de usar a urina de 24 horas, também é possí- a. eritrócitos
vel determinar a quantidade de proteína em relação à cre- b. leucócitos
atinina, numa amostra de urina, eliminando-se o fator c. linfócitos
d. células plasmáticas etc.
tempo. Normalmente a relação proteína/creatinina na 2. Células do trato urinário
urina é menor que 0,1. Uma relação maior que 3,0-3,5 in- a. rim: células tubulares
dica excreção protéica maior que 3,0-3,5 g/24 h, e menor b. trato inferior: células transicionais,
que 0,2 indica menos de 0,2 g em 24 h. Este cálculo pode escamosas
ser feito também em diabéticos: um valor acima de 0,03 3. Células estranhas
a. bactérias
sugere que a excreção de albumina é superior a 30 mg/ b. fungos
dia, e que microalbuminúria está presente. Deve ser con- c. parasitas
siderado o fato de que em diabéticos existe variação na d. células neoplásicas
excreção de proteínas na urina ao longo do dia, e que 4. Cristais
preferencialmente deve ser utilizada uma amostra colhi- a. oxalato
b. fosfatos
da logo pela manhã.16 c. uratos
Porém, a relação proteína/creatinina apresenta algumas d. drogas etc.
limitações: subestima a excreção de proteínas em indiví-
duos musculosos, com maior excreção de creatinina, e a
superestima em indivíduos caquéticos, com menor excre-
ção de creatinina. Além disso, a avaliação em amostra iso- intensa. Quando esta última possibilidade ocorre, os pro-
lada de urina não é apropriada para o diagnóstico de pro- cessos exacerbados de reabsorção de proteína levam a uma
teinúria ortostática ou postural.15 degeneração gordurosa das células epiteliais tubulares,
com aparecimento de gotículas de gordura no citoplasma.
Pontos-chave: As células epiteliais tubulares repletas de gordura são de-
nominadas corpúsculos ovais de gordura e são encontra-
• O exame de uma amostra de urina com as das em grande número na síndrome nefrótica, em que o
fitas reativas permite a avaliação qualitativa número de corpúsculos parece ser proporcional ao grau de
dos constituintes da urina, como: pH, proteinúria.
glicose, nitrito, esterase leucocitária, Leucócitos e hemácias presentes na urina podem ser
hemoglobina, densidade e proteínas originários dos rins, assim como de qualquer outra parte
do trato urinário. Apenas quando inclusos em cilindros,
• A avaliação quantitativa da proteinúria
pode-se ter certeza de sua origem renal.
pode ser feita na urina de 24 horas ou com a
relação proteína/creatinina em uma
Cilindros
amostra de urina
Os cilindros são elementos do sedimento urinário de
grande importância na distinção entre nefropatia primá-
SEDIMENTO URINÁRIO ria e doenças do trato urinário baixo. São massas alonga-
Embora o exame microscópico do sedimento urinário das (cilíndricas) de material aglutinado, formadas usual-
não nos dê uma idéia da função renal, ele pode indicar a mente nas partes distais dos nefros, onde a urina é concen-
presença de uma nefropatia e muitas vezes a natureza e a trada. A largura dos cilindros é determinada pela largura
extensão das lesões. Normalmente, um pequeno número do túbulo onde eles se formam. Por exemplo, os cilindros
de células e outros elementos formados podem ser detec- mais largos são os formados nos ductos coletores. Os ci-
tados na urina (Quadro 16.1). Na presença de uma enfer- lindros geralmente são formados por uma matriz protéi-
midade, o número destes elementos aumenta. ca, onde podem aglutinar-se células. Aumento da concen-
tração do líquido tubular e urina ácida favorecem a forma-
Células ção de cilindros.
As células encontradas no sedimento urinário podem a) Cilindro hialino: formado pela precipitação de proteína
ser provenientes de descamação do epitélio e do trato uri- no lúmen tubular. Basicamente, é constituído pela
nário ou dos elementos celulares do sangue. Nas nefropa- mucoproteína de Tamm-Horsfall (Fig. 16.2).
tias, as células epiteliais degeneram e são excretadas em b) Cilindro epitelial: é um cilindro celular formado por cé-
grande número, particularmente quando há proteinúria lulas epiteliais tubulares, com pouca matriz protéica. No
capítulo 16 277

Fig. 16.2 Principais elementos formados no sedimento urinário. A. Cilindro hialino (100 ); B. Cilindro granular fino (100 ); C.
Cilindro granular grosso (125 ); D. Cilindro leucocitário (100 ) corado com o corante de Sternheimer-Malbin; E. Cilindro hemá-
tico (100 ) corado com o corante de Sternheimer-Malbin; F. Cilindro céreo (100 ); G. Cilindro largo.
278 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

Fig. 16.2 Continuação. H. Numerosas hemácias e alguns leucócitos (400 ); I. Conglomeração de leucócitos (piócitos) (400 ); J. Cor-
púsculo oval de gordura. (Gentileza de Produtos Roche Químicos e Farmacêuticos S/A — com exceção da Fig. G.)

início, as células podem ser identificadas facilmente no e) Cilindros hemáticos: neste tipo, as hemácias dismórficas
cilindro epitelial. À medida que o cilindro permanece estão incluídas no cilindro hialino, sendo sua presença
no túbulo ou se move em direção à pelve renal, as célu- patognomônica de glomerulopatia.
las começam a desintegrar-se. Há dispersão do materi-
al nuclear e aparecem vários fragmentos (cilindros Cristais
granulosos). Com a progressão do processo de desinte- Podem ser observados na urina cristais de diferentes
gração, os grânulos tornam-se menores (cilindros fina- morfologias e significados. Os cristais se formam na uri-
mente granulosos) e no final são massas homogêneas na na dependência de vários fatores, que serão melhor
(cilindros céreos). abordados no capítulo de litíase urinária. A presença de
c) Cilindro leucocitário: é um cilindro hialino contendo leu- cristais de ácido úrico, fosfato ou oxalato de cálcio na
cócitos. urina pode não ter significado diagnóstico, pois pode
d) Cilindro gorduroso: é um cilindro hialino impregnado ocorrer cristalização na amostra, de acordo com tempe-
com gotículas de gordura. ratura ambiente, pH e outras características da urina. A
Algumas vezes, percebem-se cilindros cujo diâme- presença de grande quantidade destes cristais nos túbu-
tro é maior do que o habitual. Eles são chamados de los renais pode causar insuficiência renal aguda, como
cilindros largos, são formados nos ductos coletores e na síndrome de lise tumoral. Os cristais de fosfato amo-
resultam de estase urinária (Fig. 16.2). Em geral são ci- níaco-magnesiano (estruvita) podem ser encontrados
lindros epiteliais ou céreos. Como geralmente a estase em litíase associada a infecções urinárias por bactérias
urinária reflete diminuição da função renal, eles são produtoras de urease, como Proteus e Klebsiella. A pre-
vistos na insuficiência renal, razão pela qual são conhe- sença de cristais de cistina também é anormal e signifi-
cidos também como cilindros da insuficiência renal. No ca doença.11
entanto, os cilindros céreos são considerados não-es-
pecíficos. Aparentemente resultam da degeneração de EXAME MICROSCÓPICO DA URINA
cilindros celulares e podem ser vistos em várias nefro- É interessante ressaltar que a urina deve ser examinada
patias. pelo próprio médico interessado, quando há suspeita de
capítulo 16 279

uma nefropatia. Há duas razões específicas para esta re-


comendação: propicia um exame cuidadoso por um indi-
víduo competente e familiarizado com o quadro clínico e
permite que o exame seja feito logo após a coleta da urina.
Amostras de urina enviadas ao laboratório central po-
dem permanecer várias horas à temperatura ambiente
antes de serem processadas. Esta espera, aliada por vezes
à infecção da urina com organismos que desdobram a
uréia, eleva o pH da urina. Já foi demonstrado que há uma
correlação inversa, altamente significativa, entre o núme-
ro de cilindros e o pH urinário. Desta maneira, à medida
que o pH urinário se torna mais alcalino, menor número
de cilindros é detectado, devido ao processo de degrada-
ção que se desenvolve. Assim, sugere-se que, se a urina não
puder ser examinada logo após a micção, a mesma deverá
ser preservada com uma gota de formol a 10%, para pre-
venir a degradação de cilindros.17
A urina para exame deverá ser colhida com os devidos
cuidados de higiene, em frasco estéril. A seguir, 10-15 ml
de urina são centrifugados a 3.000 rpm por cinco minutos.
O sobrenadante é então descartado e o sedimento
ressuspendido. Uma gota do sedimento é colocada numa
lâmina sob lamínula e examinada ao microscópio sob ilu-
minação reduzida. O número de cilindros, hemácias e cé-
lulas brancas e epiteliais é avaliado em pelo menos 10 cam-
pos (400).
No serviço de nefrologia do Hospital Universitário Fig. 16.3 Câmara de Neubauer: aspecto lateral, superior, e deta-
Evangélico de Curitiba, realizamos como rotina a análise lhe do retículo. Nas áreas sombreadas (A) é realizada a contagem,
sendo este resultado multiplicado por 5, obtendo-se o número de
microscópica de uma amostra de urina não centrifugada células por milímetro cúbico.
na câmara de Neubauer.
Logo após a coleta adequada, a urina é homogeneizada
com movimentos rotatórios, sendo preenchida a câmara, merulopatias ou infecções urinárias. Eventualmente, exis-
sob lamínula, com uma pipeta pequena. Para a contagem tindo poucos elementos, pode-se proceder à centrifugação
dos elementos figurados (leucócitos, hemácias, cilindros), do material em ambientes com esta facilidade.
deve ser utilizada a objetiva de 400, sob iluminação re- Estando presente hematúria, é fundamental a análise da
duzida. A seguir, procede-se à contagem dos elementos morfologia eritrocitária (perfeitamente possível sob micros-
figurados, inclusos nas linhas triplas, em dois dos gran- copia óptica, não havendo necessidade da microscopia de
des retículos da câmara, diametralmente opostos, multi- fase). Hemácias isomórficas, com forma íntegra ou crenada,
plicando-se o resultado por 5, obtendo-se a contagem por de tamanhos pouco diversos, com quantidade apropriada
mm3. de hemoglobina, refringentes, semelhantes às observadas
Para a quantificação das bactérias (que podem ser facil- em esfregaços de sangue periférico, são características de
mente visualizadas pelo observador experiente sem neces- doenças de origem não-glomerular, como neoplasia, litía-
sidade de coloração pelo Gram), adotamos a seguinte sis- se renal, traumatismo do aparelho urinário, infecção uri-
tematização: 1) raras, quando visualizadas esparsamente nária, etc. Já as hemácias dismórficas, com vários tamanhos
nos dois retículos; 2) , até 10 bactérias por campo de 400; e formas, algumas com apêndices em suas membranas
3) , até 100 bactérias por campo; 4) , mais de 100 (acantócitos), com pouca hemoglobina, e por isso difíceis
bactérias por campo. Com a experiência, é muito difícil a de visualizar (ghost cells), indicam doença glomerular. Basta
confusão com uratos ou fosfatos amorfos (que podem ser a análise cuidadosa da morfologia das hemácias, neste úl-
eliminados com técnicas adequadas) ou partículas com timo caso, para afirmar, mesmo sem a presença de cilin-
movimentos brownianos. Este método permite, em qual- dros ou proteinúria, que o paciente apresenta glomerulo-
quer local (enfermaria, ambulatório, consultório) a quan- nefrite.
tificação dos elementos urinários como leucócitos, hemá- Outros elementos importantes no diagnóstico de doen-
cias, cristais, cilindros e bactérias (tanto bacilos como co- ças renais são os eosinófilos urinários, que, quando detec-
cos). Associando estes dados com os obtidos pelas tiras tados pela coloração de Giemsa ou Wright, podem eviden-
reagentes, com freqüência é possível o diagnóstico de glo- ciar uma nefrite intersticial aguda.11
280 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

(cilindro hemático) indica a sua origem como sendo glo-


merular, como ocorre nas glomerulonefrites. Cilindros
largos indicam a presença de insuficiência renal e geral-
mente refletem um mau prognóstico. No entanto, po-
dem ser vistos também na fase de diurese franca da
necrose tubular aguda e na recuperação de glomerulo-
nefrite aguda, grave.
b) Numerosos cilindros granulosos e de células epiteliais,
além de células epiteliais livres, são encontrados na uri-
na de pacientes com necrose tubular aguda ou em insu-
A ficiência renal aguda. Sua presença na urina se deve ao
desprendimento destas células de sua membrana basal
em conseqüência a uma lesão isquêmica ou tóxica.11
c) Leucocitúria pode ser encontrada em qualquer nefropa-
tia. Quando os leucócitos se apresentam em grande
quantidade ou agregados, e associados a bacteriúria,
geralmente indicam infecção do trato urinário. A única
forma de identificar que os leucócitos têm origem renal
é a existência de cilindros onde os leucócitos estejam
inclusos (cilindros leucocitários). Os cilindros leucoci-
tários podem ser encontrados nas glomerulonefrites,
juntamente com outros cilindros. Contudo, quando so-
B
mente os cilindros leucocitários estiverem presentes, na
ausência de outros cilindros, podem sugerir o diagnós-
tico de pielonefrite. Piúria associada com cilindros leu-
cocitários ou céreos, com proteinúria discreta ou ausen-
te, sugerem doença tubular ou intersticial ou, ainda,
obstrução urinária. Leucócitos e cilindros leucocitários
também são vistos na glomerulonefrite aguda pós-infec-
ciosa, mas nesta também estão presentes outros sinais
de doença glomerular, como hematúria dismórfica, ci-
lindros hemáticos e proteinúria. Piúria isolada sugere a
contaminação com secreções vaginais (juntamente com
C células epiteliais vaginais), infecções urinárias, doença
Fig. 16.4 Aspecto das hemácias na urina. Em A observam-se he-
tubulointersticial e tuberculose do aparelho urinário.11
mácias isomórficas, de origem não-glomerular. Em B estão de- O achado de bacteriúria em urina coletada e processa-
monstradas hemácias dismórficas, de origem glomerular. Em C da adequadamente permite o diagnóstico de infecção
observa-se um esquema com a morfologia provável de hemáci- urinária de imediato, quer seja assintomática (bacteriú-
as de origem não-glomerular (grupo 1) e glomerular (grupos 2 e ria assintomática) ou associada a sintomas e sinais carac-
3). Obtido de Barthe, P., et al. Annales de Pédiatrie, v. 33, n. 3, 1986.
terísticos (bacteriúria sintomática). O diagnóstico de infec-
ção urinária é facilitado com a análise do aspecto e do
odor da urina, e resultados das fitas reagentes.
Interpretação do Sedimento Urinário em Nefropatias
d) A presença de gotículas de gordura dispersas na urina
A associação de certas características na urinálise, sob a
ou no interior das células, como já foi referido, é carac-
forma de padrões, sugere doenças renais específicas, faci-
terística de nefropatias que se acompanham de protei-
litando e dirigindo o raciocínio diagnóstico:
núria importante (síndrome nefrótica).
a) Como já foi mencionado, a presença de cilindros no se- e) A associação de hematúria com cilindros hemáticos,
dimento urinário tem uma importância fundamental, hemácias dismórficas, proteinúria maciça ou lipidúria
pois são formados no parênquima renal. Da mesma for- sugere doença glomerular ou vasculite. Hemácias e
ma, as células que podem estar inclusas no cilindro in- piócitos, com tipos variados de cilindros, sugerem do-
dicam que elas também se originam no parênquima ença glomerular, vasculite, nefrite intersticial, obstrução,
renal. Assim, a presença de hematúria não sugere ao infarto renal. Como já foi mencionado, a eosinofilúria
médico o local de sangramento no trato urinário, se não pode ser encontrada na nefrite intersticial aguda. A
for analisada a morfologia das hemácias. No entanto, a ausência de eosinófilos na urina não afasta este diagnós-
presença de células vermelhas no interior do cilindro tico. Hematúria isolada sugere litíase urinária, nefropa-
capítulo 16 281

tia por IgA, doença da membrana basal fina, nefrite filtrada pelos glomérulos, que não se ligue às proteínas
hereditária, doença renal policística, tumores e doença plasmáticas e que não seja secretada ou reabsorvida pelos
prostática.11 túbulos renais. O clearance desta substância é igual à filtra-
f) Parcial de urina com poucas alterações (poucas células, ção glomerular, ou seja, é a quantidade removida do plas-
ausência ou pequena quantidade de cilindros e protei- ma dividida pela concentração plasmática média num
núria): insuficiência renal aguda do tipo pré-renal, al- determinado período de tempo. O clearance é interpretado
guns casos de necrose tubular aguda, obstrução do tra- como o volume de plasma que pode ser depurado (limpo)
to urinário, hipercalcemia, rim do mieloma (teste do de certa substância na unidade de tempo.12
ácido sulfossalicílico fortemente positivo), nefroesclero- CREATININA PLASMÁTICA E CLEARANCE DA
se benigna, doenças tubulares.11 CREATININA ENDÓGENA. A creatinina é um produto
do metabolismo da creatina e fosfocreatina musculares. A
sua produção e liberação pelo músculo são constantes e
Pontos-chave:
dependem pouco da atividade física, da ingesta e do cata-
• É possível realizar a contagem de leucócitos bolismo protéico usuais. Normalmente, os níveis séricos de
e hemácias na Câmara de Neubauer, em creatinina variam no homem de 0,8 a 1,3 mg/100 ml e na
amostra de urina centrifugada ou não mulher de 0,6 a 1,0 mg/100 ml. Há pouca variação duran-
te o dia e de um dia para o outro.12
• A presença de hemácias isomórficas na
Algumas circunstâncias podem elevar agudamente os
urina sugere que as mesmas não se níveis de creatinina no sangue, como, por exemplo, a in-
originam nos glomérulos. A origem gesta de grande quantidade de carne numa refeição, ou
glomerular das hemácias é evidenciada pelo a destruição muscular extensa, como na rabdomiólise.
dismorfismo eritrocitário Além disso, certos medicamentos podem aumentar o ní-
vel plasmático de creatinina, como: trimetoprim, cimeti-
dina, probenecid, amiloride, espironolactona, triamtere-
PROVAS DE FUNÇÃO RENAL no, que são cátions que competem com a creatinina e ini-
Avaliação da Função Glomerular bem sua secreção tubular.19 Outras substâncias, por serem
A uréia e a creatinina são substâncias basicamente ex- cromógenas, elevam em até 20% os níveis de creatinina
cretadas pelo rim através de filtração glomerular e, assim por interferência em alguns testes de dosagem que se
sendo, sua concentração plasmática depende da filtração baseiam em colorimetria. São exemplos disso: glicose,
glomerular. A função de filtração glomerular é avaliada frutose, piruvato, acetoacetato (na cetoacidose diabética),
através da concentração plasmática e capacidade de depu- ácido úrico, ácido ascórbico, cefalosporinas, fluocitosi-
ração renal (clearance) dessas substâncias. na.3,12,19
A determinação da excreção de proteína na urina é tam- Após sua liberação pelo músculo, a creatinina é excre-
bém um importante método de avaliação da função glo- tada exclusivamente pelo rim. Como esta substância é li-
merular. Sendo uma das funções do glomérulo a de forne- vremente filtrada (não se liga a proteínas), não é reabsor-
cer um ultrafiltrado do plasma praticamente sem proteí- vida pelos túbulos renais e apenas uma pequena fração é
na, um excesso de proteína na urina significa uma disfun- secretada (15%); a quantidade filtrada será praticamente
ção glomerular. Como a avaliação da excreção de proteí- igual à quantidade excretada. O clearance de creatinina re-
na pelo rim já foi abordada, vamos nos restringir aos mé- flete portanto, com bastante aproximação, a filtração glo-
todos de avaliação da depuração renal. merular. Observe a fórmula utilizada para o cálculo do cle-
Entre as funções mais significativas dos rins, está a de arance de creatinina:
retirar do sangue algumas substâncias, através da filtração
glomerular. A taxa de filtração glomerular (TFG) corres-
ponde à somatória das taxas de filtração de cada nefro.
Então, a TFG fornece uma estimativa do número de nefros Onde:
funcionantes, o que é de fundamental importância quan- CrUr: creatinina urinária (mg/100 ml)
do se avalia a repercussão de uma doença sobre a função CrPl: creatinina plasmática ou sérica (mg/100 ml)
renal. Por exemplo, TFG reduzida demonstra comprome- V: volume urinário por minuto (ml/min)
timento da função renal, enquanto TFG aumentando pro- No entanto, com o desenvolvimento da insuficiência
gressivamente demonstra melhora funcional.18 renal e a conseqüente elevação da concentração plasmáti-
Esta função renal de limpar, depurar, é conhecida como ca de creatinina, a fração secretada aumenta muito. Isto
clearance.* Considere uma substância que seja livremente acarreta, na avaliação do clearance de creatinina, um resul-
tado mais elevado do que o da filtração glomerular renal.
*Palavra de origem inglesa, derivada do verbo to clear, significando o ato Por exemplo, num paciente urêmico, o clearance de creati-
de limpar, livrar. nina pode ser de 20 ml/min e a filtração glomerular efeti-
282 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

va de 15 ml/min. Na verdade, esta discrepância não é enças renais crônicas e em pacientes que sofreram ampu-
importante do ponto de vista prático. tação ou paralisia de membros, a massa muscular também
Qualquer redução na filtração glomerular reduz a ex- diminui, e a relação entre a concentração plasmática de
creção de creatinina. Como a liberação da creatinina pelo creatinina e o clearance de creatinina se altera.3,21 O clearan-
músculo é constante, quando há queda da TFG ocorre um ce de creatinina então diminui, sem que haja um aumento
acúmulo desta substância e elevação de sua concentração proporcional de creatinina plasmática (Quadro 16.2).
sérica. O acúmulo de creatinina é progressivo, até que a Do ponto de vista prático, uma redução de 50% na fil-
quantidade diária produzida seja igual à quantidade ex- tração glomerular dobra a concentração sérica de creatini-
cretada (filtrada) (Fig. 16.5). na (Fig. 16.6). Um pequeno aumento de creatinina acima
A quantidade de creatinina excretada também varia em do normal significa uma grande alteração percentual da
função da massa muscular, isto é, quanto maior a massa função glomerular. Porém, quando a creatinina já estiver
muscular, maior a excreção. No homem, a excreção de cre- moderadamente elevada, um aumento comparável repre-
atinina é de 20-26 mg/kg/dia, e na mulher, 14-22 mg/kg/ senta uma alteração percentual muito menor da função
dia.20 No envelhecimento natural do ser humano, nas do- renal. Por exemplo, quando a creatinina sérica aumenta de
1 para 2 mg/100 ml, isto equivale a uma diminuição de 50%
da função glomerular. No entanto, um aumento de 7 para
8 mg/100 ml implica uma perda de somente 2-3% da fun-
ção glomerular (v. Fig. 16.6). Em indivíduos idosos, a ele-
vação da creatinina plasmática de 0,6 mg/100 ml para 1,2
mg/100 ml significa uma redução do clearance de creatini-
na de 50%, mesmo que o nível sérico esteja dentro da faixa
considerada normal.
Num indivíduo jovem e sadio, níveis normais de crea-
tinina indicam TFG normal, mas num idoso podem signi-
ficar uma redução de 50% na TFG, devido a uma redução
da massa muscular.12
Apesar de o clearance de creatinina ser um exame relati-
vamente fácil de ser realizado, algumas desvantagens exis-
tem, razão pela qual a concentração sérica da creatinina é
mais utilizada rotineiramente para se avaliar a função glo-
merular.

Fig. 16.5 Alterações na creatinina sérica quando o ritmo de filtra-


ção glomerular (RFG) é abruptamente reduzido. Observem que
entre os dias 0 e 1 toda a creatinina produzida é excretada. Uma
redução de 50% no RFG no dia 1 reduz abruptamente a quanti- Fig. 16.6 Relação entre a creatinina sérica, uréia nitrogenada plas-
dade de creatinina filtrada e excretada. Como a produção diária mática e RFG. Observem que para cada redução de 50% no RFG
de creatinina é constante (flecha), haverá um aumento na con- a concentração sérica de creatinina é o dobro. Isto é, um aumen-
centração de creatinina. Com o aumento da creatinina sérica, a to na creatinina sérica de 1,0 para 2,0 mg/100 ml implica uma
quantidade filtrada e excretada também aumenta. Quando a redução de 50% da função renal. Observem, no entanto, que se o
quantidade de creatinina excretada igualar-se à creatinina pro- aumento na creatinina sérica for de 7,0 para 8,0 mg/100 ml, isto
duzida, um novo estado de equilíbrio é alcançado. (Adaptado indicará uma redução na função de apenas 1 a 3%. (Adaptado de
de Kassirer, J.P.20 ) Kassirer, J.P.20)
capítulo 16 283

Quadro 16.2 Relação entre idade, creatinina e clearance de creatinina*

Excreção
Creatinina Clearance de média de
Idade Média de N.º de plasmática creatinina creatinina
(variação idade pacientes média médio (mg/kg/24 h)
em anos) (anos) estudados (mg/100 ml ) (ml/min) e D.P.

18-29 24,6 22 0,99 114,9 23,6  5,0


30-39 34,6 21 1,08 98,6 20,4  5,1
40-49 46,2 28 1,17 95,4 19,2  5,8
50-59 54,4 66 1,49 77,9 16,9  4,6
60-69 64,6 53 1,39 57,6 15,2  4,0
70-79 74,4 42 1,78 38,6 12,6  3,5
80-92 85,1 17 1,39 37,4 12,1  4,1

*Adaptado de Cockcroft D.W. e Gault M.H.21

Entre as desvantagens do clearance de creatinina está o 3.ª) Corrigir o clearance obtido para a superfície corpo-
fato de que alguns métodos de determinação da creatini- ral do paciente em questão. (O clearance obtido se refere a
na sérica são inespecíficos, pois, além da creatinina, detec- uma superfície corporal de 1,73 m2. Como o clearance (Cl)
tam outros cromógenos. Em razão disto, os valores séricos varia com a superfície corporal (SC), é necessário corrigi-
podem ser 10-40% mais elevados do que os obtidos por lo para a SC da paciente, que é de apenas 1,62 m2.) O clea-
métodos mais específicos. Além disso, pode haver erro na rance de creatinina corrigido será:
determinação do clearance de creatinina em função de co-
leta inadequada da urina (p.ex., esvaziamento incompleto
da bexiga). Existe uma margem de erro de 10% na deter-
minação da creatinina, mesmo nos melhores laboratórios.
Técnica para Determinação do Clearance de Creatini-
na. É necessária a coleta de urina durante um período apro-
ximado de 24 horas. Ao se iniciar este período, é necessá-
Tradicionalmente, a correção da TFG tem sido feita line-
rio esvaziar completamente a bexiga pela manhã, despre-
armente de acordo com a superfície corporal. Porém, nos
zando esta micção e anotando a hora. A partir daí, toda a
últimos anos, alguns autores têm chamado a atenção para o
urina é coletada em frascos apropriados (inclusive a da
fato de que a TFG seria determinada fundamentalmente pela
madrugada, se se levantar para urinar), incluindo a primei-
taxa de metabolismo basal. Indivíduos de diferentes super-
ra miccção da manhã, novamente marcando a hora, com-
fícies corporais são diferentes entre si também com relação
pletando assim o período máximo de 24 horas. A urina é
à sua taxa metabólica basal, TFG, fluxo sanguíneo renal e
então enviada ao laboratório, com os horários anotados.
excreção de produtos nitrogenados. Assim, como os orga-
A seguir, observam-se as etapas para o cálculo do clea-
nismos não são isométricos entre si, mesmo quando apre-
rance de creatinina. Exemplo: Calcular o clearance de crea-
sentam padrões corporais similares, deveriam ser utilizadas
tinina de uma paciente de 60 kg, 1,60 m de altura, quando
as escalas alométricas (não-isométricas), que caracterizari-
o volume urinário das 24 horas é de 1.440 ml e as concen-
am melhor a relação entre TFG e taxa metabólica.22-24
trações da creatinina urinária e plasmática são 70 mg/100
Uma outra fórmula pode ser utilizada à beira do leito para
ml e 7,0 mg/100 ml, respectivamente.
uma estimativa rápida da TFG, sem a necessidade da coleta
de urina de 24 horas (fórmula de Cockcroft-Gault) e levando
1.ª) Determinar a superfície corporal do paciente (com
em consideração a idade, sexo e peso corporal.3 Cabe ressal-
tabelas ou fórmulas apropriadas) e o fluxo urinário/minu-
tar, porém, que esta fórmula não substitui a realização do cle-
to:
arance de creatinina padrão, mas facilita algumas condutas
• Superfície corporal: 1,62 m2 mais imediatas, como o cálculo da correção de doses de me-
dicamentos na insuficiência renal. Em mulheres, pelo fato de
• Fluxo urinário / minuto: a massa muscular ser proporcionalmente menor que nos ho-
mens, o resultado desta fórmula deve ser multiplicado por 0,85.18
2.ª) Aplicar a fórmula de clearance:
284 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

Já que a secreção tubular de creatinina interfere nos re-


sultados do clearance de creatinina, superestimando a fun-
ção renal, é possível obter um clearance mais exato bloque-
ando a secreção tubular de creatinina. Este bloqueio pode
ser realizado, por exemplo, com a cimetidina, que é anta-
gonista do receptor de histamina H2. A cimetidina é um
cátion orgânico que, por competição, diminui a secreção
tubular de creatinina.12
Outro fato a ser considerado é a influência que o pro-
cesso normal de envelhecimento poderia ter sobre a fun-
ção renal, mesmo que a massa muscular se mantenha inal-
terada. Utilizando a correlação entre idade e clearance de
creatinina, alguns autores demonstraram que a taxa de
declínio fisiológico da função renal seria em torno de 0,75
ml/minuto por ano. Porém, nem todos os pacientes ido-
sos apresentam redução da TFG.25 Num paciente idoso,
Fig. 16.7 Influência do fluxo urinário sobre a excreção de uréia.
também deve ser levada em conta a presença de co-mor-
bidades, como a insuficiência cardíaca, que pode agravar
a função renal.18,33,34
URÉIA PLASMÁTICA E CLEARANCE DA URÉIA. A cessidade de se manter um alto fluxo urinário, durante o
uréia é o produto final do metabolismo nitrogenado e a sua teste, fazem do clearance da uréia um teste menos preciso,
concentração plasmática depende de muitos fatores que subestimando a função renal.
afetam o metabolismo do nitrogênio: ingesta calórica e Cabe ressaltar que na maior parte da literatura nefroló-
protéica, catabolismo protéico aumentado, relacionado a gica em língua inglesa utiliza-se o nitrogênio uréico do
trauma, infecção e febre, uso de corticosteróides, absorção sangue (BUN) em vez da uréia. Para utilizar apropriada-
de sangue do trato gastrintestinal, depleção do espaço ex- mente os dados, é necessário realizar a conversão numéri-
tracelular e ingestão de quantidades excessivas de proteí- ca abaixo:
nas. Desta forma, ao contrário da creatinina, a concentra-
ção plasmática de uréia pode variar muito, sem que haja
alteração do clearance de uréia.
Aproximadamente metade da uréia filtrada é reabsor- MÉDIA DOS CLEARANCES DE CREATININA E
vida no túbulo proximal, independentemente da presen- URÉIA. Como o clearance de creatinina superestima e o de
ça ou ausência do hormônio antidiurético (HAD) e do flu- uréia subestima a filtração glomerular (os desvios para
xo urinário. No entanto, nos segmentos distais do nefro, a mais e para menos seriam de magnitude comparável), al-
reabsorção de uréia acompanha a reabsorção de água. guns investigadores sugerem que a média dos dois clearan-
Quando o fluxo urinário é baixo, a reabsorção de água nos ces seria uma estimativa razoável da filtração glomerular,
segmentos distais do nefro aumenta a concentração intra- pelo menos em pacientes com creatinina plasmática acima
tubular de uréia, o que favorece sua reabsorção. A reab- de 4 mg/100 ml.18,26,31
sorção de uréia também é favorecida pela presença de
HAD nestes segmentos. É devido a este fato que verifica-
mos um aumento desproporcional de uréia em relação à
creatinina plasmática num paciente com depleção do vo- CISTATINA C PLASMÁTICA. Como existem varia-
lume extracelular, com débito urinário reduzido. Quando ções na produção e secreção de creatinina, têm sido estu-
o fluxo urinário é alto, o segmento distal do nefro torna-se dadas outras substâncias endógenas que pudessem forne-
relativamente impermeável à uréia, o que aumenta a sua cer uma avaliação mais precisa da TFG. Uma substância
excreção (Fig. 16.7). que apresenta esse potencial é a cistatina C plasmática, que
Portanto, para uma determinação precisa do clearance de é uma proteína de baixo peso molecular, produzida numa
uréia, deve-se estabelecer inicialmente um fluxo urinário taxa constante pelas células nucleadas e que não sofre
alto (pelo menos 2 ml/min). Como há uma variação diá- modificações com a dieta ou presença de inflamações.
ria da uréia plasmática, o teste deverá ser realizado por um Além disso, a concentração plasmática de cistatina C in-
curto período, minimizando os erros. Os erros causados depende de sexo, idade ou massa muscular. Aparentemen-
por uma coleta de urina imprecisa e um esvaziamento in- te os níveis plasmáticos de cistatina C se correlacionam
completo da bexiga são maiores quando o tempo de cole- melhor com a TFG do que a creatinina. Estudos recentes,
ta é menor, como no clearance de creatinina. Estes proble- utilizando o 125iodo-iotalamato para medir a TFG, demons-
mas, aliados à reabsorção proximal de uréia (50%) e à ne- tram que os níveis plasmáticos de cistatina C começam a
capítulo 16 285

se elevar com TFGs mais altas, enquanto os de creatinina Mais recentemente, tem sido utilizado o ioexol para a
se elevam a partir de TFGs mais baixas (88 ml/min/1,73 medida da TFG, evitando o uso de radioisótopos. O ioexol
m2 e 75 ml/min/1,73 m2, respectivamente). Isto permiti- é um meio de contraste de baixa osmolalidade e proprie-
ria detectar pequenas modificações da função renal mais dades não-iônicas, portanto, de baixa toxicidade, mas que
precocemente do que com a tradicional dosagem dos ní- não pode ser utilizado em pacientes alérgicos ao iodo.
veis de creatinina.12,18,32 Em indivíduos idosos com creati- Aparentemente, é um bom método para a medida de TFGs
nina aparentemente normal, a cistatina C também parece reduzidas, permitindo a determinação da função renal re-
ser um melhor marcador de disfunção renal.33 sidual de pacientes em diálise.12
INULINA. Por muito tempo a inulina foi considerada Para a avaliação do clearance pelos métodos do ioexol e
como o marcador exógeno padrão para a determinação da I-iotalamato é necessária a cromatografia líquida de alta
TFG. O alto custo e a dificuldade técnica tornaram a inuli- eficiência, que é de alto custo.
na um marcador pouco utilizado na rotina.
A inulina é um polímero da frutose, de baixo peso mo-
lecular (5.200 daltons), encontrado em alguns vegetais. É
Ponto-chave:
uma substância que reúne as características de um marca- • Os métodos mais comumente utilizados no
dor ideal da TFG, pois não se liga às proteínas, distribui- dia-a-dia para avaliação da função
se no espaço extracelular, é filtrada pelo glomérulo e não é glomerular são: creatinina e uréia
reabsorvida ou secretada pelos túbulos renais. Além de
plasmáticas e clearance de creatinina e uréia
cateterizar a bexiga, é necessário administrar uma quanti-
dade de água por via oral antes e durante o teste, e, a se-
guir, iniciar a infusão constante de inulina. Amostras seri- Avaliação da Função Tubular
adas de sangue e urina são colhidas.12 Considerando as múltiplas funções dos túbulos renais,
RADIOISÓTOPOS E MEIOS DE CONTRASTE. A é difícil de se conseguir um único teste capaz de avaliar a
TFG pode ser medida com segurança e precisão também função tubular, especialmente se considerarmos que as
após a injeção endovenosa de um marcador radioisotópi- funções dos segmentos proximais do nefro diferem das
co. A quantidade de radiação recebida pelos pacientes funções dos segmentos distais. Os testes que avaliam pre-
durante este tipo de avaliação da TFG é inferior à recebida dominantemente a função tubular são: densidade e osmo-
na maior parte dos procedimentos radiológicos comuns. lalidade urinárias (já mencionados em urinálise), testes de
Porém, são métodos mais caros e de acesso limitado. Os concentração e diluição da urina, teste de acidificação uri-
marcadores que podem ser utilizados são: o 51Cr-EDTA nária, excreção urinária de eletrólitos e secreção de algu-
(ácido etileno-diamino-tetraacético marcado com 51cromo), mas substâncias, como veremos a seguir.
o I-iotalamato e o 99Tc-DTPA (ácido dietileno-triamino- CONCENTRAÇÃO URINÁRIA. Os detalhes do me-
pentaacético ligado ao tecnécio marcado). Após a injeção canismo renal de concentração e diluição da urina já foram
endovenosa, amostras de sangue venoso são colhidas para expostos nos Caps. 6 e 9. Na prática, a concentração máxi-
medir o clearance.12 ma de urina é obtida após um período determinado de
O 51Cr-EDTA tem moléculas de baixo peso molecular e restrição líquida. Em indivíduos normais, são necessárias
pequena ligação com proteínas, sendo filtradas livremen- pelo menos 12 horas de restrição líquida para que se alcan-
te pelos glomérulos. Estudos em seres humanos demons- ce 90% ou mais da concentração urinária máxima. Uma
traram que o clearance do 51Cr-EDTA é cerca de 10% mais pessoa adulta pode concentrar sua urina até quatro vezes
baixo que o da inulina, quando ambos são medidos simul- a osmolalidade do plasma (em torno de 1.200-1.400
taneamente.12 mOsm/kg/H2O).
O I-iotalamato é um composto utilizado como radiocon- A tonicidade urinária é habitualmente avaliada por dois
traste. Também tem baixo peso molecular e clearance seme- métodos: o primeiro é a determinação da osmolalidade
lhante ao da inulina. O clearance de I-iotalamato é conside- pela verificação do ponto de congelamento da urina com
rado uma maneira segura de avaliar a TFG.12 o osmômetro, que infelizmente não está disponível em
Além da valiação da TFG, a cintilografia com o 99Tc- todos os laboratórios. O segundo é a determinação da
DTPA fornece informações sobre fluxo sanguíneo renal, densidade urinária, que, pela simplicidade de sua deter-
captação renal e excreção. Em casos de suspeita de obstru- minação (com um urodensímetro ou tiras reativas), é o teste
ção, é possível complementar o exame com a administra- mais comumente usado na prática.
ção intravenosa de um diurético de alça, acompanhando a Tanto a densidade como a osmolalidade urinária depen-
curva de eliminação do radioisótopo. Na suspeita de este- dem da quantidade de água excretada com os solutos na
nose de artéria renal, a complementação é feita com a ad- urina. A densidade urinária representa apenas um resul-
ministração de captopril. Já o 99Tc-DMSA (ácido dimercap- tado aproximado em relação à osmolalidade (Fig. 16.1) e
to-succínico) é utilizado para avaliar a superfície dos rins depende do número e da natureza das partículas em solu-
e detectar cicatrizes renais corticais. ção. Partículas maiores e mais densas, como a glicose e a
286 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

proteína, e alguns contrastes radiológicos aumentam a mões. Mas mesmo com esta participação rápida do pul-
densidade urinária. Um aumento de 10 g de proteínas por mão, ainda resta um excesso de H na circulação e um bi-
litro de urina aumenta a densidade em 0,003; 0,01 g/dl de carbonato plasmático reduzido. Caberá ao rim eliminar o
glicose aumenta a densidade em 0,004.35 excesso de hidrogênio e restaurar o bicarbonato plasmáti-
A osmolalidade urinária é uma determinação mais pre- co. Normalmente, o rim restaura o bicarbonato plasmáti-
cisa da capacidade de concentração urinária e reflete ape- co, resgatando, no túbulo proximal, quase todo o bicarbo-
nas o número de partículas ou íons osmoticamente ativos nato filtrado. Este resgate se faz de forma indireta. O
e capazes de dissociação iônica por unidade de solvente. HCO3 combina-se na luz tubular com o H, formando
Não é necessário fazer correções da osmolalidade pela H2CO3, o qual origina CO2 e água. A difusão do CO2 para
presença de glicosúria ou proteinúria. Valores de densida- dentro da célula e a sua combinação com H2O origina H
de na primeira urina da manhã iguais ou superiores a 1,023  HCO3. O bicarbonato assim formado retorna à circula-
demonstram que o mecanismo de concentração é apropri- ção. Este H que se combinou com o bicarbonato chega à
ado. Valores abaixo de 1,023 exigem melhor avaliação, com luz tubular através de um processo de troca com o Na (Fig.
restrição de líquido e eventualmente administração de um 16.8).
análogo do HAD, como a desmopressina.35 No nefro distal, o H é secretado e tamponado na luz
DILUIÇÃO DA URINA. A capacidade de diluir a uri- tubular por tampões filtrados, como o fosfato (HPO4), ou
na e eliminar grandes quantidades de água também é uma tamponado pela amônia (NH 3), formando o amônio
prova de função renal. Após a administração de 1.000-1.500 (NH4). Cada H excretado desta forma origina HCO3 em
ml de água durante aproximadamente 30 minutos, indiví- quantidades eqüimolares (Fig. 16.8). Há aqui, portanto,
duos normais são capazes de excretar mais da metade deste formação de novo bicarbonato, o qual, na circulação, irá
volume em três horas, e a densidade urinária de pelo me- restaurar o bicarbonato plasmático reduzido. Pode-se cal-
nos uma das amostras cai para 1,003 ou menos (correspon- cular esta quantidade de H excretado com os tampões,
dendo a 80 mOsm/kg ou menos). tipo fosfato. Basta titular-se a urina final, desde o seu pH
A capacidade de concentração da urina pode estar alte- ácido até o pH do sangue, ou seja, 7,4. A quantidade de
rada na fase inicial de uma nefropatia, muito antes de a substância alcalina necessária para chegar ao pH 7,4 é igual
concentração plasmática de creatinina ou uréia indicar à quantidade de H excretada, e a isto costuma-se deno-
qualquer disfunção. Portanto, é um teste sensível. No en- minar acidez titulável.
tanto, alguns fatores fisiológicos são capazes de alterar esta Quando o bicarbonato plasmático é reduzido, menos
capacidade de concentração (v. Caps. 6 e 9), como a excre- HCO3 chega ao túbulo proximal e logo menos H se com-
ção de soluto, fluxo sanguíneo medular, ingesta protéica bina com o HCO3, porém mais H será excretado através
etc. A alteração da concentração urinária pode ser detec- de combinações com HPO4 e NH3. Quando a concentra-
tada em várias nefropatias, o que reflete a inespecificida- ção plasmática de HCO3 aumenta, a excreção de H di-
de do método. minui e a de bicarbonato aumenta. Portanto, fica claro que,
A avaliação da capacidade de diluição tem menor apli- se quisermos avaliar a capacidade renal de excretar H,
cação clínica, pois está alterada em diversas enfermidades devemos reduzir o bicarbonato plasmático.
não-renais, como hepatopatias, insuficiência cardíaca ou
adrenal etc., e devido ao risco de intoxicação aquosa nos
nefropatas.
PROVA DE ACIDIFICAÇÃO URINÁRIA. Os meca- HCO3 RESGATADO NOVO HCO3

nismos de acidificação da urina já foram abordados com


detalhes nos Cap. 5 e 11. Em condições normais, a ingesta TÚBULO PROXIMAL TÚBULO DISTAL

diária resulta numa produção de ácido em torno de 50 CO2  H2O CO2  H2O
C.A.
mEq/dia (íon H). Tanto as células como o líquido extra- H2CO3
H2CO3

celular dispõem de sistemas-tampões capazes de minimi- NH3


H  HCO3
zar as variações no pH sanguíneo. Um dos principais sis- 
H  HCO3

Na
temas-tampão no plasma é o sistema ácido carbônico-bi- HCO 3
  H 
Na
H
Na = 
carbonato. Quando o HCO3 se combina com o H livre,
HPO4
NH =  H
3

O 4
HP
NH

há a formação de CO2, que, por ser volátil, é rapidamente


CO2  H2


4

HCO3
H2
PO

HPO4=

4

eliminado da circulação pelos pulmões:


O

H  HCO3 ↔ H2CO3 ↔ H2O  CO2


Portanto, caso se adicione H ao organismo, esta reação HPO4

se desvia para a direita, havendo redução do bicarbonato


plasmático (consumido no tamponamento do H) e au- Fig. 16.8 Resgate do bicarbonato filtrado e regeneração do novo
mento na produção de CO2, que é eliminado pelos pul- bicarbonato. (Baseado em Papper, S.43)
capítulo 16 287

Na prática, para se avaliar a capacidade renal de excre- aumenta com a duração do estímulo ácido. A grande utili-
ção de ácido, dispomos de provas de acidificação. Obser- dade desta prova curta está na avaliação da capacidade do
va-se o comportamento do rim (a sua capacidade de redu- indivíduo em reduzir o pH urinário, uma anormalidade
zir o pH urinário e aumentar a acidez titulável e a excre- detectável na acidose tubular renal. Nesta doença, há um
ção de NH4) face à ingestão de uma carga de ácido. Uma defeito na acidificação da urina, sem ou com mínima re-
das provas mais utilizadas é a prova de Wrong e Davies, dução da massa renal quando determinada pela filtração
que avalia a resposta renal frente a uma única dose de clo- glomerular. A síndrome clínica do distúrbio na acidifica-
reto de amônio (0,1 g/kg). Entre três e oito horas após a ção da urina é caracterizada por não-retenção ou discreta
ingestão do ácido, determina-se o pH urinário, acidez retenção sanguínea de substâncias nitrogenadas, acidose
titulável e excreção de NH4. A prova, quando compara- hiperclorêmica, pH urinário inapropriadamente elevado,
da aos demais testes descritos na literatura, tem as seguin- bicarbonatúria e excreção reduzida de acidez titulável e
tes vantagens: é realizada durante um curto período (oito NH4 (v. Cap. 29).
horas), não há necessidade de hospitalização ou restrição EXCREÇÃO DE ELETRÓLITOS. A excreção urinária
dietética e a dose de cloreto de amônio administrado é de alguns eletrólitos nas 24 horas (ou em amostra de uri-
menor, reduzindo o risco de acidose grave.37 Wrong e Da- na) pode ser utilizada como teste de avaliação de funções
vies mostraram que, após a ingestão do ácido, os pacien- tubulares. Normalmente, os mecanismos de reabsorção do
tes reduzem o pH urinário para 4,49-5,24. A prova mostra sódio filtrado são muito eficientes. Quando há dano renal
que a capacidade do rim em reduzir o pH urinário e a sua parenquimatoso bilateral (agudo ou crônico), a capacida-
capacidade em excretar NH4 estão independentemente de de reabsorção tubular de sódio diminui, e a concentra-
comprometidas por diferentes formas de nefropatias. Por ção urinária de sódio aumenta. Por outro lado, uma urina
exemplo, na insuficiência renal crônica (filtração glomeru- com baixo teor de sódio (inferior a 20 mEq/L) demonstra
lar baixa), o rim consegue excretar uma urina ácida, mas a que os mecanismos de reabsorção tubular deste íon estão
excreção de ácido titulável está reduzida (devido à redu- íntegros. Isto é o que ocorre, por exemplo, na insuficiência
ção na excreção do tampão fosfato), e a excreção de NH4 renal aguda do tipo pré-renal.36
está reduzida ainda mais. No Quadro 16.3 mostramos os Outra forma de avaliar esta capacidade funcional tubu-
resultados da prova de acidificação realizada num paciente lar é através do cálculo da fração excretada (FE) de uma subs-
com insuficiência renal crônica, comparados com um in- tância; com a fórmula abaixo, calcula-se a FE do sódio (per-
divíduo normal. A análise baseia-se nos comentários de centagem de sódio excretado em relação ao sódio filtrado):
Malnic e Marcondes.38
No nefropata crônico, antes da carga de ácido, a excre-
ção de H se fazia predominantemente sob a forma de aci-
dez titulável (16,83 mEq/min) e muito pouco era excreta- Onde:
do como NH4 (4,77 mEq/min). Por outro lado, no indiví- FENa: Fração excretada de sódio (%)
duo normal, a quantidade de H eliminada com NH4 NaUr: Concentração urinária de sódio (mEq/L)
(27,61 mEq/min) era maior que a excretada como acidez NaPl: Concentração plasmática de sódio (mEq/L)
titulável (19,92 mEq/min). Após a carga ácida, o indivíduo CrPl: Concentração plasmática de creatinina (mEq/L)
normal aumenta a excreção de H principalmente como CrUr: Concentração urinária de creatinina (mEq/L)
NH4. Já o nefropata crônico não eleva a excreção de NH4,
e o aumento da acidez titulável é discreto. Valores de FENa abaixo de 1% indicam insuficiência re-
Testes mais prolongados do que esta prova de oito ho- nal do tipo pré-renal, e valores acima de 2% são indicati-
ras são mais úteis para se demonstrar a anormalidade na vos de necrose tubular aguda.36 Uma dificuldade a ser con-
excreção de NH4, porque a produção enzimática de NH3 siderada na avaliação da concentração urinária de sódio e
FENa é o fato de que a administração de diuréticos, solução
salina ou drogas vasoativas modifica o padrão de excre-
ção de eletrólitos. Por este motivo, é necessária cautela na
Quadro 16.3 Prova de acidificação renal em
interpretação dos resultados.36 A FE de vários eletrólitos
indivíduo normal e nefropata crônico
(potássio, magnésio, fósforo, bicarbonato) pode ser calcu-
Normal Nefropatia lada com esta fórmula, substituindo o sódio pelo eletróli-
to a ser estudado.
Antes Depois Antes Depois EXCREÇÃO DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS. A presen-
pH urinário 6,20 4,75 5,90 5,20 ça na urina de quantidades elevadas de substâncias livre-
Acidez titulável 19,92 41,74 16,83 21,33 mente filtradas pelos glomérulos, e que normalmente são
NH4 27,61 95,82 4,77 4,02 reabsorvidas nos túbulos renais, pode indicar lesão tubu-
Modificado de Helga M. Cruz. Tese de Doutoramento FMUSP, 1963. lar proximal, já que nos túbulos distais não ocorre reabsor-
Citado por Malnic, G. e Marcondes, M.38 ção de proteínas ou aminoácidos. Entre as substâncias que
288 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

podem ser dosadas para evidenciar disfunções tubulares,


Quadro 16.4 Indicações para biópsia renal
podemos mencionar: alfa-1-microglobulina, beta-2-micro-
globulina, aminoácidos, proteína ligadora do retinol (RBP Muito útil
— retinol binding protein).3,36 1. Síndrome nefrótica
Uma outra substância, a N-acetil-beta-glicosaminidase 2. Colagenoses (p. ex., lúpus eritematoso
(NAG) é uma enzima de alto peso molecular que não é fil- disseminado)
3. Doença túbulo-intersticial de início agudo
trada por glomérulos íntegros e que se origina principal-
4. Proteinúria de origem desconhecida
mente no túbulo proximal. A excreção de NAG aumenta 5. Hematúria de origem desconhecida
na lesão tubular, em situações como a nefrite intersticial, 6. Transplante renal
nefrotoxicidade por drogas e rejeição de transplantes re- 7. Pesquisa
nais. É útil para o diagnóstico de lesões tubulares, com Provavelmente útil
1. Glomerulopatia de início agudo, com ou sem
glomérulos normais. No caso de nefrotoxicidade por dro-
progressão rápida
gas, a excreção de NAG na urina pode estar elevada an- 2. Doença túbulo-intersticial de progressão lenta
tes mesmo do aparecimento de beta-2-microglobulina na Possivelmente útil
urina.3 1. Doença vascular de início agudo
2. Nefropatia da gravidez
3. Nefropatia gotosa
Pontos-chave: 4. Nefropatia diabética
Inútil
• A função tubular renal é avaliada pelas 1. Fase final de nefropatia
capacidades de concentração, diluição e 2. Lesão policística
3. Nefropatia infecciosa
acidificação urinária 4. Síndrome hepatorrenal
• Além disso, a fração excretada (FE) de
Obtido de Striker, G.E. et al.39
vários eletrólitos e a excreção de outras
substâncias podem demonstrar outros
aspectos da função tubular
se efetuar uma biópsia renal, a não ser que a evolução não
seja a esperada e haja suspeita de lesão renal mais grave,
implicando uma conduta terapêutica diversa.
Biópsia Renal Em outras circunstâncias, a investigação laboratorial não
A biópsia renal é uma contribuição de importância ex- acusa nenhuma anormalidade renal. Por exemplo, no lú-
traordinária na avaliação das nefropatias. Não deve ser pus eritematoso disseminado, devido à freqüente associa-
encarada como exame diagnóstico definitivo, mas como ção com doença renal e importância de seu reconhecimento
um exame complementar capaz de auxiliar o nefrologista precoce, têm sido biopsiados pacientes sem evidência clí-
no diagnóstico final. Na verdade, poucas são as enfermi- nica de nefropatia. Nestes pacientes, é possível detectar
dades que apresentam um aspecto histológico renal carac- alterações na microscopia óptica, imunofluorescência ou
terístico. Este fato deve ser salientado, face à frustração de microscopia eletrônica.
muitos nefrologistas quando o patologista não indica o De modo geral, a biópsia está indicada nas seguintes
diagnóstico da enfermidade. Sem dúvida, cabe ao patolo- situações: síndrome nefrótica, lúpus eritematoso sistêmi-
gista descrever os achados histoimunológicos, mas caberá co, glomerulonefrite rapidamente progressiva, disfunção
ao nefrologista associar estes achados à clínica e assim for- de rim transplantado, nefrite intersticial aguda, doença
mular o diagnóstico mais provável. renal ateroembólica. Normalmente não se biopsiam paci-
entes com nefropatia diabética. Porém, é indicada a bióp-
INDICAÇÕES sia renal naqueles pacientes diabéticos que apresentem
A biópsia renal é, hoje em dia, utilizada sempre que se proteinúria maciça apesar de terem diagnóstico de diabe-
faz necessário elucidar a natureza e a magnitude de lesões tes há pouco tempo, e naqueles em que não há outros si-
renais, assim como na orientação do nefrologista para a nais de doença microvascular, o que leva à suspeita de
terapêutica e o prognóstico da enfermidade renal. Biópsi- outra doença glomerular associada.
as seriadas podem caracterizar a história natural da nefro-
patia. Striker e colaboradores categorizaram as nefropati- CONTRA-INDICAÇÕES
as de acordo com a utilidade clínica da biópsia renal39 (v. Basicamente, procura-se evitar a biópsia quando há
Quadro 16.4). apenas um rim, um distúrbio da coagulação sanguínea
Quando se tem uma idéia acurada da natureza das le- (contra-indicação absoluta) ou hipertensão arterial grave.
sões renais e da evolução da doença (p. ex., na glomerulo- Estas duas últimas situações clínicas aumentam o risco de
nefrite aguda pós-estreptocócica), não há necessidade de sangramento renal pós-biópsia. Entretanto, nos últimos
capítulo 16 289

anos, a experiência obtida com biópsia de rim transplan- sepsia e gaze) são acondicionados numa bandeja e levados
tado (rim único) tem permitido a biópsia de rim único pri- para o local onde a biópsia será realizada, juntamente com
mitivo com mais segurança. o aparelho portátil de ecografia.
Por outro lado, rins pequenos, contraídos, raramente são
biopsiados. Nestes casos, o aspecto histológico invariavel- TÉCNICA DA BIÓPSIA RENAL PERCUTÂNEA
mente demonstra graus variados de esclerose, sem que se Geralmente não há necessidade de uma sedação prévia,
possa discernir a enfermidade básica. Este é o aspecto ge- a não ser nos pacientes adultos mais apreensivos. Em cri-
ralmente encontrado nas fases terminais da insuficiência anças, geralmente abaixo dos 12 anos, haverá necessidade
renal crônica, independente do agente causador. Outras de sedação com midazolam e cetamina EV. O paciente é
contra-indicações relativas associadas a uma maior mor- colocado em decúbito ventral com um coxim sob o abdô-
bidade pós-biópsia são: tumores renais, grandes cistos re- men, procurando-se assim corrigir a lordose lombar (Fig.
nais, hidronefrose, abscessos perinefréticos e um grau 16.10). Com o auxílio da ecografia, escolhe-se o rim a ser
avançado de uremia. biopsiado (geralmente o esquerdo). Naturalmente, escolhe-
se o rim cujos contornos estejam melhor delineados. Para
PREPARO DO PACIENTE E pessoas destras, é mais confortável biopsiar o rim esquer-
MATERIAL NECESSÁRIO do. Somente na presença de esplenomegalia dá-se prefe-
Inicialmente, faz-se um estudo da coagulação sanguínea rência ao rim direito.
(tempo de coagulação e sangramento, tempo de atividade A seguir, é feita a assepsia da pele e colocam-se os cam-
da protrombina e contagem de plaquetas). No passado pos esterilizados, delimitando-se a área de punção. Feita a
obtinha-se uma radiografia simples do abdômen, após o anestesia local no ponto escolhido ecograficamente para a
devido preparo intestinal. Esta radiografia permitia saber introdução da agulha, faz-se uma pequena incisão da pele,
se havia um ou dois rins e fornecia a localização dos mes- paralela à linha das apófises espinhosas, o que permitirá
mos (Fig. 16.9). Hoje em dia, com a ultra-sonografia, é um uma livre movimentação da agulha com a respiração. Es-
exame dispensável (v. Cap. 17). tando a agulha de biópsia localizada no tecido renal (sob
O paciente poderá ser biopsiado no próprio quarto, em visão ecográfica ou pela movimentação com a respiração),
uma sala de pequena cirurgia ou no próprio setor de ultra- dispara-se o mecanismo da pistola ou se procede aos mo-
sonografia. Caso haja necessidade de anestesia geral (even- vimentos manuais para obtenção do fragmento de tecido.
tualmente em crianças), a biópsia será realizada no centro Em nosso Serviço, após a obtenção dos fragmentos, estes
cirúrgico. são observados ao microscópio óptico (100), para termos
É necessária uma agulha especial para se retirar um frag- certeza da presença de glomérulos nas amostras obtidas.
mento do rim. No passado, utilizava-se a agulha de Os fragmentos são então colocados em líquido de Bouin
Franklin-Silverman. Posteriormente, surgiram agulhas por 2 a 4 horas e posteriormente transferidos para forma-
descartáveis do tipo Trucut, e mais recentemente as agu- lina tamponada (para a microscopia óptica). Para a imu-
lhas acopladas a um dispositivo tipo “pistola”. A agulha nofluorescência, o fragmento é colocado em solução de
de biópsia e os outros materiais necessários (campos este- Michel (se vai ser transportado para locais distantes, está-
rilizados, seringa, agulhas, lâmina de bisturi, pinça de as- vel por 3-5 dias), ou mantido em soro fisiológico gelado, e
depois congelado até o processamento (se enviado para o

Fig. 16.9 Tomografia renal. Os contornos renais estão delineados


por uma linha pontilhada. Fig. 16.10 Correção da lordose através de coxim.
290 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

Serviço de Patologia local). Se houver necessidade e depen- integridade do sistema urinário (v. Cap. 19) e podem ser
dendo da rotina do Serviço, um fragmento é colocado em utilizados em determinações de filtração glomerular, flu-
glutaraldeído a 2,5%, para microscopia eletrônica. xo sanguíneo renal e fluxo plasmático renal efetivo e tam-
Até algum tempo atrás, o paciente era mantido em re- bém na avaliação da morfologia renal, investigação da
pouso absoluto por 24 horas, sendo a pressão arterial e uropatia obstrutiva, inclusive possibilitando a determina-
pulso controlados seguidamente. Observava-se o aspecto ção do volume urinário residual pós-miccional, assim como
da urina emitida após a biópsia, durante as próximas 24 na detecção de refluxo vésico-ureteral e avaliação do rim
horas. A finalidade era detectar hematúria macroscópica. transplantado.
Hoje em dia já é possível sermos mais liberais e fazermos
a biópsia renal em caráter ambulatorial. Recentemente
Marwah e cols. estudaram o momento em que as compli- COMO DIAGNOSTICAR UMA
cações pós-biópsia ocorrem e o período ideal de observa-
ção. Em todos os casos (98%), as complicações foram apa- NEFROPATIA?
rentes em 24 horas. De uma maneira geral, as complicações
foram identificadas em períodos inferiores a 12, 8 e 4 ho- No início deste capítulo frisamos que o processo diag-
ras, em 95%, 82% e 50% dos pacientes, respectivamente. nóstico em medicina se baseia nos seguintes elementos:
Complicações menores foram identificadas em 12 horas ou dados subjetivos (dados de história do paciente), dados
menos em 100% dos pacientes. Portanto, observação por objetivos (obtidos no exame físico) e dados fornecidos pe-
24 h é o ideal.40 los exames complementares. Nas páginas precedentes,
abordamos detalhadamente as principais queixas urinári-
COMPLICAÇÕES as que um paciente pode apresentar, os sinais que podem
Durante o procedimento, pode haver uma queda da ser detectados ao exame físico e os principais exames la-
pressão arterial, com sudorese e vômitos, decorrente do boratoriais utilizados para avaliação da função renal.
estado emocional, e/ou dor intensa. A complicação mais Determinados sintomas e sinais discutidos são comuns
freqüente é a hematúria microscópica, que ocorre em pra- a várias enfermidades que podem acometer o trato uriná-
ticamente todos os pacientes; hematúria macroscópica rio. O processo diagnóstico se torna mais fácil quando, atra-
ocorre em cerca de 10%. A hematúria geralmente se resol- vés do agrupamento destes sintomas, sinais e anormalida-
ve em 48-72 horas,12 seguindo-se o hematoma perirrenal e des laboratoriais, algumas síndromes nefrológicas são re-
a fístula arteriovenosa intra-renal (15-18%). Muito menos conhecidas. Inicialmente, Black enumerou oito síndromes
freqüentes são: sangramento renal exigindo transfusão que indicavam a existência de uma nefropatia. Posterior-
sanguínea (0,1-3% dos pacientes) ou cirurgia (0,3%), obs- mente, Coe modificou um pouco a conceituação dessas
trução do fluxo urinário por coágulo, infecção, laceração síndromes e incluiu mais duas, perfazendo então um total
de vísceras. A mortalidade é muito baixa (0,12% em 14.492 de dez síndromes nefrológicas41,42 (Quadro 16.5).
biópsias).12 Portanto, o primeiro passo no processo diagnóstico é a
identificação de um grupo sindrômico. Vejamos a seguir
quais são as características essenciais de cada síndrome e
Pontos-Chave: quais hipóteses podem surgir de seu reconhecimento.
• Conhecer a natureza de uma doença renal
pela biópsia permite considerar Insuficiência Renal Aguda (IRA)
adequadamente o prognóstico e melhor
manejo terapêutico Costumamos suspeitar de IRA, quando existe redução
• A biópsia renal pode ser realizada à beira abrupta da função renal, caracterizada por anúria ou oligú-
ria. No entanto, é oportuno lembrar que pode haver IRA com
do leito, com anestesia local, sendo um
poliúria (v. Cap. 21). Algumas vezes é difícil a diferencia-
procedimento com baixo índice de
ção entre insuficiência renal aguda e crônica, e somente uma
complicações redução rápida da creatinina sérica ou do ritmo de filtração
glomerular pode nos indicar o caráter agudo do processo.
Radioisótopos e o Rim Os elementos diagnósticos de uma IRA podem ser as-
sim resumidos: redução abrupta do volume urinário, re-
Os procedimentos de investigação com radioisótopos tenção de uréia e creatinina, tendência à hipercalemia e
têm como principais vantagens a rapidez, a precisão, o fato acidose metabólica, expansão do volume extracelular e
de não serem invasivos e utilizarem uma dose baixa de conseqüente tendência à hipertensão arterial e sobrecarga
radiação (v. Cap. 20). A contribuição dos radioisótopos no cardíaca. O exame do sedimento urinário também pode ser
estudo da fisiologia e fisiopatologia renal tem sido extra- útil. Quando ocorre necrose tubular aguda, caracteristica-
ordinária. Estes métodos permitem uma avaliação geral da mente observam-se cilindros granulares escuros e células
capítulo 16 291

matório se localiza no nefro. O exemplo clássico da síndro-


Quadro 16.5 Principais síndromes em nefrologia
me nefrítica aguda é a glomerulonefrite difusa aguda pós-
Insuficiência renal aguda estreptocócica (Cap. 22).
Insuficiência renal crônica
Síndrome nefrítica aguda
Síndrome nefrótica Síndrome Nefrótica
Anormalidades urinárias assintomáticas
Infecção urinária Classicamente, refere-se à presença de proteinúria ma-
Obstrução do trato urinário ciça (superior a 3,5 g/1,73 m2/dia), acompanhada de hi-
Síndromes tubulares renais poalbuminemia, hiperlipidemia e edema. Hoje em dia acei-
Hipertensão arterial
ta-se o diagnóstico de síndrome nefrótica quando houver
Nefrolitíase
proteinúria maciça, mesmo que não haja hipoalbuminemia,
hiperlipidemia e edema, e desde que a proteína na urina
seja principalmente albumina. Esta última ressalva é feita
epiteliais livres ou inclusas em cilindros. Na IRA funcio- porque em discrasias de células plasmáticas (mieloma
nal, podem estar presentes cilindros hialinos ou finamen- múltiplo), mesmo sem comprometimento renal, globulinas
te granulosos. A ausência de elementos formados na uri- anormais podem aparecer na urina, porque são pequenas
na pode alertar para uma obstrução. e podem atravessar um glomérulo normal.
Geralmente não há hipertensão arterial e tampouco re-
tenção nitrogenada. A presença de hipertensão arterial
Insuficiência Renal Crônica (IRC) pode refletir uma lesão renal grave ou ser secundária ao
uso de drogas, como os corticosteróides. Moderada reten-
Ao contrário da IRA, na IRC a redução na função renal
ção nitrogenada pode ser observada em decorrência de
é um processo lento, permitindo ao organismo lançar mão
uma diminuição da perfusão renal, resultado de uma di-
de mecanismos de adaptação. Isto explica o fato de que é
minuição do volume circulante efetivo causado pela hipo-
possível encontrar pacientes com IRC avançada comple-
albuminemia (Cap. 22).
tamente assintomáticos, sendo o diagnóstico realizado
devido a uma intercorrência, como infecção ou trauma.
Outras vezes a intercorrência precipita um agravamen- Anormalidades Urinárias Assintomáticas
to abrupto na função renal residual (agudização da IRC),
tornando o paciente sintomático. Exemplo: redução do Proteinúria, hematúria ou piúria podem ser considera-
volume extracelular devido a vômitos e diarréia. das anormalidades assintomáticas, desde que não estejam
Naturalmente, os sintomas de uma IRC dependem da associadas a uma síndrome nefrítica, nefrótica, infecção
doença básica, dos hábitos alimentares e do grau de redu- urinária etc. Geralmente uma proteinúria superior a 1 gra-
ção da função renal. A retenção nitrogenada pode causar ma/dia indica um envolvimento glomerular. Proteinúria
uremia, sendo esta responsável pela presença de anorexia, inferior a 1 grama/dia sugere nefrite intersticial (pielone-
náuseas e vômitos. Há palidez amarelada da pele, decor- frite), nefroesclerose, hipercalcemia, tumor etc. Proteinú-
rente da anemia e retenção de urocromos. O volume uri- ria intensa exige uma biópsia renal para complementar a
nário é variável, podendo até haver poliúria, sendo a uri- investigação. Uma proteinúria moderada (1 a 3 gramas/
na de cor clara, com uma densidade baixa: 1,003-1,005. dia), especialmente se assintomática, poderá ser observa-
Edema, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca podem da clinicamente, sem que se faça uma biópsia renal. He-
coexistir, refletindo um distúrbio no metabolismo do só- matúria não-glomerular isolada requer investigação uro-
dio. A presença de rins pequenos e contraídos ao ultra-som lógica, para localização da origem do sangramento. Habi-
e os sinais de osteodistrofia renal são elementos indicati- tualmente, tumores, cálculos ou mesmo lesões de tubercu-
vos da cronicidade do processo (v. Cap. 37). lose podem ser responsáveis por hematúria assintomática
não-glomerular. A associação de hematúria dismórfica e
proteinúria superior a 1 grama/dia sugere uma lesão glo-
Síndrome Nefrítica Aguda merular. Uma biópsia renal poderá, então, mostrar glome-
O quadro clássico é facilmente diagnosticável por hema- rulonefrite focal proliferativa, proliferação mesangial di-
túria macroscópica, edema, hipertensão arterial e modera- fusa ou uma lesão mínima inespecífica.
da retenção nitrogenada. Estes elementos refletem um pro-
cesso inflamatório do nefro. A hematúria por si só não é Infecção Urinária
indicativa da localização do processo inflamatório, pois
pode originar-se de qualquer parte do trato urinário. No É uma das síndromes mais comuns encontradas na prá-
entanto, na presença de dismorfismo eritrocitário ou cilin- tica nefrológica. A presença de dor lombar, febre, disúria e
dros hemáticos, não resta dúvida de que o processo infla- polaciúria é indicativa de uma infecção renal. A presença
292 Avaliação Clínica e Laboratorial da Função Renal

apenas de sintomas de irritação vesical (disúria, polaciúria) a 140 mm Hg ou de uma pressão diastólica acima de 90 mm
e a ausência de febre e dor lombar refletem geralmente uma Hg. A hipertensão arterial pode ser tanto decorrente de
infecção baixa (vesical) do trato urinário. Os critérios para uma nefropatia primária, como pode causar uma nefropa-
diagnóstico de uma infecção urinária já estão atualmente tia secundária. A investigação inicial procura encontrar
bem estabelecidos: presença de mais de 100.000 colônias de causas potencialmente curáveis: estenose de artéria renal,
bactérias por ml de urina. Em mulheres com disúria, mes- feocromocitoma, ou excesso de mineralocorticóide. Quan-
mo 100 colônias/ml podem indicar infecção. O sedimento do uma causa curável não é encontrada, o que ocorre em
urinário usualmente apresenta numerosos leucócitos ou 95% dos casos, institui-se uma terapêutica médica farma-
piócitos e bacteriúria, sendo este diagnóstico facilitado com cológica e não-farmacológica a longo prazo (v. Caps. 29 e
os dados obtidos pelas tiras reagentes (Cap. 25). 41 a 43).

Obstrução do Trato Urinário Nefrolitíase


O aparecimento abrupto de anúria requer sempre a ex- É bastante freqüente o quadro de cólica nefrética secun-
clusão de uma obstrução do trato urinário. É uma das con- dária a um cálculo que obstrui o sistema coletor de urina.
siderações no diagnóstico diferencial de insuficiência renal As causas de urolitíase são múltiplas (Cap. 33) e vão des-
aguda. As obstruções unilaterais do trato urinário, freqüen- de estados hipercalcêmicos (como hiperparatireoidismo
temente por cálculos, costumam apresentar-se de uma ma- primário), estados hipercalciúricos (como hipercalciúria
neira dramática, com dor lombar tipo cólica, bastante inten- idiopática), hiperuricosúria, cistinúria, até processos infla-
sa, mas de prognóstico bom na maioria das vezes. As obs- matórios do intestino.
truções de aparecimento mais insidioso podem comprome- Uma vez reconhecida a síndrome, procede-se à avalia-
ter a parte alta ou baixa do trato urinário. Na obstrução alta, ção funcional e identificação específica da enfermidade.
o aparecimento de insuficiência renal crônica implica um com-
prometimento bilateral do trato urinário, como se verifica
numa fibrose retroperitoneal ou por tumores retroperitone- Ponto-chave:
ais. O diagnóstico é estabelecido através de ultra-som e uro- • A análise dos dados da história clínica,
grafia excretora, demonstrando dilatação do sistema coletor
exame físico e exames complementares
acima da obstrução, ou através de pielografia retrógrada. Uma
possibilita a identificação das grandes
obstrução baixa do trato urinário é habitualmente secundá-
ria a hipertrofia prostática, manifesta através de resíduo pós- síndromes nefrológicas, facilitando o
miccional, diminuição do jato urinário etc. (Cap. 34). diagnóstico de doenças específicas

Síndromes Renais Tubulares


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
As anormalidades dos túbulos renais são classicamen-
te divididas em anatômicas e funcionais. Anormalidades 1. PORTO, C.C. Sistema urinário – Exame clínico. In: _____. Semiolo-
gia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p. 667-670.
anatômicas referem-se às nefropatias císticas, rins policís- 2. BATES, B. Análise dos sintomas — O aparelho urinário. In: _____. Pro-
ticos, doença medular cística e rim espongiomedular. Ge- pedêutica Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. p. 48-53.
ralmente, o diagnóstico é estabelecido através de urogra- 3. FAIRLEY, K.F. Urinalysis. In: Johnson, R.J.; Feehaly, J. Comprehensi-
fia excretora, pielografia retrógrada ou arteriografia renal. ve Clinical Nephrology. Mosby, 2000. p. 4.1-4.10.
4. American Diabetes Association. Diabetic Nephropathy. Diabetes
As tubulopatias funcionais referem-se a anormalidades
Care, v. 25, supl. 1, p. s85-s89, jan. 2002.
nos mecanismos de secreção ou reabsorção tubular ou a um 5. SIMENHOFF, M.L. et al. Biochemical profile of uremic breath. N.
comprometimento na concentração ou diluição urinária. Engl. J. Med., 297:132, 1977.
Por exemplo, uma anormalidade na secreção de H pelo 6. DANIEL III, C. R. et al. The half and half fingernail. A clue to chro-
nic renal failure (Abstract). Clinical dialysis and transplant forum.
nefro distal (Cap. 30). Distúrbios no mecanismo de reab-
National Kidney Foundation. New York, 1975.
sorção podem causar hipouricemia, hipofosfatemia, ami- 7. National Institutes of Health. The Sixth Report of the Joint National
noacidúria ou glicosúria. São estas manifestações, como Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High
acidose, glicosúria, poliúria ou anormalidades bioquími- Blood Pressure. National Institutes of Health publication. Nov. 1997.
cas, que permitem o diagnóstico. 8. AGARWALA, B.N.; BACHA, E.; CAO, Q.L. et al. Coarctation of the
aorta. In: Rose, B.D. (Ed.) Up to Date, 2001.
9. MATALON, R. et al. Functional aortic insufficiency: a feature of re-
nal failure. N. Engl. J. Med., 285:1.522, 1971.
Hipertensão Arterial 10. BARRAT, L.J. et al. The diastolic murmur of renal failure. N. Engl. J.
Med., 295:121, 1976.
O diagnóstico baseia-se na observação, pelo menos por 11. POST, T.W.; ROSE, B.D. Urinalysis in the diagnosis of renal disea-
três vezes consecutivas, de uma pressão sistólica superior se. In: Rose, B.D. (Ed.) Up to Date, 2001.
capítulo 16 293

12. KASISKE, B.L.; KEANE, W.F. Laboratory assessment of renal dise- 28. CARAVACA, F. When is it time to initiate dialysis? 2nd International
ase: Clearance, urinalysis and renal biopsy. In: Brenner, B.; Rector, Congress of Nephrology in Internet (2001). www.uninet.edu/cin2001
F. (eds). The Kidney. Saunders, 2000, p. 1129-1170. 29. CHURCHILL, D.N.; BLAKE, P.G.; JINDAL, K.K. et al. Clinical practice
13. ARRAMBIDE, K. e TOTO, R.D. Tumor lysis syndrome. Sem. Nephrol, guidelines for initiation of dialysis (Canadian Society of Nephrology).
13:273-280, 1993. Journal of the American Society of Nephrology, v. 10, suppl. 13, jun. 1999.
14. ROSE, B.D. Evaluation of isolated proteinuria. In: Rose, B.D. (ed.) 30. GLASSOCK, R.J. Progressive renal disease. Mechanisms, assess-
Up to Date, 2001. ment and treatment. Best Practice of Medicine, jul. 1999. http://
15. ROSE, B.D. Measurement of urinary protein excretion. In: Rose, B.D. merck.praxis.md/bpm/np/rd
(ed.) Up to Date, 2001. 31. K-DOQI Clinical practice guidelines for chronic kidney disease: eva-
16. ROSE, B.D.; McCULLOCH, D.K. Microalbuminuria in diabetic ne- luation, classification, and stratification. American Journal of Kidney
phropathy and as a risk factor for cardiovascular disease. In: Rose, Diseases, v. 39, suppl. 1, p. 1-246, feb. 2002.
B.D. (ed.) Up to Date, 2001. 32. COLL, E.; BOTEY, A.; ALVAREZ, L. et al. Serum cystatin C as a new
17. BURTON, J.R. e ROWE, J.W. Quantitation of casts in urine sediment. marker for noninvasive estimation of glomerular filtration rate and
Ann. Int. Med., 83:518, 1975. as a marker for early renal impairment. American Journal of Kidney
18. POST, T.W.; ROSE, B.D. Assessment of renal function: plasma Diseases, v. 36, n. 1, jul. 2000.
creatinine; BUN; and GFR. In: Rose, B.D. (ed.) Up to Date, 2001. 33. FLISER, D.; FRANEK, E.; JOEST, M. et al. Renal function in the
19. ROSE, B.D. Drugs that elevate the plasma creatinine concentration. elderly: impact of hypertension and cardiac function. Kidney Int., v.
In: Rose, B.D. (ed.) Up to Date, 2001. 51, n. 4, p. 1196-1204, apr. 1997.
20. KASSIRER. J.P. Clinical evaluation of kidney function-glomerular 34. FLISER, D.; FRANEK, E.; RITZ, E. Renal function in the elderly – is
filtration. N. Engl. J. Med., 285:385, 1971. the dogma of inexorable decline of renal function correct? Nephrol.
21. COCKCROFT, D.W. e GAULT, M.H. Prediction of creatinine clea- Dial. Transplant., v. 12, p. 1553-1555, 1997.
rance from serum creatinine. Nephron, 16:31, 1976. 35. RAVEL, R. Urinalysis and renal disease. In: _____. Clinical Labora-
22. SINGER, M.A. Of mice and men and elephants: metabolic rate sets tory Medicine, p. 147-166, Mosby-Year Book, 1995.
glomerular filtration rate. American Journal of Kidney Diseases, v. 37, 36. RAVEL, R. Renal function tests. In: _____. Clinical Laboratory Medi-
n. 1, p. 164-178, jan. 2001. cine, p. 166-178, Mosby-Year Book, 1995.
23. TURNER, S.T.; REILLY, S.L. Fallacy of indexing renal and systemic 37. WRONG, O.; DAVIES, H.E.F. The excretion of acid in renal disease.
hemodynamic measurements for body surface area. Am. J. Physiol., Quart. J. Med., 28(110):259, 1959.
v. 268, n. 4, part 2, p. 978-988, 1995. 38. MALNIC, G.; MARCONDES, M. Fisiologia Renal. São Paulo, Edart,
24. PACHALY, J.R.; BRITO, H.F.V. Interspecific allometric scaling. In: Livraria Editora Ltda., 1972. Terceira parte, p. 125.
Fowler, M.E.; Cubas, Z.S. (eds). Biology, Medicine and Surgery of South 39. STRIKER, G.E. et al. Use and interpretation of renal biopsy. In: Ma-
American Wild Animals. Iowa State University Press, 2001, p. 475-481. jor Problems in Pathology. W.B. Saunders, 1978. V. 8.
25. FEINFELD, D.A.; KELLER, S.; SOMER, B. et al. Serum creatinine and 40. MARWAH, D.; KORBET, S. Timing of complications in percuta-
blood urea nitrogen over a six-year period in the very old. Creatinine neous renal biopsy: what is the optimal period of observation. JASN,
and BUN in the very old. Geriatric Nephrology and Urology, v. 8, n. 3, 6:427, 1995.
p. 131-135, mar. 1998. 41. BLACK, D. Renal Disease. London, 3.ª edição, Blackwell, 1972.
26. ROSE, B.D. Calculation of the creatinine clearance. In: Rose, B.D. (ed.) 42. COE, F.L. The clinical and laboratory assessment of the patient with
Up to Date, 2001. renal disease. In: The Kidney. Eds. B.M. Brenner e F.C. Rector Jr., W.B.
27. CARAVACA, F.; ARROBAS, M.; PIZARRO, J.L. et al. Uraemic symp- Saunders Co., 1986. Cap. 18, p. 703.
toms, nutritional status and renal function in predialysis end-stage 43. PAPPER, S. Clinical Nephrology, 2.ª edição, Little Brown and Co., 1978.
renal failure patients. Nephrol. Dial. Transplant., v. 16, p. 776-782, 2001. Cap. 2, p. 91.
Capítulo
Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

17
I. INTRODUÇÃO AOS MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO POR IMAGEM DA DOENÇA RENAL
Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki

Na primavera de 1896, John Macintyre realizou a pri- Atualmente todos os estudos e pesquisas atuam no sen-
meira imagem de um cálculo renal com um exame novo tido da caracterização da doença, que depende do prin-
na medicina chamado de radiografia. Entretanto, foi de cípio de maximizar a diferença entre os sinais, densida-
aproximadamente 12 minutos para a exposição do paciente des, imagens ou realces obtidos de tecidos doentes e sa-
aos raios X naquele dia em Glasgow, e o resultado, com dios.
subseqüente cirurgia de remoção do cálculo, foi somente Neste capítulo poder-se-ão, de maneira didática, corre-
o começo de um século que trouxe avanços enormes no lacionar os diversos métodos de diagnóstico por imagem
campo da nefrourologia e da radiologia. que auxiliam no diagnóstico das doenças renais. A seguir
Howard Pollack dividiu o último século em três fases: exemplificamos os exames por imagem de escolha nas
1. pré-urográfica — antes do uso de contrastes radiopacos doenças renais:
iodados; 2. urográfica – do uso de iodeto de sódio até os
modernos meios de contraste de baixa osmolaridade, não-
iônicos e solúveis em água; 3. pós-urográfica — da urogra- DOENÇA EXAME DE ESCOLHA
fia intravenosa até as técnicas de imagem seccionais: ultra- Insuficiência renal
sonografia (ecografia), tomografia computadorizada, ima- (de causa desconhecida) Ultra-sonografia (US)
gem por ressonância magnética e medicina nuclear. Hematúria US ⫹ RX simples,
De acordo com esta classificação, o conhecimento mé- urografia excretora
dico progrediu mais nos últimos 50 anos do que nos 2000 Síndrome nefrótica/ US
anos precedentes. Isto foi devido a uma grande aceleração proteinúria
da pesquisa em todas as áreas, a qual tem levado à chama- Hipertensão US ⫹ Doppler
da era científica da medicina. Todos os ramos da medici- Infarto renal Tomografia
na progrediram imensamente; entretanto, nenhuma área computadorizada (TC)
da medicina aplicada diretamente ao paciente destacou-se Hidronefrose Urografia (se função
tanto quanto o diagnóstico por imagem. (diagnosticada por US) renal preservada),
Uma sucessão de desenvolvimentos, incluindo angio- cintilografia com
grafia e medicina nuclear nos anos 50 e 60, ultra-sonogra- tecnécio 99
fia (US) e tomografia computadorizada (TC) nos anos 70 e Cisto renal (detectado TC com contraste em
ressonância magnética (RM) e radiologia intervencionista por US) cistos complexos
nos anos 80, marcaram esta área da medicina. Massa renal TC ou imagem por
A descoberta da tomografia computadorizada, no come- ressonância magnética
ço dos anos 70, é tida como a mais revolucionária, porque Cálculo Urografia e TC sem
estabeleceu uma ligação entre a radiologia convencional e contraste (atual
o computador, chegando assim à US, à RM e à tomografia padrão-ouro)
por emissão de pósitrons (PET).
capítulo 17 295

McCLENNAN, B.L. Syllabus: A Categorical Course in Genitourinary Radio-


BIBLIOGRAFIA SELECIONADA logy. RSNA, 1994.
FRIEDENBERG, R.M. The future of medicine and radiology: Part I. Radi-
KEOGAN, M.T. AND EDELMAN, R.R. Technologic advances in abdo- ology 1999, 212:301-304.
minal MR imaging. Radiology 2001, 220:310-320. FRIEDENBERG, R.M. The future of medicine and radiology: Part II. Ra-
MARGULIS, A.R. AND SUNSHINE, J.H. Radiology at the turn of the diology 1999, 213:3-5.
millennium. Radiology 2000, 214:15-23.

II. RADIOLOGIA DO APARELHO URINÁRIO NO ADULTO


Carlos Jader Feldman, Mariangela M. Cosner e Flávio M. Barbosa

INTRODUÇÃO PIELONEFRITE CRÔNICA


MANEIRAS DE INVESTIGAR PIELONEFRITE XANTOGRANULOMATOSA
Radiografia simples do abdome TUBERCULOSE RENAL
Urografia PAPILITE NECROSANTE
Fisiologia do contraste RIM E SIDA
Nefrotomografia MASSA EXPANSIVA RENAL
Pielografia ascendente Radiografia simples de abdome
Pielografia anterógrada Urografia excretora
Tomografia computadorizada (TC) Tomografia computadorizada
Angiografia Ultra-sonografia
Ressonância magnética Ressonância magnética
Ultra-sonografia Angiografia
ANATOMIA RADIOLÓGICA HIPERTENSÃO ARTERIAL RENOVASCULAR
RADIOLOGIA DA LITÍASE URINÁRIA Métodos de investigação
Radiografia simples e tomografia linear Urografia excretora
Urografia excretora Arteriografia convencional ou digital
Ultra-som Tomografia computadorizada
Tomografia computadorizada (TC) Ressonância magnética
Ressonância magnética (RM) Renina
INFECÇÃO URINÁRIA Angioplastia de artéria renal
PIELONEFRITE AGUDA INSUFICIÊNCIA RENAL
Urografia excretora TROMBOSE DE VEIA RENAL
Tomografia computadorizada TRANSPLANTE RENAL
Ultra-sonografia BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Ressonância magnética ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
PIELONEFRITE ENFISEMATOSA

Também no terreno terapêutico o uso dos stents mu-


INTRODUÇÃO dou a história evolutiva da estenose osteal da artéria re-
nal.
A evolução dos métodos de imagem tem sido constan- Por tais aspectos, este capítulo procura trazer os elemen-
te, tanto no que se refere aos já existentes, como às novas tos desta transformação da radiologia no campo do apa-
técnicas em tomografia e ressonância. relho urinário.
296 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

Consiste a urografia excretora na opacificação do parên-


MANEIRAS DE INVESTIGAR quima renal, sistema pielocalicial, ureteres e bexiga, por
injeção, usualmente endovenosa, de contraste iodado.
Radiografia Simples do Abdome O paciente deve receber, do médico que solicitou o exa-
me ou do radiologista, informações sobre o tipo de inves-
A radiografia simples do abdome é o ponto de partida tigação que se vai realizar, duração e finalidade desta. É
da maioria dos estudos do aparelho urinário (Fig. 17.II.1). ponto pacífico que a maioria das reações vagais durante o
Cabe ressaltar que na insuficiência renal, no diagnóstico de procedimento pode ser eliminada por um bom preparo
massas renais, em alguns casos de cólicas nefréticas, a ul- psicológico, diminuindo as ansiedades do paciente. A tran-
tra-sonografia pode ser o primeiro exame de imagem a ser qüilidade do radiologista, do pessoal auxiliar e as condi-
realizado antes do estudo contrastado (urografia excre- ções da sala de raios X também representam fator impor-
tória). tante durante o exame.
No exame simples em que há limpeza intestinal, os rins, Serão dadas instruções relativas à alimentação e à res-
a bexiga e os músculos psoas são visibilizados graças à trição líquida num período de 12 a 16 h antes do exame.
camada de tecido adiposo que os circunda. Torna-se difí- Na insuficiência renal, mieloma múltiplo e nas emergên-
cil ou impossível a visualização dessas estruturas na pre- cias, não é feita restrição de líquidos.
sença de pouco tecido adiposo, nas infiltrações deste e em À radiografia simples, segue-se a injeção de contraste no
pacientes com gases intestinais e resíduos fecais. A radio- menor tempo possível, para o que se usam agulhas cali-
grafia simples muitas vezes permite avaliar a forma, a si- brosas. Obtém-se filme de 1 min após a injeção, no qual se
tuação e as dimensões renais, avaliar cálculos calcários, pode verificar a densidade do efeito nefrográfico e os con-
calcificações renais e extra-renais. tornos renais.
Também são analisadas outras estruturas abdominais Na seqüência, um filme de 5 min é realizado para se
e ósseas na radiografia simples. O exame simples do apa- observar a excreção bilateral do contraste, avaliando-se o
relho urinário pode constituir-se em exame independen- grau de opacificação das cavidades coletoras — é a chama-
te, no acompanhamento da migração de cálculos do apa- da radiografia funcional (Fig. 17.II.2).
relho urinário radiopacos e na avaliação dos resultados da Uma vez começada a eliminação renal do contraste, a
litotripsia. compressão abdominal é realizada ao nível das cristas ilí-
acas, com a finalidade de distender as cavidades pielocali-
Urografia ciais. São obtidos filmes focados dos rins em número vari-
ável segundo o caso em exame. Também o tempo da com-
Dos procedimentos médicos não-invasivos, a urografia pressão dependerá da patologia estudada — em pacien-
excretora é o mais importante nos adultos, enquanto a ure- tes suspeitos de tuberculose renal, poderá prolongar-se por
trocistografia miccional o é na criança (v. Cap. 19). até 45 min para que se opacifiquem eventuais cavidades

Fig. 17.II.1 A, Radiografia simples do abdome. Os contornos dos rins e dos músculos psoas estão satisfatoriamente identificados. B,
Demonstração esquemática dos rins e de suas relações anatômicas.
capítulo 17 297

O exame completa-se com radiografias, em várias


incidências, da bexiga urinária.

FISIOLOGIA DO CONTRASTE
A urografia excretora visa à avaliação do parênquima
renal e das cavidades coletoras. A qualidade do exame de-
pende da concentração do contraste no sistema pielocali-
cial, da distensão deste, bem como da densidade do efeito
nefrográfico.
Dá-se o nome de efeito nefrográfico ao acúmulo de con-
traste nos túbulos com densa opacificação do parênquima
renal.
O contraste injetado é eliminado pelos rins por filtração
glomerular, não havendo absorção ou excreção pelos tú-
bulos. Este fato possibilita admitir que, em todas as ocasi-
ões em que se desejar aumentar sua concentração no fil-
trado glomerular, devem-se injetar maiores doses de subs-
tância de contraste. O filtrado glomerular sofre um proces-
Fig. 17.II.2 Radiografia obtida 5 min após a injeção rápida de 40 so de concentração no túbulo proximal por reabsorção de
ml de contraste. O parênquima renal está bem opacificado (efei-
to nefrográfico). Já existe certo grau de excreção de contraste
água (80 a 90%), independente do grau de hidratação do
opacificando as cavidades coletoras e os ureteres — radiografia paciente.
funcional. No túbulo distal são reabsorvidos os 10 a 20% restantes
de água, regulados pelos níveis plasmáticos de hormônio
antidiurético (ver capítulo correspondente). Nas pessoas
que efetuam restrição de líquidos, os níveis sangüíneos
parenquimatosas. Alguns pacientes não suportam o des-
desses hormônios elevam-se, determinando maior reabsor-
conforto da compressão abdominal; entretanto, é um pro-
ção de água e, conseqüentemente, aumento da concentra-
cedimento que permite demonstrar, com precisão, a ana-
ção do contraste. A velocidade da injeção também afeta a
tomia do sistema pielocalicial. Não será realizada nas emer-
concentração. Uma dose injetada em 15 minutos atingirá
gências, na gravidez e na minoria dos tumores abdominais.
uma concentração menor do que quando administrada em
Os ureteres são estudados por filmes obtidos rapida-
1 minuto.
mente após a descompressão abdominal (Fig. 17.II.3).
Os contrastes iodados usados na urografia excretória
podem provocar vários tipos de reações, desde urticária,
hipotensão arterial, edema de laringe ou angioneurótico,
estado asmatiforme até o choque anafilático com morte do
paciente. Na experiência de Witten e col., a mortalidade
estaria numa proporção de três pacientes em cem mil, o que
é expressivo. Segundo outros autores, a mortalidade esta-
ria na proporção de um em dezessete mil para um em se-
tenta e cinco mil pacientes.
Os contrastes iodados usados na urografia excretora são
iônicos e não-iônicos. A incidência de reações seria atenu-
ada pelo uso de contrastes não-iônicos. Entretanto, a redu-
ção de reações mais graves com estes contrastes em rela-
ção aos iônicos não está ainda bem estabelecida.
O uso de pré-medicação nos exames contrastados endo-
venosos do aparelho urinário também diminuiria o núme-
ro de pacientes com reações ao contraste. Os medicamen-
tos usualmente usados nesta eventualidade são o Teldane
e o Tagamet.

Fig. 17.II.3 Radiografia obtida após a descompressão abdominal. Nefrotomografia


O efeito nefrográfico não mais é identificado. Há completa opa-
cificação dos cálices, bacinetes e ureteres, bem como da bexiga A nefrotomografia é um procedimento que cada vez
— radiografia anatômica. mais se incorpora à rotina da urografia excretora, como já
298 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

foi mencionado anteriormente. Consiste no uso da tomo- Tomografia Computadorizada (TC)


grafia durante a fase de efeito nefrográfico, o que permite
melhor juízo das dimensões e contornos renais, bem como A TC é um exame relativamente fácil de realizar, segu-
das alterações intraparenquimatosas. Entre as situações em ro, rápido e de grande valor para diagnóstico de grande
que está indicada, destacam-se: parte das doenças renais.
Pode-se avaliar a extensão de tumores renais bem como
(a) pacientes com gases e fezes no intestino;
a presença de metástases. É necessário o uso de contraste
(b) insuficiência renal;
EV para a maioria dos exames.
(c) massas expansivas renais.
Com a introdução dos tomógrafos helicoidais os exames
ficaram mais rápidos, sendo menor a quantidade de con-
Pielografia Ascendente traste necessária. Com esta modalidade realiza-se a
“Angio-CT,” permitindo a fácil demonstração da aorta e
Neste exame a opacificação dos ureteres e cavidades das artérias renais (Fig. 17.II.5).
pielocaliciais é feita por cateterismo ureteral, após cistos- Pelas diferenças de densidade pode-se diferenciar um
copia. O procedimento seria melhor chamado de uretero- parênquima renal normal de outro com lesão. Normal-
pielografia ascendente e exige a participação do radiolo- mente o valor de atenuação do parênquima, sem injeção
gista e do urologista. É um exame invasivo, atualmente de contraste, situa-se entre 30 e 50 UH (unidades Housfi-
pouco usado com o advento das novas técnicas de imagem. eld). As lesões com valor maior serão denominadas de hi-
Contudo, pode ser uma técnica útil no diagnóstico, quan- peratenuação, como na maioria dos tumores ou nos cálcu-
do há repleção inadequada do sistema pielocalicial, parti- los. As lesões de hipoatenuação, cujos valores são mais
cularmente na suspeita dos tumores uroteliais e na melhor baixos, acontecem, por exemplo, nos cistos não complica-
avaliação das patologias ureterais (Fig. 17.II.4). dos (Fig. 17.II.6).

Pielografia Anterógrada Angiografia


Consiste na opacificação das cavidades coletoras após Ocorreu um declínio na utilização da angiografia para
punção percutânea destas sob controle fluoroscópico ou a investigação das lesões renais, em face do aparecimento
ultra-sonográfico e é usada principalmente nas uropatias de novos métodos e do aperfeiçoamento dos antigos.
obstrutivas para verificar o local e eventualmente a causa Cabe salientar, no entanto, que o uso da angiografia
da obstrução. É uma alternativa menos agressiva que a digital melhorou a qualidade da imagem, diminuiu a quan-
ureteropielografia retrógrada e pode ser seguida da colo- tidade de contraste usado bem como abreviou a duração
cação de um tubo de nefrostomia ou um cateter ureteral. dos exames. Também se reduziu o diâmetro dos cateteres
e guias, com o que a expectativa de complicações ficou
extremamente reduzida.

Fig. 17.II.4 Pielografia ascendente mostrando cálculos radiolucen-


tes determinando defeitos de enchimento nos cálices inferiores e Fig. 17.II.5 Angio-TC espiral mostrando lesão proximal bilateral
na pelve renal. em paciente com hipertensão arterial grave.
capítulo 17 299

substâncias de contraste como o gadolínio DTPA, que in-


tensifica as imagens de determinadas estruturas em órgãos.
A ressonância magnética, além de ser uma técnica não-
invasiva que não usa radiação ionizante, permite a obten-
ção de imagens nos três planos ortogonais (transverso,
sagital e coronal).
Do ponto de vista prático, a ressonância magnética é
uma técnica que apenas em algumas situações oferece van-
tagens diagnósticas em nefrologia, em relação à tomogra-
fia computadorizada.

Ultra-sonografia
A ultra-sonografia é um procedimento de imagem de
grande valia no diagnóstico de patologias renais e será
avaliado em capítulo independente deste livro.

Fig. 17.II.6 Tomografia computadorizada (TC) mostrando área


de hipoatenuação nítida, no pólo inferior do rim direito, corres- ANATOMIA RADIOLÓGICA
pondendo a cisto renal.
O grande interesse que o radiologista guarda pela ana-
tomia — e pelas repercussões da fisiologia nesta — são
A angiografia é, portanto, hoje mais segura e continua facilmente compreensíveis. Nos rins, as pequenas variações
com algumas indicações precisas, como as atitudes tera- na forma de um cálice podem levar a um diagnóstico defi-
pêuticas, na embolização pré-operatória de tumores, na nitivo; para tanto, é indispensável o perfeito conhecimen-
embolização de sangramentos e na angioplastia dos casos to do normal.
de hipertensão renovascular. O eixo longitudinal dos rins situa-se de dentro para fora
A angiografia nos casos de hematúria em que os demais e de trás para diante. Quando o eixo se orientar medialmen-
exames são normais é de pouco valor, sendo normal na te (pólos inferiores mais próximos da coluna), rins em fer-
maioria. Deve sempre ser realizado o exame seletivo de radura devem ser suspeitados.
cada rim na busca de pequenos tumores ou malformações O rim direito é normalmente menor que o esquerdo e
vasculares. tem situação mais caudal. O inverso, no entanto, pode ocor-
Nas hematúrias conseqüentes a traumas ou biopsias- rer, isto é, o rim D mais cranial, o que não significa patolo-
diagnósticas pode-se realizar a embolização através do gia.
cateter. Procura-se seletivar o cateter na intenção de pre- Deslocamentos dos rins de até 3 cm podem ser deter-
servar a maior porção possível do parênquima. A emboli- minados por variações da fase respiratória.
zação é realizada com partículas reabsorvíveis (Gelfoam) Diâmetro longitudinal do rim é a distância medida en-
ou com material permanente. tre o pólo superior e o inferior; o transversal é a medida
Também a angiografia pode ser útil no diagnóstico di- entre os contornos medial e lateral, na porção média do
ferencial entre pequenos cistos renais complicados e peque- órgão (Fig. 17.II.7). O diâmetro longitudinal é o mais usa-
nos tumores. Nos tumores veremos revascularização au- do, e os valores médios (cm) estão descritos na tabela de
mentada. Moëll:

Homens Mulheres
Ressonância Magnética Rim D 12,9 (0,80) ⫻ 6,3 (0,45) 12,3 (0,79) ⫻ 5,7 (0,46)
A ressonância magnética é um procedimento de ima- Rim E 13,3 (0,49) ⫻ 6,3 (0,49) 12,6 (0,77) ⫻ 5,9 (0,42)
gem que requer poderoso e amplo magneto que possa con-
ter o paciente no seu interior. O método baseia-se no fato Uma série de fatores altera as dimensões renais. O en-
do magneto produzir ondas de radiofreqüência que ali- velhecimento, por exemplo, determina a diminuição pro-
nham e desalinham os prótons dos núcleos de hidrogênio gressiva dos rins. Também a hipotensão arterial, por de-
existentes no corpo humano. Isto se traduz através do créscimo da perfusão, pode acarretar acentuada redução
computador em imagens dos órgãos que podem ser vistas de suas dimensões.
num monitor de TV e registradas em fita magnética e fil- A diferença no diâmetro longitudinal entre os rins fa-
mes. A ressonância magnética também permite o uso de vorece o esquerdo, que pode ser de 1 a 1,5 cm maior. Um
300 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

mal. Quando há redução na quantidade de tecido papilar,


ou quando ocorre distensão volumétrica do cálice, o ângulo
do fórnix alarga-se. A distância entre o ápice da papila e a
margem externa do rim é a substância parenquimatosa
renal, constituída de cortical e medular. O parênquima é
maior nos pólos — em torno de 3 cm — e menor na porção
média — em torno de 2,5 cm (Fig. 17.II.7).
Os rins podem normalmente sofrer compressão do baço
e fígado, o que não deve ser confundido com patologia.
Anomalias de rotação renal determinam aparente alteração
das dimensões e da forma deste órgão na urografia excretória.

RADIOLOGIA DA LITÍASE
URINÁRIA
Fig. 17.II.7 Esquema demonstrativo das dimensões renais.
Continua sendo um capítulo importante na Radiologia
a investigação diagnóstica ou o estudo evolutivo dos pa-
cientes com cálculos urinários.
rim com duplicidade pielocalicial sempre tem dimensões
Toda interrupção ao fluxo de urina pelos ureteres acar-
maiores.
reta alterações anatômicas e funcionais que dependerão do
Os contornos renais são lisos, podendo persistir no adul-
grau de obstrução, do tempo de duração e da distância
to as primeiras lobulações fetais. Nestas, o entalhe situa-
entre o fator oclusivo ureteral e o rim.
se entre dois cálices, que apresentam morfologia normal,
A causa mais freqüente da obstrução aguda ureteral é a
ao passo que, na pielonefrite ou infarto, há redução do pa-
litíase. O aumento de volume que ocorre no rim é devido
rênquima na zona da cicatriz, que é oposta ao cálice (Fig.
à passagem do líquido (urina) para o interstício e dilata-
17.II.8).
ção dos túbulos, particularmente os distais.
Os pequenos cálices recebem de uma a três papilas e re-
A repercussão anatômica renal mais dramática que ocor-
únem-se, formando os grandes cálices, distribuídos em três
re na uropatia obstrutiva crônica é a redução da substân-
grupos: o superior, o médio e o inferior. A reunião destes
cia parenquimatosa, que diminui, em alguns casos, a uma
forma o bacinete ou pelve renal, que se continua pelo ure-
camada de 2 ou 3 mm. Os cálices dilatados comprimem as
ter. Os cálices distribuem-se em dois grupos: os ventrais,
estruturas vasculares, determinando isquemia e conse-
que são laterais, e os dorsais, projetados medialmente.
qüente atrofia. O contorno renal não se altera, ao contrário
Na base do cálice encontra-se a papila, formando um
do que ocorre na pielonefrite crônica, onde os rins são ir-
ângulo agudo com aquele; é o chamado fórnix. Este per-
regulares pela presença de cicatrizes no parênquima.
manece agudo enquanto o volume do tecido papilar é nor-
Na uropatia obstrutiva, o rim pode estar aumentado de
volume, mesmo com marcada atrofia parenquimatosa.
Ocorre, entretanto, numa fase mais tardia, diminuição de
tamanho, particularmente se o processo obstrutivo teve seu
início no período de crescimento. Hodson e Craven (1966)
estudaram a atrofia pós-obstrutiva, onde os rins, diminu-
ídos de volume, com redução de parênquima e alterações
mínimas nos cálices e papilas, conservam satisfatória fun-
ção renal.
O estudo por imagem desta patologia é hoje realizado
tanto para ajudar na decisão do tratamento a seguir — clí-
nico ou intervencionista — como para a escolha do méto-
do de intervenção, quando existe indicação.
Para o radiologista é importante a escolha ou indicação
Fig. 17.II.8 Esquema dos contornos renais. A, Normal; os deta- do método menos agressivo e com maior potencial diag-
lhes anatômicos, quando presentes, localizam-se entre dois cáli- nóstico. As opções para tratamento mudaram nos últimos
ces e na união dos pólos superior e inferior com o terço médio. B,
Infarto renal; entalhe no contorno oposto ao cálice normal. C,
anos, especialmente com o surgimento da litotripsia extra-
Pielonefrite; as retrações do contorno são opostas ao cálice defor- corpórea, e com isto uma valorização diferente dos méto-
mado. dos diagnósticos disponíveis deve ser feita.
capítulo 17 301

Pontos-chave:
Exames úteis
• Radiografia simples
• Ecografia
• Tomografia computadorizada
• Ressonância magnética

Radiografia Simples e Tomografia Linear


A denominação de nefrolitíase refere-se à formação de
cálculos nos cálices e bacinetes. Nefrocalcinose é a deposi-
ção calcária no parênquima renal.

Pontos-chave: Fig. 17.II.9 Radiografia simples dos rins — cálculo coraliforme


modelado pelo sistema coletor do rim direito.
• Nefrolitíase: cálculo em cálices e bacinetes
• Nefrocalcinose: cálcio no parênquima renal

A formação de cálculos pode estar relacionada a distúr-


bios metabólicos endócrinos, alterações no hábito alimen-
tar ou depleção cálcica por destruição óssea (v. Cap. 23 para
maiores detalhes).
A radiografia permite a identificação dos cálculos radi-
opacos (oxalato de cálcio, fosfato de cálcio) no clichê sim-
ples. Os cálculos de ácido úrico, cistina e xantina, de baixa
densidade, usualmente não são identificados na radiogra-
fia simples e sim nos filmes contrastados, pelo defeito de
enchimento que acarretam. Constituem os cálculos radio-
transparentes uma porcentagem de aproximadamente 10%
(Fig. 17.II.4).
Denominam-se cálculos coraliformes aqueles que ocu-
pam as cavidades do bacinete e cálices, assumindo a for-
ma anatômica destas estruturas. Fig. 17.II.10 Rim espongiomedular, aumento de volume do rim.
Na hipercalciúria decorrente do hiperparatireoidismo, Os cálices estão aumentados ao nível da papila. Dilatação cística
sarcoidose e doença de Cushing, os cálculos tendem a for- dos túbulos coletores.
mar-se nos túbulos e cálices. Não são freqüentes, nestas
entidades, cálculos coraliformes.
Na hipercalciúria idiopática, acidose tubular renal dis-
tal e em alguns tipos de hipercalcemia, os cálculos formam- Pode-se determinar a localização, o tamanho e o núme-
se, principalmente, nos cálices e a forma coraliforme é fre- ro dos cálculos. Para separar as calcificações extra-renais,
qüente (Fig. 17.II.9). poderemos acrescentar as radiografias em expiração e ins-
A nefrocalcinose tem como causas mais freqüentes as piração, bem como o filme ascendente ou a tomografia (Fig.
seguintes situações: hiperparatireoidismo, acidose tubular 17.II.11). Quando a calcificação muda de posição, não
renal distal sarcoidose e glomerulonefrite crônica. Uma ou- acompanhando o movimento dos rins, ela é considerada
tra causa é o rim espongiomedular. Nesta entidade existe como estando fora do aparelho urinário.
dilatação congênita dos túbulos coletores, que podem ou O exame simples também serve para diagnosticar algu-
não conter depósitos de cálcio no seu interior. Na urogra- mas anomalias associadas, como por exemplo a escoliose,
fia excretória, os rins estão aumentados de volume, os cá- e pode contribuir para a escolha da terapêutica.
lices são alargados, e os ductos coletores dilatados assu- O controle pós-intervenção (litotripsia) é feito com RX
mem, às vezes, a forma cística (Fig. 17.II.10). simples, observando-se a fragmentação ocorrida e os cál-
Uma vez que apenas 10% dos cálculos urinários não são culos residuais.
radiopacos, pode-se inferir que o exame simples de abdo- A tomografia simples é importante na demonstração dos
me é muito importante para o diagnóstico. cálculos urinários, especialmente nos pacientes em que a
302 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

Fig. 17.II.11 Nefrotomografia evidenciando cálculo renal no pólo superior. A fase seguinte da urografia mostra que o cálculo situa-
se em divertículo calicial.

presença de resíduos intestinais interfere com a visibiliza- Urografia Excretora


ção do aparelho urinário. O método permite identificar
cálculos de até 1 mm de diâmetro. É mais eficiente que o A urografia excretora continua sendo um valioso pro-
ultra-som para os cálculos pequenos. cedimento na investigação dos pacientes com cálculos. Em-
capítulo 17 303

bora muitas das suas indicações tenham sido substituídas cálculo de um flebólito na pelve. Ainda que os flebólitos
pelo ultra-som, ela fornece, junto com o RX simples, a costumem ser arredondados e ter centro menos denso, eles
maioria das informações necessárias para o planejamento podem ser indistinguíveis de cálculos.
da conduta a ser adotada. É lógico que sua utilização fica A urografia permite, ao lado do entendimento da ana-
prejudicada quando existe história de alergia grave ao con- tomia calicial, a localização do cálculo no cálice. Sabendo-
traste, insuficiência renal ou nas grávidas. se da inclinação dorsal do rim, localizaremos os cálices
anteriores mais lateralmente que os posteriores, sendo que
Pontos-chave: estes são vistos mais de face e os anteriores em perfil.
A anatomia calicial é importante ao se considerar a te-
Contra-indicações da urografia rapêutica pelas ondas de choque. Os cálculos do pólo su-
• Alergia ao contraste perior, por exemplo, são difíceis de manipular pelas téc-
• Insuficiência renal nicas percutâneas. Existindo dilatação piélica ou estreita-
• Gravidez mento dos infundíbulos, as ondas de choque têm menos
sucesso, uma vez que os cálculos fragmentados podem fi-
Através da urografia podemos localizar um cálculo no car retidos nestas áreas. Também é significativo o conhe-
sistema pielocalicial ou no ureter, bem como seu tamanho. cimento de estenoses na junção pielocalicial ou o tamanho
Quando o ureter está obstruído haverá um nefrograma e a forma da pelve.
persistente, também chamado de nefrograma ou efeito No que se refere ao ureter, a urografia possibilita o diag-
nefrográfico obstrutivo, bem como uma contrastação tar- nóstico de anomalias associadas, como o ureter retrocava
dia do aparelho excretor (Fig. 17.II.12). Com um exame bem ou a ectopia cruzada. Também outros processos importan-
conduzido, esperando o tempo necessário, podemos, na tes, como a fibrose retroperitoneal, os tumores renais ou
maioria dos casos, apontar o local exato da obstrução. Ao abdominais e os ureteres tortuosos por lesões antigas ou
lado destes sinais sempre se encontra alguma dilatação crescimento de próstata, podem ser evidenciados.
pielocalicial e do ureter, proporcionais ao grau da obstru- Na urografia, mesmo sem compressão ureteral, como se
ção, bem como a presença de reabsorção no sistema cole- faz nos casos agudos, é possível exata noção do estado do
tor, pelo refluxo pielovenoso, pielossinusal ou pielolinfá- outro rim.
tico. Não podemos esquecer que mesmo após ser eliminado
o cálculo pode ficar um edema ureteral, pelo traumatismo
É importante lembrar que estes sinais são mais sutis
produzido, e o exame urográfico apresentar sinais obstru-
quando o grau de obstrução é mais leve, ou menos agudo.
tivos.
Os locais mais comuns de obstrução ureteral são a jun-
ção pielocalicial, o cruzamento dos vasos ilíacos e a junção
uretero-vesical. Por vezes é muito difícil diferenciar um Ultra-Sonografia
Independente da composição química, os cálculos apa-
recem ecogênicos e produzem sombra acústica posterior.
Pequenos cálculos (menos de 5 mm de diâmetro) podem
não ser vistos ou podem ser perdidos dentro do seio renal
normalmente ecogênico. Cálculos situados medialmente
na pelve renal podem ser obscurecidos pelo processo trans-
verso do corpo vertebral adjacente.
Na uropatia obstrutiva o ultra-som demonstra hidrone-
frose ou mesmo o próprio cálculo, porém cálculos obstru-
tivos são mais comumente localizados nas junções uretero-
pélvicas ou uretero-vesicais e o acesso destes dois locais
pelo ultra-som requer experiência e habilidade.
É importante lembrar que o uso do ultra-som no diag-
nóstico de cálculo renal pode ser confundido quando hou-
ver obstrução sem hidronefrose. Por exemplo, hidronefrose
pode estar ausente se a obstrução é parcial ou houver rup-
tura do fórnice, resultando em descompressão urinária.
Assim, achados por ultra-som negativos, na presença de
sintomas clínicos que sugerem obstrução calculosa, não
Fig. 17.II.12 Obstrução aguda do ureter terminal esquerdo por deveriam afastar avaliação posterior com urografia excre-
cálculo. Aumento de volume renal com efeito nefrográfico pro- tória. O ultra-som pode ser útil na detecção concomitante
longado. Rim, bacinete e ureter direitos normais. de pionefrose.
304 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

Tomografia Computadorizada (TC) urinário. Isso pode ser feito com e sem a administração de
meio de contraste paramagnético, tendo o último método
resultados mais satisfatórios até o presente momento.
Ponto-chave:
Quando comparada à urografia convencional, a urogra-
• TC sem contraste é o melhor método de fia por RM demonstrou uma sensibilidade superior a 96%
investigação na cólica renal e especificidade de 100% na detecção de cálculos ureterais,
em um estudo.
A tomografia computadorizada sem contraste é atual- A possibilidade de substituir-se a urografia convencio-
mente o melhor método para o diagnóstico da litíase nas nal por aquela por RM pode ser cogitada, especialmente
vias urinárias. Foi proposta em 1995 como método para em pacientes alérgicos, tendo em vista o potencial atópico
investigar pacientes com dor lombar aguda sugestiva de muito menor do contraste paramagnético em relação ao
cólica ureteral (Smith). radiopaco. Tem-se ainda como maiores dificuldades a pou-
A TC consegue detectar a grande maioria dos cálculos ca disponibilidade e o custo deste método.
urinários, já que sua densidade é maior do que a dos teci-
dos adjacentes, incluindo os radiotransparentes difíceis de
demonstrar na radiologia convencional. Sua sensibilidade INFECÇÃO URINÁRIA
para cálculos tanto renais quanto ureterais é superior a
95%, e a especificidade, em torno de 99%. Quando compa- A infecção urinária pode determinar processos infla-
rada a acurácia da TC com a da combinação de ultra-som matórios renais agudos, subagudos e crônicos. A exten-
e radiografia simples, a TC teve maior sensibilidade (92% são do processo inflamatório, sua virulência e cronicida-
⫻ 77%), segundo Catalano. Outra vantagem é a não-utili- de dependem do germe infectante e da imunidade do
zação do meio de contraste e a rapidez de sua obtenção, paciente. Os processos podem começar de uma maneira
compatível com as situações de emergência. Além disso, aguda e difusa, constituindo a chamada pielonefrite agu-
tem a vantagem de poder diagnosticar outras causas de da, e podem evoluir para a forma focal ou perinefrética
manifestações semelhantes às da litíase. com formação de abscessos. Também o processo pode
É também possível ter uma boa imagem espacial da lo- evoluir de uma forma focal para a difusa com abscesso
calização dos cálculos e de seu tamanho, bem como da renal e perirrenal.
anatomia tridimensional do trato urinário, o que ajuda na A pielonefrite crônica geralmente é uma doença infla-
escolha do método terapêutico. Por vezes, o conhecimen- matória que se inicia na infância e se caracteriza por cisti-
to preciso das anomalias congênitas e das dimensões dos tes de repetição, refluxo vésico-ureteral e alterações renais
cálculos é decisivo para evitar complicações na conduta caracterizadas por cicatrizes nos contornos do rim com
escolhida ou até para determinar o prognóstico e a evolu-
formação de áreas atróficas e hipertróficas, diminuição de
ção do tratamento.
tamanho do rim comprometido e deformidades caliciais.
No controle pós-operatório, especialmente nas compli-
cações como sangramento, infecções ou urinomas, é mais
simples o uso da TC para o diagnóstico.
Em situações em que é necessário esclarecer diagnósticos PIELONEFRITE AGUDA
concomitantes, ou um maior detalhamento da pelve renal e
ureteres, é recomendável a administração de contraste. Pielonefrite aguda é um processo inflamatório que com-
A combinação de ultra-som com radiografia simples pode promete o interstício renal e geralmente as cavidades pie-
ser usada quando os dados clínicos não são tão importan- localiciais e pode decorrer de infecções usualmente bacte-
tes ou quando os recursos diagnósticos são limitados. rianas. Os germes mais freqüentes são o Escherichia coli,
Enterobacter, Klebsiella, Pseudomonas e Proteus mirabilis. A
Ponto-chave: infecção costuma ocorrer por via ascendente ureteral ou
através da via linfática vesical e ureteral. Também pode
• Nos pacientes com poucos sintomas, ocorrer a infecção por via hemática na estafilococcemia.
ecografia e radiografia simples são No adulto a infecção caracteriza-se clinicamente por
suficientes episódios de dor lombar, febre e bacteriúria, sendo mais
freqüente em pacientes do sexo feminino na faixa etária de
15 a 40 anos.
Ressonância Magnética (RM) Em pacientes imunossuprimidos, em terapia com cór-
tico-esteróides ou no diabete mellitus, a infecção pode pro-
Com o desenvolvimento de novos programas é possí- gredir por um quadro mais intenso chamado de nefrite
vel obter imagens de urografia por RM, o que torna este bacteriana focal ou difusa com formação de abscessos, in-
método um adjuvante no diagnóstico de litíase do trato clusive com envolvimento perirrenal.
capítulo 17 305

Na infecção aguda nenhum estudo por imagem será nor que o parênquima renal nos filmes pré-contraste. Após
necessário, se houver resposta clínica imediata aos antibi- a injeção de contraste identificam-se áreas de baixa atenua-
óticos apropriados. ção em relação ao parênquima (Fig. 17.II.13), estendendo-se
Se houver dúvida diagnóstica ou resposta insatisfató- da papila envolvida até a cápsula renal. Pode haver infiltra-
ria ao tratamento, deve ser realizado estudo por imagem ção e perfusão da cápsula com formação de abscessos
para detectar possíveis complicações. perirrenais. A presença de gás no abscesso indica infecção
As possibilidades do diagnóstico por imagem são lista- bacteriana com necrose tecidual ou eventualmente decorre
das a seguir. de punções percutâneas diagnósticas ou terapêuticas.
A intervenção percutânea, terapêutica ou diagnóstica,
só está indicada em casos de acentuada gravidade do es-
Urografia Excretora tado geral do paciente ou na dúvida do diagnóstico.
Em 25% dos pacientes ocorrem alterações na urografia A TC constitui-se num grande auxílio semiológico para
excretora caracterizadas por: a rapidez da conclusão diagnóstica.

1) aumento de volume do rim uni- ou bilateral. Os con-


tornos permanecem regulares, a não ser que ocorram Ultra-sonografia
complicações;
2) a eliminação do contraste é deficiente e as cavidades A ultra-sonografia tem menor sensibilidade do que a TC,
pielocaliciais estão dilatadas. a RM e a cintilografia no diagnóstico de infecções agudas
renais. A maioria dos casos é normal ao exame de ultra-
som, mesmo em pacientes que já apresentam alterações na
Pontos-chave:
TC. Aumento de volume do rim e parênquima hipossônico
• Aumento de volume renal uni ou bilateral, podem ser encontrados na pielonefrite aguda. Na forma
permanecendo contornos regulares focal o ultra-som pode evidenciar áreas de ecogenicidade
• Eliminação deficiente da substância de heterogênea ou diminuída, sendo os aspectos semelhan-
contraste e dilatação das cavidades tes a tumor. Os abscessos renais podem ser representados
por áreas anecóicas ou hipossônicas com debris. Ao estu-
pielocaliciais
do doppler colorido pode-se observar aumento difuso da
vascularização, quando comparado ao rim contralateral, na
Os rins podem voltar ao aspecto normal quando ocor-
infecção aguda.
rer remissão do quadro clínico.

Tomografia Computadorizada Ressonância Magnética


A TC não é rotineiramente indicada na infecção renal A RM na avaliação da infecção renal aguda é indicada
não complicada. Seu valor é estabelecer o diagnóstico em em pacientes que não possam ser submetidos a um estu-
casos duvidosos e determinar a extensão da doença. do de TC contrastado ou que tenham uma TC questioná-
Em alguns casos em que a infecção é discreta do ponto
de vista clínico-laboratorial, os achados da TC podem ser
normais.
A pielonefrite intersticial aguda, a forma focal bacteria-
na e os abscessos renais podem produzir anormalidades
na TC que estão obviamente relacionadas ao edema infla-
matório, extensão focal ou difusa do processo e alterações
da função renal.
Os aspectos da pielonefrite aguda na TC são:

Pontos-chave:
• Aumento do rim afetado
• Hipoatenuação focal
• Efeito expansivo

Coleções líquidas perirrenais e aspecto estriado do con- Fig. 17.II.13 Pielonefrite focal demonstrada na tomografia com-
traste no parênquima renal podem ser visibilizados. Na for- putadorizada (TC). Observa-se área triangular de hipoatenuação
ma focal as áreas envolvidas podem mostrar atenuação me- em relação ao parênquima normal.
306 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

vel. É mais difícil produzir boas imagens de RM em paci-


entes muito enfermos. É possível, na RM, a obtenção de
imagens como o nefrograma estriado e as áreas segmenta-
res não-realçadas, sem a injeção de contraste iodado, em
pacientes alérgicos ou urêmicos.

PIELONEFRITE ENFISEMATOSA
A pielonefrite enfisematosa é infecção grave do parên-
quima renal, com produção de gás, geralmente causada
pela Escherichia coli ou outros Gram-negativos.
Ocorre freqüentemente em diabéticos.
Devido ao comprometimento do suprimento vascular
e a diminuição da imunidade nesses pacientes, a E. coli e
outras bactérias Gram-negativas proliferam em um meio
anaeróbico, produzindo CO2 a partir do tecido necrótico.
Embora radiografias simples ou a US possam sugerir a Fig. 17.II.14 Pielonefrite xantogranulomatosa; pielografia ascen-
dente (rim excluído na urografia excretória). Aumento do volu-
presença de gás no rim, a TC é mais informativa, mostran- me renal. Pelve e cálices dilatados e irregulares pela presença de
do a localização precisa do gás, bem como a extensão do grande quantidade de material purulento (gentileza do Dr.
processo. Na pielonefrite enfisematosa, é observado gás no Cleano Wanderley).
próprio parênquima renal, e não apenas no sistema coletor.

mente é unilateral. A pielonefrite xantogranulomatosa é


PIELONEFRITE CRÔNICA uma doença supurativa crônica com substituição do parên-
quima renal por macrófagos contendo lipídios (células
Pielonefrite crônica é uma doença inflamatória causa- xantomatosas). A apresentação da doença pode ser focal
da por infecção bacteriana, usualmente germes Gram-ne- ou difusa e se acompanha freqüentemente de cálculos
gativos. Contudo o refluxo vésico-ureteral tem papel im- piélicos, muitas vezes coraliformes. A infecção determina
portante, na infância, na gênese ou evolução dessa doen- espessamento da fáscia de Gerota e pode estender-se para
ça, que é também chamada por alguns autores (Hodson) os tecidos perirrenais. Na forma focal, o diagnóstico di-
de nefropatia de refluxo. A combinação de infecção bacte- ferencial deve ser feito com os tumores renais.
riana do trato urinário inferior (cistite) e refluxo vésico- Na urografia excretora pode haver exclusão funcional
ureteral levaria à infecção e alterações patológicas do tra- do rim ou um nefrograma não-homogêneo com áreas es-
to urinário superior. A presença de refluxo intra-renal de- cavadas. A apresentação da doença pode ser apenas sob a
termina a formação de cicatrizes que envolvem a cortical forma de hidronefrose com litíase (Fig. 17.II.14).
e medular do rim e são mais freqüentes nos pólos. É tema Na ultra-sonografia pode ser evidenciado aumento de
de discussão o refluxo de urina estéril na nefropatia. No volume do rim com áreas hipoecóicas ou anecóicas que
adulto, a descoberta de refluxo vésico-ureteral não costu- correspondem às coleções cavitárias com elementos xan-
ma acarretar cicatrizes em rim anatomicamente normal. A tomatosos e perda de definição córtico-medular. Obser-
presença de refluxo vésico-ureteral em adultos com litía- vam-se cálculo ou cálculos no bacinete e cálices.
se, bexiga neurogênica e obstrução urinária pode determi- A tomografia computadorizada é o procedimento de
nar após muitos anos a formação de cicatrizes renais na imagem mais útil no diagnóstico. Identifica o cálculo e as
pielonefrite crônica. áreas granulomatosas de elementos xânticos. A tomogra-
Os procedimentos de imagem mais importantes para o fia mostra o espessamento da fáscia de Gerota, e a infiltra-
diagnóstico de pielonefrite crônica na infância são a ure- ção da gordura e dos tecidos perirrenais e pararrenais.
trocistografia miccional e a cintilografia estática (DMSA).

TUBERCULOSE RENAL
PIELONEFRITE
XANTOGRANULOMATOSA A tuberculose do aparelho urinário ocorre mais fre-
qüentemente em pacientes do sexo masculino e os germes
É um processo inflamatório crônico renal que acomete disseminam para os rins por via hematógena de um foco
mais freqüentemente pacientes do sexo feminino e usual- a distância. Os bacilos atingem ambos os rins, mas a do-
capítulo 17 307

ença tem evolução unilateral. A magnitude das lesões O crescimento dos granulomas determina massas ex-
depende da virulência dos germes e da imunidade do pansivas, localizadas ou generalizadas, e os cálices adja-
paciente. centes apresentam compressões extrínsecas. O envolvi-
Do ponto de vista anátomo-patológico há, inicialmen- mento do sistema coletor conduz a estenoses caliciais ou
te, a formação de granulomas no parênquima renal que do bacinete com dilatação dos segmentos a montante,
podem evoluir para a cicatrização, sem comprometimen- configurando formas de hidronefrose. Na evolução deste
to do sistema pielocalicial e, portanto, sem alterações na processo há amputação de cálices pela estenose. O enchi-
urografia excretora. Quando os granulomas se localizam mento de cavidades parenquimatosas é dificultado pela
nas alças de Henle, produzindo ulcerações na papila cor- estenose do cálice, exigindo compressão ureteral prolon-
respondente, a lesão, às vezes, compromete um cálice iso- gada na urografia excretora (Fig. 17.II.11). Em 50% dos ca-
lado ou grupo de cálices. Os granulomas sofrem um pro- sos, segundo Olsson, ocorrem calcificações na tuberculo-
cesso de caseificação com eliminação do cáseo pelo cálice se renal.
e formação de cavidade no parênquima em comunicação A ultra-sonografia não mostra achados específicos na
com este. As lesões eventualmente comprometem um gru- tuberculose renal e o método é útil para permitir a punção
po de cálices, um lobo ou todo o rim. Na evolução do pro- percutânea de massas e exame laboratorial.
cesso ocorrem zonas de fibrose com estenose, particular- Os achados na tomografia computadorizada como
mente no colo dos cálices, bacinetes, e há envolvimento do caliectasias, hidronefrose, massas parenquimatosas e cal-
ureter com estenoses, particularmente no segmento distal. cificações não são específicos de tuberculose renal. Uma
A formação de calcificações parenquimatosas com exclu- vantagem adicional da TC é de não necessitar da compres-
são funcional e auto-amputação renal é uma manifestação são abdominal para demonstração das cavidades.
tardia na evolução da doença e constitui o chamado “putty
kidney”.
PAPILITE NECROSANTE
Ponto-chave:
A papilite necrosante é um quadro patológico relacio-
• Calcificações amorfas (massa de vidraceiro) nado a várias causas como ingestão de medicamentos anal-
podem sugerir o diagnóstico gésicos à base de fenacetina, diabete sacarínico, infecção
urinária, uropatia obstrutiva e hemoglobinopatia por cé-
Os achados radiológicos traduzem as manifestações lulas falciformes. Consiste na necrose de papilas ou de
patológicas mencionadas. A erosão de uma papila ou de extensas áreas medulares, decorrentes de comprometimen-
um grupo de papilas constitui uma alteração na tubercu- to vascular, particularmente dos vasa recta.
lose. A opacificação de pequenas cavidades medulares ou O tecido necrótico sofre as seguintes evoluções:
de fístulas papilares caracteriza a forma de papilite necro- (a) é reabsorvido lentamente, formando uma cavidade
sante desta doença (Fig. 17.II.15). em comunicação ou não com o cálice;

Fig. 17.II.15 Tuberculose renal. A, Pequena massa expansiva comprimindo os cálices do grupo médio. B, Mesmo caso, tempos mais
tarde, mostrando que houve drenagem espontânea do granuloma caseificado. Há opacificação da cavidade tuberculosa a partir do
sistema coletor.
308 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

(b) permanece in situ, podendo sofrer incrustações de As calcificações usualmente estão restritas ao córtex
sais cálcicos; renal e podem tornar-se obscuras após a administração da
(c) é eliminado de todo ou em fragmentos pela urina. substância de contraste.
Além do P. carinii, outros organismos oportunistas,
Do ponto de vista anátomo-patológico e radiológico, as como o citomegalovírus e o Mycobacterium avium – intrace-
cavidades na papilite necrosante têm duas formas: llulare, também podem causar calcificações viscerais nos
pacientes com SIDA.
(a) necrose medular — inicia-se geralmente na porção
Lesões fúngicas renais não são comuns estes pacientes.
central da papila e quando o segmento necrótico se
A possibilidade de invasão vascular determina extensos
destaca, a cavidade se comunica com o cálice, per-
infartos corticais e necrose medular renal. Na TC podem-
manecendo o fórnix intacto. A cavidade pode ter
se observar lesões heterogêneas em todo rim.
várias formas e os contornos são lisos ou irregula-
res.
(b) necrose de forma papilar — envolve toda a papila
e porção adjacente da pirâmide. Inicia no fórnix e a MASSA EXPANSIVA RENAL
cavidade formada é continuação do cálice, notan-
do-se desaparecimento do primeiro. O tecido necró- As massas expansivas renais que vamos considerar são
tico permanecendo no interior da cavidade, há um as sólidas (tumores e pseudotumores) e císticas, enfatizan-
defeito de enchimento, e o diagnóstico pode ser di- do o diagnóstico por imagem.
fícil pela urografia excretória. O objetivo maior da radiologia é separar as lesões malig-
nas daquelas que não necessitam de cirurgia. Podem ser
A papilite necrosante é mais freqüente em pacientes do identificados os cistos complicados, os abcessos, pseudotu-
sexo feminino e pode comprometer papilas isoladamente, mores inflamatórios, infartes, linfomas e angiomiolipomas.
embora o envolvimento múltiplo seja mais freqüente. Nas
formas avançadas há processo inflamatório intersticial com
redução da função renal e insuficiência renal. Nestes ca- Radiografia Simples de Abdome
sos os rins estão diminuídos de volume e os contornos são
Os seguintes sinais podem ocorrer na radiografia sim-
ondulados. Clinicamente os sintomas se assemelham aos
ples do abdome em massas renais:
de infecção urinária.
A passagem de papilas necróticas ou parcialmente cal- 1) abaulamentos circunscritos nos contornos do rim ou
cificadas pode acarretar obstrução ureteral e cólica renal. alargamento localizado ou generalizado deste.
Na fase inicial da doença, as alterações radiológicas são 2) calcificações renais. Em 8 a 18% dos carcinomas re-
mínimas e quando não há ruptura do epitélio calicial, o nais ocorrem calcificações irregulares, puntiformes
urograma é normal. ou com aspecto de flocos. Calcificações em paredes
de cistos podem ocorrer em menos de 1% dos casos.
Ponto-chave: A presença de massa com calcificações centrais e irregu-
lares é um sinal muito importante para o diagnóstico de car-
• O diagnóstico diferencial deve ser feito com cinoma renal. Alterações no eixo renal podem ocorrer se a
a tuberculose, pielonefrite crônica, cisto massa tem um crescimento exofítico, especialmente medial.
pielogênico e rim espongio medular
Urografia Excretora
RIM E SIDA São vários os sinais que sugerem massas renais na uro-
grafia venosa.
Infecção recorrente do trato urinário ocorre em 50% dos 1) Anormalidades da imagem pielocalicial quando as
pacientes com SIDA. massas determinam compressões extrínsecas ou des-
Estes podem desenvolver cistite, pielonefrite e absces- locamentos dos cálices e/ou bacinete, defeitos de
sos renais com ou sem extensão perirrenal. enchimento em cálices ou bacinete ou sua obstrução
Embolia séptica pode ocorrer em pacientes com histó- por invasão tumoral.
ria de uso de drogas endovenosas. 2) Os carcinomas de rim geralmente têm aumento de vas-
Embora o Pneumocystis carinii seja considerado usual- cularização e aparecem como áreas mais densas na ne-
mente um germe respiratório, disseminação generalizada frotomografia efetuada com injeção rápida do contras-
a partir dos pulmões pode ocorrer em pacientes imuno- te. Os cistos simples sendo avasculares podem determi-
comprometidos. nar defeitos de enchimento na fase nefrográfica.
A TC sem contraste mostra calcificações nos rins, linfo- 3) Os tumores renais podem provocar obstrução da veia
nodos, baço, fígado e glândulas adrenais. renal com exclusão funcional do rim. Déficits funcio-
capítulo 17 309

nais podem ocorrer em grupos de cálices e no


Ponto-chave:
bacinete por infiltração tumoral.
Na urografia excretória devem também ser avaliadas a • Cisto simples tem densidade semelhante à
estrutura ósteo-articular e bases pulmonares para pesqui- urina, na TC (⬍ 20 UH)
sa de eventuais metástases.
Os chamados cistos complicados por hemorragia (Fig.
17.II.17) têm densidade mais alta. A presença de septações
Tomografia Computadorizada espessas ou vegetações (Fig. 17.II.18), no interior dos cis-
tos, também é um sinal de alarme no sentido de neoplasia.
A TC tornou-se o método mais adequado para a elabora-
ção diagnóstica dos tumores e cistos renais. Tanto a TC sim-
ples como o método helicoidal possibilitam informações
Cisto Renal
adequadas. É, no entanto, imprescindível que seja realizada
técnica adequada, com cortes de pequena espessura e inje- Não-cirúrgico Cirúrgico
tado o contraste em dose adequada. Também é importante Parede Fina Espessa
que se obtenham imagens nas diferentes fases de contrasta-
Septos Finos ⬎ 3 mm
ção parenquimatosa, as quais, junto com os cortes pré-contras-
te, apresentam diferentes informações, todas importantes. Calcificações Puntiformes Grosseiras
Os tumores renais, mesmo os de pequenas dimensões, Impregnação Ausente Presente
costumam impregnar-se após a administração do contraste
Vegetação Ausente Presente
(Fig.17.II.16).
Por outro lado, a TC permite avaliar a extensão da le-
são, bem como o envolvimento perirrenal ou a invasão
vascular, e a presença de gânglios regionais. O conhecimen-
to destes detalhes é de grande importância quando se opta
pela nefrectomia parcial.
A demonstração radiológica de um tumor renal pequeno,
bem delimitado e com pseudocápsula, praticamente afasta a
possibilidade de existir infiltração da gordura perirrenal.
As lesões císticas podem ser únicas ou múltiplas, e de
variadas dimensões. A medida da sua densidade é seme-
lhante à densidade da urina (inferior a 20UH).

Fig. 17.II.17 Cisto renal complicado. Em corte tomográfico obser-


va-se lesão arredondada com densidade semelhante ao parênqui-
ma, a maior parte projetada para fora do rim. Após a adminis-
tração de contraste não ocorreu impregnação da lesão.

Os angiomiolipomas ou hamartomas renais constituem


lesões com mistura de gordura, músculo liso e vasos san-
güíneos. Em 50% estão associados à esclerose tuberosa,
sendo mais freqüentemente bilaterais. O CT permite o diag-
Fig. 17.II.16 Tumor renal demonstrado na tomografia compu- nóstico, tanto mais fácil, quanto maior for o conteúdo de
tadorizada (TC). Observa-se zona de impregnação heterogênea gordura da lesão. A gordura aparecerá na tomografia com
pelo meio de contraste no pólo superior. densidade negativa (Fig. 17.II.19).
310 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

importante procedimento para o estadiamento de tumores


e intervencionismo. O ultra-som é menos acurado que a TC
no diagnóstico de tumores sólidos menores do que 3 cm.
O aumento da vascularização demonstrada ao estudo
Doppler aumenta a possibilidade de processo maligno.

Ressonância Magnética
A ressonância magnética (RM) é tão acurada quanto a TC
na detecção e avaliação das massas renais. São usados os
mesmos critérios morfológicos da TC, e a capacidade pecu-
liar da RM na distinção de caracaterísticas teciduais auxilia
na distinção entre cistos simples e massas complexas. Faz-
se necessário a utilização de contraste paramagnético na
avaliação de massas que não sejam facilmente caracterizá-
veis como cistos simples. Porém este contraste é menos de-
letério do que o contraste iodado, estando indicada a RM
Fig. 17.II.18 Paciente com cisto renal complicado. Observa-se
para a avaliação de massas renais de pacientes alérgicos.
vegetação na parede do cisto, no corte tomográfico.
A RM é também mais acurada do que a TC e tão acurada
quanto a venocavografia, no diagnóstico e avaliação da exten-
são de invasão venosa em pacientes com tumores malignos.

Angiografia
A aortografia e a angiografia seletiva renal, inclusive
digital, são procedimentos que estão sendo substituídos
rapidamente pela TC. A angiografia é útil no diagnóstico
de tumores com aumento de vascularização para avalia-
ção de sua extensão e invasão de vasos sangüíneos adja-
centes (Fig. 17.II.20) ou para planejamento de ressecções
parciais. Nos tumores avasculares ou hipovasculares, cuja
incidência é em torno de 22%, e no estadiamento das neo-

Fig. 17.II.19 Exemplo de angiomiolipoma. Observa-se densida-


de negativa, característica de gordura, na lesão do rim direito.

Ultra-sonografia
A ultra-sonografia é um procedimento simples, preciso
e de baixo custo para o diagnóstico diferencial de lesões
sólidas e císticas. O ultra-som permite identificar se os cis-
tos simples são únicos ou múltiplos, envolvendo um rim ou
ambos os rins. Os critérios ecográficos de cisto simples es-
tão bem estabelecidos e são tratados em outro capítulo des-
Fig. 17.II.20 Carcinoma de rim. Artéria renal aumentada de cali-
te livro. É alta a incidência de cistos em pacientes na faixa bre. Intensa vascularização na metade inferior do rim, onde se
etária acima de 50 anos. Mais de 50% dos pacientes nessa destacam fístulas arteriovenosas, áreas de acentuada impregnação
faixa apresentam cistos. A ultra-sonografia é também um de contraste, intercaladas com zonas de necrose (avasculares).
capítulo 17 311

plasias, a TC pode oferecer vantagens no diagnóstico em clichês aos 20 min da injeção permitem identificar as altera-
relação à angiografia. ções consideradas indicativas de rim isquêmico.
Pelo procedimento do cateterismo realizamos a embo- A diminuição do volume do rim é a modificação mais
lização pré-operatória de tumores muito grandes. Esta importante determinada por estenose da artéria renal.
embolização deve ser realizada 48 horas antes da cirurgia Quando o diâmetro longitudinal direito for 2,0 cm menor
e a finalidade é de reduzir o tamanho do tumor e reduzir que o oposto, ou quando o esquerdo for 1,5 menor que o
o sangramento transoperatório. direito, deve-se suspeitar de fator renovascular como cau-
Em casos especiais a embolização é realizada em paci- sa etiológica.
entes sem possibilidade cirúrgica e que apresentam hema- O rim isquêmico inicia a excreção do contraste mais tar-
túrias importantes. diamente que o normal, uma vez que a filtração glomerular,
naquela situação, está diminuída. Este dado, quando presen-
te, é identificado nas radiografias iniciais (Quadro 17.II.1).
HIPERTENSÃO ARTERIAL O aumento da reabsorção de sódio e água, que ocorre
no rim isquêmico, determina a excreção do contraste mais
RENOVASCULAR concentrado, ou seja, mais denso que o rim normal.
Outras alterações, como as compressões extrínsecas no
Hipertensão renovascular é encontrada em menos de 5% bacinete e ureter determinadas por circulação colateral,
da população de hipertensos. Este índice muda, podendo diminuição das proporções do sistema coletor secundário
chegar a mais de 40%, quando considerarmos os pacien- à redução do filtrado glomerular e duração aumentada do
tes enviados para centros de referência. efeito nefrográfico, são consideradas como sinais acessó-
Alguns dados clínicos são considerados relevantes na rios de isquemia renal.
busca do fator renovascular como etiologia da hipertensão.
A presença de sopro abdominal, especialmente sisto-dias-
ARTERIOGRAFIA CONVENCIONAL
tólico, é muito sugestiva da presença de estenose renal. Em
OU DIGITAL
um dos estudos multicêntricos esta alteração foi encontra-
É um dos métodos mais empregados para a confirma-
da em 48% dos casos e em apenas 7% dos portadores de
ção da existência de lesão em artéria renal. O desenvolvi-
hipertensão essencial.
mento de cateteres mais finos e guias mais adequadas tor-
Na tabela abaixo são referidos os dados mais importan-
naram a angiografia um exame muito seguro, com poucas
tes para a suspeita de hipertensão renovascular.
complicações.
O surgimento da angiografia digital possibilita o uso de
SOPRO ABDOMINAL menor quantidade de contraste e mais rapidez no proce-
RETINOPATIA HIPERTENSIVA, GRAU III OU IV dimento ao lado de imagens com melhor detalhe. Quan-
HIPOCALEMIA do disponível, deve ser preferida ao método convencional.
HIPERTENSÃO COM INÍCIO ANTES DOS 20 OU Eventualmente, na mesma sessão pode ser realizada a
APÓS OS 50 ANOS angioplastia, tendo o paciente sido previamente informa-
HIPERTENSÃO DE DIFÍCIL CONTROLE do da possibilidade e dos riscos (Fig. 17.II.21).
INSUFICIÊNCIA RENAL APÓS INÍCIO DE USO DE Não devemos esquecer que a simples existência de es-
ENZIMA CONVERSORA tenose de artéria renal não significa que a mesma seja res-
INSUFICIÊNCIA RENAL NÃO EXPLICADA OU ponsável pela hipertensão. É comum o diagnóstico de es-
PROGRESSIVA tenoses renais em pacientes normotensos que fazem inves-
AUMENTO DA RENINA PLASMÁTICA tigação angiográfica por outra indicação.

Métodos de Investigação
Quadro 17.1 Hipertensão renovascular
UROGRAFIA EXCRETORA
A urografia excretora é considerada como um método Alterações na urografia excretora
satisfatório na detecção de estenose da artéria renal. Em- Principais Acessórias
bora existam casos falso-negativos e falso-positivos, trata- Diminuição do volume do Compressões extrínsecas
se de um teste de baixo risco e relativamente econômico, rim, retardo da excreção
permitindo a visibilização de alterações em 78% dos paci- Diminuição das
entes hipertensos por isquemia renal unilateral. proporções
A rápida injeção intravenosa de uma dose de 40 a 50 ml do sistema coletor
Aumento da densidade Efeito nefrográfico
de contraste na veia e a obtenção de três a cinco clichês no sistema coletor prolongado
radiográficos durante os primeiros 5 min e de um ou mais
312 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

Fig. 17.II.21 Na foto menor observa-se estenose grave, por fibro-


displasia, da artéria renal direita. Na foto maior o resultado após
a angioplastia. O paciente ficou normotenso.

Fig. 17.II.22 Angiorressonância mostrando estenose proximal na


A arteriografia renal consiste na injeção de contraste na artéria renal direita.
aorta e artérias renais simultaneamente. Estenoses segmen-
tares intra-renais devem ser buscadas, uma vez que mes-
mo pequenas lesões podem ser a causa da doença.
É contra-indicada em pacientes portadores de marcapas-
so e de algumas próteses.
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA Por outro lado, indivíduos com claustrofobia têm difi-
A TC espiral permite demonstrar, com nitidez, a artéria re- culdade de realizar este exame.
nal principal em praticamente todos os pacientes (Fig. 17.II.5).
O exame é realizado através de injeção periférica de con-
RENINA
traste, e as imagens são obtidas em menos de 30 segundos.
Cada vez tem sido menos usada a dosagem de renina
Recentemente foi introduzido um tomógrafo com mai-
no sangue periférico ou nas veias renais para o diagnósti-
or número de detectores que permite um exame com ain-
co de HRV.
da maior rapidez e adequada demonstração da circulação
As condições necessárias para uma adequada valoriza-
intra-renal (tomografia multislice).
ção das dosagens laboratoriais, tais como a descontinuida-
Com estes equipamentos fica praticamente dispensável
de do uso de determinadas medicações hipotensoras, tor-
a realização de arteriografia, a qual será utilizada quando
nam pouco prático este exame. Também as causas de er-
do procedimento terapêutico.
ros laboratoriais, caso um protocolo rígido não seja segui-
do, dificultam sobremaneira o seu uso rotineiro.
RESSONÂNCIA MAGNÉTICA A dosagem da renina, nos tempos atuais, tem sido re-
A angiorressonância, embora ainda não tenha a mesma servada para os casos mais difíceis quanto à decisão tera-
resolução espacial da TC, é o exame mais solicitado para pêutica.
diagnóstico da hipertensão renovascular (Fig. 17.II.22).
Sua vantagem é de não necessitar de contraste iodado,
ANGIOPLASTIA DE ARTÉRIA RENAL
o que é particularmente importante nos pacientes com
A angioplastia da artéria renal, realizada através do
perda de função renal ou com forte história de alergia.
cateter, é o método preferido para o tratamento das este-
noses.
Ponto-chave: É um método seguro desde que realizado com instru-
• A angiorressonância é a melhor indicação mental adequado.
para investigar hipertensão renovascular Quando a causa da estenose é displasia fibromuscular,
em pacientes alérgicos ou com insuficiência o sucesso da angioplastia corresponde, em percentual ele-
vado, à cura da hipertensão (Fig. 17.II.21). Em casos de
renal
aterosclerose, no entanto, o resultado não atinge índices
capítulo 17 313

maiores que 50%. Mas também se pode obter como resul- irrigam os rins do doador selecionado. O conhecimento
tado a melhor resposta ao tratamento. destes detalhes anatômicos é indispensável para o cirur-
Por outro lado, não podemos esquecer que ao lado de gião no planejamento do ato operatório.
tentar remover a causa da hipertensão estamos colaboran- As alterações pré-renais, renais e pós-renais, no rim
do na manutenção da função renal, quando tratamos uma transplantado, são diagnosticadas pela arteriografia em
estenose. qualquer período do pós-operatório, entre os quais desta-
É importante tentar a angioplastia como método de tra- camos:
tamento inicial, porque se a mesma não for factível sem- a) rejeição: na fase aguda, caracteriza-se por aumento de
pre haverá a possibilidade cirúrgica. Por outro lado, se volume do rim devido ao intenso edema provocado
realizada a angioplastia não melhorar a hipertensão, tam- pela infiltração inflamatória, necrose vascular, tubu-
bém a cirurgia não o fará. lar e cortical, bem como pela presença de áreas de
hemorragia e infarto. As artérias intra-renais podem
apresentar-se estreitadas ou ocluídas, e o tempo de
INSUFICIÊNCIA RENAL circulação, prolongado. A filtração glomerular está
prejudicada, e a opacificação das veias é escassa ou
A urografia excretora atualmente é um exame que não nula. Na fase crônica da rejeição, o rim se apresenta
tem validade em pacientes com insuficiência renal. Quan- menor que na ocasião do transplante, e é possível
do as taxas de creatinina são maiores do que 4 ml/dl ou identificar cicatrizes do infarto. O tempo de circula-
uréia maior do que 50 ml/dl, não deve ser usada a urogra- ção não está significativamente retardado.
fia excretória e sim a ultra-sonografia, que é o procedimen- b) Estenose da artéria renal: relaciona-se a problemas
to de eleição particularmente na insuficiência renal por técnicos ou à progressão de lesões ateroscleróticas não
uropatia obstrutiva. Nesta patologia a sensibilidade diag- diagnosticadas previamente. Estas lesões podem de-
nóstica para detecção da hidronefrose é de 90 a 100%. Nos terminar hipertensão arterial sistêmica ou comprome-
pacientes com insuficiência renal também deve ser consi- ter a perfusão renal e, conseqüentemente, sua função.
derada a nefrotoxicidade do contraste, que pode agravar c) Trombose da veia renal: às vezes é secundária à re-
o quadro. jeição; os sinais arteriográficos podem confundir-se
Na insuficiência renal por doença médica o ultra-som e nestas duas situações: aumento de volume do rim,
a tomografia computadorizada são úteis, mostrando alte- espasmos arteriais, perfusão cortical pobre e tempo
rações na ecogenicidade e densidade dos rins, seu tama- de circulação renal extremamente retardado. O trom-
nho e contornos. O diagnóstico definitivo será feito por bo venoso ocasionalmente se estende até a veia ilía-
biópsia percutânea dirigida por ultra-som ou CT. ca ou cava inferior, sendo facilmente demonstrado
pela flebografia.

TROMBOSE DE VEIA RENAL


BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Atualmente a TC pode, com facilidade, fazer o diagnós-
tico de trombose venosa renal, dispensando o uso da an- CUNHA, L.; YORDI, L.N.; AND FELDMAN, C.J. Radiologia no diagnós-
tico nefrológico. In: Loboto, O. & Braga, B.F. (eds.) Orientação Diag-
giografia. Em praticamente todos os exames podemos de- nóstica em Nefrologia. Porto Alegre: Falmed, 1975; (4):45-66.
linear as veias renais e a veia cava inferior. CURRY, N.S. Small renal masses (lesions smaller than 3 cm). Imaging
Nos casos de tumor renal, especialmente, o conhecimen- evaluation and management. AJR, 1995; 164:262-355.
to prévio do envolvimento venoso é útil para o planejamen- DAVIDSON, A.J. Diagnostic uroradiologic techniques. In: Davidson, A.J.
(ed.) Radiology of the Kidney. Philadelphia: Philadelphia Saunders, 1985:
to cirúrgico. 3-24.
DAVIDSON, A.J. Radiologic Diagnosis of Renal Parenchymal Disease. WB
Saunders Company, 1977.
GOLD, R.P.; McCLENNAN, B.L. Acute infections of the renal parenchy-
TRANSPLANTE RENAL ma. In: Pollack, H.M. (eds.) Clinical Urography. Philadelphia: Philadel-
phia Saunders, 1990:799-821.
Na avaliação pré-operatória do doador costumam-se GOLDRAICH, N.P. Refluxo Vésico-Ureteral Primário: Repercussões
Renais. Tese de doutorado. Porto Alegre, 1977.
avaliar, através de angiografia ou tomografia computado-
HODSON, C.J. and CRAVEN, J.D. The radiology of obstructive athrophy
rizada espiral, as condições das artérias renais. of the kidney. Clin Radiol, 1966; 17:305.
O detalhamento do número de artérias, bem como suas HODSON, C.J.; MALING, T.M.J.; McMANAMON, P.J. and LEWI, M.G.
divisões, é útil para o cirurgião no planejamento técnico do The pathogenesis of reflux nephropathy (chronic atrophic pyelone-
phritis). Br Journal Radiol, 1975; Suplement 13.
transplante.
JACOBSON, B.F.; JORULF, H.; MOHSEN, S.K.; NARASIMHAN, D.L.
A utilidade da angiografia no transplante renal começa Nonionic versus ionic contrast media in intravenous urography: Cli-
na avaliação do número e das condições das artérias que nical trial in 1.000 consecutive patients. Radiology, 1988; 167:601-05.
314 Investigação por Imagem do Aparelho Urinário no Adulto

KAWASHIMA, A.; SANDLER, C.M.; GOLDMAN, S.M.; RAVAL, B.K.; ty of North America. St. Louis: Bruce L. McClennan (ed.), nov/dec
FISHMAN, E.K. CT of renal inflammatory disease. Radiographics, 1994.
1997;17:851-866. TALNER, L.B.; DAVIDSON, A.J.; LEBOWITZ, R.L.; PALMA, L.D.; GOL-
KENNEY, P.J.; BREATNACH, E.S. And STANLEY, R.J. Renal inflamation. DMAN, S.M. Acute pyelonephritis: Can we agree on terminology?
In.: Pollack, H.M. (eds.) Clinical Urography. Philadelphia: Philadelphia Radiology, 1994; 192:297-305.
Saunders, 1990:799-849. TALNER, L.B.; DAVIDSON, A.J.; LEBOWITZ, R.L.; PALMA, L.D.; GOL-
LEE, J.K.T.; STANLEY, R.J.; SAOEL, S.S.; HEIKEN, J.P. Tomografia Com- DMAN, S.M. Acute pyelonephritis: Can we agree on terminology?
putadorizada do Corpo em Correlação com Ressonância Magnética, Radiology, 1994; 192:297-305.
3.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. VINCENT, J.; CANZANELLO, M.D. and STEPHEN, C. Noninvasive di-
LEVINE, E. Malignant renal parenchymal tumors in adults. In: POLLA- agnosis of renovascular disease. Mayo Clin Proc, 1994; 69:1172-1181.
CK, H.M. (ed.) Clinical Urography. Philadelphia: Philadelphia Saun- VINCENT, J.; CANZANELLO, M.D. and STEPHEN, C. Noninvasive di-
ders, 1990:1216-91. agnosis of renovascular disease. Mayo Clin Proc, 1994; 69: 1172-1181.
LINDVALL, N. Renal papilary necrosis. A roentgenographic study of 155
cases. Acta Radiologica (Diagn.), 1960; Suppl. 192.
MILLER, F.H.; PARICH, S.; GORE, R.M.; NEMCEK Jr, A.A.; FITZGE- ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
RALD, S.W.; VOGELZANG, R.L. Renal manifestations of AIDS.
Radiographics 1993; 13:587-96. http://www.fpnotebook.com/URO16.htm
OLSSON, O. and JONSSON, G. Roentgen examination of the kidney and http://www.esur.org/training.cfm — European Society
the ureter. In: Encyclopedia of Urology. Berlin: Springer-Verlag, 1962. of Urogenital Radiology.
PRANDO, A.; PRANDO, D.; CASERTA, N.; BAUAB Jr, T. Urologia Diag-
http://www.radsci.ucla.edu:8000/gu/stones/
nóstico por Imagem. São Paulo: Sarvier, 1997.
STAIR, D.C.; RIOS, W.A.; BLACK, H.R. Atypical causes of curable reno- kidneystone.html
vascular hypertension: a review. Progress in Cardiovascular Diseases, http://www.duj.com — Digital Urology Journal.
1990; vol XXXIII (3):185-210. http://www.vh.org — Virtual Hospital.
STEPHEN, G.; PAUKER, and RICHARD, I.K. Screening for renovascu-
http://www.acr.org — American College of Radiology.
lar hypertension. A whitch hunt. Hypertension, 1989;14:258-260.
SYLLABUS: A Categorical Course in Genitourinary Radiology. In: 80th http://www.cbr.org.br — Colégio Brasileiro de
Scientific Assembly and Annual Meeting of the Radiological Socie- Radiologia.
Capítulo
Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por

18 Ressonância Magnética
Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki

I. ULTRA-SONOGRAFIA RENAL

INTRODUÇÃO Litíase renal


PRINCÍPIOS DA ULTRA-SONOGRAFIA Doença inflamatória
LIMITAÇÕES DO MÉTODO Tumores renais
ULTRA-SONOGRAFIA RENAL APLICAÇÕES AVANÇADAS
Preparo para o exame Nefrostomia percutânea
Aspecto ultra-sonográfico Biópsia renal
Dimensões renais Punção de cistos renais
Doença renal Litotripsia extracorpórea por ondas de choque
Anomalias congênitas Doença vascular — Doppler
Integridade cortical e medular Transplante renal
Doença cística renal BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Uropatia obstrutiva ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

INTRODUÇÃO PRINCÍPIOS DA
ULTRA-SONOGRAFIA
Os exames ultra-sonográficos do aparelho urinário são
comumente realizados devido à sua elevada acurácia e O princípio da US baseia-se na aplicação de estímulos
segurança, e por não requererem a utilização de contraste elétricos sobre um cristal, que alterando seu volume produz
ou função renal normal. Podem ser realizados em ambi- onda sonora de alta freqüência, o ultra-som (infra-som ⫽
ente ambulatorial, hospitalar, mesmo em pacientes debili- freqüência abaixo de 16 Hz; som ⫽ freqüência entre 16 e
tados à beira do leito e em unidades de terapia intensiva. 16.000 Hz; ultra-som ⫽ freqüência entre 16 kHz e 100 MHz;
As indicações mais comuns para ultra-sonografia (US) hipersom ⫽ freqüência acima de 100 MHz), que se propa-
do trato urinário incluem avaliação da obstrução do siste- ga pelos tecidos e por eles é refletida pelas interfaces pro-
ma coletor, demonstrando tanto a dilatação como o fluxo porcionadas pelas estruturas internas de diferentes densi-
ureteral no interior da bexiga urinária; avaliação de nefro- dades. As ondas refletidas são captadas pelo mesmo cris-
litíase; avaliação de doença cística renal; detecção de mas- tal, amplificadas e processadas, resultando em imagem no
sa renal, adrenal ou perinéfrica; caracterização de massa monitor. Estas ondas têm intensidade muito reduzida e são
renal sólida ou cística ou de conteúdo gorduroso, avalia- isentas de irradiação ionizante, sendo inócuas, sem risco,
ção vascular de rins primitivos e transplantados e como podendo ser utilizadas em pacientes gestantes como diag-
guia de biópsias e de aspiração de cistos renais. nóstico desde o princípio do primeiro trimestre.
316 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

A transmissão é adequada às partes moles do organismo,


não sendo necessária a utilização de meios de contraste. Nos ULTRA-SONOGRAFIA RENAL
últimos anos têm sido realizados experimentos para ampli-
ar o efeito Doppler nos vasos e no estudo do refluxo vésico- Preparo para o Exame
ureteral com substâncias chamadas contrastes sonográficos.
A US é um exame anatômico, que possibilita a visualiza- O exame ultra-sonográfico renal, propriamente dito, não
ção de estruturas normais e suas alterações, sendo que a ava- necessita de preparo.
liação funcional do parênquima renal deve ser realizada por A localização dos rins não oferece obstáculos à onda
outros exames, como urografia excretora e cintilografia. sonora; utiliza-se, à direita, o fígado como “janela” acústi-
ca e, à esquerda, eventualmente o baço associado ao decú-
bito lateral direito. Podem-se, também, observá-los através
da via dorsal, com o paciente em decúbito ventral, senta-
LIMITAÇÕES DO MÉTODO do ou em posição ortostática.
As limitações físicas do exame ultra-sonográfico são o ar,
o osso e o tecido adiposo. A presença de ar e sólidos ocasio- Aspecto Ultra-sonográfico
na a formação de sombra acústica, impedindo a visualiza-
ção de estruturas posicionadas posteriormente. O tecido A anatomia seccional do rim é determinada por várias
adiposo, por sua vez, ocasiona atenuação do feixe sonoro, estruturas que dão o seu aspecto característico. A interface
prejudicando a visualização de estruturas mais profundas, mais externa corresponde à gordura perirrenal, fáscia de
e o osso (ou calcificações) impede a visualização posterior, Gerota e cápsula renal (Fig. 18.I.1). Internamente a estas es-
devido à alta velocidade do som através dos mesmos. truturas, visualiza-se o parênquima renal, que é a somató-
A ultra-sonografia não é um método infalível, capaz de ria dos ecos provenientes do córtex e pirâmides renais. As
dissecar estruturas ou de fornecer laudos anatomopatoló- invaginações normais do tecido cortical chamam-se septos
gicos. É um exame de alta sensibilidade e de baixa especi- de Bertin e separam as pirâmides renais. A ecogenicidade
ficidade. Em algumas ocasiões os achados são considera- do parênquima renal é menor que a do parênquima hepáti-
dos característicos e em outras apenas sugestivos e comuns co e menor que a do parênquima esplênico (Fig. 18.I.2).
a várias doenças. Podem-se individualizar as pirâmides renais diferenci-
O exame ultra-sonográfico depende de fatores funda- ando-as do córtex renal em alguns pacientes adultos, em
mentais, como a aparelhagem utilizada e a experiência do todos os recém-natos e até os seis meses de idade (Fig.
ultra-sonografista. 18.I.3). As artérias arqueadas delimitam verdadeiramente
A aparelhagem utilizada deve apresentar recursos su- as pirâmides e o córtex renal. Os ecos centrais são intensos
ficientes para a formação de boa imagem, com alto poder devido às estruturas que os compõem, que são basicamente
de resolução associado à versatilidade de uso, podendo sistema coletor (cálices, infundíbulo e porção da pelve), teci-
assim realizar exames nas variadas regiões do corpo. do conjuntivo, vasos renais e sistema linfático.
A realização e a interpretação do exame dependem exclu-
sivamente do imaginologista. Dele depende o resultado final,
Dimensões Renais
que passa por várias etapas, desde o conhecimento anatômi-
co e fisiopatológico, a história clínica e a interpretação das As dimensões renais na US são menores que as detecta-
imagens, até o bom conhecimento do equipamento e de seus das pela radiografia porque não há nenhum tipo de
recursos, todos fundamentais para um bom diagnóstico. magnificação ou alterações de tamanho relacionadas à

Pontos-chave:
COLUNA DE BERTIN
Ultra-sonografia CÁPSULA RENAL
• Vantagens
• Sem radiação ionizante
PIRÂMIDE
• Não-invasivo
CÓRTEX
• Grande disponibilidade PELVE RENAL
• Baixo custo TEC. ADIPOSO JUNÇÃO
• Alta sensibilidade URETERO-
PIÉLICA
• Limitações
• Ar
• Ossos
Fig. 18.I.1 Esquema da anatomia renal.
capítulo 18 317

O aumento de volume renal mais característico é o en-


contrado nas lesões ocupantes de espaço, de natureza só-
lida ou cística.
A diminuição do tamanho do rim é encontrada na maio-
ria das doenças renais de evolução crônica. Nestes estágios,
a estrutura renal pode confundir-se com a gordura perirre-
nal. Apresenta-se como uma estrutura ovóide, hiperecogê-
nica, com dimensões reduzidas, em torno de 5 a 7 cm.

Doença Renal
ANOMALIAS CONGÊNITAS
Fig. 18.I.2 Aspecto sonográfico do rim direito normal.
Achados ultra-sonográficos como a hipoplasia e atrofia
renais são causas freqüentes de exclusão renal na urogra-
fia excretora. A agenesia renal refere-se à ausência congê-
diurese osmótica do contraste na urografia excretora. As nita do rim e ureter, que pode ser uni- ou bilateral. Na
medidas renais normais correspondem àquelas descritas agenesia renal bilateral o diagnóstico ultra-sonográfico pré-
nas autópsias, em média 11 a 12 cm longitudinalmente, 6
natal baseia-se na não-visualização de rins, ureteres, bexi-
cm transversalmente e 3 cm de espessura, no adulto. No
ga e acompanhados de oligoidrâmnio. A hipoplasia e a
recém-nato com peso entre 3.000 e 3.500 g, o rim mede em
agenesia unilateral também ocorrem comumente com ano-
torno de 4 cm, no seu maior eixo.
malias dos sistemas de Muller e de Wolff, obrigando-se a
O aumento do volume renal pode ser devido a um acú-
investigação dos mesmos pela US. Duplicação de pelve e
mulo de líquido intersticial, propiciando uma diminuição
hipertrofia das colunas de Bertin são destacadas por po-
difusa da ecogenicidade do parênquima (padrão hipoe-
derem mimetizar lesão expansiva, devendo-se correlacio-
cóico), por exemplo, na fase aguda da trombose da veia
nar com exames funcionais. As anomalias de posição, como
renal e na pielonefrite difusa aguda. Com o acúmulo de
rins pélvicos e ectopia renal cruzada, podem mimetizar um
amilóide ou de gordura, pode haver aumento do volume
rim único com sistema pielocalicial duplicado, ou ainda
renal, porém neste caso o parênquima tornar-se-á mais
massa tumoral sólida.
ecogênico.
O rim em “ferradura” é característico à US. Seus pólos
inferiores estão anteriorizados e desviados medialmente,
Pontos-chave: com o istmo passando anteriormente aos grandes vasos.
O diagnóstico diferencial é feito com massa pancreática ou
Características sonográficas de rins normais linfonodomegalias.
• Tamanho: 11 cm (média de 9 a 13 cm)
• Ecogenicidade: menor que a do fígado, baço INTEGRIDADE CORTICAL E MEDULAR
e pâncreas As alterações parenquimatosas renais repercutem de
• Parênquima: não-homogêneo maneira inespecífica à US, e o diagnóstico é presuntivo.
• Superfície: lisa Normalmente o córtex apresenta espessura e ecogeni-
• Formato: característico cidade características, discretamente hiperecóico em rela-
ção às pirâmides renais e de ecogenicidade semelhante ao
parênquima hepático ou esplênico. A característica ultra-
sonográfica da doença parenquimatosa é o aumento difu-
so da ecogenicidade do parênquima renal bilateralmente.
A maior ou menor ecogenicidade do córtex renal não
pode servir como parâmetro de gravidade do acometimen-
to. Os maiores aumentos de ecogenicidade do córtex renal
estão relacionados com alterações intersticiais ativas, pro-
vavelmente devido ao fato de haver maiores quantidade
de túbulos e interstício que de néfrons ou vasos, que jun-
tos compõem o córtex renal.
Não se pode distinguir entre as múltiplas causas de in-
suficiência renal aguda, que resultam em aumento inespe-
cífico da ecogenicidade renal; a biópsia é essencial para o
Fig. 18.I.3 Rim do recém-nato. diagnóstico anatomopatológico.
318 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

O aumento da ecogenicidade medular em relação à eco-


genicidade cortical representa vários tipos de doenças. São
descritas alterações na gota, rins espongiomedulares, hi-
peraldosteronismo primário, hiperparatireoidismo, doença
de armazenamento do glicogênio, doença de Wilson e sín-
drome de Sjögren. Também estes achados ultra-sonográ-
ficos podem ser somente secundários a anormalidades
anatômicas, como, por exemplo, ectasia tubular medular,
depósito de proteínas nos túbulos coletores, depósitos de
uratos, fibrose das pirâmides ou simplesmente congestão
vascular.
As doenças crônicas afetam os rins de maneira inespe- Fig. 18.I.5 Cisto simples no pólo superior do rim direito.
cífica à US, levando a redução volumétrica bilateral e au-
mento intenso da ecogenicidade (Fig. 18.I.4).
gularidades, reentrâncias ou espessamentos. Seu conteú-
DOENÇA CÍSTICA RENAL do deve ser totalmente livre de ecos (anecóico ou
Os cistos são as massas renais mais comuns. sonolucente), o que sugere a presença de líquido seroso.
Do ponto de vista patológico, existem classificações bem Podem atingir grandes volumes de até 10 a 15 cm.
elaboradas dos cistos renais. Do ponto de vista ultra-sono- O diagnóstico pode ser dificultado se a localização for
gráfico prático, podemos classificá-los em três grupos: cis- central ou peripélvica. O cisto diferencia-se da anomalia
tos renais simples (Fig. 18.I.5), cistos renais múltiplos e cis- da junção pieloureteral, pois esta se apresenta geralmente
tos renais atípicos ou complexos (Fig. 18.I.6). A importân- triangular, e a comunicação com os cálices assegura o diag-
cia maior da US é a diferenciação com doenças mais séri- nóstico de dilatação do sistema coletor.
as, como doença renal policística, abcessos renais e carci-
nomas do rim.
Pontos-chave:
Os cistos renais simples são de natureza benigna, podem
apresentar infecção ou, pelo aumento de volume, levar à Características sonográficas de cistos simples
hipertensão induzida pela angiotensina. Em ambos os ca- • Paredes finas e lisas
sos a punção aspirativa está indicada, pelo fato de os anti- • Ausência de irregularidade na superfície
microbianos não penetrarem no cisto e pela redução da interna
compressão do parênquima renal com o esvaziamento do
• Conteúdo sem ecos (anecóico)
mesmo. Podem causar dor lombar e sensação de peso con-
• Reforço acústico posterior
forme o tamanho e a localização. Podem apresentar locali-
zação indiscriminada pelo córtex renal, porém são visua-
• Sombras laterais
lizados preferencialmente nos pólos, principalmente no
pólo superior. Sua freqüência aumenta com a idade e está Os cistos renais atípicos podem apresentar-se com múl-
presente na metade da população acima de 50 anos. tiplas loculações. Como assinalamos anteriormente, o con-
O aspecto ultra-sonográfico é característico, geralmen- teúdo de um cisto simples deve ser totalmente livre de ecos.
te esférico, com paredes definidas, não apresentando irre- Neste, porém, encontramos septações incompletas, permi-

Fig. 18.I.4 Rim atrófico: paciente adulto com rim de 6,5 cm, Fig. 18.I.6 Cisto atípico ou complexo: cisto com septações gros-
hiperecogênico, com perda da diferenciação córtico-medular. seiras e calcificações murais.
capítulo 18 319

tindo a livre comunicação do líquido entre os vários lócu- lares, septações ou espessamentos focais, que podem ape-
los. Estas estruturas não apresentam valor clínico signifi- nas representar aspecto pós-hemorrágico, infeccioso ou
cativo. Se houver dificuldade na visualização das superfí- cisto multilocular, como também demonstrar malignida-
cies internas dos septos, ou irregularidade nos mesmos, de. Estas lesões devem ser removidas cirurgicamente com
indica-se a punção aspirativa para esclarecimento diagnós- técnicas de preservação renal, se possível. Deve-se ter em
tico, pois pode tratar-se de um tumor ou alteração do con- mente que estas lesões removidas podem ser benignas.
teúdo, como pus ou sangue. As lesões císticas claramente malignas ou categoria IV de
Os cistos infectados geralmente são complicações de um Bosniak indicam uma alta probabilidade de malignidade,
cisto simples. Notam-se discretas alterações da ecogenicida- como espessamento sólido, irregular, com intenso realce na TC.
de do conteúdo, por tratar-se de líquido espesso, como nos Dentro da classificação de cistos renais múltiplos, a
abcessos. Suas paredes podem estar ligeiramente espessadas. doença renal policística do tipo adulto, ou autossômica
Aproximadamente 6% dos cistos renais sofrem hemor- dominante, apresenta-se à US com aspecto característico
ragias. O sangramento intracístico pode ser causado prin- (Fig. 18.I.7). Os rins encontram-se freqüentemente aumen-
cipalmente por traumatismos, varicosidades da parede e tados de volume. A chave diagnóstica é o achado de vári-
diátese hemorrágica. Os tumores também são causa impor- as lesões císticas de tamanhos diferentes, com localização
tante de sangramento intracístico. Enfatizamos, por esta difusa pela loja renal. Se houver dificuldade técnica na
razão, que caso tenham ocorrido alterações dos cistos sim- avaliação da imagem, sugerimos correlação com tomogra-
ples em relação ao exame anterior, elas devem ser rigoro- fia computadorizada ou ressonância magnética.
samente investigadas. O exame de outros órgãos é concomitante, e a busca de
outras lesões deve ser sempre realizada. Os cistos hepáti-
cos são encontrados em 25 a 30% dos pacientes com doen-
Pontos-chave: ça policística renal do tipo adulto. Os cistos pancreáticos
Incidência de cistos renais por idade e sexo são encontrados apenas ocasionalmente.
• 15 a 29 anos Masc ⫽ 0,0 Fem ⫽ 0,0 A doença renal policística tipo infantil, autossômica reces-
• 30 a 49 anos Masc ⫽ 1,9 Fem ⫽ 1,4 siva, tem aspecto mais ou menos característico aos ultra-sons.
Há um aumento generalizado do rim, as bordas são irregu-
• 50 a 69 anos Masc ⫽ 15,0 Fem ⫽ 6,7
lares e há perda de definição entre o seio renal, medular e
• acima de 70 anos Masc ⫽ 32,3 Fem ⫽ 14,6 cortical. O intenso aumento de ecogenicidade em toda a loja
renal deve-se à ectasia tubular, transformando o aspecto ca-
O sangramento recente apresenta nível líquido/líquido. racterístico dos rins do recém-nato descrito anteriormente.
Com a evolução do quadro há formação de coágulos. A O rim multicístico (displasia renal multicística) pode re-
lesão assume um padrão complexo que a torna semelhan- presentar uma hidronefrose secundária a atresia do ureter,
te ao aspecto ultra-sonográfico de um tumor renal, varian- pelve ou ambos, durante o estágio metanéfrico do desenvol-
do a lesão de aspecto cístico até sólido. vimento intra-uterino. Dependendo da época ou do nível de
Os cistos calcificados são de difícil análise à US, devido obstrução, o espectro de formas varia desde um rim
à forte sombra acústica posterior, por ter densidade próxi- multicístico unilateral, displasia multicística focal ou seg-
ma à densidade do osso. mentar, até o aspecto de doença renal multicística bilateral.
A classificação dos cistos complicados foi introduzida Os cistos peripélvicos originam-se no hilo do rim, não
por Bosniak, que descreveu quatro categorias, reduzindo se comunicando com o sistema coletor. São achados de
assim o impacto das lesões malignas nos achados inciden- exame e algumas vezes apresentam-se como massas à uro-
tais em exames por imagem.
Cisto simples, categoria ou classe I de Bosniak, refere-
se ao cisto simples, descrito acima, o qual pode ser diag-
nosticado por TC ou US e não requer seguimento.
Os cistos complicados, categoria II, permitem ainda um
diagnóstico seguro de benignidade e incluem as imagens
que apresentam finas septações, calcificações septais ou
parietais, ou densidades homogêneas no cisto menores que
3 cm. Se estes cistos são detectados pela US, devem ser
encaminhados para a TC com e sem contraste, no sentido
de observar o realce das alterações visualizadas. A falta de
realce é o achado mais importante, sugerindo seguimento
para observar a estabilidade da lesão.
As lesões indeterminadas ou categoria III de Bosniak Fig. 18.I.7 Aspecto sonográfico da Doença Policística Autossômica
apresentam espessamento de parede, calcificações irregu- Dominante (DPAD).
320 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

grafia excretora. Deve ser feito diagnóstico diferencial com


hidronefrose e com pelve extra-renal.

Diagnóstico Diferencial da Doença Cística Renal


Entre os diagnósticos diferenciais, a obstrução da jun-
ção ureteropélvica pode ser diagnosticada durante a vida
intra-uterina ou ser suspeitada no recém-nato com massa
palpável na loja renal. O diagnóstico ultra-sonográfico
baseia-se no achado de pelve de grande volume que se
comunica com os cálices e não apresenta dilatação urete-
ral. Deve-se então complementar com cintilografia para
quantificar a função renal e o padrão obstrutivo. Fig. 18.I.8 Uretero-hidronefrose acentuada.
A US pode auxiliar na detecção de duplicação pieloca-
licial identificando duas densidades no seio renal, separa-
das por faixa de parênquima renal. Tem importância no
pré- ou pós-miccional e repleção intensa da bexiga urinária.
diagnóstico de ureterolitíase, drenagem anômala do ure-
Na obstrução aguda o sistema coletor pode não estar dila-
ter distalmente ao trígono vesical (ureterocele, vesícula
tado, bem como a obstrução concomitante com doença cís-
seminal, uretra prostática) e na identificação da quantida-
tica configura um diagnóstico falso-negativo. Por outro lado,
de de parênquima da porção superior do rim duplicado.
o diagnóstico falso-positivo pode estar associado à pelve
A megacalicose (megacálice congênito) é considerada
extra-renal, megacalicose congênita, hiperidratação, pielo-
uma dilatação não-obstrutiva dos cálices como resultado
nefrite aguda, cisto peripélvico, período pós-obstrutivo, di-
de um subdesenvolvimento das pirâmides.
latação pós-operatória e refluxo vésico-ureteral.
Doença cística medular, numa de suas formas de apre-
Entre as causas de obstrução estão as anomalias congê-
sentação (rim espongiomedular), produz alterações nos tú-
nitas e as adquiridas.
bulos coletores na zona medular, que eventualmente podem
Entre as congênitas podemos citar as válvulas de ure-
ser evidenciadas ao exame ultra-sonográfico. As pirâmides
assumem uma ecogenicidade aumentada em relação ao tra posterior, estenoses uretrais e meatais, obstrução do
córtex renal devido à ectasia tubular cística dos ductos co- colo vesical, estreitamento ou obstrução da junção
letores, onde podem ser visualizados pequenos cálculos. pieloureteral e refluxo vésico-ureteral grave.
A US pode ser de grande importância na detecção des- Entre as causas adquiridas podemos citar os cálculos,
tas anomalias, oferecendo um diagnóstico rápido, sem uti- hiperplasia prostática benigna, doenças malignas com
lização de contrastes. metástases infiltrativas (colo uterino, próstata, bexiga),
processos inflamatórios (prostatite, uretrite ou ureterite),
coágulos, gestação normal, doenças funcionais (bexiga
Pontos-chave: neurogênica) e outras causas, como fibrose retroperitone-
Diagnóstico diferencial de cistos complexos al, diabetes insipidus e obstrução prévia.
• Cistos hemorrágicos
• Cistos infectados Pontos-chave:
• Cistos multisseptados
Causas de hidronefrose
• Abcesso
• Comuns
• Hematoma
Congênitas
• Carcinoma cístico de células renais
Válvula de uretra posterior, estenose
• Nefroma cístico multilocular
ureteral, meatal e de junção pielo-
ureteral, refluxo vésico-ureteral
UROPATIA OBSTRUTIVA
Adquiridas
A US tem sido o método de imagem de escolha no diag-
Hiperdistensão vesical, bexiga
nóstico dos processos obstrutivos. O grau de sensibilidade
da US em detectar obstrução é de 93 a 98%. Classifica-se neurogênica, hiperplasia prostática,
como leve, moderada, acentuada ou severa (Fig. 18.I.8), con- gestação, litíase, tumores, metástases
forme o grau de dilatação do sistema coletor. Outro dado • Incomuns
importante a ser detectado é a quantidade de parênquima Diabetes mellitus
renal, com valor prognóstico importante, maior inclusive Nefropatia de refluxo
que o grau de dilatação. Alguns dados técnicos devem ser Fibrose retroperitoneal
notados, como grau de hidratação do paciente, avaliação
capítulo 18 321

LITÍASE RENAL infecção do trato urinário em crianças para detecção de


A sensibilidade da US em detectar cálculo renal é supe- anormalidades congênitas, particularmente obstrutivas, e
rior àquela da radiografia convencional e é pouco menor as do refluxo vésico-ureteral. Os sinais ultra-sonográficos
que quando combinados os métodos radiografia conven- nestas doenças podem ser variados, desde achados ines-
cional e nefrotomografia. Atualmente o método com mai- pecíficos, como espessamento da mucosa da pelve renal e
or sensibilidade na detecção de litíase renal é a tomografia uma hipoecogenicidade ao redor do sistema coletor, e si-
computadorizada sem contraste. A sensibilidade de detec- nais objetivos, como aumento de volume renal unilateral
ção de ureterolitíase não é tão boa quanto a detecção in- com redução de ecogenicidade compatível com intenso
tra-renal. A localização nos segmentos proximais e distais edema, até a presença de abcesso intra-renal (Fig. 18.I.10).
é consideravelmente mais fácil. Devido à maioria dos cál- Nos casos de crianças com suspeita de refluxo vésico-
culos impactarem no ureter distal, é sempre recomenda- ureteral salientamos que a US é o primeiro exame por ima-
do o início do exame por este segmento. gem a ser indicado. São indicados outros exames, como
A visualização de cálculos não se baseia no conteúdo uretrocistografia miccional, urografia excretora e cintilo-
mineral do mesmo (Fig. 18.I.9). Basta, para tanto, consti- grafia, quando são visualizadas alterações como ectasia
tuir-se em uma estrutura sólida com dimensões suficien- ureteral ou hidronefrose em qualquer grau.
tes para refletir parte do feixe sonoro e apresentar (ou não)
sombreamento acústico posterior. TUMORES RENAIS
Pode ocorrer diagnóstico falso-positivo, devido a fato- A detecção de neoplasias renais de dimensões cada vez
res como, por exemplo, cicatrizes de processos inflamató- menores (⬍ 3 cm) deve-se ao fato de o exame ultra-sono-
rios antigos e gordura ou ar no sistema coletor, que mime- gráfico abdominal incluir o exame das lojas renais e maior
tizam a imagem de cálculo. As artérias podem aparecer número de rins serem examinados (Figs. 18.I.11 e 18.I.12 ),
como imagens ecogênicas, principalmente as de maior ca- bem como ao aumento da qualidade das imagens obtidas
libre, porém apresentam pulsação e atualmente podem ser pela tomografia computadorizada e pela US, que detectam
diferenciadas através da técnica duplex-Doppler e color- lesões não visualizadas na urografia excretora. Os autores
Doppler. Quando observamos placas ateromatosas o pro- são unânimes em que a tomografia constitui o melhor
blema ainda é maior, porque estas se manifestam com ecos método de detecção de pequenos tumores nos rins, devi-
de forte intensidade, podendo apresentar sombra acústi- do ao realce pelo contraste, e a US é o melhor método para
ca posterior. diferenciá-los entre textura sólida ou cística. Independen-
O diagnóstico diferencial também pode ser dificultado te do tamanho da lesão, não se pode por estes métodos de
em algumas colagenoses, como na esclerose sistêmica pro- imagem considerar uma lesão sólida benigna ou maligna.
gressiva, nas quais podem ocorrer lesões arteriais. O carcinoma de células renais representa de 1 a 3% de
todos os cânceres viscerais e aproximadamente 80 a 90%
DOENÇA INFLAMATÓRIA dos cânceres renais no adulto. Classicamente o paciente
A avaliação do sistema coletor, parênquima e espaço apresenta dor lombar, massa palpável e hematúria. Fre-
retroperitoneal adjacente é de extrema importância na ava- qüentemente observa-se hematúria como o primeiro sinal
liação da doença inflamatória ou evidência de infecção. da doença. As caraterísticas ultra-sonográficas mais co-
Tem valor de procedimento de screening na avaliação de muns correspondem à presença de massa de ecogenicida-
de diferente do parênquima renal sem reforço acústico
posterior (Figs. 18.I.13 e 18.I.14).

Fig. 18.I.9 Hidronefrose com cálculo na pelve renal. Fig. 18.I.10 Abcesso renal.
322 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

O estudo com Doppler colorido demonstra o grau de


vascularização e a imagem demonstra o comprometimen-
to da cápsula e da gordura perirrenal, bem como a presen-
ça e a extensão do trombo na veia renal e na cava inferior
(Fig. 18.I.15).

Pontos-chave:
Diagnóstico diferencial de massas renais
• Carcinoma de células renais
• Angiomiolipoma
Fig. 18.I.11 Tumor renal sólido.
• Carcinoma de células transicionais
• Oncocitoma
• Linfoma
• Tumor de células justaglomerulares
• Hipertrofia focal do parênquima
• Pielonefrite
• Metástases

APLICAÇÕES AVANÇADAS

Nefrostomia Percutânea
Fig. 18.I.12 Macroscopia do tumor renal sólido. Nefrostomia percutânea é uma técnica bem estabeleci-
da para derivação temporária ou permanente da obstru-
ção urinária. A US é escolhida como método por imagem
para direcionar a punção e colocação de cateteres para
derivação. O procedimento é rápido e com uma ótima re-
lação custo-benefício. O índice de complicações é baixo. A
única contra-indicação relativa é a diátese hemorrágica.

Biópsia Renal
Desde a introdução da biópsia renal percutânea, em 1949,
a técnica vem sendo continuamente desenvolvida. São inú-

Fig. 18.I.13 Tumor sólido em pólo superior.

Fig. 18.I.14 Tumor sólido no terço médio do rim. Fig. 18.I.15 Trombo na veia renal e veia cava inferior.
capítulo 18 323

meras suas indicações, entre elas estabelecer o provável diag- apresentaram retirada de menor número de glomérulos
nóstico da doença renal, auxiliar na terapia e determinar o com queda de hematócrito mais pronunciada. Atualmen-
grau de doença, se aguda ou crônica, e sua potencial reversi- te utilizamos agulhas Bard® 18 gauge, sendo recomenda-
bilidade. Atualmente a US é considerada padrão-ouro como da a retirada de dois fragmentos. Há casos como a nefrite
método de imagem auxiliar na biópsia renal (Fig. 18.I.16). lúpica proliferativa difusa, que necessita de um grande
Até 1982, eram utilizados aparelhos estáticos para a loca- número de glomérulos para se fazer o diagnóstico preci-
lização do rim. Com a utilização de aparelhos dinâmicos hou- so. Nestes casos a biópsia percutânea é insuficiente, sendo
ve acentuada melhora da técnica, que possibilitou a visuali- recomendada a biópsia a céu aberto.
zação simultânea da agulha e do rim durante o procedimen- A biópsia percutânea é contra-indicada quando há diá-
to e escolha do local ideal para a retirada do fragmento. tese hemorrágica não corrigida, quando há atrofia renal in-
Exames laboratoriais, como por exemplo tempo parcial dicativa de doença crônica irreversível, hipertensão severa,
de tromboplastina, tempo de protrombina, contagem de não controlada com medicação anti-hipertensiva, cistos
plaquetas e tempo de coagulação, são imprescindíveis para múltiplos bilaterais, tumor renal, hidronefrose, infecção re-
realização da biópsia. Para garantir a coagulação normal, nal ativa ou perirrenal e em pacientes não colaborativos.
os pacientes devem interromper o uso de aspirina e antiin-
flamatórios não-hormonais pelo menos uma semana an-
Pontos-chave:
tes do procedimento. O uso de heparina deve ser interrom-
pido no dia anterior. Se houver diátese hemorrágica deve Contra-indicações de biópsia renal
ser indicada biópsia a céu aberto. percutânea
A técnica de biópsia renal percutânea guiada por US é • Doença crônica irreversível
feita sob anestesia local. A localização do pólo desejado • Rins atróficos
evita a punção de vasos maiores. Determina-se o tamanho
• Hipertensão severa
renal, a presença de cistos, massas, obstruções ou coleções
• Cistos múltiplos bilaterais
perinéfricas não observadas em exames anteriores, que
quando presentes indicam a punção do rim contralateral. • Tumor renal
A tomografia computadorizada pode ser uma alternativa • Hidronefrose
como guia de biópsia, quando o rim é mal visualizado ou • Infecção renal ativa ou perirrenal
o paciente apresenta acentuada obesidade. • Rim único
O uso da US, em vez da fluoroscopia, trouxe vantagens • Pacientes não colaborativos
importantes, principalmente por ser inócua para o paciente
e para a equipe médica, mais eficiente e com pequeno ín-
São descritas na literatura complicações em 0,7 a 10,0%.
dice de complicações.
Em nosso material de estudo foram realizadas mais de
Uma ampla variedade de agulhas são utilizadas, depen-
2.500 biópsias, de 1982 até 2001. Foram observadas com-
dendo a escolha de preferência pessoal. O importante é a
plicações leves, como dor no local e hematúria leve, sem
obtenção do maior número de glomérulos. Há na literatu-
ra comparação entre vários tipos de agulhas descartáveis
para diagnóstico histológico. Agulhas finas de aspiração Pontos-chave:
também estão disponíveis para diagnóstico citológico, no
caso de tumores. As agulhas Tru-Cut®, de maior calibre, Complicações de biópsia renal percutânea
(dados da literatura)
• Hematúria microscópica transitória —
quase 100%
• Hematúria macroscópica transitória — 3 a
10%
• Hematoma perirrenal — 100% (mínimo a
maciço)
• Sangramento severo necessitando de
transfusão — 1 a 2%
• Cirurgia por sangramento — 0,1 a 0,4%
• Nefrectomia — 0,06%
• Obstrução por coágulos — 4%
• Índice de mortalidade — 0,08 a 0,12%
• Fístulas artério-venosas silenciosas — 18%
Fig. 18.I.16 Biópsia renal.
324 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

queda do hematócrito em grande número de pacientes.


Complicações importantes, como hematúria maciça, fo-
ram observadas em cinco pacientes, que necessitaram de
internamento e reposição de hemocomponentes. Nenhum
hematoma perirrenal foi compressivo a ponto de neces-
sitar de punção ou drenagem. Houve um óbito (0,0004%),
em paciente jovem, 19 anos de idade, portadora de lú-
pus eritematoso sistêmico, a qual persistiu com hema-
túria severa, associada a complicações pulmonares e
cardíacas e falência múltipla de órgãos relativas à doença
básica.

Punção de Cistos Renais Fig. 18.I.18 Técnica de detecção de fluxo.

O tratamento de escolha dos cistos renais é a punção


percutânea guiada pela US, por ser realizado em ambien-
vasculares, medindo-se sua freqüência ou velocidade, di-
te ambulatorial, de fácil execução, baixo custo, apresentan-
reção e características qualitativas e quantitativas.
do excelente acurácia e baixa morbi-mortalidade.
Nos rins normais o traçado característico é semelhan-
te ao da irrigação de leitos vasculares de baixa resistên-
Litotripsia Extracorpórea cia (p. ex., artéria carótida interna, testículos, endométrio
secretor, placenta, tumores ricamente vascularizados).
por Ondas de Choque Nas doenças que comprometem o fluxo tornando-o de
A litotripsia extracorpórea por ondas de choque atual- alta resistência, obtém-se um traçado com elevação do
mente é o tratamento de escolha para os cálculos renais. pico sistólico e redução da onda diastólica, fazendo-a ten-
Os aparelhos atuais podem utilizar-se da localização dos der à linha basal ou mesmo tornando-a negativa. Nos
cálculos por fluoroscopia e/ou US. No protocolo do pro- casos onde há um aumento do fluxo, como nas fístulas ar-
cedimento são encaminhados para tratamento os cálculos teriovenosas, o achado é de fluxo caótico com elevação da
acima de 0,9-1,0 cm, isto é, os cálculos que poderão provo- velocidade sistólica e diastólica. Nos segmentos esteno-
car obstrução do trato urinário ou os cálculos infecciosos sados observa-se elevação das velocidades sistólica e di-
que, devido à sua presença, mantêm-se com processos in- astólica.
fecciosos recorrentes.
Transplante Renal
Doença Vascular — Doppler
Nos enxertos a visualização ultra-sonográfica é pratica-
A dopplerfluxometria (dopplermetria, dopplerveloci- mente ideal pela localização superficial, tendo-se apenas
metria, duplex-Doppler) e dopplerfluxometria em cores a parede abdominal entre o transdutor e o rim. O aspecto
(triplex — Fig. 18.I.17; detecção de fluxo pulsátil — Fig. é semelhante ao rim primitivo, com discreto aumento de
18.I.18, e powerdoppler — Fig. 18.I.19) têm possibilitado o volume no pós-operatório, tendendo à normalização até o
estudo do fluxo sanguíneo em determinados segmentos sexto mês após a cirurgia.

Fig. 18.I.17 Doppler de artéria renal. Fig. 18.I.19 Powerdoppler. Fluxo vascular intra-renal.
capítulo 18 325

Pontos-chave:
Complicações do transplante renal
• Rejeição do enxerto
• Necrose tubular aguda
• Toxicidade do imunossupressor
• Causas urológicas
Linfocele
Urinoma
Hematoma
Abcesso
Estenose de ureter
Fig. 18.I.21 Complicação de transplante renal: coleção líquida
Estenose da artéria renal perirrenal compatível com linfocele.
Trombose venosa

As coleções perinéfricas pós-operatórias (linfoceles, ab- Em resumo, na avaliação do paciente pós-transplantado


cesso perinéfrico, urinomas, hematomas — Fig. 18.I.21) são com complicações, é fundamental a diferenciação entre re-
facilmente detectadas; entretanto, freqüentemente não se jeição (terapia imunossupressora), necrose tubular aguda
podem diferenciá-las, devendo-se correlacionar com a clí- (conduta expectante), toxicidade pela ciclosporina (redução
nica e o tempo de aparecimento. As obstruções ou esteno- da dose) e complicações urológicas (correção específica). O
ses ureterais parciais ou totais são complicações urológi- diagnóstico correto direciona para a terapia específica.
cas esperadas, porém a hidronefrose precoce é comum de-
vido à atonia ureteral e ao edema na anastomose vésico-
ureteral. As complicações vasculares (estenose da artéria BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
renal, infarto renal, trombose da veia renal, fístula arterio-
venosa) podem ser diagnosticadas pela dopplerfluxome- BABKA, J.C.; COHEN, M.S.; SODE, J. Solitary intrarenal cyst causing
tria. O exame Doppler colorido auxilia na rapidez do exa- hypertension. N. Engl. J. Med., 1974; 291:343.
me, porém a quantificação e a análise do fluxo devem ser BOSNIAK, M.A. The small (⬍ or ⫽ 3.0 cm) renal parenchymal tumor: De-
tection, diagnosis and controversies. Radiology, 1991; 179:207.
feitas com o duplex-Doppler (ou Doppler espectral — Fig. BROWN, E.D.; CHEN, M.Y.M. et al. Complications of renal transplanta-
18.I.20). tion: Evaluation with US and radionuclide imaging. Radiographics.
Tanto a rejeição aguda ou crônica, necrose tubular agu- 2000; 20:607.
da, toxicidade à ciclosporina, pielonefrites e infartos tam- CAGLIOTI, A.; ESPOSITO, C.; FUIANO, G. et al. Prevalence of symptoms
in patients with simple renal cysts. B.M.J., 1993; 306:430.
bém têm na US um auxílio diagnóstico. Nestas complica- COHEN, H.L.; BECKER, J.A. Taveras and Ferrucci. Radiology on CD-
ções médicas são indícios de alterações aumento de volu- ROM. Diseases of the kidney. Imaging of Renal Transplantation and
me, época do aparecimento, aumento de ecogenicidade do Its Complications. 2001. Radiology. Volume 4. Chapter 122.
parênquima renal, proeminência das pirâmides renais, FURIANO, G.; MAZZA, G.; COMI, N. et al. Current indications for renal
biopsy: A questionnaire-based survey. Am. J. Kidney Dis., 2000; 35:448.
perda de definição das estruturas renais e ectasia calicial
KIMBERLING, W.J.; FEIN, A.R.; KENYON, J.B. et al. Linkage heteroge-
discreta, que quando associadas a alterações do traçado neity of autosomal dominant polycystic kidney disease. N. Engl. J.
Doppler aumentam a precisão do método. Med., 1988; 319-913.
PLATT, J.F. Sem US CT MR. 1997;18-22. RICHTER, F.; KASABIAN, N.G.;
IRWIN, R.J. et al. Accuracy of diagnosis by guided biopsy of renal mass
lesions classified indeterminate by imaging studies. Urology, 2000; 55:348.
RAVINE, D.; GIBSON, R.N.; WALKER, R.G. et al. Evaluation of ultraso-
nographic diagnostic criteria for autosomal dominant polycystic kid-
ney disease 1. Lancet, 1994; 343-824.
RUMACK, C.M.; CHARBONEAU, J.W.; WILSON, S.R. Diagnostic Ultra-
sound. Mosby-Year Book, 2nd edition, 1998.
STILES, K.P.; YUAN, C.M. et al. Renal biopsy in high risk patients with
medical diseases of the kidney. Am. J. Kidney Dis., 2000; 36:419.
ZUNINO, D.; PITAKI, S.A.M. Investigação radiológica e ultra-sonográfica
em pacientes com infecção do trato urinário. J. Pediatr., 1991; 67:381-7.

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET


Ultrasonografia Abdominal
Fig. 18.I.20 Doppler da artéria renal do enxerto. http://www.radiologyinfo.org/content/ultrasound-abdomen.htm
326 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

Imaging the Human Body with Ultrasound Litíase Renal


http://www.yale.edu/ynhti/curriculum/units/1983/7/ http://www.niddk.nih.gov/health/kidney/pubs/stonadul/
83.07.06.x.html stonadul.html
Geniturinary Imaging: Ultrasound Litíase Renal
http://www.meddean.luc.edu/lumen/meded/urology/ http://www.aafp.org/afp/20010401/1329.html
ushome.htm Pionefrose
Doença Renal Policística http://www.brighamrad.harvard.edu/Cases/bwh/hcache/4/
http://www.niddk.nih.gov/health/kidney/pubs/polycyst/ full.html
polycyst.htm Angiomiolipoma
Câncer Renal http://www.emedicine.com/radio/topic28.htm
http://www.methodisthealth.com/cancer/kidney.htm Transplante Renal
Imagens Médicas http://www.emedicine.com/radio/topic374.htm
http://www.mic.ki.se/Medimages.html#radiol Tópicos
Ultra-sonografia http://www.alphasonic.com.br
http://www.radiologychannel.net/ultrasound/

II. IMAGEM RENAL POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA

INTRODUÇÃO Tumores renais


Princípios físicos Doenças difusas
Ressonância do núcleo Uropatia obstrutiva
Relaxamento T1 e T2 Doença inflamatória
Contrastes Doença vascular
INDICAÇÕES Transplante renal
Anomalias congênitas REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Doença cística ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

ção dos núcleos que estão sendo observados. O contraste


INTRODUÇÃO observado nas imagens é influenciado por outros fatores
físicos, incluindo diferenças da habilidade de cada núcleo
Princípios Físicos em reemitir o sinal de radiofreqüência absorvida, chama-
do de relaxação.
A designação de Ressonância Nuclear Magnética, isto A IRM é um mapa tomográfico da distribuição de pró-
é, um método de imagem com formação de imagem a par- tons da região observada. Além disso, as intensidades re-
tir do núcleo do átomo, foi abandonada devido ao fato de lativas dos tecidos normais e patológicos podem ser mo-
haver associação com energia nuclear, o que causava pâ- dificadas pela alteração de parâmetros operacionais espe-
nico em alguns pacientes, além de associar o método com cíficos nos protocolos de aquisição, de modo a enfatizar
o perigo de contágio por elementos radioativos. Atualmen- diferentes características físico-químicas de prótons espe-
te nos referimos ao método simplesmente como imagem cíficos, assegurando um excepcional contraste entre uma
por ressonância magnética (IRM). grande distribuição de diferentes tecidos.
A geração de IRM emprega métodos não-invasivos, O termo momento angular (spin) descreve o movimen-
sem radiação ionizante, e está associada com princípios to de rotação de um corpo e deve ser diferente de zero para
diferentes dos raios X, tomografia computadorizada e que ocorra o fenômeno de ressonância. Sem o momento
ultra-sonografia. A IRM representa a resposta relativa de angular, um núcleo não apresenta precessão ou oscilação,
um núcleo específico à energia de radiofreqüência absor- quando colocado num campo magnético. Sem precessão
vida. Tal como a radiografia ou ultra-sonografia, esta não vai haver ressonância, portanto não há sinal de resso-
imagem representa densidade, nesse caso, da distribui- nância nuclear magnética.
capítulo 18 327

De todos os átomos com núcleos não-pareados, o hidro- O grau que um tecido responde ao campo magnético
gênio é o mais simples por ter apenas um próton, sendo o aplicado é denominado de suscetibilidade magnética.
átomo mais importante para a formação de IRM — tam- Para produzir um sinal de RM que possa ser detecta-
bém por constituir dois terços de todos os átomos e estar do e processado de modo a criar uma imagem, o vetor de
distribuído por todos os tecidos e líquidos do ser huma- magnetização dever ser reorientado, para produzir um
no. Além disso, é altamente magnético e por isso propor- sinal nas bobinas receptoras ou antenas, que detectarão
ciona uma sensibilidade elevada na IRM. O núcleo do áto- um pulso eletromagnético ou de radiofreqüência (RF).
mo de hidrogênio é um próton carregado positivamente O paciente é colocado em um equipamento com forte
com momento angular associado. Esta situação represen- campo magnético, cuja medida é chamada Tesla (T) ou
ta uma corrente e leva a formação de um campo magnéti- Gauss (G). Atualmente os campos magnéticos utilizados
co, com dois pólos (dipolar 씮 norte e sul). apresentam entre 0,2 e 2,0 T ou de 2.000 a 20.000 G. Para
Os prótons num tecido com um momento magnético fins de comparação, o campo magnético terrestre é de apro-
dipolar tendem a alinhar-se aos campos magnéticos exter- ximadamente 0,0005 T ou 0,5 G (0,5 G no equador e 0,5 G
namente aplicados, agindo como magnetos em barra e re- nos pólos).
presentados por vetores, em magnitude e direção. Na au-
sência de campo magnético externo, os dipolos estão ori-
entados ao acaso no espaço.
Ressonância do Núcleo
Através da teoria quântica sabe-se que praticamente A precessão da Terra é o terceiro movimento executa-
metade dos prótons estão alinhados e paralelos ao campo do pelo nosso planeta (rotação, translação e precessão).
magnético. Uma proporção incrivelmente mínima, quan- Acontece apenas um movimento de precessão a cada
do estimulados, poderá ser suficiente para produzir o si- 20.000 anos.
nal de IRM. Os prótons de hidrogênio apresentam o mesmo tipo de
precessão, porém numa razão giromagnética muito mai-
or, ou seja, de 42,58 MHz/T (que equivale a um milhão de
ciclos por segundo quando submetidos a 1 Tesla). Esta fre-
qüência é conhecida como freqüência ressonante ou de
Larmor, onde a freqüência é proporcional à potência do
campo magnético aplicado.
A amplitude e a duração da RF podem ser controladas
para produzir diversos graus de angulação do vetor, que
vai do plano longitudinal para o plano transverso. Todos
os efeitos de contraste produzidos na RM manifestam-se
como alterações na magnetização transversa detectada pela
bobina receptora de RF.

Fig. 18.II.1 Núcleos atômicos (A) girando rapidamente e apresen-


tando momento magnético podem ser vistos como se fossem Pontos-chave:
pequenas barras magnéticas (B).
Fenômenos necessários para a formação de
imagem por RM
• Induzir de um campo magnético no
organismo
• Reorientar esse campo para um valor
conhecido
• Permitir que este campo retorne à sua
orientação original (relaxação)
• Detectar e medir o campo depois da
relaxação

Relaxamento T1 e T2
Após a excitação pela RF, os núcleos retornam ao equi-
Fig. 18.II.2 Precessão de um núcleo atômico em torno do campo líbrio, perdendo energia pela emissão de radiação eletro-
magnético. magnética e pela transferência de energia para os tecidos
328 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

a gordura, aparecendo brilhantes quando a imagem é ana-


lisada, pesada ou ponderada em T1.
O tempo de relaxação transversal ou spin-spin é medido
através do tempo T2, onde ocorre a transferência de ener-
gia para um núcleo vizinho. Após a excitação pela RF, os
spins executam o movimento de precessão, criando um com-
ponente de magnetização transversal. Nas seqüências pla-
nejadas para obter um tempo T2 longo dos tecidos, estrutu-
ras com tempo de relaxação T2 longo aparecerão brilhan-
tes, como por exemplo a maioria dos líquidos estáticos e teci-
dos edemaciados, sendo que nestes casos quando analisados
em T1 apresentarão sinal mais fraco ou nenhum sinal.

Fig. 18.II.3 A. Prótons alinhados com o campo B0. B. Após estí-


mulo de RF a 90°.

ou entre os mesmos. Este processo é denominado relaxa-


ção e tem início imediatamente após o pulso de RF.
Durante o processo de relaxação, os componentes lon-
gitudinal (Mz) e transversal (Mxy) da magnetização retor-
nam aos seus valores de equilíbrio.
Os processos envolvidos na relaxação dos componen-
tes transversal e longitudinal da magnetização são inde-
pendentes.
Entende-se como relaxação longitudinal ou spin-rede o
tempo T1, ou seja, o tempo necessário para que a magnetiza-
ção retorne a 63% de seu valor original, transferindo a ener-
gia entre os núcleos excitados e a rede ou os tecidos vizinhos. Fig. 18.II.5 Processo de relaxação. A. T1 é o intervalo de tempo
necessário para que a magnetização longitudinal retorne a 63%
Um tecido com recuperação rápida do tempo T1 apre- de seu valor original. B. T2 é o intervalo de tempo requerido para
senta uma intensidade maior de sinal, e por esta razão são que a magnetização transversal decaia 63% de seu valor original.
chamados tecidos com tempo de relaxação T1 curto, como T1 e T2 são independentes. T2 é sempre menor ou igual a T1.

Fig. 18.II.4 A. Na situação de equilíbrio a magnetização encontra-se alinhada com B0 e o componente transversal é nulo. B. Com
estímulo de RF aumenta o componente xy, sendo mensurável a magnetização nos planos transversal e longitudinal.
capítulo 18 329

Fig. 18.II.6 Paciente obesa posicionada em aparelho de resso-


nância magnética com magneto aberto. Fig. 18.II.8 IRM de gestação para demonstração da anatomia fe-
tal em imagens ponderadas em T1 e T2. Observe o líquido amni-
ótico sem sinal em T1 e com hipersinal em T2.

Contraste
O exame básico por RM deve incluir uma imagem pon-
derada em T1, pré- e pós-administração de contraste, para Pontos-chave:
detecção de gordura e hemorragia, como também o grau Informações primárias com seqüências
de vascularização de determinadas estruturas; uma ima- ponderadas em T2
gem ponderada em T2, para detectar líquido, cistos e suas
• Presença de aumento de líquido (livre ou
anormalidades, e imagem com supressão de gordura, para
o realce do acúmulo de líquido ou edema.
edema) em tecido doente 씮 alta
O contraste paramagnético é o gadolínio, que demons- intensidade de sinal
tra um realce de estruturas, vasos, tumores ou órgãos ri- • Presença de tecido fibrótico crônico 씮 baixa
camente vascularizados, quando analisados ou pondera- intensidade de sinal
dos em T1 (Fig. 18.II.7). • Presença de depósito de ferro 씮 baixa
intensidade de sinal
Pontos-chave:
Informações primárias com seqüências pré-
contraste ponderadas em T1 INDICAÇÕES
• Aumento anormal de conteúdo líquido ou
tecido fibroso 씮 baixa intensidade de sinal ANOMALIAS CONGÊNITAS
• Sangramento subagudo ou concentrado de Ausência (agenesia — Fig. 18.II.9), hipoplasia, rins ex-
proteínas ou gordura 씮 alta intensidade de sinal tranumerários, rins em ferradura (Fig. 18.II.10) e ectopia
renal cruzada-fundida podem ser diagnosticados pela US,
TC ou IRM. Há com freqüência uma relação com outros
processos patológicos, como obstrução, infecções e outras
anomalias congênitas. A duplicação do sistema coletor, a
hipertrofia da coluna de Bertin e o dismorfismo renal po-
dem ser detectados através da IRM. Lobulação fetal é ou-
tra variante normal que pode ser demonstrada com ima-
gens coronais na IRM, que demonstram contornos ondu-
lados, e imagens imediatamente após a administração de
gadolínio indicam espessamento cortical uniforme não-
tumoral.

DOENÇA CÍSTICA
Cistos são a causa mais comum de massa renal no adulto
e são comumente de localização cortical. Cistos corticais
Fig. 18.II.7 Corte coronal em T1 pós-contraste paramagnético (Fig. 18.II.11) são de formato oval, não realçam com gado-
(gadolínio) em fase nefrográfica. línio e têm margens bem definidas com o parênquima re-
330 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

A visualização pré- e pós-gadolínio é importante quando


garante o realce ou a ausência do mesmo na caracteriza-
ção dos cistos.
A doença policística autossômica dominante (DPAD —
Figs. 18.II.12, 18.II.13 e 18.II.14) é caracterizada pelo desen-
volvimento de cistos de dimensões variadas, os quais pro-
gridem com o tempo. A doença torna-se manifesta em
adultos, o que explica a denominação de doença policísti-
ca do adulto. Insuficiência renal é um evento tardio. A
doença é quase sempre bilateral, ainda que doença unila-
teral tenha sido descrita. Também podem ser encontrados
cistos em outros órgãos, incluindo fígado, baço e pâncre-
as. Estes pacientes têm risco de hemorragia cerebral pela
Fig. 18.II.9 Agenesia renal à esquerda. Paciente com 11 anos de presença de aneurismas.
idade. Reconstrução em 3D, com imagem ponderada em T2 com O aspecto típico da DPAD é de aumento bilateral dos
supressão de gordura.
rins, com múltiplos cistos, de dimensões variadas, alteran-
do a arquitetura renal. No início os cistos são pequenos,
aumentando com o tempo, alcançando grandes dimensões.
A intensidade de sinal alterada no interior dos cistos é
devido à presença de produtos de degradação da hemo-
globina, ou seja, devido a sangramento intracístico em di-

Fig. 18.II.10 Rins em “ferradura”, corte coronal com reconstru-


ção 3D após a injeção de contraste paramagnético (gadolínio).

nal. Cistos simples têm baixo sinal em imagens pondera-


das em T1 e alto sinal quando ponderadas em T2. São con-
siderados cistos simples quando contêm líquido com com-
posição semelhante à urina.
São chamados de cistos complicados quando contêm Fig. 18.II.12 Doença policística autossômica dominante, IRM axi-
al, com imagem ponderada em T1, nefrectomia à direita.
sangue, septações, calcificações ou tecidos inflamatórios.

Fig. 18.II.11 Cisto simples. A. T1; B. T2. Fig. 18.II. 13 Mesmo paciente, corte axial e imagem ponderada em T2.
capítulo 18 331

Carcinoma de células renais varia no seu aspecto. Em


imagens ponderadas em T1, eles apresentam tipicamente
menor sinal em relação ao parênquima normal (Figs. 18.II.15
e 18.II.16), porém podem conter alta intensidade de sinal
se apresentarem componentes hemorrágicos. Em imagens
ponderadas em T2, carcinomas de células renais são ge-
ralmente hiperintensos comparados ao rim normal; entre-
tanto, produtos de degradação da hemoglobina dentro do
tumor podem dar menor intensidade de sinal. Depois da
administração venosa de meio de contraste a maioria dos
carcinomas de células renais realça intensamente (Fig.
18.II.17), porém menos que o parênquima renal. As me-
tástases, linfomas, sarcomas, fibromas e os carcinomas de
Fig. 18.II.14 Mesmo paciente, corte coronal e imagem pondera- células transicionais são indistinguíveis dos carcinomas
da em T1. na IRM.
A IRM é o método de escolha para avaliação e classifi-
cação por estágios do tumor de Wilms. Intensidades de
ferentes idades. A utilização dos US como referência de sinal variáveis são vistos nas seqüências ponderadas em
volume na doença policística tem sido alterada pela medi- T1 e T2, dependendo da presença de componentes císticos
da realizada pela IRM, obtendo-se uma diferença de até e hemorrágicos. Os vasos e a extensão intravascular geral-
25% a mais no volume previamente obtido. A medição do mente são bem visualizados e são detectados os linfono-
volume e acompanhamento da DPAD com IRM demons- dos anormais.
tra maior acurácia no controle de sua evolução.
Outras doenças como displasia multicística, doença cís-
tica medular, doença cística adquirida associada à diálise
a longo prazo, nefroma cístico multilocular e rim espongi-
omedular têm na IRM um grande auxílio diagnóstico, de-
vido às características do contraste, resolução e aquisição
multiplanar, ainda com o benefício do contraste utilizado,
gadolínio, não ser nefrotóxico.

TUMORES RENAIS
A IRM dos rins e glândulas adrenais atualmente se equi-
para ou supera a tomografia computadorizada em acurá-
cia diagnóstica. Substitui a tomografia computadorizada
quando esta não pode ser realizada em pacientes com aler-
gia a contraste iônico ou que apresentam disfunção renal.
Contrastes baseados no gadolínio não reagem como os Fig. 18.II.15 Tumor renal sólido no terço médio do rim direito.
meios iônicos de contraste e não são nefrotóxicos. Estas Corte coronal com imagem ponderada em T1.
características são especialmente relevantes quando as
condições patológicas envolvem os rins e o uso de contraste
se faz necessário. Por exemplo, a avaliação de massa re-
nal na vigência de disfunção renal é limitada pela impos-
sibilidade de se administrar contraste iônico intraveno-
so. Isto porque o diagnóstico se baseia na demonstração
do realce do mesmo no interior da massa. Mantendo-se
os mesmos parâmetros da seqüência antes e depois da
administração do meio de contraste (quelatos de gadolí-
nio), o realce da massa renal pode ser avaliado acurada-
mente com a IRM. Diferentemente da tomografia compu-
tadorizada, critérios para realce patológico não foram ain-
da padronizados. Em pacientes preocupados com a expo-
sição à radiação ou para os quais exposição a contraste
iodado pode ser relativamente contra-indicada, a IRM é
o método de escolha. Fig. 18.II.16 Carcinoma de células renais, coronal T1.
332 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

primários mais comuns, mas podem ocorrer metástases em


inúmeras outras doenças malignas.
Em massas que não realçam na tomografia computado-
rizada, mas são complexas na ultra-sonografia, a IRM pode
ser decisiva na determinação da indicação cirúrgica. Deve-
se ter sempre em mente a dificuldade da IRM em não de-
tectar calcificações. A IRM é mais sensível que TC e a US
na detecção de trombos nas veias cava e renais, auxilian-
do o estadiamento pré-operatório destes pacientes.
Em crianças e pacientes com síndromes paraneoplá-
sicas a IRM é preferida pela ausência de radiação ioni-
zante.

Fig. 18.II.17 Tumor sólido no pólo inferior do rim esquerdo.


A. Pré-contraste (gadolínio). B. Pós-contraste. C. Ultra-sono- Pontos-chave:
grafia.
Tumores renais na IRM
• Realce pós-contraste paramagnético
O envolvimento linfomatoso do rim pode ocorrer por
(gadolínio) dos tumores
invasão direta de doença adjacente, ou infiltrado focal so- • Sensibilidade em detectar trombose tumoral
litário (também chamado de cloroma) ou múltiplo ou por na veia renal e veia cava inferior
infiltração difusa. O mais comum é o linfoma não-Hodgkin • Comprometimento da gordura perirrenal
e comumente por células tipo B. Freqüentemente apresen- • Carcinoma de células renais indistinguível
ta-se na IRM com baixo sinal em T1 e ligeiramente de outros tumores
hipointenso ou isointenso em T2, com realce heterogêneo
após a administração de gadolínio.
Somente os tumores que contêm uma grande quantida- DOENÇAS DIFUSAS
de de tecido adiposo, como os angiomiolipomas, lipomas Doenças difusas do parênquima renal são condições
ou hibernomas, podem ser caracterizados como benignos. médicas comuns e podem ser classificadas em várias cate-
Eles aparecem isointensos em relação ao tecido adiposo gorias, como doença glomerular, doença túbulo-intersticial
perinéfrico circundante, e no caso dos angiomiolipomas (Fig. aguda e crônica, nefropatia diabética e nefrosclerose, do-
18.II.18), que têm componente vascular, muscular liso e ença isquêmica das artérias renais, nefropatia obstrutiva e
gordura, tipicamente se apresentam com alta intensidade de doenças renais infecciosas.
sinal em imagens ponderadas em T1, realçando fracamente A IRM tem poucas indicações na avaliação da doença
com gadolínio. Nestes casos a realização de seqüências com renal parenquimatosa difusa.
supressão de gordura otimizam o diagnóstico. Perda da diferenciação córtico-medular (DCM) em pa-
Metástases para os rins são manifestações de doença cientes com elevada creatinina sérica foi descrita. Este é um
avançada. Câncer de pulmão e de mama são os tumores achado inespecífico, sendo observado em virtualmente
todas as doenças renais que resultam em diminuição da
função renal. A perda da DCM em pacientes com creatini-
na sérica entre 1,5 e 2,9 mg/dl aparece em aproximadamen-
te 50% do pacientes. A perda da DCM após a administra-
ção de gadolínio não foi observada até a creatinina sérica
atingir níveis de 8,5 mg/dl.
As manifestações clínicas da doença glomerular são
variáveis e vão desde anormalidades urinárias assintomá-
ticas, até a nefrite aguda, síndrome nefrótica e insuficiên-
cia renal crônica. Em pacientes com síndrome nefrótica, a
maioria com nefropatia membranosa, são apenas discre-
tos os achados na IRM.
Rins atróficos em estágio final aparecem com redução
intensa do volume, refletindo intensa hipovascularização
secundária à perda de suprimento arterial. Uma grande
Fig. 18.II.18 Angiomiolipoma. A. T1. B. Supressão de gordura. variedade de doenças em estágio final leva a rins atróficos,
C. Ultra-sonografia. podendo ser demonstrados nas IRM com pequeno volu-
capítulo 18 333

me e padrão característico de hipossinal devido ao tecido A nefropatia do refluxo representa alterações no parên-
fibrótico ou de cicatrização. quima renal secundárias ao refluxo de urina no interior do
O rim hipoplásico verdadeiro é congenitamente peque- sistema coletor do rim. Estas alterações são mais comuns
no, com menos papilas que o rim normal. Apresenta o sis- nas regiões polares. Retrações cicatriciais são comuns e
tema coletor e o córtex com aspecto e intensidade de sinal ocorrem superficialmente ao cálice dilatado. A pielonefri-
normais. Outras causas como trauma renal, cirurgia na in- te crônica é caracterizada pela combinação de dilatação
fância, radiação ou refluxo podem resultar em rins peque- calicial extensa e irregularidade com cicatrização do cór-
nos, similares aos rins hipoplásicos. tex adjacente.
O rim hiperplásico ou vicariante é o que resulta em aumen-
to de volume devido ao comprometimento crônico do rim DOENÇA INFLAMATÓRIA
contralateral ou pela ausência do mesmo. A hiperplasia é mais A pielonefrite aguda usualmente resulta no aumento de
pronunciada quando o estímulo original ocorre na infância. volume do rim afetado. A infecção é freqüentemente cau-
sada por um bacilo Gram-negativo devido a infecção as-
UROPATIA OBSTRUTIVA cendente do trato urinário inferior. Líquido perinéfrico
As alterações da nefropatia obstrutiva aguda e crônica são pode ser observado. Material proteináceo nos túbulos re-
bem conhecidas na IRM (Figs. 18.II.19 e 18.II.20). Na obstru- nais pode resultar em um aumento da intensidade de si-
ção aguda o tamanho do rim está aumentado e o contraste nal nas imagens ponderadas em T1 com supressão de gor-
persiste no parênquima renal com uma fase nefrográfica dura. Estas alterações podem evoluir para abcesso. A in-
prolongada. A DCM está diminuída em imagens pós- fecção via hematógena também pode ocorrer. Nas IRM o
gadolínio. Na obstrução crônica os rins inicialmente estão abcesso renal aparece como massa irregular com região
aumentados e, com o tempo, começam gradativamente a central sem sinal. Às vezes é difícil distinguir abcesso de
diminuir juntamente com a redução da perfusão renal. tumor renal. Exames seqüenciais devem ser realizados, no
sentido de avaliar sua resolução após o tratamento.
A pielonefrite xantogranulomatosa é uma infecção rara
que se desenvolve na presença de obstrução crônica, qua-
se sempre associada à infecção por Proteus mirabilis.
Diferentemente, a pionefrose é a infecção do sistema
coletor dilatado. Nas IRM observa-se a presença de debris
no conteúdo líquido com intenso realce pós-gadolínio das
paredes da pelve renal.
Com relação às hemorragias, intra-renal ou perirrenal,
elas podem ser visualizadas em pacientes com distúrbios
hemorrágicos, trauma, neoplasias e também nos pacientes
submetidos à litotripsia e à biópsia. A IRM é mais sensível
na detecção de hemorragia e coleções líquidas.

DOENÇA VASCULAR
Fig. 18.II.19 Obstrução renal à direita (planos coronal à esquer- A estenose da artéria renal é conhecida desde há muito
da e axial à direita em T1). tempo como causa de hipertensão e estágio final da doen-

Fig. 18.II.20 Obstrução renal por cálculo de ureter, urografia excretora, RM com projeção de intensidade máxima (MIP) e imagem
original, sem filtro ou reconstrução.
334 Ultra-sonografia Renal e Imagem Renal por Ressonância Magnética

ça renal. A doença renovascular está implicada, como causa


subjacente, em 1 a 5% dos pacientes com hipertensão e em
5 a 15% dos pacientes com doença renal terminal que se
incorporam a cada ano aos programas de diálise. Um ex-
tenso estudo de autópsias tem mostrado estenose da arté-
ria renal em 10% dos pacientes com diabetes mellitus com-
binada com hipertensão, em aproximadamente 22% dos
pacientes com aneurisma da aorta abdominal e em 45% dos
pacientes com doença vascular periférica.
A possibilidade de opções terapêuticas com uma boa
relação custo-benefício, que incluem a angioplastia intra-
luminal percutânea e a revascularização cirúrgica, tem
dado origem à investigação de modalidades de estudo não-
invasivas, que mantenham esta mesma relação. A angio- Fig. 18.II.22 Estenose da artéria renal direita, angiografia por RM
grafia por ressonância magnética (ARM) tem sido consi- com contraste e reconstrução 3D.
derada promissora por pesquisadores devido à sua não-
invasibilidade, além de ser o contraste paramagnético
(gadolínio) não-nefrotóxico, como previamente descrito. clerose, a DFM tende a afetar os terços médio e distal das
A utilização de contraste paramagnético permitiu o es- artérias renais, respeitando sua origem. O aspecto carac-
tudo das artérias renais em sua totalidade, incluindo seus terístico encontrado tem o formato em “colar de contas”.
ramos principais e artérias renais acessórias. Por outro lado, Em alguns estudos, a ARM com contraste tem obtido
sua rapidez, sua independência de quem as realiza, sua sensibilidade entre 83 e 96% e especificidade entre 92 e 98%.
elevada resolução espacial e contraste, assim como a au- As diferenças obtidas entre a ARM e a angiografia por
sência de efeitos colaterais, fazem da ARM com contraste subtração digital encontram-se basicamente nas limitações
uma boa alternativa para o estudo da patologia renovas- desta em detectar estenoses excêntricas, que podem pas-
cular. Em torno de dois terços das estenoses da artéria re- sar despercebidas.
nal (Fig. 18.II.22) são decorrentes de aterosclerose, poden- Os aneurismas da artéria renal podem produzir-se como
do estar localizada nas artérias renais ou formar parte de manifestação da doença aterosclerótica. Podem ser encon-
uma doença difusa. Em sua variedade difusa, a doença trados na vigência de neurofibromatose e da pan-arterite
aterosclerótica da aorta pode estender-se até a origem da nodosa. A natureza tridimensional dos estudos por ARM
artéria renal, comprometendo deste modo o fluxo sangüí- auxilia no estudo da estrutura dos aneurismas, estabele-
neo. Nestas ocasiões, são progressivas, tendem a afetar o cendo-se seu aspecto sacular ou fusiforme. Esta diferenci-
óstio ou o terço proximal da artéria renal e são freqüente- ação pode ter implicações terapêuticas, que ajudam a de-
mente excêntricas. cidir quais pacientes são tratados com técnicas de emboli-
Outra causa importante da estenose da artéria renal é a zação percutânea ou quais com cirurgia aberta.
displasia fibromuscular (DFM), uma patologia congênita O estudo da anatomia vascular tem valor potencial em
que afeta os pacientes mais jovens, e as mulheres com doadores vivos de rins. Antes de se extrair o rim, é im-
maior freqüência. Contrariamente às estenoses por ateros- portante assegurar-se de que o doador conservará um rim
normal. A falha de identificar artérias renais acessórias
antes da cirurgia pode complicar o transplante e compro-
meter a evolução. De maneira específica, a confiabilida-
de de estabelecer o número, o comprimento e a localiza-
ção das artérias renais é fundamental para planejar a ci-
rurgia.

TRANSPLANTE RENAL
A perda da DCM em imagens ponderadas em T1 no
enxerto renal é uma observação que sugere rejeição. Em um
estudo comparativo de acurácia entre IRM, cintilografia
quantitativa e sonografia para detecção de rejeição do en-
xerto renal, a sensibilidade para estas modalidades foi de
97, 80 e 70%, respectivamente. A perda da DCM, entretan-
to, é um achado inespecífico, observado também na toxi-
Fig. 18.II.21 Drenagem das veias renais na VCI, coronal T2, sem cidade pela ciclosporina e outras doenças infiltrativas di-
contraste. fusas ou parenquimatosas.
capítulo 18 335

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. ALI, M.G.; COAKLEV, F.V.; HRICAK, H. and BRETAN, P.N. Com-
plex post-transplantation abnormalities of renal allografts: Evalua-
tion with MR imaging. Radiology, 1999; 211:95.
2. BAKKER, J. et al. Renal volume measurements: Accuracy and
repeatability of US compared with that of MR imaging. Radiology,
1999; 211:623.
3. BOSNIAK, M.A. The small (⬍ 3.0 cm) renal parenchimal tumor:
Detection, diagnosis and controversies. Radiology, 1991; 179:307-
317.
4. HEISS, S.G.; SHIFRIN, R.Y. and SOMMER, F.G. Contrast-enhanced
three-dimensional fast spoiled gradient-echo renal MR imaging:
Evaluation of vascular and nonvascular disease. RadioGraphics, 2000;
20: 1341-1352.
Fig. 18.II.23 Enxerto renal em FID em corte coronal e seqüência 5. McCLENNAN. Syllabus: a Categorical Course in Geniturinary Radio-
com supressão de gordura. logy. RSNA, 1994.
6. HOHENWALTER, M.D. et al. Renal transplant evaluation with MR
angiography and MR imaging. Radiographics, 2001; 21:1505.
7. JINZAKI, M. et al. Angiomyolipoma: imaging findings in lesions
A estenose arterial é uma causa importante de falha do with minimal fat. Radiology, 1997.
enxerto renal. Seu diagnóstico precoce é importante, por- 8. LEONIDAS, J.C. and BERDON, W.E. MR Imaging of urinary tract
infections in children. Radiology, 1999.
que pode corrigir-se mediante angioplastia ou revascula- 9. LUFKIN, R.B. The MRI Manual. Mosby-Year Book, 1998.
rização cirúrgica. O método habitual para o diagnóstico das 10. NASCIMENTO, A.B.; MITCHEL, D.; ZHANG, X.M.; KAMISHIMA;
estenoses tem sido a angiografia convencional, porém a PARKER, L. and HOLLAND, G.A. Rapid MR imaging detection of
ARM com contraste mostra-se como alternativa segura e renal cysts: age-based standards. Radiology, 2001; 221:628.
11. NEIMATALLAH, M.A. et al. Magnetic resonance imaging in renal
não-invasiva. Antes de proceder-se à ARM com contraste, transplantation. JRMI, 1999; 10: 357.
sugere-se a realização de radiografia convencional no sen- 12. AMIN, R.S.; NIKOLAIDIS, P.; KAWASHIMA, A.; KRAMER, L.A.
tido de se observarem os clipes metálicos, que em grande and ERNST, R.D. Normal anatomy of the fetus at MR imaging.
número podem originar artefatos de imagem na RM, deven- RadioGraphics, 1999; 19: 201-214.
13. ROFSKY, N.M.; BOSNIAK, M.A. MR imaging in the evaluation of
do-se assim considerar-se outros métodos de diagnóstico. small (lesions lesser than 3.0 cm) renal masses. Clin North Am, 1997.
A IRM com e sem administração de gadolínio parece ser 14. ROFSKY, N.M.; WEINREB, J.C.; BOSNIAK, M.A.; LIBES, R.B.;
mais sensível na detecção de pequenos infartos em rins BIRNBAUM, B.A. Efficacy and safety in patients with renal insufi-
transplantados. ciency. Radiology, 1991; 180: 85-89.
15. PHILIPS. Princípios Básicos de Imagem por RM, 1998.
16. PRINCE, M.R. et al. Diagnosis of renal vascular disease with MR
angiography. Radiographics, 1999; 19: 1535-1554.
Pontos-chave: 17. PRINCE, M.R.; GRIST, T.M.; DEBATIN, J.F. 3D Contrast MR
Angiography. Springer, 1997.
Principais indicações de IRM renal 18. DONG, O.; SCHOENBERG, S.O.; CARLOS, R.C.; NEIMATALLAH,
• Anomalias congênitas: agenesia, hipoplasia, M.; CHO, K.J.; WILLIAMS, D.M.; KAZANJIAN, S.N. and PRINCE,
ectopia renal, rins em ferradura, lobulação M.R. Diagnosis of renal vascular disease with MR angiography.
RadioGraphics, 1999; 19: 1535-1554.
fetal 19. SEMELKA, R.C. MRI of the Abdomen and Pelvis: A Text-Atlas. Willey-
• Doença cística: cisto simples, cisto Liss, 1997; 379-469.
complexo, doença policística
• Tumores renais: diagnóstico diferencial com ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
cistos simples e complexos, estadiamento Introdução à Ressonância Magnética
(trombose tumoral, veia renal e veia cava http://www.sunnybrook.utoronto.ca:8080/~gawright/
menu-mr-nf.html
inferior, comprometimento da gordura
The Basics in MRI
perirrenal) http://www.cis.rit.edu/htbooks/mri
• Doença inflamatória: pielonefrites, Introdução à IRM
pionefrose obstrutiva, abcessos http://www.mritutor.org/mritutor/index.html
• Doença vascular: estenose da artéria renal Practice Guidelines
http://www.rsna.org/practice/practiceguidelines.html
(aterosclerose, displasia fibromuscular), Hidronefrose
trombose da veia renal http://www.shimane-med.ac.jp/IMAGE/MRURO/
• Transplante renal: complicações urológicas MRuroG.GIF
e vasculares Geral
http://www.alphasonic.com.br
capítulo 19 349

Vasos acessórios, originários das artérias principais, ou, ainda, dilatação de ambos os grupos caliciais (Fig.
poderão determinar obstrução ou não da junção pielou- 19.24).
reteral. Quando há dilatação da porção superior, esta é em con-
seqüência de ectopia ureteral extravesical ou ureterocele,
enquanto a dilatação da porção média e inferior está rela-
Anomalias de Fusão dos Rins cionada ao refluxo vésico-ureteral.
Isto implica fusão de duas estruturas, cada uma com sua
via excretora, e ectopia. ECTOPIA URETERAL
Sintomas e complicações são os mesmos já descritos. O termo é aplicado quando o ureter termina em local
anormal, podendo ser intra- ou extravesical.
Classificam-se em: Entre 70 e 80% das ectopias ureterais ocorrem em ure-
1. Fusão bilateral: rim em ferradura, havendo fusão nos ter com duplicação completa, e 20 a 30% são ureteres com
pólos superiores, inferiores ou em L; duplicação parcial ou simples (Fig. 19.21).
2. Fusão unilateral, com ectopia cruzada; Sendo os ureteres originários do ducto de Wolff, mes-
3. Rins fundidos pélvicos. mo ectópicos, estão acima do esfíncter externo no sexo
masculino. No sexo feminino, havendo regressão deste, o
orifício ureteral ectópico pode estar dentro ou fora do con-
Anomalias do Ureter trole esfincteriano, podendo ser encontrado no útero, trom-
pas, vagina e vestíbulo, derivados do ducto de Müller.
DUPLICAÇÃO Quando existe duplicidade completa, o ureter que dre-
Significa segmentação longitudinal, parcial ou comple- na a porção superior é o ectópico (lei de Weigert-Meyer).
ta dos ureteres. A anomalia associada mais freqüente é ureterocele.
Pode ocorrer refluxo uretero-ureteral nas duplicações Os sintomas habituais são infecção de repetição e per-
parciais, com estase e dilatação. da de urina constante nas mulheres, devido à implantação
Não havendo ectopia ureteral, geralmente estão livres extravesical do ureter.
dos sintomas; todavia, como qualquer anomalia, estão mais Devido à situação do orifício ectópico, é muito prová-
sujeitos à infecção, litíase e obstrução. vel haver obstrução com dilatação a montante (Figs. 19.22
Suspeita-se de duplicidade da via excretora quando, à e 19.23).
ultra-sonografia, observa-se interrupção do complexo eco- Como a maioria dos casos de ectopia ureteral ocorre em
gênico por faixa hipoecóica de textura semelhante ao pa- ureter com duplicação completa, a ultra-sonografia é muito
rênquima renal (Fig. 19.20). útil no seu diagnóstico, principalmente nos casos com hi-
Nos casos não complicados, não há evidências de di- dronefrose onde a função renal está seriamente compro-
latação dos sistemas pielocaliciais. Já nos casos compli- metida.
cados, pode ocorrer dilatação do grupo calicial superior
com grupo calicial médio e inferior normais e vice-versa

Fig. 19.21 Esquema das duplicidades ureterais e suas complica-


ções mais comuns. A. Duplicidade parcial. B. Duplicidade com-
Fig. 19.20 Duplicidade da via excretora superior não complica- pleta. C. Duplicidade completa com ureterocele. D. Duplicidade
da. Ultra-sonografia. Corte longitudinal do rim D demonstran- ureteral com ureterocele insinuada na uretra. E. Duplicidade ure-
do interrupção do complexo ecogênico por faixa hipoecóica, re- teral com ureter ectópico na uretra. F. Duplicidade ureteral com
presentando o parênquima. ureter ectópico na vagina.
350 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Fig. 19.22 Menina de nove anos de idade com


perda constante de urina. Ureter ectópico na ure-
tra. A. O urograma mostrou duplicidade comple-
ta da via excretora esquerda, com sinais de hidro-
nefrose da via excretora superior (seta). B. Na
uretrocistografia miccional, refluxo de contraste
para o ureter implantado na uretra (setas).

Ao urograma suspeita-se de outro sistema não-funcio- URETEROCELE


nante quando existe efeito de massa no pólo superior do É a dilatação cística congênita ou adquirida do ureter
rim e o sistema funcionante apresenta-se desviado para terminal, secundária a estenose do meato ureteral.
baixo e lateralmente (Figs. 19.22 e 19.23). Se alguma fun- Pode ser simples ou ectópica, em ureter simples (Fig.
ção renal estiver presente, o ureter pode ser identificado, e 19.25) ou duplicado (Fig. 19.26).
algumas vezes pode-se ver o ureter drenando ectopicamen- Sua origem está relacionada à dificuldade de drena-
te na bexiga ou fora dela. gem do ureter e sempre em relação com o assoalho vesi-
Se o ureter implantar-se na uretra, pode ser demonstra- cal.
do à uretrocistografia miccional, caso ocorra refluxo uretro- A ureterocele simples é rara em crianças, enquanto a
ureteral (Fig. 19.22B). ectópica é própria delas, e mais no sexo feminino, a gran-
Quando o ureter tem implantação na vagina, a vaginogra- de maioria em ureter duplicado e drenando a porção su-
fia pode ser útil, revelando refluxo para o ureter (Fig. 19.23B). perior (lei de Weighert-Meyer).

Fig. 19.23 Menina de 14 anos de idade com perda


constante de urina. Ureter ectópico na vagina. A.
Urograma excretor mostrou dupla via excretora à
direita, com dilatação e fraca opacificação da via
excretora do pólo superior (seta). B. Realizadas a
cistografia e a vaginografia (setas), nesta última
houve passagem de contraste para o ureter que
drena o pólo superior do rim.
capítulo 19 351

Há quase sempre hidronefrose associada, no mesmo rim de ureteral, sendo esta imagem chamada de “sinal da ca-
e do lado oposto nos casos de ureteroceles volumosas que beça de cobra”. Ao urograma, observa-se ainda ausência
obstruem o óstio ureteral (Fig. 19.25). de excreção ou excreção retardada em relação ao pólo in-
A ureterocele pode ainda insinuar-se no colo vesical, ferior (Figs. 19.24 e 19.26).
levando ao quadro de obstrução uretral (Fig. 19.26B). As pequenas ureteroceles podem ser mascaradas na
Facilmente diagnosticada na ultra-sonografia como uretrocistografia miccional, quer pela densidade do con-
imagem cística, de paredes finas, intravesical, em continu- traste, quer pelo aumento da pressão intravesical colapsan-
ação com o ureter dilatado e associada a hidronefrose ou do-as, ou ainda por herniação para dentro do ureter, simu-
displasia do segmento afetado (Fig. 19.24). lando divertículo vesical.
No urograma e uretrocistografia apresenta-se como fa- Atualmente um dos tratamentos para ureterocele é o seu
lha de enchimento arredondada no interior da bexiga. rompimento via endoscópica, e nestes casos freqüentemen-
Quando no urograma enche-se de contraste, apresenta-se te se nota que o ureter afetado passa a apresentar, como
circundada por halo radiolucente, correspondente à pare- complicação, refluxo vésico-ureteral.

BEX
U

A B

C D

Fig. 19.24 Duplicidade completa da via excretora superior com ureterocele. A e B. Ultra-sonografia. A. Corte longitudinal do rim E
mostrando duplicidade com dilatação da unidade superior e inferior com predomínio do primeiro. B. Corte longitudinal da bexiga,
demonstrando dilatação do ureter distal, o qual termina em estrutura cística intravesical, correspondente à ureterocele (U). C. Ure-
trocistografia miccional, demonstrando refluxo vésico-ureteral à E para a unidade inferior. D. Urografia excretora revelando desvio
lateral e inferior do sistema pielocalicial da unidade inferior à E e exclusão funcional do pólo superior. Observar a falha de enchi-
mento intravesical em C e D, que representa a ureterocele (U).
352 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Ocorre com maior freqüência no lado esquerdo, em rins


em ferradura, ectópicos e mal rodados.
Os fatores predisponentes são: vasos renais aberrantes,
aderências, inserção alta do ureter, estenoses e displasia da
musculatura lisa, a qual pode ser em conseqüência de re-
fluxo.
Sintomas podem aparecer devido à obstrução aguda,
com dor abdominal e vômitos, associados a infecção de
repetição, cólica nefrética e hematúria.
Tanto na ultra-sonografia como no urograma, os acha-
dos são os mesmos; pelve e cálices dilatados, sendo na
maioria dos casos a pelve desproporcionalmente maior que
os cálices. Não há dilatação ureteral (Figs. 19.27 e 19.28).
Aconselha-se a investigação de refluxo vésico-ureteral.

MEGAURETER
Doença predominante da criança. Pode ser bilateral ou
unilateral, mais à esquerda.
Caracteriza-se por existir um curto segmento distal do
Fig. 19.25 Menina de um ano de idade com infecção urinária. No
ureter de calibre normal, com grande dilatação a montan-
urograma excretor evidenciou-se hidronefrose bilateral por obs-
trução ao nível da junção vésico-ureteral, por grande ureterocele te; uropatia obstrutiva funcional.
(seta), pertencente a ureter único à esquerda. Há várias teorias para explicar a causa: aganglionose,
hipertrofia de fibras musculares e excesso de tecido fibroso.
Os sintomas decorrem da obstrução funcional, com dor
na fossa ilíaca, infecção, hematúria, levando à hidronefro-
OBSTRUÇÃO DA JUNÇÃO PIELOURETERAL se e à redução da função renal.
É a dificuldade do fluxo de urina da pelve para o ure- O diagnóstico é realizado utilizando-se urograma com
ter, determinando hidronefrose, infecção, litíase, pielone- alta dose de contraste ou pielografia descendente, demons-
frite e progressiva destruição do parênquima renal. trando-se o segmento aperistáltico e aparentemente estrei-
Pode ser bilateral, predominando num lado. tado do ureter distal (Fig. 19.29C).

Fig. 19.26 Menina de oito meses de idade com infecção urinária e hidronefrose bilateral. A. O urograma excretor mostrou defeito de
enchimento na bexiga (setas) por ureterocele pertencente a ureter que drena o grupo calicial superior direito, o qual não se opacificou
em virtude da obstrução. Hidronefrose das vias excretoras à direita e da via excretora à esquerda. B. A uretrocistografia miccional
mostrou refluxo vésico-ureteral bilateral, sendo, à direita, para o ureter que drena os grupos caliciais médio e inferior. As setas indi-
cam defeito de enchimento na uretra correspondendo a insinuação da ureterocele no canal uretral.
capítulo 19 353

A B
Fig. 19.27 Estenose da junção pieloureteral. A. Ultra-sonografia. Corte longitudinal do rim D, mostrando dilatação dos cálices e pelve
renal. B. Urografia excretora demonstrando os achados radiográficos típicos da estenose da junção pieloureteral.

Fig. 19.28 Hidronefrose bilateral em menina de seis meses de idade. A. Radiografias simples do abdome, de frente e perfil, mostran-
do que a massa é mais evidente no perfil, pelo deslocamento das vísceras para a frente. B. Urograma excretor mostrando o sinal do
crescente no pólo superior do rim esquerdo aos 20 minutos. C. Na radiografia tardia houve opacificação dos sistemas pielocaliciais
e sinais de obstrução da junção pieloureteral bilateral por estenose congênita (setas).
354 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

A B

Fig. 19.29 Megaureter primário. A e B. Ultra-sonografia. Corte da bexi-


ga mostrando dilatação do ureter distal. B. Dilatação do sistema pielo-
calicial. C. Pielografia descendente demonstrando estreitamento do ure-
C ter distal com dilatação a montante do ureter e sistema pielocalicial.

A ultra-sonografia demonstra o ureter dilatado, e em 2. Incompletas, com variantes.


alguns casos o segmento distal estreitado (Fig. 19.29A).
Não há diagnóstico clínico, suspeitando-se em casos de
A realização da uretrocistografia miccional é importante
anomalias da genitália, ânus e coluna vertebral inferior.
para excluir que a alteração não se deva a refluxo vésico-
Os exames diagnósticos complementares são ultra-so-
ureteral.
nografia, urograma, uretrocistografia e cistoscopia.

ANOMALIAS CONGÊNITAS Divertículos


DA BEXIGA Os divertículos vesicais podem ser congênitos ou adqui-
ridos. Os divertículos congênitos (verdadeiros) são raros.
Úraco Os mais comuns são os adquiridos, conseqüentes da her-
niação da mucosa através de um defeito da muscular.
São raras, e os sintomas variam com o seu grau de per-
Nas crianças, são habitualmente simples, predominan-
meabilidade.
do em torno do trígono.
Classificam-se em:
Não há sintomas característicos, sendo encontrados na
1. Úraco permeável investigação de infecção, dificuldade de micção e enurese.
2. Divertículo vésico-úraco O exame para o diagnóstico é a ultra-sonografia e a ure-
3. Cisto umbilical. trocistografia miccional (Fig. 19.30).

Duplicações Complexo Extrofia-Epispádia


Anomalias complexas comprometem o aparelho uriná-
São muito raras e classificam-se em:
rio e rotineiramente afetam as estruturas músculo-esque-
1. Completas léticas do abdome inferior.
capítulo 19 355

B B

D D

A B
Fig. 19.30 Divertículo vesical. A. Ultra-sonografia. Corte longitudinal da bexiga mostrando estrutura cística de contornos irregula-
res, que se comunica com a bexiga. B. Cistografia demonstrando a bexiga (B) e o divertículo (D).

Classificam-se em: A causa parece estar relacionada à deficiente integração


1. Epispádias com continência, situando-se abaixo do do ducto de Wolff nas paredes da uretra ou persistência
esfíncter externo; da membrana urogenital.
2. Epispádias com incontinência, acima do esfíncter A obstrução causará freqüentemente alteração nos rins,
externo. ureteres, bexiga, colo vesical e uretra proximal à obstrução.
O aparecimento de sintomas é muito variado, quer quan-
Na extrofia clássica, a mais comum, a bexiga está exte-
to à época de início quer quanto ao tipo. Vêem-se casos com
riorizada, vêem-se os orifícios ureterais, a epispádia e a
dias de vida, e autores relatam casos na segunda década.
separação da sínfise pubiana.
Podem ocasionar infecção de repetição, hematúria, di-
Nos meninos, existe pênis reduzido; nas meninas, lábi-
minuição do jato, micção interrompida, incontinência e até
os separados, clitóris bífido e vagina estreita.
insuficiência renal.
Há sinais de uropatia obstrutiva, uni- ou bilateral, associ-
O diagnóstico é feito com a uretrocistografia miccional,
ada a pielonefrite. A causa da obstrução é o prolapso e me-
demonstrando-se a válvula, dilatação da uretra a montan-
taplasia da mucosa vesical adjacente aos orifícios ureterais.
te, bexiga de esforço, com hipertrofia da parede, e divertí-
culos (Figs. 19.32 e 19.33). Às vezes, modificações do colo
ANOMALIAS CONGÊNITAS vesical e refluxo vésico-ureteral em um terço dos casos.
Suspeita-se de válvula de uretra posterior quando, na
DA URETRA ultra-sonografia, observa-se dilatação do sistema pieloca-
licial e ureter bilateralmente, com bexiga grande, de pare-
As anomalias da uretra são várias, e seu conhecimento des espessadas, e dilatação da uretra posterior (Fig. 19.31).
atual deve-se à introdução da uretrocistografia miccional É importante salientar a necessidade deste diagnóstico ain-
como exame complementar de rotina. da no período intra-uterino, para que se possa intervir no
feto, no sentido de aliviar o processo obstrutivo, e assim
preservar a função renal.
Válvulas Uretrais A cintilografia renal é o exame indicado para a avalia-
São pregas da mucosa que determinam obstrução ao ção da função renal, pois a obstrução uretral pode deter-
fluxo normal da urina durante a micção. Obstrução signi- minar hidronefrose e atrofia renal secundária, mesmo nos
ficando obstáculo, com dilatação a montante da válvula, casos sem refluxo, por dificuldade de drenagem ureteral
refluxo de contraste para utrículo e canalículos prostáticos em bexiga de alta pressão.
e sinais de bexiga de esforço. Complementar a investigação radiológica com urogra-
Sendo a anomalia obstrutiva mais comum da uretra, há ma, que, além de avaliar a função, permite uma visualiza-
grande número de casos na literatura. ção panorâmica da anatomia do aparelho urinário (Figs.
Do ponto de vista prático, é própria do sexo masculino, 19.32 e 19.33).
e sua classificação clássica, a de Young, tem três tipos: Tipo Nos casos de válvula de uretra posterior nos quais o pro-
I, Tipo II e Tipo III. cesso obstrutivo é grave e de longa data, desenvolve-se dis-
A B C
Fig. 19.31 Válvula de uretra posterior. Ultra-sonografia. A. Corte longitudinal do rim D e E mostrando acentuada hidronefrose. B.
Corte transversal da bexiga demonstrando espessamento da parede vesical (Bex) e dilatação ureteral. Ureter D (UD). Ureter E (UE).
C. Corte longitudinal da bexiga apresentando espessamento da sua parede, observar a uretra posterior dilatada (UP).

Fig. 19.32 Válvula de uretra posterior. A. Ure-


trocistografia miccional, presença de dilatação
da uretra posterior e refluxo vésico-ureteral à
E. B. Urografia excretora. Houve exclusão fun-
cional do rim E, presença de uretero-hidrone-
frose à D, por dificuldade de esvaziamento
A ureteral devido à alta pressão intravesical.
capítulo 19 357

Fig. 19.33 Menino de 13 meses de idade com válvula de uretra posterior. Infecção urinária grave. A. Bexiga de contorno irregular
com divertículo ao nível do trígono. Dilatação da uretra posterior devida a estreitamento importante provocado pela válvula (seta).
Ausência de refluxo. B. No urograma excretor, exclusão funcional do rim direito e eliminação do contraste à esquerda com baixa
densidade e dilatação do sistema pielocalicial (seta). Sinais de atrofia de parênquima renal por infecção.

plasia das vias excretoras, e nestes casos, mesmo após ali- No homem, são classificadas em glandular (40-50%),
viado o processo obstrutivo, as vias excretoras superiores peniana (25-30%), peno-escrotal (10-15%) e perineal. Pode
permanecem dilatadas. existir estenose do meato (Fig. 19.35).
O diagnóstico diferencial inclui a síndrome de prune-belly. No sexo feminino, a incidência é maior do que a espe-
rada, situando-se o meato na parede vaginal anterior obli-
quamente, em qualquer nível.
Divertículo da Uretra Anterior
São dois tipos: um com bolsa local abrindo-se na uretra
e outro com dilatação de todo um segmento da uretra, HIDRONEFROSE
denominado megauretra.
A forma sacular pode determinar obstrução, com sin- Hidronefrose significa dilatação do sistema pielocali-
tomas de infecção e micção interrompida. cial e do ureter ou apenas do primeiro. Na hidronefrose,
O diagnóstico é obtido com uretrocistografia miccional o volume do rim pode estar aumentado, diminuído ou
(Fig. 19.34). normal.
Algumas vezes o rim pode estar parcialmente aumen-
Duplicidade da Uretra tado, como nos casos de duplicidade de via excretora, em
que uma delas pode estar hidronefrótica. O aumento de
Pode ser completa e incompleta, havendo variações. volume do rim é o resultado da dilatação do sistema pie-
São anomalias encontradas em associação com hipospá- localicial e não necessariamente é devido ao aumento de
dias e epispádias. espessura do parênquima, mesmo porque pode haver
Os sintomas são infecção, jato em dupla abertura e in- grande aumento de volume do rim, com atrofia do parên-
continência. quima renal.
A hidronefrose pode ser de causa obstrutiva, por reflu-
Hipospádias xo vésico-ureteral, e pode ocorrer, ainda, por anomalia
congênita da parede do ureter, como na síndrome de prune-
Ocorrem por desenvolvimento incompleto da uretra, belly e megaureter primário congênito.
havendo deformidade do pênis, proporcional ao grau de As causas de obstrução da via excretora são as mais va-
hipospádia. riadas, podendo ser classificadas como intrínsecas e extrín-
Estão associadas a criptorquidia em 15% dos casos e, secas. As intrínsecas são aquelas que estão relacionadas
quando o meato uretral é próximo ao ângulo peno-escro- com a luz do ureter, podendo ser adquiridas, como cálcu-
tal, o escroto é bífido. los (Fig. 19.36), ureteroceles (Fig. 19.25), pólipos, coágulos
358 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

A B
Fig. 19.34 Divertículo de uretra anterior. Uretrocistografia miccional demonstrando bexiga alongada e de contornos irregulares. A.
Durante a micção houve enchimento de formação diverticular na porção distal na uretra peniana (setas). B. Final de micção mos-
trando melhor a formação diverticular (setas).

Ponto-chave:
• A hidronefrose pode ser de causa
obstrutiva, por refluxo vésico-ureteral, e
pode ocorrer, ainda, por anomalia congênita
da parede do ureter

Achados Radiológicos
A radiografia simples do abdome pode mostrar aumen-
to de volume do rim, ou massa com densidade de partes
moles, que representam importante dilatação do ureter.
Fig. 19.35 Menino de 10 anos de idade com infecção urinária e Além disto, a radiografia simples será necessária para a
hipospádia. Na uretrocistografia miccional houve dilatação da visualização de concreções opacas que estejam projetadas
uretra devido à estenose de meato uretral (seta) em paciente com no parênquima renal ou via excretora, significando, na
hipospádia. maioria das vezes, cálculos renoureterais (Fig. 19.36A).
Como não raramente há exclusão funcional do rim, a
ultra-sonografia, mais uma vez, é o grande método tanto
etc., e congênitas, como estenoses das junções pielourete- triador como diagnóstico, e embora não avalie a função
rais (Figs. 19.27 e 19.28) e vésico-ureterais (Fig. 19.29), ure- renal, demonstra a anatomia do parênquima. Determina
ter ectópico na vagina (Fig. 19.23) ou uretra (Fig. 19.22) etc. não só o nível da dilatação como também muitas vezes a
Como causas extrínsecas, temos os processos expansivos natureza da hidronefrose.
intra-abdominais e especialmente os retroperitoneais benig- Nos casos de obstrução alta, como na estenose da junção
nos e malignos (Fig. 19.37) e os de natureza inflamatória (abs- pieloureteral, há dilatação dos cálices e pelve renal, não se
cessos e massas ganglionares), que provocam obstrução pelo identificando dilatação ureteral (Fig. 19.27A), enquanto nos
fator compressivo exercido especialmente sobre o ureter. casos de obstrução ureteral baixa e refluxo vésico-ureteral,
Além dos processos expansivos, geralmente retroperi- além da dilatação dos cálices e pelve, existe dilatação do
toneais, temos ainda as compressões vasculares (ureter ureter (Figs. 19.29A e 19.39A e B). Quando a obstrução está
retrocava) e as bridas ao nível da junção pieloureteral. ao nível da uretra, esta dilatação será bilateral (Fig. 19.31).
capítulo 19 359

Fig. 19.36 Menino de cinco anos de idade com


infecção urinária. Uretrocistografia miccional
normal. A. Radiografia simples mostra cálcu-
lo coraliforme no sistema pielocalicial esquer-
do (seta); B. No urograma excretor, aos 3 mi-
nutos, houve efeito nefrográfico indicando que
o rim esquerdo está diminuído de volume e de
contorno regular; C. Aos 30 minutos, sinais de
enchimento no bacinete determinado pelo cál-
culo (seta).

No urograma, em virtude de a eliminação do contraste se vocada pelo processo obstrutivo e pela infecção, o retorno
fazer lentamente e estar retardada, será importante a realiza- da função dependerá do grau de comprometimento do
ção de radiografias tardias para que o contraste opacifique a parênquima (Fig. 19.33).
via excretora e determine o local da obstrução (Fig. 19.28). Na vigência de um processo obstrutivo, haverá estase
A dificuldade de excreção do contraste está relaciona- pieloureteral, fato que propicia a instalação da infecção.
da com a atrofia do parênquima renal e com o grau de hi- Em virtude da dilatação calicial, os ductos coletores se
pertensão dentro da via excretora (Figs. 19.12 e 19.28). dilatam e mudam de orientação, propiciando, durante a
Caso o parênquima seja normal, tão logo o processo sua opacificação, o aparecimento de imagem linear densa,
obstrutivo seja afastado, o rim recuperará sua função nor- em forma de meia-lua, chamada “sinal do crescente” (Fig.
mal. Nos casos em que houver atrofia do parênquima, pro- 19.28B), e, menos freqüentemente, pontilhados densos dis-

Fig. 19.37 Menina de 13 anos de idade, com


massas abdominais por linfossarcoma. A. No
urograma excretor, aos 15 minutos, eviden-
ciou-se eliminação lenta do contraste à esquer-
da e sinais de hidronefrose bilateral. B. Aos 60
minutos, sinais de hidronefrose bilateral com
obstrução do terço distal dos ureteres e com-
pressão da bexiga (setas).
360 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

postos em curva. Estes dois sinais possibilitam realizar


precocemente o diagnóstico de hidronefrose e costumam
estar presentes nos 10 primeiros minutos do exame.
Para que se faça o diagnóstico definitivo de hidronefro-
se, será necessária a presença da dilatação da via excreto-
ra, que pode restringir-se ao sistema pielocalicial, nos ca-
sos de obstrução da junção pieloureteral (Fig. 19.27) e tam-
bém do ureter, nos casos de obstrução ao nível do seu ter-
ço distal (Fig. 19.29).
Nos casos de obstrução ao nível dos ureteres, os cálices
costumam estar proporcionalmente mais dilatados que o
bacinete, e nos casos de obstrução da junção pieloureteral,
o bacinete está mais dilatado do que os cálices.
As estriações no bacinete e ureter proximal são um si-
nal de dilatação da via excretora superior, principalmente
Fig. 19.38 Menina com infecção urinária com refluxo vésico-ure- nas hidronefroses por refluxo vésico-ureteral (Fig. 19.38).
teral bilateral — grau III. No urograma excretor presença de es- A hidronefrose por refluxo ocorrerá naqueles refluxos
triações do bacinete esquerdo (setas). de graus IV e V (Fig. 19.39).

A B

Fig. 19.39 Refluxo vésico-ureteral. A e B. Ultra-sonografia. A. Corte


transversal da bexiga mostrando dilatação dos ureteres distais. Ure-
ter direito (UD). Ureter esquerdo (UE). B. Corte longitudinal do rim D
e E demonstrando acentuada dilatação dos cálices e pelve renais com
conteúdo ecogênico, correspondente a pus. O parênquima renal apre-
senta-se reduzido de espessura, hiperecogênico e com perda da dis-
tinção córtico-medular. C. Cistografia. Presença de refluxo vésico-ure-
teral grau V bilateral.
capítulo 19 361

Fig. 19.40 Refluxo vésico-ureteral. Uretrocistografia. Radiografia


panorâmica pós-miccional mostrando refluxo vésico-ureteral pri-
mário grau V bilateral.

B
Durante a ultra-sonografia ou o urograma, a via excreto-
ra pode ser normal ou quase normal, e durante a uretrocis-
tografia miccional, em virtude do refluxo, a via excretora
poderá apresentar-se bastante dilatada. Assim sendo, será
indispensável a uretrocistografia miccional para melhor
avaliação dos ureteres e sistemas pielocaliciais (Fig. 19.41).
Nos casos de obstrução da junção vésico-ureteral com
hidronefrose, será necessária a realização de uretrocistogra-
fia miccional para diagnóstico diferencial entre hidronefro-
se por refluxo e obstrução da extremidade distal do ureter.
Nos casos de hidronefrose por ureterocele, a presença
de defeito de enchimento arredondado na bexiga ou ure-
tra será importante para este diagnóstico. Quando a
ureterocele for grande, poderá haver obstrução do meato
ureteral do lado oposto (Fig. 19.25).
Em ureter ectópico na uretra e vagina, a realização de
uretrocistografia miccional e vaginografia, respectivamen-
te, trará os subsídios necessários para o diagnóstico final C
(Figs. 19.22B e 19.23B).
Outros exames ainda poderão ser utilizados para comple-
mentar a investigação, tais como: pielografia descendente (Fig.
19.29), arteriografia renal e tomografia computadorizada.

REFLUXO
Refluxo é o retorno do conteúdo líquido de um compar-
timento para outro, sendo da bexiga para o ureter (refluxo Fig. 19.41 Refluxo vésico-ureteral. A. Ultra-sonografia. Corte lon-
gitudinal do rim D e E mostrando rim D normal, rim E reduzido
vésico-ureteral) ou dos cálices para os túbulos coletores de volume, sinal de nefropatia por refluxo. B e C. Uretrocistografia
(refluxo intra-renal) (Fig. 19.44), podendo ocorrer antes ou miccional. B. Demonstrando uretra e bexiga normais. C. Presen-
durante a micção e ser uni- ou bilateral (v. Cap. 26). ça de refluxo vésico-ureteral grau IV bilateral.
362 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Fig. 19.42 Menina de cinco anos de idade com infecção urinária moderada. A. Início da micção, bexiga contraindo-se. Uretra normal.
B. Aparecimento de refluxo. A seta indica o esfíncter externo parcial aberto. C. Refluxo vésico-ureteral primário, grau III à direita.

Fig. 19.44 Menina de cinco meses de idade com infecção uriná-


ria. A e B. Uretrocistografia miccional com refluxo vésico-urete-
ral bilateral, sendo à direita intra-renal (seta).

䉳 Fig. 19.43 Menina de 10 anos de idade com infecção urinária gra-


ve. A. No urograma excretor há sinais de dilatação de cálices de
ambos os lados com atrofia do parênquima, principalmente em
pólos superiores (setas). B. Na uretrocistografia miccional, reflu-
xo primário bilateral grau IV à E e grau III à D.
capítulo 19 363

Na pesquisa de RVU, o exame indicado é a uretrocisto- Nos casos de infecção e processos obstrutivos, o reflu-
grafia miccional e, se necessário, complementada com a xo deverá desaparecer após removida a causa que o mo-
ultra-sonografia. tivou.
O exame de eleição para investigar e avaliar o refluxo é
a uretrocistografia miccional, não sendo suficiente a sim-
ples cistografia, pois ele poderá ocorrer somente durante
a micção.
Pode-se flagrar a dilatação intermitente das vias excre-
toras superiores durante o exame ultra-sonográfico, porém
o exame normal, tanto ultra-sonográfico como urográfico,
não exclui o refluxo vésico-ureteral, tornando-se impres-
cindível a realização da uretrocistografia miccional (Fig.
19.41).
Podemos classificar o RVU de várias maneiras, como:
1. Primário: quando há anomalia de implantação do
ureter na parede vesical estando alterado o mecanis-
mo anti-refluxo (Fig. 19.40).
2. Secundário: quando a implantação do ureter é normal,
mas por fatores outros, como infecção urinária, pro-
cessos obstrutivos do trato urinário inferior (Fig. 19.32),
implantação do ureter na uretra (Fig. 19.22), e em di-
vertículos vesicais etc., o refluxo poderá ocorrer.

Classificação do refluxo vésico-ureteral, segundo a


sua intensidade (Fig. 19.45):
1. Grau I — Somente para o ureter.
2. Grau II — Refluxo para o ureter, pelve e cálices,
porém sem dilatação.
3. Grau III — Refluxo com pequena dilatação do ure-
ter, pelve e cálices e discreto borramento dos fór-
nices caliciais (Figs. 19.42 e 19.43B).
4. Grau IV — Dilatação mais acentuada do ureter,
pelve e cálices, maior borramento dos fórnices e
ureter tortuoso (Fig. 19.41C).
5. Grau V — Acentuada dilatação do ureter, pelve e
cálices e acentuada tortuosidade dos ureteres (Fig.
19.40).

Fig. 19.46 Menina de dois anos de idade com infecção urinária,


dupla via excretora e hidronefrose à direita. A. No urograma
excretor, aos 10 minutos, evidenciou-se dilatação dos grupos
caliciais médios e inferiores e ureterocele (setas). B. Aos 30 mi-
nutos, opacificação do grupo calicial superior D (seta), com si-
nais de hidronefrose e obstrução ureteral pela ureterocele. A re-
pleção vesical dificulta a visualização da ureterocele. C. Uretro-
cistografia miccional mostrando refluxo vésico-ureteral primá-
Fig. 19.45 Classificação internacional do refluxo vésico-ureteral, rio, grau III, para o ureter que drena os cálices médios e inferio-
segundo a sua intensidade. res direitos.
364 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Fig. 19.47 Menina de oito anos de idade, com infecção urinária de repetição. A. No urograma excretor, aos 10 minutos, não houve
eliminação de contraste pelo pólo inferior do rim esquerdo. Sinais de duplicidade completa da via excretora esquerda e quase com-
pleta à direita. B. Radiografia tardia com opacificação e dilatação dos grupos caliciais médio e inferior esquerdos. C. Radiografia
mais tardia (nove horas), mostrando retenção do contraste nos cálices e bacinete da via excretora E, por obstrução da junção pielou-
reteral. D. Uretrocistografia miccional com refluxo vésico-ureteral para a via excretora inferior, grau III, mostrando a junção pielou-
reteral de calibre reduzido (seta). Uretra normal.

Fig. 19.48 Menina de oito meses de idade com infecção urinária. A. Urograma excretor mostrando dilatação e duplicidade parcial da
via excretora direita, com atrofia renal localizada. B. Na uretrocistografia miccional evidenciou-se refluxo vésico-ureteral bilateral,
grau III à direita e grau II-a à esquerda. Uretra normal.
capítulo 19 365

Assim sendo, podemos ter lesões isoladas da inervação


da bexiga ou dos esfíncteres ou lesões associadas.
O músculo detrusor é a unidade responsável pela con-
tração e esvaziamento vesical; baseando-se na sua contra-
tilidade, pode-se classificar a bexiga neurogênica em dois
tipos: do tipo detrusor arreflexo e do tipo detrusor hiper-
reflexo, antigamente denominados, respectivamente, be-
xiga neurogênica hipotônica e hipertônica.
Na bexiga neurogênica do tipo detrusor arreflexo, a le-
são geralmente é do arco reflexo sacral (neurônio motor
inferior). Os achados radiográficos serão de uma bexiga
grande e de contornos regulares. Quando os esfíncteres são
competentes ou parcialmente competentes, o trato uriná-
rio superior costuma ser normal. A micção ocorre por trans-
bordamento, ou seja, quando a pressão intravesical ultra-
passar a competência dos esfíncteres haverá micções inter-
mitentes (Fig. 19.50, Fig. 19.52 e Fig. 19.54).
Na bexiga neurogênica do tipo detrusor hiper-reflexo,
Fig. 19.49 Menina de três anos de idade com infecção urinária e a lesão está acima do neurônio motor inferior ao nível do
refluxo vésico-ureteral bilateral importante, grau III. Uretra nor- cérebro ou medula espinhal, e nestes casos aparecem sinais
mal. No urograma evidenciou-se atrofia de rim direito com áre- de bexiga de esforço, com forma alongada, de contornos
as de retração do parênquima (seta lateral) e dilatação e distor- irregulares e com pseudodivertículos. Quando os esfínc-
ção dos cálices. teres são competentes ou parcialmente competentes, fre-
qüentemente haverá hidronefrose devido ao refluxo vési-
co-ureteral ou à dificuldade de esvaziamento ureteral em
O refluxo vésico-ureteral costuma ocorrer quando há bexiga de alta pressão (Fig. 19.51 e Fig. 19.53).
duplicidade completa da via excretora, sendo notado no A presença de refluxo vésico-ureteral ocorre em dois ter-
ureter que drena os grupos caliciais médio e inferior (Figs. ços dos pacientes e sinais de pielonefrite crônica na maio-
19.46 e 19.47). ria, mesmo que não haja refluxo. Por isso, torna-se necessá-
O RVU e a infecção urinária (pielonefrite crônica) po- ria a realização da ultra-sonografia para o estudo da anato-
dem impedir o crescimento do rim ou torná-lo mais len- mia do trato urinário superior, complementada com a cin-
to que o normal e provocar atrofia localizada (Fig. 19.48) tilografia para avaliação da função renal (Fig. 19.50).
ou difusa do parênquima (Fig. 19.49), podendo chegar à A uretrocistografia miccional torna-se imperiosa nestes
exclusão funcional, sendo estes sinais de nefropatia de re- pacientes, embora nem sempre seja um exame simples de
fluxo. se realizar, devido à falta de controle da micção pelo paci-
ente. Na bexiga neurogênica do tipo detrusor arreflexo,
facilitamos a micção comprimindo a bexiga com uma câ-
BEXIGA NEUROGÊNICA mara de ar. Na bexiga neurogênica do tipo detrusor hiper-
reflexo, haverá micção involuntária já com pequena quan-
Bexiga neurogênica constitui-se em um transtorno fun- tidade de líquido na cavidade vesical.
cional importante, no qual o funcionamento sincrônico
entre a contração vesical e esfíncteres uretrais desaparece.
O esfíncter interno é o responsável pelo fechamento e INFECÇÃO URINÁRIA
abertura involuntários da uretra proximal, enquanto o es-
fíncter externo é responsável pela abertura e fechamento A infecção urinária é mais comum na menina do que no
voluntários da uretra (Fig. 19.7). menino, e para uma boa investigação será necessária a re-
O esfíncter interno está ao nível do colo vesical, enquan- alização da ultra-sonografia e da uretrocistografia miccio-
to o esfíncter externo está ao nível da uretra membranosa nal, por vezes complementada com a cintilografia e/ou
(Fig. 19.8). urograma.
A bexiga neurogênica ocorre quando existe alteração da Na maioria dos casos, a infecção não está associada a
inervação da parede vesical ou dos esfíncteres, quer por anormalidades anatômicas ou funcionais do aparelho uri-
lesões congênitas — disrafismo, agenesia de sacro e mie- nário.
lomeningocele, quer por lesões adquiridas — traumatis- Quando estas existem, as mais comuns são: o RVU pri-
mos ou tumores que afetem as raízes nervosas que saem mário e os processos obstrutivos, sejam do trato urinário
do canal raquidiano. superior ou inferior.
366 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

RIM E

RIM D

A B

Fig. 19.50 Bexiga neurogênica do tipo detrusor arreflexo. A. Ultra-so-


nografia. Corte longitudinal do rim D e E. Rim E ecograficamente nor-
mal, rim D diminuído de volume, com sinais de atrofia do parênqui-
ma, notável principalmente no seu pólo superior (setas). B. Uretrocis-
tografia miccional. Bexiga urinária de capacidade aumentada e contor-
nos irregulares, micção intermitente por transbordamento e ausência
de refluxo vésico-ureteral. C. Urografia excretora, reforçando os acha-
dos ecográficos. Sinais de pielonefrite crônica à D.

Fig. 19.51 Bexiga neurogênica do tipo detrusor hiper-


reflexo. A. Uretrocistografia miccional. Bexiga alon-
gada, de contornos irregulares com formações pseu-
dodiverticulares. Uretra de aspecto anatômico. Au-
sência de refluxo vésico-ureteral; no entanto, na uro-
grafia excretora (B) há exclusão funcional do rim D e
o rim E apresenta acentuada dilatação da via excreto-
B ra superior.
capítulo 19 367

Fig. 19.52 Menino com bexiga neurogênica, com dificuldade à


micção por espasmo de esfíncter externo (seta proximal) e jato fino
(seta distal). A uretra posterior está dilatada e há refluxo de con-
traste para dentro dos canalículos prostáticos (seta proximal).

O exame radiológico poderá ser absolutamente normal


em crianças portadoras de infecção. Fig. 19.53 Menina nascida com mielomeningocele. Bexiga neu-
rogênica. Na uretrocistografia miccional evidenciou-se dificulda-
O Quadro 19.2 ilustra a rotina de investigação utilizada de de micção por espasmo de esfíncter interno (seta). A bexiga
no nosso serviço para pacientes com infecção urinária, di- está alongada e de contorno irregular. Refluxo vésico-ureteral bi-
vidindo-os de acordo com a faixa etária. lateral, grau IV. Sinais de bexiga neurogênica.

Quadro 19.2

0-5 anos

Ultra-sonografia

Uretrocistografia
miccional

Normal Patológico

↓ ↓
Cintilografia
Acompanhamento ultra-

sonográfico a cada 6 meses


Normal Patológico
↓ ↓
Acompanhamento Urografia
ultra-sonográfico excretora

⬎ 5 anos

Ultra-sonografia

Normal Patológico
↓ ↓
Fim Uretrocistografia
miccional

Normal Patológico
↓ ↓
Fim Cintilografia

Urografia excretora
368 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Nos casos de infecção aguda, tanto a ultra-sonografia


quanto o urograma são pouco sensíveis, mostrando alte-
rações somente em um terço dos casos.
A ultra-sonografia quando anormal pode revelar o rim
aumentado de volume com alteração da sua ecotextura,
assim como a urografia excretora pode revelar dilatação da
pelve renal, cálices e ureter por hipotonia da via excretora
(íleo paralítico reflexo).
Nos casos de infecção crônica, observa-se hiperecoge-
nicidade do parênquima renal com perda da distinção
córtico-medular. Tanto na ultra-sonografia como no uro-
grama os rins são pequenos e de contornos irregulares, com
retração e distorção do sistema pielocalicial em virtude da
fibrose do parênquima renal (Figs. 19.50 e 19.55).
A capacidade de excreção do contraste pode estar redu-
zida, podendo chegar à exclusão funcional nos casos de
sérios danos do parênquima.
A uretrocistografia miccional tem como objetivos ava-
liar o esvaziamento vesical, a presença de refluxo vésico-
ureteral, a capacidade contrátil da bexiga e a anatomia da
uretra. A existência de refluxo vésico-ureteral facilita a
transferência de urina infectada para a via excretora supe- Fig. 19.55 Menina de 12 anos de idade com infecção urinária apre-
rior e para o parênquima renal (Fig. 19.44). A dificuldade sentando refluxo vésico-ureteral à direita. Urograma excretor
de esvaziamento vesical por processo obstrutivo da ure- mostrando sinais de dilatação dos cálices e ureter à direita, com
tra, como na válvula de uretra posterior (Fig. 19.33) e di- sinais de atrofia do parênquima renal, principalmente em pólo
vertículo de uretra anterior (Fig. 19.34), ou causa funcio- superior, e diminuição da distância entre os cálices e a coluna
(seta).

nal, como na bexiga neurogênica (Fig. 19.51), facilita a ins-


talação e a manutenção da infecção, assim como propicia
o desenvolvimento da hidronefrose por refluxo ou por
dificuldade de drenagem dos ureteres em bexiga de alta
pressão.
Resta à cintilografia com DMSA o papel de avaliação da
função do parênquima renal, tanto nos processos agudos
como nos cicatriciais.
Em alguns tipos de infecção, especialmente na tubercu-
lose, além do que já foi descrito, podemos encontrar alte-
rações como depósito de contraste nas papilas, significan-
do necrose papilar, e ureteres de contorno irregular, devi-
do a pequenos defeitos de enchimento na coluna de con-
traste, determinados por lesões císticas na superfície inter-
na do ureter, que recebe o nome de ureterite cística, depó-
sitos de contraste no parênquima, em cavidades tubercu-
losas, estenoses ureterais e redução da capacidade vesical.
Nos casos de atrofia renal importante, o diagnóstico
diferencial deverá ser feito com hipoplasia renal.

NEFRITES

Fig. 19.54 Menina com mielomeningocele e bexiga neurogênica.


A glomerulonefrite aguda e crônica e a síndrome nefró-
A uretrocistografia miccional mostrou bexiga hipotônica, de con- tica são as doenças mais comuns do parênquima renal (v.
torno liso e espasmo de esfíncter externo (seta). Caps. 22 e 23).
capítulo 19 369

Embora não haja uma correlação entre o aspecto ecográ-


fico e o tipo histológico, a ultra-sonografia constitui o me-
lhor método de avaliação anatômica do parênquima renal.
Os achados consistem em aumento da ecogenicidade do
rim com perda da sua arquitetura normal (Fig. 19.56).
Normalmente o parênquima renal tem ecogenicidade
menor que a do parênquima hepático, e quando ocorrer
qualquer alteração da textura daquele para mais deve-se
suspeitar de patologia. Convém ressaltar que no recém-
nascido e lactente pequeno a textura do parênquima renal
normalmente é semelhante à hepática, e não deve ser con-
fundida com patologia.
Os pacientes com nefrites que evoluem para insuficiên-
cia renal crônica freqüentemente apresentam complicações
cardiovasculares e osteodistrofia renal (Fig. 19.57).
Fig. 19.57 Osteodistrofia renal crônica. Radiografia do tórax de uma
criança de seis anos com insuficiência renal crônica, observe o au-
mento da densidade óssea do arcabouço costal e os sinais de raqui-
TUMOR DE WILMS tismo (alargamento e irregularidade das extremidades dos arcos
costais e metáfises proximais dos úmeros). No abdome notar a cal-
Segundo Potter, o tumor de Wilms resulta da prolifera- cificação dos rins (nefrocalcinose) e cateter de diálise peritoneal.
ção anormal do blastoma metanéfrico e por isto é chama-
do de metanefroblastoma. Raramente é congênito.
O tumor de Wilms está entre os dois primeiros tumores Achados Radiológicos
malignos na criança.
Em 90% dos casos ele é encontrado abaixo de cinco anos, Na radiografia simples de abdome, poderemos eviden-
sendo 70% até os três anos. Em 95% dos casos é unilateral. ciar a massa que, às vezes, ultrapassa a coluna vertebral.
O tumor de Wilms e a hidronefrose correspondem às Raramente encontramos calcificações em tumor de Wilms,
duas causas mais importantes de aumento de volume do sendo estas comuns no neuroblastoma, carcinoma renal e
rim na criança. de supra-renal.
Os achados clínicos mais importantes são: massa no flan- À ultra-sonografia, o tumor de Wilms apresenta caracte-
co e hematúria. A investigação radiológica deverá ser fei- rísticas muito variadas (Fig. 19.58A) e geralmente tem tex-
ta inicialmente com a ultra-sonografia preferentemente tura mista com áreas sólidas heterogêneas e áreas císticas que
precedida pela tomografia computadorizada, e esta pode representam locais de necrose ou hemorragia tumoral.
ser seguida pela arteriografia renal. Quando o tumor é predominantemente exofítico, a ultra-
O diagnóstico diferencial deverá ser feito com neuroblas- sonografia pode ter dificuldade em identificar a origem re-
toma, nefroma mesoblástico (hamartoma renal) e teratomas. nal da lesão; e como grandes massas do pólo superior do rim
podem simular neuroblastoma ou tumor hepático e a ultra-
sonografia pode ser falha na diferenciação destas patologi-
as, é então importante a complementação com o urograma,
o qual mostrará deslocamento do rim em virtude do cresci-
mento extrínseco do tumor, distorção do sistema pielocali-
cial com sinais de compressão, dilatação e desvio dos cáli-
ces e dos seus ramos de sustentação (Fig. 19.58C).
O ultra-som tem demonstrado melhor precisão na pro-
cura de trombos na veia cava inferior (VCI) e átrio direito
(AD) que a tomografia computadorizada (Fig. 19.58B),
enquanto a tomografia computadorizada tem sido mais
efetiva na avaliação de lesões expansivas, nas extensões
retroperitoneais e na pesquisa de pequenas metástases
hepáticas e pulmonares, além de ser mais sensível que a
radiografia simples para a evidenciação de pequenas cal-
cificações (Fig. 19.59).
Fig. 19.56 Glomerulonefrite — Ultra-sonografia. Rim direito e Menos freqüentemente, vamos encontrar sinais de invasão
esquerdo diminuídos de volume, com aumento da ecogenicida- da via excretora pelo tumor e, algumas vezes, exclusão funcio-
de do parênquima e perda da diferenciação córtico-medular. nal do rim, que representa destruição do parênquima renal.
370 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

A B C
Fig. 19.58 Tumor de Wilms. A e B. Ultra-sonografia. A. Corte longitudinal do rim D mostrando grande lesão expansiva sólida no pólo
superior do rim D. B. Corte longitudinal da veia cava inferior demonstrando trombo na sua luz. C. Urografia excretora do mesmo pa-
ciente revelando a lesão expansiva intra-renal no pólo superior do rim D com distorção e deslocamento dos cálices para baixo.

O aumento de volume do rim poderá ser importante,


chegando a massa a ultrapassar a coluna vertebral.
As metástases deste tipo de neoplasia fazem-se mais
comumente para o pulmão e, às vezes, para o fígado, sis-
tema linfático e raramente esqueleto.
Na venocavografia, podemos encontrar sinais de com-
pressão e desvio da cava, bem como obstrução.

Ponto-chave:
• O ultra-som tem demonstrado melhor
precisão na procura de trombos na veia
cava inferior (VCI) e átrio direito (AD) que a
tomografia computadorizada

TROMBOSE DA VEIA RENAL


A

A trombose da veia renal mais comumente é unilateral,


podendo ser bilateral. É mais comum no recém-nascido do
que nos lactentes.
Na maioria das vezes (80%), a trombose da veia renal
está relacionada com hipovolemia e hemoconcentração,
devidas à desidratação e septicemia. Os tumores renais ou
perirrenais podem invadir a veia renal e provocar obstru-
ção da mesma.
Como achados clínicos importantes, na fase aguda, sa-
B lientam-se a palpação e o aumento de volume do rim; con-
comitantemente, ocorre hematúria.
Fig. 19.59 Tumor de Wilms — Tomografia computadorizada. A. Atualmente o exame ultra-sonográfico juntamente com
Corte axial ao nível dos rins demonstrando lesão expansiva re- a cintilografia são os exames de escolha no diagnóstico e
nal direita, com área hipodensa central, correspondente à área de
necrose. B. Corte axial do tórax do mesmo paciente revelou ima- acompanhamento da trombose da veia renal.
gem nodular no pulmão direito; tratava-se de uma metástase O aspecto ecográfico depende da fase em que o exame
única. é realizado, fase aguda ou tardia.
capítulo 19 371

Na fase aguda, o rim apresenta-se aumentado de volu-


me e hiperecogênico; esta alteração da textura pode ser BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
difusa ou local, ou ainda exibir um padrão misto.
BERTSCHY, C.; BAWAB, F.; LIARD, A.; VALIOULIS, I.; MITROFANOFF,
Após duas semanas ocorre o restabelecimento da dife- P. Enterocystoplasy complications in children. A study of 3 cases. Eur
renciação córtico-medular, e após dois meses aparecem os J Pediatr Surg; 10 (1):30-4, 2000 Feb.
sinais de atrofia renal. Estes achados incluem redução do CUSHING, B.; SLOVIS, T.L. Imaging of Wilms’ tumor: what is impor-
volume renal com aumento da ecogenicidade do parênqui- tant? Urol Radiol; 14:241-251, 1992.
DALLA-PALMA, L.; POZZI-MUCELLI, F.; POZZI-MUCELLI, R.S. De-
ma e perda da distinção córtico-medular. layed CT findings in acute renal infection. Clin Radiol; 50:364-370, 1995.
Como complemento da ultra-sonografia pode-se utili- FULTZ, P.J.; HAMPTON, W.R.; TOTTERMAN, M.S. Computed tomogra-
zar o Doppler, o qual demonstrará ausência de fluxo. phy of pyonephrosis. Abdom Imaging; 18:82-87, 1993.
A evolução de um rim com trombose da sua veia renal GOLDMAN, S.M.; FISHMAN, E.K. Upper urinary tract infection; the
current role of CT, ultrasound, and MRI. Semin Ultrasound CT MR;
poderá fazer-se de três formas, do ponto de vista anatomo- 12:335-360, 1991.
patológico: KAWASHIMA, A.; SANDLER, C.M.; GOLDMAN, S.M.; RAVAL, B.K.;
a. O rim apresenta área localizada de atrofia e volta a ter FISHMAN, E.K. CT of renal inflammatory disease. Radiographics;
função normal, em virtude da intensa circulação colateral 17:851-866, 1997.
OZOKUTAN, B.H.; KUCUKAYDIN, M.; GUNDUZ, Z.; KABAKLIOGLU,
que se instala, na tentativa de suprir a função da veia renal. M.; TURAN, C. Urolithiasis in childhood. Pediatr Surg Int; 16 (1-2):60-
b. Atrofia renal moderada com recuperação da função, 3, 2000.
podendo simular hipoplasia renal. SCHWARTZ, B.F.; STOLLER, M.L. The vesical calculus. Urol Clin North
c. Atrofia renal grave com ou sem calcificações, exclu- Am; 27 (2):333-46, 2000 May.
SIEGEL, M.J.; LUKER, G.D. Pediatric applications of helical (spiral) CT.
são funcional do rim e atrofia da artéria renal. As calcifica- Radiol Clin North Am; 33:997-1022, 1995.
ções têm aspecto reticular e estão relacionadas com as vei- SONG, J.H.; HANSEN, K.; WALLACH, M.T. Extrarenal Wilms’ tumor. J
as renais trombosadas. Ultrasound Med; 16:149-151, 1997.
Uma das complicações da trombose da veia renal com STRIFE, J.L.; SOUZA, A.S.; KIRKS, D.R. et al. Multicystic dysplastic kidney
in children: US follow-up. Radiology; 186:785-788, 1993.
atrofia renal, principalmente, será o desenvolvimento de SUSUKI, K.; MIYAKE, H.; TASHIRO, M. et al. Extrarenal Wilms’ tumor.
hipertensão arterial. Pediatr Radiol; 23:149, 1993.
Freqüentemente há concomitância de hemorragia da
supra-renal, e, no geral, esta é à esquerda. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
http://www.pedrad.org
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Site oficial da Society for Pediatric Radiology, organização
médica profissional dedicada à radiologia pediátrica. Con-
1. BERDON, W.E. Contemporary imaging approach to pediatric tém link direto para o site da revista Pediatric Radiology,
urologic problems. The Radiologic Clinic of North America, Saunders, publicada a cada dois meses. O site da revista oferece os
v. 29, n. 3, pp. 605-18, May 1991. artigos publicados em edições anteriores.
2. BERDON, W.E. The neonate and the young infant. The genitouri-
nary tract. In: Silverman, F.N. Caffey’s Pediatric X-Ray Diagnosis: An
http://www.pediatricradiology.com
Integrated Imaging Approach, 8th ed. Chicago. Year Book Medical
Publishers, 1984, pp. 1885-1934. Site dedicado à radiologia pediátrica contendo variado
3. CURRARINO, G. The genitourinary tract. In: Silverman, F.N. Caffey’s número de doenças e de imagens em radiologia pediátri-
Pediatric X-Ray Diagnosis: An Integrated Imaging Approach, 8th ed. ca. Link direto para doenças do trato urinário. Também
Chicago. Year Book Medical Publishers, 1984, pp. 1587-1743.
4. EMIS, E.S. JR.; BLAIVAS, J.G. Neurogenic bladder simplified. The
intitulado de biblioteca/livraria digital para radiologia
Radiologic Clinic of North America, Saunders, v. 29, n. 3, pp. 571-80, pediátrica.
May 1991.
5. SWISCHUK, L.E. Imaging of the Newborn, Infant, and Young Child, 3rd http://www.uab.edu/pedradpath
ed. Baltimore. Williams & Wilkins, 1991, pp. 559-668. Site de correlação clínica, radiológica e patológica. Mui-
6. SWISCHUK, L.E.; HAYDEN, C.K. Pediatric Ultrasonography. Balti-
to bom para entendimento abrangente de determinadas
more. Williams & Wilkins, 1990, pp. 259-340.
7. EMMETT, J.L.; WITTEN, D.M. Clinical Urography. An Atlas and Text- patologias disponíveis no site, com discussão sobre as
book of Roentgenologic Diagnosis, 3rd ed. Philadelphia. W.B. Saunders, mesmas.
1971.
Capítulo
Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

19 Vanildo J. Ozelame, Telma Sakuno, Sebastião O. L. de Carvalho e


Rodrigo V. Ozelame

INTRODUÇÃO Anomalias de rotação


TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO Anomalias vasculares
Ultra-sonografia Anomalias de fusão dos rins
Radiografia simples do abdome Anomalias do ureter
Urografia excretora Duplicação
Uretrocistografia miccional Ectopia ureteral
Tomografia computadorizada Ureterocele
Cintilografia renal Obstrução da junção pieloureteral
Ressonância magnética Megaureter
CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS ANOMALIAS CONGÊNITAS DA BEXIGA
INDICAÇÕES PARA A INVESTIGAÇÃO Úraco
RADIOLÓGICA Duplicações
Infecção Divertículos
Massas abdominais Complexo extrofia-epispádia
Traumatismo abdominal ANOMALIAS CONGÊNITAS DA URETRA
Anomalias congênitas da coluna lombossacra, Válvulas uretrais
da genitália externa e anorretais Divertículo da uretra anterior
Mielomeningocele Duplicidade da uretra
Hematúria Hipospádias
Cólica renal HIDRONEFROSE
Insuficiência renal Achados radiológicos
ANOMALIAS CONGÊNITAS DO APARELHO URINÁRIO REFLUXO
Agenesia BEXIGA NEUROGÊNICA
Hipoplasia INFECÇÃO URINÁRIA
Doença cística dos rins NEFRITES
Cistos simples TUMOR DE WILMS
Rim multicístico displásico Achados radiológicos
Cisto multilocular TROMBOSE DA VEIA RENAL
Doença policística REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Tipo infantil BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Tipo adulto ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Ectopia renal
capítulo 19 337

Os aparelhos portáteis permitem o exame da criança em


INTRODUÇÃO unidades de terapia intensiva, no seu próprio leito, sem a
necessidade do deslocamento do mesmo para o serviço de
O aparelho urinário da criança constitui-se em um dos radiodiagnóstico.
principais setores do organismo a apresentar anormalida- Com o uso rotineiro da ultra-sonografia em gestantes,
des, sejam elas congênitas ou adquiridas. muitas das anomalias congênitas são diagnosticadas ain-
Não raramente, estas anormalidades são descobertas da no período intra-uterino, alertando o médico quanto
ocasionalmente, através de exames, e, outras vezes, estes à necessidade de se investigar e confirmar estas malfor-
exames são indicados para confirmação de suspeitas clí- mações logo após o nascimento, ou mesmo quanto à ne-
nicas. cessidade de cirurgia intrafetal, no intuito de drenar o
trato urinário dilatado, preservando-se assim a função
renal.
TÉCNICAS DE INVESTIGAÇÃO O exame ultra-sonográfico pode ainda ser utilizado
como guia nas biópsias renais percutâneas, aspiração de
Os exames de imagem mais comumente usados para cistos e abscessos, colocação de cateter de nefrostomia, nas
exploração do aparelho urinário da criança são: ultra-so- hidronefroses e pielografia descendente. Sua limitação está
nografia, radiografia simples de abdome, urografia excre- na ineficiência em informar sobre a função renal.
tora e uretrocistografia miccional. Além destes, pielogra-
fia descendente, cintilografia, tomografia computadoriza-
da, ressonância magnética e arteriografia renal seletiva Radiografia Simples do Abdome
complementam a investigação, quando necessárias.
A radiografia simples do abdome, além do estudo
prévio de todo o abdome, nos permite a identificação de
Ultra-sonografia cálculos radiopacos e informações da coluna vertebral
e bacia, que não raramente apresentam anomalias envol-
Com o advento da ultra-sonografia de tempo real, o diag- vidas com alterações do trato urinário, como veremos
nóstico por imagem das patologias urinárias adquiriu uma
adiante.
perspectiva completamente nova, e o uso da urografia ex-
cretora, que por muitos anos foi o principal método de ima-
gem, aos poucos vai sendo substituído pela ultra-sonogra- Urografia Excretora
fia (v. também o Cap. 18-I). Esta representa um método efi-
ciente, prático, econômico e não-irradiante. Raramente há A urografia excretora (Fig. 19.2) visa principalmente o
necessidade de sedação do paciente e rapidamente informa estudo do trato urinário superior, quando houver obstru-
quanto à anatomia do trato urinário superior (Fig. 19.1). ção e duplicidade ureteral. Para a realização da urografia
excretora será necessária a utilização de contrastes que,
após serem injetados na corrente sanguínea, são elimina-
dos preferencialmente pelos rins.

Fig. 19.1 Ultra-sonografia normal do rim. Corte longitudinal do


rim D, demonstrando o parênquima renal de ecogenicidade me-
nor que a do parênquima hepático. As pirâmides (P) triangula- Fig. 19.2 A. Urograma excretor normal. B. Urograma excretor
res e hipoecóicas em relação à cortical, na periferia. O seio renal normal, mostrando esvaziamento do ureter direito pelo peristal-
(SR) hiperecogênico, na região central. tismo.
338 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Os contrastes têm na sua composição compostos orgâ- Quando a mesma estiver distendida, a criança sentirá von-
nicos iodados. A quantidade de contraste usada na crian- tade de urinar. Ao começar a micção, faremos as radiogra-
ça varia de acordo com o peso e com a idade. Nos recém- fias, surpreendendo-se o contraste passando pela uretra,
nascidos e lactentes empregam-se, em média, 3 a 4 ml por verificando-se a contração vesical e a presença de refluxo
quilograma de peso; nas crianças em idade pré-escolar e vésico-ureteral, se existir.
escolar, em média de 1 a 2 ml por quilo de peso. Nos exa-
mes convencionais, o contraste é injetado lentamente por
via venosa e as radiografias são obtidas logo após o térmi- Pontos-chave:
no da injeção e aos 5, 10 e 15 minutos. • A radiografia simples do abdome, além do
Não usamos compressão ureteral, a não ser nas crian- estudo prévio de todo o abdome, nos
ças em idade escolar e quando necessária. Somente serão
permite a identificação de cálculos
prescritos laxante e restrição de líquidos anteriores ao exa-
radiopacos e informações da coluna
me para as crianças em idade pré-escolar e escolar. Está
contra-indicada a restrição de líquidos nos recém-nasci- vertebral e bacia
dos e lactentes, bem como o uso de laxantes. Nesta faixa • A urografia excretora visa principalmente o
etária, para melhor visualização dos rins, freqüentemen- estudo do trato urinário superior, quando
te se usa administrar mamadeira após o término da inje- houver obstrução e duplicidade ureteral
ção do contraste. Deglutindo leite e ar, haverá distensão • A uretrocistografia miccional será feita com
do estômago, possibilitando, na maioria das vezes, ver duas finalidades básicas: investigar o trato
com mais nitidez o contorno renal e os sistemas pieloca- urinário inferior e a existência de refluxo
liciais. Esta conduta também poderá ser adotada em cri- vésico-ureteral
anças maiores, utilizando-se bebidas efervescentes. O
contraste poderá ainda ser diluído em igual quantidade
de soro fisiológico e esta solução ser administrada gota a Na menina, durante a micção, é comum a passagem de
gota na veia, em média 40 gotas por minuto. A técnica líquido para dentro da vagina.
descrita chama-se urograma por infusão, sendo indicada
quando forem necessárias dosagens de contraste acima
do normal.
Tomografia Computadorizada
Assim como a ultra-sonografia, a tomografia computa-
dorizada permite o estudo do parênquima renal e das vias
Uretrocistografia Miccional excretoras, sua relação com os espaços peri- e pararrenais
A uretrocistografia miccional será feita com duas fina- e com outras estruturas retroperitoneais, independente-
lidades básicas: investigar o trato urinário inferior e inves- mente da sua função (Fig. 19.3).
tigar a existência de refluxo vésico-ureteral. A tomografia computadorizada tem-se demonstrado
Este exame torna-se um complemento da urografia ex- mais precisa do que a ultra-sonografia e a urografia excreto-
cretora e da ultra-sonografia, sendo necessária a realização ra nos casos de massas abdominais, determinando o local,
destes exames quando quisermos fazer uma exploração o tamanho e a extensão da lesão, e nos casos de pequenas
completa do aparelho urinário. Um exame ultra-sonográ- lesões parenquimatosas. Além disso, tem sido amplamente
fico ou urográfico normal não exclui anormalidades como usada na abordagem do trauma abdominal, com boa preci-
refluxo vésico-ureteral, válvulas de uretra, divertículos de são em demonstrar pequenas lesões traumáticas do rim.
bexiga, etc. Possibilita uma avaliação parcial da função do parên-
Este exame, sempre que possível, deve ser realizado sob quima renal.
controle radioscópico através da televisão, porque, além
das informações anatômicas, poderemos ter informações Cintilografia Renal
de ordem funcional, e neste caso serão utilizados os con-
trastes hidrossolúveis. Para controles de refluxo vésico- A cintilografia se constitui no exame de eleição para a
ureteral, a uretrocistografia miccional convencional pode avaliação da função renal, tanto do rim como um todo ou
ser substituída pela uretrocistografia miccional com radio- de um determinado segmento (v. Cap. 20).
isótopos. Teoricamente qualquer material radioativo que tenha a
Para a realização da uretrocistografia miccional conven- sua excreção feita pelo rim pode ser utilizado para avalia-
cional, será necessária uma solução composta de contras- ção da função renal, porém os mais usados são o 99mTc-
te e soro fisiológico, na proporção de 1 para 3, ou seja, 1 ml DTPA e o 99mTc-DMSA.
de contraste para 3 ml de soro fisiológico, usando-se, em O DTPA avalia a filtração glomerular, sendo excretado
média, 200 ml de solução. Esta solução será introduzida na pelo rim, demonstrando o seu acúmulo no parênquima re-
bexiga através de uma sonda vesical, por gotejamento. nal e subseqüente excreção para a pelve renal, ureter e bexi-
capítulo 19 339

A B
Fig. 19.3 Tomografia computadorizada normal. A e B. Corte tomográfico após a injeção de contraste endovenoso, mostrando a im-
pregnação homogênea do parênquima renal, sua relação com os espaços peri- e pararrenais. Aorta (A), veia cava inferior (VCI), veia
renal direita (VRD), veia renal esquerda (VRE), pelve renal (P), cálices (C).

ga urinária. A concentração quantitativa relativa do mate- A limitação da cintilografia está no fato da sua precari-
rial em cada rim é demonstrada na mesma proporção das edade em informar sobre a anatomia do trato urinário.
suas respectivas funções. É amplamente utilizada na ava-
liação da dilatação do trato urinário superior, sendo nes-
tes casos o uso do furosemide, após o esvaziamento vesi- Ressonância Magnética
cal por cateterismo, obrigatório. Este procedimento deter- A ressonância magnética estará indicada especialmen-
minará se a dilatação do trato urinário superior é por pro- te nas lesões expansivas do trato urinário e para o estudo
cesso obstrutivo ou não. dos vasos do hilo renal, tendo como vantagens permitir o
O DMSA tem concentração renal alta, e este material é estudo detalhado das estruturas anatômicas sem a utiliza-
depositado primariamente nos túbulos renais, tendo excre- ção de meios de contraste, bem como de não utilizar radi-
ção vagarosa e mínima. Por ser acumulado nos túbulos re- ação ionizante (v. também o Cap. 18-II).
nais, permite uma boa visualização do córtex renal (Fig. No entanto, nas crianças abaixo de cinco anos, será ne-
19.4), sendo indicado nos processos inflamatórios agudos cessária a utilização de sedação profunda, sendo este as-
e cicatriciais. Sua desvantagem é a impossibilidade de ava- pecto desvantajoso perante a tomografia computadoriza-
liar as vias excretoras. da, além de ser de maior custo para o paciente.

Pontos-chave:
• A tomografia computadorizada permite o
estudo do parênquima renal e das vias
excretoras. Tem-se demonstrado mais
precisa do que a ultra-sonografia e a
urografia excretora nos casos de massas
abdominais
• O DTPA avalia a filtração glomerular. É
amplamente utilizado na avaliação da
dilatação do trato urinário superior
• O DMSA, por ser acumulado nos túbulos
renais, permite uma boa visualização do
Fig. 19.4 Cintilografia renal normal com 99mTc-DMSA. Observe a córtex renal, sendo indicado nos processos
captação homogênea do material radioativo e sua alta concentra- inflamatórios agudos e cicatriciais
ção parenquimatosa.
340 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Com a ultra-sonografia tornou-se muito fácil a mensu-


CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS ração dos diâmetros renais, da espessura do parênquima
renal e da relação córtico-medular.
De uma maneira geral, os rins devem possuir um compri- Na urografia excretora, a mensuração do parênquima
mento longitudinal que corresponde a 3 ou 4 corpos verte- faz-se de modo indireto, sendo calculada pela distância
brais. O rim esquerdo, na maioria das vezes, é maior e mais entre o bordo do rim e o fórnice dos cálices (Fig. 19.5).
alto que o rim direito. Em aproximadamente 10% dos casos, A medular poderá ser identificada quando houver re-
eles podem ser iguais e estar na mesma altura. Algumas ve- tenção de contraste nos ductos de Belini e túbulos cole-
zes o rim esquerdo é menor que o direito, não devendo esta tores, que terminam na papila renal, a qual estará sepa-
diferença ultrapassar 0,5 cm em relação ao direito. Quando o rada da via excretora propriamente dita pela lâmina cri-
rim esquerdo estiver mais baixo que o direito, deve-se sus- vosa.
peitar de presença de massa acima do pólo superior, como, O contorno renal, na grande maioria dos casos, é re-
por exemplo, neuroblastoma de supra-renal, o qual, à medi- gular, mas, em poucas circunstâncias, poderá ser bocela-
da que cresce, desloca o rim para baixo e para fora. do, em virtude da persistência de lobulação fetal. Neste
O rim possui duas áreas importantes: parênquima renal, caso, as áreas de depressão não coincidem com os cálices,
formado pela cortical e pela medular, e sistema pielocalicial. que estão normais, fato importante para diferenciá-las
A ultra-sonografia permite o estudo anatômico do rim, de uma área de retração do parênquima por atrofia do
distinguindo na periferia o córtex e a medular hipoeco- mesmo. Aqui, a área de retração estará na mesma dire-
gênicos e, no centro, o seio renal hiperecogênico (Fig. ção de um cálice, geralmente dilatado. Estes achados per-
19.1). mitem-nos fazer o diagnóstico de pielonefrite crônica lo-
No recém-nascido e lactente pequeno a cortical do rim calizada.
é tão ecogênica quanto o fígado, enquanto na criança mai- É importante que a distância entre os cálices dos gru-
or e no adulto a cortical é de menor ecogenicidade que o pos superiores e a coluna vertebral seja simétrica, bem
fígado. A medular, representada pelas pirâmides renais, é como a distância entre os cálices e o contorno dos pólos
identificada como uma área contendo estruturas triangu- superiores dos rins. Este raciocínio vale em relação ao con-
lares hipoecóicas, e no neonato estas são relativamente torno dos pólos inferiores, coluna vertebral e cálices.
grandes e sonolucentes, podendo por vezes ser confundi- À medida que o contraste vai sendo eliminado pelos
das, pelos menos experientes, com cálices dilatados. rins, ele opacifica as vias excretoras, possibilitando visua-
O seio renal é formado pela pelve renal, artérias renais, lizar os cálices, bacinetes, ureteres e bexiga.
veias renais, linfáticos e gordura. No neonato o seio renal Os cálices, quando vistos de perfil, apresentam-se em
é menos ecogênico que na criança maior, provavelmente forma de meia-lua e, quando vistos de frente, são arredon-
devido à menor quantidade de gordura. Dependendo do dados. Possuem dois pontos de referência: o fórnice e o
grau de hidratação do paciente e da distensão vesical, a vértice.
pelve renal pode ser identificada como estrutura anecói- Entre o cálice e o bacinete, há o ramo de sustentação do
ca, sem que isto signifique patologia, sendo prudente o cálice. Os cálices apresentam uma grande variação anatô-
reexame após o esvaziamento vesical, observando-se que mica, principalmente quanto ao número. O bacinete pode
a mesma desaparece. ser intra- ou extra-renal e varia quanto à forma.

Fig. 19.5 Anatomia renal. A. PAR ⫽ parênquima; INF ⫽ infundíbulo; F ⫽ fórnix; B ⫽ bacinete. B. Urograma normal.
capítulo 19 341

Após o bacinete, vêem-se a junção pieloureteral e o ure- A uretra no sexo feminino é mais curta que no masculi-
ter, que se constitui no segmento mais longo do aparelho no (Fig. 19.7). No sexo masculino, a uretra apresenta qua-
urinário. Os ureteres são segmentos tubulares, de peque- tro segmentos básicos: logo abaixo do colo vesical, a ure-
no calibre, que correm paralelamente à coluna e terminam tra prostática, na qual podemos identificar o veromontano.
na junção vésico-ureteral. No exame ultra-sonográfico, os A seguir, a uretra membranosa, distalmente a esta a ure-
ureteres normais não são identificados. tra bulbar e, finalmente, a uretra peniana, que termina no
No urograma, não raramente, há discreta estase do con- meato uretral (Fig. 19.8).
teúdo ureteral ao nível dos vasos ilíacos, que comprimem A uretra membranosa é o segmento de menor calibre,
levemente os ureteres. correspondendo ao diafragma urogenital ou esfíncter ex-
O conteúdo do ureter chegará à bexiga por gravidade e terno.
principalmente pelo peristaltismo ureteral (Fig. 19.2), que Em condições normais, a bexiga deve esvaziar-se com-
começa no bacinete e se dirige em direção à bexiga, impul- pletamente ao final da micção, e quando há restos de con-
sionando a urina. traste no seu interior, podemos identificar o relevo mucoso.
Assim como no exame ultra-sonográfico, se por ocasião
do urograma a bexiga estiver bastante distendida por uri-
na (globo vesical), o esvaziamento dos ureteres estará pre-
judicado, haverá dilatação dos mesmos e estase ureteral,
produzindo-se um quadro semelhante ao da hidronefrose
bilateral. Será importante que se façam radiografias após
o esvaziamento da bexiga, verificando-se que a estase de-
saparece e os ureteres voltam ao calibre normal (Fig. 19.6).
A bexiga, no exame ultra-sonográfico, possui paredes
finas e regulares, seu conteúdo é anecóico, quando em re-
pouso; e apresenta-se com diâmetro horizontal maior que
o vertical e contorno liso; em repleção plena, o diâmetro
vertical predomina.
A anatomia do trato urinário inferior é mais bem avali-
ada pela uretrocistografia miccional. Durante a micção há
contração vesical, a parede anterior desloca-se posterior-
mente, o trígono para a frente e seu bordo inferior marca o Fig. 19.7 Uretrocistografia miccional feminina normal. U ⫽ ure-
esfíncter interno. tra; EI ⫽ esfíncter interno; EE ⫽ esfíncter externo; V ⫽ vagina.

Fig. 19.6 Menino de quatro anos de idade com infecção urinária. Uretrocistografia miccional normal. A. No urograma excretor pre-
sença de globo vesical determinando dilatação e estase ureteral bilateral. Dilatação do sistema piélico direito. B. Minutos após a micção
houve desaparecimento das alterações mencionadas (urograma normal sem globo vesical).
342 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

me na vigência da infecção. A cintilografia renal estará indi-


cada para avaliação dos focos de infecção e das seqüelas da
mesma. A tomografia computadorizada estará especialmen-
te indicada quando o processo infeccioso se acompanhar de
lesões expansivas, como por exemplo abscessos.
Caso não sejam adotadas estas normas, correremos o
risco de fazer diagnósticos tardios, quando já houver séri-
os danos do parênquima renal, obrigando, às vezes, a sub-
meter a criança à nefrectomia.

Massas Abdominais
A presença de um processo expansivo abdominal, quer
seja benigno ou maligno, quase sempre significa necessi-
dade de investigação por imagem, inicialmente através da
ultra-sonografia (Fig. 19.9). Esta determina se a lesão é in-
tra- ou extra-renal, qual a sua relação com o aparelho uri-
nário e informa quanto à sua natureza, cística ou sólida.
Fig. 19.8 Uretrocistografia miccional masculina normal. B ⫽ be- Freqüentemente associa-se a tomografia computadori-
xiga; EI ⫽ esfíncter interno; V ⫽ veromontano; EE ⫽ esfíncter
externo; UB ⫽ uretra bulbar; UP ⫽ uretra peniana. zada, que estadiará melhor a lesão expansiva.

Traumatismo Abdominal
INDICAÇÕES PARA A Face a um traumatismo abdominal, com a presença de
hematúria ou punção da cavidade peritoneal positiva, es-
INVESTIGAÇÃO RADIOLÓGICA tará indicada a ultra-sonografia (Fig. 19.10).
A tomografia computadorizada é de grande precisão no
Infecção; massas abdominais; traumatismo abdominal;
diagnóstico das lesões traumáticas intra- ou extra-renais,
anomalias congênitas da coluna, genitália externa e anorretais;
principalmente naquelas de pequenas dimensões, sendo em
mielomeningocele; hematúria; cólica renal; insuficiência renal.
muitos serviços o exame de eleição no trauma abdominal.
A uretrocistografia retrógrada está reservada para a
Pontos-chave: pesquisa de lesão da uretra e da bexiga.
• Os rins devem possuir um comprimento
longitudinal que corresponde a 3 ou 4 Anomalias Congênitas da Coluna
corpos vertebrais Lombossacra, da Genitália Externa e
• O rim esquerdo, na maioria das vezes, é
maior e mais alto que o rim direito
Anorretais
• A anatomia do trato urinário inferior é mais O exame radiológico é imprescindível pela freqüência
bem avaliada pela uretrocistografia com que as anormalidades do trato urinário acompanham
miccional as referidas anomalias.

Infecção Mielomeningocele
A infecção urinária constitui-se na indicação mais fre- A presença desta anomalia congênita indica formalmente
qüente para a realização de exames por imagens do apa- a investigação através da ultra-sonografia e da uretrocistogra-
relho urinário. fia miccional, e, quando necessário, complementadas com a
Atualmente, independentemente do sexo da criança, o cintilografia e urografia excretora, para a pesquisa de bexiga
primeiro surto de infecção urinária já deve conduzir à inves- neurogênica e as suas repercussões para o trato urinário.
tigação, porque a infecção pode estar associada a anomalias
do trato urinário. Para uma boa exploração do trato urinário
frente à infecção, tornam-se imprescindíveis a ultra-sonografia
Hematúria
e, quando necessário, complementada com a uretrocistogra- A hematúria por si só constitui fato de importância para
fia miccional, não sendo recomendada a realização do exa- a investigação, geralmente com a ultra-sonografia. As anor-
capítulo 19 343

A A B

Fig. 19.10 Trauma renal. Ultra-sonografia. A. Corte longitudinal


do rim E, aumento do volume e da ecogenicidade dos 2/3 supe-
riores do rim com perda da sua arquitetura normal (hematoma).
B. Corte transversal da bexiga, demonstrando coágulo sanguíneo
no seu interior.

tolerância ao contraste, poderá ser utilizada a tomografia


computadorizada sem a utilização de contraste.

Insuficiência Renal
Nos casos de insuficiência renal, torna-se importante a
visualização dos rins para avaliar o seu volume, seu parên-
quima e sua localização, fatos que servem como prognós-
tico e para a orientação de biópsia.

Fig. 19.9 Neuroblastoma da adrenal esquerda. Lactente apresen-


tando massa palpável no hipocôndrio esquerdo (HCE). A. Ultra-
sonografia. Corte longitudinal do HCE, mostrando lesão expan-
siva sólida na topografia da loja adrenal, desviando o rim para
baixo e lateralmente. B. Tomografia computadorizada do mes-
mo paciente, demonstrando a lesão expansiva (m); na topogra-
fia da adrenal, o rim E encontrava-se desviado para baixo.

malidades que mais comumente provocam hematúria são


os tumores, anomalias congênitas e litíase (Fig. 19.11).
Nos casos de lesões expansivas, a tomografia computa-
dorizada será o método de escolha para prosseguir na in-
vestigação. Nas anomalias congênitas e litíase, a urografia
excretora fornecerá informações importantes.
A B

Fig. 19.11 Litíase renoureteral. Menino de 10 anos com hematú-


Cólica Renal ria e dores abdominais tipo cólica. Ultra-sonografia. A. Corte lon-
Na cólica renal, mesmo que a ultra-sonografia e a radio- gitudinal do rim direito mostrando imagem ecogênica com som-
bra acústica posterior (setas) na pelve renal, determinando hidro-
grafia simples do abdome não mostrem imagem de litía- nefrose, cálices dilatados (C). B. Corte longitudinal do ureter es-
se, se houver indícios clínicos deste diagnóstico, a urogra- querdo apresentando duas imagens de litíases na sua porção dis-
fia excretora estará indicada (Fig. 19.12). Nos casos de in- tal com dilatação ureteral a montante.
344 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Fig. 19.12 Menino de nove anos de idade com cólica renal à direita. A. Na radiografia simples de abdome, aumento de volume do
rim direito (seta). Presença de concreção opaca (cálculo) à direita do cóccix. B. O urograma excretor mostrou rim esquerdo normal.
Aumento de volume do rim direito, com exclusão funcional.

O exame de eleição é a ultra-sonografia, uma vez que Agenesia


demonstra a anatomia renal independentemente da sua
função (Fig. 19.56), servindo inclusive como guia para Significa falta de desenvolvimento dos metanefros, com
biópsia. ausência de estrutura renal. Pode ser unilateral ou bilate-
A cintilografia estará indicada para a avaliação da fun- ral e há freqüente associação de outras malformações.
ção renal. Merece atenção apenas a forma unilateral, desde que a
bilateral é incompatível com a vida.
O diagnóstico é suspeitado quando, na ultra-sonogra-
fia, não se identifica um rim e outro encontra-se aumenta-
ANOMALIAS CONGÊNITAS DO do de volume. No urograma, há excreção apenas unilate-
APARELHO URINÁRIO ral e este rim é hipertrofiado.
Para confirmação, deve ser feita cintilografia renal.
Estima-se que grande parte das doenças renais está Agenesia bilateral está associada a outras malformações:
associada com anomalias congênitas do aparelho uriná- sirenomelia, monomelia e síndrome de Potter.
rio. Nos casos de agenesia ou ectopia do rim E, a porção
proximal do cólon descendente ocupa a loja renal (Fig.
19.18B).
A classificação embriológica das anomalias é:

1. Falha do desenvolvimento dos metanefros:


Hipoplasia
a. Aplasia
b. Agenesia Hipoplasia é o hipodesenvolvimento ou desenvolvi-
c. Hipoplasia. mento lento do rim, não alcançando a maturidade nor-
2. Doença cística renal mal.
3. Alteração do crescimento ureteral e dos vasos: Habitualmente unilateral, pode raramente ser bilateral.
a. Ectopia simples Os rins hipoplásicos ocupam quase sempre a posição
b. Ectopia cruzada normal, com glomérulos pequenos e em menor número;
c. Má-rotação túbulos dilatados e císticos, medular com pirâmides rudi-
d. Vasos aberrantes. mentares e em menor número; artérias normais ou de diâ-
4. Falha de separação da massa celular metro reduzido.
metanefrogênica: A hipoplasia pode ser:
a. Rim em ferradura a. Total, comprometendo todo o rim; b. Parcial, apenas
b. Fusão renal unilateral uma metade de um rim duplicado; c. Segmentar.
c. Rim pélvico fundido. Em geral não há manifestação clínica e, quando aconte-
ce, decorre de complicações, já na segunda década.
capítulo 19 345

Na forma bilateral, embora rara, as complicações são


Quadro 19.1
precoces, com hipertensão e insuficiência renal.
É difícil o diagnóstico diferencial entre hipoplasia e se- A. Doença policística
qüela de nefropatia de refluxo. 1. Infantil (Potter tipo I, autossômica recessiva)
Tanto na ultra-sonografia como no urograma, o rim é 2. Juvenil (idêntica à forma infantil)
pequeno e de contornos lisos. Ao urograma os cálices são 3. Adulto (Potter tipo III, autossômica dominante)
B. Doença multicística
pequenos e em menor número, de extremidades anatômi-
1. Rim multicístico-displásico (Potter tipo II)
cas e pelve diminuta, proporcional aos cálices, com excre- 2. Cisto multilocular (nefroma cístico multilocular,
ção de contraste normal ou reduzida (Fig. 19.13). tumor de Wilms cístico, nefroma policístico)
C. Cistos medulares
1. Rim esponjoso-medular
Pontos-chave: 2. Doença cística medular; nefronoftíase juvenil.
D. Cistos solitários
• Os rins hipoplásicos ocupam quase sempre 1. Cisto simples
a posição normal 2. Hidrocalicose, cisto pelvicocalicial, divertículo
calicial
• Na agenesia renal o diagnóstico é E. Outros cistos (corticais)
suspeitado quando, na ultra-sonografia, não 1. Doença de Conradi, síndrome de Zellweger,
se identifica um rim e o outro encontra-se trissomias, síndrome de Turner
2. Esclerose tuberosa
aumentado de volume 3. Cistos corticais com hidronefrose obstrutiva (Potter
tipo IV)
4. Cistos corticais sem hidronefrose obstrutiva
Doença Cística dos Rins 5. Adquiridos: após infecção, traumatismos,
degeneração neoplásica
Várias são as divergências quando se trata de lesões cís-
ticas dos rins, existindo inúmeras classificações, cada uma
dividindo-as a partir de diferentes pontos de vista (v. tam-
bém o Cap. 31).
O Quadro 19.1 ilustra a classificação adotada por CISTOS SIMPLES
Swischuk, que representa um resumo de várias classifica- Também denominados cistos solitários, raramente são
ções. encontrados em crianças e determinam poucos sintomas.
A ultra-sonografia é o exame de eleição para o diagnós- Facilmente diagnosticados na ultra-sonografia como lesões
tico das doenças císticas dos rins, podendo ser complemen- anecóicas com reforço acústico posterior, de paredes finas
tada com a tomografia computadorizada, quando neces- e contornos regulares. A tomografia computadorizada
sário. demonstra lesão expansiva arredondada ou oval com com-
pressão e distorção pielocalicial.

RIM MULTICÍSTICO DISPLÁSICO


Sua etiologia está na atresia da pelve renal e/ou ureter,
provavelmente por injúria vascular intra-uterina.
Geralmente é unilateral, muito raramente bilateral, ou
ainda pode acometer somente um segmento do rim, nes-
tes casos geralmente o pólo superior.
Antigamente postulava-se a nefrectomia, uma vez que
estes rins não possuem função, porém mais recentemente
tem-se optado pelo tratamento conservador, pois o acom-
panhamento ultra-sonográfico demonstra que há uma ten-
dência destes rins de involuírem.
À ultra-sonografia apresentam-se como múltiplos cis-
tos de tamanhos variados, podendo-se observar tecido
displásico de permeio (Fig. 19.14). No urograma há exclu-
são renal.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com hidronefro-
Fig. 19.13 Hipoplasia renal à direita. Urograma excretor mostran- se. No rim multicístico displásico os cistos não se comuni-
do boa eliminação do contraste de ambos os lados. Os cálices são cam entre si e não se identifica a pelve renal. O exame com
normais. O rim direito é pequeno. A pelve direita é verticalizada. cintilografia não revela função renal.
346 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

Doença Policística
TIPO INFANTIL
Doença do recém-nascido, autossômica recessiva, que
por vezes determina morte precoce, podendo haver fibro-
se hepática associada.
As mudanças císticas são bilaterais, simétricas, de arran-
jo radiado, com cistos arredondados ou ovais formados nos
túbulos coletores.
Ao ultra-som, os rins são grandes e lobulados, hipere-
cogênicos, com perda da diferenciação córtico-medular,
podendo-se por vezes observar uma borda anecóica que
representa o córtex renal comprimido. A hiperecogenici-
dade é devido às múltiplas interfaces acústicas dos túbu-
los dilatados (Fig. 19.15A).
Na urografia excretora há retardo de horas para a opa-
Fig. 19.14 Rim multicístico displásico. Ultra-sonografia. Corte
longitudinal do flanco esquerdo mostrando múltiplos cistos de cificação, e esta demonstra um padrão característico de rins
tamanhos variados, com tecido displásico (ecogênico) de permeio. grandes com aspecto radiado (Fig. 19.15B).
Observe que os cistos não se comunicam.
TIPO ADULTO
Doença autossômica dominante, ocorre em adultos,
podendo ocasionalmente ser encontrada em crianças.
CISTO MULTILOCULAR Há história familial, albuminúria e sintomas de fraque-
Tumor cístico benigno, também chamado de nefroma za, hipertensão e policitemia.
cístico multilocular, nefroma benigno, hamartoma cístico, Na ultra-sonografia há cistos anecóicos cujo comprome-
tumor de Wilms cístico. timento pode ser assimétrico, mas geralmente bilateral (Fig.
Na ultra-sonografia e tomografia computadorizada 19.16B).
apresenta-se como lesão cística multisseptada comprimin- Na tomografia computadorizada há sinais de compres-
do o restante do parênquima existente. são, alongamento e distorção pielocalicial, e rins aumen-

A B

Fig. 19.15 Rins policísticos do tipo infantil. A. Ultra-sonografia. Corte longitudinal dos rins D e E, os quais se apresentam aumenta-
dos de volume e hiperecogênicos, observe o bordo anecóico. B. Urografia excretora. Rins aumentados de volume com efeito
nefrográfico estriado e prolongado, devido à coleção de contraste nos túbulos dilatados.
capítulo 19 347

Fig. 19.16 Rins policísticos do tipo adulto. A. Radiografia simples do


abdome de um recém-nascido, observe o aumento do volume ab-
dominal e o abaulamento dos flancos. B. Ultra-sonografia do mes-
mo paciente, revelando rim D aumentado de volume com múltiplos
A cistos de tamanhos variados. O acometimento era bilateral.

tados de volume, devido à presença de múltiplas imagens Ectopia Bilateral. Quando os rins estão em posição anô-
císticas. mala (Fig. 19.18).
O fígado e o pâncreas também podem estar acometi- Rins ectópicos sem fusão é raridade.
dos. Ectopia Renal Cruzada. Deslocamento de um dos rins
para o lado oposto da coluna vertebral, podendo ou não
estarem fundidos (Fig. 19.19).
Ectopia Renal A transposição de um ureter para o lado oposto quase
sempre resulta em fusão dos rins.
A posição normal dos rins é alcançada ao final do se-
Esta anomalia pode estar associada a anormalidades ge-
gundo mês de gestação.
nitais.
Hinman advoga a teoria de que o rim é ectópico, por
Podem ocorrer múltiplas variações no modo de apresen-
falta de crescimento do ureter ou falta de degeneração dos
tação.
vasos primitivos, mantendo o rim baixo.
Os sintomas são dor e a massa pode ser palpável. Fre-
qüentemente, eles são decorrentes de complicações: infec-
Classificação ções, cálculos, hidronefroses.
1. Ectopia simples ou unilateral
2. Ectopia bilateral Anomalias de Rotação
3. Ectopia cruzada Segundo Olson, é rotação incompleta ou excessiva.
Com fusão Há vários tipos:
Sem fusão.
1. Ventral — falta de rotação
2. Ventro-interna — rotação incompleta
Ectopia Simples. Significa rim em posição anormal, sem 3. Lateral — rotação reversa
cruzar a linha média. A posição pode ser lombossacra, sa- 4. Dorsal — rotação excessiva.
croilíaca ou pélvica. Está sempre associada a alguma rota- A condição só tem importância quando advêm compli-
ção anterior do rim. cações como infecção, litíase e hidronefrose.
O rim apresenta-se ultra-sonograficamente normal, so-
mente de topografia mais baixa que o usual (Fig. 19.17).
Em urograma, a pelve é anterior. Pode haver pelve du-
Anomalias Vasculares
plicada ou duplicidade pieloureteral. Inicialmente, a vascularização renal deriva de vasos
Os rins ectópicos estão sujeitos a infecção, cálculos e sacros, pélvicos e aórticos inferiores. Persistência desta cir-
hidronefrose, devido à dificuldade de drenagem. culação pode determinar ectopia.
348 Investigação por Imagem do Trato Urinário na Criança

A
Fig. 19.18 Menina de 12 meses de idade. Assintomática. Massas
palpáveis no abdome inferior. A. No urograma excretor eviden-
ciou-se ectopia renal bilateral (setas). B. Radiografia em decúbi-
to ventral mostrando parte do cólon descendente (seta) na proje-
ção da loja renal esquerda.

Fig. 19.17 Rim ectópico pélvico. A. Ultra-sonografia. Corte oblí-


quo da pelve mostrando rim atrás da bexiga. B. Uretrocistogra- Fig. 19.19 Ectopia renal cruzada em paciente de 15 anos de ida-
fia miccional do mesmo paciente, houve refluxo vésico-urete- de, portador de malformação nas mãos e pés. Amenorréia. Baixa
ral grau II bilateral, revelando rim E ectópico na cavidade pél- estatura. A e B. Rim direito hipertrofiado com sistema pielocali-
vica. cial normal. Rim esquerdo pequeno, provavelmente hipoplási-
co, situado entre a coluna e o rim direito (seta).
Capítulo
Radioisótopos em Nefrourologia

20 Antonio Barbieri, Gilberto Alonso, João P. F. Júnior, Márcia C. de Almeida


e Paulo S. Duarte

INTRODUÇÃO Metodologia
PRINCÍPIOS DE MEDICINA NUCLEAR Avaliação da urodinâmica
Radiofármacos Refluxo vésico-ureteral
99m
Tc-DMSA Metodologia
99m
Tc-DTPA Avaliação do rim transplantado
9m
Tc-MAG3 Interpretação
51
Cr-EDTA Fase vascular
99m
Tc-GHA Fase funcional
131
I-OIH ou 123I-OIH CINTILOGRAFIA RENAL ESTÁTICA — INFECÇÃO
Equipamentos URINÁRIA
Tipos de exames Metodologia
Medidas de clearance NOVAS PERSPECTIVAS
Renograma radioisotópico REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Análise e interpretação do renograma ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
APLICAÇÕES CLÍNICAS
Hipertensão renovascular (HRV)

não se restringindo apenas às grandes cidades. Assim sen-


INTRODUÇÃO do, é importante que o médico se familiarize de maneira
mais profunda com a metodologia e a indicação de cada
A medicina nuclear tem como característica principal a exame em medicina nuclear, podendo contar com mais um
avaliação, de forma não-invasiva, da função de um órgão, elemento valioso na sua propedêutica de investigação.
ou então de um processo metabólico específico. Em
nefrologia não poderia ser diferente, já que com uma gama
de diferentes exames é capaz de auxiliar o clínico na inves-
tigação de quadros de hipertensão arterial, infecção uriná- PRINCÍPIOS DE MEDICINA
ria, obstruções ao fluxo urinário, transplante renal, etc. NUCLEAR
Tendo em vista a baixa exposição radiológica a que o
paciente é exposto, tem-se mostrado como método de es- Radiofármacos
colha para seguimento a longo prazo, quando a repetição
e a comparação entre exames é fundamental para tomadas Em medicina nuclear utilizam-se principalmente isóto-
de decisão. pos capazes de emitir radiação gama (a radiação é consti-
Atualmente a disponibilidade de equipamentos, radio- tuída por ondas eletromagnéticas que diferem dos raios X
fármacos (RF) e isótopos radioativos é ampla em todo o país, apenas por terem sua origem no núcleo, enquanto os raios
capítulo 20 373

X têm sua origem nos elétrons orbitais). Atualmente o isó- que a utilização de moléculas marcadas com 123I (no exem-
topo mais freqüentemente utilizado é o 99mTc (tecnécio), plo citado, o 123I-Hipuran) é mais conveniente, pois a ex-
obtido em geradores a partir do decaimento do 99molibdê- posição radiológica é muito menor; a menor exposição
nio. A meia-vida do 99mTc é de 6 horas e seu pico de ener- radiológica observada permite o uso de doses (atividades)
gia de 140 keV (quiloeletronvolts) é adequado para utili- maiores, obtendo-se assim imagens de melhor qualidade.
zação nas gama-câmaras. A principal função do 99mTc é No Quadro 20.1 estão relacionados os radiofármacos
marcar os fármacos. Cada fármaco apresenta mecanismos mais comumente utilizados em nefrologia, e no Quadro
de interação específicos com um determinado órgão, e 20.2, a exposição radiológica de alguns destes radiofárma-
dentro deste, com diferentes componentes estruturais; as- cos nos órgãos alvo. Uma descrição mais detalhada será
sim sendo, cada radiofármaco possui um comportamento dada em seguida. A escolha do radiofármaco a ser empre-
biológico específico (p.ex.: a isonitrila liga-se às mitocôn- gado deve recair sobre aquele que melhor reflita o aspecto
drias da célula miocárdica, os isótopos do iodo são capta- específico da função estudada e garanta a menor exposi-
dos pelas células foliculares da tireóide, etc.). O fármaco ção radiológica possível.
poderia ser então chamado de substância vetora, e precisa
necessariamente ser marcado com o isótopo radioativo, 99m
Tc-DMSA
tornando-se um radiofármaco, o que lhe permite ser de-
É utilizado por via endovenosa; 90% da dose injetada
tectado. O processo de marcação, ou seja, a introdução de
se liga a proteínas plasmáticas e somente pequena parte é
um isótopo na molécula vetora, geralmente não altera o
excretada pela urina. Após 1 hora da injeção, cerca de 50%
metabolismo da molécula. Outro fato importante é que
da dose está ligada aos grupos sulfidril das células do tú-
uma mesma molécula pode, às vezes, ser marcada por mais
bulo contornado proximal; em 24 horas a taxa de ligação
de um radioisótopo, como, por exemplo, o Hipuran — orto-
pode chegar a 70% da dose administrada; praticamente não
hipurato de sódio — que pode ser marcado com 123I ou 131I.
O comportamento biológico do composto é idêntico, dife- há visualização do sistema excretor. É utilizado fundamen-
rindo apenas em suas características físicas. O 123I é emis- talmente para avaliação estática do córtex renal e da fun-
sor gama puro, ou seja, não emite radiação particulada, tem ção renal percentual, 2 a 24 horas após a injeção.
meia-vida física de apenas 13,2 horas e a energia de seu
99m
fóton, de 159 keV, é adequada para detecção nas gama- Tc-DTPA
câmaras. O 131I, por sua vez, além de seu fóton principal É utilizado por via endovenosa; uma pequena fração (5-
ter energia de 364 keV (detecção mais difícil), emite radia- 10%) é ligada às proteínas plasmáticas. A sua excreção se
ção do tipo beta, aumentando de modo expressivo a expo- faz principalmente por filtração glomerular. Quando uti-
sição radiológica; soma-se a essas características a sua lizado, permite estudos dinâmicos da perfusão renal, da
elevada meia-vida física (oito dias). Dessa forma, é evidente capacidade de concentração e do fluxo urinário pelo siste-

Quadro 20.1 Principais radiofármacos utilizados em nefrourologia


99m
Tc-DMSA (99mTc-ácido dimercaptossuccínico)
99m
Tc-DTPA (99mTc-ácido dietilenotriaminopentacético)
99m
Tc-MAG3 (99mTc-mercaptoacetil triglicina)
51
Cr-EDTA (51Cr-ácido etilenodiaminotetracético)
99m
Tc-GHA (99mTc-gluco-heptonato)
131
I-OIH ou 123I-OIH (131-ortoiodo-hipurato ou 123I-ortoiodo-hipurato)

Quadro 20.2 Exposição radiológica de diversos órgãos*

Rins Bexiga Testículos Ovários Tiróide

Urografia excretora (5 filmes) 0,80 0,60 0,58 0,76


DTPA-99mTc (1 mCi) 0,014 0,35 0,014 0,020 0,014
DMSA-99mTc (1 mCi) 0,7 0,19 0,01 0,02 0,01
Hipuran-131I (100 ␮Ci) 0,01 0,3 0,01 0,01 3,6
Hipuran-123I (1 mCi) 0,03 0,5 0,01 0,02 0,8
MAG3-99mTc (1 mCi) 0,015 0,44 0,05 0,02 0,01

*Dose estimada em REM (adulto). REM ⫽ Radiation Equivalent Men.


374 Radioisótopos em Nefrourologia

ma pielocalicial, ureteres e bexiga. Imagens tardias permi- medicina nuclear e expõe o paciente a maior dose de radi-
tem avaliação do sistema coletor intra-renal e ureteres, mas ação absorvida. A marcação do OIH pelo 123I torna o radi-
não a avaliação do parênquima renal, tendo em vista a sua ofármaco mais adequado do ponto de vista de qualidade
rápida excreção pelo néfron. de imagem e de exposição radiológica ao paciente, entre-
tanto seu custo é maior.
99m
Tc-MAG3 Novos radiofármacos têm sido estudados e podem repre-
É classificado como um agente tubular utilizado por via sentar uma perspectiva interessante ao lado daqueles já dis-
endovenosa; liga-se a proteínas plasmáticas (90%) e é quase poníveis. O 99mTc-EC (99mTc-etileno-dicisteína) é considera-
exclusivamente excretado por secreção pelo túbulo contor- do um agente tubular cuja forma de excreção renal se faz
nado proximal. Cerca de 3 horas após sua injeção, 90% do por filtração glomerular e secreção ativa tubular, não apre-
material é eliminado. Sua fração de extração é de 40-50%, sentando nenhum percentual de reabsorção; uma hora após
o que o faz dele o radiofármaco de escolha, quando dispo- sua administração endovenosa, 70% estão presentes na uri-
nível, em pacientes com suspeita de obstrução, com défi- na. Sua fração de ligação a proteínas plasmáticas é de 30%,
cit de função renal e especialmente em crianças. Seu clear- índice menor que o do 99mTc-MAG3 (90%) e OIH (60%). O
ance é de 300 ml/min/1,73m2 até os 40 anos e a partir da seu clearance plasmático é de 473⫾22 ml/1,73 m2, 30% mai-
5.ª década decai a um nível de 3-4 ml/ano. Sua curva or que o do 99mTc-MAG3 e 0,75% daquele do OIH; tem sido
nefrográfica é virtualmente idêntica àquela do OIH. Apre- utilizado na realização de estudos dinâmicos e obtenção de
senta excreção hepatobiliar parcial; imagens tardias podem imagens renais. Outro radiofármaco em estudo é o 99mTc-
gerar dúvidas, pois a presença do radioindicador na vesí- ECMA [N,N’etileno (cisteína) (mercaptoacetamida)], que
cula biliar ou no intestino pode confundir-se com as vias combina características estruturais do 99mTc-MAG3 e do
99m
urinárias (imagens localizadas laterais podem auxiliar na Tc-EC, sendo também definido como agente tubular.36,44,57
distinção das estruturas observadas).

51
Equipamentos
Cr-EDTA
O 51Cr tem meia-vida de 27 dias e é excretado exclusi- O equipamento universalmente utilizado em medicina
vamente por filtração glomerular; não se liga a proteínas nuclear é a gama-câmara. A radiação emitida pelo isótopo
plasmáticas e é facilmente obtido, com um custo operaci- radioativo, após atravessar os furos do colimador, é absor-
onal baixo. Por todas essas características, tem sido utili- vida pelo detector de cintilação (daí o nome freqüentemen-
zado, principalmente, na avaliação do Ritmo de Filtração te utilizado de cintilografia), constituído por um cristal de
Glomerular. Não é utilizado para obtenção de imagens do NaI ativado com tálio presente na cabeça da gama-câma-
sistema urinário.9 ra; a energia assim absorvida é convertida a fótons de luz
(efeito fotoelétrico). Estes fótons de luz, através de diferen-
99m
Tc-GHA tes equipamentos acoplados à gama-câmara, produzem
É utilizado por via endovenosa. Possui características do um pulso elétrico que é proporcional à radiação absorvi-
DMSA e DTPA, pois permite o estudo precoce da perfu- da pelo cristal. Os equipamentos atuais, que podem con-
são renal, do trânsito pelo parênquima e excreção urinária ter um, dois e eventualmente até três detectores, são aco-
do radiofármaco, como avaliação tardia (2-4 horas após) plados a computadores e produzem uma imagem digita-
das imagens corticais. É excretado por filtração glomeru- lizada que reflete as variações da interação da radiação com
lar e secreção tubular; 12% da dose administrada liga-se às o órgão em estudo. Esta imagem pode ser processada de
células do túbulo contornado proximal. múltiplas formas, como veremos ao longo do capítulo.37

131
I-OIH ou 123I-OIH Tipos de Exames
É utilizado por via endovenosa; é reconhecido como um
análogo do ácido paramino-hipúrico (relação OIH/PAH MEDIDAS DE CLEARANCE
⫽ 0,85). É excretado por filtração glomerular (20%) e se- Atualmente dispomos de radiofármacos cujo compor-
creção tubular através do túbulo contornado proximal tamento biológico permite avaliar a filtração glomerular
(80%); 70% da dose é encontrada na urina 35 minutos após (FG) e o fluxo plasmático renal efetivo (FPRE). Estes pa-
a injeção. Seu clearance é de aproximadamente 500-600 ml/ râmetros podem ser determinados por diversas técnicas de
min em indivíduos normais. Tem sido utilizado para ava- medida que podem ser esquematizadas em dois grupos:
liação do fluxo plasmático renal e para estudo dinâmico do métodos onde a concentração plasmática do radiotraçador
parênquima renal e sistema excretor.29 O principal fator é mantida constante e métodos baseados no decaimento da
limitante à sua utilização mais ampla é o isótopo radioati- concentração plasmática do radiofármaco.6
vo; o 131I não apresenta características físicas adequadas Os métodos do primeiro grupo requerem a manuten-
para o emprego nos mais modernos equipamentos de ção da concentração plasmática do RF em nível constante,
capítulo 20 375

e medimos o clearance através da contagem da radioativi- te, de forma absolutamente não-invasiva, avaliar o clearance
dade no sangue e na urina do paciente. É uma metodolo- de cada rim em separado através da monitorização exter-
gia que exige portanto a manutenção do nível referido aci- na dos rins quando da realização do renograma radioiso-
ma e ainda a coleta de amostras de urina. Esta técnica, tópico.
apesar de ser precisa, é muito trabalhosa, dificultando sua Como vimos, existem múltiplas técnicas, cada qual com
implantação na rotina clínica, sendo, entretanto, adequa- suas vantagens e desvantagens, para estimar a FG e FPRE.
da para padronização de outros métodos. Uma forma de A escolha de uma delas baseia-se principalmente no tipo
simplificar, em parte, estes procedimentos consiste na ad- de equipamento disponível e na precisão desejada. Roti-
ministração subcutânea de uma dose única do RF. O rit- neiramente utilizamos o método de injeção única com duas
mo de extração do RF do “botão” é lento e permite em coletas de sangue em tempos prefixados; além da simpli-
pouco tempo a manutenção de níveis plasmáticos constan- cidade, o método apresenta uma precisão satisfatória. Esta
tes, eliminando, portanto, a necessidade da bomba de in- técnica, aliada à realização simultânea do renograma, que
fusão. permite avaliar entre outros parâmetros o clearance unila-
Os métodos baseados no decaimento da concentração teral da substância utilizada, fornece dados importantes
radioativa no plasma são realizados com apenas uma in- para o clínico. Por outro lado, se desejarmos uma precisão
jeção endovenosa do RF seguida da coleta de várias amos- maior, como numa investigação científica, na padroniza-
tras de plasma, em tempos apropriados. Esta metodologia ção de novos métodos, no controle de qualidade das téc-
baseia-se no fato de que estas substâncias são excretadas nicas mais simples ou nos pacientes cuja situação clínica
unicamente por via renal e que a sua concentração plas- exige uma monitoração mais precisa, podemos recorrer à
mática diminui gradualmente em função direta do seu clea- técnica de múltiplas amostras de sangue ou de preferên-
rance. Apesar das críticas teóricas que a metodologia pode cia à técnica do “botão” subcutâneo.55
suscitar, ela apresenta boa correlação com os demais mé- Um dos traçadores utilizados para avaliar a filtração
todos 68 e é aquele que empregamos em nosso serviço. Uma glomerular é o quelante 51Cr-EDTA.9,70 Devido às suas ca-
simplificação ainda maior no cálculo do clearance foi obti- racterísticas, o seu clearance mede a FG da mesma forma
da, com bons resultados, por Tauxe,74 que avaliou o FPRE que a inulina, com a qual apresenta elevado índice de cor-
pelos métodos tradicionais e o comparou com o obtido com relação.25,32 Uma desvantagem do 51Cr-EDTA é que o 51Cr,
a coleta de sangue realizada em diversos tempos. Isso per- devido ao seu baixo fluxo de fótons, não é adequado para
mitiu a obtenção de uma curva de padronização, onde se a realização de imagens dinâmicas através de detecção
verificou que a coleta de sangue realizada aos 44-45 minu- externa. Buscando aliar as vantagens da obtenção de um
tos fornecia os melhores resultados, com um erro de ⫾30 estudo dinâmico com a avaliação da FG, utiliza-se o 99mTc-
ml/min. Este método apresenta a vantagem de requerer DTPA.1,3,11,33,46,52 Como uma pequena parte do DTPA (5%)
apenas uma coleta de sangue realizada em um tempo espe- liga-se às proteínas plasmáticas e outra pequena parte, em
cífico (44 minutos), após a administração do radiofármaco. igual percentagem, difunde-se em vários tecidos, a FG cal-
O método radioisotópico apresenta diversas vantagens culada através deste agente ocasiona um erro de 5 a 10 ml/
em relação aos métodos tradicionais de cálculo de clear- min de plasma, inferior ao da inulina. Para indivíduos com
ance. Observamos que ele não requer coleta de urina, o que função renal normal ou próxima desta, o erro é irrelevan-
representa inúmeras vantagens: o exame pode ser realiza- te, mas quando se trata de pacientes com insuficiência re-
do independente do estado funcional dos rins, a falta de nal, esta diferença poderá determinar ou não uma inter-
integridade das vias urinárias excretoras ou de suas mal- venção, como, por exemplo, uma diálise. Nestes casos onde
formações não impede o exame, não necessita da colabo- uma precisão maior é exigida, devemos lançar mão dos
ração do paciente, não sofre interferência do volume uri- métodos baseados na concentração constante do RI. A téc-
nário residual e, fundamentalmente, não é modificado pelo nica que utilizamos é a do “botão” subcutâneo, que consta
estado de hidratação do paciente. Devido à aferição da da injeção subcutânea de uma dose de 51Cr-EDTA em uma
concentração da substância traçadora ser realizada através área onde foi realizado um “botão” com adrenalina 1:1.000
da detecção da radiação, não existe interferência de outras (0,1 ml) e xilocaína a 2% sem vasoconstritor (0,9 ml). Este
substâncias presentes no meio. Este aspecto é particular- recurso garante uma absorção lenta do material radioati-
mente importante, se lembrarmos que os métodos tradici- vo e a manutenção de seu nível plasmático em valores cons-
onais de avaliação correlacionam a concentração de um tantes durante o tempo de realização da prova. A correla-
determinado componente em dois meios distintos de ção entre a FG assim determinada e a da inulina é de 0,97
composição química diversa: sangue e urina. Evidentemen- em portadores de déficit acentuado da função renal.55
te, este fato é contornado quimicamente; contudo, consti- Para a avaliação do fluxo plasmático renal efetivo usa-
tui mais um fator de erro e é uma desvantagem em rela- se um sal do ácido paramino-hipúrico (PAH), o orto-
ção à técnica radioisotópica. A quantificação da concentra- hipurato de sódio marcado com 131I ou, de preferência, com
123 71
ção radioativa é mais simples, segura e reprodutiva que a I. À semelhança do PAH, o Hipuran é integralmente
bioquímica. Finalmente, o método radioisotópico permi- eliminado pelo rim em cada passagem tanto por filtração
376 Radioisótopos em Nefrourologia

(20%), como por secreção tubular (80%). Desta forma, a e dos programas utilizados, não existindo infelizmente
determinação do clearance do Hipuran permite estimar o uma padronização internacional.
fluxo plasmático renal efetivo. A metodologia utilizada, A análise das imagens obtidas permite a obtenção de
semelhante à pesquisa da FG, baseia-se na coleta de duas uma série de informações morfológicas e funcionais. Logo
amostras de sangue (aos 20 e 30 minutos) após a adminis- nas primeiras imagens, quando vemos a chegada do “bolo”
tração do Hipuran. Os valores encontrados são em geral radioativo na aorta abdominal e em seguida nos rins, po-
15% menores que os do PAH.10,69 Esta diferença pode ser demos avaliar as características da perfusão renal. As ima-
explicada por diversos fatores; a presença de iodo livre na gens subseqüentes, por sua vez, irão dar informações so-
preparação, diferenças no transporte tubular, diferenças bre o estado funcional de cada rim. Estas imagens já têm
nas características de ligação com as proteínas e uma pe- definição suficiente para podermos apreciar aspectos mor-
quena parte do Hipuran que se liga aos glóbulos verme- fológicos, tais como tamanho, forma, localização, existên-
lhos. Para um adulto, os valores do FPRE são considera- cia de áreas no interior do órgão que não concentram o
dos normais quando maiores que 420 ml/min, variando radiotraçador etc. Mais adiante, podemos observar a pre-
segundo a idade, sexo e unidades renais presentes. Alguns sença de estases e dilatações ao nível da pelve renal ou dos
autores têm sugerido o 99mTc-MAG3 como radiofármaco de ureteres, ou ainda, de refluxos contracorrente, como o re-
escolha para pesquisa do FPRE; embora com custo eleva- fluxo vésico-ureteral.
do, ele também permite a obtenção simultânea do renogra- Entretanto, é a quantificação das informações contidas
ma.13,24 nas imagens que nos permitirá explorar, ao máximo, o
exame realizado. Para isto, é necessário criar diversas áre-
RENOGRAMA RADIOISOTÓPICO as de interesse (ADI), dentre elas as das unidades renais,
O renograma radioisotópico ou estudo dinâmico renal do ruído de fundo, da bexiga, etc. Este procedimento per-
consiste no registro gráfico das variações da concentração mite delimitar precisamente as áreas de estudo e, a partir
radioativa em função do tempo, ao nível das lojas renais, destas, obter curvas de variação temporal da atividade,
após a administração endovenosa de um radiofármaco cuja onde cada ponto da curva representa a quantidade de ra-
via de excreção seja renal. Dentre os compostos utilizados diação existente no interior da área de interesse.42
temos o DTPA marcado com 99mTc, o Hipuran marcado Vários parâmetros semiquantitativos podem ser obtidos
com 131I ou 123I e o MAG3 marcado com 99mTc. das curvas: tempo para atingir o pico máximo (Tmáx), FG
Historicamente, o renograma, introduzido por Taplin,73 ou FPRE (dependendo do RI) de cada rim, T1/2 de excre-
era realizado usando-se, como sistema de detecção e regis- ção e as relações entre a atividade do 20.º ou 30.º minuto
tro da radiação, duas sondas detectoras acopladas a regis- com a atividade máxima.
tradores gráficos e que eram colocadas ao nível das lojas Ainda com relação à técnica de realização do exame,
renais.29 Desta forma, obtinha-se um histograma de varia- convém ressaltar a importância da correta administra-
ção temporal da atividade, refletindo a passagem do radio- ção do RF, que deve ser injetado rapidamente sob a for-
fármaco pelos rins. Este método tem como principais des- ma de um “bolo” radioativo (volume não maior que 0,5
vantagens a impossibilidade de obtenção de imagens re- ml) numa veia calibrosa do antebraço seguida imedia-
nais e a dificuldade na correção da radiação de fundo tamente da injeção de 10 a 15 ml de soro fisiológico.
(RDF), presente em expressiva proporção nas curvas Outro ponto importante a ser ressaltado é a necessida-
nefrográficas, secundária à presença do traçador no san- de de hidratar convenientemente o paciente antes do
gue circulante e estruturas extra-renais. exame. O estado de hidratação, por interferir no fluxo
Atualmente utiliza-se a câmara de cintilação acoplada urinário, altera de forma pronunciada a morfologia do
ao computador para a realização do renograma. Em seu renograma ao aumentar o tempo de trânsito renal e di-
campo de visão é possível englobar de uma só vez a região minuir a excreção urinária do radioindicador. As deter-
lombossacra, permitindo obter imagens simultâneas da minações da filtração glomerular e do fluxo plasmático
aorta abdominal, rins, vias urinárias e bexiga. O armaze- renal efetivo não sofrem esta influência, pois indepen-
namento das imagens na memória do computador e a sua dem do fluxo urinário.22 Um fluxo urinário de 2 ml/min
manipulação, da forma mais adequada para cada caso, é suficiente para eliminar as alterações morfológicas do
permite extrair muitas informações. renograma.
Na prática, o renograma pode ser realizado com o paci-
ente em decúbito, sentado ou em pé, com a gama-câmera Pontos-chave:
localizada na região posterior. Imediatamente após a ad-
ministração do radiofármaco é iniciada a aquisição contí- Principais indicações do renograma
nua de uma série de imagens seqüenciais, por um período • Hipertensão renovascular
de tempo não inferior a 20 minutos. O número total e a • Avaliação de obstrução das vias urinárias
duração das imagens que compõem o estudo são muito • Rim transplantado
variáveis e dependem do tipo de equipamento disponível
capítulo 20 377

ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO RENOGRAMA uma queda, bastante acentuada, da radioatividade presen-


A curva nefrográfica é a resultante de múltiplos fenô- te nos primeiros minutos do estudo (coincidindo com o
menos fisiológicos relacionados com a passagem de um aparecimento da radioatividade observada na curva obti-
determinado RF pelos rins (Fig. 20.1). A primeira fase se da na ADI da bexiga), seguida de uma queda menos abrup-
caracteriza por uma ascensão abrupta da atividade durante ta e mais prolongada.
um curto espaço de tempo e corresponde à chegada do Na interpretação do renograma, devemos levar em con-
“bolo” radioativo nas áreas de interesse renais. Ela depen- sideração algumas pequenas diferenças da curva relacio-
de da velocidade e da qualidade da injeção e reflete a inte- nadas com o tipo de RF usado e que têm relação, em gran-
gridade do sistema vascular que irriga o rim e estruturas de parte, com o ritmo de extração renal de cada RF (90%
vizinhas. Com efeito, cerca de apenas 60% desta atividade para o Hipuran e 20% para o DTPA). Quando emprega-
é devida à presença do radioindicador no parênquima re- mos este agente, observamos em comparação com o pri-
nal, o restante corresponde à sua presença nos vasos do meiro uma menor inclinação da segunda fase, um discre-
próprio rim e nos vasos e tecidos extra-renais, e devem, to retardo no tempo do pico e uma excreção mais lenta.
portanto, ser considerados como ruído de fundo. As alterações observadas na curva nefrográfica não são
A segunda fase apresenta uma elevação contínua, po- específicas e, portanto, um mesmo padrão pode ser obser-
rém menos rápida, da atividade radioativa até atingir um vado em mais de uma situação patológica. Podem-se iden-
ponto máximo (Tmáx). A subida mais lenta desta curva deve- tificar alguns padrões típicos (Fig. 20.3): na obstrução do
se à retirada do RI do sangue, por filtração glomerular trato urinário observa-se, logo no início do exame, um pro-
e/ou secreção tubular, à chegada do RI que se encontrava longamento da segunda fase, que é sempre ascendente, e
na circulação sistêmica e ao fato de que não ocorreu ainda ausência da fase de excreção. Sem tratamento adequado,
eliminação. A forma e a duração desta fase dependem de à medida que a função do rim se deteriora, nota-se, nos
diversos fatores: da fase anterior, do ritmo de suprimento exames seqüenciais, uma modificação progressiva do pa-
e da eficiência de extração renal do RI utilizado e do seu drão anterior traduzida por um achatamento cada vez
deslocamento através das vias urinárias. Ao atingir o pico maior da segunda fase. Quando o rim estiver funcional-
máximo, que nos indivíduos normais ocorre entre 2 e 5 mente ausente, a curva observada é semelhante àquela da
minutos (para qualquer dos tipos de RI utilizado), ocorre região do ruído de fundo ou de ausência do rim, e se ca-
uma queda acentuada da atividade, traduzindo o início da racteriza pela queda exponencial da radiação que é devi-
terceira fase, que coincide com o seu aparecimento na be- da à excreção do RF pelo rim contralateral. Este padrão
xiga. pode ser ocasionado por qualquer situação que leve a uma
A terceira fase é também resultante de diversos fenôme- exclusão funcional do rim.
nos fisiológicos que ocorrem simultaneamente. Ela depen- Na estenose da artéria renal, devido à maior reabsor-
de do fármaco e do fluxo urinário através dos ureteres. Na ção tubular de sódio e água, que levam a uma diminui-
ausência de obstrução do trato urinário e na presença de ção do fluxo urinário, a curva apresenta a segunda fase
fluxo urinário adequado, a terceira fase se caracteriza por achatada, com um retardo no tempo para atingir o pico
máximo, associada a uma terceira fase mais prolongada.
Este padrão é igualmente observado nas alterações de
função renal.
Através das ADI renais e do ruído de fundo, é possível
calcular a função renal percentual de cada rim em separa-
do, e os valores considerados normais variam entre 50/50
e 56/44%.78

APLICAÇÕES CLÍNICAS

Hipertensão Renovascular (HRV)


A Hipertensão Renovascular responde por 1-2% das cau-
sas de hipertensão, em uma população de hipertensos não
selecionados, e pode chegar a 15-30% em uma população de
hipertensos refratários a tratamento.77 Trata-se de uma im-
portante causa de hipertensão secundária, tendo em vista a
possibilidade de cura ou grande melhora do quadro hiper-
Fig. 20.1 Renograma normal. tensivo inicial após a revascularização e, conseqüentemen-
378 Radioisótopos em Nefrourologia

te, reversão ou interrupção da instalação de seus efeitos nos bloqueadores dos receptores de AII, como o losartan, tam-
órgãos alvo. A causa da HRV é a obstrução das artérias re- bém deverão ser suspensos, pois seu uso crônico interfere
nais ou de seus ramos principais; entretanto, é preciso dife- de maneira semelhante ao uso crônico de IECA.78 Os diuré-
renciar os casos em que a obstrução arterial constitui-se em ticos utilizados cronicamente deverão ser suspensos alguns
um achado de exame, não sendo responsável pelo desenca- dias antes caso o paciente se apresente desidratado. A desi-
deamento do processo isquêmico inicial e conseqüente hi- dratação e o uso crônico de IECA reduzem a sensibilidade
pertensão, daquele onde a obstrução é responsável direta- do método.76,78 A suspensão dos demais anti-hipertensivos
mente pelo quadro hipertensivo. é controversa, já tendo sido descritos falso-positivos para
A HRV é definida como uma elevação da pressão arte- pacientes em uso crônico de antagonistas de cálcio.12
rial causada por hipoperfusão renal, normalmente secun- Radiofármacos. Os RF mais utilizados são 99mTc-MAG3
dária à estenose anatômica da artéria renal e ativação do e o 99mTc-DTPA; o 99mTc-MAG3, por ser um agente tubu-
sistema renina-angiotensina (SRA). Diferentes métodos di- lar, tem-se mostrado superior ao 99mTc-DTPA nos pacien-
agnósticos têm sido utilizados na investigação da HRV, tes com déficit de função renal. Pode-se utilizar também o
dentre eles ultra-som com Doppler,43 angiorressonância7 e 131
I-OIH que, semelhante ao 99mTc-MAG3, é um agente tu-
cintilografia renal pós-inibidores da enzima conversora bular, com as ressalvas comentadas acima, ou, se disponí-
(IECA),76 sendo o “gold standard” para a detecção da obs- vel, o 123I-OIH.
trução arterial a angiografia. O objetivo principal destes Inibidores de Enzima Utilizados. Utiliza-se dose úni-
exames é a detecção daqueles pacientes cuja hipertensão ca oral de captopril (25-50 mg) ou o enalaprilato endove-
seja causada por obstrução da artéria renal, ou seus ramos noso (40 ␮g/kg, dose máxima ⫽ 2,5 mg). A injeção do RF
principais, e prever em quais casos a revascularização será se faz 60 min após o captopril ou 15 min após o enalaprila-
eficiente para reverter ou interromper o processo isquêmi- to, com ou sem injeção de furosemida.26,76,78
co inicial.21 Estudos comparando o captopril ao valsartan (antagonis-
Quando se utiliza a cintilografia renal sob ação de uma ta do receptor de AII, subtipo 1 — AT1) demonstraram que
droga que inibe a produção da angiotensina II (AII) é pos- o captopril é mais sensível na detecção da HRV. A diferen-
sível observar e quantificar seus efeitos sobre o rim isquê- ça observada (89% ⫻ 30%) provavelmente se deve aos múl-
mico. O IECA bloqueia o efeito vasoconstritor (renal e sis- tiplos mecanismos de ação do captopril, especialmente atra-
têmico) da AII, bem como o estímulo à produção da aldos- vés da alteração do metabolismo do sistema prostaglandi-
terona; a vasoconstrição da arteríola pós-glomerular desa- na-bradicinina.45 Assim sendo, tal categoria de fármacos não
parece, reduzindo as pressões transcapilares que mantêm poderia substituir os IECA na investigação da HRV.
a filtração glomerular do rim comprometido. Protocolo de Aquisição. Realiza-se estudo dinâmico
A cintilografia renal com IECA tem mostrado, em média, com 30-45 min de duração com o paciente em decúbito
sensibilidade e especificidade ao redor de 90% para detec- dorsal. As imagens assim obtidas permitem, após o traça-
ção de HRV e tem a peculiaridade de indicar aqueles casos do de ADI renais e do ruído de fundo, a construção de uma
em que a revascularização terá maior probabilidade de le- curva atividade/tempo e a avaliação da função renal per-
var à normalização da pressão arterial, sem medicação ou centual, o cálculo do tempo para atingir a atividade máxi-
com menor número de drogas.28,53, 76,77 ma (Tmáx) e a relação da atividade no 20.º ou 30.º minutos/
A relação custo-benefício é melhor, para o renograma pico da atividade (20 min/máx ou 30 min/máx). Estes
com IECA, quando utilizado em pacientes com moderado dados são obtidos após o uso do IECA com ou sem estudo
a alto risco de HRV: hipertensão aguda ou severa, hiper- basal. Muitos serviços assumem que um exame normal
tensão resistente à terapia medicamentosa, sopros abdo- pós-captopril exclui a possibilidade de hipertensão reno-
minais, déficit da função renal sem causa conhecida, piora vascular e torna desnecessária a realização do exame ba-
da função renal com o uso de drogas que interfiram no sal.26,78 Avaliações do tempo de trânsito pelo parênquima
SRA, retinopatia hipertensiva graus 3 ou 4, doenças oclu- (TTP) poderão ser utilizadas, se os softwares estiverem dis-
sivas em outros leitos arteriais, início da hipertensão antes poníveis, em pacientes com função renal normal; indiví-
dos 30 ou depois dos 55 anos.16,28,78 duos com déficit de função renal deverão ser investigados
através dos outros critérios, tendo em vista sua baixa sen-
METODOLOGIA sibilidade neste grupo de pacientes.27
Preparo. O paciente deverá ser mantido em adequado Critérios de Análise. O critério mais específico para o
estado de hidratação através da reposição oral de líquidos. diagnóstico de hipertensão renovascular é a alteração da
Quando se optar pela utilização do captopril, orienta-se je- curva renográfica com seus diferentes parâmetros. Em
jum para alimentos sólidos nas 4 horas que precedem a re- pacientes com hipertensão renovascular o captopril induz
alização do exame; tais cuidados não se aplicam ao enala- alterações nas imagens cintilográficas do rim obstruído,
prilato (uso endovenoso). A suspensão do uso crônico de que se expressam por uma diminuição na captação (fun-
IECA é importante; o captopril e o enalapril/lisinopril de- ção renal percentual) e/ou prolongamento da excreção
verão ser suspensos por 48 e 96 horas, respectivamente. Os com retenção cortical do radiofármaco (Fig. 20.2).
capítulo 20 379

Fig. 20.2 Renograma sem e com captopril. Note o prolongamento de tempo de trânsito renal do 99mTc-DTPA no rim esquerdo pós-
captopril.

De uma maneira mais geral, os critérios para definição ção unilateral (alta probabilidade de doença renovascular,
de HRV pela cintilografia seriam: alteração na função re- ⬎90%) e que pode ser determinada pela alteração de 15%
nal percentual, do perfil da curva tempo/atividade e do ou mais em relação ao valor normal do parâmetro do 20
tempo de excreção do rim estenosado. A avaliação visual min/máx, prolongamento do TTP, pelo aumento do Tmáx em
da retenção cortical, especialmente importante para RF relação ao basal de 2 min ou 40%, pela alteração unilateral
tubulares, está prejudicada em pacientes com retenção de perfil de curva do renograma e pela diminuição de 10%
pélvica. Nestes pacientes este critério diagnóstico deve ser ou mais na função renal percentual em relação ao basal. Para
avaliado com cautela.47 exames realizados com 99mTc-DTPA, o critério mais impor-
Considera-se como baixa probabilidade para HRV tante é a alteração em 10% ou mais na função renal percen-
(⬍10%) estudos pós-captopril normais, ou basais alterados tual ou na função renal absoluta; alterações de 5-9% são con-
que melhoram no estudo pós-captopril. São considerados sideradas de probabilidade intermediária. Outro critério
estudos de probabilidade intermediária aqueles que são utilizado para o 99mTc-DTPA é a alteração do perfil da curva
anormais em condições basais (compatíveis com déficit de em relação ao exame basal.17,27,76,78
função renal) e que não se alteram na avaliação pós-capto- Alguns autores sugerem estudo semelhante, utilizando-
pril; neste grupo estão incluídos alguns pacientes renais crô- se ácido acetilsalicílico, no lugar do IECA (20 mg/kg), 60
nicos e hipertensos com um rim pequeno com função redu- min antes da injeção do radiofármaco. Os autores se basei-
zida (função renal percentual ⬍30%). Estudos de probabili- am no princípio de que a síntese de prostaglandinas está
dade alta (⬎90%) são aqueles em que os estudos pós-IECA, aumentada no rim estenosado, especialmente a PGE2, que
comparados ao basal, apresentam importante alteração da por sua vez estimula a secreção de renina. Portanto, a ini-
curva renográfica. Alterações simétricas bilaterais pós-IECA, bição da PGE2 pelo ácido acetilsalicílico diminuiria a sín-
quando estão excluídas depleção de sal, hipotensão, desi- tese da renina, obtendo-se efeito semelhante àquele obser-
dratação e bexiga distendida, representam probabilidade vado com o uso dos IECA.23,26
intermediária de HRV (critérios específicos para DTPA e
MAG3).
Avaliação da Urodinâmica
Alguns critérios são específicos para determinado RF: o
critério mais importante para exames realizados com agen- A avaliação cintilográfica renal pode ser utilizada em pa-
tes tubulares (99mTc-MAG3 e 131I-OIH ou 123I-OIH) é a reten- cientes com suspeita clínica de obstruções do trato urinário
380 Radioisótopos em Nefrourologia

com finalidade diagnóstica, para avaliar o grau de compro- ção. O enchimento lento da pelve acompanhado por uma
metimento do parênquima renal, para determinar o melhor fase de platô mesmo após a administração do diurético ou
momento da correção cirúrgica e para avaliar a resposta aos um enchimento contínuo são fortemente sugestivos de
diversos tratamentos existentes. As técnicas radioisotópicas obstrução. Respostas ao diurético intermediárias entre es-
atualmente disponíveis têm a desvantagem de não fornecer tes dois padrões podem indicar algum grau de obstrução,
dados referentes às alterações anatômicas presentes, quando no entanto a expressão “semi-obstrutivo” deve ser evita-
comparadas a métodos radiográficos como a ultra-sonogra- da, e o termo indeterminado fica mais bem empregado (Fig.
fia, urografia excretora, tomografia e ressonância; entretan- 20.3). Isto se deve ao fato deste padrão não necessariamente
to, elas permitem um estudo mais adequado da função e di- ser decorrente de obstruções parciais, e rins com função
nâmica renal. Essa metodologia tem sido utilizada para con- muito diminuída e com resposta inadequada ao diurético
trole evolutivo das obstruções ao fluxo urinário.39,50,58,60 podem apresentar este padrão mesmo sem componente
Os radiofármacos empregados para avaliação dos qua- obstrutivo. Uma avaliação quantitativa da excreção do RF
dros obstrutivos são o 99mTc-DTPA, o 99mTc-MAG3 e o 99mTc- após a administração do diurético pode diminuir o núme-
DMSA. No Brasil, a utilização do 99mTc-MAG3 ainda é ro de casos indeterminados. Numerosos índices têm sido
muito pouco difundida devido ao seu alto custo e pelo fato descritos para avaliar a meia-vida (T1/2) de excreção do
de não apresentar uma superioridade muito expressiva em radiotraçador pós-furosemida. Como a reprodutibilidade
relação à utilização do 99mTc-DTPA. Tanto o DTPA quanto dos resultados depende dos equipamentos e programas de
o MAG3 permitem uma avaliação renal dinâmica e o cál- cada serviço, cada laboratório deve padronizar os seus
culo da função renal relativa, sendo considerados os agen- próprios índices. Taylor sugere como critérios: ⬍10 minu-
tes ideais para a avaliação de quadros obstrutivos. A prin- tos, sem obstrução; 10 a 20 minutos, indeterminado; ⬎20
cipal diferença entre os dois, além do preço, é o modo de minutos, obstrução.78 Alguns fatores, além da diminuição
excreção renal; enquanto o DTPA é excretado predominan- da função renal, podem alterar os padrões da curva de eli-
temente por filtração glomerular, o MAG3 é secretado pe- minação do RF, e o médico nuclear deve estar sempre aten-
los túbulos. O DMSA, que será tratado com maiores deta- to a estes. Destacamos entre eles: a baixa hidratação, a re-
lhes em outro local deste capítulo, é filtrado pelos glomé- pleção vesical e a complacência da pelve renal. Pacientes
rulos e posteriormente extraído pelos túbulos renais, per-
mitindo somente a realização de imagens estáticas da sua
distribuição intra-renal, não sendo adequado para estudos
dinâmicos.
O diagnóstico de obstrução das vias urinárias com ra-
dioisótopos apresenta algumas limitações em pacientes
com dilatação importante, os quais podem apresentar es-
tase prolongada do radiofármaco no sistema pielocalicial,
mesmo na ausência de obstrução anatômica. Nas situações
em que o paciente apresenta dilatação importante, é neces-
sária a utilização de diuréticos com a finalidade de aumen-
tar a pressão na pelve renal e drenar as possíveis áreas de
estase, possibilitando, desta forma, a diferenciação mais
acurada entre as duas situações.65,75
O diurético empregado é a furosemida por via endove-
nosa, e os protocolos de administração, descritos na litera-
tura, são: injeção do diurético 20 minutos após a adminis-
Fig. 20.3 Padrões de curvas. Diferentes padrões de curvas obti-
tração do RF (F+20), com aquisição das imagens por mais das no exame de cintilografia renal dinâmica com 99mTc-DTPA ou
15 minutos, e administração do diurético 15 minutos an- 99m
Tc-MAG3. A curva 1 é o padrão considerado normal, nele ob-
tes da administração do RF (F-15).78 O primeiro protocolo serva-se o acúmulo do RF no rim com um rápido esvaziamento
é o mais utilizado na rotina laboratorial; o segundo tem seu do sistema pielocalicial. Na curva 2, observa-se um acúmulo pro-
papel em alguns casos onde ainda persistem dúvidas quan- gressivo do RF no rim com o esvaziamento do sistema pielocali-
cial somente após a administração do diurético. Este padrão é
to à presença ou não de obstrução após a utilização do pri- considerado indicativo de aumento da complacência do siste-
meiro protocolo. Em neonatos, recém-nascidos e lactentes ma coletor, sem obstrução. Na curva 4, observa-se um acúmulo
até quatro meses, devido à imaturidade renal, a resposta progressivo do RF no rim sem resposta à ação do diurético. Este
ao diurético encontra-se prejudicada e a interpretação do padrão é sugestivo de obstrução. Na curva 3, observa-se acú-
renograma sob hiperdiurese é duvidosa.59 mulo progressivo do RF no rim com resposta parcial ao diuré-
tico. Este padrão é considerado indeterminado para a presença
Independente do protocolo escolhido, o enchimento de obstrução, podendo ser decorrente de algum grau de obstru-
rápido dos sistemas coletores com um esvaziamento ção parcial, pois ele é considerado inespecífico para a presença
abrupto é um padrão diagnóstico de dilatação sem obstru- de obstrução.
capítulo 20 381

hidratados inadequadamente podem apresentar uma fil- A cistocintilografia pode também ser realizada de ma-
tração glomerular diminuída e, portanto, uma menor pres- neira indireta (cistocintilografia indireta), que não neces-
são no sistema pielocalicial, diminuindo o ritmo de enchi- sita de cateterização vesical. Aqui o radiofármaco, injeta-
mento e esvaziamento. Um sistema pielocalicial compla- do por via endovenosa, chega à bexiga através de sua ex-
cente pode reter uma grande quantidade de urina antes que creção fisiológica.8 Este procedimento nada mais é do que
a pressão atinja valores suficientes para que ocorra um uma complementação do renograma clássico. Quando
esvaziamento da pelve, e, finalmente, uma bexiga muito houver grande quantidade de material radioativo na be-
cheia pode impor uma resistência considerável à drenagem xiga, solicita-se que o paciente urine, enquanto são adqui-
renal, alterando o padrão da curva. Para evitar estes incon- ridas as imagens seqüenciais, que permitirão a avaliação
venientes algumas medidas podem ser tomadas, tais como da presença de refluxo para os ureteres.
garantir a hidratação adequada dos pacientes através da
administração de líquidos pela via oral, ou em alguns ca- METODOLOGIA
sos especiais pela via endovenosa, e a realização de son-
dagem vesical em alguns casos mais específicos. A reali- Cistocintilografia Direta
zação de uma imagem extra ao final do exame, após o pa- Nesta técnica, a bexiga é cateterizada utilizando-se uma
ciente ter deambulado e urinado, pode ser de grande utili- sonda de alívio com dimensões apropriadas para o tama-
dade na diferenciação de quadros obstrutivos de retenção nho do paciente e em condições assépticas. Esvazia-se to-
por estase. Esta imagem pode inclusive ser realizada em talmente a bexiga, coloca-se o paciente em posição supina
posição ortostática, recomendada, principalmente, nos e com o detector da gama-câmara posicionado posterior-
pacientes que podem apresentar refluxo vésico-ureteral mente inicia-se a infusão do radiofármaco enquanto ima-
passivo na posição supina. gens seqüenciais de 30 segundos são adquiridas até que a
repleção esteja completa e o esvaziamento vesical tenha
sido concluído. Utiliza-se o 99mTc na sua forma pura (per-
Refluxo Vésico-ureteral tecnetato) ou marcando enxofre coloidal ou DTPA; a dose
Refluxo vésico-ureteral é o fluxo retrógrado de urina utilizada varia entre 18,5 e 37 MBq (0,5 a 1,0 mCi). O radi-
da bexiga para os ureteres, podendo atingir os rins. O ofármaco é infundido diretamente na bexiga pelo cateter
refluxo predispõe a infecções e a processos inflamatórios vesical. Pode-se injetar toda a dose diretamente e em se-
renais que podem evoluir para a perda total ou parcial da guida inicia-se a infusão de 50 a 1.500 ml de soro fisiológi-
função. co (dependendo do tamanho do paciente), ou dilui-se a
O diagnóstico é estabelecido por métodos radiográficos: dose no soro fisiológico e inicia-se a infusão; o frasco de
cistouretrografia miccional, ou cintilográficos: cistocintilo- infusão deve estar posicionado cerca de 90 cm acima da
grafia direta. Ambos utilizam a cateterização e a infusão bexiga. A primeira forma é preferível, pois garante uma
intravesical de contraste radiológico ou de material radio- grande quantidade de radiação na bexiga desde o início do
ativo e avaliam a presença de refluxo durante as fases de exame, aumentando desta maneira a sensibilidade do
enchimento da bexiga e de diurese. método; utilizando-se a dose diluída é possível que peque-
A cistouretrografia miccional fornece imagens de alta re- nos refluxos, que possam ocorrer no começo da infusão,
solução que permitem uma avaliação anatômica detalha- sejam perdidos (v. Fig. 20.4).
da da uretra posterior e da bexiga e, nos casos em que haja
refluxo, dos ureteres e dos rins. A técnica radiográfica per- Cistocintilografia Indireta
mite a classificação do refluxo em cinco categorias confor- Esta metodologia requer a realização de um renograma;
me a altura do refluxo e o grau de comprometimento dos e no seu término, quando a atividade radioativa nos rins
cálices renais, enquanto a cistocintilografia, por não apre- estiver bem diminuída e a bexiga estiver cheia, pede-se
sentar resolução suficiente, só permite a classificação em para que o paciente esvazie a bexiga, enquanto são obti-
termos de altura do refluxo. A principal desvantagem da das as imagens. Esta técnica possui várias desvantagens
cistouretrografia radiológica é a dose de radiação recebi- quando comparada com o método direto. O tempo neces-
da pelo paciente, que é cerca de 40 a 200 vezes maior do sário para que o trato urinário alto esvazie completamen-
que aquela recebida na cistocintilografia direta. Este aspec- te é variável em pacientes com insuficiência renal ou com
to passa a ser ainda mais relevante quando sabemos que o dilatações do sistema pielocalicial e pode ocorrer estase
paciente será acompanhado ao longo dos anos com exames renal do RF que dificulta a avaliação das imagens. A ne-
seriados. Atualmente considera-se que uma boa estratégia cessidade de colaboração do paciente restringe este exame
para o diagnóstico e acompanhamento de pacientes com a crianças maiores. Como o refluxo não pode ser avaliado
refluxo vésico-ureteral é a realização de uma cistouretro- na fase de enchimento vesical, alguns casos poderão não
grafia miccional radiográfica inicial, para detecção e clas- ser detectados, sendo esta perda estimada em 25% dos
sificação do refluxo, e a realização do acompanhamento pacientes. Finalizando, a dose radioativa recebida utilizan-
evolutivo, através da cistocintilografia direta. do a técnica indireta é significativamente maior do que
382 Radioisótopos em Nefrourologia

ser em “bolo”, em veia do membro contralateral ao da fís-


tula artério-venosa. Diferentemente da cintilografia em in-
divíduos normais, o aparelho é posicionado em anterior,
de tal maneira que o enxerto, aorta abdominal, artérias ilí-
acas e bexiga possam ser visualizados; caso tenham algu-
ma função residual, os rins nativos também deverão ser
avaliados. As imagens obtidas permitem a construção da
curva tempo/atividade e, a partir dela, obter dados quan-
titativos.22
O estudo cintilográfico pode ser dividido em duas fa-
ses: fase vascular e fase funcional (nefrográfica ⫹ excreto-
ra). Imagens da bexiga antes e depois de urinar permitem
estudar possíveis extravasamento de urina, refluxo vésico-
ureteral e obstrução ao fluxo urinário. Muitos métodos têm
sido utilizados para estudar a fase vascular, relacionando
fluxo sanguíneo renal ao das artérias ilíaca/aorta abdomi-
nal, dentre eles o Índice de Perfusão de Hilson (IP) (Hilson)
Fig. 20.4 Cistocintilografia direta. Nota-se, desde a fase de enchi- e relação enxerto/aorta, de Kirchner.22 O índice de Hilson
mento da bexiga, a presença de refluxo vésico-ureteral importante
para o rim esquerdo. (IP) baseia-se na relação entre as áreas compreendidas sob
as curvas de atividade/tempo, das artérias ilíacas e renal,
calculadas a partir do momento em que o RI chega ao en-
xerto, estendendo-se até o pico máximo de atividade; o
aquela recebida na técnica direta. A vantagem do método, valor normal é ⬍150 e aumenta em função da redução da
além da ausência de risco de infecção, é a obtenção simul- perfusão.40
tânea de dados referentes à função renal (renograma) e à Em algumas situações podem-se realizar os estudos sob
presença do refluxo.
intervenção de drogas: furosemida (diagnóstico diferencial
de obstrução) e inibidor de enzima de conversão ou losar-
Avaliação do Rim Transplantado tan (pesquisa de hipertensão renovascular).30 A interpre-
tação dos dados obtidos é a mesma dos pacientes com rins
O papel da cintilografia na propedêutica do rim trans- nativos.
plantado ainda está por ser estabelecido. Em muitas situa-
ções pode servir como investigação complementar a outros
INTERPRETAÇÃO
métodos diagnósticos: ultra-som com Doppler, biópsia por
Um renograma normal exclui problemas clínicos com
agulha fina, urinálises, etc. Muitos dos estudos realizados
alto grau de certeza.38 Inicia-se a análise do renograma
sobre o papel da medicina nuclear foram anteriores à in-
pela inspeção visual da fase vascular; ela permite avaliar
trodução da imunossupressão com ciclosporina; sua utili-
a presença ou não de fluxo adequado pela artéria renal e
zação permitiu que houvesse sobreposição de critérios
seus ramos, presença de fístulas artério-venosas e pseu-
anteriormente estabelecidos. Outro aspecto polêmico é o
do-aneurismas. A observação da fase funcional permite
estabelecimento do ponto inicial (start point) para o estu-
avaliar a presença de defeitos no parênquima renal (in-
do do enxerto renal: avaliação eletiva logo após o procedi-
fartos, cicatrizes, lesões ocupando espaço) e a presença do
mento cirúrgico (até 48h) ou quando houver alguma alte-
RI em outras estruturas (extravasamento de urina, urino-
ração na evolução do rim transplantado. O estudo basal é
bastante interessante, tendo em vista a possibilidade de ma).
estudos comparativos; por outro lado, nem sempre há con-
dições clínicas adequadas do paciente ou disponibilidade FASE VASCULAR
do procedimento. Normalmente observa-se o bolo do RI chegar à aorta ab-
A cintilografia renal pode ser utilizada nas investigações dominal e 4-6 segundos depois ao enxerto. Pacientes com
de trombose arterial, defeitos regionais de perfusão, hidro- necrose tubular aguda têm menor comprometimento da
nefrose, extravasamento de urina, linfocele, necrose tubu- perfusão do que aqueles com rejeição aguda. Tal avaliação
lar aguda, rejeição aguda, rejeição crônica e toxicidade a pode ser visual e baseada nos índices de perfusão (IP),
drogas.22 como o de Hilson (⬎150 mais freqüentemente encontrado
O preparo do paciente transplantado é igual ao do pa- nas estenoses de artéria renal e rejeição) e outros índices
ciente com rins nativos funcionantes; a adequada hidrata- menos utilizados e que necessitam de validação (índice de
ção é fundamental. O RI escolhido pode ser o 99mTc-MAG3, fluxo, tempo de trânsito vascular, índice de perfusão do
99m
Tc-DTPA, 123I-OIH ou o 131I-OIH. A injeção do RI deve MAG3, etc.).22,38,40
capítulo 20 383

FASE FUNCIONAL
As imagens seqüenciais e a curva atividade-tempo de-
CINTILOGRAFIA RENAL
vem ser estudadas simultaneamente. No rim transplan- ESTÁTICA — INFECÇÃO
tado normal o pico de atividade é alcançado aos 5 minu- URINÁRIA
tos e cai até a metade em 5-6 minutos; em cerca de 30
minutos após a injeção os agentes tubulares (OIH e A cintilografia renal estática é um procedimento utili-
MAG3) deverão estar presentes na bexiga de maneira zado para estudo do parênquima renal, excluindo-se o sis-
quase integral.22 tema excretor, permitindo a avaliação da localização, alte-
Na necrose tubular aguda podemos ter um padrão ini- ração da forma, presença de cicatrizes e função renal per-
cial de redução da função renal (detectado por uma di- centual. Tem sido empregada na investigação de infecção
minuição da função renal percentual e de seus índices, do de trato urinário (pielonefrite aguda e lesões parenquima-
RFG, do FPRE, etc.) e trânsito lento pelo parênquima (de- tosas tardias), rim em ferradura, rins multicísticos e poli-
tectado pelo retardo no tempo do Tmáx, Tempo de Trânsi- císticos, ectopia renal, trauma, rins contraídos e estenose
to pelo Parênquima — TPP, tempo de aparecimento do de artéria renal.
RI na bexiga, etc.). Na necrose tubular aguda mais seve-
Inicialmente utilizavam-se diuréticos mercuriais marca-
ra evidencia-se aumento da atividade do RI até o final do
dos com 203Hg ou 197Hg;51 posteriormente estudos foram
estudo e sua ausência de excreção RI na bexiga; a curva
realizados com traçadores marcados com 99mTc (gluco-
nefrográfica apresenta um padrão continuamente ascen-
heptonato, DMSA e MAG3). Destes os mais utilizados são
dente. Com a resolução da necrose tubular aguda, a cur-
o MAG3 e o DMSA, sendo este último considerado o mé-
va, anteriormente ascendente, se normaliza. Rins grave-
todo de escolha para avaliação da córtex renal; foi intro-
mente comprometidos têm uma curva nefrográfica com
duzido em 1974 por Lin e col. e desde então o seu uso se
um pico inicial precoce seguido por uma queda rápida.
universalizou.
A não-visualização do enxerto implica um prognóstico
O 99mTc-DMSA é considerado um agente tubular, que
bastante ruim.
alcança o túbulo contornado proximal tanto por filtração
A rejeição aguda, mediada por células, tem um pa-
glomerular como através dos capilares peritubulares; sua
drão cintilográfico muito semelhante àquele da necrose
ligação se faz com os grupamentos sulfidril das células do
tubular aguda na fase funcional; o quadro clínico do pa-
túbulo contornado proximal.64 Acidose tubular renal se-
ciente e a apresentação temporal da alteração da viabi-
cundária a cistinose nefropática pode cursar com reduzi-
lidade do enxerto podem auxiliar no diagnóstico dife-
da captação pelo parênquima renal mesmo com função
rencial.
renal conservada; estudos experimentais revelaram que
Na rejeição crônica estável os índices de função renal
nessa situação haveria alteração na cinética de DMSA.34
estão reduzidos, mas o trânsito no parênquima é normal.
Tubulopatias como a síndrome de Fanconi e nefronoftise
As imagens seqüenciais e curva atividade/tempo po-
podem levar a uma má visualização do parênquima renal;
dem estar normais; se não houver quantificação da fun-
isso se deve à incapacidade do 99mTc-DMSA em ser absor-
ção, o quadro pode passar despercebido. Nas formas
vido ou em se ligar à célula tubular, e sua conseqüente
mais avançadas observa-se retenção parenquimatosa;
perda pela urina. A utilização do 99mTc-MAG3 é bastante
todos os parâmetros se alteram denunciando grave com-
restrita, já que, devido à sua rápida eliminação, a avalia-
prometimento da função renal e estabelecimento de do-
ção do parênquima renal deve ser feita nos minutos iniciais
ença terminal. Pode-se observar aspecto de hidronefro-
do estudo dinâmico, não sendo possível observar outras
se, que na verdade é secundário ao afilamento do córtex
projeções dos rins, além da posterior; também demonstrou
renal.
limitações para avaliar e diagnosticar lesões de grau leve.48,64
Não existe padrão típico para nefrotoxicidade por dro-
gas; nas formas mais leves pode assemelhar-se à rejeição
crônica (imagens normais com diminuição da função) e nas METODOLOGIA
formas mais graves ter características de rejeição aguda
(diminuição da função e retenção cortical). Preparo. Não é necessário submeter o paciente a qual-
Talvez a utilização de estudos em medicina nuclear para quer alteração das medicações em uso ou da alimentação.
avaliação da função renal dos transplantes ainda seja po- A sedação é um procedimento excepcional, tendo em vis-
lêmica. Entretanto, não se pode desprezar o fato de que a ta a simplicidade na realização do exame.
cintilografia é capaz de fornecer informações sobre as con- Procedimento. As imagens são adquiridas 2-4h após a
dições atuais do enxerto, enquanto os outros exames po- injeção do 99mTc-DMSA. Pacientes portadores de hidrone-
dem levar horas ou dias para se alterarem. Esta demora frose poderão realizar imagens com 6-24h, pois a retenção
pode causar uma perda de tempo por demais preciosa para do radiofármaco pelo sistema coletor pode superestimar
as chances de sobrevida do rim e necessárias tomadas de a função renal percentual do rim comprometido. São ad-
decisão. quiridas imagens em posterior e oblíquas posteriores; ima-
384 Radioisótopos em Nefrourologia

gens anteriores poderão ser realizadas na investigação de sibilidade de que as alterações observadas sejam decorren-
rim em ferradura ou ectopia renal. tes de um quadro agudo, sugere-se o intervalo de seis
O uso de imagens tomográficas (SPECT) ainda é discu- meses a um ano entre o exame inicial e uma segunda ava-
tível, tendo em vista dificuldades na padronização da nor- liação para definição de uma cicatriz.79
malidade, a possibilidade de falso-positivos, a necessida-
de de sedação e a movimentação do paciente. Alguns tra-
balhos avaliam o SPECT como altamente desejável na in-
Pontos-chave:
vestigação de ITU e cicatrizes tardias,80,81 e outros o consi- Principais indicações da cintilografia estática
deram desnecessário14 quando avaliado isoladamente, sem • Pielonefrite aguda
as imagens planares. Estudos em adultos normais têm • Avaliação evolutiva da lesão
demonstrado padrão heterogêneo na captação pelo parên-
parenquimatosa (formação da cicatriz)
quima renal, principalmente áreas hipocaptantes no pólo
superior à esquerda,19 sugerindo uma variabilidade mui-
to grande, o que dificultaria a avaliação de indivíduos
possivelmente nefropatas. Alguns autores têm sugerido NOVAS PERSPECTIVAS
medidas que reduzissem essas variações da normalidade,
como por exemplo aquisição tomográfica nos 180o poste- Começam a chegar em nosso meio equipamentos base-
riores ao invés da aquisição padrão de 360°.63 ados na detecção de emissões provenientes das desintegra-
Interpretação. As imagens obtidas permitem análise da ções de pósitrons. São as câmaras de cintilação híbridas
forma, localização, dimensões, bordos e função renal per- com duas cabeças e dois cristais planos para recepção das
centual. Considera-se como função renal no limite inferi- imagens, e as câmaras circulares com múltiplos cristais
or o valor de 45%.64,67 São considerados anormais exames facetados, também chamadas de câmaras dedicadas. Estes
cujas funções renais percentuais tenham diferença superi- equipamentos são projetados para a realização de exames
or a 10% entre os rins e/ou diminuição ou ausência de que utilizam esse tipo de emissão e ambos possuem o sis-
captação na córtex renal, causando distorção ou irregula- tema de coincidência para detecção dos fótons.61
ridade do contorno renal.67 O funcionamento dos equipamentos é baseado na emis-
Muito se tem discutido a respeito da variabilidade en- são de pósitrons, ou seja, quando o núcleo do átomo apre-
tre os observadores na análise das cintilografias com 99mTc- senta um desequilíbrio na relação nêutron/próton com um
DMSA. Trabalhos recentes têm demonstrado boa concor- maior número de prótons, o átomo torna-se instável e o
dância entre diferentes observadores tanto na análise de próton tende a se desintegrar, ocorrendo a sua transforma-
crianças com pielonefrite aguda ou com seqüelas tardias ção em neutrino e pósitron (⫹␤). Esta é uma partícula que
pós-infecção de trato urinário (⬎6 meses após episódio é emitida pelo núcleo e possui a massa do elétron e a mes-
agudo),14,20,35 como em crianças portadoras de diferentes ma carga, tendo como diferença o sinal contrário, ou seja,
patologias renais, bem como utilizando-se imagens plana- a carga é positiva. Como a partícula de carga positiva per-
res para análise, associadas ou não ao SPECT;15 bons resul- corre o nosso meio, a interação com a matéria ocorre de
tados também foram obtidos quando se estudaram adul- maneira fugaz, levando à aniquilação, quando a massa do
tos e crianças com ITU.20 A concordância entre os observa- elétron e do pósitron sofrem a transformação de matéria
dores nos diferentes trabalhos varia entre 75% e 92%. em energia, com a emissão de duas ondas eletromagnéti-
Crianças portadoras de infecção do trato urinário (ITU) cas diametralmente opostas, de 511 keV, que atingem os
de repetição constituem um grupo especial devido à ne- cristais provocando a cintilação.
cessidade de adequada avaliação do episódio agudo e con- O isótopo emissor de pósitron mais utilizado atualmen-
trole temporal evolutivo. Estima-se que 1 a 4% das crian- te, e o único disponível no Brasil, é o flúor (18F), e que pode
ças possam apresentar ITU; 6 a 15% das portadoras de pi- ser ligado, entre outras, à molécula de deoxiglicose de
elonefrite não-obstrutiva podem evoluir com cicatrizes modo satisfatório (18FDG). Esta molécula apresenta um
renais, quando avaliadas pela urografia excretora. Quan- comportamento biológico semelhante à glicose, podendo
do estudadas através da cintilografia com DMSA, estes ser utilizada para avaliar o seu metabolismo. Assim, man-
valores podem elevar-se. A importância epidemiológica é tendo-se o paciente em jejum, condição que permite mai-
que estes pacientes, se não houver a instituição de proce- or avidez dos tecidos, inclusive tumoral, para a glicose,
dimentos adequados, poderão evoluir para hipertensão teremos a marcação da atividade metabólica do tecido. As
arterial sistêmica e até mesmo insuficiência renal crônica. imagens obtidas permitem avaliar a localização, determi-
A cintilografia estática com DMSA tem sido sugerida nar o volume e o grau de atividade metabólica do tecido.
como diagnóstica na pielonefrite aguda quando, na presen- O uso do PET e 18FDG tem sua principal indicação nas
ça de quadro clínico sugestivo, não houver comprovação investigações oncológicas,18,41 seja para localização de me-
laboratorial,49 e no estudo evolutivo das possíveis seqüe- tástases ou avaliação das possíveis condutas terapêuticas.
las conseqüentes aos quadros infecciosos.72 Devido à pos- Pode também ser utilizado na avaliação do músculo car-
capítulo 20 385

díaco, fluxo sanguíneo regional do cérebro e estudos ba- culografia radioisotópica de primeira passagem e durante
seados na fisiologia das alterações. No estudo do tumor o equilíbrio, que permitem o cálculo de vários parâmetros
maligno renal podemos, após sua ressecção cirúrgica ou hemodinâmicos como a fração de ejeção e o débito cardía-
nefrectomia, realizar avaliação de possíveis metástases co, entre outros, e avaliar a contratilidade regional.2
através da utilização do 18FDG.56 A utilização de traçadores específicos para avaliar a
Não podemos terminar esta revisão sobre os métodos perfusão miocárdica no repouso e exercício ou estresse
radioisotópicos na avaliação das alterações renais sem lem- farmacológico, como o tálio (201Tl), a isonitrila (MIBI) e o
brar algumas técnicas úteis na exploração de outros órgãos tetrofosmin, marcados com 99mTc, são indispensáveis no
ou sistemas que podem ser comprometidos por uma afec- arsenal propedêutico dos pacientes com hipertensão.4,5
ção originariamente renal. Lembramos a cintilografia do
esqueleto (mapeamento ósseo), exame importante realiza-
do no estadiamento inicial e no seguimento de pacientes REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
com carcinoma renal, das vias urinárias e principalmente
da próstata.66 1. ARNOLD, R.W.; SUBRAMANIAN, G.; McAFEE, J.G. et al.
Ressaltamos, igualmente, a possibilidade de localização Comparison of 99mTc complexes for renal imaging. Journal of Nu-
clear Medicine, 16:357, 1975.
do feocromocitoma através da meta-iodo-benzilguanidina
2. BARBIERI, A. Avaliação de diversos métodos de cálculo da fração
(MIBG) marcada com 131I ou 123I e seu tratamento com o de ejeção radioisotópica do ventrículo esquerdo. Tese de Doutora-
primeiro radiofármaco.54 A localização de adenomas das do apresentada à Escola Paulista de Medicina no Curso de Pós-Gra-
glândulas paratireóides, atualmente, é realizada com o duação em Radiologia Clínica. Área de Medicina Nuclear, 1984.
99m 3. BARBOUR, G.L.; CRUMB, K.; BOYD, M. et al. Comparison of inulin,
Tc-MIBI.62 Finalmente, as repercussões hemodinâmicas
iohalamate, and 99mTc-DTPA for measurement of glomerular fil-
da hipertensão arterial podem ser estudadas pela ventri- tration rate. Journal of Nuclear Medicine, 17:317, 1976.
4. BELLER, G.A. Myocardial thallium 201 perfusion imaging. Am J Card
Imaging, 5(1):12-20, 1991.
5. BELLER, G.A. Radionuclide perfusion techniques for evaluation of
patients with known or suspected coronary artery disease. Adv In-
tern Med, 42:139-201 1997.
6. BLAUFOX, M.D.; AURELL, M.; BUBECK, B. Report of the
radionuclides in nephrourology committee on renal clearance. Jour-
nal of Nuclear Medicine, 37:1883-1890, 1996.
7. BONGERS, V; BAKKER, J.; BEUTLER, J.J. et al. Assessment of renal
artery stenosis: Comparison of captopril renography and gadolinium-
enhanced breath-hold MR angiography. Clinical Radiology, 55:346-352,
2000.
Fig. 20.5 Cintilografia normal com 99mTc-DMSA.
8. BOWER, G.; LOVEGROVE, F.T.; GEISSEL, H. et al. Comparison of
“direct” and “indirect” radionuclide cystography. Journal of Nucle-
ar Medicine, 26:465-8, 1985.
9. BRIEN, T.G.; O’HAGAN, R.; MJLDOWNEY, F.P. Chomium 51-
EDTA in the determination of glomerular filtration rate. Acta
Radiologica, 8:523-9, 1969.
10. BURBANK, M.K.; TAUXE, W.N.; MAHER, F. et al. Evalution of
radioiodinated hippuran for the estimation of renal plasma flow.
Proc. Staff Meet. Mayo Clin., 36:372, 1961.
11. CHERVU, I.R.; LEE, H.B.; GOYAL, Q. et al. Use of 99mTc-Cu DTPA com-
plexes as a renal function agent. Journal of Nuclear Medicine, 18:62, 1977.
12. CLAVEAU-TREMBLAY, R.; TURPIN, S.; De BRAEKELEER, M. et
al. False positive captopril renography in patients taking calcium
antagonists. Journal of Nuclear Medicine, 39(9):1621-1626, 1998.
13. CONWAY, J.J. and MAIZELS, M. “The WELL tempered” diuretic
renogram: a standard method to examine the asymptomatic neona-
te with hydronephrosis or hydroureteronephrosis. J. Nucl. Med.,
33:2047-51, 1992.
14. CRAIG, J.C.; IRWIG, Les M.; HOWMAN-GILES, R.B. et al.
Variability in the interpretation of dimercaptosuccinic acid scinti-
graphy after urinary tract infection in children. Journal of Nuclear
Medicine, 39(8), 1998.
15. CRAIG, J.C.; IRWIG, Les M.; FORD, M. et al. Reliability of DMSA
for the diagnosis of renal parenchymal abnormality in children. Eu-
ropean Journal of Nuclear Medicine, 27(11):1610-1616, 2000.
16. DATSERIS, I.E.; BOMANJI, J.B.; BROWN, E.A. et al. Captopril re-
nal scintigraphy in patients with hypertension and chronic renal
failene. Journal of Nuclear Medicine, 35:251-4, 1994.
17. DAY, H.M.; HOFFER, P.B.; SERVER, E. et al. Quantitative analysis
Fig. 20.6 Cintilografia com 99mTc-DMSA. Retrações cicatriciais. of the technetium 99mDTPA captopril renogram: contribution of
386 Radioisótopos em Nefrourologia

washout parameters to the diagnosis of renal artery stenosis. Jour- 39. HEYMAN, S. Radionuclide studies of the genitourinary tract. In:
nal of Nuclear Medicine, 34:1416-19, 1993. Milier, J.; Gelfand, M.J. (editors). Pediatric Nuclear Imaging, lst ed.
18. DELBEKE, D. Oncological applications of FDG PET imaging: brain Philadelphia: W.B. Saunders Company, 1994:195-252.
tumors, colorectal cancer lymphoma and melanoma. Journal of Nu- 40. HILSON, A.J.W.; MAISEY, M.N.; BROWN, C.B. et al. Dynamic re-
clear Medicine, 40:591-603, 1999. nal transplant imaging with Tc-99m DTPA (Sn) supplemented by a
19. De SADELEER, C.; BOSSUYT, A.; GÓES, E. et al. Renal technetium- transplant perfusion index in the management of renal transplants.
99m-DMSA SPECT in normal volunteers. Journal of Nuclear Medici- Journal of Nuclear Medicine, 19:994-1000, 1978.
ne, 37(8):1346-1349, 1996 41. HUSTINX, R.; BERNARD, F.; ALAVI, A. Whole-body FDG-PET
20. De SADELEER, C.; TONDEUR, M.; MELIS, K. et al. A multicenter imaging in the management of patients with cancer. Seminars of
trial on interobserver reproducibility in reporting on 99mTc-DMSA Nuclear Medicine, 32(1):35-46, 2002.
planar scintigraphy: a Belgian survey. Journal of Nuclear Medicine, 42. ITI, R.; PHILIPPE, L. L’analyse des courbes dynamiques en médicine
41(1):23-26, 2000. nucléaire. J. Fr. Biophys. Méd. Nucl., I:83-94, 1977.
21. DONDI, M.; FANTI, S.; DEFABRITIIS, A. et al. Prognostic value of 43. JOHANSSON, M.; JENSEN, G.; AURELL, M. et al. Evaluation of
captopril renal scintigraphy renovascular hypertension. Journal of duplex ultrasound and captopril renography for detection of reno-
Nuclear Medicine, 33:2040-4, 1992. vascular hypertension. Kidney Int, 58:774-782, 2000.
22. DUBOVISKY, E.V.; RUSSEL, C.D.; BISCHOF-DELALOYE, A. et al. 44. KABASAKAL, L. Technetium-99m ethylene dicysteine: a new agent
Report of the radionuclides in nephrourology committee for evalu- tubular function agent. European Journal of Nuclear Medicine, 27(3):
ation of transplanted kidney (review of techniques). Seminars of 351-357, 2000.
Nuclear Medicine, 29(2):175-88, 1999. 45. KARANIKAS, G ; BECHERER, A.; WIESNER, K. et al. ACE inhibition
23. ERGUN, E.L.; MELTEN, ÇAGLAR; ERDEM, Y. et al. Tc-m99 DTPA is superior to angiotensin receptor blockade for renography in renal
Acetylsalicylic acid (aspirin) renography in the detection of reno- artery stenosis. European Journal of Nuclear Medicine, 29(3): 312-318, 2002.
vascular hypertension. Clinical Nuclear Medicine, 25(9):682-690, 2000. 46. KLOPPER, J.F.; HAUSER, W.; ATKINS, H.L. et al. Evaluation of
99m
24. ESHIMA, D.; TAYLOR, Jr, A. Technetium-99m (99mTc) mercaptoa- Tc-DTPA for the measurement of glomerular filtration rate. Jour-
cetyltriglycine: update on the new 99mTc renal tubular function agent. nal of Nuclear Medicine, 13:107, 1972.
Seminars Nuclear Medicine, 22:61-73, 1992. 47. KRIJNEN, P.; OEI, HONG-YOE; ROEL, A.M.J. et al. Interobserver
25. FAVRE, H.R.; WING, A.J. Simultaneous 51Cr edetic acid inulin and agreement on captopril renography for assessing renal vascular di-
endogenous creatinine in 20 patients with renal disease. British sease. Journal of Nuclear Medicine, 43(3):330-37, 2002.
Medical Journal, I:84, 1968. 48. LAGUNA, R.; SILVA, F.; ORDUNA, E. et al. Technetium-99m-MAG3
26. FINE, E.J. Interventions in renal scintirenography. Seminars in Nu- in early identification of pyelonephritis in children. Journal of Nu-
clear Medicine, 29(2):128-145, 1999. clear Medicine, 39(7):1254-57, 1998.
27. FINE, E.J.; LI, Y.; BLAUFOX, D. Parenchimal mean transit time analy- 49. LEVTCHENKO, E.N.; LAHY, C., LEVY, C. et al. Role of Tc-99m
sis of 99mTc-DTPA captopril renography. Journal of Nuclear Medicine, DMSA scintigraphy in the diagnosis of culture negative pyelone-
41(10):1627-1631, 2000. phritis. Pediatric Nephrology, 16:503-506, 2001.
28. FINE, E.J. Diuretic renography and angiotensin converting enzyme 50. LOWRY, P.A.; PJURA, G.A.; KIM, E.; BROWN, W.D. Radionuclide
inhibitor renography. The Radiologic Clinics of North America, 39(5): Imaging of The Lower Genitourinary Tract. In: Gottschalk, A.;
979-995, 2001. Hoifer, P.B.; Potchen, E.J. (editors) Diagnostic Nuclear Medicine. 2nd
29. FREEMAN, L.M. Clinical aspects of dynamic renal imaging with ed. Baltimore: Golden’s Diagnostic Radiology, 1988:967-984.
radiochlormerodrin, technetium-99m pertechnetate and iodine-131 51. McAFFE, J.G.; WAGNER Jr, H.N. Visualization of renal parenchy-
ortho-iodohippurate. In: Croll, M.N. et al. (eds.) Clinical Dynamic ma: scintiscanning with 203Hg neohydrin. Radiology, 75:820, 1960.
Function Studies with Radionuclides. New York, Meredith Corporati- 52. McAFFE, J.C.; SUBRAMANIAN, G.; SCHNEIDER, R.F. et al.
on, 1972, pp. 47-63. Technetium-99m DADS complexes as renal function and imaging
30. FUSTER, D.; PAZ MARCO, M.; SETOAIN, F.J. A case of renal ar- agents: II Biological comparison with iodine-131 hippuran. Journal
tery stenosis after transplantation: can losartan be more accurate than of Nuclear Medicine, 26:375-86, 1985.
captopril renography? Clinical Nuclear Medicine, 23(11):731-734, 1998. 53. MITTAL, B.R. et al. Role of captopril renography in the diagnosis of
31. GANDOLPHO, L.; SEVILLANO, M.; BARBIERI, A. et al. Scintigra- renovascular hypertension. American Journal of Kidney Disease, 28(2):
phy and Doppler ultrasonography for the evaluation of obstructive 209-213, 1996.
urinary calculi. Brazilian Journal of Medical and Biological Research, 54. McDOUGALL, I.R. Malignant pheochromocytoma treated by I-131
34:745-751, 2001. MIBG. Journal of Nuclear Medicine, 25:249-50, 1984.
32. GARNETT, E.S.; PARSONS, V.; VEALL, N. Measurement of glome- 55. MONTEIRO, M.C.A.; ALONSO, G.; AJZEN, H. et al. Assessment of
rular filtration rate in man using a 51Cr edetic acid complex. Lancet, glomerular filtration rate utilizing subcutaneously injected Ji Cr-
I:818, 1967. Edta. Brazilian Journal Medicine Biological Research, 27:1-8, 1994.
33. GATES, F.G. Computation of glomerular filtration rate with Tc-99m 56. MONTRAVERS, F.; GRAHEK, D. et al. Evaluation of FDG uptake by
DTPA: an in-house computer program. Journal of Nuclear Medicine, renal malignancies (primary tumor or metastases) using a coincidence
15:613-8, 1984. detection gama-camara. Journal of Nuclear Medicine, 78-84, 2000.
34. GREEN, D.A. and DAVIES, S.G. Dimercaptosuccinic acid distribu- 57. MORAN, JUSTIN K. Technetium-99m-EC and other potential new
tion in renal tubular acidosis. The British Journal of Radiology, agents in renal nuclear medicine. Seminars in Nuclear Medicine, 29(2):
December, 1291-1292, 1997. 91-101, 1999.
35. GUEVARA, D.L.; FRANKEN, P.; DE SADELER, C. et al. Interobserver 58. O’REILLY, P.H.; SHIELDS, R.A.; TESTA, H.J. Nuclear Medicine in
reproducibility in reporting on 99mTc-DMSA scintigraphy for detection Urology and Nephrology. Butterworths, p. 29, 1979.
of late renal sequelae. Journal of Nuclear Medicine, 42(4):564-566, 2001. 59. O‘REILLY, P.H.; AURELL, M.; BRITTON, K. et al. Consensus on diu-
36. HANSEN, L.; LIPOWSKA, M.; MARZILI, L.G. et al. A promising resis renography for investigating the dilated upper urinary tract.
renal tubular function agent that combines the structural features Journal of Nuclear Medicine, 37(11):1872-1876, 1996.
of MAG3 and EC (abstract). Journal of Nuclear Medicine, 37:17p, 1996. 60. O’TUAMA, L.A.; TREVES, S.T.; PETERS, C.A. Tracking the natural
37. HARBERT, J.C.; ECKELMAN, W.C.; NEUMANN, R.D. Single history of infantile hydronephrosis with diuretic renography. Jour-
Photon Imaging in Nuclear Medicine, Diagnosis and Therapy. nal of Nuclear Medicine, 33:2098-102, 1992.
Thieme Medical Publishers, New York, 1996. 61. PATTON, J.; TURKINGTON, T.G. Coincidence imaging with dual-
38. HEAF, J.G.; IVERSEN, J. Uses and limitations of renal scintigraphy head scintillation camera. Journal of Nuclear Medicine, 40(3): 432-441, 1999.
in renal transplantation monitoring. European Journal of Nuclear 62. PATTOU, F.; HUGLO, D.; PROYE, C. Radionuclides scanning in
Medicine, 27(7):871-879, 2000. parathyroid diseases. British Journal of Surgery, 85:1605-1616, 1998.
capítulo 20 387

63. PENG, N.J.; KWOK, C.G.; CHIOU, Y.H. et al. Posterior 180º 99mTc- 74. TAUXE, W.N.; MAHER, F.T.; TAYLOR, W.F. Effective renal plas-
dimercaptosuccinic acid renal SPECT. JNM, 40(1):60-63 1999. ma flow: estimulation from theoretical volumes of distribution of
64. PIEPSZ, A.; BLAUFOX, I.; GORDON, G. et al. Consensus on renal intravenously injected 1311I-orthoiodohippurate. Mayo Clinical Pro-
cortical scintigraphy in children with urinary tract infection. Seminars cedure, 46:524-31, 1971.
in Nuclear Medicine, 29(2):160-174, 1999. 75. TAYLOR Jr, A.; ZIFFER, J. Urinary Tract. In: Early, P.J.; Sodee, D.B.
65. PJURA, G.A.; LOWRY, P.A.; KIM, E. Radionuclide imaging of the (editors) Principles and Practice of Nuclear Medicine, 2nd ed. St. Louis:
upper genitourinary tract. In: Gottschalk, A.; Hoffer, P.B.; Potchen, Mosby: 579-616 -1995.
E.J. (editors). Diagnostic Nuclear Medicine, 2nd ed. Baltimore: Golden’s 76. TAYLOR, A.T.; NALLY, J.; AURELL, M. et al. Consensus report on
Diagnostic Radiology, 1988:940-966. ACE inhibitor renography for detecting renovascular hypertension.
66. ROSEN, P.R.; MURPHY, K.G. Bone scintilography in the initial sta- Journal of Nuclear Medicine, 37(11): 1876-1882, 1996 .
ging of patients with renal-cell carcinoma: concise communication. 77. TAYLOR, A.T.; FLETCHER, J.W.; NALLY, J.V. et al. Procedure Gui-
Journal of Nuclear Medicine, 25:289-91, 1984. deline for Diagnosis of Renovascular Hypertension. Journal of Nu-
67. ROSSLEIGH, M.A. Renal cortical scintigraphy and diuresis clear Medicine, 39(7):1297-1302, 1998.
renography in infants and children. Journal of Nuclear Medicine, 78. TAYLOR, A. Radionuclide renography: A personal approach.
42(1):91-95, 2001. Seminars in Nuclear Medicine, (29/2):102-127, 1999.
68. RUSSEL, C.D.; DUBOVSKY, E.V. Comparison of single-infection 79. WALLIN, L.; HELIN, I.; BAC, M. Follow-up of acute pyelonephri-
multisample renal clearence methods with and without urine tis in children by Tc-99m DMSA Scintigraphy. Quantitative and
collection. Journal of Nuclear Medicine, 36:603-6, 1995. qualitative assessment. Clinical Nuclear Medicine, 26(5):423-432,
69. SCHWARTZ, F.D.; MADELOFF, M.S. Simultaneous renal clear- 2001.
ances of radiohippuran and PAH in man. Clinical Research, 9:208, 80. YEN, Tzu-Chen; CHEN, Wei-Peng; CHANG, Shu-Lian et al.
1961. Technetium-99m-DMSA renal SPECT in diagnosing and monitoring
70. STACY, B.D.; THORBURN, G.D. Cromiun-51 ethylenediaminetetra- pediatric acute pyelonephritis. Journal of Nuclear Medicine, 37(8):1349-
acetate for estimation of glomerular filtration rate. Science, 152:1076- 1353, 1996.
7, 1966. 81. YEN, Tzu-Chen; TZEN, Kai-Yuan; LIN, Wan-Yu et al. Posterior 180°
71. STADALMIK, R.C.; VOGEL, J.M.; JANSHOLT, A.L. et al. Renal clear- 99mTc-Dimercaptosuccinic Acid Renal SPECT. Clinical Nuclear Me-
ance and extraction parameters of ortho-iodohippurate (I-123) com- dicine, 23(12):828-831, 1998.
pared with OIH (I-123) and PAH. Journal of Nuclear Medicine, 21:168,
1980.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
72. STOKLAND, E.; HELLSTROM, M.; JAKOBSSON, B. et al. Imaging
of renal scarring. Acta Pediatriac (Suppl) 431:13-21, 1999. Links:
73. TAPLIN, G.V.; MEREDITH, O.M.; KADE, H. et al. The radioisotope
www.jnm.snmjournals.org
renogram: an external test for individual kidney function and upper
urinary tract patency. USAEC Report UCLA-366, May 1956. Journal www.snm.org/educations/ce–online.html
Laboratory Clinical Medicine, 48:886, 1956. www.eanm.org
Capítulo
Insuficiência Renal Aguda

21 Oscar F. P. dos Santos, Miguel C. Neto, Sergio A. Draibe, Mirian A. Boim e


Nestor Schor

ETIOLOGIA Diagnóstico por imagem


FISIOPATOLOGIA Biópsia renal
Fatores vasculares e hemodinâmicos TRATAMENTO
Lesão tubular Tratamento da IRA pré-renal
Curso clínico da IRA com ênfase à necrose tubular aguda Tratamento da IRA renal
INCIDÊNCIA CONDIÇÕES BÁSICAS PARA A CRRT
ALTERAÇÕES HIDROELETROLÍTICAS E ENVOLVIMENTO Acesso vascular
SISTÊMICO Força motriz do sangue
Balanço de água Dialisador
Balanço de sódio Anticoagulação
Balanço de potássio Solução de diálise
Balanço de cálcio e fósforo Solução de reposição
MANIFESTAÇÕES EXTRA-RENAIS TERAPIAS CONTÍNUAS DE REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO
INFECÇÕES RENAL
COMPLICAÇÕES GASTROINTESTINAIS Ultrafiltração lenta contínua (SCUF)
COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES Hemofiltração arteriovenosa contínua
COMPLICAÇÕES NEUROLÓGICAS Hemodiafiltração arteriovenosa contínua
PATOLOGIA Hemodiafiltração venovenosa contínua
DIAGNÓSTICO Escolha do método dialítico
Avaliação clínica inicial BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Diagnóstico laboratorial ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por


uma redução abrupta da função renal que se mantém por ETIOLOGIA
períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins em
exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da As causas de insuficiência renal aguda podem ser de
homeostase hidroeletrolítica do organismo. Apesar do origem renal, pré-renal ou pós-renal. A IRA pré-renal é
substancial avanço no entendimento dos mecanismos fisi- rapidamente reversível se corrigida a causa e resulta prin-
opatológicos da IRA, bem como no tratamento dessa do- cipalmente de uma redução na perfusão renal, causada por
ença, os índices de mortalidade ainda continuam excessi- uma série de eventos que culminam principalmente com
vamente elevados, em torno de 50%. diminuição do volume circulante e, portanto, do fluxo san-
capítulo 21 389

güíneo renal, como por exemplo desidratação (vômito, A IRA pós-renal ocorre na vigência de obstrução do trato
diarréia, febre), uso de diuréticos e insuficiência cardíaca. urinário (v. Cap. 34). A obstrução das vias urinárias pode
A IRA renal, causada por fatores intrínsecos ao rim, é ser conseqüência de hipertrofia prostática, câncer de prós-
classificada de acordo com o principal local afetado: túbu- tata ou cervical, distúrbios retroperitoneais ou bexiga neu-
los, interstício, vasos ou glomérulo. A causa mais comum rogênica (causa funcional). Outras causas de insuficiência
de dano tubular é de origem isquêmica ou tóxica. Entre- pós-renal incluem fatores intraluminais (cálculo renal bi-
tanto, a necrose tubular isquêmica pode ter origem pré- lateral, necrose papilar, carcinoma de bexiga etc.) ou extra-
renal como conseqüência da redução do fluxo sangüíneo, luminais (fibrose retroperitoneal, tumor colorretal etc.). A
especialmente se houver comprometimento suficiente para obstrução intratubular também é causa de IRA e pode ser
provocar a morte das células tubulares. Assim, o apareci- conseqüência da precipitação de cristais como ácido úri-
mento de necrose cortical irreversível pode ocorrer na vi- co, oxalato de cálcio, aciclovir e sulfonamida, dentre ou-
gência de isquemia grave, particularmente se o processo tros. Vale salientar que a reversibilidade da IRA pós-renal
fisiopatológico incluir coagulação microvascular, como por se relaciona ao tempo de duração da obstrução.
exemplo nas complicações obstétricas, picadas de cobra e
na síndrome hemolítico-urêmica.
As nefrotoxinas representam depois da isquemia a causa Pontos-chave:
mais freqüente de IRA (v. Cap. 24). Os antibióticos
• Insuficiência renal aguda (IRA) é uma
aminoglicosídicos, os contrastes radiológicos e os quimio-
terápicos, como por exemplo a cisplatina, estão entre as
redução abrupta da função renal
drogas que podem causar dano tubular diretamente, em- • Índices de mortalidade elevados (~50%)
bora também tenham participação substancial nas altera- • A IRA pré-renal é reversível e resulta da
ções da hemodinâmica glomerular. Por outro lado, drogas diminuição do volume circulante
imunossupressoras como ciclosporina e FK-506, inibido- • Isquemia seguida de toxinas são as causas
res da enzima de conversão da angiotensina e drogas an- mais comuns de dano tubular
tiinflamatórias não-esteroidais podem causar IRA por in- • A reversibilidade da IRA pós-renal se
duzir preponderantemente modificações hemodinâmicas relaciona ao tempo de duração da obstrução
(v. Cap. 24). A IRA devida a nefrite intersticial é mais fre-
qüentemente causada por reações alérgicas a drogas (v.
Cap. 24). As causas menos freqüentes incluem doenças
auto-imunes (lúpus eritematoso) e agentes infecciosos. FISIOPATOLOGIA
Apesar da predominância de um mecanismo fisiopatoló-
gico, a insuficiência renal aguda por drogas nefrotóxicas é A fisiopatologia da IRA isquêmica ou tóxica envolve al-
freqüentemente causada por associação de um ou mais terações estruturais e bioquímicas que resultam basicamente
mecanismos, conforme sumarizado no Quadro 21.1. Mais em comprometimento vascular e/ou celular, levando a va-
ainda, a associação de isquemia e nefrotoxinas é comumen- soconstrição, alteração de função e/ou morte celular, des-
te observada na prática médica como causa de IRA, espe- camação do epitélio tubular e obstrução intraluminal, vaza-
cialmente em pacientes mais graves. mento transtubular do filtrado glomerular e inflamação.

Quadro 21.1 Mecanismos fisiopatológicos de IRA associada a drogas

Mecanismo Predominante Droga

Redução da perfusão renal e alterações na Ciclosporina, inibidores de enzima conversora,


hemodinâmica renal antiinflamatórios não-esteroidais, contrastes
radiológicos, anfotericina B
Toxicidade tubular direta Antibióticos aminoglicosídeos, contrastes
radiológicos, cisplatina, ciclosporina, anfotericina B,
solventes orgânicos, metais pesados, pentamidina
Toxicidade tubular — rabdomiólise Cocaína, etanol, lovastatina
Obstrução intratubular — precipitação Aciclovir, sulfonamidas, etilenoglicol, quimioterápicos
Nefrite intersticial alérgica Penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas, ciprofloxacina,
diuréticos tiazídicos, furosemida, cimetidina, alopurinol
Síndrome hemolítico-urêmica Ciclosporina, mitomicina, cocaína, quinina
390 Insuficiência Renal Aguda

Fatores Vasculares e Hemodinâmicos fisiológicas da célula ou irreversíveis, podendo culminar


com a morte celular. A reversibilidade do dano celular
A vasoconstrição intra-renal é causada por um desequilí- dependerá da intensidade, do tempo de duração e do tipo
brio entre os fatores vasoconstritores e vasodilatadores resul- de evento desencadeador.
tantes da ação tanto sistêmica como local de agentes vasoati- Um dos eventos mais precoces resultante da isquemia
vos. Assim, ocorrem modificações importantes na hemodi- ou mesmo na vigência de uma nefrotoxina é a redução dos
nâmica glomerular e intra-renal, como conseqüência natural níveis intracelulares de ATP e, portanto, das porções do
desse desequilíbrio. Esse mecanismo fisiopatológico é parti- néfron que possuem alta taxa de reabsorção tubular com
cularmente importante na IRA por drogas nefrotóxicas. Di- gasto de energia, como o túbulo proximal e a alça ascen-
versas nefrotoxinas são capazes de modificar o ritmo de fil- dente espessa de Henle, que são particularmente mais sus-
tração glomerular por induzir alterações em vários dos de- cetíveis à isquemia por apresentarem elevado consumo de
terminantes da filtração glomerular, de maneira geral medi- ATP. Os efeitos imediatos da depleção de ATP são: redu-
adas por hormônios, com ativação de hormônios vasocons- ção da atividade ATPase da membrana citoplasmática,
tritores (angiotensina II, endotelina etc.) e/ou inibição de desequilíbrio nas concentrações intracelulares de eletróli-
vasodilatadores (prostaglandinas, óxido nítrico etc.). Esse tos como Na, K e Ca e edema celular. Esse desarranjo
desequilíbrio resulta em vasoconstrição das arteríolas aferente desencadeia, por sua vez, uma série de eventos, incluindo
e eferente e contração da célula mesangial, levando à redu- desestruturação do citoesqueleto, perda da polaridade ce-
ção do coeficiente de ultrafiltração glomerular (Kf). lular, perda da interação célula-célula, produção das espé-
Conforme referido, as alterações hemodinâmicas são, na
cies reativas de oxigênio (altamente tóxicas para a célula)
maioria das vezes, mediadas por ação predominante de
e alterações do pH intracelular, que podem culminar com
hormônios vasoconstritores; entretanto, a via final comum
a morte da célula.
pela qual estes hormônios realizam suas ações envolve a
Um fator agravante na fisiopatologia da IRA, particu-
elevação do cálcio intracelular (Ca) tanto em células da
larmente nas situações de IRA isquêmica, é a dificuldade
vasculatura como em células mesangiais.
em distinguir os danos causados pela isquemia per se da-
Nesse sentido, vários estudos experimentais mostram
queles causados pela reperfusão. Isso ocorre porque os
que o cálcio é um dos mediadores mais importantes da va-
efeitos da reoxigenação súbita podem produzir danos adi-
soconstrição intra-renal. O aumento do cálcio livre no citos-
cionais à célula, por mecanismos que envolvem a forma-
sol de células da musculatura lisa eleva o tônus vascular e
ção de espécies reativas de oxigênio, aumento do influxo
contribui para a vasoconstrição, a qual pode ser revertida
de cálcio e reversão abrupta da acidose intratubular.
ou minimizada pela utilização de bloqueadores de canais de
Por outro lado, apesar da gravidade dessa doença, a IRA
cálcio. Antagonistas de cálcio reduzem, por exemplo, a ação
é na maioria das vezes um evento transitório e reversível
vasoconstritora da ciclosporina, minimizando seus efeitos
que causa graus variáveis de lesão celular, em especial ao
sobre a hemodinâmica glomerular, bem como previnem a va-
epitélio tubular renal, podendo, entretanto, tornar-se irre-
soconstrição associada aos contrastes radiológicos.
versível. Esse fenômeno é causado pela capacidade de re-
Outra participação importante do cálcio na cascata fisi-
generação e diferenciação das células tubulares, restabe-
opatológica da IRA, envolvendo a hemodinâmica renal,
lecendo um epitélio íntegro e funcionante. Mesmo em si-
relaciona-se com a contração da célula mesangial. O au-
mento do Ca é geralmente iniciado pela interação de tuações mais graves, nas quais 90% das células epiteliais
hormônios vasoconstritores com seus receptores ou pela do túbulo proximal são destruídas, os 10% das células re-
ação direta de toxinas. Em recente estudo foi demonstra- manescentes são capazes de entrar em processo de proli-
do que o agente imunossupressor FK-506 provoca aumento feração estimulado por hormônios e fatores de crescimen-
na concentração de Ca em células mesangiais em cultu- to, recompondo o epitélio tubular.
ra, desencadeando eventos cujo efeito biológico final é a
contração destas células, levando à redução do Kf, dimi- Pontos-chave:
nuição da área glomerular disponível para a filtração e,
portanto, ao declínio do ritmo de filtração glomerular. • As alterações hemodinâmicas são na
maioria das vezes mediadas por ação de
hormônios vasoconstritores
Lesão Tubular • O cálcio é um dos mediadores mais
Uma das características mais marcantes da IRA isquê- importantes da vasoconstrição renal
mica e nefrotóxica é o dano às células tubulares, com con- • Na lesão tubular, o túbulo proximal e a alça
seqüências devastadoras sobre o epitélio tubular, levando ascendente espessa de Henle são mais
à necrose tubular aguda. Assim, os eventos agressores susceptíveis à isquemia por apresentarem
podem variar de intensidade, causando graus variáveis de elevado consumo de ATP
lesão celular, ou seja, modificações reversíveis das funções
capítulo 21 391

Curso Clínico da IRA com Ênfase à nina continua a aumentar. Portanto, nessa fase, os sinto-
mas urêmicos podem persistir e a indicação de diálise pode
Necrose Tubular Aguda tornar-se necessária apesar do aumento do volume uriná-
O curso clínico da IRA renal tem sido tradicionalmente rio. Considera-se essa fase da IRA como crítica, com cerca
subdividido em quatro fases diferentes: inicial, de oligú- de 25% de mortes no período de elevação da diurese. Oca-
ria, de poliúria e de recuperação funcional. sionalmente, o volume urinário pode aumentar gradativa-
A fase inicial começa a partir do período de exposição mente, cerca de 100 a 200 ml/dia. Esse padrão é visto em
a drogas nefrotóxicas ou a um insulto isquêmico. Sua du- pacientes com cuidadoso controle hidroeletrolítico e ade-
ração é variável e depende do tempo de exposição ao quada indicação de tratamento dialítico. Entretanto, se
agente causador. Nas situações de isquemia, pode ser após uma elevação inicial da diurese o volume urinário
muito curta, enquanto no caso de drogas nefrotóxicas a atingir um estágio constante e inferior ao normal, a recu-
fase inicial pode durar alguns dias. O volume urinário peração total da função renal é menos provável.
pode estar normal ou diminuído, porém o rim começa a A última fase, a de recuperação funcional, ocorre após
perder a capacidade adequada de excreção de compos- vários dias de diurese normal, com redução gradual de
tos nitrogenados. uréia e creatinina plasmática. Em cerca de 30% dos doen-
A fase oligúrica é também variável em grau e duração. tes ocorre discreta depressão na filtração glomerular que
Uma vez que a produção de constituintes osmoticamente pode persistir, sendo que uma minoria deles exibe contí-
ativos é ao redor de 600 mOsm ao dia e a capacidade má- nua diminuição do clearance de creatinina em níveis infe-
xima de concentração urinária é de 1.200 mOsm/litro, um riores a 20 ml/min. Além das anormalidades na função
volume urinário inferior a 500 ml/dia é insuficiente para glomerular, defeitos tubulares podem persistir por meses
excretar as quantidades necessárias de soluto. Portanto, ou anos, sendo o mais freqüente deles uma permanente
definimos oligúria como um volume urinário menor do deficiência na concentração urinária.
que 500 ml/dia. Nessa segunda fase da IRA, o sedimento
urinário pode conter hemácias, leucócitos e células epite-
liais isoladas ou em cilindros, havendo também pequena INCIDÊNCIA
perda protéica.
Normalmente, a razão da concentração urinária sobre Em levantamento nos Estados Unidos, dentre as etiolo-
a concentração plasmática de uréia varia de 50 a 100:1. Na gias de IRA renal, 62% são decorrentes de necrose tubular
IRA, pela diminuição da concentração urinária e progres- aguda conseqüente a causas isquêmicas (72%) e tóxicas
siva elevação sérica de uréia, a razão diminui para 10:1 ou (28%). As demais situações de IRA são motivadas por glo-
menos, quanto maior e mais grave for a azotemia. Adicio- merulonefrites agudas (22%), nefrites intersticiais agudas
nalmente, por lesão tubular, a concentração urinária de Na (6%), necrose cortical (5%) e outras (5%). A principal apre-
é freqüentemente maior do que 20 mEq/L, sendo este va- sentação clínica da NTA é oligúrica (74%), enquanto a for-
lor importante no diagnóstico diferencial de oligúria pré- ma não-oligúrica (26%) tem no uso de antibióticos o seu
renal (v. Cap. 10). A maioria dos pacientes que se recupe- principal responsável (41%). A taxa de mortalidade média
ram desenvolve aumento do volume urinário após 10 a 14 é significantemente mais alta (40%) na forma oligúrica do
dias do início da oligúria. Ocasionalmente, o volume uri- que na não-oligúrica (11 %), sendo que o óbito é oito vezes
nário não está diminuído na presença de IRA e de azote- mais freqüente em pacientes com alguma complicação
mia. Nessas situações, refere-se à IRA como não-oligúrica extra-renal quando comparados com aqueles não-compli-
e justifica-se a presença de volume urinário normal por cados.
uma grande elevação na fração de filtração de água ape-
sar de pequena filtração glomerular, ou seja, apesar de uma
filtração glomerular reduzida, a reabsorção tubular de lí- Pontos-chave:
quido é pequena, ocorrendo um fluxo urinário não-oligú- • Na fase oligúrica da NTA a concentração
rico. Esse tipo de IRA é freqüentemente observado em as-
urinária diminui e a concentração urinária
sociação com drogas nefrotóxicas, agentes anestésicos e
de sódio aumenta
sepse.
A terceira fase, fase diurética, pode ser marcada por uma • IRA não-oligúrica ocorre freqüentemente
rápida elevação do volume urinário. A magnitude da diu- em associação a drogas nefrotóxicas,
rese independe do estado de hidratação do paciente e re- agentes anestésicos e sepse
presenta habitualmente uma incapacidade dos túbulos • 25% das mortes ocorrem no período de
regenerados em reabsorver sal e água. A excreção uriná- elevação da diurese
ria de compostos nitrogenados não acompanha inicialmen- • A taxa de mortalidade é mais alta na forma
te o aumento da excreção urinária de sal e água. Como oligúrica
conseqüência, a concentração plasmática de uréia e creati-
392 Insuficiência Renal Aguda

terapêuticas devem ser utilizadas. A administração endo-


ALTERAÇÕES venosa de gluconato de cálcio a 10% (10 a 30 ml) pode re-
HIDROELETROLÍTICAS E verter prontamente as alterações verificadas, porém com
duração de poucos minutos. Se houver necessidade de efei-
ENVOLVIMENTO SISTÊMICO to protetor mais prolongado, deve-se utilizar bicarbonato
de sódio, caso esteja ocorrendo concomitantemente um
Balanço de Água estado acidótico. Adicionalmente, resinas trocadoras de K
(Kayexalate ou Sorcal) e/ou solução polarizante contendo
Normalmente, as perdas de água atingem 0,5 a 0,6 ml/
200 a 500 ml de solução glicosada a 10% com uma unida-
kg/h no indivíduo adulto (850 ml/dia). Considerando a
de de insulina simples para cada 5 g de glicose podem ser
produção endógena de água decorrente da oxidação de
utilizadas. A solução polarizante aumenta a captação de
proteínas, gorduras e carboidratos como sendo de 450 ml/
K pela célula e reduz seu nível plasmático. Assim, exceto
dia, a ingestão de água no paciente oligúrico deve perma-
as resinas trocadoras, Kayexalate (troca K por Na) ou
necer ao redor de 400 ml/dia, acrescida de volume igual à
Sorcal (troca K por Ca), todas as demais medidas te-
diurese emitida. Para prevenir a hiponatremia dilucional
rapêuticas resultam apenas no remanejamento do potássio
por excessiva oferta hídrica, o peso do paciente deve ser
mantido igual ou com perda de até 300 g/dia (v. Cap. 9). extracelular para o intracelular, sem contudo diminuir o K.
A hemodiálise e a diálise peritoneal, isoladas ou em associ-
ação com as medidas acima referidas, são freqüentemente
Balanço de Sódio necessárias para melhor controle eletrolítico e efetivamente
diminuir o conteúdo corporal total de K (v. Cap. 12).
Durante a fase oligúrica, um balanço positivo de sódio
pode levar a expansão de volume, hipertensão e insufici-
ência cardíaca (v. Cap. 10). Por outro lado, uma menor ofer- Pontos-chave:
ta de sódio, principalmente na fase poliúrica, pode provo-
• A hipercalemia é a principal causa
car depleção de volume e hipotensão. Estes últimos podem
retardar a recuperação da função renal. Acredita-se que, metabólica de óbito na IRA
durante a fase oligúrica, a oferta de solução salina isotôni- • A mais temível complicação da
ca (300 ml/dia) associada a controle rigoroso de peso é hipercalemia é a sua toxicidade cardíaca
suficiente para equilibrar o balanço de sódio. Paralelamen- • K  6,5 mEq/L — medidas terapêuticas:
te, na fase poliúrica, a monitorização hídrica e eletrolítica Gluconato de cálcio a 10%
é necessária para a adequada reposição desses elementos. Bicarbonato de sódio
Resinas trocadoras de potássio
Balanço de Potássio Hemodiálise e diálise peritoneal

A hipercalemia é a principal causa metabólica que leva


o paciente com IRA ao óbito. Considerando que somente
2% do potássio corporal total se encontra fora da célula,
Balanço de Cálcio e Fósforo
pequenas alterações no conteúdo extracelular de potássio A hipocalcemia é o achado mais freqüente no desequilí-
provocam profundos efeitos na excitabilidade neuromus- brio do balanço de cálcio. Tetania, espasmos musculares e
cular. A elevação do K sérico pode ocorrer na IRA por acentuação dos efeitos cardiotóxicos da hipercalemia podem
aumento do catabolismo endógeno de proteínas, por dano estar presentes. Ocasionalmente, os níveis de Ca podem
tecidual, sangramento gastrointestinal, bem como por estar normais ou elevados, ocorrendo este achado quando
movimentação do K do intra- para o extracelular pelo a IRA está associada a rabdomiólise ou a injúrias complica-
mecanismo-tampão de estados acidóticos (v. Cap. 12). A das por calcificação metastática. Hiperfosfatemia também é
mais temível complicação da hipercalemia é sua toxicida- um freqüente achado em pacientes com IRA, em decorrên-
de cardíaca, manifestada por alterações eletrocardiográfi- cia de diminuição da filtração glomerular (v. Cap. 13).
cas. Inicialmente, há surgimento de ondas T pontiagudas,
seguindo-se de alargamento do complexo QRS, alargamen-
to do intervalo PR e desaparecimento de onda P. Seguem-
se, então, arritmias ventriculares que, se não são pronta-
MANIFESTAÇÕES
mente corrigidas, podem levar rapidamente ao óbito. Por EXTRA-RENAIS
essa razão, é necessário rigoroso controle eletrocardiográ-
fico e de K sérico no paciente com IRA. As manifestações extra-renais da IRA são semelhantes
Na presença de alterações eletrocardiográficas ou de às observadas na insuficiência renal crônica. Contudo, deve
grave hipercalemia (K  6,5 mEq/L), algumas medidas ser enfatizado que, pela rapidez com que ocorrem, são fre-
capítulo 21 393

qüentemente essas alterações que contribuem para a alta sões hemodinâmicas (tamponamento), pronto tratamento,
taxa de mortalidade da IRA. incluindo pericardiocentese e pericardiotomia, deve ser
utilizado. Insuficiência cardíaca congestiva e hipertensão
podem estar presentes e correlacionam-se com sobrecar-
INFECÇÕES ga de volume. Entretanto, acidose metabólica e distúrbi-
os eletrolíticos podem contribuir para o surgimento de
As infecções continuam a ser as complicações mais fre- insuficiência cardíaca congestiva (ICC), bem como de ar-
qüentes no paciente com IRA, variando sua incidência ritmias.
entre 45 e 80%. Apesar do seu reconhecimento e tratamen-
to, cerca de 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em conse-
qüência de processos infecciosos. As complicações infec- COMPLICAÇÕES
ciosas são mais observadas em IRA pós-traumática ou pós-
cirúrgica, particularmente quando envolve cirurgia gastro-
NEUROLÓGICAS
intestinal. As infecções urinárias são de grande importân-
O sistema nervoso, entre todos os sistemas orgânicos, é
cia em pacientes com IRA, visto a dificuldade dos antibió-
o que menos tolera uma rápida redução da função renal.
ticos atingirem níveis teciduais ou urinários adequados,
Como conseqüência, a encefalopatia urêmica é a mais co-
com freqüente evolução para septicemia. A presença de
mum manifestação da IRA. Observam-se contínuos sinais
cateteres urinários, tanto de demora como intermitentes,
de alterações sensoriais, motoras (asterixes, tremores, mi-
é fator fundamental para o desenvolvimento e manuten-
ção de infecção urinária, com seleção de agentes microbi- oclonias) e quadros convulsivos. Dentre os sinais de ence-
anos mais resistentes e de maior risco de disseminação. falopatia urêmica, alterações intelectuais e de memória são
Infecções broncopulmonares são do mesmo modo uma os mais precoces. Posteriormente, surgem alterações mo-
freqüente complicação da IRA, principalmente em pacien- toras e finalmente convulsões e coma, que representam os
tes submetidos a diálise peritoneal. O diagnóstico pode eventos terminais graves e de risco clínico (v. Cap. 39).
tornar-se difícil quando da presença de edema pulmonar
concomitante, porém outros sinais de hipervolemia devem
Pontos-chave:
ser considerados antes de se afirmar que se trata exclusi-
vamente de congestão pulmonar. • As infecções continuam a ser as
complicações mais freqüentes no paciente
com IRA
COMPLICAÇÕES • 20 a 30% dos óbitos na IRA ocorrem em
GASTROINTESTINAIS conseqüência de processos infecciosos
• Sangramento gastrointestinal ocorre com
Sangramento gastrointestinal ocorre com freqüência de freqüência de 10 a 40% e resulta em
10 a 40% e resulta em evolução fatal em 20 a 30% dos paci- evolução fatal em 20 a 30% dos pacientes
entes com IRA. Comumente, é observado em IRA pós-ci-
com IRA
rúrgica ou pós-traumática e menos freqüentemente em IRA
• A mais freqüente complicação cardíaca é a
por causa médica ou obstétrica.
Ulcerações gástricas ou duodenais são os achados mais presença de pericardite fibrinosa (10%)
comuns. O tratamento clínico tem preferência, uma vez que • Encefalopatia urêmica é a mais comum
o prognóstico se torna reservado quando é necessário tra- manifestação da IRA
tamento cirúrgico. Obviamente, a presença de sangue no
trato gastrointestinal contribui substancialmente para ele-
vação da concentração plasmática de uréia e potássio, ne-
cessitando de adequação do programa dialítico.
PATOLOGIA
Os rins na IRA tendem a ser maiores e mais pesados em
decorrência do edema intersticial e do aumento do conteú-
COMPLICAÇÕES do de água. Os capilares glomerulares podem apresentar-
CARDIOVASCULARES se levemente congestos no início do processo, porém ha-
bitualmente os glomérulos não mostram alterações estru-
A mais freqüente complicação cardíaca é a presença de turais. Ocasionalmente, depósitos de fibrina e plaquetas,
pericardite fibrinosa (10%). Está geralmente associada com sugerindo trombose intraglomerular, podem ser visualiza-
atrito pericárdico e pode estar complicada pela presença dos no espaço capsular. Aumento no volume citoplasmá-
de derrame pericárdico. Caso o derrame leve a repercus- tico de células epiteliais e endoteliais tem sido descrito.
394 Insuficiência Renal Aguda

As lesões tubulares podem não ser facilmente observa- excessiva, débito de sonda nasogástrica, drenos cirúrgicos,
das. De fato, variam com o tempo de isquemia. Inicialmen- diarréia) em pacientes com pouca ingestão de água volun-
te, há perdas do núcleo e dissolução da borda em escova. tária ou que não tenham sido adequadamente hidratados.
A seguir, ocorre aumento das células tubulares. Finalmen- Além disso, se o paciente foi submetido a cirurgia recente,
te, os túbulos tornam-se dilatados e revestidos por um qual o anestésico utilizado e quais intercorrências clínicas
epitélio achatado, contendo células com citoplasma basó- que se seguiram, como infecções, hipotensão, balanço hí-
filo e núcleos hipercromáticos. As porções ascendente e drico negativo, etc. Ter conhecimento sobre o uso de anti-
descendente da alça de Henle mostram áreas focais de bióticos (dose, número de dias utilizados) e se houve pro-
necrose com formação de cilindros intratubulares. O lúmen cedimento radiológico com utilização de meio de contras-
do túbulo distal apresenta-se dilatado e com pigmentos, te no período que antecedeu o desenvolvimento da IRA.
particularmente se a IRA estiver associada com hemo ou Durante o exame físico, avaliar adequadamente o esta-
mioglobinúria. do de hidratação pelo peso corporal, turgor cutâneo, alte-
Classicamente, dois padrões de dano tubular têm sido rações posturais de pulso e pressão arterial, membranas
descritos: tubulorrexe e lesão nefrotóxica. A tubulorrexe é mucosas e pressão intra-ocular. Entretanto, lembrar que há
caracterizada por completa destruição da membrana basal situações clínicas (cirrose, síndrome nefrótica, ICC) em que
tubular e está associada com insulto isquêmico grave. Es- o volume extracelular está normal ou aumentado, porém
sas lesões são de características focais, com néfrons perfei- com diminuição do volume sangüíneo efetivo, acarretan-
tos ao lado de néfrons acometidos e podem comprometer do hipoperfusão renal e conseqüente IRA pré-renal. A se-
todo o trajeto tubular. A regeneração da tubulorrexe pode guir, avaliar a possibilidade de obstrução do trato uriná-
ocorrer ao acaso, com formação de pseudocistos, atrofia rio por meio de cuidadoso exame abdominal (globo vesi-
tubular e até mesmo fibrose (cicatrizes). Entretanto, depen- cal palpável, rins hidronefróticos), toque retal no homem
dendo da gravidade do insulto, é possível completa recu- (avaliação prostática) e exame ginecológico bimanual na
peração estrutural e funcional. Diferentemente, o padrão de mulher (presença de massas pélvicas). Quando da suspei-
lesão nefrotóxica é associado com exposição direta de agen- ta de obstrução urinária baixa, proceder a uma cateteriza-
tes capazes de produzir dano renal. Considerando o gasto ção vesical simples e estéril para confirmação diagnóstica.
energético de reabsorção e secreção, as células do túbulo Observar a presença de febre e/ou erupções cutâneas
proximal são as mais afetadas por agentes nefrotóxicos. macropapulares ou petequiais que possam sugerir nefrite
Contudo, alguns agentes nefrotóxicos agridem preferenci- intersticial aguda por hipersensibilidade a drogas. Por fim,
almente diferentes porções do túbulo proximal. As alterações avaliar o estado mental e o padrão respiratório para veri-
tubulares variam desde simples aumento celular até franca ficar possíveis causas de intoxicação, bem como avaliar
necrose, porém a membrana basal permanece intacta. qualquer outro sinal clínico que sugira a presença de do-
Em vista da grande variabilidade anatômica observada ença sistêmica como causa da IRA.
na IRA, é difícil correlacionar lesões específicas com as al-
terações fisiológicas constatadas. Devemos lembrar que
não é achado infreqüente a presença de IRA com biópsia Diagnóstico Laboratorial
renal normal, sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou A primeira amostra de urina emitida ou cateterizada de
alteração funcional. pacientes com IRA deve ser utilizada para avaliação de
índices urinários diagnósticos. Medidas de sódio, uréia,
creatinina e osmolaridade urinária, bem como amostra de
DIAGNÓSTICO sangue para análise de sódio, uréia e creatinina, devem ser
coletadas. Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é fre-
Avaliação Clínica Inicial qüentemente elevada ( 500 mOsm), enquanto na IRA
renal ou pós-renal tende a ser isosmótica ao plasma ( 350
Avaliar, na história do paciente, a presença de doença mOsm). O Na urinário costuma estar elevado ( 40 mEq/
sistêmica crônica (diabetes, lúpus). Posteriormente, pesqui- L) na IRA renal pela lesão tubular, enquanto na IRA pré-
sar doença sistêmica aguda (glomerulonefrite aguda), além renal é baixo ( 20 mEq/L) em virtude da ávida retenção
de história de traumatismo recente como potenciais cau- de Na e H2O pela hipoperfusão renal.
sas primárias de IRA. Adicionalmente, investigar antece- As relações U urinária/U plasmática e C urinária/C
dentes de uropatia obstrutiva (principalmente no homem plasmática estão freqüentemente elevadas na IRA pré-re-
idoso), uso de drogas nefrotóxicas e com potencial efeito nal ( 60 e  40, respectivamente) decorrente da reabsor-
de hipersensibilidade intersticial, bem como verificar a ção tubular de Na e H2O e conseqüentemente aumento
possibilidade de intoxicação acidental ou intencional por da concentração urinária de uréia e creatinina. Inversamen-
metais pesados, solventes orgânicos e outros. te, essa relação está diminuída na IRA renal ( 30 e  20,
A seguir, principalmente no paciente hospitalizado, respectivamente) pelo dano tubular. É importante ter em
obter informações a respeito de depleção hídrica (diurese mente que o uso de diuréticos pode invalidar a utilidade
capítulo 21 395

desses índices por até 24 horas. Valores intermediários maférese), bem como nos trará uma indicação prognósti-
podem ser encontrados tanto na IRA pós-renal como na ca pela avaliação histológica de componentes inflamatóri-
transição de IRA pré-renal em renal. os e fibróticos. Nos casos habituais de NTA, aguardam-se
A análise do sedimento urinário pode ser de auxílio no de quatro a cinco semanas para a recuperação da IRA an-
diagnóstico da IRA. Cilindros hialinos ocorrem mais fre- tes de se proceder à biópsia (v. Cap. 16). Se a deficiência
qüentemente na IRA pré-renal, enquanto cilindros granu- de função renal se estender por esse período, indica-se
losos e discreta leucocitúria e grande quantidade de célu- então a biópsia renal para determinar se um diagnóstico
las tubulares podem ser observados na IRA renal (sedimen- menos favorável, necrose cortical por exemplo, não é a
to “sujo”). causa da persistência da IRA.
A presença de hemácias dismórficas e/ou cilindros he-
máticos sugere a existência de uma glomerulonefrite agu- Pontos-chave:
da, podendo ser acompanhada de proteinúria moderada
ou elevada. Entretanto, proteinúria leve (traços) pode ser • Lembrar que não é achado infreqüente a
compatível com IRA pré-renal ou mesmo renal. Fitas rea- presença de IRA com biópsia renal normal,
gentes urinárias positivas para sangue, sem presença con- sugerindo lesão renal submicroscópica e/ou
comitante de hematúria no sedimento, podem sugerir ra- alteração funcional
bdomiólise com mioglobinúria, sendo esse diagnóstico • Na IRA pré-renal, a osmolaridade urinária é
fortalecido pela presença de CPK e aldolase elevadas no freqüentemente elevada ( 500 mOsm),
soro. Adicionalmente, diante da suspeita de nefrite inters-
enquanto na IRA renal ou pós-renal tende a
ticial aguda, a presença de eosinofilia no sangue periféri-
ser isosmótica ao plasma ( 350 mOsm)
co em associação com sedimento urinário contendo hema-
túria e leucocitúria (com intenso predomínio de eosinófi- • O Na urinário costuma estar elevado ( 40
los) pode sugerir fortemente esse diagnóstico. mEq/L) na IRA renal pela lesão tubular,
enquanto na IRA pré-renal é baixo ( 20
mEq/L) em virtude da ávida retenção de
Diagnóstico por Imagem Na e H2O pela hipoperfusão renal
O mais simples procedimento é a ultra-sonografia (v. • As relações uréia urinária/uréia plasmática
Cap. 18-I). A ultra-sonografia, além de nos fornecer o ta- e creatinina urinária/creatinina plasmática
manho renal, nos dá informações a respeito de obstruções estão freqüentemente elevadas na IRA pré-
nas vias urinárias, presença ou não de cálculos, bem como renal ( 60 e  40, respectivamente)
avaliação do parênquima renal. Portanto, é possível dife- decorrente da reabsorção tubular de Na e
renciar IRA de IRC e, adicionalmente, pela diferenciação H2O e conseqüentemente aumento da
da relação parênquima sinusal e tamanho cortical, sugerir concentração urinária de uréia e creatinina.
IRC com rins de tamanho normal (diabetes, mieloma). Essa relação está diminuída na IRA renal
Alternativamente, o uso da cintilografia renal pode auxi-
( 30 e  20, respectivamente) pelo dano
liar na avaliação da perfusão renal (v. Cap. 20).
tubular
Em casos de forte suspeita ou confirmação de obstru-
ção urinária, estão indicados estudos urológicos, como a • Eosinofilia no sangue periférico em
cistoscopia e a pielografia ascendente. Além de fins diag- associação com sedimento urinário
nósticos (obstrução por cálculos ou tumores ou coágulos) contendo hematúria e leucocitúria (com
são úteis na colocação de cateteres ureterais para a desobs- intenso predomínio de eosinófilos) pode
trução e como avaliação pré-operatória para posteriores sugerir nefrite intersticial aguda
desvios do fluxo urinário.

Biópsia Renal TRATAMENTO


A biópsia renal precoce (um a cinco dias) está indicada Tratamento da IRA Pré-Renal
quando há suspeita de ser a IRA decorrente de uma doen-
ça sistêmica (por exemplo: vasculite), de uma glomerulo- Quando a IRA decorrer de deficiência no volume extra-
nefrite aguda (por exemplo: lúpus), de uma nefrite inters- celular, a reposição hídrica deve ser feita de modo a resta-
ticial aguda quando houver suspeita de necrose cortical belecer a quantidade de líquido perdida, associando-se
bilateral, ou na ausência de diagnóstico clínico provável. com adequada correção eletrolítica (v. Cap. 10). Metade da
A biópsia nos fornecerá bases para justificar uma terapêu- deficiência hídrica estimada deve ser reposta nas primei-
tica mais agressiva (corticóides, agentes citotóxicos, plas- ras 24 horas e, usualmente, o volume urinário aumenta em
396 Insuficiência Renal Aguda

4 horas. Todavia, em pacientes idosos ou com doença re- de K é feita por meio das medidas terapêuticas anterior-
nal prévia, a oligúria pode persistir por mais tempo. Nas mente discutidas. Lembrar de ajustar todas as drogas que
situações em que a IRA pré-renal é decorrente da diminui- tenham alteração de seu metabolismo pela presença de
ção do volume sangüíneo efetivo, a terapêutica orienta-se alteração na função renal.
pela fisiopatologia da doença desencadeante, como referi- O principal responsável pela liberação orgânica de re-
do a seguir: síduos de nitrogênio é o metabolismo de proteínas, resul-
Insuficiência cardíaca congestiva (ICC) — uso de ino- tando em elevação da carga de uréia, de ácidos metabóli-
trópicos positivos. Quando necessário, associar o uso de cos (sulfatos, fosfatos, ácidos orgânicos) e de potássio. Ini-
drogas vasodilatadoras (hidralazina, prazosina, captopril) cialmente, devemos considerar que 100 g/dia de carboi-
para diminuir a pós-carga; freqüentemente, o uso combi- dratos são suficientes para diminuir o catabolismo protéi-
nado restaura a diurese por melhor perfusão renal. Entre- co. Além disso, o suprimento adicional de calorias na for-
tanto, em alguns pacientes pode haver persistência de al- ma de gorduras e de quantidades adequadas de proteína
gum grau de azotemia pré-renal, o qual deve ser encarado previne um balanço nitrogenado negativo. Quando o su-
pelo médico como um problema participante do quadro primento correto de carboidratos é fornecido em associa-
clínico e perfeitamente controlável. ção com proteínas que contenham aminoácidos de alto
Síndrome nefrótica — a terapêutica mais racional é ori- valor biológico (essenciais), ocorre balanço positivo de ni-
entada para a correção da doença de base, seja pelo uso de trogênio, com a vantagem de a uréia e outros compostos
corticóides, seja de drogas citotóxicas. Entretanto, em de- nitrogenados serem utilizados para a síntese de aminoáci-
terminados estados patológicos primários que se manifes- dos não-essenciais. Ocorre então concomitante melhora
tam por síndrome nefrótica (glomerulonefrite membrano- dos sintomas clínicos e diminuição na concentração plas-
sa, diabetes), o tratamento pode restringir-se somente ao mática de uréia. Portanto, uma dieta com 1.800 a 2.500
controle de hidratação e uso criterioso de diuréticos. kcal/dia e 0,5 g/kg/dia de proteína de alto valor biológi-
Cirrose — evitar desequilíbrios hemodinâmicos é fun- co é aconselhável para pacientes com IRA que estejam com
damental para se impedir a evolução do paciente cirrótico boa aceitação oral. Nas situações em que for necessária a
para síndrome hepatorrenal. Quando já estabelecida, o utilização de nutrição parenteral, glicose hipertônica e
prognóstico torna-se reservado com evolução para óbito aminoácidos essenciais devem ser administrados. Diferen-
em mais de 90% dos casos. Em situações de oligúria, cui- temente, alguns autores sugerem que a quantidade de pro-
dadosa expansão salina e uso de espironolactona, isolada- teínas fornecidas deve ser mantida normal (1 g/kg/dia) e
mente ou em associação com furosemida, melhoram a diu- a diálise realizada quando necessário. Haveria menor ris-
rese em até 80% dos doentes. co de desnutrição e menor incidência de processos infec-
Freqüentemente, a observação do paciente com azote- ciosos.
mia pré-renal é feita apenas com o exame clínico. Entretan- Diálise precoce e freqüente deve ser utilizada para man-
to, monitorização invasiva pode ser necessária quando ter uréia abaixo de 180 mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/
vigorosa terapia hídrica é indispensável ou quando se des- dl. Esses níveis previnem os sintomas clínicos da uremia,
conhece a tolerância do paciente a grandes reposições de melhoram o estado nutricional do paciente e podem, indis-
volume. Nessas situações, indica-se a utilização de cateter cutivelmente, diminuir o risco de sangramento e infecções.
Pacientes com significativa destruição tecidual (rabdo-
venoso central para a medida de pressão venosa de átrio
miólise, traumatismo, queimadura, septicemia, pós-opera-
direito (PVC), ou mesmo de um cateter de Swan-Ganz
tório de cirurgias extensas) têm elevada produção de uréia
(pressão do capilar pulmonar) para melhor avaliação he-
e usualmente necessitam de hemodiálise quando se apre-
modinâmica.
sentam com IRA. A hemodiálise também está indicada em
quadros de IRA por intoxicação exógena por metanol e
Tratamento da IRA Renal etilenoglicol, visto seu efeito em remover toxinas rapida-
mente. A hemodiálise deve ser mantida por 4 ou mais ho-
Não há benefícios na utilização de diuréticos na IRA. ras e diariamente se for necessário. O maior perigo é o san-
Uma vez caracterizada, rigoroso controle hidroeletrolítico gramento e, portanto, em pacientes de alto risco, doses
deve ser mantido. A reposição de volume deve ser restrin- reduzidas de heparina ou heparinização regional devem
gida a 400 ml/dia acrescido do débito urinário. O balanço ser utilizadas. As complicações hidroeletrolíticas são seme-
de sódio deve ser controlado por meio de uma dieta pobre lhantes às da diálise peritoneal, porém ocorrem mais agu-
em Na (1 g/dia) nos pacientes que não estão sendo sub- damente e, assim, necessitam de pronto tratamento.
metidos a diálise, porém, com maior liberdade (até 3 g/dia) Nos últimos anos, procedimentos dialíticos ditos “espe-
quando já em programa dialítico. Adicionalmente, corri- ciais e contínuos” têm ganho grande espaço como instru-
gir eventual acidose quando o pH plasmático estiver me- mentos terapêuticos para reposição da função renal na IRA.
nor do que 7,25 ou o HCO3 inferior a 12 mEq/L (v. Cap. Os procedimentos de hemofiltração e hemodiafiltração são
11). Manutenção em valores normais do nível plasmático utilizados freqüentemente para a reposição de função re-
capítulo 21 397

nal e clareamento de substâncias tóxicas em pacientes cri- Os shunts arteriovenosos (shunt de Quinton-Scribner,
ticamente enfermos (v. também Cap. 50). Diferentes opções shunt AV) representam outra alternativa. Nesta técnica,
técnicas de tratamento são utilizadas dependendo das con- implanta-se cirurgicamente um par de cânulas conectan-
dições dos pacientes, porém quase sempre as diferentes do uma artéria a uma veia das extremidades (antebraço ou
modalidades são utilizadas de maneira contínua. Assim, perna), formando uma fístula externa. Apesar do baixo
é bastante comum o uso do termo terapia contínua de re- risco de sangramento e maior liberdade no manuseio do
posição renal (CRRT). A hemodiafiltração intermitente é paciente, existe a necessidade do implante cirúrgico e os
também utilizada para pacientes com insuficiência renal riscos de coagulação e de infecção. Além disso, o fluxo
crônica em alguns centros especializados na Europa. sangüíneo é relativamente baixo, podendo resultar em is-
quemia da extremidade em questão.
Nos anos 80, alguns autores introduziram variantes dos
Pontos-chave:
cateteres de duplo lúmen. Os cateteres de duplo lúmen de
• Não há benefícios na utilização de longa permanência (PermcathTM e outros) são de silástico
diuréticos na IRA inseridos cirurgicamente, sendo que um túnel subcutâneo
• Diálise precoce e freqüente deve ser é construído para a sua via de saída. O cateter é firmemente
utilizada para manter uréia abaixo de 180 fixado no túnel devido à presença de um cuff. Tais catete-
res são mais flexíveis e biocompatíveis, implicando menor
mg/dl e creatinina inferior a 8 mg/dl
risco de trombose venosa. Além disso, a presença do túnel
• Pacientes com significativa destruição
subcutâneo na via de saída e de um cuff no cateter reduz a
tecidual (rabdomiólise, traumatismo, taxa de infecções no local e, conseqüentemente, de bacte-
queimadura, septicemia, pós-operatório de remia.
cirurgias extensas) têm elevada produção Outra variante introduzida mais recentemente é o cate-
de uréia e usualmente necessitam de ter de Tesio. Na verdade, este cateter é constituído por dois
hemodiálise quando se apresentam com cateteres separados, ou seja, com os lumens arterial e ve-
IRA noso do circuito separados, porém com a extremidade ex-
• Os procedimentos de hemofiltração e terna dos cateteres juntando-se em uma só peça. Durante
hemodiafiltração são utilizados a implantação cirúrgica, o cateter venoso é implantado al-
guns centímetros mais profundamente para evitar recircu-
freqüentemente para a reposição de função
lação. Devido ao grande calibre (10 Fr), estes cateteres per-
renal e clareamento de substâncias tóxicas
mitem alto fluxo de sangue.
em pacientes criticamente enfermos

Força Motriz do Sangue


CONDIÇÕES BÁSICAS Ao optarmos por acessos vasculares arteriovenosos (pun-
PARA A CRRT ção percutânea de artéria e veia femoral ou shunt AV), o gra-
diente de pressão do lado arterial para o lado venoso do cir-
cuito pode funcionar como força motriz para o sangue pas-
Acesso Vascular sar por um sistema de baixa resistência (hemofiltração). Quan-
A necessidade de um acesso vascular para HD ou he- do utilizamos somente cateteres venosos, não há gradiente
mofiltração em pacientes com IRA é habitualmente tem- de pressão e se faz necessária uma bomba para impulsio-
porária. Os métodos para estabelecer esse acesso envolvem nar o sangue. As máquinas de HD e de hemofiltração veno-
a punção percutânea de um grande vaso sangüíneo (jugu- venosa são providas de bombas de rolete para tal propósi-
lar interna, subclávia ou femoral). Atualmente, os catete- to. Também se podem utilizar bombas de rolete avulsas para
res venosos de duplo lúmen são os mais populares, porém realização de ultrafiltração lenta contínua (SCUF).
são calibrosos e apresentam risco de trombose ou esteno-
se tardia da veia subclávia. Dialisador
Outra via de acesso que podemos utilizar é a introdu-
ção de cateteres mais calibrosos, por punção percutânea, Os filtros de HD podem ter duas formas básicas de ar-
na artéria e veia femorais. As vantagens desse método são quitetura: filtro capilar e filtro de placas paralelas. Os fil-
o alto fluxo sangüíneo e a baixa incidência de coagulação tros capilares são mais utilizados do que os de placas pa-
e infecção local. Entretanto, este tipo de acesso exige o con- ralelas. Os filtros de placas paralelas estão associados a uma
finamento do paciente ao leito. Além disso, existe o risco maior taxa de coagulação do sistema e geralmente a caixa
de hematoma local ou retroperitoneal, além de isquemia que os aloja é opaca, não permitindo a visualização dos
distal se os vasos apresentarem estenose. coágulos.
398 Insuficiência Renal Aguda

As membranas que equipam os dialisadores podem ser regional, adicionando-se a necessidade de monitorização
classificadas em três tipos: celulose, celulose modificada e do cálcio iônico, os riscos de hipo- ou hipercalcemia e al-
sintética. A celulose é obtida por meio do processamento calose metabólica (pela conversão do citrato em bicarbo-
do algodão e, até recentemente, o tipo de membrana mais nato no fígado). Além da heparina e do citrato, outro anti-
comumente encontrado nos dialisadores era o cuprofane. coagulante promissor é a prostaciclina. Por enquanto, os
Essa membrana tem alta permeabilidade para pequenas inconvenientes para essa substância são o risco de hipoten-
moléculas, PM  200 dáltons e baixa para moléculas mai- são arterial e o alto custo do tratamento. Também é possí-
ores. As membranas sintéticas incluem a poliacrilonitrila vel realizar procedimentos dialíticos com CRRT sem o uso
(PAN), a polissulfona, a poliamida, o policarbonato e o de anticoagulantes. Neste caso, utilizam-se freqüentes la-
polimetilmetacrilato. Essas membranas são mais permeá- vagens do circuito da CRRT com solução salina a 0,9% (100
veis a moléculas médias e grandes do que o cuprofane. ml a cada 30 minutos) (v. Cap. 50).
Esses filtros, por apresentarem alta capacidade de UF e
serem altamente permeáveis aos solutos urêmicos, permi-
tem a utilização do transporte por convecção, mimetizan- Solução de Diálise
do a filtração glomerular (v. também Cap. 50).
Durante a HD, uma solução é infundida no comparti-
mento externo do filtro dialisador, entrando em contato
Anticoagulação com a membrana dialítica. Com a finalidade de manter o
equilíbrio eletrolítico e ácido-básico no organismo, a solu-
Decorrente da natureza artificial de um sistema de ção de diálise deve conter quantidades adequadas de íons
CRRT, existe ativação de complemento, cininas, cascata da como sódio, potássio, cálcio etc. Assim, certos íons apre-
coagulação e agregação plaquetária com formação de trom- sentam concentração baixa na solução dialisadora com a
bos em seu interior. A coagulação do sangue no filtro dia- finalidade de promover sua remoção do plasma (potássio),
lisador leva à diminuição progressiva da área de superfí- enquanto outros apresentam concentração equilibrada (só-
cie de filtração. Assim, é necessário obter-se anticoagula- dio). Devido à perda de grandes quantidades de bicarbo-
ção eficaz do sangue durante a passagem pelo filtro, po- nato e à acidose da insuficiência renal, é necessária a sua
rém, sem anticoagular excessivamente o paciente. A anti- reposição. A reposição é feita mediante tampão usado no
coagulação mais freqüentemente empregada é a heparini- banho de diálise, que pode ser o acetato de sódio ou o pró-
zação. O sistema passa inicialmente por uma pré-lavagem
prio bicarbonato. O acetato tem como vantagem o poder
com soro heparinizado (5.000 UI de heparina para um li-
de inibir o crescimento bacteriano na solução dialisadora,
tro de soro fisiológico) e infusão de heparina em bolo ou
o que vem reduzir a quantidade de fragmentos bacteria-
por infusão contínua para manter o tempo de tromboplas-
nos que podem ser absorvidos pelo sangue durante a HD
tina parcial ativado (TTPa) ou o tempo de coagulação ati-
(com conseqüente ativação de produção de citocinas). En-
vado (TCa) uma e meia a duas vezes superior ao valor
tretanto, os eventos metabólicos ligados à conversão do
normal. Geralmente, isto requer uma dose em torno de
acetato em bicarbonato no fígado produzem um efeito
1.000 UI/hora, devendo-se proceder à monitorização do
vasodilatador com risco de hipotensão arterial durante a
TTPa durante o tratamento. Nos procedimentos dialíticos
HD. As soluções com bicarbonato de sódio estão relacio-
prolongados ou contínuos, recomenda-se a heparinização
nadas a uma menor ocorrência de episódios hipotensivos.
contínua. A anticoagulação com heparina pode ser feita
Como inconveniente, favorecem a precipitação, formando
regionalmente, infundindo-se sulfato de protamina no fi-
sais de cálcio, promovendo uma reposição inadequada
nal do circuito venoso (l ml para cada 1.000 UI de hepari-
desse íon e também ocasionando problemas na manuten-
na). Tecnicamente, a heparinização regional é complicada
e mais cara, por exigir a utilização de duas bombas de in- ção do equipamento. Essas dificuldades são contornáveis
fusão e a monitorização freqüente (3 a 4 vezes por dia) do com a utilização de máquinas de proporção.
TTPa do sistema de CRRT e do paciente.
O citrato trissódico é uma das alternativas à heparini- Solução de Reposição
zação. Seu princípio de ação é a quelação do cálcio iônico,
que é co-fator importante para a ação de várias enzimas da As soluções de reposição são utilizadas somente nas
cascata de coagulação. Nesse tipo de anticoagulação, infun- modalidades onde o objetivo é o transporte de solutos por
de-se o citrato trissódico (2 mol/l,5 litro de soro fisiológi- convecção, ou seja, hemofiltração arteriovenosa contínua
co para 4 horas de HD) na via arterial da CRRT, fazendo- (CAVH) e hemodiafiltração arteriovenosa contínua
se a reposição do cálcio na linha venosa, com cloreto de (CAVHD). Como os objetivos de controle eletrolítico são
cálcio a 5% (120 ml em 4 horas). É importante a monitori- os mesmos que os da HD intermitente, a solução tem com-
zação freqüente dos níveis de cálcio iônico. Apesar de se posição semelhante. Entretanto, ao contrário das soluções
mostrar um excelente anticoagulante, seu uso torna-se li- de reposição, a solução de diálise na HD intermitente não
mitado pelos motivos justificados para a heparinização necessita ser estéril. Assim, faz-se necessária a aquisição de
capítulo 21 399

uma solução adequada, ou a composição de uma solução uso do filtro de alta permeabilidade (hemofiltro), utiliza-
no hospital, a partir da solução de Ringer. Alternativamen- se o gradiente de pressão arteriovenoso do paciente para
te, pode-se utilizar solução de diálise peritoneal, que apre- impulsionar o sangue na CRRT. Como a CAVH é um pro-
senta composição adequada, com exceção da elevada quan- cesso contínuo de remoção de líquido e substâncias urê-
tidade de glicose. No Quadro 21.2 pode-se observar a com- micas por convecção, há necessidade de retirada e reposi-
posição das diferentes soluções. A prescrição desta ou da- ção de grandes volumes de líquido. Essa técnica é útil para
quela solução dependerá da disponibilidade e da necessi- manter o paciente “seco”, preservando a estabilidade he-
dade de cada paciente. modinâmica. Por outro lado, o clearance médio de uréia na
CAVH é em torno de 10 ml/min, sendo freqüentemente
insuficiente para o controle adequado do nível de uréia em
TERAPIAS CONTÍNUAS DE pacientes graves hipercatabólicos (v. também Cap. 50).
Nesta modalidade, um hemofiltro de baixa resistência
REPOSIÇÃO DA FUNÇÃO RENAL é interposto entre as vias arterial e venosa (volume total
de sangue próximo a 75 ml) sem necessidade de bomba de
Os métodos hemodialíticos podem ser divididos em HD sangue. Como banho de diálise, infundimos solução dia-
intermitente, onde geralmente são utilizados filtros de menor lisadora por gravidade e em fluxo contrário ao do sangue.
permeabilidade, e nas terapias contínuas de reposição renal O líquido efluente é drenado para um coletor de fluidos
ou CRRT, onde são utilizados filtros da altíssima permeabili- (coletor de urina em sistema fechado, por exemplo), sen-
dade (hemofiltros). A grande variedade de técnicas de CRRT do a aferição horária. O volume infundido é subtraído do
desenvolvidas levou a uma confusão de nomenclatura. medido na unidade de tempo e anotado como UF. O cole-
tor quando abaixo do nível do capilar gera uma pressão
negativa, no compartimento externo do hemofiltro, pro-
Ultrafiltração Lenta Contínua (SCUF) porcional à altura da coluna de ultrafiltrado. A combina-
Na SCUF, o gradiente de PTM determina o transporte de ção dessa pressão negativa com a pressão positiva exerci-
água. O propósito desta terapia é tão-somente o controle da pelo sangue determina a PTM e conseqüentemente a
volêmico, assim, não há reposição do volume ultrafiltrado velocidade de UF. O fluxo sangüíneo, por sua vez, é de-
e o clearance de solutos é mínimo. O acesso vascular pode terminado pela pressão arterial média, resistência impos-
ser arteriovenoso ou venovenoso. Podem-se também usar ta pelo conjunto de vias, capilar e viscosidade sangüínea.
filtros de diferentes permeabilidades. Apesar de não se uti- A reposição de fluidos pode ser feita na linha arterial,
lizar solução dialisadora, pode ser mais seguro realizar-se o antes do filtro (CAVH pré-dilucional) ou na linha venosa,
procedimento com uma máquina de HD com monitores após o filtro (CAVH pós-dilucional). A pré-dilucional pode
acoplados (detector de bolhas, monitores de pressão do sis- reduzir o fluxo efetivo de sangue e conseqüentemente o clear-
tema etc.) do que com uma bomba de roletes isolada. ance. Por outro lado, a pré-dilucional está associada a ta-
xas consideravelmente menores de coagulação do sistema.

Hemofiltração Arteriovenosa Contínua


Hemodiafiltração Arteriovenosa Contínua
A CAVH sem bombas foi descrita em 1977 por Kramer
et al., embora o conceito de diafiltração já houvesse sido Esta modalidade é muito semelhante à CAVH, porém
introduzido 10 anos antes. Nesse procedimento, além do uma solução de diálise é infundida de maneira contínua

Quadro 21.2 Composição das diferentes soluções de reposição utilizadas em CRRT

Solução Fluido Fluido


de de Diálise de
Ringer-lactato Peritoneal Hemodiafiltração

Glicose (mg/dl) — 1.360 100


Sódio (mEq/L) 130 132 140
Potássio (mEq/L) 4,0 — 2,0
Cloreto (mEq/L) 109 96 117
Cálcio (mEq/L) 2,7 3,5 3,5
Magnésio (mEq/L) — 0,5 1,5
Lactato (mEq/L) 28 40 30
400 Insuficiência Renal Aguda

no compartimento externo do filtro. Isto adiciona o trans- tes com doenças abdominais não-esclarecidas, ou com
porte convectivo ao transporte difusional. Assim, esta “peritônio aberto”, ou ainda com cirurgia abdominal re-
modalidade é habitualmente prescrita quando se necessi- cente, não devem ser submetidos à diálise peritoneal. Por
ta de clearances maiores para se atingir o controle metabó- outro lado, em pacientes com diátese hemorrágica ou que
lico do paciente. apresentem contra-indicação para heparinização, a DP
pode ser o método de escolha. Existem outras situações
especiais, como nos pacientes com insuficiência hepática
Hemodiafiltração Venovenosa Contínua aguda ou crônica, nos quais, apesar de não se ter demons-
Existem situações em que a CAVHD é impraticável, trado maior sobrevida com a DP, é reconhecida a maior
quer pela ausência de pressão de perfusão arterial, quer estabilidade do sódio plasmático (melhor controle da hi-
pela dificuldade em se obter um acesso arteriovenoso ade- ponatremia) e da glicemia (melhor controle da hipoglice-
quado. Para esses casos, uma variante da CAVHD utilizan- mia) com esse tratamento. Além disso, em situações clíni-
do um cateter venoso de duplo lúmen posicionado na veia cas que envolvem o risco de hipoglicemia (intoxicação por
central e um aparelho equipado com bomba de sangue, hipoglicemiantes orais), a DP também pode ser indicada.
monitor de pressão venosa e detector de bolhas de ar tem Outra possível indicação especial é no aquecimento inter-
sido usada. Essa técnica é chamada de CVVHD. A intro- no lento do paciente com hipotermia grave.
dução de uma máquina moderna operando de forma inin- Devemos ressaltar que os procedimentos contínuos de
terrupta tem a vantagem de garantir fluxo constante usan- HD estão sendo usados com freqüência cada vez maior
do um fácil acesso venoso. Por outro lado, a complexida- na UTI. Por outro lado, o maior clearance de drogas im-
de do funcionamento com os potenciais riscos de aciden- plica reajuste mais freqüente de dose, principalmente de
tes (embolia gasosa) pode causar uma certa apreensão na antibióticos (notadamente a vancomicina e os aminogli-
equipe de enfermagem. cosídeos).

Escolha do Método Dialítico BIBLIOGRAFIA SELECIONADA


Ao escolher o método dialítico devemos considerar os
BELLOMO, R.; RONCO, C.; MEHTA, R.L. Nomenclature for continuous
aspectos relativos à eficiência do método, capacidade de renal replacement therapies. Am J Kidney Dis, 28(suppl 3):2-7, 1996.
UF, vias de acesso para a diálise e necessidade de anticoa- BONVENTRE, J.V. Acute renal failure. In: Essential Atlas of Nephrology.
gulação. No Quadro 21.3, podemos observar a eficiência R.W. Schrier. Lippincott Williams & Wilkins Ed. 2001, pp 39-85.
BOTELLA, J.; GHEZZI, P.; SANZ-MORENO, C. Multicentric study on
estimada pelo clearance da uréia (PM  60) de diferentes paired filtration dialysis as a short, highly efficient dialisis technique.
tipos de diálise. Podemos notar que HD, CAVHD e Nephrol Dial Transplant, 6:715-721, 1991.
CVVHD produzem maior depuração de uréia. DRUML, W.; MITCH, W.E. Metabolism in acute renal failure. Sem Dial,
Assim, a HD e a CAVHD ou CVVHD são os métodos 9:484-490, 1996.
FISH, E.M.; MOLITORIS, B.A. Alterations in epithelial polarity and the
de escolha para pacientes hipercatabólicos, com elevados pathogenesis of disease states. N Engl J Med, 330:1580, 1994.
níveis de uréia. Por outro lado, quando se faz necessário HENDERSEN, L.W. Hemofiltration: From the origin to the new wave.
retirar moléculas maiores, como mediadores imunológicos Am J Kidney Dis, 28 (suppl 3):100-104. 1996.
na SIRS, ou na intoxicação por drogas, a HF e provavelmen- JAKOB, S.M.; FREY, F.J.; UHLINGER, D.E. Does continuous renal
replacement therapy favorably influence the outcome of patients?
te a CAVHD se aplicam melhor. É freqüente em alguns Nephrol Dial Transplant, 11:1250-1235, 1996.
centros que não dispõem de CAVHD o uso concomitante KEIRDORF, H.; SIERTH, H.G. Continuous treatment modalities in acu-
de HF e HD. Neste caso, a HF garante a retirada do volu- te renal failure. Nephrol Dial Transplant, 10:2001-2008, 1995.
KRUCZYNSKI, K.; IRVINE-BIRD, K.; TOFFELMIRE, E.B.; MORTON,
me e a HD intermitente, o controle dos níveis de uréia.
A.R. A comparison of continuous arteriovenous hemofiltration and
Vários fatores relacionados ao acesso da diálise podem intermittent hemodialysis in acute renal failure patients in the inten-
interferir com a escolha do método. Obviamente, pacien- sive care unit. Am Soc Artif Intern Organs J, 39:778-781, 1993.

Quadro 21.3 Clearance de uréia obtido com diferentes métodos dialíticos

DP HD HDI CAVH CAVHD CVVHD


Prescrição
2 litros/h 3 ⴛ 4h/semana 7 ⴛ 4h/semana 0,5 litro/h 1 litro/h 2 litros/h

ml/min 16,7 14,3 33,3 6,9 14,2 32


litros/dia 24 21 48 10 211 48
litros/semana 168 144 336 70 144 336
capítulo 21 401

KWON, T.H.; FROKIAER, J.; HAN, J.S.; KNEPPER, M.A.; NIELSEN, S. SCHOR, N.; BOIM, M.A.; PAVÃO DOS SANTOS, O.F. In: Insuficiência
Decreased abundance of major Na() transporters in kidneys of rats Renal Aguda: Fisiopatologia, Clínica e Tratamento. Sarvier Editora de
with ischemia-induced acute renal failure. Am J Renal Physiol, Livros Médicos, São Paulo, 1997.
278(6):F925-39, 2000. SCHOR, N. Acute renal failure and sepsis syndrome. Kidney Int, 61:764-
LIAÑO, F.; PASCUAL, J. Epidemiology of acute renal failure: a prospec- 776, 2002.
tive, multicenter, community-based study. Madrid Acute Renal Fai- THADHANI, R.; PASCUAL, M.; BONVENTRE, J.V. Acute renal failure.
lure Study Group. Kidney Int, 50(3):811-818, 1996. N Engl J Med, 334(22):1448-1460, 1996.
LIAÑO, F.; PASCUAL, J. Outcomes in acute renal failure. Semin Nephrol
18(5):541-550, 1998.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
MEHTA, R.L. Therapeutic alternatives to renal replacement therapy for
critically ill patients in acute renal failure. Sem Nephrol, 14:64-82, 1994. www.kidneyatlas.org
RABB, H.; WANG, Z.; POSTLER, G.; SOLEIMANI, M. Possible molecu-
www.niddk.nih.gov
lar basis for changes in potassium handling in acute renal failure. Am
J Kidney Dis, 35(5):871-877, 2000. www.hdcn.com
RABB, H.; BONVENTRE, J.V. Experimental approaches to acute tubular www.kidney.org
necrosis. In: BRADY, H.; WILCOX, C. (eds.) Therapy in Nephrology and www.embbs.com
Hypertension: Comparison to Brenner and Rector’s The Kidney. Philadel-
www.emedicine.com
phia, PA Saunders, 1998, pp 72-80.
RACUSEN, L.C. Pathology of acute renal failure: Structure/functions www.nlm.nih.com
correlations. Adv Renal Replacement Ther, 4 (suppl 2):3-16, 1997. www.hosppract.com
Capítulo
Glomerulonefrites Primárias

22 Maria Fernanda C. Carvalho, Marcello F. de Franco e Vitor A. Soares (In Memoriam)

FISIOPATOLOGIA DOS SINAIS E SINTOMAS DAS GLOMERULONEFRITE MEMBRANOPROLIFERATIVA (GNMP)


GLOMERULONEFRITES Anatomia patológica
Proteinúria Etiopatogenia
Queda da filtração glomerular Tratamento
Hematúria Glomerulonefrite membranoproliferativa e transplante renal
Retenção de sódio GLOMERULONEFRITE POR LESÕES MÍNIMAS
Alterações metabólicas Anatomia patológica
Tratamento inespecífico Etiopatogenia
Diagnóstico da glomerulonefrite Tratamento
GLOMERULONEFRITE PÓS-ESTREPTOCÓCICA GLOMERULOSCLEROSE FOCAL E SEGMENTAR
Anatomia patológica Anatomia patológica
Etiopatogenia Etiopatogenia
Tratamento Tratamento
GLOMERULONEFRITE CRESCÊNTICA Glomerulosclerose focal e segmentar e transplante
Anatomia patológica GLOMERULONEFRITE MEMBRANOSA
Etiopatogenia Anatomia patológica
Tratamento Etiopatogenia
Glomerulonefrite crescêntica e transplante Tratamento
NEFROPATIA POR IgA Glomerulonefrite membranosa e transplante
Anatomia patológica DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Etiopatogenia BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Tratamento ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Nefropatia por IgA e transplante

As glomerulonefrites são classificadas de acordo com As conseqüências da agressão glomerular são basica-
a presença ou ausência de doença sistêmica, com a apre- mente: proteinúria, hematúria, queda de filtração glome-
sentação clínica e quanto ao seu modo de instalação e pro- rular e retenção de sódio. Dependendo principalmente da
gressão. intensidade e do tipo da agressão, pode haver predomínio
Quando as glomerulopatias aparecem isoladamente, de um sinal sobre outro, dando origem a diferentes apre-
são classificadas como primárias, e quando estão associ- sentações clínicas: síndrome nefrítica, síndrome nefrótica,
adas a doenças sistêmicas, tais como lúpus eritematoso e não-nefrítica e não-nefrótica.
sistêmico, diabetes etc., são classificadas como secundá- Síndrome nefrítica é descrita como o aparecimento sú-
rias. Neste capítulo trataremos apenas das glomerulone- bito de edema, hipertensão arterial e hematúria geralmente
frites primárias. macroscópica.
capítulo 22 403

Síndrome nefrótica foi originariamente definida como Nas glomerulopatias tem sido demonstrado que existe
proteinúria de 24 horas acima de 3,5 g, acompanhada de perda de cargas aniônicas e aumento da densidade de
hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e edema. O enten- poros não-discriminantes da membrana basal glomerular,
dimento de que as três últimas alterações são apenas con- o que leva ao aumento da sua permeabilidade com conse-
seqüência da intensidade da proteinúria levou à definição qüente proteinúria. Nas glomerulopatias onde ocorre ape-
mais recente de síndrome nefrótica, que é: proteinúria nas perda de carga (glomerulonefrite por lesões mínimas),
maciça, com tendência a edema, hipoalbuminemia e hiper- as proteínas encontradas na urina são basicamente albu-
colesterolemia. mina e transferrina, enquanto naquelas onde ocorre au-
Na apresentação não-nefrítica e não-nefrótica são clas- mento da densidade de poros não-discriminantes (glome-
sificados aqueles casos de glomerulonefrites que não se rulonefrite membranosa, glomerulonefrite membranopro-
encaixam nas classificações anteriores. liferativa, glomerulosclerose focal e segmentar), além de
Como será visto posteriormente, uma mesma glomeru- albumina e transferrina, encontram-se também proteínas
lonefrite pode ter diversas apresentações clínicas em dife- de maior peso molecular, como por exemplo imunoglobu-
rentes indivíduos, ou até um mesmo indivíduo pode ma- linas.
nifestar durante a sua evolução várias apresentações clí- A maior parte das glomerulonefrites são mediadas pelo
nicas. sistema imune, quer pela deposição de imunocomplexos
Raramente as glomerulonefrites podem evoluir para circulantes, quer pela reação antígeno-anticorpo in situ.
insuficiência renal terminal em questão de semanas ou Essas reações ativam o sistema complemento, o que, dire-
meses, e quando isto ocorre, elas são classificadas como ta ou indiretamente, leva ao aumento de permeabilidade
glomerulonefrite rapidamente progressiva, independente- da membrana basal glomerular, resultando em proteinú-
mente do tipo histológico. Inicialmente, este termo foi uti- ria (v. Cap. 21).
lizado como sinônimo de glomerulonefrite crescêntica, Tem sido demonstrado que nas diferentes glomerulo-
porém, o reconhecimento de que esta nem sempre apre- nefrites experimentais existe aumento da pressão hidros-
senta deterioração rápida da função renal e de que outras tática dentro do capilar glomerular e que esse aumento é
glomerulonefrites podem evoluir rapidamente para insu- outro fator importante na gênese da proteinúria.
ficiência renal terminal fez com que este uso fosse aban-
donado.
Estas classificações têm objetivo apenas didático e ser- Queda da Filtração Glomerular
vem somente como orientação, quando se está frente a um
A filtração glomerular depende basicamente de dois
portador de glomerulonefrite.
fatores: a pressão intraglomerular e o coeficiente de per-
meabilidade da membrana glomerular (v. Cap. 3). Nas
glomerulonefrites experimentais, onde esses parâmetros
FISIOPATOLOGIA DOS SINAIS podem ser quantificados, tem sido demonstrado que exis-
E SINTOMAS DAS te aumento da pressão hidrostática e queda do coeficiente
de ultrafiltração. Estudos realizados em seres humanos,
GLOMERULONEFRITES onde esses parâmetros são deduzidos, têm sido compatí-
veis com esses achados.
Proteinúria Vários fatores, tais como a retração dos podócitos (que
ocorre em pacientes com síndrome nefrótica, independen-
A membrana basal glomerular é um gel com carga elé-
temente do tipo histológico), a infiltração de neutrófilos
trica negativa, que apresenta grande quantidade de poros
ocluindo as fenestrações do endotélio e a diminuição da
pequenos, denominados poros discriminantes, e baixa den-
área filtrante da membrana basal ocasionada pela esclero-
sidade de poros grandes, denominados poros não-discrimi-
se glomerular, têm sido propostos para explicar a queda
nantes. Essas características fazem com que ela seja altamen-
te permeável à água e pequenas moléculas, tais como uréia, do coeficiente de permeabilidade da membrana basal.
creatinina, glicose etc., e praticamente impermeável a ma-
cromoléculas, como por exemplo imunoglobulinas. Hematúria
Em moléculas com tamanho intermediário, a carga elé-
trica é outro fator que influencia na permeabilidade da O mecanismo de hematúria nas glomerulopatias é muito
membrana basal glomerular. A albumina plasmática, por pouco estudado. O que se aceita hoje é que no curso da
exemplo, apresenta raio molecular de 33 Å e, quando em agressão renal acabam ocorrendo soluções de continuida-
solução no plasma, apresenta carga negativa. Pelo seu ta- de na membrana basal glomerular, através das quais ocorre
manho ela poderia atravessar a membrana basal, porém o a passagem de hemácias para o espaço de Bowman. Esta
fato de ela apresentar carga negativa faz com que a sua se faz através de diapedese, o que provoca intensa altera-
passagem através desta membrana seja desprezível. ção da sua forma, e, por isso, a maior parte dos eritrócitos
404 Glomerulonefrites Primárias

encontrados na urina de pacientes com glomerulopatias de de albumina filtrada é reabsorvida pelos túbulos pro-
apresenta alterações quanto à sua morfologia (hemácias ximais. Nas situações onde existe aumento dessa filtração
dismórficas). ocorre aumento da reabsorção tubular. A albumina reab-
sorvida é catabolizada, o que contribui para hipoalbumi-
nemia.
Retenção de Sódio (v. Cap. 10) As alterações lipídicas encontradas na síndrome nefró-
Outra alteração muito freqüente nas glomerulopatias é tica relacionam-se diretamente com os níveis de albumina
a retenção de sódio, que se manifesta clinicamente por plasmática. A hipoalbuminemia é um estímulo para o au-
mento da síntese protéica pelo fígado, o que leva à maior
edema e hipertensão arterial.
síntese de lipoproteínas de baixa densidade e de muito
O edema presente nos pacientes portadores de nefropa-
baixa densidade; como as primeiras são carreadoras de
tia tem sido explicado por dois mecanismos diferentes. Nos
colesterol e as segundas de triglicérides, ocorre hipercoles-
pacientes portadores de nefropatia sem hipoalbuminemia,
terolemia e hipertrigliceridemia. Acresce-se a isso o fato de
ele tem sido imputado à retenção primária de sódio pelo
que hipoalbuminemias muito intensas inibem a lipólise.
rim lesado, com aumento da volemia, aumento da pressão
O encontro de hipocalcemia não é incomum na síndro-
hidrostática intravascular e extravasamento de líquido
me nefrótica. Como parte do cálcio plasmático está ligada
para o interstício, com conseqüente aparecimento de ede-
à albumina, esta pode ser explicada parcialmente pela
ma. Nos pacientes onde ocorre hipoalbuminemia esta tem
queda da concentração plasmática desta proteína. Pode-se
sido responsabilizada pela formação do edema. Assim,
observar também queda do cálcio iônico, que é explicada
nestes casos ocorreria perda de proteínas pelo rim, com
pela perda urinária de proteínas ligadas ao metabolismo
conseqüente hipoalbuminemia, e diminuição da pressão
desse íon [1,25(OH)2 colecalciferol e 24,25(OH)2 colecalci-
oncótica do plasma; essa diminuição levaria a extravasa- ferol].
mento de líquido para o interstício com formação de ede- Outras complicações relativamente comuns na síndro-
ma, levando à hipovolemia, o que ativaria diferentes sis- me nefrótica, como tromboses ou infecções repetidas, são
temas de retenção de sódio (ativação do sistema renina- decorrentes, pelo menos parcialmente, da perda urinária
angiotensina, do sistema simpático e diminuição do fator de fatores antitrombóticos e de imunoglobulinas, respec-
natriurético), agravando o edema. tivamente.
Nos últimos anos têm surgido evidências de que a hipo-
albuminemia como principal causa do edema na síndrome
nefrótica deve ser questionada. Assim, menos de 50% de Tratamento Inespecífico
pacientes portadores de analbuminemia congênita apresen-
O tratamento específico de cada glomerulopatia será
tam edema; a volemia de pacientes com síndrome nefrótica
discutido separadamente, porém algumas medidas toma-
está normal ou aumentada em 70% dos casos; a concentra-
das, independentemente do tipo histológico, serão discu-
ção intersticial de albumina nos pacientes nefróticos encon-
tidas neste item.
tra-se em níveis semelhantes à concentração plasmática e,
Como foi dito anteriormente, um dos possíveis meca-
portanto, não existe a diferença de pressão oncótica entre o
nismos que contribuem na gênese da proteinúria é o au-
intravascular e o interstício; nos pacientes que apresentam
mento da pressão intraglomerular. Esta depende basica-
remissão da síndrome nefrótica a excreção urinária de só-
mente do fluxo sanguíneo glomerular e da resistência que
dio antecede o aumento da albumina plasmática. A expan-
o glomérulo opõe a esse fluxo. O primeiro depende dire-
são da volemia de pacientes nefróticos resulta em discreto
tamente da pressão arterial sistêmica e inversamente da
aumento da natriurese. Além do mais, tem sido demonstra-
resistência da arteríola aferente.
do que animais de experimentação com nefropatia unilate-
Os antiinflamatórios não-hormonais inibem a síntese de
ral apenas retêm sódio no rim lesado. Por estes motivos, hoje
prostaglandinas, que são vasodilatadores da arteríola afe-
se acredita que, mesmo nos pacientes com hipoalbuminemia,
rente, promovendo vasoconstrição desta arteríola, com
a origem do edema é a maior retenção de sódio provocada conseqüente diminuição da pressão intraglomerular e da
pela lesão renal e não conseqüente às alterações sistêmicas. proteinúria.
Nos glomérulos, a angiotensina II induz vasoconstrição
Alterações Metabólicas da arteríola eferente e das células mesangiais, levando ao
aumento da pressão intraglomerular; portanto, quando a
O nível de albumina sérica do paciente com síndrome sua síntese é inibida, ocorre diminuição desta pressão. Por
nefrótica é resultado de um balanço onde os fatores mais esse motivo, os inibidores da enzima de conversão da an-
importantes são: a intensidade e a duração da perda uri- giotensina I têm sido utilizados como droga antiproteinú-
nária e a síntese hepática aumentada. rica, com bons resultados.
Outro fator que influencia este balanço é o aumento do Ambos os grupos de drogas citadas podem induzir
catabolismo protéico. Normalmente a pequena quantida- queda de filtração glomerular, que é reversível com a sua
capítulo 22 405

retirada. Em pacientes nos quais a filtração glomerular não Diagnóstico da Glomerulonefrite


se apresenta muito comprometida, essa piora da filtração
não deve ser motivo para a suspensão da droga. A suspeita clínica de glomerulonefrite geralmente é
Outro modo de se tentar diminuir a pressão intraglome- bastante fácil. A principal queixa do paciente é de edema
rular, e com isso a proteinúria, é o uso de dietas hipoprotéi- acompanhado ou não de hipertensão arterial e hematúria.
cas, uma vez que essa dieta promove a vasoconstrição da Sinais e sintomas de insuficiência cardíaca secundária a
arteríola aferente. A sua eficácia na redução da proteinúria hipervolemia (dispnéia, hepatomegalia, estase jugular) e
a longo prazo, em seres humanos, é ainda discutível. de uremia (perda de peso, fraqueza, anorexia, anemia,
O tratamento do edema deve ser feito preferencialmente náuseas, vômitos etc.) podem estar presentes.
com diuréticos de alça. Estes são substâncias catiônicas, de O diagnóstico de lesão glomerular se faz principalmen-
pequeno peso molecular, que após atingirem a corrente te através do exame de urina. Assim, proteinúria é uma
sanguínea se ligam à albumina. No rim eles são captados alteração praticamente obrigatória em todo paciente com
pelas células do túbulo proximal e secretados para a luz glomerulopatia. Cilindros hemáticos e hemácias dismór-
tubular, onde vão agir. Na síndrome nefrótica, devido à ficas, quando presentes, são altamente sugestivos de lesão
hipoalbuminemia, parte do diurético que atinge a corren- glomerular. A presença de leucócitos e cilindros leucoci-
te circulatória não se liga à albumina e se difunde para o tários é comum, principalmente nos pacientes que apresen-
interstício, diminuindo assim a sua concentração plasmá- tam reação exsudativa nos glomérulos.
tica. Além disso, na luz tubular ele se liga à albumina aí O diagnóstico diferencial entre as diferentes glomeru-
presente, inibindo a sua ação. lopatias será discutido no final do capítulo.
Por esses motivos, essas substâncias têm menor ação no
paciente com síndrome nefrótica. Assim, é preferível que
se administrem altas doses de diurético de uma só vez, do GLOMERULONEFRITE PÓS-
que pequenas doses várias vezes ao dia. O fracionamento ESTREPTOCÓCICA
das doses só deve ser feito quando a dose total a ser usada
nas 24 horas for muito alta. Outro meio para se tentar au- A glomerulonefrite pós-estreptocócica pode ocorrer es-
mentar a ação do diurético é administrá-lo associado a poradicamente na forma epidêmica, porém, é mais fre-
pequenas quantidades de albumina humana. Expansores qüente em casos isolados. Acomete mais pacientes do sexo
de volume tipo albumina, plasma humano ou dextran ra- masculino, com idade variando entre 2 e 6 anos, podendo
ramente induzem natriurese nestes pacientes, podendo no entanto incidir em qualquer faixa etária.
induzir hipervolemia; assim, o seu uso deve ser avaliado Usualmente o aparecimento do quadro clínico é prece-
cautelosamente. dido em 7 a 21 dias por escarlatina, ou infecção de vias
Outra alteração importante é a presença de hipertensão aéreas superiores ou por piodermite provocada por estrep-
arterial. Na maior parte, senão em todas as glomerulopa- tococos, principalmente alguns tipos do grupo A de
tias, demonstrou-se que o controle da hipertensão arterial Lancefield e mais raramente do grupo C.
exerce influência positiva na evolução da nefropatia, inde- A apresentação clínica é bastante variável, sendo des-
pendentemente do anti-hipertensivo utilizado. Assim, o critos desde quadros totalmente assintomáticos com dis-
controle pressórico rigoroso deve ser um dos objetivos do cretas alterações urinárias, até pacientes com insuficiência
tratamento. renal grave.
A hipertrigliceridemia e a hipercolesterolemia são fato- Em estudos epidemiológicos tem sido demonstrado que
res de risco para doença cardiovascular em indivíduos para cada caso sintomático existem pelo menos quatro ca-
normais. Pacientes com síndrome nefrótica apresentam sos assintomáticos. Comumente o paciente apresenta apa-
maior risco de infarto agudo do miocárdio ou óbito devi- recimento súbito de edema, hematúria macroscópica e hi-
do a evento coronariano, quando comparados a indivídu- pertensão arterial, e eventualmente dor lombar é referida.
os não-nefróticos, do mesmo sexo e idade. O uso de dro- O edema geralmente é pré-tibial e/ou palpebral e de peque-
gas antilipêmicas nestes casos pode ser benéfico, embora na intensidade. A hipertensão arterial geralmente é leve.
ainda discutível. Quando a hematúria é intensa, o paciente pode apresentar
Apesar do tratamento, uma certa percentagem dos pa- queixa de disúria. Raramente, dependendo do tempo em
cientes portadora de glomerulonefrite evolui para insufi- que o paciente procura atendimento médico e da gravida-
ciência renal crônica terminal. Nestes casos a principal te- de da glomerulonefrite, o paciente pode apresentar sinais
rapêutica preconizada é o transplante renal. de hipervolemia grave, tais como crise hipertensiva, convul-
Recorrência da glomerulopatia de base ou desenvolvi- sões e edema agudo de pulmão. A função renal, quando
mento de uma nova glomerulonefrite (glomerulonefrite de avaliada pela creatinina plasmática, geralmente se apresenta
novo) pode ocorrer em 1 a 2% dos pacientes transplanta- normal ou discretamente alterada. Pacientes com insufici-
dos. Raramente, em cerca de 1 a 5% dos casos, estas glo- ência renal grave freqüentemente apresentam formação de
merulopatias podem levar à perda do enxerto. crescentes e/ou necrose tubular aguda associada.
406 Glomerulonefrites Primárias

Laboratorialmente observa-se o aparecimento de marca-


dores de infecção pregressa por estreptococos, tais como an-
tiestreptolisina O, anti-hialuronidase, antiestreptoquinase etc.
Esses marcadores estão presentes em pacientes que tiveram
infecção estreptocócica, tenham eles glomerulonefrite ou não.
O exame de urina revela hematúria, com hemácias dismórfi-
cas, cilindros hemáticos, leucocitúria e cilindros leucocitári-
os. A proteinúria de 24 horas em 90% dos casos é menor que
3 g. O consumo de complemento pode ser evidenciado pela
diminuição de CH50 e C3 em praticamente 100% dos casos.
Essa redução é transitória e normalmente desaparece entre
quatro semanas e três meses após o início do quadro.
A maior parte dos pacientes apresenta remissão dos si-
nais e sintomas duas a três semanas após o início do qua-
dro, porém, hematúria microscópica mais freqüentemen-
te, e proteinúria discreta, mais raramente, podem levar
vários meses para desaparecer, sem que isso tenha algum Fig. 22.1 Glomerulonefrite pós-estreptocócica: Glomérulo volu-
moso, hipercelular, com infiltrado neutrofílico. (Microscopia óti-
significado prognóstico.
ca, aumento original 400⫻.)
Estudos de longo prazo têm demonstrado que a glome-
rulonefrite pós-estreptocócica raramente deixa seqüelas.
Porém, em pequena percentagem de pacientes, principal-
mente adultos, tem sido observada a presença de discre- pósitos granulares contínuos ao longo da membrana basal,
tos sinais de acometimento renal 10 a 15 anos após o surto acompanhado de poucos depósitos mesangiais. Este último
inicial. Insuficiência renal grave como seqüela tem sido aspecto parece estar relacionado com mau prognóstico.
descrita muito raramente.
Etiopatogenia
Anatomia Patológica O estudo da etiopatogenia da glomerulonefrite pós-es-
À microscopia ótica (MO), a lesão glomerular é difusa, treptocócica tem-se baseado nas seguintes observações: 1)
com todos os glomérulos atingidos igualmente. Estes são apenas algumas cepas dos estreptococos são nefritogênicas
grandes, hipercelulares e isquêmicos; a luz capilar apresen- e 2) nem todos os indivíduos infectados por estas cepas
ta-se estreitada e às vezes até completamente obstruída desenvolvem a doença, e portanto podemos deduzir que,
(Fig. 22.1). Existe aumento de celularidade, devido princi-
palmente à infiltração de polimorfonucleares, nos casos
onde a biópsia é realizada precocemente; porém, na mai-
or parte das vezes, a hipercelularidade é mesângio-endo-
telial, devido à proliferação das células residentes e infil-
tração de células mononucleares, provavelmente monóci-
tos circulantes. Além destes achados, nos casos onde exis-
te oligúria intensa ou anúria, ou ainda importante queda
da filtração glomerular, podem ser observados crescentes
celulares e/ou necrose tubular aguda associada. À micros-
copia eletrônica (ME), observa-se expansão e hipercelulari-
dade mesangiais. O achado mais característico é a presença
de depósitos subepiteliais de tamanho variável chamados
de corcovas (humps) (Fig. 22.2). Depósitos elétron-densos sub-
endoteliais e mesangiais são vistos freqüentemente.
Na microscopia de imunofluorescência (MIF) observam-se
depósitos de IgG e/ou C3 em praticamente todos os casos.
Depósitos de IgM e IgA são encontrados mais raramente. O
padrão dos depósitos é variável. Nas biópsias realizadas mais
precocemente, IgG e C3 localizam-se tanto ao longo das alças
capilares como no mesângio (Fig. 22.3); em casos onde a bióp- Fig. 22.2 Grande depósito subepitelial em forma de corcova
sia é realizada mais tardiamente, observa-se que os depósitos (hump) em paciente com glomerulonefrite pós-estreptocócica.
se localizam no mesângio. Outro aspecto descrito é o de de- (Microscopia eletrônica, aumento original 27.500⫻.)
capítulo 22 407

dieta hipossódica e de diuréticos de alça geralmente é su-


ficiente. Raramente se faz necessário o uso de anti-hiper-
tensivos, uma vez que normalmente a pressão arterial se
normaliza com o uso das medidas acima. Quando o com-
prometimento da função renal é intenso, ou o paciente
apresenta complicações de hipervolemia tais como edema
agudo de pulmão e convulsões, a diálise deve ser indica-
da, desde que os diuréticos não tenham sido eficazes. O tra-
tamento da estreptococcia deve ser feito quando ela ainda
estiver presente. Como a incidência de recidiva é pequena
e como um novo surto de glomerulonefrite não piora o prog-
nóstico, o uso de tratamento profilático não está indicado.

Fig. 22.3 Deposição de complemento (C3) em alça capilar e em


Pontos-chave:
mesângio, em padrão granular, em paciente com glomerulone- Glomerulonefrite pós-estreptocócica
frite pós-estreptocócica. (Microscopia de imunofluorescência,
aumento original 400⫻.) • Início abrupto
• Acomete geralmente crianças
• Secundária a cepas nefritogênicas do
para o aparecimento desta nefrite, são necessários tanto a estreptococo
presença de cepa nefritogênica como de resposta imune • Apresentação: Edema, hematúria e
específica do paciente. hipertensão arterial
O tempo de latência entre a infecção e a doença, a associ-
• Lesão glomerular homogeneamente difusa,
ação com a infecção estreptocócica, a presença de imuno-
complexos circulantes, de depósitos imunes no mesângio e
com exsudação leucocitária e
na região subepitelial sugerem que a glomerulonefrite pós- hipercelularidade, e presença de depósitos
estreptocócica seja decorrente da interação de anticorpos subepiteliais (humps) e mesangiais
antiestreptococos com antígenos deste germe. Apesar de • Tratamento sintomático, não sendo
intensa procura, o antígeno ou antígenos componentes do indicada terapêutica profilática
imunocomplexo ainda não foram identificados. posteriormente
Ainda não está estabelecido se a lesão renal é resultado
de deposição de imunocomplexo circulante ou da ligação
de antígenos estreptocócicos ao rim com subseqüente for-
mação de imunocomplexo in situ.
GLOMERULONEFRITE
Alguns estudos que têm procurado confirmar a teoria CRESCÊNTICA
auto-imune propõem a existência de reatividade cruzada
entre anticorpos contra antígenos da cápsula do estrepto- Sinonímia: Glomerulonefrite proliferativa extracapilar ou glome-
coco, os quais se ligariam aos antígenos normalmente pre- rulonefrite rapidamente progressiva.
sentes nas estruturas glomerulares.
Dependendo do mecanismo etiopatogênico, a glomeru-
Outra teoria recente sugere que uma IgG sofreria mo-
lonefrite crescêntica (GNCresc) pode ser dividida em três
dificações, tornando-se imunogênica e desenvolvendo uma
tipos. No tipo I a lesão glomerular é mediada por anticor-
afinidade pelo glomérulo normal, onde se depositaria, ser-
po antimembrana basal; no tipo II, por deposição de imu-
vindo como um antígeno plantado.
nocomplexo circulante; e no tipo III (“pauciimune”) a
Seja qual for o mecanismo envolvido na formação dos
agressão é conseqüente a uma reação de hipersensibilida-
depósitos glomerulares na glomerulonefrite pós-estrepto-
de celular.
cócica, a resposta inflamatória responsável pela instalação
A apresentação clínica é semelhante nos três tipos. Ge-
da lesão nefrítica é conseqüência da ativação do comple-
ralmente o paciente apresenta quadro de instalação agu-
mento, da liberação de fatores quimiotáticos e do recruta-
da, com edema e hematúria macro- ou microscópica. Hi-
mento de neutrófilos.
pertensão arterial quando presente é leve. Em alguns pa-
cientes a presença de síndrome nefrótica é a única mani-
Tratamento festação clínica. Sinais gerais como febre, dor muscular
discreta e dor articular não são incomuns. Oligúria acen-
O tratamento é basicamente sintomático, visando dimi- tuada ou anúria, e aumento rápido da creatinina, são si-
nuir a sobrecarga hidrossalina. Neste sentido, o uso de nais que sugerem o diagnóstico de GNCresc.
408 Glomerulonefrites Primárias

Hematúria com cilindros hemáticos e proteinúria inten-


sa são achados freqüentes. Apesar da possível ocorrência
de proteinúria maciça, hipoalbuminemia e hipercolestero-
lemia são raras, provavelmente devido à curta duração da
doença.
A creatinina plasmática geralmente se apresenta eleva-
da já na primeira consulta, podendo, no entanto, estar nor-
mal. A evolução da função renal depende do número e
tamanho dos crescentes observados (v. Anatomia patoló-
gica). Pacientes com crescentes circulares em 80 a 100% dos
glomérulos geralmente evoluem em poucas semanas ou
meses para insuficiência renal terminal. Pacientes com le-
sões menos intensas podem levar alguns anos para neces-
sitar de tratamento dialítico.
Embora as manifestações renais sejam semelhantes nos
três tipos, alguns dados podem ajudar no diagnóstico di-
ferencial. No tipo I os pacientes são jovens, no tipo II ou Fig. 22.4 Crescente celular, em forma de semilua, em paciente
portador de glomerulonefrite crescêntica. (Microscopia ótica,
III os pacientes são de meia idade ou mais velhos. Em re-
aumento original 400⫻.)
lação ao sexo, na GNCresc tipo III existe predomínio do
sexo masculino, enquanto nas outras duas não existe di-
ferença.
Na GNCresc tipo I alguns pacientes referem inalação de células infiltrantes (macrófagos, linfócitos T e fibroblastos)
vapor de hidrocarbonetos, ou infecção inespecífica de vias sobre as células epiteliais.
aéreas superiores antecedendo o aparecimento da nefro- Rupturas da membrana basal do glomérulo e da cápsula
patia, o que não acontece nos outros dois tipos. de Bowman e compressão do tufo capilar pelos crescentes são
A presença de anticorpo circulante antimembrana ba- outras alterações encontradas à microscopia ótica. A presen-
sal glomerular sugere tipo I, diminuição de C3 e CH50 e ça de fenômenos exsudativos faz suspeitar do diagnóstico de
imunocomplexos circulantes são mais freqüentes no tipo glomerulonefrite pós-estreptocócica. Em casos mais avança-
II, e anticorpos antiantígenos citoplasmáticos de neutrófilos dos, podem-se encontrar glomérulos obsolescentes.
(ANCA) ocorrem em aproximadamente 80% dos pacientes com Ao microscópio eletrônico, observam-se soluções de
GNCresc tipo III. continuidade da membrana basal tanto do glomérulo como
da cápsula de Bowman e deposição de fibrina no espaço
de Bowman. No tipo II observa-se presença de depósitos
Anatomia Patológica elétron-densos mesangiais e no espaço subendotelial. Nas
GNCresc tipos I e III os depósitos estão ausentes.
A GNCresc caracteriza-se pela presença de várias cama-
A diferenciação entre os três tipos de GNCresc se faz,
das de células, que preenchem o espaço de Bowman assu-
basicamente, através da microscopia de imunofluorescên-
mindo forma de meia-lua (crescentes celulares) (Fig. 22.4).
cia. O aspecto típico da GNCresc tipo I é a deposição line-
Nos casos onde a biópsia é realizada mais tardiamente, as
células são progressivamente substituídas por tecido co- ar de IgG (raramente IgA) e complemento ao longo da
lágeno, o que dá ao crescente aspecto fibrocelular e final- membrana basal glomerular. Na GNCresc tipo II observa-
mente fibroso. Experimentalmente tem sido demonstra- se deposição de IgG e/ou IgM comumente associada a C3,
do que a síntese de tecido colágeno tem início já nas pri- em padrão granular ao longo da membrana basal glome-
meiras 24 horas após a indução da nefropatia, o que expli- rular e no mesângio. A imunofluorescência do tipo III é
ca a presença, em uma mesma biópsia, de crescentes com negativa ou apresenta apenas traços de imunoglobulinas
graus variáveis de fibrose. e complemento. A presença de fibrina no espaço de
A presença de crescentes, embora característica, não é Bowman é comum aos três tipos.
patognomônica. Crescentes têm sido descritos em pratica-
mente todas as glomerulopatias. Dentre estas, além da Etiopatogenia
GNCresc, as glomerulonefrites pós-estreptocócica, mem-
branoproliferativa tipo II e por IgA são as que mais fre- A formação dos crescentes pode ser mediada por três
qüentemente podem apresentá-los. mecanismos diferentes: reação antígeno-anticorpo in situ
O crescente é resultado da proliferação das células epi- (anticorpo antimembrana basal glomerular, GNCresc tipo
teliais da cápsula de Bowman e da infiltração de células I), deposição de imunocomplexos circulantes (GNCresc
circulantes como macrófagos e linfócitos T. Quando existe tipo II) e alterações da imunidade celular (GNCresc tipo
ruptura da cápsula de Bowman, existe predomínio das III ou glomerulonefrite “pauciimune”).
capítulo 22 409

No tipo I foi demonstrada a presença de anticorpos con- rante três ou quatro dias consecutivos), seguido de pred-
tra antígenos da membrana basal glomerular. Estes anti- nisona oral, parece apresentar resultados efetivos, porém
corpos geralmente reagem também contra membrana ba- o número de trabalhos controlados é muito pequeno. O uso
sal alveolar. Como alguns casos apresentam associação de imunossupressão mais intensa não parece associar-se
com aspiração de vapores de hidrocarbonetos, tem sido com melhora de função renal, mas aumenta em muito a
proposto que a lesão pulmonar liberaria antígenos da morbidade.
membrana basal alveolar, que ao entrarem em contato com Na GNCresc tipo III tanto o pulso de metilprednisolo-
as células imunocompetentes dariam origem à produção na como a ciclofosfamida por via oral têm sido propostos.
de anticorpos que iriam se ligar à membrana basal glome- A tendência atual é de se usar ciclofosfamida, porém a via
rular provocando a glomerulonefrite. a ser utilizada ainda é discutível.
A membrana basal glomerular é recoberta por endoté-
lio fenestrado, enquanto o endotélio pulmonar não apre-
senta essas fenestrações. Isto facilita o contato dos anticor-
Glomerulonefrite Crescêntica e
pos circulantes com os antígenos presentes na membrana Transplante
basal glomerular, o que explica por que a lesão renal ocor-
re na ausência de lesão pulmonar. A existência de lesão A recorrência de glomerulonefrite antimembrana basal
pulmonar associada à lesão glomerular caracteriza a sín- glomerular (tipo I) em rins transplantados é de aproxima-
drome de Goodpasture. damente 2%, sendo na maioria dos casos apenas histoló-
No tipo II a presença de imunocomplexo no plasma e gica, e a perda do enxerto secundária a esta glomerulopa-
na membrana basal glomerular sugere que esta lesão seja tia é rara. Quanto às GNCresc tipos II e III, existem poucos
mediada pela deposição de imunocomplexos circulantes, dados na literatura, porém a recorrência parece ser rara.
embora o(s) antígeno(s) não tenha(m) sido identificado(s). Pacientes portadores de síndrome de Alport, quando
A ocorrência de anticorpos anticitoplasma de leucóci- transplantados, podem raramente desenvolver GNCresc
tos (ANCA) e a imunofluorescência glomerular negativa, tipo I no enxerto. Estes indivíduos apresentam deficiência
levou alguns autores a proporem que a GNCresc tipo III da cadeia ␣3 do colágeno tipo IV, o antígeno contra o qual
poderia ser na verdade uma arterite sistêmica (principal- os anticorpos antimembrana basal glomerular responsá-
mente a granulomatose de Wegener), que por algum mo- veis pelo desencadeamento da GNCresc tipo I são dirigi-
tivo desconhecido ficaria restrita ao rim. dos. Quando estes pacientes entram em contato com esta
Apesar de os mecanismos de lesão da membrana basal substância, presente no enxerto, reconhecem-na como não-
glomerular serem diferentes nos três tipos, a patogênese própria e produzem anticorpos, desenvolvendo assim a
dos crescentes não difere entre eles. glomerulonefrite crescêntica tipo I de novo.
Inicialmente ocorre ruptura da membrana basal glo-
merular, o que permite a passagem de fibrinogênio para Pontos-chave:
o espaço de Bowman. O fibrinogênio aí localizado se
polimeriza e dá origem à fibrina, e esta vai estimular a pro- • Instalação aguda
liferação das células epiteliais da cápsula de Bowman e a • Idade: Tipo I, jovens; II e III, meia idade
infiltração de células sanguíneas (linfócito T, macrófagos • Sexo: Tipo III, predominância no sexo
e fibroblastos). Além disso, a fibrina serve como arcabouço para masculino
a formação do crescente. Posteriormente os fibroblastos presen- • Clínica: Edema, hematúria e sinais gerais
tes nos crescentes passam a sintetizar colágeno, o que vai inespecíficos
transformar o crescente celular em crescente fibroso. • Dados laboratoriais: Aumento rápido da
creatinina plasmática, hematúria e
Tratamento proteinúria
• MO: Presença de crescentes celulares no
O tratamento das glomerulonefrites crescênticas difere
espaço de Bowman
de grupo para grupo, porém nos três grupos o tempo que
se demora em instituir o tratamento é fator primordial na
• MIF: Padrão linear (tipo I); padrão granular
resposta terapêutica, o que torna o diagnóstico da GNCresc (tipo II) ou ausência de depósitos
um procedimento de urgência. fluorescentes (tipo III)
Nos pacientes com GNCresc tipo I o uso de plasmafé- • Tratamento: Tipo I, plasmaférese,
rese associado a drogas citotóxicas (ciclofosfamida ou aza- corticóide e drogas citotóxicas; Tipo II,
tioprina) e corticóide tem dado bons resultados, desde que pulso de metilprednisolona seguido de
instituído precocemente. No tipo II vários esquemas tera- prednisona oral; Tipo III, pulso de
pêuticos têm sido propostos, sendo que o uso de três a ciclofosfamida
quatro pulsos de metilprednisolona (1 g intravenosa, du-
410 Glomerulonefrites Primárias

tes celulares podem ser observados. Alguns pacientes apre-


NEFROPATIA POR IgA sentam glomérulos normais. A análise ao microscópio ele-
trônico revela a existência de depósitos elétron-densos
Sinonímia: Nefropatia de Berger principalmente no mesângio e região paramesangial. De-
pósitos subendoteliais também podem ser encontrados.
A nefropatia de Berger apresenta incidência variável Nos casos onde a biópsia foi realizada após surto de hema-
através do mundo, sendo a nefropatia mais comum na Ásia túria macroscópica, é possível encontrar depósitos subepi-
e Europa. Nos Estados Unidos ela apresenta menor pre- teliais com aspecto semelhante a corcovas (humps), iguais aos
valência. Se essa diferença reflete apenas diferenças quan- observados na glomerulonefrite pós-estreptocócica.
to à indicação de biópsia ou é real, não está ainda estabele- Por definição, encontra-se na microscopia de fluorescên-
cido. Ela ocorre em qualquer faixa etária, sendo incomum cia deposição mesangial de IgA, de padrão granular, que é
em pacientes com idade inferior a 10 anos e superior a 50 sempre a imunoglobulina predominante (Fig. 22.5). Esta pode
anos; a idade média gira em torno dos 20 a 30 anos. Existe estar isolada ou, mais freqüentemente, associada com depó-
predomínio do sexo masculino de aproximadamente 3:1. sitos de IgG e C3. IgM, C1q e C4 raramente são encontradas.
É incomum na raça negra.
A apresentação clínica mais comum é a de surtos de he-
matúria macroscópica, ou microscópica associada a infec- Etiopatogenia
ções inespecíficas de vias aéreas superiores ou ao exercício
físico. Freqüentemente o paciente apresenta quadro de mal- Pacientes portadores de nefropatia por IgA apresentam
estar generalizado, com dores musculares discretas, acom- aumento dos níveis séricos desta imunoglobulina, que
panhado de disúria. Mais raramente, pode apresentar sín- poderia ser conseqüente quer do aumento de sua síntese
drome nefrótica. Hipertensão arterial ocorre em torno de por linfócitos presentes nas mucosas ou circulantes, quer
10% dos casos. A função renal, quando avaliada pela creati- pela diminuição de sua depuração hepática e/ou esplêni-
nina plasmática, apresenta-se normal. Laboratorialmente ca. Outra alteração freqüentemente descrita é a presença
observam-se hematúria, caracterizada por hemácias dismór- de imunocomplexos circulantes.
ficas e/ou cilindros hemáticos, e proteinúria em torno de 1 A hipótese mais aceita atualmente é a de que esta ne-
a 2 g nas 24 horas. Elevação da IgA plasmática ocorre em fropatia é decorrente da deposição renal dos imunocom-
50% dos casos. Biópsia de pele do antebraço revela que 25 a plexos circulantes. A demonstração de que animais imu-
50% dos pacientes apresentam deposição de IgA, C3 e fibri- nizados por via oral, com diferentes antígenos, desenvol-
na nos capilares da derme. vem deposição mesangial de IgA, e a presença de antíge-
No seguimento observam-se surtos de hematúria ma- nos dietéticos nos imunocomplexos circulantes, levanta a
croscópica e nos períodos entre surtos é comum o pacien- possibilidade de que os antígenos poderiam ser originári-
te apresentar proteinúria discreta e hematúria microscópi- os da dieta. Outras possíveis fontes de antígenos sugeri-
ca. Insuficiência renal aguda transitória, associada a hema- das têm sido as infecções virais, como por exemplo a in-
túria macroscópica, tem sido descrita raramente. fecção por citomegalovírus.
O comprometimento da função renal nestes pacientes é Outro mecanismo aventado é que esta nefropatia depen-
muito variável. Na maior parte a função renal se mantém da da deposição mesangial de agregados de IgA, sem in-
normal. Outros podem apresentar queda lenta e progres-
siva da filtração glomerular. Após 20 anos de seguimento
observa-se que entre 20 e 30% dos casos desenvolvem in-
suficiência renal crônica. Pacientes com surtos de hematú-
ria macroscópica costumam apresentar função renal está-
vel, enquanto aqueles com síndrome nefrótica persisten-
te, ou glomérulos esclerosados vistos à biópsia renal, evo-
luem mais freqüentemente para insuficiência renal.

Anatomia Patológica
O aspecto à microscopia ótica é bastante variável. O mais
comumente descrito é o de proliferação de células mesan-
giais com expansão da matriz. Estas alterações tanto po-
dem ser difusas como focais. Algumas vezes observa-se
acentuação focal e segmentar da proliferação celular. Em Fig. 22.5 Deposição de mesangial de IgA, em padrão granular,
casos mais avançados, pode-se observar a presença de es- em paciente portador de nefropatia por IgA. (Microscopia de
clerose glomerular focal e segmentar. Raramente crescen- imunofluorescência, aumento original 400⫻.)
capítulo 22 411

teração com antígenos. Esta hipótese é reforçada pela de- manifesta-se com hematúria macro- ou microscópica, sen-
monstração de que agregados de IgA são capazes de fixar do que a presença de síndrome nefrótica é rara. O diagnós-
complemento, o que explicaria a presença de C3 no tecido tico é feito geralmente no primeiro ano pós-transplante, e
renal. No entanto, não explicaria a deposição de outras perda do enxerto devido à recorrência ocorre em menos
imunoglobulinas que são normalmente encontradas. de 10% dos casos.
Frente à sua semelhança histológica com a nefropatia ob-
servada na púrpura de Henoch-Schönlein, vários autores têm
proposto que ambas seriam a mesma doença. Na visão des- GLOMERULONEFRITE
tes, a púrpura de Henoch-Schönlein poderia manifestar-se
clinicamente de diferentes modos, sendo um deles apenas MEMBRANOPROLIFERATIVA
com lesão renal, o que corresponderia à nefropatia por IgA. (GNMP)
Sinonímia: Glomerulonefrite hipocomplementêmica, glomerulo-
Tratamento nefrite lobular, glomerulonefrite mesangial crônica, glomerulo-
Na maior parte das vezes o tratamento é apenas sintomá- nefrite parietoproliferativa, glomerulonefrite mesangiocapilar.
tico. Vários esquemas com drogas citotóxicas ou corticoste- Termos mais utilizados: GNMP ou glomerulonefrite mesângio-
róides têm sido utilizados sem resultados positivos. O uso capilar.
de fenitoína foi capaz de diminuir o nível sérico da IgA,
A glomerulonefrite membranoproliferativa é predomi-
porém não alterou a história natural da nefropatia. Em pa-
nantemente doença de indivíduos jovens, podendo ocorrer,
cientes que apresentam proteinúria maciça, com o rim nor-
no entanto, em qualquer faixa etária, sendo que em torno
mal à microscopia ótica, o uso de corticosteróides tem-se
de 70% dos pacientes apresentam idade inferior a 30 anos
associado com remissão da síndrome nefrótica.
com discreta predominância do sexo feminino (52 a 58%).
O uso de dietas com pequena quantidade de antígenos
A presença de infecções de vias aéreas superiores ante-
é outro enfoque terapêutico que vem sendo tentado. Em
cedendo o aparecimento da GNMP, segundo relatos, va-
pacientes com rápido declínio de função renal, o uso de
ria em torno de 40%.
altas doses de IgG humana tem sido proposto.
Síndrome nefrótica na primeira consulta ocorre entre 40
Mais recentemente tem-se preconizada a utilização de
e 70% dos pacientes; em torno de 20% apresentam síndro-
óleo de peixe, rico em ácidos graxos ômega-3 eicosapenta-
me nefrítica aguda; hematúria e proteinúria assintomáti-
enóico e decosaexaenóico, no tratamento desta nefropatia
ca é outro modo de essa nefropatia apresentar-se, com fre-
associada a déficit de função renal e/ou síndrome nefróti-
qüência variando entre 15 e 30% dos casos. Entre 5 e 10%
ca, com resultados promissores mas ainda não conclusivos.
dos pacientes procuram atendimento médico devido a he-
matúria macroscópica recorrente. A síndrome nefrítica
Nefropatia por IgA e Transplante aguda ocorre com maior freqüência em indivíduos mais
jovens.
A recorrência da nefropatia por IgA em rins transplan- A freqüência de hipertensão arterial, conforme alguns
tados varia nas diversas séries entre 25 e 50% dos casos. A estudos, varia entre 40 e 75%, porém os diferentes autores
apresentação clínica da recidiva, na maioria das vezes, têm definido hipertensão arterial como pressão arterial
diastólica superior a 95 ou 100 mm Hg. Como a hiperten-
Pontos-chave: são arterial presente nesta nefropatia geralmente é leve, a
sua freqüência provavelmente está subestimada. Quando
Nefropatia por IgA se define hipertensão arterial como pressão arterial dias-
• Maior prevalência na Ásia e Europa tólica maior que 90 mm Hg como o preconizado, observa-
• Acomete pacientes jovens, geralmente do se que 95% dos pacientes são hipertensos.
Diminuição da filtração glomerular na primeira consulta
sexo masculino
ocorre entre 40 e 60% dos casos, sendo que entre 10 e 25%
• Secundária à deposição renal de apresentam depuração da creatinina endógena inferior a
imunocomplexos circulantes 40 ml/min ou creatinina sérica superior a 5 mg/dl. Paci-
• Apresentação: Surtos de hematúria macro- entes com insuficiência renal grave na primeira consulta
ou microscópica associados a infecções virais devem ser estudados no sentido de excluir outras causas,
do trato respiratório ou a exercício físico que não a lesão glomerular, como responsável pela queda
• MO: Variável, com deposição predominante da filtração glomerular, como por exemplo necrose tubu-
de IgA em mesângio à imunoflorescência lar aguda associada.
• Tratamento: Óleo de peixe (?), corticóide (?) Insuficiência renal na primeira consulta ocorre mais fre-
qüentemente em pacientes com idade superior a 15 anos,
412 Glomerulonefrites Primárias

associa-se a hipertensão arterial e não tem relação com a


presença de síndrome nefrótica ou com o tipo da GNMP.
Correlaciona-se com as alterações do interstício e não com
as glomerulares.
Uma das características mais importantes dessa lesão é
a hipocomplementemia, principalmente devido à queda de
C3. A freqüência com que ocorre esta hipocomplemente-
mia é variável de acordo com o tipo histológico. Quando
se analisa a GNMP como um todo se observa queda do C3
sérico em torno de 40 a 60% dos casos. Na GNMP tipo II,
hipocomplementemia ocorre em torno de 70 a 90% dos
pacientes. Este achado é importante para o diagnóstico,
porque as outras patologias que cursam com síndrome
nefrótica geralmente apresentam nível sérico de C3 normal.
A história natural dessa doença é variável, porém a mai-
or parte dos pacientes apresenta queda progressiva da fun-
ção renal. Remissão completa da síndrome nefrótica ocor- Fig. 22.6 Acentuação da lobulação glomerular, aumento de celu-
laridade e espessamento de membrana basal glomerular em pa-
re, segundo relatos, entre 2 e 10% dos casos, e remissão par-
ciente com glomerulonefrite membranoproliferativa. (Microsco-
cial e transitória, em torno de um terço dos pacientes. pia ótica, aumento original 400⫻.)
A sobrevida renal cinco anos após o diagnóstico tem
variado entre 51 e 75% e em 10 anos, entre 36 e 65%. Em
crianças, McEnery observou sobrevida renal de 80% após Quando os glomérulos são corados por sais de prata,
10 anos de seguimento. Este melhor prognóstico para cri- observa-se que a membrana basal glomerular apresenta-
anças, no entanto, não tem sido observado por outros au- se como duas linhas pretas, separadas por zona clara, o que
tores. dá aspecto de duplicação (Fig. 22.7), que é geralmente fo-
As principais alterações que, quando presentes na pri- cal e, freqüentemente, envolve apenas segmentos das al-
meira consulta, indicam mau prognóstico são: insuficiên- ças capilares. Esta duplicação é decorrente da presença de
cia renal, hipertensão arterial, síndrome nefrótica, presen- depósitos imunes subendoteliais, que afastam o endotélio
ça de crescentes e de lesão túbulo-intersticial. Recentemen- da membrana basal capilar; o endotélio neoforma uma
te, foi relatado que pacientes com síndrome nefrótica apre- outra membrana basal, assim como o mesângio se inter-
sentam pior prognóstico apenas nos primeiros anos de põe neste espaço para fagocitar os depósitos.
seguimento, porém, após um seguimento médio de 12 Crescentes pequenos podem ser vistos com certa fre-
anos, o prognóstico é semelhante, quer o indivíduo apre- qüência; crescentes circunferenciais podem estar presen-
sente ou não síndrome nefrótica. tes em torno de 10 a 20% dos casos.
A atividade da doença, assim como a evolução do paci-
ente para insuficiência renal, não é influenciada pela pre-
sença de hipocomplementemia ou pelo tipo da GNMP.

Anatomia Patológica
De acordo com o achado anatomopatológico, a GNMP
pode ser classificada em GNMP tipos I, II ou III; o tipo III
tem sido considerado, por alguns autores, como variante
do tipo I.
À microscopia ótica, a GNMP tipo I caracteriza-se pela
presença de hipercelularidade glomerular, expansão da
matriz mesangial e duplicação da membrana basal glome-
rular. A hipercelularidade é devida principalmente à pro-
liferação mesângio-endotelial, porém, em alguns casos,
pode ser encontrada também infiltração glomerular de
polimorfonucleares. Quando a proliferação celular e a ex-
pansão da matriz mesangial são muito intensas, ocorre
Fig. 22.7 Focos de duplicação da membrana basal glomerular em
acentuação do caráter lobular dos glomérulos, que assu- paciente portador de glomerulonefrite membranoproliferativa
mem o aspecto da assim chamada glomerulonefrite lobu- tipo I. (Microscopia ótica, impregnação pela prata, aumento ori-
lar (Fig. 22.6). ginal 400⫻.)
capítulo 22 413

Ao microscópio eletrônico, observa-se que a imagem de


duplicação da membrana basal glomerular é decorrente da
existência de membrana basal glomerular normal e de uma
nova membrana basal formada imediatamente abaixo das
células endoteliais. Entre essas duas membranas existem
prolongamentos da célula mesangial, citoplasma da célu-
la endotelial e depósitos elétron-densos. Estes geralmente
são pequenos ou intermediários e se localizam no espaço
subendotelial; pequenos depósitos mesangiais podem tam-
bém ser vistos, principalmente na fase inicial da doença
(Fig. 22.8). Outras alterações observadas são a presença de
expansão da matriz mesangial e aumento da celularidade,
principalmente à custa de células mesangiais. Além des-
sas alterações, alguns pacientes apresentam depósitos
subepiteliais e espículas da membrana basal. Estas altera- Fig. 22.9 Deposição granular de IgG ao longo da membrana ba-
ções são vistas na GNMP tipo III. Em alguns pacientes com sal glomerular e na região mesangial em paciente portador de
glomerulonefrite membranoproliferativa. (Microscopia de imu-
GNMP tipo I observam-se também ruptura e replicação da
nofluorescência, aumento original 400⫻.)
lâmina densa e presença de grandes depósitos ocupando
toda a membrana basal. À imunofluorescência observa-se
deposição de imunoglobulinas, principalmente IgG e IgM.
Deposição de C3 se encontra praticamente em 100% dos na basal glomerular (Fig. 22.10). Algumas vezes, a maior
casos, C1q e C4 são encontrados menos freqüentemente. parte da lâmina densa pode estar envolvida, outras vezes
Estes depósitos localizam-se na membrana basal glomeru- existe alternância de segmentos normais com segmentos
lar e no mesângio (Fig. 22.9). alterados. Devido a tais depósitos na membrana basal
As lesões observadas ao microscópio ótico, na GNMP glomerular, este tipo de GNMP é também denominado de
Doença dos Depósitos Densos (DDD). Depósitos idênticos
tipo II, são muito semelhantes às observadas no tipo I,
têm sido vistos tanto na cápsula de Bowman como na mem-
porém a duplicação da membrana basal glomerular é mais
brana basal tubular. Além dos depósitos, expansão da ma-
rara, e crescentes circunferenciais podem ser observados
triz mesangial e hipercelularidade também estão presentes.
mais freqüentemente. O aspecto da microscopia eletrôni-
Deposição de complemento ocorre em praticamente
ca característica desta lesão é a deposição linear, na lâmi-
100% dos casos e de imunoglobulinas ocorre menos fre-
na densa, de uma substância com elétron-densidade vári-
qüentemente, tanto na membrana basal glomerular como
as vezes maior que os componentes normais da membra-

Fig. 22.8 Interposição de célula mesangial (M), duplicação de Fig. 22.10 Deposição linear de material elétron-denso ao longo da
membrana basal e depósitos subendoteliais (seta) em paciente membrana basal glomerular em paciente portador de glomeru-
portador de glomerulonefrite membranoproliferativa tipo I. (Mi- lonefrite membranoproliferativa tipo II. (Microscopia eletrônica,
croscopia eletrônica, aumento original 8.000⫻.) aumento original 10.000⫻.)
414 Glomerulonefrites Primárias

no mesângio. Na membrana basal, os depósitos têm aspec- que não existe relação entre a hipocomplementemia e a
to variável, como granular, linear, pseudolinear, rugoso e atividade ou prognóstico da nefropatia, que a nefrectomia
nodular. No mesângio, ocorre deposição sob a forma de bilateral não altera os níveis séricos dos componentes do
grânulos esparsos que podem ou não ser confluentes. Den- sistema complemento e que alguns pacientes apresentam
tre os vários componentes do sistema complemento, depó- fator nefrítico-C3 e hipocomplementemia sem apresentar
sitos de C3 ocorrem em praticamente 100% dos casos, o nefropatia sugerem não existir relação direta entre as alte-
mesmo acontecendo com a properdina; os componentes rações do sistema complemento e a GNMP. Além disso,
iniciais do sistema complemento (C1q e C4) raramente tem sido demonstrado experimentalmente que a ativação
estão presentes. crônica do sistema complemento não promove nefropatia.
O sistema complemento participa da defesa do organis-
mo contra infecções e também é importante na solubiliza-
Etiopatogenia ção e clareamento de imunocomplexos circulantes. Assim
A patogenia da GNMP ainda é obscura, principalmen- sendo, outra possibilidade é que pacientes hipocomple-
te a da GNMP tipo II. mentêmicos apresentem maior freqüência de infecções ou
A presença de depósitos de imunoglobulinas e comple- maior dificuldade de clareamento de imunocomplexos, ou
mento no espaço subendotelial e no mesângio, as alterações ambos, o que facilitaria a deposição de imunocomplexos
do sistema complemento e o relato de que pacientes porta- nos glomérulos, dando origem à GNMP. A descrição de
dores de infecções crônicas, neoplasias e colagenoses apresen- que pacientes ou carneiros deficientes em componentes do
tam lesão histológica semelhante são observações que suge- sistema complemento apresentam maior freqüência de
rem que a GNMP tipo I poderia ser mediada pelo sistema GNMP reforça esta hipótese.
imune, provavelmente pela deposição renal de imunocom-
plexos circulantes. Esta hipótese é reforçada pela demonstra-
ção de que coelhos tratados com inoculações repetidas de Tratamento
ovoalbumina podem desenvolver este tipo de nefrite. Vários têm sido os esquemas propostos para o tratamen-
No entanto, na GNMP tipo II a participação do sistema
to da GNMP, porém a maior parte dos estudos têm sido
imune na sua gênese é bastante controvertida. Os depósi-
retrospectivos, sem grupo controle, o que torna difícil a
tos observados neste tipo têm aspecto peculiar, não sendo
análise dos resultados. Estudos não controlados analisan-
observado em outras glomerulopatias humanas aceitas
do a ação dos corticosteróides têm apresentado resultados
como mediadas pelo sistema imune. Experimentalmente
contraditórios. Em estudo controlado em que se avaliou a
não se conseguiu até hoje reproduzir este tipo de depósi-
ação da corticoterapia sobre a história natural da GNMP
tos com várias manipulações do sistema imune.
tipo I, não se observaram diferenças entre o grupo que re-
Diferentes estudos têm demonstrado que os depósitos
cebeu placebo e o grupo tratado.
elétron-densos não são componentes normais da membra-
Inicialmente, foi proposto que o uso da associação he-
na basal glomerular nem imunoglobulinas, não são com-
parina, corticosteróides, ciclofosfamida e dipiridamol di-
plemento e não apresentam tecido colágeno na sua estru-
minuía a progressão para insuficiência renal; porém, pos-
tura. Alguns autores têm proposto que esses depósitos
teriormente foi demonstrado em estudo controlado que
seriam conseqüência de alterações bioquímicas da mem-
brana basal. Se os depósitos não são típicos de imunocom- esse esquema terapêutico, além de não alterar a evolução
plexos, e portanto argumentam contra a participação do natural, ainda apresentou grande número de efeitos cola-
sistema imune na gênese da GNMP tipo II, a deposição de terais, obrigando a suspensão do tratamento.
imunoglobulinas e complemento no parênquima renal e Estudo prospectivo controlado demonstrou que o uso
as alterações do complemento sugerem a participação deste de dipiridamol associado ao uso de aspirina, em pacien-
sistema. Uma possibilidade é que os depósitos densos se- tes adultos com síndrome nefrótica e déficit da função re-
riam imunocomplexos modificados por alguma resposta nal, levaram à redução dos níveis de proteinúria, porém,
do hospedeiro. o trabalho teve duração muito curta, impedindo a avalia-
Uma das características da GNMP é a presença de hipo- ção da terapêutica frente à função renal.
complementemia, que pode ser contínua ou alternar com
períodos de normocomplementemia. Nos pacientes com
GNMP tipo II, a hipocomplementemia é mais freqüente e é
Glomerulonefrite
conseqüência principalmente da ativação da via alternati- Membranoproliferativa
va. Pacientes portadores de GNMP tipo II apresentam auto- e Transplante Renal
anticorpos circulantes (fator nefrítico-C3) que são capazes
de ativar a via alternativa do sistema complemento. A prevalência de recidiva na GNMP varia de 20 a 30%
A importância destas alterações na gênese e evolução no tipo I e de 70% a 100% dos casos no tipo II, dependen-
da nefropatia não está ainda definida. As observações de do da política de biópsia de cada serviço.
capítulo 22 415

O diagnóstico de recorrência é feito em média 10 a 30 elevação discreta da creatinina, em torno de 25 a 30% dos
meses após o transplante na GNMP tipo I, e na GNMP tipo casos.
II é imediato, do ponto de vista histológico, ocorrendo sín- Na evolução desta nefropatia tem sido descrito raramen-
drome nefrótica em 1/3 dos casos. te o aparecimento de surtos de insuficiência renal aguda, que
A concentração do nível sérico de complemento não usualmente revertem apenas com uso de diurético. O meca-
parece predizer a recorrência; já a rápida evolução para nismo dessa insuficiência não é claro, porém tem sido pro-
insuficiência renal e a presença de extensos crescentes nos posto que ela seria conseqüência da obstrução intratubular
rins primitivos têm-se associado à maior freqüência de re- por cilindros protéicos ou devido à presença de edema intra-
corrência. renal. Remissão espontânea da síndrome nefrótica tem sido
descrita, porém usualmente a remissão é obtida com uso de
corticosteróides ou drogas citotóxicas (v. Tratamento).
Pontos-chave:
Em torno de 30% dos pacientes apresentam recidiva da
Glomerulonefrite membranoproliferativa síndrome nefrótica, que pode ser desencadeada por infec-
• Acomete pacientes jovens ção viral, principalmente parotidite epidêmica.
• GNMP tipos I e III secundária à deposição
renal de imunocomplexos circulantes; tipo Anatomia Patológica
II (?)
À microscopia ótica, observa-se que os glomérulos são
• Apresentação: Proteinúria e hipertensão
praticamente normais, podendo, no entanto, apresentar
arterial discreta hipercelularidade mesangial e hipertrofia dos
• Dados laboratoriais: Queda de C3, podócitos. Presença de gotículas de lipídios nas células dos
hematúria microscópica e queda da filtração túbulos proximais é um achado freqüente. À microscopia
• MO: Hipercelularidade, expansão da matriz eletrônica observa-se apenas retração dos prolongamentos
mesangial e duplicação da MBG dos podócitos, não se detectando depósitos elétron-densos.
À microscopia de fluorescência, não se encontram depósi-
tos de imunoglobulinas e/ou complemento.
A perda do enxerto devido à recidiva varia de 10 a 40%
As alterações descritas acima são encontradas em qual-
na GNMP tipo I e de 10 a 20% na tipo II, ocorrendo princi-
quer situação onde exista proteinúria intensa, não sendo
palmente nos pacientes com síndrome nefrótica.
em absoluto critério diagnóstico para essa patologia. O
diagnóstico anatomopatológico é feito pela ausência de
outras lesões glomerulares, sendo, portanto, um diagnós-
GLOMERULONEFRITE POR tico de exclusão.
LESÕES MÍNIMAS
Etiopatogenia
Sinonímia: Nefrose lipoídica ou doença dos processos podálicos.
O desaparecimento da proteinúria associada ao uso de
A glomerulonefrite por lesões mínimas é a causa mais corticosteróide, a associação de recidiva com infecções vi-
comum de síndrome nefrótica em crianças (80 a 95%) e, rais e as alterações dos linfócitos circulantes encontradas em
em adultos, responde por aproximadamente 25% das ne- pacientes portadores de glomerulonefrite por lesões míni-
fropatias primárias que cursam com síndrome nefrótica.
mas sugerem que esta nefropatia seja decorrente de alterações
Ocorre principalmente na faixa etária entre 1 e 6 anos,
do sistema imune, principalmente da imunidade celular.
tendo porém sido descrita em todas as idades. Em torno
Como a proteinúria nessa lesão é decorrente somente da per-
de 70% das crianças acometidas são do sexo masculino.
da de carga elétrica da membrana basal, tem sido proposto
A apresentação clínica clássica é a de síndrome nefrótica
que estes pacientes, frente a um estímulo ainda não determi-
sem hipertensão arterial ou hematúria, com função renal
nado, poderiam produzir linfocinas com cargas positivas, que
conservada, podendo ser precedida por infecção inespe-
se ligariam às cargas negativas da membrana basal glomeru-
cífica de vias aéreas ou por infecção viral. Hipertensão
lar, neutralizando-as e dando origem a proteinúria.
arterial diastólica pode estar presente em torno de 10%
Essa hipótese, apesar de atraente, não foi ainda confir-
das crianças e 30% dos adultos; a freqüência de hematú-
mada.
ria microscópica oscila em torno de 30%. A existência de
hematúria macroscópica praticamente exclui o diagnós-
tico de lesões mínimas. Geralmente a proteinúria é maci- Tratamento
ça e à custa de albumina (proteinúria seletiva), acompa-
nhada por reduzido nível sérico de albumina e hiperlipi- A resposta terapêutica ao corticosteróide é característica
demia. Na primeira consulta, tem sido relatado que ocorre da glomerulonefrite por lesões mínimas, ocorrendo remis-
416 Glomerulonefrites Primárias

são completa da síndrome nefrótica em aproximadamente ciência renal na primeira consulta ocorre raramente. Hiper-
80% dos pacientes e parcial em torno de 10%. Recidiva da tensão arterial é mais freqüente em pacientes adultos, prin-
glomerulopatia ocorre freqüentemente (40 a 50% das vezes). cipalmente naqueles com queda de filtração glomerular.
O esquema terapêutico clássico é o de prednisona na Hematúria microscópica ocorre em torno de 30 a 40% dos
dose de 1 a 2 mg/kg/dia durante oito semanas com reti- pacientes. Glicosúria, aminoacidúria, refletindo lesão tu-
rada progressiva. Quando durante a redução da medica- bular, podem ser vistas mais freqüentemente do que em
ção se observa recorrência da síndrome nefrótica, deve-se outros quadros de síndrome nefrótica.
aumentar a posologia para a dose mínima com a qual o A maioria dos pacientes apresenta queda progressiva de
paciente se mantém livre de proteinúria, com posterior filtração glomerular e persistência da síndrome nefrótica.
diminuição da droga. Recorrências esporádicas devem ser Remissão espontânea da síndrome nefrótica ocorre entre
tratadas do mesmo modo. 10 e 20%. Pacientes que na primeira consulta apresentam
proteinúria discreta, via de regra, evoluem para a síndro-
me nefrótica. A mortalidade renal em cinco anos oscila em
Pontos-chave: torno de 30% e em dez anos, em torno de 60%. Quando a
Glomerulonefrite de lesões mínimas síndrome nefrótica remite ou nunca esteve presente, ob-
serva-se melhor sobrevida renal (90% em 10 anos) do que
• Acomete principalmente crianças pré- quando a síndrome nefrótica é persistente (45% em 10
escolares do sexo masculino anos). Em pacientes com proteinúria muito intensa (⬎ 10 g)
• Apresentação: Síndrome nefrótica tem sido descrito um curso rapidamente progressivo com
• Dados laboratoriais: Albuminúria, evolução para insuficiência renal em meses ou 1 a 2 anos.
hipoalbuminemia e hiperlipidemia
• MO: Normal; MIF: Negativa; ME: Retração Anatomia Patológica
dos prolongamentos dos podócitos
• Tratamento: 1.ª escolha — corticoterapia A maior parte dos glomérulos apresenta-se histologica-
mente normal ou com discreta hipercelularidade mesangial.
A doença é focal e segmentar porque somente alguns glomé-
Quando o paciente não responde ao uso de corticoste- rulos estão alterados (focal), com lesões apenas localizadas
róides ou quando as recidivas são muito freqüentes, a as- (segmentar). Assim, em alguns glomérulos, observa-se de
sociação de ciclofosfamida na dose de 2 a 3 mg/kg/dia aos maneira segmentar aumento da matriz mesangial, com co-
corticosteróides costuma induzir remissões nos pacientes lapso de alça capilar (Fig. 22.11). Estas lesões segmentares são
resistentes ou diminuir a freqüência de recidiva. Ciclospo- mais comumente observadas junto ao pólo vascular dos glo-
rina na dose inicial de 4 a 5 mg/kg/dia pode ser tentada mérulos. Em casos mais avançados pode-se observar presença
quando houver falhas nas terapêuticas anteriores. de glomérulos totalmente hialinizados. Acredita-se que os

GLOMERULOSCLEROSE FOCAL
E SEGMENTAR
A glomerulosclerose focal e segmentar é responsável por
aproximadamente 10 a 15% das síndromes nefróticas que
ocorrem em crianças e em torno de 15 a 20% dos pacientes
adultos. Quando se analisa apenas a população pediátri-
ca, observa-se que a grande maioria dos casos ocorre em
pacientes com idade inferior a cinco anos, enquanto na
população adulta a maior parte dos pacientes apresenta
síndrome nefrótica antes dos 40 anos de idade. Casos de
pacientes com idade mais avançada (60-70 anos) também
têm sido descritos. A maior parte dos trabalhos descreve
discreta predominância do sexo masculino e da cor negra.
A apresentação clínica mais comum é a de síndrome ne-
frótica, porém, em torno de 30% dos pacientes se apresen-
Fig. 22.11 Colapso segmentar de alças capilares com expansão de
tam com hematúria e proteinúria assintomática. Hematú- matriz e sinéquia com a cápsula de Bowman em paciente porta-
ria macroscópica pode ocorrer principalmente nos casos dor de glomerulosclerose focal e segmentar. (Microscopia ótica;
onde existe proliferação mesangial mais intensa. A insufi- tricômico de Masson; aumento original 400⫻.)
capítulo 22 417

glomérulos justamedulares são os mais precocemente atin- de 20 a 30%. Outros 20 a 40% apresentam diminuição da pro-
gidos. Lesões túbulo-intersticiais como dilatação e atrofia teinúria, sem entretanto ocorrer desaparecimento da síndro-
tubular e fibrose intersticial, usualmente desproporcionais à me nefrótica. Os resultados obtidos com drogas citotóxicas
lesão glomerular, podem ser encontradas. A microscopia ele- (ciclofosfamida, clorambucil) não são conclusivos e foram
trônica dos glomérulos normais demonstra podócitos volu- preconizados para os pacientes aos quais contra-indicam-
mosos e degenerados, com retração dos processos podálicos, se doses altas de corticóides, ou aqueles corticodependen-
e usualmente com grandes vacúolos intracitoplasmáticos. tes ou com recidivas freqüentes. Recentemente tem sido de-
Podócitos desgarrados da membrana basal glomerular são monstrado que a ciclosporina é capaz de induzir remissão
vistos freqüentemente, o que leva ao colapso das alças capi- da síndrome nefrótica, porém, geralmente ocorre recidiva
lares glomerulares. A membrana basal apresenta aspecto após a suspensão da droga, sendo que ela está contra-indi-
normal. Nos glomérulos lesados, observa-se aumento de cada em casos de insuficiência renal, hipertensão arterial
matriz mesangial e colapso capilar. Células xantomatosas na grave e de lesão tubulointersticial na biópsia.
matriz mesangial também podem ser vistas.
Os glomérulos normais usualmente são negativos à
imunofluorescência, mas ocasionalmente apresentam pe- Glomerulosclerose Focal e Segmentar e
quena deposição de IgM e C3. Nas áreas onde existem le- Transplante
sões segmentares, observa-se deposição de IgM, C1q e C3,
que apresentam aspecto nodular; estes depósitos são inter- A recorrência da glomerulosclerose focal e segmentar é
pretados como aprisionamento (trapping) de imunorrea- de 20 a 40%. A recidiva na grande maioria dos casos ocorre
gentes em áreas cicatriciais. no primeiro mês pós-transplante, com apresentação clínica
Como lesões do tipo esclerose glomerular podem ser de síndrome nefrótica. Os fatores de risco para a recorrên-
conseqüência da evolução de praticamente todas as glome- cia são idade inferior a 15 anos, rápida evolução (menor que
rulopatias, o achado de glomerulosclerose focal e segmen- três anos) para insuficiência renal crônica terminal e presen-
tar por si só não é suficiente para firmar o diagnóstico. ça de proliferação mesangial nos rins primitivos.
A freqüência de perda do enxerto devido à recidiva
varia na literatura de 10 a 50%, sendo que uma vez perdi-
Etiopatogenia do o primeiro enxerto por recorrência a freqüência de re-
corrência, em um segundo transplante é de 80%.
A deposição de imunoglobulinas e complemento tem
sido interpretada como inespecífica porque ocorre apenas
em áreas esclerosadas onde sabidamente existe deposição Pontos-chave:
de macromoléculas de maneira inespecífica, portanto, atu-
almente não se acredita que esta nefropatia seja mediada Glomerulosclerose segmentar e focal
pelo sistema imune. A rápida recorrência desta nefropatia • Acomete pacientes jovens, com maior
em rins transplantados sugere que deva haver algum fator
prevalência do sexo masculino e da cor negra
circulante responsável pela gênese desta lesão. Em mode-
• Apresentação: Edema e hipertensão
los experimentais que mimetizam essa nefropatia, tem sido
observado que as lesões túbulo-intersticiais são bastante • Dados laboratoriais: Proteinúria e
intensas e antecedem a lesão glomerular, o que tem levan- hematúria microscópica
tado a suspeita de que as lesões glomerulares poderiam ser • MO: Lesões esclerosantes segmentares e
secundárias às lesões túbulo-intersticiais. Outros fatores etio- focais; MIF: Ausência de depósitos imunes;
lógicos, como hiperplasia da célula epitelial, hiperfluxo glo- ME: Lesões degenerativas dos podócitos
merular, lesão endotelial do capilar glomerular com conse- • Tratamento: 1.ª escolha — corticoterapia
qüente adesão plaquetária e formação de microtrombos, têm • Evolução lenta e progressiva para
sido sugeridos como possíveis fatores etiológicos.
insuficiência renal crônica terminal

Tratamento
Vários esquemas terapêuticos utilizando-se diferentes GLOMERULONEFRITE
drogas têm sido relatados, porém, como a maior parte dos MEMBRANOSA
estudos não é controlada, é difícil chegar à conclusão de
qual tratamento deve ser utilizado, uma vez que remissão Sinonímia: Glomerulopatia membranosa, nefropatia membrano-
espontânea desta nefropatia pode ocorrer. sa, glomerulonefrite epimembranosa, glomerulonefrite perimem-
Nos pacientes com síndrome nefrótica o uso de corticos- branosa.
teróides, segundo relatos, tem induzido remissão em torno Termo mais utilizado: Glomerulonefrite membranosa (GNM).
418 Glomerulonefrites Primárias

A GNM é doença de instalação insidiosa que ocorre


principalmente em pacientes do sexo masculino (60 a 70%),
com idade média oscilando entre 45 e 50 anos, tendo sido
descrita no entanto em qualquer faixa etária. Parece haver
predomínio da raça branca.
A apresentação clínica destes pacientes é a de síndro-
me nefrótica, com proteinúria variando entre 5 e 10 g nas
24 horas. Uma pequena percentagem destes indivíduos
(20-30%) pode inicialmente apresentar-se com proteinúria
assintomática. Hematúria microscópica está presente em
mais ou menos 30% dos adultos, porém, em crianças sua
freqüência está próxima de 100%. Hematúria macroscópi-
ca caracteristicamente está ausente. Os níveis séricos de
creatinina costumam ser normais, e hipertensão arterial
ocorre em torno de 70% dos pacientes.
Na evolução observa-se que existe remissão espontânea
da síndrome nefrótica em 40 a 60% dos casos, dependen- Fig. 22.12 Espessamento difuso, homogêneo de membrana basal
glomerular em paciente com glomerulonefrite membranosa.
do do tempo de seguimento avaliado. A função renal per-
(Microscopia ótica, aumento original 400⫻.)
manece estável na maior parte dos pacientes, enquanto um
pequeno grupo (25-30%) evolui para insuficiência renal
após 10 a 20 anos, porém progressão mais rápida também
À microscopia de imunofluorescência, observa-se a de-
tem sido descrita. Os dados que se associam com pior prog-
posição de imunoglobulinas, principalmente IgG e comple-
nóstico são: idade mais avançada, sexo masculino, síndro-
mento ao longo da membrana basal glomerular com aspec-
me nefrótica persistente, hipertensão arterial, queda de fil-
to finamente granular, homogêneo (Fig. 22.15). Este padrão
tração glomerular na primeira consulta e presença de le-
é constante, independentemente dos achados à microsco-
são túbulo-intersticial à biópsia renal.
pia ótica ou eletrônica.
Uma complicação comum é a ocorrência de trombose de
veia renal. O diagnóstico geralmente é feito devido ao apa-
recimento de embolia pulmonar. A influência desta compli- Etiopatogenia
cação na evolução da função renal não está ainda definida.
Inicialmente se acreditava que a glomerulonefrite mem-
branosa fosse conseqüência da deposição renal de imu-
Anatomia Patológica nocomplexos circulantes. Essa hipótese teve origem na
observação de que tanto animais de experimentação, como
Na GNM, a lesão é basicamente da membrana basal glo-
pacientes com esta glomerulonefrite, além de apresentar
merular, atingindo igualmente todos os glomérulos, não se
observando hipercelularidade. Lesões inespecíficas túbulo-
intersticiais podem ser observadas nos casos mais avançados.
O aspecto dos glomérulos à microscopia ótica é bastante
variável na dependência da duração da doença à época da
biópsia. Inicialmente os glomérulos podem estar normais
(estádio I), mas posteriormente observa-se na coloração
pelos sais de prata a presença de espículas da membrana
basal glomerular, o que confere a essa membrana o aspecto
de pente (estádio II) ou de elo de corrente (estádio III); fi-
nalmente observa-se a presença de espessamento global da
membrana basal glomerular (estádio IV). Estas lesões podem
coexistir na mesma biópsia (Fig. 22.12 e Fig. 22.13).
À microscopia eletrônica, a lesão característica é a pre-
sença de depósitos elétron-densos na região subepitelial ou
intramembranosa. A membrana basal glomerular pode
apresentar-se normal (estádio I) ou apresentar espículas
que contornam o depósito (estádio II) (Fig. 22.14). Os de-
pósitos podem ser integrados à membrana basal e final- Fig. 22.13 Espessamento difuso da membrana basal capilar, com
mente serem reabsorvidos, vistos então como halos elétron- presença de espículas. (Microscopia ótica, impregnação pela pra-
lucentes (estádio IV). ta, aumento original 400⫻.)
capítulo 22 419

Nas duas últimas décadas foram descritos dois modelos


experimentais de glomerulonefrite membranosa que depen-
dem basicamente da reação antígeno-anticorpo realizada in
situ. No primeiro foi demonstrado que a inoculação de an-
ticorpos contra determinantes antigênicos presentes nos
podócitos é capaz de provocar o aparecimento de glomeru-
lonefrite membranosa em animais de experimentação. Ou-
tro modo de se provocar o aparecimento dessa nefropatia é
a inoculação de proteínas estranhas catiônicas. Neste segun-
do modelo a proteína se fixa, através de interação eletrostá-
tica, à membrana basal glomerular. Como esta proteína não
é reconhecida como própria, o organismo começa a produ-
zir anticorpos contra ela, dando origem à reação antígeno-
anticorpo, com conseqüente glomerulonefrite.
Com base nesses dados experimentais, tem sido propos-
to que pacientes portadores de glomerulonefrite membra-
nosa poderiam produzir anticorpos contra determinantes
Fig. 22.14 Depósitos subepiteliais de material elétron-denso em antigênicos existentes normalmente nas células epiteliais
paciente portador de glomerulonefrite membranosa, estádio II. viscerais (podócitos), ou contra proteínas estranhas liga-
(Microscopia eletrônica, aumento original 26.500⫻.) das à membrana basal glomerular.

Tratamento
deposição de imunoglobulina e complemento nos glomé-
rulos, apresentavam também imunocomplexos circulantes. Como a glomerulonefrite membranosa apresenta remis-
Observações posteriores, no entanto, não confirmaram sões espontâneas e função renal estável, ou deterioração
esta hipótese. Como já descrito, os depósitos na glomeru- muito lenta, é difícil analisar o resultado do tratamento.
lonefrite membranosa se localizam na região subepitelial; O uso de corticosteróides tem sido defendido por vários
quando se inoculam imunocomplexos pré-formados, estes autores. Em estudo controlado demonstrou-se que esta dro-
se localizam principalmente na região mesangial e suben- ga diminui o ritmo de progressão para insuficiência renal,
dotelial, e não na subepitelial. Em seres humanos foi ob- o que, porém, não foi confirmado por outros estudos. Vári-
servado que não existe correlação entre a presença de imu- as drogas citotóxicas, tais como a ciclofosfamida ou o clo-
nocomplexo circulante e a atividade da doença. rambucil, têm sido propostas como alternativa terapêutica.
Recentemente Ponticelli e cols. demonstraram que o uso
alternado de prednisona e clorambucil aumentou significa-
tivamente a freqüência de remissão da síndrome nefrótica
e diminuiu o ritmo de queda da filtração glomerular.
Frente ao caráter relativamente benigno desta nefropa-
tia e à toxicidade dos esquemas terapêuticos, uma das con-
dutas preconizadas na literatura é que os pacientes devem
ser tratados apenas sintomaticamente.
No nosso serviço, pacientes que se apresentam com fun-
ção renal estável são tratados apenas sintomaticamente;
quando ocorre queda de função renal, a terapêutica esco-
lhida é com metilprednisolona IV associada a ciclofosfa-
mida VO ou então ciclosporina por 6 meses a 1 ano.

Glomerulonefrite Membranosa e
Transplante
A recidiva da glomerulonefrite membranosa varia em
torno de 20%. A apresentação clínica se caracteriza pela
Fig. 22.15 Depósitos granulares de IgG ao longo da membrana
basal glomerular em paciente portador de glomerulonefrite mem- presença de síndrome nefrótica que se manifesta 10 meses
branosa. (Microscopia de imunofluorescência, aumento origi- em média após o transplante. A perda do enxerto devido
nal 400⫻.) à recorrência é rara.
420 Glomerulonefrites Primárias

entre 1 e 2%. A apresentação clínica mais freqüente é a


Pontos-chave: presença de proteinúria, que se manifesta em média 16
meses após o transplante, sendo que mais de 70% dos ca-
Glomerulonefrite membranosa
sos cursam com síndrome nefrótica. A perda do enxerto,
• Instalação insidiosa decorrente da GNM de novo, ocorre em torno de 30 a 40%
• Acomete principalmente adultos entre 45 e dos casos, 3 a 4 anos após o diagnóstico.
50 anos e do sexo masculino
• Apresentação: Síndrome nefrótica e
hipertensão arterial DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
• Dados laboratoriais: Proteinúria, O diagnóstico diferencial entre as várias glomerulone-
hipoalbuminemia, micro-hematúria e frites freqüentemente só é possível através do estudo ana-
creatinina normal tomopatológico completo (microscopia ótica, de imunoflu-
• MO: Espessamento global da membrana orescência e eletrônica), porém em alguns casos é possível
basal glomerular. Presença de espículas ou aproximar-se bastante do diagnóstico baseando-se apenas
elo de corrente (prata); MIF: Deposição de nos dados clínicos.
IgG e C3 em alças capilares; ME: Depósitos Nos casos onde a apresentação clínica é a de síndrome
elétron-densos subepiteliais nefrítica aguda, as principais suspeitas clínicas a serem
levantadas são: glomerulonefrite pós-estreptocócica, glo-
• Sinais de mau prognóstico: Idade avançada,
merulonefrite membranoproliferativa, glomerulonefrite
sexo masculino, síndrome nefrótica crescêntica em seus três tipos. Nos casos onde a creatinina
persistente, hipertensão arterial, queda de plasmática está normal ou discretamente alterada (⬍ 2 mg/
filtração glomerular na primeira consulta e dl), a proteinúria em torno de 1 a 2 g nas 24 horas e C3 está
presença de lesão túbulo-intersticial à baixo, o primeiro diagnóstico a ser feito é o de glomerulo-
biópsia renal nefrite pós-estreptocócica, mesmo que o paciente não conte
• Tratamento: Só se devem tratar os pacientes história de estreptococcia anterior, pois, em 50% das vezes,
com déficit da função renal com corticóide, ela não é detectada. A confirmação desse diagnóstico será
⫹ ciclofosfamida ou ciclosporina feita na evolução quando, 7 a 10 dias após, os sinais clíni-
cos começam a desaparecer, e o C3 sérico normalizar den-
tro de 30 a 45 dias após o início do quadro. Caso o pacien-
A GNM muitas vezes se manifesta no rim transplanta- te não apresente normalização dos sintomas rapidamente
do como glomerulonefrite de novo. A sua incidência varia e o C3 não se normalize no período esperado, o diagnósti-

Quadro 22.1 Comparação entre os dados clínicos e laboratoriais das diferentes glomerulonefrites que se
apresentam com síndrome nefrótica

Faixa Gênero Hematúria Função C3 IgA


Etária M:F Macro Renal Sérico Sérica

GNLM crianças 2.5:1 ausente ↔ ↔ ↔

GNM > 50 anos 2:1 ausente ↔↓ ↔ ↔

GNMP 25-40 anos 1:1.2 ++ ↓ ou ↓↓ ↓↓ ↔ ↔

GNCresc-I < 40 anos 1:1 ++ ↓↓↓ ↔ ↔

GNCresc-II > 40 anos 1:1 ++ ↓↓↓ ↔↓ ↔

GNNCresc-III > 40 anos 2:1 ++ ↓↓↓ ↔ ↔

IgA 25-40 anos 3:1 ++++ ↔ ↔ ↑

GEFS < 40 anos 1.2:1 + ↓ ou ↓↓ ↔ ↔

GNLM = glomerulonefrite por lesões mínimas, GNM = glomerulonefrite membranosa, GNMP = glomerulonefrite membranoproliferativa, GNCresc
= glomerulonefrite crescêntica, IgA = glomerulonefrite por IgA, GEFS = glomerulosclerose focal e segmentar, M:F = proporção masculino: feminino,
hematúria macro = hematúria macroscópica, função renal = ↔ = estável, ↓ = piora lenta, ↓↓ = piora com velocidade moderada, ↓↓↓ = piora rápida.
C3 sérico ou IgA sérica ↔ = normal, ↓ = diminuído, ↑ = aumentado.
capítulo 22 421

co de GNMP deve ser lembrado, e a biópsia renal deverá CADE, R.; MARS, D.; PRIVETTE, M.; THOMPSON, R.; CROKER, B.;
PETERSON, J.; CAMPBELL, K. Effect of long-term azathioprine ad-
ser realizada.
ministration in adults with minimal-change glomerulonephritis and
Se o paciente se apresentar com insuficiência renal já na nephrotic syndrome resistant to corticosteroids. Arch. Intern. Med.,
primeira consulta ou apresentar queda rápida da filtração 146:737-741, 1986.
glomerular, devem-se levantar as seguintes possibilidades CAMERON, J.S.; TURNER, D.R.; C, S.; OGG, SHARPSTONE, P.; BRO-
WN, C.B. The nephrotic syndrome in adults with “minimal change”
diagnósticas: glomerulonefrite pós-estreptocócica com
glomerular lesions. Q. J. Med., 43:461-488, 1974.
crescentes e/ou necrose tubular aguda associada; glome- CAMERON, J.S., TURNER, D.R.; OGG, C.S.; CHANTLER, C.; WILLIA-
rulonefrite membranoproliferativa com crescentes ou MS, D.G. The long-term prognosis of patients with focal segmental
GNCresc propriamente dita em qualquer de seus tipos glomerulosclerosis. Clin. Nephrol., 10:213-218, 1978.
CAMERON, J.S. Membranous nephropathy: The treatment dilemma. Am.
histológicos. O diagnóstico diferencial entre essas glome-
J. Kidney Dis., 1:371-375, 1982.
rulonefrites só pode ser feito através da biópsia renal. CAMERON, J.S. Glomerulonephritis in renal transplants. Transplantati-
Nos casos onde a apresentação clínica se constitui de on, 34:237-245, 1982.
hematúria recorrente e há indícios da presença de glome- CAMERON, J.S.; TURNER, D.R.; HEATON, J.; WILLIAMS, D.G.; OGG,
C.S.; CHANTLER, C.; HAYCOCK, G.B.; HICKS, J. Idiopathic mesan-
rulonefrites, os dois principais diagnósticos diferenciais são giocapillary glomerulonephritis: Comparison of types I and II in chil-
nefropatia por IgA e GNMP. Nesses casos o aumento de IgA dren and adults and long-term prognosis. Am. J. Med., 74:175-192,
sérica sugere nefropatia por IgA, e C3 diminuído sugere GNMP, 1983.
principalmente tipo II. CAMERON, J.S. Recurrent primary disease and de novo nephritis follo-
wing renal transplantation. Pediatr. Nephrol., 5:412-421, 1991.
Em crianças, como a glomerulonefrite por lesões míni- CARRIE, B.J.; SALYER, W.R.; MYERS, B.D. Minimal change nephropa-
mas é a causa mais freqüente de síndrome nefrótica, é co- thy: An electrochemical disorder of the glomerular membrane. Am. J.
mum utilizar teste terapêutico e só realizar a biópsia renal Med., 70:262-268, 1981.
se o paciente não responder ao uso de corticosteróides. CARVALHO, M.F.C.; SOARES, V. Glomerulopatias primárias após trans-
plante renal. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias:
No Quadro 22.1 estão resumidos os achados clínicos e Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editora de Livros Médicos Ltda,
laboratoriais mais comuns nas diferentes glomerulonefri- 1999, pp 236-249.
tes que podem cursar com síndrome nefrótica. O conheci- CHADBAN, S.J. Glomerulonephritis recurrence in the renal graft. J. Am.
Soc. Nephrol., 12:394-402, 2001.
mento desses dados pode auxiliar a levantar uma hipóte-
CHENG, S.C.; BALBI, A.L.; VIERO, R.M.; THEREZO, A.L.S. & SOARES,
se diagnóstica, porém, a sua confirmação só será feita por V.A. Glomerulonefrite membranoproliferativa: estudo anátomo-clí-
biópsia renal. nico e evolutivo de 22 pacientes. J. Bras. Nefrol., 2:122-130, 1989.
CHOCAIR, P.R.; NORONHA, I.L.; IANHEZ, L.E.; ARAP, S.; SABBAGA,
E. Recorrência de glomerulosclerose segmentar e focal em rins trans-
plantados. Rev. Ass. Med. Brasil, 35:171-174, 1989.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA CLARKSON, A.R.; WOODROFFE, A.J.; BANNISTER, K.M.; LOMAX-
SMITH, J.D.; AARONS, I. The syndrome of IgA nephropathy. Clin.
Nephrol., 21:7-14, 1984.
ALVES, M.A.R. Glomerulonefrite crescêntica. In Soares, V.; Ribeiro Al-
COGGINS, C.H. Is membranous nephropathy treatable? Am. J. Nephrol.,
ves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier
1:219-221, 1981.
Editora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp 118-128.
COUSER, W.G. Rapidly progressive glomerulonephritis: Classification,
AUSTIN, H.A.; ANTONOVYCH, T.T.; MacKAY, K.; BOUMPAS, D.T.;
pathogenetic mechanisms, and therapy. Am. J. Kidney Dis., 11:449-464,
BALOW, J.E. Membranous nephropathy. Ann. Intern. Med., 116:672-
1988.
682, 1992.
D’AMICO, G., IMBASCIATI, E.; BARBIANO DI BELGIOJOSO, G.;
BARROS, R.T. Glomerulonefrites secundárias a infecções bacterianas.
BERTOLI, S.; FOGAZZI, G.; FERRARIO, F.; FELLIN, G.; RAGNI, A.;
In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clí-
COLOSANTI, G.; MINETTI, L.; PONTICELLI, C. Idiopathic IgA me-
nica e Tratamento. Savier Editora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp
sangial nephropathy: Clinical and histological study of 374 patients.
200-205. Medicine, 64:49-60, 1985.
BALDWIN, D.S.; GLUCK, M.C.; SCHACHT, R.G.; GALLO, G. The long- D’AMICO, G. The commonest glomerulonephritis in the world: IgA ne-
term course of post-streptococcal glomerulonephritis. Ann. Intern. phropathy. Q. J. Med., 245:709-727, 1987.
Med., 80:342-358, 1974. DANTAS, M. & COSTA, R.S. Glomerulopatias de lesões mínimas e glo-
BEAUFILS, H.; ALPHONSE, J.C.; GUEDON, J.; LEGRAIN, M. Focal merulosclerose segmentar e focal. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A.
glomerulosclerosis: Natural history and treatment: Report of 70 ca- (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editora de
ses. Nephron, 21:75-85, 1978. Livros Médicos Ltda, 1999, pp 47-65.
BERNSTEIN, J.; EDELMANN, C.M. Minimal change nephrotic syndro- DAVISON, A.M.; CAMERON, J.S.; KERR, D.N.S.; OGG, C.S.; WIKINSON,
me: Histopathology and steroid responsiveness. Arch. Dis. Child., R.W. The natural history of renal function in untreated idiopathic mem-
57:816-817, 1982. branous glomerulonephritis in adults. Clin. Nephrol., 22:61-67, 1984.
BERTANI, T.; ROCCHI, G.; SACCHI, G.; MECCA, G.; REMUZZI, G. DAVISON, A.M.; & JOHNSTON, P.A. Allograft membranous nephropa-
Adriamycin-induced glomerulosclerosis in the rat. Am. J. Kidney Dis., thy. Nephrol. Dial. Transp. Suppl., 1:114-118, 1992.
7:12-19, 1986. DI BELGIOJOSO, B.; TARANTINO, A.; COLASANTI, G.; BAZZI, C.;
BOHLE, A.; GARTNER, H.V.; FISCHBACH, H.; BOCK, K.D.; EDEL, H.H.; GUERRA, L.; DURANTE, A. The prognostic value of some clinical and
FROTSCHER, U.; KLUTHE, R.; MONNINGHOFF, W.; SCHELER, F. histological parameters in membranoproliferative glomerulonephritis
The morphological and clinical features of membranoproliferative (MPGN): Report of 112 cases. Nephron, 19:250-258, 1977.
glomerulonephritis in adults. Virchows Arch., 363:213-224, 1974. DODGE, W.F.; SPARGO, B.H.; TRAVIS, L.; STRIVASTAVA, R.N.;
BRENNER, B.M. Nephrology Forum: Hemodynamically mediated glo- CARVALJAL, H.F.; De-BEUKELAER, M.M.; LONGLEY, M.P.;
merular injury and the progressive nature of kidney disease. Kidney MENCHACA, J.A. Post-streptococcal glomerulonephritis: A prospec-
Int., 23:647-655, 1983. tive study in children. N. Engl. J. Med., 286:273-278, 1972.
422 Glomerulonefrites Primárias

DONADIO, J.V. Jr.; SLACK, T.K.; HOLLEY, K.E.; ILSTRUP, D.M. Idio- NOLASCO, F.; CAMERON, J.S.; HEYWOOD, E.F.; HICKS, J.; OGG, C.;
pathic membranoproliferative (mesangiocapillary) glomerulonephri- WILLIAM, D.G. Adult-onset minimal change nephrotic syndrome. A
tis: A clinico-pathologic study. Mayo Clin. Proc., 54:141-150, 1979. long-term follow-up. Kidney Int., 29:1215-1223, 1986.
DONADIO, J.V.; TORRES, V.E.; VELOSA, J.A.; WAGONER, R.D.; NOLASCO, E.B.; CAMERON, J.S.; HARTLEY, B.; COELHO, A.;
HOLLEY, K.E.; OKAMURA, M.; ILSTRUP, D.M.; CHU, C.P. HILDRETH, G.; REUBEN, R. Intraglomerular T cells and monocytes
Idiopathic membranous nephropathy: The natural history of in nephritis: Study with monoclonal antibodies. Kidney Int., 31:1160-
untreated patients. Kidney Int., 33:708-715, 1988. 1166, 1987.
DONADIO, J.V. Jr.; OFFORD, K.P. Reassessment of treatment results in NUSSENZVEIG, I. Nefropatia da IgA. In Soares, V.; Ribeiro Alves, M.A.
membranoproliferative glomerulonephritis, with emphasis on life- (eds.) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Savier Editora
table analysis. Am. J. Kidney Dis., 14:445-451, 1989. de Livros Médicos Ltda, 1999, pp 100-117.
DROZ, D.; ZANETTI, M.; NOEL, L.H.; LEIBOWITCH, J. Dense deposits ORDONEZ, J.D.; HIATT, R.A.; KILLEBREW, E.J.; FIREMAN, B.H. The
disease. Nephron, 19:1-11, 1977. increase risk of coronary heart disease associated with nephrotic syn-
EMANCIPATOR, S.N.; GALLO, G.R.; LAMM, M.E. IgA nephropathy: Pers- drome. Kidney Int., 44:628-642, 1993.
pectives on pathogenesis and classification. Clin. Nephrol, 24:161-179, 1985. PONTICELLI, C. Prognosis and treatment of membranous nephropathy.
FALK, R.J. ANCA-associated renal disease. Kidney Int., 38:998-1010, 1990. Kidney Int., 29:927-940, 1986.
GARTNER, H.V.; FISCHBACH, H.; WEHNER, H.; BOHLE, A.; EDEL, POPOVIC-ROLOVIC, M.; KOSTIC, M.; ANTIC-PECO, A.; JOVANOVIC,
H.H.; KLUTHE, R.; SCHELER, F.; SCHMULLING, R.M. Comparison O.; POPOVIC, D. Medium- and long-term prognosis of patients with
of clinical and morphological features of peri- (epi- extra-) membra- acute post-streptococcal glomerulonephritis. Nephron, 58:393-399,
nous glomerulonephritis. Nephron, 13:288-301, 1974. 1991.
HANCOCK, W.W.; ATKINS, R.C. Cellular composition of crescents in RAMOS, E.L. & TISHER, C.C. Recurrent Diseases in Kidney Transplant.
human rapidly progressively glomerulonephritis identified using Am. J. Kidney Dis., 24:142-154, 1994.
monoclonal antibodies. Am. J. Nephrol., 4:177-181, 1984. REKOLA, S.; BERGSTRAND, A.; BUCHT, H. IgA nephropathy: A
HINGLAIS, N.; GARCIA-TORRES, R.; KLEINKNECT, D. Long-term prog- retrospective evaluation of prognostic indices in 176 patients. Scand.
nosis in acute glomerulonephritis: The predictive value of early clinical J. Urol. Nephrol., 23:37-50, 1989.
and pathologic features observed in 65 patients. Am. J. Med., 56:52-60, 1974. RODRIGUEZ-ITURBE, B. Epidemic post-streptococcal glomerulonephri-
HONKANEN, E. Survival in idiopathic membranous glomerulonephri- tis. Kidney Int., 25:129-136, 1984.
tis. Clin. Nephrol., 25:122-128, 1986. SAMIY, A.H.; FIELD, R.A.; MERRILL, J.P. Acute glomerulonephritis in
INTERNATIONAL STUDY OF KIDNEY DISEASE IN CHILDREN: elderly patients: Report of seven cases over sixty years of age. Ann.
Minimal change nephrotic syndrome in children: Deaths during the Intern. Med., 54:603-609, 1961.
first 5 to 15 years’ observation. Pediatrics, 73:497-501, 1984. SCHACHT, R.G.; BLUCK, M.C.; GALLO, G.R.; BALDWIN, D.S. Progres-
JENNETTE, J.C.; WILKMAN, A.S.; FALK, R.J. Anti-neutrophil cytoplas- sion to uremia after remission of acute post-streptococcal glomerulo-
mic autoantibody-associated glomerulonephritis and vasculitis. Am. nephritis. N. Engl. J. Med., 295:977-981, 1976.
SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; ALMEIDA, D.B. Etiopatogenia da glo-
J. Pathol., 135:921-930, 1989.
merulonefrite membranosa. J. Bras. Nefrol., 3:109-113, 1981.
KIDA, H.; ASAMOTO, T.; YOKOYAMA, H.; TOMOSUGI, N.; HATTORI,
SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; UGINO, A.;
N. Long-term prognosis of membranous nephropathy. Clin. Nephrol.,
VIERO, R.M. & ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121 paci-
25:64-69, 1986.
entes portadores de glomerulopatias. 1) Estudo geral. J. Bras. Nefrol.,
LEVY, M.; GONZALES-BURCHARD, G.; BROYER, M.; DOMMER-
4:73-78, 1982.
GUES, J.P.; FOULARD, M.; SOREZ, J.P.; HABIB, R. Berger’s disease
SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S. & ALMEIDA, D.B. Proteinúria de origem
in children: Natural history and outcome. Medicine, 64:157-180, 1985.
glomerular. J. Bras. Nefrol., 4:94-98, 1983.
LEWIS, E.J.; CARPENTER, C.B.; SCHUR, P.H. Serum complement com-
SOARES, V.A.; VIERO, R.M.; MONTEIRO FILHO, R.C.; FRANCO, R.J.S.
ponent levels in human glomerulonephritis. Ann. Intern. Med., 75:555-
& FRANCO, M.F. Necrose tubular aguda associada a glomerulone-
560, 1971. frite difusa aguda — Estudo retrospectivo anátomo-clínico de 5 ca-
LEWY, J.E.; SALINAS-MADRIGAL, L.; HERDSON, P.B.; PIRANI, C.L.; sos. J. Bras. Nefrol., 5:39-42, 1983.
METCOFF, J. Clinicopathologic correlations in acute post-streptococ- SOARES, V.A., FRANCO, R.J.S. & ALMEIDA, D.B. Proteinúria de origem
cal glomerulonephritis. Medicine, 50:453-501, 1971. glomerular. J. Bras. Nefrol., 5:94-98, 1983.
MAGIL, A.B.; WADSWORTH, L.D. Monocyte involvement in glomeru- SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; VIERO, R.M.
lar crescents: A histochemical and ultrastructural study. Lab. Invest., & ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121 pacientes porta-
47:160-166, 1982. dores de glomerulopatias. 2) Síndrome nefrítica. J. Bras. Nefrol., 5:114-
MAZZUCCO, G.; BARBIANO DI BELGIOJOSO, G.; CONFALONIERI, 117, 1983.
R.; COPPO, R.; MONGA, G. Glomerulonephritis with dense deposits: SOARES, V.A.; VIERO, R.M.; HABERMANN, F.; FRANCO, R.J.S.; FRAN-
A variant of membranoproliferative glomerulonephritis or a separate CO, M.F. & ALMEIDA, D.B. Necrose tubular aguda associada a glo-
morphological entity? Light, electron microscopic and immunohisto- merulonefrite membranoproliferativa. J. Bras. Nefrol., 7:84-86, 1985.
chemical study of eleven cases. Virchows Arch. [A], 387:17-29, 1980. SOARES, V.A.; FRANCO, R.J.S.; MONTEIRO FILHO, R.C.; VIERO, R.M.;
MORRIN, P.A.F.; HINGLAIS, N.; NABARRA, B.; KREIS, H. Rapidly pro- HABERMANN, F. & ALMEIDA, D.B. Estudo do quadro clínico de 121
gressive glomerulonephritis: A clinical and pathological study. Am. pacientes portadores de glomerulopatias. 3) Síndrome nefrótica. J.
J. Med., 65:446-460, 1978. Bras. Nefrol., 5:118-122, 1983.
MYERS, B.D.; OKARMA, T.B.; FIREDMAN, S.; BRIDGES, C.; ROSS, J.; SOARES, V.; VIERO, R.M. Glomerulonefrite membranosa. In Soares, V.;
ASSEFF, S.; DEEN, W.M. Mechanisms of proteinuria in human glo- Ribeiro Alves, M.A. (eds) Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamen-
merulonephritis. J. Clin. Invest., 70:732-746, 1982. to. Savier Editora de Livros Médicos Ltda, 1999, pp 66-91.
NEUMAYER, H-H.; KIENBAUM, M.; GRAF, S.; SCHREIBER, M.; STILMANT, M.M.; BOLTON, W.K.; STURGILL, B.C.; SCHIMITT, G.W.;
MANN, J.F.E.; LUTT, F.C. Prevalence and long-term outcome of glo- COUSER, W.G. Crescentic glomerulonephritis without immune
merulonephritis in renal allografts. Am. J. Kidney Dis., 22:320-325, 1993. deposit: Clinicopathologic features. Kidney Int., 15:184-195, 1979.
NIAUDET, P.; MURCIA, I.; BEAUFILS, H.; BROYER, M.; HABIB, R. Pri- SWAINSON, C.P.; ROBSON, J.S.; THOMSON, D.; MacDONALD, M.K.
mary IgA nephropathies in children: Prognosis and treatment. Adv. Mesangiocapillary glomerulonephritis: A long-term study of 40 ca-
Nephrol., 22:121-140, 1993. ses. J. Pathol., 141:449-468, 1983.
NOEL, L.H.; ZANETTI, M.; DROZ, D.; BARBANEL, C. Long-term prog- TEJANI, A.; NICASTRI, A.D.; SEN, D.; CHEN, C.K.; BUTT, K.M.H. Long-
nosis of idiopathic membranous glomerulonephritis: Study of 116 term evaluation of children with nephrotic syndrome and focal seg-
untreated patients. Am. J. Med., 66:82-90, 1979. mental glomerular sclerosis. Nephron, 35:225-231, 1983.
capítulo 22 423

TROMPETER, R.S.; LLOYD, B.W.; HICKS, J.; WHITE, R.H.; CAMERON, WORONIK, V. Fisiopatologia do edema nefrótico. In Cruz, J.; Barros, R.T.;
J.S. Long-term outcome for children with minimal-change nephrotic David-Neto, E.; Suassuna, J.H.R.; Heilberg, I.P.; Gouvea Filho, W.L.
syndrome. Lancet, 1:368-370, 1985. (eds.) Atualidades em Nefrologia 3. Savier Editora de Livros Médicos
VELOSA, J.A.; DONADIO, J.V. Jr.; HOLLEY, K.E. Focal sclerosing glo- Ltda., 1994, Cap. 4, pp. 22-27.
merulonephropathy: A clinicopathologic study. Mayo Clin. Proc.,
50:121-133, 1975. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
VIERO, R.M. & FRANCO, M. Glomerulonefrites — Aspectos Anátomo-
Patológicos. In Schor, N. & Srougi, M. Nefrologia e Urologia Clínica. VirtualHospital:Glomerulonephritis-www.vh.org
Savier, 1998, p. 322-333. CollaborativeGlomerulonephritisTherapyStudyGroup-
WEHRMANN, M.; BOHLE, A.; HELD, H.; SCHUMM, G.; KENDZIORRA,
H.; PRESSLER, H. Long-term prognosis of focal sclerosing glomerulo- www.uni-tuebingen.de/uni/kmp/cgts1e.htm
nephritis: An analysis of 250 cases with particular regard to tubuloin- NephronInformationCenter-nephron.com
tersticial changes. Clin. Nephrol., 33:115-122, 1990. Renalnet-www.renalnet.org
WHITE, R.H.R.; GLASGOW, E.F.; MILLS, R.J. Clinicopathological study Nationalkidneyandurologicdiseaseinformation-www.
of nephrotic syndrome in childhood. Lancet, 1:1353-1359, 1970.
WHITE, R.H.R.; GLASGOW, E.F.; MILLS, R.J. Focal glomerulosclerosis in
niddk.nih.gov
childhood. In Kincaid-Smith, P.; Matthew, T.H.; Becker, E.L. (eds.) Glo- Atlas of Renal Pathology — www.us.elsevierhealth.com/
merulonephritis, part II, pp. 231-238. New York, John Wiley & Sons, 1973. ajkd/atlas/
Capítulo
Glomerulopatias Secundárias

23 Rui Toledo Barros, Viktória Woronik, Euthymia Brandão A. Prado e Irina Antunes

LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO Mieloma múltiplo e doença de cadeias leves


Patogênese Macroglobulinemia de Waldenström
Patologia Crioglobulinemia
Classes histológicas da nefropatia lúpica Amiloidose
Índices de atividade e cronicidade Amiloidose primária
Manifestações clínicas Amiloidose secundária
Avaliação laboratorial Amiloidose renal hereditária
Prognóstico e tratamento Glomerulonefrites fibrilares
VASCULITES SISTÊMICAS NECROTIZANTES NEOPLASIAS
Etiologia e prevalência GLOMERULOPATIAS EM DOENÇAS HEPÁTICAS
Patogênese Infecção por vírus C
Quadro clínico Infecção por vírus B
Diagnóstico diferencial Cirrose hepática
Patologia DOENÇAS INFECCIOSAS
Tratamento Glomerulonefrite da endocardite bacteriana
PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN Nefropatia do vírus da imunodeficiência humana (HIV)
Etiologia e patogênese Quadro clínico
Manifestações clínicas Alterações patológicas
Alterações laboratoriais e diagnóstico diferencial Patogênese
Alterações patológicas Tratamento
Tratamento e prognóstico Nefropatia da esquistossomose
SÍNDROME DE GOODPASTURE Quadro clínico
Quadro clínico Alterações patológicas e patogênese
Alterações patológicas Tratamento
Patogênese Outras doenças infecto-parasitárias
Prognóstico e tratamento BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
PARAPROTEINEMIAS E DISPROTEINEMIAS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

prazo. A prevalência real da nefropatia, entretanto, deve ser


LÚPUS ERITEMATOSO maior que 90%, uma vez que a biópsia renal em pacientes
SISTÊMICO sem qualquer evidência clínica desta complicação pode re-
velar alterações glomerulares, especialmente depósitos de
A doença renal é uma manifestação clínica freqüente no imunoagregados à microscopia de imunofluorescência.
lúpus eritematoso sistêmico (LES) e se desenvolve por oca- O diagnóstico de LES é definido pelo preenchimento
sião do diagnóstico ou durante seguimento clínico a médio de critérios clínicos e laboratoriais estabelecidos pela
capítulo 23 425

A formação de auto-anticorpos no LES é conseqüência


Quadro 23.1 Critérios da American Rheumatism
direta da hiperatividade de linfócitos B. Tal hiperativida-
Association para a Classificação do Lúpus
de, por sua vez, poderia decorrer de distúrbios regulatóri-
Eritematoso Sistêmico (revistos em 1982)
os de subpopulações de linfócitos T, de ativação autógena
1. Rash malar dos linfócitos B, ou mesmo ser causada por disfunções mais
2. Rash discóide complexas da imunorregulação. Os auto-anticorpos pro-
3. Fotossensibilidade duzidos incluem aqueles contra o ácido desoxirribonucléi-
4. Úlceras da mucosa oral
5. Artrite não-deformante co (DNA) de hélice simples (SS-DNA) ou hélice dupla (DS-
6. Serosite (pleurite, pericardite) DNA), contra ribonucleoproteínas, histonas e, em certas
7. Doença renal (proteinúria persistente, cilindrúria) circunstâncias, contra proteínas da matriz extracelular (la-
8. Envolvimento do sistema nervoso central minina, colágeno IV, heparan sulfato). A deposição crôni-
9. Alterações hematológicas (anemia, leucopenia, ca de imunocomplexos circulantes, em parte constituídos
plaquetopenia)
10. Alterações imunológicas: células LE, anti-DNA, anti- pelos complexos DNA-anti-DNA, provavelmente assume
Sm, VDRL falso-positivo grau de importância em certos padrões histológicos de
11. Fator antinúcleo positivo nefrite lúpica, representados pelas lesões mesangiais e pro-
liferativas endocapilares. A localização dos imunocomple-
xos nos glomérulos, por sua vez, é influenciada por vários
fatores: tamanho, carga elétrica e avidez dos complexos,
American Rheumatism Association (ARA), que definiu capacidade de clareamento do mesângio, ou ainda fatores
uma relação de 11 características principais (v. Quadro hemodinâmicos locais. Uma vez depositados, os comple-
23.1). xos ativam a cascata do sistema complemento e toda a sé-
O preenchimento de, no mínimo, quatro destes crité- rie de eventos que daí decorre: ativação de fatores procoa-
rios, de modo simultâneo ou seqüencial, confere 96% de gulantes, infiltração de leucócitos, liberação de enzimas
sensibilidade e especificidade para o diagnóstico de LES. proteolíticas e liberação de citocinas reguladoras da proli-
O envolvimento renal, com o propósito de atender aos feração glomerular e da síntese de matriz extracelular. Tem
critérios da ARA, é definido pela presença de proteinú- sido também demonstrado que outros auto-anticorpos cir-
ria persistente acima de 500 mg/dia e/ou presença de culantes podem ligar-se a antígenos intrínsecos da mem-
cilindros celulares no sedimento urinário, desde que brana basal (p.ex., laminina) ou, ainda, a antígenos “plan-
outras causas de alterações na urinálise estejam afasta- tados” (p.ex., histonas, IgG catiônica, DNA), contribuindo
das (infecções do trato urinário e efeito de drogas, por para a patogênese da lesão glomerular do LES. Estas alte-
exemplo). rações se manifestam histologicamente pelo quadro de
Em várias séries da literatura mundial, a prevalência glomerulonefrite proliferativa (focal ou difusa) e, clinica-
do LES na população varia de 14,6 a 50,8 casos por mente, por um sedimento urinário ativo, proteinúria e, fre-
100.000 habitantes, acometendo principalmente mulhe- qüentemente, redução aguda da função renal. Na glome-
res jovens. Vários fatores têm sido relatados no sentido rulopatia membranosa, a agressão imunológica provavel-
de poderem influir na prevalência do LES e de suas mente decorre da formação in situ de imunocomplexos no
manifestações renais. Fatores genéticos são importantes, espaço subepitelial do capilar glomerular. Tais imunocom-
tendo em vista os relatos do predomínio do LES na raça plexos seriam formados pela ligação de auto-anticorpos
negra nos Estados Unidos, da freqüência aumentada de com antígenos relacionados às nucleoproteínas, previa-
alguns haplótipos do sistema HLA, do encontro de auto- mente localizados no referido espaço. Esta forma de injú-
anticorpos em familiares de pacientes com LES e da ria também ativa o sistema complemento, com a formação
maior suscetibilidade ao lúpus dentre pacientes com do complexo de ataque à membrana C5b-C9; não ocorre,
deficiências congênitas de frações do sistema comple- entretanto, influxo de células inflamatórias, já que a mem-
mento. brana basal se interpõe para impedir o acesso de media-
dores celulares ao espaço subepitelial.
Patogênese A injúria glomerular e vascular no LES pode ser am-
pliada pelos fenômenos locais decorrentes da coagulação
Múltiplos distúrbios imunológicos têm sido descritos intravascular. Neste sentido, a participação dos anticor-
em pacientes com LES, porém, os fatores iniciantes ainda pos antifosfolípides poderia potencializar a agressão imu-
são desconhecidos. A patogênese da doença renal no LES nológica descrita, provocando alterações nas funções en-
é similarmente complexa e com vários mecanismos envol- doteliais e plaquetárias. Em pacientes com insuficiência
vidos, os quais produzem amplo espectro de injúria renal. renal aguda, hipertensão severa e anemia hemolítica com
O envolvimento glomerular no LES tem sido considerado esquizócitos circulantes, não é incomum o encontro de
um exemplo de nefropatia humana induzida por imuno- microangiopatia trombótica associada à lesão glomerular
complexos. do LES.
426 Glomerulopatias Secundárias

CLASSES HISTOLÓGICAS DA NEFROPATIA


Pontos-chave:
LÚPICA
• A nefrite lúpica é uma complicação muito
Classe I – Biópsia Normal. Os rins são completamente
freqüente no LES e tem importantes
normais, tanto à microscopia ótica quanto à imunofluores-
implicações prognósticas cência e à microscopia eletrônica. Na prática clínica e nos
• A injúria glomerular ocorre pela deposição relatos de literatura, a classe I é raramente observada, uma
ou formação in situ de imunocomplexos vez que depósitos mesangiais são freqüentes mesmo em
• Anticorpos anti-DNA são formados pela pacientes sem quadro clínico renal, e também porque ha-
hiperatividade de linfócitos B bitualmente não se indica biópsia nestes casos.
Classe II – Alterações Mesangiais Puras. Pacientes com
biópsias da classe II têm lesões glomerulares restritas ao
Patologia mesângio. Na classe IIa os glomérulos são normais à mi-
croscopia ótica (MO), porém com depósitos imunes detec-
A nefropatia do LES se caracteriza pela heterogeneida-
táveis pela imunofluorescência (IF) ou pela microscopia
de no modo de apresentação histológica, pela freqüente
eletrônica (ME). Na classe IIb, além dos depósitos referi-
superposição das várias lesões e pelo potencial de trans-
dos, ocorre também hipercelularidade mesangial, defini-
formação de uma determinada classe em outra, que, em
da pela presença de mais de três células em regiões do
diferentes relatos, atingem de 15 a 40% dos pacientes. O
mesângio distantes do pólo vascular. A nefropatia lúpica
envolvimento renal no LES se dá em sua grande maioria
mesangial é relativamente comum em pacientes ambula-
através de lesões glomerulares causadas pela deposição de
toriais com função renal normal, proteinúria e hematúria
imunocomplexos e que se traduzem em quatro padrões
discretas. As alterações histológicas em geral permanecem
característicos: mesangial, proliferativo focal, proliferativo
estáveis na maioria dos pacientes; em aproximadamente
difuso e membranoso. A variabilidade histológica da ne-
20% dos casos pode haver transformação para a glomeru-
fropatia lúpica tem como principal implicação uma certa
lonefrite difusa.
dificuldade na escolha da classificação morfológica que seja
Classe III – Glomerulonefrite Focal e Segmentar. Ca-
reproduzível e clinicamente relevante. Por este motivo, tem
racteriza-se pela proliferação endocapilar à custa de célu-
sido adotada internacionalmente a classificação da Orga-
las mesangiais, endoteliais, além de neutrófilos e monóci-
nização Mundial de Saúde (OMS), revista e modificada em
tos que podem infiltrar o glomérulo. A denominação fo-
1994 (v. Quadro 23.2).
cal e segmentar é definida arbitrariamente pelo envolvi-
mento de até 50% do total de capilares glomerulares com
processo inflamatório. As lesões podem ser focais ou seg-
mentares, ou focais e globais, desde que o total da área glo-
Quadro 23.2 Classificação da nefropatia lúpica de
acordo com a OMS — Organização Mundial de merular envolvida seja menor que 50%. As lesões ativas da
Saúde (modificada em 1994) classe III freqüentemente incluem necrose fibrinóide, pic-

I. Glomérulo normal (por MO, IF, ME)*


II. Alterações mesangiais puras
a. MO normal, depósitos mesangiais à IF ou ME
b. Hipercelularidade mesangial e depósitos à IF ou
ME
III. Glomerulonefrite segmentar e focal
a. Lesões ativas necrotizantes
b. Lesões ativas e esclerosantes
c. Lesões esclerosantes
IV. Glomerulonefrite difusa (mesangial grave,
proliferação endocapilar ou mesangiocapilar e/ou
depósitos subendoteliais extensos)
a. Sem lesões segmentares
b. Com lesões ativas necrotizantes
c. Com lesões ativas esclerosantes
d. Com lesões esclerosantes
V. Glomerulonefrite membranosa
a. Glomerulonefrite membranosa pura
b. Associada a lesões da classe II (a ou b)
VI. Glomerulonefrite esclerosante avançada
Fig. 23.1 Nefrite lúpica segmentar e focal (Classe III – OMS). Glo-
*MO, microscopia ótica; IF, imunofluorescência; ME, microscopia eletrô- mérulo parcialmente ocupado por lesão inflamatória de caráter
nica. necrosante. Coloração H.E. (450⫻).
capítulo 23 427

nose nuclear e ruptura da membrana basal glomerular com Classe VI – Glomerulonefrite Esclerosante Avançada.
infiltração de neutrófilos. Crescentes epiteliais podem Na classificação da OMS, este padrão se caracteriza pela
acompanhar as lesões mais ativas. A imunofluorescência presença de lesões cicatriciais e esclerosantes avançadas,
mostra depósitos de imunoglobulinas e frações do comple- que correspondem ao quadro clínico da insuficiência re-
mento, distribuídos difusamente no mesângio e nas alças nal crônica.
capilares, de modo segmentar. Depósitos elétron-densos à Outras Formas de Envolvimento Renal no LES. Além
microscopia eletrônica são visualizados no espaço suben- das glomerulopatias, ocorrem outras lesões renais menos
dotelial e na matriz mesangial. Existe uma forte tendência comuns em pacientes com LES: a nefrite intersticial e as
entre os pesquisadores desta área em considerar a classe vasculopatias. O envolvimento túbulo-intersticial consti-
III da nefrite lúpica com os mesmos critérios prognósticos tui um importante componente da injúria renal global,
da classe IV, proliferativa difusa, uma vez que as diferen- sendo freqüente sua associação com as lesões glomerula-
ças entre estas lesões são apenas quantitativas, sendo fre- res mais ativas e graves. Em casos mais raros, a nefrite
qüentemente difícil a separação entre as mesmas. intersticial isolada pode ser a única manifestação de nefro-
Classe IV – Glomerulonefrite Proliferativa Difusa. O patia lúpica. Esta possibilidade deve ser lembrada sempre
processo inflamatório nesta classe histológica acomete mais que pacientes com LES se apresentarem com insuficiência
de 50% da superfície dos capilares glomerulares, com dis- renal, exame de urina normal e eventualmente com alte-
tribuição difusa e global. As lesões ativas incluem necrose rações da função tubular, tais como acidose tubular renal
fibrinóide, infiltração de neutrófilos, depósitos subendo- do tipo distal e hipo- ou hiperpotassemia.
teliais em “alça de arame”, corpos hematoxilínicos e cres- As lesões vasculares renais do LES incluem os depósi-
centes epiteliais. Através da imunofluorescência e da mi- tos vasculares imunes, a vasculopatia necrotizante não-
croscopia eletrônica, são detectados extensos imunodepó- inflamatória, a microangiopatia trombótica e a arterite
sitos ao longo do espaço subendotelial do capilar glome- necrotizante. Os depósitos imunes são vistos apenas à
rular e também no mesângio. Além destes depósitos elé- imunofluorescência e à microscopia eletrônica, não alteran-
tron-densos, na nefrite lúpica ativa podem ser observadas do a estrutura morfológica do vaso. A vasculopatia não-
inclusões tubulorreticulares no citoplasma de células glo- inflamatória se caracteriza pela necrose fibrinóide de arte-
merulares e do endotélio vascular. Estas estruturas não são ríolas pré-glomerulares na nefrite lúpica ativa da classe IV.
específicas do LES, sendo também encontradas em bióp- Em outras situações mais raras, pode ocorrer arterite ne-
sias renais de pacientes com o vírus da imunodeficiência crotizante, semelhante à poliangeíte microscópica sistêmi-
humana (HIV) e com outras infecções virais. Os depósitos ca, ou limitada ao parênquima renal.
elétron-densos ocasionalmente assumem a característica Microangiopatia trombótica tem sido ocasionalmente
forma de impressão digital (finger print), com linhas cur- descrita no LES, levando a uma síndrome semelhante à da
vas paralelas medindo de 10 a 15 nm de diâmetro. A IF é púrpura trombocitopênica trombótica (PTT). Em outros
habitualmente rica, com presença de IgG, IgA, IgM e fra- pacientes, portadores do anticoagulante lúpico, podem ser
ções do complemento: C1q, C4, C3, properdina e o com- demonstrados trombos de fibrina nas pequenas artérias e
plexo de ataque à membrana C5b-C9. A glomerulonefrite nos capilares glomerulares. Estas lesões microvasculares
proliferativa difusa é a classe histológica mais freqüente-
mente encontrada no LES, manifestando-se habitualmen-
te por proteinúria em nível nefrótico, hematúria e perda
de função renal. Em alguns pacientes, o quadro clínico é o
de insuficiência renal rapidamente progressiva, que histo-
logicamente corresponde a lesões glomerulares necrotizan-
tes e com extensa formação de crescentes epiteliais.
Classe V – Glomerulonefrite Membranosa. Este pa-
drão histológico é caracterizado pelos depósitos imunes
predominantes no espaço subepitelial do glomérulo, em
geral associados a hipercelularidade mesangial, com de-
pósitos de imunoglobulinas e complemento nessa região.
Nas fases iniciais do envolvimento renal, a membrana ba-
sal pode parecer normal à microscopia ótica; com a evolu-
ção da doença, a membrana basal se torna espessada e re-
vela a típica formação de espículas (spikes) quando se usa
a coloração pela prata. Pacientes com glomerulonefrite
membranosa habitualmente se apresentam com síndrome Fig. 23.2 Nefrite lúpica proliferativa difusa (Classe IV – OMS).
nefrótica e função renal preservada, mesmo na evolução a Glomérulo com intensa reação inflamatória e exsudação de neu-
longo prazo. trófilos. Coloração H.E. (450⫻).
428 Glomerulopatias Secundárias

Quadro 23.3 Índices de atividade e cronicidade


ÍNDICES DE ATIVIDADE

Hipercelularidade endocapilar
Infiltracão de leucócitos
Depósitos hialinos subendoteliais
Necrose fibrinóide e cariorréxis
Crescentes celulares
Infiltrado intersticial

ÍNDICES DE CRONICIDADE

Esclerose glomerular
Crescentes fibróticos
Atrofia tubular
Fibrose intersticial

Fig. 23.3 Glomerulonefrite membranosa lúpica (Classe V – OMS).


Alças capilares difusamente espessadas. Coloração H.E. (280⫻).

de 0 a 12. Com a aplicação destes índices, tem sido obser-


vado por alguns autores que pacientes com IC acima de 5
podem ocorrer como doença primária ou se superpondo têm pior prognóstico em termos de sobrevida renal a lon-
às formas de nefrite lúpica por imunocomplexos anterior- go prazo. Outros relatos porém não têm constatado tal
mente descritas, independentes dos fatores etiopatogêni- valor prognóstico destes índices em estudos com casuísti-
cos envolvidos. A vasculopatia necrotizante do LES geral- cas maiores. De qualquer forma, em casos individuais, este
mente se acompanha de hipertensão grave e forte tendên- sistema de avaliação histológica pode ser bastante útil,
cia à perda progressiva da função renal. quando aplicado em biópsias seqüenciais (v. Quadro 23.3).

ÍNDICES DE ATIVIDADE E CRONICIDADE


Tendo em vista a grande variabilidade histológica en- Manifestações Clínicas
contrada na nefropatia lúpica, vários pesquisadores têm
proposto um sistema semiquantitativo de graduação das As manifestações clínicas do envolvimento renal no LES
lesões ativas, potencialmente reversíveis, e das lesões dependem da natureza e da gravidade das lesões histoló-
cronificadas, que representam dano renal irreversível. Um gicas renais. De modo geral, as alterações urinárias ou fun-
dos sistemas mais utilizados é o que classifica as lesões cionais são concomitantes com outros sintomas sistêmicos
ativas e cronificadas em, respectivamente, 6 e 4 parâme- do LES e, raramente, sinais de nefrite se apresentam como
tros histológicos. Cada parâmetro pode receber uma nota manifestação inicial nesta doença. No Quadro 23.4, pode-
na escala de 1 a 3, exceto as crescentes epiteliais e a necro- se notar que existe uma boa correlação entre as classes his-
se fibrinóide, que, pela sua importância prognóstica, rece- tológicas da nefrite lúpica e os principais parâmetros do
bem notas de 2 a 6. Desta forma o Índice de Atividade (IA) envolvimento renal.
pode ter o valor de 0 a 24 e o Índice de Cronicidade (IC), Pacientes com as formas mais leves de lesões histológi-
cas, confinadas à região mesangial (classe II – OMS), em
geral têm sedimento urinário inativo e a proteinúria, pre-
sente em um terço desses pacientes, é menor que 1 g ao dia,
Pontos-chave: nunca atingindo níveis nefróticos. Os testes sorológicos,
• As lesões histológicas renais no LES são entretanto, podem estar alterados: é comum a ocorrência
heterogêneas e sujeitas a transformações no de títulos elevados de anti-DNA e baixo nível de comple-
mento sérico, mesmo não havendo comprometimento da
decorrer do seguimento a longo prazo
função renal.
• A glomerulonefrite focal/segmentar e a As alterações clínicas renais são mais evidentes entre os
glomerulonefrite proliferativa difusa são as pacientes com a glomerulonefrite proliferativa focal (clas-
formas mais graves de envolvimento renal se III — OMS), constatando-se hematúria e cilindros hemá-
• Necrose fibrinóide, lesões em “alça de ticos em metade desse grupo; a proteinúria está sempre
arame”, crescentes epiteliais e presente, com características nefróticas em aproximada-
imunofluorescência rica constituem achados mente 30% dos casos. Hipertensão arterial é muito freqüen-
típicos da nefrite lúpica te e a sorologia para LES costuma estar positiva no momen-
to da biópsia renal.
capítulo 23 429

Quadro 23.4 Classes histológicas e quadro clínico-laboratorial da nefrite lúpica


Sedimento Síndrome Disfunção
Classe/OMS urinário ativo Proteinúria nefrótica renal

I. NORMAL 0 0 0 0
II. MESANGIAL ⬍ 25% 25-50% 0 ⬍ 15%
III. PROLIFERATIVA FOCAL 50% 65% 25-30% 10-25%
IV. PROLIFERATIVA DIFUSA 75% 95-100% 50% ⬎ 50%
V. MEMBRANOSA 50% 95-100% 90% 10-20%

Pacientes com glomerulonefrite proliferativa difusa de tratamento dialítico, habitualmente as manifestações


(classe IV — OMS) se apresentam com a forma mais ativa, clínicas e sorológicas remitem. A mortalidade dos pacien-
e freqüentemente grave, de envolvimento renal. Ao redor tes em diálise é semelhante à dos demais pacientes renais
de 75% dos casos têm sedimento urinário alterado, e mais crônicos. O transplante renal costuma ser bem-sucedido,
da metade apresenta síndrome nefrótica franca. Insufici- recomendando-se sua realização após um período mínimo
ência renal moderada é bastante comum, podendo, entre- de 12 meses de inatividade clínica do LES. A recorrência
tanto, ocorrer perda rápida de função, até níveis dialíticos, de nefrite lúpica no rim transplantado tem sido relatada,
em 20% dos pacientes. porém é bastante rara.
Na glomerulonefrite membranosa do LES (classe V —
OMS) o quadro clínico habitual é o da síndrome nefrótica
com função renal preservada. Sedimento urinário ativo e Avaliação Laboratorial
hipertensão arterial podem estar presentes de modo in-
constante. A nefropatia membranosa lúpica pode estar A nefrite lúpica é tipicamente uma doença de evolu-
associada à trombose da veia renal, como complicação da ção a longo prazo, caracterizada por episódios de recidi-
síndrome nefrótica e/ou por defeitos de coagulação da vas e períodos de remissão. Um dos aspectos mais impor-
própria doença de base, como, por exemplo, a presença de tantes no seguimento destes pacientes é, portanto, a de-
anticorpos antifosfolipídicos. A trombose da veia renal tecção precoce dos surtos de atividade renal, para o uso
pode ocorrer sem qualquer manifestação clínica ou, então, judicioso das drogas imunossupressoras. Uma série de
acompanhar-se de aumento da proteinúria, de redução do testes sorológicos sabidamente está alterada na ativida-
ritmo de filtração glomerular, ou mesmo de tromboembo- de lúpica: velocidade de hemossedimentação, proteína C
lismo pulmonar. reativa, frações do complemento, auto-anticorpos, imu-
No seguimento a médio e longo prazos de pacientes com nocomplexos e várias citocinas. Do ponto de vista da ati-
nefropatia lúpica, é freqüente a transformação de uma clas- vidade nefrítica lúpica, entretanto, os testes com maior
se histológica para outra. As alterações mesangiais podem valor preditivo são os níveis séricos do complemento to-
evoluir para lesões mais graves (classe III ou IV) e, quan- tal (CH50), da fração C3 e dos títulos de anti-DNA. Hi-
do isto ocorre, muda também o perfil laboratorial, que pocomplementemia persistente tem sido associada com
passa a se apresentar com sorologia positiva, sedimento progressão da doença renal no LES em alguns estudos
urinário ativo, aumento da proteinúria e até certo grau de prospectivos, porém esta correlação nem sempre está
disfunção renal. presente. De qualquer forma, no seguimento de pacien-
Cerca de 25% dos pacientes com nefrite lúpica, apesar tes que se encontram em remissão, as alterações soroló-
de tratados de maneira adequada, poderão evoluir de gicas têm grande importância prognóstica porque podem
modo progressivo para insuficiência renal crônica. Na fase preceder de meses as demais evidências de envolvimen-
to clínico renal. O exame cuidadoso do sedimento uriná-
rio é extremamente útil, especialmente quando suas ca-
Pontos-chave: racterísticas podem ser comparadas com exames anteri-
ores, em situações basais.
• Síndrome nefrótica, hematúria e disfunção Os exames que avaliam a função renal, tais como crea-
renal caracterizam a glomerulonefrite tinina sérica e depuração de creatinina endógena, são con-
proliferativa difusa do LES siderados indicadores pouco sensíveis das mudanças que
• Síndrome nefrótica, função renal normal e ocorrem na filtração glomerular e, freqüentemente, subes-
reduzida atividade sorológica caracterizam timam a gravidade das lesões. A correlação entre lesões
a glomerulonefrite membranosa do LES histológicas e alterações clínico-laboratoriais pode ser vis-
ta no Quadro 23.4.
430 Glomerulopatias Secundárias

Prognóstico e Tratamento ocorrer disfunção renal. A corticoterapia por via oral é fei-
ta habitualmente com prednisona, 60 a 80 mg ao dia du-
O prognóstico e o tratamento da nefropatia do LES de- rante seis a oito semanas, seguida da redução lenta, na
pendem da lesão histológica subjacente, do grau de com- dependência do controle clínico adequado da atividade da
prometimento da filtração glomerular e, possivelmente, doença. O uso de drogas citostáticas provavelmente esta-
das notas atribuídas aos índices de atividade e cronicida- rá indicado na maioria dos pacientes com classe IV, uma
de avaliados pela biópsia renal. vez que tem sido demonstrado serem eficazes no controle
Pacientes portadores de alterações renais mínimas ou das recidivas, na prevenção da insuficiência renal crônica
leves, como ocorre habitualmente na classe II da OMS, não e na redução da dose total de corticosteróides. O esquema
necessitam de tratamento específico para a nefropatia, mas ideal ainda não está bem estabelecido; um dos mais utili-
apenas de suporte terapêutico direcionado para as mani- zados é o da administração endovenosa de ciclofosfamida
festações extra-renais. Assim, corticosteróides em doses na dose de 0,75 g por m2 de superfície corpórea, sob forma
baixas, salicilatos ou antimaláricos geralmente controlam de pulsos mensais e trimestrais, num total de 18 a 24 me-
bem os surtos de atividade sistêmica que não acometem ses, se a atividade renal estiver bem controlada. O uso da
os órgãos vitais. Deve-se tomar cuidado com o uso de an- ciclofosfamida exige, evidentemente, rigoroso seguimen-
tiinflamatórios não-esteróides em doses altas, pelo risco de to dos pacientes, com o sentido de se detectar qualquer
piora da função renal, mesmo que a nefropatia tenha evo- efeito colateral mais sério, tal como leucopenia, infecções
lução estável. A longo prazo, os pacientes com alterações e cistite hemorrágica.
urinárias leves (proteinúria ⬍ 1,0 g/dia, creatinina sérica Outros esquemas de tratamento da nefrite lúpica (clas-
normal) têm bom prognóstico, com sobrevida renal supe- se IV) incluem a ciclofosfamida na fase de indução (3 a 6
rior a 85% em 10 anos. Em 20 a 30% dos casos o quadro meses iniciais), substituída posteriormente, na fase de
clínico da classe II pode sofrer transformação para doença manutenção, por drogas alternativas menos tóxicas, como
renal mais ativa, acompanhando também a transformação a azatioprina e o micofenolato mofetil. Este último agente
da lesão histológica, uma das mais marcantes característi- tem-se revelado como opção bastante eficaz na nefrite lú-
cas do envolvimento renal no LES. pica, porém seu custo elevado limita o uso corrente.
Pacientes com glomerulonefrite membranosa geralmen- A terapêutica adjuvante da nefrite lúpica tem também
te se apresentam com o quadro da síndrome nefrótica com importante papel na prevenção da cronificação renal e da
função renal estável. O prognóstico a longo prazo é muito morbidade cardiovascular. Desta forma, o controle da hi-
bom, havendo forte tendência à remissão total ou parcial pertensão, da obesidade e da dislipidemia e a interrupção
da proteinúria nefrótica em mais de 50% dos pacientes no do tabagismo constituem medidas saudáveis neste contex-
prazo de cinco anos. A conduta terapêutica para a classe to de atuação multifatorial. As drogas inibidoras da enzi-
V do LES é bastante controversa mas, habitualmente, os ma conversora da angiotensina têm efeitos antiproteinú-
pacientes com esta lesão não necessitam de terapêutica ricos e outros efeitos antiproliferativos, admitindo-se que
imunossupressora agressiva. Na experiência relatada de possam atuar como moduladores negativos da reação in-
vários Serviços, utiliza-se a prednisona em doses de 0,5 a flamatória e como inibidores da síntese de citocinas fibro-
1,0 mg/kg/dia durante oito semanas, com retirada pro- gênicas.
gressiva de 20 mg a cada dois meses. Nos pacientes com O prognóstico dos pacientes portadores das lesões pro-
resposta irregular ao corticosteróide e manutenção do es- liferativas das classes III e IV tem melhorado muito nos
tado nefrótico muito sintomático, pode ser associada a ci-
clofosfamida na forma de pulsos endovenosos mensais, na
dose de 1,0 g/m2 de superfície corpórea, por três a seis
meses. Relatos recentes da literatura têm mostrado bons Pontos-chave:
resultados com o uso prolongado de ciclosporina na nefro- • O tratamento da glomerulonefrite
patia membranosa lúpica refratária às medidas convenci- proliferativa difusa do LES deve ser feito
onais; a maior limitação ao uso deste agente se refere à ele-
com esquemas de imunossupressão
vada taxa de recidiva da proteinúria, após sua suspensão.
prolongada
As glomerulonefrites proliferativas focal grave (classe
III) e difusa (classe IV) devem ser consideradas em conjun- • O tratamento da glomerulonefrite
to, já que têm o mesmo prognóstico e manifestações clíni- membranosa do LES é controverso,
cas semelhantes. Nestes casos, a forma de tratamento será devendo ser evitada a imunossupressão
mais agressiva, com corticosteróides em doses elevadas e agressiva
drogas citostáticas administradas a longo prazo. O uso de • O tratamento das lesões mesangiais é
metil-prednisolona sob forma de pulsos endovenosos (1,0 desnecessário, sendo indicado apenas o
g ao dia, por três dias) estará indicado para reverter as ati- controle das manifestações extra-renais
vidades sistêmica e renal mais graves, especialmente se
capítulo 23 431

últimos anos. A sobrevida acima de 10 anos é atualmente


Quadro 23.5 Classificação das vasculites (de acordo
maior que 80%, isto devido ao diagnóstico mais precoce do
com a Conferência Internacional de Chappel Hill)
envolvimento renal, ao controle da hipertensão e dos fato-
res de risco cardiovascular, e à instituição de esquemas 1. VASCULITES DE GRANDES VASOS
imunossupressores mais eficazes. • ARTERITE TEMPORAL
• ARTERITE DE TAKAYASU
Envolvimento renal infreqüente: hipertensão
renovascular, nefropatia isquêmica
VASCULITES SISTÊMICAS
2. VASCULITES DE VASOS DE MÉDIO CALIBRE
NECROTIZANTES • POLIARTERITE NODOSA CLÁSSICA
Envolvimento renal infreqüente: hipertensão
O termo vasculite renal tem sido empregado na literatu- renovascular, nefropatia isquêmica
• DOENÇA DE KAWASAKI
ra médica em duas situações distintas: 1) para descrever o
Envolvimento renal extremamente raro
envolvimento dos rins nas vasculites sistêmicas e 2) para
descrever a presença de glomerulonefrites crescênticas e 3. VASCULITES DE PEQUENOS VASOS
necrotizantes, sem depósitos imunes, com lesões glomeru- • GRANULOMATOSE DE WEGENER
lares idênticas às vasculites microscópicas. Este padrão de Afeta capilares, vênulas e arteríolas: comum
ocorrência de glomerulonefrite necrotizante e
glomerulonefrite crescêntica pauciimune tem sido incluído
positividade do ANCA
no grupo das vasculites renais não só pela semelhança his- • POLIANGEÍTE MICROSCÓPICA
tológica com as demais vasculites, mas também pelo fato de Afeta capilares, vênulas e arteríolas: comum
os pródromos clínicos serem da mesma ordem (febre, ane- ocorrência de glomerulonefrite necrotizante e
mia, mialgias) e, em certas ocasiões, ocorrer a disseminação positividade do ANCA
• SÍNDROME DE CHURG-STRAUSS
da doença, constatada até mesmo em necrópsias. A glome-
Afeta capilares, vênulas e arteríolas: envolvimento
rulonefrite crescêntica e necrotizante, que ocorre sem evidên- renal infreqüente; positividade do ANCA
cia de vasculite sistêmica, tem sido chamada de “glomerulo- • PÚRPURA DE HENOCH-SCHÖNLEIN
nefrite crescêntica idiopática” ou crescêntica pauciimune com Comum ocorrência de glomerulonefrite mesangial
o sentido de que não pertence às categorias imunopatológi- com depósitos de IgA
• VASCULITE DA CRIOGLOBULINEMIA
cas conhecidas de glomerulonefrites crescênticas, quais sejam,
Comum ocorrência de glomerulonefrite
as decorrentes da localização tecidual de imunocomplexos e membranoproliferativa
aquelas que resultam da injúria pelo anticorpo antimembra- • ANGEÍTE CUTÂNEA LEUCOCITOCLÁSTICA
na basal glomerular (anti-GBM). Envolvimento renal muito raro
As vasculites renais podem ser causadas por uma série de
entidades que se caracterizam por processo inflamatório em
vasos de praticamente todos os calibres, incluindo artérias,
arteríolas, capilares glomerulares e os vasos retos da medula lites; em pacientes com deficiências hereditárias de alfa1-
renal. Um dos maiores problemas no estudo das vasculites antitripsina, tem sido descrita vasculite ANCA-positiva com
sistêmicas é a sua classificação: estas doenças podem ser des- anticorpo antiproteinase 3 (ANCA-C). Demonstrou-se re-
critas de acordo com o calibre do vaso envolvido, de acordo centemente que o antígeno de histocompatibilidade HLA-
com síndromes orgânicas, com os achados histopatológicos DQw7 está associado a vasculite ANCA-positiva, sugerin-
ou, ainda, segundo supostos mecanismos etiopatogênicos. do forte caráter genético-hereditário nestas doenças.
Com o objetivo de superar estas dificuldades, a Conferência A prevalência de doença renal nas vasculites sistêmicas
Internacional de Chappel Hill propôs uma classificação de ocorre em 50 a 90% dos casos. A forma de glomerulonefri-
consenso, onde diversas vasculites conhecidas foram agru- te crescêntica necrotizante pauciimune corresponde a apro-
padas conforme o calibre dos vasos predominantemente ximadamente 50% de todas as glomerulonefrites rapida-
acometidos, como pode ser observado no Quadro 23.5. mente progressivas. Na nefrite pauciimune, ao redor de 80%
dos pacientes têm vasculites sistêmicas e até 85% têm so-
rologia positiva para o ANCA. Na população geral, vas-
Etiologia e Prevalência culites dos vasos de pequeno calibre afetam principalmente
A etiologia das vasculites sistêmicas é desconhecida. Em a faixa etária acima dos 50 anos, mas podem também atin-
certas circunstâncias, tem sido possível identificar agentes gir pessoas mais jovens.
causais representados por drogas, tais como: alopurinol,
rifampicina, penicilamina, hidralazina e sulfas. Em outras Patogênese
situações, agentes infecciosos têm sido incriminados: vírus
B da hepatite, parvovírus B 19, infecções bacterianas. Pare- O mecanismo mais freqüentemente envolvido na injúria
ce existir predisposição genética em alguns casos de vascu- vascular renal é o do processo inflamatório mediado por
432 Glomerulopatias Secundárias

anticorpos; a imunopatogênese das vasculites, entretanto,


Pontos-chave:
ainda não é bem conhecida. A via final comum da inflama-
ção inclui o recrutamento de neutrófilos e macrófagos jun- • As vasculites renais são causadas por
to à parede vascular, à qual estas células aderem e na qual diferentes formas de agressão imunológica
penetram e liberam os radicais livres de oxigênio e as enzi- • O anticorpo ANCA está envolvido na
mas proteolíticas, tais como a elastase, catepsinas, proteina- patogenia de muitas formas de vasculites
se-3 (PR3) e mieloperoxidase (MPO). Vários mecanismos
que afetam os pequenos vasos, com mínima
imunológicos têm sido propostos para explicar a reação in-
expressão tecidual de anticorpos e
flamatória vascular: 1) deposição de imunocomplexos cir-
culantes; 2) formação in situ de imunocomplexos; 3) intera- complemento (pauciimunes)
ção de anticorpos com antígenos do endotélio; 4) ativação
de neutrófilos mediada pelo ANCA. Os três primeiros meca-
nismos são os mais conhecidos e melhor documentados e
Quadro Clínico
envolvem basicamente a ativação de mediadores humorais, A maioria dos pacientes com vasculites ANCA-positi-
especialmente o sistema do complemento, e estão presentes vas e envolvimento renal grave se enquadram nos diag-
em doenças mediadas por complexos antígeno-anticorpo. O nósticos de poliangeíte microscópica, granulomatose de
quarto mecanismo ainda não está bem esclarecido, perma- Wegener, ou então, são portadores de glomerulonefrite
necendo no terreno das hipóteses, como veremos a seguir, crescêntica necrotizante pauciimune, sem evidências de
e estaria presente nas vasculites ANCA-relacionadas. vasculite extra-renal. A síndrome de Churg-Strauss é bas-
A participação do ANCA como fator determinante da tante rara; poucos pacientes com esta síndrome apresen-
etiopatogênese das vasculites renais, de acordo com estu- tam envolvimento renal importante.
dos recentes, comporta algumas possíveis explicações do- As vasculites associadas ao ANCA acometem indistin-
cumentadas em estudos experimentais. Uma primeira tamente ambos os sexos, com maior prevalência por volta
possibilidade seria o efeito direto do ANCA na ativação de dos 55 anos de idade, com predileção para indivíduos da
neutrófilos circulantes, promovendo sua adesão ao endo- raça branca. Tipicamente, os pacientes se apresentam com
télio e lesão vascular. Já foi demonstrado que in vitro o febre, anorexia, emagrecimento e astenia, freqüentemente
ANCA ativa neutrófilos e estes, por sua vez, produzem precedidos por pródromos que simulam um quadro viral,
radicais livres de oxigênio e liberam enzimas proteolíticas com artralgias e mialgias.
de seus grânulos. Este processo de ativação de neutrófilos As manifestações renais nas vasculites ANCA-positivas
pode estar facilitado quando estas células são previamen- são polimórficas e incluem desde hematúria e proteinú-
te expostas à ação de citocinas, como o fator de necrose ria assintomáticas, até o quadro grave da glomerulonefri-
tumoral (TNF) e o interferon-alfa. Um segundo mecanis- te rapidamente progressiva. A maioria dos pacientes tem
mo proposto para as vasculites mediadas pelo ANCA se- hematúria micro- ou macroscópica, proteinúria de 1 a 3
ria a ligação deste anticorpo a antígenos depositados no gramas por dia, cilindrúria hemática e creatinina sérica
endotélio, com a formação de imunocomplexos in situ. De elevada. Hipertensão arterial está presente em 25 a 50%
acordo com esta hipótese, quando os neutrófilos fossem dos pacientes, podendo ser grave, ou mesmo ter caracte-
ativados por algum agente (drogas, vírus, bactérias), os rísticas de hipertensão maligna. Outra forma de quadro
antígenos reconhecidos pelo ANCA (MPO e PR3) seriam clínico menos freqüente é o da perda lenta e progressiva
liberados e, em vista de sua forte carga catiônica, seriam da função renal em um período de meses ou anos, geral-
localizados no endotélio vascular. O ANCA poderia, en- mente se acompanhando de hematúria e proteinúria. A bi-
tão, ligar-se a estes antígenos e formar imunocomplexos. ópsia renal pode ser extremamente útil nestes casos, quan-
Um dos argumentos contra esta hipótese é o fato de depó- do se torna importante diferenciar os pacientes que têm a
sitos de imunoglobulinas e complemento não serem detec- forma aguda rapidamente progressiva daqueles portado-
tados por tecidos envolvidos na agressão inflamatória (daí, res de lesões renais cronificadas de modo irreversível, que
portanto, a denominação de vasculites pauciimunes). não irão se beneficiar em nada do tratamento imunossu-
Uma terceira hipótese na imunopatogênese das vasculites pressor.
necrotizantes propõe que as células endoteliais têm a capaci- O envolvimento extra-renal é bastante comum nas vas-
dade de expressar antígenos-alvo para o ANCA que, em pre- culites ANCA-positivas. Aproximadamente 50% dos pa-
sença do efeito ativador de citocinas, poderia ligar-se a estes cientes com glomerulonefrite necrotizante têm acometi-
antígenos e formar imunocomplexos in situ. Neste caso, mais mento do trato respiratório, com padrões histopatológicos
uma vez, seria de esperar a demonstração de imunoglobu- da granulomatose de Wegener ou da poliangeíte micros-
linas na parede vascular. Não se pode, entretanto, afastar a cópica. Nestes pacientes, as manifestações do trato respi-
possibilidade de que uma pequena concentração de anticor- ratório alto incluem: sinusites, otite média, ulcerações na-
pos patogênicos, não detectável pelas técnicas habituais, pos- sais e rinorréia; o quadro pulmonar se traduz por hemop-
sa estar presente no sítio da lesão inflamatória. tise, infiltrados evanescentes e nódulos com transformação
capítulo 23 433

cavitária. Alterações gastrointestinais são encontradas em (síndrome de Goodpasture) ou pelas doenças mediadas
um terço dos pacientes com nefropatia associada ao por imunocomplexos (lúpus, púrpura de Henoch-
ANCA. O quadro mais comum é o da gastrite, com sinto- Schönlein, crioglobulinemia). Novamente a sorologia será
mas semelhantes ao da úlcera péptica. As manifestações muito importante no diagnóstico diferencial.
mais graves incluem ulcerações decorrentes de isquemia O quadro clínico da vasculite sistêmica pode também
da mucosa digestiva, perfurações e pancreatite aguda. se confundir com doenças renais sem vasculite e que levam
Outras manifestações extra-renais das vasculites necro- a insuficiência renal rapidamente progressiva, tais como a
tizantes estão relacionadas à pele (púrpura palpável), sis- microangiopatia trombótica e a nefropatia ateroembólica.
tema nervoso periférico (mononeurites), sistema nervoso Neste caso a biópsia renal poderá levar ao diagnóstico
central (encefalopatia, convulsões), aparelho ocular (epis- definitivo.
clerite, uveíte) e sistema músculo-esquelético (artrite, mi- A documentação histológica é imprescindível para o
osite). diagnóstico de vasculite necrotizante. Apesar do elevado
O exame laboratorial mais específico para as vasculites grau de especificidade do ANCA, sabe-se hoje que este
renais microscópicas é o teste do ANCA (anticorpo antici- anticorpo pode ser positivo em doenças infecciosas (por
toplasma de neutrófilos), encontrado em 80 a 90% dos exemplo, endocardite), hepatopatias auto-imunes e em
pacientes. Achados menos específicos incluem: velocida- algumas formas de enterocolopatias inflamatórias, sem
de de hemossedimentação e proteína C reativa elevadas, qualquer relação com o envolvimento vascular. A biópsia
anemia, leucocitose e, ocasionalmente, trombocitose. Eo- renal estará indicada, portanto, para se estabelecer o diag-
sinofilia é observada em pacientes com a síndrome de nóstico definitivo da vasculite renal e para se avaliar o grau
Churg-Strauss e, menos freqüentemente, em pacientes com de reversibilidade das lesões.
granulomatose de Wegener e poliangeíte microscópica. O
padrão de ANCA mais encontrado nas vasculites renais é
o perinuclear (p-ANCA), geralmente específico para a Patologia
mieloperoxidase (MPO-ANCA) e relacionado de modo
O aspecto histológico dominante no parênquima renal
predominante à poliangeíte microscópica, à glomerulone-
de pacientes com vasculites é o da glomerulonefrite ne-
frite crescêntica necrotizante e a alguns casos de granulo-
crotizante focal e segmentar, sem depósitos de imunoagre-
matose de Wegener. O padrão de ANCA citoplasmático (c-
gados ou evidências de proliferação celular intraglomeru-
ANCA), relacionado ao antígeno proteinase-3 (PR3-
lar. Em 80% dos casos ocorre a formação de crescentes epi-
ANCA), é o mais freqüente em pacientes com granuloma-
teliais agudos ou em vários estágios de evolução. Em ge-
tose de Wegener, ocorrendo em 90% dos casos na fase ati-
ral existe boa correlação entre a creatinina sérica inicial e
va desta doença.
o percentual de glomérulos comprometidos com os cres-
O anticorpo p-ANCA pode estar presente em 10 a 20%
centes.
dos pacientes com glomerulonefrite crescêntica associada
Nas doenças por imunocomplexos o aspecto histológi-
ao anticorpo antimembrana basal glomerular (anti-GBM).
co inclui a proliferação mesangial, o infiltrado celular à
Pacientes com p-ANCA e anti-GBM têm predisposição a
custa de neutrófilos e monócitos e a típica imunofluores-
apresentar vasculite extra-renal, habitualmente não descri-
ta na síndrome de Goodpasture clássica. Em 10 a 15% de
doenças renais mediadas por imunocomplexos, o ANCA
pode ser positivo, podendo-se tomar como exemplos a
transformação crescêntica de glomerulopatia primária (ne-
fropatia membranosa) e o lúpus eritematoso sistêmico, em
que 15% dos pacientes têm p-ANCA que reage com os
antígenos citoplasmáticos elastase e lactoferrina.

Diagnóstico Diferencial
As manifestações clínicas das vasculites renais associa-
das ao ANCA são similares às vasculites mediadas por
imunocomplexos, tais como a púrpura de Henoch-
Schönlein, a vasculite da crioglobulinemia essencial, a vas-
culite lúpica e as vasculites secundárias às infecções virais
e bacterianas (vírus B, estreptococos). A análise sorológica
adequada poderá ser útil na diferenciação entre estas do-
enças. A síndrome renal-pulmonar pode ser causada pe- Fig. 23.4 Glomerulonefrite focal e segmentar necrosante em pa-
las vasculites associadas ao ANCA, pela doença anti-GBM ciente com poliangeíte microscópica (PAMSS 450⫻).
434 Glomerulopatias Secundárias

cência nas diferentes entidades: o predomínio de IgA na


púrpura de Henoch-Schönlein, os depósitos maciços de
agregados de IgM na crioglobulinemia e a fluorescência
rica com todos os isotipos de imunoglobulinas e compo-
nentes do complemento no lúpus eritematoso sistêmico.
Na granulomatose de Wegener pode ser encontrada oca-
sionalmente formação de granuloma periglomerular.
Infiltrado intersticial é achado freqüente na vasculite
renal e geralmente acompanha a nefrite crescêntica grave.
Granulomas necrotizantes intersticiais, com células gigan-
tes multinucleadas, raramente são observados na granu-
lomatose de Wegener.
O envolvimento vascular extraglomerular é pouco fre-
qüente: em apenas 30 a 50% das biópsias as arteríolas po-
dem estar envolvidas pela vasculite. Este fato provavel-
mente decorre de um erro de amostragem da biópsia re- Fig. 23.6 Glomerulomatose de Wegener. Nota-se infiltrado pe-
nal, uma vez que vasculite arteriolar pode ser encontrada riglomerular com células gigantes, linfócitos e macrófagos
em praticamente todos os casos que vão para a necrópsia. (PAMSS 250⫻).
A lesão vascular renal predominante é a da inflama-
ção dos pequenos vasos com infiltrado perivascular à
custa de neutrófilos, linfócitos e monócitos. Ocorre tam- ra, era no máximo de seis meses. Atualmente, várias séri-
bém necrose fibrinóide da parede e ruptura das lâminas es da literatura têm apontado para sobrevida de até 70%
internas e externas, com insudação de proteínas no inte- em cinco anos, com o uso intensivo de corticosteróides e
rior da parede vascular e no tecido perivascular. Alguns ciclofosfamida. A corticoterapia isolada não previne as
pacientes com vasculites ANCA-positivas, especialmen- recidivas que freqüentemente ocorrem nas vasculites ne-
te granulomatose de Wegener, apresentam lesões necro- crotizantes, especialmente no que se refere à granuloma-
tizantes segmentares nos capilares peritubulares e nos tose de Wegener.
vasos retos da medula renal. Granuloma de células gigan- O tratamento das vasculites renais inclui duas impor-
tes e monócitos também podem ser observados em situ- tantes fases: a da indução e a da manutenção terapêutica
ação perivascular. a longo prazo. Nas fase de indução, a droga de escolha é
a metil-prednisolona, administrada sob forma de pulsos
intravenosos (1,0 g por três dias consecutivos), seguida
Tratamento de prednisona por via oral na dose de 0,5-1,0 mg/kg/dia.
A sobrevida média dos pacientes com vasculite necro- Ciclofosfamida deve ser acrescentada a este esquema, pre-
tizante, antes do advento da terapêutica imunossupresso- ferencialmente por via oral, na dose de 1 a 3 mg/kg/dia,
dependendo da função renal e da contagem de leucóci-
tos. Em casos de vasculite extra-renal grave, ou mesmo
na perda rápida da função renal até o nível dialítico, tem
sido proposto o uso de plasmaférese intensiva, com 7 a
10 trocas diárias de 4 litros de plasma e substituição por
albumina. Este método envolve alto custo e não está isen-
to de complicações de ordem infecciosa. Após a fase da
indução terapêutica da doença aguda, que dura até 8-12
semanas, inicia-se a fase do tratamento de manutenção (12
a 24 meses) com ciclofosfamida oral, 1 a 2 mg/kg/dia,
acompanhada de prednisona, 10 a 20 mg/dia. Uma for-
ma alternativa de tratamento na fase de manutenção é o
uso da ciclofosfamida intravenosa sob forma de pulsos
mensais na dose de 0,75-1,0 g/m2 de superfície corporal,
por um período variável, de 6 a 12 meses. Azatioprina na
dose de 2 mg/kg/dia também tem sido proposta como
droga eficaz e menos tóxica que os agentes alquilantes na
fase de manutenção, associada a doses baixas de predni-
Fig. 23.5 Vasculite renal necrosante aguda de artéria de pequeno sona. Também o micofenolato mofetil (MMF), na dose de
calibre, com intensa reação inflamatória transmural (H.E. 280⫻). 1 a 2 g/dia, pode ser usado nesta fase.
capítulo 23 435

Novas modalidades de tratamento das vasculites re-


nais têm sido recentemente sugeridas, tais como gama- PÚRPURA DE
globulina endovenosa em altas doses e uso de anticor- HENOCH-SCHÖNLEIN
pos monoclonais. O real benefício desses procedimentos
na doença renal grave ainda não foi demonstrado. Al- A púrpura de Henoch-Schönlein é definida como sín-
guns pacientes com granulomatose de Wegener, tratados drome que habitualmente se manifesta como vasculite de
com sulfa-trimetoprim, têm menor índice de recidivas da pequenos vasos da pele, do trato gastrointestinal, das arti-
doença, provavelmente pelo efeito profilático desta as- culações e do tecido renal. As principais manifestações clí-
sociação no controle das infecções do trato respiratório, nicas desta síndrome incluem a púrpura dos membros in-
que podem desencadear a atividade das vasculites necro- feriores, artralgias, dor abdominal, sangramentos gastro-
tizantes. intestinais e glomerulonefrite.
Na avaliação da resposta terapêutica a longo prazo, Existem poucos estudos sobre a prevalência da púrpu-
devem ser cuidadosamente pesquisados os sinais e sinto- ra de Henoch-Schönlein na população. Trabalhos realiza-
mas clínicos da atividade sistêmica e renal. Dentre os tes- dos por autores escandinavos relatam ocorrência de 18
tes de laboratório usuais, a proteína C reativa, a velocida- casos por 100.000 crianças com até 14 anos de idade e 0,8
de de hemossedimentação, o sedimento urinário, a protei- caso por 100.000 habitantes, com idade de 15 anos em di-
núria quantitativa e a creatinina sérica devem ser habitu- ante. Trata-se, portanto, de uma afecção que atinge espe-
almente solicitados no seguimento. Na granulomatose de cialmente crianças com menos de 10 anos de idade, sendo
Wegener, a negativação do ANCA tem boa correlação com incomum em adultos. O sexo masculino é mais acometi-
as fases inativas da doença, se bem que ANCA positivo do, numa proporção de 2:1 em relação ao sexo feminino.
pode ocorrer em até 25% dos pacientes que estão evoluin-
do assintomáticos. Etiologia e Patogênese
Dentre os pacientes que sobrevivem, a recuperação da
função renal pode ocorrer após certo período de tratamento A maioria dos pacientes com púrpura de Henoch-
dialítico, que varia de 4 até 12 meses. Tão logo a função Schönlein relata antecedente de infecção do trato respira-
renal se recupere, é comum a ocorrência de proteinúria tório, precedendo o quadro clínico típico desta síndrome.
maciça e síndrome nefrótica, que a seguir remite lentamen- Vários agentes patogênicos têm sido implicados na etiolo-
te com o passar do tempo. As recidivas nas vasculites as- gia da púrpura de Henoch-Schönlein, sendo citados estrep-
sociadas ao ANCA são relativamente freqüentes e estão tococos beta-hemolíticos, estafilococos, micobactérias,
diretamente relacionadas com a menor intensidade e me- Haemophilus, Yersinia e numerosos vírus. Mais raramente,
nor duração do tratamento imunossupressor na fase de os episódios de vasculite podem surgir após a ingestão de
manutenção. drogas ou de alimentos.
Evidências clínicas e laboratoriais sugerem fortemente
que fatores imunológicos estejam envolvidos na púrpura
Pontos-chave: de Henoch-Schönlein. Além dos antecedentes de exposi-
ção a antígenos já citados, depósitos de imunoglobulinas
• A histologia renal mais freqüente nas e frações do complemento estão invariavelmente presen-
vasculites é a da glomerulonefrite tes na pele e nos glomérulos renais. Devido às semelhan-
necrotizante segmentar e focal pauciimune, ças histológicas com a nefropatia da IgA (doença de Ber-
com crescentes ger), muitos pesquisadores admitem que a púrpura de
• As vasculites associadas ao ANCA são a Henoch-Schönlein seja a forma de manifestação sistêmi-
granulomatose de Wegener, a poliangeíte ca daquela nefropatia. Nas duas entidades em questão,
microscópica e a síndrome de Churg- podemos detectar aumento na concentração sérica de
Strauss IgA-fibronectina, imunocomplexos e fatores reumatóides
da classe IgA, além de maior número de linfócitos B se-
• O tratamento das vasculites renais ANCA-
cretores de IgA. Estudos recentes também têm demons-
positivas, na fase de indução, inclui os trado que na nefropatia da IgA e, possivelmente, na púr-
corticosteróides em doses elevadas e a pura de Henoch-Schönlein a estrutura da molécula da
ciclofosfamida, preferencialmente por via IgA estaria alterada quanto à sua composição de resídu-
oral os de carboidratos, via defeito genético. Esta alteração
• Na fase de manutenção (12 a 24 meses), o estrutural levaria a uma menor ligação aos receptores
tratamento pode ser feito com hepáticos, responsáveis por seu clareamento da circula-
ciclofosfamida endovenosa mensal, ção e, conseqüentemente, maior deposição em outros
azatioprina ou micofenolato mofetil tecidos, tais como o mesângio glomerular. Apesar de
inúmeras outras evidências de desregulação imunológi-
436 Glomerulopatias Secundárias

ca na púrpura de Henoch-Schönlein, sua patogênese ain- Alterações Patológicas


da continua desconhecida.
A biópsia de pele nas áreas afetadas pelo quadro pur-
púrico mostra o aspecto típico de vasculite leucocitoclás-
Manifestações Clínicas tica de pequenos vasos, com deposição de IgA. O infiltra-
do inflamatório habitualmente inclui neutrófilos, histióci-
A púrpura de Henoch-Schönlein pode ocorrer em qual-
tos e eosinófilos, com localização perivascular. Podem tam-
quer faixa etária, porém, a maior prevalência se situa em
bém estar presentes necrose fibrinóide da parede vascular,
crianças com menos de 10 anos de idade e, preferencial-
extravasamento de eritrócitos e debris nucleares, que resul-
mente, no sexo masculino, numa proporção de 2:1 em re-
tam da desintegração de neutrófilos.
lação ao sexo feminino. O antecedente mais comum cos-
A biópsia renal de pacientes com a púrpura de Henoch-
tuma ser um episódio recente de infecção das vias aéreas
Schönlein pode revelar desde proliferação mesangial leve,
superiores, seguindo-se então o típico rash purpúrico na
até lesões mais graves de glomerulonefrite endocapilar
face de extensão dos membros inferiores, artralgias, dores
difusa, com ou sem crescentes epiteliais. A presença de IgA
abdominais, hematúria e proteinúria. Em geral, os sinais e
no mesângio, demonstrada pela imunofluorescência, é o
sintomas de cada surto purpúrico duram até três meses,
mais importante critério diagnóstico de envolvimento re-
exceto a nefrite, que pode ser evolutiva e se cronificar.
nal na púrpura de Henoch-Schönlein. Tendo em vista a
Habitualmente, ocorrem duas a três recidivas da síndro-
semelhança dos achados histológicos nesta entidade e na
me durante o primeiro ano, com tendência a remissões
nefropatia de IgA, pode-se supor que estas doenças tenham
prolongadas, no seguimento a longo prazo.
uma mesma base etiopatogênica.
A hematúria macroscópica é a manifestação mais co-
mum do envolvimento renal na púrpura de Henoch-
Schönlein, ocorrendo em até 80% dos pacientes. Hematú- Tratamento e Prognóstico
ria microscópica e síndrome nefrótica são bem menos fre-
qüentes. Ocasionalmente, as manifestações renais têm as Não há tratamento específico e eficaz para a púrpura de
características da síndrome nefrítica com edema, hiperten- Henoch-Schönlein. Tendo em vista que a maioria dos ca-
são e redução da filtração glomerular. Em pacientes adul- sos se resolve espontaneamente, recomenda-se preferen-
tos, tem sido descrita a variante da glomerulonefrite rapi- cialmente a terapêutica de suporte, que inclui o adequado
damente progressiva, que evolui quase sempre para a in- balanço hidroeletrolítico, a pesquisa de eventual sangra-
suficiência renal terminal. mento do trato digestivo, o tratamento das infecções asso-
ciadas e a monitorização da função renal.
A maioria dos pacientes tem envolvimento renal de
Alterações Laboratoriais e Diagnóstico pouca repercussão clínica, com hematúria microscópica,
Diferencial proteinúria leve e função renal conservada. Nestes casos,
recomenda-se apenas o tratamento de suporte. Pacientes
O diagnóstico da púrpura de Henoch-Schönlein é essen- com insuficiência renal ou síndrome nefrótica devem ser
cialmente clínico. O rash cutâneo, associado a artralgias, dor biopsiados e, tendo lesões proliferativas mais graves, po-
abdominal e hematúria, sugere fortemente o diagnóstico. Os dem ser tratados com prednisona (1 mg/kg/dia), ciclofos-
testes laboratoriais podem ser vitais na exclusão de outros famida e/ou gamaglobulina intravenosa. A eficácia des-
diagnósticos. Contagem de plaquetas e provas de coagula- tes esquemas imunossupressores, no entanto, é bastante
ção habitualmente são normais, e o complemento sérico ra- discutível.
ramente está diminuído; fator antinúcleo e fator reumatóide O prognóstico renal da púrpura de Henoch-Schönlein
clássico são negativos, assim como o anticorpo anticitoplas- depende basicamente do quadro clínico inicial e das lesões
ma de neutrófilo (ANCA). A IgA sérica está elevada em apro- histológicas subjacentes. Pacientes com hematúria micros-
ximadamente 50% dos pacientes, e crioglobulinas podem cópica e proliferação mesangial evoluem muito bem, com
estar presentes. Imunocomplexos circulantes contendo IgA morbidade menor que 10% ao final de 10 anos. Pacientes
polimérica ou IgA ligada à fibronectina podem ser demons- com síndrome nefrótica persistente, elevação da creatini-
trados, especialmente nos períodos de atividade da doença. na sérica e presença de nefrite grave com mais de 50% de
Dentre as manifestações renais, as mais características crescentes evoluem para a insuficiência renal crônica. O
são a hematúria microscópica com dismorfismo modera- transplante renal tem sido indicado para os pacientes que
do, cilindros granulosos e/ou hemáticos e proteinúria chegam ao estágio de falência renal terminal, sendo fre-
menor que 2,0 g nas 24 horas. O diagnóstico diferencial qüente a recidiva da doença original. A perda do enxerto,
deve ser feito com a glomerulonefrite aguda pós-estrepto- entretanto, costuma ocorrer somente nos casos em que a
cócica, com o lúpus eritematoso sistêmico e com a crioglo- doença inicial foi muito agressiva, caracterizada pela evo-
bulinemia mista, que podem ser afastados pelo estudo lução para insuficiência renal em menos de três anos após
sorológico adequado. o diagnóstico da síndrome.
capítulo 23 437

fenômenos hemorrágicos. A hematúria microscópica, com


Pontos-chave:
dimorfismo eritrocitário, é a alteração mais freqüente, po-
• Na púrpura de Henoch-Schönlein o quadro dendo, raramente, ser a única manifestação da doença. A
clínico é de púrpura palpável de membros proteinúria é discreta, sendo incomuns a síndrome nefró-
inferiores, artralgias, dor abdominal e tica e a hipertensão. Alguns pacientes com envolvimento
glomerulonefrite (hematúria, proteinúria pulmonar exclusivo foram descritos, exigindo um diagnós-
tico diferencial com a hemossiderose pulmonar idiopáti-
não-nefrótica)
ca. Casos foram relatados em que a hemorragia precedeu
• Imunofluorescência renal com predomínio a nefropatia em até alguns meses.
de IgA no mesângio, com depósitos Outras glomerulonefrites, acompanhando doenças sis-
ocasionais de outras imunoglobulinas e C3 têmicas, podem cursar com hemorragia pulmonar. Entre
• Tratamento de suporte na hematúria elas, o lúpus eritematoso sistêmico (LES) e as vasculites
assintomática e tratamento (granulomatose de Wegener, púrpura de Henoch-
imunossupressor se ocorrer síndrome Schönlein). O diagnóstico diferencial da glomerulonefrite
nefrótica ou glomerulonefrite rapidamente antimembrana basal glomerular (GN anti-MBG) com as
progressiva vasculites compreende a detecção de anticorpo antimem-
brana basal no soro de pacientes com GN anti-MBG, e do
anticorpo anticitoplasma de neutrófilos (ANCA) em paci-
entes com granulomatose de Wegener e poliangeíte micros-
SÍNDROME DE GOODPASTURE cópica. No entanto, em alguns pacientes, a diferenciação
(glomerulonefrite antimembrana pode não ser tão simples, uma vez que tem sido descrita
vasculite extra-renal na GN anti-MBG, com o ANCA po-
basal glomerular) sitivo em aproximadamente 10 a 20% dos casos.

A glomerulonefrite antimembrana basal glomerular


(anti-MBG), embora rara, é importante causa de uma for- Alterações Patológicas
ma grave de nefropatia que se manifesta com alto índice
Do ponto de vista anatomopatológico, é a imunofluo-
de morbidade e mortalidade. Apresenta-se, comumente,
rescência (IF) o principal indicador do diagnóstico da GN
como síndrome de Goodpasture (GP), caracterizada por
anti-MBG pelo característico padrão linear do depósito de
um quadro de insuficiência renal com hemorragia pulmo-
IgG ao longo da parede capilar glomerular. As imunoglo-
nar. Em outras situações, ainda que a lesão renal seja do
bulinas IgA e IgM são raramente vistas. O mesmo padrão
tipo rapidamente progressiva (GNRP), com crescentes
linear de IgG pode ser encontrado na membrana basal tu-
epiteliais à biópsia, não há comprometimento pulmonar.
bular. Depósito de C3 ocorre em 2/3 dos pacientes, sendo
Formas leves de hematúria microscópica, sem manifesta-
geralmente linear, às vezes descontínuos ou de aspecto
ções clínicas, são raramente vistas. A síndrome de Goo-
granular. Depósitos de fibrina são vistos nos crescentes
dpasture acomete indivíduos em qualquer idade, com dois
epiteliais e em alças capilares. Outras patologias podem
picos distintos de prevalência, na segunda e na quinta dé-
apresentar o padrão linear à IF, como é o caso de depósito
cadas de vida. Esta síndrome predomina em jovens do sexo
de albumina e IgG no diabetes mellitus e de IgG no LES. Falsa
masculino, enquanto em mulheres acima de 50 anos a for- deposição linear de imunoglobulinas pode ser verificada
ma GNRP, sem acometimento pulmonar, é mais freqüen- em material de autópsia, e após perfusão renal do doador
te. Nos países do hemisfério norte, ocorre uma típica dis- durante o transplante, sendo possível que a isquemia exer-
tribuição sazonal (mais comum na primavera) e racial, com ça um papel nesta forma de apresentação da IF. Deve-se
acometimento quase exclusivo da raça branca. ressaltar que, nos estados muito avançados da doença, o
depósito fluorescente poderá ser irregular, devido à frag-
Quadro Clínico mentação da alça capilar.
A microscopia ótica revela, geralmente, uma glomeru-
Exceto quando há hemorragia pulmonar, sugerindo a lonefrite proliferativa com crescentes epiteliais, sendo ha-
síndrome de Goodpasture, o quadro clínico difere de ou- bitual estarem os glomérulos no mesmo estágio de lesão.
tras formas de GNRP. A oligúria é quase uma constante, A presença de leucócitos e macrófagos pode ser abundan-
com a insuficiência renal instalando-se em poucos dias, te na luz capilar e, raramente, há proliferação de células
vindo 75% dos pacientes a necessitar de diálise. A anemia mesangiais. Edema e infiltrado inflamatório no interstício
do tipo ferropriva é muito comum, provavelmente devi- são vistos freqüentemente.
da ao sangramento intra-alveolar. O fumo e inalantes hi- A microscopia eletrônica mostra ausência de imunode-
drocarbonados podem precipitar a hemorragia pulmonar. pósitos, alargamento da membrana basal glomerular à
A queda de função renal habitualmente acompanha estes custa de substância lucente na lâmina rara interna, presen-
438 Glomerulopatias Secundárias

ça de fibrina nos capilares e nos crescentes, e ruptura de Concluindo, é possível que uma agressão de qualquer
segmentos da membrana basal glomerular e da cápsula de natureza (infecciosa, traumática, química), que possa le-
Bowman. sar a MBG, exponha o antígeno de GP, desencadeando o
processo em indivíduos geneticamente predispostos à
doença.
Patogênese A interação antígeno-anticorpo ocasiona a ativação do
A partir do modelo experimental da nefrite nefrotóxica complemento, leucócitos e macrófagos, liberação de me-
auto-imune de Masugi, caracterizou-se a GN anti-MBG diadores (leucotrienos, citocinas) e intensa lesão inflama-
humana como imunologicamente mediada. A presença tória.
dos anticorpos anti-MBG pode ser demonstrada tanto no
soro como em eluatos de rim de animais e seres humanos Prognóstico e Tratamento
portadores da doença, sendo este anticorpo capaz de pro-
duzir a lesão renal quando injetado em animais sadios. O tratamento da glomerulonefrite anti-MBG depende
O fator que desencadeia a formação do anticorpo não é da precocidade do diagnóstico e da gravidade da lesão
conhecido. O primeiro paciente descrito por Goodpasture à biópsia renal. Os casos leves, sem déficit de função re-
era portador de influenza, mas posteriormente essa asso- nal, podem prescindir de uma terapêutica específica. Di-
ciação não foi verificada. A doença ocorre, ocasionalmen- versos autores são unânimes em afirmar que pacientes
te, em pintores e em pessoas que têm contato com poluen- anúricos com creatinina ⬎ 6 mg/dl dificilmente poderão
tes orgânicos. Os indivíduos HLA DR2 são mais suscetí- se beneficiar com a medicação imunossupressora, dado
veis a desenvolver esta patologia, porém não existe uma o caráter de rápida colagenização dos crescentes glome-
nítida relação com sua ocorrência em grupos familiares. rulares.
A MBG é composta por colágeno IV, laminina, entacti- A plasmaférese é a terapêutica de escolha, especial-
na, glicosaminoglicanos e heparano sulfatos. No colágeno mente quando ocorrer hemorragia alveolar, e tem a fina-
tipo IV foram identificadas seis cadeias alfa; sua estrutura lidade de remover o auto-anticorpo circulante. A troca de
básica monomérica é formada por três cadeias arranjadas plasma diária (4 L/dia) deve ser mantida por um perío-
de forma helicoidal, com as tríplices cadeias se associando do mínimo de 10 dias. Geralmente, em oito semanas de
entre si para formar a supra-estrutura do colágeno IV. Cada tratamento, o anticorpo torna-se indetectável. A predni-
cadeia apresenta um longo domínio colágeno, alternado sona, como antiinflamatório, e a ciclofosfamida (2 mg/
seqüencialmente por curtos segmentos não-colágenos kg/dia), que tem o efeito de inibir a síntese do anticorpo,
(NC). A fração antigênica da GN anti-MBG encontra-se na devem ser associadas, a fim de se manter a remissão. Na
porção não-colágena da cadeia alfa 3, e o anticorpo contra fase inicial do tratamento, poderá ser utilizada a metil-
esta fração é habitualmente uma IgG com predomínio da prednisolona (MP) endovenosa na dose de 15 a 20 mg/
subclasse IgG1. Pacientes com síndrome de Alport apre- kg/dia, em três dias consecutivos. Após a terceira dose,
sentam mutação genética na cadeia alfa 3. Alguns desses a corticoterapia deve ser mantida por via oral, com dose
indivíduos, quando submetidos a transplante renal, desen- inicial de 1 mg/kg/dia, e redução de acordo com a res-
volvem anticorpos contra a cadeia alfa 3, ocasionando a posta terapêutica.
glomerulonefrite da síndrome de Goodpasture. A hemorragia pulmonar é também um grande limitan-
Anticorpos contra outros componentes da MBG têm te da sobrevida. Quando isolada, poderá ser tratada com
sido descritos em outras patologias, como doença de Cha- pulsos endovenosos de MP e plasmaférese. Não há con-
gas, leishmaniose tegumentar, LES, glomerulonefrite pós- tra-indicação ao transplante para pacientes com síndro-
estreptocócica, síndrome nefrótica idiopática. Alguns pa- me de Goodpasture que evoluem para insuficiência renal
cientes com glomerulonefrite membranosa foram descri- crônica terminal, devendo-se tomar o cuidado de não
tos evoluindo com GNRP, sendo detectado o anticorpo realizá-lo enquanto houver o anticorpo anti-MBG detec-
anti-MBG no soro de 20% destes casos. tado na circulação.

ANTÍGENO GP

s
s

CADEIA ␣3 NCl

Fig. 23.7 Representação esquemática da estrutura da membrana basal glomerular. O antígeno de Goodpasture está contido no seg-
mento não-colágeno (NC) da cadeia alfa 3.
capítulo 23 439

PARAPROTEINEMIAS E
DISPROTEINEMIAS
Constituem um grupo de doenças que se acompanham
da produção de proteínas monoclonais ou de deposição
de macromoléculas de composição complexa ao nível glo-
merular.
Destacam-se, pela freqüência e gravidade, o mieloma
múltiplo, a macroglobulinemia de Waldenström, as discra-
sias plasmocitárias associadas à amiloidose AL e as doen-
ças de cadeia leve e pesada.
Ocasionalmente, indivíduos normais acima de 25 anos
podem apresentar um componente-M sem que se detecte
doença subjacente. Para estes casos foi sugerido o nome
Fig. 23.8 Síndrome de Goodpasture, aspecto de glomerulonefri- “gamopatia monoclonal de significado indeterminado”.
te com crescente epitelial (H.E. 450⫻). Neste capítulo, abordaremos o envolvimento glomeru-
lar, sem nos determos nas lesões túbulo-intersticiais, que
são mais freqüentes no mieloma múltiplo e mais relacio-
nadas ao comprometimento da função tubular.

Mieloma Múltiplo e Doença de


Cadeias Leves
Aproximadamente 65% dos pacientes com mieloma
múltiplo excretam proteínas de Bence Jones, que são filtra-
das ao nível glomerular, relacionando-se com a alta inci-
dência de comprometimento túbulo-intersticial. Proteinú-
ria ocorre em 90% dos pacientes e 55% têm insuficiência
renal ao diagnóstico. A causa do envolvimento renal é
multifatorial e inclui hipercalcemia e hipercalciúria, hipe-
ruricemia, infecção do trato urinário, infiltração renal por
células plasmáticas e o chamado “rim do mieloma”.
Em 15% dos casos, a porção variável da cadeia leve
monoclonal, ou esta mais a cadeia leve intacta, deposita-
se no rim como substância amilóide, constituindo a ami-
Fig. 23.9 Síndrome de Goodpasture, notando-se o padrão linear loidose AL. Nesses depósitos, as proteínas adquirem con-
à imunofluorescência, positiva para IgG. formação beta-pregueada característica das fibrilas amilói-
des, com predomínio da cadeia leve lambda, sendo indis-
tinguível da amiloidose primária e recebendo a denomi-
Pontos-chave: nação de proteína amilóide AL.
À microscopia ótica, pode haver aumento na quantida-
• A síndrome de Goodpasture se caracteriza
de de matriz mesangial, com ou sem hipercelularidade
pelo quadro clínico de hemoptise e concomitante, e discreto espessamento uniforme da mem-
glomerulonefrite aguda com insuficiência brana basal glomerular. Essas lesões foram descritas antes
renal do reconhecimento da doença de deposição de cadeias le-
• O diagnóstico diferencial deve ser feito com ves. Há casos isolados de descrição de crescentes e glome-
outras síndromes pulmão-rim: vasculites rulonefrite membranoproliferativa. Lesões glomerulares is-
ANCA positivas, lúpus, púrpura de quêmicas de caráter crônico podem ocorrer, com enruga-
Henoch-Schönlein mento da membrana basal e, ocasionalmente, tufos
• O tratamento deve ser precoce, com obsolescentes, vistos em pacientes com anormalidades
vasculares devidas ao envelhecimento, não se relacionan-
plasmaférese, corticosteróides e
do, provavelmente, com o mieloma múltiplo. Pode haver
ciclofosfamida
a presença de exsudatos de material proteináceo, seme-
440 Glomerulopatias Secundárias

lhante aos cilindros intratubulares, no espaço de Bowman.


Este material se cora com anticorpo antiproteína de Tamm-
Horsfall, demonstrado em alguns pacientes com insufici-
ência renal aguda e mieloma múltiplo.
Outro tipo de comprometimento glomerular é a doen-
ça de deposição de cadeias leves, onde o depósito glome-
rular é de cadeia leve intacta e, às vezes, de cadeia pesada.
Esses depósitos são mais freqüentemente de cadeias leves
kapa e não assumem a estrutura fibrilar do amilóide AL,
não apresentando, também, a birrefringência verde-maçã
quando corado com vermelho-Congo e visto por luz pola-
rizada.
Em uma das séries estudadas, a doença de deposição de
cadeias leves ocorreu em 13% dos pacientes com mieloma
múltiplo. As cadeias leves depositam-se na membrana
basal glomerular e tubular, assim como no mesângio, re-
Fig. 23.10 Nefropatia de cadeias leves, com o aspecto de glome-
sultando em lesão glomerular e tubular. A lesão glomeru- ruloesclerose nodular em região mesangial.
lar mais característica é a glomeruloesclerose nodular, em
50% dos pacientes, muito semelhante à da nefropatia dia-
bética. Os glomérulos apresentam-se grandes, com espa-
ços vasculares marcadamente reduzidos. Quase todos os Pontos-chave:
glomérulos apresentam nódulos, que se diferenciam dos
da nefropatia diabética por maior uniformidade de tama- • O envolvimento renal no mieloma é
nho. Os pacientes que não apresentam lesões glomerula- multifatorial e depende da cadeia leve
res de tipo nodular apresentam, com freqüência, esclerose excretada, de hipercalcemia, hiperuricemia,
e hipercelularidade mesangiais discretas e/ou alterações infecção do trato urinário e de hipovolemia
da membrana basal, como rigidez e eosinofilia. As lesões concomitante
devem ser diferenciadas da glomerulonefrite membrano-
• Comprometimento glomerular ocorre por
proliferativa tipo II.
deposição de proteína amilóide AL e/ou de
À imunofluorescência, os depósitos são caraterizados
como cadeia leve, sendo mais freqüente a cadeia leve kapa, cadeias leves circulantes. A lesão túbulo-
e, ocasionalmente, pode-se detectar C3 no mesângio. Por intersticial, mais grave, caracteriza o “rim
microscopia eletrônica, notam-se depósitos elétron-densos do mieloma”
não-fibrilares nos nódulos mesangiais. Embora os depósi-
tos possam ocorrer em todos os órgãos, a maioria dos pa-
cientes apresenta envolvimento renal isolado. Macroglobulinemia de
A doença de deposição de cadeias leves pode ocorrer Waldenström
em pacientes com gamopatia monoclonal de significado
indeterminado, e em pacientes sem componente monoclo- Nesta entidade, a proteína monoclonal patogênica é
nal sérico ou urinário. Tem sido observado que o alto teor a IgM, sendo o quadro clínico diferente do mieloma múl-
de glicosilação (11-15% de carboidratos, com N-glicosila- tiplo e relacionado a hiperviscosidade sangüínea, com
ção) favorece a polimerização e a deposição tecidual ma- fadiga, perda de peso, sangramentos e distúrbios visu-
ciça, o que dificulta sua detecção na corrente sangüínea ou ais, em indivíduos com idade média de 67 anos. Seu
na urina. curso é lento e progressivo, com anemia, hepatomega-
Quando o mieloma múltiplo se apresenta apenas com lia e linfoadenopatia. O envolvimento renal é raro, sen-
produção de cadeias leves (10 a 20% dos casos), há uma do o achado mais freqüente o depósito de material eosi-
tendência a que a doença seja mais agressiva e com pior nofílico nas luzes capilares, que, à imunofluorescência,
prognóstico. A única anormalidade sérica na apresentação mostra ser a IgM. Alguns autores observam que 10 a 20%
pode ser a hipogamaglobulinemia, sem componente-M dos pacientes apresentam proteinúria de Bence Jones,
circulante, sendo este detectável algumas vezes na urina, sendo a quantidade excretada em geral menor que 500
como proteína de Bence Jones. Assim, hipogamaglobuli- mg/dia. Há pacientes ocasionais com glomeruloesclero-
nemia não explicada, em adultos, deve levar à pesquisa de se nodular, semelhante à da doença de deposição de
proteína de Bence Jones urinária. Quando se instala a in- cadeias leves, além de glomerulonefrite mesangiocapi-
suficiência renal, é mais freqüente o achado da paraprote- lar e doença de lesões mínimas, que se acompanha de
ína no soro. síndrome nefrótica.
capítulo 23 441

Crioglobulinemia alteração na concentração e/ou na estrutura de uma pro-


teína sérica que, após clivagem proteolítica anômala, pas-
O envolvimento renal na crioglobulinemia mista ocor- sa por uma seqüência de polimerização e deposição teci-
re em 20 a 25% dos pacientes, freqüentemente após vários dual.
anos do início das manifestações extra-renais. O quadro Dentre as proteínas envolvidas na gênese do depósito
clínico mais freqüente é o da síndrome nefrítica, com pro- amilóide podemos incluir:
teinúria moderada, hipertensão grave e disfunção renal.
Em outras situações, entretanto, a evolução pode ser mais • Cadeia leve de imunoglobulina: proteína amilóide AL;
a proteína precursora é uma cadeia leve de imunoglo-
protraída, caracterizada por proteinúria persistente, hiper-
bulina, geralmente do tipo lambda. Podem ocorrer dis-
tensão e hematúria. O diagnóstico laboratorial pode ser
crasias de células plasmáticas (especialmente mieloma
firmado pela demonstração de crioglobulinas circulantes
múltiplo e amiloidose sistêmica primária).
do tipo IgM monoclonal-IgG policlonal, pela presença de
• Amilóide A: proteína amilóide A (AA); a proteína pre-
fator reumatóide (IgM) e por hipocomplementemia, à custa
cursora é a SAA. Acompanha as formas de amiloidose
de consumo dos componentes iniciais da via clássica.
secundária (doenças infecciosas e inflamatórias crôni-
O vírus da hepatite C tem sido considerado o principal
cas, neoplasias, febre familiar do Mediterrâneo e síndro-
fator etiológico da vasculite associada à crioglobulinemia
me de Muckle-Wells).
mista, antigamente rotulada de “essencial”. Em pacientes
• Outras proteínas: transtiretina, gelsolina, apolipopro-
com a doença ativa, tem sido relatada positividade de até
teína, beta-2 microglobulina, calcitonina, polipeptídeo
80% nos testes de replicação para vírus C, sendo igualmen-
amilóide da ilhota de Langerhans, fator atrial natriuré-
te detectados antígenos e anticorpos específicos no criopre-
tico, proteína Scrapie, cistatina C, todas estas proteí-
cipitado. As lesões glomerulares da crioglobulinemia po-
nas acompanhando diversas patologias de menor fre-
dem ter vários padrões de glomerulonefrites: aguda e ex-
qüência.
sudativa, membranoproliferativa focal e segmentar, sen-
do freqüente o encontro de depósitos eosinofílicos sob for- No rim, os depósitos geralmente se iniciam no mesân-
ma de “trombos” na luz dos capilares glomerulares e que gio, de forma segmentar e focal, com os seguintes padrões
correspondem a crioglobulinas precipitadas. Tendo em de deposição: nodular mesangial, mesângio-capilar,
vista a freqüente ocorrência de remissões espontâneas do perimembranoso e hilar.
envolvimento clínico renal, torna-se, difícil avaliar a eficá-
cia de esquemas terapêuticos a longo prazo. Corticosterói- AMILOIDOSE PRIMÁRIA
des, agentes alquilantes e plasmaférese têm sido indicados É assim considerada quando não se associa a outra do-
nos surtos de reagudização, com resultados aparentemente ença sistêmica. A proteinúria está presente em 80% dos
favoráveis no que se refere à reversão da insuficiência re- casos, em nível nefrótico em 30% destes. Os rins estão ge-
nal provocada pela deposição maciça de agregados de IgG- ralmente aumentados de tamanho. O diagnóstico de ami-
IgM em capilares glomerulares. loidose primária deve ser considerado em paciente com
síndrome nefrótica ou insuficiência renal de causa não
definida, na faixa etária acima dos 40 anos, pesquisan-
Pontos-chave:
• Na crioglobulinemia mista, sorologia
positiva para vírus da hepatite C ocorre em
até 80% dos casos
• A histologia renal característica é a
glomerulonefrite membranoproliferativa
com “trombos” de crioprecipitados no
capilar glomerular, positivos para IgM

Amiloidose
Trata-se de uma doença caracterizada pela deposição de
substância amorfa, com aspecto fibrilar beta-pregueado à
microscopia eletrônica, corando-se com vermelho-Congo
e tioflavina-T, resultando cor verde-maçã sob luz polari-
zada com o primeiro corante e intensa fluorescência verde
amarelada com o segundo. A amiloidogênese é vista como Fig. 23.11 Amiloidose renal, com extensos depósitos no mesân-
um processo em que um determinado estímulo provoca gio e obliteração dos capilares glomerulares (260⫻).
442 Glomerulopatias Secundárias

do-se a presença de proteína monoclonal em soro e uri-


Pontos-chave:
na por imunoeletroforese. Praticamente 2/3 dos pacien-
tes com amiloidose primária apresentam proteína mono- • O quadro clínico mais comum da
clonal no soro, e em 20% dos casos se detectam proteí- amiloidose é o da síndrome nefrótica em
nas de Bence Jones. Cadeias leves do tipo lambda (65%) paciente acima de 40 anos
são mais comuns que as do tipo kapa (35%), e o inverso
• A amiloidose primária se caracteriza pela
ocorre no mieloma múltiplo. Os depósitos teciduais po-
presença do amilóide AL no tecido e
dem ser revelados por reatividade com anticorpos
anticadeia leve, sendo negativos quando se utiliza anti- proteína monoclonal no soro de 70% dos
corpo antiproteína amilóide A (AA). Além do rim, há pacientes. Cadeia leve do tipo lambda é a
depósitos no coração, língua, nervos periféricos, vasos mais freqüente
sangüíneos e trato digestivo. • A amiloidose secundária ocorre em doenças
inflamatórias crônicas e neoplasias. A
AMILOIDOSE SECUNDÁRIA proteína AA é a que se encontra depositada
Geralmente está associada a estímulo inflamatório crô- em tecidos
nico, acompanhando doenças infecciosas, inflamatórias
e neoplasias. Gertz e Kyle, analisando um grupo de 64
pacientes com amiloidose secundária sistêmica, encon- Glomerulonefrites Fibrilares
traram depósitos em biópsias renais em 100% dos casos.
A proteína AA tem sido demonstrada como um polipep- As glomerulonefrites fibrilares se caracterizam histolo-
tídeo de 76 aminoácidos e peso molecular de 8.500 dal- gicamente pela deposição de fibrilas que não se coram
tons, que possui um componente sérico antigenicamen- como o depósito amiloide (vermelho-Congo-negativas);
te relacionado à proteína sérica amilóide A (SAA); esta estas lesões têm sido relatadas com freqüência crescente
se apresenta de forma solúvel, ligada à lipoproteína HDL nas biópsias renais, especialmente quando se realiza de
3, com peso molecular de 12.500 daltons, exibindo termi- rotina o estudo dos fragmentos por microscopia eletrôni-
nal NH2 homólogo à proteína AA. Esta proteína é sinte- ca, já que estas estruturas são dificilmente diagnosticadas
tizada no fígado, elevando-se o seu nível cerca de 1.000 apenas pela microscopia ótica. Neste tipo de exame, os
vezes o valor basal em resposta a determinado estímulo achados são inespecíficos e freqüentemente podem simu-
inflamatório agudo ou necrose tecidual. A regulação da lar qualquer forma de glomerulopatia primária (prolife-
síntese de SAA é altamente complexa, estando envolvi- rativa mesangial, nodular, membranoproliferativa ou
dos, sob certas circunstâncias, interleucina 6, interleuci- membranosa).
na 1, fator de necrose tumoral e corticosteróides em vá- Os pacientes se apresentam com proteinúria geralmente
rias combinações. em nível nefrótico, hematúria microscópica, hipertensão
Na artrite reumatóide, níveis séricos de SAA estão igual- e insuficiência renal. A alteração típica desta entidade é
mente aumentados em pacientes com e sem amiloidose, vista à microscopia eletrônica, que mostra fibrilas no me-
indicando que algum fator adicional necessita intervir para sângio e na parede capilar glomerular, claramente distin-
sua deposição. Uma possibilidade explicativa seria a dife- tas da amiloidose, uma vez que são maiores (20 a 40 nm
rença na degradação de SAA para AA. O tipo e o tamanho de diâmetro) e não se coram com o vermelho-Congo ou
dos fragmentos podem determinar o potencial amiloido- com a tioflavina-T. Tem-se sugerido que neste grupo po-
gênico e o local de deposição. Estudos preliminares mos- dem ser consideradas duas patologias distintas: a glome-
tram que fragmentos menores tendem a se depositar em rulonefrite fibrilar propriamente dita e a glomerulopatia
glomérulos, enquanto fragmentos maiores se depositam imunotactóide. Na glomerulonefrite fibrilar (65% dos ca-
nos vasos sangüíneos. sos), a imunofluorescência é freqüentemente positiva para
IgG, C3 e cadeias leves. Os depósitos podem ser tão inten-
AMILOIDOSE RENAL HEREDITÁRIA sos, que chegam a simular um quadro de glomerulonefri-
É uma doença rara, em que a deposição de amilóide é te antimembrana basal glomerular. Em alguns casos, não
preferencial no rim. Os pacientes parecem ter uma varian- se detectam imunoglobulinas nos depósitos, o que suge-
te de cadeia semelhante à do fibrinogênio. Não se conhece re um caráter heterogêneo para esta doença. Na glomeru-
o mecanismo pelo qual o depósito é preferencial em teci- lopatia imunotactóide as fibrilas são ainda maiores (30 a
do renal. Há ainda uma outra forma de amiloidose renal 40 nm de diâmetro), com aspecto de microtúbulos dispos-
hereditária, em que a proteína é uma variante da apolipo- tos de modo ordenado. Em algumas casuísticas a glome-
proteína A, a principal apolipoproteína da HDL. Nessa rulopatia imunotactóide tem sido associada a patologias
forma, o depósito é preferencialmente peritubular e inters- linfoproliferativas e/ou a paraproteínas circulantes, po-
ticial, poupando-se os glomérulos, não havendo, habitu- rém os mecanismos envolvidos nestas associações são des-
almente, proteinúria patológica. conhecidos.
capítulo 23 443

mia circulante e estas proteínas podem depositar-se de


modo inespecífico em vários tecidos. Deve também ser
lembrado que a nefropatia membranosa é o tipo de lesão
glomerular idiopática mais comum na população acima de
50 anos, que constitui também a faixa etária de maior ocor-
rência destas neoplasias.
O tratamento das glomerulopatias associadas às neopla-
sias depende do tipo e do estadiamento da condição ma-
ligna. A remissão da proteinúria pode ocorrer em pacien-
tes com neoplasias sólidas tratadas cirurgicamente, porém
não se pode afastar nestes casos uma remissão espontânea
da própria doença glomerular, fato bastante conhecido na
evolução da glomerulonefrite membranosa. Em relação à
doença de Hodgkin com síndrome nefrótica, o tratamento
radioterápico e/ou quimioterápico guarda uma boa cor-
Fig. 23.12 Glomerulonefrite fibrilar, notando-se extensa área de relação de ordem temporal com a remissão da proteinú-
esclerose mensangial de aspecto heterogêneo (PAMSS 450⫻). ria. A recidiva da sídrome nefrótica, nestes casos, pode ser
entendida como um parâmetro precoce de recidiva da
neoplasia.

NEOPLASIAS
A glomerulonefrite, associada ou não à síndrome nefró- GLOMERULOPATIAS EM
tica, ocorre em alguns pacientes com doenças malignas, DOENÇAS HEPÁTICAS
especialmente tumores sólidos dos tratos respiratório, gas-
trointestinal e urogenital e também em algumas doenças Infecção por Vírus C
linfoproliferativas.
As neoplasias que mais freqüentemente se acompanham É recente na literatura o conhecimento da associação
de glomerulopatias, sobretudo a glomerulonefrite mem- entre infecção por vírus C e o desenvolvimento de glome-
branosa, são os carcinomas broncogênicos, de cólon e reto, rulopatias. Estudos epidemiológicos mostram que, en-
rim, mama e estômago. De um modo geral, a síndrome quanto em 1.244 doadores de sangue normais a sorologia
nefrótica se manifesta ao mesmo tempo de instalação da para vírus C foi positiva em 1%, em 226 pacientes renais,
neoplasia mas, em algumas ocasiões, ela ocorre preceden- não-dialíticos, foi de 7,9%. Nesta mesma amostra, quando
do o diagnóstico clínico do tumor, especialmente nos lin- considerados apenas os glomerulopatas (excluídos pacien-
fomas. Como já foi referido, a lesão glomerular subjacente tes com nefrite intersticial, rins policísticos, etc.), a preva-
é a glomerulonefrite membranosa, em mais de 60% dos lência foi de 16,6%.
pacientes com tumores sólidos. Em contrapartida, a lesão Quando são considerados os grupos de riscos para in-
renal mais comumente associada à doença de Hodgkin é a fecção por vírus C (homossexuais, 4 a 8%, e consumidores
nefropatia de lesões mínimas, sendo a glomerulonefrite de droga injetável, 60%), também serão estes os grupos com
membranoproliferativa a forma mais encontrada na leu- maior prevalência da doença glomerular. Esta pode ocor-
cemia linfocítica crônica. rer mesmo sem doença hepática evidente, assim como al-
O mecanismo envolvido nas lesões glomerulares asso- gumas casuísticas têm mostrado: em pacientes com glome-
ciadas às neoplasias não é totalmente conhecido, tendo sido rulonefrite membranoproliferativa (GNMP) e vírus C po-
propostas algumas teorias explicativas. Antígenos associ- sitivo, apenas 20% apresentam manifestações clínicas de
ados a tumores foram incriminados como integrantes de hepatite, mas 60 a 70% mostram transaminases elevadas.
imunocomplexos nefritogênicos. Existem relatos isolados Na história natural da infecção pelos vírus C, após 10 a 15
nos quais são descritos pacientes com carcinoma bronco- anos de replicação viral persistente, mais de 50% dos indi-
gênico que apresentavam reatividade do antígeno tumo- víduos infectados evoluem com quadro de hepatite crôni-
ral com anticorpos eluídos do tecido renal. Antígenos de ca ativa e, ocasionalmente, podem instalar-se manifesta-
adenocarcinoma de cólon e antígenos derivados de célu- ções de auto-imunidade e de outras formas de hipersensi-
las tubulares renais também foram descritos no mesângio bilidade humoral, tais como artrite, síndrome sicca e crio-
e nas alças capilares dos glomérulos. globulinemia mista tipo II, que se manifesta por vasculite
Todos estes relatos, infelizmente, não constituem ainda cutânea e glomerulonefrite. O achado de crioglobulinemia
prova conclusiva desta associação entre carcinomas e glo- também traz repercussões laboratoriais importantes, tais
merulopatias, uma vez que nos tumores existe antigene- como a presença de fator reumatóide e hipocomplemen-
444 Glomerulopatias Secundárias

temia à custa de consumo de fatores da via clássica (con- lui de forma benigna, com remissão em 64% dos pacientes
sumo de complemento total, C3 e C4). em quatro anos e mais de 80% em 10 anos. Tal remissão
As manifestações renais predominantes são de síndro- ocorre habitualmente no prazo de seis meses do clareamen-
me nefrótica com insuficiência renal leve a moderada. O to do HBeAg (viragem espontânea). Esta constatação su-
achado histológico mais freqüente é de glomerulonefrite gere uma forte associação causal entre o vírus e a doença
membranoproliferativa tipo I, que se distingue da forma renal mediada por imunocomplexos, já que uma vez de-
idiopática pela representatividade maior de imunoglobu- purado o agente viral, a doença renal pode remitir.
linas – IgG, IgM e C3. Quando ocorre crioglobulinemia, a Em adultos, a evolução costuma ser arrastada, não ha-
forma histológica pode ser a da GNMP crioglobulinêmi- vendo dados precisos sobre remissão, mesmo após a vira-
ca, que se caracteriza pela presença de pseudotrombos hi- gem sorológica. Manifestações extra-hepáticas e extra-re-
alinos nos capilares glomerulares e pela infiltração de nais, como a artrite e a crioglobulinemia, são descritas,
monócitos. Outras formas menos freqüentes de nefropa- porém pouco freqüentes. A doença hepática, com ou sem
tia por vírus C são a glomerulonefrite membranosa e a glo- hipertensão portal, habitualmente é sintomática, porém
merulonefrite proliferativa mesangial. A patogênese da lesões glomerulares já foram descritas sem nenhuma evi-
lesão é explicada pela deposição renal de imunocomple- dência de lesão hepatocelular.
xos contendo antígeno HCV-anticorpo anti-HCV e fator A manifestação clínica da nefropatia do vírus B é a pro-
reumatóide, nos casos de crioglobulinemia. É possível, teinúria, com ou sem síndrome nefrótica. Várias séries da
portanto, nesta última situação a detecção de HCV-RNA literatura associam a hepatite crônica ativa do vírus B com
no crioprecipitado. a glomerulonefrite membranosa e, raramente, com a for-
O tratamento proposto é ainda muito discutível, porque ma membranoproliferativa. Os achados de imunofluores-
seus resultados não são constantes. Esquemas com corti- cência mostram presença de IgG, IgM, C3 e, ocasionalmen-
costeróides e/ou imunossupressores não são eficazes na te, IgA. Lai, estudando 100 pacientes com glomerulonefri-
doença renal e podem, por outro lado, agravar a viremia e te e sorologia positiva para vírus B, usando anticorpos
a hepatopatia. O esquema terapêutico para a glomerulo- monoclonais contra vários antígenos (Hbs Ag, Hbc Ag e
patia associada ao HCV tem por objetivo negativar a car- Hbe Ag) em tecido renal, detectou 39% dos casos positi-
vos para pelo menos um dos antígenos estudados, tendo
ga viral, para reduzir a produção de crioglobulinas e, por-
ocorrido também boa correlação entre HBeAg glomerular
tanto, reduzir a formação dos crioprecipitados nefritogê-
e no soro; quando se demonstrou a presença de antígenos
nicos. Para tanto, ultimamente tem sido utilizada a associ-
de hepatite no glomérulo, a lesão morfológica mais fre-
ação de interferon-alfa com ribavirina, que resulta em ne-
qüente foi a glomerulonefrite membranosa.
gativação da carga viral em 60 a 70% dos pacientes infec-
O tratamento da nefropatia por vírus B é controverso.
tados pelo HCV. As maiores limitações desta associação se
Em crianças, frente ao alto índice de remissão, o tratamen-
referem aos seus efeitos colaterais e à elevada taxa de reci-
to é sintomático. Em adultos, os corticóides e imunossu-
diva quando as drogas são suspensas.
pressores estariam contra-indicados, pela possibilidade de
predisporem a maior replicação viral. Aventou-se recen-
temente o uso de interferon-alfa e/ou lamivudina, porém
Infecção por Vírus B os dados disponíveis não são consistentes. Alguns casos
A glomerulonefrite associada ao vírus da hepatite B é esporádicos tratados com esquemas antivirais apontam
uma entidade bem reconhecida desde o seu relato inicial para possível melhora da nefropatia, porém não se pode
há mais de 20 anos. A maioria dos pacientes descritos são descartar, nesta situação, a possibilidade de ocorrerem
crianças, onde predomina o sexo masculino (4:1). A do- remissões espontâneas da proteinúria.
ença ocorre predominantemente em algumas regiões da
Europa, Ásia e África, com maior prevalência de infecção
por vírus B (África do Sul, 5-10%; Hong-Kong, 9,5%, e
Cirrose Hepática
Coréia, 11-15%), ao contrário de outras regiões, como O depósito glomerular de IgA é um achado comum em
América do Norte e Europa Ocidental, onde a presença do cirrose hepática pós-alcoólica e ocorre em até um terço dos
vírus B é baixa, por volta de 0,3%. A exata incidência da pacientes. Aventa-se que a predisposição para a deposição
glomerulonefrite nas diversas áreas geográficas ainda é de IgA renal seja secundária a uma remoção deficiente dos
pouco conhecida. complexos contendo IgA pelas células de Kupffer hepáti-
Em área endêmicas, 20 a 50% das crianças com síndro- cas. A observação de que a IgA pode estar também depo-
me nefrótica mostram sorologia positiva para vírus B. Esta sitada na pele e nos sinusóides hepáticos é compatível com
positividade é ainda maior, ao redor de 85%, quando des- esta hipótese. Apesar da alta freqüência dos depósitos de
tacados os casos de glomerulonefrite membranosa (GNM) IgA glomerular, a maioria dos adultos não demonstra si-
com comprovação histológica. De um modo geral, a popu- nais de doença glomerular, sendo a suspeita clínica feita
lação pediátrica que apresenta esta lesão glomerular evo- pelo achado de hematúria e proteinúria discretas. Não há
capítulo 23 445

síndrome nefrótica nem hematúria macroscópica. O aco- na endocardite aguda, e o Staphylococcus epidermidis, na
metimento histológico mais freqüente ocorre sob forma de nefrite do shunt. A prevalência da glomerulonefrite por
lesão proliferativa mesangial, com depósitos de IgA. A endocardite bacteriana vem diminuindo em função do uso
dissociação entre os achados e as manifestações clínicas adequado e precoce de antibióticos.
pode estar relacionada à falta de depósito concomitante de A lesão histológica habitual é do padrão proliferativo,
IgG, minimizando, portanto, a ativação do complemento que pode ser focal ou difuso. Este último está comumente
e a inflamação local. associado à etiologia estafilocócica. Quando presentes, os
Outro acometimento renal na cirrose alcoólica, menos crescentes não atingem mais que 50% dos glomérulos. A
freqüente, é o da glomeruloesclerose cirrótica, onde ocor- imunofluorescência é sempre difusa, positiva para a IgG,
re uma lesão esclerótica difusa glomerular, obrigando a um IgM e C3. A microscopia eletrônica revela a presença dos
diagnóstico diferencial com outras formas de glomerulo- imunodepósitos subepiteliais (humps) e menores depósi-
esclerose (diabetes, amilóide, nefropatia da cadeia leve, tos em posição subendotelial ou mesangial.
etc.) Esta lesão glomerular é geralmente silenciosa, mani- Não há necessidade de tratamento específico para a glo-
festando-se apenas por proteinúria leve. A imunofluores- merulonefrite da endocardite. A maioria dos casos rever-
cência, freqüentemente, revela IgA em mesângio, além de te com o tratamento antimicrobiano, ocorrendo, entretan-
IgM e IgG. Outras glomerulopatias podem estar inciden- to, perda da função renal de modo irreversível, se a tera-
talmente presentes em pacientes com cirrose alcoólica. Já pêutica antibiótica for instituída muito tardiamente, ou se
foram descritas glomerulonefrite membranoproliferativa, próteses valvares infectadas não forem prontamente remo-
glomerulonefrite membranosa e glomerulonefrites focais. vidas.
Casuísticas em crianças mostram uma associação entre
glomerulopatias e doença hepática avançada secundária à
deficiência de ␣1-antitripsina ou atresia biliar. Pacientes Pontos-chave:
acometidos por cirroses de outras etiologias, como as pós- • A glomerulonefrite da endocardite se
hepatites, poderão desenvolver glomerulopatias secundá- manifesta habitualmente por hematúria e
rias aos vírus B e C, como já foi abordado anteriormente.
proteinúria isoladas, ou por síndrome
nefrítica
• A insuficiência renal pode ser prevenida
DOENÇAS INFECCIOSAS pela erradicação precoce do foco de
infecção, não estando indicado o tratamento
Glomerulonefrite da Endocardite imunossupressor
Bacteriana
A endocardite bacteriana pode comprometer o rim de Nefropatia do Vírus da Imunodeficiência
várias maneiras: 1) ocorrendo septicemia, pode instalar-se
Humana (HIV)
insuficiência renal aguda, abscessos ou infartos renais por
embolia séptica; 2) pode ocorrer glomerulonefrite por de- O vírus da imunodeficiência humana se disseminou
posição de imunocomplexos; 3) pode ocorrer nefrite inters- muito rapidamente na década de 80 e 90, promovendo um
ticial aguda devida à ação de medicamentos. acúmulo de novas informações e novas entidades patoló-
A glomerulonefrite da endocardite, bem como a nefrite gicas em diferentes especialidades médicas. Com a intro-
do shunt atrioventricular, segue o padrão das síndromes dução da terapia antiviral efetiva, na segunda metade da
nefríticas pós-infecciosas, cujo quadro clínico é caracteri- década de 90, houve uma grande melhora da sobrevida
zado por hematúria microscópica, edema, grau variável de desses pacientes e com isso o crescimento de doentes HIV-
hipertensão arterial e de redução da função renal, tendo um positivos e sem outros acometimentos. A nefrotoxicidade
curso evolutivo para a cura, na maioria dos casos. O exa- da terapêutica e as alterações hemodinâmicas e eletrolíti-
me de urina mostra hematúria com hemácias dismórficas cas, muito freqüentes nos pacientes com AIDS, foram res-
e cilindros hemáticos, leucocitúria e proteinúria. A síndro- ponsáveis pelas primeiras descrições de insuficiência re-
me nefrótica não é comum na endocardite e ocorre em até nal aguda, que freqüentemente era irreversível.
30% dos pacientes com nefrite do shunt. A natureza imu- A nefropatia associada ao vírus HIV (HIVAN) é a for-
nológica é bem determinada: em 90% dos pacientes encon- ma mais comum de doença renal crônica em pacientes
tram-se imunocomplexos circulantes, a crioglobulinemia HIV-positivos e vem-se constituindo em um grande pro-
é achado freqüente e ocorre hipocomplementemia de blema epidemiológico nos Estados Unidos, onde já é a
CH50, C3 e C4, indicando ativação pela via clássica. terceira causa de IRC dialítica na população negra dos
Os principais agentes infecciosos são o Staphylococcus 20 aos 64 anos. Este tipo de lesão glomerular se refere a
viridans, na endocardite subaguda; o Staphylococcus aureus, uma forma especial de glomeruloesclerose segmentar e
446 Glomerulopatias Secundárias

focal, geralmente associada à síndrome nefrótica e per-


da progressiva da função renal. Glomerulonefrites pro-
liferativas por imunocomplexos também podem estar
asssociadas ao HIV.

QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico do paciente com nefropatia do HIV
(HIVAN) é semelhante, seja ele portador da forma clássi-
ca de glomeruloesclerose, ou das formas proliferativas. O
paciente apresenta-se, comumente, já com déficit da fun-
ção renal e com síndrome nefrótica instalada. O edema
pode ser insidioso ou abrupto, mas sua presença não é
constante. Casos com hematúria microscópica e proteinú-
ria não-nefrótica, com ou sem insuficiência renal, são ocasi-
onais; geralmente, não há hipertensão arterial, ainda que
a progressão para uremia ocorra inevitavelmente. Os ní- Fig. 23.13 Glomeruloesclerose focal e segmentar colapsante em
veis séricos do complemento e de suas frações estão nor- pacientes com infecção pelo HIV, notando-se também atrofia e
mais e as imunoglobulinas podem estar aumentadas, com dilatação cística dos túbulos (PAS 100⫻).
padrão policlonal. A HIVAN é normalmente uma compli-
cação tardia da infecção pelo HIV, sendo isso evidenciado
pela diminuição dos linfócitos CD4 circulantes ou por uma pedicelas e espessamento de membrana basal glomerular
história de infecção oportunística prévia. A imagem por à custa de neoformação de membrana, ocupando o espa-
ultra-sonografia não é específica, mostrando rins hipere- ço subepitelial. Nos túbulos, os precipitados são pouco
cogênicos no estado nefrótico. As dimensões renais podem densos, homogêneos, finamente granulares, contrastando
permanecer aumentadas, mesmo na fase de insuficiência com os verdadeiros cilindros, que contêm a proteína de
renal crônica. Tamm-Horsfall.
As alterações anatomopatológicas descritas, quando
ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS isoladas, têm pouco significado diagnóstico, mas a combi-
As lesões renais associadas ao HIV habitualmente po- nação de glomeruloesclerose segmentar e focal colapsan-
dem ser descritas dentro dos seguintes tipos: 1) glomeru- te, com alterações importantes nas células epiteliais glome-
loesclerose focal, forma colapsante; 2) glomerulonefrites rulares, dilatação tubular, infiltrado intersticial com fibro-
proliferativas, mediadas por imunocomplexos; 3) nefropa- se e presença de estruturas túbulo-reticulares intracitoplas-
tia túbulo-intersticial, mais freqüentemente relacionada ao máticas, sugerem fortemente o diagnóstico de HIVAN.
envolvimento glomerular. A ocorrência de glomerulonefrites por imunocomple-
O termo “nefropatia associada ao HIV” é reservado para xos, durante a infecção por HIV, é variável, de acordo com
a típica forma da glomeruloesclerose focal colapsante, com as regiões e a população acometida, podendo ocorrer em
oclusão da luz capilar, segmentar ou global, cujos achados até 35% dos pacientes com HIV positivo e doença renal.
mais comuns são os seguintes: 1) acentuada hipertrofia das Dentre estas lesões devem ser destacadas a glomerulone-
células epiteliais e endoteliais do glomérulo, com forma- frite membranoproliferativa, a glomerulonefrite membra-
ção de “coroa” podocitária; 2) dilatação microcística dos nosa e a nefropatia da IgA. Não existe nenhuma compro-
túbulos, com presença de cilindros protéicos, degeneração vação que vincule diretamente estes tipos histológicos à
celular e necrose; 3) alterações túbulo-intersticiais severas, infecção pelo HIV. Deve ser destacado que pacientes com
sem relação com o grau de glomeruloesclerose, com infil- infecção pelo HIV são muito susceptíveis a infecções vi-
trado de linfócitos CD8, monócitos e linfócitos B. rais, bacterianas e parasitárias, e que poderiam desenca-
À imunofluorescência observa-se deposição segmentar dear reações de hipersensibilidade com formação de imu-
de IgM e C3 em mesângio e alça capilar. Imunoglobulinas nocomplexos solúveis e conseqüente fixação nos glomé-
e albumina podem ser vistas nos cilindros, no espaço de rulos.
Bowman e nos vacúolos citoplasmáticos das células epite-
liais. A microscopia eletrônica traz, como colaboração ao PATOGÊNESE
diagnóstico, a presença de inclusões túbulo-reticulares no A lesão histológica renal mais freqüente na infecção pelo
interior de células endoteliais que, embora não específicas, HIV é a glomeruloesclerose segmentar e focal. Como se
são muito sugestivas de infecção viral. Depósitos elétron- sabe, esta lesão ocorre associada a muitas outras situações
densos são infreqüentes e, quando presentes, são peque- clínicas e, em nenhuma delas, a etiopatogenia está escla-
nos e esparsos. Notam-se os vacúolos citoplasmáticos nas recida. Com o grande acúmulo de conhecimentos adqui-
células epiteliais com numerosos lisossomos, fusão de ridos sobre os efeitos das infecções virais nos tecidos, po-
capítulo 23 447

demos admitir atualmente que a nefropatia do HIV decorre do descritos em outras regiões do país. Os primeiros casos
de uma desregulação na interação entre vírus e hospedei- de nefropatia secundária à esquistossomose foram referi-
ro, com algumas conseqüências já identificadas: 1) o HIV dos no Brasil, na década de 60, por pesquisadores da Bahia,
pode infectar diretamente as células mesangiais e epiteli- que descreveram as manifestações clínicas, laboratoriais e
ais, exercendo efeito citopático e estimulando a expressão histológicas.
de citocinas e fatores de crescimento, propiciando a pro-
dução de matriz e a esclerose mesangial; 2) a infecção pelo QUADRO CLÍNICO
HIV pode alterar a regulação do ciclo celular com intensi- A forma clínica mais comum de apresentação do paci-
ficação da apoptose, desdiferenciação e alterações da po- ente com nefropatia esquistossomótica é a síndrome nefró-
laridade celular, o que poderia explicar a dilatação tubu- tica, que pode acompanhar-se de graus variáveis de in-
lar microcística característica desta nefropatia. suficiência renal. A hematúria microscópica está quase
sempre presente e pode ocorrer hipertensão arterial. Paci-
TRATAMENTO entes com este quadro costumam apresentar hepatomega-
O tratamento da nefropatia associada ao HIV está ex- lia, esplenomegalia e sinais de hipertensão portal. Na fase
clusivamente baseado na terapêutica múltipla anti-retro- inicial da nefropatia, o paciente habitualmente é assinto-
viral, que teve grandes progressos na última década. No mático e o envolvimento renal se constata pelo achado de
passado, foram relatadas algumas tentativas de remissão hematúria e proteinúria, em exame de urina.
da proteinúria com corticosteróides, inibidores da enzima O diagnóstico da esquistossomose é feito através da
conversora de angiotensina, ciclosporina, porém todas fa- pesquisa de ovos nas fezes ou por biópsia da mucosa re-
lharam e não mudaram a sobrevida renal. A negativação tal. A concomitância de proteinúria, hematúria, hiperten-
da carga viral, propiciada pelas drogas combinadas, mu- são arterial, baixos níveis de C3 e gamaglobulina sérica
dou inteiramente a história natural da HIVAN, ao ponto elevada, em adultos jovens com hepatoesplenomegalia,
de ser muito raro nos dias atuais o encontro de pacientes provenientes de área endêmica de esquistossomose, faz
com proteinúrias elevadíssimas e rápida evolução para a sugerir o diagnóstico de nefropatia esquistossomótica,
insuficiência renal. Pacientes com nefropatia e tratados principalmente se a biópsia renal revelar uma glomerulo-
tardiamente em geral têm remissão parcial da proteinúria nefrite membranoproliferativa, ou mesmo uma glomeru-
e, devido às lesões esclerosantes mesangiais já instaladas, lonefrite proliferativa mesangial, com imunofluorescência
podem evoluir de modo lento para a insuficiência renal positiva para IgM e C3 em mesângio e alças capilares. A
crônica, em tudo semelhante a outros pacientes com esta detecção do antígeno no tecido renal, naturalmente, refor-
síndrome. Nestas circunstâncias será necessário o trata- ça o diagnóstico. A nefropatia, em geral, tem curso progres-
mento de suporte e, eventualmente, o posterior encaminha- sivo, independente da presença do parasita e das tentati-
mento para a terapêutica dialítica e o transplante renal. vas terapêuticas com imunossupressores.

ALTERAÇÕES PATOLÓGICAS E PATOGÊNESE


Pontos-chave: Três tipos de lesão glomerular são mais comumente
descritos na nefropatia da esquistossomose: 1) glomerulo-
• A nefropatia do HIV se manifesta por nefrite membranoproliferativa (GNMP); 2) glomerulone-
síndrome nefrótica e insuficiência renal frite proliferativa mesangial (PM); 3) glomeruloesclerose
• A lesão histológica típica é da segmentar e focal (GESF).
glomeruloesclerose focal, forma colapsante À microscopia ótica, todas as lesões têm o mesmo pa-
• A negativação da antigenemia com drogas drão das formas idiopáticas. A GNMP é a lesão renal mais
anti-retrovirais induz à remissão da comumente descrita, sobretudo no estágio hepatoesplêni-
proteinúria co da doença. A glomerulonefrite mesangial é mais comum
na fase hepatointestinal, podendo ser encontrada em indi-
víduos assintomáticos. A GESF é considerada por alguns
Nefropatia da Esquistossomose autores como a segunda forma mais freqüente da nefro-
patia esquistossomótica, tendo sido também descrita em
Dentre as cepas de esquistossomo patogênicas para o modelos experimentais. Deve ser ressaltado, no entanto,
homem, três delas têm sido mais freqüentemente referidas, que a prevalência de GESF idiopática é bastante elevada e
em diferentes regiões: o Schistosoma japonicum, na Ásia, que esta associação com a esquistossomose poderia ser apenas
pode causar doença gastrointestinal e acometer o sistema fortuita.
nervoso central; o Schistosoma haematobium, na África, que A imunofluorescência (IF) revela, mais freqüentemen-
afeta o trato urinário inferior, e o Schistosoma mansoni, na te, depósitos de IgM e C3 no mesângio, nos três tipos de
América do Sul. A região nordeste do Brasil é zona endê- lesão glomerular anteriormente descritos, o que coincide
mica de esquistossomose mansônica, mas focos vêm sen- com o padrão da forma idiopática da GESF, mas não coin-
448 Glomerulopatias Secundárias

cide com o padrão das formas idiopáticas da glomerulo-


Quadro 23.6 Glomerulopatias associadas a outros
nefrite mesangial e da GNMP, nas quais a IgG é a imuno-
agentes infecto-parasitários
globulina mais freqüentemente depositada. Nestas últi-
mas, há também depósitos imunes em alça capilar. A IF Mycobacterium leprae — A lesão histológica mais comum
pode ser utilizada para detectar a presença de antígeno é a amiloidose; ocasionalmente tem sido observado
esquistossomótico do verme adulto. quadro de síndrome nefrótica semelhante à
glomerulonefrite pós-estreptocócica.
A microscopia eletrônica revela proliferação mesan-
gial e, de modo variável, fusão segmentar e difusa de pe- Treponema pallidum — Síndrome nefrótica pode ocorrer
dicelos, expansão da matriz mesangial, “duplo contor- em 0,5% dos pacientes com sífilis secundária e em até 8%
no” da membrana basal glomerular, depósitos elétron- dos pacientes com sífilis congênita; as lesões mais
descritas são de nefropatia membranosa, ou várias
densos subendoteliais, mesangiais e, ocasionalmente, su-
formas de GN proliferativas.
bepiteliais.
O antígeno do Schistosoma está situado no intestino do Plasmodium malariae — Manifesta-se por síndrome
verme adulto e, quando regurgitado, atinge a circulação nefrótica em crianças que residem em áreas endêmicas;
do hospedeiro, dando origem aos anticorpos, formação de lesões histológicas são heterogêneas, incluindo formas
proliferativas ou membranoproliferativas. A proteinúria
imunocomplexos solúveis e deposição com injúria glome-
pode persistir, mesmo após a erradicação da parasitose.
rular. Em modelos experimentais, as lesões renais podem
ser exacerbadas quando se faz previamente a esplenecto- Outras — Relatos isolados de glomerulopatias associadas
mia ou a ligadura da veia porta, ressaltando, nesta situa- a infecções bacterianas (Pneumococcus, Klebsiella,
ção, a importância do bloqueio do sistema reticuloendo- Staphylococcus), virais (citomegalovírus, varicela,
sarampo) e parasitárias (Filaria, Toxoplasma).
telial, facilitando o depósito de imunocomplexos no teci-
do renal.

TRATAMENTO
Uma vez instalada a nefropatia, esta segue um curso deste livro, e as glomerulonefrites associadas às infecções
progressivo, independente da presença do parasita. Ten- pelos vírus das hepatites B e C, que foram incluídas no sub-
tativas de reverter a lesão, quer tratando a parasitose, quer título das doenças hepáticas, neste mesmo capítulo. No
tentando a remissão da síndrome nefrótica com corticóide Quadro 23.6 estão relacionadas outras infecções que, de
e imunossupressores, não mostram bons resultados. O modo menos comum, estão implicadas na etiologia de
controle rigoroso da pressão arterial e a redução da pro- doenças glomerulares.
teinúria podem contribuir para o retardo da insuficiência
renal. Alguns pacientes podem permanecer estáveis por
vários anos, com proteinúria não-nefrótica e disfunção re- BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
nal moderada.
APPEL, G.B.; KISHNAM, J.R. Secondary glomerular diseases: In Brenner
and Rector’s The Kidney, 6th ed, B.M. Brenner (ed), Philadelphia, Saun-
ders, 2000, pp 1350-1448.
Pontos-chave: APPEL, G.B. Cyclophosphamide therapy for severe lupus nephritis. Am.
• A nefropatia da esquistossomose se J. Kidney Dis. 30:872-876, 1997.
AUSTIN, H.A.; BOUMPAS, D.T.; VAUGHAN, E.M. et al. Predicting re-
caracteriza por proteinúria/hematúria, ou nal outcomes in severe lupus nephritis: Contributions of clinical and
síndrome nefrótica, e ocorre principalmente histologic data. Kidney Int., 43:544-550, 1994.
BANSAL, V.K.; BETO, J.A. Treatment of lupus nephritis: A meta-analy-
em pacientes com a forma hepatoesplênica sis of clinical trials. Am. J. Kidney Dis., 29:193-199, 1997.
• A lesão histológica mais encontrada é a BARSOUM, R.S. Schistosomal glomerulopathies. Kidney Int., 44:1-12, 1993.
glomerulonefrite membranoproliferativa, BRADY, H.R. Fibrillary glomerulopathy. Kidney Int., 53:1421-1429, 1998.
COHEN, B.A.; CLARK, W.F. Pauci-immune renal vasculitis: Natural his-
que decorre da deposição de tory, prognostic factors and impact of therapy. Am. J. Kidney Dis.,
imunocomplexos, com IgM e C3 positivos à 36:914-924, 2000.
D’AGATI, V.D.; APPEL, G.B. HIV infection and the kidney. J. Am. Soc.
imunofluorescência Nephrol., 8:138-152, 1997.
D’AMICO, G.; FERRARIO, F. Cryoglobulinemic glomerulonephritis: A
MPGN induced by hepatitis C virus. Am. J. Kidney Dis., 25:361-369,
Outras Doenças Infecto-Parasitárias 1995.
GERTZ, M.A.; LACY, M.Q.; DISPENZIERI, A. Immunoglobulin light
Glomerulopatias secundárias a outras etiologias infec- chain amyloidosis and the kidney. Kidney Int., 61:1-9, 2002.
GOLDSTEIN, A.R.; WHITE, R.H.; ALEUSE, R. et al. Long-term follow-
ciosas ou parasitárias devem ser destacadas pela sua im- up of childhood Henoch-Schönlein nephritis. Lancet, 339:280-284, 1992.
portância no contexto médico: a glomerulonefrite pós-es- HAHN, B.H. Mechanism of disease: Anti-DNA antibodies to DNA. N.
treptocócica, apresentada em detalhe em outro capítulo Engl. J. Med., 338:1359-1368, 1998.
capítulo 23 449

JENNETTE, J.C.; FALK, R.J.; ANDRASSY, K. Nomenclature of systemic REMUZZI, G.; BERTANI, T. Pathophisiology of progressive nephropa-
vasculitides. The proposal of an international consensus conference. thies. N. Engl. J. Med., 339:1448-1556, 1998.
Arthritis Rheum., 37:187-192, 1994. SAVAGE, C.O.; HARPER, L.; HOLLAND, M. New findings in pathoge-
JENNETTE, C.; FALK, R.J. Small-vessel vasculitis. N. Engl. J. Med., nesis of antineutrophil cytoplasm antibody-associated vasculitis. Curr.
338:1512-1523, 1998. Opin. Rheumatol., 14:15-22, 2002.
KLUTH, D.C.; REES, A.J. Anti-glomerular basement membrane disease.
J. Am. Soc. Nephrol., 10:2446-2453, 1999. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
KYLE, R.A. Clinical aspects of multiple myeloma and related disorders
including amyloidosis. Pathol. Biol., 47:148-157, 1999. Clinical Nephrology Electronic Journal
LAI, K.N.; LAI, F.M. Clinical features and natural course of hepatitis B http://www.hdcn.com
virus glomerulonephritis in adults. Kidney Int., 40: S46-S54, 1991. Atlas of Glomerular Diseases
LAUER, G.M.; WALKER, B.D. Hepatitis C virus. N. Engl. J. Med., 345: 41-
http://ajkd.wbsaunders.com/atlas
52, 2001.
LIN, J.; MARKOWITZ, G.; VALERI, A.; KAMBAHAM, N. et al. Renal http://www.kidneyatlas.com
monoclonal immunoglobulin deposition disease (MIDD): The disea- Secondary Glomerular Diseases/NIH Resources
se spectrum. J. Am. Soc. Nephrol., 12:1482-1492, 2001. http://www.niddk.nih.gov/health/kidney/kidney.htm
MAJUMDAR, A.; CHOWDHARY, S.; FERREIRA, M.A.S. et al. Renal Immunologic Renal Diseases
pathological findings in infective endocarditis. Nephrol. Dial. Trans- http://www.immunologyclinic.com
plant., 15:1782-1787, 2000. Lupus Nephritis Case Study
MERCADAL, L.; MONTCEL, S.T.; NOCHY, D. et al. Factors affecting
http://lupus.org/education/brochures/kidney.html
outcome and prognosis in membranous lupus nephropathy. Nephrol.
Dial. Transplant., 17:1771-1778, 2002.
Renal Vasculitis Case Demonstration
MONAHAN, M.; TANJI, N.; KLOTMAN, P.E. HIV-associated nephro- http://path.upmc.edu/cases/case51.html
pathy: an urban epidemic. Semin. Nephrol., 21:394-402, 2001. Renal Amyloidosis Case Demonstration
MONTSENY, J.; KLEINKNETH, D.; MEYRIER, A. et al. Long-term out- http://path.upmc.edu/cases/case125.html
come according to renal histological lesions in 118 patients with mo- HIV Nephropathy Clinical Review
noclonal gammopathies. Nephrol. Dial. Transplant., 13:1438-1445, http://www.mgh.harvard.edu/id/images/hivneph.pdf
1998.
Cryoglobulinemia and Renal Disease
NORRIS, S.H. Paraneoplasic glomerulopathies. Semin. Nephrol., 13: 258-
http://www.mayo.edu/mmgrg/rst/cryo.htm
272, 1993.
NUSSENZVEIG, I.; BRITO, T.; CARNEIRO, C.R.W. et al. Human Schisto- Discussão Anátomo-Clínica da Sociedade Brasileira de Ne-
soma mansoni-associated glomerulopathy in Brazil. Nephrol. Dial. Trans- frologia
plant., 17:4-7, 2002. http://sbn.org.br
Capítulo
Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial
24 Emmanuel de A. Burdmann , José Mauro V. Júnior e Edivaldo Celso Vidal

NEFROPATIA TÓXICA Interleucina-2


Introdução Interferon-A
Diagnóstico de lesão renal nefrotóxica Fator de necrose tumoral
Nefrotoxicidade de agentes antiinfecciosos OKT3
Agentes antibacterianos Nefrotoxicidade de agentes anticancerígenos
Agentes antifúngicos Cisplatina
Agentes antivirais Carboplatina
Nefrotoxicidade do meio de contraste radiológico Metotrexate
Prevenção da nefropatia por contraste Nefrotoxicidade de peçonhas animais
Nefrotoxicidade dos antiinflamatórios não-hormonais Serpentes
IRA hemodinamicamente mediada Artrópodes peçonhentos
IRA por nefrite intersticial aguda com síndrome nefrótica NEFROPATIAS TUBULOINTERSTICIAIS
IRA com dor lombar e hematúria Introdução
IRA por necrose cortical Mecanismos de lesão tubulointersticial
Síndrome nefrótica sem IRA Nefrite intersticial aguda
Insuficiência renal crônica Manifestações clínicas
Alterações eletrolíticas Patologia
Hipertensão Tratamento
Nefrotoxicidade dos inibidores da enzima de conversão da Nefropatia tubulointersticial crônica
angiotensina e dos bloqueadores dos receptores AT1 de Introdução
angiotensina II Patologia
Nefrotoxicidade de agentes imunossupressores e Quadro clínico e laboratorial
imunomoduladores Causas de nefropatia tubulointersticial crônica
Ciclosporina A BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Ciclosporina G ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Tacrolimus
capítulo 24 451

nismos de concentração urinária. Um mesmo agente


NEFROPATIA TÓXICA pode causar mais de um tipo de lesão, dependendo da
dose, duração de exposição e variações individuais de
Introdução resposta do indivíduo afetado. Os mecanismos mais fre-
qüentes de agressão renal pelas nefrotoxinas são altera-
O rim possui características anatômicas e fisiológicas ções de hemodinâmica renal e lesões estruturais tubula-
singulares, que o tornam particularmente vulnerável à res, refletindo-se em quadro clínico de insuficiência re-
ação lesiva de produtos químicos ou biológicos. Os com- nal aguda (IRA).
plexos mecanismos de transporte tubular renal deman- A participação das substâncias nefrotóxicas na gêne-
dam elevado consumo energético, fazendo com que in- se da IRA em ambiente hospitalar aumentou de forma
terferências com os sistemas enzimáticos intracelulares alarmante nas últimas décadas, acompanhando a maior
responsáveis pela geração de energia causem danos sig- oferta e o conseqüente aumento do uso de drogas, agen-
nificantes ou irreversíveis às células renais. A massa de tes químicos e agentes diagnósticos. Numa análise de 415
tecido renal representa menos do que 1% do peso corpo- casos de IRA do Serviço de Nefrologia do Hospital das
ral de um indivíduo, porém os rins recebem 25% do dé- Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
bito cardíaco em repouso. Desta forma, a extensa super- São Paulo (HC-FMUSP) no período de 1957 a 1966, ape-
fície endotelial glomerular é exposta de forma expressi- nas 4% dos pacientes apresentaram nefrotoxicidade
va às substâncias tóxicas presentes na circulação, e o pro- como fator causador da lesão renal, enquanto na década
cesso de filtração destas moléculas, geralmente pequenas, de 80 o uso de drogas foi o fator etiológico mais freqüente
causa grande oferta de toxinas por unidade de tempo ao nos pacientes com diagnóstico de IRA no mesmo hospi-
tecido renal. Além disso, os processos de metabolização tal. O perfil das drogas responsáveis pelos episódios de
renal podem desacoplar substâncias tóxicas de seus car- nefrotoxicidade também vem se alterando. A análise dos
readores protéicos ou gerar substâncias com capacidade pacientes com IRA associada a agentes nefrotóxicos do
lesiva. Na luz tubular os mecanismos de concentração HC-FMUSP no período de 1980 a 1982 mostrou que a
urinária induzem níveis extremamente elevados desses grande maioria dos casos foi relacionada a antibióticos.
agentes tóxicos, muitas vezes superiores aos encontrados Já em 1983 os agentes mais freqüentemente implicados
na circulação sistêmica. Finalmente, os mecanismos de foram os antibióticos e o contraste iodado. Finalmente,
transporte facilitam a entrada dessas substâncias do lú- em 1993, além de antibióticos e contraste, os antiinflama-
men para o interior das células tubulares. As nefrotoxi- tórios não-hormonais (AINH), os bloqueadores da enzi-
nas podem causar lesão através de diminuição do fluxo ma de conversão de angiotensina e a ciclosporina surgi-
sanguíneo renal, interagindo diretamente com a mem- ram como agentes de lesão renal em número significati-
brana celular ou através da geração intracelular de me- vo de casos.
tabólitos tóxicos ou de radicais livres de oxigênio, cau-
sando danos a estruturas intracelulares e interferindo
com mecanismos enzimáticos vitais para o funcionamen- Diagnóstico de Lesão Renal Nefrotóxica
to celular.
Na maior parte das vezes o diagnóstico de nefrotoxici-
dade é aventado somente quando o dano renal atinge pro-
Pontos-chave: porções suficientes para diminuir a diurese e/ou a filtra-
ção glomerular (FG), causando redução da depuração de
Vulnerabilidade renal a substâncias tóxicas creatinina endógena e aumento da creatinina sérica.
• Alto gasto energético Oligúria é definida como diurese menor do que 400 ml
• Fluxo sanguíneo elevado em 24 horas. Este limite arbitrário baseia-se no conceito de
• Grande área de superfície endotelial que este é teoricamente o menor volume necessário para a
• Geração de metabólitos tóxicos eliminação dos solutos produzidos por um indíviduo nor-
• Desacoplamento de substâncias das mal em um dia. No entanto, a prevalência de IRA não-oli-
proteínas plasmáticas gúrica aumentou exponencialmente nas útimas décadas,
• Mecanismos de concentração urinária em parte por aumento de IRAs causadas por substâncias
nefrotóxicas que não cursam com oligúria, como os anti-
bióticos aminoglicosídeos. Em séries de casos mais recen-
As substâncias nefrotóxicas podem acometer quais- tes de IRA, mais da metade dos pacientes são não-oligúri-
quer das estruturas renais causando lesões glomerulares, cos. Assim, a presença de diurese acima de 400 ml/24 h não
tubulares, intersticiais e vasculares. Funcionalmente, a exclui o diagnóstico de nefrotoxicidade e lesão renal em
nefrotoxicidade pode manifestar-se como queda da fil- atividade.
tração glomerular, proteinúria, alterações hidroeletrolí- A dosagem de creatinina é provavelmente o método
ticas, alterações do equilíbrio ácido-básico ou dos meca- mais utilizado para a medida da FG na prática clínica. É
452 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

um marcador pouco sensível de lesão renal, pois eleva-


se significativamente apenas quando a FG cai para valo- Pontos-chave:
res de 30 a 50% abaixo do normal. A creatinina é gerada • Diurese “normal” não afasta a possibilidade
pela reação não-enzimática da creatina e fosfocreatinina
de nefrotoxicidade
musculares, e a sua produção diária é uma fração relati-
vamente constante da quantidade total de creatina. Os
• Creatinina sérica: marcador pouco sensível
seus níveis séricos são proporcionais à massa muscular de lesão renal
do indivíduo, e portanto mulheres, indivíduos idosos ou • Cr < 1,5 mg/dl não afasta a possibilidade de
com massa muscular reduzida podem apresentar insuficiência renal
creatininas séricas pouco elevadas ou mesmo dentro da • Enzimúria tubular: muito sensível e pouco
faixa considerada “normal” na vigência de queda signi- específica
ficativa da FG. A depuração de creatinina, apesar de ser
método mais sensível e exato para a determinação da FG,
também apresenta problemas significativos na sua inter- Nefrotoxicidade de Agentes
pretação. À medida que a FG cai, a secreção tubular de
Antiinfecciosos
creatinina aumenta, fazendo com que a depuração de cre-
atinina superestime de forma importante a FG real. Além AGENTES ANTIBACTERIANOS
disso, o rim possui importante reserva funcional que, ati-
vada, pode mascarar a agressão renal até que a lesão te- Aminoglicosídeos
nha progredido de forma irreversível. Um exemplo des- Os aminoglicosídeos (gentamicina, tobramicina, amica-
ta situação é a nefrotoxicidade crônica causada pela ciclos- cina e netilmicina) são antibióticos bactericidas de uso pa-
porina A que evolui para fibrose intersticial irreversível renteral, extremamente eficazes em infecções graves cau-
na presença de depuração de creatinina estável ou mes- sadas por bactérias Gram-negativas. São compostos
mo normal. policatiônicos, de pequeno peso molecular (em torno de
Estudos experimentais e clínicos têm utilizado a do- 500 D), que se ligam muito pouco a proteínas plasmáticas
sagem de enzimas tubulares renais como marcadores de e são excretados livremente por filtração glomerular. Em
lesão renal. Embora sensível como marcador, a elevação função destas características, a sua depuração aproxima-
de enzimas urinárias é pouco específica e ainda não ob- se da de inulina. Na luz do túbulo proximal uma pequena
teve ampla aceitação na prática clínica. Alterações dos parte da carga filtrada liga-se a receptores fosfolipídicos
testes de capacidade de concentração e acidificação uri- aniônicos da membrana celular da região apical das célu-
nárias ocorrem precocemente na lesão renal nefrotóxica, las tubulares proximais e é transportada por pinocitose
mas são de determinação trabalhosa e pouco prática, di- para o seu interior. No citoplasma formam-se vesículas que
ficultando sua utilização rotineira. A excreção urinária se fundem com os lisossomos. A acidez do interior
de eletrólitos varia com a sua ingestão diária, tornando lisossomal faz com que os aminoglicosídeos assumam sua
difícil a sua interpretação. Excreções urinárias inapropri- forma catiônica, aumentando sua ligação com as camadas
adas de sódio, magnésio ou potássio em relação a níveis de fosfolípides e presumivelmente inibindo a função das
séricos e ingesta conhecidos podem indicar lesão tubu- fosfolipases A1 e A2. A interferência com o funcionamen-
lar. A análise qualitativa da urina deve sempre ser reali- to das fosfolipases altera o ciclo normal de renovação das
zada, pois apesar de pouco específica fornece informa- membranas fosfolipídicas e induz a formação de lisosso-
ções preciosas de maneira relativamente simples e pou- mos secundários contendo os chamados corpos mielóides,
co invasiva. Por exemplo, densidade urinária baixa na estruturas lamelares elétron-densas formadas por membra-
presença de desidratação ou pH urinário elevado na pre- nas densamente compactadas e dispostas concentricamen-
sença de acidose sistêmica indicam a presença de lesão te. Estes mecanismos de transporte e acumulação intrace-
tubular. Proteinúria significativa indica lesão glomeru- lular fazem com que a concentração dessas drogas no cór-
lar, aumento da presença de células tubulares ocorre na tex renal seja de 10 até 100 vezes superior à plasmática.
necrose tubular e eosinofilúria é fortemente sugestiva de Após ter ocorrido concentração do aminoglicosídeo no
nefrite intersticial. tecido renal, sua excreção é extremamente lenta, podendo
Deve-se manter em mente que os testes disponíveis para durar de dias a meses.
a detecção de nefrotoxicidade são pouco precisos e a ine- Os mecanismos pelos quais os aminoglicosídeos provo-
xistência de um método diagnóstico absoluto faz com que cam lesão renal ainda não são bem definidos, apesar de
seja necessário o uso simultâneo, precoce e dinâmico de extensamente estudados em modelos animais. Interferên-
testes diferentes. O exame mais rotineiramente emprega- cia com o funcionamento dos lisossomos, alterações mito-
do, a dosagem de creatinina sérica, é pouco sensível, e condriais, produção excessiva de radicais livres de oxigê-
valores de creatinina “normais” não excluem a possibili- nio, inibição competitiva das reações citosólicas mediadas
dade de lesão renal em atividade. por cálcio e diminuição do coeficiente de ultrafiltração glo-
capítulo 24 453

merular têm sido apontadas como fatores etiopatogênicos disfunção tubular que pode manifestar-se como poliúria e
da nefrotoxicidade destas drogas. Estudos experimentais perda da capacidade de concentração urinária, enzimúria,
indicam haver dissociação entre a acumulação tecidual do glicosúria, aminoacidúria e perdas urinárias inadequadas
aminoglicosídeo e sua nefrotoxicidade. Ratos com volume de eletrólitos causando hipomagnesemia, hipocalemia e
extracelular expandido apresentam proteção contra a que- hipocalcemia. O exame de urina é incaracterístico, às ve-
da da filtração glomerular e diminuição da acumulação zes com leucocitúria, proteinúria e cilindrúria. Com a in-
cortical renal do antibiótico. No entanto não há atenuação terrupção do uso da droga ocorre recuperação lenta da
da lesão estrutural, ocorrendo necrose tubular mesmo com função renal, que pode durar semanas e ser incompleta. Os
função renal relativamente preservada. De forma similar, aminoglicosídeos podem provocar insuficiência renal crô-
o ácido poliaspártico preserva a filtração glomerular e a nica diálise-dependente em pacientes com insuficiência
estrutura do túbulo proximal apesar de não impedir a de- renal prévia submetidos a tratamentos prolongados ou
posição maciça do aminoglicosídeo no tecido renal. Duran- doses muito elevadas destas drogas. O método mais sen-
te a administração experimental contínua, por meses, de sível para o diagnóstico precoce da nefrotoxicidade por
doses nefrotóxicas de aminoglicosídeo ocorre recuperação aminoglicosídeos é a detecção da elevação de seus níveis
da função renal na presença de concentrações corticais re- séricos “de vale”, que ocorre precocemente, antecedendo
nais elevadas do antibiótico, com histologia mostrando alterações da creatininemia.
focos de regeneração e de necrose tubular acompanhados Vários fatores de risco para o desenvolvimento de ne-
por áreas de fibrose intersticial focal. Aparentemente a frotoxicidade por aminoglicosídeos foram identificados e
captação celular da droga é necessária, mas não suficiente incluem tratamento prolongado, administrações repetidas
para o desencadeamento de toxicidade renal. da droga, depleção de volume extracelular, sexo masculi-
A lesão estrutural causada pelos aminoglicosídeos tem no, obesidade, insuficiência renal prévia, uso concomitan-
sido melhor estudada em animais de experimentação. Exis- te de outros agentes nefrotóxicos (vancomicina, cefalexi-
tem poucos estudos clínicos disponíveis e estes são difíceis na ou cefalotina, anfotericina B, ciclosporina, cisplatina,
de interpretar, já que estes antibióticos são freqüentemen- agentes de contraste radiológico, antiinflamatórios não-
te usados em doentes graves, onde podem existir outros hormonais), uso de furosemida, hipocalemia, hipomagne-
fatores lesivos ao rim e uso concomitante de outras dro- semia, acidose, icterícia, idade avançada, choque e admi-
gas nefrotóxicas. Estes estudos mostram histologia compa- nistração da droga durante o período de repouso noturno.
tível com necrose tubular aguda do tipo isquêmico ocor- Estudos experimentais demonstraram proteção renal
rendo em focos, com perda da borda em escova e vacuoli- com dose única da droga ao invés da mesma quantidade
zação de túbulos proximais. Os corpos mielóides surgem administrada em doses repetidas, expansão de volume
em tecido renal mesmo após tratamentos pouco prolonga- intravascular com cloreto de sódio, uso concomitante de
dos e não indicam obrigatoriamente nefrotoxicidade. Ou- ticarcilina, suplementação oral de cálcio, suplementação de
tras drogas catiônicas que não são nefrotóxicas, como clo-
roquina ou clorpromazina, também induzem a formação
de corpos mielóides. Desta forma, os corpos mielóides são
considerados como indicadores de nefrotoxicidade dos Quadro 24.1 Fatores de risco para a nefrotoxicidade
aminoglicosídeos somente quando acompanhados de ne- dos aminoglicosídeos
crose tubular. Experimentalmente, a gentamicina provo-
MODIFICÁVEIS
ca necrose tubular de intensidade proporcional à dosagem
empregada. O pico da lesão ocorre em torno do sétimo dia • Duração do tratamento
• Dose utilizada
de tratamento, e com a interrupção da droga ocorre rege-
• Número de doses
neração tubular. Com a administração de doses reduzidas • Horário da administração
do antibiótico observa-se recuperação tubular mesmo se o • Depleção de volume extracelular
tratamento for mantido. Existem alguns poucos relatos de • Uso concomitante de outras drogas nefrotóxicas
caso onde o uso de aminoglicosídeos foi associado ao de- • Uso de furosemida
• Hipocalemia
senvolvimento de nefrite intersticial aguda.
• Hipomagnesemia
Os aminoglicosídeos são a causa mais comum de lesão • Hipotensão
nefrotóxica em indivíduos hospitalizados. Sua estreita • Acidose
margem terapêutica induz alterações renais clinicamente
significativas em 10 a 20% dos pacientes. Em tratamentos NÃO-MODIFICÁVEIS
prolongados, acima de duas semanas, esta porcentagem é • Presença de insuficiência renal crônica
ainda maior, chegando a 50%. A forma clínica mais comum • Idade
de apresentação de sua nefrotoxicidade é IRA não-oligú- • Obesidade
rica, ao final da primeira semana de tratamento. Além da • Sexo masculino
• Icterícia
queda de filtração glomerular, os aminoglicosídeos causam
454 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

cloreto de potássio, indução de diabetes, administração de mir que todos os aminoglicosídeos podem provocar algu-
ácido poliaspártico, alcalinização urinária, uso de bloque- ma forma de lesão renal em praticamente todos os pacien-
adores de canal de cálcio, administração de hormônio ti- tes que os recebem, e portanto a monitorização contínua
reoidiano e depleção de fosfato. da função renal deve ser obrigatória com o seu uso. Se ocor-
Clinicamente, a dose utilizada, o intervalo de adminis- rer IRA, a medida mais segura é a substituição do amino-
tração da droga e a duração do tratamento são os fatores glicosídeo por outro antibiótico. Se houver necessidade de
de risco mais consistentemente relacionados à gênese de manter o antibiótico, o intervalo entre as administrações
insuficiência renal. A menor dose e o tratamento mais curto da droga deve ser aumentado, o que também é válido para
que sejam compatíveis com sucesso terapêutico são a me- pacientes com insuficiência renal prévia.
lhor forma de prevenção da insuficiência renal causada por
esses antibióticos. A contrapartida desta estratégia de tra-
tamento é o risco de utilização de doses terapeuticamente
Antibióticos Beta-lactâmicos
ineficazes. As propriedades farmacocinéticas dessas dro- PENICILINAS. Penicilinas são excretadas pelo sistema
gas levaram à formulação da hipótese de que a sua admi- tubular transportador de ácidos orgânicos e podem perma-
nistração em dose única diária manteria a eficácia bacteri- necer ligadas à membrana basal tubular. Nefrite intersti-
cial aguda tem sido relacionada ao uso de penicilinas na-
cida (que depende do pico sérico) e atenuaria a sua nefro-
turais e sintéticas (das penicilinas comercializadas no Bra-
toxicidade (que é dependente da área sob a curva, em fun-
sil, as que mais comumente podem causar esta lesão são a
ção das características do seu transporte tubular). De fato,
ampicilina e a oxacilina). Diferentes penicilinas podem
diversos autores têm demonstrado em estudos isolados e
apresentar reações de sensibilidade cruzada para este tipo
metaanálises que o uso de uma dose única diária de gen-
de lesão. A tríade “clássica” de febre, reação cutânea e eo-
tamicina, ao invés de doses fracionadas, preveniu a nefro-
sinofilia ocorre somente em 1/3 dos casos. Geralmente a
toxicidade sem inibir o efeito bactericida do antibiótico.
lesão ocorre após uma ou duas semanas de administração
Recentemente, demonstrou-se que a administração de gen-
da droga e há recuperação da função renal com a suspen-
tamicina e tobramicina para pacientes com infecções gra-
são do antibiótico, porém se este for mantido causará dano
ves durante o período de repouso noturno (da meia-noite
renal progressivo. A ocorrência de outras alterações estru-
às 7h30m da manhã) provocou maior nefrotoxicidade do
turais ou funcionais, dose-dependentes, com estas drogas
que a administração dos aminoglicosídeos no período de é extremamente rara, se é que existe. É provável que casos
atividade (8h às 23h30m). As medidas complementares de descritos clinicamente como necrose tubular aguda sejam
proteção para evitar ou atenuar a nefrotoxicidade dos na verdade nefrites intersticiais agudas não diagnosticadas.
aminoglicosídeos são relativamente óbvias: evitar deple- As doses de penicilina G devem ser reduzidas em pacien-
ção de volume extracelular, evitar hipotensão, não utilizar tes com insuficiência renal devido ao risco de neurotoxici-
concomitantemente outras drogas nefrotóxicas, corrigir os dade e convulsões.
níveis séricos de potássio, magnésio e bicarbonato. CEFALOSPORINAS. As cefalosporinas utilizadas cli-
nicamente são derivados semi-sintéticos dos antibióticos
produzidos pelo fungo Cephalosporum acremonium. São in-
Pontos-chave:
corporadas pelas células tubulares renais através do siste-
• Insuficiência renal aguda não-oligúrica ma de transporte basolateral de ácidos orgânicos e saem
• Lesão renal usualmente detectável a partir do meio intracelular através de difusão apical.
do 5.º dia de tratamento Os mecanismos de lesão renal das cefalosporinas foram
• Dosar creatinina pré-tratamento melhor estudados com a cefaloridina e a cefaloglicina, que
possuem modelos consistentes de IRA em coelhos. A ce-
• Em pacientes idosos, com insuficiência renal
faloridina tem a sua molécula modificada no citoplasma
crônica ou massa muscular reduzida,
da célula tubular, impedindo a sua secreção apical, o que
realizar depuração de creatinina pré- causa significante acúmulo intracelular da droga. No inte-
tratamento rior da célula a cefaloridina interfere com a atividade do
• Corrigir administração da droga citocromo P-450 e induz peroxidação lipídica, levando à
(aumentando o intervalo entre as doses) morte e à necrose celular. A cefaloglicina, por sua vez, in-
pela estimativa de filtração glomerular terfere com o funcionamento da maquinaria energética
• Monitorizar creatinina durante o tratamento mitocondrial, causando também necrose celular. Assim, o
• Usar as medidas de proteção disponíveis potencial nefrotóxico destas drogas parece estar ligado à
sua capacidade de acúmulo intracelular e à configuração
molecular, capaz de interferir com os mecanismos do me-
A constatação de que alguns aminoglicosídeos apresen- tabolismo da célula.
tam menor nefrotoxicidade experimental do que outros Muito da fama de nefrotoxicidade das cefalosporinas
não tem apresentado relevância clínica. É essencial assu- deve-se à cefaloridina, atualmente em desuso, que causa-
capítulo 24 455

va IRA e lesão tubular proximal dose-dependente mesmo nível terapêutico e ao mesmo tempo impedindo a forma-
quando utilizada em doses terapêuticas. Apesar de todas ção do metabólito tóxico. Como o imipenem é de excreção
as cefalosporinas serem consideradas potencialmente ne- renal, a sua dosagem deve ser reduzida em casos de insu-
frotóxicas, a prevalência de IRA causada pelos membros ficiência renal. Dosagens diárias maiores do que 1 grama
mais recentes desta classe de antibióticos é muito peque- em pacientes com filtração glomerular menor do que 15
na, indicando que eles possuem grande margem terapêu- ml/min/1,73 m2 podem causar neurotoxicidade e convul-
tica. Clinicamente, a lesão renal pode manifestar-se por sões.
quadros de NTA ou, mais raramente, com padrão de rea- Não foi descrita nefrotoxicidade com os novos compos-
ção alérgica com histopatologia característica de NIA. Nos tos desta classe, meropenem e ertapenem.
casos de NTA a droga foi usualmente empregada em pa- AZTREONAM. O aztreonam pertence à classe dos an-
cientes com infecções graves, onde coexistiam vários ou- tibióticos monobactâmicos, muito efetivos contra bactéri-
tros fatores potencialmente lesivos ao rim, tornando ques- as Gram-negativas. Esta droga parece ser bastante segura
tionável o papel das cefalosporinas como o agente isolado em relação ao desenvolvimento de toxicidade renal, não
da lesão renal. Doses elevadas de cefalosporinas de primei- havendo descrição de nefrotoxicidade tubular e/ou fun-
ra geração (cefalotina, cefalexina), uso concomitante de cional com o seu uso. Foi descrito um único caso compatí-
aminoglicosídeos e depleção de volume extracelular têm vel clinicamente com NIA num paciente recebendo aztreo-
sido considerados fatores de risco para a toxicidade des- nam.
tas drogas. As cefalosporinas de terceira e quarta geração
têm potencial nefrotóxico muito reduzido, causando ele- Glicopeptídeos
vações pouco significativas da creatinina sérica em apro- VANCOMICINA. É um antibiótico extremamente efe-
ximadamente 2% dos pacientes, tendo sido demonstrado tivo contra bactérias Gram-positivas, sendo a droga de
que a administração clínica de ceftazidima provocou que- escolha para o tratamento de infecções por estafilococos
da discreta da filtração glomerular. Recentemente, descre- resistentes à meticilina e diarréias causadas por Clostridium
veu-se nefrotoxicidade com a mudança de antibioticotera- difficile. A vancomicina é de excreção predominantemente
pia profilática para cirurgia cardíaca da associação renal e é pouco eliminada pelos métodos de diálise con-
cefotriaxona + vancomicina para cefodizima + vancomici- vencionais. Quando de sua introdução na prática clínica,
na. A nossa combinação causou IRA em 50% dos pacien- na década de 60, detectou-se nefrotoxicidade significativa
tes. Com a volta do esquema à associação cefotriaxona + em até 25% dos pacientes. Este importante efeito colateral
vancomicina, os casos de IRA desapareceram. foi atribuído a impurezas geradas durante o processo de
Deve-se lembrar que as cefalosporinas podem provocar fermentação da droga. Com a introdução de compostos
falsas elevações da creatinina sérica por interferir com a com pureza superior a 90% após 1980, a ocorrência de ne-
reação de Jaffé, utilizada em vários laboratórios para de- frotoxicidade com o uso isolado de vancomicina caiu, va-
terminação dos níveis deste marcador de função renal. riando de 0 a 25% em estudos prospectivos. Apesar de te-
rem diminuído os relatos de lesão renal e necrose tubular
aguda associados à vancomicina, esta droga deve ser con-
Pontos-chave: siderada nefrotóxica, e estudos recentes ainda detectam
elevações significativas de creatinina em até 10% dos pa-
• Evitar o uso de cefalexina ou cefalotina em
cientes recebendo o antibiótico. A combinação de vanco-
associação com aminoglicosídeos micina com aminoglicosídeos apresenta nítido sinergismo
• Cefalosporinas podem interferir com a em termos de nefrotoxicidade experimental. Clinicamen-
dosagem de creatinina te, a combinação destes antibióticos pode provocar IRA em
• Cefalosporinas de terceira e quarta geração até 35% dos casos, prevalência que é até sete vezes superi-
são muito pouco nefrotóxicas or à encontrada para a vancomicina isolada. A falta de
controles adequados na maior parte dos estudos realiza-
dos e o fato desta combinação de antibióticos ser freqüen-
CARBAPENEM. Esta nova classe de antibióticos beta- temente utilizada em pacientes com infecções graves, onde
lactâmicos, cujo primeiro membro disponível para uso clí- muitas vezes coexistem diversos mecanismos lesivos ao
nico foi o imipenem, apresenta amplo espectro de ativida- rim, torna difícil avaliar com precisão o papel da vanco-
de antibacteriana, sendo altamente efetiva contra bactéri- micina na gênese da lesão renal nestes casos. Outros fato-
as Gram-positivas, Gram-negativas e anaeróbias. No en- res que têm sido relacionados a maior incidência de nefro-
tanto, o imipenem sofre rápida inativação pela enzima toxicidade pela vancomicina são: nível sérico da droga
desidropeptidase 1 no túbulo renal. O metabólito forma- maior do que 10 mg/L (até 8 vezes mais nefrotoxicidade),
do revelou-se nefrotóxico, provocando NTA experimental. idade (nefrotoxicidade por vancomicina é raríssima em
A solução foi ligar o antibiótico a um inibidor específico crianças), duração do tratamento maior do que três sema-
da desidropeptidase, a cilastatina, potencializando o seu nas, creatinina basal elevada e desidratação. Nefrite inters-
456 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

ticial aguda por vancomicina pode ocorrer, mas é muito aguda, mas casos de necrose tubular aguda, glomerulone-
pouco freqüente. frites proliferativas crescênticas, depósitos intratubulares
TEICOPLAMIN. Este antibiótico apresenta indicações de pigmento, doença de cadeias leves e necrose de papila
terapêuticas semelhantes às da vancomicina e também é também foram descritos. Podem ocorrer alterações tubu-
eliminado pelos rins, principalmente através da filtração lares isoladas, como acidose tubular renal, glicosúria,
glomerular. Quando utilizado isoladamente apresentou uricosúria, perda urinária exagerada de potássio e diabetes
nefrotoxicidade em torno de 0,4% e, aparentemente, quan- insipidus nefritogênico. Excreção urinária de imunoglobu-
do associado a aminoglicosídeos provoca menos nefroto- linas de cadeia leve ocorre na maioria dos pacientes rece-
xicidade do que a associação vancomicina-aminoglicosíde- bendo rifampicina, mesmo com função renal normal, su-
os. Já foi associado ao surgimento de NIA após tratamen- gerindo manuseio tubular inadequado de proteínas ou
to prolongado. alterações imunológicas. Estas alterações renais usualmen-
te desaparecem com a suspensão do antibiótico, mas exis-
tem casos de insuficiência renal irreversível. Os mecanis-
Pontos-chave: mos etiopatogênicos deste complexo conjunto de efeitos co-
• Vancomicina é nefrotóxica laterais ainda não estão definidos. A detecção de anticor-
pos anti-rifampicina circulantes, a presença de descrições
• Vancomicina apresenta sinergismo de
de imunofluorescência renal positiva ao redor de túbulos
nefrotoxicidade com aminoglicosídeos
lesados e em membrana basal tubular, a ocorrência de
• Corrigir dosagem da droga pela estimativa transformação linfocitária após contato com a droga e a
de filtração glomerular excreção urinária de imunoglobulinas de cadeias leves fa-
• Monitorizar creatinina durante o tratamento lam a favor de um mecanismo imunológico. Por outro lado,
• Dar preferência a teicoplamin em pacientes os anticorpos anti-rifampicina não estão presentes em to-
com lesão renal dos os pacientes com reações adversas; pacientes com an-
ticorpos positivos podem evoluir sem complicações e a
imunofluorescência renal dos indivíduos afetados é qua-
Tetraciclinas se sempre negativa.
O efeito antianabolizante da tetraciclina pode induzir
elevação dos níveis de uréia sem alteração da filtração glo- Sulfonamidas
merular, pois os aminoácidos não utilizados para a sínte- Quando estas drogas começaram a ser utilizadas, na
se protéica serão degradados, gerando uréia. Este efeito de década de 40, sua baixa solubilidade provocava casos de
aumento de uréia não é observado com a doxiciclina, que IRA por deposição intratubular de cristais ou mesmo por
não é catabolizante. Doses muito elevadas de tetraciclina formação de cálculos, com quadros clínicos caracterizados
podem causar alterações funcionais tubulares como acido- por hematúria (micro- ou macroscópica), cristalúria,
se ou até mesmo quadros semelhantes à síndrome de Fan- oligoanúria e cólicas renais. O advento de compostos mais
coni. Tetraciclinas reduzem a excreção de carbonato de lí- solúveis em água fez com que esse tipo de lesão pratica-
tio e portanto podem causar intoxicação aguda pelo lítio. mente desaparecesse. No entanto, o uso recente de doses
Existem alguns raros casos descritos de NIA após uso de elevadas desses antibióticos no tratamento de doenças in-
tetraciclinas. Demeclociclina, utilizada no tratamento de fecciosas ligadas à síndrome da imunodeficiência adqui-
hiponatremia dilucional, pode causar redução da função rida levou ao ressurgimento dessa forma de nefrotoxicida-
renal em pacientes com cirrose hepática ou insuficiência de, pois os metabólitos dessas drogas podem precipitar em
cardíaca congestiva, possivelmente por depleção de volu- pH urinário inferior a 5,5. Estas alterações renais podem
me extracelular através da diminuição da sensibilidade ser evitadas ou revertidas com hidratação adequada e al-
tubular ao hormônio antidiurético. calinização urinária, evitando a saturação e a precipitação
desses compostos na urina.
Rifampicina SULFADIAZINA. É utilizada em conjunto com pirime-
Rifampicina é um antibiótico utilizado no tratamento de tamina no tratamento de encefalite por toxoplasma. Pode
tuberculose e de infecções estafilocócicas. IRA associada a causar IRA por precipitação intratubular ou formação de
esta droga tem ocorrido quando a terapia é interrompida cálculos radiotransparentes do seu metabólito primário,
por dias ou mesmo meses e reiniciada, embora alguns pa- acetilsulfazina. Pode também provocar nefrite intersticial
cientes tenham apresentado lesão renal durante tratamento aguda.
contínuo. O quadro clínico é peculiar, com dor lombar, SULFAMETOXAZOL/TRIMETOPRIM. Quando utili-
oligúria ou anúria de início abrupto, hematúria microscó- zado em doses elevadas no tratamento de infecção pulmo-
pica e hipertensão associadas a fenômenos sistêmicos como nar por Pneumocystis carinii pode também provocar lesão
febre, náusea e vômitos, diarréia, cefaléia e mialgia. Histo- renal por cristalúria e formação de cálculos a partir de seu
logicamente a lesão mais freqüente é nefrite intersticial metabólito pouco solúvel. Causa com maior freqüência
capítulo 24 457

IRA por reações de hipersensibilidade com diagnóstico his- mocystis carinii. IRA tem complicado de 25 até 95% dos tra-
tológico de nefrite intersticial aguda, às vezes com a pre- tamentos por via endovenosa e muito raramente os trata-
sença de granulomas não-caseosos. O trimetoprim pode mentos por aerossol. Apesar de sua excreção renal ser re-
causar elevação da creatininemia e hipercalemia na presen- duzida, a pentamidina acumula-se no tecido renal após
ça de filtração glomerular normal por interferir com pro- múltiplas doses. A IRA, geralmente não-oligúrica, costu-
cessos tubulares de secreção de creatinina e transporte de ma ocorrer após a primeira semana de tratamento e pode
potássio. ser grave o bastante para necessitar de diálise. O exame de
urina pode mostrar leucocitúria, hematúria e proteinúria
com formação de cilindros. A interrupção do uso da dro-
Pontos-chave: ga associa-se a melhora progressiva da função renal. O
Prevenção da nefrotoxicidade das mecanismo de nefrotoxicidade da pentamidina é desco-
nhecido. Além de queda da filtração glomerular, a droga
sulfonamidas
induz lesão tubular, provocando quadros clínicos de hipo-
• Manter hidratação adequada calcemia, hipomagnesemia com fração de excreção de
• Alcalinizar a urina magnésio elevada e hipercalemia.

Quinolonas Dapsona
Esta droga, utilizada profilaticamente contra Pneumocys-
Esta classe de antibióticos (norfloxacin, ciprofloxacin,
tis carinii, é causa rara de lesão nefrotóxica. Casos de IRA
ofloxacin, pefloxacin, levofloxacin, etc.) vem sendo bastan-
foram descritos associados a doses maciças da droga, a
te utilizada devido ao seu amplo espectro e flexibilidade
necrose de papila e a hemólise intravascular.
de administração, pois pode-se iniciar o tratamento por via
parenteral e prossegui-lo por via oral. Experimentalmen-
te as quinolonas podem causar lesão renal através de pre-
AGENTES ANTIFÚNGICOS
cipitação urinária da droga e/ou metabólitos com magné- Anfotericina B
sio e proteínas causando obstrução intra-renal e processo É um antibiótico produzido a partir do Streptomyces
inflamatório na parede tubular. No entanto, esta forma de nodosus, que age através da formação de complexos com
nefrotoxicidade é clinicamente rara, possivelmente porque as moléculas de esterol na membrana celular dos fungos,
a precipitação de cristais da droga ocorre em urina alcali- aumentando a sua permeabilidade e causando seu rompi-
na, dificilmente existente em humanos. Mesmo quando mento. Desde a sua introdução, em 1950, permanece como
cristalúria foi induzida em voluntários normais através de o mais efetivo agente antifúngico disponível. Tem grande
alcalinização urinária, não se evidenciaram efeitos adver- relevância clínica atual, pois a partir da década de 80 hou-
sos sobre a função renal. Por outro lado, casos de nefrite ve aumento significativo da incidência de infecções intra-
intersticial aguda têm sido descritos em pacientes receben- hospitalares por fungos graças a doenças como a síndro-
do ciprofloxacin e em pelo menos um paciente recebendo me da imunodeficiência adquirida e ao incremento do
norfloxacin. Surgimento de vasculites também tem sido número de pacientes imunossuprimidos por causa de
associado às quinolonas, e existem relatos de casos de vas- transplantes de órgãos e uso de quimioterapia.
culite renal após uso de ciprofloxacin ou ofloxacin. As mesmas propriedades que a tornam tão efetiva con-
tra os fungos fazem com que a anfotericina seja tóxica para
Polimixinas diversos tecidos, incluindo o rim. Os mecanismos fisiopa-
togênicos da nefrotoxicidade da anfotericina são múltiplos.
Esta classe de drogas é representada pela polimixina B
A droga liga-se às moléculas de esterol das células epiteli-
e pelo colistin (polimixina E). São antibióticos utilizados
ais, aumentando a sua permeabilidade a água e solutos,
por via parenteral quase exclusivamente para tratamento
provocando alterações estruturais e funcionais. Experimen-
de bactérias Gram-negativas multirresistentes, especial-
talmente causa vasoconstrição sistêmica e da arteríola afe-
mente Pseudomonas. Os efeitos colaterais mais importan-
rente, que parece ocorrer independentemente de ativação
tes destas drogas são nefrotoxicidade e neurotoxicidade,
do feedback túbulo-glomerular. Esta ação vascular é endo-
havendo relato de IRA em aproximadamente 20% dos
télio-independente e cálcio-dependente e pode ser bloque-
pacientes tratados. A histologia renal mostra necrose tu- ada por teofilina, pelo peptídeo atrial natriurético e por blo-
bular aguda ou pode ser normal. Mesmo após a interrup- queadores do canal de cálcio. Expansão com cloreto de
ção do antibiótico pode continuar a haver queda da filtra- sódio em ratos tratados com anfotericina previne as alte-
ção glomerular por aproximadamente uma semana. rações glomerulares mas não as tubulares, indicando exis-
tirem mecanismos de nefrotoxicidade diferentes para as
Pentamidina células vasculares e tubulares.
Pentamidina, por via endovenosa ou por aerossol, é uti- Nefrotoxicidade ocorre em até 80% dos pacientes trata-
lizada no tratamento de pneumonias causadas por Pneu- dos com anfotericina. A lesão é dependente tanto da dose
458 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

diária quanto da dose acumulada da droga. Doses cumu- cebendo anfotericina é a expansão de volume extracelular.
lativas maiores do que 2 a 3 gramas provocam invariavel- Estudos clínicos mostraram prevenção, e mesmo recupera-
mente disfunção renal. Outros fatores de risco associados ção, da queda da filtração glomerular induzida por anfote-
a maior nefrotoxicidade são idade avançada, sexo mascu- ricina com o uso de suplementação de cloreto de sódio, ge-
lino, obesidade, insuficiência renal crônica, uso concomi- ralmente por via endovenosa. Com os dados atualmente dis-
tante de outras drogas nefrotóxicas (especialmente ciclos- poníveis é razoável propor, desde que as condições clínicas
porina e amicacina), uso simultâneo de diuréticos, deple- do paciente permitam, a administração diária de 150 mEq de
ção salina, hipocalemia e hipomagnesemia. A anfoterici- cloreto de sódio (1 litro de solução de cloreto de sódio a 0,9%),
na causa lesão tubular direta (perda da capacidade de con- começando um dia antes ou no dia do início do tratamento
centração e acidificação urinárias e perda urinária excessi- com anfotericina, como medida básica de prevenção. Esta
va de eletrólitos) e alterações da hemodinâmica renal (au- manobra, no entanto, não previne as alterações tubulares, e
mento da resistência vascular renal, queda da filtração glo- pacientes recebendo solução salina apresentaram hipocale-
merular e do fluxo plasmático renal). Clinicamente a ne- mia mais pronunciada do que pacientes controle.
frotoxicidade manifesta-se por poliúria, hipocalemia, hipo- Outra forma possível para minimizar a nefrotoxicida-
magnesemia, acidose tubular distal e por insuficiência re- de da anfotericina é a manipulação das formulações far-
nal aguda não-oligúrica levando à queda da filtração glo- macológicas para sua administração. A anfotericina é ex-
merular. O quadro geralmente manifesta-se após alguns tremamente hidrófoba e o veículo normalmente utilizado
dias do início do uso da droga, porém pode ocorrer após na preparação da droga, o deoxicolato de sódio, tem pro-
semanas de tratamento. O exame de urina é pouco carac- priedades nefrotóxicas. Trabalhos clínicos e experimentais
terístico, podendo apresentar hematúria, leucocitúria, cé- mostraram menor nefrotoxicidade hemodinâmica e tubu-
lulas tubulares, proteinúria e cilindros. O quadro histoló- lar quando a anfotericina foi diluída em soluções de lípi-
gico é de necrose tubular aguda tóxica com dilatação tu- des utilizadas para nutrição parenteral ao invés de soro
bular, necrose e calcificação dos túbulos proximais e dis- glicosado. Na mesma linha de raciocínio, desenvolveram-
tais e vacuolização inespecífica de pequenas e médias ar- se três novas formulações comerciais com o intuito de
térias e arteríolas. As alterações de função renal são usual- melhorar a toxicidade sem perda de eficácia: anfotericina
em complexo lipídico, anfotericina em dispersão coloidal
mente reversíveis com a suspensão do medicamento. Esta
e anfotericina em preparação lisossomal. As três prepara-
melhora pode demorar meses, especialmente se doses cu-
ções parecem ser menos tóxicas do que a formulação con-
mulativas maiores do que 4 gramas forem empregadas.
vencional do antibiótico, mas apresentam custo expressiva-
Insuficiência renal crônica já foi descrita em pacientes sub-
mente mais elevado. Das três, é a preparação lisossomal que
metidos a repetidas exposições à anfotericina.
reuniu o maior número de evidências comprovando signi-
Considerando-se a alta prevalência clínica de nefrotoxi-
ficativa redução da nefrotoxicidade (tanto a nível de creati-
cidade com esta droga, a procura de medidas de proteção
nina quanto a nível de potássio) sem prejuízo da eficácia.
tornou-se obrigatória. O uso de manitol ou de furosemida
em pacientes não foi efetivo e a eficácia clínica dos bloquea-
dores de canal de cálcio não foi comprovada. A manobra de Pontos-chave:
proteção comprovadamente mais eficaz para pacientes re-
• Nefrotoxicidade depende da dose diária e
da dose total
• Causa hipocalemia, hipomagnesemia,
Quadro 24.2 Fatores de risco para a nefrotoxicidade acidose e poliúria
por anfotericina • Expansão salina previne queda da filtração
glomerular, mas não a hipocalemia
MODIFICÁVEIS
• Existem fatores de risco modificáveis
• Dose diária elevada • Dissolução em lípides pode atenuar a
• Dose cumulativa elevada
• Depleção salina nefrotoxicidade
• Uso simultâneo de diuréticos • Preparação lisossomal é menos nefrotóxica,
• Uso simultâneo de outras drogas nefrotóxicas porém cara
• Hipocalemia
• Hipomagnesemia

NÃO-MODIFICÁVEIS AGENTES ANTIVIRAIS


• Idade avançada Aciclovir e Ganciclovir
• Sexo masculino Aciclovir é um nucleosídeo análogo da guanosina que
• Insuficiência renal crônica é fosforilado no interior da célula e inibe de forma seletiva
• Obesidade
a DNA-polimerase. É utilizado no tratamento de infecções
capítulo 24 459

por vírus da varicela zoster e herpes simples, principalmen- Foscarnet


te em doentes imunossuprimidos. A droga é excretada É um agente antiviral utilizado por via endovenosa em
inalterada pelos rins, em parte através da filtração glome- infecções por citomegalovírus em pacientes imunossupri-
rular e principalmente através de secreção tubular proxi- midos. Pode ser usado localmente para tratamento de her-
mal. A dosagem dos níveis teciduais de aciclovir mostrou pes genital. Age inibindo a DNA polimerase em vírus her-
que a sua concentração em tecido renal é até 10 vezes su- pes, a RNA polimerase dos vírus influenza e a transcrip-
perior à plasmática. Nefrotoxicidade tem ocorrido em 12 tase reversa dos retrovírus. A droga não é metabolizada,
a 16% dos pacientes tratados com este agente antiviral, depositando-se no esqueleto e sendo excretada de forma
manifestando-se geralmente como IRA não-oligúrica que inalterada na urina. Foscarnet é extremamente nefrotóxi-
se instala no primeiro ou segundo dia de tratamento. Po- co, causando IRA em até 66% dos pacientes tratados. O fato
dem ocorrer cólica renal, náuseas e vômitos, hematúria e de ser utilizado em doentes graves, muitas vezes receben-
leucocitúria. Embora alguns pacientes tenham necessita- do administração concomitante de outros agentes nefro-
do de diálise, o quadro é geralmente reversível com a in- tóxicos, poderia explicar em parte a sua alta taxa de nefro-
terrupção do uso da droga e hidratação do paciente. A toxicidade. No entanto, em um estudo retrospectivo envol-
ocorrência de lesão renal parece relacionada à dose, velo- vendo 56 pacientes demonstrou-se que 40% dos indivídu-
cidade e via de administração da droga, ao estado de hi- os que desenvolveram IRA com foscarnet não estavam
dratação e função renal prévia do paciente, bem como ao utilizando outros agentes nefrotóxicos, confirmando o seu
uso concomitante de outros agentes nefrotóxicos. Infusões alto índice de nefrotoxicidade. A lesão renal costuma ma-
rápidas, endovenosas, de dosagens maiores do que 500 nifestar-se por elevação dos níveis de uréia e creatinina
mg/m2, níveis séricos superiores a 20 mg/ml e depleção durante a primeira semana de tratamento, e pode evoluir
de volume intravascular são os fatores de risco mais im- para IRA grave, necessitando de diálise, em 10 a 15% dos
portantes para a IRA causada pelo aciclovir. A patogêne- pacientes. Foscarnet causa hipomagnesemia, e acidose tu-
se da lesão renal ainda não está bem determinada. A baixa bular renal e quadros de extrema poliúria (7 a 8 litros/dia)
solubilidade da droga e a presença de cristalúria (cristais já foram descritos, indicando lesão tubular. A interrupção
birrefringentes em forma de agulha) em pacientes tratados da droga faz com que ocorra melhora total ou parcial da
com aciclovir levou à hipótese de que a nefrotoxicidade seja função renal, o que pode demorar até meses. Os poucos
causada por precipitação intraluminal da substância em resultados anatomopatológicos disponíveis mostram ne-
ductos coletores renais. Infelizmente, descrições histológi- crose tubular aguda grave ou fibrose intersticial e deposi-
cas da lesão são raras e não comprovaram de forma defini- ção de cristais no tufo glomerular. A etiopatogenia da dis-
tiva a presença de cristais obstruindo a luz tubular. Traba- função renal causada pelo foscarnet não está esclarecida.
lhos experimentais mostraram que o aciclovir pode causar Como ocorre com outros agentes nefrotóxicos, desidrata-
insuficiência renal associada a alterações tubulares proxi- ção, insuficiência renal prévia e uso concomitante de ou-
mais e distais. A droga causou poliúria, fosfatúria e hipo- tras drogas lesivas ao rim potencializam a ocorrência de
fosfatemia, perda urinária aumentada de sódio e potássio e IRA por foscarnet. Em um estudo prospectivo a adminis-
resistência à ação do hormônio antidiurético, sugerindo que tração de 2,5 litros/dia de cloreto de sódio antes e durante
a gênese da IRA causada por aciclovir deva ser bem mais a administração da droga reduziu drasticamente a ocorrên-
complexa do que simples obstrução intratubular. A preven- cia de nefrotoxicidade.
ção clínica da lesão deve ser feita através de hidratação ade-
quada antecedendo o uso da droga e evitando-se infusões Inibidores da Protease
endovenosas rápidas (em menos de 60 minutos). Estas drogas assumiram grande importância devido ao
O ganciclovir é um agente estruturalmente similar ao seu sucesso na terapêutica de pacientes portadores da sín-
aciclovir, mais efetivo contra citomegalovírus, que tem drome da imunodeficiência adquirida. Existem quatro ini-
demonstrado nefrotoxicidade bastante reduzida. bidores da protease aprovados para uso clínico: indinavir,
ritonavir, saquinavir e nelfinavir. Destes, pelo menos dois,
Cidofovir o indinavir e o ritonavir, têm quadros de nefrotoxicidade
É um nucleosídeo análogo da citosina ativo contra ví- relevante descritos.
rus herpes e que tem sido usado no tratamento de retinite Indinavir é o inibidor de protease mais comumente uti-
por citomegalovírus em pacientes com síndrome da imu- lizado. Aproximadamente 20% da droga é excretada de
nodeficiência adquirida. É excretado, de forma intacta, por forma inalterada na urina. O sal de indinavir é muito pou-
filtração glomerular e secreção tubular. O seu maior efeito co solúvel em água, fazendo com que haja precipitação
colateral é nefrotoxicidade dose-dependente. A droga pro- intra-renal ou urinária, com formação de cristais. Esta cris-
voca elevação da creatinina, proteinúria e síndrome de talúria pode ser assintomática ou apresentar-se clinicamen-
Fanconi. A sua toxicidade pode ser atenuada por adminis- te como dor lombar ou no flanco, litíase renal, cólica
tração simultânea de solução salina e probenicida, que blo- nefrética ou disúria e urgência miccional. Os cálculos de
queia a sua secreção tubular. indinavir não foram visualizados em radiografias abdomi-
460 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

nais ou tomografias computadorizadas em aproximada- mecanismos aventados para a sua patogênese são altera-
mente metade das vezes. IRA oligúrica (associada ou não ções hemodinâmicas, lesão das células tubulares e obstru-
a cálculos obstrutivos), elevação de creatinina, nefrite in- ção intraluminal. A administração de contraste induz res-
tersticial e proteinúria também têm sido observadas em posta bifásica na vasculatura renal. Há vasodilatação pre-
pacientes utilizando esta droga. Biópsias renais desses ca- coce e fugaz, seguida por vasoconstrição prolongada, que-
sos revelaram fibrose e nefrite intersticial, atrofia tubular, da do fluxo plasmático renal e da FG. Este fenômeno pa-
preenchimento da luz tubular por cristais e hipercelulari- rece ser dependente do íon cálcio, pois pode ser bloquea-
dade mesangial. É provável que a etiopatogenia da lesão do por bloqueadores de canal de cálcio mas não por alfa-
esteja ligada à precipitação da droga no parênquima renal. bloqueadores. O sistema das prostaglandinas também
O fator de risco mais importante para a nefrotoxicidade do pode estar envolvido: estudos experimentais identificaram
indinavir é obviamente desidratação. Pacientes tratados diminuição no nível de prostaglandinas vasodilatadoras,
com este inibidor de protease devem ser orientados a be- e a vasoconstrição é agravada pela indometacina. Outros
ber 1 a 2 litros de fluido por dia, previamente à ingestão possíveis mediadores são a adenosina, pois teofilina pre-
da droga, para prevenção da lesão renal. vine a vasoconstrição induzida pelo contraste, e liberação
Nefrotoxicidade também foi descrita com o ritonavir, aumentada de endotelina, que tem sido demonstrada tan-
ocorrendo precocemente (até três dias após a introdução to experimental como clinicamente após o uso de contras-
do medicamento) e manifestando-se por elevação de crea- te. Trabalhos recentes mostraram potencialização da nefro-
tinina em diversos pacientes e pelo menos um caso de IRA toxicidade do contraste através do bloqueio da formação
dependente de diálise. Os mecanismos etiopatogênicos e de óxido nítrico ou proteção com o uso de L-arginina em
a histologia desta lesão renal são ainda desconhecidos. modelos experimentais. Os meios de contraste podem in-
duzir alterações reológicas em hemácias, induzindo a sua
agregação e potencializando a queda de fluxo sanguíneo
Nefrotoxicidade do Meio de Contraste a nível de microcirculação. As evidências de lesão tubular
Radiológico direta são a presença de enzimúria em pacientes e animais
de experimentação e as perturbações na respiração celu-
Meios de contraste iodado são amplamente utilizados lar em modelos in vitro, induzidas pelo contraste. Outra
em diversos procedimentos radiológicos, como angiogra- forma de lesão tubular seria a decorrente da precipitação
fias, urorradiologia e tomografias computadorizadas. A intraluminal de proteínas de Tamm-Horsfall, de cristais de
incidência da nefrotoxicidade atribuída ao seu uso vai de oxalato ou de urato após a infusão de meio de contraste.
0 a 90%. Esta enorme variação deve-se a particularidades A alteração estrutural renal provocada pelo contraste é
inerentes à população estudada, a diferenças na definição mal caracterizada, devido à ausência de estudos anatomo-
de lesão renal, ao intervalo de tempo transcorrido entre o patológicos adequados. Vacuolização citoplasmática de
uso do contraste e o estudo da função renal e à sensibili- células tubulares proximais (“nefrose osmótica”) foi encon-
dade dos métodos usados para avaliar as alterações renais. trada retrospectivamente em 20% das biópsias de pacien-
Considerando-se que aproximadamente 10 milhões de tes submetidos a contraste iodado de alto poder osmótico.
procedimentos com o uso de contraste intravascular são Esta alteração estava presente tanto em pacientes com fun-
realizados anualmente nos Estados Unidos, mesmo uma ção renal rebaixada como naqueles com função renal nor-
incidência de 0,1% significaria 10.000 casos de nefropatia mal, e portanto não parece ser específica para a nefrotoxi-
por contraste/ano. O estudo deste problema pela óptica do cidade do contraste. Mais recentemente, foi descrita tam-
universo de pacientes com queda aguda da função renal bém após administração de contraste de baixa osmolalida-
mostra que o uso de contraste tem sido relacionado como de. Lesões compatíveis com necrose tubular aguda já fo-
fator etiopatogênico em 10 a 15% dos casos de IRA intra- ram encontradas em pacientes com nefropatia por contras-
hospitalar. De fato, a análise dos pacientes atendidos na te, e necrose da porção espessa ascendente medular da alça
década de 90 pelo Grupo de IRA do HC-FMUSP revelou de Henle foi descrita em animais submetidos à infusão de
que o contraste, isoladamente ou em associação com ou- meio de contraste.
tras drogas, foi responsável por aproximadamente 9% de A incidência da nefropatia por contraste está intima-
todos os casos de IRA atendidos e por aproximadamente mente ligada à presença de fatores de risco para o seu de-
25% dos casos de IRA causada por agentes nefrotóxicos. senvolvimento. Dentre esses, o mais importante é, sem
A fisiopatologia da nefrotoxicidade por contraste é ain- dúvida, insuficiência renal prévia. O risco de desenvolvi-
da mal definida. O rim normal é extremamente resistente mento de nefropatia está diretamente correlacionado ao
à sua ação lesiva, e modelos animais foram obtidos ape- grau de insuficiência renal, isto é, quanto menor a função
nas quando outros mecanismos de agressão renal, como renal basal, maior a incidência de nefrotoxicidade. Diabe-
insuficiência cardíaca, desidratação, hipercolesterolemia tes também tem sido considerado um fator de risco inde-
ou uso de indometacina, foram somados à administração pendente para a nefropatia por contraste. No entanto, es-
da droga. A lesão parece ser multifatorial, e os principais tudos prospectivos não encontraram maior incidência de
capítulo 24 461

nefrotoxicidade em grupos de pacientes diabéticos com patia por contraste. Por outro lado, a especificidade do
função renal normal quando comparados a indivíduos não- nefrograma permanente para o diagnóstico de nefropatia
diabéticos. Por outro lado, o risco de nefrotoxicidade e a por contraste é limitada, com aproximadamente 20% de
gravidade da lesão renal são nitidamente maiores em dia- resultados falso-positivos. A intensidade da lesão renal
béticos com função renal rebaixada. Em indivíduos diabé- causada pelo contraste está relacionada à presença de fa-
ticos com insuficiência renal leve a moderada a incidência tores de risco, especialmente à função renal basal do indi-
de nefropatia por contraste é de 9 a 40%, e em pacientes víduo. Indivíduos com função renal pré-contraste normal
diabéticos com insuficiência renal grave pode chegar até a ou pouco alterada podem apresentar quedas da filtração
90%. Além disso, estes pacientes apresentam quedas da FG glomerular de até 30%, com elevações discretas ou mode-
mais intensas para qualquer nível de elevação de creatini- radas da creatinina sérica, sem oligúria, necessidade de
na pré-contraste do que pacientes não-diabéticos. Outros diálise ou outras repercussões clínicas. Em trabalho reali-
fatores de risco que têm sido associados ao desenvolvimen- zado pelo Grupo de IRA do HC-FMUSP, observou-se
to de nefrotoxicidade pelo contraste são idade avançada, queda de aproximadamente 20% na FG de pacientes com
depleção de volume intravascular, insuficiência cardíaca, depuração de creatinina basal de 82 ± 39 ml/min (média
infusão de volume de contraste maior do que 125 ml, ex- ± desvio padrão) 72 horas após uso de contraste, com com-
posição repetida ao contraste, uso concomitante de outras pleta normalização após uma semana. Por outro lado,
drogas nefrotóxicas, proteinúria, hiperuricemia, hepatopa- pacientes com déficit moderado a grave da função renal
tia e mieloma múltiplo. basal, e particularmente indivíduos diabéticos com grau
O quadro clínico da nefropatia por contraste varia de avançado de lesão renal, podem desenvolver insuficiên-
alterações leves na função renal a IRA dependente de di- cia renal grave, oligúrica e diálise-dependente. Esta le-
álise. A lesão manifesta-se por elevação da creatinina sé- são pode ser irreversível (na nossa casuística isto tem
rica 48 a 72 horas após a injeção do contraste, com volta ocorrido em aproximadamente 4% dos pacientes), deter-
aos valores basais entre o 7.º e o 10.º dia pós-exposição. minando a inclusão do paciente em programa crônico de
Casos de IRA prolongada, com duração de 2 a 4 semanas, diálise.
podem ocorrer. O exame de urina “típico” tem células do
epitélio tubular, cilindros granulosos e ocasionalmente PREVENÇÃO DA NEFROPATIA POR
cristais de oxalato de cálcio ou de urato. A fração de ex- CONTRASTE
creção de sódio pode ser baixa (< 1%), assim como a con- Inúmeras medidas têm sido propostas para a preven-
centração urinária de sódio. Em condições normais de ção da nefrotoxicidade por contraste. A mais óbvia, e fre-
função renal o nefrograma deve ser mínimo ou ausente 6 qüentemente esquecida, é a sua não-utilização. Em paci-
horas após a infusão do meio de contraste. A persistência entes de alto risco os exames contrastados devem ser subs-
de nefrograma 24 a 48 horas após a administração de con- tituídos, sempre que possível, por outros métodos diagnós-
traste é um indicador sensível para a ocorrência de nefro- ticos. Neste sentido, é vital a identificação adequada des-
tes pacientes e o questionamento da real necessidade e
utilidade do exame. É importante lembrar que pacientes
com pouca massa muscular podem ter FG consideravel-
Quadro 24.3 Fatores de risco para a mente rebaixada na presença de valores de creatinina sé-
nefrotoxicidade por contraste rica “normais”.
É absolutamente essencial assegurar-se de que indiví-
DEFINIDO
duos de risco para nefrotoxicidade pelo contraste estejam
• Insuficiência renal prévia convenientemente hidratados antes da realização do exa-
me. Entre as medidas ativas de prevenção da nefropatia por
PROVÁVEIS
contraste a mais consistentemente efetiva do ponto de vis-
• Diabetes ta clínico é a expansão do volume extracelular. Esta expan-
• Desidratação são deve ser feita com solução salina (50 a 100 ml de NaCl
• IRA por contraste prévia
0,9% por hora), deve ser iniciada ao redor de 12 horas an-
• Mieloma
• Quantidade do contraste tes do procedimento e deve ser mantida por aproximada-
• Insuficiência cardíaca mente 12 horas após a infusão do contraste. O objetivo
desta expansão é tanto evitar a nefrotoxicidade como
POSSÍVEIS minimizá-la ao máximo em pacientes de alto risco, evitan-
• Idade do a necessidade de diálise ou a instalação de lesão renal
• Vasculopatia irreversível. Outras medidas universalmente preconizadas
• Proteinúria para pacientes de alto risco são a utilização da menor quan-
• Hiperuricemia
tidade possível de contraste, evitar a exposição repetida em
• Hepatopatia
intervalos de tempo curtos ou enquanto a creatinina não
462 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

retornar aos seus valores basais e suspender a utilização Nefrotoxicidade dos Antiinflamatórios
de drogas nefrotóxicas com potencial de causar alterações
hemodinâmicas renais, como antiinflamatórios não-hor- Não-hormonais
monais, ciclosporina, etc. A alta eficácia dos antiinflamatórios não-hormonais
Os novos contrastes não-iônicos, de baixa osmolalida- (AINHs) como agentes analgésicos e anti-reumáticos faz
de, causam indubitavelmente menos reações alérgicas e com que estas drogas estejam entre as mais largamente
alterações cardiovasculares. A sua eficácia em relação à utilizadas no mundo nos dias de hoje. Calcula-se que apro-
redução da incidência de nefrotoxicidade foi demonstra- ximadamente 50 milhões de pessoas tomem algum tipo de
da de maneira significativa apenas em pacientes diabéti- AINH por dia nos Estados Unidos. Os efeitos colaterais
cos com insuficiência renal prévia. mais comuns destas drogas são a nível gastrointestinal,
A manutenção de alto fluxo urinário através do uso de porém a grande disseminação de seu uso fez com que os
furosemida e/ou manitol é outra medida profilática que seus efeitos nefrotóxicos também se tornassem evidentes.
tem sido recomendada. No entanto, trabalhos prospecti- Em uma série de 393 pacientes com IRA seguidos pelo
vos bem conduzidos não só não demonstraram proteção Grupo de IRA do HC-FMUSP, os AINHs estiveram en-
com o uso de diuréticos, como até mesmo encontraram pi- volvidos na etiopatogenia da lesão renal em pelo menos
ora de função renal em pacientes que os utilizaram. A uti- 6% dos casos. Trabalhos epidemiológicos bem conduzi-
lização destas drogas pode ser deletéria se ocorrer desidra- dos demonstraram que indivíduos tomando AINH têm
tação por diurese excessiva associada a reposição volêmi- risco significativamente aumentado para internação por
ca inadequada, e o seu uso em associação com contraste IRA. Estas drogas podem determinar diferentes tipos de
está contra-indicado. lesão renal, compreendendo desde alterações funcionais
Existem também estudos clínicos e experimentais mos- até lesões estruturais irreversíveis em tecido renal (v.
trando proteção contra a nefrotoxicidade do contraste atra- Quadro 24.4).
vés do uso prévio ou simultâneo de dopamina, bloquea-
dores dos canais de cálcio (nifedipina, nitrendipina), anta-
gonistas da adenosina (teofilina), fator atrial natriurético,
prostaglandina E1 por via endovenosa, L-arginina e N-ace- Quadro 24.4 Lesões renais possíveis causadas por
tilcisteína por via oral. Em um estudo clínico recente o uso antiinflamatórios não-hormonais
de bloqueadores dos receptores de endotelina em pacien- • IRA mediada por vasoconstrição renal
tes com insuficiência renal crônica agravou, ao invés de • Nefrite intersticial aguda acompanhada por síndrome
melhorar, a nefrotoxicidade induzida pelo contraste. Ten- nefrótica
tativas de reduzir nefrotoxicidade em pacientes com lesão • Dor lombar e hematúria
renal prévia através de retirada do meio de contraste por • Necrose cortical
• Síndrome nefrótica sem IRA
hemodiálise imediatamente após o seu uso não obtiveram • Necrose de papila
resultados favoráveis consistentes. • Insuficiência renal crônica
• Retenção de sódio
• Hipercalemia
Pontos-chave: • Hipertensão

• Creatinina eleva-se após 48 a 72 horas do


uso do contraste
• Fator de risco melhor definido: insuficiência IRA HEMODINAMICAMENTE MEDIADA
renal prévia É a manifestação de nefrotoxicidade mais comumente
• Insuficiência renal prévia mais diabetes: associada aos AINHs. Está ligada à capacidade de bloqueio
aumenta o risco de nefrotoxicidade da ciclooxigenase e conseqüente diminuição da síntese
• Em pacientes de alto risco: considerar o uso renal de prostaglandinas, que é comum a todos os diferen-
tes AINHs. Em condições normais de volemia e fluxo san-
de exames sem contraste
guíneo renal, as prostaglandinas têm participação reduzi-
• Melhor medida preventiva: expansão com
da na manutenção da função renal. No entanto, quando
solução salina substâncias vasoconstritoras intra-renais como angioten-
• Contraste não-iônico: menos sina II, catecolaminas e hormônio antidiurético são libera-
nefrotoxicidade em diabéticos com das, a produção de prostaglandinas vasodilatadoras, par-
creatinina elevada ticularmente PGI2 e PGE2, torna-se essencial para a mo-
• Não usar diuréticos para prevenção da dulação do tônus vascular renal e adequação da filtração
nefrotoxicidade glomerular. Nesta situação, o bloqueio da síntese de pros-
taglandinas pelos AINHs pode resultar em quedas dra-
capítulo 24 463

máticas e abruptas da função renal, que se manifestam cli- 20 AINHs diferentes foram associados a episódios de ne-
nicamente como IRA. frite intersticial aguda (NIA), e é provável que esta seja uma
As situações de risco para o desenvolvimento desta for- característica comum a esta classe de drogas. Proteinúria
ma de nefrotoxicidade por AINHs podem ser divididas nefrótica costuma ocorrer em mais de 80% desses pacien-
esquematicamente em dois grandes grupos. No primeiro, tes, tendo sido relacionada com maior freqüência ao uso
os episódios de aumento de atividade vasoconstritora es- de fenoprofen, naproxen e ibuprofen. Já existem relatos de
tão ligados a circunstâncias onde o volume sanguíneo efe- casos associados aos novos inibidores específicos da COX2,
tivo absoluto ou relativo está diminuído. Enquadram-se celecoxib e rofecoxib. Quando IRA e proteinúria maciça
nesta categoria os pacientes com hemorragias, hipovole- desenvolvem-se concomitantemente em pacientes toman-
mias de causas diversas (diarréia, vômitos, excesso de in- do AINHs, deve-se sempre suspeitar de nefrite interstici-
gestão alcoólica, exercício físico extenuante, etc.), depleta- al. Os sintomas e sinais sistêmicos “clássicos” de NIA (fe-
dos em sal, em uso de diuréticos, hipotensos, com insufi- bre, eosinofilia e rash cutâneo) estão presentes em menos
ciência cardíaca congestiva, cirróticos (principalmente com de 20% das vezes. Os pacientes costumam ser idosos, pre-
ascite), nefróticos, sépticos e em pós-operatório (onde se dominantemente do sexo feminino, com função renal ba-
somam os efeitos da anestesia com seqüestros de volume sal normal ou alterada e em uso de AINHs por meses. O
em “terceiro espaço”). O segundo grupo engloba situações nível de disfunção renal que acompanha esta síndrome é
em que apesar do volume sanguíneo estar normal ou mes- variável, compreendendo desde insuficiência renal leve até
mo elevado, as prostaglandinas são importantes para a uremia grave, dependente de diálise. O sedimento uriná-
manutenção da função renal. São os pacientes com insufi- rio pode ser normal ou apresentar hematúria e leucocitúria,
ciência renal crônica, idosos (mais de 65 anos), diabéticos, além, é claro, de proteinúria. Manifestações extra-renais são
hipertensos, com quadros urológicos obstrutivos, em uso pouco freqüentes, porém quadros de hepatite, vasculite,
de outros agentes nefrotóxicos que provocam vasoconstri- dor abdominal e diarréia já foram descritos. Usualmente
ção renal (contraste, ciclosporina, tacrolimus) ou de dro- ocorre resolução da insuficiência renal e proteinúria com
gas que alterem a hemodinâmica renal, como os bloquea- a suspensão do uso da droga. Em alguns pacientes esta
dores de enzima de conversão e os bloqueadores de recep- remissão pode ser muito lenta, demorando meses. Embo-
tor AT1 da angiotensina II. ra na maioria dos casos a recuperação da função renal te-
A IRA desencadeada pelos AINHs nestas situações ca- nha sido completa, existem relatos de déficits permanen-
racteriza-se por elevação abrupta dos níveis séricos de uréia tes de função renal e evolução para insuficiência renal crô-
e creatinina, oligúria, fração de excreção de sódio reduzi- nica terminal. O resultado do uso de corticosteróides no
da (<1%) e sedimento urinário normal. Pode existir hiper- tratamento destes pacientes é controverso, como em outros
calemia desproporcional ao nível de insuficiência renal. A casos de NIA, e sua indicação deve ser analisada indivi-
função renal costuma melhorar rapidamente com a suspen- dualmente, em função das características de cada caso.
são do AINH. Necessidade de diálise é incomum, mas Pode ocorrer recidiva da síndrome se o indivíduo for no-
pode ocorrer, assim como evolução para lesão renal irre- vamente exposto ao AINH causador da lesão ou a outras
versível. Existem descrições de IRA após uso endoveno- drogas da mesma classe.
so, oral e mesmo tópico dos AINHs. A histologia renal típica destes pacientes mostra nefrite
Casos de IRA e insuficiência renal crônica irreversível intersticial aguda caracterizada por edema e infiltração
têm sido descritos em neonatos quando AINHs foram focal ou difusa do interstício renal por linfócitos, macrófa-
administrados durante a gravidez ou nos primeiros dias gos e eosinófilos. Os túbulos podem apresentar vacuoliza-
para fechamento do ducto arterioso ou como analgésicos. ção, degeneração celular, atrofia e focos de necrose. A pre-
Os novos antiinflamatórios que bloqueiam especifica- sença de granulomas e células gigantes tem sido eventu-
mente a COX2 (celecoxib e rofecoxib) parecem ter poten- almente descrita. O infiltrado celular é composto na sua
cial nefrotóxico similar aos antiinflamatórios não-especí- quase totalidade por linfócitos do tipo T, predominante-
ficos. Já existe um número considerável de casos de IRA mente CD8. Os glomérulos são normais, exceto pela fusão
descritos após o uso destas drogas por pacientes com fun- de podócitos que está sempre presente nos pacientes com
ção renal prévia normal ou comprometida. Os fatores de síndrome nefrótica. Raramente, observou-se leve prolife-
risco são semelhantes aos descritos para os AINHs mais ração mesangial ou depósitos mesangiais de material elé-
antigos. tron-denso. Em alguns poucos casos ocorreu a associação
de glomerulonefrite membranosa, nefrite intersticial e ne-
IRA POR NEFRITE INTERSTICIAL AGUDA crose tubular aguda.
COM SÍNDROME NEFRÓTICA Os mecanismos geradores da associação de nefrite in-
Esta forma de disfunção renal pelos AINHs é rara, po- tersticial com lesão glomerular não são claros. A lesão in-
rém o grande número de pacientes expostos a estas dro- tersticial tem sido atribuída a reação de hipersensibilida-
gas fez com que mais de 100 casos com comprovação his- de tardia aos AINHs. A necessidade de exposição prolon-
tológica já tenham sido descritos na literatura. Pelo menos gada à droga, a baixa prevalência dos sinais “clássicos” de
464 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

hipersensibilidade e a predominância de linfócitos T no INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA


infiltrado falam a favor desta hipótese. A patogênese da Dados recentes sugerem que pacientes que tenham feito
alteração glomerular é ainda mais obscura. É possível que uso prolongado de AINHs apresentam maior probabilida-
ocorram alterações de permeabilidade da membrana ba- de de desenvolver insuficiência renal crônica (IRC). A lesão
sal glomerular em decorrência da ação local de citoquinas desenvolve-se após meses ou anos de ingestão continuada
liberadas pelos linfócitos infiltrantes, em uma situação do medicamento. Idade avançada, sexo masculino, insufici-
onde o efeito modulador negativo das prostaglandinas ência cardíaca e hipoperfusão renal crônica têm sido aven-
sobre a função dos linfócitos T está ausente. A inibição da tados como possíveis fatores de risco para sua instalação. Sua
ciclooxigenase poderia também estar desviando a metabo- fisiopatologia é mal definida. É possível que mecanismos
lização do ácido araquidônico para o ciclo da lipoxigena- imunológicos desencadeados durante a fase aguda da nefri-
se e aumentando a produção de leucotrienes, que são subs- te intersticial causada pelos AINHs continuem ativados cro-
tâncias com importante ação pró-inflamatória. nicamente e, somados aos efeitos de fatores de crescimento
e citoquinas, produzam fibrose intersticial crônica. Até que
IRA COM DOR LOMBAR E HEMATÚRIA estudos prospectivos mais completos sejam realizados, é
O uso de suprofen foi associado ao desenvolvimento de prudente evitar o uso prolongado e regular destas drogas.
IRA acompanhada por hematúria macroscópica e dor lom- Necrose de papila renal tem sido associada ao uso de
bar de forte intensidade. Esta droga tem estrutura similar AINHs. Fenilbutazona e indometacina são as drogas presen-
ao diurético uricosúrico ticrinafen e, provavelmente, induz tes na maior parte dos casos, porém existem relatos desta
lesão renal por obstrução tubular causada por precipita- lesão em pacientes recebendo fenoprofen, ibuprofen, napro-
ção intraluminal de ácido úrico. O quadro de IRA pode xen, ácido mefenâmico e piroxicam. Muitos desses indivídu-
ocorrer após algumas doses ou mesmo após a primeira os tomavam concomitantemente aspirina, fenacetina ou
tomada do medicamento, em indivíduos com função re- múltiplos agentes analgésicos e apresentavam alterações da
nal normal, sem a presença de fatores de risco para o de- função renal basal. Ao contrário dos usuários crônicos de
senvolvimento de nefrotoxicidade por AINHs. O uso de fenacetina, esses pacientes apresentaram predomínio do sexo
suprofen deve ser evitado, pois existem diversas alterna- masculino, tomaram a droga segundo orientação médica e
tivas de AINHs sem este efeito colateral. não possuíam perfil psicológico característico. Isquemia da
medula renal é considerada como a alteração inicial na indu-
IRA POR NECROSE CORTICAL ção de necrose de papila, e os AINHs provocam diminuição
Existem relatos de casos de necrose cortical associados do fluxo sanguíneo medular através da ruptura do equilíbrio
ao uso de ibuprofen em pacientes sem fatores de risco para do tônus vascular induzido pelo bloqueio da ciclooxigenase.
o desenvolvimento de nefrotoxicidade por AINHs. Os Este fenômeno é ainda mais significativo na presença de ou-
mecanismos desta lesão são obscuros. tras agressões à circulação medular, como lesão intersticial
crônica prévia ou presença de pielonefrite. Necrose de papila
SÍNDROME NEFRÓTICA SEM IRA pode também ser conseqüente ao acúmulo de metabólitos
Aproximadamente 10% dos pacientes que desenvol- ativos dos AINHs ou de fosfolípides na região papilar.
vem lesão renal com o uso de AINHs podem apresentar Finalmente, existem dados clínicos e experimentais que
quadros de síndrome nefrótica por glomerulopatia de le- sugerem que o consumo elevado de cafeína pode potenci-
sões mínimas após meses de uso da droga, sem a presen- alizar os efeitos nefrotóxicos dos AINHs. Neste sentido, é
ça de nefrite intersticial ou IRA. O achado histopatológi- importante lembrar que cafeína está freqüentemente pre-
co é característico, mostrando glomérulos normais ou dis- sente em diversas das formulações de analgésicos utiliza-
creta hipercelularidade mesangial à microscopia óptica e das na prática diária.
fusão de podócitos à microscopia eletrônica. Diversos ti-
pos de AINHs podem provocar esta alteração. A interrup- ALTERAÇÕES ELETROLÍTICAS
ção da droga associa-se à remissão do quadro. Recidivas As prostaglandinas inibem ativamente a reabsorção de
espontâneas e progressão para glomerulosclerose focal, sódio na alça de Henle, túbulo distal e ducto coletor medu-
mesmo com a suspensão do AINH, têm sido descritas. A lar e, atuando como vasodilatadores, aumentam a carga fil-
eficácia dos corticosteróides nesta forma de lesão é des- trada de sódio. Além disso, reduzem a hipertonicidade in-
conhecida. tersticial medular através de aumento do fluxo sanguíneo
O uso de diclofenaco, fenoprofen, cetoprofen, ibupro- medular, diminuindo a reabsorção de água na porção des-
fen, tolmetin, piroxican e sulindac associou-se a alguns cendente da alça de Henle. Isto provoca diminuição da con-
casos de síndrome nefrótica onde o achado histológico foi centração intraluminal de sódio e conseqüentemente dimi-
glomerulonefrite membranosa. A interrupção do uso do nui a reabsorção passiva de sódio na porção fina da alça de
AINH resultou em diminuição progressiva da proteinúria, Henle, impermeável à água. Assim, não causa surpresa que
porém esta persistiu por meses em alguns pacientes. o uso de AINHs freqüentemente provoque retenção de só-
capítulo 24 465

dio. Este efeito é geralmente pouco relevante do ponto de Nefrotoxicidade dos Inibidores da Enzima
vista clínico. No entanto, alguns indivíduos podem desen-
volver balanços positivos de sódio importantes com reper-
de Conversão da Angiotensina e dos
cussões sistêmicas significativas. Neste sentido, pacientes Bloqueadores dos Receptores AT1 de
com função cardíaca comprometida recebendo estas drogas Angiotensina II
devem ser alvo de atenção especial. Os AINHs podem tam-
bém induzir resistência à ação de diuréticos, provavelmente
Estas classes de drogas são bastante utilizadas no con-
através de mecanismos vasopressores.
trole da hipertensão, no tratamento da insuficiência cardí-
As prostaglandinas participam dos mecanismos de di-
aca congestiva e na prevenção da progressão da doença
luição renal, modulando os efeitos do hormônio antidiuré-
renal, particularmente em pacientes diabéticos. Ironica-
tico. O uso dos AINHs pode alterar este equilíbrio, provo-
mente, apesar de serem drogas “nefroprotetoras” podem
cando retenção de água livre e hiponatremia. desencadear IRA. Em uma análise dos pacientes que apre-
PGE2 e PGI2 são agonistas de renina e participam dos sentaram falência renal aguda no ano de 1993 no HC-
mecanismos que regulam a liberação de renina intra-renal. FMUSP, os inibidores da enzima de conversão estavam
O uso de AINHs pode induzir balanço positivo de potás- envolvidos em 6% dos casos e existem inúmeras descrições
sio através de um estado de hipoaldosteronismo hiporre- de IRA por estes agentes na literatura. Mais recentemente,
ninêmico, causando hipercalemia mesmo em pacientes vários autores têm relatado IRA com características seme-
com função renal normal. Em indivíduos diabéticos e em lhantes à desencadeada pelos bloqueadores da enzima de
pacientes usando beta-bloqueadores, inibidores de enzima conversão com o uso de bloqueadores dos receptores AT1
de conversão ou antagonistas de angiotensina II há risco de angiotensina II.
considerável de desenvolvimento de hipercalemias graves A IRA desencadeada por estes agentes está relacionada
com a administração de AINHs. a condições fisiopatológicas em que a manutenção da fil-
tração glomerular torna-se dependente do sistema renina-
HIPERTENSÃO angiotensina. São situações em que o fluxo sanguíneo re-
Os AINHs podem causar aumento da pressão arterial, nal apresenta-se comprometido e a pressão do capilar glo-
provavelmente através de seus efeitos vasopressores e de merular é preservada à custa de vasoconstrição da arterí-
retenção de sódio e água. Este aumento é geralmente mo- ola eferente induzida pela ação da angiotensina II. Se o sis-
desto em pacientes normotensos e mais pronunciado em tema renina-angiotensina for bloqueado e ocorrer diminui-
pacientes previamente hipertensos. Os indíviduos com ção importante do fluxo sanguíneo renal por obstrução
maior vulnerabilidade a este efeito colateral são aqueles arterial, hipotensão, hipovolemia ou vasoconstrição fixa da
com hipertensão associada a baixa atividade de renina plas-
mática (idosos e negros, por exemplo). Os AINHs podem
também interferir com o controle medicamentoso da hiper-
tensão, especialmente em pacientes recebendo beta-bloque- Quadro 24.5 Fatores de risco para a
adores ou diuréticos. Hipertensos tratados com vasodila- nefrotoxicidade por AINHs
tadores, clonidina ou bloqueadores de canal de cálcio são
Volume sanguíneo efetivo diminuído
menos suscetíveis aos efeitos hipertensores dos AINHs. O
efeito anti-hipertensivo dos inibidores da enzima de con- • Desidratação
• Hemorragia
versão parece ser pouco afetado por essas drogas, no en-
• Hipotensão
tanto, deterioração da função renal após o uso concomitan- • Insuficiência cardíaca
te desses agentes hipotensores e AINHs já foi descrita. • Uso de diuréticos
• Cirrose
• Síndrome nefrótica
Pontos-chave: • Sépsis
• Pós-operatório
• Evitar o seu uso quando existirem
fatores de risco Volume sanguíneo efetivo normal
• Medir função renal basal • Insuficiência renal crônica
• Evitar depleção de sal e volume • Idade avançada
• Obstrução urinária
• Evitar outras drogas nefrotóxicas • Hipertensão
• Monitorizar função renal: suspender a • Diabetes
droga precocemente se houver alteração • Uso de contraste
• Uso de ciclosporina ou tacrolimus
• Inibidores específicos da COX2 também são • Uso de bloqueadores de enzima da conversão ou de
nefrotóxicos bloqueadores de receptores AT1 de angiotensina II
466 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

ma de conversão foi associado a casos de nefrite interstici-


Quadro 24.6 Situações associadas a nefrotoxicidade
al ou de glomerulonefrite membranosa.
dos inibidores da enzima de conversão da
angiotensina II e provavelmente aos bloqueadores
dos receptores AT1 de angiotensina II
Nefrotoxicidade de Agentes
1. Estenose significante (maior do que 70%) de artérias Imunossupressores e Imunomoduladores
renais bilateralmente, de artéria renal em rim único
(anatômica ou funcionalmente) ou de artéria renal em CICLOSPORINA A
rim transplantado. Em 1970, uma nova cepa de fungos (Tolypocladium
2. Insuficiência cardíaca congestiva grave. inflatum Gams) foi cultivada a partir de amostras de solo
3. Nefrosclerose intra-renal grave.
norueguês. Estes fungos produziam polipeptídeos com
4. Indivíduos idosos.
baixa capacidade fungicida, porém com importantes pro-
5. Insuficiência renal crônica.
6. Uso concomitante de drogas com ação vasoconstritora
priedades imunossupressoras na ausência de citotoxicida-
intra-renal (ciclosporina, tacrolimus, AINHs, contraste de. Em 1972, as potentes propriedades imunossupressoras
iodado, etc.). de um desses peptídeos, a ciclosporina A (CSA), foram
7. Hipotensão e/ou contração da volemia por perdas caracterizadas e descritas. A introdução da ciclosporina A
(hemorragia, diarréia, vômitos, etc.). na prática clínica, em 1978, revolucionou o transplante de
8. Uso de diuréticos ou depleção em sal. órgãos sólidos e medula óssea. O seu uso associou-se a sig-
nificativa melhora da sobrevida dos enxertos a curto e
médio prazos, à possibilidade do uso de doses menores de
corticosteróides e à diminuição das complicações agudas
arteríola aferente, a pressão do capilar glomerular irá di- em transplante de medula. Posteriormente, a sua utilida-
minuir em função da presença de vasodilatação de arterí- de foi também demonstrada no tratamento de doenças
ola eferente. Como conseqüência da perda deste mecanis- auto-imunes como uveítes, psoríase, asma brônquica, dia-
mo de auto-regulação, podem acontecer quedas dramáti- betes de início recente e síndromes nefróticas de etiologi-
cas na filtração glomerular. as diversas, aumentando o número de pacientes expostos
É importante ressaltar que a associação de hipotensão à sua ação.
ou hipovolemia com qualquer dos outros fatores de risco A ciclosporina A é um polipeptídeo cíclico neutro, com-
listados no Quadro 24.6 é altamente sinérgica para o de- posto por 11 aminoácidos, lipofílico e com peso molecular
senvolvimento de nefrotoxicidade por estes agentes. Por de 1.202 daltons. As suas propriedades imunossupresso-
outro lado, sempre que ocorrer queda da função renal ou ras manifestam-se através da inibição seletiva da ativação
IRA após o uso de um bloqueador da enzima de conver- dos linfócitos T e dos eventos mediados pela interleucina-
são ou bloqueador dos receptores AT1 de angiotensina II, 2. No compartimento intracelular a CSA liga-se a uma
deve-se suspeitar de alterações nas artérias renais de gran- imunofilina, a ciclofilina. O complexo CSA/ciclofilina ini-
de ou pequeno calibre. Indivíduos com risco aumentado be a enzima calcineurina, uma fosfatase cálcio-dependen-
para desenvolver nefrotoxicidade por estas drogas devem te, responsável pela translocação dos fatores necessários
ter a sua função renal basal avaliada cuidadosamente an- para a transcripção dos genes da interleucina-2. Quando
tes e imediatamente após a introdução do medicamento. ocorre saturação da ciclofilina e da calcineurina a CSA liga-
O quadro clínico da nefrotoxicidade por estas drogas foi se às membranas celulares, inclusive à membrana mitocon-
melhor descrito para os inibidores da enzima de conver- drial. A molécula de CSA é extremamente hidrofóbica e
são e caracteriza-se por queda da filtração glomerular que lipofílica, característica responsável pelo seu largo volume
em geral reverte rapidamente após a suspensão da droga, de distribuição e acúmulo em tecido pancreático, hepáti-
confirmando o caráter funcional da lesão. No entanto, pa- co, renal, linfático e gordura. CSA cruza a barreira placen-
cientes com insuficiência renal prévia podem apresentar tária e é secretada no leite materno. Aproximadamente 99%
perda irreversível da função renal. Em pacientes anúricos da droga ativa é metabolizada no fígado pelo sistema en-
ou com recuperação insatisfatória da função renal, a pos- zimático do citocromo P-450, com a formação de mais de
sibilidade de trombose de artéria renal deve ser conside- 10 metabólitos com diferentes atividades biológicas. A eli-
rada. A maioria dos bloqueadores da enzima de conver- minação dos metabólitos ocorre principalmente por via
são (captopril, enalapril, lisinopril, etc.) é de excreção re- biliar, com menos de 5% sendo excretados pela urina. Em
nal, e portanto sua dosagem deve ser reduzida em presença situações normais, CSA inalterada é encontrada em níveis
de insuficiência renal. Os bloqueadores da enzima de con- muito reduzidos na bile e na urina (menos do que 5% da
versão podem causar hipercalemia grave em pacientes dose administrada). Pacientes com disfunção hepática ne-
diabéticos, com insuficiência renal ou que estejam usando cessitam de correção de sua dosagem, o que não é neces-
beta-bloqueadores, AINHs ou diuréticos poupadores de sário no caso de insuficiência renal. Drogas que interferem
potássio. Muito raramente o uso de bloqueadores da enzi- com o sistema do citocromo P-450 podem alterar o meta-
capítulo 24 467

Quadro 24.7 Drogas que interferem com o Quadro 24.8 Formas de apresentação da
metabolismo da ciclosporina A, alterando os seus nefrotoxicidade da ciclosporina A
níveis sanguíneos
• Retardo no funcionamento do enxerto renal
AUMENTAM NÍVEL DIMINUEM NÍVEL • Elevação assintomática da creatinina sérica
• Insuficiência renal aguda
Verapamil Rifampicina • Síndrome hemolítico-urêmica
Diltiazem Isoniazida • Insuficiência renal crônica
Nicardipina Fenitoína • Alterações eletrolíticas (hipomagnesemia,
Amlodipina Carbamazepina hipercalemia, hipofosfatemia, hiperuricemia)
Eritromicina Barbitúricos • Alterações da capacidade de concentração urinária
Claritromicina • Acidose hiperclorêmica
Ketoconazole • Hipertensão
Fluconazole
Itraconazole

renal era prolongado. Notava-se também recuperação mais


bolismo da CSA. Cetoconazol, eritromicina, verapamil e lenta do que a habitual da função renal pós-transplante,
diltiazem, por exemplo, aumentam a sua concentração com “imunossupressão convencional”, sem CSA. Esta le-
sanguínea por inibirem este sistema enzimático. No san- são renal provavelmente associou-se, em muitos casos, às
gue, a maior parte da CSA está ligada às hemácias (55 a altas doses de ciclosporina A utilizadas quando da intro-
60%) e lipoproteínas (30 a 50%), com apenas 5 a 10% circu- dução da droga na prática clínica. O manuseio clínico des-
lando como “droga livre”. tes pacientes pode obrigar a realização de biópsia renal
Ironicamente, logo ficou evidente que o principal efei- para detecção de possíveis episódios de rejeição e diminui-
to colateral da nova droga, que havia melhorado de forma ção, ou mesmo suspensão, da administração da droga para
tão espetacular a sobrevida do transplante renal, era a sua confirmação da suspeita de nefrotoxicidade. O uso de do-
nefrotoxicidade. A CSA pode induzir diversas formas de ses menores de ciclosporina A no período inicial do trans-
alterações renais: nefrotoxicidade aguda (função retarda- plante e o desenvolvimento de protocolos de imunossu-
da do enxerto renal, disfunção renal reversível e síndrome pressão, que aguardam o bom funcionamento do enxerto
hemolítico-urêmica), nefrotoxicidade crônica, hipertensão para iniciar sua administração, têm minimizado este pro-
e alterações eletrolíticas (hipomagnesemia, hipercalemia e blema.
hiperuricemia). As concentrações séricas de CSA não são DISFUNÇÃO RENAL REVERSÍVEL. A forma mais
um indíce sensível ou específico para auxiliar o diagnósti- comum de nefrotoxicidade aguda da CSA é a de elevações
co de nefrotoxicidade, e lesão renal pode ocorrer com ní- moderadas da creatinina sérica (ao redor de 25% do valor
veis da droga considerados “terapêuticos”. Mais de vinte basal), em pacientes clinicamente assintomáticos. Quedas
anos de pesquisa e uso clínico de CSA ainda não esclare- transitórias da filtração glomerular e fluxo plasmático re-
ceram se os seus efeitos nefrotóxicos e imunossupressores nal foram observadas após as doses diárias de CSA em
podem ser dissociados. Quando métodos suficientemente recipientes de enxerto renal que recebiam cronicamente a
sensíveis de avaliação da função renal são utilizados, fica droga. Da mesma forma, notou-se melhora significativa da
claro que o uso de doses clínica ou farmacologicamente função renal em pacientes transplantados renais “estáveis”,
relevantes de CSA está sempre associado a maior ou me- sem evidências clínicas de nefrotoxicidade, que necessita-
nor grau de alterações hemodinâmicas renais. O rótulo de ram suspender o uso de CSA por razões econômicas. Esta
nefrotoxicidade aguda deve ser reservado a situações em forma de alteração da função renal pode ser acompanha-
que o comprometimento renal induzido pela CSA é de da por hipertensão, retenção hídrica, hipercalemia, hipo-
natureza funcional e reversível, sem alterações histológi- magnesemia e hiperuricemia. Apesar da toxicidade por
cas significativas em tecido renal. A nefrotoxicidade crô- CSA raramente ser observada com níveis sanguíneos da
nica, por sua vez, manifesta-se por queda da filtração glo- droga inferiores a 200 ng/ml (radioimunoensaio monoclo-
merular e lesões estruturais irreversíveis em parênquima nal), quedas reversíveis da função renal podem claramen-
renal, que podem evoluir para insuficiência renal crônica te ocorrer com níveis de CSA considerados “terapêuticos”.
terminal. É importante frisar que mesmo após administração expe-
rimental ou clínica prolongada, a suspensão da droga causa
Nefrotoxicidade Aguda melhora significativa ou mesmo normalização da filtração
FUNÇÃO RETARDADA DO ENXERTO RENAL. O glomerular.
uso de CSA foi associado a aumento da incidência de in- Pode ocorrer quadro clínico de IRA, com queda intensa
suficiência renal oligoanúrica no período pós-transplante da filtração glomerular e da diurese, quando doses eleva-
imediato, principalmente quando o tempo de isquemia das de CSA são usadas. Esta forma de nefrotoxicidade é
468 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

atualmente muito rara no transplante renal. No entanto, são tubular, quando presente, é discreta, a menos que do-
ocorre com relativa freqüência em transplantes cardíacos, ses extremamente altas de CSA sejam usadas. CSA causa
hepáticos, pulmonares ou de medula óssea, situações onde intensa vasoconstrição da arteríola aferente com conse-
freqüentemente coexistem outras drogas nefrotóxicas e qüente aumento da resistência vascular, diminuição do
condições hemodinâmicas adversas. Pode acontecer tam- fluxo sanguíneo renal e queda da filtração glomerular. Os
bém quando a CSA é administrada em conjunto com ou- mecanismos responsáveis por esta vasoconstrição renal
tras drogas nefrotóxicas ou que provocam alterações da ainda não estão totalmente esclarecidos. Evidências clíni-
hemodinâmica intra-renal, como os antiinflamatórios não- cas e experimentais sugerem a participação de diferentes
hormonais, os bloqueadores da enzima de conversão, mediadores: aumento da produção de tromboxane A2 e
aminoglicosídeos, anfotericina B, etc. A insuficiência renal redução da síntese de prostaglandinas vasodilatadoras,
geralmente é de instalação abrupta, oligúrica, com sódio ativação do sistema renina-angiotensina, aumento da ati-
urinário reduzido (menor do que 10 mEq/L) e associada a vidade do sistema nervoso simpático, aumento da libera-
níveis sanguíneos elevados da CSA. A regra é a pronta ção renal e sistêmica de endotelina, efeito direto da droga
recuperação da função renal com a interrupção ou dimi- na musculatura lisa vascular, perturbações no relaxamen-
nuição da droga, confirmando o caráter funcional da lesão. to vascular dependente de óxido nítrico, geração de radi-
A IRA que ocorre imediatamente após a administração cais oxidantes. Em contrapartida, vários procedimentos
endovenosa de CSA parece ser causada pela ação conju- têm sido usados na tentativa de bloquear as alterações
gada da droga e do seu veículo, cremofor. Dados de nosso hemodinâmicas agudas provocadas pela CSA: antagonis-
laboratório mostraram que CSA dissolvida em uma solu- tas de tromboxane, análogos de prostaglandina, ácido
ção de ácidos graxos utilizada em alimentação parenteral, ômega 3, bloqueadores do sistema renina-angiotensina,
em vez de cremofor, não provocou queda da filtração glo- denervação renal, bloqueio farmacológico do sistema ner-
merular e manteve sua capacidade imunossupressora in voso simpático, anticorpos antiendotelina e antagonistas
vitro. competitivos dos receptores para endotelina, bloqueado-
Muitas vezes é difícil estabelecer a diferenciação entre res de canal de cálcio, doadores de óxido nítrico e L-argi-
disfunção renal reversível causada pela CSA e rejeição nina, antagonistas do fator ativador de plaquetas, agonis-
aguda do enxerto renal. Parâmetros clínicos como o inter- tas de receptores de dopamina, pentoxifilina e hormônio
valo de tempo entre o transplante e a elevação da creatini- atrial natriurético. Algumas dessas manobras induziram
na, a intensidade desta elevação, ganho de peso, a presen- melhoras parciais na hemodinâmica renal, mas nenhuma
ça de febre e os níveis sanguíneos da droga podem ajudar, delas, isoladamente, protegeu completamente contra as
porém têm baixa sensibilidade e especificidade diagnósti- alterações de função renal induzidas pela droga. É prová-
ca. Quando o episódio de disfunção renal ocorre nos pri- vel que a etiopatogênese da vasoconstrição causada pela
meiros seis meses após o transplante, diversos grupos op- CSA seja multifatorial, ocorrendo através da combinação
tam por tratá-lo inicialmente como rejeição. Se a resposta de lesão endotelial e desequilíbrio entre os sistemas vaso-
a este tratamento for insatisfatória, a dose de CSA é altera- dilatadores e vasoconstritores. Clinicamente, o uso de blo-
da. Outros centros optam pela realização de biópsia renal queadores de canal de cálcio, a manutenção de volume
para tentar definir o diagnóstico. A histologia renal da IRA extracelular adequado, a monitorização dos níveis séricos
por CSA é pouco característica, sendo raros os casos com de CSA e o cuidado com o uso de associações de drogas
lesões compatíveis com necrose tubular aguda. Os parâ- potencialmente sinérgicas em termos de nefrotoxicidade
metros histológicos relacionados à toxicidade aguda da são as formas mais efetivas de proteção contra a lesão fun-
CSA, como vacuolização isométrica tubular, microcalcifi- cional aguda induzida pela ciclosporina A.
cações e mitocôndrias gigantes, são inespecíficos. Podem SÍNDROME HEMOLÍTICO-URÊMICA. Algumas ve-
ocorrer sem que exista alteração evidente da função renal zes pacientes tratados com CSA podem apresentar quadros
e, por serem focais, podem não ser achados na presença de de vasculopatia aguda com características clínico-labora-
nefrotoxicidade. O diagnóstico anatomopatológico de ne- toriais de síndrome hemolítico-urêmica. Esta patologia foi
frotoxicidade aguda por CSA será feito muitas vezes por inicialmente descrita em pacientes submetidos a transplan-
exclusão, afastando-se a presença de rejeição aguda na bi- te de medula óssea, porém logo surgiram casos em trans-
ópsia. É importante lembrar que pacientes tratados com plantes de fígado e de rim. O quadro clínico compreende
CSA podem apresentar infiltrado intersticial inflamatório insuficiência renal aguda fulminante associada à trombo-
focal em enxertos renais com função estável. Para compli- citopenia, com mau prognóstico em relação à evolução do
car ainda mais a situação, nefrotoxicidade aguda por CSA enxerto em casos de transplante renal. A histologia renal é
e rejeição podem ocasionalmente coexistir, e a identifica- compatível com microangiopatia trombótica, podendo
ção da entidade predominante na queda de função renal apresentar graus variados de trombose capilar glomeru-
dependerá de teste terapêutico. lar e necrose fibrinóide. Coelhos tratados com endotoxina
A etiopatogenia da nefrotoxicidade aguda da CSA está bacteriana e então submetidos a CSA podem desenvolver
nitidamente vinculada a alterações hemodinâmicas. A le- alterações semelhantes. A etiopatogenia desta lesão é des-
capítulo 24 469

conhecida. A agressão ao endotélio tem sido relacionada alterações de hemodinâmica glomerular causadas pela
ao aumento da agregação plaquetária e à síntese de trom- CSA. Esta proteção estrutural pode ser decorrente da me-
boxane induzidos pela CSA. O desenvolvimento desta lhora do fluxo medular, regulado por receptores de angi-
dramática situação em pacientes transplantados cria o di- otensina II na região dos vasa recta, ou da inibição dos efei-
lema da retirada da CSA ou de sua troca por outro agente tos proliferativos da angiotensina II e da própria CSA. Tra-
imunossupressor. Existem relatos de casos onde se obteve balhos recentes mostram que CSA estimula a proliferação
a reversão da síndrome com a redução da dose de ciclos- celular, e a produção de colágeno, tanto in vivo como in
porina. vitro, aumenta a produção de fibroblastos e matriz extra-
celular em vários tecidos, como o gengival, e estimula a
Nefrotoxicidade Crônica produção in vivo e in vitro de TGF-␤, citoquina com impor-
Pacientes tratados com CSA por tempo prolongado tantes propriedades fibrinogênicas, anticolagenases e de
(meses a anos) podem apresentar perda progressiva da deposição de matriz extracelular.
função renal, freqüentemente acompanhada por hiperten- No momento, não dispomos de informações suficientes
são arterial, e lesões estruturais irreversíveis em parênqui- para tentar estabelecer estratégias de prevenção clínica
ma renal. Embora incomum, pode ocorrer evolução para contra esta forma de lesão crônica. O fato de que mesmo
insuficiência renal crônica terminal dependente de diáli- doses reduzidas da droga, possivelmente sem efeito sig-
se. Esta lesão poderia ser atribuída à rejeição crônica no nificativo na hemodinâmica renal, induzem alterações his-
caso de enxerto renal, mas a sua ocorrência em recipientes tológicas pode significar que esta forma de nefrotoxicida-
de outros órgãos sólidos, como fígado e coração, e em pa- de talvez seja inevitável e que o preço a ser pago por imu-
cientes portadores de doenças auto-imunes indica de ma- nossupressão efetiva por CSA será algum grau de dano
neira inequívoca sua relação com a droga. O fato de a CSA estrutural em parênquima renal. A introdução de novos
ter prevenido significativamente a perda precoce do enxer- agentes imunossupressores sem ação nefrotóxica, como
to renal, mas não ter sido capaz de melhorar a sua sobre- rapamicina e mofetil micofenolato, tem permitido a subs-
vida a longo prazo, pode ser decorrente da presença de tituição da ciclosporina, com subseqüente melhora da fun-
nefrotoxicidade crônica nestes pacientes. Os fatores de risco ção renal.
para esta patologia são mal definidos. Manutenção de ní-
veis séricos e dosagem diária ou cumulativa da droga ele-
Pontos-chave:
vada e ocorrência de episódios repetidos de nefrotoxicida-
de aguda têm sido incriminados. No entanto, as lesões es- Nefrotoxicidade aguda
truturais podem evoluir mesmo se a dose de CSA for di- • Hemodinamicamente mediada e reversível
minuída, e nefrotoxicidade crônica tem também sido des- • Má correlação com os níveis séricos da
crita em pacientes que receberam doses pequenas de CSA. droga
Histologicamente esta síndrome caracteriza-se por atro-
• Histologia renal inespecífica
fia e dilatação tubular, fibrose intersticial com aspecto em
faixas, comprometendo os raios medulares, e alterações das • Diagnóstico diferencial com rejeição
camadas musculares e íntima das arteríolas aferentes e de • Melhora com diminuição ou interrupção da
pequenas artérias, que vão desde depósitos nodulares de droga
material hialino até necrose de parede, causando diminui-
ção do lúmen ou mesmo oclusão arteriolar. Os gloméru- Nefrotoxicidade crônica
los estão inicialmente preservados, mas à medida que a • Lesão estrutural (fibrose intersticial)
lesão evolui surgem glomérulos hipertrofiados, com escle- irreversível
rose focal e mesmo hialinizados. • Hialinização de arteríola aferente
A patogênese da nefropatia crônica causada pela CSA • Pode evoluir para insuficiência renal
é obscura. A vasoconstrição mantida de arteríola aferente crônica terminal
poderia ser responsável pela lesão através de isquemia do
néfron e do tecido renal a jusante. Entretanto, estudos ex-
perimentais recentes demonstraram haver dissociação dos CICLOSPORINA G
mecanismos causadores das alterações de hemodinâmica Ciclosporina G (CSG) é um análogo natural da CSA com
glomerulares e das lesões estruturais desencadeadas pela importante atividade imunossupressora. Em estudos expe-
droga. O uso de bloqueadores de canal de cálcio ou de rimentais, em ratos, a CSG causou menor queda da filtração
endotelina protegeu contra a queda de filtração glomeru- glomerular e menor alteração estrutural renal do que a CSA,
lar porém não atenuou o aparecimento das lesões histoló- quando dosagens equivalentes ou níveis séricos semelhan-
gicas em ratos tratados com CSA. Da mesma forma, o uso tes das duas drogas foram obtidos. A farmacocinética das
de enalapril e/ou losartan preveniu de maneira significante duas formas de ciclosporina foi profundamente diferente,
o desenvolvimento de fibrose intersticial sem impedir as com a CSG apresentando maior velocidade de depuração do
470 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

que a CSA. Em estudos in vivo e em vasos isolados a CSG, ao proteínas para a região intersticial e diminuição do volu-
contrário da CSA, não causou hipertensão ou alterações de me intravascular. Hipoalbuminemia e diminuição da pres-
contratilidade. Ensaios clínicos iniciais mostraram que a CSG são colóido-osmótica já foram documentadas clinicamen-
tem capacidade imunossupressora semelhante à CSA, com te após a infusão da droga. Estudos experimentais e in vi-
menor incidência de alterações funcionais renais. tro não encontraram evidências de que a IL-2 provoque
lesão endotelial direta. É provável que o “vazamento” seja
TACROLIMUS conseqüência de aumento da permeabilidade vascular cau-
sada por ativação linfocitária e liberação de citoquinas.
Este agente imunossupressor com estrutura semelhante
Ensaios clínicos mostraram prevenção da lesão renal
aos antibióticos macrolídeos é produzido pelo fungo Strep-
induzida pela IL-2 através da administração concomitan-
tomyces tsukubaensis. É extremamente lipofílico, tem metabo-
te de noradrenalina ou dopamina. O uso de infusão contí-
lização hepática e, de forma similar à CSA, bloqueia a ativa-
nua, lenta, de IL-2 ao invés de injeções “em bolo” diminui
ção dos linfócitos T através da ligação a uma imunofilina
a intensidade da lesão renal. O uso de AINH em associa-
citoplasmática. O tacrolimus é 100 vezes mais potente do que
ção com IL-2 deve ser evitado.
a CSA in vitro. Esta droga é empregada em transplantes de
órgãos sólidos e no tratamento de doenças auto-imunes. A
sua maior utilização tem ocorrido em transplante hepático, INTERFERON-A
onde parece ter um efeito hepatotrópico, e em recipientes de Interferon recombinante humano vem sendo utilizado
enxerto renal no caso de rejeição aguda refratária aos trata- no tratamento de tumores sólidos e hematológicos e no
mentos convencionais. O perfil de nefrotoxicidade do tacro- tratamento de hepatite B crônica. Aproximadamente 20%
limus é muito semelhante ao CSA, exceto por induzir me- dos pacientes apresentam proteinúria. Insuficiência renal
nos hipertensão. Clinicamente, provoca alterações agudas da aguda grave, às vezes evoluindo para insuficiência renal
função renal e, quando usado por tempo prolongado, causa irreversível, pode ocorrer. Síndrome hemolítico-urêmica,
nefrite intersticial aguda, necrose tubular aguda, glome-
lesão arteriolar e fibrose intersticial. Pode também induzir hi-
rulosclerose focal e síndrome nefrótica já ocorreram em
percalemia, hipomagnesemia, alterações do metabolismo da
pacientes recebendo interferon. Evidências experimen-
glicose e neurotoxicidade. Casos de síndrome hemolítico-
tais, obtidas a partir de culturas de células tubulares pro-
urêmica também foram descritos com esta droga. Recente-
ximais humanas, e a presença clínica de enzimúria suge-
mente, criou-se um modelo experimental adequado de ne-
rem a possibilidade da droga ter efeitos tóxicos tubulares
frotoxicidade com tacrolimus em ratos depletados em sal,
diretos.
onde os níveis séricos da droga são semelhantes aos níveis
considerados terapêuticos em seres humanos. O estudo deste
modelo demonstrou que bloqueadores de canal de cálcio e
antagonistas de angiotensina II conferiram proteção parcial Quadro 24.9 Drogas causadoras de nefrite
contra as alterações renais causadas pela droga. O uso com- intersticial aguda
binado de CSA e tacrolimus mostrou-se extremamente ne-
• Penicilinas • Furosemida
frotóxico e deve ser evitado.
• Cefalosporinas • Tiazídicos
• Sulfonamidas • Amilorida
INTERLEUCINA-2 • Rifampicina
• Quinolonas • Omeprazol
Interleucina-2 (IL-2) recombinante é utilizada no trata-
• Vancomicina • Cimetidina
mento de melanomas, câncer de rim ou outros tumores • Teicoplamina • Ranitidina
refratários à terapia convencional. O seu uso é freqüente- • Etambutol • Famotidina
mente complicado por hipotensão, aumento da freqüên- • Aciclovir
cia cardíaca, retenção de fluido, aumento de peso e IRA • Aminoglicosídeos • Amlodipina
• Tetraciclina • Diltiazen
oligúrica com sódio urinário reduzido e fluxo plasmático • Azitromicina • Captopril
renal preservado. O quadro sugere lesão pré-renal associ- • Nitrofurantoína
ada a alterações de hemodinâmica glomerular a nível de • Piperacilina • Clozapina
Kf ou de arteríola eferente. Idade avançada, insuficiência • Minociclina • Fenitoína
renal prévia, doses elevadas e infusão rápida da IL-2 pare- • Indinavir • Fenobarbital
• Quinino
cem ser fatores relacionados à maior incidência de lesão • Interferon
renal. A suspensão da droga implica melhora da função • Antiinflamatórios não- • Interleucina 2
renal. O uso concomitante de AINH para minimizar os hormonais
efeitos colaterais da IL-2 é comum, o que pode contribuir • Ácido 5- • Estreptoquinase
para potencializar a queda de função renal observada. aminossalicílico • Ticlopidina
• Mesalazina • Alopurinol
As alterações causadas pela IL-2 têm sido atribuídas a • Paracetamol • Propiltiouracil
uma “síndrome de vazamento vascular”, com saída de
capítulo 24 471

FATOR DE NECROSE TUMORAL (DNA, RNA, proteínas), geração de radicais livres de oxi-
Em torno de 13 a 21% dos pacientes submetidos ao uso gênio, perturbações no funcionamento mitocondrial e al-
de fator de necrose tumoral apresentam lesão renal. O terações na homeostase do cálcio. A histologia renal tem
mecanismo parece ser semelhante ao da IL-2: “vazamento mostrado predominantemente lesões tubulares. Gotas hi-
vascular” causando IRA pré-renal. O achado de enzimúria alinas em células epiteliais proximais, degeneração da
em 50% dos indivíduos recebendo a droga sugere lesão membrana basal tubular, áreas focais de necrose em túbu-
tubular direta. los proximais, distais e ductos coletores, dilatação tubular
distal e cilindros podem ser encontrados. Atipias celula-
res com núcleos gigantes e formações sinciciais em ductos
OKT3
coletores indicam ter ocorrido alterações na síntese de
É um anticorpo monoclonal anticélula T usado como
DNA. Os glomérulos e vasos são geralmente normais.
agente imunossupressor. Costuma causar queda reversí-
A nefrotoxicidade induzida pela cisplatina é dose-de-
vel da função renal, possivelmente associada à liberação
pendente e progressiva. No entanto, queda significativa e
de citoquinas, por mecanismos semelhantes aos observa-
abrupta da filtração glomerular pode ocorrer após a admi-
dos com IL-2. Este fenômeno desaparece após a adminis-
nistração da primeira dose da droga. Doses únicas de 2
tração da segunda ou terceira dose da droga. A histologia
mg/kg são suficientes para causar insuficiência renal em
renal de pacientes acometidos por esta forma de nefroto-
até 33% dos pacientes. A nefrotoxicidade da cisplatina tem
xicidade não revelou necrose tubular aguda.
caráter bifásico. A lesão inicial acontece ao nível do túbulo
proximal, na presença de filtração glomerular e fluxo plas-
mático renal normais. Vinte e quatro a 48 horas após a
Nefrotoxicidade de Agentes
administração da droga observam-se poliúria e diminui-
Anticancerígenos ção da osmolalidade urinária, por diminuição da reabsor-
ção tubular proximal de sódio e água. A poliúria respon-
CISPLATINA de à administração de hormônio antidiurético e pode ser
É a droga antineoplásica mais utilizada no tratamento bloqueada pela aspirina, o que sugere envolvimento das
de tumores sólidos, particularmente de células germinati- prostaglandinas na sua gênese. Enzimúria e proteinúria de
vas (testículos e ovários), de cabeça e pescoço, de bexiga e origem tubular podem ser detectadas. Setenta e duas a 96
de pulmão (tumor de células pequenas). Age através da horas após a infusão da droga ocorre piora da poliúria as-
inibição da síntese de DNA, e sua eficácia terapêutica é sociada a queda dramática da FG e do fluxo plasmático
dose-dependente. Seu principal efeito colateral é nefroto- renal e aumento da resistência vascular renal. Estudos ex-
xicidade, que também é dose-dependente. perimentais demonstraram que os mecanismos de reabsor-
O rim é o órgão mais importante para o metabolismo ção tubular de sódio em túbulo proximal e na porção es-
da cisplatina. Além de ser o responsável pela maior parte pessa ascendente da alça de Henle estão profundamente
da excreção da droga, é o principal local de acúmulo e re- alterados na presença de funcionamento normal do ducto
tenção deste antineoplásico (a concentração em córtex re- coletor medular. Outras alterações relacionadas à disfun-
nal é aproximadamente 6 vezes mais elevada do que a em ção tubular são: hipomagnesemia por magnesiúria exage-
qualquer outro tecido). Após infusão endovenosa, mais de rada, hipocalemia, hiperfosfatúria e aminoacidúria. A mais
90% da droga liga-se às proteínas plasmáticas. A fração comum e com maior importância clínica é a hipomagne-
livre, de peso molecular pequeno e carga elétrica neutra, é semia, que pode ocorrer mesmo na presença de creatinina
filtrada pelos glómerulos, não é reabsorvida pelos túbulos sérica normal. A lesão renal desencadeada pela droga pode
e aparece inalterada na urina. A cisplatina entra na célula ser irreversível, determinando quedas permanentes de FG
tubular proximal, principalmente do segmento S3, através e tubulopatia persistente, que se manifesta por hipomag-
da região basolateral da membrana celular. No interior da nesemia e hipocalcemia. Estudos clínicos e experimentais
célula é transformada em metabólitos não-mutagênicos. mostram evolução silenciosa de fibrose intersticial progres-
Os mecanismos pelos quais a droga provoca a lesão ce- siva com exposição repetida à cisplatina. Cisplatina pode
lular ainda não estão definidos. Os processos de transpor- também causar síndrome hemolítico-urêmica grave.
te responsáveis pela acumulação da cisplatina na pars recta A alta eficácia clínica da cisplatina motivou o desenvol-
tubular parecem ser importantes para a sua toxicidade. De vimento de técnicas para tentar minimizar a incidência e a
fato, esta é a região de maior lesão anatômica, e correlações gravidade da sua nefrotoxicidade. O uso de verapamil e
clínicas positivas foram estabelecidas entre concentração de bloqueadores de enzima de conversão foi ineficaz na
cortical da droga e lesão renal. Os possíveis mecanismos e prevenção da lesão, enquanto o fator atrial natriurético
mediadores da nefrotoxicidade da cisplatina são: metabó- protegeu parcialmente contra a queda da FG. Infusões rápi-
litos (gerados a nível sistêmico ou intra-renal), inibição de das da droga devem ser evitadas, pois estão nitidamente
sistemas enzimáticos celulares (ATPase, gama-glutamil associadas a maior incidência de nefrotoxicidade do que
transpeptidase), inibição da síntese de macromoléculas administração contínua, lenta. A dosagem da droga está
472 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

associada à sua toxicidade: doses maiores do que 33 mg/ CARBOPLATINA


m2/semana causam invariavelmente efeitos colaterais. É um análogo da cisplatina desenvolvido especificamen-
Outras drogas nefrotóxicas como aminoglicosídeos e te para apresentar menor nefrotoxicidade e aprovado para
AINHs não devem ser usadas concomitantemente. Recen- uso clínico em 1989. A incidência de nefrotoxicidade é rara
temente, foi descrito um caso de insuficiência renal irrever- com o seu uso, ocorrendo com doses elevadas em pacien-
sível em uma paciente, com função renal basal normal, tes que já haviam recebido cisplatina ou que estavam usan-
submetida a exame com contraste iodado de baixo peso do outras drogas nefrotóxicas. Os seus principais efeitos
molecular seis dias após ter recebido cisplatina intraperi- colaterais são supressão medular e trombocitopenia.
toneal. O uso de hidratação vigorosa associada à manuten-
ção de alto volume urinário através de manitol e/ou furo- METOTREXATE
semida tem permitido o uso de doses de cisplatina de até Este agente quimioterápico age através da inibição da
100 mg/m2, com minimização do efeito nefrotóxico da diidrofolato redutase. É efetivo em tumores de cabeça e
droga. Recomenda-se manter infusão volêmica com solu- pescoço, tumores de mama, sarcomas, linfomas não-Hodg-
ção salina antecedendo de 6 a 12 horas a administração da kin, tumores de bexiga, coriocarcinoma e leucemias linfo-
droga e prolongando-se por mais 6 a 12 horas. O ritmo de cíticas agudas. É eliminado, assim como o seu principal
infusão volêmica e de diurese deve ser mantido entre 100 metabólito (7-hidroximetotrexate), por filtração glomeru-
e 200 ml/min. Este procedimento deve ser controlado cui- lar e secreção tubular. Doses elevadas podem causar IRA
dadosamente para não provocar alterações hidroeletrolí- não-oligúrica em 10 a 30% dos pacientes. Esta nefrotoxici-
ticas. O mecanismo de proteção é desconhecido. A hidra- dade pode ser causada em parte pela pouca solubilidade
tação/diurese não diminui o conteúdo cortical ou plasmá- do metotrexate e do 7-hidroximetotrexate, que é acentua-
tico de cisplatina e não previne a necrose de segmento S3. da pela acidez urinária. A droga parece também ser capaz
Considerando-se que o transporte da droga ocorre na pa-
de causar lesão tubular direta, pois induz enzimúria e pro-
rede basolateral, o fluxo urinário aumentado ou a sua di-
teinúria tubular. Necrose tubular aguda já foi demonstra-
luição intraluminal não têm importância na sua captação
da sem a presença de depósitos intratubulares.
intracelular. É possível que a proteção observada esteja li-
A manutenção de função renal adequada é crucial em
gada a fenômenos de vasodilatação intra-renal. A adminis-
pacientes recebendo metotrexate. A queda da filtração glo-
tração de tiossulfato de sódio, que age alterando o perfil
merular resultará em um círculo vicioso extremamente
farmacocinético da droga, tem permitido o uso de dosa-
perigoso: os níveis séricos da droga aumentarão induzin-
gens maiores da droga ao mesmo tempo que diminuiu a
do maior toxicidade, a excreção de metotrexate diminuirá
incidência de toxicidade. Outros agentes de proteção que
ainda mais, etc. Nestas situações deve-se usar leucovorin
vêm sendo usados ou testados são: WR-2721 (ácido S-2-(3-
como antídoto aos efeitos da droga. Hemoperfusão pode
aminopropilamino)etilfosforotióico), DDTC (dietilditiocar-
ser uma alternativa para a redução das concentrações plas-
bamato), probenecida, mercaptoetanossulfatona, MT (me-
máticas de metotrexate na presença de IRA. Outra opção
talotioneína) e selenito de sódio. É importante lembrar que
para redução dos níveis séricos de metotrexate em paci-
estas manobras e drogas mostraram proteção contra os
entes com insuficiência renal é o uso da carboxipeptida-
efeitos agudos da cisplatina, mas a sua eficiência em rela-
se-G2 (CPDG2). Esta enzima bacteriana hidrolisa o me-
ção à prevenção de desenvolvimento de lesão túbulo-in-
totrexate em metabólitos inativos, podendo rapidamen-
tersticial crônica não foi determinada.
te reduzir as concentrações plasmáticas da droga para
níveis não-tóxicos.
Pontos-chave: A prevenção da lesão renal pode ser feita através de
expansão volêmica, manutenção de alto fluxo urinário (>3
• Nefrotoxicidade dependente da dose diária litros/dia) e alcalinização da urina. O uso concomitante
e acumulada deste quimioterápico com outros agentes nefrotóxicos
• Pode causar lesão renal irreversível como cisplatina e AINHs deve ser evitado. Recentemente,
• Causa hipomagnesemia importante relatou-se que mesmo doses baixas de metotrexate causa-
• Manter hidratação/diurese elevadas ram queda significativa da FG em pacientes com artrite
• Evitar uso simultâneo de outras drogas reumatóide tratados em associação com AINHs.
nefrotóxicas
• Não infundir em bolo, usar infusão lenta Nefrotoxicidade de Peçonhas Animais
• Não utilizar doses maiores do que 25 a 33
mg/m2/semana SERPENTES
• Infusão simultânea de tiossulfato de sódio Existem no mundo aproximadamente 3.000 espécies de
reduz nefrotoxicidade serpentes, das quais 10 a 14% são consideradas peçonhen-
tas. No Brasil encontram-se quatro gêneros de serpentes
capítulo 24 473

peçonhentas: Bothrops (jararaca, jararacuçu, urutu, caiçara, zaram métodos pouco sensíveis de avaliação da função
etc.), Crotalus (cascavel), Lachesis (surucucu, surucutinga) renal. A insuficiência renal é precoce e freqüentemente
e Micrurus (coral verdadeira). Cerca de 20.000 casos de grave, com presença de oligúria e necessidade de diálise.
acidentes ofídicos são reportados por ano ao Ministério A lesão mais freqüentemente encontrada na histologia re-
da Saúde brasileiro, com mortalidade variando em torno nal tem sido NTA, embora casos de necrose cortical tam-
de 6%. bém tenham sido descritos. Vários fatores têm sido aven-
Insuficiência renal aguda (IRA) é uma das principais tados para justificar a maior ou menor freqüência de IRA:
complicações do acidente ofídico e importante causa de idade do paciente, tamanho e espécie da serpente, quanti-
letalidade nos pacientes que sobrevivem à ação inicial da dade de veneno injetada, intervalo de tempo entre a pica-
peçonha. Praticamente todas as serpentes com importân- da e a administração do soro antiofídico e quantidade e via
cia médica podem causar IRA. No entanto, análise dos de administração do soro. A única relação documentada
casos publicados revela que acidentes com as serpentes da até o momento foi a correlação positiva entre idade do
espécie Vipera russeli (“Russell’s viper”) na Ásia e as serpen- paciente e prevalência de IRA.
tes do gênero Bothrops e Crotalus na América do Sul apre- A etiopatogenia da IRA associada à picada de Bothrops
sentam a maior incidência de lesão renal. tem sido relacionada a hipotensão, mioglobinúria, hemo-
A alteração histológica renal mais comum nos casos de globinúria, coagulação glomerular e nefrotoxicidade dire-
IRA por acidente ofídico é a necrose tubular aguda (NTA). ta do veneno. No entanto, hipotensão ou choque são even-
Outras lesões, como necrose cortical, nefrite intersticial tos raros após picada por Bothrops, e embora o veneno bo-
aguda, alterações glomerulares, arterite e necrose de pa- trópico possa causar lesão tecidual localizada, não possui
pila, podem ser encontradas. Casos com evolução clínica ação miotóxica sistêmica similar à do veneno crotálico e não
compatível com síndrome hemolítico-urêmica ou síndro- induz elevações significativas de creatinofosfoquinase
me nefrótica já foram descritos. (CPK). O desenvolvimento de um modelo experimental de
As peçonhas das serpentes são substâncias extremamen- IRA com a peçonha botrópica permitiu o estudo dos me-
te complexas, compostas por enzimas, peptídeos, proteí- canismos da lesão renal. Neste modelo, a injeção endove-
nas não-enzimáticas e várias outras substâncias. Podem nosa da peçonha provocou queda acentuada e precoce da
existir diferenças qualitativas e quantitativas de toxinas não filtração glomerular, do fluxo plasmático renal e da diure-
somente entre espécies de um mesmo gênero, como tam- se, fenômenos acompanhados por elevação da resistência
bém entre indivíduos de uma mesma espécie. A composi- vascular renal e da fração de excreção de sódio. Não ocor-
ção da peçonha pode variar num mesmo animal dependen- reu queda da pressão arterial ou elevação de CPK. Houve
do do sexo, idade, época do ano e condições ambientais. A acentuado consumo de fibrinogênio e hemólise intravas-
complexidade e a diversidade da composição das peçonhas cular. A atividade de calicreína urinária reduziu-se signi-
faz com que os mecanismos causadores de IRA após aci- ficativamente. Duas horas após a injeção da peçonha a
dente ofídico sejam de difícil definição. A etiopatogenia da análise histológica renal mostrou extensa deposição glome-
lesão renal tem sido atribuída a nefrotoxicidade direta da rular de trombos de fibrina e necrose tubular aguda. Estu-
peçonha, miólise, hemólise, hipotensão, coagulação capi- do funcional e histológico realizado 48 horas após a admi-
lar glomerular, ação tóxica vascular da peçonha e até mes- nistração do veneno encontrou filtração glomerular ainda
mo a reações de hipersensibilidade à toxina ou ao soro rebaixada, túbulos com áreas de necrose e com cilindros
antiofídico. de hemácias hemolisadas e resolução do quadro glomeru-
lar. Trombos glomerulares de fibrina já foram detectados
Bothrops em autópsias de indivíduos que morreram após picada de
As serpentes do gênero Bothrops são responsáveis por Bothrops ou em pacientes com necrose cortical após aciden-
90% dos acidentes ofídicos no Brasil. É o gênero mais nu- te botrópico. É provável que a isquemia causada pela de-
meroso em espécies, todas causando quadros clínicos posição de microtrombos glomerulares provoque desde
muito semelhantes. O veneno botrópico tem importante lesão renal reversível até necrose cortical focal ou total,
atividade proteolítica, causando lesões locais, destruição dependendo da quantidade de peçonha injetada e da ve-
tecidual e promovendo a liberação de substâncias hipoten- locidade com que ela alcança a corrente sanguínea. A pe-
soras. Ativa a cascata de coagulação induzindo sangramen- çonha botrópica é considerada hemolítica in vitro e existem
tos e incoagulabilidade sanguínea por consumo de fibri- relatos clínicos de anemia e hemólise após acidente com
nogênio. Pode causar lesão vascular direta e tem ativida- Bothrops, assim como relatos de hemoglobinúria após in-
de hemolítica. jeção intraperitoneal de peçonha botrópica em ratos. É
Mais de 100 casos de IRA após picada de Bothrops fo- possível que a hemoglobinúria contribua para a gênese da
ram descritos na literatura. A prevalência de IRA causada lesão renal neste tipo de acidente ofídico, agravando a
por acidente botrópico varia de 2 a 10%, dependendo da vasoconstrição renal e a coagulação glomerular ou causan-
série estudada. Deve-se ressaltar que todos os estudos re- do nefrotoxicidade tubular. O sistema calicreína-cinina é
portando as freqüências de IRA são retrospectivos, e utili- considerado um dos responsáveis pela modulação do tô-
474 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

nus vascular intra-renal, e quedas da sua atividade têm e ausência de hemoglobinúria) em pacientes picados por
sido encontradas em IRA experimental. O achado de re- Crotalus.
dução significativa de sua atividade após a injeção de pe- IRA é a principal complicação deste acidente. Apesar do
çonha pode estar relacionado a excesso de consumo na acidente crotálico ser aproximadamente 10 vezes menos
tentativa de contrabalançar a vasoconstrição renal e/ou freqüente do que o botrópico, o número absoluto de casos
destruição das células tubulares distais onde o sistema se de IRA reportados na literatura com os dois gêneros de
localiza, e provavelmente está relacionado à queda de flu- serpente é semelhante. A lesão renal pode surgir horas após
xo plasmático renal observada. O fato de a peçonha ser de a picada, é freqüentemente oligúrica e dependente de diá-
excreção renal, a precocidade e a alta prevalência de IRA lise e é considerada a principal causa de óbito nestes paci-
após acidente botrópico sugerem a possibilidade de ação entes. A alteração histológica mais comum é necrose tubu-
nefrotóxica direta do veneno. De fato, a adição da peçonha lar aguda, porém casos de nefrite intersticial foram descri-
botrópica à suspensão de túbulos proximais provoca toxi- tos por nosso grupo. Estudo experimental recente do nos-
cidade tubular direta significativa. Esta nefrotoxicidade so laboratório mostrou que os mecanismos de lesão renal
direta foi prevenida pelo acréscimo prévio ou simultâneo da peçonha são rabdomiólise, toxicidade tubular direta e
de soro antibotrópico à suspensão de túbulos proximais. provavelmente vasoconstrição. Este mesmo estudo de-
monstrou que desidratação agrava e expansão do volume
extracelular atenua a nefrotoxicidade da peçonha.
Pontos-chave: A prevalência reportada de IRA após acidente crotáli-
• Responsável pela maior parte dos acidentes co em estudos retrospectivos é elevada, variando de 9 a
com serpentes peçonhentas no Brasil 31%. Em um estudo retrospectivo, idade avançada e inter-
valo de tempo mais longo entre o acidente e o atendimen-
• IRA precoce e grave (prevalência real?)
to médico foram identificados como fatores de risco para
• Casos documentados de necrose cortical
desenvolvimento de IRA. Os mesmos autores acharam que
• Mecanismos de lesão: isquemia glomerular, para pacientes maiores de 40 anos mialgia e face neurotóxi-
hemólise e nefrotoxicidade direta ca foram fatores preditivos de falência renal. Estudo pros-
• Proteção: soro antiofídico? pectivo recente de nosso grupo encontrou aproximadamen-
te 25% de prevalência de IRA após acidente crotálico. Os
fatores de risco identificados para o desenvolvimento de IRA
Crotalus
foram demora em receber o soro antiofídico, menor super-
As serpentes do gênero Crotalus são responsáveis por
fície corpórea e nível sérico de CPK. As medidas clássicas
aproximadamente 9% dos acidentes ofídicos em nosso
de proteção à função renal contra rabdomiólise, como ex-
meio. A sua peçonha é considerada a mais tóxica entre as
pansão do volume extracelular e uso de manitol endoveno-
serpentes brasileiras, com letalidade de 72% nos casos não
so, devem ser empregadas neste tipo de acidente.
tratados e de 5% nos casos onde houve soroterapia.
A peçonha das Crotalus sul-americanas difere bastante
da de suas congêneres norte-americanas, as rattlesnakes. Pontos-chave:
Possui diversas frações enzimáticas e várias toxinas já fo-
• Alta prevalência de IRA
ram identificadas: crotoxina, crotamina, giroxina, convul-
sina, etc. A peçonha é neurotóxica, pode causar incoagu- • Mecanismos de nefrotoxicidade:
labilidade sérica por consumo de fibrinogênio decorrente rabdomiólise, vasoconstrição e toxicidade
de sua ação coagulante, quase não produz lesão local e tubular
possui forte atividade miotóxica sistêmica, causando rab- • Fatores de risco para lesão renal:
domiólise generalizada. Há destruição preferencial das fi- desidratação, demora em receber o soro
bras musculares do tipo 1, ricas em mioglobina, causando antiofídico, menor superfície corpórea e
mioglobinúria e alterações da cor da urina. A peçonha é grau de rabdomiólise
também hemolítica in vitro, e durante muito tempo o apa- • Medidas de proteção: soroterapia precoce,
recimento de urina vinhosa e reação de benzidina positi- em quantidade adequada, expansão do
va urinária após acidente crotálico foi atribuído à hemo-
volume extracelular e manitol
globinúria. No entanto, tanto a alteração de cor da urina
como o teste da benzidina são inespecíficos, podendo ocor-
rer indiferentemente com mio- ou hemoglobinúria. Em ARTRÓPODES PEÇONHENTOS
1987, Azevedo-Marques e col. comprovaram a ocorrência IRA tem sido descrita após acidentes com múltiplas pi-
de miólise (mioglobina positiva no sangue e urina, eleva- cadas de vespas ou abelhas. O aparecimento das abelhas
ção de enzimas e biópsia muscular) na ausência de hemó- “africanizadas” em 1957 tornou este tipo de acidente mais
lise (hemoglobina livre e haptoglobina plasmática normais comum. Apesar da composição da peçonha das abelhas
capítulo 24 475

européias e africanas ser semelhante, estas atacam em gran- lação entre a gravidade dos fenômenos locais e a hemóli-
de número, com provocações mínimas e com grande in- se. Pacientes com lesões cutâneas pouco intensas podem
tensidade e persistência. O quadro clínico dependerá da apresentar hemólises graves e IRA, que é a principal cau-
quantidade de peçonha injetada e afeta vários órgãos e sis- sa de mortalidade nestes acidentes.
temas. Podem ocorrer hemólise intravascular, rabdomió-
lise, lesão hepática, plaquetopenia, coagulopatia, sangra-
mentos, alterações cardiovasculares e pulmonares e insu-
ficiência renal aguda. A peçonha contém, entre outras subs-
NEFROPATIAS
tâncias, melitina, histamina, hialuronidase, apamina, fos- TUBULOINTERSTICIAIS
fatase ácida e fosfolipase A2. Mais de 50% do peso seco da
peçonha é melitina, que tem ação sinérgica com a fosfoli- Introdução
pase A2 e provoca hemólise e miólise. Estudos experimen-
Infiltrados intersticiais têm sido relacionados a drogas,
tais mostraram que a etiopatogenia da lesão renal está re-
infecções ou nefropatias primárias. A história das nefropa-
lacionada a mioglobinúria, vasoconstrição renal e nefroto-
xicidade direta da peçonha. Nos casos onde foi realizada tias tubulointersticiais inicia-se em meados do século XIX,
a histologia renal a lesão encontrada foi necrose tubular quando o compartimento tubulointersticial foi reconheci-
aguda. do anatomicamente como parte da estrutura renal. Em
As lagartas das mariposas do gênero Lonomia podem 1898, descreveu-se pela primeira vez um caso de nefrite in-
provocar acidentes caracterizados por distúrbios de coa- tersticial aguda (NIA), e em 1914 as nefrites intersticiais ga-
gulação, levando a síndromes hemorrágicas. A peçonha nhavam seu espaço na classificação das doenças renais. Na
provoca fibrinólise direta e/ou ativação do sistema de co- década de 40, a expansão do uso de antibióticos chamou a
agulação com ação semelhante ao fator X ativado ou à ca- atenção para as nefrites intersticiais por drogas, e em 1953
licreína. No Brasil, os acidentes foram descritos inicialmen- houve o reconhecimento da nefropatia por analgésicos.
te na região norte, com mortalidade de até 38%, e mais Desde então, o número de drogas envolvidas na gênese de
recentemente nas regiões sul e sudeste do país. O contato nefropatias tubulointersticiais aumentou de forma alar-
com os espinhos ou com a hemolinfa das lagartas provoca mante. A etiologia da lesão tubulointersticial tem sido
reação local imediata e horas após surgem os fenômenos melhor compreendida recentemente. Nas últimas décadas
hemorrágicos, de gravidade variável. Em 1990, descreveu- acumularam-se evidências, principalmente experimentais,
se pela primeira vez a ocorrência de IRA reversível após mostrando a importância da imunidade celular na produ-
acidente com Lonomia. Posteriormente, os mesmos autores ção de inflamação e lesão intersticial primária ou secundá-
relataram 18% de IRA em 33 indivíduos expostos à Lono- ria a eventos glomerulares. Sabe-se hoje que agressões tó-
mia obliqua na região sul do Brasil. O quadro clínico da IRA xicas ou infecciosas ao interstício são associadas a proces-
incluiu anúria e necessidade de diálise durante 20 dias. No sos imunológicos caracterizados pela presença de infiltra-
grupo com IRA a mortalidade foi de 50%, ao contrário da do mononuclear que produz citoquinas e outros mediado-
mortalidade de 4% no grupo com função renal preserva- res de amplificação da inflamação. Desta agressão inicial
da. Em 1995, tivemos a oportunidade de atender, no Gru- pode resultar lesão crônica irreversível, caracterizada por
po de IRA do Hospital das Clínicas, São Paulo, paciente que fibrose intersticial e atrofia tubular, e evolução para insu-
desenvolveu anúria horas após contato maciço com lagar- ficiência renal crônica terminal.
tas do gênero Lonomia. Este paciente tinha função renal A falta de correlação entre lesão glomerular e disfunção
normal previamente ao acidente, não apresentou em ne- renal tem sido constatada há tempos. Em patologias onde
nhum momento hipotensão e não fez uso de drogas nefro- o glomérulo é o alvo inicial (glomerulonefrite membrano-
tóxicas. O seu quadro de IRA foi arrastado, necessitando sa e nefrite lúpica, por exemplo), a lesão glomerular mui-
de diálise durante aproximadamente três semanas e rece- tas vezes não justifica o grau de comprometimento funci-
bendo alta 40 dias após o contato com creatinina de 1,9 mg/ onal renal. A morfologia glomerular também não guarda
dl. Biópsia renal realizada no 17.º dia após o acidente re- boa correlação com a evolução das nefropatias. Por outro
velou apenas membrana basal enrugada e espessada em lado, o grau de lesão tubulointersticial associada a estas
túbulos e glomérulos e discreta fibrose intersticial. É pos- nefropatias mostra boa correlação tanto com a gravidade
sível que, da mesma maneira que no acidente botrópico, a como com o prognóstico das doenças. No estágio inicial de
peçonha destas lagartas provoque formação de microtrom- qualquer glomerulopatia, vários grupos celulares (princi-
bos de fibrina levando a coagulação glomerular, isquemia palmente monócitos e macrófagos) e mediadores (fatores
tubular e conseqüentemente IRA. de crescimento, complemento, citoquinas, moléculas de
Aranhas do gênero Loxosceles são pequenas e pouco adesão, etc.) são ativados no interstício, levando a inflama-
agressivas. No entanto, sua peçonha pode provocar necro- ção e fibrose renal.
se tardia no local da picada, hemólise intravascular, alte- Outra importante questão relaciona-se ao mecanismo
rações no sistema de coagulação e lesão renal. Não há corre- através do qual uma lesão predominantemente tubuloin-
476 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

tersticial leva à queda da filtração glomerular. Existem para a auto-agressão tubulointersticial a partir de determi-
várias hipóteses, que não se excluem. Pode haver obstru- nado estímulo antigênico (drogas, por exemplo) seria a
ção tubular, com aumento da pressão intratubular e que- ausência, em alguns indivíduos, deste mecanismo regula-
da “mecânica” da filtração glomerular. Outra possibilida- dor da resposta imune a antígenos “próprios”, determina-
de seria a de aumento da resistência vascular pós-glome- da geneticamente.
rular causada por edema e inflamação intersticial, levan-
do à isquemia deste compartimento. Um terceiro mecanis-
mo seria o de insuficiência tubular conseqüente a atrofia Nefrite Intersticial Aguda
tubular e inflamação intersticial causando diminuição da Os dados relativos à incidência de nefrite intersticial
absorção de solutos pelos segmentos tubulares mais com- aguda (NIA) na população são sujeitos a críticas, pois pro-
prometidos e conseqüente diminuição do gradiente osmó- vêm na maioria das vezes de levantamentos retrospectivos.
tico renal, queda da reabsorção tubular de água e forma-
Na investigação de nefropatias inespecíficas (hematúria ou
ção de urina hipoosmolar. Esta insuficiência tubular seria
proteinúria), o diagnóstico histológico de NIA é raro. No
“compensada” por queda da filtração glomerular.
entanto, quando o grupo avaliado é de pacientes com in-
suficiência renal aguda, esta incidência é de aproximada-
Mecanismos de Lesão Tubulointersticial mente 15%. Por outro lado, é interessante notar que até 25%
dos pacientes com insuficiência renal crônica têm como
A maior parte das informações existentes sobre os me- diagnóstico nefrite intersticial crônica, confirmando o dado
canismos de lesão tubulointersticial é oriunda de trabalhos anterior.
experimentais que utilizam diversos modelos de nefrite Existem diversos fatores etiológicos para NIA, porém a
tubulointersticial aguda. Os mais comuns são aqueles de causa mais importante é sem dúvida o uso de drogas. Os
imunização com antígenos homólogos ou heterólogos da antibióticos beta-lactâmicos (penicilinas, cefalosporinas), a
membrana basal tubular. Outros modelos utilizam-se da rifampicina, as sulfonamidas, as quinolonas, a fenitoína, o
imunização com proteína de Tamm-Horsfall ou outros alopurinol, a furosemida, a cimetidina, o omeprazol e os
antígenos. A nefrite de Heymann, além de causar glome- antiinflamatórios não-hormonais (AINH) são as drogas
rulopatia membranosa, produz infiltrado mononuclear mais comumente implicadas, porém este grupo está sem-
intersticial. Na maioria desses modelos há predominância pre em expansão. Dentre as infecções, causas importantes
da imunidade celular, e o papel dos anticorpos é mal defi- de NIA em pediatria, as mais importantes são difteria, in-
nido ou mesmo considerado pouco importante. A etiopa- fecções estreptocócicas e infecção pelo vírus Epstein-Barr.
togenia da nefrite tubulointersticial clínica parece também Outro grupo engloba as doenças relacionadas a fenôme-
estar predominantemente relacionada a alterações da imu- nos auto-imunes como sarcoidose, síndrome de Sjögren,
nidade celular, embora o mecanismo exato e a importân-
lúpus eritematoso sistêmico, doença antimembrana basal
cia dos diferentes tipos celulares no desenvolvimento da
tubular, além de uma síndrome descrita nos últimos anos
lesão sejam desconhecidos.
composta de uveíte e nefrite intersticial. Finalmente, no
A inflamação que ocorre nas patologias tubulointersti-
grupo das NIAs idiopáticas nenhum fator etiológico pode
ciais tem como alvo antígenos renais que se tornaram
ser identificado.
nefritogênicos após um estímulo do tipo infeccioso ou tó-
xico. Assim, várias drogas podem agir como hapteno, li-
gando-se ao parênquima (células tubulares, por exemplo), MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
alterando sua estrutura e tornando-o imunogênico. Outras A apresentação clínica mais marcante é de insuficiên-
drogas podem ter ação tóxica direta sobre estruturas inters- cia renal aguda, de gravidade variável, geralmente relaci-
ticiais, formando novos antígenos. No caso das infecções, onada a doença intercorrente ou tomada de nova medica-
provavelmente ocorre mimetismo entre a estrutura renal ção. Muitas vezes são casos de insuficiência renal aguda
e antígenos de determinados agentes infecciosos. Entretan- em que a história, manifestações clínicas e exames labora-
to, para que haja lesão imunológica o indivíduo deve per- toriais não se encaixam nos diagnósticos de IRA pré-renal,
der a tolerância aos antígenos “próprios” do parênquima necrose tubular aguda ou glomerulonefrite aguda. Nestes
renal. Assim, outro aspecto da patogênese das lesões tu- casos, o uso de biópsia renal é essencial para a realização
bulointersticiais diz respeito aos genes de resposta imune, do diagnóstico. Existem sintomas e sinais que sugerem
que estão associados à suscetibilidade às doenças. Vários NIA. No caso da NIA induzida por drogas, manifestações
trabalhos experimentais mostraram que a capacidade de cutâneas podem ocorrer em até 50% dos pacientes, febre
um antígeno desencadear resposta imune depende, den- em 75% e eosinofilia em 80%. Infelizmente, a presença
tre outras coisas, da presença e interação com moléculas desta tríade característica é rara, geralmente ocorrendo em
do complexo maior de histocompatibilidade (CMH). Por menos de 30% dos casos. Algumas vezes é relatada dor
exemplo, sabe-se que a função da célula T supressora é lombar, provavelmente relacionada a edema renal e dis-
regulada por genes do CMH. Portanto, uma explicação tensão de sua cápsula. A insuficiência renal pode ou não
capítulo 24 477

ser oligúrica, mas a fração de excreção de sódio é geralmen- dem ocorrer granulomas não-caseosos acompanhando o
te maior que 1%. Pode ocorrer hipertensão, provavelmen- infiltrado inflamatório.
te devido a hipervolemia, distúrbios hidroeletrolíticos e do
equilíbrio ácido-básico. Anormalidades tubulares graves TRATAMENTO
são mais características da nefrite intersticial crônica. O Uma vez feito o diagnóstico de NIA, a primeira medi-
exame da urina revela, na maioria das vezes, hematúria da a ser tomada é a retirada das drogas potencialmente
microscópica, leucocitúria, podendo ou não ocorrer cilin- implicadas. Em alguns casos apenas esta medida será su-
dros leucocitários, e proteinúria de pequena intensidade. ficiente para a melhora da função renal em alguns dias. Por
Eosinofilúria, demonstrada pela coloração de Hansel, pode outro lado, a transição do processo inflamatório agudo para
ocorrer, porém a presença de eosinófilos na urina não é um processo de fibrogênese pode ocorrer rapidamente,
patognomônica. Eosinofilúria pode ocorrer também na com deposição importante da matriz extracelular ocorren-
prostatite, infecções urinárias, câncer de bexiga e glome- do em até sete dias. Assim, se não houver resposta rápida
rulonefrite rapidamente progressiva. Os rins são normais da função renal à retirada do agente causal, deve-se insti-
ou aumentados de tamanho ao ultra-som, e a presença de tuir terapêutica baseada em corticosteróides e agentes ci-
hiperecogenicidade do parênquima renal sugere NIA. A totóxicos. A despeito da ausência de trabalhos prospecti-
cintilografia com gálio pode ser útil para diferenciar necro- vos e controlados avaliando o uso destas drogas na NIA
se tubular aguda de NIA, pois é negativa na primeira e em humanos, a maioria dos autores, baseados em casos
positiva na segunda patologia. Em casos de insuficiência relatados da literatura, dados experimentais e na própria
renal aguda de etiologia obscura ou quadro clínico atípi- patogênese da lesão, concorda que a terapêutica inicial com
co, a biópsia renal é fundamental para diagnóstico mais prednisona, seguida da associação com ciclofosfamida no
preciso, devido à possibilidade de NIA. Mesmo em casos caso de não haver resposta, pode trazer benefícios. Quan-
muito sugestivos de NIA, a avaliação histológica está in- do ocorre resposta com a ciclofosfamida, este tratamento
dicada, devido às suas implicações terapêuticas e prognós- deverá ser mantido por um período mais longo. Do con-
ticas. trário, poderá ser suspenso com cerca de seis semanas.
O prognóstico deste tipo de lesão depende basicamen-
te do tempo de duração da insuficiência renal precedendo
Pontos-chave: o diagnóstico e tratamento, o que se correlaciona com a
• Sinais e sintomas clínicos: uso de droga evolução da lesão histológica. Lesão tubulointersticial ati-
suspeita, IRA prolongada (mais do que va e prolongada antes do diagnóstico clínico aumenta a
quatro semanas), febre, dor articular e rash chance de evolução para fibrose intersticial irreversível.
Acredita-se que cerca de 50% dos pacientes acometidos por
cutâneo
esta patologia não recuperarão totalmente a função renal.
• Diagnóstico laboratorial: eosinofilia e
eosinofilúria
• Cintilografia com gálio positiva Nefropatia Tubulointersticial Crônica
• Diagnóstico de certeza: histologia renal
INTRODUÇÃO
Anteriormente denominada “nefrite intersticial”, “do-
PATOLOGIA ença tubulointersticial”, “nefrite tubulointersticial”, a ne-
A principal característica das NIAs é a presença de in- frite intersticial crônica é responsável por 10% a 40% dos
filtrado inflamatório intersticial, composto basicamente por casos de insuficiência renal crônica. Existem diferenças
linfócitos T, monócitos e ocasionalmente plasmócitos e regionais significantes em sua freqüência: na Bélgica, 18%
eosinófilos. Este infiltrado varia em gravidade, podendo dos pacientes com insuficiência renal crônica terminal
ser focal ou difuso. Em casos mais graves observa-se rup- (IRCT) sofrem de nefropatia por analgésicos, enquanto na
tura da membrana basal tubular. Classicamente, as célu- população européia, como um todo, a incidência é de ape-
las tubulares são agredidas por linfócitos, processo conhe- nas 3%.
cido como “tubulite”. Não existe consenso quanto ao sub-
tipo linfocitário predominante, se CD4 ou CD8, pois os PATOLOGIA
níveis destes podem variar com o decorrer da agressão. O quadro anatomopatológico da nefropatia tubuloin-
Edema intersticial acompanha o infiltrado e, excetuando- tersticial crônica (NTIC) compreende atrofia de células
se os casos relacionados a AINHs, os glomérulos são pou- tubulares com achatamento das células epiteliais e dilata-
pados da lesão. A imunofluorescência raramente mostra ção tubular, fibrose intersticial e áreas de infiltração de
imunoglobulina ou complemento. A ausência de depósi- células mononucleares no espaço intersticial e entre os tú-
tos imunes predomina nessas lesões. Em alguns casos de bulos. A membrana basal tubular encontra-se freqüente-
NIA, principalmente naqueles relacionados a drogas, po- mente espessada. O infiltrado celular constitui-se basica-
478 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

mente de linfócitos e ocasionalmente neutrófilos, plasmó- dade de concentração urinária secundária a alteração na
citos e eosinófilos. A imunofluorescência pode revelar a reabsorção de água pelo ducto coletor.
presença de C3 e imunoglobulinas ao longo da membrana
basal tubular, tipicamente em padrão linear. Nas fases ini- CAUSAS DE NEFROPATIA
ciais da NTIC o glomérulo permanece normal à microsco- TUBULOINTERSTICIAL CRÔNICA
pia óptica. Com a evolução da enfermidade podem ser
detectadas fibrose glomerular, esclerose segmentar e por Drogas
fim esclerose global. À imunofluorescência a coloração do Diversas drogas tais como ciclosporina, cisplatina, lítio,
glomérulo é freqüentemente negativa, e excepcionalmen- nitrosuréias e antiinflamatórios não-hormonais podem ser
te encontram-se C3 e imunoglobulina M no segmento responsabilizadas pelo aparecimento de NTIC.
mesangial. Pequenas artérias e arteríolas mostram espes- ANALGÉSICOS. O consumo excessivo e continuado de
samento fibrointimal de grau variável. analgésicos tem sido associado ao desenvolvimento de
NTIC e necrose de papila renal. Geralmente os pacientes
QUADRO CLÍNICO E LABORATORIAL ingerem cumulativamente mais do que 3 kg de analgési-
Geralmente os pacientes com NTIC apresentam-se com cos-antipiréticos até que o diagnóstico seja feito. Este é de
os sintomas sistêmicos da doença primária, ou com sinto- grande importância, já que a interrupção do uso das dro-
mas inespecíficos de insuficiência renal, tais como fraque- gas poderá retardar ou mesmo impedir a progressão da
za, náuseas, vômitos, nictúria, poliúria, isostenúria e dis- doença renal. A incidência de nefropatia por analgésicos
túrbios do sono. Em alguns casos os exames de rotina apre- varia nos diferentes países e entre diferentes áreas geográ-
sentam anormalidades no sedimento urinário e/ou eleva- ficas. Na Escócia, Bélgica e Austrália, por exemplo, é res-
ção da creatinina sérica. ponsável por 10% a 20% dos casos de IRC terminal.
Pode haver envolvimento vascular e glomerular na A nefropatia por analgésicos acomete mais freqüente-
NTIC, mas nos estágios iniciais da doença estas manifes- mente (5 a 7 vezes mais) as mulheres do que os homens.
tações (refletidas como proteinúria e hipertensão) são pou- Tipicamente, são pacientes que ingerem analgésicos para
co importantes, predominando as disfunções tubulares. cefaléia, dores articulares inespecíficas e desconforto ab-
Nos estágios avançados da doença, com o surgimento da dominal. As manifestações clínicas englobam nictúria, pi-
glomerulosclerose, há declínio progressivo da filtração úria estéril e hipertensão. A anemia pode estar presente
glomerular (FG), desenvolvimento de proteinúria glome- como manifestação da IRC ou devido a úlcera péptica.
rular e hipertensão volume-dependente. Quando compa- Ansiedade e distúrbios neuropsiquiátricos são freqüentes.
radas às glomerulonefrites, as nefropatias tubulointersti- Estes pacientes têm maior incidência de neoplasias
ciais apresentam hipertensão menos grave, menor veloci- uroepiteliais, portanto surtos de hematúria devem ser in-
dade de perda da função renal e menor formação de ede- vestigados com maior profundidade. Geralmente é neces-
ma. sário haver associação de analgésicos (aspirina, acetami-
A sintomatologia específica das NTIC varia de acordo nofen, fenacetina, cafeína ou codeína) para que ocorra a
com a porção do néfron acometida. Na acidose tubular nefropatia, porém existem relatos onde apenas o acetami-
renal proximal por exemplo (tipo II), pode ocorrer disfun- nofen estava envolvido. O acetaminofen (um metabólito
ção na reabsorção do bicarbonato pelo túbulo proximal, hepático da fenacetina) apresenta grandes concentrações
geralmente associada a hipopotassemia, em decorrência da na papila renal, principalmente em situação de antidiure-
perda de potássio pelo néfron distal. Na síndrome de Fan- se. Posteriormente, é metabolizado pelo rim para vários
coni, que é caracterizada por disfunção generalizada do metabólitos que podem ter sua ação potencializada pela
túbulo proximal, há prejuízo na absorção de bicarbonato, ação de outros analgésicos, tais como aspirina, e outros
potássio, fósforo, aminoácidos, glicose e ácido úrico. Pro- antiinflamatórios não-hormonais.
teinúria constituída basicamente por proteínas de baixo As alterações histológicas da nefropatia por analgésicos
peso molecular pode refletir disfunção tubular proximal são inespecíficas e comuns a todas as formas de NTIC. Os
na absorção de proteínas filtradas. O acometimento do rins geralmente são contraídos e necrose de papila pode
néfron distal pode manifestar-se por acidose tubular renal ou não estar presente.
distal (tipo I), resultante de um defeito na acidificação LÍTIO. O lítio pode desencadear várias alterações renais,
acompanhada de hipopotassemia, ou pelo quadro de aci- incluindo NTIC. Diabetes insipidus nefrogênico e alteração
dose tubular renal do tipo IV causada pela resistência do da capacidade de concentração renal, acidose tubular re-
néfron distal à aldosterona ou hipoaldosteronismo hipor- nal incompleta, doença tubulointersticial progressiva, mi-
reninêmico, caracterizado por hiperpotassemia e acidose crocistos em túbulo distal e insuficiência renal aguda são
metabólica desproporcionalmente graves em relação ao as principais lesões renais provocadas por esta droga.
grau de acometimento da função renal. Pode-se também A alteração na capacidade de concentração urinária é
encontrar perda renal de sódio em decorrência de altera- complicação que ocorre em 50% dos pacientes após tera-
ção da reabsorção distal do néfron e alteração na capaci- pêutica prolongada com lítio. O lítio inibe a adenilciclase
capítulo 24 479

e portanto diminui a concentração de AMP cíclico, que é o O EDTA tem sido recomendado como opção terapêuti-
segundo mensageiro na ação do ADH. Cerca de 20% dos ca. Em alguns pacientes pode interromper ou mesmo re-
pacientes desenvolvem poliúria. Lesão tubulointersticial, verter a progressão da insuficiência renal.
principalmente dilatação tubular distal e microcistos, são Cádmio. O cádmio é muito utilizado nas indústrias,
observadas em pacientes que recebem terapêutica com lítio principalmente por trabalhadores de fundições. A sua ab-
a longo prazo, porém não se pode descartar a possibilidade sorção ocorre tanto por via gastrintestinal como pelo trato
de que estas lesões já existiam anteriormente ao tratamen- respiratório. Quando absorvido, sua meia-vida excede 10
to. A ação do lítio sobre a filtração glomerular é controver- anos. No organismo acumula-se nos rins e no fígado. No
sa. Cerca de 85% dos pacientes submetidos à droga apresen- fígado liga-se a uma proteína rica em cistina (metalotione-
tam filtração glomerular normal e apenas 15% apresentam ína) e é transportado pela corrente sanguínea para os rins,
alterações discretas da função glomerular após 10 a 15 anos onde o complexo cádmio-metalotioneína é nefrotóxico.
de tratamento. A toxicidade do lítio é dose-dependente, Adentra as células tubulares proximais por pinocitose,
portanto a monitorização dos seus níveis séricos é impor- acumulando-se nos lisossomos. A concentração do cádmio
tante na prevenção de toxicidade aguda e desenvolvimen- na corrente sanguínea cai rapidamente em decorrência da
to de alterações na capacidade de concentração urinária. O sua deposição hepática. A excreção urinária não aumenta
manuseio renal do lítio é muito semelhante ao do sódio. Os até que o limiar cortical renal de 100 a 300 ng/g de córtex
seus níveis séricos podem aumentar em situações de insu- seja atingido, o que corresponde grosseiramente a 160 a 170
ficiência renal, uso de diuréticos, desidratação e administra- mg de cádmio absorvido. A excreção urinária de 20 µg/L
ção de antiinflamatórios não-hormonais. ou 10 µg/g de creatinina significa excesso de cádmio cor-
METAIS PESADOS. Chumbo e cádmio são os metais poral, mesmo com concentrações sanguíneas normais.
pesados mais comumente relacionados ao desenvolvimen- Clinicamente a disfunção tubular causada por este me-
to de NTIC. Arsênico, bário, bismuto, cobre, ouro, mercú- tal caracteriza-se por aminoacidúria, glicosúria, acidose
rio e silicone também têm sido incriminados. tubular renal e por excreção de proteínas de baixo peso
Chumbo. A exposição ao chumbo ocorre principalmen- molecular, tais como ␤2-microglobulina. Nefrolitíase (25%
te em pintores, restauradores de arte, devido às tintas con- dos casos) e fraturas podem ocorrer. Evolução para IRC é
tendo chumbo, e picheleiros. Fontes contínuas de exposi- incomum. Em uma vila do Japão onde há contaminação
ção ocorrem em canos de água e moradias velhas, olarias, pela água e pelo arroz, ocorre dor óssea generalizada com
cristais. Atualmente as maiores fontes ambientais de po- fraturas, associadas à síndrome de Fanconi. O quadro his-
luição são a gasolina, a produção de aço e o processamen- tológico é de nefrite intersticial. Na maior parte das vezes
to de carvão de pedra. a disfunção tubular é irreversível mesmo quando o paci-
O diagnóstico do excesso de exposição é difícil, porque ente é protegido contra novas exposições.
a concentração sanguínea reflete somente a exposição re- Não há nenhum tratamento específico para a toxicida-
cente. O diagnóstico é sugerido por aumento (> 0,6 mg) na de crônica pelo cádmio.
excreção urinária de 24 horas do metal após duas doses de Ouro. Os sais de ouro, utilizados em reumatologia na
1 g do agente quelante EDTA dissódico (nesta dose o EDTA terapêutica da artrite reumatóide, podem produzir síndro-
não é nefrotóxico). O valor do teste é maximizado quando me nefrótica. A prevalência de proteinúria, geralmente
comparado com níveis basais de excreção urinária. O tes- menor do que 3 g diários, em pacientes tratados com ouro
te também pode ser usado em pacientes com insuficiência é de 3%. A lesão mais freqüentemente encontrada é glo-
renal: quando oligúricos, recomenda-se um período de merulopatia membranosa, porém lesões mínimas e depó-
coleta de vários dias. A fluorescência ao raio X, in vivo, é sitos elétron-densos endoteliais e mesangiais também po-
alternativa não-invasiva para quantificar o chumbo nos dem ocorrer. Em análises ultra-estruturais podemos encon-
ossos, especialmente nos pacientes com IRC. trar o metal em células tubulares. A interrupção de sua
A patogênese da nefropatia pelo chumbo não está es- administração leva ao desaparecimento da proteinúria,
clarecida. O metal é depositado preferencialmente no seg- geralmente no prazo de 6 a 12 meses.
mento S3 do túbulo proximal. Inclusões nucleares dentro A patogênese da nefropatia induzida pelo ouro é des-
das células tubulares proximais são característica da nefro- conhecida. Proteinúria tubular, ␤2-microglobulinúria e
patia por chumbo. Funcionalmente observam-se alterações excreção de antígenos tubulares são comuns nos pacien-
da função tubular proximal (principalmente em crianças), tes que recebem sais deste metal. Animais de experimen-
com defeito tubular isolado ou como síndrome de Fanco- tação expostos a sais de ouro por via parenteral desenvol-
ni. Estas alterações são potencialmente reversíveis, sendo vem NTI auto-imune e glomerulopatia por imunocomple-
incomum a evolução para IRC em crianças. Em adultos a xos com anticorpos para antígeno de células tubulares e
nefropatia pelo chumbo é caracterizada por nefrite inters- membrana basal tubular. A nefrotoxicidade por ouro está
ticial crônica, com fibrose intersticial, atrofia e nefroscle- fortemente associada aos antígenos de histocompatibili-
rose. Há freqüentemente gota recorrente e a maioria dos dade HLA-DR3 e HLA-B8, sugerindo ligação genética
pacientes tem hiperuricemia e hipertensão. para a doença. É interessante o fato de que a glomerulo-
480 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

patia membranosa idiopática também está associada ao Oxalato. As hiperoxalúrias podem ser primárias ou se-
HLA-DR3. cundárias. A hiperoxalúria primária consiste em enfermida-
DOENÇAS METABÓLICAS. Alterações no metabolis- de autossômica recessiva de ocorrência rara, caracterizada
mo do oxalato, urato, cálcio, potássio e cistina são aponta- por deficiência das enzimas hepáticas alanina, glioxilato
dos como causas de NTIC. aminotransferase e D-glicerato desidrogenase, acompanha-
Uratos. Embora a nefropatia aguda e a nefrolitíase por das por superprodução de oxalato. O quadro clínico inclui
ácido úrico sejam complicações conhecidas, é muito pou- acúmulos renais e sistêmicos de oxalato, nefrocalcinose,
co provável que hiperuricemia crônica leve ou moderada obstrução tubular e nefropatia tubulointersticial crônica. A
provoque insuficiência renal crônica. A função renal é ge- oxalose sistêmica é invariavelmente fatal. Na hiperoxalúria
ralmente estável em pacientes gotosos assintomáticos, e a primária a IRC se desenvolve por volta dos 20 anos de ida-
ocorrência de insuficiência renal nesta população é usual- de. A forma secundária ocorre em adultos e geralmente tra-
mente relacionada a algum fator complicante, como diabe- duz aumento da absorção de oxalato da dieta (má absorção
tes mellitus, hipertensão ou arteriosclerose. A principal le- de gorduras e ressecção do intestino delgado) ou grande
são renal da hiperuricemia crônica é o depósito de materi- ingestão de substâncias que posteriormente são metaboli-
al amorfo de cristais de urato no interstício renal. Estas zadas para oxalato (xilitol, etileno glicol, ácido ascórbico).
lesões desencadeiam reação de células gigantes. Pode ocor- A lesão geralmente inicia-se no túbulo proximal, onde a
rer precipitação de cristais de ácido úrico no ducto coletor, substância é secretada, porém é mais grave na medula, onde
com conseqüente obstrução tubular, dilatação, atrofia e ocorre precipitação de oxalato de cálcio. Nefrolitíase recor-
fibrose intersticial. Em acompanhamentos prolongados, rente por cálculos de oxalato de cálcio também contribui
disfunção renal pode ser documentada apenas em homens para o desenvolvimento de NTIC, por causar obstrução.
que mantinham níveis séricos persistentemente elevados Hipercalcemia e Nefrocalcinose. A hipercalcemia per-
acima de 13 mg/dl e em mulheres com níveis séricos aci- sistente promove degeneração focal e necrose do epitélio
ma de 10 mg/dl. O tratamento com alopurinol em pacien- tubular, afetando primariamente a medula renal onde o
tes assintomáticos com níveis séricos inferiores a estes é cálcio é concentrado em um meio tubular ácido. Os túbu-
bastante discutível, pois a droga não é inócua. Atenção los acometidos se atrofiam e tornam-se obstruídos, com
especial deve ser dada aos pacientes com hipertensão, hi- conseqüente dilatação. A subseqüente calcificação e des-
peruricemia e disfunção renal que apresentam história truição da membrana basal tubular resulta em reação in-
pregressa de exposição ao chumbo. filtrativa e proliferativa no interstício adjacente. O depósi-
Cistinose. É uma rara alteração autossômica recessiva to de cálcio nas áreas lesadas resulta em nefrocalcinose. A
caracterizada por acúmulo excessivo de cistina em múlti- nefrocalcinose pode também ocorrer em situações de nor-
plos órgãos, incluindo o rim. A cistina acumula-se princi- mocalcemia e é basicamente um fenômeno medular. Ne-
palmente dentro dos lisossomos devido a um defeito no frocalcinose cortical pode ocorrer, usualmente em associ-
transportador da cistina lisossomal. Há vários tipos de cis- ação com glomerulonefrites crônicas ou outras formas de
tinose, sendo o envolvimento renal mais grave na forma doença renal crônica, onde o produto cálcio-fósforo encon-
infantil, com menor gravidade na forma intermediária tra-se continuamente elevado. O tratamento é dirigido à
(adolescente) e inexistente na forma adulta. As crianças são doença de base e à normalização do cálcio sérico.
normais ao nascimento e o diagnóstico geralmente é feito Depleção de Potássio. A hipopotassemia associada com
no primeiro ano de vida pela detecção de defeito tubular a depleção do potássio total corporal, seja por perdas gas-
proximal que precede a diminuição da filtração glomeru- trintestinais ou renais, pode levar a alterações histológicas
lar e geralmente manifesta-se por síndrome de Fanconi, no rim, principalmente no túbulo proximal. Estas lesões são
raquitismo e retardo de crescimento. A evolução para a caracterizadas por vacuolização, presença intracitoplasmá-
IRCT é inevitável, ocorrendo nas primeiras décadas de tica de grânulos PAS-positivos e cistos na medula renal. As
vida. O diagnóstico é feito pelo achado de depósitos de anormalidades desaparecem com a reposição de potássio.
cristais de cistina na córnea e pelo aumento do conteúdo Há defeito na concentração urinária, que provém em par-
de cistina nos leucócitos. A cistinose é tratada pela reposi- te da resistência ao ADH. Aumentos na síntese de trom-
ção de fluidos, correção das alterações eletrolíticas e uso boxane podem explicar a diminuição do fluxo sanguíneo
de cisteamina. A cisteamina atravessa a barreira dos lisos- renal. Demonstrou-se experimentalmente que a ativação
somos, liga-se à cisteína e este complexo deixa os lisosso- da via alternada do complemento pela amônia pode inici-
mos pelo sistema de transporte de aminoácidos catiôni- ar e sustentar a resposta inflamatória e lesão tubulointers-
cos. O transplante renal permite prolongar a sobrevida ticial. A progressão para IRC tem sido descrita em pacien-
dos pacientes. Ocorre comprometimento de outros ór- tes com hipopotassemia sustentada.
gãos, podendo haver disfunção hepática importante. DOENÇAS HEMATOPOIÉTICAS. As principais en-
Após o transplante a cistina reaparece no interstício po- fermidades hematopoiéticas associadas a NTIC são a ane-
rém não em células tubulares e não compromete a fun- mia falciforme, a discrasia de células plasmáticas e as do-
ção do enxerto. enças linfoproliferativas.
capítulo 24 481

Anemia Falciforme. A lesão é mais comum na anemia ca sintomas clínicos significantes. As manifestações linfo-
falciforme, porém pode ser encontrada também nos por- matosas envolvendo o rim incluem obstrução urinária e
tadores do traço falciforme, anemia falciforme com doen- complicações resultantes da lise tumoral. A infiltração do
ça da hemoglobina C e talassemia. A hemoglobina S tende rim por células malignas ocorre basicamente no interstício
a se polimerizar em ambiente com baixa saturação de oxi- e resulta em atrofia tubular com preservação do gloméru-
gênio, pH ácido e hipertônicos, como o encontrado na re- lo, mimetizando o quadro de NTIC. São mais comuns em
gião medular renal. Com isso, eventos oclusivos ocorrerão doenças linfoproliferativas, especialmente em linfoma não-
nos vasos medulares levando à NTIC, principalmente na Hodgkin e leucemias linfoblásticas. As leucemias podem
medula renal. Necrose de papila também é relativamente provocar disfunção tubular proximal e manifestar-se por
comum na anemia falciforme. Os pacientes apresentam acidose tubular renal tipo II ou síndrome de Fanconi.
defeitos tubulares, particularmente deficiência de concen- Hemoglobinúria Paroxística Noturna. A hemoglobinú-
tração urinária e acidose tubular renal do tipo IV. A evo- ria paroxística noturna é uma rara doença hemolítica na
lução para IRC é rara, mas pode ser prevista pelo desen- qual a deficiência de duas proteínas da membrana tornam
volvimento de proteinúria e hipertensão refletindo glome- os eritrócitos sensíveis à lise mediada pelo complemento.
rulopatia concomitante. A hemólise intravascular leva a hemoglobinemia e hemo-
Discrasias de Células Plasmáticas. A patogênese do globinúria, que em alguns casos pode provocar insuficiên-
envolvimento renal na discrasia de células plasmáticas tem cia renal aguda. Esses pacientes são suscetíveis a desenvol-
origem variada. Insuficiência renal aguda e crônica são ver microtrombos e necrose de papila. A histologia mos-
comuns em pacientes com mieloma múltiplo e podem ser tra doença tubulointersticial, com quantidades variáveis de
atribuídas à interação de múltiplos mecanismos, incluin- hemossiderina no túbulo proximal. Pode ocorrer evolução
do nefropatia de cilindros (“rim do mieloma”), depleção para IRC.
de volume, hipercalcemia, nefrocalcinose e nefropatia por DOENÇAS IMUNOLÓGICAS. A NTIC ocorre em di-
ácido úrico. O acometimento renal ocorre em 50 a 70% dos versas doenças sistêmicas, tais como lúpus eritematoso
pacientes com mieloma múltiplo e pode apresentar-se an- sistêmico, síndrome de Sjögren, amiloidose, crioglobuline-
tes mesmo das manifestações extra-renais. mia, nefropatia por IgA e na síndrome de imunodeficiên-
As complicações renais do mieloma incluem insuficiên- cia adquirida (AIDS). O mecanismo de lesão intersticial não
cia renal aguda, defeitos tubulares tais como alteração da está claramente compreendido, embora existam evidênci-
acidificação ou síndrome de Fanconi, síndrome nefrótica as clínicas e experimentais de que o mecanismo é imune-
secundária a amiloidose ou glomerulopatia de cadeia leve mediado. No lúpus, na crioglobulinemia e na síndrome de
e insuficiência renal crônica progressiva pelo chamado Sjögren, encontram-se imunocomplexos consistindo em
“rim do mieloma”. A insuficiência renal aguda é desenca- depósitos granulares constituídos por IgG e C3 deposita-
deada pela desidratação ou hipercalcemia. A amiloidose dos no interstício, de significado desconhecido. No lúpus
ocorre em 15% dos pacientes. O “rim do mieloma” é ca- também têm sido encontrados depósitos de DNA na mem-
racterizado por cilindros intratubulares com obstrução e brana basal tubular, ao redor dos capilares peritubulares
atrofia tubular, fibrose e células gigantes multinucleadas. e no interstício. A proteína de Tamm-Horsfall pode estar
Nefrocalcinose pode estar presente. Os cilindros tipicamen- implicada em certas formas de NTI clínica. Anticorpos
te apresentam proteína de Tamm-Horsfall e de cadeias le- contra essa proteína têm sido encontrados no soro de pa-
ves. A disfunção renal origina-se na obstrução tubular e no cientes com refluxo vesicoureteral, pielonefrite e no inters-
efeito tóxico direto das proteínas de Bence Jones. A toxici- tício de pacientes com nefrite hereditária, hidronefrose e
dade da cadeia leve depende do tipo, do peso molecular, doença cística medular. Em certas formas de doenças imu-
da carga filtrada e da carga elétrica. O diagnóstico deve ser nológicas tais como síndrome de Goodpasture, doença
suspeitado em pacientes com idade acima de 50 anos que tubulointersticial crônica, lúpus eritematoso sistêmico e
venham a apresentar disfunção renal e proteinúria inex- rejeição de transplante, têm sido encontrados anticorpos
plicada. Outros achados sugestivos incluem hipercalcemia contra a membrana basal tubular. Encontramos infiltrado
e diminuição do anion gap. O diagnóstico é embasado no celular intersticial constituído principalmente por células
encontro de cadeias leves na urina e no soro e confirma- T e, em menos de 20%, por células B. Este perfil celular
ção do aumento de células plasmáticas na medula óssea. sugere lesão imunológica mediada por células. Diversas
O tratamento deve ser dirigido contra a depleção de volu- evidências clínicas e experimentais valorizam o papel do
me e a hipercalcemia, combinado com a quimioterapia e infiltrado celular na progressão da doença através de cito-
plasmaférese. A diálise está indicada para a insuficiência quinas, autacóides e fatores de crescimento que iniciam e
renal, e um certo número de pacientes pode apresentar perpetuam a lesão.
recuperação funcional. INFECÇÕES. O conceito clássico de que a pielonefrite
Doenças Linfoproliferativas. Embora o envolvimento crônica com alteração da função renal ocorria em conse-
renal ocorra em 40 a 50% dos casos de leucemias e linfo- qüência de surtos de pielonefrite aguda, infeccões urinári-
mas em análise de material de autópsia, raramente provo- as recorrentes e bacteriúria assintomática carece atualmen-
482 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

te de subsídios relevantes. A NTIC encontrada nesses pa- mia ocorre em 10% a 20% dos pacientes, enquanto a hiper-
cientes (geralmente crianças ou adultos jovens), parece calciúria ocorre em 60% deles. Esta anormalidade ocorre
muito mais relacionada a refluxo vesicoureteral ou a ou- em decorrência de excesso de 1,25-diidroxivitamina D3
tras anomalias de desenvolvimento do trato urinário. Cabe produzida por macrófagos ativados com localização extra-
salientar que em mulheres com surtos de pielonefrite agu- renal. A hipercalcemia ou hipercalciúria está associada a
da de repetição, embora não se detecte perda funcional, nefrocalcinose e nefrolitíase, situações que predispõem a
lesões cicatriciais corticais podem ser encontradas através doença intersticial crônica e insuficiência renal. O envol-
de tomografia computadorizada. vimento renal granulomatoso, a hipercalcemia e a hiper-
OBSTRUÇÃO E ANORMALIDADES DO DESEN- vitaminose D respondem muito bem ao tratamento com
VOLVIMENTO. A obstrução do trato urinário é causa re- corticosteróides e freqüentemente ocorre completa rever-
lativamente comum de doença tubulointersticial, principal- são da insuficiência renal. Fibrose intersticial residual, ne-
mente em adultos jovens devido a anormalidades anatô- frocalcinose e cálculos renais podem prejudicar a norma-
micas ou do desenvolvimento. Em pacientes mais velhos, lização da função renal após o tratamento.
cálculo, aumento prostático e tumores pélvicos e abdomi- NEFRITE DE RADIAÇÃO. A lesão renal por radiação
nais são as causas mais comuns de uropatia obstrutiva. In- depende da dose total aplicada, do volume de rim irradi-
filtrado celular mononuclear ocorre em obstrução do tra- ado e da dose por sessão de aplicação. Estima-se como uma
to urinário superior, e nos casos mais prolongados pode dose tolerável 2.000 a 2.500 rads administrados por 3 a 5
sobrevir fibrose, atrofia e dilatação tubular. O fluxo san- semanas em todo o rim. Os rins de pacientes jovens são
guíneo renal inicialmente aumenta, porém diminui com a mais suscetíveis a lesões. As complicações da radiação in-
manutenção da obstrução, bem como a filtração glomeru- cluem desenvolvimento de insuficiência renal progressi-
lar. Os mecanismos responsáveis pelas alterações histoló- va, proteinúria, perda de sódio com contração de volume,
gicas incluem lesão por aumento da pressão tubular, isque- anemia e hipertensão. Após um ano da radiação os rins
mia, substâncias humorais liberadas pelas células infiltran- podem estar contraídos. Podem ocorrer hipertensão isola-
tes e possivelmente extravasamento da proteína de Tamm- da e proteinúria. A lesão inicial é endotelial e caracteriza-
Horsfall para o interstício. O paciente apresenta-se clini- se por edema. O endotélio lesado permite a aderência e a
camente com acidose tubular renal do tipo IV e diminui- agregação plaquetárias, que liberam substâncias inflama-
ção da capacidade de concentração urinária devido à re- tórias, mitogênicas. Conseqüente à obstrução vascular de-
sistência à ação do ADH. O diagnóstico de uropatia obs- senvolve-se atrofia tubular. Estas alterações estimulam a
trutiva pode ser confirmado pela presença de resíduo ve- produção de renina, que exacerba a hipertensão com con-
sical aumentado, constatado por cateterização vesical ou seqüente agravamento da lesão endotelial. No glomérulo
ultra-som ou pela presença de hidronefrose ao exame to- há proliferação mesangial e mesangiólise. Alterações tubu-
mográfico ou à ultra-sonografia. Pode ocorrer recuperação lares e intersticiais são geralmente seqüelas a longo prazo.
funcional após a remoção da obstrução. O refluxo vesicou- A nefrite de radiação progride lentamente para insuficiên-
reteral está associado a nefropatia tubulointersticial e pode cia renal crônica terminal. A incidência desta complicação
evoluir para insuficiência renal crônica mesmo após a sua tem diminuído em decorrência de melhora no equipamen-
correção cirúrgica. Nas fases avançadas pode apresentar to utilizado, fracionamento da dose de radiação e proteção
como complicação esclerose glomerular focal, proteinúria renal por bloqueio durante a aplicação.
de nível nefrótico e hipertensão sistêmica.

Outras Causas
NEFROPATIA ENDÊMICA DOS BÁLCÃS. É uma
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
doença endêmica, restrita geograficamente às proximida-
Gerais
des do Rio Danúbio, principalmente na Bulgária, Iugoslá-
via e Romênia. Cerca de 20.000 pessoas são acometidas, e BENNETT, W.M.; ELZINGA, L.W. e PORTER, G.A. Tubulointerstitial
disease and toxic nephropathy. In Brenner, B.M. e Rector Jr, F.C.R.
o quadro histológico é de NTIC. Sua etiologia não é bem
(eds) The Kidney, 4th edition. Philadelphia, W.B. Saunders, 1991, vol.
definida, porém fatores ambientais e familiares são respon- II, pp. 1430-1496.
sabilizados na sua patogênese. BURDMANN, E.A.; OLIVEIRA, M.B.; FERRABOLI, R.; MALHEIRO, P.S.;
SARCOIDOSE E DOENÇAS GRANULOMATOSAS. ABDULKADER, C.R.M.; YU, L.; GALVÃO, P.C.A.; MONTEIRO, J.L.;
SABBAGA, E.; MARCONDES, M. Epidemiologia. In Schor, N.; Boim,
Sarcoidose, tuberculose, pielonefrite xantogranulomatosa,
M.A.; dos Santos, O.F.P. (eds) Insuficiência Renal Aguda – Fisiopatolo-
granulomatose de Wegener, candidíase renal, hipersensi- gia, Clínica e Tratamento. São Paulo, Sarvier, 1997, pp. 1-7.
bilidade à hidantoína, oxalose e nefropatia dos dependen- CASTRO, M.C.M.; MARTINS, V.; NADALIN, F.; MALHEIROS, P.;
tes de heroína pode evoluir para uma forma rara de NTIC SABBAGA, E. e MARCONDES, M. Mudança do perfil etiológico da
insuficiência renal aguda. J. Bras. Nefrol., 5:26-28, 1983.
acompanhada por reação granulomatosa intersticial.
CRONIN, R.E. e HENRICH, W.L. Toxic nephropathy. In Brenner, B.M.
Na sarcoidose o envolvimento renal ocorre em até 10% (ed) The Kidney, 6th edition. Philadelphia, W.B. Saunders, 2000, vol.
dos casos e se manifesta de várias maneiras. A hipercalce- II, pp. 1563-1596.
capítulo 24 483

HOOK, J.B. e GOLDSTEIN, R.S. (eds) Toxicology of the Kidney, 2nd edition. DERAY, G.; BOCHET, M.; KATLAMA, C.; BRICAIRE, F. Nephrotoxici-
New York, Raven Press, 1993. ty of ritonavir. Presse Med., 27:1801-1803, 1998.
OLSEN, S. e SOLEZ, K. Acute tubular necrosis and toxic renal injury. In DERAY, G.; MARTINEZ, F.; KATLAMA, C. et al. Foscarnet nephrotoxi-
Tisher, C.C. e Brenner, B.M. (eds) Renal Pathology: With Clinical and city: mechanism, incidence and prevention. Am. J. Nephrol., 9:316-321,
Functional Correlations, 2nd edition. Philadelphia, J. B. Lippincott, 1994, 1989.
pp. 769-809. DHARNIDHARKA, V.R.; NADEAU, K.; CANNON, C.L.; HARRIS, H.W.;
SWAN, S.S. e BENNETT, W.M. Role of the sodium ion in acute renal fai- ROSEN, S. Ciprofloxacin overdose: acute renal failure with prominent
lure. Miner. Electrolyte Metab., 17:89-99, 1991. apoptotic changes. Am. J. Kidney Dis., 31:710-712, 1998.
SWAN, S.S e BENNETT, W.M. Nephrotoxic acute renal failure. In Bren- DIELEMAN, J.P.; van der FELTZ, M.; BANGMA, C.H.; STRICKER, B.H.;
ner, B.M. e Lazarus, J.M. (eds) Acute Renal Failure, 3rd edition. New van der ENDE, M.E. Papillary necrosis associated with the HIV pro-
York, Churchill Livingstone, 1993, pp. 357-392. tease inhibitor indinavir. Infection, 29:232-233, 2001.
DILLON, J.J. Nephrotoxicity from antibacterial, antifungal and antiviral
drugs. In Molitoris, B.A. e Finn, W.F. (eds) Acute Renal Failure, a
Agentes Antiinfecciosos Companion to Brenner & Rector’s The Kidney, Philadelphia, W.B. Saun-
ANDERSON, C.M. Sodium chloride treatment of amphotericin B nephro- ders, 2000, pp. 349-364.
toxicity - standart of care? West J. Med., 162:313-317, 1995. DOREA, E.L.; YU, L.; DE CASTRO, I.; CAMPOS, S.B.; ORI, M.; VACCARI,
BAILEY, J.R.; TROTT, S.A. e PHILBRICK, J.T. Ciprofloxacin-induced E.M.; LACAZ, C.D.A.S.; SEGURO, A.C. Nephrotoxicity of amphote-
acute interstitial nephritis. Am. J. Nephrol., 12:272-273, 1992. ricin B is attenuated by solubilizing with lipid emulsion. J. Am. Soc.
BARQUIST, E.; FEIN, E.; SHADICK, D.; JOHNSON, J.; CLARK, J.; Nephrol., 8:1415-1422, 1997.
SHATZ, D. A randomized prospective trial of amphotericin B lipid DOS SANTOS, M. de F.; DOS SANTOS, O.F.; BOIM, M.A.; RAZVICKAS,
emulsion versus dextrose colloidal solution in critically ill patients. J. C.V.; DE MOURA, L.A.; AJZEN, H.; SCHOR, N. Nephrotoxicity of
Trauma, 47:336-340, 1999. acyclovir and ganciclovir in rats: evaluation of glomerular hemody-
BEAUCHAMP, D.; LABRECQUE, G. Aminoglycoside nephrotoxicity: do namics. J. Am. Soc. Nephrol., 8:361-367, 1997.
time and frequency of administration matter? Curr. Opin. Crit. Care, FIACCADORI, E.; MAGGIORE, U.; ARISI, A.; CABASSI, A.; BEGHI, C.;
7:401-408, 2001. CAMPODONICO, R.; GHERLI, T. Outbreak of acute renal failure due
BECKER, B.N.; FALL, P.; HALL, C.; MILAM, D.; LEONARD, J.; GLICK, to cefodizime-vancomycin association in a heart surgery unit. Inten-
A.; SCHULMAN, G. Rapidly progressive acute renal failure due to sive Care Med., 27:1819-1822, 2001.
acyclovir: case report and review of the literature. Am. J. Kidney Dis., FRIMAT, L.; HESTIN, D.; HANESSE, B.; CAO-HUU, T. e KESSLER, M.
22:611-615, 1993. Acute renal failure due to vancomycin alone. Nephrol. Dial. Transplant.,
BECKER, B.N.; SCHULMAN, G. Nephrotoxicity of antiviral therapies. 10:550-551, 1995.
Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 5:375-379, 1996. GILBERT, D.N.; WOOD, C.A.; KOHLHEPP, S.J. et al. Polyaspartic acid
BENNETT, W.M. Mechanisms of aminoglycoside nephrotoxicity. Clin. prevents experimental aminoglycoside nephrotoxicity. J. Infect. Dis.,
Exp. Pharmacol. Physiol., 16:1-6, 1989. 159:945-953, 1989.
BENVENISTE, O.; LONGUET, P.; DUVAL, X.; Le MOING, V.; LEPORT, HADIMERI, H.; ALMROTH, G.; CEDERBRANT, K.; ENESTROM, S.;
C.; VILDE, J.L. Two episodes of acute renal failure, rhabdomyolysis, HULTMAN, P.; LINDELL, A. Allergic nephropathy associated with
and severe hepatitis in an AIDS patient successively treated with ri- norfloxacin and ciprofloxacin therapy. Report of two cases and revi-
tonavir and indinavir. Clin. Infect. Dis., 28:1180-1181, 1999. ew of the literature. Scand. J. Urol. Nephrol., 31:481-485, 1997.
BERNS, J.S.; COHEN, R.M.; SILVERMAN, M.; TURNER, J. Acute renal HARBARTH, S.; PESTOTNIK, S.L.; LLOYD, J.F.; BURKE, J.P.; SAMORE,
failure due to indinavir crystalluria and nephrolithiasis: report of two M.H. The epidemiology of nephrotoxicity associated with conventi-
cases. Am. J. Kidney Dis., 30:558-560, 1997. onal amphotericin B therapy. Am. J. Med., 111:528-534, 2001.
BHATT-MEHTA, V.; SCHUMACHER, R.E.; FAIX, R.G.; LEADY, M.; HEIN, R.; BRUNKHORST, R.; THON, W.F. et al. Symptomatic sulfadia-
BRENNER, T. Lack of vancomycin-associated nephrotoxicity in new- zine cristaluria in AIDS patients: a report of two cases. Clin. Nephrol.,
born infants: a case-control study. Pediatrics, 103:e48, 1999. 39:254-256, 1993.
CAMPOS, S.B.; SEGURO, A.C.; CESAR, K.R. e ROCHA, A.S. Effects of HOFFBARAND, B.I. Dapsone and renal papillary necrosis. Br. Med. J.,
acyclovir on renal function. Nephron, 62:74-79, 1992. 1:78, 1978.
CHATELAIN, E.; DEMINIERE, C.; LACUT, J.Y.; POTAUX, L. Severe renal HOUGHTON, D.C.; ENGLISH, J.; BENNETT, W.M. Chronic tubuloin-
failure and polyneuritis induced by foscarnet. Nephrol. Dial. Trans- terstitial nephritis and renal insufficiency associated with long-term
plant., 13:2368-2369, 1998. “subtherapeutic” gentamicin. J. Lab. Clin. Med., 112:694-703, 1988.
CHOW, A.W.; AZAR, R.M. Glycopeptides and nephrotoxicity. Intensive JAYAWEERA, D.T. Minimising the dosage-limiting toxicities of foscar-
Care Med., 20:523-529, 1994. net induction therapy. Drug. Saf., 16:258-266, 1997.
CHUGH, S.; BIRD, R.; ALEXANDER, E.A. Ritonavir and renal failure. JOHNSON, P.C.; WHEAT, L.J.; CLOUD, G.A.; GOLDMAN, M.;
N. Engl. J. Med., 336:138, 1997. LANCASTER, D.; BAMBERGER, D.M.; POWDERLY, W.G.; HAF-
COHEN, E.; DADASHEV, A.; DRUCKER, M.; SAMRA, Z.; RUBINSTEIN, NER, R.; KAUFFMAN, C.A.; DISMUKES, W.E. Safety and efficacy of
E.; GARTY, M. Once-daily versus twice-daily intravenous adminis- liposomal amphotericin B compared with conventional amphotericin
tration of vancomycin for infections in hospitalized patients. J. Anti- B for induction therapy of histoplasmosis in patients with AIDS. Ann.
microb. Chemother., 49:155-160, 2002. Intern. Med., 137:105-109, 2002.
CONWAY, S.P.; POND, M.N.; WATSON, A.; ETHERINGTON, C.; KOCH-WESER, J.; SIDEL, V.W.; FEDERMAN, E.B.; KANAREK, P.;
ROBEY, H.L.; GOLDMAN, M.H. Intravenous colistin sulphometha- FINER, D.C.; EATON, A.E. Adverse effects of sodium colistimethate.
te in acute respiratory exacerbations in adult patients with cystic Manifestations and specific reaction rates during 317 courses of the-
fibrosis. Thorax, 52:987-993, 1997. rapy. Ann. Intern. Med., 72:857-868, 1970.
COSTA, S.; NUCCI, M. Can we decrease amphotericin nephrotoxicity? MINGEOT-LECLERCQ, M.-P.; TULKENS, P.M. Aminoglycosides ne-
Curr. Opin. Crit. Care, 7:379-383, 2001. phrotoxicity. Antimicrob. Agents Chemother., 43:1003-1012, 1999.
De VRIESE, A.S.; ROBBRECHT, D.L.; VANHOLDER, R.C.; VOGELAERS, MARINELLA, M.A. Case report: reversible hiperkalemia associated with
D.P.; LAMEIRE, N.H. Rifampicin-associated acute renal failure: trimethoprim-sulfamethoxazole. Am. J. Med. Sci., 310:115-117, 1995.
pathophysiologic, immunologic, and clinical features. Am. J. Kidney MILLER, R.F.; DELANY, S. e SEMPLE, S.J.G. Acute renal failure after
Dis., 31:108-115, 1998. nebulised pentaminidine. Lancet, 1:1271-1272, 1989.
DERAY, G. Amphotericin B nephrotoxicity. J. Antimicrob. Chemother., 49 MONTEIRO, J.L.; de CASTRO, I. e SEGURO, A.C. Hypophosphatemia
Suppl 1:37-41, 2002. induced by acyclovir. Transplantation, 55:680-682, 1993.
484 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

MONTEIRO, J.L.; SEGURO, A.C. e ROCHA, A.S. Nefrotoxicidade agu- tration of vancomycin for infections in hospitalized patients. J. Anti-
da da anfotericina-B no cão. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo, 48:54- microb. Chemother., 49:155-160, 2002.
59, 1993. DERAY, G.; JACOBS, C. Radiocontrast nephrotoxicity. A review. Invest.
MORALES, J.M.; MUÑOZ, M.A.; ZATARAÍN, G.F. et al. Reversible acu- Radiol., 30:221-225, 1995.
te renal failure caused by the combined use of foscarnet and cyclos- DONADIO, C.; TRAMONTI, G.; GIORDANI, R. et al. Renal effects and
porin in organ transplanted patients. Nephrol. Dial. Transplant., 10:882- nephrotoxicity of contrast media in renal patients. Contrib. Nephrol.,
883, 1995. 101:241-250, 1993.
NAKAJIMA, T.; HISHIDA, A.; KATO, A. Mechanisms for protective HENTSCHEL, M.; GILDEIN, P.; BRANDIS, M.; ZIMMERHACKL, L.B.
effects of free radical scavengers on gentamicin-mediated nephropa- Endothelin (ET-1) is involved in the contrast media induced nephro-
thy in rats. Am. J. Physiol., 226:F425-F431, 1994. toxicity in children with congenital heart disease. Clin. Nephrol., 43
NUCCI, M.; LOUREIRO, M.; SILVEIRA, F.; CASALI, A.R.; BOUZAS, L.F.; (Suppl 1):S12-S15, 1995.
VELASCO, E.; SPECTOR, N.; PULCHERI, W. Comparison of the LARANJA, S.M.; AJZEN, H.; SCHOR, N. Nephrotoxicity of low-osmo-
toxicity of amphotericin B in 5% dextrose with that of amphotericin B lality contrast media. Ren. Fail., 19:307-314, 1997.
in fat emulsion in a randomized trial with cancer patients. Antimicrob. LISS, P.; NYGREN, A.; OLSSON, U.; ULFENDAHL, H.R.; ERIKSON, U.
Agents Chemother., 43:1445-1448, 1999. Effects of contrast media and mannitol on renal medullary blood flow
OLYAEI, A.J.; DEMATTOS, A.M.; BENNETT, W.M. Renal toxicity of and red cell aggregation in the rat kidney. Kidney Int., 49:1268-1275,
protease inhibitors. Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 9:473-476, 2000. 1996.
PAZMINO, P. Acute renal failure, skin rash, and eosinophilia associated MOON, S.S.; BÄCK, S.-E.; KURKUS, J.; NILSSON-EHLE, P. Hemodialysis
with aztreonam. Am. J. Nephrol., 8:68-70, 1988. for elimination of the nonionic contrast medium iohexol after angio-
PERAZELLA, M.A. Crystal-induced acute renal failure. Am. J. Med., graphy in patients with impaired renal function. Nephron, 70:430-437,
106:459-465, 1999. 1995.
PLOSKER, G.L.; NOBLE, S. Cidofovir: a review of its use in cytomegalo- MORAES, S.D.S.; BURDMANN, E.A.; LOBO, M.L. et al. Alterações da
virus retinitis in patients with AIDS. Drugs, 58:325-345, 1999. função renal após o uso de contraste iodado. Anais do VI Congresso
PRINS, J.M.; BULLER, H.R.; KUIJPER, E.J.; TANGE, R.A. e SPEELMAN, Latino-Americano de Nefrologia, 1985, p. 107.
P. Once versus thrice daily gentamicin in patients with serious infec- MUELLER, C.; BUERKLE, G.; BUETTNER, H.J.; PETERSEN, J.;
tions. Lancet, 341:335-339, 1993. PERRUCHOUD, A.P.; ERIKSSON, U.; MARSCH, S.; ROSKAMM, H.
PRINS, J.M.; WEVERLING, G.J.; VAN KETEL, R.J.; SPEELMAN, P. Prevention of contrast media-associated nephropathy: randomized
Circadian variations in serum levels and the renal toxicity of comparison of 2 hydration regimens in 1620 patients undergoing
aminoglycosides in patients. Clin. Pharmacol. Ther., 62:106-111, 1997. coronary angioplasty. Arch. Intern. Med., 162:329-336, 2002.
REILLY, R.F.; TRAY, K.; PERAZELLA, M.A. Indinavir nephropathy RUDNICK, M.R.; GOLDFARB, S.; WEXLER, L. et al. Nephrotoxicity of
revisited: a pattern of insidious renal failure with identifiable risk fac- ionic and nonionic contrast media in 1196 patients: a randomized tri-
tors. Am. J. Kidney Dis., 38:E23, 2001. al. Kidney Int., 47:254-261, 1995.
SAWAYA, B.P.; BRIGGS, J.P. e SCHNERMANN, J. Amphotericin B ne- SAFIRSTEIN, R.; ANDRADE, L.; VIEIRA, J.M. Acetylcysteine and
phrotoxicity: the adverse consequences of altered membrane proper- nephrotoxic effects of radiographic contrast agents — a new use for
ties. J. Am. Soc. Nephrol., 6:154-164, 1995. an old drug. N. Engl. J. Med., 343:210-212, 2000.
SEGURO, A.C.; MONTEIRO, J.L. e ROCHA, A.S. Efeito imediato da ad- SKETCH, M.H. JR; WHELTON, A.; SCHOLLMAYER, E.; KOCH, J.A.;
ministração de uma simples dose de gentamicina e cefalotina sobre a BERNINK, P.J.; WOLTERING, F.; BRINKER, J.; PROSTAGLANDIN
função renal. Rev. Hosp. Clin. Fac. Med. S. Paulo, 43:180-185, 1988. E1 STUDY GROUP. Prevention of contrast media-induced renal dys-
SHIH, D.; KORBET, S.M.; RYDEL, J.J. e SCHWARTZ, M.M. Renal vasculitis function with prostaglandin E1: a randomized, double-blind, place-
associated with ciprofloxacin. Am. J. Kidney Dis., 26:516-519, 1995. bo-controlled study. Am. J. Ther., 8:155-162, 2001.
VACHVANICHSANONG, P.; PATAMASUCON, P.; MALAGON, M.; SOLOMON, R. Contrast-medium-induced acute renal failure. Kidney Int.,
MOORE, E.S. Acute renal failure in a child associated with acyclovir. 53:230-242, 1998.
Pediatr. Nephrol., 9:346-347, 1995. SOLOMON, R.; WERNER, C.; MANN, D.; D’ELIA, J.; SILVA, P. Effects
van der SANDE, F.M. e HOORNTJE, S.J. Acute interstitial nephritis with of saline, mannitol, and furosemide on acute decreases in renal func-
septicemia and erythromycin. Nephron, 67:244, 1994. tion induced by radiocontrast agents. N. Engl. J. Med., 331:1416-1420,
YANO, Y.; MONTEIRO, J.L.; SEGURO, A.C. Effect of amphotericin B on 1994.
water and urea transport in the inner medullary collecting duct. J. Am. STERNER, G.; FRENNBY, B.; KURKUS, J.; NYMAN, U. Does post-
Soc. Nephrol., 5:68-74, 1994. angiographic hemodialysis reduce the risk of contrast-medium ne-
ZANETTA, G.; MAURICE-ESTEPA, L.; MOUSSON, C.; JUSTRABO, phropathy? Scand. J. Urol. Nephrol., 34:323-326, 2000.
E.; DAUDON, M.; RIFLE, G.; TANTER, Y. Foscarnet-induced TEPEL, M.; VAN DER GIET, M.; SCHWARZFELD, C.; LAUFER, U.;
crystalline glomerulonephritis with nephrotic syndrome and acu- LIERMANN, D.; ZIDEK, W. Prevention of radiographic-contrast-
te renal failure after kidney transplantation. Transplantation, 67:1376- agent-induced reductions in renal function by acetylcysteine. N. Engl.
1378, 1999. J. Med., 343:180-184, 2000.
WANG, A.; HOLCSLAW, T.; BASHORE, T.M. et al. Exacerbation of
radiocontrast nephrotoxicity by endothelin receptor antagonism. Kid-
Meio de Contraste Radiológico ney Int., 57:1675-1680, 2000.
AGMON, Y.; PELEG, H.; GREENFELD, Z.; ROSEN, S. e BREZIZ, M. Nitric WEINSTEIN, J.-M.; HEYMAN, S.; BREZIS, M. Potential deleterious effect
oxide and prostanoides protect the renal outer medulla from of furosemide in radiocontrast nephropathy. Nephron, 62:413-415,
radiocontrast toxicity in the rat. J. Clin. Invest., 94:1069-1075, 1994. 1992.
ANDRADE, L.; CAMPOS, S.B.; SEGURO, A.C. Hypercholesterolemia
aggravates radiocontrast nephrotoxicity: protective role of L-arginine. Antiinflamatórios Não-hormonais
Kidney Int., 53:1736-1742, 1998.
ARAKAWA, K.; SUZUKI, H.; NAITOH, M. et al. Role of adenosine in the ANÔNIMO. Renal impairment due to topical NSAIDS. Prescrire, Int.,
renal responses to contrast medium. Kidney Int., 49:1199-1206, 1996. 11:86, 2002.
BARRETT, B.J. Contrast nephrotoxicity. J. Am. Soc. Nephrol., 5:125-137, ADHIYAMAN, V.; ASGHAR, M.; OKE, A.; WHITE, A.D.; SHAH, I.U.
1994. Nephrotoxicity in the elderly due to co-prescription of angiotensin
COHEN, E.; DADASHEV, A.; DRUCKER, M.; SAMRA, Z.; RUBINSTEIN, converting enzyme inhibitors and nonsteroidal anti-inflammatory
E.; GARTY, M. Once-daily versus twice-daily intravenous adminis- drugs. J. R. Soc. Med., 94:512-514, 2001.
capítulo 24 485

AHMAD, S.R.; KORTEPETER, C.; BRINKER, A.; CHEN, M.; BEITZ, J. tions between rofecoxib and celecoxib, based on the World Health
Renal failure associated with the use of celecoxib and rofecoxib. Drug Organization/Uppsala Monitoring Centre safety database. Clin. Ther.,
Saf., 25:537-544, 2002. 23:1478-1491, 2001.
ATTA, M.G.; WHELTON, A. Acute renal papillary necrosis induced by
ibuprofen. Am. J. Ther., 4:55-60, 1997.
BENNETT, W.M.; HENRICH, W.L.; STOFF, J.S. The renal effects of Inibidores da Enzima de Conversão da Angiotensina
nonsteroidal anti-inflammatory drugs: summary and recommenda- ANGLADA PINTADO, J.C.; GALLEGO PUERTO, P.; ZAPATA LOPEZ,
tions. Am. J. Kidney Dis., 28(1 Suppl 1):S56-62, 1996. A.; CAYON BLANCO, M. Acute renal failure associated with irbe-
BERNSTEIN, J.; WERNER, A.L.; VERANI, R. Nonsteroidal anti-inflam- sartan Med. Clin. (Barc), 113:358-359, 1999.
matory drug fetal nephrotoxicity. Pediatr. Dev. Pathol.,1:153-156, 1998. BRIDOUX, F.; HAZZAN, M.; PALLOT, J.L. et al. Acute renal failure
DRUKKER, A.; GUIGNARD, J.P. Renal aspects of the term and preterm after the use of angiotensin-converting-enzyme inhibitors in pati-
infant: a selective update. Curr. Opin. Pediatr., 14:175-182, 2002. ents without renal artery stenosis. Nephrol. Dial. Transplant, 7:100-
DUBOSE, Jr. T.; MOLONY, D.A.; VERANI, R.; McDONALD, G.A. Ne- 104, 1992.
phrotoxicity of non-steroidal anti-inflammatory drugs. Lancet, 344:515- DESCOMBES, E.; FELLAY, G. End-stage renal failure after irbesartan
518, 1994. prescription in a diabetic patient with previously stable chronic renal
ENRIQUEZ, R.; SIRVENT, A.E.; ANTOLIN, A.; CABEZUELO, J.B.; GON-
insufficiency. Ren. Fail., 22:815-821, 2000.
ZALEZ, C.; REYES, A. Acute renal failure and flank pain after binge
DEVOY, M.A.B.; TOMSON, C.R.V.; EDMUNDS, M.E.; FEEHALLY e
drinking and non-steroidal anti-inflammatory drugs. Nephrol. Dial.
WALLS, J. Deterioration in renal function associated with angiotensin
Transplant., 12:2034-2035, 1997.
converting enzyme inhibitor therapy is not always reversible. J. Int.
GRIFFIN, M.R.; YARED, A.; RAY, W.A. Nonsteroidal antiinflammatory
Med., 232:493-498, 1992.
drugs and acute renal failure in elderly persons. Am. J. Epidemiol.,
DIONÍSIO, P.; VALENTI, M.; CARAMELLO, E. et al. Acute kidney failu-
151:488-496, 2000.
re and losartan: a recently observed event of antagonists of angiotensin
HARRIS, R.C. Jr. Cyclooxygenase-2 inhibition and renal physiology. Am.
II AT1 receptors. Minerva Urol. Nefrol., 52:123-125, 2000.
J. Cardiol., 89:10D-17D, 2002.
GARCIA, T.M.; da-COSTA, J.A.; COSTA, R.S.; FERRAZ, A.S. Acute tu-
HENAO, J.; HISAMUDDIN, I.; NZERUE, C. M.; VASANDANI, G.;
bular necrosis in kidney transplant patients treated with enalapril
HEWAN-LOWE, K. Celecoxib-induced acute interstitial nephritis.
Renal. Fail., 16:419-423, 1994.
Am. J. Kidney Dis., 39:1313-1317, 2002.
HRICIK, D.E. e DUNN, M.D. Angiotensin-converting enzyme inhibitor-
HENRICH, W.L.; AGODOA, L.E.; BARRETT, B. et al. Analgesics and the
induced renal failure: causes, consequences and diagnostic uses. J. Am.
kidney: summary and recommendations to the scientific advisory board
Soc. Nephrol., 1:845-858, 1990.
of the National Kidney Fundation from an ad hoc committee of the
LAMB, R.V.; WALTON, T. Acute renal failure after administration of
National Kidney Fundation. Am. J. Kidney Dis., 27:162-165, 1996.
losartan. W.V. Med. J., 92:241, 1996.
JOHNSON, G.R.; WEN, S.-F. Syndrome of flank pain and acute renal
LEE, H.Y.; KIM, C.H. Acute oliguric renal failure associated with angio-
failure after binge drinking and nonsteroidal anti-inflammatory drug
tensin II receptor antagonists. Am. J. Med., 111:162-163, 2001.
ingestion. J. Am. Soc. Nephrol., 5:1647-1652, 1995.
LEHMANN, K. e RITZ, E. Angiotensin-converting enzyme inhibitors may
KLEINKNECHT, D. Interstitial nephritis, the nephrotic syndrome, and
cause renal dysfunction in patients on long-term lithium treatment.
chronic renal failure secondary to nonsteroidal anti-inflammatory
Am. J. Kidney Dis., 25:82-87, 1995.
drugs. Sem. Nephrol., 15:228-235, 1995.
MANDAL, A.K.; MARKERT, R.J.; SAKLAYEN, M.G.; MANKUS, R.A. e
KRUMMEL, T.; DIMITROV, Y.; MOULIN, B.; HANNEDOUCHE, T. Drug
YOKOKAWA, K. Diuretics potentiate angiotensin converting enzy-
points: Acute renal failure induced by topical ketoprofen. B.M.J.,
me inhibitor-induced acute renal failure. Clin. Nephrol., 42:170-174,
320:93, 2000.
1994.
LANDAU, D.; SHELEF, I.; POLACHECK, H.; MARKS, K.; HOLCBERG,
NAKHOUL, F. e BETTER, O.S. Acute renal failure following massive
G. Perinatal vasoconstrictive renal insufficiency associated with ma-
mannitol infusion and enalapril treatment. Clin. Nephrol., 44:118-120,
ternal nimesulide use. Am. J. Perinatol., 16:441-444, 1999.
1995.
PALMER, B.F.; HENRICH, W.L. Clinical acute renal failure with
OSTERMANN, M.; GOLDSMITH, D.J.; DOYLE, T.; KINGSWOOD, J.C.;
nonsteroidal anti-inflammatory drugs. Sem. Nephrol., 15:214-227, 1995.
SHARPSTONE, P. Reversible acute renal failure induced by losartan
PERAZELLA, M.A.; TRAY, K. Selective cyclooxygenase-2 inhibitors: a
in a renal transplant recipient. Postgrad. Med. J., 73:105-107, 1997.
pattern of nephrotoxicity similar to traditional nonsteroidal anti-in-
RABB, H.; GUNASEKARAN, H.; GUNASEKARAN, S.; SABA, S.R. Acute
flammatory drugs. Am. J. Med., 111:64-67, 2001.
renal failure from multiple myeloma precipitated by ACE inhibitors.
PEREZ GUTTHANN, S.; GARCIA RODRIGUEZ, L.A.; RAIFORD, D.S.;
Am. J. Kidney Dis., 33:E5, 1999.
DUQUE OLIART, A., RIS ROMEU, J. Nonsteroidal anti-inflammatory
SCHEPKENS, H.; VANHOLDER, R.; BILLIOUW, J.M.; LAMEIRE, N.
drugs and the risk of hospitalization for acute renal failure. Arch. In-
Life-threatening hyperkalemia during combined therapy with
tern. Med., 156:2433-2439, 1996.
angiotensin-converting enzyme inhibitors and spironolactone: an
ROCHA, J.L.; FERNANDEZ-ALONSO, J. Acute tubulointerstitial
analysis of 25 cases. Am. J. Med., 110:438-441, 2001.
nephritis associated with the selective COX-2 enzyme inhibitor,
rofecoxib. Lancet, 357:1946-1947, 2001. van de VEN, P.J.; BEUTLER, J.J.; KAATEE, R.; BEEK, F.J.; MALI, W.P.;
SANDERS, L.R. Exercice-induced acute renal failure associated with ibu- KOOMANS, H.A. Angiotensin converting enzyme inhibitor-induced
profen, hydrochlorothiazide, and triamterene. J. Am. Soc. Nephrol., renal dysfunction in atherosclerotic renovascular disease. Kidney Int.,
5:2020-2023, 1995. 53:986-993, 1998.
STURMER, T.; ELSEVIERS, M.M.; de BROE, M.E. Nonsteroidal anti-in- WYNCKEL, A.; EBIKILI, B.; MELIN, J.P.; RANDOUX, C.; LAVAUD, S.;
flammatory drugs and the kidney. Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., CHANARD, J. Long-term follow-up of acute renal failure caused by
10:161-163, 2001. angiotensin converting enzyme inhibitors. Am. J. Hypertens., 11:1080-
WHELTON, A. Renal and related cardiovascular effects of conventional 1086, 1998.
and COX-2-specific NSAIDs and non-NSAID analgesics. Am. J. Ther.,
7:63-74, 2000. Agentes Imunossupressores e Imunomoduladores
WOYWODT, A.; SCHWARZ, A.; MENGEL, M.; HALLER, H.; ZEIDLER,
H.; KOHLER, L. Nephrotoxicity of selective COX-2 inhibitors. J. Rheu- ANDOH, T.F.; BURDMANN, E.A.; LINDSLEY, J.; HOUGHTON, D.C. e
matol., 28:2133-2135, 2001. BENNETT, W.M. Functional and structural characteristics of experi-
ZHAO, S.Z.; REYNOLDS, M.W.; LEJKOWITH, J.; WHELTON, A.; mental FK506 nephrotoxicity. Clinical and Experimental Pharmacology
ARELLANO, F.M. A comparison of renal-related adverse drug reac- and Physiology, 22:646-654, 1995.
486 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

ANDOH, T.F.; BURDMANN E.A.; BENNETT, W.M. Nephrotoxicity of Kidney Biopsy Registry of Cyclosporine in Autoimmune Diseases. N.
immunosuppressive drugs: experimental and clinical observations. Engl. J. Med., 326:1654-1660, 1992.
Semin. Nephrol., 17:34-45, 1997. GARDINER, D.S.; WATSON, M.A.; JUNOR, B.J.; BRIGGS, J.D.; MORE,
ASSIS, S.M.; MONTEIRO, J.L.; SEGURO, A.C. L-Arginine and allopurinol I.A. e LINDOP, G.B. The effect of conversion from cyclosporin to
protect against cyclosporine nephrotoxicity. Transplantation, 63:1070- azathioprine on renin-containing cells in renal allograft biopsies. Ne-
1073, 1997. phrol. Dial. Transplant, 6:363-367, 1991.
BARROS, E.J.; BOIM, M.A.; AJZEN, H.; RAMOS, O.L. e SCHOR, N. GHIGGERI, G.M.; ALTIERI, P.; OLEGGINI, R.; VALENTI, F.; GINEVRI,
Glomerular hemodynamics and hormonal participation on cyclospo- F. e PERFUMO, F.; GUSMANO, R. Cyclosporine enhances the
rine nephrotoxicity. Kidney Int., 32:19-25, 1987. synthesis of selected extracellular matrix proteins by renal cells “in
BENNETT, W.M. Therapeutic implications of arachidonic acid metabo- culture”. Different cell responses and phenotype characterization.
lism in transplant-associated acute renal failure. Ren. Fail., 14:261-265, Transplantation, 57:1382-1388, 1994.
1992. GRIEFF, M.; LOERTSCHER, R.; SHOHAIB, S.A. e STEWART, D.J.
BENNETT, W.M.; BURDMANN, E.A.; ANDOH, T.F.; HOUGHTON, Cyclosporine-induced elevation in circulating endothelin-1 in patients
D.C.; LINDSLEY, J. e ELZINGA, L.W. Nephrotoxicity of immunosu- with solid-organ transplants. Transplantation, 56:880-884, 1993.
ppressive drugs. Nephrol. Dial. Transplant, 9 (Suppl 4):141-145, 1994. HADAD, S.J.; SOUZA, E.R.; FERREIRA, A.T. et al. FK506: effects on glo-
BOBADILLA, N.A.; TAPIA, E.; FRANCO, M. et al. Role of nitric oxide in merular hemodynamics and on mesangial cells in culture. Kidney Int.,
renal hemodynamic abnormalities of cyclosporin nephrotoxicity. Kid- 48:56-64, 1995.
ney Int., 46:773-779, 1994. JANKAUSKIENE, A.; DRUSKIS, V.; LAURINAVICIUS, A. Cyclospori-
BONSER, R.S.; ADU, D.; FRANKLIN, I. e McMASTER, P. Cyclosporin- ne nephrotoxicity: associated allograft dysfunction at low through con-
induced haemolytic uraemic syndrome in liver allograft recipient centration. Clin. Nephrol., 56:S27-29, 2001.
[letter]. Lancet, 2:1337, 1984. JOHNSON, R.W.; KREIS, H.; OBERBAUER, R.; BRATTSTROM, C.;
BURDMANN, E.A.; ANDOH, T.F.; PRADO, E.A.B. et al. Renal, immu- CLAESSON, K.; ERIS, J. Sirolimus allows early cyclosporine withdra-
nosuppressive and pharmacokinetic effects of the substitution of wal in renal transplantation resulting in improved renal function and
intralipid (LIP) for cremophor (CRE) as vehicle for parenteral lower blood pressure. Transplantation, 72:777-786, 2001.
cyclosporine (CSA) administration. J. Am. Soc. Nephrol., 6:995, 1995. KAHAN, B.D. Potential therapeutic interventions to avoid or treat chro-
BURDMANN, E.A.; ANDOH, T.F.; LINDSLEY, J.; HOUGHTON, D.C. e nic allograft dysfunction. Transplantation, 71(11 Suppl):SS52-57, 2001.
BENNETT, W.M. Effects of oral magnesium supplementation on acute KREIS, H. New strategies to reduce nephrotoxicity. Transplantation, 72(12
experimental cyclosporin nephrotoxicity. Nephrol. Dial. Transplant, Suppl):S99-104, 2001.
9:16-21, 1994. LIMA, R.; SERONE, A.P.; SCHOR, N.; HIGA, E.M. Effect of cyclosporin
BURDMANN, E.A.; ANDOH, T.F.; NAST, C.C. et al. Prevention of expe- A on nitric oxide production in cultured LLC-PK1 cells. Ren. Fail.,
rimental cyclosporin-induced interstitial fibrosis by losartan and ena- 23:43-52, 2001.
lapril. Am. J. Physiol., 269:F491-F499, 1995. MIRANDA-GUARDIOLA, F.; FDEZ-LLAMA, P.; BADIA, J.R. et al. Acu-
BURDMANN, E.A.; ANDOH, T.F.; ROSEN, S. et al. Experimental nephro- te renal failure associated with alpha-interferon therapy for chronic
toxicity, hepatotoxicity and pharmacokinetics of cyclosporin G ver- hepatitis B. Nephrol. Dial. Transplant, 10:1441-1443, 1995.
sus cyclosporin A. Kidney Int., 45:684-691, 1994. MEMOLI, B.; de NICOLA, L.; LIBETTA, C. et al. Interleukin-2-induced
BURDMANN, E.A.; YOUNG, B.; ANDOH, T.F. et al. Mechanisms of renal dysfunction in cancer patients is reversed by low-dose dopamine
cyclosporine-induced interstitial fibrosis. Transplant. Proc., 26:2588- infusion. Am. J. Kidney Dis., 26:27-33, 1995.
2589, 1994. MYERS, B.D.; SIBLEY, R.; NEWTON, L. et al. The long-term course of cyclos-
CAMARA, N.O.; MATOS, A.C.; RODRIGUES, D.A.; PEREIRA, A.B.; porine-associated chronic nephropathy. Kidney Int., 33:590-600, 1988.
PACHECO-SILVA, A. Urinary retinol binding protein is a good NASSAR, G.M.; PEDRO, P.; REMMERS, R.E.; MOHANTY, L.B.; SMITH,
marker of progressive cyclosporine nephrotoxicity after heart trans- W. Reversible renal failure in a patient with the hypereosinophilia
plant. Transplant. Proc., 33:2129-2131, 2001. syndrome during therapy with alpha interferon. Am. J. Kidney Dis.,
CURTIS, J.J.; LUKE, R.G.; DUBOVSKY, E. e DIETHELM, A.G.; 31:121-126, 1998.
WHELCHEL J.D.; JONES, P. Cyclosporin in therapeutic doses NEUMAYER, H.H.; KUNZENDORF, U. e SCHREIBER, M. Protective
increases renal allograft vascular resistance. Lancet, 2:477-479, 1986. effects of calcium antagonists in human renal transplantation. Kidney
DAVID-NETO, E.; ARAUJO, L.M.; LEMOS, F.C.; DAVID, D.S.; Int., (Suppl 36):S87-S93, 1992.
MAZZUCCHI, E.; NAHAS, W.C.; ARAP, S.; IANHEZ, L.E. Introduc- OLYAEI, A.J.; DE MATTOS, A.M.; BENNETT, W.M. Nephrotoxicity of
tion of mycophenolate mofetil and cyclosporin reduction in children immunosuppressive drugs: new insight and preventive strategies.
with chronic transplant nephropathy. Pediatr. Transplant., 5:302-309, Curr. Opin. Crit. Care, 7:384-389, 2001.
2001. PERICO, N.; RUGGENENTI, P.; GASPARI, F. et al. Daily renal
de MATTOS, A.M.; OLYAEI, A.J.; BENNETT, W.M. Nephrotoxicity of hypoperfusion induced by cyclosporine in patients with renal trans-
immunosuppressive drugs: long-term consequences and challenges plantation. Transplantation, 54:56-60, 1992.
for the future. Am. J. Kidney Dis., 35:333-346, 2000. PESCOVITZ, M.D.; GOVANI, M. Sirolimus and mycophenolate mofetil
DIMITROV, Y.; HEIBEL, F.; MARCELLIN, L.; CHANTREL, F.; MOULIN, for calcineurin-free immunosuppression in renal transplant recipients.
B.; HANNEDOUCHE, T. Acute renal failure and nephrotic syndro- Am. J. Kidney. Dis., 38(4 Suppl 2):S16-21, 2001.
me with alpha interferon therapy. Nephrol. Dial. Transplant., 12:200- PLATZ, K.P.; MUELLER, A.R.; BLUMHARDT, G. et al. Nephrotoxicity
203, 1997. following orthotopic liver transplantation. A comparison between
ELZINGA, L.W.; ROSEN, S. e BENNETT, W.M. Dissociation of glome- cyclosporine and FK506. Transplantation, 58:170-178, 1994.
rular filtration rate from tubulointerstitial fibrosis in experimental PLOSKER, G.L.; FOSTER, R.H. Tacrolimus: a further update of its phar-
chronic cyclosporine nephropathy: role of sodium intake. J. Am. Soc. macology and therapeutic use in the management of organ transplan-
Nephrol., 4:214-221, 1993. tation. Drugs, 59:323-389, 2000.
FINN, W.F. FK506 nephrotoxicity. Ren. Fail., 21:319-329, 1999. ROSEN, S.; GREENFELD, Z. e BREZIS, M. Chronic cyclosporine-induced
FIORETTO, P.; STEFFES, M.W.; MIHATSCH, M.J.; STRM, E.H.; SUTHER- nephropathy in the rat. A medullary ray and inner stripe injury. Trans-
LAND, D.E.R. e MAUER, M. Cyclosporine associated lesions in native plantation, 49:445-452, 1990.
kidneys of diabetic pancreas transplant recipients. Kidney Int., 48:489- ROULLET, J.B.; XUE, H.; BURDMANN, E.A.; CHAPMAN, J.; McCARRON,
495, 1995. D.A. e BENNETT, W.M. Cardiovascular consequences of immunosu-
FEUTREN, G. e MIHATSCH, M.J. Risk factors for cyclosporine-induced ppressive drug treatment: a comparative study of cyclosporine A and
nephropathy in patients with autoimmune diseases. International cyclosporine G. Transplant Proc., 27:346-347, 1995.
capítulo 24 487

SCHNUELLE, P.; van der HEIDE, J.H.; TEGZESS, A. et al. Open rando- PERSONS, D.A.; GARST, J.; VOLLMER, R.; CRAWFORD, J. Tumor lysis
mized trial comparing early withdrawal of either cyclosporine or syndrome and acute renal failure after treatment of non-small-cell lung
mycophenolate mofetil in stable renal transplant recipients initially carcinoma with combination irinotecan and cisplatin. Am. J. Clin.
treated with a triple drug regimen. J. Am. Soc. Nephrol., 13:536-543, Oncol., 21:426-429, 1998.
2002. SAUER, M.; RYDHOLM, N.; PIATKOWSKI, J.; LEWIS, V.; STEINER, M.
SHEHATA, M.; COPE, G.H.; JOHNSON, T.S.; RAFTERY, A.T. e EL Nephrotoxicity due to intermediate-dose methotrexate without rescue
NAHAS, A.M. Cyclosporine enhances the expression of TGF-b in the in an obese adolescent with acute lymphoblastic leukemia. Pediatr.
juxtaglomerular cells of the rat kidney. Kidney Int., 48:1487-1496, 1995. Hematol. Oncol., 19:135-140, 2002.
SHIMIZU, T.; TANABE, K.; TOKUMOTO. T. et al. Clinical and histological SEGURO, A.S.; SHIMIZU, M.H.M.; KUDO, L.H. e ROCHA, A.S. Renal
analysis of acute tacrolimus (TAC) nephrotoxicity in renal allografts. concentration defect induced by cisplatin — the role of thick ascending
Clin. Transplant., 13 Suppl 1:48-53, 1999. limb and papillary collecting duct. Am. J. Nephrol., 9:59-65, 1989.
STEIN, D.F.; AHMED, A.; SUNKHARA, V.; KHALBUSS, W. Collapsing SHINOZAKI, T.; WATANABE, H.; TOMIDOKORO, R.; YAMAMOTO,
focal segmental glomerulosclerosis with recovery of renal function: K.; HORIUCHI, R.; TAKAGISHI, K. Successful rescue by oral
an uncommon complication of interferon therapy for hepatitis C. Dig. cholestyramine of a patient with methotrexate nephrotoxicity:
Dis. Sci., 46:530-535, 2001. nonrenal excretion of serum methotrexate. Med. Pediatr. Oncol., 34:226-
STILLMAN, I.E.; ANDOH, T.F.; BURDMANN, E.A.; BENNETT, W.M. e 228, 2000.
ROSEN, S. FK506 nephrotoxicity: morphologic and physiologic WIDEMANN, B.C.; HETHERINGTON, M.L.; MURPHY, R.F.; BALIS, F.M.;
characterization of a rat model. Lab. Invest., 73:794-803, 1995. ADAMSON, P.C. Carboxypeptidase-G2 rescue in a patient with high
VIEIRA, J.M. Jr.; NORONHA, I.L., MALHEIROS, D.M.; BURDMANN, dose methotrexate-induced nephrotoxicity. Cancer, 76:521-526, 1995.
E.A. Cyclosporine-induced interstitial fibrosis and arteriolar TGF-beta
expression with preserved renal blood flow. Transplantation, 68:1746-
1753, 1999. Peçonhas Animais
YOUNG, B.; BURDMANN, E.A.; JOHNSON, R.J. et al. Cellular AMARAL, C.F.; da SILVA, O.; GOODY, P. e MIRANDA, D. Renal corti-
proliferation and macrophage influx precede interstitial fibrosis in cal necrosis following Bothrops jararaca and B. jararacussu snake bite.
cyclosporine nephrotoxicity. Kidney Int., 48:439-448, 1995. Toxicon., 23:877-885, 1985.
YOUNG, B.; BURDMANN, E.A.; JOHNSON, R.J.; ANDOH, T. et al. AMARAL, C.F.; de REZENDE, N.A.; da SILVA, O.A. et al. Insuficiência
Cyclosporine A induced arteriolopathy in a rat model of chronic renal aguda secundária a acidentes ofídicos botrópico e crotálico.
cyclosporine nephropathy. Kidney Int., 48:431-438, 1995. Análise de 63 casos. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 28:220-227, 1986.
AROCHA-PIÑANGO, C.L.; de BOSCH, N.B.; TORRES, A. et al. Six new
Agentes Anticancerígenos cases of a caterpillar-induced bleeding disorder. Thromb. Haemost.,
67:402-407, 1992.
AGRAHARKAR, M.; NERENSTONE, S.; PALMISANO, J.; KAPLAN, AZEVEDO-MARQUES, M.M.; CUPO, P.; COIMBRA, T.M.; HERING,
A.A. Carboplatin-related hematuria and acute renal failure. Am. J. S.E.; ROSSI, M.A. e LAURE, C.J. Myonecrosis, myoglobinuria and
Kidney Dis., 32:E5, 1998. acute renal failure induced by South American rattlesnake (Crotalus
BERNS, J.S.; FORD, PA. Renal toxicities of antineoplastic drugs and bone durissus terrificus) envenomation in Brazil. Toxicon, 23:631-636, 1985.
marrow transplantation. Semin. Nephrol., 17:54-66, 1997. AZEVEDO-MARQUES, M.M.; HERING, S.E. e CUPO, P. Evidence that
BRILLET, G.; DERAY, G.; JACQUIAUD, C. et al. Long-term renal effect Crotalus durissus terrificus (South American rattlesnake) envenoma-
of cisplatin in man. Am. J. Nephrol., 14:81-84, 1994. tion in humans causes myolysis rather than hemolysis. Toxicon,
ERDLENBRUCH, B.; NIER, M.; KERN, W.; HIDDEMANN, W.; PEKRUN, 25:1163-1168, 1987.
A.; LAKOMEK, M. Pharmacokinetics of cisplatin and relation to ne- BOER-LIMA, P.A.; GONTIJO, J.A.; da CRUZ-HOFLING, M.A. Histolo-
phrotoxicity in paediatric patients. Eur. J. Clin. Pharmacol., 57:393-402, gic and functional renal alterations caused by Bothrops moojeni snake
2001. venom in rats. Am. J. Trop. Med. Hyg., 61:698-706, 1999.
GREIL, J.; WYSS, P.A.; LUDWIG, K. et al. Continuous plasma resin BUCARETCHI, F.; HERRERA, S.R.; HYSLOP, S.; BARACAT, E.C.; VIEI-
perfusion for detoxification of methotrexate. Eur. J. Pediatr., 156:533- RA, R.J. Snakebites by Bothrops spp in children in Campinas, São
536, 1997. Paulo, Brazil. Rev. Inst. Med. Trop. São Paulo, 43:329-333, 2001.
KAWABATA, K.; MAKINO, H.; NAGAKE, Y. et al. A case of methotre- BURDMANN, E.A.; BARCELLOS, M.A.; CARDOSO, J.L. et al. Acute
xate-induced acute renal failure successfully treated with plasma interstitial nephritis after snake bite. Renal Fail., 11:51-52, 1989.
perfusion and sequential hemodialysis. Nephron, 71:233-234, 1995. BURDMANN, E.A.; ANTUNES, I.; SALDANHA, L.B. e ABDULKA-DER,
KEPKA, L.; DE LASSENCE, A.; RIBRAG, V. et al. Successful rescue in a R.C.R.M. Severe acute renal failure induced by the venom of Lono-
patient with high dose methotrexate-induced nephrotoxicity and acute mia caterpillars. Clin. Nephrol., 46:337-339, 1996.
renal failure. Leuk. Lymphoma, 29:205-209, 1998. BURDMANN, E.A.; CAIS, A.; VIDAL, E.C. IRA nefrotóxica: animais
KINTZEL, P.E. Anticancer drug-induced kidney disorders. Drug Saf., peçonhentos. In Schor, N.; Boim, M.A.; dos Santos, O.F.P. (eds) Insu-
24:19-38, 2001. ficiência Renal Aguda – Fisiopatologia, Clínica e Tratamento. São Paulo,
KOPECNA, L. Late effects of anticancer therapy on kidney function in Sarvier, 1997, pp. 135-141.
children with acute lymphoblastic leukemia. Bratisl. Lek. Listy, 102:357- BURDMANN, E.A.; WORONIK, V.; PRADO, E.B. et al. Snakebite-induced
360, 2001. acute renal failure: an experimental model. Am. J. Trop. Med. Hyg.,
KREMER, J.M.; PETRILLO, G.F. e HAMILTON, R.A. Pharmacokinetics 48:82-88, 1993.
and renal function in patients with rheumatoid arthritis receiving a CASTRO, I.; BURDMANN, E.A.; YU, L. Bothrops antivenom prevented
standard dose of oral weekly methotrexate: association with signifi- snake venom tubular toxicity but not the venom-induced protection
cant decreases in creatinine clearance and renal clearance of the drug against hypoxia/reoxygenation injury. J. Am. Soc. Nephrol., 10:644A-
after 6 months of therapy. J. Rheumatol., 22:38-48, 1995. 645A, 1999.
LAJER, H.; DAUGAARD, G. Cisplatin and hypomagnesemia. Cancer CASTRO, I.; BURDMANN, E.A.; YU, L. Bothrops snake venom causes
Treat. Rev., 25:47-58, 1999. direct tubular nephrotoxicity. Renal Fail., 21:571-572, 1999.
NARINS, R.G.; CARLEY, M.; BLOOM, E.J. e HARRISON, D.S. The nephro- CHUGH, K.S. Snake-bite-induced acute renal failure in India. Kidney Int.,
toxicity of chemotherapeutic agents. Sem. Nephrol., 10:556-564, 1990. 35:891-907, 1989.
OYMAK, O. Contrast media induced irreversible acute renal failure in a DATE, A.; PULIMOOD, R.; JACOB, C.K.; KIRUBAKARAN, M.G. e
patient treated with intraperitoneal cisplatin. Clin. Nephrol., 44:135-136, SHASTRY, J.C. Haemolytic-uraemic syndrome complicating snake
1995. bite. Nephron, 42:89-90, 1986.
488 Nefropatia Tóxica e Tubulointersticial

DOS REIS, M.A.; COSTA, R.S.; COIMBRA, T.M.; TEIXEIRA, V.P. Acute CAMERON, J.S. Immunologically mediated interstitial nephritis: primary
renal failure in experimental envenomation with Africanized bee ve- and secondary. Adv. Nephrol., 18:207-248, 1989.
nom. Ren. Fail., 20:39-51, 1998. CAMERON, J.S. Tubular and interstitial factors in the progression of
DUARTE, A.C.; CAOVILLA, J.; LORINI, I. et al. Insuficiência renal agu- glomerulonephritis. Pediatr. Nephrol., 6:292-303, 1992.
da por acidentes com lagartas. J. Bras. Nefrol., 12:184-187, 1990. DHARMARAJAN, T.S.; YOO, J.; RUSSELL, R.O.; BOATENG, Y.A. Acu-
FRANÇA, F.O.S.; BENVENUTI, L.A.; FAN, H.W. et al. Severe and fatal te post streptococcal interstitial nephritis in an adult and review of the
mass attacks by “killer” bees (Africanized honey bees-Apis mellifera literature. Int. Urol. Nephrol., 31:145-148, 1999.
scutellata) in Brazil: clinicopathological studies with measurement of EDDY, A.A. Experimental insights into the tubulointerstitial disease
serum venom concentrations. Q. J. Med., 87:269-282, 1994. accompanying primary glomerular lesions. J. Am. Soc. Nephrol., 5:1273-
GRISOTTO, L.S.; MENDES, G.E.; CASTRO, I.; YU, L.; BURDMANN, E.A. 1287, 1994.
Mechanisms of bee venom-induced acute renal failure. J. Am. Soc. EKNOYAN, G.; McDONALD, M.A.; APPEL, D. e TRUONG, L.D. Chro-
Nephrol., 11:129A, 2000. nic tubulointerstitial nephritis: correlation between structural and
JORGE, M.T. e RIBEIRO, L.A. Epidemiologia e quadro clínico do aciden- functional findings. Kidney Int., 38:736-743, 1990.
te por cascavel sul-americana (Crotalus durissus). Rev. Inst. Med. Trop. ELSEVIERS, M.M. e de BROE, M.E. Diagnostic criteria of analgesic nephro-
São Paulo, 34:347-354, 1992. pathy in patients with end-stage renal failure. Renal Fail., 15:435-437, 1993.
NISHIOKA, S.A. e SILVEIRA, P.V.P. A clinical and epidemiological stu- FISHER, A.A.; Le COUTEUR, DG. Nephrotoxicity and hepatotoxicity of
dy of 292 cases of lance-headed viper bite in a Brazilian teaching hos- histamine H2 receptor antagonists. Drug Saf., 24:39-57, 2001.
pital. Am. J. Trop. Med. Hyg., 47:805-810, 1992. HAAS, M.; SPARGO, B.H.; WIT, E.J.; MEEHAN, S.M. Etiologies and
PINHO, F.M.O.; BURDMANN, E.A. Crotalus snake venom-induced acute outcome of acute renal insufficiency in older adults: a renal biopsy
renal failure (ARF): clinical picture and risk factors — a prospective study of 259 cases. Am. J. Kidney Dis., 35:433-447, 2000.
study. J. Am. Soc. Nephrol., 10:149A, 1999. HARRIS, D.C. Tubulointerstitial renal disease. Curr. Opin. Nephrol.
PINHO, F.M.; BURDMANN, E.A. Fatal cerebral hemorrhage and acute Hypertens., 10:303-313, 2001.
renal failure after young Bothrops jararacussu snake bite. Ren. Fail., HRUSKA, K.A. Treatment of chronic tubulointerstitial disease: A new
23:269-277, 2001. concept. Kidney Int., 61:1911-1922, 2002.
PINHO, F.M.; VIDAL, E.C.; BURDMANN, E.A. Insuficiência renal agu- JÄRUP, L.; PERSSON, B.; EDLING, C. e ELINDER, C.G. Renal function
da após acidente crotálico. J. Bras. Nefrol., 22:162-168, 2000. impairment in workers previously exposed to cadmium. Nephron,
RIBEIRO, L.A.; ALBUQUERQUE, M.J.; de CAMPOS, V.A.; KATZ, G.; 64:75-81, 1993.
TAKAOKA, N.Y.; LEBRAO, M.L.; JORGE, M.T. [Deaths caused by JOSEPHSON, M.A.; CHIU, M.Y.; WOODLE, E.S.; THISTLETHWAITE,
venomous snakes in the State of São Paulo: evaluation of 43 cases from J.R.; HAAS, M. Drug-induced acute interstitial nephritis in renal
1988 to 1993.] Rev. Assoc. Med. Bras., 44:312-318, 1998. allografts: histopathologic features and clinical course in six patients.
REZENDE, N.A.; AMARAL, C.F.; BAMBIRRA, E.A.; LACHATT, J.J. e CO- Am. J. Kidney Dis., 34:540-548, 1999.
IMBRA, T. Functional and histopathological renal changes induced in rats KELLY, C.J. T cell regulation of autoimmune interstitial nephritis. J. Am.
by Bothrops jararaca venom. Braz. J. Med. Biol. Res., 22:407-416, 1989. Soc. Nephrol., 1:140-149, 1990.
SEZERINO, U.M.; ZANNIN, M.; COELHO, L.K. et al. A clinical and KELLY, C.J. e NEILSON, E.G. Tubulointerstitial diseases. In Brenner, B.M.
epidemiological study of Loxosceles spider envenoming in Santa (ed) The Kidney, 5th edition. Philadelphia, W.B. Saunders, 1996, vol.
Catarina, Brazil. Trans. R. Soc. Trop. Med. Hyg., 92:546-548, 1998. II, pp. 1655-1679.
SILVEIRA, P.V.P. e NISHIOKA, S.A. South American rattlesnake bite in KELLY, C.J.; ROTH, D.A. e MEYERS, C.M. Immune recognition and res-
a Brazilian teaching hospital. Clinical and epidemiological study of ponse to renal interstitium. Kidney Int., 39:518-530, 1991.
87 cases, with analysis of factors predictive of renal failure. Trans. Royal KOSELJ, M.; KVEDER, R.; BREN, A.F.; ROTT, T. Acute renal failure in
Soc. Trop. Med. Hyg., 86:562-564, 1992. patients with drug-induced acute interstitial nephritis. Renal Fail.,
TAYLOR, E.H. e DENNY, W.F. Hemolysis, renal failure and death pre- 15:69-72, 1993.
sumed secondary to bite of brown recluse spider. South Afr. Med. J., KUNCIO, G.S.; NEILSON, E.G. e HAVERTY, T. Mechanisms of tubulo-
59:1209-1211, 1966. interstitial fibrosis. Kidney Int., 39:550-556, 1991.
VIDAL, E.C.; BURDMANN, E.A. Insuficiência renal aguda causada por MEEUS, F.; ROSSERT, J. e DRUET, P. Cellular immunity in interstitial
venenos animais. Ars Curandis, 30:9-19, 1997. nephropathy. Renal Fail., 15:325-329, 1993.
VIDAL, E.C.; YU, L.; CASTRO, I.; ORI, M.; MALHEIROS, D.M.; MICHEL, D.M.; KELLY, C.J. Acute interstitial nephritis. J. Am. Soc. Ne-
BURDMANN, E.A. Snake venom-induced nephrotoxicity — in vivo phrol., 9:506-515, 1998.
and in vitro studies. J. Am. Soc. Nephrol., 8:131A, 1997. MICHIELSEN, P.; de SCHEPPER, P. Trends of analgesic nephropathy in
WILLIANS, S.T.; KHARE, V.K.; JOHNSTON, G.A. e BLACKALL, D.P. two high-endemic regions with different legislation. J. Am. Soc. Ne-
Severe intravascular hemolysis associated with brown recluse spider phrol., 12:550-556, 2001.
envenomation. Am. J. Clin. Pathol., 104:463-467, 1995. NATH, K.A. Tubulointerstitial damage as a major determinant in the
ZUGAIB, M.; de BARROS, A.C.; BITTAR, R.E.; BURDMANN, E.A. e progression of renal damage. Am. J. Kidney Dis., 20:1-17, 1992.
NEME, B. Abruptio placentae following snake bite. Am. J. Obstet. NEILSON, E.G. Pathogenesis and therapy of interstitial nephritis. Kidney
Gynecol., 151:754-755, 1985. Int., 35:1257-1270, 1989.
ONG, A.C.M.; FINE, L.G. Tubular-derived growth factors and cytokine
Nefropatia Tubulointersticial in the pathogenesis of tubulointerstitial fibrosis: implications in hu-
man renal disease progression. Am. J. Kidney Dis., 23:205-208, 1994.
BORDER, W.A.; NOBLE, N.A.; YAMAMOTO, T. et al. Natural inhibitor OSUKA, M.D.; LOVITA, L. e CRYSTAL, J.T. Clinical manifestations and
of transforming grow factor-␤ protects against scarring in experimen- management of acute lithium intoxication. Am. J. Med., 97:383-389, 1994.
tal kidney disease. Nature, 360:361-364, 1992. POWARS, D.R.; ELLIOTT-MILLS, D.D.; CHAN, L. et al. Chronic renal
BOTON, R.; GAVIRIA, M. e BATLLE, D.C. Prevalence, pathogenesis and failure in sickle cell disease: risk factors, clinical course and mortali-
treatment of renal dysfunction associated with chronic lithium thera- ty. Annals Inter. Med., 115:614-620, 1991.
py. Am. J. Kidney Dis., 10:329-345, 1990. PORTER, G.A. Uric acid nephropathy. In Bennett, W.M. (ed) Drugs and
BUTKOWSKI, R.J.; KLEPPEL, M.M.; KATZ, A.; MICHAEL, A.F.; FISH, Renal Disease. New York, Churchill-Livingstone, 1986, p. 142.
A.J. Distribution of tubulointerstitial nephritis antigen and evidence ROSSERT, J. Drug-induced acute interstitial nephritis. Kidney Int., 60:804-
for multiple forms. Kidney Int., 40:838-846, 1991. 817, 2001.
CAMERON, J.S. Allergic interstitial nephritis: clinical features and pa- SANDLER, D.P.; SMITH, J.C.; WEINBERG, C.R. et al. Analgesic use and
thogenesis. Q. J. Med., 66:97-115, 1988. chronic renal disease. N. Engl. J. Med., 320:1238-1243, 1989.
capítulo 24 489

SCHWARZ, A.; KRAUSE, P.H.; KUNZENDORF, U.; KELLER, F.; Chapter 11 — Renal Injury Due to Environmental
DISTLER, A. The outcome of acute interstitial nephritis: risk factors Toxins, Drugs, and Contrast Agents. Marc E. De Broe
for the transition from acute to chronic interstitial nephritis. Clin.
Nephrol., 54:179-190, 2000. http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1-11.pdf
VANHERWEGHEM, J.-L.; ABRAMOWICZ, D.; TIELEMANS, C. e Chapter 15 — Pathophysiology of Nephrotoxic Acute
DEPIERREUX, M. Effects of steroids on the progression of renal fai- Renal Failure. Rick G. Schnellmann & Katrina J. Kelly
lure in chronic interstitial renal fibrosis: a pilot study in chinese herbs http://www.kidneyatlas.org/book1/adk1-15.pdf
nephropathy. Am. J. Kidney Dis., 27:209-215, 1996.
WEDEEN, R.P. Environmental renal disease: lead, cadmium, and Balkan
endemic nephropathy. Kidney Int., 34 (Suppl):4-8, 1991. Doença Túbulo-intersticial
WILSON, C.B. Nephritogenic tubulointerstitial antigens. Kidney Int.,
39:501-517, 1991.
AJKD Atlas of Renal Pathology:
WOLF, G. e NEILSON, E.G. Molecular mechanisms of tubulointerstitial Nefrite intersticial aguda
hypertrophy and hyperplasia. Kidney Int., 39:401-420, 1991. http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/34/4/
ZEISBERG, M.; STRUTZ, F.; MULLER, G.A. Renal fibrosis: an update. atlas34-4.htm
Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 10:315-320, 2001.
Oxalose
http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/36/5/
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET atlas36-5.htm
Nefrotoxicidade Nefropatia da anemia falciforme
http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/37/5/
AJKD Atlas of Renal Pathology: atlas37-5.htm
Nefrotoxicidade do indinavir Sarcoidose http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/
http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/36/4/ atlas/37/2/atlas37-2.htm
atlas36-4.htm
Nefrotoxicidade da ciclosporina Gota
http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/36/1/
atlas36-1.htm http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/36/6/
The Schrier Atlas of Diseases of the Kidney atlas36-6.htm
Volume 1
SECTION II: ACUTE RENAL FAILURE Mieloma
http://cnserver0.nkf.med.ualberta.ca/cn/Schrier/ http://www.us.elsevierhealth.com/ajkd/atlas/32/4/
Default6.htm atlas32-4.htm
Capítulo
Infecção do Trato Urinário

25 Reinaldo Martinelli e Heonir Rocha

ASPECTOS GERAIS COMPLICAÇÕES DAS INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO


BACTERIÚRIA SIGNIFICANTE: PROBLEMAS DE Complicações imediatas
NOMENCLATURA EM INFECÇÃO DO TRATO URINÁRIO Complicações supurativas
DIAGNÓSTICO Necrose de papilas renais
Manifestações clínicas Bacteremia
Exames complementares Complicações tardias
Estudos de imagem do aparelho urinário; outros Atrofia do parênquima renal e insuficiência renal crônica
procedimentos diagnósticos Hipertensão arterial
Testes de localização da infecção urinária Litíase urinária
PATOGÊNESE Complicações na gravidez
Agentes etiológicos das ITU Aumento da mortalidade
Fatores de virulência TRATAMENTO DAS INFECÇÕES DO TRATO URINÁRIO
Vias de infecção Padrões de resposta ao tratamento
Mecanismos de defesa do trato urinário e conseqüências Esquemas terapêuticos propostos
da infecção renal Dose única versus dose convencional
MECANISMOS DE AGRESSÃO RENAL Quimioprofilaxia prolongada
SITUAÇÕES CLÍNICAS ESPECIAIS Situações terapêuticas especiais
Infecções recorrentes do trato urinário Dificuldades para erradicação da bacteriúria
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

tância deste tipo de infecção e justificam a merecida aten-


ASPECTOS GERAIS ção que têm recebido:

Diz-se que existe infecção do trato urinário (ITU) quan- 1) cerca de 5% de pacientes ambulatoriais vistos em hos-
do, além de colonização, microrganismos ali sediados se pital geral apresentam infecção do trato urinário;
multiplicam produzindo ou não manifestações clínicas. 2) as infecções do trato urinário, atualmente, representam
Este conceito engloba não apenas o resultado imediato de o tipo mais comum de infecção hospitalar;
uma infecção, mas também as suas conseqüências, não 3) aproximadamente 30% a 40% das bacteremias por ba-
estando incluídas sob esta designação as infecções sexual- cilos Gram-negativos se originam de infecções do trato
mente transmissíveis que afetam a uretra e a próstata, as- urinário;
sim como a tuberculose do aparelho urinário. 4) infecção do trato urinário pode acelerar a destruição do
As infecções do trato urinário são de elevada prevalên- rim no curso de nefropatia obstrutiva, constituindo-se
cia na prática médica. Alguns fatos demonstram a impor- numa causa significante de estadio final de doença renal;
capítulo 25 491

5) cerca de 20% dos tratamentos com antibacterianos num que justificam um número menor, na vigência da infec-
hospital geral são direcionados ao problema de infec- ção:
ção urinária;
1) uso de antibacterianos no período da urocultura, ou até
6) as infecções do trato urinário são mais comuns na mu-
3 a 4 dias antes da urocultura;
lher grávida e podem causar aumento de abortamento,
2) presença de bactérias com menor poder de replicação
prematuridade e baixo peso;
(Gram-positivos, por exemplo);
7) infecção do trato urinário é causa inconteste de litogê- 3) hiperidratação do doente e colheita de amostra de uri-
nese do trato urinário, com suas conseqüências. De ou- na pouco tempo depois de uma micção (menos de uma
tra parte, urolitíase é fator predisponente de grande
hora da última amostra);
importância para as infecções urinárias;
4) contaminação da urina com detergente utilizado na lim-
8) a associação de pielonefrite à necrose da papila renal no
peza da vagina e região periuretral.
diabético é fato conhecido de há muitos anos. Nestes ca-
sos, existe agravamento do processo e a letalidade é sig- Em situações de uretrite bacteriana inespecífica, uma
nificante; condição diagnosticada mais comumente na mulher (cor-
9) em idosos, tem-se sugerido um aumento de mortalida- respondendo a casos da chamada “síndrome uretral”), o
de em grupo bacteriúrico, quando comparado a outro número de bactérias na urina se situa geralmente entre 102
não-bacteriúrico, não se sabendo ainda como correlaci- e 104 por ml. Estes doentes curam com o tratamento anti-
onar estes achados. bacteriano adequado, dirigido para estas bactérias, geral-
mente enterobactérias. Fala-se, freqüentemente, em infec-
Todos estes dados, já documentados na literatura, atestam
ção do trato urinário sintomática ou assintomática, na depen-
a importância nosológica deste tipo de infecção, que deve ser
dência da existência de sintomas e sinais clínicos acompa-
bem conhecida pelo médico em geral, pela sua alta prevalên- nhando o diagnóstico bacteriológico; aguda ou recorrente,
cia, e pela morbidade e mortalidade que pode trazer. quando se está diante de um caso sintomático inicial (agu-
A epidemiologia das infecções urinárias é bem conhe-
da) ou de outro com surtos repetidos (mais de três surtos
cida: ocorre em, aproximadamente, 1% dos recém-nasci-
no intervalo de um ano) e inequivocamente diagnostica-
dos, sendo mais freqüente, nessa fase, no sexo masculino
do de infecção (recorrente); infecção alta, quando os rins
que no feminino. Após essa fase a infecção urinária é mais
estão envolvidos (pielonefrite), e infecção baixa, quando ela
freqüente no sexo feminino, aumentando a incidência a
se atém à bexiga; infecção complicada, quando existe fator
cada década, com acentuações ao início da atividade sexual obstrutivo (orgânico ou funcional) no trato urinário, e não
e durante a gestação, até alcançar 10% a 15% aos 60-70 anos complicada, quando o trato urinário se apresenta normal à
de idade. Também a bacteriúria assintomática é mais fre-
avaliação clínica rotineira. É importante que se tenha em
qüente no sexo feminino, embora após os 60-65 anos haja
mente não apenas o significado destes termos, mas, e so-
aumento da prevalência no sexo masculino. Aliás, infec-
bretudo, a interação que existe entre eles, o que às vezes
ção urinária e bacteriúria assintomática são infreqüentes
no sexo masculino, na ausência de fatores obstrutivos ou
de instrumentações do trato urinário.
AGUDA
RECORRENTE

BACTERIÚRIA SIGNIFICANTE:
PROBLEMAS DE SINTOMÁTICA
ASSINTOMÁTICA COMPLICADA
NÃO COMPLICADA
NOMENCLATURA EM INFECÇÃO
DO TRATO URINÁRIO
Já é clássico aceitar-se 105 microrganismos/ml de uri-
na como indicativo de infecção do trato urinário. De fato, INFECÇÃO
DO TRATO
a existência deste número de bactérias, quando a urina URINÁRIO
não foi contaminada na sua colheita, indica multiplicação
bacteriana ao nível do trato urinário. Fala-se, neste caso,
de existência de bacteriúria significante. A adoção inflexí-
vel de um limite rígido no número de bactérias na urina
ALTA
para indicar a ausência ou não de infecção é aspecto ques- BAIXA
tionável, que deve ser interpretado levando em conta uma
série de possíveis variáveis em cada caso. Existem situa- Fig. 25.1 Interação das diversas formas clínicas de infecção do
ções que diminuem o número de bactérias na urina ou trato urinário.
492 Infecção do Trato Urinário

dificulta a caracterização mais definitiva do tipo de infec- a criança exibe sinais como dor abdominal, aumento da
ção apresentada pelo doente. A Fig. 25.1 mostra a comple- freqüência de micções porém com pequeno volume uriná-
xa interação destas diversas formas de infecção do trato rio (polaciúria) e mal-estar ao urinar, ou disúria. Nesta fase,
urinário. as infecções urinárias são bem mais freqüentes em meni-
nas. As infecções baixas do trato urinário revelam, freqüen-
temente, disúria, aumento da freqüência de micções, dor
Pontos-chave: ou mal-estar suprapúbico, urgência miccional; às vezes,
• ITU é uma das infecções mais comuns na ocorre dor forte e aguda no final da micção. A urina do
prática, ocorrendo mais freqüentemente no doente se mostra habitualmente turva, às vezes com fila-
sexo feminino que no masculino mentos, e pode ocorrer hematúria terminal. Sem razão cla-
ra, poucos doentes (geralmente do sexo feminino) eviden-
• ITU está associada a elevada morbidade e
ciam hematúria franca transitória, habitualmente com sin-
mortalidade em gestantes, pacientes com tomas e sinais sugestivos de infecção urinária baixa. Nos
processos obstrutivos do trato urinário, casos de infecção aguda do trato urinário alto, o doente
crianças e em idosos manifesta dor lombar uni- ou bilateral (sensação de peso,
• ITU não complicada, embora associada a dor à pressão ou à movimentação, às vezes dor à inspira-
considerável morbidade, na maioria das ção profunda), acompanhada geralmente de febre eleva-
vezes não causa lesão renal da (até 39-40°C) com calafrios. Esta dor é exacerbada à
punho-percussão da região lombar (sinal de Giordano).
Vale assinalar que em pacientes idosos, às vezes, mes-
mo frente a infecções agudas graves, inexistem febre e dor
DIAGNÓSTICO lombar; por outro lado, a freqüência de bacteriúria assin-
tomática neste grupo etário é relativamente elevada. Tam-
O diagnóstico de infecção do trato urinário exige a con-
bém, vale assinalar que muitos doentes com infecção alta
jugação de dados clínicos e laboratoriais. Existem formas
do trato urinário têm, concomitante ou precedente ao sur-
clínicas oligossintomáticas ou assintomáticas que só terão
to, manifestações de disúria, aumento da freqüência das
o diagnóstico se suspeitadas clinicamente em função da
micções, dor ou sensação de peso suprapúbico; outros,
existência de uma associação entre o que o doente apresen-
entretanto, nada evidenciam referente ao trato urinário
ta e uma alta prevalência de ITU. Em recém-nascidos e cri-
baixo.
anças até 2-3 anos de idade, as manifestações clínicas atri-
Em doentes hospitalizados, com outras doenças graves
buíveis ao episódio de infecção do trato urinário pouco ou
associadas, alguns deles cateterizados, pode ocorrer séria
nada têm a ver com o aparelho urinário. Além disso, sin-
infecção do trato urinário e o diagnóstico não ser feito. É
tomatologia que sugere infecção urinária pode ocorrer na
que os sintomas e sinais podem estar camuflados pela
dependência de inúmeros outros fatores, principalmente
importância da doença básica, e, nestes casos, mesmo com
na mulher, tais como colpites, vaginites, uretrites, herpes
múltiplos abscessos de rins, eles não demonstram febre
símplex vaginal, entre outros. Em contrapartida, pode ha-
elevada e, muitas vezes, não têm condições de se queixar.
ver infecção urinária sem piúria associada, particularmente
A suspeita deve ser feita através de valorização da protei-
em crianças. O mais comum, entretanto, é o encontro de
núria (não-nefrótica), piúria e hematúria microscópica não
piúria (mais freqüente em mulheres) sem infecção do tra-
explicadas pela doença básica do paciente.
to urinário. Isto indica que devemos avaliar criteriosamente
sintomas e sinais apresentados pelos doentes e ter o resul-
tado de uma urocultura quantitativa, para firmarmos o Pontos-chave:
diagnóstico definitivo de infecção do trato urinário.
• Na maioria das vezes a ITU se manifesta
por disúria, aumento da freqüência das
Manifestações Clínicas micções, dor ou mal-estar suprapúbico,
É importante destacar que no recém-nascido e na crian-
urgência miccional, sem febre
ça no primeiro ano de vida, estas infecções se manifestam • Ainda que, muitas vezes, as manifestações
por sinais e sintomas inespecíficos para o trato urinário, tais clínicas e o sedimento urinário sejam
como perda de apetite, febre, vômitos e/ou diarréia, irri- sugestivos, o diagnóstico de ITU é feito pela
tabilidade, insônia, perda inexplicada de peso, palidez. Às urocultura
vezes, a mãe observa alteração no ritmo urinário (freqüên- • E. coli e outras enterobactérias são os
cia maior de micções ou retenção urinária) ou no aspecto microrganismos que mais freqüentemente
da urina, que se torna mais turva, com odor “forte” ou causam ITU
“diferente”. Após um ano de idade, com mais freqüência,
capítulo 25 493

Existe um grupo grande de doentes que, apesar da exis- lizado é o teste do nitrito, que se baseia na conversão do
tência de infecção do trato urinário, não apresentam quei- nitrato dietético em nitrito pela enzima nitrato redutase,
xas, ou apenas, quando inquiridos, referem-se a leve disú- produzida pelas enterobacteriáceas e algumas bactérias
ria, polaciúria e/ou noctúria. Estes casos oligossintomáti- Gram-negativas. Embora de alta especificidade, o resul-
cos, assim como os casos assintomáticos, são mais comuns tado negativo não exclui a presença de infecção por serem
em idosos, embora situação semelhante possa ocorrer em necessárias 4 a 6 horas para a bactéria converter nitrato em
crianças e mulheres jovens, mesmo na presença de obstru- nitrito, na urina intravesical, além de não detectar infecções
ção anatômica ou funcional do trato urinário. por Pseudomonas, estafilococos e enterococos. São, ainda,
empregados testes que detectam a presença de piúria,
como o teste para identificação da esterase leucocitária;
Exames Complementares deve ser lembrado que ausência de piúria ocorre em um
O exame sumário de urina é muito importante para a sus- número razoável de pacientes com infecção urinária e pi-
peita diagnóstica de uma infecção do trato urinário. A uri- úria pode estar relacionada a outros processos inflamató-
na deve ser colhida após cuidadosa limpeza da região peri- rios ou a contaminação por fluxo vaginal.
neal, e, de preferência, deve ser examinado nestes casos o Um importante exame, pela simplicidade e pelo nível
jato médio urinário. A presença de piúria (⬎ 8 leucócitos por da informação que dá, é a coloração pelo Gram da urina
campo de grande aumento na mulher, e ⬎ 5 leucócitos nos não centrifugada. Nestes casos, a visualização de bactéri-
homens) sugere inflamação em algum ponto do trato uri- as corresponde a elevado número de bactérias por ml de
nário. Muito mais precisa e significante é a contagem de leu- urina (a visualização de 1 ou mais bactérias em campo de
cócitos por ml de urina. Acima de 8.000 leucócitos por ml aumento 1.000 ⫻ [imersão] em amostra não centrifugada
de urina não centrifugada considera-se anormal. Este é o de urina ou > 5 bactérias em amostra centrifugada corres-
método preferencial para definição de piúria. Não esquecer ponde a número igual ou superior a 105 unidades forma-
que, apesar dos cuidados, o fluxo vaginal de mulheres pode doras de colônias/ml), indicando a existência de infecção
contaminar a urina colhida e resultar disso alguma piúria; (Quadro 25.1). Além disso, informa se se trata de coco ou
no homem, inflamação uretral também é uma causa comum bastonete, Gram-negativo ou positivo. Este é um exame
de piúria, sem bacteriúria associada. Não nos devemos es- pouco realizado na prática, que poderá ser de grande aju-
quecer de que piúria tem sido relatada em cerca de 20% de da mesmo em locais que não disponham de meios para a
pacientes sem haver infecção urinária; de outra parte, infec- realização de uma urocultura. Urocultura quantitativa é o
ção urinária tem sido comprovada em, aproximadamente, exame mais importante para o diagnóstico de uma infec-
30% de casos, sem haver piúria concomitante, sendo esta ção urinária porque não apenas indica a ocorrência de
última situação mais encontradiça em crianças. O encontro multiplicação bacteriana no trato urinário, mas permite o
de cilindros leucocitários, presentes em aproximadamente isolamento do agente causal e o estudo de sua sensibilida-
60% dos pacientes com infecção do parênquima renal, é ines- de frente aos antibacterianos. Habitualmente considera-se
pecífico, pois indica a presença de inflamação intraparen- positiva a presença de número igual ou superior a 100.000
quimatosa e está presente em doenças túbulo-intersticiais e, bactérias ou unidades formadoras de colônias por milili-
também, glomerulares. tro (⬎105 ufc/ml) de urina. É lógico que um limite tão de-
Hematúria é freqüente, ocorrendo em cerca da meta- marcado para uma condição heterogênea, e com uma
de dos casos de infecções do trato urinário, e pode ser até multiplicidade de variáveis, pode gerar distorções, se este
macroscópica. Habitualmente é apenas microscópica, e exame não for interpretado no contexto de cada caso. A
desaparece com o tratamento. A sua persistência requer grande maioria de doentes com infecção do trato urinário,
investigação urológica com o objetivo de afastar outras de fato, evidencia ⬎105 ufc/ml. Entretanto, aceita-se como
causas de hematúria. positiva a urocultura com ⱖ102 ufc/ml em mulheres com
São também utilizados testes químicos que visam diag- disúria, freqüência miccional aumentada, desconforto su-
nosticar a presença de bacteriúria significante. O mais uti- prapúbico e piúria (“síndrome uretral aguda”) ou ⱖ104

Quadro 25.1 Correlação entre a visualização direta de bactérias na urina e bacteriúria quantitativa
Método de Preparação Correlação* Referência

1. Urina não centrifugada ⬎10 /ml


6
KUNIN, C.M. New Eng. J. Med., 266:589-590, 1961.
2. Urina não centrifugada, corada (imersão) ⬎105/ml KASS, E.H. Tran. Ass. Amer. Physicians, 69:56-64, 1956.
3. Sedimento, não corado ⬎105/ml KUNIN, C.M. New Eng. J. Med., 266:589-590, 1961.
4. Sedimento corado (imersão) ⬎104/ml SANFORD, J.P. et al. Amer. J. Med., 20:88-93, 1956.

*Visualização de uma ou mais bactérias ao microscópio.


494 Infecção do Trato Urinário

ufc/ml em pacientes com sintomatologia sugestiva de pi- sua realização, é um método prático e útil e de uso cada
elonefrite (febre, calafrios, dor lombar, com ou sem sinto- vez maior. Além de permitir verificar o tamanho, a forma
matologia baixa). No período pós-tratamento ou durante e o contorno dos rins, indica a existência de fatores obstru-
o uso de antibacterianos, quando o germe é um Gram-po- tivos ao longo do aparelho urinário, assim como a presen-
sitivo (Staphylococcus sp. ou Streptococcus sp.) ou Candida ça de abscesso perinefrético ou intra-renal.
sp., em urina colhida duas horas ou menos após a micção A urografia excretora continua um importante exame
anterior, em urina com baixo pH, quando a urina do jato para nos dar a imagem mais integrada das diversas partes
médio na mulher carreia sabão ou anti-séptico da limpeza do trato urinário (v. Cap. 17). Não apenas mostra bem o
prévia ou em pacientes do sexo masculino, também pode tamanho dos rins, a existência de cicatrizes, a presença de
haver ⬍105 ufc/ml na presença de infecção urinária. obstruções intra- e extra-renais do fluxo de urina no siste-
Na urina obtida através de cateterismo vesical (uma ocor- ma coletor, como é um método que permite a análise da
rência excepcional, reservada apenas a doentes com impos- concomitância de uma cicatriz cortical contígua a dilata-
sibilidade de controle voluntário da micção), a interpreta- ção e deformidade do conjunto pielocalicial adjacente,
ção dos resultados é semelhante à urina do jato médio, em- único aspecto considerado patognomônico de pielonefri-
bora se tenha sugerido considerar positiva a urocultura com te. A tomografia computadorizada (TC) (v. Cap. 17), en-
mais de 50.000 ufc/ml em crianças sintomáticas. Nos casos tretanto, tem substituído a urografia excretora na avalia-
de punção suprapúbica, realizada mais freqüentemente em ção da infecção urinária. Além da opção de poder ser usa-
crianças quando se tem dúvida na interpretação de urina da com ou sem contraste radiológico, identifica anormali-
recolhida pelas técnicas usuais, a presença de mais de 1 bac- dades anatômicas, gerais ou focais, processos obstrutivos,
téria por mililitro de urina sugere infecção urinária. presença de abscesso perinefrético e de alterações intra-
Estima-se que 5 a 10% de urinas colhidas pela técnica abdominais e retroperitoneais. Adicionalmente, comple-
do jato médio estejam contaminadas, evidenciando, geral- menta e aprofunda dados suspeitos e não bem caracteri-
mente, flora mista, incluindo patógenos não habituais do zados em sua extensão pela ultra-sonografia.
trato urinário. Esta cifra é bem mais elevada e pode ofere- A cistouretrografia revela alterações obstrutivas do an-
cer maiores dificuldades de interpretação quando se utili- dar inferior e médio do trato urinário. Em crianças, é mais
za o coletor plástico em crianças (20-30%). Nestes casos usada pela maior prevalência de anomalias congênitas
existe a necessidade de mais rigor e repetição mais freqüen- diagnosticadas nesta fase, particularmente quando existe
te de exames. infecção recorrente do trato urinário. É o método ainda
Nos casos de doentes assintomáticos, sugere-se que a mais usado para a detecção e, em parte, caracterização da
urocultura positiva seja repetida para confirmação diag- intensidade do refluxo vésico-ureteral. Deve ser feito em
nóstica. Urocultura deve ser sempre feita, quando existam con- toda criança com infecção urinária recorrente.
dições. Mesmo quando se deseja iniciar o tratamento ime- A utilização de radioisótopos (v. Cap. 20) permite visu-
diato, empírico, frente a sintomatologia altamente incômo- alizar mais claramente a dinâmica dos rins, a forma e a
da para os doentes, é possível recolher-se a urina em fras- existência de cicatrizes, assim como aspectos da sua funci-
co estéril e colocar-se na geladeira, até que seja processada onalidade. Não permite o diagnóstico seguro de infecção
horas depois, antes de se iniciar o antibacteriano. A per- do trato urinário, mas ajuda muito na avaliação e acompa-
manência da urina na geladeira por até 24 horas não alte- nhamento de suas conseqüências. Os radioisótopos têm
ra significantemente o resultado de uma urocultura. sido utilizados para seguimento de casos com cicatrizes
Mais recentemente, vêm-se utilizando métodos semi- resultantes de refluxo e permitem uma idéia da função de
automatizados e que não envolvem a cultura da urina, que rins com processos obstrutivos, a exemplo das estenoses
utilizam a bioluminescência, turbidimetria, fotometria, de junção pielo-ureteral. Têm sido também utilizados no
microcalimetria, impedância elétrica, entre outros. Embo- estudo do refluxo vésico-ureteral.
ra permitam o diagnóstico de infecção do trato urinário Embora ainda exista alguma discussão sobre quando e
mais rapidamente que a urocultura, a especificidade e a qual método de imagem deva ser utilizado na avaliação do
sensibilidade dos diversos métodos são variáveis, sem paciente com infecção do trato urinário, algumas indica-
identificar o agente causal. ções estão definidas:
1) crianças do sexo masculino com infecção urinária ou
Estudo de Imagens do Aparelho Urinário; crianças do sexo feminino com infecção recorrente ou
Outros Procedimentos Diagnósticos complicada;
2) acompanhamento de crianças com cicatrizes renais;
Estes estudos são de grande importância na detecção de 3) pacientes do sexo masculino;
fatores predisponentes e conseqüências de uma infecção 4) pacientes com suspeita de obstrução ou com resposta
do trato urinário. lenta ou ausente ao tratamento adequado;
A ultra-sonografia, pela simplicidade e inocuidade de 5) mulheres com pielonefrite aguda.
capítulo 25 495

A uretrocistoscopia é reservada para casos de infecção


Quadro 25.2 Métodos para detecção de
recorrente do trato urinário, ou naqueles com hematúria
envolvimento renal em casos de ITU
freqüente inexplicada. Também, quando se suspeita da
existência de válvulas, divertículos, ulcerações ou patolo- 1. Cateterismo ureteral.
gias outras que possam estar simulando as manifestações 2. Anticorpos contra antígenos O da bactéria
das infecções urinárias. Aplica-se mais à situação de dúvi- infectante.
3. Lavagem da bexiga e colheita posterior de amostras
da diagnóstica, quando se presume a existência de lesão
repetidas.
predisponente, ou quando se imagina que as manifestações 4. Determinação de anticorpos recobrindo bactérias.
de infecção urinária baixa decorrem de outra patologia que 5. Proteína C reativa.
não infecção do trato urinário. 6. Determinação dos níveis séricos e urinários da Il-6.
A biópsia renal (v. Cap. 16) não é método de utilidade 7. Determinação de enzimas urinárias.
8. Presença de beta2-microglobulina.
para o diagnóstico de pielonefrite. A doença é focal, e a 9. Anticorpos (IgG e IgA) contra a proteína de Tamm-
probabilidade de se retirar fragmento que não permita Horsfall.
diagnóstico é de 30-40%. Além do mais, as alterações his- 10. Anticorpos contra lípide A.
tológicas verificadas num fragmento de tecido renal são
geralmente inespecíficas.

de proteína C reativa; também, tem mais possibilidade de


Pontos-chave: lesar células tubulares renais (desde que a inflamação tem
• No recém-nascido e nas crianças nos importante componente intersticial), podendo liberar, na
primeiros anos de vida, as manifestações urina, enzimas intracelulares múltiplas (LDH, ␤-glucuro-
nidase, N-acetil-␤-D-glucosaminidase, leucino aminopep-
clínicas de ITU são inespecíficas,
tidase, para citar algumas), assim como proteínas tubula-
requerendo alto índice de suspeita clínica res (beta2-microglobulina). De outra parte, oferece um
para o seu diagnóstico ambiente para que bactérias presentes no processo infla-
• Todas as crianças do sexo masculino e as matório se recubram com anticorpos específicos, localmen-
crianças do sexo feminino com ITU te fabricados ao nível do parênquima renal. Deste modo,
recorrente ou complicada devem ter o trato bactérias provenientes do tecido renal seriam eliminadas
urinário avaliado por imagem na urina recobertas de anticorpos aderidos à sua superfí-
• ITU está associada a cicatrizes renais cie, em contraposição às bactérias provenientes da bexiga,
sobretudo em crianças menores de 5 anos que sairiam sem estarem recobertas de imunoglobulinas.
Deste modo, um teste de imunofluorescência indireta po-
• O retardo no início do tratamento da ITU
deria diferençar bactérias recobertas ou não de anticorpos
pode associar-se a importantes lesões do
na urina, servindo para diferençar uma infecção alta (imu-
parênquima renal nofluorescência positiva) ou uma infecção baixa (imuno-
fluorescência negativa). Este método ganhou muita popu-
laridade pela relativa simplicidade de realização. Não ofe-
Testes de Localização de uma rece bons resultados em crianças; não se aplica à fase inici-
Infecção Urinária al de uma infecção urinária aguda; casos de prostatite, e
também ocasionalmente de cistite, podem resultar em bac-
Na prática clínica, a idéia de localização de uma infec- térias recobertas de anticorpos. Tudo isso serviu para di-
ção urinária é dada pela sintomatologia e pelo tipo de do- minuir a adoção deste método, de modo mais amplo, na
ente que se observa. A ocorrência isolada de manifestações prática médica. A inflamação tissular renal determina res-
urinárias baixas (disúria, polaciúria, urgência miccional, posta de anticorpos mais significante contra as bactérias
peso ou dor suprapúbica no final da micção), sem febre e/ que infectam o doente, demonstrável através de técnicas
ou dor lombar, sugere uma localização baixa da infecção; sorológicas (hemaglutinação); além disso, anticorpos con-
se ocorre febre e dor lombar agravada pela punho-percus- tra a proteína de Tamm-Horsfall indicariam a ocorrência
são, pensa-se em infecção alta do trato urinário. É natural de inflamação intersticial de rins, com penetração desta
que este exercício clínico, lógico e utilizável, não seja tão proteína na corrente sanguínea. Mais recentemente se tem
preciso. E muitos outros métodos complementares têm proposto a determinação dos níveis séricos e urinários da
sido utilizados (Quadro 25.2). Em geral eles se baseiam nos interleucina-6 com o marcador não apenas de infecção agu-
seguintes fatos: uma inflamação do tecido renal, mais que da do parênquima renal, mas, também, como índice de
a inflamação da superfície da bexiga, tem maiores possi- gravidade da infecção.
bilidades de determinar um aumento de proteínas da fase O estudo convencional de imagens do trato urinário
reativa aguda de uma inflamação, explicando a elevação (urografia excretora) já foi abandonado como método de
496 Infecção do Trato Urinário

localização da infecção, sendo substituído pela cintilogra- evidenciar que elas colonizam o intestino inicialmente e,
fia com gálio e, preferentemente, por DMSA (v. Cap. 20). depois, a região perineal e o trato urinário dos indivíduos
O percentual de falso-negativo e falso-positivo, entretan- que se infectam. As cepas de E. coli mais freqüentes em
to, tem limitado o uso desses testes. infecções urinárias, e também encontradas nas fezes des-
Todos estes testes para localizar infecção do trato uri- tes doentes, pertencem aos serotipos: 01, 04, 06, 08 e 075.
nário têm sido utilizados por vários grupos de estudiosos,
mas oferecem considerável número de resultados falso-
positivos quando comparados com métodos mais diretos
Fatores de Virulência
de localização. O cateterismo ureteral diferencial, com re- É possível que a E. coli patogênica para o trato urinário
tirada de urina de cada um dos ureteres e a lavagem da se origine de, apenas, poucos clones, sendo portanto dis-
bexiga, com colheitas repetidas de amostras em períodos tinta das cepas encontradas comumente nas fezes.
subseqüentes, são os métodos considerados mais precisos. São apontados alguns marcadores de uropatogenicida-
A presença de número crescente de bactérias na urina pro- de que caracterizam as cepas de E. coli:
veniente de um dos ureteres, ou na urina da bexiga depois
da lavagem esterilizadora inicial, indicaria uma infecção a) resistência ao soro sanguíneo;
alta, e, no caso de cateterismo diferencial de ureteres, qual b) produção de hemolisinas;
o rim infectado naquele momento. Não esqueçamos que c) existência de determinados antígenos O e K;
estes são métodos cruentos e, o mais das vezes, desneces- d) expressão de adesinas ou fímbrias tipo I (manose-sen-
sários para a condução de um caso clínico. Ainda são mé- sível) e tipo II ou fímbria P (manose-resistentes);
todos para serem utilizados em situações especiais. e) produção de aerobactin.
Existem sugestões indicando que a presença de determi-
nados antígenos O e K habilitam a E. coli a produzir mais fre-
PATOGÊNESE qüentemente pielonefrite.
É possível que a produção de hemolisinas e a de certas
Para o entendimento pleno do problema da infecção do fímbrias seja carreada no cromossomo; enquanto isso, re-
trato urinário, é essencial que se conheçam a origem e os me- sistência ao soro e produção de antígeno K1 são mediadas
canismos de agressão dos agentes etiológicos, o modo como por plasmídeos.
eles invadem o trato urinário do hospedeiro e, sobretudo, Cepas de E. coli sem estas características de virulência
como o hospedeiro reage à penetração e à manutenção des- são as que geralmente provocam cistite e bacteriúria assin-
tes agentes infectantes. Somente assim poderemos entender tomática. Todas as cepas que infectam o trato urinário pro-
melhor aspectos profiláticos, a história natural do processo, vavelmente possuem a fímbria tipo I, que permite coloni-
as recorrências e as perspectivas terapêuticas. zação do períneo e bexiga. A fímbria tipo II, entretanto, está
mais relacionada a infecção do parênquima renal e se cons-
titui no mais importante fator de virulência bacteriana.
Agentes Etiológicos das ITU A maioria das bactérias causadoras de infecção do tra-
to urinário tem a capacidade de aderir a células do epité-
A E. coli e outras enterobactérias (Quadro 25.3) continu-
lio urinário ou à uromucóide. Este fenômeno está associa-
am sendo os agentes infectantes mais comuns do trato uri-
do à existência de fímbrias, que são filamentos protéicos
nário. Em pacientes ambulatoriais com infecções agudas,
observados na superfície de bactérias Gram-negativas. Os
mais de 80% das vezes E. coli é a bactéria isolada, sendo
receptores para estas fímbrias são glicoproteínas ou glico-
menos freqüente em pacientes hospitalizados.
esfingolípides. As glicoproteínas, que servem de receptá-
As cepas de E. coli que produzem infecção urinária pro-
culos para fímbrias tipo I, são encontradas na proteína de
vêm das fezes. A serotipagem 0 destas bactérias permitiu
Tamm-Horsfall, ou nos glucosaminoglicanos que recobrem
a superfície da bexiga; os glicoesfingolípides servem de
receptores para as fímbrias tipo II ou P. Como os glicosa-
Quadro 25.3 Bactérias mais freqüentemente minoglicanos recobrem as células da bexiga e se renovam
isoladas em pacientes com infecção do trato continuamente, e a proteína de Tamm-Horsfall se encon-
urinário.* tra livre na urina da bexiga, a fixação de bactérias a estes
elementos que são excretados na urina serve como meca-
E. coli
Klebsiella sp. nismo de defesa contra a persistência e a multiplicação de
Staphylococcus sp. bactérias no trato urinário. De outra parte, entende-se que
Proteus sp. a destruição desta camada protetora de glicoproteínas pode
Enterobacter sp. facilitar a colonização e a multiplicação de bactérias na
*Laboratório de Bacteriologia/Nefrologia do Hospital Universitário Prof. bexiga, favorecendo penetração no epitélio e conseqüente
Edgard Santos — UFBA. reação inflamatória.
capítulo 25 497

Também, tem-se mostrado que muitas espécies bacte- uretra é fenômeno mais comum do que se imaginava, como
rianas sintetizam uma cápsula de polissacáride ou glico- se pode demonstrar após a utilização mais ampla da pun-
protéica (glicocálice) que pode favorecer o crescimento das ção suprapúbica. A existência de fímbrias P pode propici-
bactérias sob a forma de microcolônias e de fixá-las à mu- ar a colonização da bactéria invasora e suas conseqüênci-
cosa vesical. Este mecanismo de fixação ao trato urinário as; a inexistência destas adesinas resulta na eliminação mais
não está esclarecido plenamente. fácil destas bactérias.
Desde que 95% das hemácias contêm o antígeno P, a A passagem de cateter pela uretra pode levar bactérias
aglutinação de eritrócitos em presença deste antígeno que colonizam a porção distal da uretra até a bexiga. É por
tem permitido afiançar a sua ocorrência. Estas fímbrias isso que, mesmo após um único cateterismo, infecção uri-
P podem ser encontradas em bactérias outras que não nária ocorre em 1-2%. O perigo de infecção cresce, entre-
apenas E. coli, como é o caso do Proteus mirabilis; apenas tanto, na dependência do tipo de doentes (hospitalizados,
o receptor para esta bactéria na célula é diferente daque- hipertensos, pacientes com uropatia obstrutiva) e da natu-
le da E. coli. Outras bactérias que também aderem às cé- reza do procedimento. Se o cateter é de permanência, mes-
lulas superficiais do trato urinário têm outros mecanis- mo com todos os rigores de assepsia, infecção urinária
mos de aderência ainda não plenamente conhecidos. Este ocorre na maioria dos doentes após 7 a 10 dias. Quando o
é o caso da Klebsiella sp. (por fímbrias tipo I), Pseudomo- sistema de drenagem é aberto, infecção ocorre em mais de
nas sp. e germes Gram-positivos. Parece que a combina- 90% após o 4.º ou 5.º dia. Havendo cateterismo de perma-
ção de genes marcando as células para a formação de fím- nência, a bactéria pode também atingir a bexiga através da
brias P, produção de hemolisinas e soro-resistência seja camada de exsudato em torno do cateter, ou ascender pelo
de fundamental importância para o exercício da pato- lúmen do cateter, quando existe manipulação indevida do
genicidade. Interessante é que a maioria das E. coli de coletor de urina. Mesmo nos casos de drenagem fechada,
casos diagnosticados como pielonefrite aguda apresenta e com todos os rigores de assepsia como se procede atual-
fímbrias P. Em crianças, por exemplo, a expressão de fím- mente, infecção urinária surge após 8 a 10 dias e aumenta
brias P ocorre em 81 a 94% de cepas de E. coli de casos de progressivamente, mesmo em doentes usando antimicro-
pielonefrite aguda, enquanto que a freqüência é de ape- bianos.
nas 19% nos casos de cistite e de 14% nos casos de bacte- São inúmeras as demonstrações clínicas e experimentais
riúria assintomática. da importância da via ascendente. Este fenômeno explica
É importante assinalar que a quase totalidade das mu- a grande diferença de suscetibilidade à infecção urinária
lheres evidencia receptores às fímbrias P nas células ure- entre meninas (com conduto uretral curto, próximo ao reto,
terais (99%), e apesar disso poucas (cerca de 15-20%) evi- mais colonizado por bactérias) e meninos (em que a situa-
denciam infecção do trato urinário em suas vidas. Dentre ção é bem diversa e de maior proteção).
os motivos para este fato destacam-se: A via hematogênica explica alguns casos de infecção do
1) colonização fecal é menos freqüente nos casos sem in- trato urinário. É esta a situação de abscessos múltiplos de
fecções urinárias; rins no curso de uma septicemia estafilocócica. Também,
2) existe maior número de receptores nas células uroteliais infecção de rim pode ser ocasionalmente secundária a bac-
de casos que se infectam. Isso tem sido demonstrado teremia por germes Gram-negativos de origem variada. Os
através de várias técnicas. rins se tornam mais suscetíveis a infecção quando existe
obstrução extra- ou intra-renal do fluxo de urina. Este fato
Vale destacar que E. coli com fímbrias P produz pielo- já foi muito bem documentado experimental e clinicamen-
nefrite com freqüência, quando introduzida na bexiga de te, embora ainda não se saiba ao certo o motivo fundamen-
coelhos, ratos e macacos. Provavelmente contribui para isso tal de aumento da suscetibilidade do rim obstruído. Nes-
o poder de multiplicação da bactéria colonizada, e, talvez, tes casos, infecção é importante fator de destruição do pa-
o efeito do lipopolissacáride bacteriano, bloqueando a rênquima renal. Algumas bactérias podem, experimental-
mobilidade ureteral e propiciando a infecção. mente, infectar rins de animais após inoculação venosa
mesmo sem obstrução. Este é o caso do St. faecalis, algu-
Vias de Infecção mas cepas de Ps. aeruginosa, C. renale, e fungos do gênero
Candida, além do Staphylococcus aureus.
A via mais comum de infecção do trato urinário é a as- A via linfática é a de menos clara participação. Tudo in-
cendente. As bactérias da região periuretral adentram a dica que o refluxo pielolinfático é importante na dissemi-
uretra e colonizam as células vesicais. Daí, mesmo sem a nação intra-renal da infecção. É possível que a distribui-
existência de refluxo vésico-uretral, elas podem ascender ção parenquimatosa renal da infecção tenha a ver com a
pelo ureter, provavelmente na porção mais externa do flu- via linfática. Entretanto, a condução através de linfáticos
xo de urina que desce pelos ureteres, onde ocorre turbu- de bactérias do intestino ou do trato urinário baixo para
lência, atingir os rins e determinar pielonefrite em alguns os rins é assunto controverso, porque não suficientemente
casos. A penetração de bactérias até a bexiga através da comprovado.
498 Infecção do Trato Urinário

Mecanismos de Defesa do 2) a camada de glicosaminoglicanos, protegendo a super-


fície da bexiga e dificultando a fixação das bactérias às
Trato Urinário e Conseqüências da células uroteliais; como é renovável, as bactérias que a
Infecção Renal ela se fixam são também eliminadas;
3) os polimorfonucleares, que acorrem ao local da invasão
A urina é um meio de cultura razoável para a maioria do epitélio vesical;
dos patógenos do trato urinário. A sua composição química 4) a existência de agente ou fator antibacteriano produzi-
permite a multiplicação bacteriana, e dificulta a ação de do, talvez, pelas células do urotélio.
mecanismos humorais e celulares de defesa. Sua hiperos-
molaridade inibe a fagocitose e a reatividade do comple- Depois de atingida a bexiga, as bactérias ascendem aos
mento. Entretanto, a urina pode ser inibitória ou bacterici- rins, pela parte de turbilhão no fluxo ureteral da urina (por-
da, devido aos seguintes fatores: ção mais externa). Lá, dependendo do inóculo e de condi-
ções propícias, pode instalar-se uma infecção. No rim, a
a) elevada osmolalidade; medula é muito mais suscetível à infecção do que o córtex.
b) pH baixo; A maior suscetibilidade da zona medular se relaciona à
c) elevada concentração de uréia; elevada concentração de amônia (que inativa o comple-
d) alta concentração de ácidos orgânicos; mento), à elevada osmolaridade (que altera a quimiotaxia
e) presença de secreção prostática no homem, que também de polimorfonucleares), ao baixo pH e ao baixo fluxo san-
pode ajudar o efeito antibacteriano da urina; guíneo (que alteram a função e o número de leucócitos na
f) finalmente, a proteína de Tamm-Horsfall, secretada região). Nesta zona, as bactérias encontram mais facilida-
pelas células tubulares e presente na urina, pode agir de para se multiplicar e iniciar o processo infeccioso. As
como elemento de defesa. Ela é rica em resíduos de cepas de E. coli que atingem os rins evidenciam várias ca-
manose, permitindo a ligação de fímbrias tipo I de E. coli, racterísticas de virulência. Receptores para as fímbrias P
e se elimina na urina com a bactéria a ela fixada. se encontram distribuídos em todo o rim. As E. coli que in-
A região periuretral parece ser de importância. As cé- fectam o tecido renal perdem as fímbrias tipo I, que facili-
lulas desta região, em crianças com infecção recorrente tam a fagocitose, porque os leucócitos polimorfonucleares
do trato urinário, evidenciam sua capacidade maior de dispõem de receptores de manose.
aderência a bactérias infectantes do trato urinário. O mes- Os hospedeiros que são grupo P1 fenotípico negativo
mo parece ocorrer em mulheres com infecção recorrente são menos suscetíveis porque suas células carecem do
do trato urinário. Mais recentemente sugeriu-se a redu- glicoesfin-golípide, que é receptor de fímbrias P1.
ção nos títulos de IgA, na secreção que recobre as célu-
las do intróito vaginal, como uma das causas de maior
facilidade de colonização bacteriana. Estes fatos são ain- MECANISMOS DE AGRESSÃO
da controversos na literatura. Finalmente, o baixo pH do
líquido vaginal dificulta a fixação de uropatógenos des-
RENAL
ta região, mas é curioso assinalar que o pH vaginal é
Estudos realizados em macacos permitiram melhor en-
mais elevado nos casos de infecção recorrente do trato
tendimento das conseqüências renais do processo infecci-
urinário.
oso. No caso da E. coli, a presença de lípide A bacteriano é
Na menopausa, a baixa de estradiol resulta em altera-
um forte estímulo à quimiotaxia, com a atração de leucó-
ções da mucosa vaginal e perineal, decréscimo de L. acido-
citos polimorfonucleares e o resultante processo inflama-
philus responsável pela diminuição do pH da área do ves-
tório e suas conseqüências previsíveis: liberação de enzi-
tíbulo vaginal e mais fácil colonização por Gram-negativos
mas proteolíticas, favorecendo a morte celular, e liberação
entéricos. Este achado se acompanha de infecção recorrente
de citocinas (IL 1 e 2, TNF). O edema local que se estabele-
do trato urinário, que pode reverter com o uso tópico do
ce resulta em anoxia tissular, com aumento transitório de
hormônio e retorno da flora normal.
angiotensina II na veia renal, o que aumenta a isquemia e
Depois da colonização periuretral, as bactérias devem
estimula os fatores relacionados à fibrose. A formação lo-
penetrar a bexiga para que haja infecção, mas a bexiga
cal de radicais livres ocorre e o efeito de prostaglandinas
apresenta vários mecanismos que dificultam o desenvol-
vasodilatadoras favorece a recirculação na área atingida,
vimento de uma infecção:
removendo e redistribuindo os produtos localmente for-
1) a micção é o mais eficaz mecanismo de defesa. O aumen- mados.
to do volume urinário e da diurese é capaz de reduzir A área atingida, dependendo do grau da lesão e de sua
grandemente, embora não completamente, o número de extensão, vai sofrer deposição de fibronectina e de coláge-
bactérias na bexiga. Este importante mecanismo de de- no tipo III e pequenas quantidades de colágeno I e IV, com
fesa é perdido em pacientes com distúrbios da urodinâ- tendência a se transformar em área fibrótica, resultando em
mica; cicatriz maior ou menor.
capítulo 25 499

SITUAÇÕES CLÍNICAS Quadro 25.4 Algumas alterações radiológicas


observadas em mulheres com ITU recorrentes
ESPECIAIS
1. Bifidez pieloureteral.
Nos jovens, a infecção do trato urinário é 20 a 30 vezes 2. Ureterocele.
mais freqüente na mulher que no homem. No idoso (paci- 3. Ptose renal (acentuada).
ente acima de 65 anos), este fato se modifica de modo drás- 4. Divertículo de bexiga.
tico. Mulheres evidenciam bacteriúria em 20%, enquanto 5. Cistocele (pronunciada).
homens a apresentam em 10% de casos. As causas deste 6. Esvaziamento incompleto da bexiga.
fato e da alta prevalência de infecção do trato urinário nesta 7. Cisto pielogênico.
faixa etária são: 8. Estenose pieloureteral.
9. Nefropatia (com ou sem urolitíase).
a) grande freqüência de uropatia obstrutiva, pelo aumen- 10. Urolitíase.
to da próstata;
b) perda da atividade bactericida do líquido prostático;
c) dificuldade de esvaziamento da bexiga;
d) aumento de contaminação com fezes da região periu- rente do trato urinário seja submetido a exploração uroló-
retral, devido à incontinência fecal. gica, que compreende pelo menos ultra-sonografia do tra-
to urinário e, em alguns casos, estudos mais aprofundados,
Também nesta idade existe maior utilização de instru-
incluindo urodinâmica. Somente a correção de um fator
mentação urinária, em ambos os sexos. A existência de
predisponente, quando viável, pode interromper o ciclo de
maior aderência de uropatógenos às células uroepiteliais
infecções.
nestes pacientes ainda é questionável.

Pontos-chave:
Infecções Recorrentes
• ITU recorrente é relativamente freqüente,
do Trato Urinário sobretudo em mulheres jovens
É um dos problemas relativamente freqüentes e de di- • ITU recorrente pode ser causada pela
fícil condução. Alguns doentes apresentam surtos repeti- persistência do mesmo agente infectante ou
dos de infecção do trato urinário, mais de 3 a 4 por ano. por reinfecção por outro microrganismo
Estes surtos, geralmente sintomáticos, representam rein- • No mínimo 50% das mulheres com ITU
fecção na maioria dos casos (70 a 80% das vezes) e se con- recorrente não evidenciam qualquer fator
centram em determinados períodos. Existem, em alguns predisponente clinicamente perceptível
casos, motivos para esta suscetibilidade aumentada à in-
• É recomendável que toda paciente com ITU
fecção do trato urinário, sobretudo em mulheres que não
respondem ao tratamento antimicrobiano adequado ou
recorrente seja submetida a exploração
que experimentam recorrência da infecção imediatamen- propedêutica do TU
te após o tratamento apropriado, ou que apresentam sin-
tomas sugestivos de obstrução do trato urinário, confor-
me se pode ver no Quadro 25.4. Entretanto, no mínimo 50% COMPLICAÇÕES DAS
de mulheres com infecção recorrente do trato urinário não
evidenciam qualquer fator predisponente, clinicamente INFECÇÕES DO TRATO
perceptível. Em muitas delas temos encontrado correlação URINÁRIO
de infecção do trato urinário e atividade sexual. À seme-
lhança do que está relatado na literatura, as infecções nes- A importância clínica das infecções do trato urinário não
tes casos são mais freqüentes após atos sexuais demorados decorre apenas de sua elevada prevalência mas, e sobre-
e/ou freqüentes, depois de período prolongado de absti- tudo, das conseqüências e complicações que podem pro-
nência. duzir. De modo geral, apresentam-se como processos in-
As razões destes surtos recorrentes têm sido buscadas fecciosos relativamente benignos e de curso clínico rápi-
em provável defeito de resistências do hospedeiro, ao ní- do, se se assestam em trato urinário normal. Esta evolução
vel da área de colonização das bactérias na região periure- contrasta com a gravidade do processo quando a infecção
tral, e também, talvez, maior facilidade de aderência em ocorre em trato urinário obstruído. Nesta situação, em bom
função de maior densidade de receptores, além de fatores número de casos, podem advir ou resultar de complicações
obstrutivos intra- e extra-renais. que devem ser bem conhecidas, para o manejo adequado
É recomendável que todo paciente com infecção recor- dos doentes.
500 Infecção do Trato Urinário

Complicações Imediatas medidas gerais como o uso de analgésicos, repouso no lei-


to, suspensório para maior proteção ao testículo envolvi-
COMPLICAÇÕES SUPURATIVAS do e antibacterianos. Em geral, pela gravidade do caso, até
Em casos de pielonefrite aguda, como resultado do pro- que se conheça a flora infectante, usam-se aminoglicosídeos
cesso supurativo que se instala nos rins, formam-se abs- isolados ou associados a antibióticos beta-lactâmicos; ou-
cessos tanto na região medular como na cortical. Absces- tros preferem o uso de quinolônicos fluorados. O proces-
sos corticais podem coalescer e formar um carbúnculo re- so responde bem, não sendo necessário, habitualmente,
nal (principalmente em casos de infecções estafilocócicas), drenagem complementar de algum processo purulento
ou perfurar a cápsula renal drenando para a região perir- formado.
renal. Disso resulta um abscesso perirrenal. Nestes casos,
habitualmente o doente evidencia febre elevada, dor lom- NECROSE DE PAPILAS RENAIS
bar persistente e intensa (acentuada pela punho-percussão) Pode ser uma complicação de pielonefrite em rim obs-
do lado do abscesso, e a intensidade e localização da sin- truído ou em rins de diabéticos, habitualmente já com vas-
tomatologia dependem do grau e do local para onde se culopatia evidente. Tem sido também observada em paci-
distribui a supuração. entes com anemia falciforme e em cirróticos. O tecido pa-
O comum é o abscesso perinefrético desenvolver-se em pilar de ambos os rins, habitualmente várias papilas do rim
rim obstruído que se infectou. As enterobactérias continu- multipapilar do homem, vai sendo atingido, podendo re-
am sendo as mais comumente isoladas destes abscessos, sultar em desgarramento de fragmentos volumosos que
se bem que cresce muito a importância, nestes casos, do podem obstruir os ureteres de um ou de ambos os lados,
Staphylococcus aureus. provocando uropatia obstrutiva de grau variável.
O tratamento nestas circunstâncias inclui, além do uso A papila é a área menos irrigada dos rins e com baixa
bem conduzido de antibacterianos adequados, o emprego pressão parcial de oxigênio; os exuberantes plexos vascu-
de conduta cirúrgica, consistindo em ampla drenagem da lares da área cortical começam a rarear na zona córtico-
coleção purulenta, nos casos que não respondem ao trata- medular, e apenas os vasa-recta são vistos descer na área
mento clínico. interna da medula. Processos inflamatórios, com edema na
Embora nos processos pielonefríticos os dois rins fre- zona da medula, podem resultar em obstrução vascular na
qüentemente estejam envolvidos, a intensidade do proces- área da papila, com necrose e desgarramento.
so em cada rim é variável; às vezes, na vigência de obstru- No animal submetido a pielonefrite experimental não é
ção intra- ou extra-renal do fluxo de urina, a infecção é incomum se encontrar necrose de tecido papilar. No rato,
unilateral. Geralmente estes abscessos são unilaterais. por exemplo, com infecção urinária por E. coli associada a
Em casos de infecção de rim hidronefrótico, pode advir corpo estranho na bexiga, a necrose papilar não é rara.
uma pionefrose, complicação das mais temíveis, porque Talvez seja esta uma das causas da hidronefrose que se
passível de provocar destruição grave e irreversível do rim desenvolve em animais com pielonefrite aguda sem obs-
em poucos dias ou semanas. E na abordagem cirúrgica trução provocada no trato urinário; é verdade que a urina
destes casos, a nefrectomia é freqüentemente a única ati- purulenta, aliada a alterações da motilidade da pelve e
tude terapêutica racional e efetiva. ureteres, sejam, também, importantes fatores obstrutivos
Embora incomum, alguns pacientes desenvolvem orqui- nestes casos.
epididimite no curso de uma infecção do trato urinário ou Esta é uma complicação grave das infecções urinárias.
subseqüentemente a ela. Alguns destes doentes são jovens, Existe, habitualmente, bacteremia nestes casos, e como o
com história compatível com processo de prostatite, não processo de necrose de papilas é, com freqüência, bilate-
se sabendo se a infecção urinária foi uma conseqüência da ral e acompanhado por obstrução, é comum o surgimento
infecção do tecido prostático. Curiosa tem sido a observa- de uremia.
ção experimental de que próstata infectada em ratos pode O tratamento é feito preferencialmente com aminogli-
determinar infecção urinária, com acometimento dos rins; cosídeos associados a antibióticos beta-lactâmicos, em do-
localização e multiplicação de E. coli na próstata também ses a serem ajustadas ao caso, se existe insuficiência renal.
tem sido observada em ratos subseqüente a pielonefrite Em alguns pacientes a eliminação de tecido papilar ne-
experimental, particularmente se a próstata foi previamen- crótico resulta em obstrução urinária, com dor tipo cólica
te lesada. A invasão do epidídimo e dos testículos pode ser renal. Na vigência de diabetes mellitus, não raro se associa
conseqüência da extensão do processo do tecido epididi- processo de acidemia que deve ser convenientemente
mário, provavelmente por via canalicular, com envolvi- manejado; no mínimo, existe necessidade de reajuste do
mento do testículo correspondente. O processo é habitu- regime hipoglicemiante.
almente unilateral e se manifesta com forte dor ao nível da
região escrotal, dor que se exacerba acentuadamente à BACTEREMIA
palpação, com aumento de volume do epidídimo e do tes- O trato urinário infectado continua sendo uma das fon-
tículo, febre elevada e calafrios. O tratamento envolve tes mais importantes de bacteremia por germes Gram-
capítulo 25 501

negativos. Este fato tem sido observado e freqüentemente de refluxo vésico-ureteral ou, talvez, uma forma de agres-
relatado na literatura. Como as infecções urinárias são as são imunológica dos rins (nefrite intersticial imunológica),
mais comuns infecções hospitalares de nossos dias, pode- com destruição progressiva do parênquima renal.
se imaginar a importância deste tipo de complicações, não Tem sido muito difícil, no animal de experiência, indu-
apenas como fonte de morbidade, mas de mortalidade. zir uremia crônica progressiva utilizando modelos diferen-
Bacteremia tem sido observada no curso de invasão do tes de pielonefrite, mesmo introduzindo graus diferentes
tecido renal, em doentes com cateter de permanência e em de uropatia obstrutiva.
doentes infectados (ou não) submetidos a manipulação do Interessante tem sido a observação experimental de que
trato urinário e, mesmo, a litotripsia. Principalmente em rins pielonefríticos perdem a capacidade de desenvolver
doentes idosos e em imunodeprimidos, bacteremia pode hipertrofia compensadora quando se faz a nefrectomia
acompanhar-se de choque e, algumas vezes, de morte. contralateral, independente do grau de lesão do parênqui-
ma ou da existência de bactérias se multiplicando no teci-
do renal. A atrofia do parênquima renal na pielonefrite
Pontos-chave: resulta não apenas do processo inflamatório intersticial,
• Pielonefrite aguda se manifesta por febre, mas pode ser complicada pela obstrução vascular pelo
processo infeccioso.
calafrios, dor lombar ou em flanco, disúria e
aumento da freqüência urinária
HIPERTENSÃO ARTERIAL
• No idoso, às vezes, falta febre e/ou dor
Têm sido muito variáveis os índices de correlação entre
lombar bacteriúria e hipertensão arterial. Para muitos autores, hi-
• Abscessos, renal e perirrenal, e mesmo pertensos têm maior prevalência de bacteriúria do que
necrose de papilas renais são complicações controles não hipertensos. Este fato fica mais notório quan-
relacionadas à pielonefrite, sobretudo do se seleciona o grupo hipertenso que à urografia excre-
quando existe processo obstrutivo tora evidencia alterações passíveis de resultarem de pielo-
• Pielonefrite é uma importante causa de nefrite. A correlação de bacteriúria e hipertensão arterial,
sepse entretanto, pode também refletir a maior suscetibilidade
do hipertenso ao desenvolvimento de infecção do trato
• Pielonefrite é importante causa de cicatrizes
urinário, o que tem sido também destacado na literatura.
renais em crianças Quanto à infecção urinária ser a causa da hipertensão
arterial (v. Cap. 43), estudos de acompanhamento de gru-
pos de pacientes a longo prazo têm demonstrado que o
Complicações Tardias desenvolvimento de hipertensão arterial, nos casos de in-
fecção urinária, é semelhante ao da população geral.
ATROFIA DO PARÊNQUIMA RENAL E Experimentalmente também tem sido difícil demonstrar
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA que pielonefrite pode determinar hipertensão arterial. A
As lesões da pielonefrite destroem áreas do tecido re- variedade de raças de animais utilizados, o modo de in-
nal e se formam cicatrizes. Em processos repetidos e fre- dução da infecção renal, a duração do acompanhamento e
qüentes pode haver destruição considerável do tecido re- a gravidade da infecção têm resultado em respostas mui-
nal. Quando existe obstrução associada, o grau de infec- to contraditórias. Utilizando-se modelo de pielonefrite,
ção é bem maior, e ao lado da destruição resultante do através de inoculação direta de bactérias na medula renal
aumento de pressão se associa a destruição tecidual pelo de ambos os rins de ratos, ou de rins únicos em ratos
processo infeccioso. Como conseqüência, a estrutura ana- Sprague-Dawley, demonstrou-se o desenvolvimento de
tômica e funcional de um ou de ambos os rins pode ser hipertensão arterial até certo ponto relacionado ao grau de
gravemente afetada ou destruída. Cumpre assinalar, en- agressão e destruição do parênquima renal, em animais
tretanto, que é rara a ocorrência de uremia nestes casos sem acompanhados por 3, 6 e 9 meses.
haver obstrução urinária bilateral. Embora séries clínicas
sobre as causas de insuficiência renal crônica se refiram à LITÍASE URINÁRIA
pielonefrite como uma causa importante, o diagnóstico De há muitos anos se conhecem as múltiplas facetas da
baseou-se em dados histológicos, explicáveis pela presen- interação entre infecção urinária e urolitíase (v. Cap. 33):
ça de doenças que acometem a região túbulo-intersticial e
sem documentação de infecção como causa primária da 1) uma pode favorecer o surgimento da outra;
doença renal; em alguns desses casos a infecção parece ter 2) uma pode dificultar o controle da outra;
tido um papel secundário. Os casos da assim chamada 3) uma pode agravar as manifestações clínicas da outra.
“pielonefrite atrófica bilateral”, sem bacteriúria, provavel- A infecção favorece o surgimento de litíase através de
mente representam, na maioria das vezes, a conseqüência uma multiplicidade de mecanismos:
502 Infecção do Trato Urinário

a) degradação da uréia pelo agente bacteriano e elevação dade (morte súbita, inexplicada) do que um grupo com-
do pH urinário, facilitando agregação cristalina; parável de idosos não-bacteriúricos. As razões deste acha-
b) lesão do parênquima renal, com alteração da mucosa do, ainda não suficientemente documentado na literatura,
pélvica, favorecendo o acúmulo de agregados cristalinos; não estão aparentes. Mostrou-se que bacteriúria no idoso
c) a inflamação, com destruição de tecido renal, resulta em pode ser um marcador de saúde mais comprometida.
detritos celulares variegados, podendo formar núcleos
de calcificação;
Pontos-chave:
d) diminuição de fatores estabilizadores na urina, entre
outros. • ITU é a infecção bacteriana mais comum na
De qualquer modo, no animal de experiência, tem sido gravidez e pode manifestar-se como
possível documentar a facilidade de formação de cálculos bacteriúria assintomática, ITU baixa ou
através de indução de diferentes modelos experimentais. pielonefrite
Proteus sp., entretanto, mostra-se a raça bacteriana mais • Os agentes infectantes são aqueles mesmos
capaz de litogênese. Digno de nota, entretanto, tem sido a que causam ITU não complicada
demonstração de que bactérias “infectam” cálculos e po- • ITU em gestação se correlaciona com
dem aí sobreviver, indenes aos efeitos de antimicrobianos, abortamento, prematuridade e baixo peso;
e daí saírem e reinfectarem o trato urinário. 20 a 30% das gestantes com bacteriúria
Este fato é significante porque indica, em casos de rein-
desenvolvem pielonefrite
fecção em pacientes litiásicos, a necessidade de retirada do
cálculo urinário como medida indispensável para aumen-
• O tratamento previne as complicações
tar as oportunidades de esterilização do trato urinário. relacionadas a ITU na gestação
Também reforça a necessidade de se fazer uso de antimi-
crobianos adequados no curso da litotripsia, pelo perigo
da liberação de bactérias no trato urinário obstruído, du- TRATAMENTO DAS INFECÇÕES
rante o procedimento.
DO TRATO URINÁRIO
COMPLICAÇÕES NA GRAVIDEZ O tratamento bem-sucedido das infecções do trato uri-
Sabe-se que a grávida é mais suscetível a desenvolver nário depende essencialmente de:
bacteriúria. É verdade, entretanto, que de 1 a 2% das
1) diagnóstico clínico-bacteriológico correto;
bacteriúrias detectadas na gravidez provavelmente já es-
2) escolha de agente antibacteriano adequado, que deve ser
tavam presentes antes da gestação, como resultado de in-
usado de modo próprio;
fecção urinária adquirida na infância e não totalmente er-
3) acompanhamento do doente para verificar a ocorrência
radicada. Ocorre mais freqüentemente no segundo e no
de recidiva da infecção. Nestes casos, investigar a exis-
terceiro trimestre.
tência de fator predisponente, para a medida terapêuti-
A bacteriúria da gravidez deve ser erradicada ou supressa,
ca adequada.
sob pena de complicações. Pielonefrite aguda, por exemplo,
Como as manifestações clínicas de infecções do trato
desenvolve-se em 20 a 30% de grávidas bacteriúricas, no
urinário são múltiplas, ocorrendo em situações muito va-
período da gestação ou no pós-parto imediato. Além disso,
riadas, a atitude terapêutica também pode e deve ser vari-
já se tem como aceita na literatura uma correlação entre bac-
ada, adequando-se à situação clínica.
teriúria não controlada e baixo peso ao nascer ou prematu-
ridade. Este fato é muito importante porque prematurida-
de, per se, resulta em maior mortalidade perinatal e proble- Padrões de Resposta ao Tratamento
mas de desenvolvimento do concepto. Alguns estudos su-
gerem, além disso, que bacteriúria pode facilitar a ocorrên- É importante que se conheçam os padrões de resposta
cia da toxemia da gravidez, assim como acentuar a anemia terapêutica, para melhor planejar a atitude a ser adotada.
observada no período da gestação. Mais grave, entretanto, Existem quatro respostas possíveis à terapêutica:
embora não estabelecido, tem sido a sugestão de deficiência a. Cura: quando a urocultura se torna negativa e continua
de desenvolvimento intelectual de recém-nascidos de mães negativa pelo período de até seis meses (período con-
bacteriúricas, quando comparados a grupos controle apro- vencional);
priados em acompanhamento a longo prazo. b. Persistência: quando a mesma bactéria existente antes da
terapêutica continua na urina, em número elevado ou
AUMENTO DA MORTALIDADE em pequeno número por ml. Este fenômeno indica ine-
Mais recentemente, tem-se sugerido que pacientes ido- ficácia do antibiótico usado, ou por causa de resistência
sos com bacteriúria apresentam maior índice de mortali- do agente causal, ou pela concentração urinária ina-
capítulo 25 503

dequada do produto. A persistência às vezes reflete um TRATAMENTO COADJUVANTE. Além das medidas
defeito orgânico que torna a bactéria do trato urinário terapêuticas mais diretas, doentes com infecção do trato
inatingível (existência de cálculo, prostatite, entre ou- urinário, na dependência das manifestações clínicas, são
tros). colocados em repouso relativo, com oferta ampla de líqui-
c. Recaída: quando o mesmo organismo reaparece na uri- dos. Existe valor na hiperidratação nestes casos? Parece que
na do doente, depois de ter sido erradicado por uma sim, embora existam argumentos favoráveis e desfavorá-
terapia adequada. Está freqüentemente associada a in- veis a este procedimento. Além do efeito de lavagem do
fecção do parênquima renal e ocorre dentro de duas a aparelho urinário, existe diminuição no número de bacté-
três semanas do término da terapêutica. rias por ml de urina; decresce a hipertonicidade da papila
d. Reinfecção: quando desaparece a bactéria infectante e renal, aumenta a migração leucocitária na medular dos
surge novo agente etiológico. Às vezes este fenômeno rins, assim como a atividade do complemento. Em contra-
ocorre durante a terapêutica, mas o comum é ocorrer de posição, a repleção exagerada da bexiga pode facilitar o
2 a 6 meses do tratamento inicial. Na maioria destes refluxo vésico-ureteral e favorecer a diluição de antibacte-
casos, a infecção é do trato urinário baixo. Quando existe rianos na bexiga. De qualquer modo, parece-nos haver
recidiva com bactéria da mesma espécie, somente a mais pronta resposta sintomática com a hidratação mais
serotipagem permite identificar se se trata de reinfecção ampla do doente, sem haver aparente prejuízo da eficácia
ou recaída. antibacteriana do tratamento.
Em algumas situações, procura-se alterar o pH uriná-
rio para melhorar a eficácia de certos antibacterianos. A
Esquemas Terapêuticos Propostos baixa do pH resulta em maior eficácia do ácido hipúrico,
A infecção do trato urinário continua sendo tratada pelo metenamina e nitrofurantoína; já o aumento favorece a
método convencional, através do uso de antibacterianos, eficácia de aminoglicosídeos e macrolídeos. Apesar de es-
após a identificação do agente infectante e o conhecimen- tes fatos já estarem comprovados, pouco se procura alte-
to da sua sensibilidade aos antimicrobianos, consideran- rar o pH urinário, a não ser nas seguintes condições:
do-se as peculiaridades do hospedeiro. O período do tra- a. nos cálculos de estruvita infectados (sobretudo com
tamento é variável, podendo ter a duração de 3 dias, 7 a 14 Proteus sp.) o pH urinário se eleva e favorece a mais rá-
dias ou, excepcionalmente, ser em dose única. A natureza pida deposição de sais de cálcio. A baixa do pH se con-
do tratamento convencional e empírico está explicitada no trapõe a este efeito e à multiplicação bacteriana;
Quadro 25.5, não necessitando de maiores especificações. b. nos casos de uropatia obstrutiva grave, não passíveis de
correção anatômica e/ou fisiológica, podem-se evitar
DOSE ÚNICA VERSUS DOSE CONVENCIONAL surtos repetidos de infecção urinária sintomática usan-
Desde alguns anos se vem tentando verificar a eficácia do vitamina C (4 g ou mais/dia). Devemos lembrar que
terapêutica de doses únicas de antibacterianos em infec- a baixa prolongada do pH com ácido ascórbico favore-
ções do trato urinário. Resultados relativamente bons têm ce a deposição de oxalatos; de outra parte, a acidifica-
sido relatados por numerosos autores. Este tipo de trata- ção favorece a deposição de ácido úrico.
mento não tem sido muito eficaz em crianças, em mulhe-
O uso de analgésicos e antiespasmódicos está indicado
res grávidas e em outras situações.
nos casos de dor lombar ou suprapúbica, muito incômoda
As vantagens da dose única são as seguintes:
em alguns casos.
1) redução de custos;
2) menor toxicidade; QUIMIOPROFILAXIA PROLONGADA
3) redução na emergência de resistência bacteriana; Nos casos de infecções repetidas (recaídas ou reinfecções
4) identificação mais precoce do doente que necessita de ocorrendo mais de três vezes por ano), o doente deve ser
investigação urológica e tratamento mais prolongado. estudado do ponto de vista urológico. O tratamento, nes-
Apesar dessas vantagens, a dose única não tem grande tes casos, envolve uma fase inicial, com doses habituais do
eficácia na erradicação das bactérias uropatogênicas que antibacteriano escolhido para erradicar a bacteriúria; a
colonizam o trato digestivo e a vagina e, por isso, a recor- manutenção da terapêutica é feita com um antibacteriano
rência é mais alta, muito superior ao observado com três dias (preferentemente um quimioterápico), em dose menor,
de tratamento. Por esta razão, o tratamento por três dias tem dado uma única vez ao dia, preferencialmente à noite. Os
sido preconizado. Deve ser chamada a atenção, entretanto, produtos mais usados para a quimioprofilaxia urinária são:
para que o tratamento de curta duração (dose única e por sulfonamidas, SMZ/TMP, nitrofurantoína, quinolônicos
três dias) não seja aplicado em pacientes do sexo masculino ou menos comumente um beta-lactâmico de espectro mais
ou com sintomatologia maior que sete dias, com pielonefri- reduzido, como a cefalexina. Na vigência de processo obs-
te aguda, com infecção urinária complicada ou em imunos- trutivo, o objetivo é manter a bacteriúria abaixo de 105ufc/
suprimidos. ml, o que interrompe o ciclo de infecções sintomáticas em
504 Infecção do Trato Urinário

Quadro 25.5 Tratamento das infecções do trato urinário (ITU)

Natureza da infecção Antimicrobiano Duração e observações


1. ITU sintomática
1.1. Febril
não complicada Norfloxacina ou 10-14 dias
Fluorquinolonas*
Cefalosporina de 2.ª ou
3.ª geração
Aztreonan
Aminoglicosídeos
ou
complicada Fluorquinolona No caso de suspeita de bacteremia, sobretudo em idosos,
Cefalosporina de 3.ª ou ITU complicada aconselha-se internamento
geração hospitalar e tratamento parenteral. Na grande
Piperacilina/Tazobactan maioria dos casos o tratamento é ambulatorial.
Ampicilina/Sulbactan
Carbapenêmicos
Aminoglicosídeos

1.2. Sem febre Norfloxacina ou 3 dias


Fluorquinolonas Se existe história de ITU recorrente ou complicação
Cefalosporina de 1.ª e 2.ª do trato urinário (fator obstrutivo), tratar por
geração 7 a 10 dias.
Nitrofurantoína
STZ/TMP**
Amoxacilina/Clavulanato
(5-7 dias)
Ampicilina/Sulbactan
(5-7 dias)

2. ITU assintomática Cefalosporina de 1.ª ou 2.ª 7-10 dias


geração Tratar apenas mulheres grávidas, pacientes
Quinolônicos transplantados renais, pacientes neutropênicos
Nitrofurantoína e pacientes que irão se submeter a procedimentos
SMZ / TMP* urológicos invasivos ou a litotripsia.

3. ITU recorrente (mais


de 3 surtos ao ano)
3.1. Não complicada 7-10 dias na fase sintomática; manter 1/2 ou 1/4 da
(sem fator Norfloxacina dose por 6-9 meses.
obstrutivo) Fluorquinolônicos Quando relacionada ou coito, usar dose do
Cefalosporina de 1.ª ou 2.ª antimicrobiano após o ato sexual.
geração
Nitrofurantoína
3.2. Complicada SMZ/TMP*
(com fator Tratar como ITU sintomática por 7 a 10 dias;
obstrutivo) continuar como em casos não complicados

*Moxifloxacina e trovafloxacina não alcançam níveis urinários adequados.


**Com o aumento de resistência da flora infectante do trato urinário ao SMZ/TMP, o uso deste produto perdeu muito de sua eficácia.

alguns casos. Uma situação especial é a da mulher com Situações Terapêuticas Especiais
infecção recorrente pós-coito. Nestes casos, uma dose de
um destes antibacterianos após a relação sexual e o esva- 1) Existem alguns casos de bacteriúria significante que não
ziamento vesical tem-se mostrado bem eficiente. A dura- devem ser tratados. Bacteriúria assintomática em mu-
ção do tratamento profilático nos casos recorrentes é vari- lheres não grávidas, por exemplo, não exige terapêuti-
ável, sendo geralmente inferior a 6-9 meses. Quando exis- ca. Em muitos casos a situação é transitória. Além dis-
te processo obstrutivo não passível de correção, o tratamen- so, a mudança de uma cepa bacteriana por outra, com
to da infecção se prolonga por muitos anos. maiores características de virulência, pode conduzir ao
capítulo 25 505

surgimento de sintomas. E ainda se junta a isso o pro-


blema adicional de reações adversas ocasionais aos an- BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
tibacterianos. Esta situação é mais freqüente em pacien-
BRAN, J.L.; LEVISON, M.E. & KAYE, D. Entrance of bacteria into the
tes idosos. female urinary bladder. New Engl. J. Med., 286:626-629, 1972.
2) De outra parte, indivíduos muito sintomáticos, com pi- BUCKLEY, R.M.; McGUKIN, M. & MacGREGOR, R.R. Urine bacterial
úria e ⬍105 ufc/ml, merecem tratamento se se diagnos- counts following sexual intercourse. New Engl. J. Med., 298:321-324,
tica uma síndrome uretral aguda. Nestes casos, se a 1978.
FOWLEY, J.E. & PULASKI, E.T. Excretory urography, cystography and
urocultura é negativa para Enterobacteriaceae, como ocor- cystoscopy in the evaluation of women with urinary tract infection.
re na síndrome uretral, deve-se investigar a existência New Engl. J. Med. 304:462-470, 1981.
de Chlamydia, Ureaplasma ou Gonococcus. GRAHAN, J.C. & GALLOWAY, A. The laboratory diagnosis of urinary
3) Crianças com refluxo vésico-ureteral devem ser trata- tract infection. J. Clin. Pathol., 54: 911-919, 2001.
HANSON, L.A. Host parasite relationships in urinary tract infections. J.
das até que o refluxo desapareça. Isso, às vezes, exige Infect. Dis., 127:726-730, 1973.
anos de quimioprofilaxia. As doses usadas na quimio- HAMBER, M.J. & ASSCHER, A.W. Virulence of urinary pathogens. Kid-
profilaxia são a 1/2 ou 1/4 da dose terapêutica usual. ney Int., 78:717-721, 1985.
4) Em mulheres sexualmente ativas, o uso de uma dose de HOOTON, T.M.; SCHOLES, D.; STAPLETON, A.E.; ROBERTS, P.L.;
WINTER, C.; GUPTA, K.; SAMADPOUR, M. & STAMM, W.E. A pros-
antibacteriano ao término do ato sexual associado ao pective study of asymptomatic bacteriuria in sexually active young
esvaziamento da bexiga decresce a prevalência de infec- women. New Eng. J. Med., 343:992-997, 2000.
ção em alguns casos de infecção relacionada ao coito. KÄLLENIUS, G.; SUENSON, S.B.; MÖLLBY, R. et al. Carbohydrate re-
5) No doente com cateter de permanência, infecção uriná- ceptor structors recognized by uropathogenic E. coli. Scand. J. Infect.
Dis., 33(Suppl):52-60, 1982.
ria é a regra. O uso do sistema fechado apenas retarda o KAYE, D. Antibacterial activity of human urine. J. Clin. Invest., 47:2.374-
início da infecção. Não se indica o uso de antibacteria- 2.390, 1968.
nos nestes casos, desde que a terapia, nestas circunstân- KUNIN, C.M. Urinary Tract Infection. Detection, Prevention, and Manage-
cias, conduz à seleção de cepas bacterianas resistentes. ment. 5th Edition. Williams & Wilkins, Baltimore, 1997.
LEFFLER, H. & SVANBORG-EDEN, C. Glycolipid receptor for
Eles devem ser reservados para a situação logo após a urophatogenic Escherichia coli on human erythrocytes and uroepithe-
retirada do cateter, quando então se procede a rigoroso lial cells. Infect. Immunity, 34:920-929, 1981.
tratamento, ou nos episódios sintomáticos febris que po- LOMBERG, H.; HANSON, L.A.; JACOBSSON, B.; JODAL, U.; LEFFLER,
dem ocorrer. H. & SVANBORG-EDEN, C. Correlation of P blood group, vesicou-
reteral reflux, and bacterial attachment in patients with recurrent
pyelonephritis. New Engl. J. Med., 308:1.189-1.192, 1983.
MILLER, T.E. & NORTH, J.D. Host response in urinary tract infections.
Dificuldades para Erradicação Kidney Internat., 5:179-186, 1974.
MULHOLLAND, S.G. Lower urinary tract antibacterial defense mecha-
da Bacteriúria nisms. Invest. Urol., 17:93-97, 1979.
MURRAY, T. & GOLDBERG, M.J. Chronic interstitial nephritis: Etiologic
Existem situações que dificultam a cura de uma infec-
factors. Ann. Intern. Med., 82:453-459, 1975.
ção urinária, independente da eficácia do agente antibac- NICOLLÉ, L.E.; HARDING, G.K.M.; PREIKSITIS, J. et al. The association
teriano utilizado (Quadro 25.6). É que nestas situações as of urinary tract infection with sexual intercourse. J. Infect. Dis., 146:579-
condições do hospedeiro, e sobretudo a situação anatômi- 583, 1982.
ca e funcional do aparelho urinário, são fundamentais para OTTO, G.; BRACONIER, J.H.; ANDREASSON, A. & SVANBORG, C.
Interleukin-6 and disease severity in patients with bacteremic and
uma boa resposta terapêutica. nonbacteremic urinary tract infection. J. Infect. Dis., 179:172-179, 1999.
PARSONS, C.L.; GREENSPAN, C. & MULHOLLAND, S.G. The prima-
ry antibacterial defense mechanism of the bladder. Invest. Urol., 13:72-
76, 1975.
Quadro 25.6 Dificuldades para erradicação de uma PLATT, R.; POLK, B.F.; MURDOCK, B. et al. Mortality associated with
bacteriúria nosocomial urinary tract infection. N. Engl. J. Med., 307:637-642, 1982.
ROBERT, J.A. Urinary tract infections. Am. J. Kid. Dis., 4:103-117, 1984.
1. Idade avançada ROBERTS, J.A. Etiology and pathology of pyelonephritis. Am. J. Kid. Dis.,
2. Doenças associadas 17:1-99, 1991.
• Diabetes mellitus ROCHA, H. Pathogenesis and clinical manifestations of urinary tract in-
• Nefroesclerose fection. In: Kaye, D. Urinary Tract Infection and Its Management. The C.V.
3. Rins policísticos Mosby Co., Saint Louis, Chapt. 2, p. 6-27, 1972.
4. Obstrução urinária ROCHA, H. Epidemiology of urinary tract infection in adults. In: Kaye,
• Urolitíase D. Urinary Tract Infection and Its Management. The C.V. Mosby Co.,
• Aumento da próstata Saint Louis, Chapt. 9, p. 142-155, 1972.
• Válvulas anômalas SANTOS, W.L.C.; ANDRADE, Z.A. & ROCHA, H. Dynamics of
5. Bexiga neurogênica connective matrix deposition in acute experimental E. coli pyelone-
6. Refluxo vésico-ureteral phritis in rats. Exp. Toxic. Pathol., 46:63-69, 1994.
7. Formas menos comuns de infecção renal STAMEY, T.A. The role of introital enterobacter in recurrent urinary tract
• Pielonefrite xantogranulomatosa infections. J. Urol., 128:414, 1982.
• Necrose de papilas renais STAMEY, T.A.; FAIR, W.R.; TIMOTHY, M.M. & CHONG, H.D.
Antibacterial nature of prostatic fluid. Nature, 218:444-447, 1968.
506 Infecção do Trato Urinário

STAMM, W.E. Measurement of pyuria and its relation to bacteriuria. Am. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
J. Med., 75:53-58, 1983.
STAMM, W.E.; COUNTS, G.W.; RONNING, K.R. Diagnosis of coliform Atlas of diseases of the kidney
infection in acutely dysuric women. N. Engl. J. Med., 307:463-468, 1982. http:www.kidneyatlas.org/book2/adk2-07.pdf
STAMM, W.E. & HOOTON, T.M. Management of urinary tract infecti- Renal Pathology Society
ons in adults. New Engl. J. Med., 329:1328-1334, 1993. http:www.renalpathsoc.org
SILVERBLATT, F.S. Host parasite interaction in the rat renal pelvis: A pos-
http:www.kumc.edu/instructio/medicine/pathology/ed/ch-16/
sible role of pili in the pathogenesis of pyelonephritis. J. Exp. Med.,
140:1696-1711, 1974.
ch-16-nf.html
WARREN, J.W.; ABRUTYN, E.; HEBEL, J.R.; JOHNSON, J.R.; SCHOE- The nephron information center
FFER, A.J. & STAMM, W.E. Guidelines for antimicrobial therapy of http:www.nephron.com
uncomplicated acute bacterial cystitis and acute pyelonephritis in RenalNet
women. Clin. Infect. Dis., 29:745-758, 1999. http:www.renalnet.org
WENNERSTRÖM, M.; HANSSON, S.; JODAL, U.; SIXT, R. & TOKLAND,
E. Renal function 16 to 26 years after the first urinary tract infection in
childhood. Arch. Pediatr. Adolesc., 154: 339-345, 2000.
WINBERG, J.; BOLLGREN, I.; KÄLLENIUS, G. et al. Clinical pyelonephri-
tis and focal renal carring. A selected review of pathogenesis, preven-
tion and prognosis. Pediatr. Clin. North Am., 29:801-814, 1984.
Capítulo
Nefropatia do Refluxo

26 Noemia Perli Goldraich

INTRODUÇÃO Urografia excretória


SINONÍMIA Ultra-sonografia
ETIOPATOGENIA Ressonância magnética
Refluxo intra-renal SEQÜELAS
Infecção urinária Hipertensão arterial
Pressão intravesical Insuficiência renal crônica
Displasia renal Gravidez
Genética Proteinúria
Fatores de risco para cicatrizes renais HISTÓRIA NATURAL
DIAGNÓSTICO PREVENÇÃO
Cintilografia renal com DMSA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

responsável por 15% a 30% dos casos de insuficiência re-


INTRODUÇÃO nal crônica (IRC) em crianças e em adultos.5-8
Em 1960, Hodson e Edwards9 estabeleceram uma rela-
Refluxo vesicoureteral primário (RVU) é uma anomalia ção causal entre RVU e a ocorrência de cicatrizes renais.
congênita que consiste na passagem retrógrada de urina Cicatrizes típicas de pielonefrite crônica são um fenôme-
da bexiga para o ureter, na ausência de outras anormali- no próprio do período de crescimento rápido do rim quan-
dades obstrutivas ou neuromusculares no trato urinário. do ele é mais vulnerável aos efeitos do RVU.3,10,11 A impor-
RVU é identificado em 30% das crianças investigadas por tância da combinação de RVU com infecção renal foi do-
infecção urinária (IU).1 Em lactentes normais estima-se que cumentada experimentalmente, em miniporcos, por Rans-
ele ocorra em 1% a 2%.2 ley e colaboradores.12,13 Mais recentemente, estudos expe-
Nefropatia do refluxo é o conjunto de lesões renais depen- rimentais e clínicos nos quais se utilizou a cintilografia
dentes de RVU, semelhantes em distribuição e intensida- renal com ácido dimercaptossuccínico (DMSA) mostraram
de àquelas descritas como as da pielonefrite crônica. Ela é que cicatrizes renais podem ocorrer após quadro de IU
definida in vivo por suas características morfológicas. Há febril, em pacientes nos quais não se conseguiu evidenci-
sempre perda, focal ou difusa, irreversível, do parênqui- ar a presença de RVU, chamando a atenção para o papel
ma renal. Caracteristicamente, as cicatrizes renais são mais da virulência bacteriana e dos fatores de defesa do hospe-
freqüentes nos pólos renais, superiores e inferiores. O rim deiro.14,15 Por outro lado, rins contraídos, com cicatrizes,
apresenta-se reduzido de tamanho e, mesmo nos casos também são identificados em recém-nascidos e em lacten-
bilaterais, o comprometimento é sempre assimétrico e de tes, nos quais foi feito o diagnóstico intra-útero de RVU e
intensidade variável. O espectro é muito amplo, variando que não apresentaram IU no período pós-natal, caracteri-
desde uma única papila comprometida num pólo até um zando que elas dependem de displasia renal e não da com-
rim contraído de estágio final.3,4 A nefropatia do refluxo é binação de RVU e IU.16-18
508 Nefropatia do Refluxo

Cicatrizes renais englobam tanto as alterações renais con- comendada por Bailey,4 enfatiza o fato de o RVU ser o prin-
gênitas/embriológicas quanto as adquiridas/pós-natais.17-20 cipal responsável pelo aparecimento de cicatrizes renais,
A maioria dos casos é identificada durante a avaliação de na ausência de obstrução. A demonstração, tanto experi-
pacientes com IU e são atualmente classificadas em: mental como em humanos, de que estas cicatrizes podem
surgir quando há IU febril, na ausência de RVU, fez com
(1) congênitas ou primárias: expressam-se por áreas focais
que, atualmente, a denominação de cicatrizes renais asso-
ou difusas de displasia renal e resultam da ação de con-
dições que atuam no período de desenvolvimento in- ciadas a IU passasse a ser empregada.14,15,21
tra-útero do rim; Neste capítulo, nefropatia do refluxo, cicatrizes renais
associadas a IU e cicatrizes renais são termos intercambiá-
(2) adquiridas: dependentes de IU febril, com ou sem RVU
veis.
associado.
A ocorrência de IU febril pode causar extensão das ci-
catrizes congênitas.18 Essa classificação etiopatogênica tem
implicações práticas imediatas. As cicatrizes renais que se
ETIOPATOGENIA
instalam como conseqüência de uma IU febril constituem
No Quadro 26.2 aparecem os fatores implicados na eti-
uma causa prevenível de IRC em crianças e em adultos jovens.
opatogenia das cicatrizes renais.
A responsabilidade médica do diagnóstico e da investiga-
ção de todos os lactentes com IU febril ultrapassa o reco-
nhecimento de um processo infeccioso no parênquima re- Refluxo Intra-renal
nal.
Refluxo intra-renal é a presença de contraste no interi-
or do parênquima renal, durante a realização de uretrocis-
Ponto-chave: tografia miccional e que pode alcançar até os glomérulos.
Corresponde a refluxo pielotubular. Permite reconhecer a
• A classificação de cicatrizes renais em
via através da qual a urina atinge o parênquima renal, onde
congênitas e adquiridas tem implicações
irá causar a lesão inicial. Há dois tipos de papilas renais:
práticas, já que as cicatrizes adquiridas simples e compostas. As simples não permitem a ocorrên-
estão relacionadas a infecções urinárias cia de refluxo intra-renal. As compostas resultam da fusão
febris. Elas são uma causa prevenível de de duas ou três papilas adjacentes e possibilitam refluxo
hipertensão arterial e de insuficiência renal intra-renal franco, quando se atinge a pressão crítica. Es-
crônica em crianças, em adolescentes e em tudos em humanos sugerem que um terço dos rins é total-
adultos jovens mente imune a refluxo intra-renal e dois terços são susce-
tíveis bilateralmente. Esta variabilidade é que seria respon-
sável pelas diferentes apresentações morfológicas da ne-
fropatia do refluxo.12,22
SINONÍMIA
Os diversos nomes propostos para designar esta enti- Infecção Urinária
dade evidenciam diferentes interpretações sobre qual o
fator mais crítico na gênese das cicatrizes renais (v. Qua- As evidências de que a presença de IU e RVU são ne-
dro 26.1). A denominação de pielonefrite crônica é inade- cessárias para o aparecimento de cicatrizes renais derivam
quada, porque as cicatrizes renais não se associam, em tanto de estudos clínicos como experimentais. 1,13,18
geral, com infecção renal inativa. A substituição do termo Goldraich e Goldraich23 acompanharam prospectivamen-
pielonefrite crônica atrófica por nefropatia do refluxo, re- te 202 crianças, com RVU identificado durante a investi-
gação de uma IU. Novas cicatrizes foram evidenciadas pela
cintilografia renal com DMSA em sete (3,5%) pacientes. Em

Quadro 26.1 Nomes usados para designar


cicatrizes renais relacionadas à ocorrência de
infecção urinária e refluxo vesicoureteral Quadro 26.2 Fatores etiopatogênicos envolvidos na
primário nefropatia do refluxo
⇒ Pielonefrite crônica ⇒ Refluxo intra-renal
⇒ Pielonefrite atrófica não-obstrutiva ⇒ Infecção urinária
⇒ Pielonefrite crônica atrófica ⇒ Pressão intravesical
⇒ Nefropatia do refluxo ⇒ Displasia renal
⇒ Cicatrizes renais associadas a infecção urinária ⇒ Genéticos
capítulo 26 509

todos eles, o aparecimento destas novas cicatrizes relacio- res é o efetor crítico da resposta do hospedeiro. As citoqui-
nou-se a IU febril. Relatos anteriores, baseados em acha- nas, incluindo as interleucinas (IL-1b, IL-6 e IL-8), partici-
dos de urografia excretora, enfatizaram a necessidade da pam nessa resposta. Quando elas são dosadas na urina de
concomitância de IU e RVU, para o aparecimento de cica- crianças com pielonefrite aguda, verificam-se níveis mui-
trizes, geralmente polares, especialmente nos cinco primei- to elevados logo no começo, mas que diminuem significa-
ros anos de vida, quando o rim é mais vulnerável aos efei- tivamente logo após o início de antibioticoterapia.29 Quan-
tos combinados destes dois fatores.11,24 A cintilografia com do se reduz o influxo de neutrófilos no parênquima renal
DMSA permite acompanhar as alterações renais desde a através de diferentes mecanismos (colchicina, ciclofosfami-
fase inicial do processo inflamatório associado à IU até a da, veneno de cobra) a persistência de bactérias no parên-
fibrose, que leva ao aparecimento da cicatriz permanente quima aumenta, mas diminui a ocorrência de cicatrizes.
da nefropatia do refluxo. Essas cicatrizes se desenvolvem Disfunções nos neutrófilos levam à pielonefrite aguda e às
exclusivamente nas áreas onde previamente foram identi- cicatrizes renais. Fatores genéticos também estão implica-
ficadas anormalidades na captação do radiofármaco du- dos nessas anormalidades imunológicas “inatas”. Esses
rante a IU febril14,15,21 (v. Fig. 26.1). Experimentalmente, estudos sugerem que o dano renal se instala precocemen-
mostrou-se que antibioticoterapia precoce (até uma sema- te quando há IU e reforçam a necessidade de diagnóstico
na após o início da IU) é capaz de reverter e até evitar a e intervenção rápidos para prevenir a ocorrência de cica-
formação de cicatrizes em rins submetidos a RVU e IU.13 trizes.26-30
O conhecimento da interação entre a virulência bacteri-
ana, a suscetibilidade e a resposta do hospedeiro foi outra
etapa importante no estudo da gênese das cicatrizes re-
Pressão Intravesical
nais.25-30 A habilidade de aderir a células do uroepitélio é o Quando há RVU, pressões anormalmente elevadas po-
fator de virulência mais freqüentemente associado às bac- dem ser transmitidas à pelve e às papilas renais por perío-
térias pielonefritogênicas. As Escherichia coli possuem P- dos de tempo variáveis, dependendo do momento da mic-
fimbriae para as quais há receptores específicos, localizados ção no qual ocorre o refluxo. Há consenso, no momento,
tanto em eritrócitos como em células do uroepitélio. Em de que, embora cicatrizes renais possam resultar de RVU
macacos, demonstrou-se que as Escherichia coli que possu- estéril, as condições urodinâmicas, nas quais elas são pro-
em P-fimbriae produzem ureterite, que causa alteração na duzidas experimentalmente, indicam que seu significado
mobilidade ureteral, originando uma situação de obstru- clínico é limitado, estando restrito a situações de refluxo
ção funcional do ureter. Há um aumento na pressão na vesicoureteral secundário (válvula de uretra posterior e
pelve renal, o que facilita a instalação de pielonefrite agu- alguns tipos de bexiga neurogênica), que se acompanham
da.27,31 O componente lipídico A da endotoxina e as P- freqüentemente de IU.10,32
fimbriae estão associados à reação inflamatória. A resposta Em crianças neurologicamente normais que apresentam
do hospedeiro é crítica, tanto para curar a infecção, como RVU, pode haver concomitância da síndrome de disfunção
no desenvolvimento de cicatrizes renais. Estudos a nível das eliminações na qual há distúrbios funcionais da micção
molecular indicam que o processo inflamatório per se, e não (hiperatividade do esfíncter, hiperatividade do detrusor)
a multiplicação bacteriana, é o responsável pelo apareci- e constipação.33 Nesses pacientes há aumento na pressão
mento de cicatrizes nos rins. O influxo de polimorfonuclea- intravesical. Naseer e Steinhardt34 ressaltam que a síndro-

A B
26.1 A. Pielonefrite aguda: cintilografia renal na vigência de infecção urinária febril. Observam-se áreas de hipocaptação sem perda
dos contornos renais no pólo superior do rim esquerdo e em ambos os pólos do rim direito. B. Nefropatia do refluxo: cintilografia renal
com DMSA na mesma paciente, repetida quatro anos após. Uretrocistografia miccional mostrou refluxo vesicoureteral bilateral.
Paciente mantida sob quimioprofilaxia e sem infecção urinária no período. No pólo superior do rim esquerdo, a área de hipocapta-
ção evoluiu para cicatriz permanente. Resolução das áreas de hipocaptação de ambos os pólos do rim direito. Observar hipertrofia
compensadora do rim direito.
510 Nefropatia do Refluxo

me de disfunção das eliminações é um fator de risco im- dos (malformações renais, oligoidrâmnios e anúria), cha-
portante na gênese de novas cicatrizes em crianças com mando a atenção para o papel do sistema renina-angioten-
RVU, mesmo após os cinco anos. sina na embriogêsese do trato urinário. Estudos com en-
genharia genética confirmaram que distúrbios genéticos
desse sistema podem alterar o seu funcionamento e levar
Displasia Renal a anormalidades no desenvolvimento do trato urinário.
Existem polimorfismos dos genes do sistema renina-angioten-
Displasia renal resulta de desenvolvimento anormal do
sina que modificam a sua atividade e alteram a progressão
broto ureteral.35,36 Ela é definida como uma diferenciação
de uma nefropatia. Dos vários loci já identificados para a
anormal do parênquima renal, caracterizada histologica-
enzima conversora de angiotensina, o fragmento 287 bp no
mente por ductos coletores primitivos e metaplasia carti-
íntron 16 é o mais implicado na modulação de dano renal
laginosa. Pressão retrógrada, instalada precocemente na
progressivo. Os indivíduos podem ser homozigotos para
vida intra-uterina, produz displasia renal.
deleção (DD) ou inserção (II) ou podem ser heterozigotos
Mackie e Stephens,37 em rins com duplicação ureteral
(DI). O genótipo DD tem sido encontrado com uma preva-
completa, demonstraram uma associação muito significa-
lência significativamente maior em pacientes com nefro-
tiva entre a posição do orifício ureteral e a presença ou não
patia do refluxo nos quais se desenvolve dano renal signi-
de lesões renais: quanto mais ectópico o orifício ureteral,
ficativo, independente da idade no diagnóstico, do grau
mais anormal o rim. IU na infância simplesmente levaria
de RVU e da demora na intervenção terapêutica.44-49 Por
ao diagnóstico desta condição e não estaria envolvida na
outro lado, os polimorfismos do gen da enzima converso-
patogenia das cicatrizes renais.
ra de angiotensina não estão envolvidos no aparecimento
Estudos, em crianças nas quais foi feito o diagnóstico
de RVU detectado em famílias.50
antenatal de RVU e que foram investigadas por imagem
O conhecimento desses mecanismos que interferem no
logo após o parto e na ausência de IU, confirmam que dis-
desenvolvimento do rim e do trato urinário abre novas
plasia é um fator significativo na formação de cicatrizes
perspectivas no entendimento dessas condições, assim
renais.16,19,38 Entretanto, estes conhecimentos não podem ser
como prenuncia uma ação mais efetiva na modificação de
extrapolados integralmente para a população geral com
sua história natural, através de um tratamento mais espe-
RVU. Lactentes com o diagnóstico antenatal de RVU cons-
cífico.
tituem um grupo especial de pacientes, nos quais há pre-
dominância do sexo masculino e uma alta prevalência de
RVU grave. Crianças com RVU detectado no período pós- Fatores de Risco para
natal são principalmente meninas, com RVU menos inten-
so e história de IU. Cicatrizes Renais
No Quadro 26.3 estão apresentados os fatores de risco
para cicatrizes renais identificados em estudos clínicos.
Genética
Estudos mostraram que RVU e nefropatia do refluxo
podem ocorrer em famílias, em prevalências que variam DIAGNÓSTICO
de 30% a 50% entre parentes de primeiro grau.1,39-41 Os pa-
drões de herança sugeridos são autossômica dominante ou Cintilografia Renal com DMSA
poligênica. Um locus no cromossoma 6p, associado a mal-
formações renais e ureterais, e a mutação PAX2 no cromos- A cintilografia renal com DMSA, marcado com tecné-
soma 10q, responsável pela síndrome renal-coloboma, não cio (99mTc), é o padrão-ouro para o diagnóstico de nefropa-
foram identificados em pacientes com RVU e nefropatia do tia do refluxo.51-53 Atualmente, para se afirmar que um rim
refluxo.19,41,42 Recentemente, os resultados da primeira pes- é normal num paciente com RVU é obrigatória a realização
quisa genômica de RVU e de nefropatia do refluxo sem de cintilografia renal com DMSA. Diferentemente da cintilo-
associações sindrômicas indicam que estas duas condições grafia renal com ácido dietileno-triaminopenta-acetato
estão ligadas à heterogeneidade de um locus do cromosso-
ma 1. Doze outros loci adicionais também foram identifi-
cados. Portanto, esses dados sugerem que o modo de he-
Quadro 26.3 Fatores de risco para cicatrizes renais
rança mais provável do RVU e da nefropatia do refluxo é
o autossômico dominante, com diferentes genes atuando em di- ⇒ Demora em iniciar tratamento antimicrobiano
ferentes famílias. 43 ⇒ Baixa idade no início
O uso de inibidores da enzima conversora de angioten- ⇒ Infecções urinárias febris recorrentes
sina em gestantes hipertensas ocasionou um índice eleva- ⇒ Presença de refluxo vesicoureteral primário e de
síndrome de disfunção das eliminações
do de mortes fetais e de anormalidades em recém-nasci-
capítulo 26 511

(DTPA), marcado com 99mTc, e da urografia excretória, a tipo 1, não mais que duas áreas com cicatrizes; (ii) tipo 2,
cintilografia renal com DMSA é um estudo estático, que mais que duas cicatrizes, com algumas áreas de parênqui-
não possibilita a visualização das vias excretoras (sistema ma renal normal entre elas; (iii) tipo 3, dano generalizado
pielocalicial e ureteres)15 (v. Cap. 20). a todo o rim, semelhante à nefropatia obstrutiva, i.e., con-
Vantagens da cintilografia renal com DMSA sobre a uro- tração de todo o rim com poucas ou nenhuma cicatriz en-
grafia excretória, para o diagnóstico de cicatrizes renais: tre elas; (iv) tipo 4, rim de estágio final, contraído, com
(i) não requer preparo intestinal e não é influenciada por pouca ou nenhuma captação de DMSA, i.e., menos que 10%
gás intestinal (que é um fator de confusão significativo, es- da função renal total.
pecialmente em crianças pequenas — lactentes e pré-es-
colares); (ii) não há riscos inerentes ao uso de contrastes
radiológicos iodados; (iii) permite uma melhor visualiza- Urografia Excretória
ção dos contornos renais devido à combinação das ima- O rim com nefropatia do refluxo é usualmente diagnos-
gens posteriores e oblíquas; (iv) a dose de radiação envol- ticado in vivo por seu aspecto radiológico. A alteração pa-
vida é significativamente menor que com a urografia tognomônica é uma área de fibrose ou cicatriz, geralmen-
excretória.15,52,53 te extensa, que compromete toda a espessura do parênqui-
Desvantagens da cintilografia renal com DMSA sobre a ma renal e que está diretamente relacionada a cálices dila-
urografia excretória, para o diagnóstico de cicatrizes renais: tados com perda das impressões papilares. Estas cicatrizes
(i) não fornece informações sobre o sistema pelvicalicial, têm uma distribuição e combinação características: quan-
exceto quando ele estiver muito dilatado. Nesta situação, do únicas, são preferentemente polares, superiores ou in-
ele aparece como áreas inespecíficas, com diminuição da feriores, mas a forma generalizada com cicatrizes múltiplas
captação do radiofármaco; (ii) não evidencia os ureteres; é a mais encontrada.3
(iii) não permite o diagnóstico de cálculos, obstrução, rins Para o diagnóstico radiológico de cicatrizes renais é
duplicados ou ureteres dilatados; (iv) custo maior.15,53 necessário que se obtenha, na urografia, uma visualização
Rins normais na cintilografia renal com DMSA têm ta- adequada dos contornos renais. O sinal mais precoce de
manhos semelhantes. A captação cortical do radiofármaco comprometimento renal, em pacientes com RVU e IU, é a
é homogênea. Visualizam-se três áreas hipocaptantes, que assimetria entre os dois rins, que resulta da parada no cres-
correspondem ao sistema pielocalicial.15 cimento do rim lesado e que é acentuada pela hipertrofia
Define-se cicatriz renal, na cintilografia renal com DMSA, compensadora do rim sadio. Mesmo nos casos bilaterais,
como um defeito no contorno do rim, no qual há pouca ou há uma diminuição no crescimento de ambos os rins, que
nenhuma captação do radiofármaco. Identifica-se a ocor- também não é simétrica.3,53,56
rência de nefropatia do refluxo pela presença de cicatrizes A cicatriz, produzida pela fibrose e acentuada pela hi-
ou pela contração de todo o rim. Estas áreas hipocaptantes pertrofia compensadora dos tecidos normais adjacentes,
podem tornar-se mais evidentes pelo crescimento de teci- não se produz de imediato, podendo demorar até dois anos
do renal normal adjacente.15 para se desenvolver completamente. O prazo mínimo do-
Na pielonefrite aguda, áreas focais de isquemia e de cumentado para seu aparecimento num rim previamente
disfunção tubular originam áreas hipocaptantes, que na normal é de 8 a 9 meses.1
grande maioria das vezes, quando tratamento adequado As dificuldades inerentes ao uso da urografia excretória
é instituído, são reversíveis.14 Diferentemente das anorma- para o diagnóstico de cicatrizes renais dependem de: (i)
lidades da pielonefrite aguda, as alterações da nefropatia visualização inadequada dos contornos renais, especial-
do refluxo são permanentes. Para o diagnóstico de certeza de mente em lactentes e pré-escolares; (ii) período de latência
nefropatia do refluxo é necessário que o intervalo de tem- necessário para a formação completa da cicatriz; (iii) inter-
po entre a realização da cintilografia renal com DMSA e o ferência de vários fatores (movimentos respiratórios, po-
último episódio documentado de pielonefrite aguda seja sicionamento do paciente, distorção) em medidas seriadas
de um ano. do tamanho dos rins.15
Novas cicatrizes são áreas hipocaptantes, que aparecem O diagnóstico diferencial das cicatrizes renais inclui:
na cintilografia renal com DMSA durante o seguimento de lobulação fetal persistente; atrofia pós-obstrutiva que se
portadores de nefropatia do refluxo e que persistem em desenvolve depois de obstrução urinária temporária ou
exames posteriores. Novas cicatrizes podem instalar-se em intermitente; acidentes renovasculares, que ocorrem espe-
rins previamente normais ou em rins que já apresentavam cialmente em recém-nascidos e lactentes; e a nefropatia dos
alterações prévias de nefropatia do refluxo.15,23 analgésicos. A cicatriz adjacente a um cálice com alterações
Classificação das alterações na cintilografia renal com DMSA. papilares é a lesão característica, mas não específica, de
Goldraich e colaboradores52,53 propuseram uma classifica- nefropatia do refluxo. A demonstração de RVU é o único
ção em quatro graus da intensidade das cicatrizes renais, critério de que se dispõe para o diagnóstico diferencial com
de acordo com os achados na cintilografia renal com as outras entidades.1,3,56
DMSA, que está sendo adotada internacionalmente:54,55 (i) Vários estudos compararam a cintilografia renal com
512 Nefropatia do Refluxo

DMSA com a urografia excretória para o diagnóstico de Ressonância Magnética


nefropatia do refluxo, especialmente em crianças menores
de cinco anos. A sensibilidade da urografia excretória para Até o momento, a ressonância magnética não se mos-
a detecção de cicatrizes renais é de 80% e a especificidade trou superior à cintilografia renal com DMSA na identifi-
é de 98%. Em 297 rins com RVU em 202 crianças, Goldraich cação de cicatrizes renais.59,60 Uma limitação ao seu empre-
e colaboradores53 encontraram discrepâncias entre a uro- go em pacientes pediátricos é a necessidade de coopera-
grafia excretória e a cintilografia renal com DMSA em 37 ção da criança para sua realização (v. Cap. 18-II).
rins de 31 pacientes, todos em lactentes e pré-escolares. Em
34 rins de 28 pacientes, a urografia foi normal, mas na cin-
tilografia havia cicatrizes renais. SEQÜELAS

Ultra-sonografia Hipertensão Arterial


A ultra-sonografia é um método não-invasivo, isento de Há evidências de que a nefropatia do refluxo associa-se
complicações (v. Cap. 18-I). Entretanto, ela é totalmente de- a um risco aumentado de desenvolver hipertensão arteri-
pendente da experiência do observador. A ultra-sonografia al (HAS), que é uma complicação tardia (raramente apa-
apresenta uma sensibilidade menor que a urografia, deixan- rece antes dos cinco anos de idade). Há risco aumentado
do, muitas vezes, de identificar, em crianças, cicatrizes fo- de HAS na adolescência e em adultos jovens e no sexo mas-
cais. Uma ultra-sonografia normal numa criança com IU e culino. Ela pode ser benigna e de fácil controle ou, menos
com idade menor que cinco anos não exclui a presença de freqüentemente, apresentar-se como HAS maligna. HAS
cicatrizes renais. Em 34 lactentes com RVU com idades até ocorre tanto em pacientes com nefropatia do refluxo uni-
seis meses, a ultra-sonografia mostrou anormalidades nos lateral como bilateral, não sendo possível estabelecer uma
rins em apenas 7/17 (41%) dos pacientes nos quais a cinti- relação linear entre a intensidade do comprometimento
lografia com DMSA foi anormal.57 Dez radiologistas expe- renal e a presença e a gravidade da HAS.
rientes examinaram, em um dia, 50 rins (30 normais e 20 com Lesões vasculares isquêmicas e o sistema renina-angioten-
nefropatia do refluxo) de 25 crianças com idades entre 2 e sina têm sido implicados em sua patogenia, mas o papel
16 anos com IU. Os métodos de referência foram a urogra- deste último continua controverso.1,7,61 Dillon e colabora-
fia excretória e a cintilografia renal com DMSA. Para a pre- dores62-65 acompanharam por 15 anos com intervalos de 5
sença de cicatrizes, a sensibilidade do ultra-som foi de 54% anos, a partir de 1978, a atividade da renina periférica
(especificidade de 80%). Quando se considerou também a (PRA) de uma coorte de 100 crianças com IU, RVU e ne-
diminuição no tamanho do rim como critério diagnóstico, fropatia do refluxo. Não observaram associação entre au-
a sensibilidade aumentou para 64% (especificidade de 79%). mento de PRA e aparecimento de HAS. Pacientes que
Houve grandes diferenças entre os observadores, com a desenvolveram HAS apresentavam valores de PRA au-
sensibilidade variando entre 40% e 90% (especificidade: 94% mentados ou normais. Aumento da PRA também não se
a 65%).58 A partir dos cinco anos de idade, há uma perda acompanhou do aparecimento de HAS, que ocorreu tanto
progressiva na discriminação entre cintilografia renal com em pacientes com PRA prévia, normal ou aumentada, in-
DMSA, urografia excretória e ultra-sonografia, para o diag- dicando que, nesse grupo, a PRA não prediz a ocorrência
nóstico de nefropatia do refluxo. de HAS.
Wennerström e colaboradores66 relataram níveis signi-
ficativamente mais elevados do peptídio natriurético atrial
circulante em 53 pacientes com nefropatia do refluxo quan-
Pontos-chave: do comparados com 47 controles pareados sem cicatrizes
renais.
• A cintilografia renal com DMSA é o padrão-
A relação entre HAS e displasia renal passou a ser enfati-
ouro para o diagnóstico de nefropatia do
zada, nos últimos anos. O diagnóstico diferencial entre
refluxo hipoplasia e/ou displasia e cicatrizes renais é difícil. RVU
• O intervalo de tempo entre a infecção pode fazer parte do quadro de displasia: assim como há
urinária febril e a realização da cintilografia displasia renal, o ureter também é displásico, tortuoso e
renal com DMSA é crítico para o permite a ocorrência de RVU.67
diagnóstico diferencial entre pielonefrite A prevalência de HAS, em pacientes com cicatrizes re-
aguda e nefropatia do refluxo nais, é controvertida e de difícil interpretação. A revisão
• Ultra-sonografia normal em uma criança de várias séries publicadas evidencia que há, pelo menos,
com menos de cinco anos não exclui a duas formas de lidar com este dado: (i) são incluídos paci-
entes com HAS de várias etiologias e estabelecida a pro-
presença de cicatrizes renais
porção de hipertensos, que apresentam RVU e/ou cicatri-
capítulo 26 513

zes renais; (ii) a partir de pacientes com RVU, com ou sem dos prospectivos de acompanhamento, por períodos que
cicatrizes renais ou com nefropatia do refluxo, estimam- variaram entre 15 e 35 anos, da pressão arterial de pacien-
se quantos apresentam HAS. Além disso, as séries são cons- tes com RVU e cicatrizes renais identificadas na infância,
tituídas somente por crianças ou por adultos ou incluem após o diagnóstico de IU65,66,70,71 (v. Quadro 26.4). A com-
tanto crianças como adultos. Há diferentes riscos para o paração com as prevalências de HAS relatadas anterior-
aparecimento de HAS, em diferentes grupos etários, o que mente sugere que supervisão médica continuada desde a
pode explicar, pelo menos em parte, a variabilidade dos infância de pacientes com nefropatia do refluxo parece
resultados. Também, nestes estudos, os métodos usados associar-se com uma ocorrência menor de HAS na idade
estão sujeitos a muitos vieses. Estes fatos inviabilizam a adulta.
chance de estimar qual a verdadeira prevalência de HAS
em pacientes com cicatrizes renais.67
Wolfish e colaboradores68 estudaram a pressão arterial
Insuficiência Renal Crônica
de 146 crianças (idade média: 14,4 anos; limites: 5 meses a Há uma associação bem estabelecida entre nefropatia do
21 meses) com o diagnóstico inicial de RVU, identificadas refluxo e IRC terminal. A força desta associação, a relação
retrospectivamente. Havia cicatrizes renais em 34% delas. com a intensidade do RVU, a existência de outras variá-
O período médio de seguimento foi de 9,6 anos. Nenhu- veis e a prevalência desta complicação em pacientes com
ma delas apresentava HAS, definida como uma pressão RVU e/ou cicatrizes renais não estão corretamente estabe-
arterial acima do percentil 95 para a idade. O risco estima- lecidas.67 A maioria dos dados são de estudos retrospecti-
do de HAS, associada com RVU não complicado, foi de 2%. vos, transversais. Tal como ocorre com a HAS, os relatos
Os autores concluem, após um seguimento de 10 anos, que, têm dupla origem: (i) em séries com IRC, estabelece-se a
em crianças, RVU não se associa com o desenvolvimento proporção daqueles cuja doença básica é a nefropatia do
de HAS, independente do número de episódios documen- refluxo; (ii) entre portadores de nefropatia do refluxo iden-
tados de IU, da duração e da gravidade do RVU, do tipo tificam-se os com déficit de filtração glomerular.
de tratamento, da presença de cicatrizes renais e da dura- Bailey e Lynn8 estimaram que 0,3 a 0,4 criança/milhão
ção do seguimento. de habitantes/ano evolui para IRC terminal antes dos 15
Prevalências de HAS, variando entre 0% e 28% em séri- anos de idade devido a nefropatia do refluxo. Em adultos,
es de crianças com cicatrizes renais e entre 16% e 38% dos Kincaid-Smith72 calculou que 5 a 10 mulheres/milhão de
adultos, foram relatadas. Kincaid-Smith e Becker7 obser- habitantes/ano desenvolvem IRC secundária a nefropatia
varam a presença de pressão diastólica acima de 90 mmHg, do refluxo. Quando se consideram os pacientes com RVU,
no momento do diagnóstico, em 21 de 55 adultos (38%) com estima-se que 4% deles evoluem para IRC terminal.73 Es-
cicatrizes renais. HAS grave (>180/120 mmHg) foi identi- tes cálculos podem subestimar os valores reais, porque
ficada em quatro, sendo o sinal de apresentação em dois. muitas vezes é difícil reconhecer a associação entre IRC na
Köhler e colaboradores,69 num estudo retrospectivo de 115 idade adulta e RVU na infância. No adulto, o refluxo é,
adultos com diagnóstico de RVU na infância (101 com ne- muitas vezes, secundário à disfunção vesical dependente
fropatia do refluxo), encontraram HAS em 34% (37 com e de IRC avançada, à bexiga neurogênica adquirida e a con-
2 sem nefropatia do refluxo). dições tais como tumor, divertículos e hipertrofia prostá-
Recentemente, foram publicados os resultados de estu- tica benigna, que afetam a junção ureterovesical direta ou

Quadro 26.4 Prevalência de HAS na idade adulta em pacientes com nefropatia do refluxo identificada durante
investigação de infecção urinária na infância e mantidos sob supervisão médica
SEGUIMENTO IDADE
(mediana e limites) (mediana e limites) PREVALÊNCIA
AUTOR NÚMERO INÍCIO (anos) (anos) (%)

Goonasekera65 100 1978 15 27 18


(Inglaterra) (20-31)

Smellie71 85 1955-1980 20,4 27 16,5


(Inglaterra) (10-35) (18-44)

Martinell70 541 1975-1983 15 222 e 20,63 5,5


(Suécia) (5,9-32,2) (17-31)2 (16-33)3

Wennerström66 53 1970-1979 22 25 9
(Suécia) (16-26) (16-34)
1
só mulheres; ( ) limites; 2cicatrizes extensas; 3cicatrizes moderadas:
514 Nefropatia do Refluxo

indiretamente. Muitos casos são incluídos entre as doen- de diagnóstico de IU febril em lactentes modelar, a compa-
ças renais inespecíficas, assim como nas doenças obstruti- ração de dados de 1978-1985 com os de 1986-1994 demons-
vas, nas hipoplasias-displasias e até mesmo nas glomeru- tra que a prevalência de nefropatia do refluxo como etiolo-
lopatias. O diagnóstico diferencial entre cicatrizes renais gia da IRC diminuiu de 6% para 0%.75,76
congênitas e adquiridas, associadas a IU, é muitas vezes
difícil.
Jacobson e associados6 avaliaram, após 27 anos, 30 pa- Gravidez
cientes adultas nas quais o diagnóstico de nefropatia do Complicações durante a gravidez têm sido relatadas
refluxo foi feito na infância, após uma IU febril. Três (10%) com freqüência em mulheres com cicatrizes renais.7,80,81 A
apresentavam IRC e em outras duas, a filtração glomeru- gravidez também acelera a deterioração da função renal em
lar era ⬍ 65 ml/min/1,73 m2. Esses dados diferem subs- pacientes com nefropatia do refluxo, que apresentam dé-
tancialmente dos relatados, também na Suécia, por ficit funcional prévio.80
Martinell e colaboradores,70 que seguiram, por 15 anos, 54 Kincaid-Smith e Becker7 revisaram os dados de 48 mu-
mulheres com nefropatia do refluxo e observaram que a lheres maiores de 16 anos com RVU e cicatrizes renais e
função renal estava bem preservada em todas. A filtração verificaram que 13 delas (27%) haviam apresentado as
glomerular mais baixa foi 70 ml/min/1,73 m2. Smellie e as- primeiras manifestações durante a gravidez (10 apresen-
sociados71 avaliaram 162 pacientes adultos, 10 a 41 anos taram IU, uma HAS e duas edema e proteinúria no puer-
após o diagnóstico de nefropatia do refluxo feito na infân- pério). Foram acompanhadas 85 gravidezes em 37 pacien-
cia, e verificaram que a creatinina estava aumentada em 9 tes. Em 59 destas gravidezes ocorreram complicações (prin-
(5,5%) deles, incluindo três mulheres que haviam sido cipalmente HAS, edema e IU).
transplantadas ou morreram com IRC no período. Os re- Becker e colaboradores80 seguiram 20 pacientes com ci-
sultados indicam que há necessidade de um seguimento a longo catrizes renais com creatinina plasmática entre 2,3 e 4,5
prazo (de até quatro décadas) antes que se possa saber quais as mg/dl, que engravidaram. Em seis, a gravidez teve dura-
repercussões da nefropatia do refluxo na função renal. ção maior que 12 semanas, tendo-se associado à deterio-
No Quadro 26.5 aparecem as prevalências de nefropatia ração rápida da função renal em todas e resultado em IRC
do refluxo entre pacientes com idades até 21 anos, com IRC terminal em quatro delas, dois anos após o parto, apesar
(definida como filtração glomerular ⬍ 30 ml/min/1,73 m2), do controle satisfatório da pressão arterial. Das 14 pacien-
relatadas na década de 90. Em todos esses trabalhos foi fei- tes restantes, quatro apresentaram HAS não controlada por
ta uma diferenciação nítida entre nefropatia do refluxo como períodos, relacionados à falta de aderência ao tratamento,
definida neste capítulo e outras patologias do trato uriná- evoluindo rapidamente para IRC terminal. As outras 10
rio, tais como refluxo vesicoureteral secundário (por exem- apresentaram deterioração progressiva da função renal, no
plo, a válvula de uretra posterior ou a bexiga neurogênica), período de seguimento, que foi de 5 a 10 anos. Nenhuma
hipoplasia e/ou displasia renais, que costumavam ser inclu- evoluiu para IRC num período de sete anos. Concluíram
ídas em séries mais antigas. Observa-se grande variação nas que gravidez per se se associa a um mau prognóstico em
prevalências, que pode refletir diferentes abordagens no pacientes com nefropatia do refluxo e déficit moderado de
diagnóstico e na investigação de IU febril nos primeiros dois função renal, mesmo quando se consegue um controle
anos de vida. Na Inglaterra, a idade média do diagnóstico adequado da pressão arterial. Este mesmo padrão de evo-
de IU é quatro anos, enquanto na Suécia isso ocorre no pri- lução ocorre em pacientes com outras nefropatias e graus
meiro ano de vida.74 Nesse país, que possui um programa comparáveis de déficit de função renal.

Quadro 26.5 Prevalência de nefropatia do refluxo em novos casos de insuficiência renal crônica
(filtração glomerular ⬍ 30 ml/min/1,73 m2) diagnosticados na década de 90
Local População Estudada Período do Diagnóstico Prevalência
n Idade da IRC (%)

Suécia76 118 6m-16a 1986-1994 0

Irã77 166 ⬍ 17a 1991-1999 16

América do Norte78* 1.725 ⬍ 21a 1994-1996 17

Chile80 227 ⬍ 18a 1996 17

Inglaterra74 85 ⬍ 18a 1994-1997 30

*North American Pediatric Renal Transplant Cooperative Study — NAPRTCS: inclui dados dos Estados Unidos e Canadá.
capítulo 26 515

Sacks e colaboradores81 analisaram 16 gravidezes em 12 pacientes com nefropatia do refluxo foram descritas duas
mulheres com cicatrizes renais (nove delas com RVU) e 36 alterações glomerulares em áreas do rim onde não há ci-
gravidezes em 22 pacientes com rins normais (quatro de- catrizes: (i) hipertrofia glomerular; (ii) glomerulosclerose
las com RVU), que haviam sido identificadas durante um focal. A primeira alteração é mais freqüente e é o resulta-
estudo de rastreamento de bacteriúria assintomática na in- do de hiperfiltração glomerular. A segunda é encontrada
fância, realizado em Oxford e em Cardiff, Inglaterra, em em pacientes com comprometimento renal mais grave.84
1972, e compararam com 52 gravidezes em 52 controles Uma vez detectada a sua presença, a progressão para IRC
normais, pareados para idade, paridade e tabagismo. A é gradual, mas inexorável, num período de 5 a 10 anos,
pressão arterial e a proteinúria foram significativamente podendo ser acelerada por gravidez ou HAS grave.7,72
maiores em pacientes com cicatrizes renais. Pré-eclampsia Martinell e associados70 estudaram 54 mulheres com
ocorreu em 5/16 gravidezes de pacientes com nefropatia nefropatia do refluxo seguidas por 15 anos. Encontraram
do refluxo, em 1/22 mulheres com bacteriúria prévia e com proteinúria maior que 100 mg/24 h em apenas três delas.
rins normais e em 1/52 casos-controle normais. Não foram Em duas havia cicatrizes extensas e na terceira, a biópsia
encontradas diferenças significativas no prognóstico fetal renal demonstrou a presença de glomerulopatia por IgA.
entre os três grupos. Entretanto, proteinúria não permitiu diferenciar entre pa-
Martinell e associados82 também compararam prospec- cientes com cicatrizes extensas e moderadas nem mesmo
tivamente a evolução de 65 gravidezes em 41/111 mulhe- dos 57 controles pareados, com rins normais.
res, com ou sem cicatrizes renais dependentes de IU ocor-
rida na infância, identificadas retrospectivamente, com
controles pareados para paridade, idade, consumo de ci- Ponto-chave:
garros e data do parto. A ocorrência de bacteriúria nas • Acompanhamento continuado, desde a
gravidezes foi significativamente maior em mulheres com
infância até a idade adulta, de pacientes
(47%) e sem (27%) cicatrizes renais, quando comparadas
aos controles (2%). IU sintomática ocorreu somente em com nefropatia do refluxo é capaz de
pacientes com história prévia de IU: pielonefrite aguda em influenciar favoravelmente a prevalência de
quatro pacientes com cicatrizes renais (três delas com RVU) seqüelas tardias, tais como hipertensão
e cistite em três. Uma mulher com rins normais apresen- arterial, insuficiência renal crônica e
tou pielonefrite aguda. A pressão arterial média foi signi- complicações durante a gravidez
ficativamente maior em pacientes com cicatrizes renais
graves, quando comparadas aos controles, antes e duran-
te a gravidez. Não observaram diferenças significativas na
prevalência de pré-eclampsia, parto cesáreo, prematurida- HISTÓRIA NATURAL
de e peso dos recém-nascidos.
Jungers e colaboradores83 estudaram 375 gravidezes em O RVU e as cicatrizes renais têm histórias naturais dife-
158 mulheres com nefropatia do refluxo. Ocorreu morte rentes. O RVU evoluiu para a cura espontânea, enquanto
fetal em 10,2%, mas houve tendência para sua diminuição as cicatrizes renais são uma nefropatia progressiva, que
no período de 1985 a 1994, quando comparado com o pe- pode evoluir, mesmo após a cura, espontânea ou cirúrgi-
ríodo anterior de 1965 a 1984 (8,4% versus 12,6%). Morte ca, do RVU. Supervisão médica continuada iniciada na
fetal se associou com a presença de HAS no momento da infância, quando é feito o diagnóstico da nefropatia do
concepção e com déficit de filtração glomerular. Concluí- refluxo e mantida por várias décadas, parece ser capaz de
ram que a gravidez é bem-sucedida e sem complicações em reduzir a ocorrência de HAS, IRC e complicações na gra-
mulheres com nefropatia do refluxo que têm a pressão videz,66,70,71,81,82 modificando sua história natural.
arterial normal e a função renal preservada.
Os conhecimentos atuais sugerem que o risco de com-
plicações sérias durante a gravidez, mesmo na presença de PREVENÇÃO
cicatrizes renais graves, não está aumentado nestas paci-
entes, possivelmente devido a sua supervisão clínica con- Dados epidemiológicos da Suécia mostram que é pos-
tinuada. Entretanto, ela pode associar-se a rápida progres- sível erradicar a nefropatia do refluxo como causa de IRC
são para IRC, naquelas mulheres com déficit moderado de em pacientes com idades até 16 anos.75,76 Em Buffalo, Esta-
função renal. dos Unidos, desenvolve-se há mais de duas décadas um
programa muito ativo de rastreamento de crianças com IU
e investigação de irmãos de portadores de RVU. Como há
Proteinúria
apenas um centro de referência de Nefrologia Pediátrica,
Proteinúria, quando aparece em pacientes com nefropa- foi possível identificar todos os casos novos de HAS e de
tia do refluxo, é um sinal indicativo de má evolução. Em IRC, atendidos entre 1982 e 1997. Nesses 122 pacientes
516 Nefropatia do Refluxo

havia nefropatia do refluxo em seis pacientes (5%). Destes 8. BAILEY, R.R. & LYNN, K.L. End-stage reflux nephropathy. In:
Hodson, C.J.; Heptinstall, R.H.; Winberg, J. (eds) Reflux Nephropa-
seis, cinco foram diagnosticados na década de 80 e apenas
thy Update: 1983. Basel. Karger, 1984. pp. 102-110.
um na década de 90. Os autores concluem que o diagnós- 9. HODSON, C.J. & EDWARDS, D. Chronic pyelonephritis and vesico-
tico de IU e de RVU é custo-efetivo, resultando em modi- ureteric reflux. Clin. Radiol., 2:219-231, 1960.
ficação favorável da epidemiologia da HAS e da IRC nes- 10. HODSON, C.J.; MALING, T.M.J.; McMANAMON, P.J.; LEWIS,
ta comunidade.85 No Quadro 26.5 verifica-se que, no mes- M.G. The pathogenesis of reflux nephropathy (chronic athrophic py-
elonephritis). Br. J. Radiol. (suppl. 13), 1975.
mo período, a nefropatia do refluxo foi responsável por 11. ROLLESTON, G.L.; SHANNON, F.T.; UTLEY, W.L.F. Follow-up of
17% dos casos de IRC na América do Norte e no Chile. vesico-ureteric reflux in the newborn. Kidney Int., 8:S-59-64, 1975.
A maneira eficaz de evitar a ação dos fatores de risco 12. RANSLEY, P.G. & RISDON, R.A. Reflux and renal scarring. Brit. J.
para nefropatia do refluxo (v. Quadro 26.3) é através de: Radiol. (Suppl. 14), 1978.
13. RANSLEY, P.G. & RISDON R.A. Reflux nephropathy: effects of
(i) diagnóstico e tratamento precoces de IU febril em lactentes. É antimicrobial therapy on the evolution of the early pyelonephritic
necessário que, mesmo na presença de infecção respirató- scar. Kidney Int., 20:733-742, 1981.
ria, colha-se urina através de método confiável (a punção 14. RUSHTON, H.G.; MAJD, M.; JANTAUSCH, B.; WIEDERMANN,
suprapúbica é o padrão-ouro) em crianças menores de dois B.L.; BELMAN, A.B. Renal scarring following reflux and nonreflux
pyelonephritis in children: evaluation with99mtechnetium-dimercap-
anos;86-88 (ii) identificação de populações de risco para RVU (fi-
tosuccinic acid scintigraphy. J. Urol., 147:1327-1332, 1992.
lhos e irmãos de portadores de RVU e recém-nascidos com 15. GOLDRAICH, N.P.; GOLDRAICH, I.H. Update on dimercaptosuc-
malformações no trato urinário detectadas intra-útero) e cinic acid renal scanning in children with urinary tract infection. Pe-
instituição de medidas para evitar que eles apresentem IU diatr. Nephrol., 9:221-226, 1995.
16. POLITO, C.; LA MANNA, A.; RAMBALDI, P.F.; NAPPI, B.; MANSI,
febril; (iii) diagnóstico da síndrome de disfunção das elimina-
L.; DI TORO, R. High incidence of generally small kidney and pri-
ções e prescrição de medidas para sua correção. mary vesicoureteral reflux. J. Urol., 164:479-482, 2000.
A nefropatia do refluxo é uma causa prevenível de IRC. 17. PATTERSON, L.T.; STRIFE, C.F. Acquired versus congenital renal
Cabe aos nefrologistas a difusão desses conhecimentos na scarring after childhood urinary tract infection. J. Pediatr., 136:2-4,
comunidade, assim como comprometer pediatras, obste- 2000.
18. SWEENEY, B.; CASCIO, S.; VELAYUDHAM, M.; PURI, P. Reflux
tras e todos os profissionais que atuam no atendimento nephropathy in infancy: a comparison of infants presenting with and
primário em programas para identificar e tratar esses fa- without urinary tract infection. J. Urol., 166:648-650, 2001.
tores de risco. 19. KAMIL, E.S. Recent advances in the understanding and manage-
ment of primary vesicoureteral reflux and reflux nephropathy. Curr.
Opin. Nephrol. Hypertens., 9:139-42, 2000.
20. WENNESTRÖM, M.; HANSSON, S.; JODAL, U.; STOCKLAND, E.
Ponto-chave: Primary and acquired renal scarring in boys and girls with urinary
tract infection. J. Pediatr., 136:30-34, 2000.
• Há medidas eficazes, capazes de prevenir o 21. RUSHTON, H.G.; MAJD, M.; CHANDRA, R.; YIM, D. Evaluation
desenvolvimento de nefropatia do refluxo, of 99mtechnetium-dimercapto-succinic acid renal scans in experimen-
que precisam ser difundidas na comunidade tal acute pyelonephritis in piglets. J. Urol., 140:1169-1174, 1988.
22. RANSLEY, P.G. & RISDON, R.A. Renal papillary morphology in
infants and young children. Urol. Res., 3:111-113, 1975.
23. GOLDRAICH, N.P. & GOLDRAICH, I.H. Follow-up of conservati-
vely treated children with high and low grade vesicoureteral reflux:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS a prospective study. J. Urol., 148:1688-1692, 1992.
24. SMELLIE, J.M.; RANSLEY, P.G.; NORMAND, I.C.S.; PRESCOD, N.;
1. GOLDRAICH, N.P. & BARRATT, T.M. Vesicoureteric reflux and EDWARDS, D. Development of new renal scars: a collaborative stu-
renal scarring. In: Holliday, M.A.; Vernier, R.L.; Barratt, T.M. (eds) dy. BMJ, 2:1957-1960, 1985.
Pediatric Nephrology, 2nd ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1987. pp. 25. GOLDRAICH, N.P. & GOLDRAICH, I.H. Infecção urinária na in-
647-666. fância: patogenia. In: Cruz, J. et alii (eds). Atualidades em Nefrologia 2.
2. BAILEY, R.R. Vesicoureteric reflux in healthy infants and children. São Paulo, Sarvier, 1992. pp. 105-13.
In: Kincaid-Smith, P. & Hodson, J.C. (eds) Reflux Nephropathy. New 26. SVANBORG-EDEN, C.; MAN, P.; JODAL, U.; LINDER, H.;
York, Masson, 1979. pp. 59-61. LOMBERG, H. Host parasite interaction in urinary tract infection.
3. HODSON, C.J. The radiological contribution toward the diagnosis Pediatr. Nephrol., 1:623-631, 1987.
of chronic pyelonephritis. Radiology, 88:857-861, 1967. 27. ROCHE, R.J. & MOXON, E.R. The molecular study of bacterial
4. BAILEY, R.R. The relationship of vesico-ureteric reflux to urinary virulence: a review of current approaches, illustrated by the study
tract infection and chronic pyelonephritis-reflux nephropathy. Clin. of adhesion in uropathogenic Escherichia coli. Pediatr. Nephrol., 6:587-
Nephrol., 1:132-141, 1973. 596, 1992.
5. HABIB, R.; BROYER, M.; BENMAIZ, J. Chronic renal failure in 28. SVANBORG, C.; BERGSTEN, G.; FISCHER, H.; FRENDEUS, B.;
children: causes, rate of deterioration and survival data. Nephron, GODALY, G.; GUSTAFSSON, E.; HANG, L.; HEDLUND, M.;
11:209-220, 1973. KARPMAN, D.; LUNDSTEDT, A.C.; SAMUELSSON, M.; SA-
6. JACOBSON, S.H.; EKLÖF, O.; ERIKSSON, C.G.; LINS, L.E.; MUELSSON, P.; SVENSSON, M.; WULLT, B. The ‘innate’ host
TIDGREN, B.; WINBERG, J. Development of hypertension and response protects and damages the infected urinary tract. Ann. Med.,
uraemia after pyelonephritis in childhood: 27 year follow up. B.M.J., 33:563-570, 2001.
299:703-706, 1989. 29. KASSIR, K.; VARGAS-SHIRAISHI, O.; ZALDIVAR, F.; BERMAN,
7. KINCAID-SMITH, P. & BECKER, G.J. Reflux nephropathy in the M.; SINGH, J.; ARRIETA, A. Cytokine profiles of pediatric patients
adult. In: Kincaid-Smith, P. & Hodson, J.C. (eds) Reflux Nephropa- treated with antibiotics for pyelonephritis: potential therapeutic
thy. New York, Masson, 1979. pp. 21-28. impact. Clin. Diagn. Lab. Immunol., 8:1060-1063, 2001.
capítulo 26 517

30. GDADEGESIN, R.A.; COTTON, S.A.; COUPES, B.M.; AWAN, A.; 50. YONEDA, A.; OUE, T.; PURI, P. Angiotensin-converting enzyme
BRENCHLEY, P.E.C.; WEBB, N.J.A. Plasma and urinary soluble genotype distribution in familial vesicoureteral reflux. Pediatr. Surg.
adhesion molecule expression is increased during first documented Int., 17:308-311, 2001.
acute pyelonephritis. Arch. Dis. Child., 86:218-221, 2002. 51. RUSHTON, H.G. & BELMAN, A.B. Vesicoureteral reflux and renal
31. ROBERTS, J.A. Vesicoureteral reflux and pyelonephritis in the scarring. In: Holliday, M.A.; Barratt, T.M.; Avner, E.D. (eds) Pediatric
monkey: a review. J. Urol., 148:1721-1725, 1992. Nephrology, 3rd ed. Baltimore, Williams & Wilkins, 1994. pp. 963-986.
32. RISDON, R.A. The small scarred kidney in childhood. Pediatr. Ne- 52. GOLDRAICH, N.P.; GOLDRAICH, I.H.; ANSELMI, O.E.; RAMOS,
phrol., 7:361-364, 1993. O.L. Reflux nephropathy: the clinical picture in South Brazilian
33. KOFF, S.A.; WAGNER, T.T.; JAYANTHI, V.R. The relationship children. In: Hodson, C.J., Heptinstall, R.H., Winberg, J. (eds) Reflux
among dysfunctional elimination syndromes, primary vesicourete- Nephropathy Update: 1983. Basel, Karger, 1984. pp. 52-67.
ral reflux and urinary tract infections in children. J. Urol., 160:1019- 53. GOLDRAICH, N.P.; RAMOS, O.L.; GOLDRAICH, I.H. Urography
1022, 1998. versus DMSA scan in children with vesicoureteric reflux. Pediatr.
34. NASEER, S.R.; STEINHARDT, G.F. New renal scars in children with Nephrol., 3:1-5, 1989.
urinary tract infections, vesicoureteral reflux and voiding dysfunc- 54. CRAIG, J.C.; IRWIG, L.M.; HOWMAN-GILES, R.B.; UREN, R.F.;
tion: a prospective evaluation. J. Urol., 158:566-568, 1997. BERNARD, E.J.; KNIGHT, J.F.; SURESHKUMAR, P.; ROY, L.P.
35. ERICSSON, N.O. & IVEMARK, B.I. Renal dysplasia and pyelone- Variability in the interpretation of dimercaptosuccinic acid scinti-
phritis in infants and children. Part I. Arch. Pathol., 66:255-263, 1958. graphy after urinary tract infection in children. J. Nucl. Med., 39:1428-
36. ERICSSON, N.O. & IVEMARK, B.I. Renal dysplasia and pyelone- 1432, 1998.
phritis in infants and children. Part II. Arch. Pathol., 66:264-269, 1958. 55. MCILROY, P.J.; ABBOTT, G.D.; ANDERSON, N.G.; TURNER, J.G.;
37. MACKIE, G.G. & STEPHENS, F.D. Duplex kidneys: a correlation of MOGRIDGE, N.; WELLS, J.E. Outcome of primary vesicoureteric
renal dysplasia with position of the ureteral orifice. J. Urol., 114:274- reflux detected following fetal renal pelvic dilatation. J. Paediatr. Child
280, 1975. Health, 36:569-573, 2000.
38. MARRA, G.; BARBIERI, G.; DELL’AGNOLA, C.A.; CACCA- 56. SMELLIE, J.M. The intravenous urogram in the detection and eva-
MO, M.L.; CASTELLANI, M.R.; ASSAEL, B.M. Congenital luation of renal damage following urinary tract infection. Pediatr.
renal damage associated with primary vesicoureteral reflux Nephrol., 9:213-220, 1995.
detected prenatally in male infants. J. Pediatr., 124:726-730, 57. NGUYEN, H.T.; BAUER, S.B.; PETERS, C.A.; CONNOLLY, L.P.;
1994. GOBET, R.; BORER, J.G.; BARNEWOLT, C.E.; EPHRAIM, P.L.;
39. NOE, H.N.; WYATT, R.J.; PEEDEN JR, J.N.; RIVAS, M.L. The trans- TREVES, S.T.; RETIK, A.B. 99m Technetium dimercapto-succinic
mission of vesicoureteral reflux from parent to child. J. Urol., acid renal scintigraphy abnormalities in infants with sterile high
148:1869-1871, 1992. grade vesicoureteral reflux. J. Urol., 164:1674-1679, 2000.
40. PURI, P.; CASCIO. S.; LAKSHMANDASS, G.; COLHOUN, E. Uri- 58. STOKLAND, E.; HELLSTROM, M.; HANSSON, S.; JODAL, U.;
nary tract infection and renal damage in sibling vesicoureteral re- ODEN, A.; JACOBSSON, B. Reliability of ultrasonography in
flux. J. Urol., 160:1028-1030, 1998. identification of reflux nephropathy in children. BMJ, 309:235-239,
41. KLEMME, L.; FISH, A.J.; RICH, S.; GREENBERG, B.; SENSKE, B.; 1994.
SEGALL, M. Familial ureteral abnormalities syndrome: genomic 59. RODRÍGUEZ, L.V.; SPIELMAN, D.; HERFKENS, R.J.; SHORTLI-
mapping, clinical findings. Pediatr. Nephrol., 12:349-356, 1998. FFE, L.D. Magnetic resonance imaging for the evaluation of hydrone-
42. SANYANUSIN, P.; SCHIMMENTI, L.A.; MCNOE, L.A.; MCNOE, phrosis, reflux and renal scarring in children. J. Urol., 166:1023-1027,
L.A.; PIERPONT, M.E.A.; SULLIVAN, M.J.; DOBYNS, W.B.; 2001.
ECCLES, M.R. Mutation of the PAX2 gene in a family with optic ner- 60. CHAN, Y.L.; CHAN, K.W.; YEUNG, C.K.; ROEBUCK, D.J.; CHU,
ve coloboma, renal anomalies and vesicoureteral reflux. Nature W.C.; LEE, K.H.; METREWELI, C. Potential utility of MRI in the
Genet., 9:358-363, 1995. evaluation of children at risk of renal scarring. Pediatr. Radiol., 29:856-
43. FEATHER, S.A.; MALCOLM, S.; WOOLF, A.S.; WRIGHT, V.; 862, 1999.
BLAYDON, D.; REID, C.J.D.; FLINTER, F.A.; PROESMANS, W.; 61. GOONASEKERA, C.D.; DILLON, M.J. Reflux nephropathy and
DEVRIENDT, K.; CARTER, J.; WARWICKER, P.; GOODSHIP, hypertension. J. Hum. Hypertens., 12:497-504, 1998.
T.H.J.; GOODSHIP, J.A. Primary, nonsyndromic vesicoureteric re- 62. SAVAGE, J.M.; DILLON, M.J.; SHAH, V.; BARRATT, T.M.; WILLI-
flux and its nephropathy is genetically heterogeneous, with a locus AMS, D.I. Renin and blood pressure in children with renal scarring
on chromosome 1. Am. J. Hum. Genet., 66:1420-1425, 2000. and vesicoureteric reflux. Lancet, 2:441-444, 1978.
44. BROCK III, J.W.; HUNLEY, T.E.; ADAMS, M.C.; KON, V. Role of 63. SAVAGE, J.M.; KOH, C.T.; SHAH V.; BARRATT, T.M.; DILLON,
the renin-angiotensin system in disorders of the urinary tract. J. Urol., M.J. Five years prospective study of plasma renin activity and blood
160:1812-1819, 1998. pressure in patients with longstanding reflux nephropathy. Arch.
45. YOSIPIV, I.V.; EL-DAHR, S. Developmental biology of angiotensin- Dis. Child., 62:678-682, 1987.
converting enzyme. Pediatr Nephrol., 12:72-79, 1998. 64. JARDIM, H.; SHAH, V.; SAVAGE, J.M.; BARRATT, T.M.; DILLON,
46. BROCK III, J.W.; ADAMS, M.; HUNLEY, T.; WADA, A.; TRUSLER, M.J. Prediction of blood pressure from plasma renin activity in re-
L.; KON, V. Potential risk factors associated with progressive renal flux nephropathy. Arch. Dis. Child., 66:1213-1216, 1991.
damage in childhood urological diseases: the role of angiotensin- 65. GOONASEKERA, C.D.A.; SHAH, V.; WADE, A.M.; BARRATT,
converting enzyme gene polymorphism. J. Urol., 158:1308-1311, 1997. T.M.; DILLON, M.J. 15-year follow-up of rennin and blood pressu-
47. OZEN, S.; ALIKASOFOGLU, M.; SAATCI, U.; BAKKALOGLU, A.; re in reflux nephropathy. Lancet, 347:640-643, 1996.
BESBAS, N.; KARA, N.; KOCAB, H.; ERBAS, B.; UNSAL, I.; 66. WENNERSTRÖM, M.; HANSSON, S.; HEDNER, T.; HIMMEL-
TUNCBILEK, E. Implications of certain genetic polymorphism in MANN, A.; JODAL, U. Ambulatory blood pressure 16-26 years af-
scarring in vesicoureteric reflux: importance of ACE polymorphism. ter the first urinary tract infection in childhood. J. Hypertens., 18:485-
Am. J. Kidney Dis., 34:140-145, 1999. 491, 2000.
48. HOHENFELLNER, K.; HUNLEY, T.E.; BREZINSKA, R.; BRO- 67. SHANON, A. & FELDMAN, W. Methodologic limitations in the
DHAG, P.; SHYR, Y.; BRENNER, W.; HABERMEHL, P.; KON, V. literature on vesicoureteral reflux: a critical review. J. Pediatr.,
ACE/ID gene polymorphism predicts renal damage in congenital 117:171-178, 1990.
uropathies. Pediatr Nephrol., 13:514-518, 1999. 68. WOLFISH, N.M.; DELBROUCK, N.F.; SHANON, A.; MATZINGER,
49. OHTOMO, Y.; NAGAOKA, R.; KANEKO, K.; FUKUDA, Y.; M.A.; STENSTROM, R.; McLAINE, P.N. Prevalence of hypertensi-
MIYANO, T.; YAMASHIRO, Y. Angiotensin converting enzyme on in children with primary vesicoureteral reflux. J. Pediatr., 123:559-
gene polymorphism in primary vesicoureteral reflux. Pediatr. Ne- 563, 1993.
phrol., 16:648-652, 2001. 69. KÖHLER, J.; TENCER, J.; THYSELL, H.; FORSBERG, L. Vesicoure-
518 Nefropatia do Refluxo

teral reflux diagnosed in adulthood. Incidence of urinary tract in- 81. SACKS, S.H.; VERRIER JONES, K.; ROBERTS, R.; ASSCHER,
fections, hypertension, proteinuria, back pain and renal calculi. A.W.; LEDINGHAM, J.G.G. Effects of symptomless bacteriu-
Nephrol. Dial. Transplant., 12:2580-2587, 1997. ria in childhood on subsequent pregnancy. Lancet, 1:991-994,
70. MARTINELL, J.; LIDIN-JANSON, G.; JAGENBURG, R.; SIVERTS- 1987.
SON, R.; CLAESSON, I., JODAL, U. Girls prone to urinary infecti- 82. MARTINELL, J.; JODAL, U.; LIDIN-JANSON, G. Pregnancies in
ons followed into adulthood. Indices of renal disease. Pediatr. Ne- women with and without renal scarring after urinary infections in
phrol., 10:139-142, 1996. childhood. B.M.J., 300:840-844, 1990.
71. SMELLIE, J.M.; PRESCOD, N.P.; SHAW, P.J.; RISDON, R.A.; 83. JUNGERS, P.; HOUILLIER, P.; CHAUVEAU, D.; CHOUKROUN,
BRYANT, T.N. Childhood reflux and urinary infection: a follow-up G.; MOYNOT, A.; SKHIRI, H.; LABRUNIE, M.; DESCAMPS-
of 10-41 years in 226 adults. Pediatr. Nephrol., 12:727-736, 1998. LATSCHA, B.; GRUNFELD, J.P. Pregnancy in women with reflux
72. KINCAID-SMITH, P. Reflux nephropathy. B.M.J., 286:2002-2003, 1983. nephropathy. Kidney Int., 50:593-599, 1996.
73. STEINHARDT, G.F. Reflux nephropathy. J. Urol., 134:855-859, 1985. 84. TADA, M.; JIMI, S.; HISANO, S.; SASATOMI, Y.; OSHIMA, K.;
74. VERRIER-JONES, K. Prognosis for vesicoureteric reflux. Arch. Dis. MATSUOKA, H.; TAKEBAYASHI, S. Histopathological evidence of
Child., 81:287-294, 1999. poor prognosis in patients with vesicoureteral reflux. Pediatr. Ne-
75. ESBJÖRNER, E.; ARONSON, S.; BERG, U.; JODAL, U.; LINNE, T. phrol., 16:482-487, 2001.
Children with chronic renal failure in Sweden 1978-1985. Pediatr. 85. VALLEE, J.P.; VALLEE, P.D.; GREENFIELD, S.P.; WAN, J.;
Nephrol., 4:249-252, 1990. SPRINGATE, J. Contemporary incidence of morbidity related to
76. ESBJÖRNER, E.; BERG, U.; HANSSON, S. Epidemiology of chronic vesicoureteral reflux. Urology, 53:812-815, 1999.
renal failure in children: a report from Sweden 1986-1994. Pediatr. 86. Practice parameter: the diagnosis, treatment, and evaluation of the
Nephrol., 11:438-442, 1997. initial urinary tract infection in febrile infants and young children.
77. MADANI, K.; OTOUKESH, H.; RASTEGAR, A.; WHY, S.V. Chro- American Academy of Pediatrics. Committee on Quality Improve-
nic renal failure in Iranian children. Pediatr. Nephrol., 16:140-144, 2001. ment. Subcommittee on Urinary Tract Infection. Pediatrics, 103:843-
78. FIVUST, B.A.; JABS, K.; NEU, A.M.; SULLIVAN, E.K.; FELD, L.; 852, 1999.
KOOHAUT, E.; FINE, R. Chronic renal insufficiency in children and 87. SHAW, K.N.; GORELICK, M.; McGOWAN, K.L.; YAKSCOE, N.M.;
adolescents: the 1996 annual report of NAPRTCS. Pediatr. Nephrol., SCHWARTZ, J.S. Prevalence of urinary tract infection in febrile
12:328-337, 1998. young children in the emergency department. Pediatrics, 102:e16,
79. LAGOMARSIMO, E.; VALENZUELA, A.; CAVAGNARO, F.; SO- 1998. http://www.pediatrics.org/cgi/content/full/102/ 2/e16
LAR, E. Chronic renal failure in pediatrics 1996. Chilean survey. 88. ROBERTS, K.B. The AAP practice parameter on urinary tract infec-
Pediatr. Nephrol., 13:288-291, 1999. tions in febrile infants and young children. American Academy of
80. BECKER, G.J.; FAIRLEY, K.F.; WHUTWORTH, J.A. Pregnancy Pediatrics. Am. Fam. Physician, 62:1815-1822, 2000.
exacerbates glomerular disease. Am. J. Kidney Dis., 6:266-272, 1985.
Capítulo
Doenças Vasculares dos Rins
27 José H. Rocco Suassuna, Ricardo Augusto Faria e Carlos Perez Gomes

INTRODUÇÃO Microangiopatias trombóticas


DOENÇAS DOS GRANDES VASOS Púrpura trombocitopênica trombótica e síndrome
Trombose e embolia das artérias renais hemolítico-urêmica
Etiologia Nefrite por irradiação
Quadro clínico Etiopatogenia
Diagnóstico Manifestações clínicas e laboratoriais
Tratamento e prognóstico Tratamento
Trombose das veias renais Esclerodermia renal
Etiologia Patologia
Manifestações clínicas e exames complementares Manifestações clínicas e laboratoriais
Tratamento Tratamento
DOENÇAS DAS ARTERÍOLAS Síndrome do anticorpo antifosfolipídio
Doença renal ateroembólica Etiopatogenia
Patologia e manifestações clínicas Manifestações clínicas e laboratoriais
Diagnóstico, prognóstico e tratamento Tratamento
Nefrosclerose hipertensiva arteriolar benigna DOENÇAS DA MICROCIRCULAÇÃO
Patologia Nefropatia da anemia falciforme
Epidemiologia Etiopatogenia
Diagnóstico Manifestações clínicas
Tratamento Tratamento
Nefrosclerose maligna REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Patologia ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Quadro clínico
Tratamento

da artéria renal resulta em infarto isquêmico, dor e perda total


INTRODUÇÃO da função do rim. Por outro lado, a estenose progressiva
Por ser a circulação arterial renal do tipo terminal, qual- causada pela doença renovascular não determina perda
quer obstrução ao seu fluxo determina alterações isquêmi- imediata da função renal, mas costuma acompanhar-se por
cas no parênquima dependente. As anormalidades resultan- outras manifestações, como a hipertensão arterial grave. Com
tes variam em função do diâmetro do vaso afetado, do grau o passar do tempo, a estenose se estreita e, eventualmente,
de obstrução ao fluxo sangüíneo, da velocidade de instala- também pode resultar em exclusão funcional do rim.
ção do processo de obstrução e da massa afetada total do Por conta dos mesmos fatores, as doenças dos vasos
parênquima renal. Por exemplo, uma oclusão total e súbita renais de menor calibre também podem apresentar
520 Doenças Vasculares dos Rins

A trombose da artéria renal está geralmente associada


Quadro 27.1 Principais doenças vasculares do rim
a uma lesão endotelial, que pode ser um ateroma preexis-
1. Doenças dos grandes vasos tente ou um traumatismo na camada íntima do vaso (p. ex.,
Embolia e trombose das artérias renais colocação de próteses intra-arteriais por cateterismo e, em
Doença renovascular (estenose da artéria renal) transplantes renais, inserção de cânulas de perfusão ou
Trombose venosa
2. Doenças das arteríolas
anastomose vascular). Outras causas incluem poliarterite
Vasculites renais nodosa, síndrome de anticorpo antifosfolipídio, sífilis, ne-
Doença renal ateroembólica oplasias, anemia falciforme e, mais recentemente, uso de
Nefrosclerose hipertensiva arteriolar benigna drogas como cocaína, ciclosporina e anticorpo monoclonal
Nefrosclerose maligna OKT3.2-6
Microangiopatias trombóticas
Púrpura trombocitopênica trombótica e síndrome
hemolítico-urêmica QUADRO CLÍNICO
Nefrite por radiação Na aterosclerose progressiva, a lesão irregular permite
Esclerodermia renal
a manutenção de um fluxo de sangue para o setor vascu-
Síndrome do anticorpo antifosfolipídio
3. Doenças da microcirculação lar afetado. Dessa forma, quando a trombose do rim sobre-
Nefropatia da anemia falciforme vém, esta é acompanhada de poucos sintomas. Em contra-
Glomerulonefrite rapidamente progressiva partida, a oclusão aguda, total ou segmentar, por um êm-
pauciimune bolo ou por trombose sobre placa de ateroma produz in-
farto renal acompanhado de sintomatologia intensa. Além
da dor lombar, hematúria, náuseas, vômitos e febre, po-
manifestações clínicas diversas, incluindo: insuficiência dem-se observar sinais de embolia extra-renal (lesões na
renal súbita ou lentamente progressiva, normo- ou hiper- pele ou no sistema nervoso central).2-4,7
tensão arterial, infartos distais ou fibrose progressiva, etc.
Para facilitar a discussão das doenças vasculares renais, DIAGNÓSTICO
convém agregá-las em grupos (Quadro 27.1). Algumas Os exames laboratoriais podem revelar elevação da
(doença renovascular, vasculites e glomerulonefrites ra- desidrogenase láctica sangüínea e urinária, leucocitose e,
pidamente progressivas pauciimunes) não serão discu- dependendo da massa renal afetada, elevação da creatini-
tidas, pois são abordadas em outros capítulos deste li- na sérica.8 A elevação da desidrogenase láctica em cinco
vro. vezes o seu valor normal, sem elevação concomitante das
transaminases, é bastante sugestiva de infarto renal e aju-
da o diagnóstico diferencial com infarto do miocárdio,
Pontos-chave: hemólise ou rejeição de transplante renal. A hematúria
• A circulação arterial renal é terminal, o que macroscópica é observada em menor freqüência, provavel-
significa que a oclusão de uma artéria ou mente devido à diminuição da perfusão renal da área com-
arteríola acarreta isquemia em todo o prometida.7
A cintigrafia renal, por não necessitar de meio de con-
território distal
traste nefrotóxico e não ser invasiva como a arteriografia
• A veias renais anastomosam-se
renal, ainda é o exame de escolha para demonstrar um
amplamente, o que minimiza as déficit de perfusão segmentar ou generalizado. A ultra-
conseqüências clínicas da obstrução venosa sonografia com doppler, mais simples e barata, vem subs-
tituindo a cintigrafia em muitos serviços. A menor sensi-
bilidade do doppler para detectar infartos e tromboses
DOENÇAS DOS GRANDES VASOS segmentares pode ser um problema em algumas situações.
A tomografia computadorizada pode ser útil para diagnós-
tico de infarto renal, mas utiliza contraste radiológico, o que
Trombose e Embolia das Artérias Renais
pode, em pacientes de risco (diabetes, mieloma, disfunção
ETIOLOGIA renal prévia), agravar a insuficiência renal. A arteriogra-
A embolização das artérias renais de maior calibre ocor- fia renal ainda é o método diagnóstico definitivo.7
re, em geral, a partir de trombos formados a distância, prin-
cipalmente na parede do miocárdio, por conta de arritmi- TRATAMENTO E PROGNÓSTICO
as ou infarto, além de complicações de procedimentos vas- O tratamento de escolha da trombose ou embolia renal
culares.1 Condições menos comuns incluem os trombos é a desobstrução precoce das artérias renais com trombo-
formados nas vegetações valvares da endocardite bacteri- líticos, seguida de anticoagulação sistêmica. O uso locor-
ana ou êmbolos relacionados a neoplasias. regional de trombolíticos (cateterismo seletivo), com ou
capítulo 27 521

sem angioplastia, pode minimizar os efeitos hemorrágicos Atualmente, fatores genéticos como a mutação do fator
sistêmicos e melhorar o resultado da terapia.9-12 A introdu- V de Leiden e deficiências das proteínas C e S da coagula-
ção da trombólise resultou em melhora das taxas de recu- ção têm sido implicados na trombose de veias renais, prin-
peração funcional e menor mortalidade, em pacientes de cipalmente em recém-nascidos e em transplantes renais.17-20
alto risco, portadores de cardiopatias, doença isquêmica Devem-se ainda considerar as neoplasias, especialmente o
cerebral e insuficiência mesentérica.13 carcinoma de células renais.
A grande indicação da intervenção cirúrgica é a embo-
lia recente que ocorre no pós-operatório imediato de ci- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E EXAMES
rurgias vasculares ou como complicação da colocação de COMPLEMENTARES
próteses vasculares (stents) por técnicas angiográficas. Ao contrário da circulação arterial, a circulação venosa
Também é indicada na falência da terapia trombolítica, dos rins não é do tipo terminal. Existem anastomoses ex-
principalmente em casos de rim único ou acometimento tensas entre as veias tributárias que se unem para formar
bilateral. a veia renal única que drena cada um dos rins. Assim, a
A recuperação da função renal somente é possível quan- trombose de uma veia segmentar não compromete a cir-
do a terapêutica se inicia num período de 90 a 180 minu- culação do parênquima afetado. Por este motivo, as trom-
tos após obstrução. Infelizmente, na maioria das vezes, o boses renais costumam ser assintomáticas. Disfunção re-
diagnóstico somente é feito num intervalo de 3 a 6 dias após nal significativa, mesmo assim em uma minoria dos casos,
o início dos sintomas.7 Nesses casos, o tratamento é basi- só é encontrada em casos com a trombose total da veia re-
camente de suporte.13 Quando a obstrução renal é secun- nal principal.
dária a uma embolia, deve-se procurar identificar e tratar A principal complicação da trombose da veia renal é a
a causa subjacente, visando à prevenção de novos episó- migração do trombo para a veia cava e daí para o pulmão,
dios, inclusive para outros territórios vasculares. causando embolia pulmonar.3,16 O diagnóstico diferencial
de manifestações pulmonares ou cardiovasculares agudas
em pacientes com síndrome nefrótica deve incluir a possi-
Pontos-chave:
bilidade da migração de um trombo para o pulmão.
• Obstruções arteriais agudas causam infarto O diagnóstico de certeza da trombose da veia renal é fei-
renal e sintomatologia florida to com venografia seletiva por cateterismo.3,16 Técnicas de
• Obstruções arteriais progressivas causam eco-doppler com medida de fluxo também podem ser usa-
hipertensão e disfunção renal, a trombose é das, mais como triagem para pacientes de risco elevado.21
um evento tardio que cursa com pouca
sintomatologia TRATAMENTO
O tratamento baseia-se no combate à hipercoagulabili-
dade.3,16 A terapia imediata é a anticoagulação, recomen-
Trombose das Veias Renais dada nos casos com comprovação de trombose. Terapia
trombolítica local deve ser considerada em situações espe-
ETIOLOGIA cíficas, considerando os riscos de sangramentos em outros
O principal fator de risco para a trombose das veias re- sítios.22 É controverso o uso profilático de anticoagulantes
nais é a proteinúria maciça.14 O risco de trombose de veia em pacientes nefróticos do grupo de alto risco (p. ex., por-
renal é maior quando a proteinúria excede 10 g/dia e a tadores de nefropatia membranosa com proteinúria maci-
albumina sérica é inferior a 2 g/dl.15 Essa associação é ex- ça),23 mas há relatos de benefício do uso de aspirina em
plicada pela existência de um estado de hipercoagulabili- transplantados renais.24 A longo prazo procura-se tratar a
dade na síndrome nefrótica, aparentemente provocado doença glomerular, objetivando a melhora da perda pro-
pela perda urinária de proteínas envolvidas na anticoagu- téica urinária e o controle da inflamação glomerular.
lação natural do sangue (p. ex., antitrombina III) e pelo
excesso de produção do fibrinogênio em conseqüência ao
aumento da síntese protéica no fígado.16 DOENÇAS DAS ARTERÍOLAS
Uma possibilidade etiológica mais remota seria um es-
tímulo pró-coagulante sistêmico provocado pela inflama-
ção glomerular de etiologia imunológica. Notadamente a
Doença Renal Ateroembólica
maior incidência de trombose das veias renais ocorre na A placa de ateroma é uma das principais lesões da ate-
síndrome nefrótica provocada pela nefropatia membrano- rosclerose. Uma placa de ateroma típica localiza-se na ca-
sa e pela glomerulonefrite membrano-proliferativa, o que mada íntima dos vasos arteriais, sendo composta por uma
sustentaria a hipótese de mediação por fenômenos imuno- capa fibrocelular que recobre uma lesão amorfa constituí-
lógicos.14 da por macrófagos diferenciados em células esponjosas,
522 Doenças Vasculares dos Rins

células musculares lisas, cristais de colesterol e debris ne-


cróticos.25 A placa de ateroma pode sofrer degeneração e
produzir ulcerações e fissuras da camada íntima. As solu-
ções de continuidade no revestimento endotelial favorecem
a agregação e adesão de plaquetas e, eventualmente, dão
origem a trombos murais.
A embolização de cristais de colesterol ou ateroembo-
lia é uma complicação da doença aterosclerótica da aorta,
causada pelo desnudamento das placas de ateromas. Nes-
ses casos, o conteúdo da placa destaca-se da parede vas-
cular e migra pela corrente sangüínea até alojar-se em va-
sos arteriais distais de menor calibre. Por conta do eleva-
do fluxo sangüíneo, a circulação renal é um dos territórios
acometidos com maior freqüência. Fig. 27.1 Doença renal ateroembólica. Os cristais de colesterol em
Pacientes com doença aterosclerótica grave podem apre- formato de agulha são removidos durante o processamento do
tecido, restando apenas uma imagem negativa no lúmen da ar-
sentar ateroembolias espontâneas. No entanto, a maioria téria interlobular onde eles se encontravam depositados. O pro-
dos casos ocorre devido ao uso de anticoagulantes, incluin- cesso inflamatório intravascular que se formou em torno dos cris-
do heparina de baixo peso molecular,26,27 trombolíticos28-30 e, tais é constituído por macrófagos e células gigantes. (Cortesia da
principalmente, após traumatismos da parede da aorta Dra. Maria Lucia Ribeiro Caldas. Universidade Federal Fluminen-
causados por cateteres angiográficos ou por manipulação se.)
cirúrgica.31,32
O acesso por via femoral está associado a uma maior
freqüência de ateroembolias, talvez porque as placas de (isquemia enteromesentérica) e retinianas (déficits visuais
ateroma são mais freqüentes na aorta abdominal.33 Pacien- por isquemia retiniana).38 As manifestações cutâneas da
tes com doença renovascular submetidos à angiografia ateroembolia incluem o aparecimento de livedo reticularis
correm maior risco porque geralmente têm doença ateros- na pele das pernas (Fig. 27.2) ou do abdome, cianose de
clerótica concomitante na aorta. Estima-se que a ateroem- extremidades e úlceras dolorosas nos pés. A cianose dos
bolia pode ocorrer em até 2% do total de cateterismos car- dedos dos pés na presença de pulso pedioso palpável con-
díacos.34 figura a “síndrome do dedo azul” (blue toe syndrome), qua-
A ateroembolia também pode acometer rins transplan- dro bastante sugestivo do diagnóstico.
tados. Quando a fonte emboligênica é de origem do doa-
dor, a chance de perda de enxerto se agrava, talvez pelo
maior trauma vascular durante a procura e a retirada do
órgão.35

PATOLOGIA E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS


Nos primeiros dias, o quadro clínico da ateroembolia
renal é relativamente pobre,37 mas pode ocorrer exacerba-
ção da hipertensão arterial.36 Nesta fase, a oclusão vascu-
lar ainda é parcial, mas suficiente para estimular a libera-
ção de renina. Após alguns dias, os cristais embolizados
dão origem a um processo inflamatório endovascular ca-
racterizado pelo acúmulo de macrófagos, eosinófilos e cé-
lulas gigantes multinucleadas. Esse processo reacional
determina estreitamento progressivo da luz vascular que
culmina com sua oclusão (Fig. 27.1). Por conta da isque-
mia progressiva em grandes áreas do parênquima renal, a
principal manifestação clínica tardia é a insuficiência renal
de curso subagudo, que se instala três a oito semanas após
a embolização.32,33,37
Além da insuficiência renal, pacientes com embolização
por cristais de colesterol podem apresentar manifestações
relacionadas ao comprometimento de outros órgãos. Em
ordem decrescente, ocorrem: manifestações cutâneas, neu- Fig. 27.2 Extensa área de livedo reticularis nos membros inferiores
rológicas (acidente vascular isquêmico), gastrintestinais de um paciente com ateroembolia após cateterismo cardíaco.
capítulo 27 523

Pacientes com doença renal ateroembólica podem apre- embolia por colesterol costuma causar lesão renal irrever-
sentar eosinofilia e hipocomplementemia transitórias.37,39-41 sível. Dependendo da extensão da massa renal comprome-
Uma revisão de 129 casos com confirmação histológica tida, a disfunção renal pode estabilizar-se. No entanto, a
documentou eosinofilia em 71% dos casos.38 O exame de maioria dos pacientes com manifestações características
elementos anormais e sedimento urinário (EAS) pode re- tende a evoluir para insuficiência renal dependente de
velar hematúria, piúria e eosinofilúria.32,37,42 Geralmente suporte dialítico, sendo rara a reversão espontânea após
detecta-se proteinúria inferior a 3 g/dia, embora alguns algum tempo em diálise.32,37
pacientes possam atingir níveis nefróticos.32,37 Uma vez instalada, é muito difícil reverter a disfunção
causada pela ateroembolia renal. Medidas profiláticas,
DIAGNÓSTICO, PROGNÓSTICO E como preferência pelo acesso braquial, uso de cateteres e
TRATAMENTO guias mais maleáveis e uso criterioso de anticoagulantes,
O diagnóstico de certeza da ateroembolia depende da podem contribuir para diminuir sua ocorrência. A morta-
demonstração histológica da imagem negativa caracterís- lidade global no primeiro ano é muito elevada, na ordem
tica (um artefato da técnica histológica) dos cristais de co- de aproximadamente 70%.32,45 Em observações não contro-
lesterol na luz de vasos de pequeno calibre (Fig. 27.1).37 Em ladas, suporte intensivo precoce, associado ao emprego de
pacientes com manifestações cutâneas isto pode ser eviden- corticosteróides, parece resultar em melhora do prognós-
ciado em biópsias de pele. Em geral, a biópsia renal é o tico.44,46
exame de escolha. Infelizmente, as lesões vasculares são
focais e, com freqüência, são necessários cortes seriados
Pontos-chave:
cuidadosos para encontrar os cristais característicos.29,42
Infiltrado inflamatório com eosinófilos no rim de pacien- • Na fase aguda, o alojamento dos cristais de
tes idosos com disfunção renal sugere embolia espontânea colesterol na microcirculação produz
e indica a realização de cortes seriados adicionais visando poucas manifestações renais
à detecção dos cristais característicos.43 • A disfunção renal na ateroembolia
No contexto clínico apropriado, a confirmação histoló-
geralmente ocorre semanas após o evento
gica pode ser desnecessária.32 A presença de ateroembolia
causal, em virtude da reação inflamatória
é praticamente certa em pacientes com insuficiência renal
progressiva, história de procedimento angiográfico nos intravascular que se forma em torno dos
últimos dois meses, livedo reticularis em membros inferio- cristais
res e a “síndrome do dedo azul”. A detecção de eosinofi-
lia, diminuição do complemento sérico e eosinofilúria ser-
vem como confirmação adicional do diagnóstico. Recen- Nefrosclerose Hipertensiva
temente, propôs-se que, na ausência de biópsia renal, a Arteriolar Benigna
ateroembolia pode ser diagnosticada mediante o preenchi-
mento dos critérios expostos no Quadro 27.2.44 A nefrosclerose é uma alteração característica do en-
Em pacientes submetidos a exames angiográficos, o velhecimento, mas que sofre incremento pela associação
diagnóstico diferencial da insuficiência renal inclui a ne- com hipertensão arterial sustentada. Com o passar dos
frotoxicidade por contraste radiológico.33 Nesses casos, a anos, a persistência de um regime de hipertensão arterial
elevação da creatinina é bem mais rápida, assim como a causa alterações estruturais progressivas nos pequenos
recuperação da função renal, que ocorre no máximo em três vasos de diversos territórios vasculares. As arteríolas do
semanas. Já a oclusão vascular progressiva que se segue à rim estão entre as estruturas mais comprometidas. As al-
terações vasculares e a isquemia resultante promovem le-
sões glomerulares e túbulo-intersticiais e, geralmente, le-
vam à progressão para insuficiência renal crônica.47
Quadro 27.2 Critérios para diagnóstico clínico da Sabe-se hoje que isso não acontece com a freqüência que
doença renal ateroembólica se supunha no passado. Quando se estudam pacientes com
diagnóstico de doença renal terminal presumivelmente
Documentação de doença ateroesclerótica difusa causada por hipertensão, observa-se que um percentual
História de exposição a fator(es) precipitante(s) de
ateroembolia, como: cateterização retrógrada da aorta,
significativo dos que chegam a necessitar de diálise apre-
cirurgia cardíaca/vascular ou anticoagulação/terapia senta substituição das estruturas do rim por colágeno (es-
trombolítica por pelo menos 24 horas clerose) conseqüente a uma doença renal bem definida,
Insuficiência renal aguda definida por elevação da como estenose das artérias renais, vasculite ou glomeru-
creatinina em mais de 50% sobre o basal lonefrite primária.48-50 A diminuição da filtração glomeru-
Livedo reticular, necrose cutânea focal, “síndrome do
dedo azul” ou ateroembolia retiniana lar associada ao envelhecimento caracteriza-se por lesões
vasculares e escleróticas, mas não é suficiente para resul-
524 Doenças Vasculares dos Rins

tar em disfunção renal clinicamente significativa. Entretan- Uma das características do fator de risco racial é a sua
to, a superposição da hipertensão arterial, mesmo mode- persistência, mesmo na situação de controle da pressão
rada, parece acelerar o desenvolvimento dessas lesões.51 arterial. Isto quer dizer que, apesar do acesso ao tratamen-
Principalmente na raça negra, isso pode resultar em doen- to, a evolução para falência renal é significativamente
ça renal significativa. maior em pacientes da raça negra. 56 Uma hipótese
A grande maioria dos pacientes com hipertensão arte- explicativa seria a menor dotação de néfrons em recém-
rial desenvolve nefrosclerose. Embora em alguns indiví- nascidos de baixo peso, uma condição prevalente em pa-
duos o nível de creatinina possa elevar-se acima do valor cientes de raça negra submetidos a condições sócio-econô-
normal, somente uma minoria apresenta comprometimen- micas inadequadas.57 É possível que fatores outros, como
to clinicamente significativo da filtração glomerular. diferenças raciais no ritmo circadiano da pressão arterial e
das oscilações da filtração glomerular (falta de diminuição
fisiológica noturna), possam dificultar o controle da pres-
PATOLOGIA
são arterial em negros e justificar o maior risco de doença
As características histopatológicas principais da nefros-
renal.58,59
clerose benigna são hipertrofia da camada muscular das
artérias, duplicação da lâmina elástica interna e espessa-
mento da camada íntima, algumas vezes com deposição DIAGNÓSTICO
de material hialino na região subintimal. Por conta do es- A doença renal hipertensiva manifesta-se por elevação
treitamento da luz das arteríolas renais aferentes e eferen- da creatinina sérica ou proteinúria, que, via de regra, é
moderada. Uma das características da nefrosclerose benig-
tes, ocorre envolvimento glomerular e túbulo-interstici-
na, que pode ser reflexo da diminuição do fluxo sangüí-
al.47,52,53
neo renal, é a elevação do ácido úrico independente do uso
Especula-se que os depósitos hialinos sejam resultado
prévio de diuréticos.60 A proteinúria não costuma exceder
do aumento da permeabilidade dos vasos sangüíneos.
1 g em 24 horas. Pacientes com proteinúria são mais pro-
Como conseqüência, macromoléculas difundidas a partir
pensos a evoluir com perda da função renal, talvez como
do plasma se acumulariam na região subintimal. Essa se-
conseqüência da hiperfiltração glomerular.
ria a causa da deposição de imunoglobulinas que se obser-
O diagnóstico da nefrosclerose benigna baseia-se na
va nas paredes das arteríolas de pacientes com nefroscle-
história e na evolução da doença. A hipertensão deve pre-
rose benigna. Por outro lado, a exposição excessiva a fato-
ceder a doença renal. A presença de retinopatia hiperten-
res de crescimento oriundos da circulação também seria
siva também auxilia no diagnóstico. A biópsia renal nor-
capaz de causar lesões proliferativas e hipertróficas.52 A
malmente não é necessária, a não ser em pacientes sem
resposta hipertrófica da camada íntima das artérias do rim
antecedentes de doença hipertensiva.
pode representar uma tentativa de proteção contra os efei-
tos hemodinâmicos da pressão arterial sobre as arteríolas
TRATAMENTO
e capilares renais.
O controle da pressão arterial tem um papel importan-
Finalmente, a esclerose global ou focal pode ser conse-
te na prevenção da progressão para doença renal crônica
qüente à isquemia glomerular. O comprometimento focal
terminal em pacientes com nefrosclerose benigna. Estudos
é acompanhado de hipertrofia glomerular que pode estar
comparativos demonstram que, independente das drogas
envolvida na natureza progressiva da doença renal. Este
utilizadas, pacientes com controle rigoroso apresentam, ao
estágio da doença, que se associa com lesão tubulointers-
longo do tempo, menor deterioração funcional renal.61
ticial crônica, recebe o nome de nefrosclerose benigna des-
Entretanto, em uma metanálise com aproximadamente
compensada. Em geral, a creatinina sérica supera 2 mg/dl
25.000 pacientes hipertensos sem nefropatia prévia, em uso
e a sobrevida renal é pior do que nas glomerulopatias pri-
de diuréticos e bloqueadores adrenérgicos, não houve di-
márias.54
minuição do risco na progressão para IRC, apesar de ter
ocorrido diminuição nos eventos cardiovasculares.62 O uso
EPIDEMIOLOGIA de drogas como inibidores da enzima conversora da angi-
Em grandes estudos populacionais observa-se que, em otensina ou bloqueadores do receptor de angiotensina
princípio, pacientes com hipertensão leve ou moderada pode oferecer maior benefício em relação à proteção renal,
não estão sujeitos a maior incidência de doença renal crô- mas ainda não existe comprovação em estudos populaci-
nica progressiva.55 No entanto, alguns fatores de risco es- onais.
pecíficos para a progressão para insuficiência renal estão Apesar do tratamento dialítico, a mortalidade deste gru-
bem caracterizados. Os principais seriam a raça negra, a po é elevada, principalmente pela co-morbidade represen-
presença de co-morbidade (como diabetes mellitus ou do- tada pela doença cardíaca hipertensiva e pela doença cé-
ença renal parenquimatosa associada) e episódios repe- rebro-vascular. Isto indica que a doença não se restringe
tidos de elevações acentuadas e sem controle da pressão aos rins mas, ao contrário, existe comprometimento sistê-
arterial.47 mico e progressivo.
capítulo 27 525

Pontos-chave:
• A grande maioria dos pacientes com
hipertensão arterial desenvolve
nefrosclerose
• As características histopatológicas
principais da nefrosclerose benigna são
hipertrofia da camada muscular das
artérias, duplicação da lâmina elástica
interna e espessamento da camada íntima
• Os principais fatores de risco para a
insuficiência renal seriam a raça negra, a
presença de co-morbidade (como diabetes
mellitus ou doença renal parenquimatosa Fig. 27.3 Hipertensão arterial. Hiperplasia e fibrose da cama-
da íntima resultando no aspecto de camadas concêntricas co-
associada) e episódios repetidos de nhecido pelo nome de lesão em “bulbo de cebola”. (Cortesia
elevações acentuadas e sem controle da da Dra. Maria Lucia Ribeiro Caldas. Universidade Federal Flu-
pressão arterial minense.)
• Apesar do acesso ao tratamento, a evolução
para falência renal é significativamente
maior em pacientes da raça negra na esclerose sistêmica progressiva e na síndrome hemolí-
• O controle da pressão arterial tem um tico-urêmica.63
papel importante na prevenção da Em casos mais graves pode ocorrer necrose fibrinóide
progressão para doença renal crônica das artérias de menor calibre, das arteríolas e dos capila-
res renais (Fig. 27.4). Uma das possibilidades para expli-
terminal em pacientes com nefrosclerose
car as alterações da nefrosclerose maligna seria a incapa-
benigna
cidade da circulação em regular a perfusão arteriolar de
forma adequada (perda da auto-regulação).64 Em condições
Nefrosclerose Maligna normais, a circulação se protege dos picos de tensão arte-
rial através da vasoconstrição arteriolar, com conseqüente
A elevação acentuada e sustentada da pressão arterial queda da pressão no território vascular a jusante. Nos pa-
(hipertensão acelerada) acelera a progressão da doença cientes com hipertensão maligna haveria transmissão di-
renal, de tal sorte que a insuficiência renal crônica termi- reta da tensão arterial para a parede desses vasos. As ci-
nal sobrevém ao final de alguns poucos anos.47 Alguns fras de hipertensão em que esse fenômeno se instala po-
autores separam a hipertensão acelerada da hipertensão dem variar conforme a patologia de base, mas, em geral,
maligna. Nesta última, o quadro clínico e as alterações his-
topatológicas decorrem de uma elevação acentuada e re-
lativamente aguda da pressão arterial que determina so-
frimento agudo dos órgãos-alvo da hipertensão (cérebro,
retina, rins, coração e grandes vasos). Atualmente é co-
mum não fazer distinção tão nítida entre os dois qua-
dros.63

PATOLOGIA
A elevação exagerada e prolongada da pressão arterial
se acompanha por hiperplasia e fibrose da camada íntima
que termina por estreitar o lúmen arterial. Nos vasos de
médio calibre ocorre estreitamento da luz vascular devi-
do à grande expansão da camada íntima. O padrão de le-
são intimal, juntamente com a duplicação da lâmina elás-
tica interna, dá origem a um aspecto histopatológico con- Fig. 27.4 Hipertensão arterial maligna. Necrose fibrinóide
cêntrico característico que recebe o nome de “bulbo de subintimal em artéria interlobular previamente acometida por
cebola” (Fig. 27.3). Essas alterações histológicas típicas são hiperplasia intimal concêntrica. (Cortesia da Dra. Maria Lucia
semelhantes, senão indistinguíveis, das lesões observadas Ribeiro Caldas. Universidade Federal Fluminense.)
526 Doenças Vasculares dos Rins

ocorrem a partir da faixa de 130 mmHg de pressão diastó- e de isquemia focal. As complicações podem decorrer de
lica sustentada.64 acidentes vasculares encefálicos (AVE) isquêmicos (in-
cluindo infartos lacunares) ou hemorrágicos. As carac-
QUADRO CLÍNICO terísticas clínicas que ajudam a diferenciar a encefalopa-
Com freqüência, em pacientes com níveis tensionais tia hipertensiva simples do quadro de AVE incluem a au-
previamente elevados, a hipertensão maligna instala-se sência de comprometimento focal, o início insidioso e os
como uma complicação, alterando um curso anterior- sintomas de comprometimento encefálico difuso (vômi-
mente benigno. Nesses casos, deve-se procurar sempre tos, cefaléia, perda da memória, etc.). A tomografia ce-
um fator de agudização, como a doença renovascular ate- rebral é o exame de escolha para afastar um AVE, com
rosclerótica ou o uso insuficiente ou inapropriado de me- a ressalva de que são necessárias pelo menos 48 horas
dicação. 63,65 Fatores genéticos, como polimorfismo do para que um acidente isquêmico seja revelado na tomo-
gene das ECA e HLA-DR3 (em indivíduos de raça negra), grafia.
parecem aumentar o risco para transformação maligna
da HAS.66,67
TRATAMENTO
Ocasionalmente, observam-se situações onde a hiper-
Para que o fluxo cerebral possa ser mantido, nas primei-
tensão maligna desenvolve-se em pacientes previamen-
ras 24 horas objetiva-se uma redução moderada da pres-
te hígidos (de novo), acometidos por uma elevação aguda
são arterial que deve estabilizar-se em níveis moderada-
e grave da pressão arterial (p. ex., na glomerulonefrite
mente elevados. Uma diminuição excessiva da pressão
aguda, na eclâmpsia ou mesmo na hipertensão essenci-
al). O prognóstico da hipertensão maligna em pacientes arterial pode trazê-la para valores médios inferiores à ca-
sem antecedentes de hipertensão não difere dos casos pacidade de auto-regulação do fluxo sangüíneo cerebral e
clássicos.68 resultar em dano isquêmico.64
Além da hipertensão e da piora gradativa da função O tratamento inicial de pacientes com hipertensão ma-
renal, pacientes com nefrosclerose arteriolar maligna apre- ligna depende da situação clínica. Quando o paciente apre-
sentam proteinúria, raramente em níveis nefróticos.63,69 Um senta comprometimento agudo da função dos órgãos-alvo
quadro mais raro é a insuficiência renal aguda, que se ins- (deterioração visual, encefalopatia, insuficiência renal agu-
tala ao longo de vários dias ou poucas semanas. Nesses da, edema agudo de pulmão), indica-se o tratamento com
pacientes, a ultra-sonografia renal revela rins de tamanho drogas de ação rápida por via intravenosa. No nosso meio,
e ecogenicidade praticamente normais. a droga de escolha é o nitroprussiato de sódio, que possui
A biópsia renal é a única forma de confirmar a hiper- efeito imediato e correlação linear entre a dose infundida
tensão maligna como responsável pela disfunção renal e o efeito anti-hipertensivo. Outra droga parenteral vaso-
aguda. Entretanto, existem duas limitações. Primeiramen- dilatadora, já aprovada pelo FDA para uso clínico, é o fe-
te, a hipertensão grave é uma contra-indicação para a exe- noldopam, um agonista seletivo do receptor dopaminér-
cução da biópsia, que só poderá ser feita após o controle gico do tipo 1 (DA1). Esta droga tem a vantagem de pos-
adequado da pressão arterial. O segundo problema é a suir efeito natriurético e possível proteção renal, além de
semelhança histopatológica entre a hipertensão maligna e ser isenta do risco de intoxicação pelo cianeto e não ser
as microangiopatias trombóticas (discutidas a seguir). fotossensível.71
Muitas vezes é preciso conjugar dados da patologia com o Durante a retirada da infusão venosa ou em pacientes
quadro clínico-laboratorial, a fim de obter um diagnóstico sem tanta gravidade, pode-se iniciar o tratamento com blo-
definitivo. queadores de canal de cálcio ou com inibidores da enzima
Os efeitos sistêmicos da hipertensão grave também se conversora de ação rápida (p. ex., nifedipina e captopril).
evidenciam pelo comprometimento dos vasos da retina.70 Muitos utilizam a via sublingual, para obter efeito imedi-
A retinopatia hipertensiva caracteriza-se por hemorragias ato. Pelo menos, com relação à nifedipina, a via oral é igual-
retinianas, exsudatos de material plasmático extravasado mente eficaz.
e, nos casos com encefalopatia hipertensiva, edema da Após as primeiras 24/48 horas, inicia-se a terapia defi-
papila. Este último, quando presente, revela a gravidade nitiva com drogas orais, que pode incluir os bloqueadores
do quadro hipertensivo agudo, mas não tem relação com de canal de cálcio e inibidores da enzima conversora, even-
o prognóstico do quadro geral. tualmente com meia-vida mais longa, juntamente com
Clinicamente, o paciente com hipertensão maligna outras drogas hipotensoras.
apresenta cefaléia e sinais neurológicos flutuantes.47,63 As A sobrevida em 10 anos é de 45 a 50%, e em aproxima-
complicações incluem convulsões, déficits neurológicos damente metade dos pacientes, independente da função
fixos, coma e, eventualmente, morte. Inicialmente, o com- renal basal, ocorre progressão para IRC.72 A longo prazo,
prometimento do cérebro resulta da elevação da pressão o controle pressórico é o fator mais importante para impe-
craniana (que pode evoluir para edema cerebral difuso) dir a progressão da nefropatia.
capítulo 27 527

Pontos-chave: Quadro 27.3 Principais causas de PTT/SHU

• Com freqüência, em pacientes com níveis Idiopática


tensionais previamente elevados, a Familar
Secundária
hipertensão maligna instala-se como uma • infantil associada à verotoxina e a outras toxinas
complicação, alterando um curso bacterianas semelhantes
anteriormente benigno • associada à gestação
• associada ao câncer (primariamente ou induzida por
• Deve-se procurar sempre um fator de quimioterapia)
agudização, como a doença renovascular • associada aos imunossupressores (ciclosporina A e
aterosclerótica ou o uso insuficiente ou tacrolimus)
• associada a infecções (pneumococos, SIDA)
inapropriado de medicação
• Clinicamente, o paciente com hipertensão
maligna apresenta cefaléia e sinais
neurológicos flutuantes Manifestações Clínicas e Laboratoriais
• Quando o paciente apresenta Quando ocorrem sintomas neurológicos e febre confi-
comprometimento agudo da função dos gura-se o extremo do espectro, que recebe o nome de púr-
órgãos-alvo (deterioração visual, pura trombocitopênica trombótica. Já a insuficiência renal
encefalopatia, insuficiência renal aguda, aguda sem disfunção neurológica caracteriza os doentes
edema agudo de pulmão), indica-se o com síndrome hemolítico-urêmica. A anemia hemolítica
tratamento com drogas de ação rápida por microangiopática é o elemento comum às várias etiologi-
as da PTT/SHU. Como o nome indica, a anemia resulta
via intravenosa
predominantemente da fragmentação não-imunológica
das hemácias na circulação, o que causa elevação dos ní-
Microangiopatias Trombóticas veis séricos da desidrogenase láctica e o aparecimento de
hemácias dismórficas (esquistócitos) em esfregaços do san-
As microangiopatias trombóticas compreendem um gue periférico.73 Além disso, por conta da agregação de
grupo de doenças renais de etiologia variada que apresen- plaquetas e do consumo intravascular, observa-se trombo-
tam lesões histopatológicas renais semelhantes. As lesões citopenia e depleção dos fatores da coagulação.
renais das microangiopatias trombóticas estendem-se des- Os principais sintomas neurológicos da PTT são confu-
de as artérias de pequeno calibre até os capilares glomeru- são mental, convulsões e déficits motores focais. O quadro
lares. Seu denominador comum é a presença de anemia renal é caracterizado por proteinúria, hematúria (micro- ou
hemolítica microangiopática. As principais microangiopa- macroscópica) e hipertensão. A insuficiência renal aguda,
tias trombóticas são as doenças do complexo púrpura trom- com gravidade variável, ocorre em até 80% dos casos.
bocitopênica trombótica/síndrome hemolítico-urêmica. Manifestações relacionadas aos distúrbios da coagulação
são proeminentes e incluem púrpura, epistaxe, hematême-
PÚRPURA TROMBOCITOPÊNICA se e melena. Alguns pacientes apresentam artralgias e mi-
TROMBÓTICA E SÍNDROME algias.
HEMOLÍTICO-URÊMICA
A púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) foi des- Etiopatogenia
crita por Moschowitz na década de 20. Alguns anos depois, Durante muito tempo acreditou-se que a síndrome
reconheceu-se em crianças uma doença semelhante que PTT/SHU fosse causada por distúrbios primários na agre-
recebeu o nome de síndrome hemolítico-urêmica (SHU). gação das plaquetas. Atualmente o interesse tem-se volta-
Atualmente, ambas são consideradas como extremos de do para a disfunção do endotélio vascular. Todos os fato-
um espectro de doenças, cujo conjunto recebe o nome de res implicados nas formas secundárias de PTT/SHU pa-
púrpura trombocitopênica trombótica/síndrome hemolí- recem ser, de alguma forma, tóxicos para as células endo-
tico-urêmica (PTT/SHU).73 Um aspecto patogênico impor- teliais.74 Entre estes destacam-se as toxinas shigatoxina e
tante é a formação de trombos plaquetários na microcir- verotoxinas, respectivamente produzidas pelas bactérias
culação. A oclusão das arteríolas e capilares, que pode ter Shigella dysenteriae e Escherichia coli sorotipo O157:H7, que
um caráter flutuante, afeta preferencialmente órgãos com causam a síndrome hemolítica da infância.74 A lesão endo-
maior dependência da microcirculação (cérebro, coração, telial também justifica a microangiopatia trombótica nos
supra-renais e rins). casos de quimioterapia com a mitomicina C.75 Deficiência
O Quadro 27.3 relaciona os principais fatores causais e do fator H do complemento parece estar implicada em
as associações nosológicas implicadas na PTT/SHU. formas familiares (autossômica dominante) da SHU.76
528 Doenças Vasculares dos Rins

A presença no plasma de grandes multímeros do fator pacientes costumam remitir espontaneamente. As formas de
de von Willebrand, que normalmente não circulam mas são PTT/SHU que acometem adultos possuem menor potenci-
estocados nos corpos de Weibel-Palade existentes nas cé- al para reversão. A utilização de aspirina, dextran, trombo-
lulas endoteliais, é mais uma evidência que indica lesão en- líticos, imunossupressores e prostaciclina foi tentada no
dotelial.77 passado, com graus variáveis de sucesso.
O tratamento mais consistente para a SHU é a infusão de
Patologia plasma fresco congelado. Embora possa funcionar isolada-
Na histopatologia renal, a microangiopatia trombótica da mente, a utilização concomitante da plasmaférese permite,
PTT/SHU se caracteriza pela formação de trombos arteriola- em teoria, a administração de maiores volumes de plasma e
res e intraglomerulares74 (Fig. 27.5). Os glomérulos afetados a eventual remoção de alguma substância agressora.74 A re-
também podem exibir alargamento dos espaços subendoteli- tirada de plasma pode ser feita através de plasmafiltração ou
ais que passam a ser ocupados por um material semilucente por centrifugação do plasma. Mais importante é o líquido de
de aspecto “espumoso”.74 A cicatrização dessas lesões normal- reposição, que deve ser o plasma fresco congelado.74
mente resulta em uma proliferação intimal do tipo bulbo de Alguns casos refratários respondem à infusão de crios-
cebola, que é indistinguível das lesões encontradas na nefros- sobrenadante (plasma depletado do crioprecipitado que
clerose maligna, na esclerodermia e na nefrite por radiação. contém os multímeros do fator de von Willebrand). Quan-
do não há resposta a nenhuma destas terapias, pode-se ten-
Diagnóstico tar a imunoablação seguida de transplante autólogo de cé-
O diagnóstico da SHU é relativamente simples por conta lulas tronco obtidas de sangue periférico.80 A mortalidade
da presença de hemólise intravascular, trombocitopenia, global, com tratamento adequado, situa-se em torno de 10%.
insuficiência renal aguda e o eventual envolvimento de ou-
tros órgãos. A utilização da biópsia renal é limitada devido
aos distúrbios da coagulação, embora ela possa ser feita ime- Nefrite por Irradiação
diatamente após reposição de concentrado de plaquetas. Em A nefrite por irradiação é uma doença caracterizada por
relação às toxinas, a caracterização etiológica específica pode inflamação, trombose e degeneração celular. Como o nome
ser feita através da detecção de anticorpos anti-Shiga78 e de indica, ela é causada pela exposição à radiação ionizante. O
verotoxina ligada a leucócitos polimorfonucleares.79 quadro histopatológico é típico das microangiopatias trom-
bóticas e indistinguível da fase crônica da síndrome hemolí-
Tratamento tico-urêmica. Na microscopia eletrônica observa-se alarga-
Em crianças existe uma taxa relativamente alta de remis- mento dos espaços subendoteliais, que são parcialmente
são espontânea. Por este motivo, é comum optar-se, de iní- ocupados pela deposição de um material amorfo (Fig. 27.6).
cio, pelo tratamento conservador. É imperativo controlar a
hipertensão e o metabolismo hidroeletrolítico e ácido-base.
Pacientes com insuficiência renal devem receber tratamen-
to dialítico quando apropriado. Em crianças, mesmo esses

Fig. 27.6 Nefrite por radiação. Duplicação da membrana basal


Fig. 27.5 Síndrome hemolítico-urêmica experimental em coelho. glomerular (entre as setas) com alargamento do espaço subendo-
Extensa trombose intraglomerular em síndrome hemolítico-urê- telial pela deposição de material amorfo de aspecto “espumoso”
mica experimental em coelho. (Cortesia do Dr. Paulo Roberto (asterisco). (Cortesia da Dra. Maria Lucia Ribeiro Caldas. Univer-
Faraco. Universidade do Estado do Rio de Janeiro.) sidade Federal Fluminense.)
capítulo 27 529

A nefropatia pode desenvolver-se após a exposição di- tuma ser irreversível e muitos pacientes evoluem para di-
reta dos rins a doses elevadas e repetidas de radiação. Este álise crônica.83 Não existe tratamento específico para a ne-
tipo de exposição, comum no passado, ocorria quando os frite de radiação. O controle da hipertensão, talvez com
rins eram incluídos no campo de radiação durante o trata- inibidores da enzima de conversão da angiotensina, pode
mento de neoplasias extra-renais.81 Com a diminuição da ser importante na diminuição da velocidade de progres-
dose cumulativa sobre o rim e a exclusão de pelo menos são da doença renal. A nefrectomia pode curar o paciente,
um terço do parênquima do campo de irradiação, esta quando a hipertensão decorre da irradiação de apenas um
doença tornou-se rara.82 Atualmente, a maioria dos casos dos rins.90
de nefrite por radiação ocorre após irradiação corporal total Diante da inexistência de terapias eficazes, as medidas
no contexto do transplante de medula óssea.82,83 Embora a profiláticas assumem um papel fundamental. A proteção
irradiação direta sobre o rim seja relativamente pequena, das lojas renais durante a radioterapia parece diminuir a
a ação sinérgica de drogas quimioterápicas (principalmente incidência da nefropatia.82 Outras medidas incluem o fra-
ciclofosfamida em altas doses) parece favorecer o apareci- cionamento da dose de radiação, a substituição da ciclo-
mento de nefropatia.84 fosfamida por outras drogas antineoplásicas e o cuidado
na utilização de nefrotoxinas.83
ETIOPATOGENIA
Ainda não se conhece o exato mecanismo responsável
pela lesão renal. A semelhança clínico-patológica com a
Esclerodermia Renal
PTT/SHU e a sensibilidade endotelial à radiação85 apon- A esclerodermia ou esclerose sistêmica progressiva
tam para a célula endotelial renal como o provável alvo (ESP) é uma doença sistêmica caracterizada por instabili-
primário. Além disso, a radiossensibilidade in vitro das dade vasomotora (fenômeno de Raynaud) e lesões escle-
células endoteliais é potenciada por drogas antineoplási- róticas e/ou fibróticas associadas a obliteração vascular em
cas como ciclofosfamida, bleomicina, adriamicina, actino- diversos tecidos. Os principais órgãos afetados são a pele,
micina D e corticosteróides.86 A doença é mais comum em o trato gastrintestinal, os pulmões, os rins e o coração. Em
crianças, talvez indicando uma maior suscetibilidade do casos de longa duração, o comprometimento renal é bas-
rim imaturo. tante comum, sendo encontrado em até 90% dos pacientes
submetidos a necrópsia.90 Clinicamente, cerca de 45% dos
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E pacientes com manifestações sistêmicas de esclerodermia
LABORATORIAIS apresentam algum tipo de comprometimento renal.91
O quadro clínico da nefrite por radiação é composto por
hipertensão, disfunção renal, edema, dispnéia e sinais neu- PATOLOGIA
rológicos.83,87 A anemia hemolítica microangiopática é co- O chamado “rim da esclerodermia” é caracterizado por
mum nos casos associados ao transplante de medula, mas duas variedades histopatológicas de lesão vascular.92 O
pode faltar naqueles causados por irradiação renal direta.87 aspecto mais típico são as lesões obliterativas característi-
O sedimento urinário é pobre, mas a proteinúria é virtual- cas, encontradas, principalmente, nas artérias arqueadas e
mente universal. Na síndrome clássica a hematúria é oca- interlobulares. A lesão é causada pela proliferação das cé-
sional, mas é freqüente nos quadros pós-transplante de lulas musculares lisas da camada média e acúmulo de subs-
medula óssea. Exames cintigráficos podem ser úteis na tância mucóide. Essas células rompem a lâmina elástica
detecção de formas agudas de disfunção renal segmentar.88 interna e migram para a íntima, onde produzem a prolife-
Tipicamente o aparecimento da nefrite por radiação é ração concêntrica com morfologia em “bulbo de cebola”
tardio em relação ao momento da exposição. Na varieda- (Fig. 27.7). O outro tipo de lesão é a necrose fibrinóide
de chamada de nefrite por radiação “aguda”, as manifes- mural ou subintimal que acomete as arteríolas pré-glome-
tações se iniciam entre 6 e 12 meses após a irradiação. Este rulares. Essas alterações são virtualmente indistinguíveis
tempo relativamente longo se explica pela lenta replicação das da hipertensão maligna. O espessamento da membra-
das células endoteliais.89 A nefrite por radiação “crônica” na basal glomerular, a glomerulosclerose progressiva e as
corresponde a um quadro de proteinúria e deterioração lesões túbulo-intersticiais crônicas refletem o comprome-
funcional renal, em pacientes que não desenvolveram a timento da vascularização arterial renal.
forma aguda, manifesto pelo menos um ano após a irradi-
ação. Também podem ocorrer formas de hipertensão arte- MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E
rial benigna ou maligna a longo prazo. LABORATORIAIS
Nem todos os pacientes com esclerodermia renal apre-
TRATAMENTO sentam envolvimento esofagiano, pulmonar ou cutâneo
Com freqüência o quadro hematológico resolve-se es- (esclerodermia sine esclerodermia). A hipertensão arterial
pontaneamente. Uma vez instalada, a disfunção renal cos- e a disfunção renal de início insidioso são as principais
530 Doenças Vasculares dos Rins

instala-se rapidamente. Sem tratamento, o paciente evolui


para anúria e morte por uremia em pouco mais de uma
semana.
Admite-se que a crise renal seja causada por um qua-
dro funcional de vasoconstrição intensa intra-renal (fenô-
meno de Raynaud do rim), superposta às alterações vas-
culares crônicas.91 O aumento da atividade plasmática de
renina é característico da crise de esclerodermia renal. Dis-
cute-se se esse é um fenômeno primário, envolvido na
patogênese da complicação, ou apenas um fenômeno rea-
tivo à intensa vasoconstrição renal.98 Mesmo com esta últi-
ma possibilidade, a intensa liberação de renina certamen-
te contribui para ampliar o ciclo vicioso de vasoconstrição
e dano renal. Recentemente, têm sido descritos casos de
Fig. 27.7 Esclerose sistêmica progressiva. Lesão obliterativa em glomerulonefrite com perda rápida de função renal, asso-
artéria interlobular de pequeno calibre. Proliferação das células ciada a vasculite de pequenos vasos p-ANCA positivo,
musculares lisas da camada média e acúmulo de substância inclusive com presença de crescentes.99,100 Este quadro pode
mucóide entre as camadas. Existe grande semelhança com a le-
representar uma nova forma de acometimento renal na
são arterial da hipertensão arterial que é mostrada na Fig. 27.3.
esclerodermia.

TRATAMENTO
manifestações renais da esclerodermia. A proteinúria é o O tratamento indicado para a crise renal de escleroder-
achado laboratorial mais freqüente e pode ser detectada em mia é o controle da hipertensão arterial com medicamen-
até um terço dos pacientes com ESP.91 O sedimento uriná- tos que não comprometam o fluxo plasmático renal. Até a
rio é pobre, refletindo a pouca atividade do processo in- década de 70 o prognóstico era sombrio.95 A introdução dos
flamatório renal. Ocasionalmente a lesão glomerular isquê- inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA)
mica pode resultar em hematúria. causou uma profunda mudança nesse panorama.101,102 Com
Nos casos mais obscuros, as anormalidades imunológi- esses medicamentos é possível diminuir a ativação do sis-
cas laboratoriais podem auxiliar o diagnóstico diferencial tema renina-angiotensina, combater a vasoconstrição renal
com hipertensão maligna. A pesquisa do fator antinúcleo e controlar a pressão arterial. A deterioração renal pode ser
(geralmente com padrão salpicado) é positiva em mais de estabilizada ou revertida em mais de 80% dos casos. A
90% dos pacientes, enquanto os níveis de complemento são melhora da crise renal também é observada em uma mi-
normais. Alguns auto-anticorpos são específicos para a noria de pacientes que apresentam insuficiência renal sem
esclerodermia e suas variantes clínicas. Os mais úteis são hipertensão arterial.
o anticentrômero, o anti-RNA uracila-específico e o anti- Apesar da significativa melhora do prognóstico, ainda
DNA topoisomerase II (Scl-70).93,94 existe um grupo de não-respondedores que evoluem para
A mais temida complicação renal de pacientes com ESP insuficiência renal terminal dependente de diálise. Alguns
é a crise de esclerodermia renal. Embora possa ocorrer em desses pacientes, mantidos em tratamento com IECA, read-
qualquer momento, essa emergência médica é mais comum quirem a função renal após alguns meses de diálise. Em
durante os primeiros cinco anos após o diagnóstico.95 A casos inteiramente refratários, mesmo após a combinação
crise de esclerodermia é mais freqüente nos pacientes de com outras drogas (minoxidil, bloqueadores de canal de
raça negra e nos indivíduos com comprometimento sistê- cálcio, etc.), pode ser preciso realizar nefrectomia bilateral
mico.95 Fatores predisponentes à crise renal incluem ainda a fim de permitir o controle da pressão arterial. O intenso
a exposição ao frio e, talvez, o uso de doses elevadas de vasoespasmo renal da crise esclerodérmica parece melho-
corticosteróides no início do tratamento. Pacientes com rar com a utilização de análogos da prostaciclina.103
esclerodermia sine esclerodermia, com doença mista do
tecido conjuntivo e com lúpus eritematoso também podem
apresentar crise de esclerodermia renal.96,97
Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio
Alguns pacientes com crise esclerodérmica apresentam A presença de uma atividade anticoagulante, detecta-
exacerbação da doença cutânea nos meses precedentes. Na da no plasma de pacientes com lúpus eritematoso, é conhe-
maioria dos casos, porém, o início é súbito. As manifesta- cida há mais de 40 anos. Logo após sua descoberta, obser-
ções clínicas, quase todas secundárias à hipertensão acele- vou-se que a contrapartida clínica da atividade anticoagu-
rada, surgem abruptamente.95 Os pacientes podem apre- lante detectada in vitro representava um paradoxo: ao in-
sentar taquicardia, cefaléia, déficits visuais, convulsões e vés de maior incidência de sangramento, a maioria dos
insuficiência ventricular esquerda. A insuficiência renal pacientes demonstrava predisposição à trombose.
capítulo 27 531

A associação in vitro entre a atividade anticoagulante e Os critérios diagnósticos propostos incluem: história
testes falso-positivos para sífilis em pacientes com lúpus de um ou mais episódios trombóticos (ou complicação
levou a que, na década de 80, fossem desenvolvidos ensaios obstétrica) associada à presença de altos títulos de anti-
para a detecção de auto-anticorpos que tinham a cardioli- corpos anticardiolipina (IgG ou IgM) e/ou anticoagulan-
pina como substrato.104 Esses testes detectavam anticorpos te lúpico. Os testes devem ser positivos em duas ocasi-
dirigidos para a cardiolipina e também para uma varieda- ões diferentes, separadas por um mínimo de seis sema-
de de outros fosfolipídios. A disponibilidade de um marca- nas.108
dor específico permitiu a descrição de uma nova síndrome Do ponto de vista nefrológico, a síndrome antifosfoli-
clínica, caracterizada por tromboses arteriais e venosas.104 pídio causa manifestações, predominatemente trombóti-
Embora os estudos iniciais tivessem endereçado porta- cas, em praticamente toda a circulação renal (Quadro 27.4).
dores de lúpus eritematoso sistêmico, com o passar dos Podem ocorrer infartos renais, uni- ou bilaterais, por oclu-
anos tornou-se evidente que a maioria dos pacientes com são da artéria renal principal ou seus ramos.109,110 Trombo-
fenômenos trombóticos associados a esses anticorpos não se bilateral da veia renal também já foi observada.111 Este-
apresentava doenças auto-imunes ou qualquer outra pa- nose da artéria renal (Fig. 27.8), algumas vezes reversível
tologia de base.105 Eventualmente a nova doença foi bati- após anticoagulação, é outra manifestação descrita recen-
zada de síndrome do anticorpo antifosfolipídio ou, sim- temente.112,113 Alguns pacientes desenvolvem uma micro-
plesmente, síndrome antifosfolipídio. Pacientes sem doen- angiopatia trombótica semelhante à síndrome hemolítico-
ça auto-imune são considerados portadores da síndrome urêmica, onde lesões obliterativas arteriolares coexistem
primária, enquanto pacientes com lúpus ou outra doença com trombose glomerular.114,115 Esses pacientes podem
de base são referidos como portadores da síndrome anti- cursar com hipertensão grave e evoluir para a insuficiên-
fosfolipídio secundária.104 cia renal crônica terminal. Pode ocorrer ainda proteinúria
nefrótica, mas o substrato histopatológico dessa manifes-
tação ainda não está bem definido.116,117
ETIOPATOGENIA
Pacientes com síndrome antifosfolipídio apresentam
Atualmente acredita-se que os anticorpos causadores da
anemia, trombocitopenia e, obviamente, prolongamento
síndrome antifosfolipídio não têm especificidade para os dos testes de coagulação realizados in vitro.118 Uma pista
fosfolipídios, mas para um complexo formado entre estes para a existência de anticorpos antifosfolipídios é o alon-
e proteínas plasmáticas chamadas de ␤2-glicoproteína I (␤2- gamento do PTTa, que não é corrigido pela adição do plas-
GPI) e fosfatidilserina (esta proveniente de membranas ma de indivíduos normais (que corrigiria qualquer defici-
celulares após apoptose). Existem quatro tipos principais ência de fatores da coagulação). É importante ressaltar que
de Ac antifosfolipídios: VDRL falso-positivo; anticoagulan- o PTTa, realizado de rotina, normalmente não possui a
te lúpico (que causa alongamento do tempo de tromboplas- sensibilidade necessária para a detecção do anticoagulan-
tina parcial ativado — PTTa); Ac anticardiolipina (princi- te lúpico.118 Uma vertente diferente de testes diagnósticos
palmente IgG em altos títulos) e Ac anti-␤2-GPI. são os imunoensaios para a detecção de anticorpos anticar-
O mecanismo exato da indução à trombose ainda é des- diolipina. Atualmente o método de escolha é o ELISA em
conhecido. Podem estar envolvidas ações sobre as plaque- fase sólida.118
tas, sobre as células endoteliais e sobre as proteínas envol-
vidas na coagulação do sangue.104 TRATAMENTO
Várias doenças auto-imunes (LES, PTI, esclerodermia,
Os anticorpos antifosfolipídios podem ser retirados com
polimialgia reumática, Sjögren), drogas (fenotiazinas, hi-
plasmaférese, mas recorrem logo a seguir. A resposta aos
dralazina, interferon) e infecções (HIV, caxumba, malária)
corticosteróides e imunossupressores também é pobre.
têm sido implicadas na formação de Ac antifosfolipídios.106 Pacientes com manifestações trombóticas renais (assim
como em qualquer outro órgão nobre) devem usar antico-
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E agulantes orais (warfarina) para o resto da vida.104 A infor-
LABORATORIAIS
As principais manifestações clínicas da síndrome anti-
fosfolipídio, resultante dos fenômenos trombóticos, inclu-
em: acidentes vasculares encefálicos em jovens, ataques Quadro 27.4 Manifestações renais da síndrome
isquêmicos transitórios, enxaqueca, epilepsia, hipertensão antifosfolipídio
pulmonar, livedo reticularis, abortos recorrentes, tromboci- Infarto renal por trombose da artéria renal ou de
topenia, doença cardíaca valvular, disfunção renal, hiper- seus ramos
tensão arterial e uma grande variedade de tromboses pe- Estenose de artéria renal
riféricas.104 Pacientes com doença primária são menos sus- Trombose de veia renal
Microangiopatia trombótica
cetíveis à progressão para doença renal terminal e apresen-
Síndrome nefrótica
tam menor mortalidade.107
532 Doenças Vasculares dos Rins

A B

Fig. 27.8 Síndrome antifosfolipídio primária. Estenose bilateral das artérias renais em uma paciente com infarto agudo do miocárdio
aos 39 anos de idade.

mação disponível no presente indica que a anticoagulação ETIOPATOGENIA


deve ser suficiente para manter o INR acima de 3,0. Em um Tal como ocorre em outros territórios vasculares, a
estudo retrospectivo, valores abaixo desse limite se asso- morbidade da nefropatia da anemia falciforme decorre de
ciam a uma elevada incidência de tromboses,119 mas é pos- fenômenos trombóticos na microcirculação.121 A região
sível que este grau de anticoagulação nem sempre seja mais acometida é a medula renal, onde a tendência trom-
necessário.120 bótica é agravada pela baixa tensão de oxigênio e pelo
aumento da osmolaridade. Nos vasa recta medulares, a
desidratação das hemácias provoca aumento na concentra-
Pontos-chave:
ção relativa da hemoglobina S, facilita o afoiçamento, obs-
• O diagnóstico laboratorial da síndrome do trui a microcirculação e acaba por resultar em trombose.
anticorpo antifosfolipídio baseia-se no A doença microvascular renal da anemia falciforme pode
alongamento dos testes de tromboplastina, causar esclerose ou necrose papilar. Pacientes homozigo-
sugerindo a presença de uma substância tos apresentam complicações a partir da segunda década
anticoagulante de vida. Nos heterozigotos (SC e AS), as anormalidades
• Na situação in vivo observa-se o oposto, as desenvolvem-se mais tardiamente.
principais manifestações clínicas são o Como esperado, estudos microrradiográficos122 confir-
desenvolvimento de tromboses em mam que os indivíduos homozigotos (SS) apresentam
maior comprometimento da vasculatura renal do que os
múltiplos territórios vasculares
portadores da doença SC e do traço falcêmico (AS). Os vasa
recta radiados que convergem para a medula renal são pra-
ticamente ausentes nos doentes com anemia falciforme (SS)
DOENÇAS DA e bastante pobres nos pacientes heterozigotos (SC e AS).122
MICROCIRCULAÇÃO
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
A trombose dos vasa recta provoca alterações na função
Nefropatia da Anemia Falciforme tubular, notadamente defeitos de concentração da urina e
Pacientes homozigotos para a anemia falciforme (SS) e, acidose renal do tipo distal.121,123 Graus variáveis de com-
em menor grau, os portadores do traço falcêmico (AS) prometimento da capacidade de concentração urinária são
podem apresentar comprometimento renal como parte do detectados em virtualmente todos os portadores da hemo-
espectro de manifestações associadas a essa condição. A globina S. A maioria dos pacientes apresenta apenas poli-
doença falcêmica renal também pode acometer pacientes úria e nictúria, mas alguns homozigotos chegam a desen-
com hemoglobina S e uma outra hemoglobina anormal volver diabetes insipidus nefrogênico. Curiosamente, na
(duplo heterozigoto). Os mais encontrados são pacientes anemia falciforme, a função do túbulo proximal é supra-
com doença SC, cujas hemácias possuem 50% de hemoglo- normal. Esses indivíduos apresentam aumento na absor-
bina S. Em pacientes com doença SC, a tendência ao ção de fosfato (provocando hiperfosfatemia leve) e aumen-
afoiçamento e à gravidade do acometimento renal é in- to na secreção de creatinina (elevando a concentração da
termediária entre os pacientes homozigotos (SS) e hete- creatinina urinária e alterando o cálculo da sua taxa de
rozigotos (AS). depuração). A causa do fenômeno é desconhecida.
capítulo 27 533

A alteração clínica mais comum em pacientes com he- O prognóstico de pacientes falcêmicos tratados com
moglobina S é a hematúria indolor, freqüentemente ma- diálise aparenta ser semelhante ao de pacientes não-dia-
croscópica.121,123 Nem todos os pacientes apresentam necro- béticos.130 No curto prazo, a sobrevida após transplante é
se de papila. Aparentemente, a intensa congestão nos ca- semelhante à de outros pacientes com insuficiência renal,
pilares peritubulares pode levar ao extravasamento de mas decai ao longo dos anos.131 Apesar disso, o transplante
sangue para os túbulos. Quando ocorre, a necrose da pa- propicia resultados superiores ao tratamento com diálise.132
pila costuma ser unilateral e assintomática.
Cerca de um terço dos pacientes com doença falcêmica
desenvolvem proteinúria na faixa de 1 a 2 g/dia.123-125 A REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
proteinúria em níveis nefróticos (maior que 3 g/dia) é mais
rara. O substrato patológico em muitos desses casos é a 1. RISPOLI, P.; CONFORTI, M.; MELLONI, C. et al. Superior mesen-
glomerulosclerose, possivelmente associada ao hiperfluxo teric and renal artery embolism during PTA and re-stenting of
glomerular.121,124 Uma minoria apresenta glomerulopatia infrarenal abdominal aorta. Report of a case and review of the lite-
rature. J. Cardiovasc. Surg. (Torino), 41: 763, 2000.
com depósitos imunes granulares. 2. BLACK, R.M. Vascular diseases of the kidney. In Rose, B.D. Patho-
As lesões histopatológicas mais freqüentes são a nefro- physiology of Renal Disease. New York, McGraw-Hill, 1987, pp 353-
patia membranosa e a glomerulonefrite membrano-proli- 360.
ferativa. Esta última parece ser uma glomerulonefrite me- 3. HEPTINSTALL, R.H. Pathology of the Kidney. Boston, Little Brown,
1974, pp 221-272.
diada por imunocomplexos. Os antígenos implicados se- 4. COSBY, R.L.; MILLER, P.D.; SCHRIER, R.W. Traumatic renal artery
riam proteínas autólogas oriundas do epitélio tubular re- thrombosis. Am. J. Med., 81: 890, 1986.
nal, possivelmente liberadas em conseqüência da isquemia 5. RYSAVA, R.; ZABKA, J.; PEREGRIN, J.H. et al. Acute renal failure
medular que caracteriza a doença.125 Um relato recente due to bilateral renal artery thrombosis associated with primary
antiphospholipid syndrome. Nephrol. Dial. Transplant., 13: 2645, 1998.
descreve a ocorrência de glomerulopatia imunotactóide.126 6. SHANKAR, R.; BASTANI, B.; SALINAS-MADRIGAL, L. et al. Acu-
Mesmo após a necrose de uma ou mais papilas renais, te thrombosis of the renal transplant artery after a single dose of
a filtração glomerular tende a permanecer na faixa normal. OKT3. Am. J. Nephrol., 21: 141, 2001.
No entanto, com o passar do anos, pode ocorrer progres- 7. LESSMAN, R.K.; JOHNSON, S.F.; COBURN, J.W. et al. Renal artery
embolism: clinical features and long-term follow-up of 17 cases. Ann.
são da doença renal.123 Além da doença da microcircula-
Intern. Med., 89: 477, 1978.
ção medular, a deterioração progressiva pode ser causada 8. LONDON, I.L.; HOFFSTEN, P.; PERKOFF, G.T. et al. Renal
pela superposição da glomerulosclerose por hiperfluxo ou infarction. Elevation of serum and urinary lactic dehydrogenase
por uma glomerulopatia de origem imunológica. (LDH). Arch. Intern. Med., 121: 87, 1968.
9. BLUM, U.; BILLMANN, P.; KRAUSE, T. et al. Effect of local low-dose
O carcinoma medular renal, neoplasia maligna raríssi-
thrombolysis on clinical outcome in acute embolic renal artery
ma, é quase exclusivo de pacientes SS ou AS.127 occlusion. Radiology, 189: 549, 1993.
10. ELLIS, D.; KAYE, R.D.; BONTEMPO, F.A. Aortic and renal artery
thrombosis in a neonate: recovery with thrombolytic therapy. Pedi-
TRATAMENTO
atr. Nephrol., 11: 641, 1997.
Pacientes com hematúria devem ser tratados inicialmen- 11. EURVILAICHIT, C.; TIRAPANICH, W.; THONGBORISUTE, E. Re-
te com repouso, transfusões para diminuir a concentração nal artery embolism: therapy with intra-arterial streptokinase infu-
de hemoglobina S, hemodiluição com soluções hipotôni- sion. J. Med. Assoc. Thai., 82: 978, 1999.
12. STECKEL, A.; JOHNSTON, J.; FRALEY, D.S. et al. The use of
cas e alcalinização urinária. A urina contém uroquinase,
streptokinase to treat renal artery thromboembolism. Am. J. Kidney
uma enzima fibrinolítica que dissolve os coágulos urinári- Dis., 4: 166, 1984.
os e perpetua o sangramento. No passado, os casos refra- 13. MOYER, J.D.; RAO, C.N.; WIDRICH, W.C. et al. Conservative ma-
tários acabavam resultando em nefrectomia. Atualmente nagement of renal artery embolus. J. Urol., 109: 138, 1973.
14. HARRINGTON, J.T.; KASSIRER, J.P. Renal vein thrombosis. Annu.
empregam-se substâncias antifibrinolíticas, como o ácido
Rev. Med., 33: 255, 1982.
épsilon-aminocapróico (EACA). Por ser excretado em al- 15. RABELINK, T.J.; ZWAGINGA, J.J.; KOOMANS, H.A. et al. Throm-
tas concentrações na urina, o EACA antagoniza a ação fi- bosis and hemostasis in renal disease. Kidney Int., 46: 287, 1994.
brinolítica da uroquinase.128 Raramente pacientes que re- 16. LLACH, F. Hypercoagulability, renal vein thrombosis, and other
thrombotic complications of nephrotic syndrome. Kidney Int., 28: 429,
cebem EACA podem desenvolver tromboses sistêmicas.
1985.
Uma complicação mais comum é a obstrução do trato uri- 17. ALBITAR, S.; GENIN, R.; SERVEAUX, M.O. et al. Thrombose de la
nário por coágulos. veine rénale et déficit constitutionnel en protéine S. Rev. Med. Inter-
Não existe tratamento efetivo para as glomerulopatias ne, 17: 746, 1996.
18. IRISH, A.B. The factor V Leiden mutation and risk of renal vein
por imunocomplexo. Como os bloqueadores da enzima
thrombosis in patients with nephrotic syndrome. Nephrol. Dial.
conversora da angiotensina podem ajudar a controlar a Transplant., 12: 1680, 1997.
hiperfiltração glomerular, é possível que eles sejam úteis 19. IRISH, A.B.; GREEN, F.R.; GRAY, D.W. et al. The factor V Leiden
na prevenção da progressão para a insuficiência renal. A (R506Q) mutation and risk of thrombosis in renal transplant recipi-
ents. Transplantation, 64: 604, 1997.
insuficiência renal terminal ocorre em cerca de 5% dos
20. WUTHRICH, R.P. Factor V Leiden mutation: potential thromboge-
falcêmicos, sendo uma importante causa de morte em pa- nic role in renal vein, dialysis graft and transplant vascular throm-
cientes com doença de longa duração.129 bosis. Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 10: 409, 2001.
534 Doenças Vasculares dos Rins

21. AVASTHI, P.S.; GREENE, E.R.; SCHOLLER, C. et al. Noninvasive 46. HASEGAWA, M.; KAWASHIMA, S.; SHIKANO, M. et al. The eva-
diagnosis of renal vein thrombosis by ultrasonic echo-Doppler luation of corticosteroid therapy in conjunction with plasma
flowmetry. Kidney Int., 23: 882, 1983. exchange in the treatment of renal cholesterol embolic disease. A
22. LAM, K.K.; LUI, C.C. Successful treatment of acute inferior vena cava report of 5 cases. Am. J. Nephrol., 20: 263, 2000.
and unilateral renal vein thrombosis by local infusion of recombinant 47. HEBERT, L.A.; CODY, R.J.; SLIVKA, A.P. et al. Hypertension-induced
tissue plasminogen activator. Am. J. Kidney Dis., 32: 1075, 1998. kidney, heart, and central nervous system disease. In Mandal, A.K.
23. SARASIN, F.P.; SCHIFFERLI, J.A. Prophylactic oral anticoagulation and Jennette, J.C. Diagnosis and Management of Renal Disease and Hyper-
in nephrotic patients with idiopathic membranous nephropathy. tension. Durham, Carolina Academic Press, 1994, pp 343-364.
Kidney Int., 45: 578, 1994. 48. FREEDMAN, B.I.; ISKANDAR, S.S.; APPEL, R.G. The link between
24. ROBERTSON, A.J.; NARGUND, V.; GRAY, D.W. et al. Low dose hypertension and nephrosclerosis. Am. J. Kidney Dis., 25: 207, 1995.
aspirin as prophylaxis against renal-vein thrombosis in renal-trans- 49. SCHLESSINGER, S.D.; TANKERSLEY, M.R.; CURTIS, J.J. Clinical
plant recipients. Nephrol. Dial. Transplant., 15: 1865, 2000. documentation of end-stage renal disease due to hypertension. Am.
25. ROSS, R.; GLOMSET, J.A. The pathogenesis of atherosclerosis (first J. Kidney Dis., 23: 655, 1994.
of two parts). N. Engl. J. Med., 295: 369, 1976. 50. ZUCCHELLI, P.; ZUCCALA, A. Primary hypertension — how does
26. HYMAN, B.T.; LANDAS, S.K.; ASHMAN, R.F. et al. Warfarin-rela- it cause renal failure? Nephrol. Dial. Transplant., 9: 223, 1994.
ted purple toes syndrome and cholesterol microembolization. Am. 51. LINDEMAN, R.D.; TOBIN, J.D.; SHOCK, N.W. Association betwe-
J. Med., 82: 1233, 1987. en blood pressure and the rate of decline in renal function with age.
27. CARRON, P.L.; FLOREA, A.; DUCLOUX, D. et al. Atheroembolic Kidney Int., 26: 861, 1984.
disease associated with the use of low-molecular-weight heparin du- 52. LUKE, R.C. Nephrosclerosis. In Schrier, R.W. and Gottschalk, C.W.
ring haemodialysis. Nephrol. Dial. Transplant., 14: 520, 1999. Diseases of the Kidney. Boston, Little, Brown, and Company, 1984, pp
28. GUPTA, B.K.; SPINOWITZ, B.S.; CHARYTAN, C. et al. Cholesterol 1573-1595.
crystal embolization-associated renal failure after therapy with 53. RAZGA, Z.; IVANYI, B.; ZIDAR, N. et al. Quantitative ultrastructu-
recombinant tissue-type plasminogen activator. Am. J. Kidney Dis., ral study of afferent and efferent arterioles in IgA glomerulonephritis
21: 659, 1993. and benign nephrosclerosis. Virchows Arch., 429: 275, 1996.
29. MANNESSE, C.K.; BLANKESTIJN, P.J.; MAN IN ‘T VELD, A.J. et al. 54. WEHRMANN, M.; BOHLE, A. The long-term prognosis of benign
Renal failure and cholesterol crystal embolization: a report of 4 surviving nephrosclerosis accompanied by focal glomerulosclerosis and renal
cases and a review of the literature. Clin. Nephrol., 36: 240, 1991. cortical interstitial fibrosis, designated so-called decompensated
30. MEYRIER, A.; BUCHET, P.; SIMON, P. et al. Atheromatous renal di- benign nephrosclerosis by Fahr, Bohle and Ratscheck. Pathol. Res.
sease. Am. J. Med., 85: 139, 1988. Pract., 194: 571, 1998.
31. COLT, H.G.; BEGG, R.J.; SAPORITO, J.J. et al. Cholesterol emboli af- 55. UNITED STATES RENAL DATA SYSTEMS: USRDS 1992 Annual
ter cardiac catheterization. Eight cases and a review of the literatu- Data Report. Bethesda, MD, The National Institutes of Health, Na-
re. Medicine (Baltimore), 67: 389, 1988. tional Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases. U.S.
32. THADHANI, R.I.; CAMARGO, JR, C.A.; XAVIER, R.J. et al. Athero- Department of Health and Human Services, 1992.
embolic renal failure after invasive procedures. Natural history based 56. PERNEGER, T.V.; KLAG, M.J.; WHELTON, P.K. Race and socioe-
on 52 histologically proven cases. Medicine (Baltimore), 74: 350, 1995. conomic status in hypertension and renal disease. Curr. Opin. Ne-
33. RUDNICK, M.R.; BERNS, J.S.; COHEN, R.M. et al. Nephrotoxic risks phrol. Hypertens., 4: 235, 1995.
of renal angiography: contrast media-associated nephrotoxicity and 57. LOPES, A.A.; PORT, F.K. The low birth weight hypothesis as a
atheroembolism — a critical review. Am. J. Kidney Dis., 24: 713, 1994. plausible explanation for the black/white differences in hyperten-
34. SAKLAYEN, M.G.; GUPTA, S.; SURYAPRASAD, A. et al. Inciden- sion, non-insulin-dependent diabetes, and end-stage renal disease.
ce of atheroembolic renal failure after coronary angiography. A pros- Am. J. Kidney Dis., 25: 350, 1995.
pective study. Angiology, 48: 609, 1997. 58. FUMO, M.T.; TEEGER, S.; LANG, R.M. et al. Diurnal blood pressu-
35. RIPPLE, M.G.; CHARNEY, D.; NADASDY, T. Cholesterol emboli- re variation and cardiac mass in American blacks and whites and
zation in renal allografts. Transplantation, 69: 2221, 2000. South African blacks. Am. J. Hypertens., 5: 111, 1992.
36. DALAKOS, T.G.; STREETEN, D.H.; JONES, D. et al. “Malignant” 59. HARSHFIELD, G.A.; ALPERT, B.S.; PULLIAM, D.A. et al. Sodium
hypertension resulting from atheromatous embolization predomi- excretion and racial differences in ambulatory blood pressure
nantly of one kidney. Am. J. Med., 57: 135, 1974. patterns. Hypertension, 18: 813, 1991.
37. SMITH, M.C.; GHOSE, M.K.; HENRY, A.R. The clinical spectrum 60. MESSERLI, F.H.; FROHLICH, E.D.; DRESLINSKI, G.R. et al. Serum
of renal cholesterol embolization. Am. J. Med., 71: 174, 1981. uric acid in essential hypertension: an indicator of renal vascular in-
38. LYE, W.C.; CHEAH, J.S.; SINNIAH, R. Renal cholesterol embolic di- volvement. Ann. Intern. Med., 93: 817, 1980.
sease. Case report and review of the literature. Am. J. Nephrol., 13: 61. TOTO, R.D.; MITCHELL, H.C.; SMITH, R.D. et al. “Strict” blood
489, 1993. pressure control and progression of renal disease in hypertensive
39. COSIO, F.G.; ZAGER, R.A.; SHARMA, H.M. Atheroembolic renal nephrosclerosis. Kidney Int., 48: 851, 1995.
disease causes hypocomplementaemia. Lancet., 2: 118, 1985. 62. HSU, C.Y. Does treatment of non-malignant hypertension reduce the
40. KASINATH, B.S.; LEWIS, E.J. Eosinophilia as a clue to the diagno- incidence of renal dysfunction? A meta-analysis of 10 randomised,
sis of atheroembolic renal disease. Arch. Intern. Med., 147: 1384, 1987. controlled trials. J. Hum. Hypertens., 15: 99, 2001.
41. RICHARDS, A.M.; ELIOT, R.S.; KANJUH, V.I. et al. Cholesterol 63. RAINE, A.E.G. Accelerated hypertension. In Cameron, S.; Davison,
embolism: a multiple-system disease masquerading as polyarteritis A.M.; Grünfeld, J.P. et al. Oxford Textbook of Clinical Nephrology.
nodosa. Am. J. Cardiol., 15: 696, 1965. Oxford, Oxford University Press, 1992, pp 2124-2139.
42. WILSON, D.M.; SALAZER, T.L.; FARKOUH, M.E. Eosinophiluria 64. STRANDGAARD, S.; PAULSON, O.B. Cerebral blood flow and its
in atheroembolic renal disease. Am. J. Med., 91: 186, 1991. pathophysiology in hypertension. Am. J. Hypertens., 2: 486, 1989.
43. PRESTON, R.A.; STEMMER, C.L.; MATERSON, B.J. et al. Renal bi- 65. DAVIS, B.A.; CROOK, J.E.; VESTAL, R.E. et al. Prevalence of reno-
opsy in patients 65 years of age or older. An analysis of the results vascular hypertension in patients with grade III or IV hypertensive
of 334 biopsies. J. Am. Geriatr. Soc., 38: 669, 1990. retinopathy. N. Engl. J. Med., 301: 1273, 1979.
44. BELENFANT, X.; MEYRIER, A.; JACQUOT, C. Supportive treat- 66. DE LIMA, M.G.; PAIVA, R.L.; BORTOLOTTO, L.A. et al. Human leu-
ment improves survival in multivisceral cholesterol crystal kocyte antigens and malignant essential hypertension. Am. J. Hyper-
embolism. Am. J. Kidney Dis., 33: 840, 1999. tens., 11: 729, 1998.
45. DAHLBERG, P.J.; FRECENTESE, D.F.; COGBILL, T.H. Cholesterol 67. STEFANSSON, B.; RICKSTEN, A.; RYMO, L. et al. Angiotensin-con-
embolism: experience with 22 histologically proven cases. Surgery, verting enzyme gene I/D polymorphism in malignant hypertensi-
105: 737, 1989. on. Blood Press., 9: 104, 2000.
capítulo 27 535

68. LIO, G.Y.; BEEVERS, M.; BEEVERS, D.G. Do patients with de novo sclerosis) to structural and functional abnormalities of the renal cor-
hypertension differ from patients with previously known hyperten- tical circulation. Medicine (Baltimore), 53: 1, 1974.
sion when malignant phase hypertension occurs? Am. J. Hypertens., 92. D’ANGELO, W.A.; FRIES, J.F.; MASI, A.T. et al. Pathologic observa-
13: 934, 2000. tions in systemic sclerosis (scleroderma). A study of fifty-eight autopsy
69. KINCAID-SMITH, P.; MCMICHAEL, J.; MURPHY, E.A. Clinical cases and fifty-eight matched controls. Am. J. Med., 46: 428, 1969.
course and pathology of hypertension with papilloedema. Quart. J. 93. HERRICK, A.L.; HEANEY, M.; HOLLIS, S. et al. Anticardiolipin,
Med., 37: 117, 1958. anticentromere and anti-Scl-70 antibodies in patients with systemic
70. MCGREGOR, E.; ISLES, C.G.; JAY, J.L. et al. Retinal changes in sclerosis and severe digital ischaemia. Ann. Rheum. Dis., 53: 540, 1994.
malignant hypertension. Br. Med. J. (Clin. Res. Ed.), 292: 233, 1986. 94. NAKAMURA, R.M.; TAN, E.M. Autoantibodies to nonhistone nucle-
71. MURPHY, M.B.; MURRAY, C.; SHORTEN, G.D. Fenoldopam: a ar antigens and their clinical significance. Hum. Pathol., 14: 392, 1983.
selective peripheral dopamine-receptor agonist for the treatment of 95. TRAUB, Y.M.; SHAPIRO, A.P.; RODNAN, G.P. et al. Hypertension
severe hypertension. N. Engl. J. Med., 345: 1548, 2001. and renal failure (scleroderma renal crisis) in progressive systemic
72. LIP, G.Y.; BEEVERS, M.; BEEVERS, D.G. Does renal function sclerosis. Review of a 25-year experience with 68 cases. Medicine
improve after diagnosis of malignant phase hypertension? J. Hyper- (Baltimore), 62: 335, 1983.
tens., 15: 1309, 1997. 96. MOLINA, J.F.; ANAYA, J.M.; CABRERA, G.E. et al. Systemic
73. REMUZZI, G. HUS and TTP: variable expression of a single entity. sclerosis sine scleroderma: an unusual presentation in scleroderma
Kidney Int., 32: 292, 1987. renal crisis. J. Rheumatol., 22: 557, 1995.
74. REMUZZI, G.; RUGGENENTI, P. The hemolytic uremic syndrome. 97. SATOH, K.; IMAI, H.; YASUDA, T. et al. Sclerodermatous renal crisis
Kidney Int., 48: 2, 1995. in a patient with mixed connective tissue disease. Am. J. Kidney Dis.,
75. CANTRELL, JR, J.E.; PHILLIPS, T.M.; SCHEIN, P.S. Carcinoma-as- 24: 215, 1994.
sociated hemolytic-uremic syndrome: a complication of mitomycin 98. CLEMENTS, P.J.; LACHENBRUCH, P.A.; FURST, D.E. et al. Abnor-
C chemotherapy. J. Clin. Oncol., 3: 723, 1985. malities of renal physiology in systemic sclerosis. A prospective stu-
76. ZIPFEL, P.F.; SKERKA, C.; CAPRIOLI, J. et al. Complement factor dy with 10-year followup. Arthritis Rheum., 37: 67, 1994.
H and hemolytic uremic syndrome. Int. Immunopharmacol., 1: 461, 99. KATRIB, A.; STURGESS, A.; BERTOUCH, J.V. Systemic sclerosis
2001. and antineutrophil cytoplasmic autoantibody-associated renal fai-
77. MOAKE, J.L.; RUDY, C.K.; TROLL, J.H. et al. Unusually large plas- lure. Rheumatol. Int., 19: 61, 1999.
ma factor VIII: von Willebrand factor multimers in chronic relapsing 100. MAES, B.; VAN MIEGHEM, A.; MESSIAEN, T. et al. Limited
thrombotic thrombocytopenic purpura. N. Engl. J. Med., 307: 1432, cutaneous systemic sclerosis associated with MPO-ANCA positive
1982. renal small vessel vasculitis of the microscopic polyangiitis type. Am.
78. LUDWIG, K.; KARMALI, M.A.; SARKIM, V. et al. Antibody respon- J. Kidney Dis., 36: E16, 2000.
se to Shiga toxins Stx2 and Stx1 in children with enteropathic he- 101. BECKETT, V.L.; DONADIO, JR, J.V.; BRENNAN, JR, L.A. et al. Use
molytic-uremic syndrome. J. Clin. Microbiol., 39: 2272, 2001. of captopril as early therapy for renal scleroderma: a prospective
79. TE LOO, D.M.; VAN HINSBERGH, V.W.; VAN DEN HEUVEL, L.P. study. Mayo Clin. Proc., 60: 763, 1985.
et al. Detection of verocytotoxin bound to circulating polymorpho- 102. STEEN, V.D.; COSTANTINO, J.P.; SHAPIRO, A.P. et al. Outcome
nuclear leukocytes of patients with hemolytic uremic syndrome. J. of renal crisis in systemic sclerosis: relation to availability of angio-
Am. Soc. Nephrol., 12: 800, 2001. tensin converting enzyme (ACE) inhibitors. Ann. Intern. Med., 113:
80. MUSSO, M.; PORRETTO, F.; CRESCIMANNO, A. et al. Successful 352, 1990.
treatment of resistant thrombotic thrombocytopenic purpura/hemo- 103. SCORZA, R.; RIVOLTA, R.; MASCAGNI, B. et al. Effect of iloprost
lytic uremic syndrome with autologous peripheral blood stem and infusion on the resistance index of renal vessels of patients with
progenitor (CD34⫹) cell transplantation. Bone Marrow Transplant., systemic sclerosis. J. Rheumatol., 24: 1944, 1997.
24: 207, 1999. 104. HUGHES, G.R. The antiphospholipid syndrome: ten years on. Lan-
81. KUNKLER, P.B.; LUXTON, R.W. The limit of renal tolerance to x- cet, 342: 341, 1993.
rays. Br. J. Radiol., 25: 190, 1952. 105. HUGHES, G.R.; HARRIS, N.N.; GHARAVI, A.E. The anticardiolipin
82. LAWTON, C.A.; BARBER-DERUS, S.W.; MURRAY, K.J. et al. syndrome. J. Rheumatol., 13: 486, 1986.
Influence of renal shielding on the incidence of late renal dysfuncti- 106. TRIPLETT, D.A. Many faces of lupus anticoagulants. Lupus, 7: S18,
on associated with T-lymphocyte deplete bone marrow transplan- 1998.
tation in adult patients. Int. J. Radiat. Oncol. Biol. Phys., 23: 681, 1992. 107. MOSS, K.E.; ISENBERG, D.A. Comparison of renal disease severity
83. ZAGER, R.A. Acute renal failure in the setting of bone marrow trans- and outcome in patients with primary antiphospholipid syndrome,
plantation. Kidney Int., 46: 1443, 1994. antiphospholipid syndrome secondary to systemic lupus erythema-
84. BERGSTEIN, J.; ANDREOLI, S.P.; PROVISOR, A.J. et al. Radiation tosus (SLE) and SLE alone. Rheumatology, 40: 863, 2001.
nephritis following total-body irradiation and cyclophosphamide in 108. WILSON, W.A.; GHARAVI, A.E.; KOIKE, T. et al. International con-
preparation for bone marrow transplantation. Transplantation, 41: 63, sensus statement on preliminary classification criteria for definite
1986. antiphospholipid syndrome: report of an international workshop.
85. DE GOWIN, R.L.; LEWIS, L.J.; HOAK, J.C. et al. Radiosensitivity of Arthritis Rheum., 42: 1309, 1999.
human endothelial cells in culture. J. Lab. Clin. Med., 84: 42, 1974. 109. AMES, P.R.; CIANCIARUSO, B.; BELLIZZI, V. et al. Bilateral renal
86. MOULDER, J.E.; FISH, B.L. Influence of nephrotoxic drugs on the artery occlusion in a patient with primary antiphospholipid antibo-
late renal toxicity associated with bone marrow transplant dy syndrome: thrombosis, vasculitis or both? J. Rheumatol., 19: 1802,
conditioning regimens. Int. J. Radiat. Oncol. Biol. Phys., 20: 333, 1991. 1992.
87. LUXTON, R.W. Radiation nephritis: a long-term study of 54 pati- 110. SONPAL, G.M.; SHARMA, A.; MILLER, A. Primary antiphospho-
ents. Lancet., 2: 1221, 1961. lipid antibody syndrome, renal infarction and hypertension. J. Rheu-
88. FLANAGAN, F.L.; DEHDASHTI, F. Case report: acute segmental matol., 20: 1221, 1993.
radiation nephritis on bone scintigraphy. Br. J. Radiol., 69: 1175, 1996. 111. ASHERSON, R.A.; BUCHANAN, N.; BAGULEY, E. et al. Postpar-
89. TANNOCK, I.F.; HAYASHI, S. The proliferation of capillary tum bilateral renal vein thrombosis in the primary antiphospholi-
endothelial cells. Cancer Res., 32: 77, 1972. pid syndrome. J. Rheumatol., 20: 874, 1993.
90. DHALIWAL, R.S.; ADELMAN, R.D.; TURNER, E. et al. Radiation 112. GODFREY, T.; KHAMASHTA, M.A.; HUGHES, G.R. Antiphospho-
nephritis with hypertension and hyperreninemia following chemo- lipid syndrome and renal artery stenosis. Q. J. Med., 93: 127, 2000.
therapy: cure by nephrectomy. J. Pediatr., 96: 68, 1980. 113. REMONDINO, G.I.; MYSLER, E.; PISSANO, M.N. et al. A reversible
91. CANNON, P.J.; HASSAR, M.; CASE, D.B. et al. The relationship of bilateral renal artery stenosis in association with antiphospholipid
hypertension and renal failure in scleroderma (progressive systemic syndrome. Lupus, 9: 65, 2000.
536 Doenças Vasculares dos Rins

114. AMIGO, M.C.; GARCIA-TORRES, R.; ROBLES, M. et al. Renal in- Renal Embolism and Infarction
volvement in primary antiphospholipid syndrome. J. Rheumatol., 19: http://www.froedtert.com/wellness/publications/
1181, 1992. detail.jsp?id51069
115. KINCAID-SMITH, P.; FAIRLEY, K.F.; KLOSS, M. Lupus anticoagu-
Trombose das Veias Renais
lant associated with renal thrombotic microangiopathy and preg-
nancy-related renal failure. Q. J. Med., 68: 795, 1988. eMedicine — Renal Vein Thrombosis: Article by Gregory
116. GRIFFITHS, M.H.; PAPADAKI, L.; NEILD, G.H. The renal patho- William Rutecki, MD
logy of primary antiphospholipid syndrome: a distinctive form of http://www.emedicine.com/med/topic2005.htm
endothelial injury. Q. J. Med., 93: 457, 2000. Doença Renal Ateroembólica
117. SA, H.; FREITAS, L.; MOTA, A. et al. Primary antiphospholipid syn- eMedicine — Cholesterol Embolism: Article by Lisa
drome presented by total infarction of right kidney with nephrotic Kirkland, MD
syndrome. Clin. Nephrol., 52: 56, 1999.
http://www.emedicine.com/med/topic651.htm
118. BICK, R.L. The antiphospholipid-thrombosis syndromes. Fact,
fiction, confusion, and controversy. Am. J. Clin. Pathol., 100: 477, 1993. Schrier’s Atlas of Kidney Diseases — Vascular Disorders
119. KHAMASHTA, M.A.; CUADRADO, M.J.; MUJIC, F. et al. The ma- Arthur H. Cohen & Richard J. Glassock
nagement of thrombosis in the antiphospholipid-antibody syndro- http://www.kidneyatlas.org/book2/adk2_05.pdf
me. N. Engl. J. Med., 332: 993, 1995. Nefrosclerose Hipertensiva
120. PETRI, M. Management of thrombosis in antiphospholipid antibo- NHLBI, JNC VI Report
dy syndrome. Rheum. Dis. Clin. North Am., 27: 633, 2001. http://www.nhlbi.nih.gov/guidelines/hypertension/
121. DE JONG, P.E.; STATIUS VAN EPS, L.W. Sickle cell nephropathy:
jncintro.htm
new insights into its pathophysiology. Kidney Int., 27: 711, 1985.
122. STATIUS VAN EPS, L.W.; PINEDO-VEELS, C.; DE VRIES, G.H. et Renal Parenchymal Disease and Hypertension
al. Nature of concentrating defect in sickle-cell nephropathy. Stephen C. Textor
Microradioangiographic studies. Lancet, 1: 450, 1970. http://www.kidneyatlas.org/book3/adk3-02.QXD.pdf
123. ALLON, M. Renal abnormalities in sickle cell disease. Arch. Intern. The Role of Hypertension in Progression of Chronic Renal
Med., 150: 501, 1990. Disease
124. BHATHENA, D.B.; SONDHEIMER, J.H. The glomerulopathy of Lance D. Dworkin & Douglas G. Shemin
homozygous sickle hemoglobin (SS) disease: morphology and pa-
http://www.kidneyatlas.org/book3/adk3-06.QXD.pdf
thogenesis. J. Am. Soc. Nephrol., 1: 1241, 1991.
125. STRAUSS, J.; PARDO, V.; KOSS, M.N. et al. Nephropathy associa-
Schrier’s Atlas of Kidney Diseases — Vascular Disorders
ted with sickle cell anemia: an autologous immune complex Arthur H. Cohen & Richard J. Glassock
nephritis. I. Studies on nature of glomerular-bound antibody and http://www.kidneyatlas.org/book2/adk2_05.pdf
antigen identification in a patient with sickle cell disease and Microangiopatias Trombóticas
immune deposit glomerulonephritis. Am. J. Med., 58: 382, 1975. Schrier’s Atlas of Kidney Diseases — Vascular Disorders
126. AVILES, D.H.; CRAVER, R.; WARRIER, R.P. Immunotactoid Arthur H. Cohen & Richard J. Glassock
glomerulopathy in sickle cell anemia. Pediatr. Nephrol., 16: 82, 2001.
http://www.kidneyatlas.org/book2/adk2_05.pdf
127. FIGENSHAU, R.S.; BASLER, J.W.; RITTER, J.H. et al. Renal medu-
llary carcinoma. J. Urol., 159: 711, 1998.
Nefrite por Irradiação
128. BLACK, W.D.; HATCH, F.E.; ACCHIARDO, S. Aminocaproic acid eMedicine — Nephritis, Radiation: Article by Eric P Cohen,
in prolonged hematuria of patients with sicklemia. Arch. Intern. Med., MD
136: 678, 1976. http://www.emedicine.com/med/topic1598.htm
129. POWARS, D.R.; ELLIOTT-MILLS, D.D.; CHAN, L. et al. Chronic Esclerodermia Renal
renal failure in sickle cell disease: risk factors, clinical course, and Schrier’s Atlas of Kidney Diseases — Renal Involvement in
mortality. Ann. Intern. Med., 115: 614, 1991.
Collagen Vascular Diseases and Dysproteinemias
130. PHAM, P.T.; PHAM, P.C.; WILKINSON, A.H. et al. Renal abnorma-
lities in sickle cell disease. Kidney Int., 57: 1, 2000.
Jo H.M. Berden & Karel J.M. Assmann
131. OJO, A.O.; GOVAERTS, T.C.; SCHMOUDER, R.L. et al. Renal trans- http://www.kidneyatlas.org/book4/adk4-11.pdf
plantation in end-stage sickle cell nephropathy. Transplantation, 67: Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídio
291, 1999. Revisão no JBN — Envolvimento renal na síndrome do
132. CHATTERJEE, S.N. National study in natural history of renal anticorpo antifosfolípide
allografts in sickle cell disease or trait: a second report. Transplant Américo Lourenço Cuvello Neto
Proc., 19: 33, 1987. http://www.sbn.org.br/JBN/20-1/v0e1p055.pdf
eMedicine — Antiphospholipid Syndrome: Article by Amiel
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Tokayer, MD
Renal Vascular Disease http://www.emedicine.com/med/topic2923.htm
http://www.outlinemed.com/demo/nephrol/9979.htm Nefropatia da Anemia Falciforme
Trombose e Embolia das Artérias Renais Sickle Cell Disease
THE MERCK MANUAL, Renal Artery Occlusion L.W. Statius van Eps
http://www.merck.com/pubs/mmanual/section17/ http://www.kidneyatlas.org/book4/adk4-04.pdf
chapter228/228b.htm RIELLA Cap 27 figuras 31/03/2002
Capítulo
Nefropatia e Gestação

28 Istênio F. Pascoal, Emil Sabbaga e Décio Mion Jr.

INTRODUÇÃO Microangiopatia trombótica


ALTERAÇÕES ANATÔMICAS E FUNCIONAIS DO TRATO Necrose cortical renal bilateral
URINÁRIO Pielonefrite aguda
Significância clínica Cálculo urinário
DOENÇA RENAL E GRAVIDEZ Etiologia
Acompanhamento clínico Diagnóstico
Papel da insuficiência renal Curso natural
Papel da hipertensão arterial Tratamento
Nefropatia lúpica BIÓPSIA RENAL NA GRAVIDEZ
Infecção do trato urinário DIÁLISE E GRAVIDEZ
Bacteriúria assintomática TRANSPLANTE RENAL E GRAVIDEZ
Infecção sintomática do trato urinário REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Insuficiência renal aguda ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Hemorragias

INTRODUÇÃO ALTERAÇÕES ANATÔMICAS E


O aconselhamento sobre as chances e os riscos de con-
FUNCIONAIS DO TRATO
cepção, ou de continuidade de uma gestação, em mulhe- URINÁRIO
res com doença renal preexistente ou receptoras de trans-
plante renal constitui um desafio freqüente da prática ne- Durante a gravidez ocorrem inúmeras alterações anatômi-
frológica. Por sua vez, complicações renais e hipertensivas cas e fisiológicas no trato urinário. O rim aumenta aproxima-
de uma gravidez já em curso requerem pronta interven- damente 1 cm durante a gestação, enquanto o cálice, a pelve
ção. O tratamento de tais pacientes exige familiaridade com e o ureter se dilatam progressivamente, em decorrência de
as modificações que ocorrem na função renal durante a efeitos hormonais e de obstrução mecânica exercida pelo útero
gestação normal, por isso este capítulo revisará estes paci- gravídico.1 Estas alterações podem conduzir a erros nas pro-
entes antes de examinar as influências recíprocas entre a vas de avaliação da função renal que requerem a coleta con-
gestação e as doenças renais em suas variadas formas e trolada de urina, devido à sua retenção no sistema coletor di-
expressões. latado. Além disso, a estase urinária pode contribuir para a
538 Nefropatia e Gestação

maior propensão de mulheres grávidas com bacteriúria as- tão baixos quanto 0,5 e 20 mg/dl, respectivamente. Níveis
sintomática a desenvolverem pielonefrite aguda. superiores a 0,9 e 30 mg/dl podem indicar a presença de
O fluxo plasmático renal efetivo (FPRE) e o ritmo de fil- nefropatia subjacente e requerem avaliação complementar.
tração glomerular (RFG) aumentam significativamente A excreção urinária de proteína também aumenta na gra-
durante a gravidez. O aumento no RFG pode ser demons- videz, provavelmente em decorrência da elevação do flu-
trado já no primeiro mês da concepção e alcança níveis xo plasmático glomerular, sendo 300 mg/24 h considera-
aproximadamente 50% acima do controle pré-gravídico no do o limite superior da normalidade.4 Também de interes-
segundo trimestre. No final do terceiro trimestre o RFG se é a diminuição dos níveis plasmáticos de ácido úrico.
diminui cerca de 20%, retornando aos níveis pré-gestacio- Valores superiores a 5,0 mg/dl são considerados anormais
nais nos primeiros três meses após o parto.2 Os mecanis- e podem constituir um sinal precoce de pré-eclâmpsia.5
mos responsáveis por estas alterações funcionais ainda não A pressão arterial (PA) diminui fisiologicamente duran-
estão completamente esclarecidos. O aumento do volume te a gestação. Este comportamento é observado tanto em
plasmático e dos níveis circulantes de aldosterona, desoxi- gestantes normotensas, quanto naquelas com hipertensão
corticosterona, progesterona e prolactina, bem como o apa- arterial crônica. Na prática, valores de PA diastólica supe-
recimento de lactogênio placentário e gonadotrofina coriô- riores a 75 mmHg no segundo trimestre e 85 mmHg no
nica, poderiam influenciar a hemodinâmica renal, embora terceiro trimestre devem ser considerados anormais.
não pareçam capazes de provocar, per se, as modificações na
magnitude vistas durante a gravidez. Igualmente, a angio-
tensina II e o peptídeo natriurético atrial, cujas ações e con- DOENÇA RENAL E GRAVIDEZ
centrações se modificam durante a gravidez, poderiam in-
fluenciar a regulação tônica das arteríolas aferente e eferen- Permanece controverso qual a real influência que a ges-
te e, assim, desempenhar algum papel funcional. Mais re- tação exerce sobre a história natural de uma nefropatia
centemente, o fator relaxante derivado do endotélio rela- preexistente, bem como o efeito da nefropatia sobre a evo-
cionado ao óxido nítrico tem sido também implicado.3 lução obstétrica. A visão predominante, entretanto, é de
que o grau de comprometimento funcional renal à concep-
ção e a presença ou ausência de hipertensão arterial duran-
Pontos-chave:
te a gestação determinam tanto a evolução da gestação
• A estase urinária pode contribuir para a quanto o efeito desta sobre o curso da nefropatia.
maior propensão de mulheres grávidas com A gestação parece não causar qualquer deterioração, ou
bacteriúria assintomática a desenvolverem mesmo afetar a progressão de uma doença renal além do
pielonefrite aguda que seria esperado fora da gestação, se a função renal for
normal ou apenas discretamente alterada antes da concep-
• O fluxo plasmático renal efetivo (FPRE) e o
ção e se a hipertensão arterial estiver ausente ou controla-
ritmo de filtração glomerular (RFG)
da durante a gravidez.6 A maioria destas pacientes apre-
aumentam significativamente durante a senta elevação do RFG e do FPRE durante a gestação, à se-
gravidez melhança do que ocorre na gravidez normal. A presença
• A hiperfiltração glomerular gestacional de insuficiência renal e/ou hipertensão arterial, entretan-
resulta em redução dos níveis séricos de to, associa-se à maior incidência de complicações, tanto ma-
creatinina e uréia ternas quanto fetais.
• A excreção urinária de proteína também Como a doença progride e a função renal declina com o
aumenta na gravidez, provavelmente em tempo, o rigoroso controle da pressão arterial representa
decorrência da elevação do fluxo plasmático a única possibilidade de se intervir no trinômio nefropa-
glomerular, sendo 300 mg/24 h considerado tia, hipertensão e gravidez e, assim, minimizar a influên-
cia negativa dessa associação sobre a história natural de
o limite superior da normalidade
uma doença renal preexistente, bem como sobre o curso
• Há diminuição dos níveis plasmáticos de da própria gestação.
ácido úrico. Valores superiores a 5,0 mg/dl
são considerados anormais e podem
constituir um sinal precoce de pré-eclâmpsia Acompanhamento Clínico
A avaliação clínica e laboratorial de gestantes com do-
Significância Clínica ença renal é praticamente semelhante àquela empregada
fora da gestação. Excetuam-se os exames que utilizam ra-
A hiperfiltração glomerular gestacional resulta em re- diação ionizante ou radioquímicos, os quais deveriam ser
dução dos níveis séricos de creatinina e uréia para valores realizados depois do parto. O acompanhamento pré-natal
capítulo 28 539

requer visitas quinzenais até 32 semanas de gestação, e endoteliose capilar glomerular, lesão característica da pré-
semanais a partir de então. Além da rotina laboratorial eclâmpsia, na biópsia renal pós-parto de algumas pacien-
regularmente realizada no pré-natal, o clearance de creati- tes que desenvolvem pré-eclâmpsia, sem qualquer anor-
nina, a proteinúria de 24 horas, o nível sérico de ácido úri- malidade renal ou hipertensiva anterior à gestação. Carac-
co e a contagem de plaquetas (visando à detecção precoce teristicamente, estas pacientes apresentam proteinúria
de pré-eclâmpsia) devem ser aferidos mensalmente. A fil- nefrótica na vigência da pré-eclâmpsia. Ainda há contro-
tração glomerular, medida através do clearance de creati- vérsias se GESF em mulheres pré-eclâmpticas representa
nina, deve aumentar pelo menos 30% acima dos valores uma doença glomerular preexistente ou se é uma variante
obtidos antes da gravidez. A excreção de ácidos e a capa- de lesão renal da pré-eclâmpsia, mas o caráter autolimita-
cidade de concentração e diluição da urina não se modifi- do da lesão indica uma associação causal com a pré-
cam durante a gravidez. eclâmpsia. A vasodilatação renal imposta pela gestação
poderia permitir a transmissão da condição hipertensiva
PAPEL DA INSUFICIÊNCIA RENAL sistêmica (recém-desenvolvida) ao interior do glomérulo
Na presença de insuficiência renal a capacidade repro- e, eventualmente, causar GESF. A evolução desta forma de
dutiva diminui, mas tanto a evolução obstétrica quanto o lesão renal parece benigna, desaparecendo suas manifes-
prognóstico renal diferem em mulheres com diferentes tações clínicas e laboratoriais com o desaparecimento do
graus de insuficiência renal. Quando os níveis de creatini- estímulo gerador, a própria gravidez.9
na antes da gravidez são inferiores a 1,4 mg/dl, tanto a
evolução obstétrica quanto o curso da nefropatia pratica-
mente não são afetados. O prognóstico piora se a função Pontos-chave:
renal estiver moderadamente comprometida (creatinina • O acompanhamento pré-natal requer visitas
sérica entre 1,5 e 2,8 mg/dl). Nesta condição, pode ocorrer
quinzenais até 32 semanas de gestação, e
rápida deterioração da função renal. A situação se agrava
depois semanais
ainda mais se a insuficiência renal já estiver avançada (cre-
atinina acima de 2,8 mg/dl).7 • Clearance de creatinina, proteinúria de 24
horas, nível sérico de ácido úrico e
PAPEL DA HIPERTENSÃO ARTERIAL contagem de plaquetas devem ser aferidos
Cerca de 10% de todas as gestações são complicadas por mensalmente
hipertensão arterial. Em 25% das vezes, a hipertensão é • Níveis de creatinina antes da gravidez
anterior à gestação (hipertensão crônica). Pré-eclâmpsia inferiores a 1,4 mg/dl não afetam a
contribui com os 75% restantes. A presença de doença re- nefropatia e a evolução obstétrica
nal aumenta a suscetibilidade à pré-eclâmpsia, a qual pode • Níveis de creatinina de 1,5 a 2,8 mg/dl
ocorrer mais precocemente, constituindo um dos principais
podem acarretar rápida deterioração da
riscos da doença renal na gravidez. De interesse é que
quando a hipertensão não é grave, a gestação exibe um
função renal. A situação se agrava ainda
efeito anti-hipertensivo, constituindo uma defesa que, per mais se a insuficiência renal já estiver
se, atenua as repercussões da própria hipertensão. A mai- avançada (creatinina acima de 2,8 mg/dl)
oria dos autores não prescreve tratamento medicamento- • A vasodilatação renal imposta pela gestação
so para pacientes com pressão arterial diastólica (PAD) ⬍ poderia permitir a transmissão da condição
95 mmHg no segundo trimestre ou ⬍ 100 mmHg no ter- hipertensiva sistêmica (recém-
ceiro trimestre de uma gravidez normal, mas muitos tra- desenvolvida) ao interior do glomérulo e,
tariam mais agressivamente (PAD ⬎ 80 mmHg) na presen- eventualmente, causar GESF
ça de nefropatia, acreditando que isto protege o rim.
Modificações hemodinâmicas de padrão semelhante são
observadas em diferentes espécies de animais de experi- Nefropatia Lúpica
mentação. A avaliação da hemodinâmica glomerular em
ratas grávidas, através da técnica de micropunção, de- Gravidez em mulheres com nefropatia lúpica está asso-
monstra que a hiperfiltração glomerular gestacional é um ciada a riscos de até 25% de perda fetal e de piora das
fenômeno decorrente, exclusivamente, da elevação do flu- manifestações renais e extra-renais. Estes achados podem
xo plasmático glomerular. A pressão capilar glomerular, ocorrer durante a gravidez ou nas primeiras oito semanas
cuja elevação é potencialmente lesiva ao glomérulo, não se do puerpério.10 Pacientes com anticorpos anticardiolipina
modifica na gestação, refletindo redução paralela e propor- e anticoagulante lúpico apresentam maior risco;11 assim,
cional nas resistências das arteríolas aferente e eferente.8 em todas as gestantes com lúpus a atividade anticoagulante
Uma condição clínica intrigante é a presença de glome- deve ser investigada. A freqüência de exacerbações ou
ruloesclerose segmentar e focal (GESF) associada a persistência dos sintomas varia conforme o estado de ativi-
540 Nefropatia e Gestação

dade da doença, atingindo 60% das mulheres com doença consulta pré-natal. Mulheres com cultura de urina positi-
ativa ao engravidarem, mas apenas 20% daquelas em re- va (acima de 100.000 col/ml) devem ser tratadas e manti-
missão por pelo menos seis meses antes da concepção.12 das sob vigilância para bacteriúria recorrente. O agente an-
Não está determinado, entretanto, se estas exacerbações timicrobiano deve ser escolhido segundo a sensibilidade
são devidas à gravidez per se. Embora a incidência não seja do microrganismo e a ausência de efeitos colaterais para o
alta, exacerbações renais graves podem ocorrer. Em con- feto. Um dos esquemas mais simples é a utilização de nitro-
seqüência, mulheres com nefropatia lúpica deveriam ser furantoína, 100 mg à noite por 10 dias, que tem provado ser
encorajadas a retardar a gravidez até a doença estar inati- tão efetivo quanto ampicilina, sulfonamidas ou cefalexinas,
va por pelo menos seis meses. As implicações prognósti- administradas 4 vezes ao dia. As quinolonas devem ser
cas negativas da azotemia e da hipertensão preexistente evitadas durante a gravidez. Independentemente da tera-
referidas acima também se aplicam a pacientes lúpicas. pêutica escolhida, aproximadamente 30% das mulheres
Tem sido sugerido, mas não provado, que a freqüência de desenvolverão bacteriúria recorrente durante a mesma ges-
piora puerperal pode ser diminuída com o aumento da tação. Na bacteriúria assintomática, aumento na incidência
dose de corticosteróide por uma semana após o parto. de prematuridade e óbito fetal têm sido relatados, particu-
O tratamento da nefropatia lúpica ativa no período larmente quando localizada no trato urinário superior.
puerperal não apresenta peculiaridades. Entretanto, a abor-
dagem terapêutica durante a gravidez não está ainda bem INFECÇÃO SINTOMÁTICA DO TRATO
definida. Prednisona oral (30 a 60 mg/dia) tem sido utili- URINÁRIO
zada, embora com riscos de induzir ou exacerbar a hiper- ITU sintomática ocorre em 1 a 2% das mulheres gestan-
tensão. Há pouca experiência com pulso de metil-predni- tes, mas a vigilância e o tratamento das bacteriúrias assin-
solona, e seus efeitos sobre o feto são desconhecidos. Ci- tomáticas podem reduzir esta incidência para 0,5%. E. coli
clofosfamida deveria ser evitada durante a gravidez, mas é o germe mais freqüentemente encontrado. Pielonefrite
azatioprina pode ser usada com relativa segurança, desde aguda na gestação pode evoluir para choque séptico, de-
que a leucometria seja normal. terioração transitória da função renal, crescimento intra-
uterino retardado, prematuridade, síndrome da angústia
respiratória da infância, anormalidades congênitas e óbi-
Infecção do Trato Urinário to fetal. Mulheres com cistite bacteriana sintomática res-
A infecção urinária é um dos problemas mais comuns pondem rapidamente a qualquer dos esquemas antimicro-
da gestação, embora na maioria das vezes seja clinicamente bianos descritos para bacteriúria assintomática, devendo
silenciosa (bacteriúria assintomática). A localização do sí- a paciente ser monitorizada para bacteriúria recorrente. As
tio de infecção no trato urinário (superior ou inferior) é mulheres grávidas com pielonefrite aguda devem ser hos-
bastante útil, como índice prognóstico ou como guia para pitalizadas, devido à potencial gravidade, incluindo a in-
o tratamento. Embora ainda não exista um método rápido cidência de 15-20% de concorrente bacteremia. O tratamen-
disponível para distinguir estas duas possibilidades, a pre- to deve ser iniciado antes mesmo de se conhecerem os re-
sença de cilindros leucocitários ou de bactérias recobertas sultados das culturas. Gentamicina é uma excelente esco-
por anticorpo na urina e a diminuição da capacidade de lha para o tratamento de mulheres toxêmicas, embora apro-
concentração urinária, após a privação de líquidos por 12 ximadamente 20% destas mulheres tenham significan-
horas, indicam a presença de comprometimento parenqui- te disfunção renal, e as doses devem ser corrigidas, visan-
matoso renal. do à prevenção de nefrotoxicidade e ototoxicidade tanto
materna quanto fetal. Embora se venha observando cres-
cente resistência da maioria dos uropatógenos à ampicili-
BACTERIÚRIA ASSINTOMÁTICA
na, ela pode ser empregada inicialmente em associação
A incidência de bacteriúria assintomática é semelhante
com a gentamicina. As cefalosporinas constituem razoáveis
entre gestantes e mulheres não-grávidas sexualmente ati-
alternativas. De acordo com o antibiograma, a antibiotico-
vas (4 a 7%). Infecção urinária sintomática se desenvolve
terapia será modificada ou mantida por 4 a 6 semanas.
em 20 a 40% das gestantes com bacteriúria assintomática
no início da gestação, contra 2% nas mulheres grávidas sem
bacteriúria. Por esta razão, é importante investigar a pre- Insuficiência Renal Aguda
sença de bacteriúria em todas as mulheres grávidas e tra-
tar as que apresentam urocultura positiva. Escherichia coli Todas as causas de insuficiência renal aguda (IRA) na
é o microrganismo mais comum. A maioria das infecções população geral podem ocorrer durante a gravidez, mas
está restrita à bexiga. O tratamento da bacteriúria assinto- algumas condições estão predominantemente associadas
mática diminui a incidência de infecção do trato urinário com IRA na primeira metade e outras na segunda metade
(ITU) subseqüente em cerca de 90% dos casos. Cultura de da gestação. No início da gravidez, por exemplo, as cau-
urina com antibiograma deve ser obtida na primeira sas de IRA mais comuns são doença pré-renal secundária
capítulo 28 541

a hiperêmese gravídica, e necrose tubular aguda devido a dos apresentam uma das complicações acima e desenvol-
abortamento séptico. Diferentes condições induzem insu- vem oligoanúria, hematúria macroscópica, dor lombar e
ficiência renal aguda no final da gestação, particularmen- hipotensão. Nenhuma terapêutica específica tem sido mos-
te as complicações hemorrágicas relacionadas ao parto, a trada efetiva nesta doença. Muitos pacientes requerem diá-
síndrome pré-eclâmpsia/eclâmpsia e a síndrome hemolí- lise, mas 20 a 40% recuperam parcialmente a função renal e
tico-urêmica pós-parto. o clearance de creatinina estabiliza entre 15 e 50 ml/min.17

HEMORRAGIAS PIELONEFRITE AGUDA


Hipoperfusão renal, devida à hemorragia uterina, é a Mulheres grávidas são mais predispostas a desenvolver
principal causa de IRA na gravidez avançada. Descolamen- IRA secundária a pielonefrite aguda, principalmente na
to prematuro da placenta, principalmente em pacientes vigência de septicemia ou hipotensão arterial. A histolo-
com pré-eclâmpsia nas quais a tumefação das células en- gia renal pode revelar microabscessos focais e a recupera-
doteliais seja suficientemente grave para obstruir inteira- ção após apropriada antibioticoterapia pode ser incomple-
mente a luz capilar, é o modelo clínico mais freqüente de ta, devido a lesão irreversível.18
IRA na gravidez. A detecção precoce da hemorragia e a
adequada reposição volêmica, através de transfusões, po-
dem prevenir a IRA. Cálculo Urinário
Sintomas decorrentes de cálculo renal constituem um
MICROANGIOPATIA TROMBÓTICA evento raro na gravidez. Quando ocorrem, entretanto, fre-
Insuficiência renal aguda associada à plaquetopenia no qüentemente estão associados com infecção do trato uri-
final da gestação requer um elaborado diagnóstico diferen- nário13 e podem induzir trabalho de parto prematuro.14
cial entre três principais condições: púrpura trombocito- Além disso, o diagnóstico e o tratamento são mais compli-
pênica trombótica (PTT), síndrome hemolítico-urêmica cados do que na população não-grávida, uma vez que as
pós-parto (SHU) e síndrome HELLP. A distinção entre intervenções comumente utilizadas nestes casos podem
estas entidades é importante por razões terapêuticas e atingir o feto. Estima-se que 1 em cada 1.500 gestações seja
prognósticas. Entretanto, a apresentação clínica e histoló- complicada por cálculos renais,15,16 mas a incidência preci-
gica é tão semelhante que estabelecer o diagnóstico corre- sa é ainda desconhecida porque a maioria das pacientes são
to pode ser difícil. 1) A síndrome HELLP (hemolysis identificadas apenas quando seus cálculos se tornam sin-
microangiopathic, elevated liver enzymes, low platelet), que é tomáticos.
uma forma de pré-eclâmpsia grave, tipicamente se desen-
volve no terceiro trimestre, com apenas poucos casos ocor- ETIOLOGIA
rendo nos primeiros dois dias após o parto. Usualmente é As alterações anatômicas e funcionais do trato urinário
precedida por hipertensão e proteinúria, mas insuficiên- impostas pela gravidez normal predispõem à formação de
cia renal é rara, a menos que haja acentuado sangramento cálculo renal. A excreção urinária de cálcio pode aumen-
ou instabilidade hemodinâmica, e geralmente se resolve tar 1-2 vezes durante a gestação19,22 e a supersaturação — um
espontaneamente. 2) A PTT quase sempre ocorre durante reflexo da concentração e da solubilidade dos sais de cálcio
a gravidez, com a maioria dos casos se iniciando antes da — também aumenta expressivamente na gravidez.19-21,23 A
24.ª semana. Caracteriza-se pela pêntade de anemia hemo- hipercalciúria e a supersaturação deveriam, portanto, au-
lítica microangiopática, plaquetopenia, insuficiência renal, mentar o desenvolvimento de cálculo renal durante a gra-
febre e anormalidades neurológicas. Em geral, a disfunção videz; entretanto, a incidência de calculose não muda. A
renal é discreta, e o envolvimento neurológico associado à proteção contra a formação e o crescimento de cálculos
plaquetopenia, que são marcantes, freqüentemente remi- pode ser mediada pelo aumento simultâneo na excreção
tem com plasmaférese e/ou infusão de plasma. 3) A SHU urinária de inibidores naturais, tais como magnésio e ci-
geralmente ocorre após o parto (quatro semanas, em mé- trato. Também a nefrocalcina, uma glicoproteína ácida
dia), sucedendo uma gravidez normal. O envolvimento natural que inibe a formação de cálculo de oxalato de cál-
renal é grave. Recuperação da função é rara, embora plas- cio, tem tanto sua excreção quanto sua atividade aumen-
maférese e/ou infusão de plasma tenham sido tentadas, tada significativamente durante a gravidez normal.22,24 Em
devido à sua eficácia na TTP. síntese, nefrocalcina, citrato, magnésio e pH alcalino pa-
recem contrabalançar o estado hipercalciúrico supersatu-
NECROSE CORTICAL RENAL BILATERAL rado da urina de uma grávida normal.
Descolamento prematuro de placenta, placenta prévia,
morte fetal intra-uterina prolongada e embolia amniótica DIAGNÓSTICO
podem induzir necrose cortical renal bilateral ou, nos ca- Cólica renal é a causa mais comum de dor abdominal
sos menos graves, necrose tubular aguda. Os pacientes afeta- não-obstétrica que requer internação no curso da gravi-
542 Nefropatia e Gestação

dez.25 Os sinais e sintomas clínicos são semelhantes àque- urinário, que ocorre em até 20% dos casos.28 Antibioticote-
les observados em mulheres não-grávidas e sua avaliação rapia oral geralmente é suficiente para tratar a infecção uri-
começa com a história clínica e o exame físico. Atenção nária baixa, porém pielonefrite requer hospitalização com
especial deve ser dada à idade de início da doença, histó- administração de antibiótico sistêmico e possível interven-
ria familiar, dieta e medicações, infecções urinárias prévi- ção para reverter a eventual obstrução.
as, resultados de radiografias abdominais anteriores e ou-
tras complicações clínicas ou cirurgias pregressas. A ultra- TRATAMENTO
sonografia é o meio ideal para se iniciar a identificação de Repouso no leito, hidratação e analgesia constituem as
cálculos renais durante a gravidez porque não expõe o feto medidas iniciais indicadas para grávidas com cálculos sin-
a radiação ionizante. Porém, como a maioria dos cálculos tomáticos. Apenas isto leva à passagem espontânea de pelo
sintomáticos está localizada nos ureteres, há grandes limi- menos 50% dos cálculos urinários durante a gestação. Me-
tações na sua visualização pela ultra-sonografia. Além dis- peridina e morfina são analgésicos narcóticos úteis para tra-
so, a dilatação fisiológica do sistema coletor que acompa- tar a cólica renal e têm sido usadas também durante a gra-
nha a gravidez normal confunde e dificulta a definição da videz, embora atravessem a placenta rapidamente.29,30 Pre-
obstrução ureteral. Uma radiografia simples de abdome parações orais contendo codeína têm sido associadas com
aumenta significativamente a sensibilidade diagnóstica da malformações fetais e devem ser evitadas durante a gravi-
ultra-sonografia. A ressonância magnética nuclear não dez.31 Os antiinflamatórios não-esteróides têm sido usados
expõe o feto a radiação ionizante e, por isso, tem sido com sucesso para tratar cólica renal em mulheres não-grá-
crescentemente utilizada para avaliar a anatomia tanto vidas, mas devem ser evitados durante a gestação, particu-
materna quanto fetal. A urografia excretora durante a gra- larmente próximo ao termo, devido ao risco de fechamento
videz tem sua indicação restrita às seguintes circunstânci- precoce do ductus arteriosis.32,33 Ainda há poucos relatos so-
as: a) sintomas de cálculo não responsivos à terapêutica conser- bre os efeitos e os riscos da litotripsia em mulheres grávi-
vadora; b) diminuição da função renal em associação com sinto- das, mas sua aplicação em animais de experimentação têm
mas de cálculo renal; c) pielonefrite sintomática e refratária à demonstrado congestão e múltiplas hemorragias focais em
antibioticoterapia, especialmente em grávidas com passado de pulmão, fígado e rins de fetos expostos.34,35 Por outro lado, o
cálculos. Embora seja oportuno lembrar que estudos radi- emprego eventual da litotripsia em mulheres grávidas não
ológicos realmente necessários para a adequada avaliação tem sido associado a malformações fetais.36,37 Até o presente,
materna não devem deixar de ser realizados por temor da entretanto, o uso de litotripsia durante a gravidez permane-
exposição fetal à radiação (especialmente na segunda me- ce formalmente contra-indicado, mas sua utilização inadver-
tade da gravidez), convém radiografar apenas o lado afe- tida não constitui razão suficiente para a interrupção da gra-
tado, a pelve materna deve ser protegida e o número de videz. A avaliação metabólica da calculose renal deve ser re-
radiografias deve ser reduzido ao mínimo.26,27 Cerca de 2/ tardada até pelo menos três meses após parto e lactação.
3 dos cálculos sintomáticos durante a gravidez passam
espontaneamente, mas o restante requer intervenção, seja
ainda durante a gravidez ou após o parto.31,32
BIÓPSIA RENAL NA GRAVIDEZ
CURSO NATURAL
A realização de biópsia renal durante a gestação é um
O tratamento conservador resulta na passagem espontâ-
procedimento pouco usual, principalmente porque as cir-
nea de pelo menos 60% dos cálculos sintomáticos durante a
cunstâncias clínicas raramente justificam os riscos. Na
gravidez. Intervenções cirúrgicas e não-cirúrgicas são ne-
maioria das vezes, a biópsia é postergada e realizada após
cessárias em cerca de 30% das pacientes. Nos 10% restantes
os procedimentos podem ser postergados e realizados após o parto. Excetuam-se os casos nos quais deterioração sú-
o parto. Se um cálculo não é expelido espontaneamente, o bita e inexplicável da função renal ocorre antes de 32 se-
passo seguinte é a cistoscopia para removê-lo ou desfazer a manas de gestação, devido à possibilidade de algumas
obstrução com passagem de um cateter ureteral. Se a cistos- formas de glomerulonefrite rapidamente progressiva res-
copia não for possível, uma nefrostomia percutânea ou um ponderem a tratamento agressivo, tais como pulsoterapia
procedimento aberto estão indicados. Em princípio, estes com corticosteróides ou plasmaférese. A biópsia não deve
procedimentos devem ser realizados após o parto, se possí- ser realizada após a 32.ª semana, devendo, nestes casos, ser
vel. Indicações específicas para intervenção durante a gra- considerada a interrupção da gestação.
videz incluem: a) infecção persistente a montante da obstru-
ção; b) dor intratável; c) cólica renal precipitando trabalho
de parto prematuro refratário à terapêutica; d) piora da fun- DIÁLISE E GRAVIDEZ
ção renal com permanência da obstrução; e) obstrução de
um rim solitário. A complicação não-obstétrica mais comum A gravidez é excepcional em mulheres sob tratamento
de cálculo renal durante a gravidez é a infecção do trato dialítico crônico. Estima-se que apenas 10% destas pacien-
capítulo 28 543

tes ovulam regularmente, 40% têm ciclos irregulares e 50% agravada, por isso a dose deve ser limitada a 2-4 mg/kg/
são amenorréicas. Além disso, na hipótese de concepção, dia. Entretanto, o metabolismo da ciclosporina parece es-
menos de 50% das gestações evoluem até a viabilidade tar aumentado durante a gravidez, e assim doses mais ele-
fetal. O esclarecimento sobre as chances de concepção e os vadas podem ser necessárias para manter níveis plasmá-
riscos da continuação de uma gestação já iniciada deve ser ticos na faixa terapêutica. Na ausência de hipertensão gra-
uma atitude rotineira do nefrologista responsável pelo tra- ve, pode-se aumentar a dose de ciclosporina se a concen-
tamento dialítico de mulheres em idade reprodutiva. Mui- tração plasmática se tornar consistentemente subterapêu-
tos autores desaconselham a gravidez se a creatinina séri- tica.
ca excede 1,4 mg/dl e/ou se a pressão arterial diastólica Se uma receptora de transplante renal torna-se grávi-
for superior a 90 mmHg. Tanto hemodiálise quanto diáli- da, ela deve ser tratada como paciente de alto risco. O
se peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) são utilizadas acompanhamento requer particular atenção para o con-
em mulheres grávidas requerendo tratamento dialítico. trole da pressão arterial, da função renal, de possíveis
Uma possível vantagem da CAPD se basearia na manuten- infecções, bem como da monitorização fetal. Cerca de 40%
ção de um ambiente intra-uterino constante (sem freqüente
mudança de fluidos) e no melhor controle da pressão ar- Pontos-chave:
terial, da acidemia e da anemia. Entretanto, o problema da
prematuridade, da hipertensão e a incidência de sofrimen- • A freqüência de exacerbações ou
to fetal não foram eliminados pelo uso da CAPD, além de persistência dos sintomas na nefropatia
aparentemente ter aumentado a incidência de outras com- lúpica varia conforme o estado de atividade
plicações, tais como poliidrâmnio e diabetes gestacional, da doença, atingindo 60% das mulheres
ambos atribuídos à excessiva e contínua oferta de glicose com doença ativa ao engravidarem, mas
nos banhos de diálise. A opção ideal não está ainda clara- apenas 20% daquelas em remissão por pelo
mente definida e deveria ser subordinada à experiência do menos seis meses antes da concepção
centro de diálise envolvido. Em qualquer alternativa, es-
• Infecção urinária sintomática se desenvolve
forços para manter o nível de uréia pré-diálise inferior a
100 mg/dl, níveis de hemoglobina acima de 7 mg/L e de
em 20 a 40% das gestantes com bacteriúria
pH e eletrólitos estáveis, além de evitar hipo- e hiperten- assintomática no início da gestação, contra
são e restringir o uso de heparina, são indispensáveis. 2% nas mulheres grávidas sem bacteriúria
• Hipoperfusão renal, devida a hemorragia
uterina, é a principal causa de IRA na
TRANSPLANTE RENAL E gravidez avançada
• Insuficiência renal aguda associada a
GRAVIDEZ
plaquetopenia no final da gestação requer
A fertilidade geralmente retorna após o transplante re- um elaborado diagnóstico diferencial entre
nal, e a possibilidade de gravidez excede 90% após seis três principais condições: púrpura
meses. Há um discreto aumento na incidência de aborta- trombocitopênica trombótica (PTT),
mento espontâneo, enquanto retardo de crescimento intra- síndrome hemolítico-urêmica pós-parto
uterino e/ou prematuridade ocorrem em 50 a 70% dos (SHU) e síndrome HELLP
casos. A gravidez não exerce influências específicas nas • Descolamento prematuro de placenta,
pacientes transplantadas e está limitada pelos mesmos fa- placenta prévia, morte fetal intra-uterina
tores descritos acima em mulheres com qualquer forma de
prolongada e embolia amniótica podem
doença renal — creatinina sérica acima de 1,5 mg/dl e hi-
induzir necrose cortical renal bilateral ou,
pertensão que não possa ser facilmente controlada.
As pacientes transplantadas geralmente são aconselha- nos casos menos graves, necrose tubular
das a esperar pelo menos um ano após receberem trans- aguda
plante de doador vivo e dois anos após transplante de • Mulheres grávidas são mais predispostas a
doador cadáver. Nesta época, a dose de prednisona já está desenvolver IRA secundária à pielonefrite
relativamente baixa e a dose de azatioprina estável, e ne- aguda, principalmente na vigência de
nhuma destas drogas parece ter efeitos adversos sobre o septicemia ou hipotensão arterial
feto. Embora não recomendado, mulheres que engravidam • As alterações anatômicas e funcionais do
nos primeiros seis a 12 meses pós-transplante também cos- trato urinário impostas pela gravidez
tumam evoluir relativamente bem.
normal predispõem à formação de cálculo
A segurança da ciclosporina ainda não está estabeleci-
renal
da na gravidez. A hipertensão pode ser induzida ou
544 Nefropatia e Gestação

das gestações não vão além do primeiro trimestre, mas 19. MAIKRANZ, P.; PARKS, J.H.; HOLLEY, J.H.; COE, F.L. Gestatio-
nal hypercalciuria causes pathological urine calcium oxalate super-
daquelas que ultrapassam este período, 90% terminam sa-
saturations. Kidney Int, 36:108-113, 1989.
tisfatoriamente. Na maioria das pacientes, a hemodinâ- 20. LINDHEIMER, M.D.; KATZ, A.I. The kidney and hypertension in
mica renal aumenta durante a gestação, embora compro- pregnancy. In Brenner, B. & Rector, F. (eds) The Kidney, 4th edition,
metimento permanente da função renal ocorra em cerca pp 1551-1595. Philadelphia: WB Saunders.
21. MAIKRANZ, P.; PARKS, J.H.; COE, F.L. Urinary calcium oxalate
de 15% das vezes. Aproximadamente 30% destas pacien-
and calcium carbonate supersaturations increase in pregnancy. Kid-
tes desenvolvem pré-eclâmpsia. A despeito da localiza- ney Int, 31:209, 1987.
ção pélvica, o rim transplantado raramente causa distócia 22. DAVISON, J.M.; NAKAGAWA, COE, F.L. Increases in both urina-
ou sofre qualquer trauma durante o parto vaginal. Assim, ry inhibitor activity and excretion of an inhibitor of cristalluria in
pregnancy: a defense against the hypercalciuria of normal gestation.
a operação cesariana deve ser realizada apenas por razões
Hypertens Preg, 12:23-35, 1993.
obstétricas. 23. KRISTENSEN, C.; ABRAHAM, P.A.; DAVIS, M. Hypercalciuria and
risk factors for calcium nephrolithiasis during pregnancy. Kidney Int,
327:144, 1985.
24. WABNER, C.; SIRIVONGS, D.; MAIKRANSZ, P. Evidence for
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS increased excretion in pregnancy of nephrocalcin, a urinary inhibitor
of crystal growth. Kidney Int, 31:359, 1987.
1. BAYLEY, R.R.; ROLLESTON, G.L. Kidney length and ureteric 25. FOLGER, G.K. Pain and pregnancy. Obstet Gynecol, 5:513-518, 1955.
dilatation in the puerperium. J Obstet Gynecol Br Commw, 78:55-61, 26. LATTANZI, D.R.; COOK, W.A. Urinary calculi in pregnancy. Obs-
1971. tet Gynecol, 56:462-466, 1980.
2. BAYLIS, C.; RECKELHOFF, J.F. Renal hemodynamics in normal and 27. JONES, W.A.; CORREA, R.J. Jr, ANSELL, J.S. Urolithiasis associa-
hypertensive pregnancy: lessons from micropuncture. Am J Kidney ted with pregnancy. J Urol, 122:333-335, 1978.
Dis, 17:98-104, 1991. 28. COE, F.L.; PARKS, J.H.; LINDHEIMER, M.D. Nephrolithiasis du-
3. PASCOAL, I.F.; LINDHEIMER, M.D.; NALBANTIAN-BRANDT, ring pregnancy. New Engl J Med, 298:324-326, 1978.
C.; UMANS, J.G. Contraction and endothelial relaxation in 29. CRAWFORD, J.S.; RUDOFSKY, S. The placenta transmission of
mesenteric microvessels from pregnant rats. Am J Physiol, 1996, in pethidine. Br J Anesthes, 37:929-932, 1965.
press. 30. FISHER, D.E.; PATON, J.B. The effect of maternal anesthetic and
4. BEETHAM, R.; DAWNAY, A.; MENABAWY, M.; SILVER, A. Uri- analgesic drugs on the fetus and newborn. Clin Obstet Gynecol,
nary excretion of albumin and retinol binding protein during nor- 11:568-578, 1974.
mal pregnancy. J Clin Pathol, 41:1089-1092, 1988. 31. BRIGGS, G.G.; FREEMAN, K.; YAFFE, S.J. Drugs in Pregnancy and
5. REDMAN, C.W.G.; BEILIN, L.J.; BONNAR, J.; WILKINSON, R. Plas- Lactation, 3rd edition, pp 154c-155.
ma urate measurements in predicting fetal death in hypertensive 32. GRAY, M.J. Use and abuse of thiazides in pregnancy. Clin Obstet Gy-
pregnancy. Lancet, 1:1370-1371, 1976. necol, 7:511-518, 1968.
6. KATZ, A.I.; DAVISON, J.M.; HAYSLETT, J.P.; SINSON, E.; LIN- 33. SALOMON, L.; ABRAMS, G.; DINNER, M. Neonatal abnormaliti-
DHEIMER, M.D. Pregnancy in women with kidney disease. Kidney es associated with D-penicillamine treatment during pregnancy. New
Int, 18:192-206, 1980. Eng J Med, 296:54-55, 1977.
7. HOU, S. Frequency and outcome of pregnancy in women on dialysis. 34. YALCIN, O.; TAHMAZ, L.; YUMBUL, Z.; BILGIC, I.; SAGLAM, R.
Am J Kidney Dis, 2:60-63, 1984. Effects of shock waves on the rat foetus. Scand J Urol Nephrol, 32:167-
8. BAYLIS, C. The mechanism of the increase in glomerular filtration 70, 1998.
rate in the twelve-day pregnant rat. J Physiol (London), 305:405-414, 35. FRANKENSCHMIDT, A.; HEISLER, M. Fetotoxicity and teratoge-
1980. nesis of SWL treatment in the rabbit. J Endourol, 12:15-21,1998.
9. GABER, L.W.; SPARGO, B.H. Pregnancy-induced nephropathy: the 36. FRANKENSCHMIDT, A.; SOMMERKAMP, H. Shock wave
significance of focal segmental glomerulosclerosis. Am J Kidney Dis, lithotripsy during pregnancy: a successful clinical experiment. J Urol,
9:317-323, 1987. 159:501-2, 1998.
10. LOCKSIN, M.D.; REINITZ, E.; DRUZIN, M.I. Lupus pregnancy: 37. ASGARI, M.A.; SAFARINEJAD, M.R.; HOSSEINI, S.Y.; DA-
case-control perspective study demonstrating absence of lupus DKHAH, F. Extracorporeal shock wave lithotripsy of renal calculi
exacerbation during or after pregnancy. Am J Med, 77:893-898, 1984. during early pregnancy. BJU Int, 84:615-7, 1999.
11. KINCAID-SMITH, P.; FAIRLEY, K.F.; KLOSS, M. Lupus anticoagu-
lant associated with renal thrombotic microangiopathy and preg- ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
nancy associated with renal pregnancy. Q J Med, 258:795-815, 1988.
12. HAYSLETT, J.P. The effect of systemic lupus eritematosus on preg- http://www.emedicine.com/med/topic3253.htm – Ne-
nancy and on pregnancy outcome. Am J Reprod Immunol, 28:199-204, fropatia e gravidez.
1992.
13. HENDRICKS, S.K.; ROSS, S.O.; KRIEGER, J.N. An algorithm for di-
http://renux.dmed.ed.ac.uk/EdREN/EdRenINFObits/
agnosis and therapy of management and complications of PregnancyLong.html – Gravidez e contracepção em nefro-
urolithiasis during pregnancy. Surg Gynecol Obstet, 172:49-54, 1991. patia.
14. DRAGO, J.R.; ROHNER, T.J. Jr, CHEZ, R.A. Management of urina- http://merck.praxis.md/bpm/bpm.asp?page=CPM01NP276
ry calculi in pregnancy. Urology, 20:578-581, 1982.
15. MILLER, R.D.; KAKKIS, J. Prognosis, management and outcome of
– Gravidez e o rim.
obstructive renal disease in pregnancy. J Rep Med, 28:199-201, 1982. http://www.brooklynbirthingcenter.com/viewAr-
16. RODRIGUEZ, P.N.; KLEIN, A.S. Management of urolithiasis during ticle?ID=9486 – Nefropatia e transplante renal durante a
pregnancy. Sur Gynecol Obstet, 166:103-106, 1988. gravidez.
17. KRIEGER, J.N. Complications of treatment of urinary tract infecti-
ons during pregnancy. Urol Clin North Am, 13:685-693, 1986.
http://212.199.79.240/imaj/feb00-28.htm – The Israel Me-
18. WALTZER, W.C. The urinary tract in pregnancy. J Urol, 125:271-276, dical Association Journal – Artigo: Resultado da gravidez em
1981. mulheres com nefropatia primária.
capítulo 28 545

http://www.niddk.nih.gov/fund/reports/womenrd/ http://www.hopkins-arthritis.som.jhmi.edu/other/
meet.htm – Recomendações de uma reunião científica: lupus_pregnancy.html – Lúpus e gravidez.
Mulheres e Nefropatia. Setembro 1999. http://www.multi-med.com/pdtoday/pdt7/krane.html
http://merck.praxis.md/index.asp?page=bpmindex- – Gravidez em pacientes em diálise.
&specialty=BPM01NP – Nephrology, por Saulo Klahr.
Capítulo
Hipertensão na Mulher

29 Istênio Fernandes Pascoal, Sandra Baleeiro Abrahão, Taís Tinnucci e Décio Mion Jr.

INTRODUÇÃO Tratamento anti-hipertensivo


HIPERTENSÃO NA GESTAÇÃO Prevenção
Definição HIPERTENSÃO CRÔNICA
Classificação Tratamento não-farmacológico
Pré-eclâmpsia/eclâmpsia Tratamento anti-hipertensivo
Hipertensão crônica HIPERTENSÃO E CONTRACEPTIVOS ORAIS
Hipertensão crônica com pré-eclâmpsia superajuntada HIPERTENSÃO E TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL
Hipertensão gestacional Fundamentos biológicos do papel do estrogênio na doença
Pré-eclâmpsia cardiovascular
Curso clínico Menopausa, terapia de reposição hormonal e doença
Etiologia e fisiopatologia cardiovascular
Propedêutica DISFUNÇÃO SEXUAL E HIPERTENSÃO NA MULHER
TRATAMENTO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Pré-eclâmpsia ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

As razões para as diferenças relativas nos valores pres-


INTRODUÇÃO sóricos e na incidência de hipertensão arterial entre os dois
sexos ainda são especulativas. Tem sido sugerido, embo-
A hipertensão arterial é um importante fator de risco
ra não provado, que os estrógenos naturais são responsá-
para doença cardiovascular, contribuindo expressiva-
veis pelos níveis pressóricos mais baixos observados em
mente tanto para a morbidade quanto para a mortalida-
mulheres jovens, assim como sua diminuição contribuiria
de gerais. Considerando-se a população geral, os homens
para a maior incidência de hipertensão após a menopau-
têm níveis de pressão arterial diastólica mais elevados do
sa. Em contrapartida, estrógenos exógenos na forma de
que as mulheres, como têm também maior prevalência
de hipertensão arterial, mas as incidências de hipertro- anticoncepcional oral são uma importante causa de hiper-
fia ventricular esquerda, acidente vascular cerebral e tensão secundária na mulher, mesmo com o uso mais cor-
disfunção renal são compartilhadas igualmente pelos rente de compostos com menor dosagem.
dois sexos. Esta equivalência ocorre não obstante serem A gravidez constitui uma fase da vida da mulher parti-
as mulheres relativamente protegidas de doenças cardi- cularmente predisponente a complicações hipertensivas,
ovasculares em geral, e de hipertensão arterial em parti- as quais representam uma das principais causas de mor-
cular, durante a fase reprodutiva. Após a menopausa, bidade e de mortalidade tanto materna quanto fetal.
entretanto, a hipertensão arterial se torna progressiva- Neste capítulo examinaremos as doenças hipertensivas
mente mais freqüente e mais intensa em mulheres do que da gravidez e as relações da hipertensão arterial sistêmica
em homens. com o uso de anticoncepcionais orais e com a terapia de
capítulo 29 547

reposição hormonal, bem como as implicações da hiper- HIPERTENSÃO CRÔNICA


tensão e/ou de seu tratamento sobre a função sexual fe- Hipertensão crônica se refere à presença de hipertensão
minina. antes da gravidez ou da 20.ª semana de gestação. Hiper-
tensão diagnosticada em qualquer fase da gravidez, mas
que persiste além de seis semanas após o parto, é também
HIPERTENSÃO NA GESTAÇÃO considerada hipertensão crônica.

A gravidez pode ser complicada por quatro formas dis- HIPERTENSÃO CRÔNICA COM
tintas de hipertensão:1 1) pré-eclâmpsia/eclâmpsia (doen- PRÉ-ECLÂMPSIA SUPERAJUNTADA
ça hipertensiva específica da gravidez); 2) hipertensão crôni- A pré-eclâmpsia pode ocorrer em mulheres com hiper-
ca, de qualquer etiologia; 3) pré-eclâmpsia sobreposta a tensão preexistente, e em tais casos o prognóstico para a
hipertensão crônica ou nefropatia; e 4) hipertensão gesta- mãe e o feto é pior do que qualquer uma das condições
cional (transitória). Avanços no conhecimento da fisiopa- isoladamente. O diagnóstico é feito quando há aumento da
tologia da hipertensão arterial têm proporcionado, tam- pressão arterial (30 mmHg sistólica ou 15 mmHg diastóli-
bém, uma melhor compreensão dos mecanismos que de- ca) acompanhado de proteinúria ou edema, após a 20.ª
sencadeiam e agravam a hipertensão na gravidez, particu- semana de gestação.
larmente pré-eclâmpsia, embora ainda se desconheça sua
etiologia. Esta melhor interpretação fisiopatogênica tem HIPERTENSÃO GESTACIONAL
permitido bases terapêuticas mais eficazes. O diagnóstico O termo hipertensão gestacional define a circunstância
precoce e o correto manuseio clínico destas pacientes evi- em que ocorre elevação da pressão arterial sem proteinú-
tará, em grande medida, o aparecimento de formas clíni- ria na segunda metade da gravidez. É um diagnóstico não-
cas mais graves. específico e provisório que inclui pacientes com pré-
eclâmpsia que ainda não tenham desenvolvido proteinú-
ria, bem como pacientes sem pré-eclâmpsia, mas o diag-
Definição nóstico diferencial só poderá ser feito no período pós-par-
O diagnóstico de hipertensão na gravidez é feito quan- to. Se a pré-eclâmpsia não se desenvolver e a pressão arte-
do os níveis pressóricos são iguais ou superiores a 140/90 rial voltar ao normal até 12 semanas após o parto, o diag-
mmHg. nóstico de hipertensão transitória da gestação pode ser
feito. Se a hipertensão persiste, caracteriza-se o diagnósti-
co de hipertensão crônica.
Classificação
PRÉ-ECLÂMPSIA/ECLÂMPSIA Pontos-chave:
Pré-eclâmpsia é uma doença hipertensiva peculiar à
• A gravidez pode ser complicada por quatro
gravidez humana, que ocorre principalmente em primiges-
tas após a 20.ª semana de gestação, mais freqüentemente
formas distintas de hipertensão: 1) pré-
próximo ao termo. Caracteriza-se pelo desenvolvimento eclâmpsia/eclâmpsia (doença hipertensiva
gradual de hipertensão, proteinúria, edema generalizado específica da gravidez); 2) hipertensão crônica,
e, às vezes, alterações da coagulação e da função hepática. de qualquer etiologia; 3) pré-eclâmpsia
A sobreveniência de convulsão define uma forma grave sobreposta a hipertensão crônica ou
chamada eclâmpsia. Em mulheres nulíparas, a incidência nefropatia; e 4) hipertensão gestacional
de pré-eclâmpsia é de aproximadamente 6% nos países (transitória)
desenvolvidos e 2 ou 3 vezes maior em países subdesen- • O diagnóstico de hipertensão na gravidez é
volvidos. feito quando os níveis pressóricos são iguais
O nível de proteinúria é considerado anormal quando
ou superiores a 140/90 mmHg
superior a 300 mg/24 horas ou pelo menos 2+ em análise
qualitativa. Na maioria das vezes a proteinúria é uma • Pré-eclâmpsia é uma doença hipertensiva
manifestação tardia da pré-eclâmpsia; portanto, uma abor- peculiar à gravidez humana, que ocorre
dagem clínica apropriada deve tratar como pré-eclâmpti- principalmente em primigestas após a 20.ª
cas mulheres grávidas com hipertensão de novo, mesmo semana de gestação, mais freqüentemente
antes de a proteinúria desenvolver-se. Edema ocorre nor- próximo ao termo
malmente no curso da gravidez e sua presença isolada não • Hipertensão crônica se refere à presença de
é um critério diagnóstico útil de pré-eclâmpsia, embora a hipertensão antes da gravidez ou da 20.ª
vasta maioria das mulheres com pré-eclâmpsia apresente semana de gestação
edema, particularmente nas mãos e na face.
548 Hipertensão na Mulher

Pré-eclâmpsia A2, parece aumentar durante a pré-eclâmpsia, enquanto a


de vasodilatadores, como endothelium-derived relaxing fac-
CURSO CLÍNICO tor (EDRF) e prostaciclina, parece diminuir, ambas compa-
Pré-eclâmpsia, especialmente quando sobreposta a hi- radas com a gravidez normal, sugerindo que uma função
pertensão crônica, é a forma de hipertensão na gravidez endotelial alterada pode ser de significante importância
que mais ameaça a mãe e o feto. A evolução da pré-eclâmp- fisiopatológica na pré-eclâmpsia.4
sia é imprevisível, mesmo quando a pressão arterial está A lesão renal da pré-eclâmpsia pode ser responsável
apenas discretamente elevada. Por isso, uma falha em pela aumentada excreção protéica bem como pela diminui-
reconhecê-la pode ter sérias conseqüências. A pré-eclâmp- ção na filtração glomerular e no clearance de ácido úrico, o
sia pode progredir para eclâmpsia (convulsão) ou para último causando hiperuricemia. Desde que o ritmo de fil-
uma forma intermediária, chamada iminência de eclâmp- tração glomerular e o clearance de ácido úrico aumentam
sia, que é caracterizada por cefaléia intensa, distúrbio vi- normalmente durante a gravidez, níveis séricos de creati-
sual, hiper-reflexia, dor epigástrica e hemoconcentração. nina e ácido úrico superiores a 0,9 e 5 mg/dl, respectiva-
Algumas vezes, entretanto, as convulsões eclâmpticas ocor- mente, são considerados anormais em mulheres grávidas
rem subitamente, sem aviso, em uma paciente aparente- e requerem avaliação complementar.5
mente assintomática ou com discreta elevação da pressão A excreção renal de sódio diminui na pré-eclâmpsia,
arterial. Por isso, a pré-eclâmpsia — independentemente causando retenção hidrossalina, embora formas graves da
da gravidade aparente — representa sempre um risco po- doença possam ocorrer na ausência de edema. A maior
tencial para a mãe e o feto. parte do fluido retido se localiza no espaço intersticial;
Uma variante da pré-eclâmpsia, denominada síndrome assim, mesmo na presença de edema, pacientes pré-
HELLP,2 constitui uma emergência que, na maioria das eclâmpticas apresentam diminuição do volume intravas-
vezes, requer a interrupção da gravidez. Entretanto, em cular e hemoconcentração. Os níveis de albumina circulan-
pacientes apresentando apenas discreta elevação da pres- tes podem ser baixos, não devido à perda renal ou disfun-
são arterial, pequena diminuição do número de plaquetas, ção hepática, mas em decorrência do extravasamento de
modesta elevação das enzimas hepáticas e nenhuma alte- proteína para o interstício (capillary leak). Enquanto a mai-
ração da função renal, uma conduta conservadora pode ser oria dos casos de edema agudo de pulmão observado em
considerada, sabendo-se, entretanto, que esta forma de pré- grávidas hipertensas se deve à sobrecarga de volume, al-
eclâmpsia pode evoluir rapidamente para uma condição gumas pré-eclâmpticas apresentam quadro semelhante à
ameaçadora, com intensa hemólise, alterações da coagu- síndrome da angústia respiratória aguda, com pressão ca-
lação e elevação descomunal (⬎2000 UI) dos níveis de tran- pilar pulmonar normal ou baixa, intensa diminuição da
saminases. A hipertensão pré-eclâmptica freqüentemente de- pressão oncótica plasmática e eventual comprometimen-
saparece dentro de duas a seis semanas após o parto. to da extração de oxigênio.6 Diminuição do número de
plaquetas e dos níveis de antitrombina III pode preceder a
ETIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA expressão clínica da pré-eclâmpsia. Há sugestões de que
A pré-eclâmpsia é uma doença de etiologia desconhe- elevações súbitas nos níveis de ferro sérico ou carboxiemo-
cida, que envolve virtualmente cada órgão e sistema do
organismo. Há grande aumento na resistência vascular Pontos-chave:
periférica e hiper-reatividade a vasoconstritores, negando
a vasodilatação e a refratariedade vascular próprias da • A pré-eclâmpsia pode progredir para
gravidez normal.3 Alguns eventos fisiopatológicos, inclu- eclâmpsia (convulsão) ou para uma forma
indo placentação anormal e hipersensibilidade vascular, intermediária, chamada iminência de
podem ocorrer semanas ou meses antes do reconhecimento eclâmpsia, que é caracterizada por cefaléia
clínico da doença.
intensa, distúrbio visual, hiper-reflexia, dor
O caráter sistêmico da pré-eclâmpsia pode ser causado
epigástrica e hemoconcentração
por extensa disfunção endotelial, vasoespasmo e ativação
variável dos mecanismos de coagulação. Efetivamente, • Uma variante da pré-eclâmpsia,
existem evidências bioquímicas e morfológicas de que a denominada síndrome HELLP, constitui
pré-eclâmpsia é precedida e/ou acompanhada por lesão uma emergência
endotelial. O endotélio vascular elabora uma miríade de • Esta forma de pré-eclâmpsia pode evoluir
moléculas vasoativas, que contribuem criticamente para a rapidamente para uma condição
regulação do tônus, permeabilidade e coagulação vascu- ameaçadora, com intensa hemólise,
lares, e cujas ações ou concentrações tendem a se alterar alterações da coagulação e elevação
em direções opostas durante a gravidez normal ou pré-
descomunal (⬎2000 UI) dos níveis de
eclâmpsia. Assim, a produção relativa de vasoconstritores
transaminases
mediados pelo endotélio, como endotelina e tromboxane
capítulo 29 549

globina circulantes podem ajudar na diferenciação entre elevações da pressão arterial no terceiro trimestre repre-
pré-eclâmpsia e outras formas de hipertensão na gravidez.7 sentam o aumento fisiológico esperado ou o início de pré-
Pode-se concluir que a pré-eclâmpsia é, na realidade, eclâmpsia.
uma doença generalizada, sendo a hipertensão apenas uma Todas as pacientes hipertensas grávidas devem ser se-
de suas manifestações. Observam-se lesões em vários ór- guidas de perto. Na maioria delas, a pressão arterial dimi-
gãos, incluindo cérebro, fígado e coração. Há também di- nuirá no segundo trimestre, devido à vasodilatação fisio-
minuição na perfusão placentária, o que responde, em lógica da gravidez, e conseqüente redução na dose ou sus-
parte, pela aumentada incidência de retardo de crescimen- pensão da medicação anti-hipertensiva pode ser necessá-
to intra-uterino e de perda fetal. A restrição ao fluxo pla- ria. A incidência de pré-eclâmpsia superajuntada se eleva
centário provavelmente se deve ao estreitamento dos va- exponencialmente, podendo acometer até 50% destas pa-
sos deciduais por uma lesão específica chamada aterose.8 cientes. Embora seja difícil prever quem desenvolverá pré-
eclâmpsia, a ausência de redução da pressão arterial no
PROPEDÊUTICA segundo trimestre é um mau sinal prognóstico.
HIPERTENSÃO TARDIA (APÓS A 20.ª SEMANA DE
Avaliação Pré-concepcional
GESTAÇÃO). Quando a hipertensão surge após a 20.ª se-
Mulheres hipertensas que desejam engravidar devem
mana da gravidez, o diagnóstico pode ser pré-eclâmpsia,
ser cuidadosamente avaliadas antes da concepção. A pos-
hipertensão transitória ou hipertensão crônica com ou sem
sibilidade de hipertensão secundária deve ser investigada,
pré-eclâmpsia superajuntada. Em mulheres com hiperten-
porque pacientes com doença renal, feocromocitoma ou
são crônica leve, a hipertensão pode não ser observada até
hipertensão renovascular têm maiores riscos de complica-
o terceiro trimestre, quando a pressão arterial recupera os
ções durante a gravidez. Drogas anti-hipertensivas cujo uso
níveis pré-gestacionais. A hipertensão transitória e a hiper-
não seja recomendado durante a gravidez, especialmente
tensão crônica não-complicada são situações relativamen-
os inibidores da enzima conversora da angiotensina e os
te benignas, em contraste com pré-eclâmpsia (pura ou
bloqueadores dos receptores da angiotensina II, devem ser
superajuntada), que é potencialmente grave. A síndrome
suspensas. A evolução é favorável na maioria dos casos de
HELLP designa uma constelação de anormalidades labo-
hipertensão essencial leve a moderada, mas há riscos de
pré-eclâmpsia superajuntada, e outras complicações, se ratoriais indicativas de gravidade e, quando presente, a
doença renal, diabetes ou colagenose estiverem associadas. interrupção da gestação é desejável. É importante saber,
Em pacientes com doença renal acompanhada de hiperten- entretanto, que estas alterações podem estar presentes a
são arterial, além da maior morbidade e mortalidade peri- despeito de modestas cifras hipertensivas.
natal, a função renal materna pode deteriorar-se rápida e Uma vez estabelecido o diagnóstico de pré-eclâmpsia,
irreversivelmente. a paciente deve ser hospitalizada para monitorização das
condições maternas e fetais. Se o diagnóstico for incerto,
também é mais seguro internar a paciente, permitindo que
Avaliação Durante a Gestação
as alterações clínicas e laboratoriais possam ser apreciadas
HIPERTENSÃO PRECOCE (ANTES DA 20.ª SEMA-
antes de as condições clínicas deteriorarem.
NA DE GESTAÇÃO). A maioria das mulheres com hiper-
tensão presente antes da 20.ª semana de gestação tem hi-
pertensão crônica, primária na maioria das vezes. Algumas Avaliação Após o Parto
já terão sido avaliadas para hipertensão secundária antes Embora a interrupção da gravidez seja considerada a
da gravidez. Outras sequer sabiam ser hipertensas. A pos- única forma de “cura efetiva” da pré-eclâmpsia, a pressão
sibilidade de hipertensão secundária deve ser considera- arterial pode não se normalizar por dias ou semanas após
da, principalmente se a hipertensão é moderada ou grave. o parto.
Desde que o feocromocitoma está associado com alta mor- Em geral, quanto mais intensa e duradoura a hiperten-
talidade materna quando não diagnosticado, sua presen- são antes do parto, mais tardiamente se dará a normaliza-
ça deve ser avaliada, mesmo se a suspeição clínica for mí- ção. Em alguns casos, a pressão arterial pode ser mesmo
nima. Doença renal, colagenose, aldosteronismo primário mais alta na primeira semana do puerpério do que no pe-
e feocromocitoma podem ser detectados em exames de ríodo anterior ao parto. As alterações laboratoriais também
sangue e urina. Hipertensão renovascular e síndrome de podem demorar vários dias para reverter. Em alguns ca-
Cushing dificilmente são diagnosticadas durante a gravi- sos de síndrome HELLP, o número de plaquetas continua
dez e, na maioria das vezes, são investigadas apenas após a diminuir nos primeiros dois dias após o parto, para, en-
o parto. tão, normalizar-se progressivamente. Embora raramente,
A avaliação basal da função renal e do número de pla- a pré-eclâmpsia pode desenvolver-se no puerpério imedi-
quetas deve ser realizada precocemente no curso da gra- ato ou ser diagnosticada durante o parto. Se a hipertensão
videz, para que possa ser comparada com valores obtidos persistir além de seis semanas após o parto, um diagnósti-
em fases posteriores da gestação e ajudar a determinar se co de hipertensão crônica deve ser considerado.
550 Hipertensão na Mulher

dar o parto. Deve-se ter em mente, entretanto, que a pré-


Pontos-chave:
eclâmpsia não remite espontaneamente e, na maioria dos
• A maioria das mulheres com hipertensão casos, a doença progride com o tempo. Assim, monitori-
presente antes da 20.ª semana de gestação zação com vigilância materna e fetal diária é imperativa.
tem hipertensão crônica, primária na maioria Independentemente da idade gestacional, a interrupção da
gestação deve ser considerada na presença de sofrimento
das vezes
fetal (incluindo crescimento intra-uterino retardado), ou
• A avaliação basal da função renal e do
sinais de risco materno, como hipertensão grave não con-
número de plaquetas deve ser realizada trolada, hemólise, elevação de enzimas hepáticas e plaque-
precocemente no curso da gravidez topenia (síndrome HELLP), evidência de deterioração da
• A síndrome HELLP designa uma função renal, distúrbios visuais, dor epigástrica e hiper-
constelação de anormalidades laboratoriais reflexia.
indicativas de gravidade
TRATAMENTO ANTI-HIPERTENSIVO
O uso de medicação anti-hipertensiva na pré-eclâmp-
TRATAMENTO sia é controverso, devido à constatação de que o fluxo
sangüíneo útero-placentário está diminuído na pré-
eclâmpsia e o impacto da diminuição da pressão arte-
Pré-eclâmpsia rial sobre a perfusão placentária não é bem conhecido.
Desde que a redução da pressão arterial não interfira na
O tratamento definitivo da pré-eclâmpsia consiste em
fisiopatologia da pré-eclâmpsia, o tratamento anti-hi-
interrupção da gravidez e prevenção das complicações
pertensivo deveria ser prescrito visando apenas à pro-
maternas. Se não tratada, a pré-eclâmpsia se associa a maior
teção materna. Há considerável desacordo sobre que
risco de morte fetal e neonatal. Em pacientes que progri-
níveis de pressão arterial deveriam ser tratados, mas em
dem para pré-eclâmpsia grave ou eclâmpsia (convulsões),
geral se inicia a terapêutica anti-hipertensiva quando a
morte materna pode ocorrer, devido, principalmente, a
pressão arterial diastólica é igual ou superior a 105 mmHg
hemorragia intracerebral.
(fase V de Korotkoff).1 Redução excessiva da pressão
Hipertensão grave persistente (diastólica acima de
arterial deve ser evitada, para não comprometer o flu-
110 mmHg), cefaléia, distúrbios visuais, deterioração da
xo sangüíneo útero-placentário e, assim, predispor a
função renal e síndrome HELLP são outros sinais de
complicações tais como o descolamento prematuro da
doença grave que requerem a imediata interrupção da placenta.
gravidez. O manuseio conservador em tais casos pode Quando o parto é iminente, a droga de primeira esco-
resultar em sérias complicações maternas. Em casos lha ainda é a hidralazina endovenosa, administrada na
menos graves, entretanto, o retardamento do parto pode dose de 5 mg. Doses subseqüentes são ditadas pela res-
ser adotado para se obter maior maturidade fetal. Tal posta inicial e usadas a intervalos de 20 minutos. Se um
conduta deve ser considerada se a pré-eclâmpsia se de- total de 20 mg for administrado sem resposta terapêuti-
senvolve precocemente (antes da 32.ª semana) e a hiper- ca satisfatória, outros agentes devem ser considerados.
tensão é discreta/moderada, as funções renal e hepáti- A administração oral de bloqueadores de canais de cál-
ca são estáveis e não há distúrbios da coagulação ou cio tem sido utilizada na pré-eclâmpsia, e embora haja
sofrimento fetal. atrativos nesta opção, tais como a eficácia anti-hiperten-
A abordagem terapêutica consiste em hospitalização siva, a facilidade da administração e o rápido início de
com repouso no leito, controle da pressão arterial, profila- ação, a experiência na gravidez ainda não é suficiente-
xia da convulsão (quando sinais de eclâmpsia iminente mente ampla. Uma outra preocupação a respeito destes
estão presentes) e o apropriado término da gestação. A agentes é relacionada ao uso concomitante de sulfato de
intervenção terapêutica é paliativa e não altera a fisiopa- magnésio, que freqüentemente é utilizado para prevenir
tologia da pré-eclâmpsia; quando muito, pode retardar sua convulsões.
progressão. Se já houver maturidade pulmonar fetal, a Os inibidores da enzima conversora da angiotensina e
gravidez deve ser interrompida, uma vez que a pré- os bloqueadores dos receptores da angiotensina II podem
eclâmpsia é completamente reversível e começa a desapa- agravar a isquemia uterina e causar insuficiência renal no
recer com o parto. As dificuldades aumentam quando a feto e são contra-indicados durante a gestação.
pré-eclâmpsia se desenvolve antes da maturidade fetal, Quando a decisão for contemporizar, um agente oral é
situação em que é difícil decidir a época adequada do par- preferível. Deve-se ter em mente que a terapêutica anti-
to. Se o feto for muito prematuro (<30 semanas), a pressão hipertensiva visa, principalmente, ao benefício materno. A
arterial for apenas moderadamente elevada e não houver vantagem potencial para o feto é que o controle da pres-
outros sinais de gravidade materna, pode-se tentar retar- são arterial pode permitir a continuidade da gravidez até
capítulo 29 551

um ponto onde haja maior maturidade fetal. A metildopa


é considerada por muitos como a melhor opção, face à HIPERTENSÃO CRÔNICA
ampla experiência com esta droga.9 Se ela não for bem to-
A grande maioria das pacientes com hipertensão crôni-
lerada, beta-bloqueadores, alfa-beta-bloqueadores, bloque-
ca na gravidez apresenta discreta ou moderada elevação
adores de canais de cálcio e hidralazina são boas opções
da pressão arterial e, portanto, os riscos de complicações
aditivas ou alternativas.
vasculares durante a gravidez são pequenos. Devido à
vasodilatação fisiológica da gravidez, em muitas mulhe-
PREVENÇÃO res grávidas a medicação anti-hipertensiva pode ser redu-
A descoberta da prevenção da pré-eclâmpsia revoluci- zida, e em alguns casos retirada, desde que estas pacien-
onaria o acompanhamento pré-natal e salvaria muitas vi- tes sejam cuidadosamente acompanhadas.
das maternas e fetais, principalmente em países subdesen- Pacientes com hipertensão crônica têm maior chance de
volvidos, onde as conseqüências da pré-eclâmpsia são desenvolver pré-eclâmpsia superajuntada e há indícios de
devastadoras. No passado, a restrição dietética de sal e a que o aumento da morbidade e da mortalidade perinatal
administração profilática de diuréticos foram utilizadas associada com hipertensão crônica seja devido a esta com-
com esta finalidade. Entretanto, não há evidências consis- plicação.10 Até o momento não existem evidências de que
tentes de que a limitação do sódio dietético modifique a a terapêutica anti-hipertensiva reduza a incidência de pré-
incidência ou a intensidade da pré-eclâmpsia, e as orien- eclâmpsia superajuntada; portanto, nenhuma medicação
tações nutricionais atuais recomendam conteúdo normal deveria ser prescrita com esta finalidade. Com respeito ao
de sal durante a gestação. Uma metaanálise de estudos bem-estar fetal, permanece controverso se há algum bene-
randomizados de mais de 7.000 mulheres encontrou se- fício do tratamento anti-hipertensivo. Redução excessiva
melhante incidência de pré-eclâmpsia entre pacientes que da pressão arterial deve ser evitada. Se a pressão diastóli-
receberam diurético profilático ou placebo. Duas outras ca no primeiro trimestre estiver entre 90 e 100 mmHg, é
tentativas de prevenir a pré-eclâmpsia são a dose baixa de razoável aguardar a queda fisiológica da pressão arterial
aspirina (60 a 100 mg/dia, começando na 12.ª semana de no segundo trimestre, antes da utilização de anti-hiperten-
gestação) e a suplementação dietética de cálcio (aproxima- sivos. Se a pressão diastólica for inferior a 90 mmHg em
damente 2 g/dia) durante a gravidez. Revisões sistemáti- uma paciente já em uso de drogas no início da gravidez, a
cas têm sugerido que a aspirina tem um pequeno efeito medicação pode ser diminuída, ou eventualmente suspen-
na prevenção de pré-eclâmpsia e que a suplementação oral sa. O tratamento anti-hipertensivo deve ser instituído ou
de cálcio em pacientes de alto risco e com baixa ingesta reiniciado quando a pressão arterial diastólica estiver re-
dietética de cálcio também reduz a incidência de pré- petidamente maior do que 100 mmHg.
eclâmpsia.

Pontos-chave: Tratamento Não-farmacológico


• O tratamento definitivo da pré-eclâmpsia Durante a gravidez, a abordagem não-farmacológica da
consiste em interrupção da gravidez e hipertensão arterial consiste em restrição genérica das ati-
vidades. Estratégias como perda de peso e exercícios não
prevenção das complicações maternas
são recomendadas durante a gravidez, mas se uma mulher
• A abordagem terapêutica consiste em
é obesa e está planejando uma gravidez, redução de peso
hospitalização com repouso no leito, antes da gravidez é desejável. Restrição de sódio é reco-
controle da pressão arterial, profilaxia da mendada apenas para aquelas mulheres que se têm bene-
convulsão (quando sinais de eclâmpsia ficiado desta medida antes da gravidez. Desde que a su-
iminente estão presentes) e o apropriado pervisão médica seja estrita, a monitorização da pressão ar-
término da gestação terial em domicílio pode ajudar no seu efetivo controle.
• Em geral se inicia a terapêutica anti-
hipertensiva quando a pressão arterial
diastólica é igual ou superior a 105 mmHg Tratamento Anti-hipertensivo
• Os inibidores da enzima conversora da Se a decisão for diminuir a pressão arterial com medi-
angiotensina e os bloqueadores dos cação anti-hipertensiva, deve-se combinar a eficácia anti-
receptores da angiotensina II podem hipertensiva com o mínimo de efeitos sobre o feto. Nova-
agravar a isquemia uterina e causar mente, a droga mais amplamente utilizada na gravidez é
insuficiência renal no feto e são contra- a metildopa. Se a resposta à metildopa não for satisfatória,
indicados durante a gestação ou se a droga for mal tolerada, há várias alternativas acei-
táveis. Beta-bloqueador e alfa-beta-bloqueador são rela-
552 Hipertensão na Mulher

tivamente seguros e eficazes durante a gravidez, mas es- for suspenso, a pressão arterial retorna ao normal na maio-
tão associados com retardo de crescimento intra-uterino ria parte das vezes.
quando usados no início da gravidez. Como os bloquea- Ainda que a grande maioria das usuárias dos contracep-
dores de canais de cálcio ainda não foram estudados sufi- tivos orais contendo estrogênio mantenha-se normotensa,
cientemente na gravidez para serem recomendados como algumas podem apresentar elevação da pressão arterial, e
agentes de primeira linha, eles têm sido utilizados como seu uso parece estar associado à maior incidência de hiper-
drogas de segunda linha, em adição à metildopa ou beta- tensão arterial, ocorrendo em 5% daquelas que o tomam
bloqueadores. Embora os diuréticos não sejam recomen- por cinco anos.16 Walsh et al. mostraram que o risco relati-
dados em mulheres com pré-eclâmpsia, se uma mulher vo de desenvolver hipertensão foi 50% maior entre as usu-
grávida com hipertensão crônica vem sendo tratada satis- árias do que entre as não-usuárias, correspondendo a 41
fatoriamente com estes agentes antes da gravidez, não é ne- casos por 10 mil mulheres/ano.17 Mulheres que tiveram
cessário suspendê-los, mas, se possível, a dose deve ser re- pré-eclâmpsia parecem mais propensas a desenvolver hi-
duzida. Os inibidores da ECA e os bloqueadores do recep- pertensão, assim como aquelas com hipertensão primária.18
tores da angiotensina II devem ser evitados durante a gra- As indicações e contra-indicações médicas para a pres-
videz. Embora não tenham sido observados efeitos terato- crição de contraceptivos orais podem ser resumidas em
gênicos em seres humanos, o uso destes agentes, no segun- quatro conceitos:19
do e terceiro trimestres, tem sido associado à insuficiência 1. Os contraceptivos orais são seguros e as formulações
renal aguda nos neonatos. atualmente disponíveis, com estrogênios em baixa
Poucas informações são disponíveis a respeito dos efei- dose, tornaram muito pequeno o risco de induzir
tos da ingestão materna de drogas anti-hipertensivas so- hipertensão.
bre o aleitamento. Deve ser assumido que a maioria dos 2. A pacientes com histórico de hipertensão recomen-
agentes será detectada no leite materno, embora não sejam da-se considerar o nível pressórico e o diagnóstico
conhecidos seus efeitos sobre o recém-nascido. Se a pres- etiológico. Se a hipertensão for leve/moderada, o uso
são arterial estiver apenas discretamente elevada, pode ser geralmente não é recomendado, a não ser que não se
possível retirar a medicação por alguns meses. Se a hiper- disponha de outro método anticoncepcional adequa-
tensão for mais grave, a medicação deve ser mantida, mas do. Para os casos de hipertensão grave ou doença
se múltiplos agentes forem necessários, o aleitamento vascular diagnosticada, o método é contra-indicado.
materno não é recomendado. 3. Usuárias de contraceptivos orais devem ter sua pres-
são arterial medida a cada seis meses. Se houver au-
mento significativo, a medicação deve ser suspensa,
HIPERTENSÃO E optando-se por outros métodos contraceptivos. O
CONTRACEPTIVOS ORAIS tratamento farmacológico deve ser considerado se a
pressão não se normalizar três meses após a suspen-
Estima-se que 100 milhões de mulheres em todo o mun- são. Não havendo outra opção anticoncepcional, a
do utilizem contraceptivos orais.11 terapia anti-hipertensiva deve ser instituída.
Apesar das inegáveis vantagens do emprego e de ser o 4. Os contraceptivos orais não devem ser prescritos a
método anticoncepcional reversível mais eficaz, alguns mulheres tabagistas acima de 35 anos ou com diag-
efeitos adversos têm sido relatados, como o risco aumen- nóstico prévio de lúpus eritematoso ou doença trom-
tado de tromboembolismo venoso relacionado ao compo- boembólica. Podem ser utilizados em diabéticas, nas
nente estrogênico e de sangramentos associados ao com- obesas, nas portadoras de anemia falciforme, e deve-
ponente progestogênico dos contraceptivos orais,12 e, con- se ter cautela naquelas com enxaqueca.
seqüentemente, de acidente vascular cerebral e de infarto Os mecanismos envolvidos na gênese da hipertensão
agudo do miocárdio,13 além do risco de desenvolver hiper- arterial induzida pelos contraceptivos orais ainda não es-
tensão arterial,14 embora com as formulações de baixas tão bem estabelecidos. Alterações no sistema renina-angi-
dosagens esses riscos tenham sido atenuados. otensina-aldosterona, na sensibilidade à insulina e no trans-
Hipertensão arterial tem sido diagnosticada entre 1 e 6% porte eritrócito-cátion têm sido imputados tanto ao com-
das mulheres jovens. Se um contraceptivo oral é efetivo e ponente estrogênico quanto ao progestogênico.19 Os con-
bem tolerado, mas a pressão arterial da mulher torna-se traceptivos orais com altas doses podem aumentar o peso
elevada, continuar a utilizá-lo e iniciar o tratamento com corporal, o volume plasmático e o débito cardíaco. Além
anti-hipertensivos pode não estar contra-indicado, especi- disso, os estrogênicos aumentam a síntese hepática do
almente se não houver gravidez planejada ou outros mé- substrato da renina, induzindo a expressão do mRNA do
todos mais adequados não estiverem disponíveis ou forem angiotensinogênio,20 que se acompanha de um aumento da
considerados inaceitáveis, ou ainda se os riscos da gravi- atividade total da renina.21 Porém, como não têm sido ob-
dez foram maiores que os da hipertensão.15 Porém, se o uso servadas diferenças significativas no grau dessas alterações
capítulo 29 553

do sistema renina-angiotensina-aldosterona entre mulhe- proteínas da coagulação e/ou diminuição das proteínas
res que se mantêm normotensas e naquelas que desenvol- fibrinolíticas).
vem hipertensão, não está evidente a sua contribuição na Dois efeitos vasculares mediados por estrogênio são
gênese da elevação da pressão arterial. reconhecidos:
Em resumo, apesar da baixa incidência de hipertensão
a) vasodilatação rápida, transitória, ocorre minutos
arterial entre as usuárias de contraceptivos orais, a pronta
após exposição ao estrogênio, independentemente de
identificação e conduta minimizam ou eliminam os even-
alterações na expressão gênica.30 Esta vasodilatação
tuais efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular.
parece ser devida à ativação da enzima óxido nítrico
sintetase endotelial, mediada pelo receptor estrogê-
nico alfa, sem significado fisiológico estabelecido.
HIPERTENSÃO E TERAPIA DE b) os efeitos de longo prazo do estrogênio nos vasos, tais
REPOSIÇÃO HORMONAL como os relacionados à limitação no desenvolvimen-
to de lesões ateroscleróticas ou lesões vasculares,
Dados clínicos e epidemiológicos demonstram clara- ocorrem horas a dias após tratamento estrogênico e
mente um padrão de dismorfismo sexual no desenvolvi- têm representado as alterações fundamentais na ex-
mento da doença cardiovascular em humanos.29 A incidên- pressão gênica vascular.
cia de doença cardiovascular é baixa em mulheres pré- É importante salientar que progesterona e outros recep-
menopausadas, mas aumenta acentuadamente após a tores hormonais também são expressos nos vasos; no en-
menopausa. A doença coronariana é a principal causa de tanto seu papel no desenvolvimento da doença cardiovas-
mortalidade e significante causa de morbidade entre as cular não está definido. Até o momento, a somatória de
mulheres. A hipertensão arterial tem forte associação com efeitos genômicos e não-genômicos de relevância clínica da
doença coronariana tanto em homens quanto em mulhe- TRH/TRE não é clara.
res e é um dos mais importantes fatores de risco modificá-
veis para doença coronariana.
Os efeitos da terapia de reposição hormonal (TRH) Menopausa, Terapia de Reposição
sobre a pressão arterial não são tão claros quanto os efei- Hormonal e Doença Cardiovascular
tos dos contraceptivos orais. Uma associação entre repo-
sição estrogênica (TRE) e hipertensão foi primeiro relata- Estudos experimentais e metaanálise de estudos obser-
da nos anos 70 e até recentemente considerava-se a pre- vacionais mostram redução de até 50% no risco de doença
sença de hipertensão uma contra-indicação à TRH. Entre- cardiovascular em mulheres pós-menopausadas em uso de
tanto, dados de novos estudos sugerem que o risco de hi- TRH.31 Entretanto, todos os estudos clínicos têm em co-
pertensão devido à TRH é baixo, e alguns estudos têm mum sérias limitações, por apresentarem importantes vi-
mesmo documentado diminuição na pressão arterial na eses de seleção: mulheres em uso de TRH tendem a ser mais
vigência de TRH. saudáveis, mais bem-educadas, mais atentas e aderentes
a estratégias de mudanças de estilo de vida, para reduzir
os riscos para doença cardiovascular e para terem melho-
Fundamentos Biológicos do Papel do res cuidados com sua saúde.
Estrogênio na Doença Cardiovascular O Postmenopausal Estrogen/Progestogen Interventions
(PEPI) Trial32 é um estudo prospectivo, randomizado, du-
É sabido que células cardiovasculares, tecidos reprodu- plo-cego, controlado com placebo, patrocinado pelos US
tivos, ossos, fígado e cérebro expressam receptores alfa e National Institutes of Health, que avaliou as diferenças
beta de estrogênios. Estes receptores são importantes al- entre placebo, estrogênio não oposto (isolado), estrogênio/
vos para estrogênio endógeno, terapia de reposição estro- progestogênio sobre fatores de risco selecionados para
gênica e agonistas farmacológicos do estrogênio. Os com- doença cardiovascular em mulheres pós-menopausadas
plexos estrogênio/receptores de estrogênio servem como saudáveis. Os objetivos primários foram pressão arterial
fatores de transcrição que promovem a expressão dos ge- sistólica, HDL-colesterol, insulina sérica e fibrinogênio.
nes com muitos efeitos vasculares, incluindo regulação do Após três anos de seguimento, o estrogênio isolado e em
tônus vasomotor e resposta à lesão, que podem ser fatores combinação com progestogênio aumentou os níveis de
protetores contra o desenvolvimento de aterosclerose e HDL, diminuiu os LDL e fibrinogênio, e houve elevação
doenças isquêmicas. Os receptores de estrogênios em ou- dos níveis de pressão arterial sistólica paralela ao aumen-
tros tecidos, tais como fígado, podem mediar tanto efeitos to de peso em todos os grupos de tratamento, mas a pres-
benéficos (tais como alterações na expressão gênica da são arterial diastólica se manteve nos mesmos níveis pré-
apoproteína, que melhora os perfis lipídicos), como efei- tratamento. A ausência de efeito do tratamento sobre os ní-
tos adversos (tais como aumento na expressão gênica das veis pressóricos nestas mulheres normotensas é consistente
554 Hipertensão na Mulher

com relatos anteriores de que a TRH não altera pressão ar-


Pontos-chave:
terial em mulheres pós-menopausadas com hipertensão.33-
35
Os resultados do estudo PEPI fornecem forte evidência • A incidência de doença cardiovascular é
de que estrogênio isolado ou associado a progestogênio tem baixa em mulheres pré-menopausadas, mas
efeito cardioprotetor em mulheres pós-menopausadas, par- aumenta acentuadamente após a menopausa
ticularmente naquelas com doença coronariana preexisten- • Os complexos estrogênio/receptores de
te ou com alto risco para desenvolver doença coronária.
estrogênio servem como fatores de
O estudo Heart and Estrogen/Progestin Replacement
transcrição que promovem a expressão dos
(HERS)36 foi especificamente desenhado para testar a hipó-
tese de que o tratamento com estrogênios conjugados eqüi- genes com muitos efeitos vasculares,
nos 0,625 mg/dia com acetato de medroxiprogesterona 2,5 incluindo regulação do tônus vasomotor e
mg/dia reduziria a incidência combinada de morte por resposta à lesão, que podem ser fatores
infarto do miocárdio e morte por doença coronariana com- protetores contra o desenvolvimento de
parado a placebo em mulheres com história anterior de IM, aterosclerose e doenças isquêmicas
revascularização coronariana ou com evidência angiográ-
fica de doença coronariana (DC). Este foi o primeiro estu-
do clínico de grande escala, randomizado, a avaliar o efei-
to da TRH na prevenção de doença cardiovascular em
DISFUNÇÃO SEXUAL E
mulheres pós-menopausadas. Após quatro anos de segui- HIPERTENSÃO NA MULHER
mento, não houve diferença significativa nos objetivos
primários entre os dois grupos. Numerosas explicações Um aspecto relevante na diferenciação epidemiológica en-
foram propostas para a falta de efeito da TRH no estudo tre homens e mulheres hipertensos é a potencial implicação da
HERS e estas incluem duração inadequada de seguimen- hipertensão arterial e/ou do seu tratamento sobre a função
to, reações adversas do progestogênio utilizado (medroxi- sexual. Fisiologicamente, o desempenho sexual está submeti-
progesterona), efeito bidirecional do estrogênio utilizado do à influência dos hormônios sexuais, da saúde emocional e
(risco a curto prazo e benefício a longo prazo), idade alta física do indivíduo e de muitos outros fatores externos, tais
da população estudada (média: 66,7 anos); preparação como disponibilidade e atratividade do parceiro sexual.
hormonal não adequada (conjugados eqüinos), acaso, etc. O impacto da hipertensão arterial sobre a função sexual
Apenas os dados de seguimento a longo prazo da coorte masculina tem sido apreciado periodicamente na literatura
do estudo HERS poderão fornecer informações adicionais médica, mas esta abordagem permanece pouco explorada
sobre o papel da TRH na prevenção secundária. em mulheres, embora elas correspondam a quase metade
O estudo Estrogen Replacement and Atherosclerosis da população com hipertensão arterial sistêmica. Compro-
(ERA) foi o primeiro estudo randomizado angiográfico a vadamente, a disfunção sexual constitui um dos grandes
testar o efeito da TRH na progressão da aterosclerose em obstáculos para o sucesso da terapêutica anti-hipertensiva
mulheres pós-menopausadas com estenose coronariana em homens, mas ainda há poucas evidências de sua partici-
documentada e não demonstrou benefício da combinação pação em mulheres hipertensas. A escassez destes dados
conjugados eqüinos e acetato de medroxiprogesterona se deve, pelo menos em parte, à dificuldade para se definir
sobre a progressão da doença.37 A generalização destes e avaliar parâmetros objetivos da função sexual feminina.39
achados tem sido questionada, devido à relevância dos Pouco se sabe sobre a freqüência de disfunção sexual en-
objetivos angiográficos, esquema terapêutico utilizado, tre mulheres na população geral e menos ainda sobre a qua-
idade avançada das pacientes (média: 65,8 anos) e tempo lidade sexual naquelas com doenças crônicas, submetidas
entre menopausa e início da TRH (média: 23 anos). ou não a farmacoterapia contínua, mas tem sido aceito que
Tem sido sugerido que os resultados dos estudos de a prevalência de disfunção sexual em uma população do-
prevenção secundária podem não se aplicar a mulheres ente é maior do que a prevalência estimada dentro de uma
mais jovens; entretanto, é menos comum que eventos car- população saudável.40
diovasculares ocorram antes dos 60 anos em mulheres. Permanece controverso se o pequeno conhecimento das
Também é possível que regimes terapêuticos de TRE/TRH influências da hipertensão arterial sobre a função sexual
diferentes dos testados (doses menores, diferentes prepa- feminina pode ser atribuído à ausência de diminuição na
rações hormonais de estrogênio e progestogênio, ou dife- qualidade da função sexual em mulheres hipertensas, se
rentes vias de administração) possam ser benéficos para deve à deficiências metodológicas de investigação ou ain-
prevenção secundária da doença coronariana. Também da se é decorrente da efetiva ausência de causa e efeito da
existe a hipótese de que se a TRH for iniciada precocemente hipertensão e da medicação. Uma revisão clínica, engloban-
após a menopausa, exista a possibilidade de prevenir o do dados a partir de 1970, revelou que os estudos sobre hi-
desenvolvimento da doença coronariana mais facilmente pertensão e outras doenças crônicas freqüentemente negli-
do que prevenir sua progressão uma vez estabelecida.38 genciam informações detalhadas de participantes femininas,
capítulo 29 555

raramente estudam apenas mulheres e envolvem relativa- (http://www.nhlbi.nih.gov/health/prof/heart/hbp/hbp–


preg.htm)
mente poucas mulheres pesquisadoras.41
2. http://hometown.aol.com/HELLP1995/hellp.html
Só recentemente, uma importante avaliação sobre os 3. GANT, N.F.; DELAY, G.L.; CHAND, S.; WHALLEY, P.J.; Mac DO-
efeitos da hipertensão e de seu tratamento sobre a quali- NALD, P.C. A study of angiotensin II pressor response throughout
dade da função sexual feminina foi publicada.42 É um es- primigravid pregnancy. J Clin Invest, 52:2682-2689, 1973.
4. PASCOAL, I.F.; LINDHEIMER, M.D.; NALBANTIAN-BRANDT;
tudo ambulatorial, caso-controle, que investigou a função
UMANS, J.G. Contraction and relaxation abnormalities in resistan-
sexual em mulheres hipertensas com ou sem tratamento ce arteries of preeclamptic women. J Clin Invest, in press.
farmacológico, comparando-as com mulheres normais sem 5. FISHER, K.A.; LUGER, A.; SPARGO, B.H.; LINDHEIMER, M.D.
qualquer outra história médica significativa. Para serem Hypertension in pregnancy: clinical-pathological correlations and
incluídas, as mulheres precisavam ser heterossexuais e remote prognosis. Medicine, 60:267-276, 1981.
6. WALLENBURG, H.C.S. Hemodynamics in hypertensive pregnan-
estar em plena idade reprodutiva. Como a existência ou cy. In: Ruben, P.C. (ed.) Handbook of Hypertension, vol. 10, Hyperten-
não do tratamento anti-hipertensivo não diferiu os resul- sion in Pregnancy. Amsterdam: Elsevier, 1988, pp. 66-101.
tados nas pacientes hipertensas quanto ao desempenho 7. WEINER, C.P.; KWAAN, H.C.; XU, C.; PAUL, M.; BURMEISTER,
sexual, elas foram analisadas como um grupo único. Con- L.; HAUCK, W. Antitrombine III activity in women with hyperten-
sion during pregnancy. Obstet Gynecol, 65:301-305, 1985.
clusivamente, em comparação com mulheres normais, as 8. PIJNEMBORG, R. Trophoblast invasion and placentation in the
pacientes com hipertensão arterial relataram menor lubri- human: morphological aspects. Trophlobast Res, 1990; 4:33-37.
ficação vaginal, diminuição no número de orgasmos e 9. COCKBURN, J.; MOAR, V.A.; OUNSTED, M.; REDMAN, C.W.G.
maior freqüência de dores durante as relações sexuais. No Final report of study on hypertension during pregnancy: the effects
of specific treatment on the growth and development of the children.
mesmo estudo, os aspectos emocionais da função sexual Lancet, 1982; 1:647-649.
em mulheres com hipertensão arterial não pareceram com- 10. SIBAI, B.M.; LINDHEIMER, M.D.; HAUTH, J.; CARITIS, S.;
prometidos. Um achado incidental mostrou menor êxito VANDORSTEN, P.; KLEBANOFF, M.; MacPHERSON, C.; LAN-
na obtenção de orgasmo entre fumantes, mas este achado DON, M.; MIODOVNIK, M.; PAUL, R.; MEIS, P.; DOMBROWSKI,
M. Risk factors for preeclampsia, abruptio placentae, and adverse
não foi associado com a idade nem com a hipertensão. neonatal outcomes among women with chronic hypertension. N
É possível que a maior incidência de dor e a menor fre- Engl J Med, 1998; 339:667-671.
qüência de orgasmo sejam função da diminuição da lubri- 11. HANNAFORD, P. Health consequences of combined oral contra-
ficação vaginal. Considerando-se que a lubrificação vagi- ceptives. Br Med Bull, 2000; 56(3):749-60.
12. MENDELSON, M.A. Gynecologic and obstetric issues in the
nal, como a ereção, ocorre na fase inicial da atividade se- adolescent with heart disease. Adolesc Med, 2001; 12(1):163-74.
xual, a ausência de lubrificação em mulheres pode corres- 13. BUSH, T.L. The adverse effects of hormonal therapy — a risk for
ponder à disfunção erétil masculina, uma analogia biolo- developing cardiovascular risk factors and adverse effects of risk
gicamente plausível. Por essa razão, mulheres hiperten- factor reduction. Cardiology Clinics, 1986; 4(1):145-52.
14. SPEROFF, L. The impact of oral contraception on cardiovascular
sas devem ser ativamente avaliadas quanto à presença de disease. Cardiovasc Risk Factors, 1996; 6:84-93.
ressecamento vaginal, uma vez que este problema pode ser 15. MAGEE, L.A. Treating hypertension in women of childbearing age
remediado pelo uso de agentes lubrificantes comercialmen- and during pregnancy. Drug Saf, 2001; 24(6):457-74.
te disponíveis. 16. WHO collaborative study of cardiovascular disease and steroid
hormone contraception. Acute myocardial infarction and combined
Se a disfunção sexual se desenvolve ou se agrava após oral contraceptives. Lancet, 1997; 349:1202-9.
o início da terapia anti-hipertensiva, a droga deve ser sus- 17. WALSH, B.W.; SACKS, F.M. Effects of low dose oral contraceptives
pensa ou substituída. on very low density lipoprotein metabolism. J Clin Invest, 1993;
91:2126-32.
18. NARKIEWICZ, K.; GRANIERO, G.R.; DIESTE, D. Ambulatory
Pontos-chave: blood pressure in mild hypertensive women taking oral contracep-
tives. Am J Hypertens, 1995; 8:249-53.
• Pacientes com hipertensão arterial têm 19. ABRAHÃO, S.B.; MION Jr., D. Hipertensão arterial e contracepti-
vos orais. Rev Bras Hipertensão, 2000; 7(4):292-95.
menor lubrificação vaginal, diminuição no 20. GORDON, M.S.; CLIN, W.W.; SHUPNIK, M.A. Regulation of
número de orgasmos e maior freqüência de angiotensinogen gen expression by estrogen. J Hypertens, 1992;
dores durante as relações sexuais 10:361-6.
21. DERKX, F.H.M.; STUENKER, C.; SCHALEKAMP, M.P.A. Immuno-
• Mulheres hipertensas devem ser ativamente reactive renin, prorenin and enzymatically active renin in plasma
avaliadas quanto à presença de during pregnancy and in women taking oral contraceptives. J Clin
ressecamento vaginal Endocrinol, 1986; 63:1008-15.
22. GODSLAND, I.F.; WYNN, V.; CROOK, D.; MILLER, N.E. Sex, plas-
ma lipoproteins and atherosclerosis: Prevailing assumptions and
outstanding questions. Am Heart J, 1987; 114:1467-1503.
23. MENDELSOHN, M.E.; KARAS, R.H. The protective effects of
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS estrogen on the cardiovascular system. N Engl J Med, 1999; 340:1801-
1811.
1. Report of the National High Blood Pressure Education Program 23. GRADY, D.; RUBIN, S.M.; PERITTI, D.B. et al. Hormone therapy
Working Group on High Blood Pressure in Pregnancy. Am J Obstet prevent disease and prolongs life in postmenopausal women. Ann
Gynecol, 2000; 183:S1-S22. Intern Med, 1992; 117:1016-1037.
556 Hipertensão na Mulher

24. PEPI Trial Writing Group: Effects of estrogen or estrogen/progestin ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
regimens on heart disease risk factors in postmenopausal women.
The postmenopausal estrogen/progestin interventions (PEPI) trial. http://www.dekker.com/servlet/product/productid/
JAMA, 1995; 3 :199-208. PRG — Hypertension in Pregnancy. The Official Journal
25. NABULSI, A.A.; FOLSOM, A.R.; WHITE, A. et al. Association of
of the International Society for the Study of Hypertension
hormone replacement therapy with various cardiovascular risk fac-
tors in postmenopausal women. N Engl J Med, 1993; 328:1069-1075. in Pregnancy.
26. WALSH, B.W.; SCHIFF, I.; ROSNER, B.; GREENBERG, I.; RAVNI- http://www.ahcpr.gov/clinic/epcsums/pregsum.htm —
KAR, V.; SACKS, F.M. Effects of postmenopausal estrogen Evidence Report/Technology Assessment: Number 14
replacement on the concentrations and metabolism of plasma Management of Chronic Hypertension During Pregnancy.
lipoproteins. N Engl J Med, 1991; 325:1196-1204.
27. PFEIFFER, R.I.; KUROSAKI, T.T.; CHARLTON, S.K. Estrogen use
http://www.lifeclinic.com/focus/hypertension/default.asp
and blood pressure in later life. Am J Epidemiol, 1979; 110:469-478. — O site lifeclinic.com foi desenvolvido para fornecer uma
28. HULLEY, S.; GRADY, D.; BUSH, T. et al. Randomized trial of extensa fonte de informações sobre condições clínicas da saú-
estrogen plus progestin for secondary prevention of coronary heart de e um serviço on-line para você monitorar sua saúde.
disease in postmenopausal women: Heart and Estrogen/Progestin
Replacement Study (HERS) Research Group. JAMA, 1998; 280:605-
http://www.emedicine.com/MED/topic3250.htm —
613. Medicine foi instituído em 1996 e é no momento o maior e
29. PETITTI, D.B. Hormone replacement therapy and hearth disease mais atualizado banco de dados clínicos disponível para
prevention: experimentation trumps observation. JAMA, 1998; médicos e profissionais da área de saúde. Mais de 10.000
280:650-652. Editorial.
médicos autores e editores contribuem para o site, que co-
30. MOSCA, L., COLLINS, P., HERRINGTON, D.M. et al. Hormone
Replacement Therapy and Cardiovascular Disease — A Statement bre 7.000 enfermidades. O conteúdo, baseado em evidên-
for Healthcare Professionals from the American Heart Association. cias, proporciona guias práticos em 62 especialidades mé-
Circulation, 2001; 104:499-503. dicas e é mantido atualizado.
31. LEWIS, C.; DUNCAN, L.E.; BALLANCE, D.I.; PEARSON, T.A. Is http://matweb.hcuge.ch/endo/cours_4e_MREG/Pre-
sexual dysfunction in hypertensive women uncommon or unders-
tudied? Am J Hypertens, 11:733-735, 1998. eclampsia_eclampsia.htm — Site da Maternidade de
32. OSBORNE, M.; HAWTON, K.; GATH, D. Sexual dysfunction among Genève.
middle aged women in the Community. Br Med J, 296:959-962, 1988. http://www.rcp.gov.bc.ca/Guidelines/Obstetrics/
33. FRANK, E.; ANDERSON, C.; RUBINSTEIN, D. Frequency of sexu- Master%5B1%5D.OB11.Hypertension.May2000.pdf — Bri-
al dysfunction in normal couples. N Engl J Med, 299:111-115, 1978.
34. DUNCAN, L.E.; LEWIS, C.; JENKINS, P.; PEARSON, T.A. Does
tish Columbia Reproductive Care Program.
hypertension and its pharmacotherapy affect the quality of sexual http://www.racp.edu.au/asshp/ — The Australasian
function in women? Am J Hypertens, 13:640-647, 2000. Society for the Study of Hypertension in Pregnancy.
Capítulo
Tubulopatias Hereditárias

30 Daltro Zunino

INTRODUÇÃO Raquitismo tipo II


CAUSAS DAS TUBULOPATIAS Raquitismo hipofosfatêmico autossômico dominante
DIVISÕES FUNCIONAIS DO NEFRO EM RELAÇÃO ÀS Hipercalciúria idiopática
TUBULOPATIAS Doença de Dent
HIPERAMINOACIDÚRIAS Pseudo-hipoparatireoidismo
Hiperaminoacidúrias catiônicas DISFUNÇÃO NO TRANSPORTE RENAL DE SÓDIO,
Cistinúria clássica POTÁSSIO, MAGNÉSIO E CÁLCIO
Intolerância lisinúrica protéica Pseudo-hipoaldosteronismo tipo 1 e tipo 2
Hiperaminoacidúria dibásica tipo II Síndrome de Bartter
Hiperaminoacidúrias neutras Síndrome de Liddle
Doença de Hartnup Mutações afetando o receptor extracelular sensível ao
Metioninúria cálcio
Histidinúria DIABETE INSÍPIDO NEFROGÊNICO
Iminoglicinúria ACIDOSE TUBULAR RENAL
Hiperaminoacidúria dicarboxílica Acidose tubular renal tipo 1 (distal)
DISFUNÇÃO GENERALIZADA DO TÚBULO PROXIMAL Acidose tubular renal tipo 2 (proximal)
Síndrome de Fanconi Acidose tubular renal tipo 3
GLICOSÚRIA RENAL PRIMÁRIA Acidose tubular renal distal (tipo 4)
DISFUNÇÃO NO TRANSPORTE DE FOSFATO Subtipo 3
Raquitismo hipofosfatêmico hereditário com hipercalciúria Subtipo 4
Raquitismo hipofosfatêmico ligado ao sexo Subtipo 5
Osteomalácia hipofosfatêmica oncogênica BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Raquitismo tipo I ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

da Pediatria, já que a morbidade e a mortalidade causadas


INTRODUÇÃO por esses distúrbios diminuíram importantemente. Isto
ocorreu por um melhor entendimento da fisiopatologia
As tubulopatias constituem um conjunto de afecções molecular, fornecendo novas formas de tratamento e pre-
comprometendo em forma variada, quer isolada, quer venção tanto das doenças raras como das mais comuns.
generalizada, a função do túbulo renal na ausência de al- Assim, a suplementação de eletrólitos, altas doses de vita-
teração primária da função glomerular. Nos últimos anos, mina D, nutrição adequada, incluindo restrições dietéticas,
o interesse nas tubulopatias hereditárias se estendeu além drogas alterando o transporte tubular e, finalmente, o
558 Tubulopatias Hereditárias

transplante de órgãos. Com a evolução da doença que cau- Perda de potássio pela urina pode ter como origem o hi-
sa a lesão tubular, pode ocorrer comprometimento de todo poaldosteronismo secundário, assim como hipercalciúria
o nefro, com o desenvolvimento de insuficiência renal crô- pode ser o resultado de acidose metabólica. Depuração
nica. O prognóstico final de algumas tubulopatias é de- aumentada de fosfato pode ser causada por hipoparatireoi-
terminado não somente pela diminuição da função renal, dismo e a glicosúria com hiperaminoacidúria pode ser
mas também pelas complicações extra-renais, especialmen- encontrada temporariamente na síndrome nefrótica com
te esqueléticas, e o crescimento insuficiente. o tipo histológico de esclerose segmentar e focal. A rever-
Existem três padrões principais de aumento de excre- sibilidade da anormalidade, quando a causa primária é
ção urinária de uma substância: corrigida, estabelece o defeito tubular como funcional. Mas
nem sempre existem distinções evidentes entre defeitos
1. Excreção Aumentada por Hiperfluxo funcionais e específicos.
A concentração da substância está aumentada no plas- As causas de muitas tubulopatias são desconhecidas.
ma e o excesso é excretado na urina. A excreção urinária Devem-se, no entanto, reconhecer dois grandes grupos:
reflete somente o excesso de uma substância no plasma, tubulopatias adquiridas e hereditárias. Ambas exercem
não ocorrendo, verdadeiramente, uma disfunção tubular. efeitos “tóxicos” sobre o túbulo, podendo ser de origem
É o que acontece no diabete melito e na fenilcetonúria. exógena ou endógena. Muitas drogas nefrotóxicas em al-
tas doses produzem necrose tubular proximal grave (clo-
2. Excreção Aumentada em um Determinado Tempo reto de mercúrio, tetracloreto de carbono). Exemplos de
de uma Substância por Unidade de Plasma intoxicações endógenas são os depósitos de cobre na do-
(Depuração Renal Aumentada) ença de Wilson, a galactose-1-fosfato na galactosemia, etc.
A substância é encontrada em quantidades anormais na Vários mecanismos genéticos foram descritos como cau-
urina, enquanto sua concentração no plasma está normal sadores de anormalidades em relação à excreção urinária
ou discretamente diminuída, ocorrendo sintomas somen- de algumas substâncias:
te se existir perda exagerada de uma substância essencial, 1) bloqueio na cadeia metabólica extra-renal, levando a
como pode ocorrer na glicosúria grave pelo envenenamen- um aumento na concentração de um metabólito nos
to com floridzina, ou a excreção aumentada da substância fluidos corporais e no plasma, sendo então excreta-
produz efeitos secundários sobre o parênquima renal, das em excesso. Este é um exemplo do tipo de hiper-
como é o caso da litíase na cistinúria ou na acidose tubular fluxo. Assim, a excreção aumentada de fenilalanina
renal tipo 1. na fenilcetonúria, de glicose no diabete melito, de
aminoácidos de cadeia ramificada na doença do xa-
3. Aumento da Depuração Renal com Excreção rope de bordo, etc.;
Anormal da Substância na Unidade de Tempo 2) o defeito pode ter um efeito direto e específico sobre
Este tipo de defeito tubular é reconhecido pela análise o transporte tubular da substância, na ausência de
do plasma, que mostra a concentração da substância anor- qualquer outro defeito. Embora sem comprovação
malmente baixa. Ocorrerão sintomas somente se os níveis atual, cita-se como exemplo a cistinúria, que apresen-
plasmáticos forem diretamente lesivos. Assim, o fósforo ta ao mesmo tempo um defeito de transporte ao ní-
plasmático anormalmente baixo nas síndromes tubulares vel do jejuno;
proximais, causando raquitismo ou osteomalácia; o potás- 3) defeitos específicos dos sistemas de transporte tanto
sio plasmático diminuído, originando fraqueza muscular nos túbulos renais como nos outros órgãos, como o
ou paralisia periódica. exemplo citado da cistinúria, além da doença de
Hartnup e alguns casos de prolinúria;
4) o defeito genético pode envolver uma enzima que
CAUSAS DAS TUBULOPATIAS não está diretamente relacionada com o transporte tu-
bular mas altera a função celular normal, ocorrendo
Os defeitos de função tubular podem ser simples ou lesão que é evidenciada em alterações histopatológi-
múltiplos, comprometendo uma ou várias funções tubu- cas e em múltiplos defeitos do transporte tubular.
lares, sendo por vezes primários e freqüentemente genéti- Exemplos deste tipo são a síndrome de Fanconi no
cos ou secundários a outros processos e potencialmente adulto, a variedade hereditária da acidose tubular
reversíveis. distal tipo 1 e a síndrome de Lowe;
A análise da alteração tubular pode ser dificultada pelo 5) o traço hereditário pode causar bloqueio em uma ca-
fato de que um defeito pode não representar uma anorma- deia metabólica extra-renal que, por sua vez, leva a
lidade específica primária, mas sim uma anormalidade uma concentração aumentada da substância no plas-
específica secundária. Assim, um defeito de concentração ma ou a uma excreção aumentada na urina. Pode,
pode ter como causa um déficit de potássio (v. Cap. 12). também, ocorrer lesão tóxica agindo sobre os siste-
capítulo 30 559

mas de transporte tubular e atuando como um “ve- bém a aldosterona apresenta ações importantes na regula-
neno” endógeno. Exemplos típicos são a galactose- ção dos íons sódio, potássio e hidrogênio no túbulo distal,
mia e a doença de Wilson. operando na reabsorção de sódio e secreção de hidrogê-
nio e potássio. Assim, uma deficiência ou resistência tubu-
lar à aldosterona ocasionarão perda de sódio, hiponatre-
DIVISÕES FUNCIONAIS DO mia, hipercalemia e acidose metabólica. Além do mais, a
hipercalemia também afeta a acidificação renal, inibindo
NEFRO EM RELAÇÃO ÀS a síntese de amônia.
TUBULOPATIAS
Por vezes é muito difícil identificar um envolvimento
Ponto-chave:
tubular proximal ou distal, por existir um grande número • As síndromes tubulares proximais são
de superposições. Assim, por exemplo, na síndrome de caracterizadas por excreções isoladas ou
Fanconi, precocemente são evidentes as anormalidades de combinadas de aminoácidos, glicose, fosfato
reabsorção do túbulo proximal, como as que envolvem a
e ácido úrico, e as distais apresentam
glicose, os aminoácidos, o fosfato, o ácido úrico, o bicar-
bonato, e posteriormente tanto as funções distais como as
defeitos de acidificação, concentração e
glomerulares estão lesadas. perda de sal
A água, o cloro e o sódio são reabsorvidos em toda a
extensão do nefro, enquanto o potássio é reabsorvido pro- Três segmentos — a alça de Henle, o túbulo contornado
ximalmente e secretado distalmente. O túbulo proximal distal e os ductos coletores, que formam em conjunto o nefro
reabsorve quase toda a glicose, aminoácidos, proteínas e distal — são os responsáveis pelos ajustes finais do volume
uma grande fração do fósforo e do ácido úrico filtrados pelo urinário e da composição de eletrólitos, essenciais para
glomérulo; somente traços destas substâncias podem ser manter a homeostase. O túbulo distal reabsorve aproxima-
detectados na urina normal. A maior parte da reabsorção damente um terço das quantidades de água e uréia que são
de sódio, potássio e cálcio é realizada pelos túbulos proxi- filtradas. A reabsorção de ambas é passiva, com as quanti-
mais. A reabsorção distal de sódio e cálcio é que determi- dades precisas variando segundo os processos de concen-
na geralmente as quantidades que serão excretadas na tração e diluição. A participação renal na regulação da pres-
urina final (v. Cap. 4). As excreções urinárias destes ele- são osmótica resulta de sua capacidade em variar a excre-
mentos são tão pequenas em relação às quantidades filtra- ção de água, fazendo com que a urina se apresente hipo- ou
das que a localização do sítio tubular responsável pelas hiperosmolar em relação ao plasma. Esta variabilidade é
alterações na reabsorção é raramente possível. devida ao hormônio antidiurético, que exerce o efeito de
O íon hidrogênio é secretado na luz tubular em toda a aumentar a permeabilidade para a água das membranas que
extensão do nefro, com a conseqüente reabsorção de bicar- compõem os segmentos do nefro distal (v. Cap. 6).
bonato e uma queda progressiva do pH do fluido tubular. Em geral, os distúrbios têm sido classificados de acor-
A reabsorção e a excreção tubular de bicarbonato e fósfo- do com as funções relacionadas aos túbulos proximal e/
ro possuem certas características em comum: ambos são ou distal. Tendo-se em conta as diversas funções citadas
completamente filtrados do plasma, sendo que a capaci- anteriormente, as síndromes tubulares proximais são, por-
dade de reabsorção do túbulo proximal para estes elemen- tanto, caracterizadas por excreções isoladas ou combina-
tos está próxima da quantidade filtrada. Por esta razão, das de aminoácidos, bicarbonato, glicose, fosfato, ácido
uma discreta elevação em suas concentrações plasmáticas úrico e cálcio. As tubulopatias distais apresentam defeitos
ou no volume filtrado pelo glomérulo pode dar mais subs- de acidificação, concentração, perda de sal.
trato para os túbulos em relação ao que pode ser reabsor-
vido, aumentando, então, a excreção urinária. Também o
paratormônio exerce uma ação direta sobre a reabsorção HIPERAMINOACIDÚRIAS
destas duas substâncias, ocorrendo um aumento da excre-
ção com uma elevação deste hormônio, mas sem influen- A maioria das síndromes tubulares proximais inclui
ciar a acidificação tubular distal. O túbulo distal é da maior anormalidades da excreção dos aminoácidos. A pequena
importância no ajuste final do pH urinário. A acidificação fração de aminoácidos presentes na urina final é conside-
urinária máxima (na presença de um estímulo fisiológico rada fisiológica, sendo chamada aminoacidúria, enquan-
adequado) depende da formação de um gradiente de pH to a excreção aumentada de um ou vários aminoácidos é
adequado (cerca de 3 unidades entre o sangue (pH = 7,4), denominada hiperaminoacidúria. Durante os primeiros
a célula tubular (pH = 7,0) e a urina (pH  4,0). Estes pro- meses de vida existe normalmente uma perda de aminoá-
cessos de acidificação são realizados através da eliminação cidos secundária a alterações maturacionais nas membra-
de acidez titulável e amônia pela urina (v. Cap. 5). Tam- nas de vários sistemas de transporte.
560 Tubulopatias Hereditárias

A hiperaminoacidúria é um sinal proteiforme, depen-


dente de inúmeras enfermidades. Com a determinação de Ponto-chave:
índices de depuração e de reabsorção tubular de aminoá- • Em algumas hiperaminoacidúrias, é
cidos, as hiperaminoacidúrias podem ser diferenciadas em fundamental o diagnóstico precoce, que
vários tipos. Atualmente se propõe uma classificação para
para algumas pode ser realizado antes do
as aminoacidúrias patológicas baseada nos mecanismos
nascimento, permitindo, assim, a prevenção
celulares que medeiam o transporte de aminoácidos asso-
ciados a diferentes defeitos metabólicos ou de transporte de lesões renais
atuando sobre a reabsorção tubular proximal:
1. saturação (hiperaminoacidúria de hiperfluxo, pré-re- A investigação laboratorial deve incluir a identificação
nal), onde a carga filtrada dos aminoácidos excede a dos aminoácidos individuais e a determinação quantitati-
capacidade do seu sistema de absorção. Dependendo va dos índices de excreção urinária. Para um diagnóstico
da afinidade do aminoácido para seu sistema de trans- mais específico, os aminoácidos devem ser determinados
porte, a aminoacidúria ocorrerá em maior ou menor no sangue e calculados os índices de depuração e reabsor-
quantidade. Assim, uma aminoacidúria com menor afi- ção tubulares. O diagnóstico é estabelecido com a combi-
nidade pode mostrar uma excreção exagerada sob con- nação dos diversos sintomas e sinais, juntamente com os
dições de saturação, dependendo da capacidade do sis- dados de laboratório.
tema; O tratamento é extremamente variável, dependendo da
2. competição (hiperaminoacidúria “combinada”), quando etiologia, do tempo de doença e das alterações bioquími-
um aminoácido em concentrações elevadas, que é trans- cas presentes quando da realização do diagnóstico. O im-
portado pelo mesmo sistema, pode inibir o acoplamento portante neste tipo de doença é o diagnóstico precoce que,
e a reabsorção de outras substâncias no mesmo grupo, para algumas delas, pode ser realizado antes do nascimen-
levando a uma aminoacidúria mais generalizada; to, juntamente com a prevenção das lesões renais. Estan-
3. modificação do transportador (hiperaminoacidúria es- do estas últimas já presentes, devem ser tomadas medidas
pecífica), quando o próprio carreador no plasma está para evitar as complicações futuras. Em algumas doenças
alterado, levando a uma interferência no transporte atra- hereditárias como a galactosemia e a intolerância à fruto-
vés do túbulo renal, com diminuição da reabsorção e se, a eliminação destes açúcares da alimentação reverte ra-
aumento da depuração renal. Neste caso, a aminoacidú- pidamente as lesões renais.
ria será específica para uma substância ou um grupo de Como nem todos os aminoácidos possuem um sistema
compostos estruturalmente relacionados; de transporte próprio, que permitiria classificar as hipera-
4. inibição da transferência do substrato (hiperaminoaci- minoacidúrias de acordo com a via de transporte grupo-
dúria renal), ocorrendo quando o acoplamento da ener- específica afetada, e já que grupos de aminoácidos são
gia do transportador é alterado e o fluxo é diminuído, transportados por carreadores comuns, elas são mais apro-
priadamente classificadas de acordo com a carga dos ami-
levando a uma alteração da integridade da membrana,
noácidos afetados — neutras (sem carga), básicas (com car-
envolvendo todos os grupos de aminoácidos, sendo,
ga positiva) ou ácidas (com carga negativa).
portanto, generalizada.
Os aminoácidos são primariamente reabsorvidos da luz
tubular por um transporte ativo através da membrana Hiperaminoacidúrias Catiônicas
apical, em direção à membrana basolateral, dependente de (Hiperaminoacidúrias Dibásicas)
um gradiente externo de sódio através da vesícula da mem-
brana tubular proximal. Esta reabsorção ocorre por um co- CISTINÚRIA CLÁSSICA
transporte Na-aminoácidos originado pelos componen- A cistinúria clássica engloba um grupo de anormalida-
tes de concentração e voltagem do gradiente eletroquími- des do transporte tubular e, em alguns indivíduos, intesti-
co de sódio da luz tubular para a célula. Esta energia é es- nal de cistina, levando à formação de cálculos urinários.
tabelecida pela ATPase Na-K-dependente. Assim, a dis- Juntamente com as alterações para a cistina, ocorre uma
sipação rápida do gradiente eletroquímico ao longo da excreção anormal, mas sem conseqüências clínicas, dos
membrana luminal por qualquer motivo pode resultar em aminoácidos lisina, arginina e ornitina, na dependência de
absorção diminuída de aminoácidos e hiperaminoacidú- alterações nos sítios de transporte de baixa afinidade tan-
ria. Algumas destas anomalias também envolvem anor- to no túbulo proximal, como no intestino. O defeito é trans-
malidade de transporte na membrana luminal das células mitido como um traço autossômico recessivo, sendo des-
epiteliais gastrintestinais. critas pelo menos três formas de cistinúria clássica, cada
No Quadro 30.1 são apresentados os distúrbios meta- uma delas devido à homozigose de um alelo mutante par-
bólicos que podem, secundariamente, apresentar repercus- ticular no lócus 1. Na cistinúria I, o homozigoto excreta
são renal. quantidades relativamente grandes de cistina, lisina, argi-
capítulo 30 561

Quadro 30.1 Distúrbios metabólicos com repercussão renal secundária

Alteração Achados Clínicos e Laboratoriais Observações

Hipertirosinemia Síndrome de Fanconi, retardo do Defeito na hidroxilase fumaril


tipo I crescimento, febre, diarréia, cirrose acetoacetato.
hepática. Usualmente fatal sem restrição TG  AR
da tirosina da dieta
Hiperargininemia Por vezes aminoacidúria generalizada, Defeito no sistema de transporte
hiperamoniemia inconstante, dibásico.
deterioração do SNC. Arginina e lisina TG  AR
presentes na urina
Cistinose I e II Síndrome de Fanconi, desidratação, Defeito no sistema de transporte
acidose, vômitos, distúrbios eletrolíticos; dibásico.
retardo do crescimento. Por vezes fotofobia, TG  AR
hipotireoidismo. Com a deposição de Defeito no sistema de transporte da
cristais no rim, evolução para insuficiência cistina na membrana lisossomal, com
renal crônica deposição de cristais em vários órgãos.
TG  AR
Intolerância Com início precoce, retardo do crescimento, Defeito da frutose-1-fosfato aldolase,
hereditária à hipoglicemia, fenômenos hemorrágicos, com efeitos secundários sobre o ATP
frutose disfunção tubular. Com início tardio, celular.
sintomas menos graves ou assintomática. TG  AR
Responde à retirada da sucrose e da frutose
Galactosemia Síndrome de Fanconi associada a retardo do Galactose e galatitol na urina e no
crescimento, vômitos, intolerância ao leite, sangue.
hepatomegalia, icterícia, catarata, retardo Galactose-1-fosfato nas hemácias.
mental. Responde à retirada da galactose TG  AR
Doença de Wilson Síndrome de Fanconi, degeneração Defeito desconhecido.
hepatolenticular. Responde à diminuição TG  AR
dos depósitos de cobre
Síndrome óculo- Síndrome de Fanconi com retardo mental, Defeito básico desconhecido.
cérebro-renal de catarata, hidroftalmia. O tratamento dos TG  AR
Lowe defeitos tubulares não tem efeito na
evolução clínica
Glicoglicinúria Assintomática Glicosúria do tipo B. Heterozigose da
síndrome de Fanconi?
TG  AD
Síndrome de Luder- Sintomas da síndrome de Fanconi observados Defeito desconhecido.
Sheldon nos probantes TG  AD
Síndrome de Rowley- Retardo do crescimento, hipoplasia muscular, Defeito desconhecido.
Rosenberg envolvimento pulmonar, hipertrofia do TG  AR
ventrículo direito
Glicogenose I Raramente síndrome de Fanconi, associada Deficiência de glicose-6-fosfatase e
(doença de von à hepatomegalia intensa, nefromegalia, glicosidase.
Gierke) proteinúria, esclerose glomerular, retardo TG  AR
do crescimento, fenômenos hemorrágicos,
hipoglicemia
TG  transmissão genética; AR  autossômica recessiva; AD  autossômica dominante; X  ligada ao sexo.

nina e ornitina na urina. A cistinúria II é incompletamente mação de cálculos radiopacos pouco densos. A litíase ocor-
recessiva porque os heterozigotos apresentam um grau re mais freqüentemente na segunda ou terceira décadas da
moderado de aminoacidúria, principalmente cistina e lisi- vida, mas pode estar presente em qualquer período etário.
na. Na cistinúria III, o transporte intestinal de todos os As conseqüências da litíase, se não corrigidas, podem evo-
aminoácidos dibásicos é mantido pelos heterozigotos e os luir para a insuficiência renal crônica. Retardo mental e
homozigotos excretam discreto excesso de cistina. A cisti- paraplegia espástica foram observados em alguns pacien-
núria tipo I é causada por mutação no gen transportador tes, embora a relação causa-efeito não seja evidente. O diag-
do aminoácido SLC3A1 no cromossomo 2p, sendo desco- nóstico pode ser considerado a partir da história familial,
nhecida a proteína defeituosa nos outros tipos. com a presença, na urina de um paciente litiásico, dos tí-
As manifestações clínicas são decorrentes da extrema picos cristais hexagonais de cistina ou com o teste do cia-
insolubilidade da cistina em soluções aquosas, com a for- neto-nitroprussiato. O teste definitivo é dado pela deter-
562 Tubulopatias Hereditárias

minação do conteúdo de cistina e aminoácidos dibásicos galia, cabelos ralos, hipotonia muscular. A osteoporose é
por cromatografia de troca iônica, eletroforese de alta vol- predominante. São descritos pacientes com retardo mental,
tagem ou pela análise de aminoácido em coluna de gel. mas a maioria apresenta desenvolvimento normal. Há rela-
A terapêutica da cistinúria exige tratamento por toda a to de quatro pacientes com alterações psicológicas periódi-
vida. Na presença de cálculos, estes devem ser removidos cas. A estatura final é discretamente subnormal ou normal
com os meios disponíveis. No caso de insuficiência renal baixa. Na gravidez existe o risco de hemorragia intensa
terminal, o transplante elimina o defeito de transporte. O durante o parto. Uma complicação grave é a pneumopatia
manejo médico inclui medidas que procuram reduzir a ex- intersticial, sendo descrita, nos pacientes que evoluíram
creção e aumentar a solubilidade da cistina na urina, que é para o óbito, proteinose alveolar. Na descrição de uma pa-
de cerca de 300 mg/L, e assim, o propósito é manter a con- ciente com esta patologia, o tratamento com prednisolona
centração abaixo destes níveis. O aumento considerável da levou aparentemente à cura. Estes pacientes são predispos-
ingesta líquida de até 4 L/d, durante o dia e a noite, eficaz e tos à glomerulonefrite, sendo descritos caso de insuficiên-
barata, é fundamental na tentativa de evitar a formação de cia renal, com achados histológicos de glomerulonefrite
cálculos, o que pode ser conseguido em mais de 50% dos mediada por complexos imunes, associada à insuficiência
pacientes. Dietas baixas em metionina, aminoácido essen- hepática com degeneração gordurosa ou cirrose.
cial precursor da cistina, apresentam resultados extrema- As concentrações dos aminoácidos catiônicos no plasma
mente variáveis. A restrição de sódio pode trazer algum estão subnormais ou normais baixas e as quantidades de
benefício, já que o sódio aumenta a excreção da cistina. A glutamina, alanina, serina, prolina, citrulina e glicina estão
alcalinização da urina (pH entre 7,5 e 8,0) aumenta a solubi- elevadas. A lisina é excretada na urina em quantidades
lidade da cistina, podendo ser realizada com bicarbonato ou maciças, e ornitina e lisina, em quantidades moderadas. A
citrato de potássio (3,0 a 4,0 mEq/kg/dia). Com pH superi- excreção da cistina está normal ou discretamente elevada.
or a 8,0 existe o risco de precipitação de sais de cálcio. A A amônia sanguínea e a excreção de ácido orótico estão
administração de D-penicilamina (1,0 a 2,0 g/dia), conver- normais durante o jejum, mas elevadas após alimentação
tendo a cistina em composto mais solúvel, pode reduzir protéica. A uréia está baixa ou normal, e a desidrogenase
substancialmente sua excreção. Por vezes, os efeitos colate- lática, a ferritina e a tireoglobulina, elevadas. No hemogra-
rais freqüentes impedem a sua utilização prolongada. A ma notam-se anemia, plaquetopenia, leucopenia, anisopoi-
associação à piridoxina pode ser necessária pela possível quilocitose, reticulocitose. A baixa concentração de argini-
depleção deste fator. A terapêutica a longo prazo com a alfa- na em relação à lisina nos fluidos corporais parece ser a res-
mercaptopropionilglicina (tiopronina, 1,2 mg/dia) é tão efi- ponsável pela hiperamoniemia e síntese diminuída de uréia.
caz quanto com a D-penicilamina e com menor incidência A anomalia de transporte destes aminoácidos está expressa
de efeitos colaterais, sendo a medicação de escolha na cisti- nos túbulos renais, intestino, cultura de fibroblastos e pro-
núria. Outros agentes, como o ácido ascórbico (possibilida- vavelmente nos hepatócitos, mas não nos eritrócitos madu-
de de precipitação de cristais de oxalato e hipocitratúria) e ros. O defeito está na proteína transportadora de aminoáci-
o captopril, eventualmente podem ser utilizados, principal- dos dibásicos na membrana basolateral nas células epiteli-
mente este último, mas sem resultados consistentes. ais, codificada no gen SLC7A7 do cromossomo 14q.
O tratamento da intolerância lisinúrica protéica consiste
INTOLERÂNCIA LISINÚRICA PROTÉICA na restrição protéica e suplementação de citrulina oral (3,0
(Hiperaminoacidúria Dibásica Tipo 2, Intolerância a 8,0 g/dia) durante as refeições. O sintoma mais grave é a
Protéica Familial) hiperamoniemia, ocorrendo após refeições ricas em proteí-
É uma anomalia rara do transporte da lisina, de caráter na, jejum prolongado ou infecções graves. Uma dieta na qual
autossômico recessivo, onde a excreção e a depuração de o conteúdo protéico foi moderadamente reduzido — 1,0 a
todos os aminoácidos catiônicos, especialmente da lisina, 1,5 g/kg/d em crianças e 0,5 a 0,8 g/kg/d em adultos —
estão aumentadas, sendo pouco absorvidos pelo intestino. forma a base do tratamento eficaz. A suplementação com
O quadro clínico se caracteriza por episódios de hipe- ornitina e arginina tem sido moderadamente útil, mas a di-
ramoniemia, conseqüentes à deficiência hormonal da or- minuição da absorção intestinal dos aminoácidos catiônicos
nitina, a base do ciclo da uréia. Isto leva ao aparecimento diminui sua utilidade e muitas vezes causa diarréia osmó-
de náuseas e vômitos e, com o tempo, aversão à alimenta- tica. A citrulina foi comprovada clinicamente como tão efi-
ção rica em proteínas. caz como a arginina e ornitina na prevenção da hiperamo-
Conseqüentemente, ocorre retardo do crescimento, sen- niemia. A dose varia de 2 a 8,5 g/kg/d, em 3 a 5 tomadas,
do os sinais de desnutrição ainda mais agravados pela defi- durante as refeições. As crises de hiperamoniemia são tra-
ciência de lisina. Até a parada da alimentação ao seio, os tadas com a retirada total da proteína e do nitrogênio da
pacientes são assintomáticos e a partir do desmame os sin- alimentação, sendo que a infusão de glicose como fonte
tomas se tornam aparentes, podendo evoluir até o coma, se energética deve ser encorajada. A infusão EV de arginina ou
alimentados com fórmulas ou leite ricos em proteína. Ao citrulina apresenta bons resultados. A administração de li-
lado do retardo do crescimento, ocorrem hepatosplenome- sina a longo prazo não provou ser convincente na correção
capítulo 30 563

da desnutrição, além de ser mal absorvida pelo intestino e e convulsões, embora esta relação não esteja bem definida
causar diarréia osmótica e dor abdominal. Recentemente foi como causa e efeito. A transmissão genética é ainda inde-
demonstrada a possibilidade de diagnóstico pré-natal da finida, parecendo ocorrer como um traço autossômico re-
intolerância lisinúrica protéica por análise de ligação. cessivo, sendo todos os cinco casos descritos do sexo mas-
culino. Há necessidade da realização do diagnóstico dife-
HIPERAMINOACIDÚRIA DIBÁSICA TIPO II rencial com a histidinemia, um distúrbio benigno na mai-
Parece estar limitada somente ao defeito da lisina, e a oria dos pacientes.
hiperamoniemia não é manifestação da doença. Os sintomas
lembram os da intolerância lisinúrica protéica. Retardo de IMINOGLICINÚRIA
crescimento grave, convulsões e retardo mental são descri- É uma anomalia familial benigna, com excreção anor-
tos na lisinúria isolada. Estes pacientes talvez representem mal de glicina, prolina e hidroxiprolina, devida a um de-
uma mutação afetando o transporte dos aminoácidos catiô- feito da proteína transportadora na membrana tubular
nicos, sendo adequado denominá-la lisinúria isolada. proximal e por vezes no intestino, ocorrendo de maneira
fisiológica até os seis meses de idade. É uma desordem rara,
com defeito na proteína transportadora dos aminoácidos
Hiperaminoacidúrias Neutras neutros e modo de transmissão ainda desconhecido. Este
distúrbio pode apresentar-se de várias formas, na depen-
DOENÇA DE HARTNUP
dência do defeito no sistema de transporte renal e intesti-
É uma anomalia familial rara, na qual coexistem má
nal ou renal isolado, o que evidencia uma heterogeneida-
absorção intestinal ao nível do jejuno e aminoacidúria ma-
de genética, manifestando-se por vezes como glicinúria
ciça (mais de 14 aminoácidos de determinados alfa-amino-
isolada. Somente alguns homozigotos aparentes mostram
ácidos neutros). A perda destes aminoácidos leva à desnu-
um defeito na absorção intestinal de L-prolina e também
trição em alguns pacientes. A transmissão genética apre-
alguns heterozigotos obrigatórios apresentam hiperglici-
senta um padrão autossômico recessivo, com uma incidên-
núria com sobrecarga de glicina.
cia de 1:16.000 nascidos vivos.
A iminoglicinúria isolada é uma condição benigna, sen-
As manifestações clínicas — ataxia cerebelar intermiten-
do os pacientes assintomáticos, e que, por envolver ami-
te, diarréia, distúrbios psiquiátricos como instabilidade
noácidos não-essenciais, não requer tratamento.
emocional e delírio e uma erupção cutânea fotossensível
— são muito semelhantes à deficiência dietética de tripto-
fano (pelagra). Esta deficiência é devida à inadequada ab- Hiperaminoacidúria Dicarboxílica
sorção intestinal de triptofano, combinada com uma per-
(Hiperaminoacidúria Acídica)
da excessiva de aminoácidos pela urina, ocasionando uma
diminuição da utilização do triptofano para a síntese de ni- É uma anomalia extremamente rara, envolvendo
acina. Pode ocorrer também hipouricemia. A patogênese 1:29.000 nascidos vivos, de transmissão autossômica reces-
da enfermidade sugere um defeito em um dos múltiplos siva provável. Os aminoácidos dibásicos envolvidos (áci-
sistemas de transporte para o triptofano, tanto na borda em do glutâmico e ácido aspártico) apresentam um transpor-
escova do epitélio tubular como no intestino. tador comum do glutamato de alta afinidade (EAAC1) na
A terapêutica prolongada com 40,0 a 200,0 mg/d de borda em escova do túbulo proximal, responsável pela
nicotinamida é suficiente para a cura da doença. Alguns excreção anormal. A má absorção intestinal desta substân-
pacientes respondem a dietas hiperprotéicas ricas em trip- cia foi descrita em três crianças, não sendo descritas con-
tofano, mas a natureza intermitente da doença torna difí- seqüências clínicas devidas a este distúrbio benigno, sen-
cil avaliar este manejo. do a relação com anormalidades neurológicas talvez cir-
cunstancial. Como estas aminoacidúrias são gliconeogê-
METIONINÚRIA nicas, existe a possibilidade de hipoglicemia, revertida
Constitui-se em uma rara anomalia dos aminoácidos com a administração do aminoácido.
neutros, responsável por convulsões, retardo mental e epi-
sódios de hiperventilação, além de edema e urina de odor
fétido. A dieta baixa em metionina melhorou acentuada- DISFUNÇÃO GENERALIZADA DO
mente o quadro clínico nos dois únicos pacientes descritos. TÚBULO PROXIMAL
HISTIDINÚRIA Síndrome de Fanconi
É uma anomalia seletiva do sistema de transporte espe-
cífico da histidina, com baixas concentrações no plasma, A síndrome de Fanconi caracteriza-se por uma disfun-
consistentes com diminuição da absorção intestinal e tu- ção generalizada e não-seletiva do túbulo proximal, com
bular renal. É descrita em associação com retardo mental diminuição da reabsorção de glicose, aminoácidos e fós-
564 Tubulopatias Hereditárias

foro e, em menor proporção, de bicarbonato, ácido úrico, xinas renais. Uma forma primária de síndrome de Fanco-
potássio, cálcio e proteína do tipo tubular. Pode existir uma ni é o tipo adulto, também observado na criança, que em
disfunção concomitante proximal e distal, que teria um alguns pacientes evolui para a insuficiência renal crônica
papel na produção da aminoacidúria, fosfatúria e glicosú- em um período de 10 a 30 anos. A maioria das doenças as-
ria. Em um determinado paciente esta disfunção pode ser sociadas com esta síndrome são herdadas em um padrão
isolada ou associada para as substâncias citadas. O defei- autossômico recessivo.
to básico estaria relacionado à alteração no transporte tu- A idade de início varia com a etiologia. Algumas das
bular proximal para estas substâncias que não seria corri- formas herdadas da síndrome de Fanconi, tais como a sín-
gido ao longo do túbulo distal, pela sua pequena capaci- drome de Lowe, o raquitismo dependente de vitamina D
dade reabsortiva. e a forma infantil da cistinose, tornam-se evidentes durante
o primeiro ano de vida; outras, tais como as formas tardi-
as da cistinose, a doença de Wilson, a galactosemia e a
Ponto-chave: doença de depósito de glicogênio, manifestam-se clinica-
• Pelo grande número de anormalidades de mente em uma idade mais tardia, usualmente durante a
transporte observadas, é improvável infância. As formas adquiridas podem apresentar-se em
alteração nos carreadores, sendo mais qualquer idade, principalmente como resultado da expo-
sição a agentes nocivos.
plausível um defeito da energia metabólica
Clinicamente a síndrome de Fanconi se apresenta na
derivada do ATP criança como raquitismo, ao lado de hipertermia, vômitos,
retardo do crescimento e poliúria devido às conseqüênci-
Vários mecanismos podem levar à diminuição da reab- as metabólicas da acidose crônica, da hipofosfatemia e da
sorção de solutos pelo túbulo proximal. As três principais hipocalcemia. No adulto apresentam-se poliúria e síndro-
categorias nas quais estes mecanismos podem ser classifi- mes clínicas associadas com hipocalemia e acidose. Oste-
cados são: omalácia e fraturas patológicas podem ser observadas. Me-
nos freqüentemente as razões para a investigação são acha-
1. alterações na função dos carreadores que transportam
dos laboratoriais como proteinúria, hipocalemia, hipofos-
substâncias através da membrana luminal,
fatemia e acidose metabólica hiperclorêmica. Os achados
2. distúrbios no metabolismo energético celular e
físicos de algumas formas da síndrome são característicos,
3. alterações nas características de permeabilidade das
como a presença de cristais na córnea na cistinose, enquan-
membranas tubulares.
to outros são comuns para várias doenças associadas com
A energia requerida para o transporte de solutos atra- a síndrome de Fanconi, tais como a hepatomegalia, que
vés da membrana apical das células tubulares proximais é pode ser encontrada na glicogenose, galactosemia e tirosi-
suprida pela bomba de sódio, a adenosina trifosfatase nemia.
(ATPase) Na-K-dependente, localizada na membrana O diagnóstico da síndrome de Fanconi é feito na base
basolateral. Dado o grande número de anormalidades de de testes que documentam a perda excessiva destas subs-
transporte observadas na síndrome de Fanconi, é impro- tâncias na urina, na ausência de concentrações plasmáti-
vável que elas sejam devidas a alterações nos carreadores, cas elevadas. Testes mais elaborados são realizados para
que são específicos para cada uma das substâncias reab- determinar o limiar renal para estas substâncias ou sua reab-
sorvidas no túbulo proximal. Um defeito da energia me- sorção fracionada.
tabólica derivada do ATP parece mais plausível. Nesta O tratamento na forma primária é dirigido à correção
condição, qualquer processo que resulte na diminuição do das anormalidades metabólicas de maneira semelhante ao
nível de ATP levaria à diminuição do rendimento dos raquitismo ligado ao sexo (v. adiante), incluindo a corre-
mecanismos secundários de transporte ativo, tais como os ção da acidose e a substituição das substâncias perdidas
da glicose, fosfato ou aminoácidos. Evidências suportan- na urina, sendo que as perdas de glicose, aminoácidos e
do esta hipótese podem ser observadas em uma varieda- ácido úrico não são usualmente sintomáticas e não reque-
de de modelos experimentais e formas clínicas da síndro- rem substituição. Recentemente, a suplementação de car-
me de Fanconi. Já evidências sustentando um papel para nitina na tentativa de aumentar a força muscular foi testa-
alterações na permeabilidade da membrana basal são limi- da, com resultados variados. A acidose pode necessitar de
tadas. Um defeito no gradiente de sódio da luz tubular para altas doses de alcalinizantes (3,0 a 10,0 mEq/kg/d e mes-
a célula, devido à redução de energia metabólica derivada mo mais), o que pode agravar a perda de potássio. A utili-
do ATP, seria o responsável pelos defeitos observados. zação de dieta hipossódica e hidroclorotiazida (1,0 a 2,0
A síndrome de Fanconi é o resultado de uma variedade mg/kg/dia), levando a uma contração do volume do es-
de causas, algumas herdadas e algumas adquiridas (v. paço extracelular, pode diminuir a necessidade de álcalis.
Quadro 29.2), sendo as mais comuns na criança a cistinose A suplementação de potássio é uma necessidade existin-
e no adulto a doença de Wilson, o mieloma múltiplo e to- do hipocalemia, assim como durante a correção da acido-
capítulo 30 565

se metabólica. Nas formas secundárias, além da correção 2. glicosúria independente da dieta;


das anormalidades bioquímicas e ácido-básicas existentes, 3. pouca influência da glicemia com a ingestão de carboi-
o tratamento da doença básica, quando possível, reverte- dratos na alimentação;
rá as anormalidades presentes. Assim, a eliminação de 4. o açúcar excretado na urina é a glicose e não outro açú-
substâncias como a galactose, a frutose ou a tirosina (e car;
fenilalanina) resulta no desaparecimento das manifestações 5. a capacidade de armazenamento e utilização da glicose
renais da síndrome. No entretanto, algumas das anorma- é normal;
lidades sistêmicas, tais como retardo do crescimento e da 6. não ocorre evolução para o diabete melito verdadeiro.
fala, assim como a disfunção ovariana na galactosemia ou
O diagnóstico é feito pela presença da glicose em todas
a cirrose na tirosinemia, não parecem ser afetadas.
as amostras de urina, com glicemia normal, sendo que a
excreção pode variar de 5 a 10 g/d e mesmo exceder 100
g/d. Apesar de ser um distúrbio permanente, não requer
GLICOSÚRIA RENAL PRIMÁRIA nenhum tipo de tratamento, a não ser nas condições excep-
cionais descritas acima.
É uma tubulopatia com excreção de quantidades anor- Raramente em crianças pode ocorrer uma má absorção
mais de glicose na urina, estando os níveis de glicemia de glicose e galactose, causando, desde o período neona-
normais, constituindo-se em defeito primário isolado, ao tal, diarréia aquosa, ácida, que pode resultar em depleção
contrário da glicosúria, que ocorre em associação com de- grave. A associação de açúcares redutores nas fezes e gli-
feitos múltiplos da reabsorção tubular proximal, resultan- cosúria discreta estabelecem o diagnóstico. Estas crianças
te de inúmeras enfermidades adquiridas e hereditárias, apresentam um defeito discreto na reabsorção de glicose
freqüentemente associadas à síndrome de Fanconi. do tipo B, causada por uma mutação na proteína transpor-
O padrão de herança é autossômico recessivo, embora tadora a nível de membrana. A remoção da glicose e da
dominância autossômica e mesmo ambos tenham sido re- galactose da dieta faz desaparecer o quadro clínico.
latados, sendo que os pacientes homozigotos excretam quan-
tidades mais elevadas de glicose que os heterozigotos.
A glicose é reabsorvida por um transporte de processo Pontos-chave:
ativo mediado por carreador que é sódio-dependente e • A glicosúria não associada a outros defeitos
eliminada pela membrana basolateral por difusão facilita-
do túbulo proximal, com glicemia normal
da por um transportador de glicose que é sódio-indepen-
dente. O co-transportador de sódio-glicose faz parte do em paciente assintomático, indica o
grupo SGLT 2, expresso no segmento S1 do túbulo proxi- diagnóstico de glicosúria renal primária
mal e localizado no cromossomo 6, e SGLT 1, presente no • A glicosúria renal primária não evolui para
intestino humano e localizado no cromossomo 22. o diabete melito
São descritos atualmente três tipos de glicosúria renal:
• Tipo A, chamada glicosúria clássica, com redução tan-
to no limiar como no Tm da glicose. DISFUNÇÃO NO TRANSPORTE
• Tipo B, com redução no limiar da glicose, taxa de reab-
sorção normal e elevado splay (perda da linearidade DE FOSFATO
entre carga filtrada e transporte tubular).
• Tipo O, caracterizado por uma ausência completa da Além de sua presença predominante no osso (75% a 85%),
reabsorção da glicose. Têm sido descritas famílias com o fósforo participa de inúmeros processos vitais, sendo o
glicosúria e uricosúria, na ausência de outros aspectos principal ânion intracelular. Sua atuação se dá principalmen-
de disfunção tubular. te no plasma como tampão transportador de energia atra-
vés das ligações fosfato de alta energia de ATP e permuta-
A etiologia é idiopática, sendo uma condição benigna, dor molecular através dos processos de fosforilação e des-
detectada usualmente após os 10 anos de idade, que se fosforilação. Ao lado da ingesta dietética, o túbulo proximal
prolonga por toda a vida. Excepcionalmente na gravidez, é o principal sítio para a manutenção dos depósitos corpo-
jejum prolongado ou grande atividade física, nos raros rais de fosfato, principalmente sob influência negativa do
casos de quantidade extremamente elevada de glicosúria, PTH. O transporte do fosfato pelo túbulo proximal é influ-
glicose ou outro carboidrato podem ser necessários para enciado por numerosos fatores hormonais — calcitonina,
evitar hipoglicemia, cetose ou depleção de volume, secun- metabólitos da vitamina D, hormônio tireoidiano, hormô-
dárias a perdas excessivas de sódio. nio do crescimento, glicocorticóides, insulina e estrogênio
Certos critérios devem ser obedecidos para a compro- — e por fatores não-hormonais, incluindo glicose, aminoá-
vação do diagnóstico: cidos e acidose. O PTH parece reduzir a reabsorção de fos-
1. glicosúria sem hiperglicemia; fato através de processos dependentes da geração do AMPc.
566 Tubulopatias Hereditárias

do a dose das 22 h dobrada para permitir um período


Ponto-chave:
maior de repouso para a criança. O calcitriol não deve ser
• As síndromes incluindo alterações na adicionado à terapêutica, já que os níveis estão normais
excreção de fosfato, evoluem com ou elevados devidos à hipofosfatemia.
raquitismo e/ou osteomalácia
Raquitismo Hipofosfatêmico Ligado ao
As síndromes fosfatúricas resultando em hipofosfatemia
e mineralização deficiente do osteóide causam osteomalá- Sexo (Raquitismo Resistente à Vitamina
cia (mineralização anormal do osso após o fechamento das D, Hipofosfatemia Ligada ao Sexo,
placas epifisárias) e raquitismo (mineralização anormal no
osso em crescimento). Os vários estados clínicos a serem Raquitismo Hipofosfatêmico
discutidos incluem a osteomalácia hipofosfatêmica onco- Resistente à Vitamina D)
gênica, cuja discussão, apesar de ela ser uma doença ad-
quirida, é pertinente, pela similaridade com o raquitismo É o distúrbio mais comum no transporte do fósforo,
hipofosfatêmico ligado ao sexo. transmitido como uma anomalia ligada ao sexo, de traço
dominante, sendo o gen mapeado no braço curto do cro-
mossomo X na região xp22.1. O gen codifica uma proteína
Ponto-chave: que possui semelhanças com a enzima conversora da en-
dotelina, o antígeno Kell, e uma endopeptidase neutra. Daí
• Diagnóstico e tratamento precoces evitam
o gen ser conhecido como PHEX (gen regulador do fosfa-
e/ou corrigem crescimento inadequado e to com semelhança às endopeptidases no cromossomo X),
deformidades esqueléticas em que os pacientes homozigotos do sexo masculino são
mais gravemente afetados que os heterozigotos do sexo fe-
minino. A função desta proteína parece ser a de ativar um
Raquitismo Hipofosfatêmico hormônio que promove a retenção de fósforo ou inativar
Hereditário com Hipercalciúria um hormônio fosfatúrico. Este gen se expressa no osso,
dentes, células osteoblásticas e provavelmente fígado, mas
É uma condição familial incomum, de transmissão au- não no rim, um achado compatível com estudos experi-
tossômica recessiva, sendo a proteína transportadora de mentais que assinalam uma anormalidade extra-renal.
sódio-fosfato a possível responsável pelo defeito no trans- Evidências da existência de um hormônio regulador do
porte do fósforo na membrana apical, que é codificada no fosfato, denominado fosfatonina, são baseadas em estudos
cromossomo 5. Apresenta-se com raquitismo e baixa esta- de pacientes com tumores mesenquimatosos que apresen-
tura. Existe hipofosfatemia importante, com aumento da tam osteomalácia oncogênica hipofosfatêmica, com anor-
depuração renal de fosfato, hipercalciúria, redução do malidades metabólicas indistinguíveis daqueles pacientes
TmPO4/TFG, níveis elevados ou normais de PTH e AMPc, com raquitismo hipofosfatêmico ligado ao sexo.
normocalcemia, fosfatase alcalina elevada e aumento da O defeito primário e mais importante é a diminuição
reabsorção intestinal de cálcio e fósforo, sem anormalidades da reabsorção tubular proximal de fósforo e diminuição
no metabolismo da vitamina D. A patogênese da doença na produção da 1,25(OH)2D3, levando a uma incapacida-
parece estar condicionada à fosfatúria e à conseqüente hi- de, nos indivíduos afetados, em estabelecer uma ossifi-
pofosfatemia, estimulando a síntese de 1,25(HO)2D3. Esta cação normal. Este fenômeno é secundário a uma regula-
por sua vez condiciona aumento da absorção intestinal de ção defeituosa no co-transportador de sódio-fosfato
cálcio e supressão do PTH, com a resultante hipercalciúria. (NPT2) na borda em escova da célula epitelial. Os níveis
Parentes não afetados podem apresentar anormalidades inadequados de fosfato inorgânico diminuem a função
bioquímicas mínimas, mas com hipercalciúria e, pouco fre- dos osteoblastos maduros (isto é, a ossificação da matriz
qüentemente, nefrolitíase, mas sem sinais de doença óssea. óssea, porque a formação de osso maduro envolve a pre-
A terapêutica isolada com fosfato neutro na forma de cipitação de cristais de apatita). Embora o tratamento com
solução de Joulie (136 g de fosfato dibásico anidro e 58,5 fosfato devesse melhorar o defeito, todas as tentativas
ml de ácido fosfórico 85% em 1 L de veículo edulcorante falharam. Atualmente se sabe que a suplementação de
aromatizado, 1 ml contendo 3 mg de fósforo elementar), fosfato inicia uma resposta do PTH à queda do cálcio sé-
em torno de 1-3 g/d de fósforo elementar para adultos e rico pelo aumento temporário na mineralização óssea
10 mg/kg/d para crianças com aumentos para manter a induzida pelo fosfato. Seguindo-se a este aumento, ocor-
concentração de fosfato sérico acima de 4,5 mg/dl, pare- re um retorno imediato à situação inicial, porque o PTH
ce reverter todos os defeitos bioquímicos em um período diminui a reabsorção de fosfato no túbulo. Dados recen-
de seis meses, à exceção do TmPO4/TFG. Estes aumentos tes sugerem que o hiperparatireoidismo possa ser uma
devem ser graduais, iniciando com 5 ml de 4/4 horas, sen- parte da alteração clínica precedendo qualquer terapêu-
capítulo 30 567

tica. Existe também uma diminuição na reabsorção intes- alteração na dose até quatro semanas. Aumentos podem
tinal de cálcio e fósforo, embora sua relação direta com o ser feitos em 5 ng/kg/d, não excedendo 65-70 ng/kg/d,
raquitismo não seja clara. observando-se as mesmas doses para crianças. A perda
Os primeiros sinais da doença ocorrem entre os 6 e os maciça de fosfato urinário é o problema fundamental. Para
12 meses, com retardo do crescimento e deformidades es- o adulto, 1-2 g/d de fosfato elementar VO, diluído em 75
queléticas, mais comumente genu varum e genu valgum, ml de água, e para crianças, 10 mg/kg/d, com aumentos
quando a criança começa a deambular, com evidências cla- sucessivos para manter a concentração de fosfato sérico
ras de raquitismo nas epífises e nanismo. Sem tratamento acima de 4,5 mg/dl (lactentes) e 2,0 mg/dl (crianças), di-
precoce e adequado, os sintomas de raquitismo e as defor- luídos em 75 ml de água.
midades ósseas são máximos na segunda infância, obser- O amiloride e a hidroclorotiazida são administrados
vando-se também alterações dentárias devido à hipopla- para aumentar a reabsorção de cálcio e reduzir o risco de
sia do esmalte e formação espontânea de abscessos, ao lado nefrocalcinose, ou mesmo evitar sua progressão. A ação
de dentição tardia. A gravidade do raquitismo é variável anticalciúrica dos diuréticos tiazídicos antagoniza a ten-
de paciente para paciente, e em algumas crianças a doen- dência de perda óssea, além de aumentar a concentração
ça não é evidente até a idade escolar. Após o fechamento de bicarbonato sérico pela contração crônica do volume
das epífises e parada de crescimento dos ossos, cessa a ati- extracelular, o que é benéfico, já que crianças com esta
vidade do raquitismo e a fosfatase alcalina atinge níveis patologia associada à nefrocalcinose podem apresentar-
normais ou discretamente elevados. Em alguns adultos o se com acidose metabólica. Para o adulto, dose inicial de
raquitismo pode ser assintomático, enquanto outros apre- 25 mg/d, não excedendo 100 mg/d. Para crianças abai-
sentam dores ósseas, fadiga e lesões degenerativas sem xo de seis meses, doses tão altas como 3 mg/kg/d podem
evidência de osteomalácia (pseudofraturas, osteopenia, ser necessárias; de seis meses a dois anos, 1-2 mg/kg/d,
fosfatase alcalina elevada). não excedendo 38 mg/d, e para crianças acima de dois
Laboratorialmente, além da hipofosfatemia (inferior 1,8 anos, 1-2 mg/kg/d, não excedendo 100 mg/d. O amilo-
mg/dl, com valores normais na criança de 4,5 a 8,0 mg/dl ride, para minorar os riscos de hipocalemia dos tiazídi-
e no adulto de 3,0 a 3,5 mg/dl) e diminuição na reabsor- cos, é utilizado na dose de 5 mg/d para adultos, não ex-
ção tubular de fósforo, presentes mesmo na ausência de cedendo 20 mg/d, e 0,2 mg/kg/d para crianças, não ex-
lesões ósseas demonstráveis, os níveis do cálcio estão nor- cedendo 5 mg/d. Este regime permite a retomada do cres-
mais ou discretamente diminuídos, com a 1,25(OH)2D3 cimento, com cura do raquitismo e normalização do fós-
normal, apesar da hipofosfatemia, um estimulador poten- foro. A dose adequada deve ser adaptada individualmen-
te para a sua elevação. A fosfatase alcalina está geralmen- te, pelo curso clínico do raquitismo e do desenvolvimen-
te elevada, refletindo a atividade das lesões ósseas, poden- to estatural. Os controles devem ser realizados inicialmen-
do estar normal nos adultos, quando as lesões ósseas se te a cada semana por 2 a 3 meses para a detecção precoce
tornam menos evidentes. O PTH se encontra normal ou de possíveis efeitos colaterais e também benéficos do tra-
discretamente elevado. Todos os eletrólitos sanguíneos, tamento. Por vezes ocorre hiperparatireoidismo pelo au-
assim como as funções glomerular e tubular, à exceção da mento transitório do fósforo com diminuição concomitan-
fosfatúria, estão normais. Existe uma diminuição na reab- te do cálcio e conseqüente estimulação da paratireóide.
sorção intestinal do cálcio frente a concentrações plasmá- Este efeito pode ser manejado pela diminuição do fósfo-
ticas normais ou baixas de 1,25(OH)2D3. A ocorrência de ro ou pela elevação da vitamina D. Por vezes o hiperpa-
glicosúria e aminoacidúria é rara. ratireoidismo secundário progride para o terciário, haven-
O regime terapêutico deve permitir a remineralização do necessidade de paratireoidectomia subtotal. Com a
óssea sem causar hipercalcemia, intoxicação pela vitami- cura iniciada, que tipicamente ocorre entre 6 a 8 semanas
na D e deposição metastática de cálcio, inclusive nos rins, do início do tratamento, a dose é reduzida à medida que
ao lado de normalizar os níveis séricos de fósforo. Para a a doença se torna menos ativa, o que ocorre na adolescên-
obtenção dos resultados esperados, o tratamento deve ser cia e na vida adulta. Alguns autores acham necessário o
iniciado precocemente e mantido até o início da vida adul- tratamento de adultos, pelas evidências de achados em
ta. Atualmente o melhor tratamento se faz com o uso com- biópsias ósseas e dados clínicos mínimos como fatigabi-
binado de calcitriol e fosfato oral. Anteriormente se utili- lidade, dor óssea (não referida às articulações) e intole-
zavam doses altas de vitamina D, que não são úteis nesta rância ao ortostatismo.
patologia pela ausência significativa de atividade da 1-alfa-
hidroxilase. Originalmente se administrava vitamina D
entre 25.000 e 50.000 UI/d (no limite inferior da dosagem Osteomalácia Hipofosfatêmica
tóxica), chegando até a 150.000 UI/d, colocando o pacien- Oncogênica
te em risco de episódios de hipercalcemia freqüentes. Es-
tes problemas são diminuídos mas não evitados com o É um raro distúrbio hipofosfatêmico associado a tumores
calcitriol, devendo-se iniciar na dose de 50 ng/kg/d, sem originários do mesênquima, seja de tecidos moles ou de osso.
568 Tubulopatias Hereditárias

Estes tumores produziriam um fator circulante que inibe o da às altas doses de cálcio EV a longo prazo. A hipocalce-
transporte de fosfato nas células epiteliais renais, com níveis mia acentuada nestes dois tipos de raquitismo permite a
diminuídos de 1,25 (OH)2D, apesar da hipofosfatemia. Re- diferenciação fácil com as síndromes de raquitismo hipo-
centemente, o fator 23 de crescimento do fibroblasto foi as- fosfatêmico primário.
sociado aos tumores causando esta doença, sendo um forte
candidato para ser a “fosfatonina”, o fator implicado como
o agente causal da fosfatúria em pacientes com osteomalá- Raquitismo Hipofosfatêmico
cia hipofosfatêmica oncogênica. Ocorre fraqueza muscular Autossômico Dominante
associada a dor óssea, fadiga, deformidades esqueléticas e,
em crianças, retardo do crescimento e, dependendo da ida- Vários relatos descrevem uma síndrome renal de perda
de, raquitismo ou osteomalácia. Muito raramente pode es- de fosfato com raquitismo ou osteomalácia. O gen tem sido
tar associada a síndrome de Fanconi. A remoção do tumor relacionado ao cromossomo 12p13, que codifica um novo
leva ao desaparecimento das anormalidades. Se este não é membro da família do fator de crescimento do fibroblasto
localizado, pode-se tentar a terapêutica com uma combina- (FGF23), cujas mutações causam fosfatúria e hipofosfatemia.
ção de fosfato neutro e 1,25(OH)2D (v. o exposto anterior- A superprodução do FGF23 é responsável por pelo menos
mente), freqüentemente ineficazes. Esta anomalia pode ra- alguns casos de osteomalácia hipofosfatêmica oncogênica.
ramente estar associada à displasia poliostótica fibrosa, neu- Duas apresentações têm sido observadas, caracterizan-
rofibromatose e síndrome do nevo epidérmico. do-se a primeira com fosfatúria na adolescência e vida
adulta, apresentando-se com dor óssea, fraqueza e fratu-
ras, sem deformidades nos membros inferiores e sem evi-
Raquitismo Tipo I dências radiológicas de raquitismo. Na segunda observam-
(Deficiência Seletiva Hereditária se fosfatúria, raquitismo e deformidades dos membros
inferiores nas crianças; alguns deixam de apresentar o de-
de 1-␣-25(OH)D) feito fosfatúrico após a puberdade.
É uma anomalia autossômica recessiva rara, com os O tratamento é feito de maneira similar ao exposto ante-
achados clínicos de raquitismo iniciando-se entre os 2 e os riormente para as várias formas de raquitismo hipofosfatê-
24 meses. Ocorre hipocalcemia com níveis elevados de mico, na dependência dos achados laboratoriais e clínicos.
PTH, hiperaminoacidúria, hipofosfatemia e hiperfosfatú-
ria. Estas crianças apresentam níveis muito baixos de Hipercalciúria Idiopática
1,25(OH)2D, porém com valores normais de 25(OH), exis-
tindo uma incapacidade em produzir calcitriol devido a A hipercalciúria idiopática, que é um fator de risco para
uma mutação inativadora no gen da 1-hidroxilase. A tera- a formação de litíase renal, é muitas vezes transmitida
pêutica, mantida indefinidamente com doses moderadas como um traço autossômico dominante e pode ser devida
de vitamina D (4.000 a 40.000 UI/d) e mesmo maiores, por a um defeito no gen localizado na região 1q23q24. É defi-
vezes até 150.000 UI/d, ou doses fisiológicas de calcitriol nida por uma excreção urinária de cálcio nas 24 horas su-
(0,5 a 1,0 g/d), é curativa e sugere um defeito na enzima perior a 150 mg na mulher, 200 mg no homem e de 4,0 mg/
mitocondrial da célula tubular proximal. kg na criança com menos de 60 kg. Embora alguns autores
definam a hipercalciúria na criança com excrecão  2,0
mg/kg/d.Em lactentes abaixo de 3 meses, 5,0 mg/kg é con-
Raquitismo Tipo II siderado o limite superior da excreção normal.
(Resistência Hereditária Generalizada à A hipercalciúria idiopática, como o nome indica, não
tem etiologia conhecida.
1-␣-(OH)D) Várias teorias têm sido propostas e alguns dados exis-
Apresenta as mesmas características do tipo anterior, tem para sustentar estas teorias, que ainda não podem ser
sendo de transmissão autossômica recessiva. Alguns pa- uniformemente aplicadas a uma grande população de pa-
cientes apresentam alopécia e outros defeitos ectodérmi- cientes.
cos como oligodontia e erupção cutânea papular. Ao con- Estudos referentes ao balanço metabólico destes paci-
trário da anomalia anterior, os níveis séricos de 1,25(OH)2D entes postulam que a perda tubular renal é o resultado de
estão acentuadamente elevados. A anormalidade parece um defeito de mutação em um ou mais canais de íons.
estar localizada no receptor intracelular para 1,25(OH)2D, Outro mecanismo envolveria um desequilíbrio na deposi-
ocorrendo uma resistência do órgão final ao calcitriol, de- ção e reabsorção de cálcio nos ossos, que é independente
vido a mutações no gen codificando o receptor da vitami- do PTH ou vitamina D.
na D. Pode ocorrer variação entre famílias, explicando a A hipercalciúria idiopática é freqüentemente associada
variação na resposta clínica à 1,25(OH)2D, geralmente uti- com elevação discreta a moderada da concentração plas-
lizada em doses bastante levadas (2,0 a 6,0 g/d), associa- mática de calcitriol, que seria conseqüente a uma perda de
capítulo 30 569

fosfato urinário, levando a uma discreta diminuição da tituído. Não se deve restringir o cálcio da alimentação, o
concentração de fósforo plasmático, que estimularia, então, que aumenta o risco da doença, e na população geral a
a síntese de calcitriol, podendo representar um defeito tu- baixa ingestão de cálcio está associada a incidência aumen-
bular proximal discreto. tada de litíase renal. Melhora da doença óssea tem sido
relatada com fosfato VO e suplementação com vitamina D.
Nos pacientes transplantados não existem registros de re-
Doença de Dent corrência.
Nas últimas décadas algumas síndromes caracterizadas
por várias combinações de disfunção do túbulo proximal,
como proteinúria de baixo peso molecular, hipercalciúria, Pseudo-hipoparatireoidismo
nefrocalcinose, insuficiência renal e raquitismo ou osteoma- O pseudo-hipoparatireoidismo (PHP) é um distúrbio
lácia, foram descritas com várias denominações: doença de causado por hipocalcemia e hiperfosfatemia, apesar dos
Dent, nefrolitíase recessiva ligada ao sexo com insuficiên- níveis elevados de PTH, configurando-se uma falta de res-
cia renal, raquitismo hipofosfatêmico recessivo ligado ao posta do órgão efetor, o rim, às ações deste hormônio. Es-
sexo e proteinúria de baixo peso molecular com nefrocalci- tas se referem à homeostase do fósforo e do cálcio e à re-
nose. Todas estas síndromes são associadas com mutações gulação da vitamina D. Assim, o resultado observado é:
no canal do cloreto (C1C5), expresso no túbulo proximal, no
ramo ascendente espesso da alça de Henle e nas células in- 1. retenção de fosfato e hiperfosfatemia conseqüente à
tercaladas tipo A dos túbulos coletores e codificado por um deficiente excreção renal;
gen na posição xp 11.22. O C1C5 está localizado nos endos- 2. homeostase defeituosa do cálcio, incluindo fluxo inade-
somos subapicais, envolvidos na captação e degradação de quado de cálcio do osso para o fluido extracelular, má
proteínas reabsorvidas, o que explicaria a proteinúria de absorção intestinal e perda renal com hipocalcemia; e
baixo peso molecular, um achado consistente nos homens 3. diminuição da 1-hidroxilação de vitamina D.
afetados e, em menor proporção, nos portadores femininos. Dois tipos de PHP são descritos, assim como o pseudo-
Um quadro similar de hipercalciúria, nefrocalcinose e ne- pseudo-hipoparatireoidismo (PPHP), e o gen codificando a
frolitíase tem sido descrito com hipomagnesiemia no lugar proteína estimuladora Gs-alfa-1 do complexo adenilciclase
da hipofosfatemia. Esta síndrome resulta de mutações na (GNAS1) parece estar envolvido em todos os casos. O PHP
proteína da junção estreita, a paracelina-1, que aparentemen- tipo 1, mais freqüente, caracteriza-se pela produção defici-
te medeia a reabsorção paracelular de cátions no ramo as- ente ou ausência de excreção de AMPc após infusão do PTH.
cendente espesso da alça de Henle. A razão pela qual dife- Os subtipos 1a e 1b apresentam, respectivamente, ativida-
rentes mutações produzem quadros fenotipicamente simi- de normal e aparentemente normal, dependendo da função
lares mas não idênticos não está clara, descrevendo-se de- da proteína GsA. Como esta proteína está relacionada ao
zenas de diferentes tipos de mutação no C1C5. acoplamento de vários hormônios à adenilciclase, estes pa-
Com relação ao quadro clínico, proteinúria de baixo cientes apresentam resposta alterada a alguns hormônios e
peso molecular, hipercalciúria e hematúria, além de defei- são associados à resistência aos hormônios luteinizante, fo-
to de concentração, aminoacidúria e nefrocalcinose, são os lículo-estimulante e TSH, sendo que os indivíduos afetados
achados mais freqüentes, e com menor incidência, mas em apresentam o fenótipo da osteodistrofia de Albright (FOA).
percentagem significativa, observam-se insuficiência renal, O tipo 2 resulta de uma incapacidade do AMPc intracelular
glicosúria, hipofosfatemia, nefrolitíase, raquitismo ou os- em iniciar as ações normais do PTH, apesar de sua elevação
teomalácia, hipocalemia e defeitos de acidificação. após a administração deste hormônio.
Laboratorialmente, o cálcio sérico é normal, com níveis O padrão de herança ainda é obscuro, dada à heteroge-
normais ou baixos de PTH e calcitriol sérico normal ou neidade típica da doença, mas aponta-se para uma heran-
discretamente elevado. A evolução para a insuficiência ça autossômica dominante para o tipo 1a, desconhecendo-
renal, entre os 30 e os 40 anos, observada em 2/3 dos paci- se o modo de transmissão dos tipos 1b e 2, com transmis-
entes a partir da adolescência, não mostra uma correlação são complexa.
consistente com a presença ou severidade da nefrocalcino- O início do quadro clínico está em torno dos oito anos.
se. Poderia estar relacionada ao desenvolvimento de escle- Dadas as ações do PTH, o quadro clínico se caracteriza por
rose glomerular ou possivelmente à presença, no túbulo, várias anomalias do desenvolvimento e distúrbios esquelé-
de hormônios bioativos de proteínas de baixo peso mole- ticos, fácies arredondada, baixa estatura, bradidactilia, cal-
cular, fatores de crescimento e citocinas. cificações ectópicas e anormalidades ectodérmicas, ao lado
O tratamento é dirigido à normalização da calciúria e à de algum grau de retardo mental. Pelas similaridades com
melhora da doença óssea. A restrição de sódio (a ingesta o hipoparatireoidismo, este distúrbio recebeu o nome de
aumentada promove a excreção de cálcio), associada a PHP. Posteriormente se descreveram pacientes com o fenó-
diuréticos tiazídicos (que promovem a reabsorção de cál- tipo de PHP tipo 1a, mas sem as anormalidades bioquími-
cio no túbulo contornado distal), é o tratamento a ser ins- cas características, denominado PPHP, com FOA. Os dois
570 Tubulopatias Hereditárias

quadros podem estar presentes na mesma família e pesqui- emia, conhecida como síndrome de Gitelman, que freqüen-
sas recentes sugerem que o PHP e o PPHP são manifesta- temente se apresenta em adultos, constituindo-se em uma
ções da fixação do defeito da proteína estimuladora locali- forma mais discreta da síndrome de Bartter, usualmente
zada no braço do cromossomo 20q. O PPHP surge quando diagnosticada durante investigação de rotina.
o defeito é herdado do pai e o PHP, quando herdado da mãe. O padrão de herança para estas variantes tem sido rela-
A maioria dos sintomas deve-se à excitabilidade neuromus- tado como autossômico recessivo, embora muitos casos
cular aumentada resultante da hipocalcemia, sendo as con- pareçam ser esporádicos.
vulsões a manifestação que mais chama a atenção. O retar- Dados clínicos atuais sugerem que a síndrome de Bartter
do mental é comum no tipo 1, não se sabendo se secundário resulta de transporte transepitelial defeituoso no ramo ascen-
à hipocalcemia ou a um defeito genético. Alterações men- dente espesso da alça de Henle. Os gens codificando as vári-
tais agudas como depressão, psicose, paranóia e demência as proteínas no ramo ascendente espesso foram clonados. No
têm sido relatadas, assim como a catarata subcapsular. Hi- subgrupo de pacientes com síndrome de Bartter antenatal ou
poplasia do esmalte e calcificações dos tecidos moles são neonatal foram identificados dois genótipos. O tipo I resulta
achados comuns. Algum grau de alteração óssea, por vezes de mutações no gen co-transportador do sódio-cloro potás-
com desmineralização intensa e ocasionalmente raquitismo sio-cloro (transportador sódio-cloro potássio-cloro sensível
ou osteomalácia, é observado. Mais recentemente, diminui- à bumetanide — NKCC2), e no tipo II no canal específico
ção da olfação e da capacidade para o gosto de substâncias do potássio, na membrana apical, regulado pelo ATP
ácidas e amargas foi relatada na maioria dos pacientes com (ROMK) e no canal do cloro específico do rim (ClC-Kb). Na
o tipo 1, assim como anormalidades dermatoglíficas. síndrome de Bartter clássica o defeito na reabsorção de só-
dio parece resultar de mutações no gen do canal de cloro
específico do rim, e na síndrome de Gitelman o defeito esta-
DISFUNÇÃO NO TRANSPORTE ria no transportador de sódio-cloro sensível à tiazida (NCCT).
Estes defeitos levariam a um estímulo na produção de reni-
RENAL DE SÓDIO, POTÁSSIO, na e aldosterona pela contração do volume plasmático e li-
MAGNÉSIO E CÁLCIO beração de cloreto de sódio em maior quantidade para o
túbulo distal, explicando a hipocalemia na presença de hi-
Pseudo-hipoaldosteronismo Tipo 1 peraldosteronismo, sendo que a hipocalemia estimularia a
produção de PGE2, que teoricamente diminuiria ainda mais
e Tipo 2 a reabsorção de cloreto. Além do mais, a deficiência de po-
Ver Acidose tubular renal distal tipo 4. tássio seria a responsável pelas anormalidades relacionadas
à bradicinina, calicreína e resposta pressora.
As manifestações clínicas são predominantemente de-
Síndrome de Bartter pendentes da hipocalemia. Os sinais e sintomas podem
É caracterizada por hipocalemia com alcalose metabó- ocorrer logo após o nascimento, variando desde a infância
lica, hiperaldosteronismo hiper-reninêmico com níveis ten- até os 25 anos. Em lactentes e crianças pequenas observa-
sionais diminuídos ou normais, sensibilidade diminuída se retardo do crescimento, anorexia, obstipação, poliúria
à ação pressora da angiotensina II, aumento da produção e polidipsia, e em crianças maiores, fraqueza muscular,
de prostaglandina (PGE2) no sangue e na urina, além de inclusive tetania e paralisia. O retardo mental e a insufici-
níveis urinários elevados de calicreína e aumento dos ní- ência renal crônica são incomuns. Foi relatada recentemen-
veis de bradicinina sérica e PGI1 circulante. Associa-se a te uma possível associação entre a síndrome de Bartter e a
uma nefropatia perdedora de sódio, cloro e potássio, com glomeruloesclerose segmentar e focal, que poderia expli-
diminuição da capacidade de concentração e acidificação. car os relatos de insuficiência renal crônica pela estimula-
Menos freqüentemente se observam hipomagnesiemia, ção do sistema renina-angiotensina-aldosterona levando a
hiperuricemia, hipercalciúria, síndrome de Fanconi, acido- alterações escleróticas nos glomérulos, talvez dependen-
se tubular distal e nefrocalcinose. Mais raramente podem tes da duração da doença e da hipocalemia, com a conse-
ser observadas policitemia e hipofosfatemia. qüente atrofia tubular e fibrose intersticial.
Avanços recentes no diagnóstico molecular revelaram
que a síndrome de Bartter é a expressão de uma de três Ponto-chave:
entidades clínicas: síndrome de Bartter antenatal ou neo-
natal, também chamada de síndrome da hiperprostaglan- • As mutações nos gens que codificam as
dina E, caracterizada por hipercalciúria, poliidrâmnio, pre- várias proteínas transportadoras de
maturidade e desidratação ao nascimento, com dois genó- eletrólitos (sódio, potássio, cloreto, cálcio e
tipos identificados; a síndrome de Bartter clássica, que se possivelmente magnésio) se expressam em
apresenta em crianças freqüentemente como falha no cres- vários segmentos do nefro
cimento; e uma variante com hipocalciúria-hipomagnesi-
capítulo 30 571

Laboratorialmente, a alcalose metabólica é a anormali- urinária de aldosterona. Recentemente, a medida da dife-


dade bioquímica predominante, acompanhada das altera- rença de potencial transnasal foi a primeira demonstração
ções metabólicas plasmáticas e urinárias já citadas, embo- in vivo da atividade aumentada do canal de sódio na sín-
ra, à exceção da caliúria, as outras anormalidades nem sem- drome de Liddle e deve fornecer um teste clínico simples
pre estejam presentes. Defeitos de concentração e diluição para o diagnóstico deste distúrbio.
são muito freqüentes, assim como a incapacidade em di- A terapêutica se baseia na utilização de amiloride e tri-
minuir o pH urinário com a sobrecarga de NH4Cl. Um antereno, antagonistas do canal epitelial do sódio no túbulo
achado importante mas não fundamental é a hiperplasia distal e na restrição sódica. A espironolactona não é indi-
do aparelho justaglomerular. cada, já que o aumento da atividade do canal do sódio não
O defeito tubular nestas síndromes não pode ser corri- é mediado pela aldosterona.
gido. Assim, o tratamento (para toda a vida) deve minimi-
zar os efeitos da elevação na produção de prostaglandina
e aldosterona. A hipocalemia é a preocupação terapêutica Mutações Afetando o Receptor
fundamental. O tratamento com suplementação de potás- Extracelular Sensível ao Cálcio
sio (4,0-6,0 mEq/kg/d, 2-3/d e mesmo mais, para as cri-
anças, e 50-100 mEq/d para o adulto) e magnésio (existin- Uma síndrome com hipercalcemia familial benigna as-
do hipomagnesiemia), associado a diuréticos poupadores sociada à hipocalciúria foi descrita em 1972, sendo conhe-
de potássio como a espironolactona (2,0-4,0 mg/kg/d e cida como hipercalcemia hipocalciúrica benigna, com
100,0-200,0 mg/d, para crianças e adultos, 2/d, respec- hipermagnesiemia discreta e concentrações séricas de PTH
tivamente) ou triantereno (10,0 mg/kg/d), raramente re- normais ou discretamente elevadas, com transmissão au-
sultam na normalização permanente das alterações labo- tossômica dominante e alta penetrância. Em alguns lacten-
ratoriais e clínicas. Atualmente, os inibidores da produção tes nascidos de pais consangüíneos com hipercalcemia hi-
de prostaglandinas têm sido relativamente eficazes no tra- pocalciúrica familial, desenvolve-se logo após o nascimen-
tamento desta síndrome. A indometacina parece ser mais to um hiperparatireoidismo severo, com hipercalcemia
eficaz (embora de curta duração se utilizada isoladamen- acentuada, déficit de crescimento, osteopenia e múltiplas
te), na dose de 2,0 a 5,0 mg/kg/d, 3-4/d para crianças, e fraturas. Posteriormente foi identificado o receptor extra-
25,0-50,0 mg/kg/d, 2-4/d para adultos, associada ou não celular do cálcio (CaR), um membro da família dos recep-
à espironolactona. O ibuprofen (25,0 mg/kg/d, 3-4/d tores acoplados à proteína G, expresso nas glândulas pa-
para crianças e 400,0-800,0 mg/dose, 3/d para adultos) ratireóides, no rim e em outros órgãos. Naquelas, o CaR
parece ser uma alternativa útil. Recentemente, a utilização medeia a supressão extracelular da liberação do PTH pelo
de inibidores da enzima de conversão da angiotensina, que cálcio. No rim, o CaR é expresso na superfície basolateral
diminui a produção de angiotensina II e aldosterona, foi das células do ramo ascendente espesso, na superfície lu-
relatada, com normalização de calemia a médio e longo minal das células do ducto coletor papilar e em outros seg-
prazos, embora alguns estudos não tenham observado os mentos do nefro. Nestes locais, a hipercalcemia inibe a re-
mesmos resultados. absorção de cloreto de sódio, cálcio e magnésio no ramo
ascendente espesso e inibe o efeito hidrosmótico da vaso-
pressina no ducto coletor. Evidências mostram que a ati-
Síndrome de Liddle vação induzida pelo cálcio no CaR dificulta a capacidade
A síndrome de Liddle é um raro distúrbio autossômico de concentração. Agudamente, a redução mediada pelo
dominante, caracterizada por hipertensão precoce e fre- CaR na capacidade de concentração permite a excreção
qüentemente severa, associada a hipocalemia e alcalose aumentada no cálcio, enquanto minimiza o risco de cris-
metabólica, atividade diminuída da renina plasmática e talização dos sais de cálcio e a possível litíase. Cronicamen-
secreção suprimida da aldosterona. Esta anomalia se ori- te, pode ser responsável pelo diabete insípido nefrogêni-
gina de uma mutação por ganho de função nas subunida- co associado com hipercalciúria familial na mesma região
des beta (símbolo genético SCNN1B) ou gama (símbolo do cromossomo 3, igualmente em relação ao gen para o
genético SCNN1G) no canal epitelial do sódio no ducto CaR, reforçando evidências de um papel potencial deste
coletor. O canal se comporta como se estivesse permanen- gen como causa desta patologia e do hiperparatireoidismo
temente aberto, e a reabsorção desordenada de sódio re- neonatal severo.
sulta em expansão do volume, inibição da secreção de re- Posteriormente, inúmeras mutações para o CaR foram
nina e aldosterona e, em muitos casos, de potássio. A falta descritas, associadas a perda (inativação) ou ganho (ativa-
de regulação diminuída da atividade dos canais epiteliais ção) de função. As mutações com perda de função regu-
de sódio pode estar na origem das formas mais comuns de lam a liberação do PTH e aumentam a absorção renal de
hipertensão hiporreninêmica. cálcio. Pacientes com hipercalcemia hipocalciúrica famili-
O diagnóstico é estabelecido com os dados da tríade al autossômica dominante são heterozigotos para as mu-
citada e o achado consistente da diminuição da excreção tações com perda de função do CaR. Alguns pacientes, no
572 Tubulopatias Hereditárias

entretanto, não apresentam defeitos no CaR. Em compen- retardo mental por lesão do SNC dependente dos vários
sação, mutações com ganho de função do CaR dificultam episódios de depleção com hipertermia é comum. A bexi-
a liberação fisiológica do PTH e diminuem a reabsorção ga nestes pacientes está freqüentemente aumentada pre-
urinária do cálcio. Estes pacientes apresentam hipocalce- sumivelmente secundária à poliúria persistente, podendo
mia, com níveis de PTH normais ou baixos e excreção uri- também ocorrer dilatação ureteral e mesmo hidronefrose
nária de cálcio normal ou alta. Alguns desenvolvem nefro- na ausência de qualquer lesão obstrutiva. Nas crianças em
calcinose e diminuição da função renal, com modo de torno dos 3 a 4 anos, a doença se resume a sede, poliúria e
transmissão autossômico dominante. crescimento lento. A poliúria, em sua forma discreta, é re-
O tratamento destas condições depende da severidade lativamente comum, já que a maioria dos pacientes idosos
do fenótipo. Pacientes com hipercalcemia hipocalciúrica ou com nefropatia subjacente apresentam uma redução na
familial são usualmente assintomáticos e não requerem capacidade de concentração máxima. Este defeito, no en-
tratamento. Já os homozigotos para mutações com ganho tanto, não é importante o suficiente para produzir um au-
de função requerem terapêutica para o hiperparatireoidis- mento sintomático no débito urinário. A poliúria verdadei-
mo severo, podendo ser necessária a paratireoidectomia ra, devido à resistência ao HAD, é observada primariamen-
nesses recém-nascidos. Em pacientes com mutações com te em três situações:
ganho de função, portanto com hipercalcemia e hipercal-
1. DIN congênito na criança;
ciúria, o tratamento com diuréticos tiazídicos pode dimi-
2. uso crônico de lítio;
nuir as perdas renais de cálcio. O tratamento com vitami-
3. hipercalcemia.
na D ou suplementação de cálcio deve ser evitado, já que
ambos aumentam a perda renal de cálcio e o risco de ne-
frocalcinose. Pontos-chave:
• A hipostenúria é o único achado
laboratorial específico
DIABETE INSÍPIDO • Sódio plasmático baixo ( 137,0 mEq/L)
NEFROGÊNICO usualmente indica polidipsia primária, e
concentração plasmática normal/alta
O diabete insípido nefrogênico (DIN) congênito é uma ( 142,0 mEq/L), diabete insípido
doença rara, na qual a produção de arginina-vasopressina
(hormônio antidiurético — HAD) é normal, ocorrendo uma
insensibilidade das células dos ductos coletores ao hormô- O diagnóstico correto muitas vezes é sugerido tanto pela
nio com incapacidade em graus variáveis na reabsorção de concentração de sódio plasmático como pela história. As-
água, acarretando poliúria e suas conseqüências. sim, uma concentração de sódio plasmático baixa (inferi-
A doença se transmite mais freqüentemente como uma or a 137 mEq/L devido à sobrecarga de água) é usualmente
anomalia ligada ao sexo. As mulheres transmissoras são indicativo de polidipsia primária, enquanto uma concen-
sadias e unicamente seus filhos são afetados, apresentando- tração normal-alta (superior a 142 mEq/L devido à perda
se por vezes poliúrias, embora em menor intensidade que de água) indica diabete insípido. Hipernatremia acentua-
os homens, respondendo parcialmente à vasopressina. A da não é vista habitualmente no DIN, porque a perda ini-
doença é causada por mutações no gen receptor V2 da argi- cial de água estimula o mecanismo da sede para contraba-
nina-vasopressina. Mutações no gen do canal da água, a lançar as perdas urinárias. Quanto ao dado de início da
aquaporina 2, são responsáveis pelas raras formas autossô- poliúria, esta é usualmente abrupta no diabete insípido
micas recessivas e as raras dominantes, que atingem crian- central, mas gradual no DIN ou polidipsia primária.
ças de ambos os sexos. A descoberta de que mutações no gen Com relação aos exames laboratoriais, é importante lem-
da vasopressina-neurofisina II são responsáveis pela forma brar que a hipostenúria é o único achado laboratorial es-
familial ou autossômica dominante do DIN oferece um pecífico. Anormalidades plasmáticas como hipernatremia,
mecanismo para identificar os membros assintomáticos de hipercloremia e acidose metabólica são conseqüentes à
famílias afetadas que possuem o alelo suspeito. depleção. Assim, hipostenúria com depleção hipernatrê-
O início da doença manifesta-se logo após o nascimen- mica deve sugerir o diagnóstico. O DIN deve ser diferen-
to, com irritabilidade, retardo do crescimento, febre recor- ciado de duas outras condições: diabete insípido hipotalâ-
rente (normalizada com a oferta de líquidos), vômitos, mico e polidipsia primária. Para esta diferenciação os tes-
obstipação e episódios repetidos de depleção com hiper- tes mais utilizados são a comparação das osmolaridades
termia e hipostenúria. Inicialmente a poliúria e a polidip- urinária e plasmática, normalmente realizada após priva-
sia podem não ser aparentes, e se o estado de hidratação é ção de líquidos por 7 horas (o que deve ser evitado em
adequado, a doença pode passar despercebida, sendo uma pacientes com poliúria acentuada pelo risco de depleção
história familial uma boa orientação para o diagnóstico. O de volume e hipernatremia, podendo este período ser di-
capítulo 30 573

Um possível método futuro para confirmar os resulta-


Quadro 30.2 Etiologia da síndrome de Fanconi
dos do teste de restrição hídrica é medir a excreção uriná-
Herdada ria de aquaporina 2. Nas pessoas normais sua concentra-
Idiopática ção seria várias vezes maior comparada àquelas com DI
Cistinose central durante ingestão hídrica normal e após infusão de
Doença de Wilson
solução salina hipertônica, e também após a administra-
Síndrome de Lowe
Galactosemia ção de ADH em pacientes normais e naqueles com DI cen-
Tirosinemia tral, mas sem elevação em pacientes com DIN.
Intolerância hereditária à frutose O mecanismo preciso da insensibilidade renal ao efeito
Adquirida antidiurético da vasopressina é controverso, já que o de-
Envenenamento com metais pesados: chumbo,
feito genético envolve um número de diferentes mutações
cádmio, mercúrio, urânio
Drogas: antibióticos (tetraciclina vencida, (ou deleções) no gen do receptor V2.
gentamicina, cefalosporina), estreptozotocina, No diagnóstico diferencial devem ser afastadas condi-
cisplatina, azatioprina, ifosfamida ções nas quais existe poliúria (v. Quadro 30.4).
Químicos: ácido maléico, nitrobenzeno, lisol
Malignidade: mieloma múltiplo, gamopatias
monoclonais, tumores mesenquimais Ponto-chave:
Hiperparatireoidismo, deficiência de vitamina D
Nefropatias: síndrome nefrótica (esclerose segmentar • A poliúria é usualmente abrupta no diabete
e focal), transplante renal, doença cística medular,
nefropatia dos Balcãs
insípido central e gradual no diabete
Miscelânea: proteinúria de cadeia leve, amiloidose, insípido nefrogênico ou polidipsia primária
síndrome de Sjögren, inalação de cola

A substituição das perdas urinárias de água por supri-


mento adequado de líquidos é o componente mais impor-
minuído para 2 a 3 horas antes do início do teste) e após tante da terapêutica, o que se torna muito difícil para a
administração de vasopressina exógena, como se vê no maioria dos lactentes. Uma maneira de reduzir a carga
Quadro 30.3. Alguns poucos pacientes com as formas cen- osmótica do regime alimentar é a dieta baixa em proteína
tral e nefrogênica podem apresentar um defeito apenas (2 g/kg/d, com acompanhamento estrito, se implementa-
parcial na secreção ou ação da vasopressina plasmática, da), podendo acarretar deficiências nutricionais e em só-
portanto com capacidade razoável de concentração após dio (1 mmol/kg/d). Prover para os lactentes dieta com leite
teste de privação. Nestes casos pode haver necessidade da materno para diminuir a carga de soluto. A proteína deve
dosagem da vasopressina plasmática, correlacionada às compreender 6% da ingesta calórica e o sódio deve ser re-
osmolaridades urinária e plasmática para estabelecer o duzido para 0,7 mEq/kg/d. Para crianças jovens, prover
diagnóstico correto. No diabete insípido central comple- 8% de ingesta calórica como proteína para permitir o cres-
to, os testes revelam atividade e níveis mínimos de ADH, cimento normal, mantendo a ingesta de sódio em 0,7 mEq/
com falha da urina em concentrar, apesar do soro excessi- kg/d. Este manejo é raramente necessário no adulto, já que
vamente concentrado. Em resposta à vasopressina exóge- a depleção é evitada pelo acesso livre à água. À medida que
na, a osmolaridade urinária aumenta em mais de 50%. Já a criança cresce, ela regulará sua própria ingestão de líqui-
nos pacientes com DIN o nível de ADH é normal a eleva- dos, como ocorre com o adulto. Além dos cuidados para
do e ocorre falha em responder ao HAD exógeno durante evitar a desidratação, várias combinações de drogas podem
o teste de privação de água. Outros achados laboratoriais ser utilizadas para diminuir a perda renal de água. A clo-
podem ser a hipernatremia, por vezes grave, a hiperclore- rotiazida (10,0 a 30,0 mg/kg/d) ou a hidroclorotiazida (2,0
mia e uréia e creatinina elevadas, que, conseqüentes à de- a 4,0 mg/kg/d), não excedendo 37,5 mg/d e 100,0 mg/d
pleção, são reversíveis com hidratação adequada. para crianças abaixo e acima de dois anos, respectivamen-

Quadro 30.3 Testes diagnósticos em pacientes com poliúria

Diabete Poliúria Diabete insípido


insípido central primária nefrogênico

Osmolaridade plasmática  290  280  290


Osmolaridade U/P após restrição 1 1 1
Aumento na osmolaridade urinária  100  50  50
após vasopressina
574 Tubulopatias Hereditárias

tência parcial mais que completa ao HAD, é possível que al-


Quadro 30.4 Distúrbios associados com ATR-2
cançando níveis suprafisiológicos de hormônio possa ocor-
ATR isolada rer em aumento do efeito renal do hormônio para um grau
Primária clinicamente importante, fato já comprovado, embora em so-
Hereditária mente dois estudos. Assim, pode ser associado o dDAVP em
Esporádica
pacientes com poliúria sintomática persistente após a imple-
ATR generalizada
Primária (esporádica ou familiar) mentação do esquema terapêutico acima. A utilização de
Erros inatos do metabolismo qualquer destas drogas requer do médico cuidados adequa-
Cistinose dos com relação aos possíveis efeitos colaterais, principal-
Síndrome de Lowe mente com os inibidores da síntese das prostaglandinas. Os
Intolerância hereditária à frutose
episódios de depleção com hipernatremia devem ser mane-
Tirosinemia
Galactosemia jados com soluções salinas hipotônicas, já que as soluções
Doença de Wilson com dextrose produzem glicosúria, aumentando a excreção
Deficiência de piruvato carboxilase de água livre e agravando a depleção.
Leucodistrofia metacromática
Glicogenose
Estados disproteinêmicos
Mieloma múltiplo ACIDOSE TUBULAR RENAL
Doença da cadeia leve
Gamopatia monoclonal A acidose tubular renal (ATR) é uma síndrome clínica
Amiloidose
Deficiência, dependência ou resistência de vitamina D caracterizada por acidose hiperclorêmica, com anion gap
Nefropatias intersticiais normal, secundária a uma anormalidade na acidificação
Síndrome de Sjögren renal. É uma condição na qual a função glomerular é nor-
Doença medular cística mal ou comparativamente menos lesada que a função tu-
Rejeição de transplante renal (precoce) bular.
Nefropatia dos Bálcãs
Trombose crônica de veia renal A acidificação renal ocorre se:
Toxinas 1. o túbulo proximal absorve quantidades adequadas de
Tetraciclina vencida
Chumbo bicarbonato filtrado;
Gentamicina 2. o túbulo distal responde a quantidades adequadas de
Cádmio aldosterona;
Ácido maléico 3. a capacidade intrínseca dos túbulos coletores para es-
Mercúrio
tabelecer um gradiente de íons H entre o sangue e o
Cumarínico
Estreptozotocina fluido peritubular está intacta e não é sobrepujada por
Miscelânea quantidades excessivas de bicarbonato que escapam à
Síndrome nefrótica reabsorção tubular proximal;
Hemoglobinúria paroxística noturna 4. quantidades adequadas de sódio e tampão urinário es-
Câncer
Cardiopatia congênita
tão presentes para manter a secreção de íons H e
5. a geração de amônia é normal.
Existem três tipos de ATR: tipo 2 (proximal), tipo 1 (dis-
tal, clássica, síndrome de Buttler-Albright, forma adulta ou
persistente), e tipo 4 (distal hipercalêmica).
te, e para o adulto 25,0 a 50,0 mg/d, associados à dieta hi-
possódica, podem ser utilizadas na tentativa de reduzir o
volume urinário pela redução do volume plasmático. Este Acidose Tubular Renal Proximal
regime pode ser utilizado por um período de 12 a 24 me-
ses, suplementado com cloreto de potássio, até que o paci-
(Tipo 2)
ente mostre melhora espontânea com a idade. O ácido eta- A acidose hiperclorêmica resulta de uma diminuição do
crínico e a espironolactona produzem efeitos similares e limiar renal para o bicarbonato, durante acidose discreta
menos efeitos colaterais, assim como a associação amilori- ou moderada, causada pela reabsorção incompleta no tú-
de (20,0 mg/1,73 m2/d) para crianças 2 a 3 /d e 5 a 10,0 bulo proximal. À medida que a concentração de bicarbo-
mg/d para adulto e hidroclorotiazida. Os inibidores da pro- nato diminui, a carga filtrada diminui a um nível que o
dução das prostaglandinas como o AAS (30,0 a 100,0 mg/ túbulo defeituoso pode reabsorver. Assim, a urina está
kg/d) e a indometacina (2,0 mg/kg/d), associados ou não isenta de bicarbonato e tem um pH ácido apropriado.
aos tiazídicos, também são agentes terapêuticos eficazes. Geralmente entre níveis plasmáticos de 15 e 18 mEq/L,
Como a maioria dos pacientes com DIN apresentam resis- o nefro distal pode adaptar-se à oferta proveniente do tú-
capítulo 30 575

bulo proximal, reabsorvendo totalmente o excesso. Assim, perclorêmica com anion gap normal, na ausência de altera-
a bicarbonatúria desaparece, o pH urinário pode ser redu- ção glomerular. Estes pacientes apresentam uma excreção
zido normalmente até 5,5 e a excreção de ácido é equiva- fracionada de HCO3 inferior a 3% quando o bicarbonato é
lente à sua produção endógena, o que sugere que o túbulo baixo. A perda urinária de 15% ou mais da quantidade de
distal está intacto. bicarbonato filtrado é patognomônica de ATR proximal.
No tipo primário, raro, ocorre perda isolada de bicar- A determinação da acidez titulável e da amônia está nor-
bonato, e no secundário, muito mais freqüente, coexistem mal ou diminuída, assim como é normal a capacidade de
outros defeitos da função tubular proximal, como glicosú- acidificar a urina, embora possa ocorrer urina alcalina,
ria, aminoacidúria, fosfatúria, uricosúria, citratúria, quando a quantidade de bicarbonato perdida é muito gran-
lisozimúria e imunoglobinúria de cadeia leve, configuran- de. Os exames realizados para o diagnóstico de ATR tipo
do a síndrome de Fanconi (v. Quadro 30.4). O defeito iso- 2 compreendem o teste de sobrecarga de bicarbonato, evi-
lado de acidificação pode ser o resultado de: (1) disfunção denciando uma excreção fracionada elevada, superior a
seletiva na troca de Na/H, responsável pela secreção de 15%, com níveis de bicarbonato plasmático acima do seu
H  ; (2) anormalidades do co-transportador para o limiar e próximos do normal, e a sobrecarga de cloreto de
Na(HCO3)3; (3) atenuação do gradiente de concentração amônio, onde o pH diminui para menos de 5,5. Um dado
de Na da luz para a célula, normalmente mantida pela que pode ser utilizado como um parâmetro deste tipo de
ATPase Na-K-dependente; e (4) inibição, deficiência ou acidose é a necessidade de quantidades maciças de bicar-
alteração da atividade da anidrase carbônica. A capacida- bonato para a sua correção. Um teste de triagem útil e fácil
de em diminuir o PH urinário e excretar quantidades ade- de ser realizado é a determinação do pH urinário da pri-
quadas de acidez titulável e amônia explica a ausência de meira micção da manhã, que, sendo igual ou inferior a 5,5,
alterações secundárias encontradas na ATR tipo 1, como praticamente afasta a possibilidade de ATR tipo 1.
hipercalciúria, nefrocalcinose e nefrolitíase. O tratamento por vezes não é necessário, mas quando a
No tipo primário não existem evidências para a trans- acidose é intensa, a terapêutica deve compensar uma gran-
missão genética do defeito ao nível do túbulo proximal, e de perda de bicarbonato para manter os níveis plasmáti-
a doença é usualmente autolimitada, desaparecendo na cos normais. Pacientes adultos devem receber a quantida-
infância. A ATR tipo 2 ocorre esporadicamente, embora de necessária para tamponar a carga ácida diária da dieta,
uma forma herdada tenha sido descrita recentemente. o que usualmente é alcançado com uma dose de 1-3 mEq/
Mutações homozigóticas no co-transportador apical do kg/d, para manter o bicarbonato sérico acima de 20 mEq/
Na/3HCO3 foram encontradas em duas famílias com L. Na criança, doses de até 4 a 10 mEq/kg/d e mesmo su-
ATP proximal, queratopatia, glaucoma e catarata. Uma periores podem ser necessárias para esta normalização. Em
forma de osteopetrose com retardo mental é associada com alguns pacientes a depleção de volume extracelular é co-
uma forma mista de ATR com características das formas mum, levando a um estado de hiperaldosteronismo que
proximal e distal (chamada tipo 3). O defeito misto é rela- estimula a secreção de potássio pelo túbulo distal, o que,
cionado com a deficiência de anidrase carbônica (isoforma associado à presença neste local de grandes quantidades
II da anidrase carbônica) normalmente encontrada no ci- de bicarbonato, leva à perda obrigatória deste íon, troca-
tosol das células tubulares proximais e células intercaladas do pelo sódio. Este fato deve ser levado em consideração
no ducto coletor. Coexistindo outros defeitos ao nível do na estratégia da terapêutica alcalina, que deve conter quan-
túbulo proximal, admite-se que este tipo possa ocorrer tidades suficientes de potássio para a manutenção dos ní-
esporadicamente ou como uma forma incompleta de uma veis normais. Se a perda de bicarbonato é muito grande, a
síndrome de Fanconi posterior. A forma mais comum de utilização de hidroclorotiazida (2,0 a 4,0 mg/kg/d) junta-
ATR tipo 2 no adulto é associada ao uso de inibidores da mente com a restrição sódica, reduzindo o volume do flui-
anidrase carbônica. do extracelular e aumentando a reabsorção de bicarbona-
Déficit de crescimento causado pelo estado de acidose to, diminui a dose requerida de alcalinizante. Isto pode
persistente é praticamente a única manifestação clínica ob- agravar as perdas de potássio, sendo comum a necessida-
servada. Se não diagnosticada a tempo, a acidose evolui com de de suplementação, podendo-se utilizar as formulações
anorexia, desnutrição e depleção do volume extracelular com citrato, lactato ou acetato de potássio, com a correção
causada pela reabsorção diminuída de bicarbonato de só- conjunta da acidose. Existindo evidências de deficiência de
dio, com estimulação do sistema renina-angiotensina-aldos- vitamina D, freqüente no tipo secundário, deve-se instituir
terona, acarretando hipercalciúria e hipocalemia. Também o tratamento adequado.
dependentes da hipocalemia podem ser observadas fraque-
za muscular, poliúria e polidipsia. Distúrbios do metabolis- Acidose Tubular Renal Distal (Tipo 1)
mo do cálcio, fósforo, PTH e da vitamina D podem ocorrer,
mas são raros e observados naqueles pacientes com ingesta Aqui, o defeito básico consiste na incapacidade em es-
inadequada de vitamina D ou cálcio. tabelecer gradientes adequados de íons H secretados pe-
Os exames laboratoriais evidenciam uma acidose hi- las células intercaladas tipo A do ducto coletor, entre o
576 Tubulopatias Hereditárias

sangue e o fluido tubular, apesar dos baixos níveis de bi-


Quadro 30.5 Distúrbios associados com ATR-1
carbonato plasmático. A incapacidade em diminuir o pH
urinário persistente abaixo de 5,3 é a alteração mais carac- Primária
terística. O pH urinário é inapropriadamente alto tanto com Hereditária
acidose discreta como intensa, usualmente superior a 6,0, Idiopática
com excreção persistente de bicarbonato. Nos lactentes e Adquirida
Disgamaglobulinemia
crianças, ao contrário do que ocorre no adulto, a quanti- Púrpura hiperglobulinêmica
dade de bicarbonato excretada é consideravelmente mai- Crioglobulinemia
or, variando de 5 a 10%, enquanto no adulto é usualmente Hipergamaglobulinemia
inferior a 5%. Estas crianças apresentam o que se chama Síndrome de Sjögren
de perda renal de bicarbonato, acarretando acidose inten- Tireoidite
Fibrose pulmonar
sa, com necessidade de altas doses de álcalis (5 a 14 mEq/ Hepatite crônica ativa
kg/d). Cirrose biliar primária
A etiologia é desconhecida. As características fisiológi- Lúpus eritematoso sistêmico
cas da ATR tipo 1 são a conseqüência de uma taxa reduzi- Anomalias causando hipercalciúria
da de secreção de íon H no túbulo coletor pela ATPase Hiperparatireoidismo primário
Intoxicação por vitamina D
dependente de H e, em menor proporção, pela ATPase Hipertireoidismo
H-K-dependente. O H secretado é então excretado como Hipercalciúria (hereditária, esporádica)
íons livres (refletido pelo valor do pH urinário) ou titula- Rim esponjoso medular
do pelos tampões urinários, fosfato e NH3. Uma redução Drogas e toxinas
na quantidade de H secretado resulta em redução na sua Anfotericina B
Tolueno
concentração urinária (isto é, elevação no pH urinário) e Ciclamato
uma redução no H total tamponado pelo fosfato e NH3 Analgésicos
urinários. Este distúrbio resulta de um ou outro de três Lítio
mecanismos: (1) defeito secretor responsável pela taxa re- Mercúrio
duzida de secreção ativa unidirecional de H da célula para Doenças túbulo-intersticiais
Nefropatia dos Bálcãs
a luz; (2) defeito na permeabilidade que permite um ele- Pielonefrite crônica
vado fluxo passivo retrógrado de íon H+ secretado (da luz Uropatia obstrutiva
para a célula) ou ingresso luminal aumentado de bicarbo- Transplante renal
nato ou OH ; e (3) defeito dependente de voltagem, onde Lepra
o potencial de voltagem transepitelial alterado no túbulo Anastomose jejunoileal com hiperoxalúria
Doenças sistêmicas de transmissão genética
distal diminui a secreção de íon H. Talvez a melhor evi- Síndrome de Ehlers-Danlos
dência da alteração da função dos ductos coletores na ATR Eliptocitose hereditária
tipo 1 seja o achado de que a pCO2 na urina não se eleva a Anemia falciforme
valores normalmente altos durante sobrecarga com bicar- Doença cística medular
bonato de sódio. Em pessoas normais, tornadas bicarbo- Doença de Wilson
Doença de Fabry
natúricas com a sobrecarga, a pCO2 excede a do sangue Síndrome de Marfan
arterial por mais de 20 mmHg. Hipercalciúria hereditária
Existem dois tipos de ATR tipo 1: a primária e a secun- Deficiência de anidrase carbônica
dária, esta dependente de várias doenças hereditárias e Surdez neurossensorial
adquiridas (v. Quadro 30.5). A ATR tipo 1 é, na maioria das Miscelânea
Cirrose hepática
vezes, esporádica, mas inúmeras famílias são descritas na Osteoporose com deficiência de anidrase carbônica II
literatura. As formas genéticas do tipo 1 podem ser autos-
sômicas dominantes e recessivas. A forma dominante, com
grau variável de expressão, maior nas mulheres, causa
nefrocalcinose e osteomalácia. Nos membros de uma famí- tam na infância com retardo do crescimento e nefrocalci-
lia podem ocorrer formas incompletas, caracterizando-se nose podem evoluir para a insuficiência renal.
pela ausência de acidose franca, já que eles são capazes de O início dos sintomas ocorre geralmente após os dois
manter excreção ácida, apesar do defeito de acidificação. anos de idade e freqüentemente só é aparente na vida adul-
O defeito primário poderia ser uma redução do pH intra- ta. No entanto, a enfermidade pode muitas vezes ser de-
celular das células no túbulo proximal. Na evolução, alguns tectada desde a infância, com uma história de vômitos,
pacientes com a forma incompleta de ATR tipo 1 progri- anorexia, depleção, poliúria e retardo do crescimento. Ra-
dem para a forma completa. A forma autossômica recessi- quitismo e osteomalácia estão presentes, e sintomas de dor
va pode ocorrer com ou sem surdez neurossensorial. Mu- óssea ou fraturas espontâneas podem ser as principais
tações na forma recessiva de ATR distal que se apresen- queixas em adultos. A nefrocalcinose é um achado muito
capítulo 30 577

freqüente e pode ser observada radiologicamente ou, mais Na terapêutica da ATR tipo 1 devem ser repostas quan-
precocemente, ecograficamente. A urolitíase é muito me- tidades adequadas de bicarbonato ou citrato de sódio para
nos comum em crianças. Poliúria, pelo defeito de con- contrabalançar o íon H produzido metabolicamente. Ge-
centração, está quase sempre presente. ralmente a perda de bicarbonato não é importante nestes
Os exames laboratoriais caracteristicamente revelam pacientes, ao contrário do que ocorre no tipo 2. A admi-
uma acidose hiperclorêmica com pH urinário alcalino, nistração de potássio pode ser necessária, os melhores re-
geralmente acima de 6,0. Podem estar associadas hipona- sultados sendo obtidos com uma mistura de bicarbonato
tremia e hipocalemia moderadas, com concentração de de sódio ou potássio, dependendo das necessidades des-
fósforo baixa e cálcio normal ou diminuído. A hipocalce- tes elementos para o paciente individual. A maioria dos
mia, derivada tanto da hipercalciúria como da absorção pacientes é capaz de excretar uma porção substancial de
intestinal alterada, e a hipofosfatemia são presumivelmente sua carga ácida com doses alcalinizantes de 1,0 a 3,0 mEq/
as causas do raquitismo e da osteomalácia, que ocorrem kg/d, divididas em 3 ou 4 tomadas. Crianças com a cha-
eventualmente, e da tetania (durante o tratamento com mada perda renal de bicarbonato necessitam de doses mais
álcalis). A acidose metabólica crônica promove mobiliza- elevadas, entre 5,0 e 14,0 mEq/kg/d. Por vezes, a necessi-
ção de cálcio do esqueleto e pode inibir a conversão renal dade de doses mais elevadas só se torna mais aparente após
da 24-OH vitamina D3 em 1,25(OH)2D3, o metabólito mais o início do tratamento. A terapêutica deve ser avaliada em
ativo da vitamina D3 com relação à absorção de cálcio, re- cada caso de acordo com os níveis de pH e de bicarbonato
absorção óssea e cura do raquitismo. Nos pacientes não plasmáticos, que devem ser mantidos normais, juntamen-
tratados, o PTH pode estar aumentando, o que poderia te com a excreção urinária de cálcio que, com a normaliza-
estar relacionado tanto à hipercalciúria quanto à hipocal- ção ácido-básica, deverá ser inferior a 2,0 mg/kg/d. Com
cemia. A fosfatase alcalina pode estar aumentada se estão a normalização da acidose cessam as perdas de sódio, po-
presentes lesões de raquitismo ou osteomalácia. A filtra- tássio, aldosterona e cálcio, assim como a excreção de ci-
ção glomerular está normal nas crianças adequadamente trato volta ao normal. Exceto nos casos mais graves, ocor-
hidratadas, embora graus variáveis de insuficiência renal re uma melhora rápida das dores ósseas e, com o tempo, a
estejam presentes em pacientes com o diagnóstico tardio. cura. Em caso negativo, deve-se considerar a adição de
O pH urinário está persistentemente elevado, acima de 6,0, cálcio e vitamina D, com os cuidados para evitar a hiper-
existindo diminuição da excreção de acidez titulável e de calciúria. Com o tratamento adequado e precoce pode ser
amônia na urina, apesar da acidose metabólica presente e evitada a nefrocalcinose, podendo ocorrer sua reabsorção,
da hipocalemia. A depuração de fósforo está aumentada se discreta.
como conseqüência do hiperparatireoidismo secundário. A rara crise de ATR tipo 1, caracterizada por acidose
Hipercalciúria é um achado constante, sendo também ca- metabólica intensa, hipocalemia e hipocalcemia, pode ne-
racterística uma baixa excreção de citrato urinário, prova- cessitar de tratamento imediato. O risco de desenvolver
velmente secundária à acidose intracelular e à depleção de paralisia e depressão respiratórias faz com que a terapêu-
potássio. Defeitos de concentração devem levar à suspeita tica com potássio seja necessária e sempre realizada antes
de doença túbulo-intersticial ou nefrocalcinose avançada. da correção da acidose. A terapêutica estabelecida pre-
Na ATR distal secundária, inúmeras enfermidades e dro- cocemente pode evitar as conseqüências da doença e,
gas podem levar a um déficit de acidificação distal, com suas principalmente, a nefrocalcinose e possível nefrolitía-
conseqüências para a função renal. Embora nem todos os se.
pacientes deste tipo desenvolvam o quadro completo des- Nos pacientes nos quais a ATR tipo 1 parece ser uma
crito na forma primária, na maioria deles é possível detec- conseqüência tardia da lesão renal causada pela hipercal-
tar pelo menos um déficit de acidificação da urina. Quando ciúria hereditária e conseqüente nefrocalcinose, não se
a anormalidade de acidificação do túbulo distal não é apa- conhece ainda o efeito da terapêutica alcalinizante sobre a
rente, a prova de sobrecarga de NH4C1 esclarece o defeito. hipercalciúria, a excreção de citrato ou eliminação de cál-
Não ocorrendo queda do pH abaixo de 5,5, o diagnóstico culos. A correção da acidose leva à redução da excreção de
provável é de ATR distal. Ocorrendo queda do pH, deve-se potássio, sódio e aldosterona. Com a correção permanen-
pensar em ATR proximal ou nas formas de ATR hipercalê- te da acidose, os balanços externos de potássio e sódio se
micas. Assim, existindo acidose hiperclorêmica com hiper- tornam suficientemente positivos para corrigir a hipoca-
calemia sem queda do pH abaixo de 5,5, o diagnóstico é ATR lemia e a depleção de sódio.
tipo 1 hipercalêmica, provavelmente secundária a uropatia Naqueles pacientes que não toleram o bicarbonato pe-
obstrutiva, nefropatia diabética ou nefrite intersticial. Se o las manifestações estomacais possíveis, pode ser utilizada
pH cai abaixo de 5,5 deve-se então considerar o diagnóstico a solução de Shohl (ácido cítrico: 140 g, citrato de sódio: 90
de deficiência seletiva de aldosterona, insuficiência supra- g, água: qsp 1.000 ml), cada ml da solução equivalendo a 1
renal ou resistência à aldosterona. A determinação do anion mEq de bicarbonato. A alternância entre as fórmulas de
gap urinário pode facilitar o diagnóstico e na ATR distal clás- substâncias alcalinizantes pode melhorar a aderência do
sica este é igual a zero ou positivo. paciente.
578 Tubulopatias Hereditárias

mico dominante. Existiria uma reabsorção excessiva de


Ponto-chave:
cloreto pelo túbulo distal, com redução do potencial nega-
• Na ATR proximal tipo 1 primária, a tivo luminal, acarretando aumento da reabsorção de sódio,
capacidade em diminuir o pH urinário e com as conseqüentes hipervolemia, hipertensão arterial e
excretar quantidades adequadas de acidez supressão secundária da produção de aldosterona. Qual-
quer destes processos causa redução da excreção de íons
titulável e amônia explica a ausência de
H e K e, portanto, acidose metabólica e hipercalemia.
alterações secundárias, como hipercalciúria,
No tratamento é contra-indicado o uso de mineralocor-
nefrocalcinose e nefrolitíase, observadas na ticóides, que agravariam a hipertensão. A restrição na in-
ATR distal tipo 2 gesta de sódio ou utilização de hidroclorotiazida e furose-
mide corrigem a hipercalemia e a acidose.
Acidose Tubular Renal Tipo 3
SUBTIPO 4 (pseudo-hipoaldosteronismo tipo 1,
Antigamente, este tipo era considerado como uma as- clássico)
sociação dos tipos 1 e 2, uma definição provavelmente Neste tipo, dois modos de herança são descritos. Na
equivocada, sendo que este termo não é mais utilizado. forma autossômica recessiva a doença é permanente e oca-
sionada por um defeito no canal de sódio do túbulo distal
(e outros órgãos alvo da aldosterona) com relativa falta de
Acidose Tubular Renal Distal (Tipo 4) resposta às ações da aldosterona. Ocorre unicamente em
É o tipo de ATR generalizada mais comum em crianças lactentes, apresentando-se com nefropatia perdedora de
e adultos, ocorrendo na ausência de doença parenquima- sal, com tendência à hipotensão, acidose metabólica hiper-
tosa difusa ou diminuição da taxa de filtração glomerular. clorêmica e hipercalemia. As concentrações de aldostero-
Caracteriza-se por acidose hiperclorêmica, sem elevação do na e renina plasmáticas, assim como a concentração uriná-
hiato aniônico urinário, hipercalemia e pH urinário alcali- ria de aldosterona, estão muito elevadas. Na forma autos-
no (ácido durante períodos de acidose). A capacidade de sômica dominante o defeito melhora com a idade, e em
acidificação parcialmente alterada é explicada pela dimi- alguns casos envolve unicamente o rim. Nos lactentes, o
nuição da produção de amônia conseqüente à hipercale- quadro clínico é caracterizado por retardo do crescimen-
mia causada pelo hipoaldosteronismo e redução da secre- to, depleção do espaço extracelular e hiponatremia causa-
ção de íons H, diretamente relacionada à deficiência de das pela perda de sal e hipercalemia devido à retenção de
aldosterona no seu efeito fisiológico sobre o rim. potássio e acidose hiperclorêmica. Após os dois anos, se a
Atualmente são descritos cinco subtipos de ATR-4. O criança é adequadamente tratada com bicarbonato e clo-
subtipo 1 resulta de uma deficiência hormonal primária de reto de sódio, a gravidade da disfunção renal é suficiente-
mineralocorticóides, como ocorre em pacientes com hiper- mente diminuída para permitir a descontinuidade do tra-
plasia congênita da supra-renal, deficiência da 21-hidro- tamento. A restrição do cloreto de sódio da dieta leva à
xilase, em pacientes com insuficiência supra-renal bilate- recorrência da doença, evidenciando a persistência da le-
ral ou ainda deficiência da metiloxidase corticosterona, um são renal. Este tipo foi descrito secundário à uropatia obs-
erro inato da biossíntese da aldosterona e finalmente na trutiva, à nefrite intersticial por meticilina, seguindo-se a
deficiência isolada da aldosterona secundária à deficiên- transplantes renais e na doença medular cística, sendo cor-
cia congênita de renina. O subtipo 2 é associado a doenças rigido com grandes quantidades de bicarbonato de sódio
crônicas do rim, resultando em lesão parenquimatosa di- e cloreto de sódio.
fusa, principalmente diabete e doenças túbulo-intersticiais,
com diminuição discreta a moderada da taxa de filtração SUBTIPO 5 (ATR precoce da infância)
glomerular (hipoaldosteronismo hiporreninêmico). Nestes
Aqui ocorre uma falta de resposta renal à aldosterona,
tipos ocorre uma diminuição dos sítios sensíveis à aldos-
afetando a excreção de íon H e do potássio, sendo normal
terona no túbulo distal. Os subtipos 3, 4 e 5 resultam de a reabsorção de sódio, que resulta em acidose metabólica
alterações primárias do túbulo distal. hipercalêmica com diminuição da excreção de H e K. A
excreção urinária de sódio e sua concentração plasmática,
SUBTIPO 3 (síndrome hipercalêmica do adolescente, assim como a pressão arterial, são normais. Estes pacien-
shunt renal do cloreto, pseudo-hipoaldosteronismo tipo tes, se não tratados precocemente, apresentam déficit pon-
2, síndrome de Gordon) doestatural. Com a terapêutica alcalinizante, normalizan-
É caracterizada por acidose metabólica discreta, hiper- do a acidose, ocorre aceleração do crescimento. A maioria
tensão, hipervolemia e hipoaldosteronismo, mais freqüente dos lactentes e crianças pequenas apresentam melhora
em adolescentes, mas também observado em crianças e espontânea gradual após vários anos, sem necessidade de
adultos. O defeito é transmitido como um traço autossô- prosseguir o tratamento, o que indicaria uma “imaturida-
capítulo 30 579

Quadro 30.6 Estudos diagnósticos na ATR


Tipos de ATR
Tipo 1 Tipo 2 Tipo 4
Perda de
Achados Clássica HCO3
Com acidose metabólica
pH urinário mínimo  5,5 5,5 5,5 5,5
Excreção de AT e NH4 앗 앗 N ou 앗 앗
K plasmático N ou 앗 N ou 앗 N ou 앗 앖
Excreção de citrato 앗 앗 앖 ?
Hiato aniônico urinário Pos Pos Pos ou ? Pos
Depuração renal de K 20 20 20 20
Sem acidose metabólica
Excreção de AT e NH4 앗 앗 앗 앗
Excreção fracionada de HCO3 3-5% 5-10% >15% 1-15%
Excreção de citrato N N 앖 ?
K plasmático N N N ou 앗 N ou 앖
pCO2 urina/sangue  20  20  20  20
Resposta à terapêutica rápida rápida lenta lenta
Álcalis (mEq/k/d) 1-3 5-10 5-20 15
Outras associações
Nefrocalcinose comum comum rara não
Nefrolitíase comum comum rara não
Síndrome de Fanconi não não sim não

N  normal; Pos  positivo; AT  acidez titulável; NH4  amônio.

de tubular”, com receptores para a aldosterona pouco de- FRIEDMAN, A.L. and CHESNEY, R.W. Isolated tubular disorders. In:
Schrier, R.W. and Gottschalk, C.W. Diseases of the Kidney, 4th ed. Bos-
senvolvidos, devido aos túbulos distais curtos, caracterís-
ton, Little, Brown and Co. Cap. 21, p. 663, 1988.
ticos dos lactentes. HAFFNER, D.; WEINFURTH; SCHIMIDT, H.; BREMER, H.J.; and
No Quadro 30.6 estão incluídos os estudos diagnósticos MEHLS, O. Long term outcome of pediatric patients with hereditary
nos vários tipos de ATR. tubular disorders. Nephron, 83:250-260, 1999.
HOLLIDAY, M.A.; BARRAT, T.M. and AVNER, E.D. Tubulopathies. In:
Pediatric Nephrology, 3rd ed. Baltimore, Williams and Wilkins, p. 686, 1994.
KNOERS, N.V.A.M. and DEEN, P.M.T. Molecular and cellular defects in
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA nephrogenic diabetes insipidus. Pediatr. Nephrol., 16(12):1146-1152, 2001.
MORRIS, C.R. and IVES, H.E. Inherited disorders of the renal tubules.
In: Brenner, B.M. and Rector, F.C. The Kidney, 5th ed. Philadelphia, W.B.
BETTINELLI, A.C.; CIARMATORI, S.; CESAREO, L.; TERESCHI, S. et al. Saunders Co. Cap. 37, p. 1764, 1996.
Phenotypic variability in Bartter syndrome type I. Pediatr. Nephrol., RODRIGUEZ-SORIANO, J. New insights into the pathogenesis of renal
14:940-945, 2000. tubular acidosis — from functional to molecular studies. Pediatr. Ne-
BONFANTE, L.; DAVIS, P.A.; SPINELLO, M.; D´ANGELO, D. et al. phrol., 14(12):1121-1136, 2000.
Cronic failure, end stage renal failure, and peritoneal dialisis in Gi- SCRIVER, C.R.; BEAUDET, A.L.; SLY, W.S.; VALLE, D. The Metabolic Basis
telman
s syndrome. Am. J. Kidney Dis., 38(1):165-168, 2001. of Metabolic Disease. Highstown, McGraw-Hill, 5th ed., 1989.
CRUZ, D.N.; SHAER, A.J.; BIA, M.J.; LIFTON, R.P. et al. Gitelman´s syn-
drome revisited: an evaluation of symptoms and health-related qua-
lity of life. Kidney Int., 59:710-717, 2001. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
DELL, K.M. and GUAY-WOODFORD, L.M. Inherited tubular disorder.
Library of the National Medical Society
Sem. Nephrol., 19(4):364-373, 1999.
DOMRONGKITCHAIPORN, S.; KHOSITSETH, S.; STTCHANTRAKUL,
http://www.emedicine.com/med/contents.htm
W.; TAPANEYA-OLARN, W. et al. Dosage of potassium citrate in the http://www.emedicine.com/ped/contents.htm
correction of urinary abnormalities in pediatric distal renal tubular OMIM-On Line Mendelian Inheritance in Man
acidosis patients. Am. J. Kidney Dis., 39(2):383-391, 2002. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/OMIM/
Capítulo
Doenças Císticas Renais

31 Mauri Félix de Sousa e Gilvan Neiva Fonseca

INTRODUÇÃO ABORDAGENS CIRÚRGICAS DOS CISTOS RENAIS


Cisto renal simples Avaliação por técnicas de imagens
Doença renal policística autossômica recessiva Classificação de Bosniak
Doença renal policística autossômica dominante Cistos renais de interesse cirúrgico
Displasia renal cística Tratamento cirúrgico
Doenças císticas da medula renal REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Doença renal cística adquirida BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

ser dominantes ou recessivas. O Quadro 31.2 mostra uma


INTRODUÇÃO classificação das doenças císticas dos rins.
Os cistos renais podem complicar com hematúria, sín-
As doenças císticas renais constituem um grupo bastante dromes dolorosas, hipertensão arterial sistêmica, obstru-
heterogêneo quanto às características e causas dos cistos, ção urinária e perda da função renal. No Brasil, de 44.943
tendo como similaridade a formação de cavidades delimi- pacientes em diálise crônica em dezembro de 2001, 1.073
tadas por epitélio e preenchidas por fluidos ou debris semi- (2,387%) tinham como causa doença cística renal (dados
sólidos. Constituem um importante capítulo devido à alta colhidos dos arquivos da “APAC”–DATASUS). A diferen-
freqüência com que ocorrem, às complicações que podem ciação entre as principais doenças císticas é apresentada
causar e às dificuldades de diferenciação diagnóstica en- nos Quadros 31.2 e 31.8.
tre as doenças císticas e destas com os tumores renais.
Quanto às características, embora apresentem aspectos
Pontos-chave:
comuns (proliferação celular, anormalidades da membra-
na basal, inversão do fluxo transepitelial de fluidos), os • O cisto renal tem origem nas células
cistos podem ser corticais e/ou medulares, microscópicos epiteliais tubulares
ou chegarem a mais de 10 cm de diâmetro, de conteúdos • As doenças císticas renais são causadas por
diversos e delimitados por epitélio cubóide e/ou achata- doenças hereditárias, adquiridas ou do
do, com formação de pólipos que se projetam na luz, ocor- desenvolvimento
rendo na infância ou no adulto, silenciosos ou sintomáti-
cos. Quanto às causas dos cistos, podem ser divididas em
hereditárias e não-hereditárias. As não-hereditárias podem
ser classificadas em adquiridas e por desordem de desen-
Cisto Renal Simples
volvimento. As hereditárias podem ser classificadas em O cisto renal simples é o mais comum entre as doenças
autossômicas ou ligadas ao “X”. As autossômicas podem císticas renais. Caracteriza-se pelo aparecimento de cistos
capítulo 31 581

Quadro 31.1 Principais doenças císticas renais (Adaptado de Fick e Gabow1; Welling e Grantham2; Pirson, et al.3)
DOENÇAS CÍSTICAS RENAIS
Não-hereditárias Hereditárias
Desordens adquiridas Autossômica dominante
Doença cística adquirida em pacientes com Doença renal policística autossômica dominante
insuficiência renal crônica
Cisto renal simples (solitário ou múltiplo) Complexo esclerose tuberosa
Cistos do seio renal (ou linfangiectasia peripélvica) Doença de Von Hippel-Lindau
Cisto multilocular (nefroma cístico multilocular) Doença cística medular
Cistos relacionados a hipocalemia Doença renal glomerulocística
Desordens de desenvolvimento Autossômica recessiva
Rim esponja medular Doença renal policística autossômica recessiva
Rim com displasia multicística Nefronoftise
Cisto pielocalicial Ligada ao “X”
Síndrome orofaciodigital tipo I

Quadro 31.2 Diferenciação das principais doenças císticas renais

Característica Cisto DRPAD DRPAR Doença cística Doença cística Rim esponja
simples adquirida medular medular

Modelo Não Autossômico Autossômico Não Freqüentemente Não


hereditário dominante recessivo presente;
modelos
variados

Freqüência Comum, 1/200 a 1/1.000 Rara 100% em Rara Comum


aumentando pacientes em
com a idade diálise por
período longo

Idade de Adulto Adulto, Neonatos, Usualmente Adolescentes, Adultos


início habitualmente crianças adultos idosos adultos jovens

Sintomas Achados Dor, hematúria, Massa Hematúria Poliúria, Acidental,


presentes acidentais, infecção do abdominal, polidipsia, infecção do
hematúria cisto, insuficiência enurese, trato urinário,
insuficiência renal, falência renal, hematúria,
renal déficit no déficit no cálculo renal
desenvolvimento desenvolvimento

Hematúria Ocorre Comum Ocorre Ocorre Rara Comum

Infecção Rara Comum Ocorre Não Rara Comum


recorrente

Cálculo renal Não Comum Não Não Não Comum

Hipertensão Rara Comum Comum Presente pela Rara Não


doença de
base

Método Ultra- Ultra- Ultra-sonografia Tomografia Não Urografia


diagnóstico sonografia sonografia, computadorizada, excretora
análise de ultra-sonografia
ligação de
genes
582 Doenças Císticas Renais

Quadro 31.2 Diferenciação das principais doenças císticas renais (cont.)

Característica Cisto DRPAD DRPAR Doença cística Doença cística Rim esponja
simples adquirida medular medular

Tamanho Normal Normal a Inicialmente Pequeno a Pequeno Normal


renal muito grande grande normal,
ocasionalmente
grande

Patologia Cistos Cistos de As porções Cistos corticais Cistos na Múltiplas


renal múltiplos ou tamanhos do ducto e medulares, medula, dilatações
isolados, variáveis em coletor que medem principalmente císticas dos
geralmente todos os envolvidas em de 0,5 a 2 cm na junção ductos
corticais, de segmentos dos 90%; forma de diâmetro, córtico- coletores
tamanhos néfrons, infantil com com líquido medular, na medula,
variados geralmente ⬎ envolvimento claro, epitélio associados ductos
1 cm de 10-60%; hiperplásico a atrofia papilares
formas tardias ou filamentoso, tubular dilatados,
com cistos ⬍ às vezes com cortical às vezes
0,5 cm cristais de significativa pequenos
oxalato de e fibrose cistos de
cálcio intersticial epitélio
cubóide e
às vezes
transicional

Curso Benigno Insuficiência 20% morrem de Hemorragia, Insuficiência Benigno


clínico renal em insuficiência eritrocitose, renal
50% dos respiratória neoplasia
casos aos no primeiro
60 anos de mês; IRC,
idade hipertensão
portal

Representação
diagramática

de variados tamanhos (mais comumente 0,5 a 1 cm), pres- Na presença de infecção resistente a tratamento com anti-
são hidrostática de 1 a 42 mmHg (média ⫽ 15 mmHg), de biótico, hipertensão arterial, obstrução piélica ou síndro-
limites precisos, paredes finas e lisas, esféricos, unilocula- me dolorosa atribuídas ao cisto, tratamento cirúrgico deve
res, corticais, alterando o contorno renal ou medular. Sua ser indicado.
freqüência observada à ultra-sonografia aumenta com a
idade, indo de 5,1% na quarta até 36,1% na oitava década
de vida. A proporção entre homens e mulheres é de 2:1. O Doença Renal Policística Autossômica
aumento do tamanho dos cistos é em média de 2,82 mm Recessiva (DRPAR)
anualmente, crescendo mais rapidamente nos pacientes
com ⭐ 50 anos de idade ou nos cistos multiloculados.26 A A DRPAR é uma desordem grave, com incidência de
freqüência de cistos é maior quando o método de obser- 1:20.000. O quadro clínico típico se inicia no recém-nasci-
vação é a ressonância nuclear magnética (RNM), a qual é do/lactente e é caracterizado por dilatação cística dos duc-
mais sensível em cistos menores que 1 cm.27 O cisto sim- tos coletores renais e disgenesia da árvore biliar. O grupo
ples pode ser assintomático na grande maioria dos casos de estudos da DRPAR da América do Norte (EUA/Cana-
ou cursar com dor, hematúria, infecção do trato urinário dá) encontrou que a média do tempo de diagnóstico era 1
recorrente, obstrução pielocalicial, hipertensão arterial ou dia de idade (faziam diagnóstico mesmo intra-útero). As
insuficiência renal.28 Se o cisto permanece assintomático e crianças não sobreviviam em 23,1% dos casos, sendo a
é homogêneo, com paredes sem espessamento e lisas, não média do tempo de vida destes casos 161 dias. A sobrevi-
acentuado por contraste intravenoso, a conduta é a obser- da geral foi de 85,6% aos 30 dias de idade, 77,8% com 1 ano
vação. Se o cisto não obedece a esses critérios, investiga- de idade. Hipertensão se desenvolve em 62,6% (idade
ção cirúrgica deve ser realizada. média 75 dias). A prevalência de insuficiência renal crôni-
Se o cisto simples apresenta um volume ⬎ 500 ml, deve ca foi de 58% (idade média ⫽ 119 dias). Hipertensão por-
ser drenado cirurgicamente ou por aspiração por agulha. tal ocorreu em 14,2% (idade média ⫽ 2,2 anos). Embora
capítulo 31 583

com expressão fenotípica variável, ocorre por mutação


herdada no cromossomo 6p21.1-p2 e se expressa de forma
recessiva.24 O diagnóstico pode ser feito antes do nascimen-
to por ultra-sonografia. Os critérios diagnósticos são:
1. rins hiperecogênicos sem cistos grosseiros;
2. evidência de fibrose biliar;
3. biópsia comprovando DRPAR em irmãos.

Doença Renal Policística Autossômica


Dominante (DRPAD)
A doença renal policística autossômica dominante se
constitui em uma das doenças genéticas mais comuns em
humanos, afetando 1 em cada 1.000 pessoas da população
geral, podendo chegar a 1/400 em brancos. Caracteriza-se
pelo aparecimento de cistos renais a partir de qualquer
Fig. 31.3 Rim da DRPAD (reproduzido com autorização do De-
porção do néfron, estes aumentando em número e tama- partamento de Patologia da FM da USP).
nho de acordo com o tempo de vida do indivíduo, e levan-
do em 50% dos casos à insuficiência renal crônica naque-
les que chegam aos 60 anos de idade.
FISIOPATOLOGIA. A doença renal policística autos-
sômica dominante é causada pela mutação de dois diferen-
tes genes, havendo a possibilidade de existir a mutação de
um terceiro gene, como se observa no Quadro 31.6.
Epitélio PKD1 é o gene responsável por aproximadamente 85%
Epitélio cubóide dos pacientes com doença renal policística autossômica
achatado dominante (DRPAD), localizado no cromossomo 16. Ele
codifica uma proteína de 460 kD, chamada policistina 1.
Esta é uma proteína de 4.032 aminoácidos que se ancora
na membrana celular através de sete domínios transmem-
brânicos (Fig. 31.4). A policistina 1 funciona como um re-
papila ceptor e transdutor de sinal, comunicando informações de
fora para dentro da célula, interagindo com a policistina 2
(produzida por PKD2). Sabe-se que a primeira funciona
debris
como um ativador da proteína G e modula a atividade de
canais de cálcio e potássio, mas obedecendo à regulação
Fig. 31.1 Características de um cisto renal.
física da segunda.93 Esta função é crucial no desenvolvi-
mento embriogênico tardio, e uma mutação poderia levar
à alteração do processo de maturação da célula tubular,
mantendo-a em estado de não-desenvolvimento. Isto leva-
ria à manutenção da proliferação celular e à predominân-
cia de secreção tubular em relação à absorção, e, assim, à
formação de cistos.
O modelo hipotético para a formação de cistos na
DRPAD baseia-se no mecanismo de um segundo golpe
(mutação somática), permitindo a expressão do primeiro
(mutação herdada). A observação de que somente uma
minoria dos néfrons desenvolve cistos, apesar de cada cé-
lula tubular albergar a mutação germinativa em PKD1, é
um dos principais argumentos para este modelo. Em adi-
ção à mutação germinativa, é necessária uma mutação
Fig. 31.2 Biópsia renal de um paciente com DRPAR, coloração somática (adquirida) envolvendo o alelo PKD1 normal
pela HE (reproduzido com autorização de Luiz Fernando para desencadear a formação do cisto (um mecanismo se-
Menezes, PG da FM-USP). melhante àquele demonstrado para genes supressores de
584 Doenças Císticas Renais

Ligantes extracelulares
Domínio rico em cisteína
NH2 Domínio rico em leucina
Domínio de PKD1
13 Domínio de ligação à
14 lecitina tipo C
Domínio da lipoproteína A

Domínio do receptor
para geléia de ovo
15
Segmento transmembrânico

Espiral enrolada
Extracelular 16 Ca⫹⫹
21

Membrana celular

Intracelular NH2
HOOC
COOH
POLICISTINA 1 POLICISTINA 2

Fig. 31.4 Policistina 1 e 2 e sua interação com a membrana celular. Os números (13, 14, 15, 16, 21) se referem aos exons do DNA que
geraram aquela parte da proteína.

tumor na esclerose tuberosa e doença de von Hippel- ção da membrana basal tubular, sendo que este envolvi-
Lindau). Esta hipótese é secundada tanto por se apresen- mento poderia explicar a associação da DRPAD com aneu-
tarem em clones, quanto pela perda da “heterosigozidade” rismas de artérias cerebrais. Como geralmente os cistos
na maioria das células dos cistos. A imaturidade da célula estão desconectados de seus túbulos, eles se expandem
resultante da policistina que sofreu mutação levaria a cres- pelo fluxo de fluidos secretados para dentro do cisto, num
cimento descontrolado, elaboração de matriz extracelular sentido que é o inverso do fisiológico (Fig. 31.5).
anormal e acúmulo de fluidos. A presença de formações A nível molecular observa-se que a policistina 1 está
celulares aberrantes é demonstrada pela observação de associada às integrinas (␣2 e ␤1 integrinas). Estas últimas
micropólipos, identificação de fases mitóticas e expressão são responsáveis pela adesão e interação entre as células
anormal de proto-oncogenes. Anormalidades da matriz tubulares. Outras associações são com vinculina, paxilina,
extracelular são evidenciadas por espessamento e lamina- FAK, E-caderina, ␣, ␤ e ␥-catenina. Estas associações se

O fluxo de fluido
se inverte

Acúmulo de fluido

As células tubulares Algumas células A célula duplamente Como resultado desta proliferação
apresentam genótipo tubulares apresentam alterada começa a se ocorre a formação de cistos.
heterozigoto para mutação somática no dividir — proliferação A inversão do fluxo de fluidos e a
mutação em PKD1, alelo antes normal. monoclonal. própria proliferação do epitélio
sem alteração levam à expansão do cisto.
fenotípica

Fig. 31.5 Mecanismo de dois golpes para a formação do cisto renal na DRPAD. (Adaptado de Pirson e Chauveau.5)
capítulo 31 585

diferenciam de acordo com os diferentes estados de matu- os e a urocultura pode ser negativa, sendo suspeitada quan-
ração celular. A redução dos níveis de policistina poderia do a infecção não responde a um curso adequado de anti-
levar à perda da interação celular, defeitos nos receptores bioticoterapia. O diagnóstico é facilitado com tomografia
de adesão celular com conseqüente formação de cistos computadorizada renal.
epiteliais. A redução dos níveis epiteliais de E-caderina A insuficiência renal se estabelece agudamente por obs-
poderia explicar o acréscimo da taxa de apoptose, pois ela trução urinária (compressão piélica, coágulos de hematú-
é responsável por mecanismos de aderência celular e esta ria franca) ou pode evoluir progressivamente por perda de
diminui a apoptose. A redução do seqüestro de ␤-catenina massa renal funcionante e por fibrose intersticial. Os tra-
pela E-caderina poderia levar a altas concentrações epite- balhos são conflitantes quanto à relação entre o aumento
liais de ␤-catenina. Observou-se que camundongos que dos rins e a perda de função renal.31 Isto mostra a partici-
expressam grandes quantidades de ␤-catenina truncada pação importante da nefrite intersticial, além da compres-
apresentam doença cística severa. são do parênquima pelos cistos na progressão da insufici-
ência renal.
QUADRO CLÍNICO. As manifestações clínicas se iniciam Nefrolitíase ocorre em 20% dos indivíduos com DRPAD.
tipicamente da 3.ª à 4.ª décadas de vida, embora a doença O diagnóstico necessita do auxílio de tomografia compu-
possa manifestar-se na infância. No início os rins estão de tadorizada. O cálculo é formado mais freqüentemente por
tamanho normal com poucos cistos, e quando a doença se ácido úrico e oxalato de cálcio. A nefrolitíase é causada por
expressa completamente, cada rim pode estar de modera- defeito distal de acidificação urinária, transporte anormal
damente aumentado até de tamanhos enormes, chegando de NH4, pH urinário baixo e hipocitratúria. Pode ocorrer
mesmo a apresentar 8 kg de peso. Há variação fenotípica também nefrocalcinose.
quanto ao tamanho dos rins entre um rim e outro do mes- A hipertensão arterial se desenvolve em mais da meta-
mo indivíduo e entre irmãos com a mesma carga genética. de dos pacientes e dados indicam que está relacionada à
Isto mostra a participação importante de fatores ambientais compressão de vasos pelos cistos com liberação de reni-
que se somam ao genótipo, determinando o fenótipo. O na tecidual, num fenômeno localizado, como mostra a
acometimento é bilateral; quando isto não parecer ocorrer à Fig. 31.6.
ultra-sonografia, na tomografia computadorizada cistos A DRPAD, longe de ser uma doença restrita aos rins,
menores poderão ser vistos do lado aparentemente não aco- como parece sugerir o seu nome, apresenta comprometi-
metido. Quando o acometimento multicístico é realmente mento em outros órgãos (sistêmico), tais como fígado, co-
unilateral após os 30 anos de idade, o diagnóstico deve ser ração, encéfalo, etc., como é mostrado no Quadro 31.5.
de doença cística unilateral, a qual não é hereditária e de bom DIAGNÓSTICO. O diagnóstico da DRPAD é geral-
prognóstico, apesar de muito rara.29 mente estabelecido por estudo de imagens: ultra-sonogra-
O aumento do tamanho renal é responsável pela maio- fia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear
ria dos sintomas, tais como lombalgia, dor e desconforto magnética. O tamanho aumentado dos rins, com cistos
abdominais, plenitude pós-prandial, meteorismo intesti- renais múltiplos de tamanhos variados, é a apresentação
nal. Outros sintomas estão mais relacionados a complica- mais freqüente. Os antecedentes familiares de doença re-
ções dos cistos renais, tais como hematúria, hipertensão nal cística, relatos de acometimentos de outros órgãos,
arterial sistêmica, insuficiência renal, infecção urinária,
nefrolitíase, distúrbio de concentração urinária.
A hematúria ocorre subitamente por rompimento de um
cisto e persiste macroscópica ou microscopicamente por Mecanismo da hipertensão na DRPAD
vários dias. Mas pode ser causada também por urolitíase,
neoplasia, infecção de cisto ou, menos freqüentemente, glo-
merulonefrite, a qual pode ocorrer incidentalmente na Cistos renais
DRPAD.
Infecção urinária é freqüente na DRPAD, notadamente Renina
em mulheres, sendo causada principalmente por Escheri-
chia coli, Proteus vulgaris, Klebsiella, Pseudomonas, Streptococ- Aldosterona Angiotensina II
cus faecalis, Staphylococcus aureus e anaeróbios. A infecção
urinária pode manifestar-se como cistite, pielonefrite ou
Retenção de Resistência Crescimento
infecção isolada de cisto. A cistite se manifesta classicamen- sal e água vascular celular
te por disúria, piúria, urgência miccional e dor suprapúbi-
ca, e a pielonefrite, por dor em flanco, febre, sedimento
urinário com cilindros leucocitários e urocultura positiva, HIPERTENSÃO
podendo estar presentes os sintomas de cistite. A infecção
de cisto isolado pode não apresentar cilindros leucocitári- Fig. 31.6 Mecanismo hipotético da hipertensão arterial na DRPAD.
586 Doenças Císticas Renais

Quadro 31.3 Incidência de cistos renais em 14.314 pacientes (Terada, J. Urol., volume 167(1).
January 2002. pp. 21-23.)
Idade N.º homens/Total % N.º mulheres/Total % p (teste chi-quadrado) N.º/Total %

16-29 0/40 (0) 0/26 (0) 0/66 (0)


30-39 60/1.038 (5,8) 26/774 (3,4) 0,0165 86/1.812 (4,7)
40-49 338/3.366 (10) 126/2.198 (5,7) 0,0002 464/5.564 (8,3)
50-59 543/3.138 (17,3) 183/2.007 (9,1) ⬍0,0001 726/5.145 (14,1)
60-69 281/995 (28,2) 70/521 (13,4) ⬍0,0001 351/1.516 (23,2)
⭓70 49/126 (38,9) 24/85 (28,2) 0,1106 73/211 (34,6)

Total 1.271/8.703 (14,6) 429/5.611 (7,6) ⬍0,0001 1.700/14.314 (11,9)

Quadro 31.4 Genética da DRPAD


GENE CROMOSSOMO PRODUTO % DE PACIENTES
PKD1 16p13.3 Policistina 1 80-90
PKD2 4q13q23 Policistina 2 10-20
PKD3 ? ? ?

como aneurismas encefálicos, cistos hepáticos, podem aju-


dar no diagnóstico. O Quadro 31.6 mostra os critérios ultra- Pontos-chave:
sonográficos para DRPAD. Diagnóstico da DRPAD
Alguns trabalhos estabelecem auxílio diagnóstico atra- • Ultra-sonografia
vés de provas de concentração urinária, que está alterada
• Tomografia computadorizada
na DRPAD. Observou-se que, enquanto o clearance de água
livre estava inalterado, a reabsorção máxima de água apre- • Ressonância nuclear magnética
sentava-se diminuída.34 • Ligação de genes
O diagnóstico pré-sintomático da DRPAD é recomen-
dado quando em planejamento familia e/ou quando este
pode alterar o tratamento do indivíduo (aneurisma cere- TRATAMENTO. O tratamento da DRPAD é baseado
bral freqüente na família, doador de órgãos). Em crianças, em suas complicações, não existindo ainda terapêutica
até que um tratamento específico seja estabelecido, a inves- específica para impedir o aparecimento e o desenvolvimen-
tigação deve ser adiada. Este diagnóstico pode ser realiza- to de cistos. Quando a insuficiência renal com uremia se
do por ultra-sonografia, mas a sensibilidade antes dos 21 estabelece, diálise e transplante renal devem ser indicados.
anos é muito baixa. Outra opção é o exame de ligação O tratamento da hipertensão é uma das principais me-
(“linkage”) de genes. didas a serem tomadas, evitando as complicações cardio-
Até que teste genético direto para mutação de PKD1 e vasculares, causas comuns de óbito destes pacientes. O
para PKD2 estejam disponíveis, o diagnóstico é estabele- controle da pressão arterial com inibidores da enzima de
cido por probabilidade de ligação de genes. Esta análise conversão da angiotensina (IECA) não provou ser efetivo
requer a disponibilidade de outros familiares afetados e também no retardo da perda de função renal. O uso de
não afetados para estudo, preferivelmente de duas gera- IECA em rins muito grandes está associado a hemorragia
ções. O uso de marcadores de ambos os lados dos genes severa e a perda súbita da função renal. Os bloqueadores
testados é necessário para limitar erros potenciais causa- do canal de cálcio e os beta-bloqueadores são efetivos no
dos por recombinação. O estudo de PKD1 deve ser feito controle da pressão arterial.
primeiramente porque ele ocorre em 85% dos casos. Os antibióticos empregados na infecção urinária devem
capítulo 31 587

Quadro 31.5 Manifestações clínicas da DRPAD5,35


MANIFESTAÇÃO PREVALÊNCIA

Renal
Hipertensão Aumenta com idade (80% se insuficiência renal crônica — IRC)
Dor (aguda ou crônica) 60%
Hematúria macroscópica 50%
Infecção do trato urinário Homens 20%; mulheres 60%
Litíase renal 20%
Insuficiência renal 50% aos 60 anos de idade
Proteinúria ⬎ 1g30 54% se apresenta IRC
Hepatobiliar
Cistos assintomáticos 80% aos 60 anos
Doença policística hepática sintomática Incomum (homem/mulher: 1/10)
Fibrose hepática congênita Rara
Dilatação intra- ou extra-hepática do trato biliar Muito rara
Colangiocarcinoma Muito raro
Cardiovascular
Anormalidade valvar 20%
Artérias intracranianas
Aneurisma 8%
Dolicoectasia 2%
Dissecção de aorta ascendente Rara
Aneurisma de artérias coronárias Raro
Cisto pancreático 9%
Cisto aracnóide 8%
Hérnia Inguinal ⫽13%; Umbilical ⫽ 7%
Divertículo de meninge espinhal 0,2%
Doença diverticular do colo Associação comum

material purulento e até nefrectomia podem ser necessá-


Quadro 31.6 Critérios ultra-sonográficos para
rias em casos com má resposta à antibioticoterapia.
diagnóstico de DRPAD. Ravine et al.11
A presença de dor abdominal deve ser avaliada cuida-
IDADE CISTOS dosamente, podendo representar várias complicações, re-
15-29 2 uni- ou bilateral
querendo tratamento específico: analgésicos e, em casos
persistentes, cirurgia.
30-59 2 em cada rim A presença de hematúria macroscópica requer trata-
ⱖ 60 4 em cada rim mento inicialmente clínico e, se não houver resposta, tra-
tamento cirúrgico. A minicirurgia, equivalente à cirurgia
Número mínimo de cistos para estabelecer o diagnóstico laparoscópica, tem sido cada vez mais empregada. A re-
de DRPAD em famílias com risco para PKD1.
dução dos cistos pela cirurgia poderia aliviar a dor, os sin-
tomas compressivos, preservar a função renal, controlar a
ser lipossolúveis para penetrar nos cistos em concentrações pressão arterial.
adequadas. Estes são: ciprofloxacina, norfloxacina, trime- Os avanços em Biologia Molecular e Genética nas últimas
toprim e cloranfenicol. Punção do cisto com drenagem do três décadas têm esclarecido os mecanismos da DRPAD,
588 Doenças Císticas Renais

marcadores formação renal policística) não foi confirmada em outros


animais, podendo ser até prejudicial em camundongos
mutação
(abstract; Qian Q, 33rd ASN Meeting, 2000). O tratamento
de camundongo bpk com tyrosine kinase inhibitor EKI-785
mostrou-se efetivo em reduzir a formação de cistos.14
paciente afetado
A secreção de cloro e fluido pelas células derivadas do
paciente não-afetado cisto é estimulada por vários agonistas que estimulam a
produção de cAMP, tais como vasopressina, secretina,
peptídeo intestinal vasoativo, prostaglandina E1 e E2 e
cyst activating factor (CAF), assim como testosterona. Se
a inibição do co-transporte basolateral NKCC1/BSC2
por diurético de alça seria de valor terapêutico ainda não
Banda está determinado. A administração de um antagonista
correspondente
à doença
do receptor V2 da vasopressina reduz a severidade da
(marcador) doença cística e a insuficiência renal em camundongos
cpk/cpk.
Fig. 31.7 Explicação da análise de ligação de genes. Quando apresentar uremia, a diálise é indicada. A in-
dicação de hemodiálise ou diálise peritoneal obedece aos
princípios gerais, a não ser que os rins estejam com volu-
assim como fornecido as bases para terapias verdadeira- me bastante aumentado e que a introdução de líquido na
mente efetivas. O conceito de que a doença cística não passa cavidade peritoneal venha a causar ainda maior descon-
de uma neoplasia disfarçada tem ganhado terreno e deter- forto. Os pacientes com DRPAD em diálise apresentam
minado alguns tratamentos. Na Fig. 31.8 temos um esque- maior sobrevida que o grupo geral em diálise, por seu com-
ma mostrando estas possibilidades. prometimento sistêmico não ser tão importante como no
A observação de que citrato ou bicarbonato de sódio ou diabetes mellitus, por exemplo. Nefrectomia de um dos rins
potássio atenuavam a formação de cistos em ratos Han: é indicada antes do transplante, quando o volume dos rins
SPDRD (modelo de rato com doença renal policística au- é muito grande para dar espaço para o enxerto e porque
tossômica dominante com penetração incompleta da trans- os rins nativos costumam crescer bastante após o transplan-

Antimutagênicos: Moduladores do sinal de


– Enzimas inibidoras - Fatores de crescimento (TGF-␣, EGF, transdução:
da fase I PDGF, TGF-␤, aFGF, bFGF, IGF-1) Inibidores ErbB TK
(ex.: p-XSZ) Osteopontina Inibidores Rãs
– Enzimas indutoras Proliferação de Inibidor PKA tipo 1
Citocinas (FNT-␣, IL-1, IL-2, IL-6)
célula epitelial Outros efetores inibidores
ATP, cAMP
Lipídios bioativos (CAF, lactosilceramida) da quinase
Antioxidantes Apoptose Retinóide e Vit. D
– ex.: vitamina E/ MMPs,TIMPs e enzimas lisossômicas
selênio, Probucol, NAC Renina, endotelina

Moduladores
Secreção de
hormonais/autacóides
fluido
AVP-V2 antagonista
Mutações somáticas - Somatostatina

Inflamação
intersticial Agentes antiinflamatórios
- Glicocorticóides
- Inibidores da COX-2
Acumulação - Inibidores LOX
de matriz - Inibidores TACE
- Inibidores MMP

Intervenções metabólicas:
- Restrição protéica Inibidores da ECA
- Proteína de soja/semente de linho Angioesclerose Antagonistas AT1
- Bicarbonato/citrato Obstrução tubular Antagonistas da endotelina
Óxido nítrico

Fig. 31.8 Possíveis tratamentos para a DRPAD. (Adaptado de Pirson e Chauveau.5)


capítulo 31 589

te. Nefrectomia é também indicada em casos de infecção conduta.35 Quando bilateral, o paciente evolui com quadro
de cisto e hemorragias freqüentes. de uremia.

Pontos-chave: Doenças Císticas da Medula Renal


Tratamento da DRPAD O complexo de nefronoftise e o rim em esponja medu-
• Rim lar (REM) são responsáveis pela maioria das doenças cís-
Hipertensão ticas medulares.
Hematúria macroscópica O complexo de nefronoftise engloba um grupo de distúr-
bios renais que habitualmente surgem na infância e apresen-
Infecção do trato urinário
tam um variável número de cistos na medula, estando as-
Urolitíase
sociado à desintegração da membrana basal tubular, atro-
Diálise/Transplante fia tubular cortical importante, infiltrado e fibrose intersti-
• Outros cial. A insuficiência renal ocorre pela fibrose intersticial.
Síndromes dolorosas Existem quatro variantes, como mostra o Quadro 31.8.
Doença hepática sintomática Este complexo se apresenta clinicamente na infância
Aneurisma intracraniano com poliúria e polidipsia. Isto reflete um defeito de con-
centração urinária. Ocorre também nefropatia perdedora
de sal e acidose tubular renal, resultado da lesão inicial do
Displasia Renal Cística túbulo distal e ducto coletor. A cintilografia pode mostrar
o defeito de concentração urinária.34 Após 5 a 10 anos o
A displasia renal cística é caracterizada pelo comprome- paciente evolui para insuficiência renal crônica terminal.
timento unilateral ou bilateral dos rins pela formação de Nem sempre os cistos são visíveis à radiologia devido
cistos múltiplos, desde microscópicos até com vários cen- ao tamanho reduzido dos mesmos. Estes se encontram
tímetros de diâmetro, revestidos de epitélio achatado. O principalmente na junção córtico-medular. A biópsia renal
que determina o diagnóstico é a presença de ilhas de me- mostra nefrite túbulo-intersticial crônica. Deve-se suspei-
sênquima indiferenciado, freqüentemente com cartilagem tar da doença em crianças ou adolescentes com insuficiên-
e ductos coletores imaturos. Muitas vezes estão associadas cia renal crônica inexplicável, história familiar positiva e
a obstrução ureteropélvica, agenesia ou atresia ureteral e biópsia renal compatível.
outras anomalias das vias urinárias inferiores. Clinicamen- O REM ocorre comumente, atingindo 1 em cada 5.000 a
te se apresenta, quando unilateral, com uma massa no flan- 1 em cada 20.000 indivíduos. É caracterizado pelo apare-
co e às vezes hipertensão arterial. Existe o conceito de que cimento em adultos de dilatações císticas dos ductos cole-
quanto mais tarde é retirado o rim comprometido, menor tores da medula renal. A patogenia é desconhecida. Clini-
a chance de resolução da hipertensão arterial, mas não camente se apresenta com hematúria, urolitíase, infecção
existe evidência científica suficiente para padronizar esta do trato urinário, hematúria recorrente. É uma alteração

Quadro 31.7 Causas específicas de dor abdominal na DRPAD


Causa Freqüência Febre
Renal
Sangramento do cisto ⫹⫹⫹⫹ Leve (⬍ 38ºC, máximo 2 dias) ou não
Litíase ⫹⫹ Com pionefrose
Infecção ⫹ Alta; prolongada se envolvimento de cisto
Cisto hepático
Infecção Rara Alta e prolongada
Sangramento Muito raro Leve (⬍ 38ºC, máximo 2 dias) ou não
Fratura de costela
Plenitude pós-prandial
Restrição pulmonar
590 Doenças Císticas Renais

Quadro 31.8 Tipos de nefronoftise


Variantes Hereditariedade Características
Esporádica não-familiar Não
Nefronoftise juvenil familiar Autossômica recessiva, 2q12-q13, A causa genética mais comum
por defeito no gene NPHP1.33 de IRC em crianças
A forma infantil em 9q22-q31
(NPH2)
Displasia renal retiniana Autossômica recessiva Associada a retinite pigmentosa
Doença cística medular de início Autossômica dominante em Associada a hiperuricemia e gota
na idade adulta 1q21 e 16p12

geralmente benigna, não levando por si à perda da função benigno representam 80% das lesões císticas renais. Lesões
renal. O diagnóstico é feito pela urografia excretora, que secundárias às atividades inflamatórias em 6 a 12% dos
mostra rins de tamanhos normais com ectasia dos ductos casos, lesões pseudotumorais em 5 a 8% e lesões com his-
medulares, denominada de buquê de flores. tologia maligna em 3,5 a 5,5% dos casos. Apesar das carac-
terísticas similares histológicas, a associação com patolo-
gias, o tamanho, a localização, os aspectos clínicos e as
Doença Renal Cística Adquirida possibilidades de degeneração maligna são diferentes nas
Doença renal cística adquirida é observada em pacien- várias condições.38-40
tes com insuficiência renal crônica ou naqueles que per-
maneceram em diálise por vários anos, independentemen-
te da causa da insuficiência renal. Parece estar relaciona- Avaliação por Técnicas de Imagens
da à isquemia prolongada, efeito tóxico de substâncias Os avanços tecnológicos nas áreas de imagem, especi-
urêmicas, elevação do oxalato. almente a Ressonância Nuclear Magnética, a Tomografia
Os critérios diagnósticos para DRCA são: 1) Presença de Computadorizada e a Ultra-sonografia Tridimensional,
pelo menos 1 a 5 cistos renais confirmados por ultra-sono- adaptados com hardware e software, são métodos que têm
grafia ou tomografia computadorizada; 2) Patologicamen- mostrado acurácia diagnóstica, melhorando a qualidade
te, os cistos envolvendo mais que 25% do parênquima re- das imagens e possibilitando interpretações substancial-
nal. Os cistos têm diâmetro ⬍0,5 cm e os rins são de tama- mente seguras com elevada sensibilidade e especificida-
nho pequeno a normal. Raramente, os cistos são numero- de.42,43 Estas novas técnicas e métodos não-invasivos têm
sos, com aumento do tamanho renal, dificultando o diag- possibilitado melhor resolução de imagens e contribuído
nóstico diferencial com DRPAD.32 com a utilização mais rotineira de técnicas cirúrgicas
O número de cistos se correlaciona com o tempo de di- microinvasivas.
álise, sendo mais freqüente em homens que mulheres e As novas imagens computadorizadas e informatizadas
mais em negros que caucasianos. possibilitaram novas classificações, interpretação crítica
As complicações são sangramento intracístico e das possibilidades diagnósticas e melhores opções terapêu-
pericístico, hematúria franca, ruptura com hemorragia re- ticas. A ultra-sonografia apresenta acurácia diagnóstica de
troperitoneal e maior risco de transformação maligna que 96%, aproximando-se de 100% quando combinada com a
o rim normal. punção diagnóstica. A tomografia é útil para determinar
análises detalhadas de massas suspeitas, localizações pre-
cisas, as margens e paredes císticas, a homogeneidade do
ABORDAGENS CIRÚRGICAS DOS conteúdo aquoso (0-20 Hounsfield U), heterogeneidade e
CISTOS RENAIS principalmente para análises de cistos peripélvicos e sua
relação com as estruturas vasculares do hilo renal.43,44 A
Cistos renais são patologias urológicas, em geral benig- angiografia poderá ser indicada em alguns casos. A utili-
nas, podendo ser representantes de várias entidades pa- zação da classificação de Bosniak tem sobremaneira qua-
tológicas. lificado a interpretação e a abordagem urológicas.
As análises clínicas evidenciam definições e novas fa- A tomografia computadorizada é relativamente fácil de ser
cetas sobre as principais patologias renais que poderão realizada com rápida execução, isenta de riscos, independen-
levar à formação de cavidades com conteúdo líquido, prin- te da função renal, trazendo informações valiosas, com alta
cipalmente com relação à etiologia. As lesões de aspecto acurácia acerca de amplo espectro das anormalidades renais.
capítulo 31 591

As lesões renais identificadas com os modernos exames


tomográficos podem ser císticas, mistas ou sólidas, benig-
nas ou malignas, congênitas ou adquiridas, simples ou
múltiplas e, em se considerando a possibilidade oncológi-
ca, primárias ou metastáticas.49,50

Classificação de Bosniak
Tipo 1 — paredes finas, regulares, sem septações, ausên-
cia de calcificações ou irregularidades, sem au-
mento da densidade tomográfica após adminis-
tração de contrastes.
Tipo 2 — paredes finas, regulares, com presença de pou-
cos, discretos e finos septos, sem aumento da
densidade tomográfica após administração de
contrastes.
Tipo 3 — paredes pouco espessadas, irregulares, com Fig. 31.10 Tomografia — Aspectos tomográficos de cistos renais.
Classificação Bosniak I.
maior presença de septações e calcificações, sem
aumento da densidade tomográfica após admi-
nistração de contrastes.
Tipo 4 — paredes espessadas, bastante irregulares, sep- autópsias de rotina. Outros relatam que um ou mais cistos
tos numerosos, grosseiros e espessos, calcifica- estão presentes em cerca de 50% da população aos 50 anos.
ções e aumento da densidade tomográfica após Um dos grandes dilemas é distinguir alguns cistos renais
administração de contrastes. de neoplasias. As punções percutâneas aspirativas moni-
toradas com ultra-som ou tomografia computadorizada
Esta classificação tem contribuído de maneira efetiva
podem ser realizadas para análise histológica, citológica,
para o diagnóstico diferencial das lesões císticas do rim e
bacteriológica e bioquímica dos conteúdos císticos.
as possibilidades de associações com neoplasias, oferecen-
O paciente urológico portador de cistos renais pode
do novas modalidades de alternativas terapêuticas recen-
apresentar, conforme a localização dos mesmos, além de
temente introduzidas (Figs. 31.9 e 31.10).
dor e hematúria, a possibilidade de obstrução ou compres-
são da via excretora e destruição progressiva do parênqui-
Cistos Renais de Interesse Cirúrgico ma renal.49,50,52,53 A combinação de investigação clínica e
imagens é muito importante no sentido de identificar e
Relatos na literatura têm documentado que os patolo- caracterizar cistos simples, cistos complexos e atípicos ou
gistas encontram cistos renais em cerca de 3 a 15% das as possibilidades de lesões neoplásicas não definidas, per-
mitindo uma análise diagnóstica conclusiva e a estratégia
da planificação terapêutica.
O fluxograma apresentado (Fig. 31.11) poderá contribuir
de maneira significativa no estudo dos cistos complexos e
massas renais, contribuindo também com a eficiência dos
propósitos terapêuticos.50,51,90

Tratamento Cirúrgico
A perfeita avaliação clínica e o estudo detalhado das
imagens dos portadores de cistos renais contribui para o
urologista realizar uma análise segura e selecionar os pa-
cientes para utilização da melhor técnica e alternativa te-
rapêuticas. As principais indicações para intervenções ci-
rúrgicas nos cistos renais são: dor, infecção, hipertensão,
hemorragia, obstrução do sistema coletor ou risco de ma-
lignidade.47,48,50,52,53,62
Fig. 31.9 Tomografia — Aspectos tomográficos de cisto renal. Nas últimas décadas, o tratamento dos cistos renais era
Classificação Bosniak I. realizado com abordagem cirúrgica clássica da região lom-
592 Doenças Císticas Renais

Fluxograma
Urografia com
Ultra-som
distorção

Massa
Cístico

Cisto Massa
complexo sólida

Tomografia computadorizada

Indeterminado
Massa
sólida
Ressonância magnética

Indeterminado

Punção aspirativa
Confirmado
cisto Indeterminada ou
Células sem aspiração Células
inflamatórias neoplásicas

Arteriografia
Sem gordura Com gordura
Hipovascular Hipervascular

Cisto simples Pielonefrite Carcinoma de células transicionais


xantogranulomatosa Adenocarcinoma renal
Abscesso renal Sarcoma
Lesão metastática
Cistoadenocarcinoma renal
Adenocarcinoma renal Angiomiolipoma

Fig. 31.11 Fluxograma para investigação e análise de processos expansivos e cistos complexos.

bar (lombotomia), acesso à loja renal, marsupialização dos realizados ambulatorialmente, com baixa morbidade e
cistos e/ou nefrectomias parciais, representando, para os baixos custos. Estes procedimentos poderão ser repetidos
pacientes, maiores riscos anestésico-cirúrgicos, maior per- para se obterem resultados definitivos e otimizados. As
da sanguínea, dor e permanência maior no hospital. séries da literatura apresentam taxa de sucesso de 75 a 97%
Atualmente, com o desenvolvimento tecnológico e as e pequenas complicações oscilando de 1,3 a 20%, repre-
mudanças no espectro diagnóstico e terapêutico, o trata- sentadas por coleções de urina e hematomas que podem
mento cirúrgico dos cistos renais envolve uma série de ocorrer se houver pequenos acidentes com a via excreto-
modalidades alternativas minimamente invasivas, contri- ra e os vasos do hilo renal. O principal cuidado a ser ob-
buindo para o sucesso terapêutico, diminuição da morbi- servado é não introduzir o agente esclerosante na via ex-
dade e mortalidade e melhor qualidade de vida dos paci- cretora.60,62,70,71,73,85
entes.67-69,72 Cirurgia percutânea, realizada após a punção do cisto,
O tratamento cirúrgico dos cistos renais sintomáticos e dilatação transcutânea do trajeto com balões dilatadores ou
complicados obedece a várias opções utilizadas na prática dilatadores faciais metálicos ou de poliuretano, estabelecen-
urológica. do com segurança uma via de acesso ao interior do cisto
Punção percutânea e escleroterapia (Fig. 31.1), realiza- renal e realizando a escleroterapia com energia elétrica (ele-
da com o auxílio da ultra-sonografia e da tomografia com- trodos) ou fibras de laser (neodymium yag laser ou holmium
putadorizada, técnicas que possibilitam o acesso percutâ- laser). A esclerose percutânea apresenta maior morbidade
neo, evitando riscos e prevenindo complicações, principal- com maiores períodos de internação hospitalar.47,48,61,85,86
mente com relação aos vasos renais. Esta modalidade per- Cirurgia videolaparoscópica (Figs. 31.12 a 31.14), pro-
mite aspirar o conteúdo do cisto e utilizar uma variedade cedimento emergente realizado sob anestesia geral, com o
de substâncias esclerosantes, como etanol absoluto, fenol, paciente bem posicionado na mesa cirúrgica, a região dos
glicose hipertônica, tetraciclinas, fosfato de bismuto, lipi- flancos com angulação de 30° com relação à base de apoio,
dol, povidone-iodine. São procedimentos minimamente cateterismo ureteral e introdução de corante índigo carmim
invasivos, representando hoje as abordagens de primeira para melhor identificação e visualização da via excretora.
linha no tratamento dos cistos simples e sintomáticos e são Procedemos à punção supra-umbilical com agulha de Ve-
capítulo 31 593

Fig. 31.12 Locais de inserções de trocarte para realização de pro-


cedimentos de esclerose de cistos. HC — FM — UFG.
Fig. 31.14 Dissecção e marsupialização videolaparoscópica de
cistos renais. HC — FM — UFG.

dissecado, e seu conteúdo é aspirado para estudos bioquí-


micos, citológicos e bacteriológicos. A seguir, dissecamos
e abrimos a parede cística, que é ressecada ao nível de sua
união com o parênquima renal. Tal dissecção pode ser re-
alizada com a utilização de eletrocautério, fibras de laser
ou o bisturi harmônico ultracision. Após o procedimento,
retirada dos trocartes e fechamento em dois planos nos
locais das punções. O procedimento videolaparoscópico
pode ser realizado por via retroperitoneal, com pequena
dilatação digital e introdução de balão expansor de 800 a
1.000 cc, que disseca o retroperitônio. A seguir são intro-
duzidos, em locais adequados, mais dois ou três portais e
realizada a cirurgia conforme descrição anterior. Atual-
mente, associados aos procedimentos videolaparoscópicos,
poderemos introduzir para a cirurgia de pequenos tumo-
res a crioablação e a radiofreqüência com controles de ultra-
Fig. 31.13 Punção percutânea do rim para realização de procedi- som. Os procedimentos são tecnicamente fáceis de execu-
mentos videolaparoscópicos à direita. HC — FM — UFG. tar, requerendo treinamento. As taxas de transfusões san-
guíneas são em média de 3,2%. As complicações relatadas
não representam gravidade: íleo prolongado (1%), hemor-
ress, ao estabelecimento do pneumoperitônio com CO2, ragias (3%), fístulas urinárias (2%), parestesias neurológi-
com manutenção da pressão de 15 a 20 mmHg, e a seguir cas temporárias (1%). Os pacientes são realimentados pre-
realizamos abordagem transperitoneal com trocarte de 12 cocemente e recebem alta hospitalar em média com 24
mm no local da punção anterior e introdução da óptica para horas. Enfatizamos que as modalidades técnicas recente-
identificar as estruturas contidas no envelope peritoneal e mente padronizadas requerem treinamento e experiência
orientar a introdução de mais dois trocartes de 5 ou 12 mm. dos cirurgiões, revolucionando a abordagem e o tratamen-
Após o correto posicionamento dos portais, realiza-se um to dos pacientes.76-86,89-94
inventário da cavidade com identificação de todas as es-
truturas. A cirurgia inicia-se com a liberação do colo à di- Pontos-chave:
reita ou à esquerda, dependendo da área a ser explorada.
Seccionamos ao nível da linha peritoneal de Toldt e reba- Tratamento cirúrgico
temos o colo medialmente com exposição da fáscia de • Punção percutânea e escleroterapia
Gerota. Identificação do rim, vasos hilares e via excretora, • Cirurgia percutânea
inclusive o ureter, e identificação e análise da lesão cística. • Cirurgia videolaparoscópica
A hemostasia deve ser meticulosa. O cisto é identificado e
594 Doenças Císticas Renais

19. AWAI, M.; NASARAKI, M.; YAMANOI, Y.; SENO, S. Induction of


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS diabetes in animals by parenteral administration of ferric nitrilotri-
acetate. Am. J. Pathol. 95: 663-674, 1979.
1. FICK, G.M.; GABOW, P.A. Hereditary and acquired cystic disease 20. SHEPHERD, A.G.; MANSON, M.M.; BALL, H.W.L.; McLELLAN,
of the kidney. Kidney Int., 46:951-964, 1994. L. I. Regulation of rat glutamate-cysteine ligase (␥-glutamylcystei-
2. WELLING, L.W.; GRANTHAM, J.J. Cystic and developmental di- ne synthetase) subunits by chemopreventive agentes and in afla-
seases of the kidney. In: The Kidney. Editado por Brenner, M. Phila- toxin B1-induced preneoplasia. Carcinogenesis, v. 21, n 10, 1827-
delphia: WB Saunders Company; 1996:1828-1863. 1834, 2000.
3. PIRSON, Y.; CHAUVEAU, D.; GRÜNFELD, J.P. Autosomal 21. KIMOTO, T.; KOYA, S.; HINO, K.; YAMAMOTO, Y.; NOMURA,
dominant policistic kidney disease. In: Oxford Texbook of Clinical Y.; MICALLEF, M.J.; HANAYA, T.; IKEDA, M.; KURIMOTO, M.
Nephrology. Editado por Davison, A.M.; Cameron, J.S.; Grünfeld, J.P. Renal carcinogenesis induced by ferric nitrilotriacetate in mice, and
et al. Oxford: Oxford University Press; 1998:2393-2415. protetion from Brazilian propolis and Artepicillin C. Pathology In-
4. RAVID, D.; GIBSON, R.N.; DONLAN, J.; SHEFFIELD, L.J. An ul- ternational, v 50(9), 679-689, September, 2000.
trasound renal cyst prevalence survey: Specificity data for inherited 22. YAMAGUCHI, R.; HIRANO, T.; ASAMI, S.; SUGITA, A.; KASAI,
renal cystic diseases. Am. J. Kidney Dis., 22:803-807, 1993. H. Increase in 8-hydrxyguanini repair activity in the rat kidney af-
5. PIRSON, Y.; CHAUVEAU, D. Cystic Disease of the Kidney. In: Atlas ter the administration of a renal carcinogen, ferric nitrilotriacetate.
of Diseases of The Kidney. Editado por Robert W. Schrier. Volume II Enviromental Health Perspectives, v. 104, suplement 3, May 1996.
(edited by Richard J. Glassock, Arthur H. Cohen and Jean Perre 23. AVNER, E.D; SWEENEY, W.E. Jr; FINEGOLD, D.N.; PIESCO, N.P.;
Grünfeld), Cap. 9: Edição eletrônica por ISN Informatics Commis- ELLIS, D. Sodium-potassium ATPase activity mediates cystic
sion e NKF cyberNephrology. formation in metanephric organ culture. Kidney International, 28:447-
6. RUSSELL, E.S.; MCFARLAND, E.C. Cystic kidneys. Mouse Newslet- 455, 1985.
ter, 56:40-43, 1977. 24. GUAY-WOODFORD, L.M. et al. Autossomal recessive polycystic
7. MOYER, J.H.; LEE-TISCHLER, M.J.; KWON, H-Y.; SCHRICK, J.J.; kidney disease (ARPKD): The clinical experience in North America
WILKINSON, J.E.; AVNER, E.D.; SWEENY, W.E.; GODFREY, V.L.; 1990-2000. J. Am. Soc. Nephrol., 11: 309A, 2000.
CACHEIRO, N.L.A.; WOYCHIK, R.P. Candidate gene associated 25. MUELLER, H.J. et al. Effects of antihypertensive treatment and re-
with a mutation causing recessive polycystic kidney disease in mice. nal volume on renal function in patients with autossomal dominant
Science, 264:1329-1333, 1994. polycystic kidney disease (ADPKD). J. Am. Soc. Nephrol., 11:395-A,
8. LU, W.; PEISSEL, B.; BABAKHANLOU, H.; PAVLOVA, A.; GENG, 2000.
L.; FAN, X.; LARSON, C.; BRENT, G.; ZHOU, J. Perinatal lethality 26. TERADA, N. et al. The natural history of simple renal cysts. J. Urol.
with kidney and pancreas defects in mice with a targetted PKD1 mu- Jan;167(1):21-3, 2002.
tation. Nature Genet., 17:179-181, 1997. 27. NASCIMENTO, A.B. et al. Rapid MR imaging detection of renal
9. LU, W.; FAN, X.; BASORA, N.; BABAKHANLOU, H.; LAW, T.; cysts: age-based standards. Radiology, Dec;221(3):628-32, 2001.
RIFAI, N.; HARRIS, P.C.; PEREZ-ATAYDE, A.R.; RENNKE, H.G.; 28. ROBERTS, W.W. et al. Laparoscopic ablation of symptomatic
ZHOU, J. Late onset of renal and hepatic cysts in Pkd1-targeted parenchymal and peripelvic renal cysts. Urology, 58:165-169, 2001.
heterozygotes. Nat. Genet., 21:160-161, 1999. 29. MAULL, C.D. et al. Unilateral Renal Cystic Disease. Urology, 53:1227-
10. NICKEL, C. et al. The polycystin-1 C-terminal fragment triggers 28, 1999.
branching morphogenesis and migration of tubular kidney epithe- 30. HWANG, Y.H. et al. Clinical characteristics of end-stage renal dise-
lial cells. J. Clin. Inv., 109(4):281-489, 2002. ase in autosomal dominant polycystic kidney disease in koreans. J.
11. RAVINE, D.; GIBSON, R.N.; WALKER, R.G. et al. Evaluation of ul- Am. Soc. Nephrol., 11:392A, 2000.
trasonographic diagnostic criteria for autosomal dominant policys- 31. MUELLER, H.J.; et al. Effects of antihypertensive treatment and re-
tic kidney disease 1. Lancet., 343:824-827, 1994. nal volume on renal function in patients with autosomal dominant
12. GRANTHAM, J.J. Mechanisms of progression in autosomal dominant polycystic kidney disease (ADPKD) J. Am. Soc. Nephrol., 11:395A,
polycystic kidney disease. Kidney Int., 52, Sup 63: S-93-S-97, 1997. 2000.
13. QIAN, Q.; HARRIS, P.C.; TORRES, V.E. Treatment prospects for 32. NEUREITER, D. et al. Dialysis-associated acquired cystic kidney
autosomal-dominant polycystic kidney disease. Kidney Int., 59(6):2005- disease imitating autosomal dominant polycystic kidney disease in
2022, 2001. a patient receiving long-term peritoneal dialysis. Nephrol. Dial. Trans-
14. SWEENEY, W.E.; JR; CHEN, Y.; NAKANISHI, K. et al. Treatment plant, 17:500-503, 2002.
of polycystic kidney disease with a novel tyrosine kinase inhibitor. 33. HILDELBRANDT, F. et al. Establishing an algorithm for molecular
Kidney Int., 57:33–40, 2000. genetic diagnostics in 127 families with juvenile nephronophthisis.
15. YAMAGUCHI, R.; HIRANO, T.; ASAMI, S.; SUGITA, A.; KASAI, Kidney Int., 59(2):434-435, 2001.
H. Increase in the 8-hydroxyguanine repair activity in the rat kidney 34. PABICO, R.C.; MCKENNA, B.A.; FREEMAN, R.B. Renal tubular
after the administration of a renal carcinogen, ferric nitrilotriaceta- dysfunction in patients with cystic disease of the kidneys. Urology,
te. Environmental Health Perspectives, 104, Supplement 3, 651-653, May 51:156–160, 1998.
1996. 35. KONDA, R. et al. Renin containing cells are present predominantly
16. TOYOKUNI, S.; TANAKA, T.; HATTORI, Y.; NISHIYAMA, Y.; in scarred areas but not in dysplastic regions in multicystic dysplastic
YOSHIDA, A.; UCHIDA, K.; HIAI, H.; OCHI, H.; OSAWA, T. Quan- kidney. The Journal of Urology, 166(5):1910-1914, 2001.
titative immunohistochemical determination of 8 hydroxy-2'-deo- 36. SESSA, A. et al. Autossomal dominant polycystic kidney disease:
xyguanosine by a monoclonal antibody N45.1: its application to clinical and genetic aspects. Journal of Nephrology, 10(6):295-310,
ferric nitrilotriacetate-Induced renal carcinogenesis model. Labora- 1997.
tory Investigation, March 1997, v 77, n 3. 37. STARNES, H.F. et al. Surgery for diverticulitis in renal failure. Dis.
17. NOMOTO, M.; YAMAGUCHI, R.; KAWAMURA, M.; KOHNO, K.; Colon Rectum, 28:827-832, 1985.
KASAI, H. Analysis of 8-hydroxyguanine in rat kidney genomic 38. HILL, G.S. uropathology. Churchill Livingstone, New York, 1989.
DNA after administration of a renal carcinogen, ferric nitrilotriace- 39. LANG, E.K. Renal cyst puncture studies. Urol. Clin. North Am., 14:91,
tate. Carcinogenesis, v 20, n 5, 837-841, 1999. 1987.
18. MA, Y.; KAWABATA, T.; HAMAZAKI, S.; OGINO, T.; OKADA, S. 40. KISSANE, J.M. Pathology of Infancy and Childhood, 2nd ed., CV Mos-
Sex differences in oxidative damage in ddY mouse kidney treated by, 1975.
with a renal carcinogen, iron nitrilotriacetate. Carcinogenesis, v 19, 41. HARTMAN, D.S. Renal cystic disease. AFIP Atlas of Radiologic-Pa-
n 11, 1983-1988, 1998. thologic Correlations. W.B. Saunders, Philadelphia, 1989.
capítulo 31 595

42. McHUGH, K.; STRINGER, D.A.; HEBERT, D. et al. Simple cyst in 68. HOENIG, D.M.; McDOUGALL, E.M.; SHALHAV, A.L. et al. Lapa-
children. Diagnosis and follow-up in US. Radiology, 178:383, 1991. roscopic ablation of peripelvic renal cysts. J. Urol., 158:1345-1348, 1997.
43. BOSNIAK, M.A. The current radiological approach to renal cysts. 69. HULBERT, J.C. Laparoscopic management of renal cystic disease.
Radiology, 158:1-10, 1986. Semin. Urol., 10:239-241, 1992.
44. BOSNIAK, M.A. The small (⬍3.0cm) renal parenchymal tumor: 70. KINDER, P.W.; ROUS, S.N. Infected renal cyst from hematogenous
detection, diagnosis, and controversies. Radiology, 179:307, 1991. seeding: a case report and review of the literature. J. Urol., 120:239-
45. REEDERS, S.T.; BREUNING, M.H.; DAVIES, K.E. et al. Two genetic 240, 1978.
markers closely linked to adult polycystic kidney disease on 71. LANG, E.K. Renal cyst puncture studies. Urol. Clin. North Am., 14:91-
chromosome 16. Br. Med. J., 292:851, 1986. 102, 1987.
46. PETERS, D.J.M.; SPRUIT, L.; SARIS, J.J. et al. Chromosome 4 locali- 72. LÜSCHER, T.F.; WANNER, C.; SIEGENNTHALER, W. et al. Simple
zation of a second gene for autosomal dominant polycystic kidney renal cyst and hypertension: Cause or coincidence? Clin. Nephrol.,
disease. Nature Genet., 5:359, 1993. 26:91-95, 1986.
47. HULBERT, J.C. et al. Percutaneous intrarenal marsupialization of a 73. FONTANA, D.; PORPIGLIA, F.; MORRA, I. et al. Treatment of
perirenal cyst collection-endocystolysis. J. Urol., 139:1039, 1988. simple renal cysts by percutaneous drainage with three repeated
48. CAMACHO, M.F. et al. Ureteropelvic junction obstruction resulting alcohol injections. Urol., 53:904-907, 1999.
from percutaneous cyst puncture and intracystic isophendylate: an 74. HULBERT J.C. Laparoscopic management of renal disease. Sem.
unusual complication. J. Urol., 124:713, 1980. Urol., 10:239, 1992.
49. DALTON, D.; NEIMAN, H.; GRAYBACK, J.T. The natural history 75. GUAZZONI, G. et al. Laparoscopic unroofing of simple cysts. Uro-
of simple renal cysts. A preliminary study. J. Urol., 135:905, 1986. logy, 43:154, 1994.
50. MONTIE, J.E. The incidental renal mass — management alternative. 76. NIEH, P.T.; BIHRLE, W. Laparoscopic marsupialization of massive
Urol. Clin. North. Am., 18:437, 1991. renal cyst. J. Urol., 150:171, 1993.
51. MURPHY, J.B. & MARSHALL, F.F. Renal cyst versus tumor: A con- 77. WINFIELD, H.N. et al. Laparoscopic renal cyst marsupialization. J.
tinuing dilemma. J. Urol., 123:566, 1980. Urol., 147:204A, 1992.
52. AMAR, A.D.; DAS, S. Surgical management of benign renal cysts 78. BENNET, W.M.; ELZINGA, L.; GOLPER, T.A.; BARRY, J.M. Reduc-
causing obstruction of renal pelvis. Urol., 24:429-433, 1984. tion of cyst volume for symptomatic management of autosomal
53. BARLOON, T.J.; VINCE, S.W. Caliceal obstruction owing to a large dominant polycistic kidney disease. J. Am. Soc. Nephrology, 2:1219,
parapelvic cyst: Excretory urography, ultrasound, computerized 1992.
tomography findings. J. Urol., 137:270-271, 1987. 79. LIFSON, B.J.; TEICHMAN, J.M.H.; HULBERT, J. Role and long-term
54. BENNETT, W.M.; ELZINGA, L.; GOLPER, T.A. et al. Reduction of results of laparoscopic decortication in solitary cystic and autosomal
cyst volume for symptomatic management of autosomal dominant dominant polycystic kidney disease. Urol., 159:702, 1998.
polycystic kidney disease. J. Urol., 137:620-622, 1987. 80. HULBERT, J.C.; SHEPARD, T.G.; EVANS, R.M. Laparoscopic sur-
55. CLOIX, P.; MARTIN, X.; PANGAUD, C. et al. Surgical management gery for renal cystic disease. J. Urol., 147:433A, 1992.
of complex renal cysts: A series of 32 cases. J. Urol., 156:28-30, 1996. 81. JAHNSEN, J.U.; SOLHAUG, J.H. Extirpation of benign renal cysts
56. DALGAARD, O.Z. Bilateral polycystic disease of the kidneys: A with laparoscopic technique. Tidsskr. Nor Laegeforen, 112:3552-3554,
follow-up of 284 patients and their families. Acta Med. Scand., Suppl 1992.
328:1-255, 1957. 82. DÉNES, F.T.; CASTILHO, L.N.; MITRE, A.I.; ARAP, S. Nefrectomia
57. DUNN, M.; ELBAHNASY, A.; SHALHAV, A. et al. Laparoscopic videolaparoscópica em crianças: experiência com 12 casos. J. Bras.,
nephrectomy in adult polycystic kidney disease patients with end- 24:84-87, 1998.
stage renal disease. J. Endourol., 13 (suppl 1):A90, 1999. 83. MUNCHH, L.C.; GILL, I.S.; McROBERTS, J.W. Laparoscopic retro-
58. DUNN, M.; ELBAHNASY, A.; SHALHAV, A. et al. Laparoscopic peritoneal renal cystectomy. J. Urol., 151:135, 1994.
cyst marsupialization for patients with autosomal dominant 84. RADOVIC, N.; POPOVIC, D.; RIFAI, M. et al. Retroperitoneal
polycystic kidney disease. J. Endourol., 13(supp l):A125, 1999. marsupialization of renal cysts. Lijec Vjesn, 119:16-19, 1997.
59. GABOW, P.A.; IKLÉ, D.W.; HOLMES, J.H. Polycystic kidney dise- 85. WAHLQVIST, L.; GRUUMSTEDT, B. Therapeutic effect of
ase: Prospective analysis of nonazotemic patients and family percutaneous puncture of simple renal cyst: Follow-up investigation
members. Ann. Intern. Med., 101:238-247, 1984. of 50 patients. Acta Chirurgica Scandinavica, 132:340-347, 1966.
60. GARCIA, M.; BRU, C.; CAMPISTOL, J.M. et al. Effect of reduction 86. PLAS, E.G.; HÜBNER, W.A. Percutaneous resection of renal cysts:
of cystic volume by percutaneous cystic puncture on the renal func- A long-term follow-up. J. Urol., 149:703-705, 1993.
tion in polycystic kidney disease. Nephron, 56:459, 1990. 87. GILL, I.S.; DESAI, M.M.; KAOUK, J.H.; MERANEY, A.M.; MUR-
61. HIGASHIHARA, E.; NUTAHARA, K.; MINOWADA, S. et al. Per- PHY, D.P.; SUNG, G.T.; NOVICK, A.C. Laparoscopic partial
cutaneous reduction of cyst volume of polycystic kidney disease: nephrectomy for renal tumor: Duplicating open surgical techniques.
Effects on renal function. J. Urol., 147:1482-1484, 1992. J. Urol., 167:469-476, 2002.
62. HINMAN, F. Jr. Obstructive renal cysts. J. Urol., 119:681-683,1978. 88. MILLER, S.D.; Ng CS; STREEM, S.B.; GILL, I.S. Laparoscopic ma-
63. KROPP, K.A.; GRAYHACK, J.T.; WENDEL, R.M. et al. Morbidity nagement of caliceal diverticular calculi. J. Urol., 167:1248-1252, 2002.
and mortality of renal exploration of cyst. Surg. Gynecol. Obstet., 89. CASTILHO, L.N. e cols. Laparoscopia Urológica, 1.ª ed. LPC Comuni-
125:803-806, 1967. cações, 179-231, 2000.
64. PAPANICOLAU, N.; PFISTER, R.C.; YODER, I.C. Spontaneous and 90. HERING, F.L.O.; SROUGI; M. Urologia, Diagnóstico e tratamento, 1.ª
traumatic rupture of renal cysts: Diagnosis and outcome. Radiology, ed. Roca, 307-310, 1998.
160:99-103, 1986. 91. KAUOK, J.H.; BANKS, K.L.; DESAI, M.H. et al. Laparoscopic
65. ROCKSON, S.G.; STONE, R.A.; GUNNELS, J.C. Jr. Solitary renal cyst anatrophic nephrolithotomy. J. Urol., 165:376, abstract 1542, 2001.
with segmental ischemia and hypertension. J. Urol., 112:550-552, 92. PORTIS, A.J.; YAN, Y.; LANDMAN, J.; CHEN, C.; BARRET, P.H.;
1974. FENTE, D.D.; ONO, Y.; McDOUGALL, E.M.; CLAYMAN, R.V.
66. VEERMAN, J.T.H.L.; TEN CATE, H.W. Infected solitary renal cyst. Long-term follow-up after laparoscopic radical nephrectomy. J.
Neth. J. Surg., 32:59-61, 1980. Urol., 167:1257-1262, 2002.
67. HOENIG, D.M.; LEVEILLEE, R.J.; AMARAL, J.F. et al. Laparosco- 93. DELMAS, P.; ZHOU, J. et al. Constitutive activation of G-proteins
pic unroofing of symptomatic renal cysts: Three distinct surgical by polycystin-1 is antagonized by polycystin-2. J. Biol. Chem.,
approaches. J. Endouro., 9:55-58, 1994. 277(13):11276-11283, 2002.
596 Doenças Císticas Renais

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET


BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Revisões sobre DRP
Brenner and Rector’s The Kidney, sexta edição, 2000; Cap. 38. http://www.niddk.nih.gov/health/kidney/pubs/polycyst/
Diseases of the Kidney, sétima edição; Robert W. Schrier (Editor), Carl W. polycyst.htm
Gottschalk (Editor), 2001. http://www.nephrologychannel.com/polycystic/

PKD Foundation
http://www.pkdcure.org/home.htm

Teste de ligação de genes para PKD no Brasil


http://www.genomic.com.br/siteantigo/inst/dna/
item06_02.htm
Capítulo
Nefropatia Diabética

32 Jorge L. Gross, Sandra P. Silveiro, Luís H. Canani e Mirela J. de Azevedo

IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA: EPIDEMIOLOGIA Prevenção primária


ESTÁGIOS E CURSO CLÍNICO DA ND Prevenção secundária
Fase de nefropatia incipiente Dieta
Fase de nefropatia clínica Controle metabólico: glicose e lipídios séricos
FATORES DE RISCO E PATOGÊNESE Tratamento da HAS
Fatores não-genéticos Inibidores da enzima conversora da angiotensina e
Fatores genéticos antagonistas dos receptores da angiotensina II
Outros fatores de risco CONCLUSÕES
DIAGNÓSTICO, MONITORIZAÇÃO E DIAGNÓSTICO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIFERENCIAL ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
TRATAMENTO

mais recente cerca de 26% dos pacientes em hemodiálise


IMPORTÂNCIA DO PROBLEMA: apresentaram o diagnóstico de ND, sendo a sobrevida
EPIDEMIOLOGIA média destes pacientes de apenas 26 meses.4

A nefropatia diabética (ND) é uma complicação crôni-


ca do diabete melito (DM) que acomete cerca de 35% dos ESTÁGIOS E
pacientes com DM tipo 1, sendo a principal causa de mor-
te neste grupo. Nos pacientes com DM tipo 2, sua preva- CURSO CLÍNICO DA ND
lência varia de 10 a 40% e, neste grupo, a principal causa
A ND apresenta em seu curso clínico três etapas evolu-
de morte é a doença cardiovascular.
tivas: a fase de nefropatia incipiente, a fase de nefropatia
A ND está associada a um aumento da mortalidade de
clínica e a fase de insuficiência renal terminal. A fase final
aproximadamente 100 vezes em pacientes com DM tipo 1
da ND, onde ocorre uremia e necessidade de diálise ou
e de 5 vezes nos pacientes com DM tipo 2, sendo a princi-
transplante, não será objetivo deste capítulo.
pal causa de ingresso em programas de diálise em países
desenvolvidos. Nos Estados Unidos, cerca de 40% dos
pacientes em programa de substituição renal são portado- Fase de Nefropatia Incipiente
res de DM.1 Já no Brasil, na Grande São Paulo, os pacien-
tes diabéticos representam 10,9% dos pacientes em progra- Esta etapa é caracterizada por níveis aumentados de
mas de diálise.2 No Rio Grande do Sul, no ano de 1992, a excreção urinária de albumina (EUA  20-200 g/min),
doença renal primária foi atribuída ao DM em 15% dos definidos como microalbuminúria. O ponto de corte de
pacientes.3 Esta proporção vem aumentando, e em estudo EUA considerado como microalbuminúria, e até hoje ado-
598 Nefropatia Diabética

tado, foi definido em estudos prospectivos do início da des até presença de alterações compatíveis com glomeru-
década de 80, que estabeleceram quais os valores de EUA lopatia diabética típica.14
preditivos para o desenvolvimento de ND.5,6
A microalbuminúria ocorre em 30 a 45% dos pacientes
com DM tipo 1, especialmente naqueles cuja doença já dura Fase de Nefropatia Clínica
mais de 10 anos. Em pacientes com DM tipo 2, a prevalên-
cia de microalbuminúria varia de 13 a 26%, e, ao contrário É definida por uma EUA  200 g/min ou proteinúria
dos pacientes com DM tipo 1, pode ocorrer em 20% dos de 24 horas  500 mg. Esta etapa é também conhecida por
pacientes na ocasião do diagnóstico do DM.7 fase de proteinúria ou de macroalbuminúria.
A função renal medida pela taxa de filtração glomeru- Nesta fase da doença renal, os pacientes DM tipo 2 em
lar (TFG) usualmente se mantém estável nos pacientes geral apresentam idade avançada, obesidade, mais do que
microalbuminúricos até que a EUA atinja valores próxi- 10 anos de duração de DM, presença de hipertensão arte-
mos aos da fase de nefropatia clínica. A EUA aumenta rial (HAS), hipercolesterolemia e mau controle glicêmi-
cerca de 20% ao ano em indivíduos que não realizam qual- co.15,16 A presença de HAS ocorre em cerca de 73 a 90% dos
quer tipo de tratamento, de tal maneira que estes pacien- pacientes e comumente estão presentes outras complica-
tes permanecem por 8-10 anos nesta fase da ND. No en- ções crônicas do DM, como neuropatia periférica, neuro-
tanto, em alguns pacientes pode haver rápida progressão, patia autonômica e retinopatia. Os pacientes com DM tipo
provavelmente devido à presença de fatores como o mau 2 proteinúricos apresentam mais freqüentemente manifes-
controle glicêmico, os níveis tensionais elevados, dislipi- tações de macroangiopatia. Em pacientes DM tipo 2 com
demia e o hábito de fumar ou mesmo fatores genéticos. cardiopatia isquêmica, foi descrita uma associação de ne-
Estudos recentes têm demonstrado que a progressão para fropatia clínica com a presença de cardiopatia isquêmica
a proteinúria (ou fase de nefropatia clínica) ocorre em assintomática, caracterizada por ausência de angina pecto-
apenas 30 a 45% dos pacientes com DM tipo 1 microalbu- ris e alterações eletrocardiográficas e/ou na cintilografia
minúricos, enquanto cerca de 30% podem regredir para do miocárdio compatíveis com cardiopatia isquêmica.17
normoalbuminúria e entre 25 a 40% podem permane- Nos pacientes com DM tipo 1, a partir do diagnóstico
cer microalbuminúricos por cerca de 10 anos. Resulta- de nefropatia clínica, ocorre uma redução nos valores de
dos semelhantes foram observados em pacientes com TFG da ordem de 1 ml/min/mês. Embora possa haver
DM tipo 2. 8 uma grande variação interindividual, em um mesmo pa-
Os pacientes microalbuminúricos, à semelhança dos ciente esta perda costuma ser de mesma magnitude. A
pacientes com nefropatia clínica, já apresentam associa- perda de função renal em pacientes com DM tipo 2 é mais
ções que configuram um perfil aterogênico e, portanto, fa- heterogênea, podendo ocasionalmente ser mais lenta,18
vorecem o aparecimento de cardiopatia isquêmica. Os com valor de declínio da TFG de aproximadamente 0,5 ml/
níveis pressóricos estão aumentados nos pacientes micro- min/mês.19
albuminúricos, embora, em geral, ainda dentro dos limi- Os principais determinantes da velocidade de declínio
tes da normalidade, podendo ocorrer um menor descen- da TFG são os níveis de pressão arterial,20 os níveis de co-
so noturno da pressão arterial.9 A presença de microalbu- lesterol sérico,21 o hábito de fumar,22 o controle glicêmico,23
minúria está associada também à dislipidemia, alterações o nível de proteinúria ( 2 g de proteínas totais em 24 h) e
da função endotelial e dos fatores de coagulação. As alte- o grau de lesão histopatológica renal.24 Fatores genéticos
rações dos lipídios séricos descritas são: aumento do LDL como polimorfismos do gene da enzima conversora da
colesterol e da apolipoproteína B1, triglicerídeos e dimi- angiotensina (ECA) e da ectonucleotídeo pirofosfatase-fos-
nuição do HDL2 colesterol.10 As alterações da função en- fodiesterase 1 (ENPP1), previamente denominada PC-1,
dotelial e disfunção hemostática caracterizam-se por au- parecem estar envolvidos na velocidade de perda de fun-
mento do fator plasmático VII, da atividade do inibidor-1 ção renal, determinando um pior prognóstico.25-27 Sem in-
do ativador do plasminogênio e do fibrinogênio plasmá- tervenção terapêutica específica, em cerca de 7 a 10 anos
tico.11,12 após o surgimento de proteinúria persistente os pacientes
Além disso, a microalbuminúria per se é um fator de risco necessitarão de tratamento substitutivo da função renal.
independente para cardiopatia isquêmica e para aumento Embora ainda persista alguma controvérsia em relação
da mortalidade tanto em pacientes com DM tipo 1 quanto ao papel do controle glicêmico na progressão da doença
para o DM tipo 2.13 renal estabelecida (micro- e macroalbuminúria),28 existem
Finalmente, pacientes microalbuminúricos já apresen- evidências da associação de melhor controle com perda
tam alterações histopatológicas renais, como espessamen- mais lenta de função renal.23 Reforçam esta observação os
to da membrana basal glomerular e aumento do volume achados de que em pacientes DM tipo 1 as lesões histopa-
do mesângio. Nos pacientes com DM tipo 2 e microalbu- tológicas renais da ND podem regredir a longo prazo após
minúria tem sido descrita uma heterogeneidade nas alte- a reversão para o estado de normoglicemia através da re-
rações estruturais renais, desde ausência de anormalida- alização de transplante de pâncreas.29
capítulo 32 599

Pontos-chave: Fatores Genéticos


• ND acomete cerca de 35% dos pacientes A participação dos fatores genéticos é sugerida pela ob-
com DM tipo 1. Nos pacientes com DM tipo servação de que a ND afeta apenas uma proporção dos pa-
cientes com DM. Entre os estudos que abordam os aspec-
2, sua prevalência varia de 10 a 40%
tos genéticos da ND estão os que analisam a predisposi-
• É a principal causa de ingresso em
ção genética como um elemento importante no desenvol-
programas de diálise em países vimento da ND. Nesta categoria estão incluídos os estu-
desenvolvidos dos epidemiológicos, os de família e os que utilizam a téc-
• A ND apresenta em seu curso clínico três nica de genoma wide scan (rastreamento do genoma). Um
etapas evolutivas: a fase de nefropatia segundo tipo de estudo engloba aqueles que tentam iden-
incipiente, a fase de nefropatia clínica e a tificar os respectivos genes envolvidos na predisposição
fase de insuficiência renal terminal propriamente dita, sendo que a técnica de genoma wide scan
é aqui também utilizada.
Os estudos epidemiológicos sugerem que, na presença de
hiperglicemia, os indivíduos geneticamente susceptíveis
FATORES DE RISCO E para o desenvolvimento da ND irão desenvolvê-la nos pri-
PATOGÊNESE meiros 15-20 anos do início do DM. Após este período, os
novos casos são raros e a incidência acumulada de ND atin-
Fatores genéticos e não-genéticos parecem concorrer ge um platô.43 Os estudos de famílias podem ser divididos
para o desenvolvimento da ND. Entre os fatores não-ge- em estudos de irmãos diabéticos e estudos de extensos
néticos, alguns têm sido mais bem estudados, como o mau pedigrees (várias gerações em famílias). Os estudos de pares
controle glicêmico30 e pressórico,31 a hipercolesterolemia16,32 de irmãos (Quadro 32.1) avaliam o risco de um irmão dia-
e outros fatores não tão bem estabelecidos, como o taba- bético desenvolver ND quando na presença ou não de ND
gismo,33 fatores alimentares34,35 e fatores hemodinâmicos, no paciente em estudo (caso índice). Apesar de utilizarem
como a hiperfiltração glomerular e alterações da homeos- diferentes critérios para definição da ND, estes estudos de-
tase pressórica.36-39 monstram que a presença de ND no caso índice pelo menos
triplica a chance do irmão também apresentar ND. Este acha-
do é semelhante tanto em pacientes com DM tipo 1 quanto
Fatores Não-genéticos com DM tipo 2. Outra abordagem utilizando famílias con-
A hiperglicemia é um fator importante na gênese da ND. siste no estudo do comportamento de determinado fenóti-
Entre os mecanismos relacionados à hiperglicemia crôni- po em vários membros em diversas gerações de um mes-
ca estão a glicação não-enzimática e as alterações na via dos mo pedigree. Foi demonstrado que a EUA tem um compo-
polióis. Os produtos de glicação não-enzimática podem nente hereditário em indivíduos com ou sem DM, semelhan-
causar alterações quantitativas e qualitativas nos compo- te à hereditariedade observada em relação à pressão arteri-
nentes da matriz extracelular, contribuindo para a ocorrên- al.44 Os estudos que utilizam a técnica de genoma wide scan,
cia de oclusão glomerular. A hiperglicemia promove um que em um primeiro momento tenta identificar regiões cro-
aumento da atividade na via dos polióis. Nesta via, a gli- mossômicas associadas com a ND, são sensíveis para iden-
cose é reduzida à sorbitol, sob ação da aldose redutase. O tificar genes com efeitos moderados ou maiores, não sendo
acúmulo do sorbitol ocasionaria estresse hiperosmótico capaz de identificar genes com efeitos menores.45 Existem
para as células, diminuição do mioinositol intracelular e dois estudos deste tipo publicados até o momento. O pri-
redução da atividade da ATPase Na/K dependente, le- meiro foi realizado nos índios pimas com DM tipo 2,46 onde
vando ao dano celular. quatro regiões foram identificadas como associadas à ND.
Estudos prospectivos confirmam que a HAS é um fator A região com maior associação foi localizada no braço lon-
de risco importante para o desenvolvimento da ND16,31,40 e go do cromossoma 7 (7q). Outros possíveis loci foram iden-
também o fator promotor de progressão mais relevante. tificados nos cromossomas 3q, 9q e 20p. Em pacientes com
Nelson e colaboradores demonstraram que a pressão ar- DM tipo 1, resultados parciais identificaram a região do
terial inicial mais elevada relacionou-se ao aumento da braço longo do cromossoma 3 como associada à ND.47 Três
EUA ao final do período de acompanhamento de índios outros cromossomas, ainda em fase de análise, também
pimas.41 Estudos de intervenção têm confirmado os bene- apresentam associações positivas com a ND.45 Até o momen-
fícios do tratamento da HAS na prevenção das complica- to as tentativas de isolar os genes responsáveis por essas
ções microvasculares. No UKPDS 38, foi demonstrado que associações foram sem sucesso.45
o controle rigoroso da pressão arterial em pacientes com Os estudos que têm por objetivo identificar os genes cau-
DM tipo 2 promoveu uma diminuição do surgimento das sadores da ND são os estudos de genes candidatos e os es-
complicações microvasculares.42 tudos de linkage (associação) que utilizam a técnica de ge-
600 Nefropatia Diabética

Quadro 32.1 Estudos de pares de irmãos e agregação de nefropatia diabética


Prevalência de ND no
irmão (n.º de irmãos Razão de chance
População Caso índice com DM) (IC 95%)

DM tipo 1
Seaquist et al.97 Caucasianos Com IRT (n  26) 82% (29) 24 (4,04-145)
EUA Sem ND (n  11) 17% (12)
Borch-Johnsen et al.98 Caucasianos Com ND (n  20) 33% (21) 4,9 (1,2-19,0)
Dinamarca Sem DN (n  29) 10% (30)
Quinn et al.52 Caucasianos Com ND (n  38) 71,5% (44) 2,5 (1,3-8,0)
EUA Sem ND (n  72) 25% (81)

DM tipo 2
Faronatto et al.53 Caucasianos Com ND (n  56) 47,1% (74) 3,9 (1,93-9,01)
Itália Sem ND (n  78) 14,2% (113)
Canani et al.54 Brasil (Sul) Com ND (n  41) 53,1% (49) 3,2 (1,34-7,95)
Sem ND (n  49) 25,7% (58)

ND  nefropatia diabética; IC 95%  intervalo de confiança de 95%; IRT  insuficiência renal terminal.

noma wide scan. A abordagem do genoma wide scan, já co- de sódio-lítio é geneticamente determinada e, na população
mentada anteriormente, não depende do conhecimento não-diabética, está associada ao risco de hipertensão essen-
prévio das vias envolvidas na patogênese da ND e pode cial. Em pacientes com DM tipo 1 e nefropatia clínica, assim
ser uma ferramenta útil na identificação de novos genes e como em seus pais, e também nos pacientes com microal-
possivelmente novas rotas envolvidas na gênese da ND.45 buminúria, a atividade deste sistema está aumentada.51 Es-
Isto abre oportunidades para novas terapias direcionadas tas observações sugerem que a predisposição genética à ND
para os mecanismos específicos que levam à lesão renal. esteja realmente relacionada à predisposição à HAS.
Já a avaliação de genes candidatos, através de estudos que
avaliam a associação de polimorfismos de genes de inte-
resse previamente conhecidos e a presença de ND, leva em
Outros Fatores de Risco
consideração o conhecimento de possíveis fatores envol- Fatores alimentares também podem constituir fator de
vidos na patogênese da ND. Apesar deste tipo de estudo risco para o surgimento de ND. Pacientes com DM tipo 1
apresentar grande poder de análise e relativa facilidade de que relatam um consumo de proteínas inferior a 20% do
realização, a maioria inclui pequeno número de pacientes valor energético total apresentam níveis de albuminúria
e não é reprodutível, representando possivelmente asso- inferiores aos daqueles com consumo protéico mais eleva-
ciações espúrias. Exemplos de estudos que encontraram do.34 Foi demonstrado também que uma maior ingestão de
resultados conflitantes foram os dos polimorfismos dos proteína oriunda de peixe parece estar associada à redução
genes da ECA48 e os da paraoxonase 1 e 2 (PON1 e PON2)49,50 do risco de desenvolver ND em pacientes com DM tipo 1.35
e da aldose redutase.45 Outro possível marcador de predisposição para a ND é
Ainda dentro dos aspectos genéticos relacionados à ND, o aumento da TFG. A prevalência de hiperfiltração glome-
parece existir uma associação entre o desenvolvimento de rular em pacientes com DM tipo 1 é de 25% e em pacientes
ND e a predisposição genética para a HAS. Alguns auto- com DM tipo 2 é de 20 a 40%. A hipótese hemodinâmica
res descreveram a presença de níveis pressóricos mais ele- postula que a hiperfiltração glomerular ocasionaria dano
vados nos pais de pacientes com DM tipo 1 portadores de direto à parede capilar, além de provocar um aumento na
ND.51 Além de uma maior freqüência de história familiar passagem de macromoléculas e depósito destas no mesân-
de HAS e de ND, pacientes com ND apresentam também gio. Estes eventos levariam a alterações na permeabilidade
maior prevalência de história familiar de cardiopatia isquê- da membrana e, posteriormente, ao fechamento capilar glo-
mica.52 De fato, a associação de alterações na homeostase merular, através da glomeruloesclerose. Os capilares menos
pressórica e desenvolvimento de ND parece ocorrer pre- afetados sofreriam uma hiperfiltração compensatória, fe-
cocemente. Níveis mais elevados de pressão arterial (mo- chando um círculo que favoreceria o dano glomerular pro-
nitorização de pressão arterial em 24 horas) e de EUA fo- gressivo.53 A favor de um papel da hiperfiltração no desen-
ram observados nos pacientes DM tipo 1 normoalbuminú- volvimento da ND está a observação de que pacientes dia-
ricos que evoluem para microalbuminúria.9 béticos com rim único, um modelo de marcada hiperfiltra-
A atividade do sistema de contratransporte eritrocitário ção glomerular, apresentam mais freqüentemente níveis
capítulo 32 601

elevados de EUA do que pacientes não-diabéticos também ção em pacientes com DM tipo 1.59 Embora as complica-
com rim único.21 Existem poucos estudos prospectivos de ções microvasculares sejam raras antes da puberdade, exis-
longa duração que avaliem a hiperfiltração glomerular como tem evidências de que a duração de DM pré-puberal pos-
fator de risco para ND. Nestes, ou a hiperfiltração foi consi- sa ser importante no desenvolvimento destas complica-
derada um fator de risco,36 ou foi um determinante de au- ções, como por exemplo para a retinopatia.60 Portanto,
mento dos níveis pressóricos ao final do período de acom- pacientes pré-púberes com longa duração de DM devem
panhamento.37,54 Pacientes diabéticos tipo 1 e tipo 2 com hi- ser também avaliados para ND.59 Em pacientes com DM
perfiltração glomerular têm uma redução da TFG ao longo tipo 2, o rastreamento da ND deve ser feito por ocasião do
do tempo significativamente maior do que pacientes com diagnóstico de DM.59 Em pacientes com DM tipo 1 e tipo
TFG normal.37-39 Entretanto, o papel da TFG elevada no de- 2, o rastreamento deve ser repetido a intervalos de um ano.
senvolvimento da ND ainda não está totalmente esclareci- O rastreamento deve começar com a realização de exa-
do, podendo este risco estar relacionado à presença de alte- me comum de urina e urocultura em amostra casual de
rações pressóricas. De fato, pacientes DM tipo 1 normoal- urina. Na ausência de hematúria e de infecção urinária e
buminúricos e normotensos com TFG aumentada apresen- presença de proteínas no exame comum de urina, deve-se
tam ausência de descenso noturno da pressão arterial.55 realizar dosagem de proteínas totais em urina de 24 horas,
Níveis de albuminúria mais elevados, ainda que den- e na ausência de proteinúria, proceder à dosagem de al-
tro da faixa de normoalbuminúria, também têm sido indi- buminúria.59 Ao invés de utilizar a presença ou não de
cados como marcadores de risco para o desenvolvimento proteínas no exame comum de urina, recomendamos a
de ND. Estudos prospectivos de pacientes com DM tipo medida da concentração de proteínas totais por método
232,56,57 e de pacientes com DM tipo 128,58 sugerem que mes- quantitativo na mesma amostra de urina casual.61 Valores
mo níveis “normais altos” de EUA podem indicar risco de  430 mg/L apresentam uma sensibilidade de 100% e es-
progressão para ND. Em estudo prospectivo de 10 anos, a pecificidade de 79,6% para o diagnóstico de nefropatia clí-
análise multivariada demonstrou um risco 29 vezes maior nica.62 Este diagnóstico deve ser confirmado com dosagem
de desenvolvimento de ND em pacientes com DM tipo 2 de proteínas totais em urina de 24 horas. Se o valor de pro-
portadores de EUA acima de 10 g/min.56 Portanto, níveis teínas totais na amostra casual de urina for  430 mg/L,
de albuminúria abaixo do valor crítico de 20 g/min já deve-se realizar medida de albuminúria na mesma amos-
poderiam ser preditivos de doença renal futura, identifi- tra de urina. Valores de albuminúria  17 mg/L são diag-
cando pacientes em risco e merecedores de tratamento in- nósticos de microalbuminúria, e valores menores do que
tensivo dos outros fatores de risco associados, como mau este são considerados normais.63 A presença de microalbu-
controle glicêmico, pressórico e lipídico. minúria deve ser também confirmada em urina de 24 ho-
ras, preferencialmente em coleta com tempo marcado.
Pontos-chave: Portanto, o rastreamento da ND deve ser iniciado com a
realização de medida quantitativa de proteínas em amos-
Fatores de risco à ND tra casual de urina, utilizando os valores acima sugeridos,
• Não-genéticos o que aumenta a acurácia do diagnóstico de nefropatia clí-
Hiperglicemia nica, e seguida, quando indicado, da dosagem de albumi-
Hipertensão arterial núria na mesma amostra, o que reduz o número de cole-
Hipercolesterolemia tas de urina e o custo do rastreamento. No Quadro 32.2
? Tabagismo estão descritos os valores de albuminúria e de proteinúria
utilizados para o diagnóstico de ND.
? Alimentação
A dosagem de albumina na urina deve ser realizada
? Hiperfiltração e alterações da homeostase
através de técnica sensível e específica, sendo os métodos
pressórica de medida por imunoturbidimetria ou por radioimunoen-
• Genéticos saio comparáveis. Devido à grande variabilidade biológi-
Regiões cromossômicas associadas à ND ca da EUA, o diagnóstico de microalbuminúria deve ser
Predisposição genética à HAS sempre confirmado em pelo menos 2 de 3 amostras com
um intervalo de 3 a 6 meses.59 Além da variabilidade in-
tra-individual, diferentes fatores interferem na medida da
DIAGNÓSTICO, EUA.64 Tanto fatores fisiológicos quanto não-fisiológicos
devem ser levados em consideração (Quadro 32.3).
MONITORIZAÇÃO E Nos pacientes com diagnóstico de micro- ou macroalbu-
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL minúria deve ser realizada a medida da TFG pelo menos
anualmente para avaliação de perda de função renal ou de
Raramente, a ND ocorre com pouco tempo de DM, de- eficácia de intervenção terapêutica. Caso não seja possível
vendo o rastreamento iniciar-se após cinco anos de dura- utilizar método preciso (TFG medida pelo 51Cr EDTA ou por
602 Nefropatia Diabética

Quadro 32.2 Valores de albuminúria e de proteinúria utilizados no diagnóstico de nefropatia diabética


Categoria Urina de 24 horas* Amostra de urina casual**

Normal
Albuminúria  20 g/min  17 mg/L
( 30 mg)
Nefropatia Incipiente
Microalbuminúria 20 a 200 m/min 17 a 173 mg/L
(30-300 mg)
Nefropatia Clínica
Macroalbuminúria  200 g/min  174 mg/L
( 300 mg)
Proteinúria  500 mg/24 h  430 mg/L

*American Diabetes Association.59


**Zelmanovitz T. et al.63
Zelmanovitz T. et al.62
Albuminúria: urina de 24 h com tempo marcado  g/min; urina de 24 h sem tempo marcado  mg.

aumento da EUA ou proteinúria em pacientes com DM


Quadro 32.3 Fatores que aumentam os valores
tipo 1 (3 a 8%) ou com DM tipo 2 (12%).66 Neste sentido,
da albuminúria
são sugestivos de um diagnóstico alternativo: aparecimen-
• Mau controle metabólico • Hematúria to de proteinúria com menos do que 10 anos de duração
• Infecção do trato urinário • Ingestão protéica de DM, velocidade de queda da TFG maior do que a espe-
• Exercício físico • Ingestão de água rada, aparecimento súbito de síndrome nefrótica, presen-
• Níveis pressóricos elevados • Menstruação,
• Obesidade maciça leucorréia ça de hematúria e elevação de creatinina sérica sem aumen-
• Insuficiência cardíaca • Gestação to concomitante de EUA ou proteinúria.
• Doença aguda ou
febre
TRATAMENTO

inulina), recomenda-se que seja utilizado o cálculo estima- Prevenção Primária


do da TFG através da fórmula de Cockroft e Gault [(140 –
A prevenção primária consiste em evitar a instalação da
idade)  peso/72  creatinina; em mulheres  0,85], que
ND através da remoção ou modificação dos fatores de ris-
fornece uma avaliação acurada da função renal em pacien-
co conhecidos. Duas estratégias são amplamente compro-
tes com ND e tem melhor correlação com a TFG do que a
vadas como eficazes: o controle intensivo dos níveis glicê-
medida da depuração de creatinina endógena.18,65
micos e da pressão arterial.
No diagnóstico diferencial da ND, deve ser lembrado
Em pacientes com DM tipo 167 e com DM tipo 2,68 o con-
que outras doenças renais podem ser responsáveis pelo
trole glicêmico estrito, obtido com bombas de infusão sub-
cutânea de insulina ou múltiplas injeções diárias, é capaz
de reduzir de forma significativa a incidência de microal-
Pontos-chave: buminúria e de macroalbuminúria. Ao ser instituído o
controle metabólico intensivo, principalmente em pacien-
• Ao invés de utilizar a presença ou não de
tes com DM tipo 2, devido à faixa etária deste grupo, deve
proteínas no exame comum de urina,
ser considerada a concomitância de complicações macro-
recomendamos a medida da concentração vasculares e a vulnerabilidade à hipoglicemia, principal
de proteínas totais por método quantitativo paraefeito de insulinoterapia intensiva. Em um grande
na mesma amostra de urina casual estudo multicêntrico europeu com pacientes DM tipo 2, o
• Nos pacientes com diagnóstico de micro- ou UKPDS, o controle glicêmico intensivo com medicamen-
macroalbuminúria, deve ser realizada a tos orais para o DM também se mostrou eficaz em reduzir
medida da TFG pelo menos anualmente o risco de complicações microvasculares, entre elas a mi-
para avaliação de perda de função renal ou croalbuminúria.69
de eficácia de intervenção terapêutica O tratamento anti-hipertensivo, especialmente em pa-
cientes com DM tipo 2, também é capaz de prevenir a ins-
capítulo 32 603

talação da ND. O controle estrito da pressão arterial reduz prevenção primária da doença cardiovascular.73 Além dis-
cerca de 30% o risco de aparecimento da microalbuminú- so, é importante pesquisar e tratar adequadamente as de-
ria.42 Deve ser lembrado que para a obtenção de um con- mais complicações associadas à ND, como a retinopatia e
trole pressórico adequado é necessário o uso de múltiplos a neuropatia periférica e autonômica.
agentes anti-hipertensivos. Esta observação foi recente-
mente demonstrada no UKPDS,42,70 onde mais de 50% dos DIETA
pacientes sob tratamento intensivo da HAS utilizaram Em pacientes com microalbuminúria e DM a adoção de
múltiplas drogas. uma dieta hipoprotéica reduz os níveis de EUA.74 Entre-
Como possível estratégia alternativa na prevenção pri- tanto, não existem estudos em longo prazo que demons-
mária da ND está a utilização de agentes inibidores da trem que esse efeito seja persistente e que esses pacientes
enzima conversora da angiotensina (ECA), independente não evoluam para nefropatia clínica.
da presença de HAS. Em pacientes DM tipo 2 normoalbu- A modificação do tipo de carne da dieta assim como a
minúricos e normotensos, o enalapril reduziu o apareci- substituição da proteína animal pela proteína vegetal têm
mento da ND.71,72 No entanto, confirmações adicionais fa- sido analisadas e sugeridas como possíveis alternativas
zem-se necessárias antes da recomendação formal do uso para o tratamento da ND.75 Em pacientes com DM tipo 2 e
destes agentes para a prevenção da ND. microalbuminúricos, demonstrou-se que uma dieta nor-
Em pacientes com DM tipo 1 normoalbuminúricos foi moprotéica à base de galinha reduziu mais a EUA do que
demonstrado que a adoção de uma dieta à base de carne
uma dieta hipoprotéica, representando, talvez, uma medi-
de galinha e peixe reduziu a hiperfiltração glomerular
da terapêutica alternativa mais eficaz, sem custo adicional
tanto quanto uma dieta hipoprotéica.55 Entretanto, o sig-
e paraefeitos, e de melhor adesão pelo paciente do que a
nificado a longo prazo deste efeito não é conhecido e até o
dieta hipoprotéica. Além disso, a dieta à base de carne de
presente não existem evidências de que intervenções die-
galinha determinou uma redução dos níveis de colesterol
téticas evitem o surgimento da ND.
total de cerca de 18%.76
Já em pacientes com nefropatia clínica, a redução do
Prevenção Secundária conteúdo protéico da dieta em longo prazo (cerca de três
anos) diminuiu os níveis de EUA e a velocidade de redu-
O tratamento da ND visa normalizar os níveis de EUA ção da TFG, assim como a necessidade de tratamento subs-
retardando ou revertendo o processo evolutivo da ND. A titutivo renal.77 O estado nutricional parece não ter sido
efetividade das diferentes intervenções terapêuticas pode afetado nos pacientes que seguiram esta dieta, apesar de
variar conforme o estágio da ND. não haver estudos delineados com esta finalidade em pa-
Os pacientes com nefropatia clínica devem ser avalia- cientes com DM. Já em fases avançadas da ND quando
dos pelo menos a cada três meses e deve ser feito todo o ocorre uremia, a redução de proteínas da dieta, apesar de
esforço para a obtenção de um bom controle pressórico e promover alívio sintomático, não modifica a evolução para
glicêmico. Paralelamente, os fatores de risco cardiovascu- a terapia de substituição renal.
lar e de progressão da ND modificáveis devem ser agres- A recomendação atual em relação a pacientes com ne-
sivamente tratados, como a dislipidemia e o tabagismo fropatia clínica é a prescrição de uma dieta com moderada
(Quadro 32.4). Deve ser enfatizado o uso de aspirina em restrição de proteínas, cerca de 0,8 g/kg/dia.59 Se esta di-
pacientes micro- e macroalbuminúricos como estratégia de eta não diminuir a velocidade de declínio da TFG, sugere-
se a adoção de restrição mais intensa (0,6 g/kg/dia). Em
pacientes com microalbuminúria, a redução de proteínas
da dieta pode ser uma alternativa de tratamento especial-
Quadro 32.4 Intervenções recomendadas para
retardar a progressão da nefropatia diabética mente útil nos pacientes macroalbuminúricos quando não
for possível utilizar os inibidores da ECA ou os bloquea-
Intervenção Objetivos dores do receptor da angiotensina II (contra-indicações ou
efeitos colaterais), ou quando a resposta ao seu uso for
Controle da pressão arterial 130/80 mmHg
Inibição do sistema renina- Proteinúria 0,3 g/24 h pobre. Entretanto, a adesão a este tipo de dieta é baixa.
angiotensina
Correção da dislipidemia Colesterol LDL CONTROLE METABÓLICO: GLICOSE E
100 mg/dl
Controle glicêmico Glico-hemoglobina 7% LIPÍDIOS SÉRICOS
Dieta hipoprotéica Proteinúria 0,3 g/24 h Existe uma associação entre mau controle metabólico e
(0,8 g/kg) albuminúria nos pacientes com micro- e macroalbuminú-
Suspensão do fumo e do — ria. Nos pacientes com nefropatia clínica, um melhor con-
álcool é recomendada
trole glicêmico associado a um controle estrito dos níveis
Modificado de Remuzzi G. et al.87 pressóricos pode reduzir a perda de função renal.23 Em
604 Nefropatia Diabética

pacientes com DM tipo 1 e microalbuminúria, embora te- No entanto, níveis de pressão arterial diastólica meno-
nha sido demonstrado que um pior controle metabólico do res do que 70 mmHg devem ser evitados, pois nestes ca-
DM relaciona-se com evolução desfavorável da ND,78 o sos pode ocorrer perda do efeito benéfico da redução da
controle glicêmico estrito não foi capaz de reduzir a pro- pressão arterial.88
gressão para fases mais avançadas.28,79 Portanto, no presen-
te momento, existem ainda dúvidas em relação ao papel INIBIDORES DA ENZIMA CONVERSORA DA
do controle metabólico intensivo na progressão da ND.
ANGIOTENSINA E ANTAGONISTAS DOS
Embora em animais exista a sugestão de que os lipídi-
os séricos possam estar envolvidos na patogênese da ND,80 RECEPTORES DA ANGIOTENSINA II
os resultados dos poucos estudos clínicos existentes são O bloqueio do sistema renina-angiotensina tem-se mos-
controversos. O uso de inibidores da HMG Coa redutase trado útil no tratamento da ND, prevenindo a evolução da
por períodos longos resultou em menor declínio da TFG microalbuminúria para a macroalbuminúria e a progres-
em pacientes proteinúricos.81 Em pacientes com nefropa- são da macroalbuminúria, assim como reduzindo a mor-
tia incipiente pode ocorrer82 ou não83 redução da albumi- talidade em geral.
núria. Os inibidores da ECA estão indicados para o tratamen-
to da ND (micro- e macroalbuminúria) mesmo em indiví-
duos normotensos.
TRATAMENTO DA HAS
Em pacientes com DM tipo 1 e microalbuminúria, ocorre
Os efeitos benéficos da redução da pressão arterial em
redução nos níveis de EUA com o uso de inibidores da
pacientes com nefropatia clínica — diminuição significa-
ECA, independente da redução dos níveis pressóricos.89
tiva da taxa de declínio da TFG e da proteinúria — estão
Nos pacientes DM tipo 2 microalbuminúricos ocorre esta-
bem documentados.20,84,85 O tratamento anti-hipertensivo
bilização ou redução dos níveis de EUA com o uso destas
adequado comprovadamente aumenta a sobrevida dos
drogas. Também foi demonstrado que a progressão para
pacientes portadores de nefropatia clínica.
nefropatia clínica é reduzida tanto em pacientes microal-
Dependendo da fase de ND, a HAS pode estar relacio-
buminúricos do tipo 1 quanto do tipo 2 que utilizaram ini-
nada à própria nefropatia, como ocorre na fase de macro-
bidores da ECA.72,89-91
albuminúria com perda de função renal e retenção de lí-
quidos. Por outro lado, em pacientes com DM tipo 2 a HAS Nos pacientes diabéticos com nefropatia clínica, os ini-
já está presente em cerca de 30% dos pacientes por ocasião bidores da ECA, além de diminuir os níveis de proteinú-
do diagnóstico do DM, podendo estar relacionada à sín- ria (
30%), também são capazes de reduzir a velocida-
drome de resistência à insulina, à HAS essencial ou a cau- de de decaimento da TFG.92 Mais importante é a obser-
sas secundárias, como por exemplo estenose de artéria re- vação de que em pacientes com DM tipo 1 e nefropatia
nal. Estas considerações devem ser lembradas, assim como clínica e níveis de creatinina sérica  2,5 mg/dl, estas
a presença de co-morbidades e de outras complicações drogas (captopril) reduzem em 50% a necessidade de diá-
crônicas do DM, ao ser instituído o tratamento anti-hiper- lise ou de transplante renal ou de morte (risco combina-
tensivo nestes pacientes. do) em um período de quatro anos de uso.92 No entanto,
Os objetivos do tratamento anti-hipertensivo para os não existe comprovação de redução de mortalidade iso-
pacientes com ND são os mesmos para os pacientes com ladamente com o uso de inibidores da ECA em pacientes
DM em geral: manter a pressão arterial sistólica  130 com ND.
mmHg e a diastólica  80 mmHg.67 Tais valores estão de A favor de uma ação nefroprotetora específica dos ini-
acordo com os resultados do estudo HOT, que teve como bidores da ECA está a observação de que, ao serem com-
objetivo determinar o melhor nível pressórico para redu- parados com beta-bloqueadores (metoprolol), os inibido-
zir morbimortalidade em pacientes hipertensos.86 Nos pa- res da ECA (enalapril) causam uma maior redução dos
cientes diabéticos analisados neste estudo, níveis diastóli- níveis de proteinúria, para os mesmos níveis de redução
cos 80 mmHg se associaram à maior redução na incidên- da pressão arterial. Entretanto, estudos comparativos
cia de eventos cardiovasculares. Nos pacientes com hiper- entre os inibidores da ECA e outros anti-hipertensivos,
tensão sistólica isolada e níveis de pressão  180 mmHg, inclusive beta-bloqueadores, têm resultados diversos.93 A
o objetivo inicial é reduzir a pressão sistólica a níveis infe- possível superioridade dos inibidores da ECA sobre ou-
riores a 160 mmHg. Para aqueles pacientes com pressão tros agentes anti-hipertensivos não está definitivamente
sistólica entre 160 e 179 mmHg o objetivo é uma redução comprovada.
inicial de 20 mmHg. Uma vez alcançados estes objetivos e Recentemente, foi também confirmada a eficácia dos
se o paciente tolerar, deve tentar-se uma maior redução dos antagonistas dos receptores da angiotensina II (irbesartan)
níveis de pressão. Em pacientes com insuficiência renal, em promover redução da incidência de macroalbuminú-
alguns autores preconizam níveis ainda mais baixos de ria em pacientes com DM tipo 2 microalbuminúricos.94 Fi-
pressão arterial como objetivo terapêutico, da ordem de nalmente, dois estudos multicêntricos com losartan e irbe-
120/70 mmHg.87 sartan,95,96 finalizados no mesmo período, corroboram o
capítulo 32 605

efeito benéfico do uso destes antagonistas em pacientes


com DM tipo 2 em fase de proteinúria (macroalbuminú- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ria). Nesses estudos, houve redução da incidência de du-
1. IV. Patient characteristics at the start of ESRD: data from the HCFA
plicação dos valores de creatinina sérica e de insuficiência medical evidence form. Am J Kidney Dis 1999; 34:S63-73.
renal terminal, embora não tenha sido documentada redu- 2. Comissão Regional de Nefrologia SP e Centro de Informática da
ção da mortalidade. Além disso, a associação de inibido- EPM. Idade, sexo e diagnóstico dos pacientes em diálise na Grande
res da ECA com antagonistas dos receptores da angioten- São Paulo. J Bras Nefrol 1994; 16:83-86.
3. GARCIA, V.D.; MATTOS, A.A.; GOLDANI, J.C. Diabetic nephro-
sina II, em pacientes com DM tipo 2 microalbuminúricos, pathy as cause of end-stage renal disease in the State of Rio Grande
promoveu efeito aditivo benéfico de redução da EUA e de do Sul. II Simpósio Brasileiro de Nefropatia Diabética. Porto Alegre,
controle da HAS. Portanto, com base nestes recentes gran- 16-17 out, 1993.
des estudos randomizados, a Associação Americana de 4. BRUNO, R.M.; GROSS, J.L. Prognostic factors in Brazilian diabetic
patients starting dialysis: a 3.6-year follow-up study. J Diabetes Com-
Diabetes recomenda o uso de antagonistas dos receptores plications 2000; 14:266-71.
da angiotensina II em pacientes com DM tipo 2 micro- ou 5. MOGENSEN, C.E.; CHRISTENSEN, C.K. Predicting diabetic ne-
macroalbuminúricos.59 phropathy in insulin-dependent patients. N Engl J Med 1984; 311:89-
No Quadro 32.4 estão relacionadas as principais inter- 93.
6. VIBERTI, G.C.; HILL, R.D.; JARRETT, R.J.; ARGYROPOULOS, A.;
venções recomendadas para retardar a progressão da ND MAHMUD, U.; KEEN, H. Microalbuminuria as a predictor of clini-
assim como os objetivos relacionados a cada uma delas.87 cal nephropathy in insulin-dependent diabetes mellitus. Lancet 1982;
1:1430-2.
7. PATRICK, A.W.; JEFFREY, R.F.; COLLIER, A.; CLARKE, B.F.; LEE,
Pontos-chave: M.R. Relationship between urinary excretion of sodium and dopa-
mine in type 1 diabetic patients with an without microalbuminuria.
• Os pacientes com nefropatia clínica devem Diabet Med 1990; 7:53-6.
8. CARAMORI, M.L.; FIORETTO, P.; MAUER, M. The need for early
ser avaliados pelo menos a cada três meses predictors of diabetic nephropathy risk: is albumin excretion rate
e deve ser feito todo o esforço para a sufficient? Diabetes 2000; 49:1399-408.
obtenção de um bom controle pressórico e 9. POULSEN, P.L.; HANSEN, K.W.; MOGENSEN, C.E. Ambulatory
blood pressure in the transition from normo- to microalbuminuria.
glicêmico A longitudinal study in IDDM patients. Diabetes 1994; 43:1248-53.
• Como possível estratégia alternativa na 10. JONES, S.L.; CLOSE, C.F.; MATTOCK, M.B.; JARRETT, R.J.; KEEN,
prevenção primária da ND está a utilização H.; VIBERTI, G.C. Plasma lipid and coagulation factor concentrati-
ons in insulin dependent diabetics with microalbuminuria. Br Med
de agentes inibidores da enzima conversora J 1989; 298:487-90.
da angiotensina (ECA), independente da 11. GREAVES, M.; MALIA, R.G.; GOODFELLOW, K. et al. Fibrinogen
and von Willebrand factor in IDDM: relationships to lipid vascular
presença de HAS
risk factors, blood pressure, glycaemic control and urinary albumin
• O tratamento da ND visa normalizar os excretion rate: the EURODIAB IDDM Complications Study. Diabe-
níveis de EUA retardando ou revertendo o tologia 1997; 40:698-705.
12. MORISHITA, E.; NAKAO, S.; ASAKURA, H. et al. Hypercoagula-
processo evolutivo da ND bility and high lipoprotein(a) levels in patients with aplastic anemia
receiving cyclosporine. Blood Coagul Fibrinolysis 1996; 7:609-14.
13. MOGENSEN, C.E. Microalbuminuria predicts clinical proteinuria
and early mortality in maturity-onset diabetes. N Engl J Med 1984;
CONCLUSÕES 310:356-60.
14. BROCCO, E.; FIORETTO, P.; MAUER, M. et al. Renal structure and
function in non-insulin dependent diabetic patients with microal-
A detecção da ND é importante pela sua prevalência,
buminuria. Kidney Int Suppl 1997; 63:S40-4.
morbidade e mortalidade associadas. A obtenção de um 15. GROSS, J.L.; STEIN, A.C.; BECK, M.O. et al. Risk factors for develo-
controle metabólico e pressórico estrito é até o momento a pment of proteinuria by type II (non-insulin dependent) diabetic
medida mais eficaz para prevenção de sua instalação. A patients. Braz J Med Biol Res 1993; 26:1269-78.
microalbuminúria, que representa a fase mais precoce da 16. RAVID, M.; BROSH, D.; RAVID-SAFRAN, D.; LEVY, Z.; RACHMA-
NI, R. Main risk factors for nephropathy in type 2 diabetes mellitus
doença renal diabética, é potencialmente reversível atra- are plasma cholesterol levels, mean blood pressure, and hyperglyce-
vés do uso de inibidores da ECA e antagonistas dos recep- mia. Arch Intern Med 1998; 158:998-1004.
tores da angiotensina II e controle pressórico rigoroso. Nos 17. BECK, M.O.; SILVEIRO, S.P.; FRIEDMAN, R.; CLAUSELL, N.;
pacientes com nefropatia clínica e HAS, a desaceleração da GROSS, J.L. Asymptomatic coronary artery disease is associated
with cardiac autonomic neuropathy and diabetic nephropathy in
perda de função renal é possível através do tratamento type 2 diabetic patients. Diabetes Care 1999; 22:1745-7.
anti-hipertensivo adequado. Além disso, independente da 18. FRIEDMAN, R.; de AZEVEDO, M.J.; GROSS, J.L. Is endogenous
presença de HAS, os inibidores da ECA e os antagonistas creatinine clearance still a reliable index of glomerular filtration rate
dos receptores da angiotensina II estão indicados para o in diabetic patients? Braz J Med Biol Res 1988; 21:941-4.
19. GALL, M.A.; NIELSEN, F.S.; SMIDT, U.M.; PARVING, H.H. The
tratamento da ND. Finalmente, em especial na presença de course of kidney function in type 2 (non-insulin-dependent) diabetic
nefropatia clínica, a restrição do conteúdo protéico da di- patients with diabetic nephropathy. Diabetologia 1993; 36:1071-8.
eta está indicada. 20. PARVING, H.H.; SMIDT, U.M.; HOMMEL, E. et al. Effective an-
606 Nefropatia Diabética

tihypertensive treatment postpones renal insufficiency in diabetic L.H.; GROSS, J.L. Five-year prospective study of glomerular filtra-
nephropathy. Am J Kidney Dis 1993; 22:188-95. tion rate and albumin excretion rate in normofiltering and hyperfil-
21. SMULDERS, Y.M.; RAKIC, M.; STEHOUWER, C.D.; WEIJERS, R.N.; tering normoalbuminuric NIDDM patients. Diabetes Care 1996;
SLAATS, E.H.; SILBERBUSCH, J. Determinants of progression of 19:171-4.
microalbuminuria in patients with NIDDM. A prospective study. 40. PARK, J.Y.; KIM, H.K.; CHUNG, Y.E.; KIM, S.W.; HONG, S.K.; LEE,
Diabetes Care 1997; 20:999-1005. K.U. Incidence and determinants of microalbuminuria in Koreans
22. SAWICKI, P.T.; DIDJURGEIT, U.; MUHLHAUSER, I.; BENDER, R.; with type 2 diabetes. Diabetes Care 1998; 21:530-4.
HEINEMANN, L.; BERGER, M. Smoking is associated with progres- 41. NELSON, R.G.; BENNETT, P.H.; BECK, G.J. et al. Development and
sion of diabetic nephropathy. Diabetes Care 1994; 17:126-31. progression of renal disease in Pima Indians with non-insulin-de-
23. ALAVERAS, A.E.; THOMAS, S.M.; SAGRIOTIS, A.; VIBERTI, G.C. pendent diabetes mellitus. Diabetic Renal Disease Study Group. N
Promoters of progression of diabetic nephropathy: the relative ro- Engl J Med 1996; 335:1636-42.
les of blood glucose and blood pressure control. Nephrol Dial Trans- 42. Tight blood pressure control and risk of macrovascular and micro-
plant 1997; 12:71-4. vascular complications in type 2 diabetes: UKPDS 38. UK Prospec-
24. RUGGENENTI, P.; GAMBARA, V.; PERNA, A.; BERTANI, T.; tive Diabetes Study Group. Br Med J 1998; 317:703-13.
REMUZZI, G. The nephropathy of non-insulin-dependent diabetes: 43. KROLEWSKI, A.S.; WARRAM, J.H.; CHRISTLIEB, A.R.; BUSICK,
predictors of outcome relative to diverse patterns of renal injury. J E.J.; KAHN, C.R. The changing natural history of nephropathy in
Am Soc Nephrol 1998; 9:2336-43. type I diabetes. Am J Med 1985; 78:785-94.
25. PARVING, H.H.; JACOBSEN, P.; TARNOW, L. et al. Effect of 44. FOGARTY, D.G.; RICH, S.S.; HANNA, L.; WARRAM, J.H.;
deletion polymorphism of angiotensin converting enzyme gene on KROLEWSKI, A.S. Urinary albumin excretion in families with type
progression of diabetic nephropathy during inhibition of angiotensin 2 diabetes is heritable and genetically correlated to blood pressure.
converting enzyme: observational follow up study. Br Med J 1996; Kidney Int 2000; 57:250-7.
313:591-4. 45. KROLEWSKI, A.S.; NG, D.P.; CANANI, L.H.; WARRAM, J.H.
26. YOSHIDA, H.; KURIYAMA, S.; ATSUMI, Y. et al. Angiotensin I Genetics of diabetic nephropathy: how far are we from finding sus-
converting enzyme gene polymorphism in non-insulin dependent ceptibility genes? Adv Nephrol Necker Hosp 2001; 31:295-315.
diabetes mellitus. Kidney Int 1996; 50:657-64. 46. IMPERATORE, G.; HANSON, R.L.; PETTITT, D.J.; KOBES, S.; BEN-
27. De COSMO, S.; ARGIOLAS, A.; MISCIO, G. et al. A PC-1 amino acid NETT, P.H.; KNOWLER, W.C. Sib-pair linkage analysis for suscep-
variant (K121Q) is associated with faster progression of renal dise- tibility genes for microvascular complications among Pima Indians
ase in patients with type 1 diabetes and albuminuria. Diabetes 2000; with type 2 diabetes. Pima Diabetes Genes Group. Diabetes 1998;
49:521-4. 47:821-30.
28. Intensive therapy and progression to clinical albuminuria in pati- 47. MOCZULSKI, D.K.; ROGUS, J.J.; ANTONELLIS, A.; WARRAM,
ents with insulin dependent diabetes mellitus and microalbuminu- J.H.; KROLEWSKI, A.S. Major susceptibility locus for nephropathy
ria. Microalbuminuria Collaborative Study Group, United Kingdom. in type 1 diabetes on chromosome 3q: results of novel discordant
Br Med J 1995; 311:973-7. sib-pair analysis. Diabetes 1998; 47:1164-9.
29. FIORETTO, P.; STEFFES, M.W.; SUTHERLAND, D.E.; GOETZ, F.C.; 48. FUJISAWA, T.; IKEGAMI, H.; KAWAGUCHI, Y. et al. Meta-analy-
MAUER, M. Reversal of lesions of diabetic nephropathy after sis of association of insertion/deletion polymorphism of angiotensin
pancreas transplantation. N Engl J Med 1998; 339:69-75. I-converting enzyme gene with diabetic nephropathy and retinopa-
30. STRATTON, I.M.; ADLER, A.I.; NEIL, H.A. et al. Association of thy. Diabetologia 1998; 41:47-53.
glycaemia with macrovascular and microvascular complications of 49. PINIZZOTTO, M.; CASTILLO, E.; FIAUX, M.; TEMLER, E.;
type 2 diabetes (UKPDS 35): prospective observational study. Br Med GAILLARD, R.C.; RUIZ, J. Paraoxonase 2 polymorphisms are asso-
J 2000; 321:405-12. ciated with nephropathy in type II diabetes. Diabetologia 2001; 44:104-
31. ADLER, A.I.; STRATTON, I.M.; NEIL, H.A. et al. Association of 7.
systolic blood pressure with macrovascular and microvascular com- 50. CANANI, L.H.; ARAKI, S.; WARRAM, J.H.; KROLEWSKI, A.S.
plications of type 2 diabetes (UKPDS 36): prospective observational Comment to: Pinizzotto, M.; Castillo, E.; Fiaux. M.; Temler, E.;
study. Br Med J 2000; 321:412-9. Gaillard, R.c.; Ruiz, J. (2001) Paraoxonase 2 polymorphisms are as-
32. GALL, M.A.; HOUGAARD, P.; BORCH-JOHNSEN, K.; PARVING, sociated with diabetic nephropathy in type II diabetes. Diabetologia
H.H. Risk factors for development of incipient and overt diabetic 2001; 44:104-107. Diabetologia 2001; 44:1062-4.
nephropathy in patients with non-insulin dependent diabetes mel- 51. KROLEWSKI, A.S.; CANESSA, M.; WARRAM, J.H. et al. Predispo-
litus: prospective, observational study. Br Med J 1997; 314:783-8. sition to hypertension and susceptibility to renal disease in insulin-
33. ORTH, S.R.; RITZ, E.; SCHRIER, R.W. The renal risks of smoking. dependent diabetes mellitus. N Engl J Med 1988; 318:140-5.
Kidney Int 1997; 51:1669-77. 52. CANANI, L.H.; GERCHMAN, F.; GROSS, J.L. Increased familial
34. TOELLER, M.; BUYKEN, A.; HEITKAMP, G. et al. Protein intake and history of arterial hypertension, coronary heart disease, and renal
urinary albumin excretion rates in the EURODIAB IDDM Compli- disease in Brazilian type 2 diabetic patients with diabetic nephro-
cations Study. Diabetologia 1997; 40:1219-26. pathy. Diabetes Care 1998; 21:1545-50.
35. MOLLSTEN, A.V.; DAHLQUIST, G.G.; STATTIN, E.L.; RUDBERG, 53. BRENNER, B.M.; LAWLER, E.V.; MACKENZIE, H.S. The hyperfil-
S. Higher intakes of fish protein are related to a lower risk of micro- tration theory: a paradigm shift in nephrology. Kidney Int 1996;
albuminuria in young Swedish type 1 diabetic patients. Diabetes Care 49:1774-7.
2001; 24:805-10. 54. YIP, J.W.; JONES, S.L.; WISEMAN, M.J.; HILL, C.; VIBERTI, G. Glo-
36. RUDBERG, S.; PERSSON, B.; DAHLQUIST, G. Increased glomeru- merular hyperfiltration in the prediction of nephropathy in IDDM:
lar filtration rate as a predictor of diabetic nephropathy—an 8-year a 10-year follow-up study. Diabetes 1996; 45:1729-33.
prospective study. Kidney Int 1992; 41:822-8. 55. PECIS, M.; de AZEVEDO, M.J.; GROSS, J.L. Chicken and fish diet
37. CARAMORI, M.L.; GROSS, J.L.; PECIS, M.; De AZEVEDO, M.J. reduces glomerular hyperfiltration in IDDM patients. Diabetes Care
Glomerular filtration rate, urinary albumin excretion rate, and blood 1994; 17:665-72.
pressure changes in normoalbuminuric normotensive type 1 diabetic 56. MURUSSI, M.; BAGLIO, P.; GROSS, J.L.; SILVEIRO, S.P. Risk fac-
patients: an 8-year follow-up study. Diabetes Care 1999; 22:1512-6. tors for microalbuminuria and macroalbuminuria in type 2 diabetic
38. AZEVEDO, M.J.; GROSS, J.L. Follow-up of glomerular hyperfiltra- patients: A 9-year follow-up study. Diabetes Care 2002; 25:1101-3.
tion in normoalbuminuric type 1 (insulin-dependent) diabetic pati- 57. FORSBLOM, C.M.; GROOP, P.H.; EKSTRAND, A. et al. Predictors
ents. Diabetologia 1991; 34:611. of progression from normoalbuminuria to microalbuminuria in
39. SILVEIRO, S.P.; FRIEDMAN, R.; de AZEVEDO, M.J.; CANANI, NIDDM. Diabetes Care 1998; 21:1932-8.
capítulo 32 607

58. MATHIESEN, E.R.; RONN, B.; STORM, B.; FOGHT, H.; DECKERT, 78. MATHIESEN, E.R.; FELDT-RASMUSSEN, B.; HOMMEL, E.;
T. The natural course of microalbuminuria in insulin-dependent dia- DECKERT, T.; PARVING, H.H. Stable glomerular filtration rate in
betes: a 10-year prospective study. Diabet Med 1995; 12:482-7. normotensive IDDM patients with stable microalbuminuria. A 5-
59. AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Diabetic nephropathy. year prospective study. Diabetes Care 1997; 20:286-9.
Position Statement. Diabetes Care 2002; 25 (suppl 1):S85-S89. 79. Effect of intensive therapy on the development and progression of
60. Porta M., Sjoelie A.K., Chaturvedi N. et al. Risk factors for progres- diabetic nephropathy in the Diabetes Control and Complications
sion to proliferative diabetic retinopathy in the EURODIAB Pros- Trial. The Diabetes Control and Complications Trial (DCCT) Rese-
pective Complications Study. Diabetologia 2001; 44:2203-9. arch Group. Kidney Int 1995; 47:1703-20.
61. GROSS, J.L.; ZELMANOVITZ, T.; OLIVEIRA, J.; de AZEVEDO, M.J. 80. KASISKE, B.L.; O’DONNELL, M.P.; CLEARY, M.P.; KEANE, W.F.
Screening for diabetic nephropathy: is measurement of urinary al- Treatment of hyperlipidemia reduces glomerular injury in obese
bumin-to-creatinine ratio worthwhile? Diabetes Care 1999; 22:1599- Zucker rats. Kidney Int 1988; 33:667-72.
600. 81. LAM, K.S.; CHENG, I.K.; JANUS, E.D.; PANG, R.W. Cholesterol-
62. ZELMANOVITZ, T.; GROSS, J.L.; OLIVEIRA, J.; de AZEVEDO, M.J. lowering therapy may retard the progression of diabetic nephropa-
Proteinuria is still useful for the screening and diagnosis of overt thy. Diabetologia 1995; 38:604-9.
diabetic nephropathy. Diabetes Care 1998; 21:1076-9. 82. TONOLO, G.; CICCARESE, M.; BRIZZI, P. et al. Reduction of albu-
63. ZELMANOVITZ, T.; GROSS, J.L.; OLIVEIRA, J.R.; PAGGI, A.; min excretion rate in normotensive microalbuminuric type 2 diabetic
TATSCH, M.; AZEVEDO, M.J. The receiver operating characteris- patients during long-term simvastatin treatment. Diabetes Care 1997;
tics curve in the evaluation of a random urine specimen as a scree- 20:1891-5.
ning test for diabetic nephropathy. Diabetes Care 1997; 20:516-9. 83. NIELSEN, S.; SCHMITZ, O.; MOLLER, N. et al. Renal function and
64. MOGENSEN, C.E.; VESTBO, E.; POULSEN, P.L. et al. Microalbu- insulin sensitivity during simvastatin treatment in type 2 (non-
minuria and potential confounders. A review and some observati- insulin-dependent) diabetic patients with microalbuminuria. Diabe-
ons on variability of urinary albumin excretion. Diabetes Care 1995; tologia 1993; 36:1079-86.
18:572-81. 84. BABA, T.; NEUGEBAUER, S.; WATANABE, T. Diabetic nephropa-
65. GROSS, J.L.; SILVEIRO, S.P.; de AZEVEDO, M.J.; PECIS, M.; FRIE- thy. Its relationship to hypertension and means of pharmacological
DMAN, R. Estimated creatinine clearance is not an accurate index intervention. Drugs 1997; 54:197-234.
of glomerular filtration rate in normoalbuminuric diabetic patients. 85. KASISKE, B.L.; KALIL, R.S.; MA, J.Z.; LIAO, M.; KEANE, W.F. Effect
Diabetes Care 1993; 16:407-8. of antihypertensive therapy on the kidney in patients with diabe-
66. OLSEN, S.; MOGENSEN, C.E. How often is NIDDM complicated tes: a meta-regression analysis. Ann Intern Med 1993; 118:129-38.
with non-diabetic renal disease? An analysis of renal biopsies and 86. HANSSON, L.; ZANCHETTI, A.; CARRUTHERS, S.G. et al. Effects
the literature. Diabetologia 1996; 39:1638-45. of intensive blood-pressure lowering and low-dose aspirin in pati-
67. The sixth report of the Joint National Committee on prevention, de- ents with hypertension: principal results of the Hypertension Opti-
tection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Arch In- mal Treatment (HOT) randomised trial. HOT Study Group. Lancet
tern Med 1997; 157:2413-46. 1998; 351:1755-62.
68. SHICHIRI, M.; KISHIKAWA, H.; OHKUBO, Y.; WAKE, N. Long- 87. REMUZZI, G.; SCHIEPPATI, A.; RUGGENENTI, P. Clinical practi-
term results of the Kumamoto Study on optimal diabetes control in ce. Nephropathy in patients with type 2 diabetes. N Engl J Med 2002;
type 2 diabetic patients. Diabetes Care 2000; 23 Suppl 2:B21-9. 346:1145-51.
69. Intensive blood-glucose control with sulphonylureas or insulin com- 88. SOMES, G.W.; PAHOR, M.; SHORR, R.I.; CUSHMAN, W.C.;
pared with conventional treatment and risk of complications in APPLEGATE, W.B. The role of diastolic blood pressure when
patients with type 2 diabetes (UKPDS 33). UK Prospective Diabetes treating isolated systolic hypertension. Arch Intern Med 1999;
Study (UKPDS) Group. Lancet 1998; 352:837-53. 159:2004-9.
70. Efficacy of atenolol and captopril in reducing risk of macrovascular 89. MATHIESEN, E.R.; HOMMEL, E.; HANSEN, H.P.; SMIDT, U.M.;
and microvascular complications in type 2 diabetes: UKPDS 39. UK PARVING, H.H. Randomised controlled trial of long term efficacy
Prospective Diabetes Study Group. Br Med J 1998; 317:713-20. of captopril on preservation of kidney function in normotensive
71. RAVID, M.; BROSH, D.; LEVI, Z.; BAR-DAYAN, Y.; RAVID, D.; patients with insulin dependent diabetes and microalbuminuria. Br
RACHMANI, R. Use of enalapril to attenuate decline in renal func- Med J 1999; 319:24-5.
tion in normotensive, normoalbuminuric patients with type 2 dia- 90. RAVID, M.; LANG, R.; RACHMANI, R.; LISHNER, M. Long-term
betes mellitus. A randomized, controlled trial. Ann Intern Med 1998; renoprotective effect of angiotensin-converting enzyme inhibition
128:982-8. in non-insulin-dependent diabetes mellitus. A 7-year follow- up stu-
72. Effects of ramipril on cardiovascular and microvascular outcomes dy. Arch Intern Med 1996; 156:286-9.
in people with diabetes mellitus: results of the HOPE study and 91. Should all patients with type 1 diabetes mellitus and microalbumi-
MICRO-HOPE substudy. Heart Outcomes Prevention Evaluation nuria receive angiotensin-converting enzyme inhibitors? A meta-
Study Investigators. Lancet 2000; 355:253-9. analysis of individual patient data. Ann Intern Med 2001; 134:370-9.
73. Aspirin therapy in diabetes. Diabetes Care 2002; 25 Suppl 1:S78-79. 92. LEWIS, E.J.; HUNSICKER, L.G.; BAIN, R.P.; ROHDE, R.D. The effect
74. COHEN, D.; DODDS, R.; VIBERTI, G. Effect of protein restriction of angiotensin-converting-enzyme inhibition on diabetic nephropa-
in insulin dependent diabetics at risk of nephropathy. Br Med J (Clin thy. The Collaborative Study Group. N Engl J Med 1993; 329:1456-
Res Ed) 1987; 294:795-8. 62.
75. WHEELER, M.L. Nephropathy and Medical Nutrition Therapy. In: 93. NIELSEN, F.S.; ROSSING, P.; GALL, M.A.; SKOTT, P.; SMIDT, U.M.;
American Diabetes Association Guide to Medical Nutrition Thera- PARVING, H.H. Long-term effect of lisinopril and atenolol on
py for Diabetes 1999; Clinical Education Series. American Diabetes kidney function in hypertensive NIDDM subjects with diabetic ne-
Association, Virginia, 312-329. phropathy. Diabetes 1997; 46:1182-8.
76. GROSS, J.L.; ZELMANOVITZ, T.; MOULIN, C.C. et al. Effect of a 94. PARVING, H.H.; LEHNERT, H.; BROCHNER-MORTENSEN, J.;
chicken-based diet on renal function and lipid profile in patients with GOMIS, R.; ANDERSEN, S.; ARNER, P. The effect of irbesartan on
type 2 diabetes: a randomized crossover trial. Diabetes Care 2002; the development of diabetic nephropathy in patients with type 2
25:645-51. diabetes. N Engl J Med 2001; 345:870-8.
77. ZELLER, K.; WHITTAKER, E.; SULLIVAN, L.; RASKIN, P.; 95. BRENNER, B.M.; COOPER, M.E.; de ZEEUW, D. et al. Effects of lo-
JACOBSON, H.R. Effect of restricting dietary protein on the progres- sartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type
sion of renal failure in patients with insulin-dependent diabetes 2 diabetes and nephropathy. N Engl J Med 2001; 345:861-9.
mellitus. N Engl J Med 1991; 324:78-84. 96. LEWIS, E.J.; HUNSICKER, L.G.; CLARKE, W.R. et al. Renoprotective
608 Nefropatia Diabética

effect of the angiotensin-receptor antagonist irbesartan in patients with http://www.citeline.com/C1SE/results?summaries


nephropathy due to type 2 diabetes. N Engl J Med 2001; 345:851-60.
on&enhanceon&kwdiabeticnephropathy Maximi-
97. SEAQUIST, E.R.; GOETZ, F.C.; RICH, S.; BARBOSA, J. Familial clus-
tering of diabetic kidney disease. Evidence for genetic susceptibili- zing the value of the web–proporciona resultados de ban-
ty to diabetic nephropathy. N Engl J Med 1989; 320:1161-5. cos de dados da web
98. BORCH-JOHNSEN, K.; NORGAARD, K.; HOMMEL, E. et al. Is Outros sites de interesse:
diabetic nephropathy an inherited complication? Kidney Int 1992;
http://www.diabetic.org.uk
41:719-22.
http://www.geocites.com
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.amedeo.com
http://www.merck.com
http://www.nephron.com/dmprvnt.html The nephron http://www.cdc.gov/diabetes
information center Diabetic Nephropathy http://www.niddk.nih.gov
http://www.nephron.com/cgi-bin/Ultimate.cgi Nephro-
quest-centro de informações do nephron.com
Capítulo
Nefrolitíase

33 Mauricio de Carvalho

INTRODUÇÃO Deficiência de proteínas inibidoras da cristalização


EPIDEMIOLOGIA Medicações
PATOGÊNESE DA NEFROLITÍASE APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Do cristal ao cálculo INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
TIPOS DE CÁLCULOS TRATAMENTO
FATORES DE RISCO Tratamento da cólica renal
Hipercalciúria Tratamento do cálculo
Hiperoxalúria Profilaxia e terapêutica da doença litiásica
Hiperuricosúria Tratamento dietético
Hipocitratúria Tratamento farmacológico
Infecção REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Cistinúria ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

com uso de litotripsia extracorpórea e procedimentos en-


INTRODUÇÃO dourológicos.

A formação de cálculos no trato urinário pode ser en-


tendida como uma forma de biomineralização.1 A nefroli- EPIDEMIOLOGIA
tíase é, portanto, um processo de cristalização que ocorre
em sistema biológico e é influenciada por ele. Nas suas A nefrolitíase é uma das afecções mais comuns do trato
diversas etapas, vários componentes e moduladores po- urinário, registrando-se inclusive aumento da incidência
dem ser identificados. De modo simplificado, estes podem nos últimos anos. Em países industrializados atinge 10 a
ser divididos em fatores físico-químicos, que influenciam 15% da população, com freqüência maior em homens, em
a saturação urinária, nucleação, crescimento e agregação uma proporção de 3:1, quando comparados às mulheres.
de partículas cristalinas, e fatores biológicos, relacionados A maior incidência ocorre entre a terceira e a quinta déca-
primordialmente a macromoléculas urinárias que atuam das, com taxas de recorrência, sem tratamento, de 10% em
como inibidoras da cristalização.2 um ano, 50% em cinco anos e 75% em 20 anos.3 Nos Esta-
Nas últimas décadas, grandes avanços foram feitos no dos Unidos, foi responsável por 290.000 internações em
diagnóstico e terapêutica da nefrolitíase. Atualmente, na 1999 (1% do total), com média de permanência hospitalar
maioria dos pacientes é possível detectar a causa da doen- de três dias.4
ça litiásica, e várias medicações estão disponíveis para pro- A ocorrência da nefrolitíase apresenta acentuada varia-
filaxia e tratamento. Além disto, os cálculos podem ser ção sazonal e geográfica, muito provavelmente relacionada
removidos mais facilmente e de maneira menos invasiva à combinação de fatores genéticos (raciais) e ambientais (cli-
610 Nefrolitíase

ma e dieta). Por exemplo, o risco de nefrolitíase parece ser Uma vez que o núcleo do cristal tenha atingido um ta-
menor na Ásia (1-5%) do que na Europa (5-9%) e América manho crítico e a solução que o abrigue permaneça com
do Norte (12% no Canadá e 13% nos Estados Unidos). Na valores acima do Kps novas camadas de componentes se-
Arábia Saudita, taxas de risco de até 20% são relatadas.5 rão adicionadas. Este fenômeno é chamado de crescimen-
to do cristal.6
O processo pelo qual cristais em solução juntam-se para
PATOGÊNESE DA NEFROLITÍASE formar uma partícula maior é chamado de agregação ou
aglomeração.10 Como é necessária energia para haver de-
sintegração de um sólido para a fase líquida, a agregação
Do Cristal ao Cálculo é um processo naturalmente favorecido. Embora a veloci-
dade de agregação seja proporcional ao estado de satura-
A Fig. 33.1 ilustra três condições gerais de uma solução
ção de uma solução, ela pode ocorrer em uma faixa ampla
contendo íons ou moléculas de materiais cristalinos solú-
de condições.11 Além disso, a agregação per se é um pro-
veis, como a urina por exemplo. O diagrama demonstra
cesso muito rápido, permitindo a formação de partículas
aumento crescente de concentração, de baixo para cima. O
de tamanho considerável dentro de segundos.
produto de solubilidade (Kps) é o produto de concentra-
A passagem de cristais pela urina, denominada crista-
ção no qual existe equilíbrio entre a porção cristalina e a
lúria, ocorre em portadores de doença litiásica, bem como
solvente, não havendo formação de novas partículas. O
em indivíduos normais.12 Alguns estudos, analisando a
produto de formação (Kf) refere-se ao produto de concen-
taxa de crescimento e agregação cristalina e ainda a velo-
tração no qual haverá precipitação, em velocidade signifi-
cidade do fluxo tubular renal, sugeriram que cristais for-
cativa, mesmo sem a inclusão de materiais pré-formados
mados durante o trânsito intranéfrico não alcançariam ta-
ou outras superfícies cristalinas. Soluções com concentra-
manho suficiente para ocluir a luz tubular. Conseqüente-
ções abaixo do Kf não permitem a formação de cristais. Por
mente, a formação ulterior de cálculos urinários depende-
outro lado, quando o produto de concentração torna-se
ria da retenção destas partículas.13 O ancoramento dos cris-
maior que o Kf, inicia-se a nucleação, a primeira fase de
tais é facilitado por interações com as células tubulares
formação de qualquer substância cristalina.6 Nesta situa- renais. Macromoléculas urinárias podem facilitar ou im-
ção, a energia livre presente é tão alta que a nucleação é pedir esta adesão.14 Uma vez retido, haverá então condi-
praticamente inevitável, causando um rearranjo molecu- ções de tempo para o crescimento cristalino, desde que
lar e estabilização da solução. mantidas as condições de saturação urinária.
A região de maior interesse do ponto de vista químico, A atividade inibitória pode ser definida como a capaci-
biológico e médico situa-se entre o Kps, abaixo do qual a dade da urina em impedir a nucleação espontânea de cris-
cristalização não se inicia, e o Kf, acima do qual a cristali- tais ou, se esta situação ocorrer, prevenir o crescimento e a
zação é constante. Esta zona intermediária é denominada agregação posteriores.15 Um inibidor da cristalização deve
de metaestável.7 Possui grande importância na patogenia ser capaz de ligar-se à superfície de cristais em formação,
da nefrolitíase, já que a maioria dos produtos de concen- inibindo seu crescimento ou agregação.16 Várias substânci-
tração da urina de indivíduos normais e de portadores de as foram descritas como inibidoras da cristalização na uri-
cálculo renal situa-se nesta faixa.8 Além disto, os fatores na. Podemos classificá-las em dois grandes grupos, como
inibidores da cristalização exercem seus efeitos principal- descrito no Quadro 33.1 — baixo peso molecular e macro-
mente dentro desses limites.9 Na zona metaestável, os pro- moléculas, estas por definição com peso molecular acima de
dutos de concentração das diversas substâncias permitem 6.000 dáltons. O principal argumento favorável à importân-
o crescimento de cristais preexistentes, mas não a forma- cia dos inibidores reside na observação de que, embora a
ção de novos núcleos. urina da maioria da população seja supersaturada em rela-
ção a vários sais, apenas uma minoria forma cálculos.

Quadro 33.1 Inibidores da cristalização urinária


INIBIDORES DE BAIXO INIBIDORES
PESO MOLECULAR MACROMOLECULARES

Citrato Glicosaminoglicanos
Pirofosfato Nefrocalcina
Magnésio Uropontina
Bikunina
Fragmento Urinário da
Protrombina
Proteína de Tamm-Horsfall
Fig. 33.1 Estados de saturação.
capítulo 33 611

Cálculos de ácido úrico constituem aproximadamente


Pontos-chave:
10% dos casos. Podem ser puros ou abrigar quantidades
• A nefrolitíase ocorre em 10-15% da variáveis de cálcio. Caracteristicamente são radiotranspa-
população mundial, sendo sua etiologia rentes, não visíveis portanto na radiografia simples de
multifatorial (fatores genéticos e abdome, e aparecem na urografia excretora como falhas de
enchimento.
ambientais)
Os cálculos de estruvita (assim chamados em homena-
• A supersaturação é pré-requisito inicial
gem ao barão H. C. G. von Struve, diplomata e naturalista
para a formação de cálculos russo que descreveu o cristal pela primeira vez) são for-
• Nucleação, crescimento, agregação e adesão mados de fosfato de amônio magnésio e representam 15%
são passos seqüenciais na formação dos cálculos. São cálculos pouco radiodensos, grandes e
cristalina caracteristicamente coraliformes.
• Inibidores podem atuar diminuindo a Cálculos de cistina constituem aproximadamente 1% do
supersaturação urinária ou impedindo total. São pouco radiopacos, com aspecto de vidro moído
diretamente a cristalização (ground-glass) aos raios X.

TIPOS DE CÁLCULOS FATORES DE RISCO

Atualmente, a maioria dos cálculos é de origem renal A formação de cálculos no trato urinário requer a pre-
sença de um ou mais fatores de risco, determinados em sua
(Quadro 33.2). Cálculos vesicais são encontrados apenas em
situações especiais, como na presença de obstrução uretral, maioria pela análise da bioquímica e do volume urinário.
corpo estranho intravesical ou bexiga neurogênica. Também Estas condições causam aumento da supersaturação uri-
são descritos em crianças de países em desenvolvimento, nária em relação a determinado sal ou promovem diminui-
formados por urato de amônio e associados à desnutrição. ção da atividade inibidora da urina.18
Os cálculos formados por deposição de cálcio são os mais
comuns, correspondendo a 70-75% dos casos. Na maioria Hipercalciúria
das vezes são compostos por oxalato de cálcio. Eventual-
mente, em menos de 5% dos casos, podem ser de fosfato de A hipercalciúria primária ou idiopática é conceituada
cálcio (apatita ou brushita). Estes cálculos são formados na como excreção urinária de cálcio maior que 4 mg/kg/dia,
presença de urina alcalina, que aumenta a supersaturação associada à normocalcemia e por vezes à hipofosfatemia.
do fosfato, podendo ser encontrados na acidose tubular re- Afeta cerca de 5% da população normal e até 50% dos pa-
nal distal ou hiperparatireoidismo primário. Os cálculos de cientes litiásicos.19 Apesar do mecanismo preciso da hiper-
cálcio são habitualmente arredondados, radiodensos e não calciúria não estar ainda estabelecido, existe consenso
costumam apresentar aspecto coraliforme. quanto à presença de algumas anormalidades fisiopatoló-

Quadro 33.2 Composição dos cálculos renais


COMPOSIÇÃO FREQÜÊNCIA PREDOMINÂNCIA RX OBSERVAÇÕES

Oxalato de cálcio 70-75% Homens Redondos, Geralmente com


radiodensos  núcleo de fosfato de cálcio
Fosfato de cálcio  5% Mulheres Redondos, Podem estar
radiodensos  associados ao HPT
e à ATR
Ácido úrico 10% Homens Radiotransparentes Geralmente associados
à gota ou diarréias
crônicas
Estruvita 15% Mulheres Coraliformes, Presença de ITU
radiodensos / complicada
Cistina 1% Ovais, dendríticos, Cistinúria
radiodensos /

HPT – Hiperparatireoidismo primário; ATR – Acidose tubular renal distal; ITU — Infecção do trato urinário.
Adaptado de WASSERSTEIN, A.G. Nephrolithiasis: Acute Management and Prevention.17
612 Nefrolitíase

gicas: aumento primário na absorção intestinal de cálcio tipo II — deficiência da desidrogenase d-glicerato/gli-
(por aumento dos níveis séricos de vitamina D ou aumen- oxilato redutase, doenças raras, de herança autossô-
to na densidade dos receptores intestinais); redução na mica recessiva.24
reabsorção tubular de cálcio; perda renal de fosfato; au-
mento primário na reabsorção óssea.20 Até 40% dos paci-
entes com hipercalciúria idiopática apresentam história Hiperuricosúria
familiar positiva de cálculos renais. Evidências clínicas e
Excreção urinária maior que 800 mg/dia para homens
experimentais indicam que a hipercalciúria é de herança
e 750 mg/dia para mulheres. O ácido úrico é o produto
genética complexa. Entre alguns dos genes possivelmente
final da degradação de purinas em humanos. Em pH uri-
envolvidos, podemos citar o gene responsável pela expres-
nário ácido, a forma não-dissociada do ácido úrico predo-
são do receptor para a vitamina D, o gene para o receptor
mina e é pouco solúvel (apenas 96 mg/litro), podendo le-
do sensor de cálcio (calcium-sensing receptor) e o gene res-
var à cristalúria e à formação de cálculo renal, mesmo com
ponsável pela expressão dos canais de cloro ClC-5, associ-
taxas de excreção normais25 (Fig. 33.2).
ados à nefrolitíase ligada ao cromossomo X.21
A hiperuricosúria, presente por exemplo na gota, e bai-
As condições clínicas associadas à hipercalciúria hiper-
xo volume urinário são também fatores de risco importan-
calcêmica compreendem 5% do total das hipercalciúrias e
tes. Níveis elevados de ácido úrico na urina podem contri-
são representadas basicamente pelo hiperparatireoidismo
buir também para a formação de cálculos de oxalato de
primário (mais de 90% dos casos). Menos freqüentemente
cálcio. Várias teorias têm sido propostas para explicar o
pode estar associada à sarcoidose, imobilização prolonga-
fato. Postula-se que os cristais de ácido úrico formariam um
da, intoxicação por vitamina D e hipertireoidismo.
núcleo inicial para deposição de oxalato de cálcio ou que
absorveriam inibidores da cristalização urinária.26
Hiperoxalúria
O oxalato é um ácido orgânico dicarboxílico, de baixa Hipocitratúria
solubilidade, cujo interesse biológico é praticamente limi-
tado à sua participação na formação de cálculos renais. Em Definida como excreção de citrato menor que 320 mg/
indivíduos normais, a maioria do oxalato urinário provém dia. O citrato é um potente inibidor da cristalização.27 For-
do metabolismo endógeno (da glicina, glioxilato e ácido ma sais solúveis com o cálcio, diminuindo a disponibili-
dade do mesmo para se combinar com o oxalato, por exem-
ascórbico), e apenas 10 a 20% são derivados da dieta. Três
plo.28 Além deste efeito específico em diminuir a supersa-
a 5% do oxalato ingerido são absorvidos, principalmente
turação urinária, o citrato inibe a cristalização do oxalato
no cólon.22 Hiperoxalúria é definida pela excreção de oxa-
de cálcio. O número de partículas formadas diminui, as-
lato maior que 40 mg/dia. Porém, a maioria dos portado-
sim como seu crescimento e capacidade de agregação. Mu-
res de nefrolitíase possui níveis normais de oxalato na uri-
lheres normais apresentam uma relação citrato/cálcio uri-
na. Entretanto, aumentos na excreção de oxalato elevam
nário muito alta. Entretanto, em homens normais a rela-
mais a supersaturação urinária do que aumentos propor-
ção se aproxima daquela de mulheres formadoras de cál-
cionais na excreção de cálcio.23 Provavelmente, a ligação do
culo.29 Esta talvez seja uma das explicações da elevada
cálcio a outros íons (além do oxalato) o torna mais solú-
vel. Didaticamente, podemos dividir as causas de hipero-
xalúria de acordo com o nível de excreção em:
a) Dietética – Geralmente apresenta 40 a 60 mg/dia de
oxalato na urina. Excesso de consumo de oxalato e bai-
xa ingestão de cálcio são fatores de risco;
Ácido úrico mg/litro

b) Entérica – Oxalúria de 60 a 120 mg/dia. Pode ocorrer após


ressecção intestinal, doença de Crohn, derivação intesti-
nal para tratamento de obesidade e síndromes má-absor-
tivas. Nestas situações clínicas acontece formação de com-
plexos de cálcio com a gordura intestinal (saponificação)
e hiperabsorção do oxalato livre (não conjugado com cál-
cio) através da mucosa colônica com permeabilidade al-
terada pelos ácidos graxos e sais biliares não absorvidos;
c) Primária – Níveis de oxalato na urina acima de 120 mg/
dia. Acontece nas hiperoxalúrias hereditárias tipo I —
deficiência e/ou localização extraperoxissomal da en- Fig. 33.2 Quantidade de ácido úrico solubilizada na urina em
zima hepática alanina/glioxilato aminotransferase, e diferentes condições de pH.
capítulo 33 613

prevalência de nefrolitíase em homens. Além disto, vários associadas à formação de cálculos, foram identificadas al-
autores demonstraram uma menor excreção de citrato na terações quantitativas e qualitativas na excreção de nefro-
urina de portadores de doença calculosa renal.30 A hipoci- calcina, proteína de Tamm-Horsfall (uromodulina),32 uro-
tratúria essencial ou idiopática é encontrada em 10 a 40% pontina e bikunina, entre outras. Infelizmente, a purifica-
dos portadores de nefrolitíase. Pode estar presente também ção e a mensuração destas proteínas são complexas, estan-
em situações de acidose intracelular, como na hipocalemia, do restritas a laboratórios de pesquisa.
insuficiência renal, diarréias crônicas (por perda de álca-
lis) e uso de acetazolamida. A acidose tubular renal distal
(ATRd) causa hipocitratúria acentuada, freqüentemente Medicações
com níveis abaixo de 40 mg/dia. Além da hipocitratúria, O uso de sulfato de indinavir para tratamento de infec-
a ATRd cursa com hipercalciúria e urina persistentemen- ção por HIV está associado à formação de cálculos em até
te alcalina, podendo levar à nefrolitíase de repetição, ne- 3% dos pacientes. Ingestão excessiva de vitaminas A e D,
frocalcinose e insuficiência renal. uso de triantereno, acetazolamida e sulfadiazina podem
causar cristalúria e eventualmente nefrolitíase.17
Infecção
Cálculos primariamente associados à infecção são for- Pontos-chave:
mados por fosfato de amônio magnésio (estruvita) ou mais Fatores de risco para nefrolitíase
raramente por apatita (fosfato de cálcio). Estes cálculos
possuem crescimento rápido, podem ocupar todo o siste- • Baixo volume urinário (menor que 1.500 ml/
ma coletor (coraliformes) e causar infecções urinárias de dia)
repetição, abscessos perinefríticos, urossepse e insuficiên- • Hiperoxalúria (maior que 40 mg/dia)
cia renal progressiva. A sua gênese está relacionada à in- • Hipercalciúria (maior que 4 mg/kg/dia)
fecção por bactérias produtoras de urease (usualmente do • Hiperuricosúria (maior que 750 mg/dia em
gênero Proteus, Providencia ou Klebsiella, quase nunca E. coli) mulheres e 800 mg/dia em homens)
que desdobram a uréia em amônia, tornando o pH uriná- • Hipocitratúria (menor que 320 mg/dia)
rio alcalino e favorecendo a cristalização com fosfato e
• pH urinário baixo (cálculos de ácido úrico)
magnésio para formar a estruvita.
ou alto (cálculos de fosfato cálcico)
• Estase urinária ou infecção
Cistinúria
Doença hereditária, autossômica recessiva, caracteriza-
da por hiperabsorção de aminoácidos dibásicos (cistina, or- APRESENTAÇÃO CLÍNICA
nitina, lisina e arginina) nas microvilosidades do túbulo
proximal e células epiteliais intestinais. A excreção uriná- A nefrolitíase pode ser totalmente assintomática, com
ria normal de cistina situa-se ao redor de 20 mg/dia e a for- diagnóstico acidental através de exames de imagens. En-
mação de cálculos deve-se exclusivamente à sua baixa so- tretanto, a apresentação característica é a da cólica nefrética.
lubilidade em pH urinário normal. Ao redor da segunda Usualmente inicia-se com dor localizada em região lom-
década de vida, 50% dos pacientes já apresentaram pelo bar, flanco ou fossa ilíaca, súbita, forte, geralmente unila-
menos um episódio de cólica nefrética. Três tipos de he- teral, em cólica, não aliviada pelo repouso ou posição, ir-
rança são descritos: cistinúria tipo I, causada por mutações radiada para trajeto ureteral, região de bexiga e genitália
em um gene localizado no cromossomo 2, responsável pela externa.33 Pode haver disúria e hematúria macroscópica
síntese da proteína transportadora denominada carreado- concomitante. Náuseas, vômitos e diarréia são comuns. Ao
ra de soluto 3A1 (SLC3A1), que na forma homozigótica exame físico, nota-se freqüentemente taquicardia, palidez,
apresenta excreção de cistina de até 1 g/dia; cistinúria dos sudorese, dor à palpação costo-vertebral e distensão abdo-
tipos II e III, associadas a um segundo gene, localizado no minal leve, porém não associada a sinais de irritação peri-
braço curto do cromossomo 19, que codifica a proteína toneal. O quadro clínico é bastante sugestivo, porém o diag-
transportadora SLC 7A9.31 nóstico diferencial deve ser feito com doenças gastrintes-
tinais (apendicite aguda, diverticulite, colecistite), gineco-
lógicas (cisto ovariano, anexite, gravidez ectópica), afecções
Deficiência de Proteínas Inibidoras da vasculares (infarto intestinal, aneurisma de aorta abdomi-
Cristalização nal) e algumas causas médicas (cetoacidose diabética, in-
farto agudo do miocárdio).
Em estudos de populações selecionadas, portadoras de Outras formas de exteriorização clínica da nefrolitíase
nefrolitíase recorrente e sem anormalidades metabólicas devem ser enfatizadas. A hematúria isolada pode ser o
614 Nefrolitíase

primeiro sinal. Alguns pacientes, principalmente os por-


tadores de nefrolitíase de repetição, podem apresentar eli-
minação espontânea de cálculos, sem dor ou hematúria
macroscópica. Na presença de infecções urinárias de repe-
tição, principalmente as causadas por bactérias do gênero
Proteus, deve-se suspeitar de cálculos renais. Além disto,
a combinação de dor lombar, febre, calafrios e sepse pode
ser encontrada na pielonefrite obstrutiva calculosa, situa-
ção de elevada morbi-mortalidade.

INVESTIGAÇÃO DIAGNÓSTICA
A
Na avaliação do paciente, além da caracterização do epi-
sódio agudo, dados da história mórbida pregressa e certas
condições e hábitos são importantes. Ocorrências prévias,
idade na primeira e última crise, conseqüências e interven-
ções (hidronefrose, hospitalização, remoção de cálculos por
litotripsia, endoscopia ou cirurgia) e passagem espontânea
de cálculos devem ser questionadas. Afecções como bexiga B C
neurogênica, infecções urinárias de repetição, diarréia crô-
nica ou gota possuem importância na patogênese da doen- Fig. 33.3 Tipos de cristais. A. Múltiplos cristais de oxalato de cál-
cio mono- e diidratados. B. Cristal de fosfato amoníaco magné-
ça litiásica. Além disto, deve ser pesquisado se existe expo-
sio (estruvita). C. Cristal de cistina.
sição excessiva ao sol, baixa ingestão de líquidos, restrição
de leite ou derivados, uso de medicações sem prescrição
médica (por exemplo, vitaminas, antiácidos e suplementos
de cálcio) e história familiar positiva de nefrolitíase. da radiopacidade, e avalia a presença e o grau de hidrone-
Hematúria micro- ou macroscópica é a regra na cólica frose. Pode ser usado na vigência de cólica nefrética e du-
nefrética, presente em 80 a 90% dos casos. Leucócitos po- rante a gestação. A limitação do método consiste na baixa
dem ser encontrados na urina tipo I, porém a presença de sensibilidade para cálculos ureterais e na sua dependên-
bactérias no exame do sedimento deve levantar a suspeita cia do binário instrumento/operador. Um avanço recente
de infecção associada. Discreta leucocitose pode ser obser- na imagenologia da nefrolitíase é a tomografia helicoidal
vada, geralmente sem bastonetose. A uréia e a creatinina sem contraste. Apresenta alta sensibilidade e especificida-
plasmática são normais, exceto em situações de obstrução de (97 e 96%, respectivamente), permite o exame do abdo-
em rim único ou de ureter bilateralmente, cálculos gigan- me em poucos minutos, pode diagnosticar patologias não
tes de bexiga ou cálculos uretrais. Cristais de cistina (he- relacionadas ao cálculo e detectar praticamente todos os
xagonais) e de estruvita (em forma de tampa de caixão — tipos de cálculo, radiopacos ou não (exceção feita aos cál-
coffin lid) são diagnósticos, enquanto a presença de cristais culos de indinavir). Suas desvantagens são o custo do exa-
de oxalato de cálcio ou de ácido úrico em grande quanti- me e a limitada disponibilidade do aparelho.34
dade é sugestiva (Fig. 33.3). Depois do episódio de cólica nefrética ou da passagem
Deve-se também confirmar a presença do cálculo renal do cálculo, a avaliação metabólica dos fatores de risco deve
e sua localização. A realização de radiografias simples de ser postergada por pelo menos quatro semanas, permitin-
abdome (rins, ureter e bexiga) baseia-se no fato de que 90% do normalização da dieta e da atividade física do paciente
dos cálculos renais são radiopacos. Para ser visualizado, e também garantindo o retorno da função renal à sua ple-
um cálculo precisa apresentar ao menos 2 mm em seu na normalidade. Obviamente, todo cálculo eliminado deve
maior diâmetro. A limitação das radiografias simples re- ser recuperado e submetido à análise. Esta pode ser feita
side na baixa sensibilidade para cálculos ureterais, em al- por métodos químicos ou preferencialmente por espectro-
guns trabalhos menor que 50%. A urografia excretora tem fotometria infravermelha ou por difração de raios X.35 A
sido tradicionalmente utilizada na avaliação da calculose abordagem diagnóstica do paciente que formou o primei-
renal. É útil na avaliação anatômica dos rins, na detecção ro cálculo (único) é assunto controverso. Recomenda-se
de hidronefrose e em fornecer uma idéia da função renal que em adultos a investigação consista ao menos de dosa-
remanescente de um rim obstruído. Apresenta pouco va- gens séricas de cálcio, fósforo, ácido úrico, creatinina, só-
lor na cólica renal aguda e é contra-indicada em casos de dio, cloro, potássio e bicarbonato.36 Um parcial de urina
alergia a contraste iodado e insuficiência renal. O ultra-som deve ser requisitado, assim como radiografias simples de
permite detectar todos os tipos de cálculo, independente abdome. Entretanto, este julgamento deve ser individua-
capítulo 33 615

Quadro 33.3 Avaliação laboratorial de pacientes Suspeita de nefrolitíase (cólica


nefrética, hematúria, etc.)
com nefrolitíase
URINA 24 horas SANGUE

Volume pH
Estudo por imagem
pH Bicarbonato (RX, urografia excretora, ultra-som)
Creatinina Creatinina
Sódio Sódio
Cálcio Cálcio
Ácido úrico Ácido úrico
Fósforo Fósforo Ausência de cálculo
Citrato Potássio
Oxalato Uréia
Cistina PTH (se hipercalcemia) Cálculo confirmado
Cultura

lizado. Pacientes com atividades profissionais de risco, Complicações (infecção, obstrução, etc.)

portadores de cálculo de grande diâmetro e idosos com


episódio de cólica renal associado à elevada morbidade são NÃO SIM
mais vulneráveis aos efeitos adversos da crise aguda e
necessitam de investigação adicional. A avaliação de pa- Encaminhar ao
cientes com doença recorrente e calculose múltipla é feita urologista
de modo mais extenso. Nesta categoria incluem-se também
as crianças e portadores de litíase em rim único. O Qua-
PRIMEIRO CÁLCULO NEFROLITÍASE RECORRENTE
dro 33.3 demonstra os principais exames requisitados. Avaliação básica Avaliação completa
Excluir doenças sistêmicas Medidas gerais
A diferenciação dos subtipos de hipercalciúria idiopá- Medidas gerais Terapia específica
tica (em absortiva, renal, etc.), como proposta inicialmen-
te por Pak,37 não é utilizada em nosso serviço. Esta atitude Fig. 33.4 Fluxograma de avaliação e manejo de pacientes com
é baseada na distribuição contínua dos níveis de cálcio na nefrolitíase.
urina, nos efeitos deletérios da restrição dietética de cálcio
e na ausência de definição precisa entre os vários subtipos,
em um mesmo paciente e entre grupos semelhantes. A Fig.
33.4 representa um fluxograma de investigação e manejo Tratamento do Cálculo
de pacientes com nefrolitíase.
A eliminação espontânea ocorre em até 80% dos cál-
culos menores que 5 mm. Para cálculos maiores que 7
mm a chance é bem menor, em torno de 25% para os lo-
TRATAMENTO calizados em ureter proximal, de 45% para aqueles em
ureter médio e de 70% para cálculos de ureter distal.39
Deve ser dividido em: tratamento da cólica renal; trata- Consulta urológica visando remoção do cálculo ou dre-
mento do cálculo e terapêutica da doença litiásica. nagem do trato urinário está indicada em situações de
dor refratária ao tratamento clínico, obstrução persistente
com função renal alterada, infecção concomitante, risco
Tratamento da Cólica Renal
de pionefrose ou urossepse, obstrução bilateral ou cál-
A analgesia é feita com antiespasmódicos, como por culo em rim único com hidronefrose. Hospitalização é re-
exemplo o brometo de n-butilescopolamina (Buscopan®), comendada quando houver necessidade de administra-
por via intravenosa ou intramuscular ou com o emprego ção freqüente de analgésicos parenterais, ocorrerem vô-
de antiinflamatórios não-hormonais (diclofenaco, indome- mitos persistentes, suspeita de pielonefrite aguda asso-
tacina, etc.) por via intramuscular. Em casos de dor mais ciada, elevação da uréia e creatinina plasmáticas e desen-
intensa, análogos da morfina (como hidrocloreto de peti- volvimento de anúria ou oligúria.40 O Quadro 33.4 resu-
dina) podem ser utilizados.38 A hidratação deve ser man- me as principais modalidades terapêuticas para cálculos
tida por via oral ou com soluções intravenosas. Porém, a renais e ureterais.
administração de grandes volumes de líquidos é contro- A litotripsia extracorpórea (LECO) utiliza ondas de
versa, porque no caso de ureter obstruído pode elevar a choque geradas fora do corpo humano e as concentra
pressão hidrostática e aumentar a dor. no trato urinário, diretamente sobre o cálculo. Os pri-
616 Nefrolitíase

Quadro 33.4 Principais modalidades terapêuticas para cálculos reno-ureterais

TRATAMENTO INDICAÇÕES VANTAGENS LIMITAÇÕES COMPLICAÇÕES

LECO Cálculo renal Pouco invasiva Requer trato Fragmentos de cálculos


menor que 2,5 cm; Ambulatorial urinário livre impactados (steinstrasse)
cálculo ureteral para passagem Hematoma perinefrético
menor que 1 cm de fragmentos; Hipertensão arterial (?)
60-75% de
sucesso
URETEROSCOPIA Cálculos ureterais Definitiva Invasiva Estenose ou perfuração
Ambulatorial Habitualmente de ureter
requer stent
ureteral pós-
tratamento
NEFROLITOTOMIA Cálculos renais Definitiva Invasiva Sangramento
PERCUTÂNEA maiores que 2 cm; Lesão de sistema coletor
cálculo ureteral Lesão de estruturas
proximal maior adjacentes
que 1 cm
CIRURGIA Cálculos grandes, Definitiva Invasiva Recuperação
coraliformes prolongada, maior
morbidade

Adaptado de PORTIS, A.J., SUNDARAM, C.P. Diagnosis and initial management of kidney stones. Am. Fam. Physician, 63:1329-38, 2001.

meiros litotriptores surgiram no início da década de 80. Profilaxia e Terapêutica da


Consistem basicamente em uma fonte geradora de on-
das (eletro-hidráulica, eletromagnética ou piezelétrica) Doença Litiásica
e em um sistema de acoplamento e de localização de ima- O primeiro episódio de nefrolitíase fornece uma boa
gens (ultra-sônico e/ou radiográfico). Os pacientes são oportunidade para aconselhar os pacientes sobre medidas
tratados ambulatorialmente, sob analgesia ou anestesia preventivas e terapêuticas.42 As principais intervenções
local.41 Avanços nas técnicas e nos instrumentos de ure- podem ser divididas em dietéticas e farmacológicas.
teroscopia permitem que cálculos sejam tratados pra-
ticamente em todo o trajeto ureteral. A nefrolitotomia per- TRATAMENTO DIETÉTICO
cutânea pode ser indicada isoladamente, para cálculos a) Aumento da ingestão líquida. Volumes urinários ele-
de grande volume ou seqüencialmente à LECO (técni- vados reduzem a concentração dos sais excretados e
ca sanduíche). Novos métodos incluem a litotripsia per- conseqüentemente diminuem a supersaturação uriná-
cutânea ultra-sônica e a litotripsia a laser através de urete- ria. Estudos epidemiológicos revelam aumento acentu-
roscópio. A cirurgia aberta (uretero- ou nefrolitotomia) ado na incidência de cálculos renais com volume uriná-
é empregada atualmente em menos de 5% dos casos. rio menor que 1.100 ml ao dia. Recomenda-se que a in-
Evidentemente, o julgamento e a experiência do urolo- gestão líquida seja suficiente para a produção de pelo
gista, associados à preferência do paciente, devem gui- menos 2.000 ml de urina diariamente.43 Água é a bebi-
ar o tratamento. da mais recomendada, independente do conteúdo de
cálcio ou magnésio. Sucos cítricos são também indica-
dos. Chá e café também foram associados à redução no
Pontos-chave:
risco de formação de novos cálculos.44
Indicações para remoção de cálculos b) Ingestão de cálcio, sal e proteína. Vários estudos re-
centes demonstraram que a ingestão reduzida de cál-
• Dor intensa recidivante e refratária à cio está associada a maior incidência de nefrolitíase.45
medicação Postula-se que a baixa concentração de cálcio na luz
• Ausência de progressão de cálculos intestinal causa maior absorção entérica de oxalato e
ureterais maiores que 5 mm conseqüentemente hiperoxalúria secundária. Além dis-
• Obstrução urinária persistente to, a restrição dietética de cálcio pode levar a perda
• Presença de infecção concomitante óssea em pacientes com cálculos e hipercalciúria.46 No
Brasil este dado é ainda mais preocupante porque a
capítulo 33 617

ingestão média de cálcio situa-se bem abaixo dos 800- mo nesta última situação, deve-se concomitantemente
1.000 mg recomendados ao dia.47 Dietas com alto teor manter o pH urinário alcalino, para obter maior solubili-
de sódio diminuem a reabsorção tubular de cálcio e dade do ácido úrico. O alopurinol atua inibindo a enzi-
aumentam a calciúria. Da mesma forma, a ingestão ex- ma xantina-oxidase, responsável pela conversão de xan-
cessiva de proteína animal resulta em leve acidose me- tina em ácido úrico. Os efeitos colaterais associados são
tabólica, estimulando a liberação de cálcio ósseo para pouco freqüentes e incluem rash cutâneo, artralgias e
tamponar o excesso de íons hidrogênio, o que acarreta muito raramente síndrome de Stevens-Johnson.
aumento na excreção urinária de cálcio. Portanto, reco- d) Outras medicações. Em pacientes portadores de cisti-
menda-se dieta com 0,8 a 1 g/kg/dia de proteína e in- núria, com concentração urinária de cistina acima de 500
gestão de sódio limitada a 100-150 mEq/dia, principal- mg/litro ou com formação de novos cálculos sob trata-
mente nos casos de hipercalciúria associada à nefroli- mento conservador, recomenda-se o uso de agentes
tíase recorrente. queladores. Estas substâncias interrompem as pontes
c) Outras medidas. Em pacientes com hiperoxalúria, re- dissulfídicas da molécula de cistina, tornando-a mais
comenda-se evitar excessos na ingestão de espinafre, solúvel. A mais efetiva é a penicilamina, porém apresen-
amendoim, chocolate e beterraba. Em portadores de ta vários efeitos colaterais graves, como agranulocitose,
hiperuricosúria, associada a cálculos puros de ácido trombocitopenia, síndrome nefrótica e pênfigo, que le-
úrico ou mistos de oxalato de cálcio, é aconselhável uma vam à interrupção do tratamento na maioria das vezes.
dieta com restrição em alimentos ricos em purina. Na Alternativamente pode-se utilizar tiopronina ou, com
cistinúria, a ingestão hídrica deve proporcionar volume resultados controversos, captopril.40 Os cálculos de
urinário maior que 3 litros, utilizando-se liberalmente estruvita devem ser removidos totalmente, principal-
sucos cítricos, para aumentar a carga de álcalis e o pH mente os de grande volume, já que núcleos remanescen-
urinário e proporcionar maior solubilidade da cistina. tes podem causar recidivas precoces. Preconiza-se an-
tibioticoterapia pós-remoção por 3-4 meses, acompanha-
da de uroculturas de vigilância. O ácido aceto-hidroxâ-
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
mico pode diminuir a formação de estruvita em casos
a) Tiazídicos. São efetivos em situações de hipercalciúria
de impossibilidade de remoção ou retirada incompleta
associada à nefrolitíase recidivante. Agem aumentando
do cálculo. Entretanto, apresenta vários efeitos colate-
a reabsorção tubular proximal de cálcio (associada à
rais graves, que levam à interrupção do tratamento em
contração do espaço extracelular) e diretamente no tú-
até 70% dos casos.
bulo distal, diminuindo a calciúria. Vários estudos re-
lataram diminuição de até 25% no risco de formação de
novos cálculos após três anos de tratamento.48 Deve-se Pontos-chave:
estimular a restrição concomitante de sódio e evitar hi-
Recomendações dietéticas
pocalemia durante o tratamento com tiazídicos, pela
conseqüente redução na excreção de citrato. Efeitos co- • Ingesta líquida adequada para produzir 2-3
laterais como hipotensão arterial, fadiga, impotência, litros de urina ao dia
dislipidemia e intolerância à glicose podem diminuir a • Evitar restrição de cálcio
adesão ao tratamento. • Restringir excesso de sal e proteína animal
b) Citrato. Indicado nos casos de hipocitratúria, primária • Consumo balanceado de cálcio e oxalato
ou secundária. Também diminui a saturação urinária em
• Incentivar ingestão de sucos cítricos
casos de hipercalciúria, ligando-se ao cálcio e forman-
do complexos solúveis. Além disso, apresenta efeito
alcalinizante, aumentando o pH urinário e a fração dis- Agradecimentos: ao doutorando de medicina Leonardo V.
sociada de ácido úrico, o que torna seu emprego reco- Riella pela revisão do capítulo e valiosas sugestões..
mendado na nefrolitíase úrica. Utiliza-se preferencial-
mente o citrato de potássio em dose suficiente para ele-
var o pH urinário acima de 6,5, nível associado com re- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
dução no tamanho e até com dissolução de cálculos
puros de ácido úrico.49 Epigastralgia, pirose, diarréia e 1. MANN, S. Mineralization in biological systems. Struct. Bonding,
54:125-174, 1983.
plenitude gástrica são queixas freqüentes e limitam a 2. ROBERTSON, W. ; PEACOCK, M. Calcium oxalate crystalluria and
terapêutica com citrato. inhibitors of crystallization in recurrent renal stone formers. Clin. Sci.
c) Alopurinol. Possui eficácia comprovada na nefrolitíase (Lond.), 43:499-506, 1972.
3. SUTHERLAND, J.; ARKS, J.; COE, F.L. Recurrence after a single
por oxalato de cálcio associada à hiperexcreção de ácido
renal stone in a community practice. Miner. Electr. Metab., 11:267-269,
úrico e também em pacientes com hiperuricosúria asso- 1985.
ciada a cálculos puros de ácido úrico.50 Entretanto, mes- 4. 1999 National Hospital Discharge Survey: Annual Summary with
618 Nefrolitíase

Detailed Diagnoses and Procedures Data. Atlanta, GA: NCHS, CDC, 29. PARKS, J.H.; COE, F.L. A urinary calcium-citrate index for the eva-
DHHS; September 2001. Vital and Health Statistics. Series 13, n.151. luation of nephrolithiasis. Kidney Int., 30:85-90, 1986.
5. ROBERTSON, W.G.; HUGHES, H. Epidemiology of urinary stone 30. RUDMAN, D.; KUTNER, M.H.; REDD, S.C.; WATERS, W.C.;
disease in Saudi Arabia. In: Ryall, R.; Bais, R.; Marshall V.R.; Rofe, GERRON, G.G.; BLEIER, J. Hypocitraturia in calcium nephrolithia-
A.M.; Smith, L.H.; Walker, V.R. Urolithiasis 2. Plenum Press: New sis. J. Clin. Endocrinol. Metab., 55:1052-1057, 1982.
York and London, 1994, p.453-455. 31. GOODYER, P.; BOUTROS, M.; ROZEN, R. The molecular basis of
6. FINLAYSON, B. Physicochemical aspects of urolithiasis. Kidney Int., cystinuria: An update. Exp. Nephrol., 8:123-127, 2000.
13:344-360, 1978. 32. CARVALHO, M.; NAKAGAWA, Y.; ASPLIN, J.; COE, F.L. Effects
7. SMITH, L.H. The pathophysiology and medical treatment of uroli- of Tamm-Horsfall glycoprotein and Uromodulin on calcium oxalate
thiasis. Semin. Nephrol., 10:31-52, 1990. crystal nucleation and aggregation. J. Am. Soc. Nephrol., 8:A2605,
8. COE, F.L.; PARKS, J.H. New insights into the pathophysiology and 1997.
treatment of nephrolithiasis: New research venues. J. Bone Miner. 33. SHOKEIR, A.S. Renal colic: Pathophysiology, diagnosis and treat-
Res., 12:522-533, 1997. ment. Eur. Urol., 39:241-249, 2001.
9. MEYER, J.L. Physicochemistry of stone formation. In: Resnick, M.I.; 34. OLDER, R.A., JENKINS, A.D. Stone disease. Urol. Clin. North Am.,
Pak, C.Y.C. Urolithiasis: a Medical Surgical Reference. W.B. Saunders: 27:215-231, 2000.
Philadelphia, 1990, p.11-34. 35. MANDEL, G., MANDEL, N. Analysis of stones. In: Coe, F.L.; Favus,
10. HESS, B.; KOK, D.J. Nucleation, growth and aggregation of stone- M.J.; Pak, C.Y.C.; Parks, J.H.; Preminger, G.M. Kidney Stones: Medi-
forming crystals. In: Coe, F.L.; Favus, M.J.; Pak, C.Y.C.; Parks, J.H.; cal and Surgical Management. Lippincot-Raven, Philadelphia, 1996,
Preminger, G.M. Kidney Stones: Medical and Surgical Management. p.323-335.
Lippincot-Raven, Philadelphia, 1996, p.3-32. 36. MONK, R.D. Clinical approach to adults. Semin. Nephrol., 16:375-388,
11. COE, F.L.; PARKS, J.H. Defenses of an unstable compromise: 1996.
Crystallization inhibitors and the kidney’s role in mineral regulati- 37. LEVY, F.L.; ADAM-HUET, B.; PAK, C.Y.C. Ambulatory evaluation
on. Kidney Int., 38:625-631, 1990. of nephrolithiasis: an update from 1980. Am. J. Med., 98:50-59, 1995.
12. ELLIOT, J.S.; RABINOWITZ, I.N. Calcium oxalate crystalluria: Crys- 38. HESSE, A.; TISELIUS, H. G.; JAHNEN, A. Urinary Stones – Diagnosis,
tal size in urine. J. Urol., 123:324-327, 1980. Treatment and Prevention of Recurrence. Karger, Basel, 1996, p.18-29.
13. BROWN, C.M.; PURICH, D.L. Strong inference in mechanistic uro- 39. GLOWACKI, L.S.; BEECROFT, M.L.; COOK, R.J.; PAHL, D.;
lithiasis: A tribute to Birdwell Finlayson’s biophysical contributions. CHURCHILL, D.N. The natural history of asymptomatic urolithiasis.
Am. J. Kidney Dis., 17:451-457, 1991. J. Urol., 147:319-321, 1992.
14. LIESKE, J.C.; TOBACK, F.G. Interaction of urinary crystals with renal 40. TISELIUS, H.G.; ACKERMANN, D.; ALKEN, P.; BUCK, C.;
epithelial cells in the pathogenesis of nephrolithiasis. Semin. Nephrol., CONORT, P.; GALLUCCI, M. Guidelines on urolithiasis. Eur. Urol.,
16:458-473, 1996. 40:362-371, 2001.
15. GARDNER, G.L.; DOREMUS, R.H. Crystal growth inhibitors in hu- 41. SUNDARAM, C.P.; SALTZMAN, B. Extracorporeal shock wave
man urine. Effect on calcium oxalate kinetics. Invest. Urol., 15:478- lithotripsy: A comprehensive review. Comp. Ther., 24:332-335, 1998.
485, 1978. 42. SILVA, J.A.M.; CORREIA, M.I.T.D. Nutrição e litíase renal. In: Riella,
16. MARANGELLA, M.; VITALE, C.; PETRARULO, M.; BAGNIS, C.; M.C.; Martins, C. Nutrição e o Rim. Guanabara Koogan, Rio de Ja-
BRUNO, M.; RAMELLO, A. Renal stones: from metabolic to physi- neiro, 2001, p.207-213.
cochemical abnormalities. How useful are inhibitors? J. Nephrol., 13 43. BORGHI, L.; MESCHI, T.; AMATO, F.; BRIGANTI, A.; NOVARINI,
(suppl. 3):S51-S60, 2000. A.; GIANNINI, A. Urinary volume, water and recurrences in idio-
17. WASSERSTEIN, A.G. Nephrolithiasis: Acute management and pre- pathic calcium nephrolithiasis: a 5-year randomized prospective
vention. Dis. Mon., 44:196-213, 1998. study. J. Urol., 155:839-43, 1996.
18. CARVALHO, M.; NAKAGAWA, Y. Supersaturação urinária e re- 44. CURHAM, G.C.; WILLETT, W.C.; SPEIZER, F.E.; STAMPFER, M.J.
corrência em nefrolitíase. J. Bras. Urol., 25:475-479, 1999. Beverage use and risk for kidney stones in women. Ann. Intern. Med.,
19. COE, F.L. Nephrolithiasis. In: Brenner, B.M.; Coe, F.L., Rector Jr., F.C. 128:534-40, 1998.
Clinical Nephrology. W.B. Saunders: Philadelphia, 1987, p.205-222. 45. BORGHI, L.; SCHIANCHI, T.; MESCHI, T.; GUERRA, A.; ALLEGRI,
20. HEILBERG, I.P. In: Cruz, J., Barros, R.T., Cruz, H.M.M. Atualidades F.; MAGGIORE, U.; NOVARINI, A. Comparison of two diets for the
em Nefrologia, vol. 6. Sarvier, São Paulo, 2000, p.188-191. prevention of recurrent stones in idiopathic hypercalciuria. N. Engl.
21. SCHEINMAN, S.J. Nephrolithiasis. Semin. Nephrol., 19:381-388, 1999. J. Med., 346:77-84, 2002.
22. BALAJI, K.C.; MENSON, M. Mechanism of stone formation. Urol. 46. HEILBERG, I.P. Update on dietary recommendations and medical
Clin. North Am., 24:1-11, 1997. treatment of renal stone disease. Nephrol. Dial. Transplant., 15:117-
23. RODGERS, A. Aspects of calcium oxalate crystallization: theory, in 123, 2000.
vitro studies, and in vivo implementation. J. Am. Soc. Nephrol., 10:S351- 47. SCHOR, N.; HEILBERG, I.P. Hipercalciúria idiopática. In: Schor, N.;
S354, 1999. Heilberg, I.P. Calculose Renal. Fisiopatologia, Diagnóstico e Tratamen-
24. MILLINER, D.S.; WILSON, D.M.; SMITH, L. Phenotypic expressi- to. Sarvier, São Paulo, 1995, p.43-53.
on of primary hyperoxaluria: Comparative features of types I and 48. PEARLE, M.S.; ROEHRBORN, C.G.; PAK, C.Y.C. Meta-analysis of
II. Kidney Int., 59:31-36, 2001. randomized trials for medical prevention of calcium oxalate nephro-
25. ASPLIN, J.R. Uric acid stones. Semin. Nephrol., 16:412-424, 1996. lithiasis. J. Endourol., 13:679-685, 1999.
26. RYALL, R.L.; GROVER, P.K.; MARSHALL, V.R. Urate and calcium 49. PAK, C.Y.C.; SAKHAEE, K.; FULLER, C. Successful management
stones — Picking up a drop of mercury with one’s fingers? Am. J. of uric acid nephrolithiasis with potassium citrate. Kidney Int., 30:422-
Kidney Dis., 17:426-430, 1991. 428, 1986.
27. TISELIUS, H.G.; FORNANDER, A.M.; NILSSON, M.A. Effects of 50. ETTINGER, B.; TANG, A.; CITRON, J.T.; LIVERMORE, B.; WILLIAMS,
citrate and urinary macromolecules on crystal aggregation. In: Riall, T. Randomized trial of allopurinol in the prevention of calcium o-
R.L. Urolithiasis 2. Plenum Press, New York, 1994, p.213-214. xalate calculi. N. Engl. J. Med., 315:1386-1389, 1986.
28. PAK, C.Y.C. Citrate and renal calculi: An update. Miner. Electrolyte
Metab., 20:371-377, 1994.
capítulo 33 619

ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET Endereço com imagens de cristais e cálculos renais.


http://www.herringlab.com/photos/
Conferência de Consenso sobre o tratamento da Discussão de patologias hereditárias associadas à
nefrolitíase, patrocinada pelo Instituto Nacional de nefrolitíase.
Saúde Americano (NIH). http://www.hosppract.com/issues/2000/03/schein.htm
http://odp.od.nih.gov/consensus/cons/067/067-intro.htm Endereço da Fundação para Estudo da Oxalose e
Diagnóstico e Tratamento da Nefrolitíase, com várias Hiperoxalúria.
imagens radiológicas. http://www.ohf.org/
http://www.radsci.ucla.edu:8000/gu/stones/kidneystone.html
Capítulo
Uropatia Obstrutiva

34 Ronaldo Roberto Bérgamo e Eric Roger Wroclawski

INTRODUÇÃO Renograma com diurético


INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA Pielografia anterógrada ou retrógrada
ETIOLOGIA FISIOPATOLOGIA
Congênitas Hemodinâmica glomerular
Adquiridas Função tubular
Intrínsecas Reabsorção de sódio e água
Extrínsecas Concentração urinária
ASPECTOS CLÍNICOS Secreção de potássio e acidificação urinária
ASPECTOS LABORATORIAIS Reabsorção de fósforo, cálcio e magnésio
DIAGNÓSTICO Metabolismo renal
Radiografia simples do abdome DIURESE PÓS-OBSTRUTIVA
Ultra-sonografia FIBROSE INTERSTICIAL E LESÃO TUBULAR
Urografia excretora IRREVERSÍVEL
Uretrocistografia retrógrada e miccional TRATAMENTO
Tomografia computadorizada REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Ressonância magnética ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

bo (1516-1559), da Universidade de Pádua. Esta amizade


INTRODUÇÃO surgiu quando Colombo diagnosticou, em Michelangelo,
litíase urinária em 1549 e gota em 1555. De acordo com
Uropatia obstrutiva é a obstrução ao fluxo de urina em
correspondências, Michelangelo apresentava cólica nefré-
qualquer nível do trato urinário, da pelve renal até o mea-
tica desde jovem e faleceu aos 89 anos com sintomas de
to uretral.1 Essa obstrução pode ser unilateral ou bilateral,
hipervolemia, sugerindo nefropatia obstrutiva.2
parcial ou completa, aguda ou crônica, congênita ou ad-
Nefropatia obstrutiva consiste em alterações funcionais
quirida. É uma doença passível de ser revertida no início,
e patológicas nos rins, decorrentes do aumento de pressão
e a importância da reversão precoce é prevenir a atrofia
na via excretora secundária à obstrução urinária.1
tubular e a perda irreversível da função renal. O prognós-
tico dependerá da duração e da severidade da obstrução,
além da presença de infecção urinária.
Hidronefrose é a dilatação da pelve renal e cálices asso- INCIDÊNCIA E PREVALÊNCIA
ciada à atrofia renal, na maioria das vezes devido à obs-
trução ao fluxo urinário.1 De acordo com o United States Renal Data System —
O pintor e escultor Michelangelo (1475-1564) aspirou USRDS de 2001, a incidência de insuficiência renal crôni-
ilustrar um livro de anatomia do professor Realdo Colom- ca terminal no período de 1995 a 1999 foi de 406.310 pa-
capítulo 34 621

cientes, sendo 1.137 pacientes (0,3%) portadores de uropa- dronefrose desde o período pré-natal até a adolescência.
tia obstrutiva congênita.3 Apesar disso, mais de um terço dos casos são diagnostica-
No período de 1989 a 1993, 2% dos pacientes que esta- dos no adulto.
vam em diálise nos Estados Unidos apresentavam uropa- Em crianças, o achado mais freqüente é presença de
tia obstrutiva.4 massa abdominal e, nos adultos, dor em cólica lombar ou
Segundo levantamento chileno, a obstrução do trato flanco. Pelve dilatada à ultra-sonografia não implica tra-
urinário é a etiologia mais prevalente (18,1%) de insufici- tar-se de obstrução clinicamente significante. Dos casos
ência renal crônica pediátrica.5 Percentagem semelhante foi suspeitos no período pré-natal, pelo menos 50% desapa-
encontrada na França (10,2%)6 e na Suécia (20,9%).7 recem ou permanecem assintomáticos. Pode ser bilateral
Na população adulta na Índia, a prevalência de uropa- em 10 a 30% dos casos.
tia obstrutiva é de 2,1%.8 Vários fatores estão implicados na obstrução causada
A incidência de hidronefrose encontrada em necrópsi- pela estenose de JUP, mas acredita-se que o mais relevan-
as é de 3,1%.9 te seja a presença de um segmento de ureter aperistáltico,
com abundância de fibras colágenas, impedindo a progres-
são de urina. Por vezes, há o cruzamento da via excretora
ETIOLOGIA com um vaso hilar anômalo, levando à compressão da JUP.
Particularmente em crianças, a presença de refluxo
Uropatia obstrutiva é um problema comum na prática vésico-ureteral (RVU) maciço pode levar à dilatação da
clínica e deve ser sempre lembrada em casos de perda de pelve renal, mimetizando estenose da JUP, razão pela qual,
função renal, infecção urinária, distúrbio miccional, hema- nesta idade, o diagnóstico de estenose da JUP, primário,
túria ou dor de origem gênito-urinária. só pode ser estabelecido após avaliação por imagem da
Qualquer segmento do trato urinário pode ser local de presença ou não de RVU.
processo obstrutivo, do túbulo renal ao meato uretral. O ureter pode ser sede de obstrução devido a pregas de
Uma visão panorâmica, global, dos fatores causais de mucosa, válvulas (pregas de mucosa com músculo liso) e
obstrução do trato urinário encontra-se na Fig. 34.1. pólipos fibroepiteliais benignos.
Por questão de ordem didática, as causas de obstrução Ureter retrocava é o nome de uma anomalia venosa na
serão divididas em congênitas e adquiridas. gênese da veia cava inferior onde o ureter, geralmente o
direito, circunferencia a veia cava inferior, passando por trás
da mesma. O achado urológico sugere um J invertido, mas
Congênitas o diagnóstico definitivo é dado pela tomografia abdominal.
Entre as congênitas, em forma descendente, estenose da A estenose da junção ureterovesical (JUV) também pode
junção ureteropiélica (JUP) é a causa mais comum de hi- ocorrer e está associada ao megaureter congênito.

OBSTRUÇÃO DO TRATO URINÁRIO

Causas Congênitas Causas Adquiridas

Anatômicas Funcionais Intrínsecas Extrínsecas

Junção Disfunções Vesicais


Uretero-piélica Anatômicas Funcionais Mulher Homem
Neurogênicas
Rim Neurogênica
Aparelho Reprodutivo:
Ureter Aparelho Genital:
Tumores
Ureter Miogênica Gestação H.P.B.
Endometriose Ca. de Próstata
Junção
Abscessos
Uretero-vesical Bexiga Drogas

Uretra
Bexiga
Doenças do Trato
Gastro-intestinal
Externas ao
Meato Uretral Problemas Vasculares
Arteriais ou Venosos

Doenças do
Retroperitônio

Iatrogênicas
Fig. 34.1 Causas de uropatia obstrutiva.
622 Uropatia Obstrutiva

Ureterocele é a dilatação cística do ureter intramural e, Não só problemas anatômicos podem causar uropatia
por vezes, associada à estenose do meato ureteral. obstrutiva. A bexiga, que tem duas funções, armazenamen-
A presença de divertículo vesical, muitas vezes conco- to e eliminação de urina, pode ter esta última prejudicada
mitante à duplicidade pielo-ureteral, pode ser causa de por etiologia neurogênica como lesão medular, miogênica
obstrução ureteral ou mesmo vesical. como nas hiperdistensões prolongadas, e por ação de dro-
Ao nível uretral, a válvula de uretra posterior (VUP) é a gas, particularmente aquelas com ação anticolinérgica.
afecção mais temida. Ocorre só no sexo masculino e na Nestas circunstâncias poderá ocorrer retenção urinária e
maioria das vezes é diagnosticada antes da idade adulta, obstrução funcional.
através da cistouretrografia miccional. Apesar de não ser tão
freqüente, por obstruir o esvaziamento vesical, nos casos
EXTRÍNSECAS
severos compromete os rins, levando à insuficiência renal.
Entre as causas extrínsecas, algumas são próprias do
Patologias externas ao meato uretral como fimose e fu-
gênero. No homem, a próstata é sede de hiperplasia benig-
são labial são possíveis, mas não muito freqüentes, causas
na e maligna. Com o envelhecimento, aumentam as chan-
de uropatia obstrutiva, identificáveis ao exame físico.
ces de aparecerem sintomas decorrentes destas afecções.
Este conjunto de sintomas era conhecido anteriormente
Adquiridas como prostatismo, designação não mais recomendada, pois
não está relacionado exclusivamente a problemas prostá-
Entre a causas adquiridas de obstrução do trato uriná- ticos. Hoje é preferível empregar a expressão MUTI ou
rio, há que distinguir as intrínsecas (intraluminal e intra- LUTS, em inglês, Lower Urinary Tract Symptoms.
mural) e as extrínsecas. Na mulher, várias doenças do aparelho reprodutor,
como neoplasia de ovário, útero e vagina, e seus tratamen-
INTRÍNSECAS tos são causas extrínsecas de obstrução.
Há os depósitos tubulares de cristais de ácido úrico (ne- Das doenças benignas destacam-se os abcessos tubo-
fropatia úrica), indinavir e aciclovir. São de diagnóstico ovarianos, a endometriose, o prolapso uterino e as iatro-
difícil por imagem. A história clínica e o antecedente de genias cirúrgicas.
tratamento de neoplasia e AIDS são de fundamental im- A gravidez pode também ter efeito deletério sobre o tra-
portância. to urinário secundário à obstrução ureteral, principalmente
Entre as causas intrínsecas de uropatia obstrutiva, sem à direita, podendo, entretanto, ser bilateral.
dúvida a mais prevalente é a litíase urinária, podendo obs- Neoplasias e doenças inflamatórias, entre elas a doença
truir desde o cálice até o meato uretral. Em geral é unilate- de Crohn e a retocolite ulcerativa, podem levar à obstru-
ral e atinge o sexo masculino preferencialmente (3:1). O ção ureteral por contigüidade e extensão do processo in-
cálculo urinário pode impactar-se no ureter, nos pontos flamatório ou pela associação com litíase urinária.
mais estreitos como a JUP, o cruzamento com os vasos ilí- Pancreatite e abcesso periapendicular também são cau-
acos e a JUV, levando a aumento agudo da pressão intra- sas de obstrução do ureter direito.
luminal, à montante, e distensão abrupta da pelve e cáp- Algumas doenças vasculares, arteriais e venosas, devi-
sulas renais, causando dor. do à sua posição anatômica, podem comprometer o livre
Outras causas de cólica lombar além de litíase são: coá- fluxo urinário. Aneurismas da aorta abdominal e das ilía-
gulos oriundos de sangramento de lesões benignas ou cas, assim como iatrogênicas secundárias ao seu reparo
malignas e a migração de papilas renais, como ocorre na cirúrgico, podem obstruir o trato urinário superior.
papilite necrotizante resultante de abuso de analgésicos, Entre as obstruções devidas ao sistema venoso desta-
anemia falciforme e diabetes mellitus. cam-se a síndrome da veia ovariana, exclusiva do ureter
Tumores uroteliais, isto é, originários do epitélio de re- direito, a tromboflebite puerperal da veia ovariana e o ure-
vestimento mucoso do trato urinário, podem também, ao ter retrocava ou circuncava.
crescer ou sangrar, promover a obstrução urinária. A fibrose retroperitoneal idiopática (doença de Ormond)
Processos infecciosos como tuberculose e esquistosso- é uma entidade que acomete ambos os sexos, sendo duas
mose urinária, por estreitamento inflamatório, e candidí- vezes mais freqüente em homens, e tem seu pico de inci-
ase urinária, por fungus ball, podem também cursar com dência por volta da 5.ª e 6.ª décadas da vida. Acomete em
obstrução. geral o terço médio dos ureteres, podendo ser uni- ou bi-
Estenose de uretra em homens, pós-uretrite, trauma ou lateral. Apesar de idiopática, há situações clínicas associa-
instrumentação urológica, e em mulheres, por exemplo, das, como: uso crônico de metisergida para enxaqueca,
pós-radioterapia externa ou braquiterapia no tratamento presença de neoplasia maligna, arterite aórtica, colangite
de neoplasias ginecológicas, é situação que deve ser inves- esclerosante, tromboflebites e doença de Crohn.
tigada sempre que houver Manifestações Urinárias do Tra- Há também situações específicas em que ocorre obstru-
to Inferior (MUTI). ção ureteral por reação do retroperitônio.
capítulo 34 623

sódio e água e aumento do volume extracelular (volume-


Pontos-chave:
dependente).
• Muitas causas congênitas de obstrução do Nas obstruções completa ou parcial bilateral, podem-se
trato urinário só irão manifestar-se observar também sinais e sintomas decorrentes da insufi-
clinicamente na idade adulta ciência renal: anorexia, náuseas, vômitos, palidez cutânea,
fraqueza, perda da atenção/memória, sonolência, edema,
• Distúrbios funcionais da bexiga podem
dispnéia e insuficiência cardíaca congestiva.
comportar-se como processo obstrutivo
Polidipsia, poliúria, noctúria e sinais de acidose tubu-
• Obstruções infravesicais são potencialmente lar renal, tais como dispnéia, náuseas e vômitos, podem
mais graves por comprometerem ocorrer nos casos de obstrução crônica caracterizando al-
bilateralmente os rins, causando teração funcional e patológica renal, conhecida como ne-
insuficiência renal fropatia obstrutiva.

ASPECTOS CLÍNICOS ASPECTOS LABORATORIAIS


Dor e alterações miccionais são os principais sintomas Na obstrução bilateral observa-se elevação dos níveis
da uropatia obstrutiva. plasmáticos de uréia e creatinina e redução na depuração
A dor é devida à distensão da pelve, cápsula renal ou de creatinina.
bexiga (levando ao estiramento do peritônio que a recobre A hipercalemia pode acompanhar a acidose metabóli-
parcialmente). Quando ocorre obstrução proximal, como no ca hiperclorêmica e tornar-se um achado muito freqüente.
cálculo ureteral, a dor é em cólica, geralmente de forte in- O hemograma é importante para diagnóstico, pois a ane-
tensidade, na região lombar ou flanco, e pode irradiar-se mia é a principal conseqüência hematológica da insufici-
para a fossa ilíaca ipisilateral, testículo ou lábio genital. Por ência renal crônica e a leucocitose pode ser devida a infec-
outro lado, na estenose da junção ureteropiélica e neoplasia ção ou neoplasia hematológica.
pélvica a dor pode ser mínima ou ausente, pois o processo Na análise da urina pode-se observar hematúria na lití-
obstrutivo ocorre lentamente. Na obstrução baixa, aguda, ase ou neoplasia renal, leucocitúria na infecção urinária, e
ocorre distensão vesical e dor hipogástrica. Na fase aguda a proteinúria, quando presente, é menor que 2 gramas/dia.
do lesado medular, a distensão vesical pode ser indolor. Na obstrução aguda os exames urinários são semelhan-
Alterações miccionais como disúria, polaciúria e urgên- tes aos encontrados na insuficiência pré-renal (sódio ⬍ 20
cia miccional são comuns nas obstruções baixas (infrave- mEq/L, fração de excreção de sódio ⬍ 1% e osmolaridade
sicais). ⬎ 500 mOsm/L). Por outro lado, na obstrução crônica os
Os sintomas irritativos são ocasionados por contrações exames de urina assemelham-se à necrose tubular aguda
involuntárias do músculo detrusor e/ou infecção urinária (sódio ⬎ 20 mEq/L, fração de excreção de sódio ⬎ 1% e
secundária. osmolaridade ⬍ 350 mOsm/L).11
É comum a associação entre obstrução e infecção uriná- Na obstrução crônica os testes para avaliar a concentra-
ria, principalmente nas obstruções baixas. São fatores de- ção e a acidificação urinárias estão alterados.
terminantes o resíduo urinário e alterações na parede ve-
sical que propiciam adesão e crescimento bacteriano, além
de prejuízo dos mecanismos de defesa local. DIAGNÓSTICO
Litíase urinária é causa freqüente de uropatia obstruti-
va, mas pode ser também complicação da própria obstru- Como vimos, o prejuízo da função renal está relacionado
ção. Na infecção urinária por Proteus e Klebsiella, bactérias à intensidade e à duração da obstrução. Desta forma, o diag-
produtoras de urease promovem degradação da uréia que, nóstico precoce e correto da causa da obstrução torna-se
por hidrolisação, origina amônia e carbonato. A amônia fundamental quando se pretende minimizar o dano renal.
alcaliniza a urina, que precipita os sais de fosfato, forman- A história clínica, o exame físico e a bioquímica forne-
do cálculo de estruvita (fosfato amônio magnesiano hexai- cem informações muito importantes e servem de guia para
dratado).10 a escolha dos exames de imagem a empregar para estabe-
Hipertensão arterial pode ocorrer em função da ativa- lecer definitivamente o fator obstrutivo como agente etio-
ção do sistema renina-angiotensina, na obstrução aguda lógico e estimar sua repercussão sobre os rins.
unilateral. Há elevação da atividade plasmática de renina Na escolha do método de imagem, fatores como presen-
na veia do rim obstruído, similar à encontrada na hiper- ça de dor, infecção e comprometimento de função renal
tensão reno-vascular. Por outro lado, em pacientes com devem ser valorizados, assim como a ocorrência de gesta-
obstrução bilateral, a hipertensão é devida à retenção de ção ou diabetes, uma vez que todos os exames têm vanta-
624 Uropatia Obstrutiva

gens e riscos e sua indicação deve ser analisada individu- suspeitas de uropatia obstrutiva, a dissociação entre a hi-
almente caso a caso. pótese clínica e o achado de exame exige a realização de
outros procedimentos diagnósticos.

Radiografia Simples do Abdome


Pontos-chave:
É um exame simples que pode ser realizado na maioria
dos locais de pronto atendimento. • Anamnese e exame físico são muito úteis
Pode ser útil na suspeita clínica de cólica renal eviden- para diagnóstico da altura da obstrução do
ciando imagens radiopacas na projeção das vias excretoras. trato urinário
Permite visualizar o tamanho e o contorno dos rins in- • Ultra-sonografia é o primeiro exame na
formando sobre a possibilidade de hidronefrose, em obs- investigação da obstrução urinária
truções crônicas. • Ultra-som normal não exclui uropatia
obstrutiva
Ultra-sonografia
A ultra-sonografia é o método inicial de avaliação e tri- Urografia Excretora
agem quando se suspeita de obstrução do trato urinário em
função da sua eficiência e sensibilidade no diagnóstico da Até hoje, em alguns livros, lê-se que a urografia excre-
dilatação renal, ausência de uso de radiação ionizante, tora é o primeiro e melhor exame a ser realizado quando
baixo custo, alta disponibilidade, e fundamental para se suspeita de uropatia obstrutiva. Esta certamente não é
acompanhamento evolutivo seqüencial. a posição aceita pela maioria dos especialistas.
Este exame fornece informações sobre as conseqüênci- Apesar de muito útil, pois fornece dados definitivos
as da obstrução: tamanho dos rins, magnitude da hidro- sobre a anatomia do rim e vias excretoras, particularmen-
nefrose, espessura do parênquima renal (índice relativo de te dos ureteres, e sugestões do grau de lesão renal, apre-
dano permanente) e, eventualmente, também sobre a cau- senta um grande número de restrições. Inicialmente, em-
sa da obstrução. prega radiação ionizante, o que restringe seu uso indiscri-
Apesar de ter alta sensibilidade (probabilidade de que minado e repetido. Em gestantes, sua indicação deve ser
o teste seja positivo quando da existência da condição pes- rigorosamente analisada. O emprego de contraste iodado
quisada),12 para o diagnóstico de hidronefrose há que se ter endovenoso pode prejudicar a função renal de pacientes
cuidado com sua interpretação clínica. de alto risco, como diabéticos e indivíduos já com função
Primeiramente, é um exame “operador-dependente”, isto renal diminuída,13 além de causar mal-estar e alergias, al-
é, a capacidade técnica de quem faz influencia, em muito, a gumas bastante graves. Em casos de obstrução com dimi-
obtenção das imagens e sua conseqüente análise. Além dis- nuição da filtração glomerular, somente as radiografias re-
so, a ultra-sonografia ocasionalmente pode mostrar tama- tardadas, após 12 a 24 horas da injeção de contraste, dese-
nho e forma da via excretora sugerindo hidronefrose sem nharão a via excretora até o local do obstáculo.
contudo mostrar o fator obstrutivo. Nestes casos fica difícil Com o advento de modernos exames de imagem, o pa-
afirmar se se trata de uma simples variação anatômica com pel da urografia excretora no diagnóstico da uropatia obs-
baixa pressão no sistema urinário ou a real repercussão do trutiva está sendo redimensionado mas permanece como
dano na drenagem da via excretora. Achados falso-positi- um importante e útil exame em função de sua disponibili-
vos de hidronefrose ocorrem em casos de pelves extra-re- dade e eficiência em diagnosticar a maioria das causas de
nais, megacalicose congênita, cistos renais, particularmen- obstrução e conseqüentemente orientar a terapêutica.
te em paraplégicos, hiperidratação. A título de exemplo,
uma boa parte dos pacientes submetidos à derivação uriná-
ria tipo conduto ileal apresentam pelve e ureter dilatados Uretrocistografia Retrógrada e
sem que contudo haja obstrução ao fluxo urinário. Miccional
Podem ocorrer, também, falso-negativos em casos de
obstrução. A ultra-sonografia, apesar de ter alta especifi- Através da injeção de contraste iodado pelo meato ure-
cidade (probabilidade do resultado do teste ser negativo, tral, de modo retrógrado, avalia-se a anatomia da uretra
na ausência da condição pesquisada) pode deixar de apon- anterior (peniana e bulbar) principalmente.
tar pequenas dilatações em pelves intra-hilares, obstruções Quando o paciente urina o contraste acumulado na be-
de curta duração ou se o paciente estiver desidratado. Além xiga — cistouretrografia miccional — expõe-se a uretra
disso, o ultra-sonografista pode interpretar erroneamente prostática e membranosa (uretra posterior). É nesta fase
a dilatação calicial como múltiplos cistos parenquimatosos. que melhor se identificam as válvulas de uretra posterior.
Apesar de ser uma ferramenta de triagem muito útil em A realização deste exame na presença de infecção uri-
capítulo 34 625

nária pode ter repercussão sistêmica e só deve ser feito sob crianças, objetivando a distinção entre dilatação da via
controle, com cobertura antimicrobiana. excretora com obstrução ao fluxo de urina de simples di-
latação anatômica, sem obstrução (obstrução ⫻ dilata-
ção).
Tomografia Computadorizada A administração endovenosa de diurético — furose-
Tendo em vista sua alta sensibilidade, é um exame bas- mida — cerca de 20 minutos após a injeção endovenosa
tante eficiente no diagnóstico da uropatia obstrutiva e é do radioisótopo serve para evidenciar este ponto. Caso
uma opção válida e útil quando outros procedimentos, tais não haja obstrução, o diurético promoverá diurese, acar-
como ultra-sonografia e urografia excretora, falharam. retando queda da captação de radioatividade pela gama-
A tomografia computadorizada, mesmo realizada sem câmera.
contraste endovenoso, permite ver a via excretora particu- Quando há obstrução, não ocorre o wash-out e os índi-
larmente se estiver dilatada. Além disso, fornece informa- ces de radioatividade permanecerão inalterados, proximal-
ções sobre o que está ocorrendo “em volta” nas proximi- mente ao ponto de obstrução.
dades da via excretora, sendo muito útil nos casos de obs- Como fornece informações sobre a função renal relati-
trução extrínseca do ureter, identificando o fator causal. va, é empregado como mais um instrumento na tomada
Desta forma, pode ser empregada em pacientes com de decisão entre retirada ou preservação do rim obstruído
contra-indicação ao uso de contrastes iodados endoveno- e correção do fator obstrutivo. Serve também no acompa-
sos. nhamento pós-operatório de cirurgias reconstrutivas ava-
A tomografia computadorizada espiral é particularmen- liando a recuperação da função renal.
te eficiente no diagnóstico da litíase ureteral, tendo inclu-
sive maior sensibilidade que a urografia excretora neste
quesito.14
Pielografia Anterógrada ou Retrógrada
A visualização da pelve e ureter por injeção direta de
contraste, por via anterógrada (punção renal)17 ou retrógra-
Ressonância Magnética da (cateterização do meato ureteral), é um meio invasivo
Apesar de alguns pontos positivos, como não empregar de obter informações sobre detalhes anatômicos da via
contraste iodado nem radiação ionizante, trata-se de um excretora. Entretanto este pode fornecer a última palavra
método oneroso, com tempo de execução ao redor de 40- quando os exames anteriores falharem.
60 minutos, bom para a visualização da dilatação mas pou- Muitas vezes a pielografia é realizada na própria sala de
co sensível na identificação da litíase ureteral, em casos cirurgia, imediatamente antes do procedimento cirúrgico
agudos.15 visando corrigir a obstrução ou aliviar seus efeitos sobre o
Deve ser reservado, preferencialmente, para pacientes rim. Isso é particularmente verdade, pois a injeção de con-
com alteração da função renal ou com alergia ao emprego traste acima do local obstruído pode acompanhar a intro-
de contraste iodado. dução de microrganismos. Nestes casos têm-se uma infec-
ção de difícil controle e erradicação.

Renograma com Diurético


Pontos-chave:
Também conhecido como cintilografia renal com diuré-
tico (wash-out),16 é bastante empregado no diagnóstico e • Evitar uretrocistografia na presença de
acompanhamento evolutivo de dilatações do trato uriná- infecção urinária
rio superior. Tem como vantagens não empregar injeção • Cuidado com contraste iodado endovenoso
endovenosa de contraste iodado e expor o paciente à radi- na insuficiência renal (creatinina ⬎ 1,5
ação bem menor do que na urografia excretora. mgdL)
Fornece boas informações sobre a função relativa de • Tomografia computadorizada espiral sem
cada rim, de modo não-invasivo, em relação à função re-
contraste é o melhor método para o
nal total.
diagnóstico de litíase ureteral
Há pontos extremamente importantes que devem ser
levados em conta na análise final do exame, pois podem
influenciá-la, como os níveis séricos da creatinina e da hi-
peridratação. Nestas condições, desidratação e insuficiên- FISIOPATOLOGIA
cia renal, os rins terão dificuldade na capacidade de gerar
um fluxo urinário induzido pelo diurético capaz de eviden- A uropatia obstrutiva ocasiona alterações na hemodinâ-
ciar a eventual obstrução. mica glomerular e na função tubular.18 Os trabalhos pu-
Este teste tem sido bastante empregado também em blicados estudaram o modelo animal com obstrução ure-
626 Uropatia Obstrutiva

teral completa e aguda (24 horas), pois nessa situação as Função Tubular
alterações ficam mais evidentes.19
A uropatia obstrutiva é marcada por alteração no trans-
porte tubular. A deterioração desse transporte é dependen-
Hemodinâmica Glomerular te da duração e da severidade da obstrução. Esse defeito é
mais proeminente nos segmentos distais e é devido a dois
A obstrução do trato urinário é marcada por uma redu-
fatores: lesão intrínseca do epitélio tubular e ação hormo-
ção do fluxo sangüíneo renal (FSR) e do ritmo de filtração
nal extratubular.32
glomerular (RFG). Apresenta comportamento diferente
Na obstrução prolongada ocorrem lesões irreversíveis,
conforme o tipo de obstrução.20
tais como alterações inflamatórias crônicas do interstício
Na obstrução ureteral unilateral aguda, podem-se obser-
e atrofia tubular. Por outro lado, na obstrução recente ob-
var três fases distintas.21 Na primeira fase, com duração de
serva-se no túbulo proximal e porção espessa ascendente
2 horas, ocorre aumento da pressão ureteral e do FSR (va-
da alça de Henle edema mitocondrial e redução das inter-
sodilatação da arteríola aferente). Essa hiperemia inicial é
digitações na membrana basolateral, e nos ductos coleto-
decorrente da redução da pressão da parede vascular, uma
res, achatamento do epitélio e ampliação do espaço inter-
resposta miogênica reativa mediada por prostaglandinas.22
celular.33
Na segunda fase, até 5 horas, observa-se que o aumen-
Podem-se observar diminuição na capacidade de con-
to da pressão ureteral transmitida ao túbulo proximal pro-
centração urinária, alterações na reabsorção ou secreção de
porciona aumento da pressão hidrostática da cápsula de
sódio, potássio, fósforo, cálcio e magnésio e incapacidade
Bowman. Apesar de ocorrer também aumento da pressão
de acidificar a urina.34
do capilar glomerular (vasoconstricção da arteríola eferen-
Essas alterações tubulares são diagnosticadas após a li-
te), a diferença entre as pressões hidrostáticas diminui,
beração da obstrução e podem ter comportamento diferen-
resultando em redução do ritmo de filtração glomerular.
te na obstrução ureteral unilateral e bilateral.
Na terceira fase, após seis horas de obstrução, inicia-se
uma diminuição da pressão tubular proximal de tal mon-
ta que após 24 horas a pressão intratubular será igual ou Reabsorção de Sódio e Água
menor que a pressão prévia à obstrução. A despeito dessa
redução, ocorre uma diminuição do fluxo sangüíneo renal, Ao liberar a obstrução unilateral, a fração de excreção de
da pressão no capilar glomerular e do ritmo de filtração sódio é maior que no rim contralateral.35 Entretanto, a quan-
glomerular devido à vasoconstricção (pré- e pós-glomeru- tidade de sódio e água excretada é maior na pós-obstrução
lar) mediada pela angiotensina II,23 tromboxane A224 e hor- bilateral em comparação à unilateral (diurese pós-obstruti-
mônio antidiurético (HAD).25 va).36 Essa maior fração de excreção depende do nível plas-
Há evidências de redução na perfusão dos néfrons super- mático de uréia e da expansão do volume extracelular.
ficiais e aumento na perfusão dos néfrons justamedulares.26 A obstrução bilateral apresenta também níveis plasmá-
Em outras palavras, nas fases iniciais o aumento da pres- ticos elevados de peptídeo natriurético atrial (ANP),37
são tubular proximal contribui para a redução do ritmo de muito provavelmente pela hipervolemia.
filtração glomerular. Nas fases mais tardias esta redução é Ao estudar a reabsorção tubular de sódio ao longo do
perpetuada pela vasoconstricção. néfron, observa-se que no túbulo proximal dos néfrons
Na obstrução ureteral bilateral aguda, após 24 horas, superficiais ocorre aumento na obstrução unilateral38 e re-
ao contrário da obstrução unilateral, não ocorre redução dução na bilateral.39 Por outro lado, a reabsorção de só-
da pressão intratubular. O FSR e o RFG estão reduzidos em dio e água no túbulo proximal dos néfrons justamedula-
decorrência da vasoconstrição e da persistente hipertensão res é reduzida após a liberação da obstrução unilateral e
intratubular.27 bilateral.40
Na obstrução do trato urinário ocorre também infiltração Na porção espessa ascendente da alça de Henle, que é
de mononucleares no córtex e medula.28 Macrófago é o prin- menos permeável à água, tanto na obstrução unilateral
cipal mononuclear que aparece quatro horas após a obstru- quanto na bilateral, a reabsorção de cloreto de sódio está
ção com pico máximo em 24 horas. O segundo tipo de célu- diminuída, impondo uma redução na tonicidade do in-
la é o linfócito T supressor (CD8).29 A proliferação interstici- terstício medular, aumentando a excreção de água pela
al coincide com a redução do fluxo sangüíneo renal e do rit- diminuição de reabsorção desta na porção fina descen-
mo de filtração glomerular, mostrando que os mononucle- dente.41
ares poderiam, pelo menos em parte, causar estas alterações A redução de reabsorção de sal na porção espessa
hemodinâmicas através da liberação de tromboxane A2.30 pode ser devida ao decréscimo da atividade da Na⫹:K⫹:
Na período pós-obstrutivo, a manutenção da vasocons- ATPase basolateral pela elevação da prostaglandina E2
trição da arteríola aferente com redução da pressão do ca- (PGE2).42
pilar glomerular é responsável pela permanência do RFG Outros fatores que contribuem para hipotonicidade
reduzido.31 medular são: redução da reabsorção de uréia no ducto
capítulo 34 627

coletor e aumento do fluxo sangüíneo medular (lavagem Pode haver repercussão clínica devido ao aumento na
de solutos). excreção de magnésio decorrente da liberação da obstru-
ção uni- ou bilateral.49

Concentração Urinária
Metabolismo Renal
A obstrução do trato urinário promove uma incapaci-
dade na concentração urinária, que é produto da hipoto- A obstrução proporciona redução do consumo de oxi-
nicidade do interstício medular,43 e diminuição da sensi- gênio e da produção de dióxido de carbono, com aumento
bilidade do ducto coletor cortical à ação do HAD para re- do quociente respiratório, configurando o metabolismo
absorção de água. A infusão de vasopressina não concen- anaeróbio. A glicólise anaeróbica deve-se à lesão precoce
tra a urina.44 Essa menor sensibilidade pode ser decorren- da mitocôndria, estando os níveis de ATP reduzidos de 50
te da redução na expressão de aquaporina 2 — canal de a 70%.50 O túbulo proximal reduz a gliconeogênese e a ca-
água sensível ao HAD, localizado nas células principais dos pacidade de produzir amônia a partir da glutamina (amo-
ductos coletores.45 niogênese).51
A resultante hidroeletrolítica dessa poliúria hipotônica Pode-se também constatar aumento da síntese de trigli-
é desidratação com hipernatremia. cérides por diminuição da oxidação de ácidos graxos e
aumento da liberação de ácidos graxos dos fosfolípides por
aumento da fosfolipase.52
Secreção de Potássio e
Acidificação Urinária Pontos-chave:
Em pacientes com uropatia obstrutiva, a fração de ex- • Obstrução urinária reduz o fluxo sangüíneo
creção de potássio é menor em comparação à observada renal e o ritmo de filtração glomerular
em renais crônicos.46 Então é comum o aparecimento da • Uropatia obstrutiva causa redução na
acidose tubular renal distal (acidose hiperclorêmica,
concentração urinária
hipercalêmica, hiato aniônico normal e pH urinário alcali-
no). As causas plausíveis para explicá-la são: 1) redução na
produção de renina (acidose tubular renal distal tipo 4 —
hiporreninêmica e hipoaldosteronêmica); 2) diminuição da DIURESE PÓS-OBSTRUTIVA
sensibilidade do túbulo distal à ação da aldosterona; 3)
redução da secreção de íons H⫹ pelas células intercaladas Poliúria (⬎ 125 ml/hora)53 ocorre após a liberação da
do túbulo distal, por diminuição da produção de amônia obstrução bilateral, com excreção de grande quantidade de
no túbulo proximal e de secreção de ácido titulável (fosfa- água e eletrólitos, podendo resultar em hipocalemia, hipo-
to) no túbulo distal. natremia ou hipernatremia e hipomagnesemia.54
É importante salientar que na liberação da obstrução É autolimitada, com duração de até uma semana. Para
bilateral pode ocorrer aumento da secreção de potás- se avaliar a necessidade da reposição de água e eletrólitos,
sio pelo túbulo distal em virtude da diurese pós-obstru- deve-se levar em conta peso, sinais vitais, volume uriná-
tiva. rio, grau de hidratação e nível plasmático dos íons.
Vários mecanismos55 estão implicados para explicar essa
diurese abundante: 1) expansão do volume extracelular; 2)
Reabsorção de Fósforo, Cálcio e acúmulo de uréia plasmática; 3) alteração da função tubu-
Magnésio lar (diminuição da reabsorção de sódio e água/redução da
capacidade de concentração urinária); 4) diminuição da
Ocorre aumento na excreção urinária de fósforo após a sensibilidade do túbulo distal à ação da aldosterona e ducto
liberação da obstrução ureteral bilateral. Esse aumento é coletor ao HAD; 5) aumento dos níveis plasmáticos de
diretamente proporcional ao acúmulo de fósforo plasmá- ANP.56
tico no período obstrutivo.47
A excreção de cálcio pode estar aumentada ou diminu-
ída, dependendo da espécie estudada ou do tipo de obs- FIBROSE INTERSTICIAL E
trução.
A fração de excreção de cálcio no homem está aumen- LESÃO TUBULAR
tada após a liberação da obstrução bilateral.48 Em ratos a IRREVERSÍVEL
excreção não apresenta variação nesse tipo de obstrução.
Por outro lado, a paratireoidectomia em ratos promove A fibrose intersticial tem início após três dias de obstru-
aumento na fração de excreção de cálcio. ção. Várias citocinas são secretadas pelos macrófagos e lin-
628 Uropatia Obstrutiva

fócitos T supressores que estimulam a proliferação de fi- A idade do paciente por ocasião do diagnóstico da uro-
broblastos, produzindo colágenos tipo I, III e IV. Os colá- patia obstrutiva pode nos alertar sobre problemas associa-
genos tipo I e III estão aumentados somente no interstício. dos. Por exemplo, em lactentes e crianças, a maioria das
O colágeno tipo IV está depositado em ambos: interstício obstruções são causadas por malformações congênitas. Em
e membrana basal tubular. Este aumento provavelmente obstruções intra-útero baixas, severas, como em casos de
contribui para as alterações na função tubular.57 válvula de uretra posterior, existirá oligúria e oligoidrâm-
A angiotensina II pode, além de seu efeito hemodinâ- nio e conseqüente hipoplasia pulmonar. A cirurgia fetal tem
mico, apresentar também ação pró-inflamatória e pró- raras indicações e é feita sob critérios muito rígidos, com
fibrogênica. A administração de inibidor da enzima con- indicação em menos de 1% dos casos de hidronefrose diag-
versora da angiotensina I ou antagonista do receptor (AT1) nosticada intra-útero. Às vezes, o sexo, masculino ou femi-
da angiotensina II pode minimizar a fibrose intersticial em nino, tem implicações no diagnóstico causal da obstrução.
animais com obstrução unilateral.58 Tumores ginecológicos podem comprometer o fluxo uriná-
A lesão tubular irreversível pode ser decorrente de qua- rio tanto em nível ureteral quanto uretral e o tratamento da
tro fatores: obstrução deve considerar a doença de base, seu prognósti-
1) aumento da pressão intratubular; 2) isquemia propor- co e suas próprias perspectivas terapêuticas.
cionada pela angiotensina II e tromboxane A2; 3) infiltra- O caráter da obstrução, se aguda ou crônica, tem reper-
ção de macrófagos e linfócitos T, liberando proteases e ra- cussão direta sobre a intensidade da lesão, da nefropatia
dicais livres de oxigênio; 4) fibrose intersticial. obstrutiva, e a espessura do parênquima remanescente,
além da cintilografia renal, serão úteis para estimar, ainda
que de modo impreciso, o potencial de recuperação renal.
Pontos-chave: Lateralidade e intensidade da obstrução têm implicações
• Ocorre poliúria (⬎ 125 ml/hora) após diretas sobre a gravidade do quadro clínico. Obstruções bi-
liberação da obstrução bilateral laterais e completas associam-se a anúria e diminuição da
• A diurese pós-obstrutiva pode ocasionar função renal. O tempo para desobstrução nestes casos é vi-
tal. Por outro lado, obstrução unilateral, mesmo que total,
desidratação, hipocalemia, hipo- ou
pode cursar com função renal normal. Nesta situação, a
hipernatremia e hipomagnesemia
menos que haja infecção, não há risco de morte, mas o mon-
tante da lesão renal é função do tempo de obstrução. Obs-
truções parciais, crônicas, associam-se a disfunção tubular e,
TRATAMENTO ocasionalmente, perda excessiva de água (diabetes insípido
nefrogênico), além de sódio, cloro e bicarbonato pela urina.
É extremamente ampla a gama de opções terapêuticas As obstruções vesicais e infravesicais têm potencial de
frente à uropatia obstrutiva. Vários são os aspectos a se- gravidade maior, pois repercutem nos dois rins. O catete-
rem considerados (Fig. 34.2). rismo vesical de demora ou intermitente é solução eficiente

Idade e Sexo

Potencial Risco de Vida Aguda ou Crônica

Presença e Gravidade
Uni- ou Bilateral
de Co-morbidades

Presença e Intensidade Parcial ou Total


de Alt. Hidroeletrolíticas

Lesão Renal
Transitória ou Definitiva
Uropatia Obstrutiva Nível da Obstrução

Função Renal Normal Intrínseca ou


ou Diminuída Extrínseca

Presença ou Ausência Anatômica ou


de Infecção Funcional

Intensidade dos Fator Obstrutivo: Possibilidade


Sintomas e Melhor Momento

Fig. 34.2 Check List que precede o planejamento terapêutico da uropatia obstrutiva.
capítulo 34 629

mas nem sempre possível. Estenoses severas de uretra ou corrigidas antes de qualquer intervenção. Quando associadas
falsos trajetos conseqüentes a manobras inadequadas em a co-morbidades, podem pôr a vida do paciente em risco.
tentativas de cateterização pregressas podem determinar a Em face do exposto, vemos que a tomada de decisão fren-
necessidade de derivação externa como cistostomia. te à uropatia obstrutiva é muitas vezes complexa e exige
A mais freqüente causa de obstrução intrínseca é a uro- experiência e conhecimento das opções técnicas disponíveis,
litíase, e seu tratamento, quando necessário, pode ser to- muitas das quais foram aqui apenas mencionadas.
talmente endoscópico, sem necessidade de incisões cutâ-
neas. Outra alternativa muito pouco invasiva para estes
casos é a LECO — Litotripsia Extracorpórea por Ondas de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Choque. Ocasionalmente, em lesões extrínsecas tumorais
metastáticas onde ações sobre o fator obstrutivo são ino- 1. KLAHR, S. Obstructive nephropathy. Intern Med, 39(5):355-361, 2000.
portunas, pode-se obter a redução da pressão intralumi- 2. EKNOYAN, G. Michelangelo: Art, anatomy, and the kidney. Kid-
ney Int, 57:1190-1201, 2000.
nal acima do ponto da obstrução mediante a colocação de
3. United States Renal Data System — USRDS: Annual data report. 2001.
um cateter reno-vesical, interno, chamado cateter ureteral 4. United States Renal Data System — USRDS: Annual data report. II.
tipo duplo J ou “pig tail”. Este tubo multiperfurado trans- Incidence and prevalence of ESRD. Am J Kidney Dis, 18(2):S34-S47,
põe a obstrução, garantindo a passagem de urina. Um lem- 1996.
5. LAGOMARSIMO, E.; VALENZUELA, A.; CAVAGNARO, F.; SO-
brete bastante oportuno: os cateteres empregados para LAR, E. Chronic renal failure in pediatrics 1996 — Chilean survey.
desobstruir o trato urinário também podem se obstruir! Pediatr Nephrol 13:288-291, 1999.
Às vezes, as condições clínicas do paciente, por exemplo, 6. DELEAU, J.; ANDRE, J.; BRIANCON, S.; MUSSE, J. Chronic renal
com infecção associada a hiperpotassemia e acidose grave, failure in children: an epidemiological survey in Lorraine (France)
1975-1990. Pediatr Nephrol, 8:472-476, 1994.
obrigam o urologista a apenas desobstruir o sistema uriná- 7. ESBJÖRNER, E.; BERG, U.; HANSSON, S. Epidemiology of chro-
rio sem atuar sobre a causa. Manipulações prolongadas e nic renal failure in children: a report from Sweden. Pediatr Nephrol
que implicam aumento da pressão na via excretora obstru- 11:438-442, 1997.
ída, na vigência de infecção urinária, são muitas vezes ca- 8. AGARWAL, S.K.; DASH, S.C. Spectrum of renal diseases in Indian
adults. J Assoc Physicians India, 48(6):594-600, 2000.
tastróficas, causando urossepse e eventualmente o óbito. 9. BELL, E.T. Renal diseases. Philadelphia, Lea & Febiger, 1950.
Cólica renal por litíase é um bom exemplo de obstrução 10. PENA, C.J.M.; SCHOR, N. Uropatia obstrutiva. In Schor, N., Heil-
aguda unilateral, portanto, na maioria das vezes, sem riscos berg, I.P. (eds) Calculose Renal: fisiopatologia, diagnóstico e tratamento.
graves de vida, mas que, por dor e desconforto intensos, exi- Sarvier, São Paulo, 115-128, 1995.
11. KLAHR, S.; BUERKERT, J.; MORRISON, A. Urinary tract obstruc-
ge vez por outra a desobstrução do ureter ou pelve renal. tion. In Brenner, B.M.; Rector, F.C. (eds) The Kidney, 3rd ed. WB Saun-
As obstruções ureterais crônicas progridem de forma ders, Philadelphia, 1443-1490, 1986.
insidiosa e, silenciosamente, podem levar à perda defini- 12. RAO, K.G.; HACKLER, R.H.; WOODLIEF, R.M. Real-time renal
tiva de função do rim comprometido. sonography in spiral cord injury patients. Prospective comparison
with excretory urography. J Urol, 135:72, 1986.
As obstruções infravesicais agudas são potencialmente 13. PARFREY, P.S.; GRIFFITHS, S.M.; BARRETT, B.J. Contrast materi-
muito dolorosas mas podem manifestar-se por incontinên- al-induced renal failure in patients with diabetes mellitus, renal in-
cia paradoxal ou transbordamento. Infecção é uma com- sufficiency or both. N Engl J Med, 320:143-149, 1989.
plicação temida na vigência de obstrução. Os efeitos dele- 14. KAYE, A.D.; POLLACK, H.M. Diagnostic imaging approach to the
patient with obstructive uropathy. Sem Nephrol, 2:55-73, 1982.
térios sobre o rim ficam potencializados, além dos riscos 15. ROY, C.; SAUSSINE, C.; GUTH, S. MR urography in the evaluation
de septicemia e suas funestas conseqüências. Sua ocorrên- of urinary tract obstruction. Abdom Imaging, 23:27-34, 1998.
cia deve ser sempre lembrada mesmo na ausência de ma- 16. ENGLISH, P.J.; TESTA, H.J.; LAWSON, R.S. Modified method of
nifestações febris, particularmente nos idosos. Sua conco- diuresis renography for the assessment of equivocal pelviureteric
junction obstruction. Br J Urol, 59:10-14, 1987.
mitância com obstrução do trato urinário exige pronta atu- 17. DAVIDSON, A.J. Radiologic contrast studies. In O’Reilly, P.H.;
ação visando a descompressão da área acima do obstácu- George Jr, N.; Weiss, R.M. (eds) Diagnostic Techniques in Urology. WB
lo. Seu tratamento é particularmente difícil enquanto não Saunders, Philadelphia. 1-12, 1990.
se obtiver a desobstrução do sistema. 18. KLAHR, S.; HARRIS, K.P.G.; PURKERSON, M.L. Effects of obstruc-
tion on renal functions. Pediatr Nephrol, 2:34-42, 1988.
Função renal diminuída pode ser importante obstáculo 19. KLAHR, S.; HARRIS, K.P.G. Obstructive uropathy. In Seldin, D.W.;
para estabelecer-se a abordagem terapêutica, pois restrin- Giebisch, G. (eds) The Kidney: Physiology and Pathophysiology, 2nd ed.
ge os métodos diagnósticos de imagem que se valem da Raven Press, New York, 3327-3369, 1992.
excreção renal do contraste. Esta diminuição pode dever- 20. GULMI, F.A.; FELSEN, D.; VAUGHAN, Jr. E.D. Pathophysiology
of urinary tract obstruction. In Walsh, P.C.; Retik, A.B.; Vaughan Jr,
se também à co-morbidades, não sendo exclusivamente
E.D.; Wein, A.J. (eds) Campbell’s Urology, 7th ed. 342-385, 1998.
conseqüência da obstrução. 21. MOODY, T.E.; VAUGHAN Jr, E.D.; GILLENWATER, J.Y. Relati-
Em casos onde a função renal esteja definitivamente onship between renal blood flow and ureteral pressure during 18
comprometida e extremamente reduzida, a melhor tera- hours of total unilateral ureteral occlusion. Invest Urol, 13: 246-251, 1975.
22. FRANCISCO, L.L.; HOVERSTEN, L.G.; DiBONA, G.F. Renal ner-
pêutica pode ser, inclusive, a nefrectomia.
ves in the compensatory adaptation to ureteral occlusion. Am J Phy-
Alterações hidroeletrolíticas e metabólicas podem ser siol, 238:229-234, 1980.
conseqüências da disfunção renal e devem ser avaliadas e 23. YARGER, W.E.; SCHOCKEN, D.D.; HARRIS, R.H. Obstructive
630 Uropatia Obstrutiva

nephropathy in rat: possible roles for the renin-angiotensin system, 47. BECK, N. Phosphaturia after release of bilateral ureteral obstructi-
prostaglandins and thromboxanes in postobstructive renal functi- on in rats. Am J Physiol, 237:F14-F19, 1979.
on. J Clin Invest, 65:400-412, 1980. 48. BETTER, O.S.; TUMA, S.; RICHTER-LEVIN, D. Intrarenal resetting
24. PURKERSON, M.L.; KLAHR, S. Prior inhibition of vasoconstrictors of glomerulotubular balance in a patient with post-obstructive uro-
normalizes GFR in postobstructed kidneys. Kidney Int, 35:1305-1314, pathy. Nephron, 9:131-145, 1973.
1989. 49. PURKERSON, M.L.; SLATOPOLSKY, E.; KLAHR, S. Urinary excre-
25. REYES, A.A.; ROBERTSON, G.; KLAHR, S. Role of vasopressin in tion of magnesium, calcium and phosphate after release of unilate-
rats with bilateral ureteral obstruction. Proc Soc Exp Biol Med, 197: ral ureteral obstruction in the rat. Miner Electrolyte Metab, 6:182-189,
49-55, 1991. 1981.
26. HARRIS, R.H.; YARGER, W.E. Renal function after release of uni- 50. MIDDLETON, G.W.; BEAMON, C.R.; PANKO, W.B. Effect of ure-
lateral ureteral obstruction in rats. Am J Physiol, 227:806-815, 1974. teral on the renal metabolism of alfa-ketoglutarate and other
27. GULMI, F.A.; MATHEWS, G.J.; MARION, D. Volume expansion substrates in vivo. Invest Urol, 14:255-262, 1977.
enhances the recovery of renal function and prolongs the diuresis 51. BLONDIN, J.; PURKERSON, M.L.; ROLF, D. Renal function and
and natriuresis after release of bilateral ureteral obstruction. A pos- metabolism after relief of unilateral ureteral obstruction. Proc Soc Exp
sible role for atrial natriuretic peptide. J Urol, 153:1276-1283, 1995. Biol Med, 150:71, 1975.
28. KLAHR, S. Nephrology Forum: Obstructive nephropathy. Kidney 52. TANNENBAUM, J.; PURKERSON, M.L.; KLAHR, S. Effect of uni-
Int, 54:286-300, 1998. lateral ureteral obstruction on metabolism of renal lipids in the rat.
29. SCHREINER, G.F.; HARRIS, K.P.G.; PURKERSON, M.L.; KLAHR, Am J Physiol, 245:254-262, 1983.
S. Immunological aspects of acute ureteral obstruction: Immune cell 53. COE, F.L. Alterations in urinary function. In Isselbacher, K.J.; Braun-
infiltrate in kidney. Kidney Int, 34:487-493, 1988. wald, E.; Wilson, J.D. (eds) Harrison’s Principles of Internal Medicine,
30. HARRIS, K.P.G.; SCHREINER, G.F.; KLAHR, S. Effect of leukocyte 13th ed. New York: McGraw-Hill, 235-241, 1994.
depletion on the function of the post-obstructed kidney in the rat. 54. PETERSON, L.J.; YARGER, W.E.; SCHOCKEN, D.D.; GLENN, J.F.
Kidney Int, 36:210-215, 1989. Post-obstructive diuresis: A varied syndrome. J Urol, 113:190-194,
31. Dal CANTON, A.; CORRADI, A.; STANZIALE, R. Glomerular he- 1975.
modynamics before and after release of 24-hour bilateral ureteral 55. GONZALEZ, J.M.; SUKI, W.N. Polyuria and nocturia. In Massry,
obstruction. Kidney Int, 17:491-496, 1980. S.G.; Glassock, R.J. (eds) Textbook of Nephrology, 3rd ed. Baltimore,
32. CURHAN, G.C.; McDOUGAL, W.S.; ZEIDEL, M.L. Urinary tract Williams & Wilkins, 547-552, 1995.
obstruction. In Brenner, B.M.; Rector, F.C. (eds) The Kidney, 6th ed. 56. GULMI, F.A.; MOOPPAN, U.M.M.; CHOU, S.Y.; KIM, H. Atrial
WB Saunders, 1820-1843, 2000. natriuretic peptide in patients with obstructive uropathy. J Urol,
33. McDOUGAL, W.S.; RHODES, R.S.; PERSKY, L. A histochemical and 142:268-272, 1989.
morphologic study of postobstructive diuresis in the rat. Invest Urol, 57. KANETO, H.; MORRISSEY, J.; McCRACKEN, R.; REYES, A.;
14:169-176, 1976. KLAHR, S. Enalapril reduces collagen type IV synthesis and expan-
34. KLAHR, S. Obstructive nephropathy: Pathophysiology and mana- sion of the interstitium in the obstructed rat kidney. Kidney Int,
gement. In Schrier, R.W. (ed) Renal and Electrolyte Disorders. 5th ed. 45:1637-1647, 1994.
Lippincott-Raven, 544-589, 1977. 58. KLAHR, S.; MORRISSEY, J.J. Comparative study of ACE inhibitors
35. BUERKERT, J.; MARTIN, D.; HEAD, M. Deep nephron function after and angiotensin II receptor antagonists in interstitial scarring. Kid-
release of acute unilateral ureteral obstruction in young rat. J Clin ney Int, 63:S111-S114, 1997.
Invest, 62:1228-123, 1978.
36. PETERSON, L.J.; YARGER, W.E.; SCHOCKEN, D.D. Post-obstruc-
tive diuresis. A varied syndrome. J Urol, 113:190-194, 1975. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
37. PURKERSON, M.L.; BLAINE, E.H.; STOKES, T.J. Role of atrial pep-
tide in the natriuresis and diuresis that follows relief of obstruction Obstructive nephropathy
in rats. Am J Physiol, 256:583-589, 1989. http://www.bcm.tmc.edu/lrc/OBSTNEPH/sld001.htm
38. HARRIS, R.H.; YARGER, W.E. Renal function after release of uni- Obstructive uropathy — Overview
lateral ureteral obstruction in rats. Am J Physiol, 227:806-815, 1974. http://www.iowaclinic.com/adam/ency/article/000507.shtml
39. YARGER, W.E.; AYNEDJIAN, H.S.; BANK, N. A micropuncture Obstructive uropathy
study of postobstructive diuresis in the rat. J Clin Invest, 51: 625-637,
http://rogbruce.home.texas.net/3aObstrucUropathy_files/
1972.
40. BUERKERT, J.; HEAD, M.; KLAHR, S. Effects of acute bilateral ure- frame.htm
teral obstruction on deep nephron and terminal collecting duct func- PowerPoint Presentation
tion in the young rat. J Clin Invest, 59:1055-1065, 1977. http://www.kumc.edu/instruction/medicine/pathology/ed/
41. HANLEY, M.J.; DAVIDSON, K. Isolated nephron segments from ch_16/Kidney-files/frame.htm#slide0001.htm
rabbit models of obstructive nephropathy. J Clin Invest, 69:165-174, Diseases Affecting Tubules and Interstitium
1982. http://www.nephrologychannel.com/crf/
42. STOKES, J.B. Effect of prostaglandin E2 on chloride transport across
Atlas of Kidney Diseases — Table of Contents
the rabbit thick ascending limb of Henle: Selective inhibition of the
medullary portion. J Clin Invest, 64:495-502, 1979. http://www.kidneyatlas.org/toc.htm
43. YARGER, W.E. Urinary tract obstruction. In Brenner, B.M.; Rector, Campell’s Urology, 7th Ed
F.C. (eds) The Kidney, 4th ed. WB Saunders, Philadelphia, 1768-1808, http://www.hanilmed.com/division/titleimg/urology/
1991. walsh.html
44. KNOWLAN, D.; CORRADO, M.; SCHREINER, G.E. Periureteral Chronic Renal Failure (CRF) — nephrologychannel
fibrosis, with a diabetes insipidus-like syndrome occuring with pro- http://www.nephrologychannel.com/crf/
gressive partial obstruction of a ureter unilaterally. Am J Med, 28: 22-
THE MERCK MANUAL, Sec. 17, Genitourinary Disorders
31, 1960.
45. ZEIDEL, M.L. Recent advances in water transport. Semin Nephrol, http://www.merck.com/pubs/mmanual/section17/sec17.htm
18:167-178, 1998.
46. BATLLE, D.C.; ARRUDA, J.A.L.; KURTZMAN, N.A. Hyperkalemic
distal renal tubular acidosis associated with obstructive uropathy.
N Engl J Med, 304:373-380, 1981.
Capítulo
Tumores Renais
35 Fernando Meyer e Luiz Sergio Santos

TUMORES RENAIS BENIGNOS Diagnóstico diferencial


Cistos simples Estadiamento
Angiomiolipoma Tratamento
Oncocitoma Controle de cura
Adenoma Prognóstico
TUMORES RENAIS MALIGNOS Sarcomas
Carcinoma de células renais Outros tumores renais
Epidemiologia Tumores metastáticos
Etiologia Tumor de Wilms
Patologia Carcinoma de pelve renal
Biologia molecular e imunologia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
História natural BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Diagnóstico ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

Os tumores do rim representam cerca de 2 a 3% de to-


Quadro 35.1 Tumores renais — Classificação
dos os tumores no adulto. Com o advento e ampla utiliza-
ção de novas técnicas de imagem, a freqüência no diagnós- TUMORES BENIGNOS TUMORES MALIGNOS
tico de massas renais tem aumentado significativamente.
Estas podem ter origem parenquimatosa ou de via excre- • Cisto simples • Carcinoma de células
tora (pelve renal), serem sólidas, císticas ou mistas (com- • Angiomiolipoma renais
plexas); malignas ou benignas; primárias ou metastáticas; • Oncocitoma • Carcinoma de células
• Adenoma claras
simples ou múltiplas, e uni- ou bilaterais. De uma manei-
• Leiomioma • Carcinomas
ra simplificada, os tumores renais podem ser classificados
• Lipoma cromófilos
em benignos e malignos, como demonstrado no Quadro • Hemangioma • Carcinomas
35.1. • Fibroma cromófobos
• Tumores • Carcinomas dos
justaglomerulares ductos coletores
• Carcinomas não-
TUMORES RENAIS BENIGNOS classificáveis
• Sarcomas
Os tumores benignos do rim passaram a ser diagnosti- • Tumor de Wilms
cados com maior freqüência após a introdução de novos • Carcinoma da pelve
métodos de imagem em nosso meio, principalmente a ul- renal
tra-sonografia, a tomografia computadorizada (TC) e a
632 Tumores Renais

ressonância nuclear magnética (RNM). Com a evolução


tecnológica destes e de outros equipamentos de imagem,
a sensibilidade no diagnóstico das massas renais tem au-
mentado significativamente. No entanto, em determinadas
situações, sua diferenciação dos tumores malignos pode
gerar dúvidas.1
Estes tumores podem originar-se de qualquer um dos
múltiplos tipos celulares que compõem o rim. Os mais
comuns são o cisto cortical simples, o angiomiolipoma, o
oncocitoma e o adenoma, sendo raros o leiomioma, o lipo-
ma, o hemangioma e os tumores das células justaglome-
rulares.

Cistos Simples
Os cistos renais simples são, talvez, as lesões renais be- Fig. 35.2 TC — cisto cortical simples em rim esquerdo.
nignas mais comuns, ocorrendo em cerca de 25% da po-
pulação. Aproximadamente 70% das massas renais inci-
dentais são cistos simples e na sua maioria não têm signi-
ficado clínico. Apresentam-se como uma cavidade em ge-
ral arredondada, de paredes finas e revestida por epitélio
contendo no seu interior líquido seroso claro. Têm maior
importância quando são volumosos, podendo causar sin-
tomas clínicos como dor lombar, microematúria e massa
palpável em flanco, ou quando são complexos, bocelados
ou hemorrágicos, situações em que pode tornar-se difícil
o diagnóstico diferencial com tumores renais malignos.2
Os cistos podem ser únicos ou múltiplos e unilaterais
ou bilaterais. O diagnóstico, em geral realizado por meio
de ultra-sonografia, tomografia computadorizada e even-
tualmente ressonância nuclear magnética, confirma a lesão
em aproximadamente 98% dos casos (Figs. 35.1 a 35.3). A
conduta é em geral expectante, com controle radiográfico

Fig. 35.3 RNM — pequeno cisto renal periférico.

anual. Por vezes, na presença de cistos complexos, a real


natureza da lesão só é confirmada durante exploração ci-
rúrgica.

Angiomiolipoma
Estes tumores, também denominados de hamartomas,
são tumores mesenquimais benignos constituídos de teci-
do muscular liso, vasos sangüíneos e tecido adiposo e re-
presentam cerca de 3% dos tumores renais sólidos (Figs.
35.4 e 35.5).
Acometem com maior freqüência mulheres entre a 5.ª e
a 6.ª década da vida e tendem a ser solitários e unilaterais
em 80% dos casos. Em cerca de 20% das vezes estão asso-
ciados a esclerose tuberosa, doença de caráter familiar e
Fig. 35.1 Cisto simples de pólo renal superior observado na ul- hereditária, que se caracteriza por retardo mental, epilep-
tra-sonografia. sia e adenoma sebáceo.3 Nesta situação, apresentam-se
capítulo 35 633

Fig. 35.4 Angiomiolipoma — macroscopia.

geralmente como lesões multifocais, pequenas e bilaterais.


A possibilidade de ocorrência simultânea com carcinoma Fig. 35.6 Área hiperecogênica demonstrada na ultra-sonografia
de células renais deve ser sempre considerada, necessitan- correspondendo a angiomiolipoma renal.
do de acompanhamento cuidadoso destes pacientes.
As manifestações clínicas da doença em geral são escas-
sas, cursando eventualmente com quadro de dor lombar, 35.7). Estes sinais radiológicos, no entanto, não são especí-
massa palpável em flanco, hipertensão arterial e hematú- ficos e requerem cautela na sua interpretação.
ria, observada em cerca de 30% dos casos. Na presença de O tratamento destas lesões está diretamente relaciona-
tumores grandes, acima de 4 cm, a ruptura pode levar a do ao tamanho do tumor e das suas manifestações clíni-
profuso sangramento com formação de grande hematoma cas. Os tumores pequenos tendem a causar menos sinto-
retroperitoneal e por vezes ao choque hipovolêmico.4 A mas e em geral são acompanhados clinicamente por meio
grande maioria, no entanto, é assintomática e diagnostica- de exames de imagem realizados anualmente. Nos tumo-
da incidentalmente por meio de ultra-sonografia ou TC so- res grandes, a possibilidade de sangramento e dor lombar
licitadas por motivos outros que não a patologia renal. Es- pelo volume tumoral é maior e requerem com freqüência
tes exames de imagem revelam freqüentemente a natureza alguma forma de terapia. Em pacientes sintomáticos e na
da lesão com bastante eficácia. A ultra-sonografia pode de- vigência de sangramento, empregam-se condutas mais
monstrar área hiperecogênica e bem delimitada, enquanto agressivas através de embolização do tumor, nefrectomia
a TC revela áreas hipodensas, representadas pelo alto teor parcial ou nefrectomia total. Na presença de lesões múlti-
de gordura característica dos angiomiolipomas (Figs. 35.6 e plas e que não apresentam as características clássicas dos
angiomiolipomas nos exames de imagem ou que conte-

Fig. 35.5 Microfotografia de angiomiolipoma constituído por


músculo liso, adipócitos e vasos sangüíneos com paredes espes- Fig. 35.7 Angiomiolipoma observado por exame de TC eviden-
sas (HE ⫻ 200). ciando áreas hipodensas em superfície cortical do rim D.
634 Tumores Renais

nham calcificações no seu interior, a nefrectomia parece ser


a conduta mais indicada.5

Pontos-chave:
• Tumores benignos compostos por tecido
muscular, adiposo e vasos sangüíneos
• Predominantemente assintomáticos e não
requerem tratamento
• Tumores ⬍ 4 cm — Ecografia ou TC
anualmente
• Tumores ⬎ 4 cm e assintomáticos —
Ecografia ou TC a cada seis meses
Fig. 35.8 Macroscopia. Oncocitoma. Cortesia da Dra. Teresa Fi-
gueiredo.
Oncocitoma
Este tumor do córtex renal é comumente detectado de
modo incidental em estudos radiográficos, representando
cerca de 3 a 7% dos tumores renais sólidos.6
Normalmente unilaterais, podem, no entanto, acometer
os dois rins. Em geral são pequenos e assintomáticos, po-
rém hematúria, massa em flanco e dor abdominal podem
estar presentes.
Em mãos experientes algumas características radiológi-
cas podem sugerir o diagnóstico, no entanto há vários as-
pectos que se sobrepõem ao carcinoma renal.2 Ecografia, TC,
RNM e angiografia são freqüentemente empregadas na ten-
tativa de detectar sinais sugestivos da lesão. Usualmente
apresenta-se como uma massa bem delimitada, encapsula-
da, de ecogenicidade homogênea, podendo apresentar na Fig. 35.9 Microfotografia de oncocitoma — neoplasia com padrão
TC imagem central de baixo padrão de atenuação que cor- alveolar constituída por células tendo citoplasma eosinofílico e
responde a uma área de fibrose com aparência de estrela núcleos arredondados, sem atipias (HE ⫻ 200).
conhecida como sinal da cicatriz. A fase arterial da angiogra-
fia pode revelar uma configuração típica dos vasos em “roda
de raios” ou fístulas artério-venosas. Estes sinais, no entan- tumores pequenos, bem delimitados, menores que 4 cm e
to, não são patognomônicos dos oncocitomas e podem ser confinados a um dos pólos do rim. Observação e acompa-
identificados também no carcinoma de células renais. nhamento clínico estão reservados para pacientes idosos
O aspecto macroscópico dos oncocitomas é bastante ou com grandes riscos operatórios.
característico. Apresentam-se em geral com coloração cas-
tanha-escura com cápsula fibrosa bem definida e por ve-
zes uma pseudocápsula que preserva o parênquima renal Pontos-chave:
adjacente. Não se evidenciam áreas de hemorragia ou ne- • Massa hipervascular com área de cicatriz
crose, porém bandas fibrosas densas de tecido cicatricial central
no centro da lesão são típicas7 (Fig. 35.8). Microscopicamen- • Imagem em “roda de raios” na arteriografia
te estes tumores são compostos de ninhos de células com
• Difícil diferenciação com o carcinoma de
citoplasma granular e eosinofílico com grande número de
células renais
mitocôndrias8 (Fig. 35.9).
A nefrectomia radical é ainda o método mais seguro de
terapia para os oncocitomas renais, em virtude da dificul-
Adenoma
dade de diagnóstico preciso através de exames comple-
mentares. Nefrectomia parcial deve ser considerada em O adenoma cortical, um tumor renal sólido pouco fre-
situações especiais onde a cirurgia radical está contra-in- qüente, tem sido motivo de discussão quanto à sua real na-
dicada (rim único, função renal global prejudicada) ou em tureza e quanto ao seu comportamento. Alguns autores o
capítulo 35 635

consideram de natureza benigna, principalmente quando Observou-se que cerca de 9% dos pacientes com insufi-
menores que 1 cm, embora se saiba que este não é um cri- ciência renal avançada tratados com hemodiálise ou trans-
tério absoluto para descartar o potencial maligno da do- plante desenvolveram CCR e este evento é 2.500 vezes mais
ença. Atualmente são consideradas como adenomas as ne- comum nestes casos do que em indivíduos com função
oplasias com padrão papilar e grau nuclear baixo. Sabe-se, renal normal. Esta tendência, que se associa com o apare-
no entanto, que estes tumores são raramente identificados cimento concomitante de cistos renais múltiplos em cerca
quando pequenos e são observados principalmente em de 45% dos casos, apresenta algumas peculiaridades que
achados cirúrgicos ou estudos de necropsia. Os adenomas puderam ser identificadas10: 1) os tumores parecem origi-
são também relativamente freqüentes em pacientes subme- nar-se de lesões inicialmente císticas; 2) estes tumores po-
tidos à hemodiálise. dem ter comportamento agressivo, com aparecimento de
Raramente ocasionam sintomas, sendo a hematúria a metástases em 6% dos casos; 3) os tumores tendem a ser
manifestação clínica mais comum, ocorrendo principal- múltiplos e bilaterais; 4) o diagnóstico da neoplasia é feito
mente devido à invasão tumoral do sistema coletor ou em pacientes submetidos a diálise por períodos que vari-
vasos adjacentes.2 Tumores de 1 a 3 cm são considerados am de 3 a 8 anos (média de 3,6 anos); 5) os cistos, e conse-
carcinomas com baixo potencial de malignidade e repre- qüentemente os tumores, parecem originar-se de substân-
sentam um dilema quanto à sua abordagem. Ressecção cias não-dialisáveis acumuladas após a instalação da insu-
parcial ou nefrectomia radical permanecem ainda como ficiência renal, o que pode favorecer, em futuro próximo,
alternativas de tratamento, e suas indicações devem ser a identificação de fatores implicados com a gênese dos
avaliadas individualmente. Quando maiores, são de difí- carcinomas renais.
cil diferenciação com o adenocarcinoma renal, e nesta si- Igualmente, pacientes que apresentam doença renal
tuação devem ser sempre tratados como tais. policística autossômica dominante parecem ter predispo-
sição para desenvolver carcinoma de células renais.

TUMORES RENAIS MALIGNOS ETIOLOGIA


O CCR tem origem nos túbulos contornados proximais,
Carcinoma de Células Renais a mesma célula que origina os adenomas renais. Outra
possibilidade mais remota é a de que estaria relacionado
EPIDEMIOLOGIA com disfunções hormonais. Estudos com ratos hamster
O carcinoma de células renais (CCR), também chama- machos tratados com estrógenos mostraram o desenvol-
do de adenocarcinoma de rim, carcinoma de rim, tumor vimento de tumores renais semelhantes ao CCR, e este fe-
de Grawitz e hipernefroma (termo errôneo e que não deve nômeno é inibido pela administração concomitante de
ser empregado), constitui cerca de 80 a 90% dos tumores progesterona. Esses experimentos serviram de base para
renais malignos nos adultos, sendo raro na infância e ado- o emprego clínico de progesterona em pacientes com car-
lescência (menos de 1%). A maior incidência ocorre entre cinomas renais, mas dificilmente explicariam, por si sós, o
os 50 e os 70 anos de idade e predominam no sexo mascu-
aparecimento desses tumores.
lino na proporção de 2:1.
Outros fatores têm sido implicados com a etiologia dos
Nos Estados Unidos, constata-se a ocorrência anual de
CCR, como agentes químicos (nitrosaminas, cádmio,
aproximadamente 28.000 novos casos e 11.000 mortes re-
bromato), hereditariedade (doença de von Hippel-Lindau),
lacionadas a essa doença.9
vírus (LTV vírus), dieta rica em gorduras e deficiente em
Observou-se que o CCR é mais prevalente em pacien-
vitamina A, irradiação, tabagismo e abuso de certos anal-
tes de origem escandinava e norte-americana do que em
gésicos. Embora nenhuma relação definitiva tenha sido
pacientes de origem africana e asiática, e também que em
demonstrada entre esses fatores e o desenvolvimento de
2-4% dos casos os tumores são bilaterais, ocorrendo de
neoplasias renais, é possível que os mesmos não represen-
forma sincrônica ou metacrônica. Nos últimos anos, hou-
tem a causa, mas aumentem os riscos de aparecimento da
ve discreta diminuição na mortalidade, sugerindo que o
doença.
tratamento tenha sido mais efetivo.
Tem sido relatada a ocorrência de carcinoma de células
renais familiar, afetando até cinco membros da mesma fa- PATOLOGIA
mília. Os pacientes com doença de von Hippel-Lindau Os carcinomas de células renais são normalmente arre-
(VHL) apresentam alto risco de desenvolver tumores em dondados, variando de tamanho desde poucos centímetros
vários sítios, como retina, cerebelo, medula, rim e adrenal. até o preenchimento quase completo do abdômen. Na
Os adenocarcinomas renais associados à VHL ocorrem em maioria das vezes são sólidos, fazendo saliência na super-
45% dos casos e habitualmente são pequenos, multicêntri- fície do rim, usualmente num dos pólos (Fig. 35.10). Ge-
cos, bilaterais e acometem indivíduos mais jovens (idade ralmente não apresentam uma cápsula histológica verda-
média: 40 anos). deira, porém são envoltos por uma pseudocápsula com-
636 Tumores Renais

posta por parênquima comprimido e tecido fibroso. Após


secção do tumor, encontram-se áreas de necrose e hemor-
ragia interpostas por tecido de aspecto amarelado ou páli-
do (Fig. 35.10A). Múltiplos cistos são encontrados não ra-
ramente, provavelmente como resultado de necrose seg-
mentar e reabsorção (Fig. 35.10B). O sistema coletor é ge-
ralmente deslocado, podendo ser invadido. A fáscia de
Gerota parece exercer efeito protetor contra a dissemina-
ção local, porém eventualmente pode ser comprimida e
invadida pelo tumor.
Células de vários tipos podem ser encontradas num
mesmo tumor, e as mais freqüentes apresentam citoplas-
ma abundante (células claras) e núcleo excêntrico, lembran-
do túbulos renais; podem, todavia, ser completamente in-
diferenciadas.
Em 1996 foi proposta uma nova classificação para os Fig. 35.10B Carcinoma de células renais — macroscopia. Peça
CCR, baseada na classificação de Thoenes de 1986, evi- cirúrgica.

denciando os aspectos morfológicos e citogenéticos. Os se-


guintes subtipos histológicos são reconhecidos:
a. Carcinomas de células claras (ou usuais)
b. Carcinomas cromófilos (papilares)
c. Carcinomas cromófobos
d. Carcinomas dos ductos coletores (de Bellini)
e. Carcinomas não-classificáveis
Os carcinomas de células claras representam cerca de
85% dos CCR e são caracterizados pela deleção do braço
curto do cromossomo 3. A presença de características
sarcomatóides correlaciona-se ao pior prognóstico (Figs.
35.11 e 35.12).
O carcinoma cromófilo representa aproximadamente
14% dos CCR, sendo geralmente multifocal e bilateral, e
Fig. 35.10 Carcinoma renal de células claras multicístico.
apresentando-se como tumores pequenos e caracteristica-
mente sem deleção do braço curto do cromossomo 3. Nor-
malmente são tumores de estádio baixo e prognóstico mais
favorável que o carcinoma de células claras (Figs. 35.13 e
35.14).

Fig. 35.10A Carcinoma de células renais — macroscopia. Fig. 35.11 Macroscopia de carcinoma de células claras.
capítulo 35 637

O cromófobo representa 4% dos CCR e também não está


relacionado à deleção do braço curto do cromossomo 3, ten-
do geralmente excelente prognóstico (Figs. 35.15 e 35.16).
O carcinoma do sistema coletor é extremamente raro,
porém muito agressivo.

Pontos-chave:
• O CCR tem origem nos túbulos contornados
proximais
• Carcinoma de células claras representa
cerca de 85% dos CCR
• Características sarcomatóides conferem
Fig. 35.12 Microfotografia de carcinoma de células claras onde se
observam células com citoplasma amplo e claro (HE ⫻ 200). Cor- maior gravidade à doença
tesia da Dra. Teresa Figueiredo.
BIOLOGIA MOLECULAR E IMUNOLOGIA
O CCR acontece em duas formas: uma forma esporádi-
ca e uma familiar ou hereditária, que é menos freqüente.

Fig. 35.13 Microfotografia representando carcinoma cromófilo


(papilar) eosinófilo — neoplasia constituída por papilas reves-
tidas por células com citoplasma eosinofílico granular, nos ei-
Fig. 35.15 Microfotografia de carcinoma de células cromófobas
xos conjuntivos, presença de macrófagos xantomatosos (HE ⫻
constituído por células com citoplasma eosinofílico, finamente
200).
granular (HE ⫻ 200).

Fig. 35.14 Macroscopia de carcinoma papilar ou cromófilo. Cor-


tesia da Dra. Teresa Figueiredo. Fig. 35.16 Macroscopia de carcinoma de células cromófobas.
638 Tumores Renais

Aproximadamente 4% dos carcinomas renais têm um com- O tempo de progressão do CCR é totalmente imprevi-
ponente hereditário.11 Assim como acontece no câncer de sível e difere bastante em cada paciente. De maneira ge-
mama e no carcinoma colo-retal, o estudo dos mecanismos ral, esses tumores tendem a crescer lentamente, pelo gran-
moleculares que fundamentam a hereditariedade do car- de tempo de duplicação de suas células.
cinoma de rim tem levado a avanços importantes na com- A sobrevida depende basicamente da extensão da do-
preensão das bases genéticas da carcinogênese dos tumo- ença no momento do diagnóstico e varia entre 60 e 80% nos
res esporádicos. tumores localizados e entre 0 e 10% nos tumores metastá-
Existem pelo menos três formas diferentes de carcino- ticos (sobrevida de cinco anos).
mas de rim com componente hereditário: a doença de von Os tumores maiores e mais agressivos podem causar
Hippel-Lindau, o carcinoma hereditário papilar e o carci- invasão local, propagando-se diretamente às estruturas
noma hereditário de células claras. vizinhas como o duodeno e o diafragma. Pela via hemato-
O comportamento biológico do carcinoma renal apre- gênica atingem com maior freqüência os pulmões (40-60%),
senta duas características que devem ser destacadas. Em fígado (30%) e ossos longos (20-30%). Por via linfática po-
primeiro lugar, regressões espontâneas parciais ou comple- dem comprometer os linfonodos lombares junto aos gran-
tas têm sido relatadas. Isso sugere a existência de uma des vasos (20-35%). O crescimento do tumor no interior da
participação importante do sistema imune na gênese, no veia renal não é raro (10-30%), podendo atingir a veia cava
controle da evolução e na progressão desses tumores.12 Tais e até mesmo o coração.
remissões são infreqüentes, mas têm motivado o estudo e
o emprego de abordagens terapêuticas baseadas em vári- DIAGNÓSTICO
as formas de ativação do sistema imune. Outra caracterís- Quadro Clínico. Nas fases iniciais, o CCR não apresen-
tica que merece destaque é a quimiorresistência primária ta sintomas e sinais característicos, dificultando o diagnós-
que identificamos nos pacientes com carcinoma renal. tico precoce. Pode, inclusive, ser achado incidental em exa-
Existem evidências que sugerem expressão aumentada me clínico de rotina, cirurgias abdominais ou exames para
do gene MDR1 (multidrug resistance) e a conseqüente ma- outras finalidades, como, por exemplo, o estudo do fíga-
nifestação do fenótipo de resistência a múltiplos fármacos do, vias biliares e trato intestinal. Com o emprego crescente
em uma porcentagem significativa de casos.13,14 O produ- da ultra-sonografia e da tomografia computadorizada, este
to desse gene, a P-glicoproteína 170, tem a função de faci- fato vem ocorrendo com freqüência cada vez maior (30%).
litar o transporte de fármacos e compostos tóxicos para o A tríade clássica de dor, hematúria e massa no flanco é
exterior da célula. A expressão aumentada da P-170 justi- confiável, porém é encontrada em somente 10% dos casos
ficaria dessa forma a resistência dos tumores renais ao tra- e geralmente indica doença avançada.
tamento antineoplásico. Hematúria, microscópica ou macroscópica, representa
As principais alterações cromossômicas observadas no a principal manifestação clínica e é observada em 60% dos
CCR são deleção e translocação envolvendo o braço curto pacientes. Geralmente não é acompanhada de dor e outros
do cromossomo 3.15 Esta alteração ocorre somente nos car- sintomas miccionais. Pode ser contínua, mas, na maioria
cinomas usuais ou de células claras; entretanto, nos papi- das vezes, é intermitente, levando, nos intervalos, à falsa
lares também são observadas alterações, sendo a mais fre- impressão de cura do processo.
qüente a trissomia nos cromossomos 7 e 17, entre outras. Dor lombar ocorre em aproximadamente 40% dos ca-
sos e costuma ser tardia. A dor é sentida no ângulo costo-
Pontos-chave: vertebral, sendo motivada pela distensão da cápsula renal,
podendo haver quadro de cólica nefrética pela passagem,
• O CCR representa 80-90% dos tumores ao longo do ureter, de coágulos ou restos necróticos do
renais malignos nos adultos tumor.
• Pode apresentar regressão espontânea, Massa palpável no flanco é achado menos freqüente (25-
porém é quimiorresistente 30%) e difícil de ser detectada, principalmente em pessoas
• Alterações cromossômicas são observadas obesas e quando o tumor encontra-se no pólo superior do
nos CCR rim.
Emagrecimento também é um achado comum, ocorren-
do em 28% dos pacientes. A varicocele aguda é encontra-
HISTÓRIA NATURAL da em 2% dos casos e sua presença reveste-se de grande
Cerca de 30% dos pacientes com CCR se apresentam importância, pois indica extensão neoplásica e trombose
com metástases a distância quando do diagnóstico. Esse da veia renal ou da veia cava inferior.
comportamento relaciona-se com o tamanho do tumor. Manifestações paraneoplásicas são encontradas em cer-
Metástases são encontradas em 8% dos casos com tumo- ca de um terço dos casos de CCR e resultam da secreção
res de diâmetro igual ou menor que 5 cm e em 80% dos de polipeptídios e fatores humorais pelo tumor. Estas al-
casos com tumores de mais de 10 cm de diâmetro. terações revertem-se com a remoção da neoplasia, de modo
capítulo 35 639

que a persistência ou o aparecimento posterior das mes- lulas neoplásicas tem pouco interesse, pois somente é po-
mas, após a nefrectomia, indica presença de depósitos tu- sitiva quando o tumor invade a via excretora.
morais metastáticos. Anemia é o achado mais comum, Exames de Imagem. Os exames de imagem adquiriram
ocorrendo em 40% dos pacientes. É do tipo normocítica e importância fundamental no diagnóstico precoce do CCR e,
normocrômica e não é explicada pela hematúria, mas sim conseqüentemente, alteraram seu prognóstico. Devido à mai-
pela hemólise causada por hemolisinas produzidas pelo or utilização da ultra-sonografia e da tomografia computa-
tumor e também por depressão da eritropoese. dorizada de abdômen por outras indicações, ocorreu, nos
Febre ocorre em cerca de 15% dos pacientes em alguma últimos anos, um aumento na detecção de massas renais en-
fase da doença e é a única manifestação em cerca de 3% dos contradas de forma incidental (incidentalomas). Atualmente,
casos. Geralmente não está associada à infecção e é secun- de 25 a 40% dos tumores são diagnosticados dessa forma.16
dária à produção endógena de pirogênio pelo tumor. Radiografia simples do abdômen deve sempre preceder
Hipertensão também é um achado comum (40%), estan- qualquer exame contrastado. Poderá mostrar imagem da
do associada, em muitos casos, à elaboração de renina pelo sombra renal aumentada com eventual deformidade em
tumor. Hipotensão está relacionada à produção de pros- seu contorno; a sombra do músculo psoas poderá estar
taglandina. A hipercalcemia tem sido relatada em mais de obscurecida, o que não acontece com as massas císticas.
10% dos casos e é justificada pela produção do hormônio Calcificações são observadas em 7% dos casos (Fig. 35.17).
PTH-like e prostaglandinas pelo CCR. Amiloidose ocorre Embora a urografia excretora permaneça como exame
em 3% dos casos e indica mau prognóstico. Pode ocorrer de escolha na maioria das instituições e tenha grande uti-
também síndrome nefrótica e polineuropatia. lidade na avaliação inicial de hematúria, o ultra-som e a
Outras manifestações raras incluem: síndrome de TC de abdômen apresentam maior acurácia na detecção de
Cushing, hipoglicemia, galactorréia, perda da libido, ente- massas renais. Na urografia, usualmente observamos uma
ropatia e síndrome de Staufer, que é uma disfunção hepáti- lesão que ocupa espaço dentro do rim alterando a morfo-
ca não-metastática de causa desconhecida, apresentando-se logia pielocalicial (Fig. 35.18). Quando o tumor invade os
com elevação dos testes de função hepática e áreas de ne- vasos do pedículo, não há eliminação do meio de contras-
crose no fígado que se normalizam após a nefrectomia. te pelo órgão. A presença de hidronefrose pode significar
Como vimos, as manifestações extra-renais podem ser invasão ou compressão do ureter pelo tumor.
as mais variadas possíveis e simular outras doenças. O A arteriografia renal foi o principal método de imagem
conhecimento destes aspectos é fundamental para o diag- para detecção das neoplasias renais durante muitos anos.
nóstico precoce, que pode ser decisivo para o prognóstico Porém, por ser método invasivo e sujeito a complicações
do paciente. como hemorragia, formação de pseudo-aneurisma no local
da punção, embolia pulmonar e nefrotoxicidade, associado
ao surgimento e desenvolvimento da tomografia computa-
Pontos-chave:
• O diagnóstico incidental ocorre em
aproximadamente 30% dos casos
• A tríade clássica (dor, hematúria e massa
palpável) ocorre em somente 10% dos casos
• Hematúria, micro- ou macroscópica, é a
principal manifestação clínica (60%)
• Manifestações paraneoplásicas ocorrem em
um terço dos CCR

Exames Laboratoriais. Não existe nenhum exame que seja


patognomônico e marcador tumoral, o que seria de grande
utilidade não somente na identificação do tumor, como tam-
bém parâmetro na avaliação da resposta terapêutica.
O hemograma pode mostrar eritrocitose; anemia acen-
tuada ocorre nas fases adiantadas da doença. O VHS en-
contra-se elevado em cerca de 75% dos casos. Hipercalce-
mia está geralmente associada à presença de metástases.
Proteína C reativa e desidrogenase lática estão elevadas em
cerca de 25 a 30% dos pacientes. Fig. 35.17 Radiografia simples de abdômen demonstrando efei-
O exame de sedimento urinário pode mostrar presença to de massa e apagamento do músculo psoas secundário a tumor
de hemácias, e a citologia urinária para a pesquisa de cé- em rim esquerdo.
640 Tumores Renais

Fig. 35.18 Urografia excretora evidenciando tumor em terço mé-


dio de rim direito com distorção de cálices e abaulamento do
contorno renal.

Fig. 35.19 TC demonstrando volumoso processo expansivo em


rim esquerdo.
dorizada, teve suas indicações restritas. Entretanto, há neces-
sidade de sua realização naqueles pacientes com plano de
nefrectomia parcial, por fornecer informações quanto à dis-
fologia interna da lesão, e o líquido aspirado pode orien-
tribuição arterial renal e suas relações com o tumor. Com o
tar na diferenciação do tipo de lesão. Líquido de aspecto
advento da angiotomografia e angiorressonância, a arterio-
sanguinolento, com citologia positiva e elevados níveis de
grafia renal deverá deixar de ser indicada nos casos de CCR.
desidrogenase lática (LDH), gordura e proteína caracteri-
A ultra-sonografia é método não-invasivo, pouco onero-
zam a presença de neoplasia no interior do cisto.
so e útil para diferenciar lesões císticas das sólidas. Os crité-
A Ressonância Nuclear Magnética (RNM) não apresen-
rios sonográficos para diagnóstico de cisto simples incluem
tou, até o momento, evidências de superioridade em rela-
ausência de ecogenicidade no interior, parede lisa e bem
ção à TC. Alguns estudos demonstraram que esse método
delimitada, e forma arredondada. Quando houver dúvida
seja menos sensível que a TC na detecção de tumores re-
ou alguns desses dados não forem encontrados, deverá ser
nais de pequeno volume. Sua importância deve-se princi-
realizada TC para melhor avaliação da lesão. Exige experi-
palmente à avaliação de invasão neoplásica da veia renal
ência do examinador e, em mãos habilitadas, e com o auxí-
e da cava inferior (Fig. 35.20). Além disso, apresenta mai-
lio do Doppler, pode excluir a presença de trombo na veia
cava ou, quando presente, delimitar sua extensão.
A TC de abdômen é o método de escolha para demons-
trar a natureza da lesão expansiva e auxiliar no estadiamento
do tumor, demonstrando eventual acometimento linfático,
venoso e de estruturas vizinhas (Fig. 35.19). Sua precisão
diagnóstica é bastante elevada, sendo capaz de identificar
envolvimento da veia renal em 91% dos casos, presença de
trombo na veia cava inferior em 97%, presença de linfono-
dos retroperitoneais em 87% e extensão a órgãos adjacentes
em 96% dos pacientes. Quando comparada com a arterio-
grafia renal, apresentou acurácia de 95% contra 85%, no
diagnóstico de CCR. Os inconvenientes deste exame decor-
rem de seu elevado custo e da necessidade do uso de con-
traste iodado, o que confere ao método alguma morbidade.
A punção percutânea da massa deve ser realizada quan-
do a ultra-sonografia e a TC evidenciam a presença de le-
são de natureza complexa, ou seja, lesões com áreas sóli-
das e líquidas concomitantes. A principal finalidade é ex-
cluir a presença de tumor necrosado com degeneração cís-
tica ou neoplasia localizada no interior de um cisto seroso. Fig. 35.20 RNM — tumor renal com invasão de gordura perirre-
Com a punção pode-se estudar radiologicamente a mor- nal e da veia renal.
capítulo 35 641

or precisão para detectar tumores de pólo superior do rim casos em que houver dúvida ou quando existirem calcifi-
direito, onde a TC por vezes não define precisamente a cações na lesão, a tomografia computadorizada tem papel
existência de infiltração hepática. É utilizada também para predominante.
estadiamento nos pacientes impossibilitados de submete- Abscesso intra-renal também pode simular tumor, po-
rem-se à TC com contraste por apresentarem alergia ou rém neste caso há presença de febre, dor lombar e
déficit da função renal. leucocitúria.
Outras neoplasias, como: angiomiolipoma, linfoma de
rim, carcinoma de via excretora, tumores de adrenal e
Pontos-chave:
metástases renais de tumores de outras localizações.
• Não há marcador tumoral para CCR
• A ultra-sonografia é útil para diferenciar ESTADIAMENTO
lesões císticas das sólidas O estadiamento da lesão é útil para definir a extensão
• A TC abdominal é o método de escolha para da neoplasia, sendo importante no planejamento terapêu-
determinar a natureza da lesão e auxiliar no tico e no prognóstico do paciente. Para estadiamento clí-
estadiamento do tumor nico, além da anamnese, do exame físico e de TC de abdô-
men, devem-se solicitar radiografias de tórax, provas de
Baseado nos recursos descritos, pode-se utilizar o flu- função hepática e cálcio sérico. Nos pacientes que apresen-
xograma para o diagnóstico de massas renais expansivas tam dores ósseas, elevação da fosfatase alcalina ou do cál-
(Quadro 35. 2). cio sérico, é indicada a pesquisa de metástases ósseas por
meio da cintilografia.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A classificação mais comumente empregada é a de
O principal diagnóstico diferencial é com o cisto seroso Flocks e Kadesky modificada por Robson (1969).
simples, que geralmente pode ser identificado com auxí- • Estádio I: tumor limitado ao rim sem invasão da cáp-
lio da ultra-sonografia. Como relatado anteriormente, nos sula renal;

Quadro 35.2 Fluxograma para diagnóstico de massas renais expansivas

MASSA RENAL

Cística Sólida

Ultra-som
Tomografia
Comp.

Cisto Simples Cisto Complexo Trombo ???

RNM

Observação Punção Cirurgia


642 Tumores Renais

• Estádio II: invasão da gordura perirrenal, porém con- Nos tumores localizados ou localmente avançados (es-
finado a fáscia perirrenal; tádios I, II e III), o tratamento indicado é a nefrectomia ra-
• Estádio III: envolvimento dos nódulos linfáticos re- dical, que inclui a ressecção em bloco do rim, gordura pe-
gionais ou veia cava/renal; rirrenal, fáscia de Gerota e adrenal. Quando o tumor é de
• Estádio IV: tumor invadindo órgãos regionais ou com pequenas dimensões e localiza-se no pólo renal inferior, a
metástases a distância. retirada da adrenal pode ser dispensada, devido à pouca
probabilidade de acometimento tumoral.
A limitação desse sistema se torna óbvia quando se ob-
Quanto à realização da linfadenectomia retroperitone-
serva que a sobrevida de pacientes no estádio II é igual à
al associada à nefrectomia radical, existe certa divergên-
daqueles do estádio III, indicando avaliação inapropriada
cia no que diz respeito a sua eficiência terapêutica. Algu-
dos fatores prognósticos. Está bem estabelecido que paci-
mas características da neoplasia, como a ocorrência fre-
entes que apresentam CCR no estádio IIIa, com trombo na
qüente de metástases hematogênicas e a distribuição im-
veia renal e/ou cava inferior, apresentam prognósticos
previsível das metástases nodais (linfonodos supraclavi-
comparáveis aos estádios I e II (sobrevida em 5 anos de 75%
culares ou ilíacos podem estar comprometidos na ausên-
e 63%, respectivamente), quando realizada a ressecção
cia de lesões ao nível de linfonodos hilares), indicam que
completa da lesão. Entretanto, pacientes com tumores es-
a linfadenectomia pouco contribui para melhorar o prog-
tádio IIIb, com linfonodos retroperitoneais comprometidos, nóstico desses pacientes.18 Entretanto, Golimbu e col. (1986)
apresentam sobrevida menor de 20% em 5 anos. avaliaram pacientes com doença localizada submetidos à
Por isso, o método TNM de 1997,17 revisado pela UICC linfadenectomia e evidenciaram aumento de 10 a 15% na
(União Internacional de Combate ao Câncer) em 1999, tem sobrevida em cinco anos naqueles com estádio clínico II.19
sido preferido, por classificar com maior precisão o acome- Isso se deve, provavelmente, à presença de micrometásta-
timento tumoral (Quadro 35.3). ses retroperitoneais não evidenciadas em exames de ima-
gem pré-operatórios e que foram removidas com a linfa-
TRATAMENTO denectomia. Atualmente, o consenso é de se realizar linfa-
O planejamento terapêutico nos casos de CCR é feito denectomia limitada à região do hilo renal e em torno do
principalmente em função do estadiamento clínico da le- grande vaso isolateral, pois são removidos os principais
são. Aproximadamente 70% desses casos apresentam-se linfonodos envolvidos, permitindo estadiamento adequa-
inicialmente em estádios I, II e III e 30% em estádio IV. do e ausência de riscos de uma cirurgia mais extensa.
A cirurgia permanece como único método efetivo de tra- Do ponto de vista técnico, a nefrectomia radical pode
tamento do carcinoma renal primário, pois esses tumores são ser realizada através de diferentes vias de acesso. A inci-
caracteristicamente resistentes à radioterapia e à quimiote- são varia de acordo com o tamanho e a localização do tu-
rapia, e o objetivo desse procedimento deve ser a excisão mor, o tipo físico do paciente e a preferência do cirurgião.
completa da lesão com margem cirúrgica adequada. A lombotomia é utilizada quando a lesão tem menos de 5

Quadro 35.3 Estadiamento dos tumores renais (UICC, 1999)

Tumores Primários Linfonodos Regionais Metástase a Distância


Tx Tumor primário não avaliado Nx Linfonodos não avaliados Mx Presença de metástase a
T0 Sem evidência de tumor primário N0 Ausência de metástase distância não avaliada
T1 Tumor ⬍ 2,5 cm e limitado ao rim N1 Metástase em um único M0 Ausência de metástase a
T2 Tumor ⬎ 2,5 cm e limitado ao rim linfonodo distância
T3 Tumor estendendo-se para a veia N2 ⬍ 2 cm Metástase M1 Presença de metástase a
renal ou veia cava inferior, em um único linfonodo distância
invasão de adrenal ou tecido N3 ⬎ 2 cm e ⬍ 5 cm ou
perinéfrico, sem extensão além vários linfonodos ⬍ 5 cm
da fáscia de Gerota Metástase em linfonodo ⬎ 5 cm
T3a Invasão da adrenal ou tecidos
perinéfricos, sem extensão além
da fáscia de Gerota
T3b Extensão tumoral para a veia
renal ou veia cava inferior
T3c Extensão tumoral para veia
cava inferior acima do diafragma
T4 Invasão além da fáscia de Gerota
capítulo 35 643

cm de diâmetro e nos pacientes com maior risco cirúrgico. Atualmente, a única droga aprovada pelo FDA (Food and
A incisão transperitoneal anterior (mediana, subcostal ou Drug Administration) para tratamento de CCR metastático
Chevron) representa a melhor forma de abordar as neopla- é a interleucina 2 (IL-2) em altas doses. Apresenta resposta
sias renais, pois permite a inspeção completa de todo o completa na regressão da neoplasia em torno de 5% e res-
abdômen, bom campo cirúrgico para ligadura precoce da posta parcial de 15%. No entanto, acarreta efeitos colaterais
artéria e da veia renal, realização de linfadenectomia e re- importantes, podendo ocasionar diminuição da resistência
moção segura de um possível trombo na veia cava inferi- vascular periférica com conseqüente hipotensão e insufici-
or. A toracofrenolaparotomia é indicada para lesões volu- ência renal, assim como aumento da permeabilidade capilar,
mosas e/ou invadindo a veia cava inferior com extensão resultando em insuficiência cardiopulmonar. A mortalidade
além das veias supra-hepáticas. Recentemente, tem-se relacionada ao uso de IL-2 em altas doses é inferior a 2%.25
empregado a nefrectomia radical videolaparoscópica com
bons resultados.20
A nefrectomia parcial, isto é, ressecção apenas do tumor
Pontos-chave:
(<4 cm) com margens de 1 a 2 cm, vem sendo realizada em • A cirurgia radical é o único método efetivo
pacientes com CCR em rim único e CCR bilateral, pois em de tratamento do CCR
ambos os casos a preservação do parênquima renal é fun- • A nefrectomia radical inclui a retirada do
damental para evitar a diálise. Devido aos bons resultados,
rim, gordura perirrenal, fáscia de Gerota e
passou-se a indicar também a nefrectomia parcial para
pacientes com CCR e perda da função renal global ou que
glândula adrenal
apresentem doenças (diabetes, urolitíase, rins policísticos • A imunoterapia é a única alternativa para a
e estenose da artéria renal) que possam prejudicar a fun- doença avançada
ção renal no futuro. Este tipo de cirurgia também tem sido
realizado por meio da videolaparoscopia, apresentando
CONTROLE DE CURA
resultados encorajadores.21
Até o momento não foram identificados marcadores
Atualmente têm-se estudado as técnicas minimamente
específicos para o CCR. Porém, em alguns pacientes sur-
invasivas, como, por exemplo, a ablação percutânea por
gem alterações como aumento dos valores de hemossedi-
radiofreqüência,22 crioablação,23 ultra-som de alta freqüên-
mentação, elevação dos níveis séricos de antígeno carcino-
cia e termoterapia com microondas.24 Apesar de ainda não
embriônico (CEA), de proteína C-reativa e de alguns hor-
termos resultados em longo prazo, são alternativas promis-
mônios (eritropoetina, renina) ou hipercalcemia. A remo-
soras para o tratamento do carcinoma renal.
ção completa do tumor deve acompanhar-se de normali-
A realização da nefrectomia na presença de metástases
zação dessas alterações, e dosagens pós-operatórias repe-
somente se justifica se esta for única e com possibilidade
de ser removida (pulmão, ossos e fígado). Os dados atuais tidas desses marcadores podem indicar precocemente per-
ainda não são conclusivos sobre a remoção do tumor com sistência ou recorrência da doença.
finalidade de citorredução e posterior utilização de imu- Os locais mais freqüentemente envolvidos por recorrên-
noterapia. cia tumoral após o tratamento inicial são o pulmão, a loja
Para pacientes que apresentam doença avançada com renal, ossos, linfonodos mediastinais e fígado. Por isso, os
massa ganglionar retroperitoneal, invasão de estruturas pacientes tratados de CCR devem ser submetidos à avalia-
adjacentes ou metástases, o prognóstico é sombrio e pou- ção semestral nos primeiros cinco anos e, posteriormente, à
co há a oferecer quanto ao aumento de sobrevida. Naque- avaliação anual, realizando-se exames como radiografia de
les que apresentem sintomas locais, como hematúria e dor tórax, ecografia abdominal e dosagem de cálcio, hemogra-
lombar intensa, pode-se realizar ressecção da massa tumo- ma, creatinina e VHS. A TAC de abdômen e a cintilografia
ral ou injeção de substâncias embolizantes (coágulos, gel- óssea devem ser indicadas quando existe dor óssea, aumento
foam, solução alcoólica, etc.) na artéria renal, apenas como da fosfatase alcalina e alteração na ecografia abdominal.
método paliativo.
Como o CCR é pouco sensível à radioterapia e à quimi- PROGNÓSTICO
oterapia, a imunoterapia parece ser a grande esperança O comportamento do CCR é imprevisível, sendo um dos
para obtenção de melhores resultados em estádios avan- poucos carcinomas em que existem evidências objetivas de
çados, pois sua história natural é imprevisível, havendo raros casos de regressão espontânea e cura aparente, de-
alguns casos descritos com doença metastática e regressão vido a fatores relacionados com a competência imunoló-
espontânea. Essas circunstâncias sugerem que a agressivi- gica do paciente. Entretanto, o aparecimento de metásta-
dade e o prognóstico do tumor dependem da resposta ses anos após a cirurgia pode ocorrer.
imunológica de cada paciente. Várias pesquisas têm sido A sobrevida de 5 anos é de 61% para todos os estágios,
feitas com o uso de interferon, fator de transferência, BCG, sendo de 89% em doença localizada, 62% em doença com
RNA imune e interleucinas. extensão regional e de 9% em doença metastática.
644 Tumores Renais

Constituem fatores independentes de prognóstico o tipo neoplasia renal primária. O principal método de identifi-
histológico do tumor (cromófobos são menos agressivos), cação é a TC, que é utilizada como guia para biópsias per-
dimensão da lesão primária (favorável ⬍ 7 cm), estágio da cutâneas na elucidação do tipo histológico do tumor. Nes-
doença (favorável ⬍ T2), grau histológico nuclear (favorá- te exame a massa renal metastática apresenta-se em geral
vel ⬍ grau II), invasão microvascular no tumor primário (sem isodensa na fase pré-contraste.2
invasão são menos agressivos) e apresentação clínica inicial A ressecção da lesão por meio de nefrectomia parcial
(os incidentais são mais favoráveis que os sintomáticos). poderá ser útil quando esta for pequena, isolada e em re-
Observou-se também que quanto maior o intervalo en- gião de pólo renal, e sua indicação dependerá da natureza
tre o diagnóstico da doença primária e o aparecimento de e do prognóstico da lesão primária.
metástases, melhor é a evolução do paciente. Quando este
intervalo é menor que 24 meses, a sobrevida de cinco anos TUMOR DE WILMS
é de 25%, mas quando já existem metástases no momento Tumor de Wilms é a neoplasia do trato urinário mais
do diagnóstico, este valor é praticamente zero. comum na infância. Compreendem mais de 80% dos tu-
mores gênito-urinários em jovens menores de 15 anos. A
Sarcomas maioria ocorre em crianças em torno de 3 anos de idade e
apresenta-se em geral como uma grande massa abdomi-
Sarcomas constituem cerca de 2 a 3% dos tumores ma-
nal. Em 4 a 8% dos casos a lesão é bilateral.27
lignos do rim.1 Em geral originam-se do seio ou da cápsu-
Descrito com detalhes por Max Wilms em 1899, esta
la renal, diferentemente dos carcinomas de células renais,
que têm origem parenquimatosa. Entretanto, as manifes- patologia permanece associada ao seu nome até os dias
tações clínicas podem ser bastante semelhantes entre es- atuais. Denominado também de embrioma renal, nefro-
tes tumores. Dor lombar, massa palpável em flanco e he- blastoma e tumor misto do rim, desenvolve-se a partir de
matúria são sintomas freqüentemente observados. tecidos renais embrionários, compostos na maioria das
Os tipos histológicos mais freqüentes são o fibrossarco- vezes por três linhagens celulares, com elementos deriva-
ma, lipossarcoma, hemangiopericitoma e leiomiossarcoma, dos do blastema metanéfrico, epitélio tubular e estroma
cujo comportamento biológico destes tumores é, em geral, (Fig. 35.21). Alterações cromossômicas específicas podem
extremamente agressivo, de crescimento rápido e prognós- induzir a transformação maligna destas células.28
tico reservado.26 Geralmente apresentam-se como grandes massas abdo-
A TC pode ser útil na avaliação se a massa renal tem minais, de superfície lisa e regular que não ultrapassam a
origem no parênquima, na cápsula ou seio renal. A densi- linha média (Fig. 35.22). Dor abdominal e hematúria ma-
dade de gordura pode ser observada nos lipossarcomas, croscópica estão presentes em 30% dos casos. Manifesta-
porém com freqüência apresenta-se com densidade de te- ções de dor aguda, febre, anemia, hipertensão arterial e
cidos moles. A ausência de linfonodomegalia retroperito- perda de peso podem estar presentes.
neal em paciente com grande massa renal é também mais A disseminação destes tumores pode ser regional, inva-
sugestiva de sarcoma do que de carcinoma. dindo o retroperitônio, veia cava e renal e linfáticos regio-
A cirurgia radical é o único método potencialmente cura- nais, e a distância, comprometendo pulmões, fígado, os-
tivo de tratamento destes tumores. Embora recorrência lo- sos e cérebro.
cal e a distância sejam comuns, significativa sobrevida pode
ser conseguida somente com a ressecção completa desses
tumores. Quimioterapia e radioterapia podem ser emprega-
das em situações bem definidas quando margens cirúrgicas
positivas são detectadas, porém com resultados pobres.

Outros Tumores Renais


TUMORES METASTÁTICOS
O rim é sítio freqüente de metástases de uma variedade
de tumores sólidos e doenças malignas hematológicas. O
carcinoma primário de pulmão é o que mais comumente
atinge o rim. Outros tumores que podem metastatizar para
os rins são os de mama, ovários e intestino. Linfoma e
linfoblastoma também acometem com freqüência os rins.
Estes tumores usualmente aparecem como nódulos múl-
Fig. 35.21 Microfotografia de tumor de Wilms onde se observam
tiplos, embora lesões únicas sejam também observadas. componentes estromal (à direita) e epitelial, composto de estru-
A urografia excretora (UIV) e a ultra-sonografia dificil- turas tubulares (à esquerda) (HE ⫻ 100). Cortesia do Dr. Gilber-
mente conseguem distinguir os tumores metastáticos da to Antunes Sampaio.
capítulo 35 645

com nefropatia dos Bálcãs, infecções crônicas e cálculos


renais está também presente.

Patologia
O carcinoma de células transicionais representa cerca de
90% dos tumores da pelve renal, e o carcinoma epidermói-
de, aproximadamente 7%. Outros tumores do trato uriná-
rio superior são extremamente raros e compreendem os
adenocarcinomas e sarcomas.
Os carcinomas de células transicionais disseminam-se
geralmente pela via excretora por todo o urotélio, ocorren-
do lesões concomitantes em ureter e bexiga em cerca de 30
a 75% dos pacientes.31 A disseminação pode também ser
por contigüidade para parênquima renal e gordura perir-
renal, via linfática para cadeia paraaórtica e linfonodos
pélvicos e por via hematogênica, envolvendo geralmente
ossos, fígado e pulmão.
Fig. 35.22 Peça de autópsia — rins e bexiga. Tumor de Wilms à
direita. Cortesia do Dr. Gilberto Antunes Sampaio.
Diagnóstico
A hematúria é a manifestação clínica mais freqüente, sen-
do observada em 90% dos casos. Dor em flanco usualmente
O diagnóstico diferencial destas lesões deve ser feito ocorre em virtude da dilatação pielocalicial pela obstrução
com o neuroblastoma, a neoplasia abdominal mais comum da via excretora pelo tumor, e dor tipo cólica pode ocorrer
na infância, e outros tumores renais, como rins policísticos, pela passagem de coágulos pelo ureter. Massa palpável é
hidronefrose e linfomas. infreqüente, sendo observada apenas em decorrência de
A UIV demonstra com freqüência um processo expan- hidronefrose acentuada ou em tumores avançados.
sivo intra-renal e distorção dos cálices. O ultra-som auxi- A UIV é o exame de imagem de escolha na investigação
lia na diferenciação das lesões císticas, invasão de veia cava destes tumores e em 50 a 75% dos pacientes um defeito de
e exploração da doença bilateral. A TC revela a natureza e enchimento da pelve renal ou cálices é observado (Fig.
a extensão regional da neoplasia.29 Outros exames, como a 35.23). Entretanto, em pacientes com tumor em estádio
radiografia de tórax e a RNM, auxiliam na avaliação do
comprometimento pulmonar e na invasão tumoral por
trombo na veia cava.
Os tumores de Wilms em geral respondem bem à cirur-
gia radical por meio da nefrectomia associada a quimiote-
rapia e/ou radioterapia. A evolução destes tumores me-
lhorou muito com a introdução da quimioterapia citotóxi-
ca na década de 50 e a radioterapia. O prognóstico depen-
de efetivamente do volume tumoral, da extensão e do tipo
histológico do tumor (histologia favorável ou desfavorá-
vel — anaplásico) e da idade da criança. Atualmente o ín-
dice de cura chega a 90% nos tumores localizados e a até
50% em tumores com metástases a distância.30

CARCINOMA DE PELVE RENAL


Epidemiologia
Representa entre 4 e 10% das neoplasias que atingem os
rins e corresponde a menos de 2% dos tumores urogeni-
tais. Acomete preferencialmente homens após a sexta dé-
cada de vida na proporção de 3:1 em relação às mulheres.
Estes tumores parecem estar relacionados ao tabagismo,
exposição a agentes químicos e ocupacionais (indústria
química e petroquímica) e ao uso excessivo de analgésicos Fig. 35.23 Falha de enchimento observado na UIV secundário à
do tipo fenacetina. A associação dos carcinomas de urotélio tumor de pelve renal esquerda.
646 Tumores Renais

avançado podem ocorrer obstrução e não-visualização da Estadiamento


via excretora. Nestas situações a ureteropielografia retró- Atualmente a classificação mais utilizada para o estadi-
grada pode prover melhor visualização, além da possibi- amento dos tumores de pelve renal é o TNM proposto pela
lidade de coletar urina diretamente da pelve renal para UICC (revisado em 1999) (Quadro 35.4).
exame citológico. A ultra-sonografia e a TC não superam
a urografia no diagnóstico, mas podem ser úteis na dife- Tratamento
renciação de uma falha de enchimento ocasionada por cál- Em casos de tumores localizados, a nefroureterectomia
culos radiotransparentes e também no estadiamento da radical com remoção de segmento de parede vesical junto
doença (Fig. 35.24). ao local de implante do ureter é a terapia preferencial. A
Atualmente, com a ampla utilização de materiais endos- indicação de remoção de todo o ureter e parte da parede
cópicos flexíveis, a ureterorrenoscopia tornou-se um arma- da bexiga faz-se necessária em virtude da possibilidade de
mento bastante utilizado na investigação de lesões do tra- recidiva tumoral nestes locais, que pode chegar a 25-40%
to urinário superior. O diagnóstico dos tumores de via dos casos quando os tumores não são removidos.
excretora superior chega a 92% de acurácia com este mé- Em situações especiais, como em portadores de rim
todo, além de possibilitar a realização de biópsia das le- único, tumores bilaterais, tumores de baixo grau (estádio
sões.32 T1-T3, N0, M0), déficit de função renal e pacientes em más
Devido à alta incidência de tumores vesicais em associ- condições clínicas, uma abordagem mais conservadora,
ação com carcinoma de pelve renal, a cistoscopia deve ser preservando-se o rim comprometido, pode ser adotada.
sempre empregada no estadiamento destes tumores. Ressecção parcial da pelve, ressecção e/ou eletrofulgura-
Finalmente, o exame citopatológico da urina emitida ção endoscópica por meio de ureteroscopia com utilização
pode revelar a presença de células neoplásicas do urotélio, de laser ou via percutânea com ressecção completa da le-
porém os resultados falso-negativos ainda são altos. Como são e irrigação local com BCG podem ser empregadas.34
alternativa, a coleta de urina diretamente do trato uriná- Tumores localmente avançados (T4, N0, M0) podem ser
rio superior por meio de cateter introduzido endoscopica- tratados com nefroureterectomia seguida de quimiotera-
mente, pelo qual se injeta soro fisiológico para lavar a pel- pia sistêmica com M-VAC (Metotrexate, Vimblastina,
ve e coletar material potencialmente rico em células neo- Adriamicina e Cisplatina) em 4-6 ciclos. Eventualmente a
plásicas, aumenta a eficácia do método. A utilização de cirurgia pode ser associada à radioterapia, embora estes
cateter com escova (brush biopsy), de caráter esfoliativo, tumores sejam em geral radiorresistentes.
pode também ser utilizada na obtenção de material para Tumores irressecáveis ou com lesões metastáticas de-
citologia.33 vem ser tratados inicialmente com quimioterapia citotóxi-
Assim como para o diagnóstico, cistoscopia, radiologia ca com M-VAC 4-6 ciclos. Se a resposta for satisfatória,
e citologia devem ser empregadas no seguimento periódi- radioterapia ou ressecção cirúrgica das lesões residuais
co dos pacientes submetidos ao tratamento dos tumores de podem ser indicadas na seqüência em casos selecionados.35
pelve renal, pela possibilidade de recorrência tumoral em A sobrevida está diretamente relacionada com o grau e
bexiga ou estruturas adjacentes ao rim. estádio do tumor. Nos pacientes portadores de tumores
localizados o prognóstico em geral é bom, com sobrevida
de cinco anos chegando a 85% dos casos.
Os carcinomas epidermóides da pelve renal apresentam
em geral grande potencial de malignidade, sendo na mai-
oria das vezes diagnosticados em estádio avançado. A
única alternativa de tratamento é a cirurgia radical por
meio de nefroureterectomia, visto que são tumores rádio-
e quimiorresistentes. Em virtude de suas características,
apresentam, portanto, um pior prognóstico.

Pontos-chave:
• 90% são carcinomas de células transicionais
• Hematúria é a manifestação clínica mais
freqüente
• Nefroureterectomia radical com remoção de
segmento de parede vesical é o tratamento
Fig. 35.24 TC com contraste demonstrando processo expansivo preferencial para os tumores localizados
no interior da pelve renal direita.
capítulo 35 647

Quadro 35.4 Estadiamento dos tumores de pelve renal (UICC, 1999)

Tumor Primário (T) Linfonodos Regionais (N) Metástases a Distância (M)

Tx tumor não-classificado Nx linfonodos não-classificados Mx metástases não-classificadas


T0 sem tumor primário N1 metástase em 1 linfonodo M0 sem metástases a distância
Ta carcinoma papilar não- ⬍ 2 cm M1 metástase a distância
invasivo N2 metástase em 1 ou ⫹
Tis carcinoma in situ linfonodos entre 2 e 5 cm
T1 invasão da submucosa N3 metástase em 1 ou ⫹
T2 invasão muscular linfonodos maiores de 5 cm
T3 invasão de gordura peripiélica
ou parênquima renal
T4 invasão de estruturas
adjacentes à pelve ou ao rim

classification of renal cell tumors. J Pathol, 183:131-133, 1997.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 18. DEKERNION, J.B.; BELLDEGRUN, A. Renal tumors, cap. 27, p.
1053-1093. In: Walsh, P.C. (et al). Campbell’s Urology, 6th edition, W.B.
1. PANTUCK, A.J.; ZISMAN, A.; RAUCH, M.K.; BELLDEGRUN, A. Saunders Ed., 1992.
Incidental renal tumors. Urology, 56(2): p.190-196, 2000. 19. GOLIMBU, M.; JOSHI, P.; SPERBER, A. et al. Renal cell carcinoma:
2. BELLDEGRUN, A.; DEKERNION, J.B. Renal Tumors, cap. 76, p. 2283- survival and prognostic factors. Urology, 27: p. 291, 1986.
2326. In Walsh, P.C. (et al.) Campbell’s Urology 7th ed. W.B. Saunders, 20. SCHULAM, P.G.; DEKERNION, J.B. Laparoscopic nephrectomy for
1998. renal-cell carcinoma: the current situation. J Endourol, 15 (4): p. 375-
3. HERING, F.L.O. Massas renais, cap. 16, p. 307-310. In: Hering, 376, 2001.
F.L.O.; Srougi, M. (eds.) Urologia — diagnóstico e tratamento. Roca, 21. KOZLOWSKI, P.M.; WINFIELD, H.N. Laparoscopic partial
1998. nephrectomy and wedge resection for the treatment of renal
4. SINGER, A.J. Angiomyolipoma. Infect Urol, 14(4): p. 94-97, 2001. malignancy. J Endourol, 15 (4): p. 369-374, 2001.
5. TOLEDO, A.F.; DORNELLES NETO, E.J. Neoplasias benignas e 22. PAVLOVICH, C.P.; WALTHER, M. M.; CHOYKE, P.L. et al.
malignas do rim. In: Barata, H.S.; Carvalhal, G.F.(eds.) Urologia — Percutaneous radio frequency ablation of small renal tumors: initial
princípios e prática. Porto Alegre: Artmed, 1999, p. 333- 338. results. J Urol, 167 (1): p. 10-15, 2002.
6. BURGA, A.M.; COHEN, E.L.; UNGER, P. Kidney neoplasms — can 23. SHINGLETON, W.B.; SEWELL Jr., P.E. Percutaneous renal
renal oncocytoma be distinguished from renal cell carcinoma? cryoablation of renal tumors in patients with Von Hippel-Lindau
Contemp Surgery, 57(2): p. 64-67, 2001. disease. J Urol, 167(3): p. 1268-1270, 2002.
7. LIEBER, M.M. Renal oncocytoma, p. 99-101. In: Seidmon, E.J.; 24. JOHNSON, D.B.; NAKADA, S.Y. Cryosurgery and needle ablation
HANNO, P.M. (eds.) Current urologic therapy, 3 ed. W.B. Saunders, of renal lesions. J Endourol, 15 (4): p. 361-368, 2001.
1994. 25. HAWKINS, M.J. Imunotherapy with high-dose interleukin 2. In:
8. DIAZ, J.I.; MORA, L.B.; HAKAM, A. The main classification of re- Vogeizang, N.; Scardino, P.; Shipley, W. et al. Comprehensive text-
nal cell tumors. Cancer Control, 6(6): p. 57-579, 1999. book of genitourinary oncology. Baltimore: Williams & Wilkins,
9. WINGO, P.A.; TONG, T.; BOLDEN, S. Cancer statistics. Cancer, 45: 1996. p. 242-254.
p. 8, 1995. 26. BRANDINA, L. Tumores renais, cap. 34, p. 440-449. In: Riella, M.C.
10. BRETAN, P.N.; BUSH, M.P.; HRICAK, H. et al.: Chronic renal failu- (ed.) Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos, 3.ª ed. Gua-
re: a significant risk factor in development of adquired renal cyst and nabara Koogan, 1996.
renal cell carcinoma. Cancer, 57: p. 871, 1986. 27. PAYA, K.; HORCHER, E.; LAWRENZ, K.; REBHANDL, W.;
11. LINEHAM, W.M.; LERMAN, M.I.; ZBAR, B. Identification of the ZOUBEK. Bilateral Wilm’s tumor — surgical aspects. Eur J Pediatr
VHL gene: its role in renal carcinoma. JAMA, 273: p. 564, 1995. Surg, 11(2): p. 99-104, 2001.
12. DERIESE, W.; ALLHOFF, E.; KIRCHNER, H. et al. Complete 28. SROUGI, M. Tumor de Wilms, cap. 6, p. 123-141. In: Srougi, M.; Si-
spontaneous regression in metastatic renal cell carcinoma: an up- mon, D.D. (eds.) Câncer urológico. São Paulo. Marprint Editora, 1996.
date and review. World J Urol, 9: p. 184, 1991. 29. GOW, K.W.; ROBERTS, I.F.; JAMIESON, D.H.; BRAY, H.; MAGEE,
13. FOJO, A.T.; SHEN, D.W.; MICKLEY, L.A.; PASTAN, I.; GOTTES- J.F.; MURPHY, J.J. Local staging of Wilm’s tumor — computerized
MAN, M.M. Intrinsic drug resistance in human kidney cancer is tomography correlation with histological findings. J Pediatr Surg,
associated with expression of a human multidrug-resistance gene. J 35(5), p. 677-679, 2000.
Clin Oncol, 5(12): 1922-7, Dec 1987. 30. RAMSDEN, W.H. Imaging in diagnosis and staging of paediatric
14. KAKEHI, Y.; KANAMRUIT, K.; YOSHIDA, O. et al. Measurement abdominal tumours. Imaging, 13, p. 262-271, 2001.
of the multidrug resistance messenger RNA in urogenital cancers: 31. POHAR, K.S.; SHEINFELD, J. When is partial ureterectomy
elevated expression in renal cell carcinoma is associated with acceptable for transicional-cell carcinoma of the ureter? J Endourol,
intrinsic drug resistance. J Urol, 139: p. 862, 1988. 15(4), p. 405-408, 2001.
15. COHEN, A.J.; LI, F.P.; BERG, S. et al. Hereditary renal cell carcino- 32. HARA, I.; HARA, S.; MIYAKE, H.; NOMI, M.; GOTOH, A. et al.
ma associated with a chromosomal translocation. N Engl J Med, 301: Usefulness of ureteropyeloscopy for diagnosis of upper urinary tract
p. 592, 1979. tumors. J Endourol, 15(6), p. 601-605, 2001.
16. KONNACK, J.W.; GROSSMAN, H.B. Renal cell carcinoma as an 33. SOUTO, C.A.V. Neoplasias da pelve renal e de ureter. In: Barata,
incidental finding. J Urol, 134: p. 1094-1096, 1995. H.S.; Carvalhal, G.F. (eds.) Urologia — princípios e prática. Porto Ale-
17. KOVACS, G.; AKHTR, M.; BECKWITH, B.J. et al. The Heidelberg gre: Artmed, 1999. p. 339-343.
648 Tumores Renais

34. POTTER, S.R.; CHOW, G.K.; JARRET, T.W. Percutaneous endosco- ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
pic management of urothelial tumors of the renal pelvis. Urology,
58(3), p. 457-459, 2001. American Journal of Kidney Diseases
35. SROUGI, M.; DZIK, C. Câncer de pélvis renal, cap. 3, p. 13-17. In: www.ajkd.org/
Srougi, M.; Lima, S.V.C. (eds.) Manual de normatização — câncer uro- Digital Urology Journal
lógico, 1.ª ed. São Paulo: BG Cultural, 2000. www.duj.com
Brazilian Journal of Urology
www.brazjurol.com.br
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA The Journal of Urology
www.jurology.com
SROUGI, M.; SIMON, D.D. Câncer urológico. São Paulo, Marprint edito- Urology Network
ra, 1996. (eds.) www.urologynet.org
WALSH, P.C. Campbell’s Urology, 7th ed. W.B. Saunders, 1998. Medscape Urology
BARATA, H.S.; CARVALHAL, G.F. Urologia princípios e prática. Porto www.medscape.com
Alegre: Artmed, 1999. p. 333-338. (eds.) Urology Update
http://epublications.vercomnet.com/urology/
Capítulo
Insuficiência Renal Crônica (IRC)

36 Roberto Zatz

INTRODUÇÃO OS BALANÇOS DE POTÁSSIO E DE ÁCIDO NA IRC


A TEORIA DO “NÉFRON INTACTO” OS BALANÇOS DE CÁLCIO E DE FOSFATO NA IRC — A
OS MECANISMOS DE ADAPTAÇÃO DO NÉFRON À PERDA OSTEODISTROFIA RENAL
PROGRESSIVA DE MASSA RENAL A NATUREZA PROGRESSIVA DA IRC: CONSEQÜÊNCIA DO
O CONCEITO DE BALANÇO E SUA MANUTENÇÃO NA IRC “TRADE-OFF”?
— O BALANÇO DE SÓDIO CONCLUSÕES
O MECANISMO DE “TRADE-OFF” REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O BALANÇO DE ÁGUA ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

preendente quando se considera a extrema importância dos


INTRODUÇÃO rins para a sobrevivência do organismo. Além da óbvia fun-
ção de eliminar os produtos indesejáveis do metabolismo,
os rins são essenciais à manutenção, dentro de limites estrei-
Pontos-chave: tos, das dimensões e da composição físico-química do or-
• Os rins são capazes de adaptar-se à perda ganismo: mantêm constantes o volume extracelular (VEC),
a concentração de eletrólitos, a acidez e a pressão osmótica
crônica de néfrons
do meio interno e provavelmente a pressão arterial, além de
• Na IRC, a homeostase é mantida até fases exercer as funções de uma verdadeira glândula endócrina,
bastante avançadas da IRC produzindo eritropoietina e a forma ativa da vitamina D. A
importância dos rins fica ainda mais clara quando se obser-
Em meados do século XIX, Richard Bright, médico do vam as conseqüências de uma nefrectomia bilateral em um
Guy’s Hospital, em Londres, descreveu uma enfermidade rato, por exemplo. O animal assim tratado retém uma quan-
até então desconhecida. Os pacientes apresentavam edema tidade enorme de excretas, tais como a uréia, acumula líqui-
e a autópsia indicava a presença de vários achados que, sa- dos e desenvolve acidose e hiperpotassemia, não chegando
bemos hoje, representavam na verdade complicações da a sobreviver mais do que 3 ou 4 dias. Conseqüências seme-
hipertensão arterial, tais como hipertrofia ventricular esquer- lhantes são observadas em pacientes cujos rins deixam
da e hemorragias cerebrais. Além disso, seus rins tinham abruptamente de funcionar, como por exemplo após um
freqüentemente um aspecto “contraído e granular”, que hoje choque hemorrágico prolongado (v. Cap. 21, Insuficiência
identificamos como o estádio terminal da IRC. Desde logo Renal Aguda). Como explicar então que nas doenças renais
ficou claro que a história natural da doença de Bright, nome crônicas o indivíduo siga assintomático durante anos, en-
pelo qual a IRC foi designada durante mais de um século, quanto seus rins vão sendo paulatinamente destruídos?
era a de um processo extremamente insidioso, que podia Sabemos hoje que uma das explicações para essa evo-
evoluir sem grandes sintomas durante muitos anos, até que lução tão arrastada repousa sobre uma propriedade fun-
atingisse suas fases finais. Essa observação é um tanto sur- damental do parênquima renal: embora os rins sejam in-
650 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

dispensáveis à sobrevivência do organismo, sua capacida- 6 do parênquima renal (Fig. 36.1). Esse aumento decorre
de funcional é vastamente superior ao mínimo necessário. de uma profunda alteração da dinâmica glomerular. Em
Isso permite que seres humanos, cães e ratos possam man- ratos normais a pressão efetiva de ultrafiltração (correspon-
ter-se vivos com 10% ou menos de sua função renal nor- dente à área compreendida entre as duas linhas azuis na
mal quando sua massa renal é drasticamente reduzida por Fig. 36.2) gira em torno de 10 mmHg, com um gradiente
processos mórbidos ou mesmo por retirada cirúrgica. A hidráulico de 40 mmHg e um fluxo plasmático glomeru-
manutenção de níveis funcionais apropriados em face de lar inicial de 140 nl/min. Após a ablação de 5/6 do parên-
uma redução considerável da massa renal deve-se ainda a quima renal, o fluxo plasmático renal passa a 250 nl/min,
uma outra propriedade básica do parênquima renal: os enquanto o gradiente hidráulico vai a mais de 50 mmHg,
néfrons remanescentes são capazes de adaptar-se à nova fazendo com que a pressão efetiva de ultrafiltração ultrapas-
condição biológica, multiplicando em várias vezes seu rit- se 30 mmHg, ou três vezes o valor normal (Fig. 36.2).
mo de trabalho. Isso fica bastante claro quando se analisa
o comportamento da taxa de filtração glomerular por né-
fron (FPN) em face de reduções progressivas do parênqui- A TEORIA DO “NÉFRON
ma renal em ratos.1 Enquanto a FPN normal é de cerca de
45 nl/min (45 ⫻ 10⫺9 litros) em ratos normais, seu valor INTACTO”
sobe a ⬃60 nl/min em ratos submetidos a uninefrectomia,
podendo chegar ao triplo do normal após a retirada de 5/
Pontos-chave:
Na IRC:
• Há uma enorme variação das taxas de
filtração por néfron nas unidades
remanescentes
• O balanço glomérulo-tubular continua a
existir em cada néfron remanescente, mas o
equilíbrio se desloca em favor da atividade
tubular
• A atividade tubular dos néfrons
remanescentes é proporcional às
necessidades do organismo, variando com a
ingestão de sódio e potássio, com a
Fig. 36.1 Representação esquemática da elevação da taxa de fil- produção metabólica de ácido fixo etc.
tração por néfron (FPN) em função da perda de néfrons.

Fig. 36.2 Representação esquemática da dinâmica glomerular em condições normais (linhas azul-claro) e após retirada de 85% do
parênquima renal (linhas azul-escuro). As linhas superiores representam a diferença de pressão hidráulica transcapilar (⌬P), en-
quanto as linhas inferiores representam a pressão coloidosmótica intracapilar (␲). A área azul compreendida entre as duas curvas
representa a pressão efetiva de ultrafiltração (PUF).
capítulo 36 651

Também a função tubular sofre adaptação intensa em conforme esperado, o rim lesado apresentava uma taxa de
indivíduos com IRC progressiva. Esse processo tornou-se filtração glomerular bastante inferior à do rim controle2 (Fig.
mais claro a partir dos experimentos realizados por Bricker 36.4). Mediu-se também nesses animais a taxa de excreção
e colaboradores na década de 60.2,3 Esses investigadores uti- de amônio, que funcionava como uma medida da função
lizaram um modelo bastante engenhoso de lesão unilateral tubular desses rins.2 Também de acordo com as expectati-
em cães, com três fases distintas (Fig. 36.3). Na primeira fase, vas, a taxa de excreção de amônio era muito menor no rim
ambos os rins estavam intactos, podendo a função de cada doente. No entanto, quando se expressava a taxa de excre-
um ser estudada separadamente por meio de um artifício ção de amônio como uma fração da taxa de filtração glome-
cirúrgico. Na segunda fase induzia-se no rim esquerdo uma rular, encontravam-se valores bastante semelhantes nos dois
nefropatia crônica. Nessa fase, o rim intacto arcava com as rins. Esse achado sugeria que o rim lesado era capaz de ajus-
funções habitualmente desempenhadas pelos dois rins, ca- tar-se à doença, mantendo uma proporção mais ou menos
bendo ao rim doente apenas uma pequena parcela dessa constante entre função glomerular e função tubular (balan-
tarefa. Na terceira fase, o rim normal era removido, passan- ço glomérulo-tubular). Isso ficou ainda mais claro quando
do a recair sobre o rim lesado a totalidade das funções de se procedeu à retirada do rim normal (fase III). Nessas cir-
manutenção da homeostase. Quando se mediu a taxa de fil- cunstâncias, observou-se que o RFG elevou-se em 50%, en-
tração glomerular em cada um dos rins, verificou-se que, quanto a taxa de excreção de amônio elevou-se em 100%,
configurando uma intensificação desproporcional da fun-
ção tubular em relação à função glomerular (quebra do ba-
lanço glomérulo-tubular). Esse achado indicava que o rim
lesado se havia adaptado à nova situação, na qual se exigia
de cada néfron uma taxa de excreção suficientemente alta
para que, no conjunto, o tecido renal remanescente igualas-
se a taxa de produção de ácido fixo pelo organismo. Num
primeiro momento, Bricker e colaboradores interpretaram
esses achados de acordo com o seguinte raciocínio: 1) seria
improvável que néfrons muito lesados pela doença crônica
participassem de uma adaptação funcional tão vasta e tão
complexa quanto a que haviam detectado; 2) os resultados
obtidos em cães com nefropatia unilateral poderiam então
estar indicando que somente os néfrons não atingidos pela
doença contribuem para a função renal global, sendo des-
prezível a participação dos néfrons lesados. Em outras pa-
Fig. 36.3 Representação esquemática do procedimento adotado nos
lavras, a notável adaptação observada nos cães com nefro-
experimentos de Bricker. (Adaptado, com permissão, de Malnic, patia unilateral constituiria, segundo Bricker, o resultado do
G. e Marcondes, M. Fisiologia Renal, EDART, São Paulo, 1972.) ajuste, mais ou menos em uníssono, de uma reduzida po-

Fig. 36.4 Ritmo de filtração glomerular (RFG), excreção de amônio em valor absoluto (UNH4V) e fracionada pelo RFG (UNH4V/RFG)
em cães com insuficiência renal crônica experimental. (Adaptado, com permissão, de Dorhout-Mees, E.J.; Machado, M.M.; Slatopolsky,
E.; Klahr, S. e Bricker, N.S. J. Clin. Invest. 45:289, 1966.)
652 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

pulação de néfrons poupados do processo mórbido. Essa


teoria foi chamada de “teoria do néfron intacto”, sendo aceita Pontos-chave:
durante alguns anos pela maioria dos investigadores nessa
Para preservar a função renal em uma
área. Após algum tempo, porém, a teoria do néfron intacto
situação de perda crônica de néfrons:
precisou ser revista. Embora seja verdade que nas doenças
renais crônicas muitos néfrons estão excessivamente destru- • A taxa de filtração por néfron aumenta até
ídos para poder contribuir para a função renal, é também onde é fisicamente possível
perfeitamente possível uma participação, ainda que mais • A função tubular aumenta na medida exata
modesta, dos néfrons apenas parcialmente atingidos. Na necessária a atender às necessidades do
verdade, alguns experimentos posteriores demonstraram organismo, até atingir o limite permitido
que a indução de nefropatias crônicas leva a uma enorme pela capacidade funcional de suas células
variação das taxas de filtração glomerular por néfron. Não
obstante, quando se estudaram néfrons individuais por
micropunção, a atividade tubular (por exemplo a absorção cia renal crônica, tais como a ablação de 5/6 do parênqui-
proximal de sódio), e a FPN mantinham-se na mesma pro- ma renal. Esse aumento ocorre à custa de uma elevação
porção: quando, por exemplo, a FPN caía a 10% do normal, simultânea do fluxo plasmático glomerular e da diferen-
também a taxa de absorção proximal de sódio se reduzia a ça de pressão hidráulica transglomerular (⌬P). Ambas as
10%. Em néfrons com FPN duas vezes superior ao normal, alterações dependem de adaptações, tais como a dilata-
a taxa de absorção de sódio também dobrava, e assim por ção das arteríolas glomerulares, devendo predominar a
diante.4 Por razões como essas, o próprio Bricker viria a vasodilatação aferente. É evidente que a dilatação da ar-
modificar, já em fins da década de 60, o enunciado da hipó- teríola aferente tem um limite máximo. Isso significa que
tese que elaborara.5 De acordo com o novo enunciado, os tanto ⌬P como QA tendem a um valor máximo. Em ou-
néfrons que contribuem para a função renal comportam-se tras palavras, o valor da FPN tem um teto, correspondente
em sua maior parte, do ponto de vista do balanço gloméru- (no rato, onde tais medidas são possíveis) a cerca de três
lo-tubular, como se fossem normais, mantendo a proporção vezes o valor normal. E quanto à função tubular? Tome-
entre carga excretada e carga filtrada mesmo em face de uma mos como exemplo a excreção de amônio. Como sabemos,
enorme heterogeneidade funcional. Em outras palavras, a o íon amônio (NH4⫹) é formado quando uma molécula de
própria denominação “teoria do néfron intacto” deixou de amônia (NH3), secretada pelos túbulos como parte do
ser apropriada, embora tenha curiosamente sobrevivido processo de acidificação de urina, liga-se a um próton
até os dias de hoje. Bricker observava ainda que essa pro- (H⫹). A excreção de NH4⫹ deve necessariamente corres-
porção entre glomérulo e túbulo (balanço glomérulo-tubu- ponder às necessidades do organismo, que gera ácido fixo
lar) pode alterar-se, “atendendo às mutáveis necessidades continuamente e precisa eliminá-lo. A produção de áci-
do organismo”. O que queria dizer isso? Voltemos ao do fixo pelo organismo não é afetada pelas doenças re-
modelo de nefropatia unilateral estudado por Bricker. Na nais crônicas. Portanto, para que o organismo continue a
fase III do modelo, após a retirada do rim são, a taxa de eliminar a mesma quantidade de ácido dispondo de um
excreção de amônio elevava-se em desproporção à eleva- número reduzido de néfrons, é necessário que em cada
ção do RFG. De acordo com o novo enunciado da teoria néfron remanescente os mecanismos de acidificação uri-
de Bricker, os néfrons remanescentes do rim lesado man- nária, em especial a secreção de amônia, funcionem em
tinham uma proporcionalidade entre função glomerular e ritmo superior ao normal.6 A taxa de excreção urinária de
tubular, mas a constante de proporcionalidade aumenta- NH4⫹ por néfron aumenta na proporção necessária para
va em favor dos túbulos, indicando que a sobrecarga fun- que o tecido renal (isto é, o conjunto de néfrons sobrevi-
cional a estes últimos era maior. Qual seria a razão para ventes) compense exatamente a produção de ácido fixo
esse comportamento? E o que teria isso a ver com as ne- pelo organismo. Ou seja, é a necessidade deste, determi-
cessidades do organismo? nada por sua taxa metabólica, que vai ditar o ritmo de
excreção urinária de NH4⫹. Portanto, enquanto a FPN
aumenta até onde é fisicamente possível, a secreção de
OS MECANISMOS DE NH4⫹ por néfron remanescente vai aumentar na medida
ADAPTAÇÃO DO NÉFRON À do necessário. É claro que aqui também existe um limi-
te. Se a destruição de parênquima renal for suficiente-
PERDA PROGRESSIVA DE mente extensa, chegaremos a um ponto em que não mais
MASSA RENAL será possível aumentar indefinidamente a secreção de
NH3 e a excreção de NH4⫹, e o indivíduo passará a acu-
Vamos considerar em primeiro lugar o que acontece mular H⫹. É por essa razão que, nas fases mais avança-
nos glomérulos. Conforme descrito acima (Fig. 36.1), a das da IRC, os pacientes apresentam-se em acidose me-
FPN aumenta nos modelos experimentais de insuficiên- tabólica.
capítulo 36 653

O CONCEITO DE BALANÇO E
SUA MANUTENÇÃO NA IRC — O
BALANÇO DE SÓDIO

Pontos-chave:
• O balanço de sódio é mantido até as fases
terminais da IRC
• A fração excretada de sódio é inversamente
proporcional ao RFG
• Com frações de excreção de sódio baixas, a
excreção de sódio pode ser ajustada
exclusivamente no túbulo coletor
• Frações de excreção de sódio mais altas
exigem a participação de todos os
segmentos do néfron na regulação da Fig. 36.5 A fração de excreção de qualquer soluto é uma função
inversa do ritmo de filtração glomerular (RFG).
excreção de sódio

Os conceitos discutidos acima com relação à secreção de filtração dos rins como um todo. Ao contrário da FPN, o
NH4⫹ valem para praticamente todas as funções tubulares. RFG cai progressivamente na insuficiência renal crônica),
No entanto, eles se tornam ainda mais claros quando con- de tal modo que, com uma redução dessa taxa a 50% do
sideramos a excreção de eletrólitos como sódio e potássio, normal, a fração excretada do soluto dobra; para uma re-
cuja eliminação se faz quase exclusivamente através dos dução a 10% do normal, a fração excretada eleva-se em 10
rins. Para compreender plenamente o que ocorre com es- vezes, e assim por diante. Como o decréscimo do RFG cor-
ses íons na insuficiência renal crônica, é fundamental re- responde a uma queda do número de néfrons, é evidente
ver o conceito de balanço. Em uma situação estacionária, que, à proporção que a doença avança, aumenta a quanti-
que é o que ocorre usualmente tanto em indivíduos sãos dade de cada soluto excretada por néfron, desde que, como
como nos pacientes com doença renal progressiva, a inges- é habitual, a taxa de ingestão desse soluto permaneça cons-
tão e a excreção desses íons devem equivaler-se, caso con- tante. Esse fenômeno tem importantes implicações fisiopa-
trário haveria acúmulo ou depleção dos mesmos. Em ou- tológicas. Consideremos por exemplo a regulação da ex-
tras palavras, o organismo mantém-se em balanço com re- creção de sódio. Em um indivíduo normal, com dois rins,
lação a esses íons. Como em geral os hábitos alimentares 2 ⫻ 106 néfrons e um RFG de 120 ml/min, uma taxa de
variam muito pouco com o tempo, a ingestão desses íons ingestão de cloreto de sódio de 10 g/dia, equivalente a 150
tende a permanecer constante a longo prazo. Portanto, para mEq/dia do íon sódio, é perfeitamente balanceada por
que o balanço se mantenha, a excreção urinária (para sim- uma taxa de excreção urinária de igual valor, correspon-
plificar, consideremos desprezível a excreção fecal ou atra- dente a uma fração de excreção muito baixa, de cerca de
vés do suor) deve permanecer igual à ingestão, ainda que 0,6% (150 mEq/dia excretados para uma carga filtrada de
à custa de uma grande sobrecarga aos néfrons remanescen- 24.000 mEq/dia). Em condições normais, cerca de 90% da
tes. Em conseqüência, a fração excretada (ou seja, o quoci- carga de sódio filtrada nos glomérulos são absorvidos no
ente entre a taxa de excreção urinária e a carga filtrada)* túbulo proximal (⬃65%) e na alça de Henle (⬃25%). Como
de cada um dos solutos habitualmente eliminados pelo rim o túbulo distal absorve outros 7%, restam apenas 3% da
acaba sendo uma função inversa do RFG, conforme ilus- carga filtrada de sódio ao túbulo coletor. É no entanto esse
trado na Fig. 36.5 (atenção: o RFG representa o ritmo de segmento o principal responsável pelo ajuste fino da ex-
creção de sódio,7 absorvendo 2,4% da carga filtrada e re-
jeitando os 0,6% restantes, que constituem precisamente a
*A carga filtrada (CF) é calculada como CF ⫽ RFG ⭈ [Na⫹], onde [Na⫹] é fração excretada de sódio no exemplo acima. Se o indiví-
a concentração plasmática de sódio. Para uma [Na⫹] de 140 mEq/L e um duo passar a ingerir 20 g/dia (300 mEq de Na), uma taxa
RFG de 120 ml/min, a carga filtrada será de 120 ⭈ 140/1.000 ⫽ 16,8 mEq/ excessiva para os padrões habituais em nosso meio, o tú-
min ou ⬵ 24.000 mEq/dia. Em condições estacionárias, sem sudorese
bulo coletor ainda assim mantém o balanço de sódio sim-
significativa, a carga excretada (CE) equivale à taxa de ingestão. Se esta
for de 150 mEq/dia, a fração de excreção (FE%) será igual a 150/24.000 plesmente absorvendo 1,8% e excretando 1,2% da carga
⬵ 0,6%. filtrada (300 mEq excretados para uma carga filtrada de
654 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

24.000). Se a taxa de ingestão cair para 2 g/dia (30 mEq/ mais conhecido por sua designação em inglês, “trade-off”
dia), a fração excretada de sódio cairá para 0,12% (30/ (que poderíamos traduzir por algo como “toma-lá-dá-cá”
24.000); para isso, o túbulo coletor precisa aumentar sua ou “negociação”). O “trade-off” é um dos mecanismos bá-
taxa de absorção para 2,88%. Esses ajustes finos requerem sicos de adaptação às nefropatias crônicas,8 aplicando-se
alterações sutis, praticamente imperceptíveis, do VEC. Em não apenas ao processamento de sódio, mas ao de água e
condições normais, esse mecanismo de sintonia fina dá de vários outros íons, como veremos adiante.
conta de praticamente qualquer variação na ingestão de A relação inversa entre a fração de excreção de sódio e
sódio, desde as exageradas, como em certas partes do Ja- o RFG está representada pela linha sólida na Fig. 36.5. A
pão, onde pode chegar a 300 mEq/dia, até as baixíssimas, situação pode agravar-se, com expansão ainda maior do
como a dos índios ianomâmis. Se no entanto o RFG sofrer VEC, se a ingestão de sódio for mais alta que o habitual,
uma queda muito acentuada, esse controle pode tornar-se conforme ilustrado pela linha tracejada na Fig. 36.5. Por
problemático. Se por exemplo o RFG cair a 50% do normal exemplo, um RFG de 20 ml/min exige uma fração de ex-
(60/ml/min), mantendo-se a taxa de ingestão de sódio no creção de 4% para o sódio, o que já requer uma expansão
valor habitual de 150 mEq/dia, a fração de excreção de considerável do VEC mesmo que a taxa de ingestão de
sódio irá a 1,2% para manter o balanço (150 mEq/dia a sódio não ultrapasse 150 mEq/dia. Se essa taxa passar a
serem excretados, enquanto a carga filtrada de sódio cai a 300 mEq/dia, será necessário elevar a fração de excreção
12.000 mEq/dia devido à queda do RFG). O túbulo cole- de sódio a 8%, o que exige uma expansão muito maior do
tor ainda é capaz de adaptar-se facilmente a essa situação, VEC, com graves conseqüências clínicas.
rejeitando 1,8% do sódio que lhe chega. Quedas ainda Assim como a ingestão excessiva de sódio agrava a ex-
maiores do RFG, no entanto, tornam o funcionamento des- pansão do VEC na IRC, é possível facilitar a excreção de
se mecanismo cada vez mais difícil, até inviabilizá-lo. sódio reduzindo-se sua taxa de ingestão (linha pontilhada
na Fig. 36.5). Na verdade, essa é uma das medidas terapêu-
ticas adotadas nas fases mais avançadas da insuficiência
O MECANISMO DE “TRADE-OFF” renal crônica. No entanto, é preciso compreender que as
alterações fisiopatológicas impostas pela redução crônica
da massa renal terminam por limitar progressivamente a
Pontos-chave: capacidade do rim de adaptar-se não apenas ao excesso,
mas também à escassez de sódio, tal como ocorre em paci-
A manutenção do balanço de sódio na IRC entes com diarréia e vômitos intensos, ou mesmo naque-
tem um preço: les submetidos a tratamento prolongado com diuréticos.
• Há uma necessidade crescente de expandir Em condições normais, o rim tem a capacidade de reduzir
o volume extracelular a quase zero, se necessário, a excreção urinária de sódio
• Tanto a ingestão de sódio excessiva quanto (como ocorre com os índios ianomâmis). Para economizar
sódio a tal ponto, o néfron utiliza-se da capacidade do tú-
a deficiente tendem a ser mal toleradas pelo
bulo coletor de transportar solutos contra enormes gradi-
organismo entes eletroquímicos. Essa atividade é extremamente difi-
cultada quando o túbulo coletor é inundado com a enor-
Se o processo de IRC estiver muito avançado, torna-se me sobrecarga de sódio decorrente do aumento da filtra-
necessário elevar ainda mais a fração de excreção de sódio. ção por néfron e da rejeição de sódio nos segmentos ante-
Se o RFG já estiver reduzido, por exemplo, a 25% do nor- riores do néfron (túbulo proximal e porção espessa da alça
mal, a FENa terá de subir a 2,4%. Isso exige que o túbulo de Henle. Por essa razão, o paciente com IRC pode às ve-
coletor rejeite quase todo o seu aporte de sódio e pode zes apresentar um aparente agravamento de sua condição
deprimir a absorção de sódio em outros segmentos do em razão de um processo de desidratação que não ocorre-
néfron. Para que tal adaptação ocorra, é necessário que ria tão facilmente em um indivíduo normal. Essa inflexi-
ocorra um certo grau de expansão, já clinicamente percep- bilidade no processamento renal de sódio faz parte do pre-
tível, do VEC. Quando o RFG se reduz ainda mais, o ajus- ço a pagar pela manutenção da homeostase na IRC, cons-
te da taxa de excreção de sódio exclusivamente através do tituindo-se portanto em um mecanismo de “trade-off”.
túbulo coletor torna-se evidentemente impossível, tornan-
do necessária uma expansão cada vez mais acentuada do
VEC, para forçar uma rejeição de sódio cada vez maior nas O BALANÇO DE ÁGUA
porções mais proximais do néfron. Na verdade, a expan-
são de VEC, com desenvolvimento de hipertensão e às A mesma disfunção que dificulta tanto aos rins adaptar-
vezes com formação de edema, é um preço que o organis- se a variações na ingestão de sódio também leva a uma li-
mo paga para manter o balanço de sódio em face de uma mitação importante na capacidade de concentrar a urina e
massa renal diminuída. Esse conceito de preço a pagar é de manter a tonicidade do meio interno. Para manter-se em
capítulo 36 655

Pontos-chave:
• A capacidade de concentrar e a de diluir a
urina diminuem progressivamente na IRC
• Em conseqüência, a manutenção do balanço
de água é dificultada, facilitando o
estabelecimento de desidratação hipertônica
ou de intoxicação hídrica em circunstâncias
que seriam facilmente toleradas por
indivíduos com função renal normal

funcionamento, o sistema de contracorrente medular, essen- Fig. 36.6 Representação esquemática da relação entre fluxo e con-
centração urinários. A área azul representa a faixa de osmolali-
cial à geração de urina hipertônica, exige um fluxo intratu- dades urinárias (e de fluxos urinários) tipicamente observada em
bular adequado, nem muito alto nem muito baixo.9 Como a pacientes com IRC.
taxa de filtração por néfron aumenta muito na IRC, e como
a expansão do VEC deprime a absorção tubular de água e
sódio, todos os segmentos do néfron acabam recebendo flu-
xos muito mais altos que o habitual, o que dificulta a manu- OS BALANÇOS DE POTÁSSIO E
tenção do gradiente osmótico córtico-medular. Também DE ÁCIDO NA IRC
contribui para limitar a concentração da urina a desorgani-
zação estrutural que acompanha a IRC, já que o sistema de
contracorrente medular depende para o seu funcionamen- Pontos-chave:
to de um arranjo anatômico preciso e altamente especializa-
do. Em conseqüência dessa limitada capacidade de concen- • O desenvolvimento de hiperpotassemia,
trar a urina, o paciente com IRC pode sofrer uma desidrata- transitória ou permanente, é necessário para
ção hipertônica em situações que seriam perfeitamente to- a manutenção do balanço de potássio na
leradas por um indivíduo normal, como por exemplo uma IRC
privação temporária de água em um dia muito quente. • A manutenção do balanço de ácido é
A capacidade renal de diluir a urina também torna-se li-
possível enquanto os túbulos conseguem
mitada na IRC. É fácil entender a razão dessa limitação quan-
do lembramos que o volume urinário máximo corresponde aumentar sua secreção de NH3 para
a cerca de 14% do RFG. Em um indivíduo normal, com um compensar a perda de néfrons. Quando essa
RFG de 120 ml/min, ou 170 L/dia, o volume urinário pode capacidade chega ao máximo, passa a
chegar, em condições extremas, a 170 ⫻ 0,14 ⬵ 24 L/dia, o ocorrer um balanço positivo de ácido fixo,
que permite que até mesmo pacientes com distúrbios do que é tamponado pelos ossos, os quais se
centro da sede, que ingerem compulsivamente quantidades descalcificam lentamente
enormes de água, mantenham-se em balanço hídrico. Já em
um paciente com IRC, com um RFG de 20 ml/min, por
exemplo, o volume urinário máximo não ultrapassa 20 ⫻ Conforme observado anteriormente, o mecanismo de
0,15 ⫽ 3 L/dia, o que pode levar a um balanço positivo de “trade-off” nas nefropatias crônicas estende-se a vários
água e a uma intoxicação hídrica até mesmo com pequenos outros aspectos da função renal além da manutenção do
excessos na ingestão de líquidos. A limitação imposta pela balanço de sódio e de água. Por exemplo, a excreção de
IRC está ilustrada na Fig. 36.6, na qual a região cinzenta re- potássio fica limitada na IRC, uma vez que a excreção des-
presenta a faixa de osmolalidades (e fluxos) urinários tipi- se íon ocorre necessariamente por via renal. Os néfrons
camente observada em pacientes com IRC avançada. É fá- remanescentes são capazes de secretar e excretar quanti-
cil perceber que tal paciente não poderá cometer grandes dades enormes de potássio, que podem até mesmo supe-
exageros em sua ingestão hídrica, mas também não poderá rar a carga filtrada do íon. Para que isso ocorra, e para que
privar-se de líquidos por muito tempo. Voltamos novamente se mantenha o balanço de potássio, é no entanto necessá-
à questão do preço a se pagar: para atenuar a perda do RFG rio que seus níveis séricos se elevem após uma refeição,
e manter o balanço de sódio, o rim é obrigado a sacrificar especialmente se esta incluir quantidades apreciáveis de
em parte sua capacidade de regular a excreção de água e alimentos ricos em potássio, como frutas e verduras. Pe-
manter o balanço hídrico. quenas elevações da concentração plasmática de potássio
656 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

são usualmente bem toleradas, mas elevações da ordem de ção intestinal de cálcio. A tendência resultante à hipocal-
30% ou mais podem provocar conseqüências sérias, a mais cemia leva ao estabelecimento de um quadro de hiperpara-
importante das quais é o desenvolvimento de arritmias tiroidismo secundário, que permite manter o cálcio plasmá-
cardíacas. Ou seja, é necessário ao organismo correr o ris- tico em níveis normais ou pouco reduzidos à custa de uma
co de uma disfunção cardíaca para manter o balanço de mobilização das reservas ósseas e do estabelecimento de
potássio, ilustrando mais uma vez o funcionamento do um balanço negativo de cálcio.10 Portanto, o preço dessa
mecanismo de “trade-off”. adaptação é uma progressiva descalcificação óssea, uma
A adaptação do organismo ao acúmulo de ácido fixo na vez que o paratormônio (PTH) vai buscar no reservatório
IRC é outro exemplo do mecanismo de “trade-off”. Confor- ósseo o cálcio que deveria provir da absorção intestinal.
me observado acima, a excreção de NH4⫹ por néfron au- Para agravar ainda mais a situação, os pacientes com IRC
menta proporcionalmente à medida em que cai o número avançada e, especialmente, aqueles já dependentes de di-
de néfrons.6 Há no entanto um limite para esse aumento, álise crônica apresentam grande retenção de fosfato (Fig.
determinado pela disponibilidade de enzimas, substrato 36.7), porque a taxa de excreção desse íon é grosseiramen-
e cofatores necessários à biossíntese de NH3. Quando esse te proporcional ao RFG, e também porque sua absorção
limite é atingido, qualquer queda ulterior no número de intestinal é muito menos dependente de vitamina D do que
néfrons faz diminuir a eliminação renal de ácido fixo, le- a de cálcio. A elevação dos níveis séricos de fosfato faz
vando assim a um acúmulo desse ácido no organismo. Na aumentar o produto cálcio ⫻ fosfato acima do nível crítico
ausência de outra alternativa, o excesso de ácido fixo aca- de 70 mg/dl,2 o que tende a provocar uma queda recípro-
ba sendo tamponado pelo tecido ósseo, que se vai ca na concentração plasmática de cálcio, estimulando ain-
descalcificando progressivamente. Esse processo de des- da mais a secreção de PTH e agravando ainda mais o hi-
calcificação, denominado osteomalácia, leva a um enfraque- perparatiroidismo. A ação combinada desses mecanismos
cimento ósseo, com conseqüente predisposição a fraturas. — a carência de vitamina D, o hiperparatiroidismo secun-
A osteomalácia é um dos preços a pagar na IRC para a dário, a acidose e a hiperfosfatemia — associada a alguns
manutenção da homeostase. mecanismos intrínsecos ao próprio tecido ósseo, levam a
uma osteopatia característica, denominada osteodistrofia
renal. Em grande parte, portanto, a osteodistrofia renal
OS BALANÇOS DE CÁLCIO E DE resulta da ação de um mecanismo — ou de vários meca-
nismos combinados — de “trade-off”.
FOSFATO NA IRC — A
Outra conseqüência do distúrbio do metabolismo de
OSTEODISTROFIA RENAL cálcio na IRC avançada ou terminal é a precipitação de
fosfato de cálcio em tecidos não-ósseos, especialmente as
paredes vasculares.11 Esse processo pode ter conseqüênci-
Pontos-chave: as graves, como por exemplo a obstrução coronariana.
• Na IRC avançada, há uma tendência à Quando a precipitação de fosfato de cálcio ocorre no pró-
hipocalcemia devido a uma deficiência da prio tecido renal, desenvolve-se um processo de nefrocal-
cinose, no qual a deposição de sais de cálcio associa-se a um
forma ativa da vitamina D
• A hipocalcemia leva a um
hiperparatiroidismo secundário, que
provoca descalcificação e destruição ósseas
• Na fase terminal da IRC, e em pacientes já
dependentes de diálise, a hiperfosfatemia
agrava ainda mais o hiperparatiroidismo,
além de facilitar a calcificação de tecido
não-ósseo

Infelizmente, a osteomalácia não é o único processo de


agressão ao tecido ósseo a ocorrer na IRC. Conforme ob-
servado acima, o rim exerce algumas funções endócrinas,
uma das quais é a biossíntese da forma ativa da vitamina
D [1,25-(OH)2 vitamina D3] a partir de um precursor sinte-
tizado no fígado. Na IRC, a perda progressiva de massa Fig. 36.7 Representação esquemática do comportamento na IRC
renal leva a uma queda dos níveis circulantes de 1,25-(OH)2 das concentrações plasmáticas de cálcio ([Ca⫹⫹]), fosfato ([HPO4⫺⫺])
vitamina D3 e, portanto, a uma drástica redução da absor- e paratormônio ([PTH]) conforme o RFG se vai reduzindo.
capítulo 36 657

processo inflamatório, que leva à destruição de parênqui- torna necessário submeter o paciente a diálise crônica ou
ma e agrava ainda mais o próprio quadro de insuficiência transplante renal. As razões para essa natureza progressi-
renal crônica. A calcificação de tecidos não-ósseos é con- va da IRC ainda não estão claras. Uma série de evidências,
seqüência da hiperfosfatemia, inevitável nesses pacientes, no entanto, sugerem que essa progressão é na verdade,
já que 1) é muito difícil restringir a ingestão de fosfato e 2) também ela, o preço a se pagar pela relativa preservação
não há outra via para a eliminação do fosfato que não a da função renal em face da progressiva destruição de né-
renal. A hiperfosfatemia por si só não teria maiores conse- frons. Conforme verificamos anteriormente, a elevação da
qüências se a concentração sérica de cálcio pudesse baixar taxa de filtração glomerular por néfron faz-se acompanhar
reciprocamente. Isso, no entanto, não pode ocorrer, uma (na verdade resulta) de elevações do fluxo plasmático glo-
vez que a concentração de cálcio deve ser mantida dentro merular e da diferença de pressão hidráulica transglome-
de limites estreitos para que os tecidos excitáveis, princi- rular. Diversas evidências experimentais sugerem que es-
palmente o músculo cardíaco, funcionem adequadamen- sas alterações da dinâmica glomerular, particularmente a
te. Por essa razão, o PTH defende tenazmente a calcemia, elevação da pressão hidráulica intraglomerular (Fig. 36.2),
ainda que à custa de descalcificação óssea e da manuten- acabam lesando os glomérulos remanescentes, contribuin-
ção de um produto cálcio ⫻ fosfato cronicamente elevado, do assim para a progressão da doença renal. É possível que
mais uma vez em obediência ao mecanismo de “trade-off”. isso se deva a uma ação mecânica direta dessa hiperten-
Até mesmo a atuação do médico, a quem se recomenda são intracapilar sobre as delicadas paredes do glomérulo,
prescrever suplementação de cálcio e vitamina D a esses aumentando a tensão mecânica a que são submetidas e
pacientes, pode acabar contribuindo para agravar a situa- dando início a uma série de fenômenos de natureza infla-
ção. Nos pacientes dependentes de diálise o quadro é ain- matória.
da mais crítico, uma vez que a função renal é apenas resi- A agressão “mecânica” ao glomérulo pela hipertensão
dual e nenhuma das modalidades existentes de diálise é glomerular não é suficiente para explicar a lesão crônica
muito eficiente na remoção de fosfato do organismo. do parênquima renal associada à IRC. Outros mecanismos
não “mecânicos”, ou seja, não diretamente relacionados ao
estiramento das paredes glomerulares, parecem essenciais
à perpetuação e propagação desse processo. Incluem-se
A NATUREZA PROGRESSIVA DA entre esses fatores: 1) Hipertrofia glomerular. O aumento das
IRC: CONSEQÜÊNCIA DO dimensões glomerulares é observado nos modelos expe-
rimentais de glomerulopatia com freqüência semelhante à
“TRADE-OFF”?
da hipertensão glomerular. Essas observações levaram à
hipótese de que é a hipertrofia glomerular, e não o aumento
da pressão intracapilar, que leva ao desenvolvimento das
Pontos-chave:
glomerulopatias progressivas. Admite-se hoje que a hiper-
• A hipertensão glomerular nos néfrons trofia glomerular também leva a uma lesão mecânica, au-
remanescentes tende a perpetuar a lesão mentando a tensão na parede glomerular em obediência à
renal crônica lei de La Place, segundo a qual a tensão mecânica na pare-
• O efeito da hipertensão glomerular requer a de de uma estrutura cilíndrica ou esférica é diretamente
proporcional não somente à diferença de pressão hidráu-
participação de vários eventos celulares e a
lica através de suas paredes, como também a seu raio. 2)
liberação de citocinas, quimiocinas e fatores
Formação de microtrombos intracapilares. A idéia de que a
de crescimento progressiva cicatrização do glomérulo pode ser devida a
• A progressão das nefropatias crônicas um processo de coagulação intracapilar não é nova. Des-
envolve a presença de uma série de eventos de a década de 40 têm surgido estudos sugerindo que o
inflamatórios, como a infiltração por tratamento de glomerulopatias crônicas com drogas anti-
linfócitos, macrófagos e fibroblastos, e a coagulantes limita o desenvolvimento de lesões progres-
produção anômala de matriz extracelular sivas. Outros estudos chegaram a demonstrar a presença
de agregados plaquetários em associação com o desenvol-
vimento de glomerulopatias progressivas. É possível que
Os mecanismos de adaptação descritos acima permitem pelo menos em alguns casos a formação desses microtrom-
que o organismo resista admiravelmente e por muito tem- bos resulte de uma elevação acentuada da pressão glome-
po a reduções drásticas do número de néfrons. Infelizmen- rular, com lesão endotelial, exposição de colágeno e ativa-
te, essa situação não se mantém por tempo indefinido. Com ção local de plaquetas. 3) Proliferação exagerada de células
maior ou menor rapidez, a totalidade dos pacientes com glomerulares. Novamente em analogia com a patogênese da
doença renal crônica acaba, a partir de um certo nível de aterosclerose, uma série de evidências sugere que as glo-
destruição renal, progredindo à fase terminal, na qual se merulopatias progressivas acompanham-se de um aumen-
658 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

to na taxa de proliferação de células mesangiais. É prová- hidráulica glomerular sofre grande elevação, demonstrou-
vel que uma série de fatores mitogênicos, tais como o fa- se que as células endoteliais produziam um excesso de
tor de crescimento derivado de plaquetas (conhecido por TGF␤, angiotensinogênio, fibronectina e laminina várias
seu acrônimo em inglês, PDGF), participe desse processo semanas antes do aparecimento da glomerulosclerose.
ativando a multiplicação celular. Em consistência com esse Esses achados sugerem que a hiperatividade das células
conceito, demonstrou-se recentemente que a transfecção de endoteliais pode ser uma das pontes entre a agressão me-
rins de rato com o gene que regula a produção do PDGF cânica ao glomérulo e o processo inflamatório subseqüen-
leva ao rápido desenvolvimento de uma glomerulosclero- te. Outras evidências sugerem que também as células me-
se caracterizada por grande proliferação mesangial. Aqui sangiais respondem a estímulos mecânicos. O estiramento
também pode ocorrer uma interação complexa entre vári- cíclico de células mesangiais cultivadas estimula sua mul-
os dos fatores patogênicos aqui enumerados, uma vez que tiplicação, bem como sua atividade metabólica, estimada
a formação de microtrombos (que por sua vez pode ser pela biossíntese de prostaglandinas e pela produção de
desencadeada pela hipertensão glomerular) pode acarre- colágeno, fibronectina e laminina, componentes tipicamen-
tar a produção anômala de PDGF, levando à proliferação te associados à matriz mesangial. 7) Lesão de podócitos. De-
mesangial e à glomerulosclerose. 4) Produção excessiva de vido ao alto grau de diferenciação do podócito, sua capa-
matriz mesangial. Em condições normais, a taxa de produ- cidade proliferativa é limitada. Por essa razão, o epitélio
ção de matriz extracelular pelas células mesangiais equi- glomerular pode ser incapaz de se adaptar à expansão do
vale exatamente à sua taxa de catabolização. Nas glome- tufo glomerular (resultante da própria hipertrofia glome-
rulopatias progressivas, a produção de matriz pode estar rular e da hipertensão intracapilar), podendo sofrer rup-
acentuadamente aumentada, levando ao seu acúmulo e à tura ou necrose, desprendendo-se da membrana basal e
expansão da área mesangial. Vários investigadores acre- dando origem a pelo menos três conseqüências: a) Depo-
ditam ser esse um dos principais mecanismos que levam sição de material protéico na região subendotelial. O des-
à esclerose glomerular e à obsolescência dos glomérulos. colamento do podócito pode acarretar um aumento loca-
A expansão mesangial é por exemplo um dos achados mais lizado da taxa de ultrafiltração, que arrasta consigo gran-
freqüentes nas glomerulopatias diabéticas, podendo inclu- des quantidades de moléculas protéicas. Na presença de
sive anteceder em vários anos o aparecimento das lesões uma membrana basal competente, no entanto, grande parte
características dessa enfermidade. A transfecção de rins de dessas moléculas pode ficar retida, acumulando-se no es-
ratos com o TGF␤ (sigla em inglês de Transforming Growth paço subendotelial sob a forma de depósitos análogos aos
Factor ␤) leva ao desenvolvimento de um processo de glo- observados em algumas glomerulonefrites de origem imu-
merulosclerose difusa, com grande crescimento da área nológica, podendo originar um processo inflamatório no
mesangial. De novo, pode ocorrer aqui uma interação en- glomérulo. b) Formação de sinéquias. Em certos modelos
tre vários fatores potencialmente lesivos ao glomérulo: há de glomerulosclerose focal e segmentar, a lesão glomeru-
evidências de que a distensão anômala das paredes glome- lar propriamente dita é precedida por microaderências do
rulares pode estimular a produção de TGF␤, constituindo tufo glomerular ao folheto parietal da cápsula de Bowman.
assim mais um mecanismo pelo qual a hipertensão glome- Essas sinéquias podem ser uma conseqüência direta da
rular pode iniciar uma glomerulopatia progressiva. 5) De- ruptura de podócitos, sendo esta por sua vez resultante da
posição glomerular de lípides. A patogênese das glomerulo- incapacidade dessas células em regenerar-se quando sub-
patias progressivas tem vários pontos em comum com a metidas a uma agressão. Esse processo evolui com a for-
da aterosclerose. É possível demonstrar a presença de lí- mação de aderências cada vez mais extensas, chegando à
pides em glomérulos esclerosados obtidos de ratos com esclerose global do tufo glomerular. c) Atrofia glomerular.
diabetes mellitus ou remoção cirúrgica de massa renal, mo- As sinéquias formadas em conseqüência da lesão podocí-
delos experimentais caracterizados pelo desenvolvimen- tica descrita acima podem levar ao extravasamento do fil-
to de glomerulopatia progressiva. Além disso, a hiperco- trado glomerular, através do “ponto fraco” assim forma-
lesterolemia promove um agravamento dessas lesões, en- do, em direção ao interstício periglomerular. Esse extrava-
quanto o tratamento com drogas hipolipemiantes as pre- samento é limitado por uma reação inflamatória periglo-
vine. É provável que o acúmulo glomerular de lípides, es- merular e pela formação de uma “cápsula” fibrosa ao re-
pecialmente as lipoproteínas de baixa densidade (LDL), dor do túbulo. Esse processo inflamatório crônico pode
leve à ativação de macrófagos e, em conseqüência, à esti- fazer com que a pressão hidráulica peritubular se eleve o
mulação de leucócitos e à produção de interleucinas e fa- suficiente para comprimir o túbulo, resultando em uma
tores de crescimento. Outras evidências sugerem ainda obstrução daquele néfron e em uma progressiva atrofia
que, de novo em analogia com a aterosclerose, ocorre no glomerular. 8) Inflamação renal. Em sua quase totalidade,
glomérulo uma forte interação entre a deposição glomeru- os mecanismos descritos convergem para uma infiltração
lar de lípides e a hipertensão intracapilar. 6) Estiramento de de macrófagos, linfócitos, fibroblastos e miofibroblastos,
células endoteliais e mesangiais. Na ablação de 5/6 da massa com produção excessiva de colágeno e outros componen-
renal, um modelo experimental de IRC em que a pressão tes da matriz extracelular, configurando a existência de um
capítulo 36 659

processo inflamatório crônico. A inflamação é um proces- plenamente as nefropatias progressivas e se desenvolvam


so em princípio destinado a defender o organismo contra os meios adequados para detê-las.
a invasão por microrganismos. Na grande maioria das
vezes, esse processo é bem-sucedido e autolimitado, deten-
do-se assim que a infecção é debelada. Na doença renal CONCLUSÕES
progressiva, esses mesmos mecanismos de defesa são ati-
vados de maneira anômala e não cessam espontaneamen- Nas doenças que acarretam uma perda progressiva de
te. Isso pode ocorrer por um estímulo de natureza imune, néfrons, as unidades remanescentes são capazes de adap-
como na nefropatia por IgA e na glomerulonefrite tar-se de modo extremamente eficiente, continuando a
membrano-proliferativa, ou não-imune, como na esclero- manter a homeostase praticamente até os estádios termi-
se segmentar e focal e na nefropatia diabética. Em qualquer nais do processo. Essa adaptação tem no entanto um pre-
caso, a infiltração do tecido renal por linfócitos e monóci- ço: para preservar cada um dos balanços pelos quais é res-
tos, a expressão aumentada de moléculas de adesão e a ponsável, o rim gera um desequilíbrio ou disfunção que, a
síntese exagerada de matriz extracelular constituem uma longo prazo, contribui para debilitar o indivíduo e compro-
via comum, de natureza inflamatória, que contribui deci- meter sua qualidade de vida. É possível que a própria na-
sivamente para a destruição progressiva do parênquima tureza progressiva da IRC seja o preço a pagar pela sur-
renal. A caracterização das nefropatias progressivas como preendente capacidade adaptativa dos néfrons remanes-
um processo inflamatório crônico pode auxiliar substan- centes.
cialmente na compreensão da patogênese da IRC e servir
de base para a instituição de novos esquemas terapêuticos
baseados no uso de antiinflamatórios. Alguns estudos ex- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
perimentais e clínicos sugerem que o uso de drogas anti-
linfocíticas e antiproliferativas, como o micofenolato mo- 1. MACKENZIE, H.S.; TAAL, M.W.; LUYCKX, V.A.; BRENNER, B.M.
Adaptation to nephron loss. In: Brenner & Rector’s The Kidney, 6th
fetil, pode atenuar significativamente a progressão das
ed., 2000. W.B. Saunders Company, Philadelphia, Pensilvania, USA,
nefropatias crônicas. 9) Nefrocalcinose. Conforme observa- pp. 1901-1929.
do acima, a manutenção de um produto cálcio ⫻ fosfato 2. BRICKER, N.S.; KLAHR, S.; RIESELBACH, R. The functional adap-
cronicamente elevado tende a promover a precipitação tation of the diseased kidney. 1. Glomerular filtration rate. J. Clin.
Invest. 1964; 43:1915.
extra-óssea de fosfato de cálcio. No rim, isso pode dar iní-
3. DORHOUT MEES, E.J.; MACHADO, M.; SLATOPOLSKY, E.;
cio a um processo inflamatório que se soma ao engendra- KLAHR, S.; BRICKER, N.S. The functional adaptation of the disea-
do pelos demais fatores de agressão, contribuindo assim sed kidney. 3. Ammonium excretion. J. Clin. Invest. 1966; 45:289-96.
para a progressão da nefropatia. 10) Proteinúria maciça. A 4. ICHIKAWA, I.; HOYER, J.R.; SEILER, M.W.; BRENNER, B.M. Me-
chanism of glomerulotubular balance in the setting of heterogeneous
perda parcial da função de barreira do glomérulo leva à glomerular injury. Preservation of a close functional linkage betwe-
filtração de uma quantidade de proteínas 2 ou 3 ordens de en individual nephrons and surrounding microvasculature. J. Clin.
magnitude superior à habitual, obrigando as células do Invest. 1982; 69:185-98.
túbulo proximal a aumentar tanto quanto possível sua taxa 5. BRICKER, N.S. On the meaning of the intact nephron hypothesis.
Am. J. Med. 1969 Jan; 46:1-11.
de absorção. Essa intensa atividade, que envolve a forma- 6. ZATZ, R. Insuficiência renal crônica. In: Zatz, R. Fisiopatologia Clí-
ção de endossomas e a hidrólise das proteínas absorvidas, nica, vol 2: Fisiopatologia Renal, 2000. Atheneu, Rio de Janeiro, pp.
pode estimular a síntese de mediadores capazes de atrair 201-225.
linfócitos e macrófagos ao local, gerando ou agravando um 7. STEIN, J.H.; KIRSCHENBAUM, M.A.; BAY, W.H.; OSGOOD, R.W.;
FERRIS, T.F. Role of the collecting duct in the regulation of sodium
processo inflamatório crônico. 11) Agravamento da sobrecar- balance. Circ. Res. 1975; 36:119-24.
ga aos néfrons remanescentes. A perda continuada de néfrons 8. BRICKER, N.S. On the pathogenesis of the uremic state. An exposition
acarreta uma sobrecarga hemodinâmica às unidades res- of the “trade-off hypothesis”. N. Engl. J. Med. 1972:1093-9.
9. SANDS, J.M.; KOKKO, J.P. Countercurrent system. Kidney Int. 1990;
tantes (Fig. 36.2), que devem compensar a ausência das que
38:695-9.
foram destruídas. Essa sobrecarga leva à destruição de 10. SLATOPOLSKY, E.; DELMEZ, J.A. Pathogenesis of secondary hyper-
mais néfrons, colocando em movimento um ciclo vicioso parathyroidism. Nephrol. Dial. Transplant. 1996; 11 Suppl 3:130-5.
que culmina com a perda da maior parte do parênquima 11. DAVIES, M.R.; HRUSKA, K.A. Pathophysiological mechanisms of vas-
cular calcification in end-stage renal disease. Kidney Int. 2001; 60:472-9.
renal. Esse processo desenvolve-se até mesmo nas doen-
12. BRENNER, B.M. Nephron adaptation to renal injury or ablation. Am.
ças renais de origem imunológica, nas quais, é claro, o J. Physiol. 1985; 249:F324-37.
número de néfrons também se reduz progressivamente. 13. ZATZ, R. e FUJIHARA, C.K. Mecanismos de progressão das glome-
Sejam quais forem os mecanismos envolvidos na pato- rulopatias progressivas. In: Soares, V.; Alves, M.A.R. e Barros R.T. Glo-
merulopatias: patogenia, clínica e tratamento. Sarvier, 1999, pp. 250-260.
gênese das glomerulopatias progressivas, tudo indica que
se trata de um processo multifatorial e extremamente com-
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
plexo, envolvendo numerosas interações entre os diferen-
tes fatores que dele participam. A elucidação desses fato- http://www.niddk.nih.gov/fund/reports/womenrd/
res e de suas interações é vital para que se compreendam poster12.htm
660 Insuficiência Renal Crônica (IRC)

National Institute of Diabetes and Digestive Kidney Dise- http://www.uninet.edu/cin2001/conf/basilia.en.html


ases. National Institute of Health — pôsteres selecionados. Conferência no Congresso Internacional de Nefrologia
http://www.outlinemed.com/demo/nephrol/11244.htm pela Internet.
Overview. http://www.nephron.com/lowpro.html
http://www.thekidney.com/crf.htm The Nephron Information Center.
Site educativo para pacientes com insuficiência renal. http://www.speedyvet.com/Learningcentre/course2/
http://www.merck.com/pubs/mmanual/section17/ 8_1crf.htm
chapter222/222c.htm http://www.sin-italia.org/jnonline/sommw2.htm
Manual Merck. Journal of Nephrology — Itália.
http://www.nephrologychannel.com/crf/treatment.shtml http://www.mdbrowse.com/Speciality/Medicine/
Nephrology Channel. ChronicRenalFailure.htm
Capítulo
Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

37 Miguel C. Riella e Roberto Pecoits-Filho

INTRODUÇÃO Moléculas médias


NOVOS CONCEITOS: CLASSIFICAÇÃO E 2-Microglobulina
ESTRATIFICAÇÃO Hormônio paratireóideo
Classificação de nefropatia crônica Acidose metabólica
INCIDÊNCIA, PREVALÊNCIA E CAUSAS Fosfatos orgânicos
Incidência e prevalência Novos componentes identificados como potenciais
Causas toxinas urêmicas
DESTRUIÇÃO DE NÉFRONS — CONSEQÜÊNCIAS Sinais e sintomas da uremia
A hipótese do néfron intacto Relacionados com distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-
Adaptações básico
A hipótese trade-off: história e conceitos atuais Relacionados com toxinas urêmicas, distúrbios
Conceitos e interpretações atuais da teoria trade-off metabólicos e endócrinos
Adaptações intra-renais Produtos nitrogenados
Função glomerular Necessidades de nitrogênio na uremia
Função tubular COMO INVESTIGAR O PACIENTE COM INSUFICIÊNCIA
Excreção de sódio RENAL CRÔNICA
Limitações na excreção de sódio MANEJO DO PACIENTE COM INSUFICIÊNCIA RENAL
Excreção de água CRÔNICA
Ácido-básico Princípios gerais
Cálcio, fósforo e magnésio Manejo conservador do paciente com insuficiência renal
Potássio crônica
PROGRESSÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA Controle da progressão da nefropatia
A SÍNDROME URÊMICA Balanço hidroeletrolítico
Patogenia DIÁLISE — QUANDO INDICAR?
Toxinas urêmicas TRANSPLANTE RENAL — QUANDO INDICAR?
Uréia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Guanidinas BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Sulfato de indoxil ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Mioinositol

ra lenta, mas progressiva. Apesar das diferenças na progres-


INTRODUÇÃO são da insuficiência renal crônica (IRC), o resultado final são
múltiplos sinais e sintomas comuns decorrentes da incapa-
Dentre as diversas enfermidades que acometem o rim, cidade do rim de manter a homeostasia interna.
podemos observar que algumas comprometem a função No início, quando a função renal está modestamente
renal rapidamente, enquanto outras o fazem de uma manei- comprometida, o paciente apresenta-se assintomático, a
662 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

não ser que a causa básica produza sintomas evidentes de


infecção urinária ou de comprometimento sistêmico. A NOVOS CONCEITOS:
uréia plasmática eleva-se, mas permanece ainda dentro da CLASSIFICAÇÃO E
faixa de normalidade. Deve-se salientar que a uréia plas-
mática depende muito da ingesta protéica. Se a ingesta
ESTRATIFICAÇÃO
protéica for elevada, em face de uma redução moderada
da função renal, já poderemos notar uma uréia plasmática A National Kidney Foundation (NKF) lançou em 1995 o
acima da faixa de normalidade. Naturalmente, a creatini- DOQI (Dialysis Outcomes Quality Initiatives — Resultados
na plasmática é um indicador mais fiel da função renal em Diálise, Iniciativas de Qualidade) que são orientações
residual, porém também pode variar dependendo da mas- para a prática clínica dirigida a pacientes em diálise e pro-
sa muscular de cada indivíduo. Se a creatinina plasmática fissionais da área da saúde. (http://www.kidney.org)
inicial de determinado paciente for de 1 mg/100 ml, uma As orientações foram publicadas em 1997 e tiveram um
elevação desta para 2 mg/100 ml aproximadamente indi- impacto significativo no cuidado e nos resultados de paci-
ca uma redução da função renal em 50%. entes em diálise. As orientações DOQI foram traduzidas em
Nesta primeira fase, de diminuição da função renal, em- mais de doze línguas e muitas estratégias de manejo foram
bora haja uma redução da filtração glomerular (redução de adotadas em muitos países. Através destas orientações de-
25%), não há habitualmente azotemia, e os balanços de senvolveram-se muitas medidas de performance clínica.
sódio, potássio, cálcio, fósforo e ácido-básico são mantidos Ficou logo evidente para a NKF que os resultados em
graças a um aumento do processo funcional adaptativo dos diálise poderiam ser melhores, assim como de todos os
néfrons remanescentes. Acredita-se que nesta fase vários pacientes com insuficiência renal crônica, nas diferentes
fatores interagem para produzir esclerose glomerular pro- fases, desde que a saúde dessa população pudesse ser
gressiva e fibrose intersticial: hipertensão intraglomerular melhorada. Em 1999 a NKF expandiu a iniciativa original
(v. Cap. 36), deposição de lipídios, fatores de crescimento numa nova fase, englobando todo o espectro de doença
(fator de crescimento epidermal, fator de crescimento de- renal, quando intervenções precoces e medidas apropria-
das poderiam evitar a perda de função renal em alguns,
rivado de plaquetas, etc.), citocinas (interleucina-1, inter-
retardar a progressão em muitos outros e melhorar a dis-
leucina-6, fator α de necrose tumoral), hormônios (angio-
função orgânica e condições co-mórbidas naqueles pacien-
tensina II e endotelina). As alterações histológicas são
tes que progridem para uma insuficiência renal terminal.
acompanhadas de um aumento progressivo de proteinú-
O novo projeto passou a chamar-se K/DOQI (Kidney Di-
ria e azotemia.
sease Outcomes Quality Initiatives — Resultados em Ne-
Numa segunda fase (renal insufficiency), há uma redução
fropatia, Iniciativas de Qualidade).
da função renal de até 75% e o rim já não é capaz de manter
Há evidências recentes de que os maus resultados da
a homeostasia interna. O paciente apresenta nictúria, a qual
nefropatia crônica, como a insuficiência renal, doença car-
reflete o distúrbio na concentração urinária; ocorre anemia
diovascular e morte prematura, podem ser prevenidos ou
e uma moderada elevação da uréia plasmática (azotemia).1
retardados. Fases precoces da insuficiência renal podem ser
Numa terceira fase, as anormalidades do meio interno
detectadas através de exames laboratoriais. O tratamento
são mais persistentes: azotemia intensa, anemia, acidose me-
de fases iniciais da nefropatia crônica é efetivo no retardo
tabólica, hiperfosfatemia, hipercalcemia e hiponatremia. A
da progressão para insuficiência renal. O tratamento de
função renal geralmente está abaixo de 20% (renal failure).
fatores de risco cardiovasculares nessas fases iniciais pode
A quarta fase é a fase terminal, em que predominam os
reduzir as complicações cardiovasculares antes e depois do
sintomas e sinais de uremia (síndrome urêmica), indicando
aparecimento de insuficiência renal.
a necessidade de uma terapia substitutiva na forma de
diálise ou transplante.
Definição de nefropatia crônica

Pontos-chave: Critérios

• A progressão da insuficiência renal ocorre 1. Lesão renal por 3 ou mais meses, definida por anormalidades
de forma diversa, mas os sinais e sintomas estruturais ou funcionais do rim, com ou sem diminuição da
taxa de filtração glomerular e manifestada por:
são comuns e variam de acordo com a • Anormalidades patológicas; ou
severidade da disfunção renal • Marcadores de lesão renal, incluindo anormalidades na com-
• Nas fases mais precoces, o organismo posição do sangue ou urina, ou anormalidades nos testes de
consegue adaptar-se e os sintomas são imagem.
2. TFG  60 mlminuto/1,73 m2 por  3 meses com ou sem lesão
escassos, porém em fases mais tardias os
renal.
sintomas são intensos
TFG: taxa de filtração glomerular.
capítulo 37 663

Classificação de Nefropatia Crônica entram no programa dialítico por ano, é estimada em 70


por milhão, o que indicaria uma entrada de 11.900 pacien-
O quadro a seguir mostra os estádios de nefropatia crô- tes novos por ano em tratamento dialítico. Estes dados re-
nica, incluindo a população sob risco de desenvolvê-la, e velam que no Brasil possivelmente um grande número de
ações para evitar a evolução para nefropatia crônica e pacientes não está sendo identificado a tempo de receber
melhorar os resultados em cada estádio. o tratamento indicado.

Nefropatia crônica (NC): estádios e planos de ação Causas


Estádio Descrição TFG Plano de ação Novamente não temos dados precisos sobre as principais
(ml/min/1,73 m2)
causas de IRC no Brasil. De acordo com o Registro Latino-
Sob risco  90 Screening, redução Americano de Diálise e Transplante publicado em 1997, a
elevado (com fatores de do risco de NC principal causa de IRC no Brasil era a glomerulonefrite crô-
risco para nefropatia
crônica) nica (24%), seguida de hipertensão arterial (22%) e diabetes
1 Lesão renal  90 Diagnóstico e mellitus (15%).2 Dados do Registro Americano de 2001 indi-
com TFG tratamento; cam que nos Estados Unidos a principal causa de IRC ter-
normal ou앖 tratamento de
condições minal é o diabetes mellitus (43%), seguida de hipertensão ar-
co-mórbidas; terial (26%) e glomerulonefrites (10%) (v. Quadro 37.1 ).
reduzindo a
progressão; redução
de risco
cardiovascular. Pontos-chave:
2 Lesão renal com 60-89 Estimando a
discreta앗TFG progressão • A IRC é uma doença comum, com múltiplas
3 앗TFG 30-59 Avaliação e
moderada tratamento de causas, e com rápido crescimento na sua
complicações prevalência
4 앗TFG grave 15-29 Preparando para a
terapia renal • Principalmente em países desenvolvidos,
substitutiva diabetes e hipertensão arterial passaram a
5 Insuficiência  15 ou diálise Terapia substitutiva
renal (se uremia presente) ser as principais causas de IRC,
aumentando a morbi-mortalidade dos
pacientes
INCIDÊNCIA, PREVALÊNCIA
E CAUSAS A maior incidência de glomerulonefrite crônica como
causa de IRC terminal é típica de países subdesenvolvidos,
Incidência e Prevalência afetando uma população mais jovem. Nos países desenvol-
vidos vemos que a média de idade dos diabéticos e hiper-
O Registro Americano revela uma incidência em 2001 tensos em diálise é significativamente maior.
de 308 pacientes por milhão de habitantes e uma prevalên-
cia (número de pacientes recebendo tratamento dialítico)
de cerca de 1.200 pacientes/milhão. Estes números apre- Quadro 37.1 Principais nefropatias causadoras de
sentam grande variação de acordo com o país. O Japão IRC*
apresenta a maior prevalência de pacientes em tratamen-
to dialítico, com cerca de quase 1.600 pacientes/milhão. Idade média Percentual
Doença primária (anos) (%)
Desde 1984, o crescimento anual de pacientes em diálise
nos Estados Unidos tem sido de 8,7%. Diabete 64 43,7
Infelizmente não há dados fidedignos no Brasil sobre a Hipertensão 70 26,3
incidência e a prevalência de insuficiência renal crônica Glomerulonefrites (GN) 55 9,4
Nefrite intersticial/pielonefrite 66 3,8
terminal. De acordo com o censo realizado pela Sociedade Doenças císticas 51 3,0
Brasileira de Nefrologia, cerca de 49.000 pacientes encon- GN secundárias/vasculites 47 2,3
travam-se em tratamento dialítico no Brasil ao final do ano Neoplasias/tumores 69 1,9
de 2001. Se considerarmos a população total estimada no Miscelânea 58 3,9
censo de 2000 de 170 milhões de habitantes, o Brasil apre- Desconhecidas 69 3,9
Sem informação 56 1,8
senta uma prevalência de 288 pacientes por milhão de ha-
bitantes. A incidência, ou seja, o número de pacientes que *USRDS Data, 2002.
664 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

ção sérica e da filtração glomerular. A creatinina é filtrada


DESTRUIÇÃO DE NÉFRONS — e não sofre reabsorção tubular. Apenas com níveis plasmá-
CONSEQÜÊNCIAS ticos elevados de creatinina ocorre secreção tubular, mas
não o suficiente para manter a excreção em balanço com a
A Hipótese do Néfron Intacto produção. Com a destruição de néfrons, ocorre uma ele-
vação plasmática, a qual acarreta um aumento na quanti-
Quando ocorre uma enfermidade renal, néfrons normais dade a ser filtrada pelos néfrons residuais. No entanto, não
são lesados, de forma que a homeostasia do meio interno há nenhum mecanismo compensatório que aumente esta
depende da capacidade desta população heterogênea de excreção acima do nível que mantém o balanço (produção
néfrons (normais e lesados) em controlar a excreção de  excreção). Desta forma, a elevação na concentração plas-
água e solutos. mática persistirá.3
A hipótese do néfron intacto de Bricker se baseia em Outras substâncias, como fosfatos, uratos, possuem
estudos experimentais de doença renal unilateral.3 Os acha- uma melhor adaptação. Por exemplo, no caso do fosfato,
dos sugeriram na época que o rim lesado era capaz de ajus- a adaptação é completa (portanto, sem elevação sérica) até
tar-se à doença de forma a manter uma proporção mais ou que a filtração glomerular atinja 25-30% do normal. An-
menos constante entre a função glomerular e a função tu- tes disso, após a destruição de néfrons e elevação sérica
bular (balanço glomérulo-tubular) (v. também Cap. 36). dos fosfatos, há uma inibição progressiva na reabsorção
Bricker na época achava que os néfrons lesados pela do- tubular de fosfatos, normalizando a concentração sérica
ença crônica não participavam na adaptação funcional e so- de fosfato.
mente os néfrons normais contribuíam para a função re- Outros solutos, como o sódio, o potássio e o magnésio,
nal global. Experimentos posteriores no entanto confirma- são mantidos em balanço até bem próximo à fase terminal
ram que néfrons lesados contribuíam para a função renal, de insuficiência crônica. Isto se deve basicamente a um
comportando-se do ponto de vista glomérulo-tubular exagerado aumento na quantidade filtrada por néfron re-
como se fossem normais, isto é, mantendo a proporção sidual. A Fig. 37.1 ilustra a adaptação que deve ocorrer na
entre carga excretada e filtrada. excreção de sódio em face de uma redução na população
de néfrons. A figura compara o percentual de sódio filtra-
Adaptações (v. também Cap. 36) do que deve ser excretado para um indivíduo com uma fil-
tração glomerular de 120 ml/min e outro com uma filtra-
Foi também Bricker quem sugeriu que os mecanismos ção glomerular de 4 ml/min. A adaptação é comparada al-
de adaptação variam com a natureza do soluto.3,4 Assim, a ternando-se a ingesta de sal: de 3,5 g/dia para 7,0 g/dia.
excreção da uréia e da creatinina depende da concentra- Observem que, em ambas as situações, os rins lesados pre-

Fig. 37.1 Adaptações na excreção de sódio. Observem o percentual do sódio filtrado, que é excretado quando a função renal é nor-
mal (RFG 120 ml/min) e quando a função renal está reduzida (RFG 4 ml/min), em duas situações distintas: ingesta de 3,5 g e 7,0 g
de sal por dia. (Obtido de Bricker, N. S. et al.4)
capítulo 37 665

cisam excretar um percentual muito maior do sódio filtra-


do para manter o balanço de sódio.
Outras substâncias, tais como aminoácidos, compostos
fenólicos, indóis, guanidinas etc., são retidas no organis-
mo. A concentração hidrogeniônica aumenta e a concen-
tração do bicarbonato diminui, mas a acidose que se esta-
belece não é progressiva, havendo uma estabilização.
A eficácia destes mecanismos de adaptação garante a
vida do paciente, mesmo quando há apenas 10% de nefrons
funcionantes. Não havendo alterações na dieta, a urina
contém, no paciente urêmico e no sadio, a mesma quanti-
dade de solutos nas 24 horas.

A Hipótese Trade-off: História e


Conceitos Atuais Fig. 37.2 Hipótese trade-off. Com a redução do RFG, há uma reten-
Esta hipótese, formulada por Bricker, surgiu em torno ção transitória de fosfato, supersaturando o plasma e precipitan-
do, nos tecidos, complexos de fosfato de cálcio. A precipitação do
das especulações sobre o preço que o organismo estaria cálcio reduz o cálcio iônico, estímulo para a liberação de parator-
pagando por estes mecanismos de adaptação capazes de mônio (PTH), o qual acarreta fosfatúria, normalizando o fósforo e
manter a homeostasia.3,4 A hipótese baseia-se na premissa o cálcio plasmático. Mas este estado de anormalidade se mantém
de que um ou mais dos estigmas da síndrome urêmica são à custa de um elevado nível circulante de PTH. A cada nova redu-
conseqüências das adaptações que ocorreriam na função ção do RFG, o ciclo se repete. (Obtido de Bricker, N. S. et al.3)
dos néfrons. Desta forma, o organismo trocaria (trade-off)
a normalização de um setor à custa da elevação de subs-
tâncias em outros setores. Bricker sugeriu que pelo menos CONCEITOS E INTERPRETAÇÕES ATUAIS DA
uma troca existiria em insuficiência renal crônica: toda vez TEORIA TRADE-OFF (V. TAMBÉM CAP. 40)
que mais néfrons são destruídos, haveria uma retenção
transitória de fosfatos na circulação. Esta elevação se acom- Hipocalcemia é o Principal Fator no Aumento da
panharia de uma redução recíproca na concentração de cál- Secreção de PTH
cio iônico. Aparentemente, esta redução do cálcio ocorre- Observações nas últimas duas décadas sugerem que
ria pela precipitação, nos tecidos, de complexos de fosfato outros fatores participam da gênese do hiperparatireoidis-
de cálcio devido à supersaturação do plasma ocorrida pela mo.5 Primeiro, estudos de pacientes com insuficiência re-
retenção de fósforo (hipótese não mais aceita, como vere- nal crônica em fase inicial tinham aumento de PTH sem
mos a seguir). A redução do cálcio iônico seria o estímulo hipocalcemia.6 Depois verificou-se que a hipercalcemia não
para a síntese e secreção do paratormônio. O elevado ní- evitou o hiperparatireoidismo em cães azotêmicos quan-
vel circulante de paratormônio acarretaria um aumento na do havia deficiência de calcitriol.7
excreção de fósforo por néfron residual, normalizando a
concentração plasmática de fósforo e permitindo ao cálcio Retenção de Fósforo Causa Hipocalcemia pela Teoria
iônico elevar-se. No entanto, esta normalização de cálcio e Trade-off
fósforo plasmático persistiria à custa de um alto nível cir- Portanto, baseado nesta teoria e recapitulando o expos-
culante de paratormônio. A cada nova destruição de né- to anteriormente, com a redução da função renal ocorrem
frons, a seqüência se repetiria e a concentração de parator- aumentos transitórios e indetectáveis de hiperfosfatemia,
mônio se elevaria ainda mais (Fig. 37.2). Estes altos níveis reduzindo temporariamente a concentração iônica de cál-
de paratormônio têm ações deletérias sistêmicas e, pelo cio no sangue, a qual por sua vez estimularia a secreção de
menos em parte, seriam responsáveis pela osteodistrofia PTH. O aumento de PTH causaria fosfatúria e normaliza-
urêmica (v. a seguir). ção do cálcio e fósforo séricos. A troca (trade-off) pela nor-
Se a quantidade de qualquer soluto excretado pelo rim malização foi um maior nível circulante de PTH.
fosse reduzida em igual proporção à redução da filtração Estudos nas últimas duas décadas sugerem que hiper-
glomerular, a quantidade excretada por néfron permanece- fosfatemia e retenção de fósforo não ocorrem na fase ini-
ria constante. Isto pode ser alcançado alternando-se a dieta cial de IRC.8 Aliás, níveis baixos de fósforo são constante-
ou reduzindo-se a entrada de soluto no organismo, tornan- mente encontrados. Determinações de fósforo sérico e con-
do-o não-absorvível. Exemplo: para o caso do fósforo, usan- centração de PTH pós-prandial mostraram que não há uma
do-se um gel como o hidróxido de alumínio, que é capaz de hiperfosfatemia pós-prandial transitória, como se especu-
se ligar ao fósforo, diminuindo a sua absorção entérica. lou.9 Entretanto, apesar desta ausência de retenção de fós-
666 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

foro, restrição de fósforo nesta fase inicial de IRC resulta responde mal à administração de vitamina D. O rim tem
numa redução dos níveis de PTH, sugerindo que o fósforo um papel fundamental na conversão de 25-(OH)D3 para
per se, através de mecanismos outros que não a retenção, calcitriol. Ratos anéfricos não produzem calcitriol a partir
pode reduzir o PTH. de seu precursor. A absorção intestinal diminuída de cál-
Com a progressão da IRC e diminuição da função renal, cio é um reflexo dos níveis séricos reduzidos de calcitriol
eventualmente ocorre retenção de fósforo. Como frisamos encontrados na IRC. A administração de calcitriol aumen-
há pouco, a hipocalcemia era relacionada à hiperfosfate- ta a absorção intestinal de cálcio.
mia. Entretanto, um aumento da concentração in vitro den- Uma redução de níveis séricos de calcitriol parece ocor-
tro da faixa usualmente vista em pacientes em diálise não rer precocemente na IRC (clearances de creatinina de 75-80
reduz a concentração de cálcio iônico. Em indivíduos nor- ml/min). Acredita-se que em estudos que mostraram ní-
mais, um grande aumento no fósforo sérico (2,2 mMol/L) veis “normais” de calcitriol havia um aumento de níveis
é necessário para se reduzir o cálcio sérico em apenas 0,18 séricos de PTH, um potente estímulo à síntese de calcitri-
mMol/L.10 ol. Tallon e cols. recentemente mostraram que em insufi-
Hoje em dia se aceita que a retenção de fósforo causa ciência renal moderada um PTH elevado mantém a pro-
hiperparatireoidismo por vários outros mecanismos. O dução de calcitriol e suplanta a ação inibitória da retenção
excesso de fósforo inibe a atividade da enzima renal 1- de fósforo.14
hidroxilase, a qual converte 25-(OH)D3 em seu metabólito Há também a sugestão de que a anormalidade estaria a
ativo 1,25-(OH)2D3 (calcitriol) (v. Cap. 40). nível de receptores nas paratireóides. A célula da parati-
Além disto, a retenção de fósforo diminui a resposta reóide tem na superfície um mecanismo cálcio-sensível que
calcêmica ao PTH e logo contribui para a hipocalcemia. Há regula a secreção de PTH.5
vários estudos que mostram que a infusão de PTH causa um
aumento da calcemia muito menor em pacientes com IRC Causas da Síntese Reduzida de Calcitriol
do que em indivíduos normais. E esta resposta anormal Como a 1-hidroxilase está presente nas células tubu-
ocorre cedo na IRC. Logo, níveis mais altos de PTH são lares renais proximais, a síntese de calcitriol pode estar
necessários para se manter uma concentração normal de cál- relacionada ao estado funcional destas células. Há dados
cio sérico no paciente urêmico. Os fatores envolvidos podem que demonstram que uma redução da massa renal reduz
ser: retenção de fósforo, níveis baixos de calcitriol, downregu- a síntese de calcitriol.
lation de receptores de PTH, calcitonina e uremia .5 A concentração tubular renal proximal de fósforo pode
ser importante na 1␣-hidroxilação. Há evidência de que
Efeito Direto do Fósforo Sobre as Paratireóides a concentração intracelular de fósforo de células renais
corticais é o principal mecanismo no controle da hidroxi-
Finalmente, há dados recentes de que o fósforo tem um
lação renal de 25-(OH)D3. Restrição de fósforo em paci-
efeito direto sobre as paratireóides.11 Restrição de fósforo
entes reduz a excreção renal de fósforo, a absorção intes-
em cães com IRC avançada melhora o hiperparatireoidis-
tinal de cálcio aumenta e os níveis de PTH diminuem. E,
mo independentemente do cálcio sérico e calcitriol.12 Res-
mais importante, os níveis de calcitriol aumentam. Por-
trição moderada de fósforo em ratos com IRC reduz os
tanto, sugere-se que o aumento na concentração de calci-
níveis de PTH mRNA independentemente do cálcio séri-
triol ocorre devido a uma diminuição na concentração
co e calcitriol.13
tubular de fósforo, a qual estimula a 1-hidroxilase, a qual
induz a síntese de calcitriol. Embora a hipótese seja atra-
Resposta Calcêmica ao PTH ente, não há dados experimentais que a corroborem (Fig.
Há vários estudos que demonstram que a retenção de 37.3).
fósforo diminui a resposta calcêmica ao PTH. A melhora
da resposta calcêmica com restrição de fósforo talvez seja Calcitriol e Efeito Feedback Sobre as Paratireóides
mediada por níveis mais elevados de calcitriol.5 A conseqüência fisiopatológica mais importante da re-
Os níveis baixos de calcitriol também podem compro- duzida síntese de calcitriol é a ausência de um efeito inibi-
meter a resposta calcêmica ao PTH na IRC. Em vários es- tório modulador na síntese e secreção de PTH, levando ao
tudos, a administração de calcitriol melhorou ou corrigiu hiperparatireoidismo secundário.
a resposta calcêmica ao PTH.5 Vários estudos mostram que o calcitriol exerce um feed-
back negativo nas glândulas paratireóides; parece inibir a
Alteração do Metabolismo da Vitamina D e transcrição de DNA, reduzindo a síntese de PTH disponí-
Resistência ao Calcitriol vel para secreção. Por outro lado, uma diminuição do ní-
É provável que um papel fundamental no desenvolvi- vel de calcitriol aumenta a síntese e secreção de PTH pela
mento de hiperparatireoidismo secundário na IRC seja a célula paratireóidea. A evidência in vivo foi documenta-
conversão anormal de vitamina D3 para sua forma ativa, o da por Slatopolski e cols.15 Administrando calcitriol endo-
calcitriol. A absorção intestinal de cálcio está diminuída e venoso a pacientes em hemodiálise, houve uma redução
capítulo 37 667

Adaptações Intra-renais (v. Cap. 36)


FUNÇÃO GLOMERULAR
Em face da destruição de néfrons, uma das adaptações
intra-renais qualitativas é uma elevação da filtração e do flu-
xo sangüíneo glomerular. O aumento da perfusão resulta da
diminuição da resistência das arteríolas aferentes e eferen-
tes, sendo a redução da resistência arteriolar aferente maior
que a eferente, de sorte que a pressão hidráulica do capilar
glomerular se eleva. Com a elevação da pressão capilar glo-
merular, ocorre um aumento do gradiente de pressão trans-
capilar, responsável pelo aumento da filtração glomerular
por néfron (SNGFR  single nephron glomerular filtration rate).
Desta forma, a capacidade excretora dos néfrons aumenta.
Em glomérulos extensamente envolvidos, a filtração glome-
rular por néfron será normal ou diminuída.
Os fatores responsáveis pelo aumento da SNGFR, o qual
pode ser ampliado por uma ingesta protéica elevada, não
Fig. 37.3 Representação esquemática do mecanismo hipotético são conhecidos, mas as possibilidades são: 1) produção
através do qual o calcitriol pode diminuir em pacientes com in-
suficiência renal crônica em fase inicial.
aumentada de prostaglandina, causando dilatação arteri-
olar aferente; 2) nível tissular elevado de angiotensina II,
causando constrição arteriolar eferente, e 3) elevação de
fatores humorais ou de crescimento tecidual, como o fator
dos níveis de PTH antes de uma alteração nos níveis de de crescimento insuline-like (IGF).
cálcio iônico. A ação biológica do calcitriol parece ser Estes mecanismos de adaptação que culminam com ele-
mediada por um complexo receptor hormonal citoplas- vada SNGFR têm por objetivo aumentar a eliminação de
mático. Este receptor de vitamina D é encontrado em toxinas. Entretanto, esta adaptação pode ser prejudicial,
vários tecidos, inclusive intestino e glândulas paratireói- causando um processo de autoperpetuação de lesão glome-
deas. rular, caracterizado patologicamente por esclerose glome-
Toxinas urêmicas podem reduzir a ação biológica do rular, que evolui para insuficiência renal (v. Cap. 36 e a se-
calcitriol, inibindo a síntese do receptor. Assim, a uremia guir). Este processo está bem documentado em modelos
per se pode ser um fator de resistência aos níveis fisiológi- experimentais e parece reproduzir-se em humanos. Pacien-
cos de calcitriol. Em resumo, a hipótese trade-off foi uma tes que nascem com um rim ou com hipoplasia renal fre-
tentativa intrigante de explicar certos aspectos da síndro- qüentemente desenvolvem mais tarde proteinúria e hiper-
me urêmica, entretanto baseando-se em inferências indi- tensão, e a biópsia revela esclerose glomerular. A patogênese
retas devido à incapacidade dos pesquisadores da época da esclerose glomerular tem sido objeto de intensos estudos.
em identificar agentes efetores. A hipertensão ou hiperfiltração glomerular tem sido incri-
minada. Esta resposta glomerular adaptativa inicial causa-
ria lesão endotelial, elevação da permeabilidade capilar glo-
Pontos-chave: merular e elevada filtração de macromoléculas, o que resulta
• Durante a perda da função renal, os néfrons na ativação de células mesangiais e deposição aumentada
remanescentes se adaptam para tentar de matriz mesangial. Intervenções experimentais que redu-
zem a pressão intraglomerular, como a restrição protéica ou
manter a homeostase, que é variável de
a administração de inibidores da enzima de conversão, abor-
acordo com o soluto
tam ou atenuam a progressão da doença renal. As mesmas
• Esta capacidade de adaptação mantém a intervenções no homem parecem também retardar a pro-
vida do paciente mesmo com função renal gressão da doença renal.
bastante reduzida Uma outra adaptação intra-renal consiste na hipertrofia
• A adaptação renal decorrente da perda de compensatória dos néfrons.4 O comprimento e a tortuosida-
néfrons funcionantes pode resultar em de dos túbulos proximais aumentam, presumivelmente,
trade-off, onde a normalização da devido a um aumento no número e no tamanho das células.
concentração de uma substância gera
desequilíbrio de outro sistema. O protótipo FUNÇÃO TUBULAR
é o metabolismo cálcio/fósforo Quando a filtração glomerular por néfron aumenta ou
diminui, a função tubular se altera para manter o balanço
668 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

tubuloglomerular. Este balanço é alcançado em parte por


força física nos capilares peritubulares. Por exemplo, a
queda de filtração glomerular se acompanha de uma que-
da na pressão oncótica do capilar peritubular, enquanto há
um aumento da pressão hidrostática (v. Cap. 36). Estes
acontecimentos causam uma redução na absorção tubular
para contrabalançar a redução de filtração. Quando há um
aumento da SNGFR, o túbulo proximal pode aumentar o
transporte de água, sódio e fosfato. Da mesma forma, hi-
percalemia causa um aumento da secreção de K pelo tú-
bulo coletor possivelmente via aldosterona, e, em respos-
ta à acidose metabólica, a produção de NH3 aumenta (v.
Cap. 11). Certas adaptações e alterações humorais podem
ser prejudiciais. Por exemplo, a concentração aumentada
de amônia no parênquima renal pode ser responsável por
lesão tubulointersticial.

EXCREÇÃO DE SÓDIO
Acredita-se que os elementos reguladores da excreção
de sódio em nefropatia crônica sejam os mesmos que ope- Fig. 37.4 Relação entre forças natriuréticas e o percentual do só-
ram num ambiente sadio. Quando sódio é adicionado ao dio filtrado que é excretado. Observem que, à medida que o RFG
organismo, ocorre uma expansão do volume extracelular diminui, aumenta o percentual do sódio filtrado, que é excreta-
(v. Cap. 10). Existem elementos que detectam esta expan- do à custa de forças natriuréticas. (Obtido de Bricker, N. S. et al.4)
são e a transmitem a elementos integradores, possivelmen-
te no sistema nervoso central, e forças natriuréticas são
mobilizadas.4 Estas forças diminuem a reabsorção de só- Com relação aos fatores físicos, os dados existentes estão
dio, excretando o sódio que foi adicionado. Desta forma, a relacionados com a reabsorção de sódio no túbulo proximal
atividade dessas forças natriuréticas aumenta ou diminui de e com quase nenhum dado sobre o túbulo distal. Assim, o
acordo com a ingesta de sódio. Com a destruição de né- papel desses fatores físicos está por ser determinado.
frons, haverá um período de retenção de sódio, associado A expansão do volume extracelular após uma carga de
a uma expansão de volume extracelular. Esta expansão será sódio resulta num aumento apropriado na excreção uriná-
detectada e integrada por elementos específicos que au- ria de sódio. Além da supressão do sistema renina-angio-
mentam a atividade das forças natriuréticas, aumentando a tensina-aldosterona e uma pequena elevação na taxa de
excreção de sódio nos néfrons residuais. A cada destrui- filtração glomerular, hormônios natriuréticos contribuem
ção de néfrons, o ciclo se repete (Fig. 37.4). para esta resposta.16 Peptídeo atrial natriurético (PAN) é
No Cap. 10, indicamos os vários elementos (fatores na- liberado pelos átrios em resposta a expansão de volume,
triuréticos) que participam do controle da excreção de só- percebida através de uma distensão dos átrios. O PAN é
dio: filtração glomerular, atividade dos hormônios mine- um vasodilatador periférico, reduzindo portanto a pressão
ralocorticóides, fatores físicos e o hormônio natriurético. arterial sistêmica, e um hormônio diurético e natriurético
Como já dissemos, na nefropatia crônica há um aumento na (v. Caps. 4 e 10).
filtração glomerular por néfron, embora pareça pouco prová-
vel ocorrer um aumento contínuo durante a progressão da LIMITAÇÕES NA EXCREÇÃO DE SÓDIO
nefropatia crônica que justifique a magnitude nas altera- Em uremia, a taxa máxima de excreção de sódio está
ções da excreção de sódio. reduzida e há uma perda obrigatória mesmo quando a
Assim sendo, mesmo que haja um comprometimento ingesta de sódio é reduzida. A maior parte dos pacientes
importante da função renal, o balanço de sódio pode ser com nefropatia avançada não retém sódio numa ingesta
mantido à custa de um aumento na excreção de sódio por normal de sódio de 7,0 a 8,0 g/dia. Ocasionalmente, a taxa
néfron. máxima de excreção de sódio de um paciente se fará com
Aparentemente os níveis da aldosterona não estão di- uma ingesta de 5 g de sal por dia ou até menos. Existem
minuídos em uremia, e alguns relatos descrevem níveis alguns outros fatores que reduzem este nível máximo de
elevados. A administração, a pacientes urêmicos, de gran- excreção de sódio no urêmico: hipoalbuminemia, insufici-
de quantidade de hormônio mineralocorticóide não inter- ência cardíaca congestiva ou glomerulite aguda.
fere com a regulação precisa do balanço de sódio quando Basicamente, todo nefropata crônico com uma filtração
se altera a ingesta de sódio. A aldosterona, embora parti- glomerular inferior a 20-25 ml/min terá uma excreção obri-
cipe, não é o principal elemento no controle biológico. gatória de sódio de pelo menos 20-30 mEq/dia. Se a ingesta
capítulo 37 669

de sódio é reduzida rapidamente a níveis inferiores à ex- ponsáveis pelo defeito na concentração. O mecanismo de
creção obrigatória, o paciente entra em balanço negativo concentração da urina requer hipertonicidade do interstí-
de sódio, o qual causa uma contração do volume extrace- cio medular. A alta carga de uréia e outros solutos por né-
lular, contração que reduz a filtração glomerular, agravan- fron explica em parte o defeito de concentração urinária.
do a retenção nitrogenada, a retenção de potássio e ácidos Além disto, a reabsorção de água no túbulo distal está com-
metabólicos. prometida pela limitada resposta do túbulo distal ao HAD.
Algumas vezes, a perda diária de sódio é elevada (100 a A razão pode estar na própria uremia ou no fluxo aumen-
200 mEq/dia) e costuma-se dizer que o paciente é portador tado do líquido tubular.
de uma nefropatia perdedora de sódio. Acredita-se que, em
parte, esta natriurese ocorra pela alta carga de soluto por ÁCIDO-BÁSICO
néfron (diurese osmótica). É possível que a desorganização Aproximadamente 1 mEq/kg de íons H são produzi-
vascular na medula também seja responsável por essa na- dos diariamente, oriundos de uma ingesta protéica. Estes
triurese, pois nefropatias com comprometimento renal pre- íons H são tamponados pelo bicarbonato plasmático, e os
dominantemente medular associam-se mais freqüentemente rins deverão regenerar este bicarbonato consumido, além
a altas perdas de sódio urinário: pielonefrite, nefropatia de excretar os íons H. Os processos envolvidos na reab-
obstrutiva, doença medular cística, etc. sorção, regeneração de bicarbonato e excreção de H já
foram discutidos nos Caps. 5 e 11.
EXCREÇÃO DE ÁGUA Habitualmente, no decurso de uma insuficiência renal
Como já foi abordado no Cap. 16, uma anormalidade na crônica, a concentração plasmática de bicarbonato perma-
capacidade de concentração urinária é um dos sinais mais nece normal até que haja uma redução da filtração glome-
precoces na insuficiência renal crônica, traduzida clinica- rular acima de 50%. A partir de então, há uma redução do
mente pela nictúria. O nefropata crônico perde o padrão bicarbonato plasmático, do pH arterial e uma redução com-
diurno de excreção de água, apresentando uma deficiên- pensatória do pCO2. No entanto, a acidose permanece com-
cia do mecanismo de concentração e diluição urinária. pensada mantendo concentrações plasmáticas de bicarbo-
A anormalidade na capacidade de formar urina diluí- nato entre 12 e 15 mEq/litro, mesmo com filtração glome-
da parece ser atribuída a um aumento na excreção de so- rular abaixo de 5-10 ml/min.
lutos por néfron. Esta excreção elevada de solutos resulta Como não há evidência de perda de bicarbonato ou
primariamente do aumento da filtração por néfron e da su- produção excessiva de íons H, conclui-se que a acidose
pressão na reabsorção proximal de sódio. Além disso, o fil- que se desenvolve na uremia se deve a uma redução na
trado glomerular contém uma alta concentração de solu- excreção de íons H pelos rins. Os dois principais recepto-
tos pouco reabsorvíveis (uréia, sulfato, fósforo, etc.). Estes res (tampões) de íons H na urina são o fosfato e o NH3.
três fatores seriam responsáveis pela excreção excessiva de Como o pH da urina na uremia geralmente está abaixo de
solutos através dos néfrons residuais presumivelmente 5,5, isto significa que ambos os tampões (fosfato e NH3)
normais. Quando se corrige o clearance de água livre para estão titulados ao máximo. A excreção de fosfato na evo-
a taxa de filtração glomerular e excreção de soluto, verifi- lução de uma nefropatia crônica não se altera muito, per-
ca-se que a capacidade de diluição está preservada. Entre- manecendo igual à ingesta, mantendo assim o equilíbrio.
tanto, a redução global na taxa de filtração glomerular com- Desta forma, uma regulação precisa do equilíbrio ácido-
promete a capacidade do rim em excretar uma carga de básico depende da síntese de NH3, que deve aumentar.
água mesmo quando está normal a formação de água li- Assim, uma redução na excreção de amônia (e conseqüente
vre por néfron remanescente. Esta incapacidade renal de redução na quantidade de bicarbonato regenerado) pare-
excretar água livre de soluto coloca o paciente em risco de ce ser o fator mais importante na gênese da acidose.
uma intoxicação aquosa. Drogas freqüentemente utiliza- As adaptações que ocorrem durante a evolução de in-
das na insuficiência renal, para aumentar a excreção de suficiência renal crônica poderiam ser assim descritas:4 com
sódio e tratar a hipertensão arterial, podem comprometer a destruição inicial de néfrons, haverá uma redução tran-
ainda mais a capacidade renal de excretar uma carga de sitória na excreção de H e síntese de bicarbonato. Com a
água através da inibição da reabsorção de NaCl e diluição retenção de H ocorre uma redução do bicarbonato plas-
no ramo ascendente espesso da alça de Henle. mático. O aparecimento de um nível mais elevado de hor-
Por outro lado, o distúrbio na capacidade de concentra- mônio paratireóideo acarreta um aumento na excreção de
ção não pode ser atribuído unicamente a esta diurese os- fósforo. Com isto, a excreção de íons H excretados como
mótica que ocorre por néfron. Se assim fosse, uma redu- ácido titulável (íons H tamponados pelo fosfato) também
ção na excreção de solutos seria capaz de elevar a osmola- aumenta até o nível original, mas só restaura parcialmen-
lidade urinária máxima, o que não ocorre. Estes fatos in- te a excreção de H e a síntese de bicarbonato. Desta for-
dicam que outros fatores participam do distúrbio da con- ma, a excreção de NH3 precisa aumentar. O aumento na
centração urinária. Uma das explicações mais aceitas é a excreção de NH3 eleva a excreção de H e a síntese de bi-
de que alterações anatômicas na medula renal sejam res- carbonato, atingindo uma compensação completa. Mas a
670 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

manutenção desta compensação se deve a uma excreção POTÁSSIO


aumentada de fosfato e NH3 por néfron. Com nova des- A capacidade de excreção de potássio está relativamen-
truição renal, o mesmo ciclo acima se repete. A acidez ti- te bem preservada na insuficiência renal crônica. Isto se
tulável permanecerá normal enquanto a ingesta de fosfa- deve a um aumento na excreção de potássio por néfron.
to não for reduzida. Entretanto, a excreção total de NH3 di- Geralmente a ingesta de potássio não diminui na insu-
minui, apesar do aumento na produção de NH3 por né- ficiência renal crônica, a não ser que a ingesta protéica seja
fron. Isto acarreta acidose metabólica que tem tendência reduzida. A excreção fecal de potássio em pacientes urê-
a estabilizar-se, o que parece dever-se a um sistema-tam- micos aumenta muito pouco. Desta forma, sendo a excre-
pão auxiliar: reservas de carbonato no osso. No entanto, ção de potássio normal na insuficiência renal crônica, ape-
este tamponamento continuado acarreta descalcificação sar da filtração glomerular reduzida, o aumento da excre-
óssea que parece contribuir para a osteodistrofia urêmica ção de potássio por néfron é resultante da atividade tubu-
(v. a seguir). lar. Na verdade, estudos experimentais mostram que a
Existem dados que indicam que os altos níveis circulan- secreção de potássio nos segmentos distais do néfron é a
tes de paratormônio inibem também a reabsorção de bicar- responsável pela manutenção do balanço externo. O pro-
bonato (além de inibirem a reabsorção proximal de fosfa- cesso adaptativo responsável por secreção distal elevada
to) e contribuem dessa forma para a acidose.17 de K parece ser por uma atividade aumentada da Na,K-
ATPase e da área basolateral de células principais nos
CÁLCIO, FÓSFORO E MAGNÉSIO ductos coletores corticais. O aumento de excreção de po-
Como vimos anteriormente, os níveis plasmáticos de tássio por néfron não parece depender da excreção simul-
cálcio e fósforo são mantidos normais até uma filtração tânea de outros solutos, como, por exemplo, o sódio, o fós-
glomerular de 25-30 ml/min, à custa de altos níveis de foro, etc.
paratormônio circulante. A partir de então, o fósforo plas- Há evidência de que níveis “normais” de aldosterona
mático eleva-se, acompanhado de uma redução recíproca são necessários para facilitar a elevada secreção de potás-
de cálcio plasmático. Os níveis plasmáticos de paratormô- sio por néfron. Hipercalemia, freqüentemente associada
nio continuarão elevados. Em insuficiência renal crônica, à acidose metabólica, pode ocorrer relativamente cedo na
a absorção ativa de cálcio, no duodeno e jejuno superior, insuficiência renal quando o nível plasmático de aldos-
está comprometida. Em porções mais distais do intestino, terona for baixo. Furosemida facilita a secreção de K pelo
a absorção passiva de cálcio parece estar intacta, pois urê- aumento da oferta distal de NaCl e também por estimu-
micos podem absorver cálcio normalmente quando a in- lar a liberação de renina ao reduzir o volume extracelu-
gesta de cálcio é elevada a 4,0-10,0 g/dia. Tudo indica que lar.
a redução na produção de 1,25-(OH)2D3 pelo rim enfermo Verifica-se hipercalemia apenas nos estádios finais da
(v. também Cap. 40) seja responsável, pelo menos em par- insuficiência renal crônica associada a oligúria e a excessi-
te, pela redução na absorção intestinal de cálcio. Habitual- va ingestão de potássio. Particular atenção deve ser dada
mente as alterações na absorção de cálcio são detectadas ao uso de substitutos do sal e dietas ditas “saudáveis”, que
quando a creatinina do cálcio intestinal agrega novo insulto contêm muita fruta e nozes.
à homeostasia do cálcio, originando um estímulo adicio-
nal, a hiperplasia das paratireóides, elevação dos níveis de Pontos-chave:
paratormônio e deterioração esquelética.
Embora os estudos iniciais de Bricker tenham sugerido • A diminuição de néfrons funcionantes
que a fosfatúria da IRC fosse secundária ao aumento do resulta em aumento da filtração glomerular
PTH, estudos posteriores mostraram que a elevada excre- por néfron, desencadeando o fenômeno de
ção fracional de fosfatos que acompanha a redução do agressão glomerular
número de néfrons não depende de aumento dos níveis de • A função tubular acompanha a
PTH ou de uma resposta tubular ao PTH. Em animais
hiperfiltração glomerular, ao menos em
paratireoidectomizados, a elevada excreção fracional de
fases precoces da IRC
fosfatos foi proporcional à redução da filtração glomeru-
lar. Atualmente não se sabe por que a reabsorção proximal • O balanço de sódio é mantido até fases
de fosfato está diminuída na insuficiência renal. tardias da IRC através de forças
O magnésio sérico está geralmente elevado na insufici- natriuréticas
ência renal crônica, mas sem tradução clínica. No entanto, • A acidose metabólica que acompanha a IRC
a administração de laxantes ou antiácidos que contêm é causada principalmente pela diminuição
magnésio pode causar uma hipermagnesemia grave, pro- na excreção de amônia
vocando náuseas, vômitos e depressão do sistema nervo- • A hipercalemia dificilmente ocorre em IRC
so central. Níveis séricos extremos podem causar parali-
até a fase terminal
sia respiratória, coma e parada cardíaca.
capítulo 37 671

Brenner et al. lançaram a hipótese de que isto ocorre


PROGRESSÃO DA devido a alterações hemodinâmicas do glomérulo: o au-
INSUFICIÊNCIA RENAL mento da filtração glomerular por néfron, interpretado
como um mecanismo de adaptação face à destruição ou
CRÔNICA (V. TAMBÉM CAP. 36) ablação de outros néfrons, pode eventualmente causar le-
são dos néfrons residuais.18 Vários trabalhos experimentais
É observação antiga que muitos pacientes portadores de
têm tentado provar esta teoria. Assim sendo, nefrectomi-
nefropatia crônica evoluem inexoravelmente para insufi-
as parciais em ratos determinam, com o tempo, proteinú-
ciência renal terminal. Naturalmente são conhecidos vári-
ria e esclerose glomerular, inicialmente segmentar e depois
os fatores que contribuem para a progressão da insufici-
global. Estas nefrectomias, quando removem 90-95% da
ência renal crônica na ausência de atividade da enfermi-
massa renal, determinam um aumento da filtração e da
dade básica: infecções urinárias recorrentes, persistência de
pressão capilar glomerular dos néfrons residuais, poden-
obstrução do trato urinário, hipertensão arterial não con-
do-se detectar alterações morfológicas nos glomérulos em
trolada, deposição intra-renal de sais de cálcio e uratos, etc.
duas semanas após a ablação.
(Quadro 37.2). Entretanto, na ausência destes fatores, têm- A evidência de que esta hiperfiltração glomerular e este
se procurado outros mecanismos capazes de justificar a aumento da pressão capilar glomerular iniciam a lesão glo-
destruição progressiva dos néfrons residuais numa nefro- merular provém de estudos em que a limitação da hiperfil-
patia crônica. tração e a prevenção da hipertensão glomerular preservaram
a estrutura glomerular. Assim sendo, sabendo-se que a res-
trição protéica reduz a filtração glomerular em animais, vári-
Quadro 37.2 Possíveis causas de progressão da os experimentos demonstraram a prevenção de esclerose glo-
insuficiência renal crônica
merular e proteinúria em ratos parcialmente nefrectomizados
1. Infecção urinária submetidos a dietas hipoprotéicas. Mais recentemente, de-
2. Obstrução monstrou-se que o controle da hipertensão arterial sistêmica
3. Hipertensão arterial e da hipertensão capilar glomerular com inibidores da enzi-
4. Distúrbios de cálcio e fósforo (hiperfosfatemia) ma de conversão (captopril, enalapril) limita a lesão glome-
5. Hiperuricemia rular, reduzindo a proteinúria e a esclerose glomerular.
6. Hiperfiltração glomerular
7. Resposta imune Os mecanismos participantes da progressão da nefropa-
8. Dislipidemia tia crônica, segundo Brenner et al., podem ser apreciados na
Fig. 37.5. Em resumo, a condição básica inicial é a hiperfil-

Fig. 37.5 Esquema dos possíveis mecanismos atuantes na progressão da insuficiência renal.
672 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

tração e a hipertensão intraglomerular. Esta pode ser decor- res em achar uma toxina urêmica. Acredita-se que os sin-
rente de uma redução da população de néfrons (por ablação tomas urêmicos sejam causados por uma ou várias subs-
ou doença), hipertensão arterial sistêmica transmitida ao leito tâncias dialisáveis, pois os sintomas desaparecem com a
capilar glomerular, dietas hiperprotéicas e diabetes mellitus. diálise.
Paralelamente a estas alterações mecânicas, uma série
de alterações imunológicas (infiltrado inflamatório, produ-
ção aumentada de matriz extracelular), fenômenos trom- Toxinas Urêmicas
bóticos e proliferação celular ocorrem no rim da insufici-
De acordo com o conhecimento vigente, há indicações
ência renal crônica, culminando em um processo inflama-
de que cada uma das alterações metabólicas e fisiológicas
tório crônico que caracteriza o caráter progressivo das
da uremia possam ser atribuídas à retenção de solutos
doenças renais. Estas alterações são discutidas em detalhe
como resultado da perda da função renal. Porém, alguns
no capítulo anterior. Uma combinação destes mecanismos
dos solutos acumulados podem ser apenas marcadores
culmina na perda da função renal e no desenvolvimento
deste acúmulo, não sendo importantes no desenvolvimen-
da síndrome urêmica.
to da toxicidade urêmica. É importante salientar que mo-
Portanto, pacientes portadores de nefropatia crônica
léculas com peso molecular de até 58 quilodaltons são fil-
deverão sofrer uma redução da hiperfiltração e hiperten-
tradas através do glomérulo, e a perda da função renal gera
são glomerular na tentativa de se preservar a função renal
o acúmulo de móleculas de variados pesos moleculares.
residual. Pelo exposto, é óbvio que a redução da ingesta
Uma lista dos principais compostos orgânicos acumulados
protéica deve ser instituída precocemente, e há vários es-
tudos clínicos que demonstram o efeito benéfico desta con- na insuficiência renal e sua presumida toxicidade serão
duta (v. Cap. 47). É possível no entanto que outras mani- discutidos a seguir.
pulações do fluxo e pressão capilar glomerular sejam mais
eficazes que a restrição protéica. URÉIA
Classicamente, a uréia tem sido incriminada na gênese
dos sintomas urêmicos. No entanto, numa experiência, vá-
Pontos-chave: rios pacientes foram submetidos à hemodiálise crônica, en-
• A IRC progride para fase terminal de forma quanto uréia foi adicionada ao dialisado, de forma que a
inexorável, e a progressão pode ser concentração de uréia plasmática variou entre 181 e 600
mg/100 ml.19,20 A experiência mostrou que, quando a uréia
agravada por HAS, infecções urinárias
plasmática era superior a 300 mg/100 ml, os pacientes apre-
recorrentes, persistência de obstrução do sentavam mal-estar, vômitos, sangramento e cefaléia. No
trato urinário entanto, os sintomas comumente detectados em urêmicos
• Estratégias para reduzir a pressão com níveis semelhantes de uréia (sonolência, depressão
intraglomerular (IECA, dieta hipoprotéica) mental, asterixe, fasciculações musculares, etc.) não foram
diminuem o ritmo de progressão da IRC vistos nesses pacientes. Isto indica que não só a uréia é res-
ponsável pelos sintomas de uremia, mas também parece
ser um bom marcador da uremia. De fato, o Estudo Naci-
onal Cooperativo de Diálise mostrou uma correlação di-
A SÍNDROME URÊMICA reta entre o turnover de uréia e morbidade, o que levou à
adoção do modelo de cinética da uréia para se avaliar a
Patogenia ingesta protéica e a adequação da diálise.
O termo uremia significa urina no sangue, indicando,
portanto, que certas substâncias (como a uréia), normal- GUANIDINAS
mente excretadas na urina, são retidas na circulação. Sa- Os níveis séricos de compostos guanidínicos aumentam
bemos, no entanto, que os sintomas de insuficiência renal na IRC. Estas substâncias contêm o grupo amidino N-
não podem ser atribuídos unicamente à retenção de cons- CNH, oriundo do metabolismo da arginina. Metilguani-
tituintes urinários. Há alterações endócrinas e metabólicas dina e ácido guanidinossuccínico são produzidos a partir
independentes dessa retenção. do metabolismo de proteínas ingeridas ou da degradação
Preferimos utilizar o termo uremia para os pacientes que protéica endógena. Metilguanidina causa gastrite e poli-
apresentam uma insuficiência renal grave (geralmente cle- neurite quando infundida em cães sadios, inibe in vitro a
arance de creatinina inferior a 10 ml/min) e cujos sintomas Na,K-ATPase cerebral de ratos urêmicos e diminui a con-
envolvem particularmente o trato gastrintestinal, nervoso tratilidade de células cardíacas de camundongos. Há evi-
e cardiopulmonar. dência recente de que o ácido guanidinossuccínico inibe a
As manifestações da uremia se assemelham a uma in- 1α-hidroxilase renal in vitro e pode ser um dos fatores no
toxicação sistêmica, daí o interesse de vários investigado- soro urêmico que reduz a síntese de calcitriol.
capítulo 37 673

SULFATO DE INDOXIL cálcio intracelular, o qual inibe vias de oxidação mitocon-


O sulfato de indoxil tem sido responsabilizado por defei- drial e geração de ATP. O aumento intracelular de cálcio
tos no transporte tubular de ácidos orgânicos e pela diminui- induzido pelo PTH pode afetar o cérebro, pâncreas, miocár-
ção na ligação de diversas drogas a proteínas plasmáticas. A dio e plaquetas. Avram e cols. relataram um estudo em que
remoção deste composto está associada a redução do pruri- compararam os níveis séricos de paratormônio com veloci-
do urêmico e retardo na progressão da insuficiência renal. dade de condução nervosa motora em pacientes urêmicos.21
O grupo com níveis mais elevados de paratormônio tinha a
MIOINOSITOL maior redução na velocidade de condução nervosa motora.
Mioinositol e outros polióis são fosfolípides, parte da Como os autores já haviam demonstrado uma melhora no
estrutura e função do sistema nervoso. Estes são retidos na hematócrito em urêmicos submetidos a paratireoidectomia
uremia e são uma possível causa de neuropatia periférica. subtotal, concluíram esse estudo sugerindo que o parator-
Entretanto, níveis séricos e no líquido cefalorraquidiano mônio é uma toxina urêmica.
não se correlacionam com condução nervosa ou grau de
neuropatia clínica de pacientes em diálise. ACIDOSE METABÓLICA
A acidose metabólica crônica compromete o metabo-
MOLÉCULAS MÉDIAS lismo protéico e ósseo e pode contribuir para a progres-
Sugeriu-se a possibilidade de que algumas moléculas de são da nefrite intersticial. Há dados experimentais que
peso molecular entre 300 e 1.500 (moléculas médias) fossem mostram que a acidose crônica acelera o metabolismo pro-
responsáveis pela toxicidade urêmica. Essa sugestão partiu téico, resultando num retardo de crescimento e balanço
de duas observações: primeiro, notou-se que pacientes em nitrogenado negativo. Há uma descarboxilação de ami-
diálise peritoneal crônica estavam clinicamente melhores noácidos de cadeia ramificada no músculo esquelético.
que aqueles em hemodiálise, sem neuropatia e osteodistro- Em pacientes, demonstrou-se uma correlação entre os
fia urêmica, apesar de níveis plasmáticos mais elevados de níveis de valina intracelular e o grau de acidose metabó-
uréia e creatinina. Deduziu-se que a membrana peritoneal lica.
era mais eficiente na remoção de certas toxinas do que a A acidose metabólica também afeta o osso de pacientes
membrana de celofane do rim artificial. O peritônio remo- urêmicos, estimulando a secreção de PTH independente do
ve moléculas maiores mais rapidamente; segundo, notou- nível sérico de cálcio iônico ou calcitriol e tamponando os
se que a prevenção de neuropatia urêmica dependia de um íons H com liberação de apatita de cálcio e perda de osso
número adequado de horas de diálise por semana e não da cortical.
manutenção de certos níveis pré-diálise de uréia e creatini-
na. Como a uréia e a creatinina são moléculas pequenas, FOSFATOS ORGÂNICOS
deduziu-se que a remoção de moléculas maiores necessita- Níveis altos de fosfatos orgânicos são associados a pruri-
ria de mais tempo de diálise. Devido a esta preocupação com do urêmico, além de estimular a secreção de PTH, como
as moléculas médias, aumentou-se o tempo de diálise, cons- discutido anteriormente. Da mesma forma, calcificações
truíram-se dialisadores com maior área de filtração e utili- vasculares e metastáticas têm sido atribuídas a este soluto.
zaram-se membranas de maior permeabilidade.
No entanto, até o momento não há provas conclusivas NOVOS COMPONENTES IDENTIFICADOS
de que as moléculas médias sejam toxinas urêmicas. COMO POTENCIAIS TOXINAS URÊMICAS
A lista de toxinas urêmicas está em permanente cresci-
␤2 -MICROGLOBULINA mento, dado que uma única toxina não pode justificar a
É uma proteína de cadeia leve normalmente filtrada pelo variedade de sintomas que caracterizam a uremia. Dentre
glomérulo e reabsorvida e degradada pelas células do tú- os novos compostos associados a toxicidade urêmica está
bulo proximal. O rim é o único órgão responsável pelo seu a homocisteína, um aminoácido sulfúrico que se acumula
catabolismo. Ela se acumula na insuficiência renal, causan- com o desenvolvimento da uremia e se associa a um mai-
do deposição de amilóide no túnel carpiano, membranas or risco de doença cardiovascular.22 Da mesma forma, o
sinoviais e nas extremidades dos ossos longos, causando acúmulo de produtos finais da glicação avançada resultan-
a síndrome do túnel carpiano, cistos ósseos e uma artro- tes de reação não-enzimática de carboidratos com proteí-
patia destrutiva. Hemodiálise com membranas bioincom- nas está associado a toxicidade urêmica, especialmente em
patíveis pode acelerar a geração de β2-microglobulina atra- relação ao desenvolvimento de aterosclerose, amiloidose
vés da ativação do complemento. e fibrose peritoneal.23 Alguns autores têm proposto que o
acúmulo de citocinas pró-inflamatórias e marcadores de
HORMÔNIO PARATIREÓIDEO estresse oxidativo poderiam também estar relacionados ao
É uma molécula média considerada uma importante to- desenvolvimento de toxicidade e portanto representarem
xina urêmica. Hiperparatireoidismo leva a um acúmulo de toxinas urêmicas.24
674 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

Pode ser decorrente do hiperparatireoidismo secundário


Pontos-chave: à insuficiência renal crônica, porém mais comumente é
• As manifestações da uremia se assemelham iatrogênica: intoxicação por vitamina D, excessiva ingesta
a uma intoxicação sistêmica de cálcio (carbonato de cálcio) e alta concentração de cál-
cio no banho de diálise.
• Os sintomas urêmicos são causados por
Hipocalcemia já é mais freqüente, embora raramente sin-
uma ou várias substâncias dialisáveis, pois
tomática. Tudo indica que a acidose urêmica protege os
os sintomas desaparecem com a diálise pacientes da tetania, pois a correção rápida da acidose é
seguida freqüentemente de sinais de tetania. O mecanis-
Sinais e Sintomas da Uremia mo da hipocalcemia já foi abordado. Calcificações metas-
táticas ocorrem geralmente quando o produto da concen-
RELACIONADOS COM DISTÚRBIOS tração plasmática do cálcio e do fósforo (Ca P) excede
HIDROELETROLÍTICOS E ÁCIDO-BÁSICO 75. Estas calcificações podem ocorrer na pele, vasos san-
güíneos, articulações, olhos, pulmão, etc. O prurido do
Volume Circulante urêmico pode, às vezes, ser decorrente da deposição de
Habitualmente, o paciente urêmico apresenta um exces- cálcio na epiderme.
so de volume circulante à custa de um modesto aumento Hipofosfatemia não é freqüente, pois, como já discutimos,
no sódio e água total. Geralmente, este excesso de volume na insuficiência renal crônica há uma tendência à hiperfos-
não traz sintomas, embora, quando excessivo, se traduza fatemia. No entanto, a administração de cálcio ou antiáci-
por hipertensão arterial, edema e insuficiência cardíaca do que se ligam ao fósforo no intestino pode causar hipo-
congestiva. fosfatemia, traduzindo-se por fraqueza muscular, anore-
A excessiva ingesta de sal é responsável pelo edema, xia e distúrbios neurológicos.
hipertensão arterial, enquanto a excessiva ingesta de líqui-
dos acarreta hiponatremia. Ambas estas anormalidades
Acidose
traduzem o distúrbio no metabolismo do sódio e água na
Sintomas decorrentes da acidose são infreqüentes, pos-
insuficiência renal crônica.
sivelmente porque a instalação é gradual. Assim sendo, a
Cumpre relembrar que, na insuficiência renal crônica,
típica respiração de Kussmaul é infreqüente.
há uma perda obrigatória de água imposta pela excreção
de soluto e por um defeito no mecanismo de concentração
urinária. Desta forma, se o paciente não ingere muito líqui- RELACIONADOS COM TOXINAS URÊMICAS,
do ou apresenta perdas líquidas extra-renais, como vômi- DISTÚRBIOS METABÓLICOS E ENDÓCRINOS
tos, diarréia, etc., o volume urinário não diminui signifi- Manifestações Gastrintestinais
cativamente. Nesta eventualidade, pode ocorrer uma con- Os sintomas mais comuns são a anorexia, náuseas e
tração do volume extracelular, reduzindo ainda mais a fil- vômitos. Náuseas pela manhã ou pós-prandiais é o habi-
tração glomerular e agravando o quadro de uremia. tual. Alguns se queixam de um gosto metálico e apresen-
tam hálito amoniacal (hálito urêmico). Algumas vezes, o
Potássio gosto metálico traduz hipercalemia.
Como já frisamos, o balanço do potássio está relativa- Náuseas, vômitos e diarréia em pacientes urêmicos ca-
mente preservado até o estádio terminal da insuficiência racterizam um quadro de gastroenterite urêmica. Pode
renal crônica. Hipocalemia pode ocorrer devido ao uso de ocorrer estomatite, gastrite, duodenite, ileíte, colite e proc-
diuréticos ou em certas tubulopatias, como a síndrome de tite. Sangramento pode ocorrer a qualquer nível do trato
Fanconi. Hipercalemia não é freqüente na insuficiência gastrintestinal. A maior parte desses sintomas melhora com
renal crônica, mas pode ocorrer nas seguintes circunstân- o tratamento dialítico. A mucosa gastrintestinal revela
cias: a) piora da nefropatia, acarretando oligúria intensa; edema, hiperemia capilar, angiodisplasia, ulcerações su-
b) ingesta excessiva de potássio através de medicamentos perficiais e lesões necróticas e hemorrágicas. As lesões
que contêm potássio ou substâncias que substituam o sal; parecem estar relacionadas aos níveis de uréia plasmáti-
c) estados hipercatabólicos que reduzem a capacidade do ca. A uréia é difusível no lúmen do trato alimentar, onde é
potássio (v. Cap. 12); administração de drogas retentoras convertida em amônia e dióxido de carbono pela urease
de potássio, como a espironolactona e o triamterene. bacteriana. Acredita-se que 25% da uréia no organismo
sofre hidrólise dentro do intestino.
Cálcio e Fósforo De uma maneira geral, há maior incidência de úlcera
Hipercalcemia traduz-se pelos seus sinais e sintomas clás- péptica em renais crônicos, apesar de, teoricamente, a alta
sicos: anorexia, náuseas, vômitos, dor abdominal e consti- concentração gástrica de amônia servir como tampão. A
pação. Dependendo da gravidade, pode ocorrer alteração secreção ácida basal do estômago e mesmo após estimula-
da personalidade, apatia, sonolência e confusão mental. ção tem sido relatada como normal, alta e baixa. Secreção
capítulo 37 675

baixa foi atribuída à doença da mucosa gástrica ou ao efei- casos, postula-se a existência de uma toxina urêmica que
to-tampão da amônia. Secreção alta foi relacionada ao hi- aumenta a permeabilidade capilar pulmonar, causando
perparatireoidismo secundário. A maioria dos pacientes transudação de líquido. O tratamento dialítico com remo-
tem níveis plasmáticos elevados de gastrina, mas não há ção de volume usualmente resolve o quadro. Possivelmen-
uma boa correlação com a incidência de úlcera péptica. te a uremia, hipoalbuminemia e excesso de volume partici-
Como o rim é o principal local de inativação de gastrina, é pam do processo. A localização central do líquido pode ser
possível que os níveis elevados de gastrina sejam devidos secundária à acidose metabólica freqüentemente presente.
à redução do clearance renal. A hiperventilação secundária à acidose expandiria preferen-
Muitas vezes a instituição do tratamento dialítico au- cialmente os alvéolos periféricos e evitaria a coleção de lí-
menta a secreção ácida do estômago, caracterizando um quido perifericamente. A acidose também pode levar à cons-
estado hipersecretor. trição das arteríolas periféricas do pulmão.
Alguns pacientes em diálise crônica desenvolvem asci-
te. O líquido ascítico se acumula na ausência de processo Manifestações Neurológicas (v. também Cap. 39)
infeccioso ou maligno intraperitoneal. A concentração de Entre as manifestações mais precoces da encefalopatia
proteína no líquido é geralmente elevada. A princípio, acre- urêmica estão as alterações do estado de alerta e consciên-
ditou-se que a diálise peritoneal prévia era condição predis- cia do meio ambiente. Os pacientes parecem estar fatiga-
ponente, mas a análise de um maior número de pacientes
em diálise, com ascite, eliminou esta possibilidade. Até o
momento, desconhece-se a causa deste acúmulo de líquido Quadro 37.3 Sintomas e sinais das principais
intraperitoneal. É possível que isto seja tradução da polis- anormalidades do complexo urêmico
serosite que acompanha os pacientes urêmicos (efusão pleu-
ral, pericardite e ascite). Há uma resolução completa em Neurológicas Psicológicas
todos os pacientes submetidos a transplante renal. Alterações do sono Depressão
Cefaléia Ansiedade
A presença de anorexia na uremia é amplamente reco- Convulsões Psicose
nhecida e pode estar associada aos sintomas gastrintesti- Irritabilidade
nais recém-descritos, mas também a distúrbios na home- Alterações eletroencefa- Oculares
ostase da leptina, um hormônio envolvido na regulação do lográficas Retinopatia
Irritabilidade muscular hipertensiva
apetite (a nível central), bem como no gasto energético
Coma Depósitos de cálcio na
basal. Níveis elevados de leptina são encontrados no soro conjuntiva e córnea
de pacientes urêmicos e estão associados à composição Pulmonares
corpórea e a alterações no peso corporal.25 Pulmão urêmico Cardiovasculares
Pleurites Hipertensão arterial
Efusão pleural Insuficiência cardíaca
Manifestações Pleuropulmonares Coronariopatia
Pleurite detectada através de atrito pleural ou dor pleu- Gastrintestinais Pericardite
ral ou dor pleurítica, com ou sem efusão pleural, pode ser Anorexia Miocardite
Náusea, vômito
encontrada no paciente gravemente urêmico. Hálito urêmico Dermatológicas
Em 1977, Berger e cols. descreveram 14 pacientes com Sangramento gastrintes- Palidez
insuficiência renal crônica e efusão pleural, atribuída à sín- tinal Pigmentação
drome urêmica e não à congestão pulmonar.26 Em 10 dos Úlcera péptica Prurido, escoriações
14 pacientes, o líquido pleural foi serossanguinolento ou Equimoses, púrpura
Neuropatia periférica Alterações ungueais
hemorrágico e tinha característica de exsudato. Biópsia Parestesias Depósitos de cálcio de
pleural ou análise da pleura na autópsia mostrou uma pleu- Síndrome da perna cristais de uréia
rite fibrinosa. Acredita-se que a efusão hemorrágica seja irrequieta (orvalho urêmico)
secundária ao uso de heparina durante a hemodiálise e que Condução nervosa
prolongada Metabólicas
uma pleurite fibrosa com restrição pulmonar possa ocor- Paralisia Intolerância aos
rer a longo prazo. carboidratos
A existência de um pulmão urêmico é controvertida. Pul- Hematológicas Hiperlipidemia
mão urêmico refere-se ao achado radiológico de uma opa- Anemia Gota
Sangramento
cificação (congestão) pulmonar bilateral que se estende do
Musculoesqueléticas
hilo para a periferia, poupando os ápices ou bases. A distri- Endócrinas Fraqueza
buição peri-hilar central das opacidades radiológicas pou- Hiperparatireoidismo Osteodistrofia
pando a periferia levou à terminologia de “asa de borbole- Anormalidade da tireóide
ta” ou “asa de morcego”. Alguns atribuem o achado a uma Amenorréia
Infertilidade
insuficiência ventricular esquerda. Mas, em alguns pacien- Disfunção sexual
tes, não há sinais de insuficiência ventricular, e, para estes
676 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

dos, preocupados e apáticos. A capacidade de concentra- embora, em pacientes com rins policísticos, o grau de ane-
ção está alterada e, por vezes, nota-se o mesmo com rela- mia seja menor.
ção à memória, e até mudanças no comportamento, humor, Não há uma relação entre o nível de azotemia e a ane-
sinais de irritabilidade e distúrbio do sono. mia, mas, geralmente, com a progressão da destruição re-
Asterixe é um sinal quase sempre presente quando a nal, a anemia agrava-se. Ela é quase sempre normocítica,
função sensorial está deprimida no paciente urêmico. É um normocrômica, traduzindo a natureza hipoproliferativa da
sinal que traduz apenas uma encefalopatia metabólica, sem eritropoese, resultante dos níveis reduzidos de eritropoe-
especificar a etiologia. Pesquisa-se o sinal solicitando-se ao tina, que, por sua vez, são conseqüentes à redução da massa
paciente manter os membros superiores esticados com hi- renal. A introdução da eritropoetina recombinante huma-
perextensão dos cotovelos e punhos e com os dedos sepa- na mostrou que muitos pacientes com insuficiência renal
rados. Após alguns segundos, nota-se flexoextensão dos crônica terminal apresentam deficiência de ferro, contribu-
dedos e punhos a intervalos irregulares. São movimen- indo para a anemia.
tos rápidos e arrítmicos. Com o agravamento do quadro Outros fatores que podem agravar esta anemia são:
de uremia, notam-se também tremores, fasciculações, es- perda crônica de sangue nos dialisadores, deficiência de
pasmos musculares, etc. O paciente torna-se letárgico e ácido fólico e hemólise. Além de fatores no plasma que
evolui para um estado de estupor e coma, quase sempre podem ser responsáveis pela hemólise, a hipertensão ar-
acompanhado de convulsões. A patogênese da disfunção terial grave pode fragmentar os eritrócitos. Clinicamente,
cerebral na uremia permanece obscura. Encontrou-se em os pacientes apresentam palidez e queixam-se de fadiga ou
pacientes urêmicos uma diminuição do fluxo sangüíneo de uma sensação de mal-estar. A disponibilidade de eri-
cerebral e uma reduzida utilização de oxigênio pelo cére- tropoetina recombinante humana foi um marco e impor-
bro. tante passo na correção da anemia dos renais crônicos.
Pelo menos 65% dos pacientes com insuficiência renal A outra importante anormalidade hematológica é o dis-
crônica que iniciam diálise apresentam evidência de neu- túrbio de homeostasia. Percebe-se que pacientes urêmicos
ropatia urêmica.27 Esta neuropatia é uma polineuropatia apresentam equimoses espontâneas e, algumas vezes, san-
distal, simétrica, sensorial e motora, que afeta mais os gramento gastrintestinal, vaginal e em saco pericárdico. Há
membros inferiores. A neuropatia periférica afeta primei- relatos também de hematomas subdurais espontâneos.
ro os membros inferiores, depois os superiores, e o envol- O defeito hemostático é multifatorial. Algumas anorma-
vimento sensorial geralmente precede o componente mo- lidades estão localizadas nas plaquetas, na parede vascu-
tor. Estudos histológicos mostraram desmielinização seg- lar, na interação plaquetas e parede vascular, e a anemia
mentar, perda axonal, degeneração walleriana, prolifera- como fator adicional. Descreveu-se um defeito adquirido
ção de células de Schwann com formação de “bulbos de no armazenamento de ADP e serotonina e na produção de
cebola” e remielinização. Exame histoquímico de biópsia tromboxane A2. Há um excesso em urêmicos de fator re-
muscular de pacientes urêmicos revela atrofia de fibras tipo laxante derivado do endotélio (EDRF), o qual inibe a fun-
II. Os sintomas de envolvimento muscular se traduzem por ção plaquetária. Prostaciclina e óxido nítrico, potentes ini-
fadiga, fraqueza, atrofia, irritabilidade e cãibras. bidores da concentração celular de L-arginina, contribuem
A síndrome da perna irrequieta (restless-leg syndrome) para a anormalidade da função plaquetária. O fator VIII
comumente ocorre em urêmicos e provavelmente indica (von Willebrand) tem um papel importante na adesão e
comprometimento dos nervos periféricos pelo processo agregação plaquetária, e na uremia há alterações na estru-
urêmico. Caracteriza-se por uma sensação de desconforto tura multímera do fator VIII.
nos pés e pernas, sensação de prurido e picadas, pior à noite Acredita-se que o distúrbio seja devido a uma função
e aliviada pela movimentação freqüente dos membros. plaquetária anormal, conseqüente a uma alteração do fator
Queimação nos pés e cãibras musculares são outros sin- plaquetário III. É possível que esta alteração plaquetária se
tomas que podem traduzir neuropatia urêmica. deva aos níveis de ácido guanidinossuccínico, pois a remo-
Os sinais usuais de neuropatia urêmica são: diminuição ção deste metabólito pela diálise corrige a anormalidade.
da sensibilidade vibratória nos membros inferiores e per-
da dos reflexos tendinosos profundos (primeiro aquíleo e, Manifestações Cardiovasculares
depois, patelar). A maioria dos pacientes tratados com Em 1971, Matalon e cols. relataram um sopro de insufi-
hemodiálise crônica estabilizam ou melhoram lentamente ciência aórtica funcional em pacientes urêmicos.28 Os au-
a neuropatia. tores acreditam que a hipertensão arterial, anemia e con-
gestão cardíaca são elementos que predispõem a uma in-
Manifestações Hematológicas suficiência funcional transitória da aorta, e que a redução
A anemia desenvolve-se invariavelmente à medida que da pressão arterial e a remoção do excesso de volume cir-
a nefropatia crônica progride. Ela poderá ser percebida culante fazem desaparecer o sopro.
quando a função renal estiver abaixo de 50% do normal. Barrat e cols., no entanto, acreditam que um sopro di-
O grau de anemia independe da natureza da nefropatia, astólico em pacientes com insuficiência renal nem sempre
capítulo 37 677

é devido a incompetência aórtica e que pode ser de origem cardite ocorre em doentes bem dialisados, e, para estes
pericárdica, pois muitos desses pacientes apresentam pe- casos, tem-se sugerido uma origem infecciosa.
quenas efusões pericárdicas.29 Os sinais e sintomas de pericardite urêmica são os mes-
Entretanto, Danahy e Ronan chamam a atenção para não mos da pericardite não-urêmica: dor precordial, febre, atri-
se confundir um sopro funcional de regurgitação aórtica to pericárdico e graus variados de efusão pericárdica, que,
com o sopro venoso cervical, freqüente e intenso nos paci- na grande maioria das vezes, é sanguinolenta.
entes em diálise.30 Um sopro venoso cervical é comum em A existência de uma miocardiopatia urêmica é controver-
adultos normais, mas pode ser mais intenso nos pacientes tida. Enquanto alguns grupos acreditam na sua existência,
em hemodiálise devido à anemia e à comunicação arterio- outros ponderam que a multitude de fatores etiológicos
venosa interna ou externa. envolvidos (excesso de volume, arteriosclerose, pericardi-
Hipertensão arterial invariavelmente ocorre nos estádios opatia, etc.) torna difícil a individualização.31,32
mais avançados da insuficiência renal crônica e, na gran- A doença cardiovascular aterosclerótica é de extrema
de maioria das vezes, é resultado de um volume circulan- importância na síndrome urêmica, dada a acelerada ate-
te excessivo, podendo ser controlada com medidas que rogênese que é evidente em pacientes em IRC.33,34 Além
diminuem esse volume, tais como: redução da ingestão de disso, recentemente foi descrita a alta incidência de calci-
sódio, diuréticos potentes e remoção de líquido pela diáli- ficação arterial em pacientes jovens em hemodiálise.35 Jun-
se. A expansão do volume extracelular aumenta o débito tos, estes fatores contribuem para a alta taxa de mortalida-
cardíaco e causa hipertensão, mas também pode aumen- de anual de pacientes em diálise (aproximadamente 9%),
tar a resistência periférica, através do aumento da sensibi- o que representa 10 a 20 vezes as taxas para a população
lidade do leito vascular aos efeitos pressóricos da angio- geral, mesmo quando ajustadas para idade, sexo e presen-
tensina II, alfa1-agonistas ou outros hormônios que aumen- ça de diabetes mellitus. É importante indicar que a doença
tam o cálcio intracelular e o tônus do músculo liso vascu- cardiovascular aterosclerótica representa cerca de metade
lar. Há evidência da existência de um hormônio natriuré- desta mortalidade. A patogênese da doença cardiovascu-
tico que poderia aumentar o tônus muscular basal e a rea- lar aterosclerótica está relacionada a múltiplos fatores,
tividade vascular aos hormônios pressóricos. Este fator muitos dos quais já tiveram vínculo demonstrado com a
seria produzido no hipotálamo em resposta a uma expan- aterosclerose, como dislipidemia, hipertrofia ventricular
são de volume. esquerda, diabetes, hipertensão arterial sistêmica e taba-
Numa minoria de pacientes, a hipertensão arterial não gismo. De forma intuitiva, mas não com o mesmo poder
responde à redução de volume e parece ser devida à par- de evidência, podemos indicar que os mesmos fatores pos-
ticipação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. No sam ser aplicáveis a pacientes em IRC. Entretanto, o estu-
entanto, esses pacientes respondem a drogas anti-hiperten- do de Cheung et al., realizado em 936 pacientes em HD,
sivas. Um pequeno número de pacientes apresenta hiper- mostrou que, ainda que tabagismo e diabetes estejam as-
tensão arterial dita refratária, pois apesar de adequada sociados a doença cardiovascular, a mesma associação não
redução do volume circulante e de múltiplas e potentes se repete para colesterol total ou níveis pressóricos.36 De
drogas anti-hipertensivas, continuam gravemente hiper- fato, há quase duas décadas, Degoulet et al.37 obtiveram
tensos, com perda de peso, graus variados de insuficiên- resultados paradoxais mostrando que níveis mais altos de
cia cardíaca e alterações neurológicas. Este quadro costu- colesterol sérico previam melhor sobrevida para pacientes
ma acompanhar-se de hiper-reninemia, e há uma boa res- em diálise, e hoje é amplamente aceito o conceito de que
posta à nefrectomia bilateral. No entanto, mais recentemen- baixas taxas de colesterol representam um marcador de
te, o aparecimento de drogas hipotensoras mais potentes desnutrição e fator de risco para morbi-mortalidade em
tem controlado a pressão arterial com mais eficácia e evi- pacientes portadores de IRC. Vários fatores de risco não
tado a nefrectomia bilateral. tradicionais para doença cardiovascular estão comumen-
A hipertensão arterial é o principal fator de risco para o te presentes na população urêmica, como hiper-homocis-
desenvolvimento de coronariopatia, insuficiência cardía- teinemia, estresse oxidativo, calcificação vascular, desnu-
ca congestiva e doença cerebrovascular. trição e inflamação. Portanto, pode-se especular que estes
Insuficiência cardíaca congestiva e edema agudo de pulmão representem a razão pela alta prevalência de doença ate-
são quase sempre decorrentes do excesso de volume cir- rosclerótica em pacientes em IRC, sendo possível que o
culante. No entanto, outras anormalidades, como a pericar- impacto de fatores de risco não tradicionais seja tão impor-
dite e a miocardiopatia, são atribuídas ao quadro de uremia tante que minimize o impacto da dislipidemia ou hiperten-
e relacionadas a toxinas urêmicas. A pericardite comumen- são na taxa de mortalidade destes pacientes.
te acompanha a uremia terminal e, no passado, a sua pre-
sença era indicativa de morte iminente. Hoje em dia, a Manifestações Dermatológicas
pericardite é encontrada em pacientes urêmicos submeti- A palidez do paciente urêmico traduz a anemia subjacen-
dos a diálise crônica intermitente e quase sempre traduz te. Uma hiperpigmentação cutânea exacerbada pela luz
um controle inadequado da uremia. Outras vezes, a peri- solar também é comum e parece ser devida à deposição de
678 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

pigmentos lipossolúveis na epiderme e tecido adiposo é caracterizada por um alto turnover ósseo, enquanto a os-
subcutâneo. Além disso, altos níveis de hormônio melano- teomalacia e a doença óssea adinâmica têm um baixo tur-
trófico têm sido detectados em insuficiência renal crônica nover ósseo.
e podem contribuir para a hiperpigmentação. A pele é Em algumas partes do mundo, a osteomalacia (raquitis-
geralmente seca. mo na criança) é a principal lesão óssea em urêmicos e tem
Prurido é uma manifestação freqüente na fase avançada sido atribuída a uma menor ingestão de vitamina D e me-
da uremia ou no paciente em diálise crônica e tem sido nor exposição solar. A osteomalacia traduz uma condição
atribuído aos elevados níveis circulantes de paratormônio de inadequada mineralização do tecido osteóide normal.
ou a depósitos de cálcio na pele, ou ainda como manifes- Apesar das observações de que os níveis plasmáticos de
tação precoce de uma neuropatia sensorial. O prurido pode calcitriol estejam reduzidos em pacientes urêmicos e de que
ser tão intenso que o ato de coçar acarreta escoriações ge- a absorção intestinal de cálcio esteja também reduzida,
neralizadas. Quando em diálise, onde são submetidos à franca osteomalacia é raramente observada. Mesmo em
heparinização sistêmica, estas escoriações sangram com pacientes anéfricos, a osteomalacia é rara. Há evidência de
freqüência. que o acúmulo de alumínio em pacientes urêmicos pode
No passado, quando se permitia um acúmulo extremo causar osteomalacia, hipercalcemia, encefalopatia e anemia
de uréia, antes de se instalar o tratamento dialítico, obser- microcítica hipocrômica (v. Cap. 40). Hoje em dia se reco-
vava-se, com freqüência, a deposição de cristais de uréia nhece que o alumínio administrado por via oral como que-
na pele (uremic frost  orvalho urêmico). Hoje em dia, com lante do fósforo é reabsorvido em quantidades significati-
a instituição mais precoce do tratamento dialítico e com vas e que se acumula paulatinamente nos tecidos. Além do
uma higiene mais cuidadosa, raramente se observa esse mais, a água utilizada na hemodiálise está freqüentemen-
fenômeno. te contaminada por altas concentrações de alumínio e é
Cerca de 10% dos pacientes com insuficiência renal crô- talvez a principal fonte de contaminação crônica pelo alu-
nica apresentam alterações de unhas consideradas carac- mínio.
terísticas: a metade proximal da unha é esbranquiçada, Clinicamente, os pacientes urêmicos com osteomalacia
enquanto a metade distal é avermelhada ou, às vezes, apre- queixam-se de dores ósseas, sobretudo nos ombros, pélvis
senta um tom marrom (half and half nail of Lindsay).38 e coxas. Nas formas mais graves ocorrem fraturas traumá-
Alguns pacientes, sobretudo os gravemente urêmicos, ticas ou espontâneas. O único sinal radiológico diagnósti-
apresentam equimoses nas superfícies extensoras dos co é a visualização de lesões lineares radiotransparentes
membros e refletem a anormalidade no processo de coa- (zonas de Looser), também denominadas pseudofraturas.
gulação. O diagnóstico é geralmente estabelecido através de bióp-
Queda de cabelo pode ocorrer em qualquer fase da in- sia óssea, observando-se um excesso de osteóide. No en-
suficiência renal crônica e é usualmente reversível. tanto, o diagnóstico mais preciso baseia-se na observação
de um retardo de mineralização.
Alterações Ósseas e Articulares (v. também Cap. 40) Uma das características da osteomalacia relacionada ao
Como o rim participa do metabolismo do cálcio, fósfo- alumínio é a não-resposta ao tratamento com vitamina D.
ro, paratormônio e vitamina D, não é surpresa o apareci- Estes pacientes geralmente se apresentam com dor óssea,
mento de alterações ósseas e minerais com a destruição do fraqueza muscular proximal e fraturas ósseas. A calcemia
parênquima renal. A hiperfosfatemia e a hipercalcemia está normal ou elevada, assim como a fosfatemia. Alguns
inicial podem evoluir para a síndrome caracterizada por pacientes desenvolvem hipercalcemia espontânea quando
hiperparatireoidismo, dores, fraturas ósseas e calcificações recebem vitamina D ou cálcio por via oral. Alguns destes
cutâneas, articulares e viscerais. Estas manifestações não pacientes são submetidos desnecessariamente à paratireoi-
são comuns no paciente não-dialisado, mas o tratamento dectomia. O alumínio no osso se deposita na zona de mi-
dialítico a longo prazo propiciou o aparecimento destes neralização e parece impedir a mineralização do osso.40
sinais e sintomas. Estudos recentes indicam que a doença óssea adinâmi-
LESÕES ÓSSEAS. As que aparecem em pacientes urê- ca (doença óssea aplástica) está se tornando a doença ós-
micos variam muito de paciente para paciente. Isto se deve sea mais comum. Na ausência de intoxicação pelo alumí-
provavelmente a vários fatores: idade do paciente, dura- nio, certas condições predispõem à baixa atividade osteo-
ção da insuficiência renal, dieta, tratamento instituído e blástica: hipoparatireoidismo pós-cirúrgico ou idiopático,
duração do tratamento dialítico.39 Hoje em dia o termo corticosteróides, diabetes mellitus, hipogonadismo, hipotireoi-
osteodistrofia renal engloba várias lesões ósseas: osteíte dismo, intoxicação pelo ferro e possivelmente acidose.
fibrosa (reflexo do hiperparatireoidismo secundário), os- Um outro processo que afeta o osso de urêmicos é o
teomalacia (freqüentemente relacionada à toxicidade do aumento da atividade osteoclástica, aumentando a reab-
alumínio) e doença óssea adinâmica. Em crianças podem sorção óssea e substituindo o tecido ósseo por tecido fibro-
ocorrer raquitismo e deformidades esqueléticas. Osteoscle- so. Esta reabsorção óssea ocorre predominantemente na
rose e osteoporose são menos encontradas. A osteíte fibrosa região subperióstea e endóstea. Observam-se invariavel-
capítulo 37 679

mente níveis circulantes elevados de paratormônio. O as- ticas em pacientes dialisados: sinovite e/ou bursite devi-
pecto histológico patognomônico de osteíte fibrosa é uma do à deposição de cristais, infecções piogênicas de articu-
fibrose peritrabecular. lações e osso, e necrose isquêmica do osso subcondral. A
Sintomas clínicos, como dor óssea, são menos freqüen- deposição peri- ou intra-articular de cristais de hidroxia-
tes. Deve-se salientar que raramente se encontra uma lesão patita pode causar um quadro de artrite gotosa. Os paci-
óssea pura no urêmico. Quase sempre há uma mistura das entes com um produto de cálcio fósforo acima de 75 es-
duas lesões, com predominância de uma sobre a outra. tão sujeitos a este tipo de complicação.
Osteoporose, manifestada radiologicamente por uma di- Embora pacientes urêmicos, mesmo dialisados, tenham
minuição da densidade óssea (osteopenia), é um achado hiperuricemia, artrite gotosa não é freqüente, talvez por-
freqüente. É provável que a imobilização, a deficiência de que a resposta inflamatória do urêmico esteja diminuída e
cálcio per se e a desnutrição protéica sejam a causa do com- também pela eliminação extra-renal do ácido, particular-
ponente osteoporótico da osteodistrofia renal. Osteoporo- mente pelo intestino.
se é uma diminuição da massa óssea normalmente minera- Septicemia, osteomielite e artrite séptica são problemas
lizada. do urêmico em diálise, sobretudo pela imunidade defici-
Mais recentemente observou-se uma síndrome muscu- ente e pela utilização de shunts arteriovenosos externos que
loesquelética em pacientes por longos anos em diálise e se constituem em porta de entrada para os germes.
atribuída à amiloidose por beta2-microglobulina. Pelos sin- Necrose asséptica não-traumática da cabeça do fêmur
tomas e sinais radiológicos, pode ser confundida com al- pode ocorrer em urêmicos em diálise, sobretudo nos paci-
gumas das doenças ósseas descritas. A primeira manifes- entes com hiperparatireoidismo secundário. No entanto,
tação da doença é a síndrome do túnel carpiano, que tipi- esta complicação é muito mais comum nos pacientes sub-
camente se desenvolve depois de 5 a 8 anos de diálise. metidos a transplante renal e que recebem corticosteróides.
Muitos pacientes em diálise queixam-se de artralgias, sin- ALTERAÇÕES SEXUAIS. As anormalidades endócri-
tomas periarticulares, também conhecidas como “artropa- nas ocorrem por disfunção do eixo hipotalâmico-pituitá-
tia crônica da diálise”. rio-adrenal. São caracterizadas por níveis elevados de hor-
Osteosclerose aparece radiologicamente como um au- mônio luteinizante (HL), hormônio folículo-estimulante,
mento da densidade óssea. A lesão parece refletir uma prolactina e hormônio liberador do HL, além de níveis
predominância da formação óssea sobre a reabsorção ós- baixos de testosterona no homem e progesterona na mu-
sea. Como o osso trabecular está mais afetado, a lesão é lher. A investigação da capacidade reprodutiva de homens
mais evidente nas vértebras, pélvis, costelas, clavículas e em diálise mostrou que a espermatogênese está compro-
metáfise dos ossos longos. metida. Geralmente há oligospermia e diminuição da
CALCIFICAÇÃO METASTÁTICA. Calcificações em mobilidade espermática. Os níveis plasmáticos de testos-
partes moles ocorrem nas seguintes circunstâncias: produ- terona são baixos, refletindo uma disfunção das células
to iônico de cálcio fósforo elevado, hipercalcemia, lesão intersticiais do testículo. Atrofia testicular clínica é freqüen-
local do tecido e aumento local do pH. O fator mais im- te. A função pituitária está intacta.
portante parece ser, no entanto, o aumento do produto Na mulher, aparecem irregularidades menstruais com
cálcio fósforo, geralmente acima de 75. Exemplo: calce- o início dos sintomas urêmicos, e, nos estados mais avan-
mia 9 mg/dl e fosfatemia 10 mg/dl; 9 10  90. Entende- çados da uremia, amenorréia está presente. Algumas mu-
se, portanto, a importância de controlar a hiperfosfatemia lheres em diálise têm menstruações ocasionais, e outras,
com drogas tipo carbonato, acetato de cálcio, que se ligam menstruações normais. A infertilidade e as alterações
ao fósforo no intestino. menstruais parecem estar relacionadas à falta de ovula-
Calcificação arterial aparece na radiografia, desenhando ção. Gravidez em mulheres com insuficiência renal crô-
todo o trajeto arterial, e resulta da deposição de cálcio na nica (uréia plasmática acima de 60 mg/100 ml) termina
membrana elástica média e interna. O lúmen geralmente invariavelmente em aborto espontâneo. Há relatos, no
não é envolvido, embora possa ocorrer calcificação de pla- entanto, de gravidez levada a termo durante o tratamen-
cas ateroscleróticas na íntima de grandes vasos. to dialítico.
Calcificações periarticulares, sintomáticas ou não, são Ginecomastia é descrita em insuficiência renal crônica,
comuns em pacientes urêmicos e dialisados. Pode ocorrer aparentemente exacerbada pela hemodiálise. Ela é vista
tenossinovite ou tendinite. Às vezes, observam-se grandes usualmente no primeiro ano de hemodiálise, desaparecen-
massas tumorais periarticulares, que, embora não doloro- do em seguida.
sas, dificultam a mobilidade. Essas massas são encapsula- Perda da potência sexual nos homens e perda da libido
das e contêm líquido tipo cal ou em forma de pasta. Po- em ambos os sexos são ocorrências comuns em insuficiên-
dem regredir com o controle da hiperfosfatemia, da calce- cia renal crônica, melhorando com a instituição do trata-
mia e do hiperparatireoidismo secundário. mento dialítico. Naturalmente, outros fatores contribuem:
Existem três processos articulares e periarticulares im- anemia, drogas anti-hipertensivas, desnutrição, alterações
portantes que comumente dão origem a síndromes reumá- psicológicas, etc.
680 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

FUNÇÃO TIREOIDIANA. A função tireoidiana tem comprometimento da vigilância imunológica. Observam-


sido muito investigada em pacientes com insuficiência re- se ainda: linfopenia e hipoplasia do timo em renais crôni-
nal crônica. Alguns relatam evidência bioquímica de hi- cos; retardo de cicatrização de feridas cirúrgicas e diminui-
pertireoidismo e outros, de hipotireoidismo. Alguns su- ção da resposta inflamatória. Por outro lado, há crescente
gerem que há sinais e sintomas de mixedema: baixa tem- evidência de que uma atividade inflamatória sistêmica
peratura, intolerância ao frio, pele seca, letargia, fadiga, aumentada ocorra durante o desenvolvimento de insufi-
edema, hiporreflexia, pseudomiotonia, anorexia e hiper- ciência renal crônica, com diversas conseqüências. De fato,
colesterolemia na vigência de síndrome nefrótica. Um uma combinação entre desnutrição, inflamação e ateros-
grupo relatou uma alta incidência de bócio, fato não con- clerose (síndrome MIA) é comum em IRC, e os seus com-
firmado por outros grupos. As anormalidades tireoidia- ponentes se relacionam entre si e com a alta mortalidade
nas podem ser interpretadas da seguinte maneira:41 1) há destes pacientes.42 Sinais de inflamação crônica são obser-
uma alta incidência de baixos níveis séricos de T3 em pa- vados em pacientes portadores de doença renal mesmo
cientes com nefropatia crônica. Nesses mesmos pacien- antes do tratamento dialítico, e está sendo proposta a as-
tes, o estado metabólico e a determinação do hormônio sociação entre citocinas pró-inflamatórias e tanto desnu-
tireotrófico (TSH) e T4 livre são normais, caracterizando trição quanto doença cardiovascular (DCV).43 Também
um estado de eutireoidismo; 2) os baixos níveis de T3 moléculas de adesão, hialuronan, lipoproteína A e proteí-
parecem não ser devidos a uma redução na proteína de na C-reativa representam marcadores de alta mortalidade
transporte, mas talvez a uma diminuição da conversão em IRC. A síndrome MIA acarreta alto impacto na morta-
periférica de T4 para T3. Portanto, na insuficiência renal lidade de pacientes em programa dialítico, e inflamação
crônica a função tireoidiana deve ser avaliada através de sustentada e elevação dos níveis circulantes de citocinas
níveis séricos de T4 e TSH.41 pró-inflamatórias parecem representar o núcleo do proble-
DISTÚRBIOS IMUNOLÓGICOS. A principal causa ma. Portanto, uma situação imunológica paradoxal pare-
de morte em insuficiência renal aguda é a infecção, mas, ce ocorrer durante a uremia, onde uma resposta inflama-
em pacientes em hemodiálise crônica, ela é responsável por tória sustentada contrasta com um sistema de defesa ine-
apenas 17% das mortes. ficaz.
A imunidade celular está comprometida, pois a respos- Um esquema proposto para justificar a alta mortalida-
ta a antígenos cutâneos está reduzida. A incidência de ne- de de pacientes em IRC (e sua associação a toxicidade urê-
oplasias malignas está aumentada, o que é atribuído a um mica) está representado na Fig. 37.6.

Fig. 37.6 Representação esquemática dos mecanismos pelos quais a toxicidade urêmica leva a alta taxa de mortalidade em pacientes
portadores de IRC.
capítulo 37 681

Alguns investigadores relatam melhora desta intolerân-


Pontos-chave: cia à glicose com a hemodiálise crônica.
• Os sinais e sintomas da síndrome urêmica
refletem a retenção de compostos Metabolismo Protéico
específicos como o sódio (edema), potássio O quadro de uremia é caracterizado pelo acúmulo de
(manifestações musculares), cálcio/fósforo produtos nitrogenados (uréia, creatinina, ácido úrico, etc.)
(prurido) ou compostos múltiplos ou não oriundos do catabolismo da proteína da dieta e da destrui-
ção de reservas protéicas do organismo. Estes produtos
identificados (náuseas, serosite, distúrbios
nitrogenados são responsáveis pela maioria dos sintomas
da hemostasia) urêmicos, pois a redução desses produtos nitrogenados
• A doença cardiovascular (de causa através de restrição protéica ou diálise é acompanhada de
multifatorial) é responsável por uma rápida melhora clínica. E é por isto que se tem afir-
aproximadamente metade das mortes em mado que a uremia é um estado de intolerância protéica.45
IRC
PRODUTOS NITROGENADOS
Uréia
Metabolismo dos Lipídios
O nitrogênio uréico é o principal componente que varia
Complicações ateroscleróticas de artérias coronárias e
com a ingesta protéica porque o nitrogênio liberado duran-
cerebrais são as principais causas de morte em pacientes
te a degradação de proteína e aminoácidos é quase inteira-
submetidos a diálise crônica. Um dos fatores que aumen-
mente convertido em uréia. Portanto, a quantidade de uréia
tam a suscetibilidade à enfermidade cardiovascular é a
produzida diariamente reflete diretamente a quantidade de
elevação dos lipídios plasmáticos. Vários estudos mostram
proteína da dieta (ou endógena) degradada cada dia. A uréia
que grande número de pacientes com insuficiência renal
produzida tem dois destinos possíveis: uma parte é degra-
crônica apresentam elevados níveis de triglicerídios e um
dada por bactérias intestinais formando NH3 e CO2, os quais
tipo IV de hiperlipoproteinemia.
são recirculados para o fígado, e o restante da uréia é excre-
Em um grupo de 100 pacientes com insuficiência renal
tado pelo rim ou acumulado na água do organismo.
crônica, não-dialisados, 43% apresentaram hipertrigliceri-
RITMO DE APARECIMENTO DA URÉIA (UNA ⴝ
demia, 49% tinham um padrão lipoprotéico normal e 42%
UREA NITROGEN APPEARANCE RATE). A quantidade
apresentaram um padrão tipo IV de hiperlipoproteine-
de uréia excretada  acumulada é denominada apareci-
mia.44 Até o momento, estes achados são interpretados
mento da uréia e é o mais importante índice fisiológico e
como oriundos de dois fatores: elevada produção endóge-
nutricional de equilíbrio de nitrogênio. Além do mais, é o
na de triglicerídios e remoção anormal de triglicerídios,
principal determinante do balanço nitrogenado.
traduzidos por uma atividade lipolítica pós-heparina sub-
Como a uréia tem a mesma concentração nos vários
normal. Esta atividade lipolítica deve refletir os níveis tra- compartimentos líquidos do organismo, o pool de uréia
dicionais de lipase lipoprotéica, uma enzima importante pode ser calculado através da água total do organismo
na remoção de triglicerídios do plasma. (60% do peso corporal) e da concentração sérica de uréia.
Assim sendo, o ritmo de aparecimento da uréia é calcu-
Metabolismo dos Carboidratos lado através da soma do acúmulo de nitrogênio uréico
A maioria dos pacientes com insuficiência renal crôni- (que pode ser positivo ou negativo) e do nitrogênio uréi-
ca avançada apresentam intolerância à glicose. A glicose co urinário excretado (determinado durante o mesmo
em jejum é normal ou discretamente elevada. A curva gli- período de análise). Naturalmente, se o peso corporal e a
cêmica é idêntica à encontrada em diabéticos. A síntese e concentração sangüínea de uréia forem constantes, o apa-
a liberação de insulina são normais, mas a vida-média está recimento de uréia será igual à excreção de uréia. Esta
prolongada. Como o rim é o principal local de degradação quantidade de uréia assim obtida, quando multiplicada
da insulina, é possível que, num rim lesado, o metabolis- por 6,25 para conversão em equivalente protéico, tem sido
mo da insulina esteja reduzido, justificando uma vida- denominada taxa de catabolismo protéico (PCR  protein
média prolongada após um teste de tolerância à glicose. É catabolic rate).
possível, também, que o mesmo mecanismo explique a Quando a taxa de aparecimento do nitrogênio uréico for
diminuição das necessidades diárias de insulina do diabé- elevada em pacientes com dietas hipoprotéicas, isto é indi-
tico com insuficiência renal crônica, à medida que a fun- cativo de balanço nitrogenado negativo. A situação inversa
ção renal se deteriora. No entanto, estas considerações não pode traduzir uma ingesta inadequada de nitrogênio.46
explicam por que ocorre hiperglicemia após uma carga de DEGRADAÇÃO DE URÉIA. A parte de uréia produ-
glicose. Tudo indica que há um antagonismo periférico à zida diariamente e degradada em NH3 e CO2 pelas ureases
ação da insulina. bacterianas na luz intestinal é uma fonte endógena de ni-
682 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

trogênio não-protéico ofertada diretamente ao fígado. Pro- ácido úrico (através de redução da ingesta protéica) ou
pôs-se que esta amônia podia ser utilizada na síntese de uma degradação extra-renal. Há evidência de que o áci-
aminoácidos e proteína. Com a retenção de uréia no san- do úrico também é degradado, como a uréia, por bactéri-
gue de pacientes urêmicos, estimava-se que a degradação as intestinais. Não há no entanto necessidade de se tratar
intestinal de uréia fosse elevadíssima e a possibilidade de a hiperuricemia do renal crônico, a não ser que a urice-
síntese protéica através da NH3 permitiria a redução da mia seja superior a 10 mg/dl na mulher e 13 mg/dl no
ingesta protéica, mantendo-se o balanço nitrogenado. En- homem.
tretanto, cuidadosos estudos indicaram que a quantidade AMÔNIA. A amônia provém de duas fontes: catabolis-
de NH3 oriunda da degradação de uréia na luz intestinal mo da glutamina pelo fígado, rim e intestino e degrada-
não é, no paciente urêmico, diferente daquela no indivíduo ção bacteriana da uréia. A amônia produzida é detoxificada
normal. Na verdade, este clearance extra-renal de uréia está pela conversão em uréia. Nos renais crônicos não parece
reduzido no urêmico crônico, talvez porque a uremia al- haver nenhuma anormalidade na detoxificação hepática de
tere a mucosa intestinal, limitando o acesso de uréia a amônia ou acúmulo anormal de amônia.
ureases bacterianas. O nitrogênio contido no ácido úrico, creatinina, etc., é
Além do mais, quando se suprimiu a degradação de denominado nitrogênio não-uréico, para distingui-lo do
uréia através da administração de antibióticos por via oral, nitrogênio uréico, e corresponde em renais crônicos a mais
o aparecimento de uréia não se alterou. Se o nitrogênio ou menos 2,5 g de N/dia.
derivado da degradação de uréia estivesse sendo utiliza-
do na síntese de aminoácidos, a quantidade de uréia ex- NECESSIDADES DE NITROGÊNIO NA UREMIA
cretada na urina e acumulada na água do organismo de- Estudos iniciais sugeriram que pacientes urêmicos ne-
veria elevar-se durante a supressão da degradação. Logo, cessitavam menos nitrogênio que indivíduos normais.
conclui-se que o nitrogênio uréico da degradação de uréia Giordano, utilizando proteínas de alto valor biológico,
não é nutricionalmente importante para os renais crônicos. concluiu que 85% dos pacientes alcançavam equilíbrio ni-
trogenado com 25 g de ingesta protéica por dia.47 Estu-
Creatinina dos posteriores não confirmaram esta e outras observa-
Creatinina provém da desidratação não-enzimática da ções iniciais similares, e a conclusão atual é que as neces-
creatina e creatina fosfato. A creatina está contida no mús- sidades de nitrogênio de pacientes urêmicos não são di-
culo e pode originar-se da síntese endógena e da creatina ferentes das de indivíduos normais. Entretanto, alguns
pré-formada da dieta. Como o pool de creatina é proporci- fatores podem aumentar as necessidades de nitrogênio na
onal à massa muscular, e como uma quantidade constante uremia: 1) perdas extra-renais de proteína (proteinúria,
de creatina é convertida diariamente a creatinina, a quan- perdas fecais-sangramento gastrintestinal); 2) alterações
tidade de creatinina produzida é proporcional à massa eletrolíticas — a acidose estimula a produção de uréia e a
muscular. hipo- e hipercalemia aumentam o catabolismo do nitro-
O fator mais importante que afeta a excreção de creati- gênio; 3) anormalidades no metabolismo de carboidratos
nina em indivíduos normais, afora a quantidade de creati- — a degradação muscular tem correlação direta com a
na e creatinina na dieta, é a massa muscular magra (lean falta de resposta à ação da insulina na incorporação mus-
body tissue) e a idade. O declínio na excreção de creatinina cular de glicose; hiperglucagonemia e hiperparatireoidis-
com o envelhecimento é desproporcional à perda de mas- mo, presentes na uremia, aumentam a excreção de uréia
sa muscular. Isto indica que deve haver uma degradação em indivíduos normais; 4) há evidência de um balanço
de creatinina. O mesmo ocorre no renal crônico quando a anormal entre síntese e degradação protéica muscular na
creatinina excede 6 mg/dl: há uma progressiva redução na uremia.
excreção de creatinina, fora de proporção para qualquer
alteração da massa corporal magra.
A importância fisiológica da degradação de creatina, Pontos-chave:
assim como o declínio na excreção de creatinina que ocor- • Um perfil lipídico pró-aterosclerótico é
re em indivíduos ingerindo uma dieta pobre em proteínas, comum em IRC
é que a excreção de creatinina não pode ser usada como
• Intolerância à glicose e resistência insulínica
um índice de massa corporal magra em renais crônicos.
são características do metabolismo de
Outros Compostos Nitrogenados carboidratos em IRC
ÁCIDO ÚRICO. A concentração sérica de ácido úrico • A diminuição da taxa de filtração
aumenta em pacientes com insuficiência renal porque o glomerular acarreta retenção de compostos
rim é a principal via de eliminação. Entretanto, como o nitrogenados, responsáveis por muitos dos
ácido úrico sérico raramente está acima de 10 mg/dl, sintomas urêmicos
nestes pacientes significa uma redução na produção de
capítulo 37 683

Quando a nefropatia é adquirida, procuramos sinais,


COMO INVESTIGAR O PACIENTE tais como hipertensão arterial, que pode ser primária, ten-
COM INSUFICIÊNCIA RENAL do sido a causa da nefropatia, ou secundária a uma nefro-
patia crônica. Muitas vezes, é impossível discernir o que
CRÔNICA apareceu primeiro, se a hipertensão arterial ou a nefropa-
tia. Retinopatia diabética pode acompanhar uma nefropa-
A importância da detecção precoce de insuficiência re-
tia diabética. Muitas vezes, o exame físico é inteiramente
nal crônica reside na possibilidade de ser secundária a uma
causa reversível. Exemplo: correção de uma obstrução uri- normal, exceto pela presença de hipertensão arterial.
nária, remoção de cálculos ou suspensão de drogas que O exame de uma amostra de urina matinal deve incluir:
possam estar lesando o rim. densidade urinária e um teste qualitativo para glicosúria e
A história deve incluir uma pesquisa de todos os sinto- quantitativo para proteinúria. Numerosos cilindros celulares
mas urinários prévios: sintomas de infecção urinária, cóli- podem ser vistos nas glomerulonefrites, incluindo as secun-
ca renal, eliminação de cálculos e ingesta de analgésicos, dárias a uma colagenose ou mesmo hipertensão arterial ma-
sobretudo os que contêm fenacetina. A história deve incluir ligna. Já a pielonefrite crônica apresenta raros cilindros, mas
dados sobre hipertensão arterial, diabetes mellitus, surdez, pode apresentar um número elevado de leucócitos.
colagenoses, gota, etc. Dados de história que possam ser Proteinúrias importantes (
3 g/dia) são geralmente
correlacionados com uma etiologia específica para a insu- secundárias a glomerulonefrites, nefropatia diabética e
ficiência renal crônica estão enumerados no Quadro 37.4. amiloidose. Valores inferiores a esse são usualmente en-
O exame físico deve seguir os princípios gerais de qual- contrados em pielonefrites crônicas, hipertensão arterial,
quer avaliação clínica. No entanto, certos sinais físicos su- uropatia obstrutiva, etc.
gerem nefropatia congênita: deformidade e implantação Com a progressão da nefropatia crônica, geralmente há
baixa das orelhas podem estar associadas a hipoplasia re- uma redução da proteinúria. Entretanto, em algumas even-
nal, duplicidade das vias excretoras ou nefrite intersticial tualidades observamos proteinúria intensa, com função
congênita. Rins aumentados de volume e palpáveis podem renal residual abaixo de 5 ml/min: nefropatia diabética,
ser devidos a doença policística ou hidronefrose congêni- nefropatia membranosa e amiloidose.
ta. O Quadro 37.5 também enumera os principais achados Hemograma e análise plasmática de uréia, creatinina,
de exame físico capazes de sugerir uma etiologia específi- eletrólitos, cálcio, fósforo, fosfatase alcalina, ácido úrico
ca para a insuficiência renal crônica. e eletroforese de proteína devem ser solicitados. Anemia

Quadro 37.4 Dados de história que sugerem uma etiologia específica para a insuficiência renal crônica*

Dados de história Etiologia

1. Glomerulonefrite aguda 1. Glomerulonefrite crônica


2. Enurese prolongada na infância 2. Obstrução uretral
3. Cólica renal 3. Urolitíase primária
Urolitíase secundária: gota, hiperparatireoidismo,
hipercalcemia, cistinúria
4. Infecção urinária recorrente 4. Pielonefrite crônica, obstrução, hidronefrose, refluxo, cálculos
5. Sintomas de prostatismo 5. Obstrução prostática
6. Ingesta crônica de medicamentos 6.
a. Analgésicos a. Necrose papilar
b. Methysergide b. Fibrose periureteral
c. Vitamina D c. Calcinose renal e extra-renal
d. Diuréticos, sulfonamidas d. Nefrite intersticial
e. Antiácidos e. Síndrome lactoalcalina
7. História de sopro cardíaco 7. Nefrite pela endocardite
8. Hemorragia pulmonar 8. Síndrome de Goodpasture
9. Infecção extra-renal crônica 9. Amiloidose
10. Dor e edema articular 10. Gota, amiloidose, lúpus eritematoso
11. Comprometimento multissistêmico 11. Colagenose
12. História familiar de nefropatia 12. Doenças policísticas
Nefrite hereditária
Oxalose, cistinúria
13. História familiar de diabetes mellitus 13.Nefropatia diabética

*Obtido de Gulyassy, P.F. et al.37


684 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

Acidose hiperclorêmica sugere pielonefrite crônica, ne-


Quadro 37.5 Achados de exame físico sugestivos de
fropatia por analgésico, acidose tubular renal ou doença
etiologia específica para a insuficiência renal crônica
policística. A eletroforese de proteínas pode indicar uma
Achados de exame físico Etiologia gamopatia monoclonal, e a pesquisa de proteínas de Ben-
ce-Jones na urina pode contribuir para o diagnóstico de
Rash facial perinasal Lúpus eritematoso mielomatose.
Microaneurismas no fundo Diabetes mellitus Uma vez diagnosticada a nefropatia crônica, surge a
de olho
Telangiectasia bucal, Escleroderma pergunta: O que se pode fazer? Infelizmente, poucas são
esclerodactilia as enfermidades renais curáveis. Talvez a mais gratifican-
e retração dos lábios te das enfermidades seja a obstrução urinária, pois a re-
Adenomas sebáceos Esclerose tuberosa moção de cálculos, tumor, fibrose ou compressão extrín-
Surdez Nefrite hereditária seca corrige o problema básico. Podemos também corri-
Sopro cardíaco, petéquias Endocardite com
nefrite gir o distúrbio renal através da suspensão de drogas ne-
Aumento irregular dos rins Rins policísticos frotóxicas, como analgésicos que contêm fenacetina, an-
Sopro abdominal Estenose de artéria tibióticos, particularmente os aminoglicosídios, e controle
renal de hipercalcemia, hipocalemia, hiperuricemia. Entre as
Dor e percussão lombar Pielonefrite nefropatias de origem imunológica e inflamatória, pou-
(sinal de Giordano positivo)
Aumento da próstata Hidronefrose cas são as controladas pela terapêutica: nefrite da endo-
Epididimite Tuberculose renal cardite bacteriana; granulomatose de Wegener e lúpus
Lesões purpúricas Vasculite, Schönlein- eritematoso. Entre os problemas vasculares, podemos
Henoch citar o controle de hipertensão arterial maligna e a corre-
Angioqueratomas Doença de Fabry ção de estenose de artéria renal bilateral. Processos infec-
Hipoplasia ou ausência de Síndrome unha-rótula
rótula e unhas hipoplásicas ciosos tipo pielonefrite e tuberculose renal também são
Tofos Gota passíveis de tratamento. No entanto, a maior parte das
glomerulopatias, responsáveis por mais da metade dos
Modificado de Gullyassy, P.F. et al.37 casos de insuficiência renal crônica, não responde a ne-
nhuma terapêutica.
O passo seguinte na investigação de um paciente com
normocítica normocrômica, comumente detectada na in- insuficiência renal crônica será a determinação da função
suficiência renal crônica, não nos diz se a insuficiência re- residual. Os parâmetros comumente utilizados para ava-
nal é aguda ou crônica. Tampouco a retenção nitrogena- liação da função excretora do rim são a uréia e a creatinina
da (elevação de uréia e creatinina), hipocalcemia, hipo- plasmática. Mas, como já foi frisado no Cap. 16, a uréia plas-
fosfatemia, hiperuricemia, nos orientam. No entanto, os mática é influenciada pelo ritmo de filtração glomerular,
seguintes sinais sugerem um processo agudo: oligúria ingesta protéica e grau de catabolismo, enquanto a creati-
intensa ou anúria, ausência de anemia, retenção nitroge- nina plasmática é pouco influenciada pela ingesta protéi-
nada progressiva, fundo do olho normal e calcemia e ca e depende basicamente da massa muscular. Alterações
fosfatemia normais. Os elementos que sugerem um pro- na creatinina plasmática refletem, portanto, alterações no
cesso crônico são a palidez palha do renal crônico, exsu- ritmo de filtração glomerular e constituem-se no meio mais
datos antigos no fundo do olho, sinais radiológicos de útil e prático de acompanhar a progressão de insuficiên-
osteodistrofia renal e presença de cilindros céreos e lar- cia renal. No entanto, o clearance endógeno de creatinina
gos no sedimento. continua sendo um método mais preciso na determinação
Um outro exame extremamente útil na diferenciação da função renal residual.
entre uma nefropatia aguda e crônica é a radiografia sim- Cumpre lembrar a necessidade de afastar a participa-
ples do abdômen ou ecografia renal (v. Cap. 17). A princi- ção de fatores que estejam agravando a insuficiência renal
pal finalidade é revelar-nos o tamanho dos rins. Rins gran- crônica, como estados hipovolêmicos secundários a hemor-
des são encontrados em uropatia obstrutiva ou doença po- ragia, perdas gastrintestinais ou mesmo renais, variações
licística. A presença de rins de tamanho normal e de insufi- abruptas de pressão arterial, infecção urinária, etc. Estes
ciência renal deve alertar para a possibilidade de insufici- fatores muitas vezes transformam uma insuficiência renal
ência renal aguda e não-crônica, pois esta última, sobretu- crônica moderada num quadro francamente urêmico.
do na fase terminal, acompanha-se geralmente de rins pe- A biópsia renal constitui-se, sem dúvida, em elemento
quenos, contraídos. No entanto, processos infiltrativos, como importante no diagnóstico, prognóstico e seguimento da
a amiloidose e glomerulonefrites rapidamente progressivas, nefropatia crônica (v. Cap. 16). No entanto, na insuficiên-
podem lesar os rins, sem diminuir muito o seu tamanho. cia renal crônica terminal, quando os rins já são pequenos
Alterações caliciais, necrose e calcificação de papila são si- e contraídos, ela tem pouca utilidade, ficando difícil reco-
nais sugestivos de nefropatia por analgésicos. nhecer a patologia primária devido ao grau avançado de
capítulo 37 685

esclerose. Além disso, uremia e hipertensão arterial elevam Manejo Conservador do Paciente com
o risco de sangramento renal pós-biópsia.
Insuficiência Renal Crônica (IRC)
Independentemente da causa básica, a redução progres-
Ponto-chave: siva da função renal leva eventualmente à uremia. Na
maioria dos pacientes os sintomas e sinais da uremia se
• A detecção precoce da insuficiência renal é tornam aparentes quando a taxa de filtração glomerular
importante para a intervenção em causas (GFR) atinge 15-20 ml/min.
reversíveis e na implementação precoce de A estratégia de manejo do paciente com IRC envolve:
estratégias renoprotetoras (IECA, dieta 1. Controle da progressão da nefropatia:
hipoprotéica, controle rígido da glicemia, a) tratamento da hipertensão
dislipidemia e HAS) b) restrição dietética de proteína e fósforo
c) redução da proteinúria
d) manejo da hiperlipidemia
2. Evitar mais dano aos rins.
MANEJO DO PACIENTE COM 3. Manejo das complicações da uremia.
INSUFICIÊNCIA RENAL
CRÔNICA CONTROLE DA PROGRESSÃO DA NEFROPATIA
Como já foi salientado, vários fatores têm sido implica-
dos na glomerulosclerose e progressão da nefropatia: hi-
Princípios Gerais pertensão sistêmica e glomerular, fósforo e proteína da
O manejo naturalmente implica o reconhecimento do dieta, proteinúria, hiperlipidemia e vários fatores de cres-
distúrbio básico e seu tratamento específico. Infelizmente, cimento e citocinas.
como já frisamos, são poucas as enfermidades renais que
respondem a um tratamento específico. Os pacientes por- Tratamento da Hipertensão
tadores de nefropatia crônica progressiva, bem como seus Há ampla evidência de que hipertensão superimposta
familiares, aceitam muito mal a idéia de que não existe uma em nefropatia acelera o declínio da função renal e de que
terapêutica específica para a nefropatia, e muitas vezes o mais ou menos 85% dos nefropatas crônicos são hiperten-
nefrologista sente-se forçado a lançar mão de drogas po- sos. A retenção de sódio e o aumento de atividade do sis-
tencialmente tóxicas e de benefício não comprovado. tema renina-angiotensina são importantes fatores etioló-
É importante lembrar que existem processos potencial- gicos. Por outro lado, tratamento da hipertensão retarda a
mente reversíveis e que podem agravar a função renal de progressão da doença renal, possivelmente reduzindo a
um nefropata crônico. O aparecimento de insuficiência car- nefrosclerose arteriolar e a hipertensão intraglomerular.
díaca congestiva pode reduzir em muito a filtração glome- Em função do exposto, há necessidade de restrição na
rular, transformando um quadro de azotemia em uremia. ingesta de sódio e freqüentemente o uso de drogas para
O uso apropriado de cardiotônicos e diuréticos restaura ra- controle da pressão arterial. Inibidores da enzima de con-
pidamente a função renal a níveis anteriores. Qualquer con- versão (IEC) são efetivos, pois reduzem a pressão intraglo-
tração do volume extracelular reduz o ritmo de filtração glo- merular através da redução da pressão arterial sistêmica e
merular e agrava a retenção nitrogenada. Elevações abrup- pela dilatação das arteríolas eferentes. Vários estudos clí-
tas da pressão arterial em nefropatas crônicos podem de- nicos documentam um retardo no declínio da função re-
teriorar rapidamente a função renal, caracterizando um nal em pacientes renais crônicos em uso de IEC. Bloquea-
quadro de insuficiência renal aguda, que geralmente é rever- dores de canais de cálcio também são efetivos no controle
sível através de adequado controle das cifras tensionais. da pressão arterial, mas não há evidência de um efeito
Drogas nefrotóxicas também podem levar a uma deteriora- renoprotetor como dos IEC. Diuréticos podem potenci-
ção aguda da função renal. Lembrar da necessidade de alizar a ação de IEC.
ajustar a dose à função renal residual (v. Cap. 46). O uso
de tetraciclinas em insuficiência renal, o abuso de analgésicos Restrição Dietética de Proteína e Fósforo
e obstruções agudas do trato urinário são condições capazes (v. também Cap. 47)
de determinar uma deterioração da função renal. Lembrar A restrição protéica reduz a hiperfiltração e hipertensão
que o uso de inibidores da enzima de conversão pode cau- glomerular e possivelmente a glomerulosclerose. Estudos
sar elevações da creatinina em pacientes com estenose bi- em humanos indicam que a proteína animal e uma mistu-
lateral das artérias renais (geralmente por placas ateroma- ra de aminoácidos aumenta a filtração glomerular, enquan-
tosas) ou em condições de hipofluxo renal, como na insu- to proteínas vegetais e a clara do ovo produzem pouco ou
ficiência cardíaca congestiva. nenhum efeito. Uma carga protéica aumenta a secreção de
686 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

glucagon (que tem um efeito renal vasodilatador) além de adequado é, portanto, fundamental. Excesso de volume
dois outros hormônios: fator de crescimento 1 insulin-like extracelular está associado à hipertensão arterial e, even-
(IGF-1) e cininas que também aumentam a filtração glome- tualmente, a uma sobrecarga cardiocirculatória, traduzin-
rular. Estudos nutricionais em humanos com IRC indicam do-se por um edema pulmonar e diminuição da eficiência
que é seguro reduzir a ingesta protéica a 0,6 g/kg/dia. cardíaca. Ambas as conseqüências reduzem a filtração glo-
Estas dietas também restringem fósforo, um fator adicio- merular.
nal que pode contribuir para a progressão. Para que o pa- Raramente há necessidade de suplementar a dieta com
ciente não entre em balanço nitrogenado negativo, um sal. Isto pode ocorrer, como já citamos, nos nefropatas per-
aporte calórico adequado é necessário e pelo menos 60% dedores de sódio.
da proteína devem ser de alto valor biológico (v. Cap. 47). Se o paciente retém sódio numa dieta contendo 4 a 5 g
de sal, há necessidade de reduzir ainda mais a ingesta de
Redução da Proteinúria sal e, eventualmente, utilizar diuréticos potentes para re-
Vários estudos demonstram uma correlação entre pro- mover o excesso de volume extracelular. Restrições de sal
teinúria e declínio da função renal. O próprio MDRD Stu- inferiores a 4 g são difíceis de seguir no ambiente domici-
dy mostrou que pacientes com mais de 3 g de proteinúria liar, além de os pacientes queixarem-se de falta de paladar.
por dia tinham um declínio mais rápido da função renal. Na prática, contorna-se esta situação mantendo-se uma
Aparentemente o tráfico de proteínas pelo mesângio glo- ingesta de sal tolerável e fácil de ser alcançada e associan-
merular é prejudicial. IEC reduzem a proteinúria, particu- do-se um diurético potente, tipo furosemida ou bumeta-
larmente em diabéticos, e reduzem o declínio da função nida.
renal. Dieta protéica e inibidores da enzima de conversão Diuréticos de alça são os preferidos devido ao potente
têm efeito aditivo na redução da proteinúria. efeito natriurético. Na IRC há necessidade de doses maio-
res, pois a ação deles depende de secreção tubular proxi-
Manejo da Hiperlipidemia mal ativa. A infusão contínua de diurético de alça parece
O objetivo do tratamento da hiperlipidemia na IRC é ser mais efetiva do que doses repetidas. Diuréticos tiazí-
prevenir o aparecimento de aterosclerose. A dislipidemia dicos isolados não são efetivos quando o clearance for me-
mais comum na IRC é a hipertrigliceridemia, que tem uma nor que 20-30 ml/min, exceção feita ao melazone. Por ou-
pobre associação com aterosclerose. Modificação da dieta tro lado, tiazídicos com diuréticos de alça têm ação
e exercícios são recomendados. Evita-se a intervenção far- sinergística.
macológica porque as drogas que reduzem os triglicerídi-
os são eliminadas pelos rins e efeitos adversos são freqüen- Água
tes. As drogas são usadas apenas nos casos de níveis mui- Embora o mecanismo de concentração e diluição da
to elevados e risco de pancreatite. Hipercolesterolemia está urina esteja comprometido no nefropata crônico, o balan-
presente na maioria dos pacientes nefróticos, e inibidores ço de água está habitualmente preservado. Há apenas ne-
da HMG-CoA redutase, como a lovastatina, podem ser cessidade de o paciente estar alerta, com o centro da sede
utilizados sem necessidade de ajuste da dose. preservado e que tenha acesso à água. Excesso de água
caracterizado por hiponatremia é visto apenas quando o
BALANÇO HIDROELETROLÍTICO ritmo de administração de água livre é muito rápido.

Sódio
Potássio
À medida que a insuficiência renal crônica progride, o
Já comentamos que o balanço de potássio está preser-
rim torna-se incapaz de variar a excreção de sódio em res-
vado até os estádios terminais da insuficiência renal crô-
posta a uma mudança do volume de líquido extracelular.
Portanto, a excreção de sódio torna-se mais ou menos fixa.38 nica e citamos os principais fatores determinantes de um
Isto é, com uma filtração renal inferior a 10-15 ml/min, excesso de potássio. A restrição protéica e de alimentos
existe uma perda obrigatória de sódio na urina.4 ricos em potássio reduz o aporte de potássio. Mas, como
Estudos para determinação dos limites inferiores e su- frisamos, a dieta hipoprotéica pode determinar hipercale-
periores de ingesta de sal, dentro dos quais o renal crôni- mia por um mecanismo intra-renal. Se a orientação dieté-
co mantém o balanço de sódio, mostram que a maioria dos tica não é suficiente para controlar o potássio, o tratamen-
pacientes mantém o balanço com uma ingesta diária de sal to dialítico está indicado. Se este último não puder ser ins-
entre 2 e 8 g.3 Portanto, a maioria está em balanço com uma tituído imediatamente, podem-se utilizar resinas de troca,
dieta normal sem sal (aproximadamente 4 a 5 g de sal). tipo kayexalate (v. Cap. 12).
É preciso lembrar que, no renal crônico, o déficit de só-
dio é muito mais prejudicial do que o excesso. Um déficit Cálcio, Fósforo e Magnésio
de sódio compromete ainda mais a função renal, muitas O controle do hiperparatireoidismo secundário requer a
vezes de maneira irreversível. Um volume extracelular restrição de fósforo precocemente na IRC (GFR abaixo de
capítulo 37 687

50-60 ml/min). Carne e produtos derivados do leite são as de sódio através do bicarbonato de sódio é menor que com
principais fontes de fósforo na dieta. Quando o GFR cai o cloreto de sódio.
abaixo de 30 ml/min e a hiperfosfatemia é mantida, quelan- Alguns nefrologistas preferem usar a solução de Shohl
tes orais de fósforo devem ser prescritos. Antiácidos conten- no tratamento da acidose, argumentando que ela produz
do alumínio e carbonato ou acetato de cálcio são potentes menos distensão abdominal. A solução contém 140 g de
quelantes do fósforo. Entretanto, a absorção de alumínio e ácido cítrico e 98 g de citrato de sódio dissolvidos num
suas conseqüências (demência, osteomalacia, anemia micro- volume final de 1 litro. Cada ml da solução contém 1 mEq
cística, etc.) restringem o seu uso apenas para o início do de sódio, e aproximadamente 25 a 75 ml da solução por dia
tratamento, quando o produto cálcio fósforo é muito ele- são suficientes.1
vado, preferindo-se logo depois o carbonato ou acetato de
cálcio. Mais recentemente foram introduzidos novos que- Prurido
lantes de fósforo, livres de cálcio e alumínio, trazendo no- Muitas vezes é o sintoma mais perturbador. Felizmen-
vas perspectivas no controle da hiperfosfatemia. O de mai- te, com o controle de cálcio e fósforo plasmático e com a
or experiência clínica é o hidrocloreto de Sevelamer (Renagel
instituição do tratamento dialítico, o prurido é geralmen-
®), cuja vantagem adicional é sua capacidade em reduzir os
te controlado. Há relatos clínicos de desaparecimento do
níveis de colesterol. Pode ser usado na dose de 800 a 1.200
prurido após paratireoidectomia parcial. Além de anti-
mg às refeições protéicas. Suplementos de vitamina D, ge-
histamínicos e fenotiazínicos, têm-se empregado lidocaí-
ralmente na sua forma ativa 1,25-(OH)2D3, são geralmente
na e colestiramina no controle do prurido. Mais recente-
prescritos. Doses elevadas de calcitriol por via endovenosa
mente, a fototerapia com luz ultravioleta foi utilizada em
parecem suprimir diretamente a secreção de PTH.
casos de prurido intenso e, aparentemente, mostrou ser
Os níveis séricos de magnésio podem ser mantidos evi-
uma forma de tratamento efetiva e barata.48
tando-se o uso de antiácidos que contêm magnésio.

Inflamação Sistêmica
Anemia
A identificação de inflamação sistêmica tem-se tornado
O manejo da anemia na IRC mudou radicalmente com
um ponto importante na prevenção de complicações espe-
a introdução da eritropoetina recombinante humana. A
cialmente nutricionais e cardiovasculares em IRC. Isto se
administração de 50-150 unidades/kg, duas a três vezes
deve ao fato de que vários marcadores de inflamação sis-
por semana por via subcutânea, permite atingir hemató-
critos de 33-36%. Níveis mais elevados de hematócritos têmica (como proteína C-reativa e interleucina-6) foram
podem agravar a hipertensão e causar convulsões. Suple- identificados como fortes preditores independentes de
mentos de ferro são geralmente necessários para se obter mortalidade em ICR.42,49 Na identificação de inflamação sis-
uma adequada resposta à eritropoetina. Há também neces- têmica, a identificação e correção de fatores causais como
sidade de monitorar os níveis séricos de ferro, ferritina e infecções ocultas e sobrecarga de volume devem ser parte
capacidade de transporte (v. Cap. 38). do manejo da IRC.

Ácido-básico
Enquanto a filtração glomerular estiver acima de 15 a DIÁLISE — QUANDO INDICAR?
20 ml/min, a acidose não é significativa. O bicarbonato
plasmático permanece estável entre 16 e 20 mEq/litro. No É oportuno salientar que o tratamento de todo paciente
entanto, estudos recentes em animais e humanos indicam portador de insuficiência renal crônica deve ser planificado.
que a acidose metabólica induz a um catabolismo protéi- 1. Evitar desnutrição. A redução de proteína e sal da
co e pode contribuir para a desnutrição observada em pa- dieta, tornando-se muitas vezes sem paladar, e a anorexia
cientes renais crônicos terminais e/ou em diálise. Portan- que se estabelece, devido à retenção de produtos nitroge-
to, atualmente recomenda-se manter o bicarbonato plas- nados, podem levar a uma perda progressiva de peso e
mático em diálise próximo a 24 mmol/L através da suple- hipoproteinemia. Muitas vezes, a perda de peso não é evi-
mentação de bicarbonato de sódio por via oral ou através dente, devido ao gradual acúmulo de líquido decorrente
de ajustes do banho de diálise.46 A primeira ação é a redu- da hipoproteinemia. Nas revisões periódicas de ambula-
ção da ingesta protéica (0,6 g/kg/dia). Se o bicarbonato tório, deve-se proceder a uma contagem calórica da inges-
sérico cair abaixo de 15-17 mEq/L, há necessidade de se ta diária de cada paciente. Não faz sentido manter o paci-
administrar um suplemento alcalino. ente numa rígida restrição protéica por tempo prolonga-
O bicarbonato de sódio é comumente empregado, e 1,5 do e iniciar o tratamento dialítico quando o quadro de
a 2,0 g são suficientes. É importante lembrar que, com o desnutrição já é evidente.50
bicarbonato de sódio, estamos administrando sódio e há 2. Excesso de volume extracelular. Quando, apesar da
necessidade de reajustar o sal na dieta ou adicionar um restrição de sal e do uso de diuréticos potentes, não for mais
diurético potente. Há dados que indicam que a retenção possível controlar o volume extracelular, traduzindo-se
688 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

este por hipertensão arterial grave e sinais de insuficiên- Contra-indicações absolutas a um transplante renal são
cia cardíaca congestiva, é evidente que o tratamento dialí- poucas: incompatibilidade ABO, anticorpos citotóxicos
tico deve ser iniciado visando à remoção deste volume em contra antígenos do doador (100%), infecção em atividade
excesso. e neoplasia sem controle.
3. Evidência de neuropatia periférica em paciente trata- Ao se discutir a possibilidade de transplante renal com o
do conservadoramente é indicação de diálise. A institui- paciente, deve-se considerar a preferência deste. Alguns se
ção precoce do tratamento dialítico é capaz de evitar lesões adaptam à qualidade de vida proporcionada pela diálise, e não
nervosas muitas vezes irreversíveis, e deve basear-se nas desejam, conhecendo os riscos, submeter-se a um transplante
funções sensoriais que geralmente precedem a lesão mo- renal. Para outros, diálise é inaceitável e optam pelo transplante
tora do nervo. renal, conhecendo os riscos e possíveis complicações.
4. A presença de sintomas urêmicos com náuseas e vô- O tema Transplante Renal é abordado em detalhes nos
mitos e o aparecimento de pericardite indicam a necessi- Caps. 52, 53 e 54.
dade de instituição da diálise.
Os pacientes com IRC terminal devem iniciar alguma
forma de diálise quando o Kt/Vuréia renal semanal estiver
Pontos-chave:
abaixo de 2,0 (v. Cap. 49 sobre o conceito de Kt/V). Um • Indicações para tratamento dialítico
Kt/Vuréia renal de 2,0 aproxima-se a um clearance de uréia incluem sinais de desnutrição, sobrecarga
de 7 ml/min e a um clearance de creatinina que varia entre de volume, neuropatia periférica e outros
9 e 14 ml/min/1,73 m2. O clearance de uréia deve ser nor-
sintomas urêmicos que não podem ser
malizado para água corporal total e o clearance de creatini-
revertidos com o tratamento conservador
na deve ser expresso por 1,73 m2. A TFG que é estimada pela
média aritmética dos clearances de uréia e creatinina será • Diálise e transplantes devem ser planejados
aproximadamente 10,5 ml/min/1,73 m2 quando o Kt/Vuréia como tratamentos complementares e
estiver em torno de 2,0. integrados
Em pacientes com insuficiência renal crônica (TFG  15-
20 ml/min), o aparecimento de sinais de desnutrição pro-
téico-calórica ou a persistência de desnutrição apesar de REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
todos os esforços para combatê-la e não havendo outra
causa para a desnutrição, deve-se iniciar a terapia renal 1. PAPPER, S. In Chronic Renal Failure in Clinical Nephrology. Little Bro-
substitutiva, através da diálise, ou o transplante renal. wn and Co, 1978; Cap. 4:93.
2. MAZZUCHI, N.; SCHWEDT, E.; FERNANDEZ, J.M.; CUSUMANO,
A.M.; ANCAO, M.S.; POBLETE, H. et al. Latin American Registry
of dialysis and renal transplantation: 1993 annual dialysis data re-
TRANSPLANTE RENAL — port. Nephrol Dial Transplant 1997;12(12):2521-7.
3. BRICKER, N.S. The renal response to progressive nephron loss. In
QUANDO INDICAR? Brenner, B.M.; Rector-Jr. F.C. (eds) The Kidney, 1981. Saunders Co,
p. 1056.
Diálise e transplante são tratamentos que não compe- 4. BRICKER, N.S. The kidney in chronic renal disease. In Clinical Di-
sorders of Fluid and Electrolyte Metabolism. Maxwell, M.H.; Kleeman,
tem e, em verdade, se completam. A diálise pode servir de C.R. (eds), 1972. McGraw-Hill Book Co, Cap. 18, p. 697.
terapia de suporte durante a fase inicial de preparo para o 5. LLACH, F. Secondary hyperparathyroidism in renal failute: the tra-
transplante, no pós-operatório imediato, nos casos de re- de-off hypothesis revisited. Am J Kidney Dis 1995;25(5):663-79.
6. PITTS, T.O.; PIRAINO, B.H.; MITRO, R.; CHEN, T.C.; SEGRE, G.V.;
jeição aguda ou de necrose tubular aguda e, finalmente, nos
GREENBERG, A. et al. Hyperparathyroidism and 1,25-dihydroxyvi-
casos de rejeição crônica, com retorno do paciente para o tamin D deficiency in mild, moderate, and severe renal failure. J Clin
programa de diálise. Endocrinol Metab 1988;67(5):876-81.
Pode-se dizer que todo paciente portador de insuficiên- 7. LOPEZ-HILKER, S.; GALCERAN, T.; CHAN, Y.L.; RAPP, N.; MAR-
TIN, K.J.; SLATOPOLSKY, E. Hypocalcemia may not be essential
cia renal terminal é um candidato, em potencial, a um trans-
for the development of secondary hyperparathyroidism in chronic
plante de rins. É interessante salientar que, nos últimos renal failure. J Clin Invest 1986;78(4):1097-102.
anos, a par dos progressos na área de imunologia, tem-se 8. LLACH, F.; MASSRY, S.G. On the mechanism of secondary hyper-
observado uma liberalização nos critérios de seleção de parathyroidism in moderate renal insufficiency. J Clin Endocrinol
Metab 1985;61(4):601-6.
pacientes para transplante renal. Inicialmente eram consi-
9. PORTALE, A.A.; BOOTH, B.E.; HALLORAN, B.P.; MORRIS, R.C.
derados candidatos ideais os jovens (entre 15 e 45 anos), Jr. Effect of dietary phosphorus on circulating concentrations of 1,25-
sem doença sistêmica e com um aparelho urinário inferior dihydroxyvitamin D and immunoreactive parathyroid hormone in
normal. A liberalização nos critérios de seleção mostrou children with moderate renal insufficiency. J Clin Invest 1984;
73(6):1580-9.
que podem ser transplantados com sucesso: pacientes por-
10. HEBERT, L.A.; LEMAN, J. Jr., PETERSEN, J.R.; LENNON, E.J. Stu-
tadores de doença sistêmica, crianças acima de dois anos dies of the mechanism by which phosphate infusion lowers serum
e pacientes mais idosos. calcium concentration. J Clin Invest 1966;45(12):1886-94.
capítulo 37 689

11. LUCAS, P.A.; BROWN, R.C.; WOODHEAD, J.S.; COLES, G.A. 1,25- 33. LINDNER, A.; CHARRA, B.; SHERRARD, D.J.; SCHRIBNER, B.H.
dihydroxycholecalciferol and parathyroid hormone in advanced Accelerated atherosclerosis in prolonged maintenance haemodialy-
chronic renal failure: effects of simultaneous protein and phosphorus sis. N Engl J Med 1974;290:697-701.
restriction. Clin Nephrol 1986;25(1):7-10. 34. FOLEY, R.N.; PARFREY, P.S.; SARNAK, M.J. Epidemiology of car-
12. LOPEZ-HILKER, S.; DUSSO, A.S.; RAPP, N.S.; MARTIN, K.J.; diovascular disease in chronic renal disease. J Am Soc Nephrol
SLATOPOLSKY, E. Phosphorus restriction reverses hyperpara- 1998;9(12 Suppl):S16-23.
thyroidism in uremia independent of changes in calcium and calci- 35. GOODMAN, W.G.; GOLDIN, J.; KUIZON, B.D.; YOON, C.; GALES,
triol. Am J Physiol 1990;259(3 Pt 2):F432-7. B.; SIDER, D. et al. Coronary-artery calcification in young adults with
13. YI, H.; FUKAGAWA, M.; YAMATO, H.; KUMAGAI, M.; WATANA- end-stage renal disease who are undergoing dialysis. N Engl J Med
BE, T.; KUROKAWA, K. Prevention of enhanced parathyroid hormo- 2000;342:1478-83.
ne secretion, synthesis and hyperplasia by mild dietary phosphorus 36. CHEUNG, A.K.; SARNAK, M.J.; YAN, G.; DWYER, J.T.; HEYKA,
restriction in early chronic renal failure in rats: possible direct role of R.J.; ROCCO, M.V. et al. Atherosclerotic cardiovascular disease risks
phosphorus. Nephron 1995;70(2):242-8. in chronic hemodialysis patients. Kidney Int 2000;58(1):353-62.
14. BRICKER, N.S.; SLATOPOLSKY, E.; REISS, E.; AVIOLI, L.V. Cal- 37. DEGOULET, P.; LEGRAIN, M.; RÉACH, I. et al. Mortality risk fac-
cium, phosphorus, and bone in renal disease and transplantation. tors in patients treated by chronic hemodialysis. Nephron 1982;31:
Arch Intern Med 1969;123(5):543-53. 103-10.
15. SLATOPOLSKY, E.; WEERTS, C.; THIELAN, J.; HORST, R.; HARTER, 38. DANIEL, C.R., 3rd; BOWER, J.D.; DANIEL, C.R., Jr. The “half and
H.; MARTIN, K.J. Marked suppression of secondary hyperparathyroi- half fingernail”: the most significant onychopathological indicator
dism by intravenous administration of 1,25-dihydroxy-cholecalciferol of chronic renal failure. J Miss State Med Assoc 1975;16(12):367-70.
in uremic patients. J Clin Invest 1984;74(6):2136-43. 39. MASSRY, S.G.; BLUESTONE, R.; KLINENBERG, J.R.; COBURN,
16. BOURGOIGNIE, J.; KLAHR, S.; BRICKER, N.S. Inhibition of J.W. Abnormalities of the musculoskeletal system in hemodialysis
transepithelial sodium transport in the frog skin by a low molecu- patients. Semin Arthritis Rheum 1975;4(4):321-49.
lar weight fraction of uremic serum. J Clin Invest 1971;50(2):303-11. 40. HODSMAN, A.B.; SHERRARD, D.J.; ALFREY, A.C.; OTT, S.;
17. PUSCHETT, J.B.; GOLDBERG, M. The relationship between the re- BRICKMAN, A.S.; MILLER, N.L. et al. Bone aluminum and
nal handling of phosphate and bicarbonate in man. J Lab Clin Med histomorphometric features of renal osteodystrophy. J Clin Endocri-
1969;73(6):956-69. nol Metab 1982;54(3):539-46.
18. BRENNER, B.M.; MEYER, T.W.; HOSTETTER, T.H. Dietary protein 41. SPECTOR, D.A.; DAVIS, P.J.; HELDERMAN, J.H.; BELL, B.; UTI-
intake anf the progressive nature of kidney disease: the role of GER, R.D. Thyroid function and metabolic state in chronic renal
hemodynamically mediated glomerular injury in the pathogenesis failure. Ann Intern Med 1976;85(6):724-30.
of progressive glomerular sclerosis in aging, renal ablation, and 42. RIELLA, M.C. Malnutrition in dialysis: Malnourishement or uremic
intrinsic renal disease. N Engl J Med 1982;307(11):652-9. inflammatory response? Kidney Int 2000;57:1211-32.
19. JOHNSON, W.J.; HAGGE, W.W.; WAGONER, R.D.; DINAPOLI, 43. STENVINKEL, P.; BARANY, P.; HEIMBÜRGER, O.; PECOITS-FI-
R.P.; ROSEVEAR, J.W. Effects of urea loading in patients with far- LHO, R.; LINDHOLM, B. Mortality, malnutrition, and atheroscle-
advanced renal failure. Mayo Clin Proc 1972;47(1):21-9. rosis in ESRD: What is the role of interleukin-6? Kidney Int 2002;61
20. JONHSON, W. Toxicity arising from urea. Kidney Int Suppl Suppl 80:103-8.
1975(3):288. 44. WOCHOS, D.N.; ANDERSON, C.F.; MITCHELL, J.C., III. Serum
21. AVRAM, M.M.; FEINFELD, D.A.; HUATUCO, A.H. Search for uremic lipids in chronic renal failure. Mayo Clin Proc 1976;51(10):660-4.
toxin. Decreased motor-nerve conduction velocity and elevated 45. MITCH, W.E.; WALSER, M. Therapy of the uremic patient. In Bren-
parathyroid hormone in uremia. N Engl J Med 1978;298(18):1000-3. ner, B.M.; Rector-Jr., F.C. (eds) The Kidney, 1986. Saunders Co, Ch.41,
22. SULIMAN, M.E.; QURESHI, A.R.; BARANY, P.; STENVINKEL, P.; p.1759.
FILHO, J.C.; ANDERSTAM, B. et al. Hyperhomocysteinemia, 46. MITCH, W. Nutrition in renal disease. Handbook of renal therapeutics,
nutritional status, and cardiovascular disease in hemodialysis pati- Martinez-Maldonado M (Ed), Plenum Medical Books, Cap. 16, p.
ents. Kidney Int 2000;57(4):1727-35. 349, 1983.
23. MIYATA, T.; SUGIYAMA, S.; SAITO, A.; KUROKAWA, K. Reacti- 47. GIORDANO, C.E.R.; PASCALE, C.; de SANTO, N.G. Dietary treat-
ve carbonyl compounds related uremic toxicity (“carbonyl stress”). ment in renal failure. Proc 3rd International Congress of Nephrology
Kidney Int Suppl 2001;78:S25-31. 1967, vol 3, Karger Basel.
24. STENVINKEL, P. Inflammatory and atherosclerotic interactions in 48. GILCHREST, B.A.; ROWE, J.W.; BROWN, R.S.; STEINMAN, T.I.;
the depleted uremic patient. Blood Purif 2001;19:53-61. ARNDT, K.A. Relief of uremic pruritus with ultraviolet photothe-
25. STENVINKEL, P. Leptin and its clinical implications in chronic re- rapy. N Engl J Med 1977;297(3):136-8.
nal failure. Miner Electrolyte Metab 1999;25(4-6):298-302.
49. PECOITS-FILHO, R.; LINDHOLM, B.; HEIMBÜRGER, O.; STEN-
26. BERGER, H.W.; RAMMOHAN, G.; NEFF, M.S.; BUHAIN, W.J.
VINKEL, P. Interleukin-6 is an independent predictor of mortality
Uremic pleural effusion. A study in 14 patients on chronic dialysis.
in patients starting dialysis treatment. Nephrol Dial Transplant
Ann Intern Med 1975;82(3):362-4.
2002;17:142-6.
27. ROBSON, J.S. Uremic neuropathy, In: Robertson, R.F. (ed) Sympo-
50. WALSER, M. The conservative management of the uremic patient.
sium: Some Aspects of Neurology (Royal College of Physicians),
In Brenner, B.M.; Rector-Jr., F.C. (eds) The Kidney, 1976. Saunders Co,
Edimburg, 1968.
Cap. 39, p. 1613.
28. MATALON, R.; MOUSSALLI, A.R.; NIDUS, B.D.; KATZ, L.A.;
EISINGER, R.P. Functional aortic insufficiency. A feature of renal
failure. N Engl J Med 1971;285(27):1522-3.
29. BARRATT, L.J.; ROBINSON, M.A.; WHITFORD, J.A.; LAWRENCE,
J.R. The diastolic murmur of renal failure. N Engl J Med 1976;295 BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
(3):121-4.
30. DANAHY, D.T.; RONAN, J.A. Jr. Cervical venous hums in patients BRICKER, N.S. et al. The renal response to progressive nephron loss. In:
on chronic hemodialysis. N Eng J Med 1974;291(5):237-9. Brenner, B.M.; Rector Jr., F.C. (eds.) The Kidney. W.B. Saunders Co.,
31. IANHEZ, L.E.; LOWEN, J.; SABBAGA, E. Uremic myocardiopathy. Cap. 18, p. 703, 1976.
Nephron 1975;15(1):17-28. DUBROW, A. and LEVIN, N.W. Biochemical and hormonal alterations
32. GUERON, M.; BERLYNE, G.M.; NORD, E.; ARI, J.B. EDITORIAL: in chronic renal failure. In The Principles and Practice of Nephrology (Eds.
The case against the existence of a specific uraemic myocardiopathy. Jacobson, Striker, Klahr). Cap. 89, p. 596, 2nd ed. Mosby-Year Book Inc.,
Nephron 1975;15(1):2-4. 1995.
690 Insuficiência Renal Crônica: Fisiopatologia da Uremia

MASSRY, S.G. et al. Uremic toxicity. In Textbook of Nephrology (Eds. Massry www.sbn.org.br/Censo/censo01.htm — Parte do site da
and Glassock). Cap. 68, p. 1221-1278, 4th edition, 2001. Sociedade Brasileira de Nefrologia, com informações so-
MEYER, T.; BABOOLAL, K. and BRENNER, B.M. Nephron adaptation
to renal injury. In The Kidney (Ed. Barry M. Brenner). Cap. 44, pp. 2011-
bre número de pacientes em diálise no Brasil, entre outras
2048. W.B. Saunders Co., 1996. informações epidemiológicas de interesse em IRC.
SUKI, W.N. and EKNOYAN, G. Pathophysiology and clinical manifes- http://www.hdcn.com/ — Hipertensão, Diálise e Nefro-
tations of chronic renal failure and the uremic syndrome. In The Prin- logia Clínica. — Website popular entre nefrologistas, com
ciples and Practice of Nephrology (Eds. Jacobson, Striker, Klahr) Cap. 90,
p. 603, 2nd ed. Mosby-Year Book Inc., 1995.
novidades em doenças renais, atualizadas com freqüência.
VANHOLDER, R. The uremic syndrome. In Primer on Kidney Diseases, 2nd As seções relacionadas a uremia são bastante didáticas e
ed. (Ed A. Greemberg). Cap. 62, pp. 403-407. informativas.
http://kidney.gov.ph/services/diet/di.htm — Informa-
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET ções sobre o manejo dietético da insuficiência renal crôni-
ca.
http://www.usrds.org/ — Site oficial do sistema de da-
http://www.nephron.com — Site completo e ótima refe-
dos americanos relacionados a insuficiência renal crônica.
rência em insuficiência renal crônica: fisiopatologia, ilus-
Extremamente organizado, completo e atualizado freqüen-
trações, animações, etc.
temente, é uma excelente fonte de pesquisa epidemiológi-
ca em IRC.
Capítulo
Conseqüências Hematológicas da Uremia

38 Maria de Fátima Santos Bandeira

INTRODUÇÃO Administração de ERHu


Anemia da insuficiência renal crônica Resposta inadequada
DEFICIÊNCIA DE ERITROPOETINA Terapias adjuvantes
INIBIÇÃO DA ERITROPOESE Efeitos adversos
DEFICIÊNCIA DE FERRO Perspectivas
HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO ERITROCITOSE
TOXICIDADE PELO ALUMÍNIO ALTERAÇÕES DA HEMOSTASIA
OUTRAS CAUSAS ALTERAÇÕES EM LEUCÓCITOS
Tratamento com eritropoetina recombinante humana REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Indicação BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Iniciando tratamento — avaliação dos estoques de ferro ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

crônicos desde o advento da fístula artério-venosa. Ela


INTRODUÇÃO mudou radicalmente o tratamento da anemia não apenas
na insuficiência renal crônica, como também nas doenças
A anemia, principal conseqüência hematológica da insu- neoplásicas e na prematuridade. Sabe-se hoje que a Epo
ficiência renal, constitui o fator responsável pela limitação da endógena é produzida quase totalmente no rim e é reco-
capacidade física dos pacientes renais crônicos, contribuin- nhecido seu papel central na eritropoese em resposta a
do para a morbidade cardiovascular e para uma qualidade estímulo hipóxico.52,53,59,66 Com a perda progressiva da
de vida insatisfatória. Ela se desenvolve quando a velocida- massa renal, na doença crônica, ocorre menor produção de
de de filtração glomerular atinge 20-30 ml/min/1,73 m2 e Epo e conseqüente falta de estímulo para a medula óssea,
acomete, de forma moderada ou grave, 75% dos pacientes determinando a anemia hipoproliferativa.
renais crônicos adultos28 e a quase totalidade das crianças.83
Embora a associação entre anemia e insuficiência renal
tenha sido descrita por Richard Bright há mais de 150 anos, Ponto-chave:
somente com o avanço da biologia molecular e das técni- • A eritropoetina endógena é reconhecida por
cas de recombinação genética foi possível esclarecer o pa- seu papel central na eritropoese, e 90% dela
pel do rim e da eritropoetina (Epo) na fisiopatologia da
é produzida no rim em resposta a um
anemia. As últimas duas décadas presenciaram o isolamen-
to da Epo da urina humana, a reprodução do seu gene e a
estímulo hipóxico
produção do hormônio recombinante em larga escala.51,62,68
A eritropoetina recombinante humana (ERHu) repre- Os primeiros estudos clínicos com ERHu em pacien-
sentou o maior avanço terapêutico para pacientes renais tes renais crônicos em hemodiálise foram realizados nos
692 Conseqüências Hematológicas da Uremia

EUA e Europa29,97 e vieram mudar de forma inconteste o


tratamento da anemia da IRC. Inúmeros outros estudos DEFICIÊNCIA DE
foram realizados no mundo inteiro,1,27,33,55,74,83 em adultos ERITROPOETINA
e crianças, em tratamento dialítico, em fase pré-diálise e
na rejeição do transplante renal, utilizando as vias sub- O principal mecanismo da anemia renal é a deficiência
cutânea, endovenosa e intraperitoneal, com o objetivo de de Epo.26,76,88 Em circunstâncias normais, níveis plasmáti-
ampliar a experiência e obter a maior eficácia da medica- cos de Epo de 10-30 mU/ml são capazes de manter uma
ção. O tratamento com ERHu possibilitou a redução na massa celular eritróide estável, porém níveis muito maio-
mortalidade e na morbidade, a melhora das funções car- res são encontrados como resposta de um rim normal a
díaca, cerebral e cognitiva e contribuiu para a melhor qua- alterações da oxigenação tissular.16 Em pacientes urêmicos
lidade de vida de pacientes renais crônicos. A ERHu em os níveis de Epo são muito baixos para o grau da anemia,
pacientes em tratamento conservador posterga a entrada especialmente nos anéfricos.4,10,18,19,24
em diálise, demonstrando que a anemia, e não o acúmu- A eritropoetina é um hormônio glicoprotéico com peso
lo de toxinas urêmicas, é o principal fator responsável pela molecular total de 30.500 dáltons. Sua seqüência peptídica
maioria dos sintomas urêmicos. A doença cardiovascu- contém 165 aminoácidos e a parte de carboidrato da molé-
lar, principal causa de morte em pacientes renais crôni- cula possui quatro cadeias complexas contendo altas quan-
cos, começa a se manifestar bem antes da necessidade de tidades de ácido siálico ligadas à proteína.56 A porção car-
diálise, e a correção precoce da anemia evita a hipertro- boidrato é essencial para a atividade in vivo.36,37 O rim é o
fia ventricular esquerda, reduzindo a morbidade cardio- principal local de produção de Epo e as células produtoras
vascular. foram localizadas no endotélio dos capilares peritubulares
A manutenção de estoques adequados de ferro e uma situados no córtex renal e medula externa52,59 e em fibroblas-
boa diálise representam os principais fatores para a melhor tos intersticiais (células intersticiais tipo I).66 No fígado, as
resposta à ERHu. A suplementação de ferro via parente- células sinusoidais produzem 10% da eritropoetina total.77
ral desempenha papel fundamental para os pacientes em A hipóxia tissular é o principal estímulo para a produção
hemodiálise, enquanto o ferro oral pode ser suficiente para de eritropoetina, e estados que levam à redução de oxigê-
aqueles em diálise peritoneal ou em tratamento conserva- nio (O2) ou aumento da sua necessidade são acompanhados
dor. A diálise inadequada, o hiperparatireoidismo e os por aumento exponencial das células que expressam o RNA
estados inflamatórios contribuem para respostas insatisfa- mensageiro da Epo e elevação dos níveis séricos.57 O meca-
tórias. nismo pelo qual a hipóxia leva a um aumento da expressão
do gene da Epo envolve a participação de um sensor de O2
localizado no rim, provavelmente uma proteína heme, que
Ponto-chave: captaria a diminuição do conteúdo de O2 e enviaria mensa-
• O tratamento com ERHu possibilitou a gem através de mediadores bioquímicos intracelulares, pro-
redução na mortalidade e na morbidade, a vavelmente as prostaglandinas e a adenosina.73 Koury e col.
demonstraram que há pequenos focos de células produto-
melhoria das funções cardíaca, congnitiva
ras espalhadas no córtex renal nas anemias leve e modera-
cerebral e da qualidade de vida em da, que vão aumentando à medida que a anemia se torna
pacientes renais crônicos mais grave. Estes grupos de células sugerem a existência de
áreas de hipóxia localizadas no rim de indivíduos anêmi-
cos e que todas as células capazes de produzir Epo são re-
Anemia da Insuficiência crutadas a fazê-lo como resposta ao estímulo hipóxico.53 Por
Renal Crônica outro lado, quando a oxigenação se normaliza, a produção
de Epo retorna a níveis normais. Depois de liberada na cir-
A anemia da insuficiência renal crônica, usualmente, é culação, a Epo liga-se a receptores específicos nas células pre-
hipoproliferativa. O esfregaço de sangue periférico mos- cursoras eritróides, formando um complexo receptor-eritro-
tra hemácias de morfologia normal, normocrômicas e poetina aumentando a produção de eritrócitos.21,38 Este au-
normocíticas, e ocasionalmente algumas hemácias mento parece estar relacionado mais à ação antiapoptose da
crenadas. A contagem de reticulócitos corrigida para o grau Epo nas células precursoras do que ao estímulo no cresci-
de anemia é duas vezes menor que os valores normais. O mento e desenvolvimento do precursor eritróide.43,54,75 Na
mielograma mostra relação eritrócito-granulócito normal doença renal crônica, a diminuição da massa renal quebra
ou levemente diminuída, demonstrando que, apesar da este circuito, ocasionando anemia. Os receptores de Epo
anemia, não existe hiperplasia eritróide compensatória. A também estão expressos em células do rim e do sistema
morfologia eritróide é normal. A patogênese é variada e nervoso central, sugerindo que além da eritropoese a Epo
envolve múltiplos fatores que atuam diminuindo a eritro- possa desempenhar outros papéis, como proteção de órgãos
poese ou levando à perda de eritrócitos. contra danos isquêmicos.13
capítulo 38 693

em, porém a ferritina sérica aumenta. Este bloqueio só é


INIBIÇÃO DA ERITROPOESE corrigido com a reversão do estado inflamatório.

Durante anos foi postulado que a inibição da eritropoe-


se seria a principal causa da anemia renal. Algumas linhas
de evidência sustentavam que a eritropoese era bloquea-
HIPERPARATIREOIDISMO
da quando se acrescentava soro urêmico a células de me- SECUNDÁRIO
dula óssea em animais de experimentação.15 Algumas subs-
tâncias presentes no soro urêmico, como paratormônio O aumento do PTH é uma complicação freqüente na
(PTH),35,67 espermina, espermidina78 e ribonuclease,58 foram insuficiência renal crônica. O hiperparatireoidismo tem
implicadas no bloqueio à proliferação das células precur- sido associado à anemia em pessoas com função renal nor-
soras eritróides (CFU-E, colony unit forming erythroid). Em mal e pode agravar a existente em pacientes renais crôni-
humanos, porém, comprovou-se que o PTH purificado, cos.35 A fibrose da medula óssea e conseqüente redução do
tanto a molécula intacta como seu radical amino-terminal, compartimento precursor eritróide são responsáveis pela
adicionado à cultura de células de medula óssea, não ini- diminuição da eritropoese.79 Alguns trabalhos têm de-
biu a eritropoese in vitro.28 Estudos realizados com cultu- monstrado melhora da anemia após paratireoidectomia, ou
ras inteiramente autólogas puderam demonstrar que não após tratamento com análogos da vitamina D, como calci-
houve qualquer inibição ao crescimento de colônias eritrói- triol e alfacalcidol.9,40
des e não-eritróides da medula óssea, sob efeito de soro
humano normal e urêmico.88 Eschbach estudou animais
urêmicos e normais, após a administração de plasma rico TOXICIDADE PELO ALUMÍNIO
em Epo, e posteriormente paciente renais crônicos e pes-
soas hígidas com ERHu, observando que a resposta hema- A anemia microcítica em pacientes em tratamento dia-
topoética era semelhante entre os grupos, nos dois traba- lítico é mais freqüente devido à deficiência de ferro, porém
lhos, comprovando que a inibição da eritropoese, se exis- pode ser uma manifestação hematológica precoce de into-
te, é apenas um fator coadjuvante na patogênese da ane- xicação pelo alumínio.2,3 Ela pode ocorrer, mesmo em pa-
mia da IRC.30,31 cientes com níveis séricos de alumínio moderadamente
aumentados, e responde ao uso de substâncias quelantes
de alumínio, como a desferoxamina.5,85 O mecanismo pelo
DEFICIÊNCIA DE FERRO qual o alumínio leva à anemia microcítica é pouco conhe-
cido. Provavelmente, há uma diminuição da síntese da
A síntese da hemoglobina requer incorporação de ferro porção heme, por inibição de enzimas como a ferroquela-
em larga escala e implica mobilização de ferro do sistema tase e a uroporfirina descarboxilase, ou por competir com
reticuloendotelial e transporte pela transferrina, para aten- o ferro na sua ligação com a transferrina.22,69 Outra hipóte-
der à demanda da medula. Estoques adequados de ferro se advoga que na osteomalácia induzida pelo alumínio
são pré-requisitos para uma eritropoese efetiva. A defici- ocorreria expansão óssea para o espaço medular, diminu-
ência de ferro pode resultar de carência nutricional ou de indo o compartimento eritropoético.79 Anteriormente o uso
perdas sanguíneas continuadas. A absorção de ferro pelo de gel de alumínio para tratamento da hiperfosfatemia
trato gastrintestinal pode estar normal ou diminuída em constituía uma das maiores causas de intoxicação, junto
pacientes com insuficiência renal50 e parece mostrar corre- com a contaminação da água usada no tratamento dialíti-
lação inversa aos estoques de ferro.26 À medida que a do- co.5,61 Atualmente, os quelantes de fósforo contendo sais de
ença renal avança, os níveis séricos de Epo diminuem e o cálcio e outros não absorvidos, como o sevelamer (Rena-
ferro, liberado do ciclo de sobrevida da hemácia, acumu- gel®), e os cuidados com a água da unidade (deionização/
la-se no sistema reticuloendotelial, compensando uma osmose reversa) evitam a exposição ao alumínio e seu acú-
possível deficiência de ferro causada pela anorexia.50 Quan- mulo no osso e no sistema nervoso central.
do o paciente inicia tratamento hemodialítico, este quadro
muda e as constantes e inevitáveis perdas sanguíneas oca-
sionam perdas de 1.500 mg ferro/ano. Esta quantidade OUTRAS CAUSAS
excede a capacidade de absorção e a anemia ferropriva se
sobrepõe, agravando aquela já existente. Uma deficiência A diminuição da sobrevida da hemácia é comum na
funcional de ferro ocorre em estados inflamatórios agudos doença renal. A hemácia normal sobrevive em torno de 120
ou crônicos onde há um bloqueio na liberação do ferro do dias, porém, em pacientes urêmicos, fatores intra- e extra-
sistema reticuloendotelial e no seu transporte pela trans- celulares atuam encurtando sua sobrevida em 30 a 50%. Os
ferrina, resultando em diminuição da eritropoese. Nestes fatores intracelulares incluem resistência osmótica e oxi-
casos, o ferro sérico e a saturação da transferrina diminu- dativa diminuída e os extracelulares são toxinas presentes
694 Conseqüências Hematológicas da Uremia

no soro urêmico ou introduzidas pelo tratamento dialíti- de Nefrologia (SBN). Sumarizamos aqui os principais as-
co.23 Esta hemólise continua a existir independente da pectos abordados nestas diretrizes.
modalidade dialítica utilizada, porém não compromete a
boa resposta a ERHu. INDICAÇÃO
Os episódios de hemólise secundários à contaminação A indicação para uso de ERHu inclui todos os pacien-
da água usada na hemodiálise por agentes oxidantes como tes renais crônicos, adultos ou crianças, em tratamento
nitratos, cobre e cloraminas têm-se tornado menos freqüen- conservador ou dialítico que apresentem Hb igual ou in-
tes com o melhor controle dos tratamentos de água. O for- ferior a 11 g/dl.32 As crianças nos primeiros anos de vida
maldeído usado na esterilização de dialisadores foi subs- devem iniciar tratamento com Hb ⬍ 12 g/dl para evitar
tituído por outras substâncias mais seguras. As hemólises danos ao desenvolvimento neurológico. A quantificação da
de causas mecânicas têm sido descritas devido a dobras ou anemia deverá ser feita preferencialmente através da Hb e
estreitamentos nas linhas de sangue, porém constituem não do Ht, uma vez que este depende do VCM e da conta-
fatos infreqüentes. Significantes perdas sanguíneas ocor- gem total de eritrócitos e está mais sujeito a erros. A hiper-
rem em pacientes renais crônicos, em estágio pré-terminal glicemia aumenta o VCM. A amostra sanguínea estocada
ou em fase dialítica, contribuindo para aumentar a anemia. por mais de oito horas resulta em edema da hemácia, au-
A razão para esta tendência ao sangramento é um defeito mentando falsamente o hematócrito, enquanto a hemoglo-
qualitativo das plaquetas. As crianças apresentam maio- bina nas mesmas condições permanece constante.
res perdas, especialmente via gastrintestinal86 e pela hemo- A avaliação clínica e laboratorial do paciente antes do
diálise (HD).45,82 Pacientes adultos em HD apresentam per- tratamento com ERHu é imperativa e inclui a busca diag-
da sanguínea aproximada de 10 ml/sessão ou 3 litros/ nóstica e o tratamento prévio de todos os fatores citados
ano,26 conseqüentes ao volume sanguíneo residual do dia- anteriormente como coadjuvantes na fisiopatogenia da
lisador, amostras para análises laboratoriais, além de oca- anemia e que vão representar impedimentos à resposta
sionais rupturas em linhas ou filtros. plena à ERHu, como: deficiência de ferro, estados inflama-
A deficiência de folato precisa ser considerada em paci- tórios, infecções agudas, perdas sanguíneas, hiperparati-
entes em IRC, com aumento do volume corpuscular mé- reoidismo ou intoxicação pelo alumínio (Quadro 38.1) A
dio (VCM). Embora as perdas de folato pela diálise sejam anemia por deficiência de Epo ocorre quando o clearance
maiores que as excretadas pela urina, estas são facilmente de creatinina está abaixo de 30 ml/min, embora crianças e
balanceadas por uma dieta de 60 g de proteínas/dia. diabéticos apresentem anemia proporcionalmente mais
acentuada que adultos com insuficiência renal de outras
etiologias.48,86
Ponto-chave: Para os pacientes em hemodiálise a prescrição deve ser
• A deficiência de eritropoetina é o cuidadosamente revista e o KT/V (single pool) obtido deve
mecanismo preponderante na ser igual ou maior que 1,2 ou o Índice de Redução de Uréia
fisiopatogenia da anemia da IRC (IRU) superior a 65%. Em crianças sugere-se um KT/V de
1,4 e o IRU de 70%.49 Estudo comparativo entre dois gru-

Tratamento com Eritropoetina


Quadro 38.1 Avaliação clínica e laboratorial
Recombinante Humana
Avaliação clínica
Nos últimos quinze anos, a ERHu conquistou seu lugar • Função renal
como principal terapêutica na correção da anemia, revo- • Adequação (KT/V)
lucionando o cuidado do paciente renal crônico. Durante • Estado nutricional
• Inflamação
este período mostrou-se eficaz em 95% dos pacientes tra-
• Perda sanguínea/Parasitose
tados, reduzindo o risco relativo de mortalidade geral e • Hiperparatireoidismo/Intoxicação por Al
cardiovascular em pacientes com hematócrito mais alto. A • Malignidade
necessidade de transfusões sanguíneas diminuiu drama- Avaliação laboratorial
ticamente, entretanto grande parte dos pacientes ainda não • Hemograma com reticulócitos
usufrui a totalidade dos benefícios da ERHu. A imensa • Ferritina
variedade de esquemas usados com resultados às vezes • Saturação da transferrina
conflitantes tornou imperiosa a adoção de regras de me- • PCR
lhores condutas, com base em evidências. Surgiram assim Se necessário
as recomendações: americana (DOQI Dialysis Outcomes • Exames para hemólise/hemoglobinopatias
• Vit B12/Folato
Quality Initiative 1997/2000); européia (European Best • Estudo da medula óssea
Practice Guidelines), e as normas da Sociedade Brasileira
capítulo 38 695

Ferro
Tratamento Inicial
Paciente em HD
que não está em uso de EPO
outras
causas de anemia excluídas

sim não
Hb ⬍ 11 g/dl

Ferritina Ferritina

⬍100 ␮g/L 100-500 ␮g/L ⬎500 ␮g/L ⬍100␮g/L ⬎100 ␮g/L

Fe I.V. Fe I.V. Fe V.O.


Não administrar Não administrar
Fe Fe

• 100 mg • 100 mg • 200 mg


Fe sacarose Fe sacarose Sulfato
no mínimo no mínimo Administrar EPO ferroso
1-8 ⫻ mês 1-4 ⫻ mês s.c. 1-3 ⫻ dia
ou
Administrar EPO s.c. • 100 mg
Fe sacarose
Até completar no mínimo
1.000 mg 1-2 ⫻ mês
Procure Algoritmo Procure Algoritmo
Iniciar EPO Iniciar EPO

Monitorize Monitorize
Hb: 1 ⫻ mês Hb: 1 ⫻ mês
Ferritina: cada 2 meses Ferritina: cada 3 meses

Hb 앖 mas
Hb ⬍ 11 g/dl

Ferritina ⬍ 100 ␮g/L Ferritina 100-500 ␮g/L ou


Ferritina ⬎ 500 ␮g/L

Continue a administrar Fe até que: Considere a necessidade de EPO


ferritina 100-500 ␮g/L

Procure Algoritmo EPO trat. inicial

Algoritmo 38.1
696 Conseqüências Hematológicas da Uremia

pos de adultos com KT/V de 1,2 e de 1,4 demonstrou que vada. Alguns autores recomendam ignorar as doses de
foram obtidos valores semelhantes de hematócrito (35% ⫾ ferritina e conduzir o tratamento com base somente na
1,4) nos dois grupos, porém com doses menores de ERHu saturação da transferrina mantendo níveis de 25-40%. As
no grupo com maior KT/V (A ⫽ 183 ⫾ 95 U/kg/sem e B amostras sanguíneas para dosar marcadores de ferro de-
⫽ 86 ⫾ 33 U/kg/sem).70 As recomendações do DOQI para vem ser colhidas pelo menos uma semana após a aplica-
adequação de pacientes em diálise peritoneal (CAPD) são ção do ferro endovenoso. Sugerimos que a administração
KT/V ⬎ 2 (semanal) e/ou clearance creatinina ⬎ 60 L/sem/ do ferro venoso não ultrapasse 100 mg/aplicação e seja
1,73 m2. Aproximadamente 10% dos pacientes renais crô- realizada em bolus, lentamente, após a sessão de diálise.
nicos prescindem do uso de ERHu, porém raros mantêm Crianças com menos de 20 kg recebem 50 mg/aplicação.
níveis normais de hematócrito e hemoglobina. Na fase de manutenção, o tratamento com ferro venoso não
deve exceder 200 mg/mês. A suplementação de ferro por
via oral pode ser feita em pacientes em DP ou aqueles em
Pontos-chave: tratamento conservador, embora possa ser ineficaz, por má
• A anemia deve ser quantificada pela Hb e absorção gastrintestinal ou intolerância. Nestes casos o
não Ht ferro venoso pode ser administrado em veia periférica na
• Pacientes com Hb ⬍ 11 g/dl (excluídas outras dose de 1 ml para cada 20 ml de soro fisiológico (exclusi-
vamente) em 30 minutos. As crianças em tratamento con-
causas de anemia) devem receber ERHu
servador recebem ferro via oral 4-6 mg/kg divididos em
• A diálise adequada melhora a resposta à duas doses diárias. A análise quantitativa de hemácias hi-
ERHu pocrômicas fornecida pela citometria de fluxo é um teste
preciso para monitorizar o estoque de ferro, porém de re-
alização pouco rotineira em nosso meio. A deficiência de
INICIANDO TRATAMENTO — AVALIAÇÃO ferro é comprovada quando o percentual de células hipo-
DOS ESTOQUES DE FERRO crômicas é ⬎10%.41 O número de reticulócitos hipocrômi-
A avaliação laboratorial dos estoques de ferro precede cos apresenta-se como o teste de melhor sensibilidade
e acompanha todo o tratamento com ERHu. O Algoritmo (100%) e especificidade (80%) para estimar a deficiência de
38.1 demonstra quais atitudes devem ser tomadas para ferro, porém exige aparelhagem específica.
manter estoques de ferro necessários à eritropoese. A sín-
tese de Hb requer a incorporação de ferro em larga escala
e implica mobilização de ferro do sistema reticuloendote- Ponto-chave:
lial e transporte pela transferrina para atender à demanda
• O estoque adequado de ferro é o principal
da medula óssea. Pacientes que apresentem valores de fer-
determinante na resposta à ERHu. O uso
ritina ⬍100 ng/ml e saturação da transferrina menor que
20% apresentam deficiência absoluta de ferro, o que exige apropriado por via endovenosa é seguro e
reposição rápida por via endovenosa, duas vezes por se- fundamental para sucesso do tratamento
mana. A ERHu não deverá ser iniciada neste momento.
Ferritina entre 100 e 500 ng/ml e saturação da transferrina
igual ou maior que 25% permitem iniciar tratamento com ADMINISTRAÇÃO DE ERHu
ERHu, porém mantendo ferro venoso uma vez por sema- A administração de ERHu pode ser feita por três vias:
na. A formulação parenteral do sacarato de ferro (Noripu- intravenosa (IV), subcutânea (SC) e intraperitoneal (IP).
rum®) está disponível no mercado brasileiro em doses de Vários estudos de farmacocinética evidenciaram uma
100 mg/5 ml. O ferro endovenoso deve ser suspenso quan- maior duração da ação da ERHu utilizando a via SC12,18 e
do a ferritina sérica ultrapassar 500 ng/ml (Algoritmo 38.1) mesma eficiência, com doses 30-50% menores que as en-
ou 800 ng/ml (DOQI). A atenção deve estar voltada para dovenosas. Outros estudos não demonstraram diferenças
monitorização da ferritina a cada dois meses quando a re- significativas entre as duas vias, especialmente quando a
posição for maior que 100 mg/sem e a cada três meses suplementação de ferro foi amplamente usada.6,32 Embora
quando as reposições de ferro forem menores. Existem si- a via SC seja preferencial para pacientes em DP7,94 e em fase
tuações nas quais a ferritina encontra-se elevada, ⬎500 ng/ pré-diálise,87 a IV é a mais confortável para aqueles em HD.
ml, porém com saturação de transferrina inferior a 25%, Os pacientes em HD apresentam resistência em utilizar a
indicando deficiência funcional de ferro (mobilização ina- via SC, entretanto esta atitude deve ser vencida. A via SC
dequada do ferro em estoque). A conduta de aplicar ferro tem sido colocada como via preferencial nas mais diver-
venoso nesta situação pode resultar em pronto aumento sas recomendações (DOQI, SBN). A administração SC deve
da Hb, mas os níveis de ferritina devem ser avaliados com ser feita na região da coxa e no braço. Em alguns pacientes
mais freqüência. Alguns trabalhos têm citado os benefíci- a dor no local da injeção é significativa e causa intolerân-
os do ácido ascórbico nas situações de ferritina muito ele- cia ao tratamento. A substituição do tampão usado em al-
capítulo 38 697

gumas formulações parece diminuir este problema. A via critérios de indicação. É fundamental estabelecermos obje-
intraperitoneal tem raras indicações. A baixa disponibili- tivos globais de boa resposta à ERHu atentando para o fato
dade exige doses semanais maiores e a medicação deve ser do alto custo da medicação. No nosso serviço o índice de
administrada com a cavidade intraperitoneal vazia, o que qualidade estabelecido é que 85% dos pacientes recebendo
pode interferir na rotina da diálise. A freqüência de admi- ERHu atinjam Hb ⭓ 11 g/dl.
nistração é variável: duas a três vezes por semana para
pacientes em HD e uma a duas vezes por semana para
aqueles em DP. Respostas idênticas foram observadas em Ponto-chave:
pacientes em diálise peritoneal ambulatorial contínua • Quantificação da anemia pelo valor da Hb e
(CAPD) que receberam a dose total semanal em uma úni-
não do Ht
ca aplicação. Crianças menores em Diálise Peritoneal Au-
Objetivo: atingir Hb ⭓ 11 g/dl
tomatizada (DPA) ou em CAPD recebem a medicação duas
a três vezes por semana.39 Doses únicas semanais ou a cada
10 dias em adultos e crianças pré-diálise, ou naqueles com
falência crônica do enxerto, estão associadas à correção da RESPOSTA INADEQUADA
anemia. Quando a hemoglobina objetivada for alcançada A resposta inadequada é considerada quando pacientes
e mantida, os intervalos de administração devem ser au- adultos com doses de ERHu superiores a 300 U/kg/sem não
mentados. obtêm a Hb desejada. A deficiência de ferro é a causa mais
O Algoritmo 38.2 demonstra a estratégia no tratamento freqüente e deve ser tratada prontamente (Algoritmo 38.1).
inicial da ERHu em pacientes em tratamento conservador A experiência brasileira demonstrou que o emprego efeti-
ou em diálise e considera que todas as etapas do Algorit- vo do ferro permitiu respostas adequadas com doses de
mo 38.1 tenham sido cumpridas. As doses iniciais são de ERHu menores que as empregadas em outros países. Tra-
6.000 a 8.000 U/semana e devem ser aumentadas na de- balhos americanos têm demonstrado que o uso mais amplo
pendência do acréscimo mensal da Hb. Acréscimo de he- do ferro venoso (gluconato) nos últimos anos implicou um
moglobina inferior a 0,7 g/dl no primeiro mês, na vigên- aumento significativo no percentual de pacientes com Hb
cia de estoques adequados de ferro, indica a necessidade ⭓ 11 g/dl — 43% em 1997 para 68% em 1999.6,25,33,55
de aumento da dose de ERHu. Por outro lado, o uso de Alguns pacientes com mielodisplasia, mieloma múlti-
doses superiores a 12.000 U/sem com ferritina normal, sem plo e oxalose podem receber ERHu em doses superiores a
aumento expressivo da Hb, leva a pensar em resposta ina- 12.000 U/sem com o benefício de reduzir a necessidade
dequada e a investigar a causa de resistência. Na fase ini- transfusional. A diálise inadequada é outra causa de dimi-
cial do tratamento com ERHu, a ferritina deve ser dosada nuição da resposta à ERHu. A prescrição da diálise deve
a cada dois meses. O aumento da Hb em 1 g/dl necessita ser revista, procurando atingir os marcadores de qualida-
de 150 mg de ferro e quanto maior o acréscimo mensal de de já citados anteriormente. Outras modalidades dialíticas
Hb, mais rápido os estoques de ferro serão consumidos. que melhoram a anemia, como diálise prolongada ou diá-
Quando o aumento da Hb excede 2 g/dl/mês, as doses de lise diária, devem ser cogitadas. Alguns estudos usaram
ERHu podem ser reduzidas em 30%. As crianças necessi- doses de ERHu menores em pacientes que utilizavam dia-
tam de doses maiores de ERHu, uma vez que o clearance da lisadores de alto fluxo, conseguindo resultados excelentes
droga é maior neste grupo etário. Doses semanais entre 150 e atribuindo o êxito à diálise mais efetiva e ao tipo de mem-
e 300 U/kg foram reportadas em crianças em HD e em brana; entretanto, Movilli e col. obtiveram resultados se-
DP.7,39,79,84 A Hb objetivada neste algoritmo e na maioria das melhantes com dialisadores comuns. A melhor resposta à
recomendações mundiais é igual ou superior a 11 g/dl, a ser ERHu em pacientes bem dialisados fala a favor de que al-
atingida em dois a quatro meses. Embora não haja evidên- guns inibidores da eritropoese são substâncias dialisáveis
cias claras sobre qual a ótima concentração de hemoglobi- de baixo ou médio peso molecular.47 O hiperparatireoidis-
na para pacientes renais crônicos, estudos têm demonstra- mo, complicação freqüente em pacientes em diálise, repre-
do que os que apresentam Hb entre 11 e 12 g/dl melhoram senta outra causa de resposta inadequada à ERHu. A fibro-
a função cardíaca, apresentam melhor performance física e se da medula óssea reduz o compartimento precursor eri-
menor índice de hospitalizações. Não há benefícios compro- tróide, interferindo na eritropoese e bloqueando a ação da
vados em corrigir totalmente a anemia em pacientes com ERHu. Rao e col., utilizando histomorfometria óssea, com-
doença cardiovascular, e alguns trabalhos apontam episó- provaram a maior necessidade de ERHu, na dependência
dios de trombose de acesso com hematócrito próximo ao da gravidade do hiperparatireoidismo, da extensão da fi-
índice normal. Há algumas exceções para este objetivo de brose medular, do volume osteóide e da superfície ocupa-
Hb. Os pacientes com anemia falciforme devem manter Hb da por osteoclastos.79,96 Em nossa observação, crianças que
entre 7 e 8 g/dl. O tratamento com ERHu está disponível apresentaram níveis de PTH molécula intacta superiores
no nosso país, através de fornecimento pelos órgãos com- a 10 vezes os valores normais necessitaram de aumento
petentes, para a totalidade de pacientes que preencham os progressivo da ERHu, e uma correlação linear significati-
698 Conseqüências Hematológicas da Uremia

EPO
Tratamento Inicial
Pacientes em IRC ou em diálise
com estoque adequado de Fe

Hb Monitorize
sempre ⬍ 11 g/dl e
outras causas de anemia excluídas não
Hb mínima
ⱖ 11 g/dl

Inicie EPO
de preferência s.c.

6.000U / 8.000U
Semanal

앖 Hb
após 1 mês

Hb앖 ⬍ 0,7 g/dl Hb앖 0,7-2,0 g/dl Hb앖 ⬎ 2,0 g/dl

앖 A dose EPO Continue a dose EPO 앗 Dose EPO

9.000U / 12.000U 6.000U / 8.000U 3.000U / 4.000U


Semanal Semanal Semanal

Monitorize Hb: 1 ⫻ mês


Ferritina: 2/2 meses

앖 Hb
Em 1-2 Meses

Hb앖 ⬍ 1,4 g/dl Hb앖 1,4-3,5 g/dl Hb앖 ⬎ 3,5 g/dl

앖 A dose EPO Continue a dose de EPO 앗 a dose de EPO

12.000U / 20.000U 6000U / 8000U


Semanal 1000U / 2000U
Semanal Semanal
Possível Resistência à EPO

Monitorize Hb: Mensal


Ferritina: Trimestral

Objetivo: individualizar Hb ⱖ 11g/dl em 2-4 meses,


subindo a Hb ⫾ 1 g/dl por mês

Algoritmo 38.2
capítulo 38 699

va pôde ser estabelecida entre níveis de PTH e doses de me e pode estar deficiente no eritrócito mesmo com níveis
ERHu.11,39 Outros potenciais efeitos na eritropoese, medi- plasmáticos normais. Nestes casos, a suplementação, via
ados pelo PTH, incluem alterações intra- e extracelulares oral, de 100-150 mg/sem é necessária. A deficiência de vi-
no metabolismo cálcio-fósforo e liberação de citoquinas tamina B12 é rara e decorre de perdas pela diálise, a longo
pelo osso reabsorvido. A supressão química ou cirúrgica prazo, especialmente em pacientes que usam membranas
das glândulas paratireóides resulta em melhor resposta de alto fluxo. A deficiência de carnitina é observada em
eritropoética nestes pacientes. A ação dos metabólitos ati- pacientes renais crônicos idosos e parece estar relaciona-
vos da vitamina D consiste em induzir proliferação e ma- da ao tempo em tratamento dialítico. A suplementação de
turação das células precursoras eritróides in vitro e pode L-carnitina aumenta a hemoglobina, corrige as anormali-
melhorar a anemia in vivo mesmo sem redução dos níveis dades lipídicas e melhora a resposta à ERHu.17
de paratormônio.40
A intoxicação pelo alumínio também pode induzir re-
sistência à ERHu, e isto foi demonstrado em animais de Terapias Adjuvantes
experimentação e em pacientes com níveis séricos de alu- As medicações a seguir podem, em determinadas situ-
mínio de 175 ␮g/L e 225 ␮g/L.44,84 A participação do alu- ações, melhorar a resposta à ERHu, permitindo alguma
mínio, nesta resistência, ocorre pela competição com o ferro redução nas doses. Os andrógenos atuam na eritropoese
na ligação com a transferrina e inibição da síntese da he- de duas maneiras: aumentando a sensibilidade da célula
moglobina.3,22,61 Os níveis de alumínio aceitáveis para pa-
progenitora à Epo e estimulando sua produção pelo teci-
cientes em diálise são de 100 ␮g/L, e desferoxamina (DFO),
do renal remanescente. A administração de decanoato de
5 mg/kg/semana durante três meses, deve ser utilizada
nandrolona está associada à melhora da anemia e ganho
em casos de toxicidade comprovada.
de peso em alguns pacientes adultos em diálise e parece
Os processos infecciosos agudos e crônicos, estados in-
potenciar o efeito da ERHu. Os efeitos colaterais incluem
flamatórios, doenças auto-imunes e neoplásicas interferem
complicações no fígado e próstata e limitam o uso a homens
na resposta à ERHu, por alterações no metabolismo do
com idade superior a 50 anos. O ácido ascórbico é um agen-
ferro (mobilização inadequada do ferro ligado à ferritina)
te redutor capaz de liberar o ferro da ferritina e mobilizar
e pelo aumento das citoquinas inflamatórias: fator de ne-
do sistema reticuloendotelial para a transferrina. Doses
crose tumoral (TNF) e interleucina-1 (IL1). A IL1 e o TNF
endovenosas de 300 mg 3⫻/sem durante oito semanas
liberam interferon alfa e beta, que inibem a eritropoese in
foram efetivas em aumentar a Hb e a saturação da trans-
vivo e in vitro.20 A proteína C reativa é um marcador de
ferrina e reduzir a ferritina e a dose de ERHu. Os mecanis-
doença inflamatória e deve ser incluída entre testes roti-
mos pelos quais a L-carnitina melhora a resposta à ERHu
neiros para detectar precocemente uma resposta inadequa-
são: estabilização da membrana do reticulócito e redução
da à ERHu. Pacientes que apresentam proteína C reativa
da fragilidade da membrana eritrocitária. Doses de 20 mg/
⬎20 mg/L necessitam de doses de ERHu maiores.8 Episó-
kg IV após a diálise por seis meses permitiram redução de
dios de infecção, como peritonites, ou procedimentos ci-
38% na dose de ERHu.89
rúrgicos são acompanhados por diminuição da Hb até que
o fator causal seja corrigido. Na infecção pelo vírus da he-
patite B, há um aumento na produção de Epo endógena, Efeitos Adversos
provavelmente pelos novos hepatócitos.
Algumas drogas têm sido implicadas na diminuição da A hipertensão arterial relatada como o maior efeito ad-
resposta à ERHu: inibidores da ECA e agentes imunossu- verso da ERHu nos primeiros trabalhos95,97 não representa
pressores. Os inibidores da ECA diminuem a síntese de hoje qualquer impedimento ao uso da medicação. Alguns
Epo em pacientes com IRC provavelmente pelo aumento fatores de risco incluem: hipertensão preexistente, rápida
do fluxo sanguíneo renal, melhora da oxigenação e redu- elevação do hematócrito e doses de ERHu muito elevadas.
ção da produção de Epo. A ciclosporina parece reduzir a Os mecanismos envolvidos são: a diminuição da vasodi-
secreção de Epo e a azatioprina destrói eritrócitos recém- latação periférica compensatória, maior viscosidade san-
formados dentro da medula óssea antes de sua maturação. guínea e efeitos vasculares diretos. Estudos em animais de
Estas interferências, entretanto, têm pouca repercussão na experimentação comprovaram efeito pressor direto em
resposta clínica, sendo compensadas por aumento das artérias renais e mesentéricas, como resultado da entrada
doses de ERHu.71 de cálcio através da membrana,46,72 e aumento da síntese
Outras causas que podem influir na resposta à ERHu de endotelina. É possível que a ERHu estimule a síntese
incluem: desnutrição, deficiência de vitaminas (B6, B12), de endotelina-1 somente em concentrações muito elevadas.
folato e de carnitina. A deficiência de vitaminas ocorre em Há evidências também de que ela possa atuar como fator
pacientes renais crônicos pelas dietas inadequadas, absor- angiogênico e como fator de crescimento de células da
ção prejudicada por outras medicações e pelas perdas na musculatura lisa.13 Algumas medidas são fundamentais
diálise. A vitamina B6 está envolvida na biossíntese do he- para o controle da hipertensão: elevação gradual do he-
700 Conseqüências Hematológicas da Uremia

matócrito, utilização de doses baixas de ERHu, ultrafiltra- ada produção de Epo, porém o estímulo para este aumen-
ção rigorosa na diálise e introdução ou acréscimo de dro- to de produção não está claro. A eritrocitose pós-transplan-
gas anti-hipertensivas. Na fase de manutenção do trata- te é uma condição multifatorial que pode ser encontrada
mento observa-se que alguns pacientes prescindem de me- em 20% dos pacientes após um a dois anos do transplante
dicação anti-hipertensiva, provavelmente pela redução do e afeta aqueles que apresentam fatores predisponentes à
débito cardíaco e adequação da resistência periférica alcan- doença arterial isquêmica, como fumo ou diabetes. O tra-
çada após a correção da anemia. tamento inclui inibidores da ECA ou antagonista do recep-
Os fenômenos trombóticos, especialmente no acesso vas- tor de angiotensina II.
cular, representaram complicação significativa nos primei-
ros estudos com ERHu, porém posteriormente isto foi colo-
cado sob questão. A incidência de trombose vascular não ALTERAÇÕES DA HEMOSTASIA
parece estar associada à resposta hematológica e depende
do tipo de acesso usado, sendo mais freqüente em próteses. Os pacientes portadores de doença renal apresentam
A administração de antiagregantes plaquetários (aspirina, uma maior tendência a sangramento. Os fatores de coagu-
dipiridamol, sulfinpirazona) diminui este problema. lação não se alteram e o número de plaquetas é normal. A
maioria dos problemas deve-se à disfunção plaquetária ou
anormalidades da interação plaqueta-vaso.63 Esta disfun-
Perspectivas ção prolonga o tempo de sangramento e impede a agrega-
Recentemente foi sintetizada a darbepoetina alfa ou ção plaquetária in vitro. Vários mecanismos contribuem
NESP (novel erythropoiesis stimulating protein), análogo da para isto: diminuição da atividade do fator 3 plaquetário,60
ERHu alterado por técnica de recombinação do DNA. O diminuição dos níveis de tromboxano A280 e aumento do
acréscimo de duas cadeias de ácido siálico às já existentes óxido nítrico (NO) (inibidor da agregação plaquetária de-
aumenta a estabilidade e permite atividade biológica três rivado do endotélio vascular).81 A concentração do fator de
vezes maior pela duração da ação nos agentes estimulado- von Willebrand e do fator VIII é normal na uremia, porém
res da eritropoese. Estudos já publicados em pacientes com há alterações nos receptores de membrana plaquetários do
doenças neoplásicas e em renais crônicos demonstram re- fator de von Willebrand que resultam em anormalidades
sultados e efeitos secundários semelhantes aos da ERHu. na interação plaqueta-vaso e tendência ao sangramento.91,93
Doses de 0,45 ␮g/kg em pacientes renais crônicos e 2,25 Existe uma correlação direta entre a redução da adesivi-
␮g/kg em doentes com neoplasia mostraram-se efetivas.64 dade plaquetária e o tempo de sangramento em pacientes
A NESP permite aplicação com intervalos semanais ou urêmicos que melhora com o tratamento dialítico, na mai-
quinzenais e representa um triunfo na síntese de drogas oria dos casos. Alguns relatos referem que a CAPD corri-
pela tecnologia do DNA recombinante. A terapia genética ge mais efetivamente a disfunção plaquetária provavel-
agora estuda maneiras de suplantar a necessidade de ad- mente pelas características mais biocompatíveis da mem-
ministração continuada de ERHu. Em um trabalho expe- brana peritoneal em relação às membranas artificiais da
rimental, em ratos urêmicos, a transferência do gene da Epo HD. O grau de anemia correlaciona-se estreitamente com
humana para mioblastos proporcionou a secreção perma- o prolongamento do tempo de sangramento. Fatores
nente do hormônio e a correção da anemia. reológicos representam um papel importante na relação
entre anemia e disfunção plaquetária. No hematócrito su-
perior a 30% as hemácias ocupam a parte central do vaso e
Ponto-chave: as plaquetas acomodam-se em camadas junto à superfície
• A NESP é um análogo da ERHu, com endotelial vascular, favorecendo a aderência plaquetária
atividade biológica 3 vezes maior, e permite na injúria endotelial. Com hematócrito mais baixo as pla-
quetas estão mais dispersas, impedindo esta aderência. A
administração de doses semanais ou
correção da anemia com ERHu normaliza o tempo de san-
quinzenais
gramento pela influência das hemácias na função plaque-
tária, promovendo aumento da agregação plaquetária es-
pontânea e induzida pelo colágeno,93 e pelo aumento da
ERITROCITOSE adesão plaquetária à célula endotelial. A hemácia influen-
cia as interações plaquetárias pela liberação de substânci-
A eritrocitose (hematócrito acima de 50%) pode ser de- as pró-agregantes, em particular adenosina difosfato
finida como absoluta ou relativa e raramente ocorre em (ADP), que constitui provavelmente o mais importante
pacientes em tratamento dialítico. As condições associadas fator da agregação plaquetária espontânea.90 A ERHu pode
a eritrocitose incluem: doença cística adquirida, hidrone- ter efeito adicional direto melhorando a disfunção plaque-
frose, pielonefrite, carcinoma de células renais, hepatites tária pelo aumento no número de receptores glicoprotéi-
ou hepatoma.22 Nestes casos há uma excessiva e inapropri- cos (GPIIb-IIIa) na superfície plaquetária.34
capítulo 38 701

Outros tratamentos coadjuvantes para sangramento ve protein is a strong predictor of resistance to erythropoietin in he-
modialysis patients. Am. J. Kidney Diseases v. 29, pp. 565-568,1997.
incluem: desmopressina (DDAVP), crioprecipitados e es-
9. BARBOUR, G.L. Effect of parathyroidectomy on anemia of chronic
trógenos. renal failure. Arch. Int. Med., v. 139, pp. 889-891, 1979.
10. BECKMAN, B.S.; BROOKINS, J.W.; SHADDUCK, R.K.; MANGAN,
K.F.; DEFTOS, L.F.; FISHER, J.W. Effect of different modes of dialysis
on serum Erythropoietin levels in pediatric patients. Pediatr. Nephrol.,
ALTERAÇÕES EM LEUCÓCITOS v. 2, pp. 436-441, 1988.
11. BELSHA, C.W.; BREWER, E.D.; BERRY, P.L. Better response to
As alterações na imunidade são em parte responsáveis erythropoietin (Epo) in chronic pediatric PD vs. HD patients: sub-
cutaneous (SC) route or lower serum parathyroid hormone (PTH)
pelo aumento da incidência de infecções que representam
or both. Perit. Dial. Intern., v. 11, pp. 18a, 1991.
a segunda maior causa de mortalidade em pacientes em 12. BESARAB, A.; FLAHARTY, K.K.; ERSLEV, A.J. Clinical pharmaco-
diálise. O número total de leucócitos é normal, porém a logy and economics of recombinant human erythropoietin in end-
contagem diferencial mostra um aumento na proporção de stage renal disease: The case for subcutaneous administration. J. Am.
Soc. Nephrol., v. 2, pp. 1405-1416, 1992.
neutrófilos para linfócitos. A atividade intracelular fago-
13. BRINES, M.L. Erythropoietin crosses the blood-brain barrier to
cítica e microbicida é normal. protect against experimental brain injury. Proc. Nat. Acad. Sci. USA
A leucopenia transitória, que ocorre durante a diálise v 97 pp 10526-10531 2000.
por agregação e seqüestro pulmonar, pode estimular a li- 14. CARLINI, R.; REYES, A.; ALVAREZ, U.I.; ROTHSTEIN, M. Human
recombinant erythropoietin stimulates angiogenesis. J. Am. Soc.
beração de neutrófilos imaturos e contribuir para altera- Nephrol., v. 4, p. 425 A, 1993.
ções funcionais. As membranas dialisadoras sintéticas (po- 15. CARO, J. & ERSLEV, A.J. Uremic inhibitors of erythropoiesis. Sem.
lissulfona e policarbonato, poliacrilonitrila) são mais bio- Nephrol., v. 5, pp. 128-132, 1985.
compatíveis, apresentam baixa ativação do complemento 16. CARO, J. & ERSLEV, A.J. Erythropoietin assays and their use in the
study of anemias. In: Koch, K.M.; Kuhn, K.; Nonast-Daniel, B.;
e reduzem a leucopenia. Os pacientes em diálise têm lin- Scigalla, P. Contributions to Nephrology. Basel:Karger, 1988, v. 66, pp.
fopenia relativa que pode estar relacionada à membrana, 128-132, 1985.
à desnutrição e à deficiência de zinco. 17. CARUSO, U.; LEONE, L.; NAVA, D. Effects of L-carnitine on ane-
Os efeitos da ERHu no sistema imune são conflitantes; mia in aged hemodialysis patients treated with recombinant human
erythropoietin: a pilot study. Dialysis & Transplantation, v. 27 pp. 498-
alguns trabalhos têm mostrado inibição da proliferação das 506.
células T e B in vivo, embora os efeitos mais consistentes 18. CHANDRA, M.; CLEMONS, G.K.; McVICAR, M.; WILKES, B.;
sejam representados pela diminuição de anticorpos reati- BLUESTONE, P.A.; MAILLOUX, L.U.; MOSSEY, R.T. Serum
vos contra painel que poderia melhorar a resposta ao trans- erythropoietin levels and hematocrit in end-stage renal disease: in-
fluence of the mode of dialysis. Am. J. Kidney Dis., v. XII, n. 3, pp.
plante renal.42 208-213, 1988.
19. CHANDRA, M.; MILLER, M.E.; GARCIA, J.E.; MOSSEY, R.T.;
ALGORITMOS — Passlick-Deetjen, J.; Horl, W.; Macdougall, McVICAR, M. Serum immunoreactive erythropoietin levels in pa-
I.; Valderrabano, F.; Mann, J.; Carrera, F.; Marx, A. Reprodução tients with polycystic kidney disease as compared with other hemo-
autorizada. dialysis patients. Nephron, v. 39, pp. 26-29, 1985.
20. CLIBON, U.; BONEWALD, L.; CARO, J.; ROODMAN, G.D. Erythro-
poietin fails to reverse the anemia in mice continuously exposed to
tumor necrosis factor-alpha in vivo. Exp. Hematol, v. 18, pp. 438-441,
1990.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 21. D’ANDREA, A.D.; LODISH, H.F.; WYONG, G.G. Expression
cloning of the murine erythropoietin receptor. Cell, v. 57, pp. 277-
1. ABBUD FILHO, M.; YAMAKI, W.M.; RAMALHO, H.J.; BARBERA- 285, 1989.
TO, J.B.; SALGUEIRO, M.C.; ABDO, M.A.; MESQUITA, R.; BEZAS, 22. DRUEKE, T. Aluminum toxicity in chronic renal failure. J. Nephrol.,
A.G. Seis meses de experiência com uso de eritropoetina em paci- v. 1, pp. 49-57, 1989.
entes hemodialisados. J. Bras. Nefrol., v. 14, pp. 161-165, 1992. 23. EATON, J.W. & LEIDA, M.N. Hemolysis in chronic renal failure.
2. ABREO, K.; BROWN, S.T.; SELLA, M. Correction of microcytosis Sem. Nephrol., v. 5, pp. 133-139, 1985.
following elimination of an occult source of aluminum contamina- 24. ESCHBACH, J.W. & ADAMSON, J.W. Hematologic consequences
tion of dialysate. Am. J. Kidney Dis., v. XIII, n. 6, pp. 465-468, 1989. of renal failure. In: Brenner & Rector, The Kidney. Philadelphia. WB
3. ACKRILL, P.; DAY, J.P.; AHMED, R. Aluminum and iron overload Saunders, 1991, pp. 2019-2036.
in chronic dialysis. Kidney Int., v. 33 (suppl. 24), pp. 163-167, 1988. 25. ESCHBACH, J.W. Erythropoietin: The promise and the facts. Kid-
4. AIKIONBARE, H.A.; WINTERBORN, M.W.; GYDE, O.H. Erythro- ney Intern., v. 45, S44, pp. 70-76, 1994.
poietin in children with chronic renal failure on dialytic and non di- 26. ESCHBACH, J.W. The anemia of chronic renal failure: pathophysi-
alytic therapy. The Int. J. Pediatr. Nephrol., v. 8, pp. 9-14, 1987. ology and the effects of Recombinant Erythropoietin. Kidney Int., v.
5. ALFREY, A.C. Aluminium intoxication. Editorial review. New Engl. 35, pp. 134-148, 1989.
J. Med, v. 310, pp. 113-114, 1984. 27. ESCHBACH, J.W.; ABDULHADI, M.H.; BROWNE, J.K.; DELANO,
6. BANDEIRA, M.F.S. Tratamento da anemia da Insuficiência Renal B.G.; DOWNING, M.R.; ADAMSON, J.W. Recombinant Human
Crônica com Eritropoetina Recombinante Humana. Tese (Mestra- Erythropoietin in anemic patients with end-stage renal disease. Re-
do em Medicina). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1993. sults of a phase III multicenter clinical trial. Annals Int. Med., v. 111,
7. BANDEIRA, M.F.S.; HOETTE, M.; RUZANY, F. Experiência clínica pp. 992-1000, 1989.
com eritropoetina recombinante humana. In: Cruz, J. Coordenação 28. ESCHBACH, J.W. & ADAMSON, J.W. Modern aspects of the patho-
Editorial. Atualidades em Nefrologia 2, São Paulo: Sarvier, 1992, pp. physiology of renal anemia. In: Koch, K.M.; Nonnast-Daniel, B.;
161-175. Scigalla, P. Contributions to Nephrology. Basel:Karger, 1988, v. 66, pp.
8. BARANY, P.; DIVINO FILHO, J.C.; BERGSTRON, J. High C-reacti- 63-65.
702 Conseqüências Hematológicas da Uremia

29. ESCHBACH, J.W.; EGRIE, J.C.; DOWNING, M.R.; BROWNE, J.K.; 46. HEIDENREICH, S.; RAHN, K.H.; ZIDEK, W. Direct vasopressor
ADAMSON, J.W. Correction of the anemia of ESRD with rHuEpo. effect of recombinant human erythropoietin on renal resistance ves-
Results of combined Phase I and II clinical trial. New Engl. J. Med., v. sels. Kidney Int., v. 39, pp. 259-265, 1991.
316, pp. 73-78, 1987. 47. IFUDU, O.; URIBARRIJ.; FRIEDMAN E. Adequacy of dialysis and
30. ESCHBACH, J.W.; HALEY, N.R., EGRIE, J.C.; ADAMSON, J.W. A differences in hematocrit among dialysis facilities. American Journal
comparison of the responses to recombinant human erythropoietin of Kidney Disease, v. 36, pp.1166-1174, 2000.
in normal and uremic subjects. Kidney Int., v. 42, pp. 407-416, 1992. 48. ISHIMURA, E. Diabetes mellitus increases a severity of anemia in non-
31. ESCHBACH, J.W., MLADENOVIC, J.; GARCIA, J.F.; WAHL, P.W.; dialyzed patients with renal failure. J. Nephrol. v.11, pp. 83-86, 1998.
ADAMSON, J.W. The anemia of chronic renal failure in sheep. Res- 49. JABS, K.; HARMON, W.E. Recombinant human erythropoietin the-
ponse to Erythropoietin rich plasma in vivo. J. Clin. Invest., v. 74, pp. rapy in children on dialysis. Advances in Renal Replacement Therapy,
434-441, 1984. v. 3, pp. 24-36,1996.
32. ESCHBACH, J.W. The current concepts of management in chronic 50. JACOBS, A. Iron metabolism. In: Weatherall, D.J.; Ledingham, J.G.G.,
renal failure: impact NKF-DOQI. Semin Nephrol v. 20 pp. 320-29, Warrel, D.A. Oxford Textbook of Medicine, 2 ed. Oxford. Oxford Uni-
2000. versity Press, 1988, pp. 19-79, 1983.
33. FRANKENFIELD, D., for the ESRD CORE INDICATORS WORK- 51. JACOBS, K.; SHOEMAKER, C.; RUDERSDORF, R.; NEILL, S.D.;
GROUP. Anemia management of adult hemodialysis patients in the KAUFMAN, R.J.; MUFSON, A.; SEEHRA, J.; JONES, S.S.; HEWICK,
US: Results from the 1997 ESRD Core Indicators Project. Kidney Int., R.; FRITSCH, E.F.; HAWAKITA, M.; SHIMIZU, T.; MIYAKE, T.
v. 57, pp. 578-589, 2000. Isolation and characterization of genomic and cDNA clones of hu-
34 . FABRIS, F.; CORDIANO, I.; RANDI, M.L.; CASONATO, A.; man erythropoietin. Nature, v. 313, pp. 806-810, 1985.
MONTINI, G.; ZACCHELLO, G.; GIROLAMI, A. Effect of human 52. KOURY, S.T.; BONDURANT, M.C.; KOURY, M.J. Localization of
recombinant erythropoietin on bleeding time, platelet number and erythropoietin synthesizing cells in murine kidneys by in situ hy-
function in children with end stage renal disease maintained by hae- bridization. Blood, v. 71, pp. 524-527, 1988.
modialysis. Ped. Nephrol., v. 5, pp. 225-228, 1991. 53. KOURY, M.J. The role of erythropoietin in the physiological respon-
35. FEINFELD, D.A. The role of parathyroid hormone as a uremic toxin: se to anemia. Erythropoiesis: New Dimensions in the Treatment of Ane-
current concepts. Sem. Dial., v. 5, pp. 48-53, 1992. mia v. 5, pp. 39-45, 1994.
36. FRITSCH, E.F. The molecular biology and biochemistry of erythro- 54. KRANTZ, S.B.; SAWYER, S.T.; SAWADA, K.I. The role of Erythro-
poietin. In: Garnick, M.B. Erythropoietin in Clinical Applications: an poietin in erythroid cell differentiation. In: Koch, K.M.; Nonnast-
International Perspective. New York. Dekker Inc., 1990, cap. 2, pp. 39- Daniel, B.; Scigalla, P. Contributions to Nephrology, Basel:Krager, 1988,
58. v. 66, pp. 25-37.
37. FUKUDA, M.; SASAKI, H.; FUKUDA, M.N. Erythropoietin meta- 55. KREIS, H.; ZINS, B.; NARET, C.; CASADEVALL, N.; GOUREAU,
bolism and the influence of carbohydrate structure. In: Baldamus, Y.; PETERLONGO, F.; VARET, B.; NAJEAN, Y.; JACQUOT, C.;
C.A.; Scigalla, P. Erythropoietin: from Molecular Structure to Clini- DRUEKE, T. Recombinant erythropoietin: personal experience with
cal Applications. Contributions of Nephrology, Basel:Karger, 1989, v. a new treatment for the anemia of chronic renal failure. Transpl. Proc.,
76, pp. 78-89. v. 21 (suppl. 2), n.º 6, pp. 55-61, 1989.
38. GANSER, A.; BERGMANN, M.; VOLKERS, B.; GRUTZ-MACHER, 56. KURTZ, A. Erythropoietin — structure, function, origin. In: Grun-
P.; HOELZER, D. In vitro and in vivo effects of Recombinant Hu- feld, J.P.; Bach, J.F.; Crosnier, J.; Funck Bretano, J.L.; Maxwell, M.H.
man Erythropoietin in human hemopoietic progenitor cells. In: Koch, Advances in Nephrology, Chicago. Year Book Medical Publishers Inc.,
K.M.; Nonnast-Daniel, B.; Scigalla, P. Contributions to Nephrology. 1987, v. 16, pp. 371-378.
Basel:Karger, 1988, v. 66, pp. 123-130. 57. KURTZ, A.; ECKARDT, K.; TANNAHILL, L.; BAUER, C. Regulation
39. GARCIA, C.D.; UHLMANN, A.; PIRES, A.J.; LOSEKANN, A.; of Erythropoietin production. In: Koch, K.M., Nonnast-Daniel, B.;
RUZANY, F.; CAMARGO, E.; ZAGURY, A.; BANDEIRA, M.F. Scigalla, P. Contributions to Nephrology. Basel:Krager, 1988, v. 66, pp.
Análise da resposta ao uso de eritropoetina recombinante humana 1-16.
(rHuEpo). Estudo clínico em crianças com insuficiência renal crôni- 58. KUSHNER, D.S.; BECKMAN, B.; FISHER, J.W. Do polyamines play
ca. XVI Congresso Brasileiro de Nefrologia, Rio de Janeiro, 1992, a role in the pathogenesis of the anemia of end-stage renal disease?
Anais..., v. 1, pp. 12. Kidney Int., v. 36, pp. 171-174, 1989.
40. GOICOECHEA, M.; VASQUEZ, M.I.; RUIZ, M.A. et al. Intravenous 59. LACOMBE, C.; DA SILVA, J.L.; BRUNEVAL, P.; CAMILLERI, J.P.;
calcitriol improves anemia and reduces the needed for erythropoie- BARIETY, J.; TAMBOURIM, P., VARET, B. Identification of tissues
tin in hemodialysis patients. Nephron, v. 78, pp. 23-27. and cells producing Erythropoietin in the anemic mouse. In: Koch,
41. GOLAN, E.; RADNAY, J.; GOLDMANN, J. et al. Relationship be- K.M.; Nonnast-Daniel, B.; Scigalla, P. Contributions to Nephrology.
tween transferrin saturation index and red cell size and haemoglobin Basel:Karger, 1988, v. 6, pp. 17-24.
content in haemodialysis patients. Nephrol. Dial. Transplant, v. 9, pp. 60. LEWIS, J.H.; ZUCKER, M.B.; FERGUSON, J.H. Bleeding tendency
1030-1034, 1994. in uremia. Blood, v. 11, pp. 1073-1076, 1956.
42. GRIMM, P.C.; SINAI TRIEMAN, L.; SEKIDA, N.M.; ROBERTSON, 61. LIMA, E.M. Alumínio na insuficiência renal crônica. Tese (Mestra-
L.S.; ROBINSON, B.J.; FINE, R.N.; ETTENGER, R. Effects of recom- do em Medicina). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 1988.
binant human erythropoietin on HLA sensitization and cell imunity. 62. LIN, F.K.; SUGGS, K.S.; LIN, C.H.; BROWNE, J.K.; SMALLING, R.;
Kidney Int., v. 38, pp. 12-18, 1990. EGRIE, J.C.; CHEN, K.K.; FOX, G.M.; MARTIN, F.; STABINSKY, Z.;
43. GROOPMAN, J.E.; MOLINA, J.M.; SCADDEN, D.T. Hematopoietic BADRAWI, S.M.; LAI, P.H.; GOLDWASSER, E. Cloning and expres-
growth factors: biology and clinical applications. New Engl. J. Med., sion of the human erythropoietin gene. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, v.
v. 321, pp. 1449-1459, 1989. 82, pp. 7580-7584, 1985.
44. GRUTZMACHER, P.; BERGMANN, M.; WEINREICH, T.; NAT- 63. LIVIO, M.; BENIGNI, A.; REMUZZI, G. Coagulation abnormalites
TERMANN, U.; REIMERS, E.; POLLOK, M. Beneficial and adverse in uremia. Sem. Nephrol., v. 5, pp. 82-90, 1985.
effects of correction of anaemia by Recombinant Human Erythro- 64. MACDOUGAL, I.C. Novel erythropoiesis stimulating protein. Se-
poietin in patients on maintenance haemodialysis. In: Koch, K.M.; min. Nephrol., v. 20, pp. 375-381, 2000.
Nonnast-Daniel, B.; Scigalla, P. Contributions to Nephrology. 65. MACDOUGALL, I.C. Optimizing the use of erythropoietic agents
Basel:Karger, 1988, v. 66, pp. 104-113. — pharmacokinetic and pharmacodynamic considerations. Nephrol.
45. HARMON, W.E. & INGELFINGER, J.R. Dialytic management of Dial. Transplant, v. 17, Suppl 5, pp. 66-70.
end-stage renal disease. In: Tune, B.M.; Mendoza, S.; Brenner, B.M.; 66. MAXWELL, P.H.; OSMOND, M.K.; PUGH, C.W. et al. Identificati-
Stein, J.H. Pediatric Nephrology, New York. Churchill Livingstone, pp. on of the renal erythropoietin-producing cells using transgenic mice.
343, 1984. Kidney Int., v. 44, pp. 1149-1153, 1993.
capítulo 38 703

67. MEYTES, D.; BOGIN, E.; MA, C.; DUKES, P.P.; MASSRY, S.E. Effects poietic progenitor cell response. Kidney Int., v. 33, pp. 983-988, 1988.
of PTH hormone on erythropoiesis. J. Clin. Invest., v. 67, pp. 1263- 89. TARNG, D.C.; WEI, Y.H.; HUANG, T.P.; KUO, B.I.T.; YANG, W.C.
1269, 1981. Intravenous ascorbic acid as an adjuvant therapy for recombinant
68. MIYAKE, T.; KUNG, C.K.-H.; GOLDWASSER, E. Purification of erythropoietin in hemodialysis patients with hyperferritinemia. Kid-
Human Erythropoietin. J. Biol. Chem., v. 252, pp. 5558-5564, 1977. ney International, v. 55, pp. 2477-2486, 1999.
69. MLADENOVIC, J. Aluminium inhibits erythropoiesis in vitro. J. Clin., 90. TAYLOR, J.E.; HENDERSON, I.S.; STEWART, W.K. Erythropoietin
v. 81, pp. 1661-1665, 1988. and spontaneous platelet aggregation in hemodialysis patients. Lan-
70. MOVILLI, E.; CANCARINI, G.; ZANI, R. Adequacy of dialysis cet, v. 338, pp. 1361-1362, 1991.
reduces the doses of recombinant erythropoetin independently from 91. TAYLOR, J.E.; BELCH, J.; McLAREN M.; STEWART W. Effect of
the use of biocompatible membranes in haemodialysis patients. Ne- Erythropoietin therapy and withdrawal on blood coagulation and
phrol Dial Transplant, v. 16 pp. 111-114, 2001. fibrinolysis in hemodialysis patients. Kidney Intern., 44:182-190, 1993.
71. MUIRHEAD, N.; CATTRAN, DC.; ZALTZMAN, J. Safety and 92. TEEHAN, B.P.; SIGLER, M.H.; BROWN, J.M.; BENZ, R.L.;
efficacy of recombinant human erythropoietin in correcting the ane- GILGORE, G.S.; SCHLEIFER, C.R.; MORGAN, C.M.; GABUZOA,
mia of patients with chronic renal allograft dysfunction. J. Am. Soc. T.G.; KELLY, J.J.; FIGUEROA, W.G.; PETERSON, D.D. Hematologic
Nephrol., v. 5, pp. 1216-1222, 1994. and physiologic studies during correction of anemia with Recom-
72. MUNTZEL, M.; HANNEDOUCHE, T., DRUEKE, T.B. Erythropoie- binant Human Erythropoietin in predialysis patients. Transpl. Proc.,
tin increases blood pressure in normotensive and hypertensive rats. v. 21 (suppl. 2), pp. 63-66, 1989.
Nephron, v. 65, pp. 601-604, 1993. 93. VIGANO, G.; BENIGNI, A.; MENDOGNI, D. Recombinant human
73. NAKASHIMA, J.; OHIGASHI, T.; BROOKINS, J.W. et al. Effects of erythropoietin to corrrect uremic bleeding. Am. J. Kidney Dis., v. 18,
5´-N-ethylcarboxamida adenosine (NECA) on erythropoietin pro- pp. 44-49, 1991.
duction. Kidney Int., v. 44, pp. 734-740, 1993. 94. WARADY, B.A.; SABATH, R.J.; SMITH, C.; ALON, U.; HELLERS-
74. NISSENSON, A.R. National cooperative ERHu erythropoetin stu- TEIN. Recombinant Human Erythropoietin therapy in pediatric
dy in patients with chronic renal failure. A phase IV multicenter patients receiving long-term peritoneal dialysis. Ped. Nephrol., v. 5,
study. Am. J. Kidney Dis., v. XVIII, s. 1, pp. 24-33, 1991. pp. 718-723, 1991.
75. ORKINS, S. Apoptosis cutting red cell production. Nature, v. 401, 95. WATSON, A.J. Adverse effects of therapy for the correction of ane-
pp. 433-436, 1999. mia in hemodialysis patients. Sem. Nephrol., v. 9 (suppl. 1), pp. 30-
76. PAGANINI, E.P. Overview of anemia associated with chronic re-
34, 1989.
nal disease: primary and secondary mechanisms. Sem. Nephrol., v. 9
96. WINEARLS, C.G. Treatment of anemia in hemodialysis patients wi-
(suppl. 1), pp. 3-8, 1989.
th Recombinant Erythropoietin. Nephron, v. 51 (suppl. 1), pp. 26-28,
77. PAUL, P.; ROTHMANN, S.A.; McMAHAN, J.T.; GORDON, A.J.
1989.
Erythropoietin secretion by isolated rat Kupffer cells. Exp. Hematol.,
97. WINEARLS, C.G.; OLIVER, D.O.; PIPPARD, M.J.; REID, C.;
v. 12, p. 825, 1984.
DOWNING, M.R.; COTES, M.P. Effect of Human Erythropoietin
78. RADTKE, H.W.; REGE, A.B.; La MARCHE, M.B.; BARTOS, D.;
derived from recombinant DNA on the anemia of patients maintai-
CAMPBELL, R.A.; FISHER, J.W. Identification of spermine as an
ned by chronic hemodialysis. The Lancet, v. 22, pp. 1175-1178, 1986.
inibitor of erythropoiesis in patients with chronic renal failure. J. Clin.
Invest., v. 67, pp. 1623-1629, 1980.
79. RAO, D.S.; SHIH, M.; MOHINI, R. Effect of serum parathyroid hor-
mone and bone marrow fibrosis on the response to erythropoietin
in uremia. New Engl. J. Med., v. 328, pp. 171-175, 1993. BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
80. REMMUZZI, G.; BENIGNI, A.; DOSESINI, P. Reduced platelet
thromboxane formation in uremia. Evidence for a functional Dialysis Outcomes Quality Initiative: DOQI becomes K/DOQI and is
cyclooxygenase defect. J. Clin. Invest., v. 71, pp. 762-768, 1983. Updated. American Journal of Kidney Diseases — v. 37, pp.179-194, 2001.
81. REMMUZZI, G.; PERICO, N.; ZOJA, C. et al. Role of endothelium- DOQI Clinical practice guidelines. Nal Kidney Foundation Anemia Ma-
derived nitric oxide in the bleeding tendency of uremia. J. Clin. Invest., nagement, 1997.
v. 86, pp. 1768-1772, 1990. NKF-DOQI Clinical Practices Guidelines for Peritoneal Dialysis Adequa-
82. RIGDEN, S.P.A.; MONTINI, G.; MORRIS, M.; KLARK, K.G.A.; cy. American Journal of Kidney Diseases — v. 30 (suppl. 2), pp. 88-89, 1997.
HAYCOCK, G.B.; CHANTLER, C.; HILL, R.C. Recombinant human Appendix I: European Best Practice Guidelines for the management of
erythropoietin therapy in children maintained by haemodialysis. anemia in patients with chronic renal failure. Nephrol. Dial. Transplant.,
Ped. Nephrol., v. 4., pp. 618-622, 1990. v. 14 (Suppl. 14), 1999.
83. ROMÃO JUNIOR, J.E.; ABENSUR, H.; DRAIBE, S.A.; BANDEIRA, Diretrizes da Sociedade Brasileira de Nefrologia para a condução da ane-
F.; RUZANY, F.; LOWEN, J.; RIELLA, M.C.; EVANGELISTA mia na Insuficiencia Renal Crônica. Jornal Brasileiro de Nefrologia, v. 22
JUNIOR, J.B.; CAMPOS, H.; SABBAGA, E. Uso da eritropoetina re- (Supl. 5), 2000.
combinante humana no tratamento da anemia do paciente em he-
modiálise: Um estudo multicêntrico. Rev. Assoc. Med. Bras., v. 38, n.
2, pp. 57-61, 1992.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
84. ROSENLOF, K.; FYLQUIRST, F.; TENHUNNEN, R. Erythropoietin, Agency for Healthcare Research and Quality (formerly the
aluminum and anaemia in patients on hemodialysis. Lancet, v. 335,
pp. 247-249, 1990. Agency for Health Care Policy and Research—AHCPR),
85. SANTOS, F.; MASSIE, D.M.; CHAN, J.C.M. Risk factors in Evidence Report/Technology Assessment: Number 29.
aluminum toxicity in children with chronic renal failure. Nephron, Use of Epoetin for Anemia in Chronic Renal Failure. The
v. 42, pp. 189-195, 1986. Evidence Report is available online at http://hstat.nlm.
86. SCHARER, K. & MULLER WIEFEL, D. Hematological complicati-
ons. In: Holliday, M.A.; Barrat, T.M.; Vernier, R.L. Pediatric Nephro- nih.gov/hq/Hquest/screen/DirectAccess/db/3667 or
logy. Baltimore. Williams & Wilkins, 1987, pp. 880-887. can be downloaded as a zipped file from http://www.
87. SCHARER, K.; KLARE, B.; BRAUN, A. et al. Treatment of renal ane- ahrq.gov/clinic/evrptfiles.htm#epoetincrf.
mia by subcutaneous erythropoietin in children with preterminal http://www.kidney.org/general/atoz/content/epo.html
chronic failure. Acta Paediatr., v. 82, pp. 953-958, 1993.
88. SEGAL, G.M.; ESCHBACH, J.W.; EGRIE, J.C.; STUEVE, T.; http://www.amgen.com/news/aranespmedia/crf.html
ADAMSON, J.W. The anemia of end-stage renal disease hemato- http://www.kidney.org/professionals/doqi/guide-
704 Conseqüências Hematológicas da Uremia

lineindex.cfm — National Kidney Foundation. DOQI Gui- http://www.renalweb.com/topics/out-hematocrit/


delines. hematocrit.htm
http://www.medscape.com/pages/editorial/ate/ http://www.hdcn.com/
public/index/470 http://www.anemiainstitute.org/general/resource-01-
http://www.orthobiotech.com/newsroom/nephro- 07.htm
logy.html
Capítulo
O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

39 Edison Matos Nóvak e Lineu Cesar Werneck

INTRODUÇÃO COMPLICAÇÕES DO TRANSPLANTE RENAL E DA


COMPLICAÇÕES DA INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA E IMUNOSSUPRESSÃO
CRÔNICA Neoplasias
Encefalopatia urêmica Infecções
Neuropatia urêmica Mielinose pontina central
Miopatia urêmica Doença vascular encefálica
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE Neurotoxicidade por drogas
Mononeuropatia por fístula artério-venosa Encefalopatia por rejeição
Síndrome do desequilíbrio Neuropatias
Hematoma subdural BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Encefalopatia de Wernicke ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Síndrome diálise-demência
Déficit cognitivo agudo

RELACIONADAS À DIÁLISE:
INTRODUÇÃO Mononeuropatia por fístula artério-venosa
Síndrome do desequilíbrio
O Sistema Nervoso Central (SNC) e o Sistema Nervoso
Hematoma subdural
Periférico (SNP) são particularmente vulneráveis e compro-
Encefalopatia de Wernicke
metidos nos doentes portadores de Insuficiência Renal (IR),
Síndrome diálise-demência
seja esta aguda (IRA) ou crônica (IRC), bem como sujeitos a
várias complicações decorrentes dos diferentes tipos de tra- RELACIONADAS AO TRANSPLANTE RENAL E IMUNODEPRES-
tamento. Várias das manifestações deste comprometimen- SÃO:
to se assemelham àquelas verificadas em outras condições Neoplasias do SNC
mórbidas, especialmente as tóxicas e metabólicas. Obser- Infecções do SNC
vam-se quadros clínicos neurológicos precoces, e mesmo Mielinose pontina central
com conduta adequada o SNC e o SNP são afetados. Doença vascular encefálica
Para os fins de abordagem clínica, é adequado dividir Neurotoxicidade por drogas
as complicações neurológicas em: Encefalopatia por rejeição
Neuropatias periféricas
RELACIONADAS À DOENÇA BÁSICA (URÊMICAS):
Encefalopatia Neste capítulo serão comentados os principais aspectos
Neuropatia destas complicações e, ao seu final, estarão relacionados
Miopatia artigos e capítulos de livros que são úteis como leitura
706 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

adicional e complementar, mesmo que não utilizados na te ocorram interações entre os sintomas, que podem tam-
elaboração deste texto. Os eventos clínicos serão aborda- bém ser dependentes de outras condições mórbidas pré-
dos conforme a classificação anterior, que os relaciona com vias (Quadro 39.1). De qualquer forma, não devemos nos
a doença ou tratamento e não com o local de comprometi- basear na distribuição destes sinais e sintomas para classi-
mento. ficar a encefalopatia em sua maior ou menor gravidade,
mas sim usá-los como indicadores de melhora ou piora de
um determinado doente. É importante considerar a possi-
Pontos-chave:
bilidade de haver concomitância de outras doenças que
• Vulnerabilidade acentuada do SNC e do podem também afetar o SNC e, associando-se com a IR,
SNP às modificações orgânicas da IR modificar a apresentação clínica da encefalopatia.
• Comprometimento dos dois sistemas, por Freqüentemente a evolução é mais rápida e os sintomas
vezes simultaneamente, com graduações são mais insidiosos, pouco exuberantes, e costumam estar
presentes na IRC. Sinais neurológicos focais podem estar
diferentes e variação de intensidade
presentes em qualquer das duas fases da IR, sejam devi-
• Formas diferentes de acometimento que, em dos a lesões prévias (por exemplo, hemiparesia por infar-
algumas ocasiões, são detectadas apenas no to lacunar) ou por isquemia relativa da zona de fronteira.
exame clínico/neurológico Com a estabilização e involução da IR, as manifestações
neurológicas podem regredir totalmente, mas com veloci-
dade e intensidade imprevisíveis.
COMPLICAÇÕES DA Os sintomas iniciais costumam ser pouco expressivos e
comuns a uma grande série de condições clínicas, como
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA E fadiga desproporcional à atividade física ou mental, apa-
CRÔNICA tia, modificação da atenção e da memória, alterações com-
portamentais (inquietude, irritabilidade, transtornos do
sono), tremores de mãos e anorexia. Com a progressão da
Encefalopatia Urêmica encefalopatia, outras funções cognitivas passam a ficar al-
Trata-se de uma forma de encefalopatia metabólica po- teradas, como a dificuldade do raciocínio abstrato, surgem
limórfica que ocorre nos portadores de IRA ou IRC e não é sinais de envolvimento do lobo frontal (paratonia, reflexos
relacionada com o tratamento destas condições. Costuma palmo-mentoniano, glabelar não inibido, de sucção e naso-
ser mais grave e evoluir rapidamente nos doentes com a labial) e acentuam-se os sinais e sintomas previamente
IRA, tendo apresentação variada, com flutuação dos sinais existentes. Em fases mais avançadas ocorre estado confu-
e sintomas na intensidade e freqüência em períodos de sional, crises convulsivas, mioclonias, asteríxis e sinal de
horas ou dias. Os sinais e sintomas, comuns a qualquer Babinski bilateral. Pode ocorrer meningismo com hiperpro-
encefalopatia metabólica, podem ser subdivididos confor- teinorraquia de níveis tão elevados quanto 1 g/ml e
me a gravidade do dano encefálico, embora freqüentemen- pleiocitose com predomínio de leucócitos monomorfonu-

Quadro 39.1 Divisão dos sinais e sintomas na encefalopatia urêmica


LEVE MODERADA GRAVE
Anorexia Vômitos Pruridos
Náuseas Lentidão de movimentos Desorientação têmporo-espacial
Insônia Fadiga Confusão mental
Inquietude Sonolência Comportamento bizarro
Tremor de extremidades Inversão do ciclo de sono Fala arrastada
Redução da atenção Emotividade variável Hipotermia
Redução do interesse sexual Manifestações paranóides Mioclonias
Incapacidade para organizar pensamentos Redução das funções cognitivas Asteríxis
Incapacidade de abstração Convulsões
Redução do desempenho sexual Torpor
Coma
capítulo 39 707

cleares. Em torno de 45% dos doentes com esta encefalo- partir da disfunção da neurotransmissão mediada pela
patia apresentam hemiparesia alternante e outros sinais de alteração do nível de cálcio no córtex cerebral, bloqueio
disfunção dos tratos longos (hiper-reflexia, hipertonia, si- dos canais de cloro pelo acúmulo de metabólitos (guani-
nal de Babinski unilateral). Estupor e coma podem insta- dina, ácido guanidinossuccínico e metilguanidina) e re-
lar-se em qualquer fase, podendo sofrer variação na inten- dução do consumo de oxigênio, determinando redução
sidade no decurso de horas ou dias. na atividade metabólica cortical. Experimentos com mo-
Certos detalhes clínicos merecem destaque, como os dificações do nível de cálcio cortical, por paratireoidec-
sintomas psíquicos que não devem ser intempestivamen- tomia em animais com insuficiência renal, e a lentificação
te subvalorizados mas sim atentamente identificados e do ritmo cortical do eletroencefalograma induzida pelo
graduados para serem úteis no acompanhamento clínico. paratormônio indicam um forte papel do mesmo na en-
Entre os diagnósticos diferenciais, devemos lembrar a sín- cefalopatia urêmica. Com o agravamento da disfunção
drome de desequilíbrio, síndrome diálise-demência, com- renal entram em cena outros agentes neurotóxicos, como
plicações do transplante renal e da diálise crônica, bem o alumínio, que, se somados aos já citados, podem pro-
como outras doenças que também afetam o SNC. vocar alterações histopatológicas como a formação de pla-
A importância da condição encefalopática estimula uma cas amilóides. Esta situação promove a irreversibilidade
avaliação clínica sempre muito criteriosa e para tanto é útil de alguns sinais e sintomas com a evolução e cronifica-
comentar sobre alguns sinais cuja detecção permite um ção da doença de base.
diagnóstico mais precoce: Os exames subsidiários algumas vezes são úteis apenas
Tremor de Extremidades. Provavelmente um dos sinais para auxiliar no diagnóstico diferencial e afastar outras
mais precoces, precede o asteríxis, é grosseiro e irregular, encefalopatias metabólicas, hematoma subdural, hipoxe-
ausente ao repouso, pode ser exacerbado pela hiperexten- mia por insuficiência cardíaca ou por broncopneumopatia
são dos braços, pela tensão quando se tenta escrever ou e efeitos adversos de drogas. O nível de azotemia tem pou-
segurar objetos. ca relação com o grau do comprometimento neurológico,
Asteríxis. É freqüentemente detectável nas condições de e outros exames laboratoriais devem ser realizados na in-
envolvimento difuso do SNC como em qualquer encefa- vestigação básica de uma encefalopatia. O eletroencefalo-
lopatia metabólica e portanto não exclusivo das condições grama vai mostrar modificações úteis no diagnóstico e
de uremia. Pode ser provocado nos membros superiores acompanhamento, como a lentificação do ritmo cerebral,
por meio da hiperflexão dorsal da mão com os dedos tam- especialmente nas regiões frontais e com intensidade va-
bém estendidos, ocorrendo então movimentos alternantes riável, onde predominam ondas delta e teta. Estas altera-
de flexão-extensão da mão (flapping). Nos membros infe- ções são mais intensas na IRA e menos na IRC, tendo cor-
riores pode ser induzido através da semiflexão dos mem- relação entre o nível sérico de creatinina. A porcentagem
bros inferiores e mantendo-se os pés apoiados no leito; após de ondas lentas com menos de 7 Hz ocorre no distúrbio
alguns segundos se iniciam movimentos repetitivos de metabólico sobre o SNC, sendo possível encontrar comple-
abdução/adução das coxas. Também pode desencadear- xos ponta-onda na ausência de sinais clínicos de atividade
se o reflexo através da flexão dorsal do pé, quando todo o epiléptica em pequena porcentagem de casos. O exame do
membro inferior está estendido e é elevado a 30°-45°; ocor- líquido cefalorraquiano pode mostrar dados sugerindo
rem então movimentos de flexão plantar e dorsal alterna- uma meningite asséptica, porém este exame só deve ser
dos. A presença de asteríxis é tão importante que o seu efetuado após exclusão de hipertensão intracraniana (he-
surgimento pode sugerir a necessidade de diálise. matoma subdural ou hemorragia cerebral intraparenqui-
Mioclonias. A mioclonia multifocal é também um in- matosa). Finalmente, os exames de imagem como a tomo-
dicador de encefalopatia metabólica e é caracterizada por grafia computorizada e a ressonância magnética podem
abalos musculares bruscos, erráticos, de localizações vari- nos auxiliar especialmente para a exclusão de lesões estru-
adas. Podem gradativamente ficar mais intensos e freqüen- turais, mas devemos lembrar que podem ocorrer também
tes, sendo mais habituais nos doentes em torpor ou coma. alterações inespecíficas como a atrofia cerebral. A ressonân-
Convulsões. As crises convulsivas costumam ser gene- cia magnética também não traz alterações definidas e pró-
ralizadas e quando surgem as do tipo focal deve-se suspei- prias da IR, podendo ser registradas alterações reversíveis
tar de lesão estrutural. Note-se que também surgem con- nos núcleos da base, cápsula interna e substância branca
vulsões por desordens metabólicas (intoxicação hídrica, periventricular.
hipocalcemia, hipomagnesemia), encefalopatia hipertensi- O tratamento desta condição implica duas abordagens
va ou síndrome do desequilíbrio. fundamentais: a da doença básica com os meios mais in-
A fisiopatologia da encefalopatia urêmica ainda não dicados e da encefalopatia propriamente dita. Deve ser
está totalmente esclarecida, pois ela é multifatorial e com- dada especial atenção para a correção lenta das anormali-
plexa, sendo que os indicadores clínicos se relacionam dades bioquímicas, já que o SNC possui uma labilidade
com o índice de filtração glomerular abaixo de 10% do significativa às alterações bruscas. Pode haver agravamen-
normal. Provavelmente há uma seqüência de eventos a to do quadro neurológico com dano potencial irreversível
708 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

com medidas intempestivas de correção acelerada das al- poupados os neurônios aferentes pouco mielinizados e as
terações metabólicas. Quando ocorrem crises convulsivas, fibras amielínicas. A lesão axonal modifica o fluxo neuro-
recomenda-se o uso de medicamentos com metabolismo trófico e há inviabilidade para a manutenção da integrida-
hepático, com a fenitoína, carbamazepina ou ácido valprói- de da bainha de mielina, apesar das células de Schwann
co, com uso menos freqüente de fenobarbital. Qualquer das manterem-se íntegras. Ocorrem modificações paranodais
drogas deve ter sua dose monitorada clínica e laboratori- e retração da mielina, com formação de glóbulos (ovóides),
almente, se necessário, e sugere-se o fracionamento da dose deixando as bainhas de mielina mais estreitas e com dis-
total diária. As manifestações clínicas costumam não regre- tâncias internodais menores. Considerando a evidência de
dir completamente mesmo com normalização da função que a neuropatia periférica só vai ocorrer se houver índice
renal. Os sintomas mais persistentes incluem aqueles re- de filtração glomerular abaixo de 12 ml/min, presume-se
lacionados com funções cognitivas, como apatia, déficit que provavelmente o acúmulo de moléculas neurotóxicas
variável de memória, alterações do sono, da atenção e da com peso molecular entre 300 e 2.000 dáltons (diálises mais
retenção de informações. lentas) seriam os agentes etiológicos desta neuropatia. A
intensidade da neuropatia não pode ser relacionada, até o
presente, com o nível sérico de qualquer substância. Exem-
Pontos-chave: plos destas substâncias são a guanitidina, as poliaminas,
• A encefalopatia urêmica tem representação os derivados do fenol, o mioinositol e o paratormônio. A
clínica variável na ocorrência e intensidade inibição enzimática de transcetolase e sódio/potássio
dos sinais e sintomas, podendo modificar-se ATPase vem sendo também estudada para se explicar a
fisiopatologia destes eventos.
no espaço de horas ou poucos dias, nos
A difusão dos procedimentos dialíticos na década de
moldes de uma encefalopatia metabólica de 1960 e conseqüente maior sobrevida dos doentes fez com
outra origem que a neuropatia periférica se tornasse mais evidente e mais
• Em aproximadamente 45% dos doentes limitante na qualidade de vida destes doentes, tornando
poderão ocorrer sinais focais, como alguns deles incapacitados para deambulação. A suspeita
hemiparesia alternante de que a diálise pudesse exacerbar ou ser um fator predis-
• Os sinais e sintomas podem ser ponente para o surgimento da neuropatia não se confirmou
manifestação precoce da Insuficiência e, pelo contrário, a intensificação na freqüência da diálise
Renal, seja aguda ou crônica e conseqüente maior estabilização da IR foi acompanhada
de regressão parcial da neuropatia. Também o aumento do
• Deve ser dada especial atenção à correção
número de transplantes renais, recuperação da função re-
lenta das anormalidades metabólicas, para
nal e normalização dos distúrbios metabólicos promove a
não agravar o dano no Sistema Nervoso gradativa recuperação dos sintomas desta neuropatia.
Central A sintomatologia clínica dependerá da duração e etio-
logia da IR, assim como da existência de outras doenças
associadas, como diabete e etilismo, que podem também
Neuropatia Urêmica provocar concomitante lesão de nervos periféricos por
Esta complicação é a mais freqüente da IR, ocorrendo mecanismos diferentes. Ocasionalmente pode haver neu-
em mais de 70% dos doentes adultos com a forma crônica, ropatia autonômica e neuropatia craniana (alterações no
mas é pouco comum em crianças. O quadro clínico pode facial e no vestíbulo-coclear, com perdas auditivas parci-
ser o motivo do atendimento médico, e a investigação da ais ou totais e zumbidos). O comprometimento neuropá-
etiologia define a disfunção renal. A neuropatia urêmica tico é evidenciado precocemente nos membros inferiores
já havia sido mencionada por Charcot em 1877 e por Osler pela redução da sensibilidade vibratória distal e hiporre-
em 1892, mas foram Sorel e Caffort que a definiram como flexia aquiliana, que evolui para arreflexia aquiliana e hi-
entidade específica em 1936. Em 1962, Hausmanowa- porreflexia patelar, com maior comprometimento das mo-
Petrusewicz e colaboradores demonstraram a redução da dalidades vibratória, senso de posição e sensibilidade tác-
velocidade de condução nervosa periférica nos pacientes til. Surge astenia muscular predominando nos membros
com uremia, caracterizando então a existência de neuro- inferiores distalmente; dificuldade de marcha, atrofia mus-
patia subclínica. cular, alterações de fâneros e equilíbrio instável. Curiosa-
O primeiro estudo anátomo-patológico foi feito em 1963 mente os homens são mais afetados que as mulheres. O
por Asbury e colaboradores, caracterizando a lesão dos quadro clínico também vai depender de manejo clínico e
nervos periféricos, demonstrando desmielinização e des- do tratamento indicado (conservador, diálise peritoneal e
truição dos cilindros-eixo destes nervos. A análise morfo- hemodiálise ou na fase pós-transplante renal).
lógica dos nervos comprometidos mostra que há predile- Em síntese, clinicamente podemos considerar que a
ção por axônios de maior diâmetro, sendo relativamente neuropatia periférica classicamente tem:
capítulo 39 709

1. Predomínio distal e nos membros inferiores, simétrica, freqüência de 128 ou de 256 Hz e facilmente identifica-se
sensitiva e motora. esta alteração, freqüente e precoce da lesão de nervo peri-
2. No início há sensação de queimação nos pés, com pre- férico. A redução desta percepção é nitidamente maior nas
domínio noturno; fraqueza principalmente da flexão porções distais dos membros inferiores, da mesma forma
dorsal dos pés; hiporreflexia aquiliana; graus variáveis que todos os outros sinais da neuropatia.
de hipoestesia táctil e hipoestesia vibratória. Sensibilidade Táctil. As alterações desta forma de sen-
3. A progressão está relacionada com a falta de controle sibilidade, como sua redução (hipoestesia, queixa de amor-
de doença básica, que irá evoluir para paresia progres- tecimento), modificação da qualidade (como parestesia,
siva e ascendente até extrema fraqueza, sempre flácida formigamentos, “pés queimantes”) e aumento na forma de
e com arreflexia profunda; anestesia táctil e dolorosa e hiperestesia plantar com dor, chamam muito a atenção,
acentuada redução da sensibilidade profunda. embora tenham etiologias múltiplas. A sensibilidade para
o tato deve sempre ser pesquisada com algodão, cotonete
A freqüência dos principais sinais e sintomas varia con-
forme a série de estudo, como o realizado no nosso meio ou pequenos pincéis.
(Quadro 39.2). Sinais e Sintomas Motores. A fraqueza muscular dis-
tal nos membros inferiores se caracteriza precocemente
Devido à relevância destes sinais e sintomas, cabe co-
pela queixa de tropeços freqüentes, pois a musculatura ti-
mentar algumas de suas peculiaridades:
bial anterior, responsável pela flexão dorsal dos pés, é a
“Pés Queimantes”. É caracterizado por uma sensação
mais notadamente afetada. O doente tem também certa
bastante desconfortável de ardência nos pés, predominante
à noite, durante o sono, buscando o doente aliviar o des- dificuldade para subir escadas pelo mesmo motivo. O gru-
conforto com imersão dos pés em água fria ou com outras pamento muscular posterior das pernas é também compro-
metido, mas como há maior massa muscular, a fraqueza
medidas.
ocorre mais tarde. No entanto, a arreflexia aquiliana é uma
Senso de Vibração. Esta modalidade de sensibilidade
evidência da alteração motora (via eferente do reflexo)
faz parte do grupo de propriocepção e é registrada a par-
conjugada com a sensitiva (via aferente). No exame físico
tir de receptores nas extremidades, com detecção de vibra-
ções na faixa entre 30-50 e 800 Hz e transmissão através encontra-se mais facilmente fraqueza do músculo exten-
das fibras A␤ para o cordão posterior da medula espinal. sor do hálux por seu menor volume, e com a evolução da
Assim, na prática pode ser pesquisada com diapasão com neuropatia a fraqueza torna-se mais pronunciada também
nos outros músculos. Há atrofia muscular distal, hiporre-
flexia patelar e naturalmente marcha neuropática.
Outros Sintomas e Sinais. A redução do senso de posi-
Quadro 39.2 Freqüência de sinais e sintomas em ção, outra das modalidades de propriocepção, é responsá-
pacientes com polineuropatia urêmica, conforme o vel pela queixa de desequilíbrio à marcha e dificuldade
tipo de tratamento (Werneck e cols., 1979, com para andar em ambiente com pouca luz (quando inquiri-
permissão.) (Adaptado de Werneck L.C. e cols.) do objetivamente, o doente diz evitar levantar à noite por
sentir insegurança para andar e mesmo já ter tido quedas).
Sinal/Sintoma Freqüência (%) O exame neurológico vai evidenciar a alteração objetiva
Redução do senso de vibração 79 desta sensação e com a pesquisa do equilíbrio (sinal de
nos MI Romberg presente). A queixa de câimbras, freqüentemen-
Hipoestesia distal para tato 70 te noturnas e predominante nos membros inferiores, é
devida mais a disfunções metabólicas da própria insufici-
Câimbras 67
ência renal, já que costuma regredir rapidamente com a
Parestesia distal nos membros 58 correção destes distúrbios. As “pernas inquietas”, sensa-
inferiores
ção de extremo desconforto nos membros inferiores que
Redução da força muscular distal 58 ocorre predominantemente à noite, obriga o doente a le-
nos membros inferiores
vantar-se e a andar para obter alívio temporário, sendo
Hipoestesia distal para dor 48 também relacionada com neuropatias periféricas em geral.
“Pernas inquietas” 39 O diagnóstico de neuropatia periférica é clínico e usu-
Hiperestesia plantar dolorosa 33 almente não é indicada investigação eletrofisiológica. Caso
“Pés queimantes” 33 esta seja realizada, será constatada a presença dos seguin-
tes elementos:
Fasciculações 30
Redução da Velocidade de Condução Nervosa Moto-
Hiporreflexia profunda nos 30 ra e Sensitiva. Existe uma relação direta da velocidade com
membros inferiores
o grau de comprometimento renal, melhorando e pioran-
Redução do senso de posição nos 3 do conforme esta disfunção também se modifique. A ve-
membros inferiores
locidade de condução motora está alterada em 98% dos
710 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

casos no nervo fibular, em 85% no nervo mediano e em 83% lineuropatia periférica, assim como a neuropatia do VIII par
no nervo ulnar. A velocidade de condução sensitiva tam- craniano (hipoacusia ou surdez), também costumam cessar
bém está reduzida, mas o nervo sural é o que mais eviden- em até dois anos após o transplante.
cia a disfunção.
Alterações Motoras. A eletromiografia mostra desiner-
vação crônica (padrão neuropático) com a musculatura dis-
Pontos-chave:
tal tendo maior grau de envolvimento, podendo ser identi- • A neuropatia periférica é a complicação
ficadas fibrilações que indicam desinervação recente. mais freqüente da IRC, sendo muitas vezes
Outros dados podem ser registrados, como a redução
subclínica e com variação na
da amplitude do potencial de ação muscular, aumento da
sintomatologia, que é sensitiva e motora
latência das ondas F e do reflexo H, com alterações do po-
tencial evocado somatossensitivo. principalmente com nítido predomínio nos
O exame do líquido cefalorraquiano raramente é reali- membros inferiores e distalmente
zado, pois costuma estar normal quando somente a neu- • Os sintomas e sinais sensitivos abrangem as
ropatia periférica estiver presente. Caso seja executado e queixas de ardência nos pés, parestesia e
estejam presentes alterações, estas provavelmente se rela- redução de sensibilidade superficial e
cionam à encefalopatia urêmica ou a outras complicações profunda
concomitantes do SNC. • Os sintomas e sinais motores incluem
A biópsia de nervo periférico, especialmente do nervo
fraqueza muscular especialmente para
sural ou de um fascículo do nervo fibular superficial, tam-
flexão dorsal dos pés e dificuldade de
bém não é rotineiramente feita, sendo reservada para si-
tuações de investigação muito restrita. marcha
O tratamento da neuropatia urêmica é sintomático para • A melhora da função renal é acompanhada
aqueles sintomas passíveis de melhora com intervenção te- de regressão em grau variável do quadro
rapêutica adicional aos da doença básica. A hiperestesia clínico da neuropatia. Medicamentos
dolorosa, os “pés queimantes” e “pernas inquietas” podem podem aliviar alguns sintomas
ser aliviados com o uso de gabapentina, carbamazepina,
fenitoína, ácido valpróico, valproato e divalproato de sódio,
topiramato, amitriptilina e agonistas dopaminérgicos. Este Miopatia Urêmica
último atualmente é a primeira escolha nas “pernas inquie-
tas”, sendo que cada uma dessas medicações tem resposta Esta é uma condição clínica menos freqüente que a neu-
variável conforme o paciente, devendo a dose ser ajustada ropatia, sendo inclusive discutida a sua existência. A ocor-
individualmente. Deve ser lembrada a possibilidade de as- rência aumentou com a maior sobrevida dos doentes pela
sociação dos sintomas por déficit de vitamina B12 e, se con- evolução dos meios de tratamento, portanto sendo associ-
firmada a presença desta condição por dosagem da substân- ada com a insuficiência renal crônica. A apresentação clí-
cia no sangue periférico, sua correção por administração nica é a de fraqueza muscular proximal especialmente nos
parenteral auxiliará na melhora dos sintomas. As alterações membros, com o detalhe de ser associada com dor óssea e
motoras podem ser melhoradas com fisioterapia e uso de muscular, como ocorre no hiperparatireoidismo e na oste-
calçados apropriados. Todavia, pela relação direta da neu- omalácia. Podem ocorrer sinais de hiperexcitabilidade
ropatia com a IR e variabilidade dos sintomas conforme o muscular e não deve ser esperada atrofia muscular eviden-
nível da alteração renal, é fundamental o controle da insufi- te como em outras miopatias. Quando ocorre, quase sem-
ciência para a estabilização e melhora da neuropatia perifé- pre está associada a neuropatia urêmica, ficando difícil
rica. O início de diálise costumeiramente é acompanhado de imputar os sintomas unicamente ao envolvimento muscu-
melhora nos sintomas da neuropatia, embora permaneçam lar primário. Os reflexos profundos estão normais ou até
as alterações eletrofisiológicas. A hemodiálise e diálise peri- mesmo exaltados, se não estiver presente concomitante-
toneal ambulatorial contínua (CAPD) têm a mesma eficá- mente neuropatia periférica importante. Estes dados suge-
cia neste controle. O transplante renal promove regressão rem hiperexcitabilidade muscular pela modificação do
total dos sintomas da neuropatia na grande maioria dos do- metabolismo do cálcio.
entes, exceto naqueles em que as lesões dos nervos periféri- A fisiopatologia deste quadro também é complexa, com
cos foram muito acentuadas. O grupo dos sintomas e sinais interações de fatores metabólicos que incluem hipocalce-
sensitivos habitualmente regride em dias ou semanas e os mia, hiperfosfatemia, redução nos níveis de 1,25-diidroxi-
quadros motores regridem posteriormente. Nos três primei- colecalciferol, deficiência de carnitina nos dialisados e au-
ros meses após o transplante há maior recuperação e nos 9 mento do paratormônio. Este último aumenta a proteólise
a 12 meses seguintes a regressão é mais lenta. As neuropa- e diminui o aporte muscular de ATP, provocando redução
tias autonômicas, menos relevantes e significativas que a po- da produção de energia e desgaste muscular.
capítulo 39 711

A investigação laboratorial mostra, além das alterações do nervo mediano. Raramente isto pode ser encontrado nos
de cálcio, fósforo e paratormônio, que a creatinofosfoqui- doentes que fazem hemodiálise por muitos anos, devido
nase e outras provas de destruição muscular estão normais ao acúmulo de material amilóide no túnel do carpo. Os
na maioria dos casos. A eletromiografia não é específica, sintomas são de parestesias no território de distribuição
podendo ocorrer redução discreta da duração dos poten- sensitiva do nervo mediano na mão.
ciais motores ou aumento, devido à concomitância de neu-
ropatia. A biópsia muscular apresenta alterações pouco
específicas, como atrofia de fibras tipo 2, fibras anguladas Ponto-chave:
atróficas e aumento de lipídios nas fibras tipo 1 (possível • A mononeuropatia pela fístula artério-
deficiência de carnitina nos dialisados). Todos esses dados venosa e a síndrome do túnel do carpo
são inespecíficos, podendo ocorrer em um grande núme- podem ocorrer com parestesias
ro de doenças, principalmente causados por imobilização,
principalmente e limitadas à mão
fatores metabólicos e fase inicial de desinervação.
O tratamento desta miopatia pode incluir altas doses
de vitamina D, útil em alguns casos, pois esta substância
diminui a capacidade de ligação do cálcio ao complexo tro- Síndrome do Desequilíbrio
ponina e acelera a síntese protéica, aumentando a concen- O equilíbrio da osmolaridade dos espaços intra- e ex-
tração de ATP no músculo. Além disto, o controle do tracelular encefálicos é muito frágil e a diálise pode deter-
hiperparatireodismo e a correção das alterações metabó- minar sintomas pelo acúmulo de água no parênquima. Este
licas provocadas por esta disfunção podem ser úteis. É im- fenômeno já é reconhecido desde a década de 1960, com
portante citar que o uso de colchicina nestes portadores os sintomas ocorrendo principalmente nos doentes com IR
de IR crônica pode também provocar uma miopatia gra- em grau avançado e quando a diálise é efetuada rapida-
ve e portanto deve-se evitar este medicamento nesta con- mente. A fisiopatologia, como indica o próprio nome da
dição. síndrome, implica a instalação de um gradiente osmótico
pela mobilização da água, entre o interior dos capilares
Pontos-chave: encefálicos e dos astrócitos. Ocorre mais em crianças e ido-
sos e geralmente os sintomas se iniciam no final da diálise
• Condição menos freqüente que a ou algumas horas após o seu término. O sintoma mais fre-
neuropatia, é caracterizada por fraqueza qüente é cefaléia difusa e pulsátil, de intensidade variável.
muscular proximal, dor óssea e muscular, Os doentes que têm hemicrania sofrem agravamento de
com reflexos profundos normais ou suas crises neste período de diálise. Pode ocorrer estado
hiperativos confusional leve, câimbras e náuseas, e se há maior gravi-
• A correção do hiperparatireoidismo e dos dade surgem mioclonias, delirium, crises convulsivas ge-
neralizadas, papiledema, aumento da pressão intra-ocular
seus efeitos metabólicos pode aliviar os
e arritmias cardíacas, todos em decorrência da hipertensão
sintomas intracraniana instalada. Este quadro clínico pode ser pre-
venido com as diálises mais lentas e, se um doente mesmo
assim tiver redução do nível da consciência, deve ser ex-
COMPLICAÇÕES DA DIÁLISE cluída outra complicação, como hematoma subdural, aci-
dente vascular cerebral ou infecções do SNC. A investiga-
ção complementar através de exames de imagem pode ser
Mononeuropatia por Fístula
indicada para excluir outras patologias.
Artério-Venosa
A instalação de fístula artério-venosa para diálise pode Pontos-chave:
provocar alterações nos nervos periféricos próximos. A
diferença de pressão gerada pela fístula pode determinar • Síndrome do desequilíbrio é muito
síndrome de roubo sanguíneo nos nervos, embora estas facilmente identificável nos doentes nos
estruturas sejam bastante resistentes à isquemia. O sinto- quais é realizada diálise muito rapidamente
ma principal desta condição é parestesia na forma de quei- • Os sintomas são de cefaléia, leve confusão
mação e excepcionalmente disfunções motoras limitadas mental, câimbras e náuseas e, num
à mão e ao antebraço. crescendo de gravidade, convulsões,
Outra complicação é síndrome do túnel do carpo secun- mioclonias, papiledema e arritmias
dária ao aumento da pressão venosa distal, com edema
cardíacas
intersticial deste compartimento anatômico e compressão
712 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

Hematoma Subdural Pontos-chave:


A ocorrência de hematoma subdural nos doentes em • Esta lesão encefálica é provocada pela
hemodiálise pode ser registrada em 1,0% a 3,3%, sendo deficiência de tiamina e relaciona-se com
encontrado em todas as faixas etárias. Os fatores que con-
condições predisponentes como síndromes
tribuem para sua instalação são os distúrbios da coagula-
ção relacionados à uremia e o uso de anticoagulantes du-
disabsortivas, desnutrição por ingestão
rante o procedimento dialítico. É incomum a preexistên- deficiente ou por anorexia, gastrectomia ou
cia de traumas cranianos, sendo que 20% são hematomas etilismo
bilaterais e os sintomas podem ser flutuantes e com varia- • Quadro clínico compreende oftalmoplegia,
ções diárias. Podem ocorrer sinais focais como hemipare- nistagmo, ataxia de tronco e delirium, e o
sias, hemiplegias, ataxia, ou sintomas semelhantes aos da tratamento com administração de tiamina
encefalopatia urêmica. O diagnóstico diferencial inclui a promove regressão total dos sintomas
própria encefalopatia urêmica, síndrome do desequilíbrio
e doença vascular encefálica. A confirmação do diagnósti-
co é feita com exames de imagem, especialmente tomogra-
Síndrome Diálise-Demência
fia computorizada do crânio, e o tratamento é cirúrgico,
apesar da possibilidade de recorrência. A primeira descrição desta síndrome foi feita por Alfrey
et al em 1972, sendo também encontradas as citações de
encefalopatia de diálise, encefalopatia mioclônica progres-
Pontos-chave:
siva por diálise e encefalopatia por hemodiálise. Sua pre-
• Hematoma subdural pode ser devido a valência varia conforme a origem dos casos, ocorrendo 600
distúrbios de coagulação e uso de casos para 100.000 diálises (0,6 a 1,0% dos pacientes dia-
anticoagulantes lisados). Ocorre quase exclusivamente nos doentes subme-
tidos a diálise crônica, embora haja relatos de ocorrência
• 20% são hematomas bilaterais e os sintomas
em crianças sem diálise. Progride para a morte entre 6 e 9
podem ter flutuações diárias
meses após o início dos sintomas, se não for feito o diag-
• A tomografia computadorizada do crânio nóstico e adequadamente tratada.
deve ser feita para confirmação diagnóstica A sua etiologia não está definida, mas há fortes indícios
e exclusão de outras doenças que de que o acúmulo de alumínio no córtex cerebral seja o
mimetizam este quadro agente desencadeador do quadro, já que este elemento está
com nível muito mais elevado no tecido cerebral dos do-
entes com a síndrome do que naqueles que não a desen-
Encefalopatia de Wernicke volvem, mesmo em diálise crônica. Estudos realizados nos
últimos anos, baseados em uma distribuição geográfica
A encefalopatia de Wernicke, provocada pela deficiência diferenciada da ocorrência desta síndrome, mostram cla-
de tiamina e conseqüente bloqueio no ciclo de Krebs no ramente que há um componente ambiental envolvido, já
encéfalo, tem sido relatada poucas vezes nos doentes com que 92% dos casos da síndrome diálise-demência ocorre-
IR. A tiamina é solúvel em água e portanto facilmente ram em situações quando foi utilizada água não tratada,
dialisável, mas provavelmente sua extração e eliminação no contra apenas 6% nos ambientes com uso de água
dialisado não são maiores que a eliminação pela urina nas deionizada para a diálise (Associação Européia de Diálise
condições normais de funcionamento renal. Assim, deve e Transplante). Primeiramente foram registradas altas con-
haver reposição preventiva da tiamina por via parenteral, centrações de estanho e rubídio no cérebro dos doentes com
quando forem identificadas situações clínicas que predispo- a síndrome e posteriormente de alumínio. As conclusões
nham o desencadeamento da síndrome, tais como síndro- são de que a redução do teor de alumínio na água por os-
mes disabsortivas, desnutrição por ingestão deficiente ou mose reversa, para menos de 20 ␮g/ml, previne a doença.
por anorexia, gastrectomia ou etilismo. As manifestações Apesar destes cuidados, esporadicamente podem ocorrer
clínicas desta síndrome são oftalmoplegia, nistagmo, ataxia alguns casos e que são relacionados com a absorção cutâ-
de tronco e delirium, mas nos doentes renais crônicos este nea do alumínio contido em preparações medicamentosas.
quadro pode estar incompleto ou acrescido de outros sinais Não se sabe qual o mecanismo fisiopatológico pelo qual o
pela concomitância de encefalopatia urêmica, síndrome do alumínio interfere nas funções neuronais, mas supõe-se
desequilíbrio ou síndrome diálise-demência. O tratamento que seja por interferência no metabolismo enzimático, re-
é feito com administração de tiamina e, se precoce, promo- dução de função microtubular, ligação com DNA ou mo-
ve regressão total dos sinais neurológicos. A falta de trata- dificação nas funções dos neurotransmissores. Indepen-
mento pode determinar lesões irreversíveis no SNC. dente do fator citado, pode-se supor que outros agentes
capítulo 39 713

estejam envolvidos na gênese deste quadro clínico, tais lantes não são usados, pois podem inclusive piorar a con-
como infecções do SNC por vírus lentos e príons ou hidro- dição clínica.
cefalia de pressão normal.
Há três formas de subdivisão desta entidade clínica:
Pontos-chave:
1. forma esporádica, onde não se encontra relação direta
com o alumínio, tendo distribuição mundial e nenhum • A participação de metais pesados,
tratamento estabelecido; especialmente alumínio, e eventuais
2. forma epidêmica, com aglomeração geográfica e fre- infecções por vírus lentos, príons ou
qüentemente relacionada com os níveis de alumínio e hidrocefalia podem fazer parte da gênese
de outros metais, como zinco, manganês, cobalto, mag- deste quadro
nésio e ferro na água do dialisado; a epidemia geralmen- • Há três formas clínicas reconhecidas, todas
te cessa com a mudança no suprimento de água ou com com quadro clínico de disartria, apraxia de
a utilização de água deionizada;
fala, voz arrastada, tartamudez e disgrafia;
3. forma infantil, sem relação definida com lesão do SNC
especialmente por alumínio e que talvez seja decorrente
apatia e depressão e com a evolução
de efeitos inespecíficos da uremia em cérebros imaturos. psicose, demência, abalos mioclônicos e
crises convulsivas
O quadro clínico se apresenta como uma encefalopa-
• O tratamento consiste na substituição da
tia, com disartria, apraxia de fala, voz arrastada, tartamu-
dez e disgrafia em até 95% dos casos. Também no início o água de diálise, uso de diazepínicos e de
doente pode tornar-se apático e deprimido. Seguem-se al- quelantes, especialmente desferrioxamina.
terações de raciocínio e de concentração, amnésia para Este último faz com que o alumínio,
fatos comuns, dificuldades nas tarefas rotineiras e piora formando um composto dialisável, reverta o
acentuada da fala. Progredindo, aparecem alterações de quadro, mesmo necessitando do tratamento
personalidade, psicose, demência, abalos mioclônicos e prolongado
crises. Os sinais, intermitentes em crescendo, pioram com
as diálises e nos estádios finais o doente está afásico e
imóvel.
Para a investigação complementar, o exame mais útil é Déficit Cognitivo Agudo
o eletroencefalograma, com alterações típicas que podem Recentemente têm sido conduzidas pesquisas que mos-
preceder em até seis meses os sinais clínicos. Estas altera- tram a ocorrência de déficit cognitivo agudo ou delirium,
ções consistem em surtos de ondas lentas mescladas com mensurado por testes específicos, que ocorrem durante ou
ondas de potencial elevado, com projeção difusa e bilate- imediatamente após a sessão de diálise. Estes sintomas
ral, predominando nas regiões anteriores do cérebro. Es- estão relacionados com as alterações metabólicas e hemo-
tes surtos duram entre 1 e 3 segundos, repetem-se freqüen- dinâmicas importantes que ocorrem durante a diálise, e
temente e podem variar conforme a fase pré- ou pós-dialí- doenças outras preexistentes, como diabete, microangio-
tica. O exame também se modifica com o tratamento pre- patia cerebral e hipertensão arterial, podem contribuir para
coce. Não é habitual a realização de exames de imagem ou a sua instalação. Costuma ser reversível, mas existe risco
de líquido cefalorraquiano, pois não contribuem para o de déficit cognitivo permanente devido à somatória dos
diagnóstico. Eventualmente, tais exames podem ser indi-
cados para diagnóstico diferencial com outras complica-
ções da doença básica. A dosagem sérica do alumínio tam- Pontos-chave:
bém não auxilia na confirmação do diagnóstico devido à • As fístulas artério-venosas podem
ampla variação dos níveis deste elemento. determinar lesões de nervos periféricos por
O tratamento tem resultados variáveis conforme o es-
alterações no fluxo sanguíneo dos nervos
tádio da doença e conforme a sua forma de apresentação,
com a substituição da água de diálise, uso de diazepínicos
• As diálises determinam alterações
e de quelantes, especialmente desferrioxamina. O alumí- metabólicas a curto prazo (síndrome do
nio liga-se avidamente a proteínas plasmáticas e portanto desequilíbrio, déficit cognitivo agudo,
é difícil de dialisar. Para contornar este problema, é admi- encefalopatia de Wernicke) e estruturais a
nistrado dexferrioxamina, que possui grande afinidade longo prazo (hematoma subdural e
pelo alumínio, formando um composto com peso molecu- síndrome diálise-demência)
lar de 600, que é removido pela diálise. Este tratamento • O diagnóstico precoce evita déficits
deve ser semanal, podendo durar até um ano para propor- permanentes
cionar uma recuperação clínica lenta. Outros agentes que-
714 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

danos ao SNC determinados pelas doenças citadas anteri- Infecções


ormente. Foi identificado algum grau de déficit cognitivo
leve persistente (35%) e demência (26%) nestes doentes, o As infecções que atingem o SNC nos receptores do trans-
que pode explicar mudanças comportamentais progressi- plante estão apresentadas em capítulo próprio desta obra.
vas nas fases entre as diálises. No momento não existe tra- Cabe-nos comentar algumas peculiaridades em relação ao
tamento definido ou forma de evitar tal processo. Sistema Nervoso:

Infecções Fúngicas
COMPLICAÇÕES DO A criptococose é a mais freqüente no nosso meio, poden-
do manifestar-se na forma meningítica ou meningoence-
TRANSPLANTE RENAL E DA falítica. Predominam os sintomas de hipertensão intracra-
IMUNOSSUPRESSÃO niana subaguda ou crônica.
A aspergilose ocorre como a segunda forma mais fre-
Aproximadamente 30% dos receptores de transplante qüente e pode apresentar-se de forma aguda, como um
renal poderão ter complicações neurológicas. Estas podem evento circulatório do SNC pela invasão e oclusão vascu-
ser brandas e transitórias ou graves ao nível de letalidade lar, ou de forma subaguda, em que o quadro clínico é o de
pela complicação em si e não pela IR que motivou este tra- hipertensão intracraniana, já que provoca abscessos úni-
tamento. Entre estas encontramos: cos ou múltiplos.
A candidíase no Sistema Nervoso geralmente faz parte
de uma infecção generalizada e cursa clinicamente como
Neoplasias meningite aguda ou subaguda, eventualmente com absces-
A neoplasia mais importante a ser considerada é a lin- sos ou meningoencefalite.
foproliferativa. Existe incidência maior de linfomas não-
Hodgkin do Sistema Nervoso Central nos receptores de Infecções Virais
transplante renal do que na população em geral. Podem Os vírus imunomoduladores são responsáveis tanto por
desenvolver-se precocemente nos primeiros três meses infecções do SNC como por reduzirem mais ainda a imu-
após o transplante ou até o final do primeiro ano. Parecem nodepressão. Neste grupo se destacam o citomegalovírus,
originar-se nos linfócitos B, raramente nos linfócitos T, e o herpes simples e o vírus de Epstein-Barr. Todos ocasio-
têm aspecto histológico semelhante ao dos linfomas sistê- nam meningoencefalite e podem favorecer outras infecções
micos. Um terço a metade destes linfomas são cerebrais oportunistas por fungos ou bactérias.
supratentoriais, com localização preferencial pelas áreas
periventriculares e septais. Manifestam-se clinicamente por Bactérias e Protozoários
sintomas de hipertensão intracraniana associados com al- Eventualmente podem ser encontradas infecções por
terações cognitivas (memória) e distúrbios de comporta- toxoplasmose no SNC e infecções bacterianas.
mento. Em 40% dos casos há envolvimento meníngeo, com
cefaléia e alterações liquóricas. Alguns poucos casos podem
ter localização ocular e medular. A investigação comple- Mielinose Pontina
mentar é feita com tomografia computadorizada ou resso- Central
nância magnética do crânio, ambas mostrando lesões hi-
podensas ou isodensas e que são ressaltadas com adminis- Esta condição clínica grave não é encontrada somente
tração de contraste. A forma meníngea pode determinar no transplantado renal, mas em qualquer situação de hi-
aumento da proteína do liquor e hipercitose por linfócitos. ponatremia acentuada (geralmente entre 90 e 120 mEq/L)
A biópsia, preferentemente estereotáxica, das lesões nodu- cuja correção foi muito rápida. Trata-se de um processo de
lares confirma o diagnóstico. O tratamento com quimiote- desmielinização aguda não-inflamatória na ponte, provo-
rapia e radioterapia é paliativo, mas deve ser realizado cando alteração da consciência, tetraplegia e paralisia pseu-
especialmente para a forma meningítica, combinado com dobulbar. O diagnóstico é confirmado pela ressonância
a instilação intratecal de quimioterápicos. magnética do encéfalo, mostrando uma imagem com as-
pecto de asa de morcego na ponte e sendo poupadas as
regiões laterais da mesma. Para evitar esta complicação, é
Ponto-chave:
recomendado que a correção da hiponatremia ocorra na
• A neoplasia mais comum é o linfoma, com razão de até 12 mEq/L nas primeiras 24 horas e até 20
manifestações de hipertensão intracraniana mEq/L nas 48 horas seguintes. Se não for feito o diagnós-
associadas com alterações cognitivas e de tico a tempo e o paciente não for tratado, irá evoluir para
comportamento ou envolvimento meníngeo uma síndrome de encarceramento. Nesta síndrome existe
interrupção entre a medula espinhal e nervos cranianos,
capítulo 39 715

sendo preservados unicamente os da motilidade ocular e Neurotoxicidade por


sensibilidade da face. O indivíduo recobra a consciência,
mas não pode comunicar-se ou movimentar os membros. Drogas
Responde só com os movimentos oculares. Os efeitos deletérios das drogas imunossupressoras so-
bre o Sistema Nervoso são considerados algumas das mais
comuns complicações do transplante. Duas drogas em es-
Ponto-chave:
pecial merecem algum detalhamento:
• A mielinose pontina central é provocada Corticoesteróides. Esta substância pode provocar mio-
pela correção rápida de hiponatremia patia, sintomas psíquicos como psicose, ansiedade, estados
acentuada. Ocorre alteração da consciência, confusionais e distimia, e a sua retirada pode promover
tetraplegia e paralisia pseudobulbar. síndrome composto de cefaléia, febre e lassidão.
Ciclosporina. Este agente é o mais danoso, podendo
Ressonância magnética confirma um
determinar complicações neurológicas em 15 e 40% dos
processo desmielinizante na ponte. O doentes. Há relação direta entre o nível sérico da substân-
tratamento consiste sempre na correção cia e os agravos neurológicos e sabe-se que algumas cir-
lenta da hiponatremia cunstâncias podem favorecer o surgimento destes qua-
dros: irradiação craniana prévia, hipocolesterolemia, hipo-
magnesemia, uso de antibióticos ␤-lactâmicos, níveis ele-
Doença Vascular Encefálica vados de alumínio, corticosteróides em altas doses, hiper-
tensão arterial não controlada e uremia. O doente pode ter
A ocorrência de doenças vasculares encefálicas, espe- tremor de extremidades, convulsões, hemiparesia,
cialmente infartos de dimensões variadas, ocorre em 9,5% paraparesia, tetraparesia ou neuropatia sensitiva. Mais
dos doentes que recebem transplante renal e estima-se que recentemente tem sido descrito um quadro que foi deno-
entre 3 e 12% dos óbitos nos transplantados decorra de minado de encefalopatia posterior reversível, que surge em
eventos circulatórios do SNC. As suas causas mais comuns transplantados em geral que recebem ciclosporina ou
são a hipertensão arterial não controlada após o transplan- tacrolima. Caracteriza-se pelo desencadeamento de cefa-
te, diabete, policitemia, dislipidemia, hiperviscosidade léia, vômitos, confusão mental, convulsões e cegueira cor-
sérica e deficiência de antitrombina III devido à proteinú- tical, a partir de elevação brusca e intensa da hipertensão
ria. Algumas destas causas não têm relação direta com o arterial. A ressonância magnética do crânio mostra exten-
transplante em si, mas com outros fatores de risco gerais sas áreas de edema nas regiões posteriores dos hemisféri-
para doença vascular. A conhecida associação de rim os cerebrais. O tratamento consiste na redução da dose do
policístico com aneurisma cerebral pode ser geradora de imunossupressor e tratamento decisivo da hipertensão
hemorragia subaracnóidea por ruptura destes aneurismas. arterial, e a recuperação é então muito boa. Críticos da
A sintomatologia é a habitual das doenças vasculares do existência deste quadro como uma entidade clínica distin-
SNC: instalação súbita de um déficit neurológico focal, ta a comparam com a encefalopatia hipertensiva e a neu-
com ou sem redução do nível de consciência, para os in- rotoxicidade da ciclosporina, que trazem mesma sintoma-
fartos. Cefaléia súbita, freqüentemente com náuseas/vô- tologia.
mitos e redução do nível da consciência para a hemorra-
gia subaracnóidea. O exame de eleição para a confirma-
Pontos-chave:
ção do diagnóstico é a tomografia computorizada do crâ-
nio, e o tratamento deve ser aquele preconizado pelos • A ciclosporina é o mais importante agente
Grupos de Consenso. de complicação neurológica, que ocorre
em 15 a 40% dos doentes. Há fatores
Pontos-chave: predisponentes e o quadro clínico poderá
ser de tremor de extremidades,
• Pode ocorrer especialmente infarto cerebral convulsões, déficits motores focais ou
numa incidência variável e pode ser a causa neuropatia sensitiva. Mais importante
de óbito. O quadro clínico é o habitual dos pela gravidade é a encefalopatia,
acidentes vasculares de qualquer origem clinicamente muito semelhante à
• São causas comuns hipertensão arterial, encefalopatia hipertensiva
diabete, policitemia, dislipidemia, entre • Corticosteróides podem provocar
outras, e o tratamento é o convencional para miopatia, alterações psíquicas e síndrome
esta condição de retirada
716 O Sistema Nervoso na Insuficiência Renal

cephalogram in acute uremia: effects of parathyroid hormone and


Encefalopatia por Rejeição brain electrolytes. J Clin Invest 1975; 55: 738-740.
JAGADHA, V.; DECK, J.H.N.; HOLLIDAY, W.C.; SMYTH, H.S.
Costuma ser mais freqüente em jovens e 80% dos casos Wernicke’s encephalopathy in patients on peritoneal dialysis or hemo-
ocorrem dentro de três meses do transplante, mas até dois dialysis. Ann Neurol 1987; 21: 78-84.
anos após a cirurgia é possível registrá-la. Caracteriza-se JACK, R.; RABIN, P.L.; McKINNEY, T.W. Dialysis encephalopathy: a
clinicamente pelo surgimento de convulsões, cefaléia, con- review. Int J Psychiatry Med 1984; 13: 309-326.
LOOKWOOD, A.H. Neurologic complications of renal disease. Neurol
fusão mental, junto com os sintomas sistêmicos da rejeição. Clin 1989; 7: 617-627.
Os exames subsidiários, úteis para excluir outras complica- MURRAY, A.M.; TUPPER, D.E.; MILLER, W.; HOCHHALTER, A. Acu-
ções, não mostram alterações específicas. Há provável rela- te variation in cognitive function in dialysis patients. Neurology 2002;
ção dos sintomas com a liberação de citocinas no processo 58 (supl 3): A 183.
NÓVAK, E.M.; de QUADROS, A.; HEINIG, M.E. Manifestações neuro-
de rejeição. O prognóstico é bom, sendo necessário apenas lógicas na insuficiência renal. Ver Bras Neurol 2000; 36(4): 97-102.
tratamento sintomático para o quadro neurológico. PAOLA, D.; WERNECK, L.C.; MULINARI, A.S.; LAFITTE, A. Diálise-
demência. Arq Neuropsiquiat 1980; 28: 278.
PATCHELL, R.A. Neurological complications of organs transplantation.
Ponto-chave: Ann Neurol 1994; 36: 600-703.
RASKIN, N.H.; FRISHMAN, R.A. Neurologic disorders of renal failure
• O quadro clínico é o de convulsões, cefaléia, II. N Eng J Med 1976; 294: 204-210.
confusão mental e sintomas sistêmicos de RAO, V.K. Posttransplant medical complications. Surg Clin North Am
1998; 78: 113-132.
rejeição. Há bom prognóstico, com THADANI, R.; PASCUAL, M.; BONVENTRE, J.V. Acute renal failure. N
tratamento sintomático do quadro Engl J Med 1996; 334: 1448-1460.
WERNECK, L.C.; NÓVAK, E.M. Manifestações neurológicas da insufi-
neurológico ciência renal. In: Riella, M.C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hi-
droeletrolíticos, 3.ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1996, p. 487-
493.
WERNECK, L.C.; MULINARI, A.S.; LAFFITE, A.; KESIKOWSKI, L.B.
Neuropatias Uremic polyneuropathy: clinico-eletroneurographic study of 36 cases.
Arq Neuropsiquiatr 1979; Dec. 37(4):356-72.
Podem ocorrer dois tipos de lesão de nervos periféricos
relacionáveis ao transplante renal: ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Neuropatia por Compressão. Durante o ato cirúrgico
pode haver compressão pelo instrumental médico ou por http://www.aan.com — Página da American Academy
posicionamento prolongado, especialmente dos nervos fe- of Neurology.
moral e cutâneo lateral da coxa. A recuperação é geralmen- http://www.neurology.org/ — Revista oficial da Ame-
te boa, independente de qualquer medida terapêutica. rican Academy of Neurology.
Neuropatia do Doente Crítico. Esta condição é vista em http://archneur.ama-assn.org/ — Revista Archives of
doentes graves e acamados por período prolongado, ge- Neurology.
ralmente com infecções e síndrome disabsortiva. Há com- http://neuro-www.mgh.harvard.edu/ — Página do Ser-
prometimento especialmente motor, com atrofia muscular viço de Neurologia do Massachusetts General Hospital em
intensa e difusa. Boston (USA).
http://neuro-www.mgh.harvard.edu/forum/ — Forum
em Neurologia do Mass General, Boston, Harvard Medi-
cal School, USA.
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA http://www.ion.ucl.ac.uk/ — Instituto de Neurologia, In-
ANTONIAZZI, A.L.; BIGAL, M.E.; BORDINI, C.A.; SPECIALI, J.G.
glaterra.
Headaches in patients with chronic renal failure under hemodialysis http://jnnp.bmjjournals.com/ — Journal of Neurology,
treatment: a prospective study. Neurology 2002; 58 (supl 3): A 288. Neurosurgery & Psychiatry.
ADAMS, H.P.; DAWSON, G.; COFFMAN, T.J.; CORRY, R.J. Stroke in http://www.uic.edu/depts/mcne/founders/ — Founders
renal transplant recipients. Arch Neurol 1986; 43: 113-115.
ALFREY, A.C.; LeGENDRE, G.R.; KAEHNY, W.D. The dialyses encepha-
of Neurology, University of Illinois, Chicago,USA.
lopathy syndrome: possible aluminium intoxication. N Eng J Med 1976; http://www.emedicine.com/neuro/cover.htm — eMedi-
294: 184-188. cine-Neurology.
BURN, D.J.; BATES, D. Neurology and the kidney. J Neurol Neurosurg and http://link.springer.de/link/service/journals/00415/ —
Psychiatry 1998; 65: 810-821.
Official Journal of The European Neurological Society.
FRASER, C.L.; ARIEFF, A.I. Nervous system complications and uremia.
Ann Intern Med 1988; 109: 143-153. http://www.co-neurology.com/ — Current Opinion in
GUISALDO, R.; ARIEFF, A.I.; MASSARI, S.G. Changes in the electroen- Neurology.
Capítulo
Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

40 Aluizio Barbosa de Carvalho e Vanda Jorgetti

INTRODUÇÃO RADIOLOGIA E OUTROS MÉTODOS DE IMAGEM


Classificação da osteodistrofia renal Radiologia
FISIOPATOLOGIA DO HIPERPARATIROIDISMO Ultra-sonografia
SECUNDÁRIO Cintilografia
Distúrbios do cálcio Tomografia computadorizada
Déficit de vitamina D Ressonância nuclear magnética
Distúrbios do fósforo HISTOLOGIA
Resistência óssea ao PTH Tipos histológicos da osteodistrofia renal
Citocinas e osteodistrofia renal PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA OSTEODISTROFIA RENAL
FISIOPATOLOGIA DA OSTEOMALÁCIA Quelantes de fósforo
Defeito de mineralização óssea Análogos da vitamina D
FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA ADINÂMICA Calcimiméticos
Etiopatogenia da doença adinâmica Paratiroidectomia
FISIOPATOLOGIA DA INTOXICAÇÃO ALUMÍNICA Deferoxamina
Toxicidade nos tecidos-alvo REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
QUADRO CLÍNICO-LABORATORIAL BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Laboratório na osteodistrofia renal ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

dialítico e o transplante renal prolongaram, de maneira


INTRODUÇÃO expressiva, a sobrevida do paciente com IRC. Este aumen-
to de sobrevida permitiu que se observasse a doença ós-
A osteodistrofia renal (OR) pode ser considerada uma sea em toda a exuberância de sua manifestação.
das mais graves complicações entre as que acometem pa- O conhecimento das alterações bioquímicas e hormonais
cientes com insuficiência renal crônica (IRC). O termo OR da osteodistrofia revelou a relação complexa entre o para-
é utilizado de forma genérica para definir as desordens tormônio (PTH), o metabólito ativo da vitamina D (calci-
esqueléticas secundárias às alterações do metabolismo do triol) e o metabolismo do cálcio e fósforo. A elevação dos
cálcio e do fósforo, bem como aos distúrbios da remodela- níveis de PTH e o déficit de calcitriol são detectados já nas
ção óssea, caracterizados pelo desacoplamento do proces- fases incipientes da IRC. No decorrer da IRC, distúrbios
so fisiológico contínuo de reabsorção e formação do teci- metabólicos, como hiperfosfatemia e hipocalcemia, podem
do ósseo. ser observados conjuntamente àquelas alterações hormo-
A associação entre insuficiência renal e doença óssea, nais. Durante o tratamento dialítico, esses distúrbios são
conhecida desde o final do século XIX, pôde ser melhor mais evidentes, podendo sofrer a interferência de intoxi-
compreendida nos últimos 40 anos, quando o tratamento cações por metais como alumínio, ferro e estrôncio. O
718 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

melhor entendimento dos mecanismos de ação do PTH e


calcitriol, tanto a nível celular como molecular, tornou-se FISIOPATOLOGIA DO
possível graças à descoberta de receptores desses hormôni- HIPERPARATIROIDISMO
os presentes em células-alvo. Recentemente, a clonagem de
um receptor de membrana sensível ao cálcio, presente na SECUNDÁRIO
glândula paratiróide e em outros tecidos, possibilitou um
O hiperparatiroidismo secundário é uma complicação
enorme avanço na compreensão da fisiopatologia da osteo-
freqüente em pacientes com IRC, que se caracteriza pela
distrofia renal, assim como na terapêutica dessa patologia.
hiperplasia das glândulas paratiróides e hipersecreção de
A fisiopatologia da OR é bastante complexa, e as altera-
PTH. O hiperparatiroidismo secundário é causa da prin-
ções clássicas do metabolismo do cálcio e fósforo, bem
cipal desordem esquelética — a osteíte fibrosa — que ocor-
como do PTH e calcitriol, não explicam completamente
re na IRC. Sua prevalência tem aumentado nos últimos
todos os achados encontrados nessa patologia. Assim sen-
anos, graças ao maior controle da intoxicação alumínica.
do, outros fatores decorrentes da IRC e que atuam na re-
Além disso, devido à melhora da qualidade de diálise e,
modelação óssea têm sido descritos.
conseqüentemente, ao maior tempo de permanência dos
As conhecidas alterações do sistema citocinas, presen-
pacientes nesse tipo de tratamento, formas mais graves da
tes na IRC, trouxeram novas perspectivas para o entendi-
doença têm ocorrido, contribuindo para o aumento da
mento da fisiopatologia da OR. Inicialmente conhecidas
morbi-mortalidade do tratamento dialítico.
como moléculas regulatórias da resposta imunológica, com
O desenvolvimento do hiperparatiroidismo secundário
atividades anti- e pró-inflamatórias, as citocinas também
inicia-se precocemente no curso da IRC, sendo resultante
atuam no processo de remodelação óssea. Assim, agem na
basicamente do déficit de vitamina D e das anormalidades
proliferação, diferenciação e ativação das principais célu-
nos receptores de cálcio e calcitriol das paratiróides. Com
las do tecido ósseo, o osteoblasto e o osteoclasto, respon-
o avançar da IRC, a hiperfosfatemia torna-se um importan-
sáveis, respectivamente, pela formação e reabsorção ósse-
te fator adicional no desenvolvimento da doença. A com-
as. Dessa forma, em estados patológicos como na OR, es-
plexa inter-relação desses fatores conduz à hipocalcemia,
sas citocinas podem participar dos distúrbios da remode-
que é o principal determinante da hipersecreção do PTH e
lação óssea presentes nessa patologia.
da proliferação de células das paratiróides.

Classificação da Osteodistrofia Renal Distúrbios do Cálcio


O diagnóstico da OR baseia-se nos achados clínicos e O receptor de cálcio, presente nas paratiróides, ocorre
laboratoriais. A biópsia óssea é considerada o método diag- também em outros órgãos como rins, intestino e sistema
nóstico de certeza, além de possibilitar a diferenciação entre nervoso central. As alterações na concentração extracelu-
os diversos tipos de OR. A taxa de formação óssea, parâ- lar do cálcio são detectadas por este receptor, com conse-
metro obtido da análise histomorfométrica, permite clas- qüente estímulo ou inibição da produção de PTH, via
sificar a OR em doença de alta e baixa remodelação óssea. RNA-mensageiro. No hiperparatiroidismo secundário,
A doença óssea de alta remodelação é representada pela anormalidades na expressão do receptor de cálcio têm sido
osteíte fibrosa, secundária ao hiperparatiroidismo, e a de responsabilizadas pela hiperplasia e pela conhecida disfun-
baixa remodelação, pela osteomalácia e doença adinâmica. ção das células paratiroidianas em detectar as variações do
Um estado intermediário entre a alta e a baixa remodela- cálcio extracelular. Embora se acredite que a hiperplasia
ção é conhecido como doença mista. A chamada osteopatia das paratiróides seja inicialmente causada por uma
por alumínio, decorrente da intoxicação por esse metal, está hiporregulação (downregulation) dos receptores de cálcio,
mais comumente associada aos estados de baixa remode- parece que a hiperplasia precede as anormalidades do re-
lação, embora depósitos ósseos de alumínio também pos- ceptor. Independentemente da seqüência desses fatos, está
sam ocorrer em quaisquer dos tipos de OR. bem estabelecida a reduzida expressão dos receptores de
cálcio nas células paratiroidianas de pacientes com hiper-
Pontos-chave: paratiroidismo secundário, quando comparadas às de in-
divíduos normais. Essa hiporregulação mostrou-se mais
Classificação da osteodistrofia renal acentuada nas glândulas com hiperplasia do tipo nodular
• Alta remodelação que do tipo difusa. O desenvolvimento da hiperplasia
Hiperparatiroidismo secundário nodular têm sido atribuído a anomalias genéticas. A per-
• Baixa remodelação da de um alelo do cromossoma 11, em paratiróides de
Osteomalácia e doença adinâmica pacientes em diálise, acarretaria a inativação de um gene
• Osteopatia alumínica supressor tumoral e, como conseqüência, a proliferação
tumoral autônoma dessas glândulas.
capítulo 40 719

Déficit de Vitamina D Pontos-chave:


Outro fator responsável pela gênese do hiperparatiroi-
• O hiperparatiroidismo secundário é causa
dismo secundário é o déficit de vitamina D, particularmen-
da principal desordem esquelética — a
te do calcitriol, seu metabólito mais ativo. Nas glândulas
paratiróides, o calcitriol pode agir de forma direta, ligan- osteíte fibrosa — que ocorre na IRC
do-se a seus receptores presentes na superfície das células, • O desenvolvimento do hiperparatiroidismo
inibindo a transcrição do RNAm do PTH. Essa ação acar- secundário inicia-se precocemente no curso
reta tanto a redução da síntese hormonal como da prolife- da IRC, sendo resultante basicamente do
ração celular. Assim como para os receptores de cálcio, tem déficit de vitamina D e das anormalidades
sido observada uma reduzida expressão do receptor de nos receptores de cálcio e calcitriol das
calcitriol nas paratiróides de pacientes com hiperparatiroi- paratiróides
dismo secundário, principalmente nas áreas de prolifera- • No hiperparatiroidismo secundário,
ção nodular, quando comparadas às áreas de proliferação
anormalidades na expressão do receptor de
difusa. Estas alterações parecem ser fundamentais na gê-
cálcio têm sido responsabilizadas pela
nese do hiperparatiroidismo secundário e podem explicar
a relativa ineficácia do tratamento com calcitriol, particu- hiperplasia e pela conhecida disfunção das
larmente naqueles pacientes com hiperplasia nodular. Essa células paratiroidianas em detectar as
situação caracteriza os quadros de hiperparatiroidismo variações do cálcio extracelular
secundário autônomo, no qual continua ocorrendo hiper- • Outro fator responsável pela gênese do
secreção de PTH, mesmo na vigência de níveis normais, ou hiperparatiroidismo secundário é o déficit
até mesmo elevados, de cálcio e calcitriol. De forma indi- de vitamina D, particularmente do calcitriol,
reta, o calcitriol altera a secreção de PTH via hipocalcemia. seu metabólito mais ativo
O déficit de calcitriol, presente na IRC, ao diminuir a ab- • O déficit de calcitriol, presente na IRC, ao
sorção intestinal de cálcio, causa hipocalcemia e hiperse-
diminuir a absorção intestinal de cálcio,
creção de PTH.
causa hipocalcemia e hipersecreção de PTH
• A retenção de fósforo poderia induzir a
Distúrbios do Fósforo hipocalcemia através de mecanismos
puramente físico-químicos e/ou por
O controle da hiperfosfatemia tem sido de fundamen- inibição da atividade da 1-alfa-hidroxilase,
tal importância no manuseio do hiperparatiroidismo se-
responsável pela conversão renal do
cundário, uma vez que, na presença de níveis elevados
metabólito hepático da vitamina D em
de fósforo, a terapia com calcitriol está contra-indicada.
Além disso, a hiperfosfatemia tem sido implicada como calcitriol
importante fator de risco na mortalidade cárdio-vascular • Por outro lado, a hiperfosfatemia pode ter
de indivíduos em diálise. O fósforo tem ação direta e in- um efeito direto na secreção de PTH
direta sobre a secreção do PTH. Sua ação indireta se dá
via hipocalcemia. A retenção de fósforo poderia induzir
a hipocalcemia através de mecanismos puramente físico-
químicos e/ou por inibição da atividade da 1-alfa-hidro-
Resistência Óssea ao PTH
xilase, responsável pela conversão renal do metabólito Além dos já citados, outro fator que pode participar de
hepático da vitamina D em calcitriol. Além disso, a hiper- forma indireta na patogênese do hiperparatiroidismo secun-
fosfatemia, por aumentar a resistência óssea ao PTH (v. dário é a resistência óssea à ação calcêmica do PTH. Nessa
adiante), também acarretaria redução dos níveis de cál- situação, frente a elevações do PTH não são observados in-
cio. Por outro lado, a hiperfosfatemia pode ter um efeito crementos proporcionais na calcemia. É a resistência óssea
direto na secreção de PTH, como também na proliferação ao PTH que explica a necessidade de maiores níveis do hor-
das células paratiroidianas, via mecanismo pós-transcrip- mônio para a manutenção da remodelação óssea normal.
cional. Embora o efeito direto do fósforo sobre a glându- Uma provável causa para a resistência óssea do paciente
la esteja bem estabelecido, até o momento não se identi- urêmico baseia-se na presença de uma hiporregulação de
ficou um receptor específico desse mineral nas células receptores de PTH nas células ósseas, basicamente nos os-
paratiroidianas. Entretanto, a hiperfosfatemia pode tam- teoblastos, como conseqüência da retenção de fósforo e de
bém reduzir a expressão dos receptores de cálcio e calci- toxinas urêmicas. Recentemente, a real presença da resistên-
triol e, dessa forma, dificultar o tratamento do hiperpa- cia óssea ao PTH tem sido questionada, após o advento de
ratiroidismo secundário. novos ensaios capazes de determinar especificamente a se-
720 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

qüência 1-84 do PTH, chamado de whole-PTH. Uma molé- vários fatores, como o déficit de vitamina D, a hipofosfate-
cula biologicamente inativa, provavelmente o fragmento mia, a acidose metabólica, a retenção de fatores inibitórios
PTH 7-84, estaria sendo determinada, juntamente com o da mineralização e a intoxicação pelo alumínio e estrôncio,
PTH 1-84, pela maioria dos radioimunoensaios já existen- podem estar implicados no defeito de mineralização.
tes. Dessa forma, não haveria uma resistência óssea ao PTH
e sim valores superestimados do hormônio, medidos pelos
ensaios do tipo “intacto”. No entanto, parece que tal molé-
Defeito de Mineralização Óssea
cula inativa tem a capacidade de se ligar aos receptores de O mecanismo pelo qual o déficit de vitamina D provo-
PTH nos osteoblastos, impedindo, assim, a ação da molé- ca defeito na mineralização óssea é pouco compreendido.
cula ativa do hormônio no tecido ósseo. Essa seria então uma Ainda há dúvida se o calcitriol estimula diretamente a
nova teoria a respeito da resistência óssea ao PTH. mineralização óssea ou conduz à deposição mineral atra-
vés do aumento dos níveis de cálcio e fósforo no fluido
extracelular circundante ao osso. Embora os níveis de cal-
Citocinas e Osteodistrofia Renal citriol estejam reduzidos na IRC avançada, a osteomalácia
Outros fatores, fora da via fisiopatológica clássica, são ocorre em pequena porcentagem de pacientes, podendo
algumas citocinas que atuam nas paratiróides ou direta- estar ausente mesmo em indivíduos anéfricos. Assim como
mente no tecido ósseo, contribuindo para o desenvolvi- o calcitriol, o déficit do metabólito hepático da vitamina D,
mento do hiperparatiroidismo secundário. Algumas des- o calcidiol, poderia atuar de maneira independente como
sas citocinas encontram-se elevadas no plasma, secunda- um fator de risco para o defeito de mineralização. Deve-se
riamente à própria IRC. Vale citar alguns fatores de cres- citar também a ocorrência de osteomalácia em pacientes
cimento como o FGF (fator de crescimento de fibroblasto), com síndrome nefrótica, cujos níveis de calcidiol estão re-
o TGF␣ (fator de crescimento transformador) e o EGF (fa- duzidos, devido à perda urinária de sua proteína carrea-
tor de crescimento epidérmico), relacionados com a proli- dora. Outro fator etiológico é a depleção de fósforo que,
feração das células paratiroidianas. Outros, como as inter- induzida por restrição dietética excessiva ou pelo uso de
leucinas IL1 e IL6, aumentam a proliferação e a atividade quelantes, pode conduzir ao aparecimento da osteomalá-
dos osteoblastos. Já o TGF␣, o EGF e a IL11 estimulam a cia, mesmo em pacientes com função renal normal.
formação de osteoclastos e a reabsorção óssea. Assim como a matriz orgânica, a formação e o cresci-
Finalmente, fatores como a alteração do set point de cál- mento dos cristais ósseos podem estar comprometidos por
cio nas paratiróides, a diminuição do catabolismo renal do fatores inibitórios da mineralização óssea, como o alto con-
PTH e a acidose metabólica também contribuem com um teúdo de magnésio e pirofosfato no osso urêmico. A aci-
importante papel no desenvolvimento do hiperparatiroi- dose metabólica é considerada outro importante fator
dismo secundário. etiológico de osteomalácia, por utilizar o carbonato do osso
como tampão dos íons H⫹, provocando a desmineraliza-
ção óssea. O acúmulo de íons H⫹ na frente de mineraliza-
Pontos-chave: ção pode também interferir em importantes reações enzi-
máticas e no processo de formação da hidroxiapatita. Pa-
Hiperparatiroidismo secundário cientes portadores de acidose tubular renal e com função
• Hipocalcemia, hiperfosfatemia e déficit de renal preservada podem desenvolver osteomalácia, que
calcitriol pode melhorar somente com o tratamento isolado da aci-
• Resistência óssea ao PTH dose. Na IRC avançada, porém, há pouca evidência de que
• Hiporregulação de receptores de cálcio e o tratamento da acidose isoladamente possa melhorar a
calcitriol osteomalácia. Outros fatores etiológicos importantes na
• Citocinas fase dialítica são as intoxicações pelo alumínio e estrôncio,
que serão abordadas adiante. A incidência de osteomalá-
cia na IRC é variável, sendo rara nos países desenvolvidos
(cerca de 4%). No nosso meio representa cerca de 12%.
FISIOPATOLOGIA DA
OSTEOMALÁCIA Pontos-chave:
A osteomalácia caracteriza-se por um defeito grave na Osteomalácia
mineralização óssea com conseqüente lentidão da deposi- • Déficit de vitamina D
ção de cálcio e/ou fósforo na matriz osteóide. Sua forma • Hipofosfatemia
clássica exibe, portanto, um grande acúmulo de osteóide. • Acidose metabólica
A patogênese do defeito de mineralização óssea obser- • Alumínio e estrôncio
vado em pacientes com IRC não está totalmente elucidada;
capítulo 40 721

anos. A deficiência de insulina interfere no metabolismo


FISIOPATOLOGIA DA DOENÇA ósseo através da diminuição de hormônios sistêmicos e
ADINÂMICA locais como o PTH, o hormônio de crescimento e a IGF1
(fator de crescimento insulina-símile), responsáveis pelo
A doença adinâmica ou aplástica foi descrita em 1983, recrutamento de osteoblastos, acarretando uma redução do
em pacientes dialisados que apresentavam fraturas e hi- número dessas células. A deficiência de insulina também
percalcemia e cuja biópsia óssea não demonstrava os acha- pode alterar o metabolismo do calcitriol, quer diminuindo
dos clássicos da osteíte fibrosa ou da osteomalácia. Os acha- a atividade da 1-alfa hidroxilase renal, quer diminuindo a
dos anátomo-patológicos demonstravam que a quantida- ação periférica do calcitriol, caracterizando um quadro de
de de matriz osteóide estava normal ou reduzida, o mes- resistência à vitamina D. Outros efeitos dessa deficiência são
mo ocorrendo com o número de osteoblastos e osteoclas- a hipercalciúria e o aumento da glicosilação do colágeno.
tos. A medula óssea praticamente não apresentava fibro- Dessa forma, a interação de todos esses fatores contribuiria
se, e a taxa de formação óssea estava muito reduzida. Uma para a diminuição da taxa de formação óssea e a osteopenia
vez que todos os pacientes apresentavam coloração posi- freqüentemente observada em pacientes diabéticos.
tiva para alumínio, a doença adinâmica teve como única Pacientes submetidos à corticoterapia prolongada po-
causa a intoxicação por aquele metal. Posteriormente, a deriam apresentar redução da taxa de formação óssea e,
doença adinâmica foi observada também em pacientes conseqüentemente, osteoporose e doença adinâmica. Um
assintomáticos, sem intoxicação alumínica. Essa mesma exemplo disso são pacientes urêmicos que reiniciam diáli-
patologia foi demonstrada em pacientes com IRC em tra- se após perda do enxerto renal e que apresentam maior
tamento conservador, revelando que ela pode estar presen- risco de desenvolver doença adinâmica.
te em todas as fases da IRC, independentemente da into- Em relação ao tipo de tratamento dialítico, a doença
xicação pelo alumínio. adinâmica é o tipo de OR mais freqüentemente observado
A incidência da doença adinâmica varia, na literatura, nos pacientes em diálise peritoneal. Alguns fatores contri-
de 15% a 60%. Na nossa experiência é o diagnóstico de cerca buem para esse achado, como o permanente balanço positi-
de 20% dos pacientes com sintomas ósteo-articulares sub- vo de cálcio e o maior número de pacientes diabéticos e ido-
metidos à biópsia óssea. sos dirigidos para essa modalidade dialítica. Com relação a
A fisiopatologia da doença adinâmica é controversa, esses últimos, sabe-se que a idade avançada é, por si só, um
embora a maioria dos estudos sejam unânimes acerca da fator de risco para o desenvolvimento de doença adinâmica.
associação entre doença adinâmica e níveis de PTH meno- Recentemente a doença adinâmica tem sido associada
res (hipoparatiroidismo relativo) do que os observados nos à desnutrição, cujos mecanismos não são conhecidos.
outros tipos de OR. A diminuição da atividade osteoblástica, independen-
temente dos níveis de PTH, também foi observada in vi-
tro, através da diminuição da síntese de DNA observada
Etiopatogenia da Doença Adinâmica em osteoblastos de pacientes com doença adinâmica, quan-
do comparados aos de indivíduos normais.
Diferentes fatores associam-se a um maior risco de doen-
ça adinâmica e alguns desses são conhecidos por diminuir a
função paratiroidiana. Dentre esses, sabemos que o alumínio Pontos-chave:
suprime a secreção de PTH, o que reduziria a remodelação
óssea, propiciando a deposição tecidual do metal. Doença adinâmica
O uso de calcitriol reduz a síntese de PTH e melhora o • Diabetes mellitus
hiperparatiroidismo secundário. No entanto, quando em- • Indivíduos idosos
pregado de forma excessiva, pode levar ao hipoparatiroi- • CAPD
dismo e à doença adinâmica. Além disso, o calcitriol acar- • Sobrecarga de cálcio e vitamina D
reta uma hiporregulação dos receptores de PTH nos osteo- • Desnutrição
blastos e, conseqüentemente, reduz a ação do PTH na re- • Alumínio
modelação óssea.
O emprego de doses elevadas de sais de cálcio como
quelantes de fósforo também tem sido apontado como um
fator desencadeante da doença adinâmica, pois altos níveis FISIOPATOLOGIA DA
de cálcio sérico suprimem a atividade das células das INTOXICAÇÃO ALUMÍNICA
paratiróides.
A doença adinâmica tem sido associada ao diabetes me- A intoxicação alumínica pode ser observada em pacien-
llitus. A associação entre diabetes mellitus e anormalidades tes com IRC, nos quais provoca quadros de doença óssea,
do metabolismo ósseo e mineral é conhecida há vários encefalopatia e anemia microcítica. Duas são as vias de
722 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

intoxicação por esse metal: a utilização de água para he- transporte do alumínio pela transferrina aos tecidos-alvo,
modiálise, inadequadamente tratada, e o uso de quelantes mesmo quando os níveis séricos do metal estão pouco ele-
de fósforo à base de alumínio. vados.
A clássica descrição de intoxicação alumínica com en- Outro metal, o estrôncio, tem sido implicado no desen-
cefalopatia e fraturas ósseas é atualmente rara. Contudo, volvimento de osteomalácia. Semelhantemente ao alumí-
na nossa experiência, nos últimos 10 anos, aproximada- nio, o metal deposita-se na frente de mineralização. Suas
mente 50% das biópsias ósseas, realizadas em pacientes em fontes de contaminação seriam a água de diálise, além de
diálise, ainda apresentam depósitos ósseos de alumínio. alimentos provenientes de solos com alto conteúdo de es-
trôncio.

Toxicidade nos Tecidos-alvo


Pontos-chave:
Os mecanismos fisiopatológicos da intoxicação alumí-
nica não estão completamente esclarecidos. Estudos têm Intoxicação alumínica
demonstrado que a retenção celular de alumínio ocorre • Fontes de intoxicação
através da ligação do complexo alumínio-transferrina aos Água de diálise
receptores de transferrina presentes na superfície das cé- Quelantes
lulas de diferentes órgãos-alvo. Uma vez internalizado por • Osteopatia incapacitante
endocitose, o alumínio passa a interferir no crescimento e
Fraturas
na função celular provocando alterações na atividade en-
zimática e na transcrição gênica.
• Anemia
O acúmulo de alumínio no osso está associado às doen- Interferência no metabolismo do ferro
ças de baixa remodelação, particularmente a osteomalácia.
O metal é encontrado principalmente na interface do osso
mineralizado com o osteóide, na região conhecida como QUADRO CLÍNICO-
frente de mineralização, onde os depósitos podem ser iden-
tificados por métodos histoquímicos e microanalíticos. LABORATORIAL
A diminuição da taxa de formação do tecido ósseo de
pacientes intoxicados sugere uma interferência do alumí- Pacientes com IRC leve ou moderada raramente apre-
nio no processo de mineralização da matriz óssea. Sua to- sentam manifestações clínicas decorrentes da OR. Os pro-
xicidade também se evidencia pelo fato de reduzir a for- blemas clínicos se revelam após o início do programa de
mação e o crescimento dos cristais de hidroxiapatita após diálise e se agravam naqueles pacientes submetidos a tra-
incubação in vitro. tamento dialítico a longo prazo.
O alumínio, por si só, afeta diretamente a função da glân- Aproximadamente 20% dos pacientes dialisados apre-
dula paratiroidiana, o que pode ser constatado pelos redu- sentam dores ósseas que geralmente são difusas, progres-
zidos níveis de PTH presentes nos pacientes intoxicados. In sivas, muitas vezes localizadas na coluna, joelhos, torno-
vitro, as células paratiroidianas, na presença do alumínio, zelos e coxas, podendo ser tão intensas a ponto de levar à
diminuem sua resposta diante de baixas concentrações de imobilidade. Dor e fraqueza muscular ocorrem de manei-
cálcio. Dessa forma, por alterar o funcionamento da ra isolada ou associadas com dores ósseas. A miopatia é
paratiróide, o alumínio influi indiretamente no tecido ósseo. freqüentemente atribuída ao déficit de vitamina D, poden-
No sistema nervoso central, o alumínio inibe enzimas do ser intensa nos pacientes intoxicados por alumínio.
como a acetilcolina-transferase, a acetil-colinesterase e a As calcificações vasculares, de tecidos moles e pele
monoamino-oxidase, além de interferir na glicólise mito- (calcifilaxia ou arteriopatia urêmica calcificante — AUC)
condrial e aumentar a permeabilidade da barreira hema- são condições graves, que põem em risco a vida dos paci-
toencefálica. entes, sendo a septicemia sua principal causa de morte. A
O mecanismo pelo qual a intoxicação alumínica leva à prevalência exata da AUC é difícil de se determinar e apa-
anemia microcítica é pouco conhecido. Sabe-se que o alu- rentemente vem se elevando nesta última década. A ocor-
mínio diminui a síntese do heme, provavelmente por ini- rência de AUC varia de 1 a 4% e seus principais fatores de
bir enzimas que atuam em tal síntese, como a ferroquela- risco são: sexo feminino, hipoalbuminemia, hiperfosfate-
tase ou a uroporfirinogênio-descarboxilase. O alumínio mia, níveis elevados de fosfatase alcalina, aumento do
também interfere no metabolismo do ferro e da ferritina. produto cálcio ⫻ fósforo e o uso de EPO em doses eleva-
Apesar da osteopatia alumínica ser menos freqüente nos das. Além disso, pacientes com AUC apresentam risco de
dias atuais, o advento do uso da eritropoetina humana óbito muito superior ao de outros indivíduos com IRC. A
recombinante (EPO) pode estar propiciando o aparecimen- apresentação clínica é geralmente aguda, com o apareci-
to de novos casos de intoxicação alumínica. A relativa de- mento de áreas dolorosas, livedo reticular e nódulos vio-
ficiência de ferro induzida pelo uso da EPO favorece o láceos superficiais envolvendo dedos dos pés ou das mãos,
capítulo 40 723

tornozelos, coxas ou nádegas. Com a evolução, a lesão tor- A interpretação dos níveis séricos de fosfatase alcalina
na-se hemorrágica, com necrose isquêmica seca, desenvol- total também é limitada, uma vez que ela é a somatória de
vendo posteriormente gangrena. A dor intensa é caracte- várias isoenzimas originárias do fígado, ossos, intestino e
rística, assim como a distribuição simétrica das lesões, que placenta. Nos indivíduos saudáveis, a contribuição das
têm localização superficial. Embora seja uma patologia do duas últimas frações, para o pool da fosfatase alcalina to-
sistema vascular, os pulsos distais costumam estar presen- tal, é desprezível. Já nos indivíduos urêmicos, as frações
tes. A análise histológica da área lesada mostra hipertro- óssea, intestinal e hepática podem estar mais elevadas que
fia da íntima e depósitos de fosfato de cálcio na camada o normal unicamente pelo aumento da meia-vida da enzi-
média da parede de pequenas artérias da pele e músculo, ma ou, também, pela presença de doença hepática crôni-
além de necrose lobular da gordura, calcificação, infiltra- ca. Assim, a dosagem da isoenzima óssea parece ser mais
do de neutrófilos, macrófagos, linfócitos e trombose de precisa do que a da fosfatase alcalina total. Na nossa expe-
pequenos vasos. riência, a fração óssea tem melhor se associado aos dife-
A chamada “síndrome dos olhos vermelhos”, resultan- rentes tipos de OR que a fosfatase alcalina total.
te da reação inflamatória das conjuntivas, devido à depo- De todas as dosagens bioquímicas, a análise do PTH intac-
sição de cálcio, chega a ser observada em cerca de 10% dos to é a que melhor se associa aos diferentes tipos de OR. As-
pacientes com hiperparatiroidismo secundário grave. Pru- sim, de maneira prática, pode-se dizer que o hormônio está
rido intratável, calcificações periarticulares e ruptura de elevado nos pacientes com hiperparatiroidismo secundário,
tendões são também achados freqüentes nesses pacientes. e normal ou diminuído nos pacientes com doença adinâmica
Fraturas espontâneas podem ocorrer nos casos mais e/ou intoxicados por alumínio. No entanto, entendem-se por
graves de hiperparatiroidismo secundário e de osteoma- níveis normais de PTH intacto valores 2 a 3 vezes o limite su-
lácia, sendo mais comuns nesta última. Artralgias são mais perior do método, pois é nesta faixa que se encontram os pa-
freqüentes na cintura pélvica, joelhos e tornozelos e são cientes em diálise com remodelação óssea normal. A explica-
mais observadas no hiperparatiroidismo secundário que ção para tal fato baseia-se no conceito da resistência óssea ao
na osteomalácia. PTH presente na IRC, ou seja, seriam necessários níveis mais
Quadros de encefalopatia grave, raramente observada altos do hormônio para vencer a tal resistência e manter a re-
nos dias atuais, estão associados à intoxicação alumínica. modelação óssea normal. Esses valores “normais” de PTH
A OR em crianças urêmicas apresenta variações em re- intacto têm sido questionados, pois talvez possam ser deleté-
lação ao adulto, principalmente pelo grave comprometi- rios para outros tecidos, como, por exemplo, o miocárdio.
mento do crescimento e pela presença de importantes de- Recentemente, demonstrou-se que os ensaios de PTH
formidades esqueléticas. intacto detectam não só sua fração ativa (1-84), como tam-
bém a inativa (7-84). Assim, foi desenvolvido um novo
ensaio, o PTH CAP (cyclase activating PTH), capaz de iden-
Laboratório na Osteodistrofia Renal tificar isoladamente a fração 1-84 do hormônio. Mostrou-
Os parâmetros bioquímicos são pouco sensíveis no es- se que a relação PTH 1-84/7-84 pode auxiliar no diagnós-
tabelecimento do diagnóstico diferencial entre os tipos de tico diferencial entre as doenças ósseas de alta e baixa re-
OR. O grau de gravidade da doença, em geral, não guarda modelação. Uma relação ⬎ 1 exclui a doença de baixa re-
correlação com os parâmetros bioquímicos. modelação (sensibilidade ⫽ 100%) e uma relação ⬍ 1 in-
O cálcio sérico é variável, e a presença de hipercalcemia dica baixa remodelação em 87,5% dos casos.
pode ser observada tanto em pacientes com hiperparati- Outras dosagens bioquímicas que podem auxiliar o diag-
roidismo secundário grave e doença adinâmica, quanto em nóstico da OR são utilizadas principalmente em estudos
pacientes intoxicados por alumínio. No nosso meio, a in- científicos, devido ao seu alto custo e à dificuldade de labo-
cidência de hipercalcemia tem-se elevado nos últimos anos, ratórios equipados para o processamento destes ensaios.
graças ao uso excessivo de sais de cálcio e vitamina D no A deoxipiridinolina, que é um produto da degradação
tratamento do hiperparatiroidismo secundário. O melhor do colágeno, é liberada do tecido ósseo durante o proces-
controle da intoxicação alumínica tem propiciado o apare- so de reabsorção, e níveis sangüíneos elevados podem re-
cimento de um maior número de casos de hiperparatiroi- fletir aumento da reabsorção óssea.
dismo secundário grave com conseqüente hipercalcemia. O diagnóstico bioquímico da intoxicação alumínica in-
As concentrações de fósforo sérico também não se corre- clui dosagens plasmáticas seriadas de alumínio e o teste à
lacionam com os diferentes tipos de OR. Porém, pacientes deferoxamina (Desferal). A determinação sérica de alu-
com hiperparatiroidismo secundário tendem a apresentar mínio requer metodologia de coleta e análise adequada,
níveis persistentemente elevados de fósforo, decorrentes da através da espectrofotometria de absorção atômica com
dieta e da constante retirada do elemento do tecido ósseo, forno de grafite. Pacientes em hemodiálise não devem
devido à alta taxa de remodelação existente. Isso poderia apresentar níveis séricos basais de alumínio acima de 30
explicar a dificuldade de controle da hiperfosfatemia, mes- ␮g/L. Para tanto, seus níveis de alumínio devem ser de-
mo com uso de altas doses de quelantes de fósforo. terminados pelo menos três vezes ao ano, ou mais, caso
724 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

excedam aquele limite especificado. Na interpretação ade- a certeza de intoxicação alumínica, devendo-se, para tal,
quada dos níveis séricos de alumínio devem ser levados considerar o quadro clínico e laboratorial. O teste é consi-
em conta os estoques de ferro (ferro sérico, ferritina e sa- derado positivo quando o incremento de alumínio for mai-
turação de transferrina), pois sua deficiência propicia a or que 50 ␮g/l e, caso o paciente apresente sintomas, o mes-
maior ligação do alumínio à transferrina, favorecendo o mo deve ser tratado. Nos pacientes assintomáticos, com teste
transporte deste aos tecidos. Os níveis de PTH também positivo, devem ser observados os níveis de PTH intacto. Se
podem influenciar a interpretação dos níveis séricos de o PTH estiver acima de 650 pg/ml, deve-se administrar a
alumínio, pois, frente a valores elevados de PTH (⬎ 650 deferoxamina antes de pulsoterapia com vitamina D ou
pg/ml), admite-se que haja maior liberação do alumínio paratiroidectomia. Se o PTH for menor que 150 pg/ml, pro-
ósseo, devido à maior taxa de remodelação. De fato, paci- ceder à biópsia óssea e instituir o tratamento conforme o
entes com níveis elevados de alumínio e PTH podem apre- resultado. O diagnóstico de certeza da intoxicação óssea pelo
sentar sobrecarga do metal, sem que o mesmo, contudo, alumínio é fornecido somente pela biópsia óssea.
esteja exercendo seus efeitos tóxicos no tecido ósseo. Nes- As principais diferenças clínicas e bioquímicas entre os di-
sa situação, o alumínio está difusamente depositado no ferentes tipos de OR encontram-se resumidas no Quadro 40.1.
tecido e não na frente de mineralização, região crítica aos
efeitos tóxicos do alumínio. Pacientes com níveis menores
de PTH devem ser submetidos ao Teste ao Desferal.
O Teste ao Desferal tem por objetivo determinar o in-
RADIOLOGIA E OUTROS
cremento do alumínio em relação a seu valor basal, após a MÉTODOS DE IMAGEM
infusão endovenosa de 5 mg/kg de peso da droga. O teste
implica a dosagem de alumínio pré-diálise, seguido pela Radiologia
infusão da deferoxamina no final dessa sessão de diálise e
nova determinação do alumínio sérico 44 horas após a in- Os métodos de estudo radiológico da OR, embora lar-
fusão, ou seja, imediatamente antes da próxima diálise. A gamente empregados na prática diária, são pouco sensí-
positividade do teste, analisada isoladamente, não garante veis no diagnóstico dessa patologia, uma vez que as alte-

Quadro 40.1 Diagnóstico diferencial da osteodistrofia renal — aspectos clínicos e laboratoriais

HP2.º OM DA Int. Al
Clínico 1. Dor óssea ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹ ⫹⫹⫹
2. Fraqueza muscular ⫹⫹ ⫹⫹⫹ ⫹ ⫹⫹⫹
3. Prurido cutâneo ⫹⫹⫹ ⫹ ⫹⫹ ⫹⫹
4. Calcificação extra-óssea ⫹⫹⫹ ⫹ ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹
5. Anemia/Resistência à EPO ⫹⫹⫹ ⫹ ⫹ ⫹⫹⫹
6. Deformidades ósseas ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ - -
7. Fraturas ⫹⫹⫹ ⫹⫹⫹ ? ⫹⫹⫹

Laboratorial 1. Cálcio nl, 앗, 앖 앗 nl, 앖 앖


2. Fósforo 앖 앗 앖 앖
3. Ca ⫻ P nl, 앖 nl 앖 앖
4. Fosfatase alcalina 앖 앖 nl nl
5. PTH-intacto 앖 앖 앗 앗

Radiológico 1. “Sal e pimenta” (crânio) ⫹⫹⫹ ⫺ ⫺ ⫺


2. Acrosteólise (mãos) ⫹⫹⫹ ⫺ ⫺ ⫺
3. Zonas de Looser (costelas) ⫺ ⫹⫹⫹ ⫺ ⫺

Densitométrico Densidade óssea nl, 앗 앗 앗 앖

Ultra-sonográfico Paratiróide (detecção) ⫹⫹⫹ ⫺ ⫺ ⫺

Cintilográfico Paratiróide (detecção) ⫹⫹⫹ ⫺ ⫺ ⫺

HP2.º: hiperparatiroidismo secundário; OM: osteomalácia; DA: doença adinâmica; Int.Al: Intoxicação alumínica; EPO:
eritropoetina
⫹⫹⫹: muito freqüente; ⫹⫹: freqüente; ⫹: pouco freqüente
nl: dentro do limite de normalidade; 앖: acima da normalidade; 앗: abaixo da normalidade
Ca ⫻ P: produto cálcio e fósforo
capítulo 40 725

rações radiológicas só ocorrem nas fases mais avançadas cintilografia com MIBI pode ser complementada com a
da doença. tomografia, técnica conhecida como spect. A tomografia é
O exame radiológico do hiperparatiroidismo secundá- realizada na fase tardia da cintilografia, quando são obti-
rio caracteriza-se por sinais relativos à reabsorção óssea, das imagens de maior profundidade, proporcionando a
revelados pela presença de reabsorção nos tufos das falan- análise tridimensional das glândulas, sendo útil na locali-
ges distais (acrosteólise), reabsorção subperiosteal nas fa- zação de glândulas ectópicas.
langes médias das mãos, lesão em “sal e pimenta” no crâ-
nio e pseudo-alargamento da sínfise púbica. Formações
císticas (tumor marrom), de tamanho e localização varia- Tomografia Computadorizada
dos, podem ser encontradas nos pacientes com formas mais A tomografia para a detecção de paratiróides, como um
graves da doença. Calcificações vasculares e de partes procedimento isolado, é pouco utilizada, devido ao alto
moles, principalmente as de caráter tumoral, são facilmente custo, necessidade do uso de contrastes e por não apresen-
visualizadas através do exame radiológico. tar resultados superiores aos observados com os demais
A osteomalácia apresenta como único sinal radiológico métodos. A vantagem da tomografia em relação à ultra-
patognomônico as chamadas zonas de Looser, erronea- sonografia é a detecção de glândulas ectópicas, especial-
mente ditas pseudofraturas, caracterizadas por linhas mente na região do mediastino. Esta seria, então, a princi-
radiopacas encontradas principalmente em arcos costais e pal indicação do método, especialmente nos casos de re-
bacia. intervenção cirúrgica, nos quais é importante confirmar a
As doenças mista e adinâmica não apresentam sinais localização das paratiróides.
radiológicos específicos.

Ressonância Nuclear Magnética


Ultra-sonografia
A vantagem desta técnica é a obtenção de imagens nos
A ultra-sonografia de paratiróides é um método utili- planos sagital, coronal e transaxial, sem o uso de contraste
zado no diagnóstico das características morfológicas e da e com excelente resolução. Porém, seu alto custo não justi-
localização das glândulas. Dessa forma, tem indicação pre- fica utilizá-la como exame de rotina. Semelhante à tomo-
cisa nos casos de HP2.º moderado e grave. Trata-se de um grafia, sua principal indicação é a localização de glându-
método não-invasivo, de fácil realização e baixo custo. las paratiroidianas ectópicas.
Apresenta uma sensibilidade que varia de 43 a 78% e es-
pecificidade de 73 a 96%. Essa variação deve-se provavel-
mente à diferença na sensibilidade de detecção dos apare-
lhos e na interpretação dos observadores.
HISTOLOGIA
A biópsia óssea é realizada preferencialmente na crista
Cintilografia ilíaca através de trocarte, sendo o de Bordier o mais comu-
mente empregado.
A cintilografia de paratiróides com o radioisótopo 99mTc- O estudo do tecido ósseo não-descalcificado, seguido de
sestamibi (MIBI) tem sido empregada na localização e fun- análise histomorfométrica, contribuiu sobremaneira para
ção das paratiróides e apresenta altos índices de especifi- o melhor conhecimento da OR e é, até hoje, considerado o
cidade e sensibilidade. Esta técnica consiste na obtenção de padrão-ouro para o diagnóstico de seus tipos histológicos.
duas séries de imagens, sendo a primeira aos 10-15 minu- É de fundamental importância, para a interpretação da
tos (fase da tiróide) e a segunda 2-3 horas após a injeção remodelação óssea, a prévia marcação do tecido pela te-
do radiotraçador (fase da paratiróide). Ela tem por base os traciclina. A característica desse antibiótico de se tornar
diferentes tempos de depuração do MIBI pelos tecidos fluorescente, quando exposto à luz ultravioleta, e de se fi-
tiroidiano e paratiroidiano. A atividade do MIBI decai ra- xar nas áreas de mineralização torna-o um marcador da
pidamente na tiróide, permanecendo um tempo maior e formação óssea. Administrado em dois momentos distin-
relativamente constante, de até 3 horas, no tecido parati- tos, previamente à biópsia óssea, permite observar duas
roidiano alterado. Sabe-se que este radioisótopo tem alta linhas paralelas de tonalidade esverdeada (fluorescente)
afinidade pelas mitocôndrias abundantes nas células oxi- que delimitam a quantidade de tecido ósseo neoformado
fílicas, predominantes nas glândulas hiperplasiadas. As no intervalo de tempo entre as administrações da droga.
glândulas paratiroidianas são consideradas anormais A distância entre as duas linhas representa a taxa de mi-
quando, na fase tardia, persistem uma ou mais áreas de neralização que, em situações de equilíbrio da remodela-
captação, cuja intensidade é relativamente maior quando ção óssea, nada mais é que sua taxa de formação. É com
comparadas às da tiróide. Sua vantagem sobre a ultra-so- base na taxa de formação que se pode estabelecer o con-
nografia é detectar a presença de glândulas ectópicas. A ceito de alta e baixa remodelação e, dessa forma, a classi-
726 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

ficação dos principais tipos histológicos da OR. A doença (quelantes) podem ser utilizados no controle da hiperfos-
óssea de alta remodelação é representada pela osteíte fi- fatemia.
brosa, e a de baixa remodelação, pela osteomalácia e do- Os sais de cálcio — carbonato ou acetato — são os que-
ença adinâmica. Um estado intermediário entre a alta e a lantes de fósforo mais utilizados (Quadro 40.2). O carbo-
baixa remodelação é conhecido como doença mista. A cha- nato de cálcio contém 40% de cálcio elemento, e 200 mg do
mada osteopatia por alumínio, decorrente da intoxicação composto têm a capacidade de quelar cerca de 9 mg de
por esse metal, está mais comumente associada aos esta- fósforo. Comparativamente, o acetato tem o dobro do po-
dos de baixa remodelação, embora depósitos ósseos de der quelante do carbonato, uma vez que 200 mg do aceta-
alumínio também possam ocorrer em quaisquer dos tipos to quelam 17 mg de fósforo. Além disso, o acetato tem a
de OR. vantagem adicional de conter em sua fórmula menor quan-
tidade (25%) de cálcio elemento. O principal efeito colate-
ral dessas drogas, além dos distúrbios gastrintestinais, é a
Tipos Histológicos da Osteodistrofia hipercalcemia. Esta é dependente da dose de quelante uti-
Renal lizado, principalmente quando associado à vitamina D.
Além da hipercalcemia, o uso abusivo de sais de cálcio
A osteíte fibrosa caracteriza-se por um aumento do volu- pode acarretar elevação do produto cálcio ⫻ fósforo, pro-
me, superfície e espessura da matriz osteóide (matriz co- piciando o aparecimento de calcificações metastáticas.
lágena, não calcificada), associados ao aumento da reab- Outros sais de cálcio, como o citrato e o cloreto, devem ser
sorção óssea, do número de células — osteoblastos e osteo- evitados. O primeiro, por aumentar a absorção intestinal
clastos — e à presença de fibrose medular. Através da de alumínio, e o segundo, por ser acidificante. Além dos
marcação pela tetraciclina, pode-se detectar a presença de sais de alumínio e cálcio, os sais de magnésio (hidróxido e
uma remodelação óssea aumentada. A osteomalácia também carbonato de magnésio) são bons quelantes do fósforo.
apresenta aumento de matriz osteóide, porém em grau Entretanto, devem ser evitados nos pacientes urêmicos,
maior, quando comparada à osteíte fibrosa. Há aumento pois podem levar à hipermagnesemia. Estudos in vitro e in
de reabsorção óssea, do número de células e ocorrência de vivo são unânimes quanto ao horário do uso de quelantes
fibrose medular (hiperparatiroidismo reacional), quando de fósforo. Tais quelantes devem ser tomados juntos ou
sua causa decorre de déficit de vitamina D, e ausência des- imediatamente após as refeições. Outro fator deve ser con-
ses sinais quando decorre de intoxicação alumínica. O si- siderado, como a individualização da dose e o modo de
nal característico da osteomalácia é a redução acentuada administração para cada paciente, preferindo-se uma dose
da taxa de formação óssea. A doença adinâmica apresenta maior de quelante naquela refeição onde haja maior quan-
as mesmas características da osteomalácia, exceto em re- tidade de proteína. Os níveis ideais de fósforo devem ser
lação à matriz osteóide, que está muito reduzida nessa mantidos entre 4,5 e 5,5 mg/dl.
patologia. Finalmente, a doença mista caracteriza-se pela Os compostos de alumínio são considerados os mais
ocorrência concomitante dos sinais de osteíte fibrosa e dos potentes quelantes de fósforo. Em uma refeição de um in-
sinais de osteomalácia. divíduo normal, cerca de 70% do fósforo ingerido é absor-
vido. A absorção do fósforo é reduzida à metade quando
o hidróxido de alumínio é utilizado concomitantemente.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DA Devido à toxicidade do alumínio, este quelante teve sua
indicação reduzida na prática clínica diária.
OSTEODISTROFIA RENAL Recentemente, o advento de novos quelantes de fósforo,
livres de cálcio e alumínio, trouxe novas perspectivas no
Quelantes de Fósforo controle da hiperfosfatemia. O de maior experiência clínica
Em condições normais um homem adulto ingere cerca é o hidrocloreto de sevelamer (Renagel®), cuja vantagem
de 800 a 1.500 mg/dia de fósforo. O fósforo é eliminado adicional é sua capacidade em reduzir os níveis de coleste-
pela via gastrintestinal e pelo rim, sendo este órgão o prin- rol. Pode ser usado na dose de 800 a 1.200 mg às refeições
cipal responsável pelo controle da excreção do mesmo. protéicas. Outros quelantes, como o cloreto de lantânio e os
Indivíduos adultos encontram-se geralmente em balanço sais trivalentes de ferro, estão sendo estudados.
zero ou negativo de fósforo. O balanço positivo de fósfo-
ro, presente na uremia, pode ser prevenido ou controlado Análogos da Vitamina D
se a carga de fósforo absorvida diminuir proporcionalmen-
te à redução da taxa de filtração glomerular. A ingestão de O derivado de vitamina D mais utilizado é o calcitriol.
fósforo pode ser reduzida a cerca de 500 mg/dia. Porém, As doses preconizadas variam de 0,25 a 0,5 ␮g/dia, sendo
essa dieta é dificilmente tolerada pela maioria dos pacien- que boa parte dos pacientes responde a doses de 0,5 ␮g/
tes, principalmente quando utilizada por longo período. dia. O uso do calcitriol nem sempre é desprovido de ris-
Compostos que impeçam a absorção intestinal de fósforo cos, e hipercalcemia, hiperfosfatemia, elevação do produ-
capítulo 40 727

Quadro 40.2 Tratamento da osteodistrofia renal

Hiperparatiroidismo secundário
a. Suplementação oral de cálcio
Carbonato de cálcio: 1-2 g, 3⫻/dia, longe das refeições
Acetato de cálcio: 0,7-1,4 g, 3⫻/dia, longe das refeições
b. Dieta: restrição protéica
c. Quelantes de fósforo
Acetato de cálcio: 0,7-1,4 g, durante as refeições protéicas
Carbonato de cálcio: 1-2 g, durante as refeições protéicas
Sevelamer: 800-1.200 mg, durante as refeições protéicas
d. Incremento da dose de diálise: se hiperfosfatemia persistente
e. Pulsoterapia oral ou endovenosa com vitamina D (calcitriol ou alfa-calcidol)
Pré-requisito: PTH-intacto > 400 pg/ml
Cálcio normal ou baixo
Fósforo ⬍ 5,5 mg/dl
Ca ⫻ P ⬍ 55
Modo de administração: Após hemodiálise ou 3⫻/semana em diálise peritoneal
Dose inicial de acordo com o PTH-i:
400 | 600 pg/ml: 1 ␮g/dose
600 | 1.200 pg/ml: 2 ␮g/dose
⬎ 1.200 pg/ml: 3 ␮g/dose
incremento de 0,5 ␮g/dose a cada 4 semanas
Objetivo: PTH-i aproximadamente 3⫻ o limite superior do método
f. Paratiroidectomia
Indicação: HPT autônomo (hipercalcemia persistente)
HPT grave (deformidades ósseas, fraturas)
Tipo: Total com auto-implante em antebraço ou pré-esternal
Pós-operatório (“fome óssea”):
Gluconato de cálcio, 2-4 mg/kg/hora nas 1.as 72 h
Associar: calcitriol ou alfa-calcidol, 1,0 ␮g 3⫻/dia
carbonato de cálcio oral, 1 g 3⫻/dia
Monitorização: cálcio iônico 2⫻/dia

Osteomalácia
a. Suplementação oral de cálcio
Carbonato de cálcio: 1-2 g, 3⫻/dia, longe das refeições
Acetato de cálcio: 0,7-1,4 g, 3⫻/dia, longe das refeições
b. Suplementação oral de calcitriol ou alfa-calcidol: 0,25-1,0 µg/dia
c. Correção de acidose metabólica
Bicarbonato de sódio, 500 mg 2⫻/dia
Doença óssea adinâmica
a. Sais de cálcio e vitamina D: evitar ou descontinuar o uso
b. Sevelamer: 800-1.200 mg, durante as refeições protéicas
c. Incremento da dose de diálise: se hiperfosfatemia persistente
d. Concentração de cálcio no dialisato: ⱕ 2,5 mEq/l (se hipercalcemia)
Intoxicação alumínica
a. Prevenção: tratamento da água de diálise por osmose reversa
evitar quelantes de fósforo contendo alumínio
b. Tratamento: deferoxamina (Desferal)
Hemodiálise: 5-10 mg/kg/semana, endovenosa, após a 1.ª e 2.ª diálise da semana, por 6 meses
Diálise peritoneal:
CAPD: 250-500 mg intraperitoneal (última bolsa)
APD: 5-10 mg/kg/semana, endovenosa, pelo menos 5 h antes do início da diálise

to cálcio ⫻ fósforo e calcificações metastáticas podem ser O uso de calcitriol é recomendado como medida profi-
observadas. Entretanto, tais complicações não ocorrem sis- lática do hiperparatiroidismo secundário, em pacientes na
tematicamente, pois o uso do calcitriol pode frear a secre- fase pré-dialítica. O conceito de que tal uso favoreceria a
ção de PTH pela glândula paratiroidiana, reduzindo a ação deterioração da função renal, devido a hipercalcemia e
do hormônio no osso, com menor liberação de cálcio e fós- hipercalciúria, não foi devidamente confirmado. Na fase
foro teciduais. A redução excessiva dos níveis de PTH as- pré-dialítica, as doses de calcitriol associadas à suplemen-
sociados à ação óssea do calcitriol pode favorecer o desen- tação de cálcio devem ser monitorizadas através da calci-
volvimento de doença adinâmica. úria. Nos pacientes em diálise, com níveis de PTH-i acima
728 Fisiopatologia, Clínica e Tratamento da Osteodistrofia Renal

de 400 pg/ml, preconiza-se o uso de doses elevadas de pulação cirúrgica propicie o implante de tecido paratiroi-
calcitriol, dadas de forma intermitente, 2 ou 3 vezes por diano na região cervical, o que seria suficiente para a ma-
semana — a pulsoterapia. A via de administração pode ser nutenção de níveis adequados de PTH a longo prazo. Na
oral ou endovenosa. Tal procedimento terapêutico baseia- total, seguida de auto-implante, todas as glândulas são
se no fato de que altas doses de calcitriol inibem a síntese retiradas e fragmentos das mesmas são implantados no
de PTH pelas glândulas paratiroidianas. As doses devem antebraço ou na região pré-esternal. Após a paratiroidec-
ser adaptadas a cada paciente dependendo da gravidade tomia, os níveis de cálcio e fósforo devem ser rigorosamen-
do quadro. O período de tratamento é variável e a moni- te monitorizados, pois o fenômeno de “fome óssea” (hipo-
torização dos níveis de PTH devem ser constantes, com o calcemia acompanhada de hipofosfatemia) está, na maio-
intuito de mantê-los em torno de 3 vezes o limite superior ria das vezes, presente, podendo persistir por várias sema-
da normalidade. nas ou meses. A suplementação de cálcio através de infu-
Novos análogos da vitamina D, como por exemplo o sões de gluconato de cálcio, associadas a altas doses de
alfa-calcidol, paricalcitol e o oxacalcitriol, foram desenvol- calcitriol, é muitas vezes necessária para evitar-se tetania
vidos visando a menor ocorrência de efeitos colaterais, e mesmo convulsões.
como a hipercalcemia e a hiperfosfatemia. Esses análogos
possuem menor afinidade pelas proteínas carreadoras e,
portanto, além de estarem mais acessíveis aos órgãos-alvo,
Deferoxamina
são mais rapidamente metabolizados. Mais do que tratar, a intoxicação alumínica deve ser
prevenida. Para tanto, o controle adequado da água de
diálise e a descontinuidade do uso de quelantes de fósfo-
Calcimiméticos ro contendo alumínio devem ser observados. Uma vez
A identificação do receptor extracelular de cálcio nas estabelecida a intoxicação, preconiza-se o uso de defero-
paratiróides foi um dos grandes avanços científicos na úl- xamina (Desferal), na dose de 5-10 mg/kg, uma vez por
tima década, contribuindo para a melhor compreensão do semana, durante cerca de seis meses. A deferoxamina deve
metabolismo do cálcio. A ativação desse receptor, através ser administrada na primeira ou, se necessário, na segun-
de pequenas modificações do cálcio extracelular, altera de da diálise da semana e sempre após o término da sessão.
maneira inversa os níveis de PTH. Esse receptor não é ex- Os efeitos colaterais incluem hipotensão, exacerbação ou
clusivo das células paratiroidianas, ocorrendo também nos precipitação da encefalopatia da diálise, neurotoxicidade
rins, intestino e sistema nervoso central. auditiva e visual e rash cutâneo. O uso de deferoxamina,
O conhecimento desse receptor proporcionou, recente- principalmente em altas doses, tem também se associado
mente, o desenvolvimento de um grupo de compostos, co- a uma maior freqüência de infecções por germes oportu-
nhecidos como calcimiméticos, cujo mecanismo de ação re- nistas, como a Yersinia enterolitica e a mucormicose. Uma
side na capacidade de aumentar a afinidade do receptor de forma de minimizar os efeitos colaterais, principalmente
cálcio pelo próprio cálcio, promovendo assim a redução da naqueles pacientes com intoxicações maciças, seria adminis-
secreção de PTH. Como já citado, a hiporregulação do re- trar a droga pelo menos 5 horas antes da diálise. Tal proce-
ceptor de cálcio no tecido paratiroidiano hiperplasiado é um dimento permite que grande parte do complexo alumínio-
deferoxamina formado seja removida do plasma imediata-
dos principais fatores responsáveis pelo desenvolvimento
mente naquela diálise, ao invés de permanecer na circula-
do hiperparatiroidismo. Assim, essa classe de drogas torna-
ção por 44 horas, como na administração convencional.
se um promissor arsenal terapêutico no controle do hiper-
Um resumo do tratamento da osteodistrofia renal en-
paratiroidismo secundário, principalmente nos casos mais
contra-se no Quadro 39.2.
avançados, nos quais, devido à hipercalcemia, está contra-
indicado o uso de sais de cálcio e vitamina D.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Paratiroidectomia
BOUILLON, R. Diabetic bone disease. Calcif Tissue Int, 49:155-160, 1991.
As indicações de paratiroidectomia são a hipercalcemia BROWN, A.J. Therapeutic use of vitamin D analogues. Am J Kidney Dis,
e a elevação do produto cálcio ⫻ fósforo (maior que 55) 38(S5):S3-S19, 2001.
CHERTOW, G.M.; BURKE, S.K.; RAGGI, P. Treat to Goal Working Group.
persistentes, prurido intratável, calcificações ectópicas,
Sevelamer attenuates the progression of coronary and aortic calcifi-
dores ósseas intensas e constantes, fraturas e calcifilaxia. cation in hemodialysis patients. Kidney Int, 62:245-252, 2002.
A paratiroidectomia pode ser subtotal, total ou total segui- D’HAESE, P.C.; COUTTENYE, M.M.; De BROE, M.E. Diagnostic and tre-
da de auto-implante. Na subtotal, são retiradas as maiores atment of aluminum bone disease. Nephrol Dial Transplant, 11(S3):74-
79, 1996.
glândulas, conservando-se metade da glândula cujo aspec-
DE FRANCISCO, A.L.M.; FRESNEDO, G.F.; RODRIGO, E.; PIÑERA, C.;
to macroscópico seja mais próximo do normal. Na total, são AMADO, J.A.; ARIAS, M. Parathyroidectomy in dialysis patients.
retiradas todas as glândulas, acreditando-se que a mani- Kidney Int, 61(S80):S161-S166, 2002.
capítulo 40 729

DRÜEKE, T.B. Adynamic bone disease, anaemia, resistance to erythro- RODRIGUEZ, M.; CANALEJO, A.; GARFIA, B.; AGUILERA, E.;
poietin and iron-aluminum interaction. Nephrol Dial Transplant, 8 ALMADEN, Y. Pathogenesis of refractory secondary hyperpara-
(S1):12-16, 1993. thyroidism. Kidney Int, 61(S80):S155-S160, 2002.
DRÜEKE, T.B. Cell biology of parathyroid gland hyperplasia in chronic SHERRARD, D.J.; HERCZ, G.; PEY, Y.; MALONEY, N.A.; GREENWOOD,
renal failure. J Am Soc Nephrol, 11:1141-1152, 2000. C.; MANUEL, A.; SAIPHOO, C.; FENTON, S.S.; SEGRE, G.V. The spec-
FRAZÃO, J.M.; MARTINS, P.; COBURN, J.W. The calcimimetics agents: trum of bone disease in end-stage renal failure — An evolving disorder.
Perspectives for treatment. Kidney Int, 61(S80):S149-S154, 2002. Kidney Int, 43:436-442, 1993.
FUKUDA, N.; TANAKA, H.; TOMINAGA, Y.; FUYAGAWA, M.; SLATOPOLSKY, E. A novel mechanism for skeletal resistance in uremia.
KUROKAWA, S.; SEINO, Y. Decreased 1,25-dihydroxyvitamin D3 Kidney Int, 58(2):753-761, 2000.
receptor density is associated with a more severe form of parathyroid SLATOPOLSKY, E.; BURKE, S.K.; DILLON, M.A. RenaGel, a nonab-
hyperplasia in chronic uremic patients. J Clin Invest, 92:1436-1442, 1993. sorbed calcium and aluminum-free phosphate binder, lowers se-
GONZÁLEZ, E.A. The role of cytokines in skeletal remodelling: possible rum phosphorus and parathyroid hormone. Kidney Int, 55:299-307,
consequences for renal osteodystrophy. Nephrol Dial Transplant, 1999.
15:945-945, 2000. SLATOPOLSKY, E.; DUSSO, A.; BROWN, A.J. Control of uremic bone
GOODMAN, W.G. Coronary-artery calcification in young patients with disease: Role of vitamin D analogs. Kidney Int, 61(S80):S143-S148,
end-stage renal disease who are undergoing dialysis. N Engl J Med, 2002.
342:1478-1483, 2000. VIEIRA, I.O.; GRACIOLLI, F.G.; REIS, L.M.; MOYSÉS, R.M.A. e
GOODMAN, W.G. Recent developments in the management of secon- JORGETTI, V. Atualização em Nefrologia Clínica: citocinas e osteo-
dary hyperparathyroidism. Kidney Int, 59:1187-1201, 2001. distrofia renal. J Bras Nefrol, 23(4):224-229, 2001.
LLACH, F. Calcific uremic arteriolopathy (calciphylaxis): an envolving VIEIRA, P.; DE VERNEJOUL, M.C. Circulating biochemical markers of
entity? Am J Kidney Dis, 32:514-518, 1998. bone remodelling in uremic patients. Kidney Int, 55:2141-2156, 1999.
LOCATELLI, F.; CANNATA-ANDIA, J.B.; DRUEKE, T.B.; HORL, W.H.;
FOUQUE, D.; HEIMBURGER, O.; RITZ, E. Management of disturban-
ces of calcium and phosphate metabolism in chronic renal insuffici-
ency, with emphasis on the control of hyperphosphatemia. Nephrol BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Dial Transplant, 17:723-731, 2002.
MALLUCHE, H.; FAUGERE, M.C. Renal bone disease 1990: an unmet Advances in Renal Osteodystrophy. Nephrol Dial Transplant, 13(S3):3-104,
challenge for the nephrologist. Kidney Int, 38:193-211, 1990 [Editorial]. 1997.
MARTIN, K.J.; GONZÁLEZ, E.A. Strategies to minimize bone disease in Renal Bone Disease. Kidney Int, 56(S73):S2-S98, 1999.
renal failure. Am J Kidney Dis, 38(6):1430-1436, 2001. Biópsia e Histomorfometria óssea. Carvalho, A.B.; Reis, L.M. e Jorgetti,
MAZHAR, A.R.; JOHNSON, R.J.; GILLEN, D.; STIVELMAN, J.C.; RYAN, V. In: Osteoporose — Diagnóstico e Tratamento. Szejnfeld, V.L. (ed). 1.ª
M.J.; DAVIS, C.L.; STEHMAN-BREEN, C.O. Risk factors and morta- edição, São Paulo, Sarvier, 2000, pg. 259.
lity associated with calciphylaxis in end-stage renal disease. Kidney
Int, 60:324-332, 2001.
MENDONÇA, D.U.; LOBÃO, R.R.S. e CARVALHO, A.B. Revisão: Hiper- ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
paratiroidismo secundário — visão atual de aspectos fisiopatológicos
http://srvhosting3.actio.com.br/Genzyme/
e clínicos. J Bras Nefrol, 24(1):48-55, 2002.
RAMSAY, C.R.; CAMPBELL, M.K.; CANTAROVICH, D.; CATTO, G.; http://courses.washington.edu/bonephys/opmovies.html
CODY, J.; DALY, C.; DELACROIX, C.; EDWARD, N.; GRIMSHAW, http://www.med.harvard.edu:80/JPNM/BoneTF/
J.M.; van HAMERSVELT, H.W.; HENDERSON, I.S.; KHAN, I.H.; Case21/WriteUp21.html
KOENE, R.A.; PAPADIMITROU, M.; RITZ, E.; TSAKIRIS, D.;
http://www.hdcn.com/
MacLEOD, A.M. Evaluation of clinical guidelines for the management
of end-stage renal disease in europe: the EU BIOMED 1 study. Nephrol http://www.ciclosporinasigmapharma.com.br (acessar
Dial Transplant, 15(9):1284-1287, 2000. Serviços)
Capítulo
Hipertensão Arterial Primária

41 Fernando Antonio de Almeida e Cibele Isaac Saad Rodrigues

CONCEITO E DEFINIÇÕES Fatores de risco da hipertensão arterial


DETERMINAÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL primária
PREVALÊNCIA E SIGNIFICADO DA ELEVAÇÃO DA Hipertensão arterial secundária
PRESSÃO ARTERIAL CONSEQÜÊNCIAS DA HIPERTENSÃO ARTERIAL
MECANISMOS REGULADORES DA PRESSÃO ARTERIAL — Comprometimento cerebral da hipertensão arterial
FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL Comprometimento cardíaco da hipertensão arterial
Excesso de sódio e volume Comprometimento renal da hipertensão arterial
O sistema nervoso autonômico RETINOPATIA HIPERTENSIVA
O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) Comprometimento arterial periférico
O sistema calicreína-cininas (SCC) CLASSIFICAÇÃO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL
O sistema das prostaglandinas (PG) AVALIAÇÃO CLÍNICA E LABORATORIAL DO PACIENTE
Peptídeos natriuréticos HIPERTENSO
A vasopressina ou hormônio antidiurético EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
O endotélio e seu hormônio natural (endotelina) PREVENÇÃO PRIMÁRIA E TRATAMENTO
Fator relaxante derivado do endotélio (EDRF) ou óxido NÃO-FARMACOLÓGICO DA HIPERTENSÃO ARTERIAL
nítrico (NO) Tratamento não-farmacológico da hipertensão
Resistência insulínica BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ETIOLOGIA DA HIPERTENSÃO ARTERIAL ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Hipertensão arterial primária ou essencial

são sistólica igual ou superior a 140 mmHg ou de pressão


CONCEITO E DEFINIÇÕES diastólica igual ou superior a 90 mmHg. Nos últimos anos o
Joint National Committee, um comitê de especialistas ameri-
Hipertensão arterial é a elevação permanente da pressão canos que se reúne a cada quatro anos para padronizar o diag-
arterial acima de certos limites considerados normais, quan- nóstico, a avaliação e o tratamento da hipertensão, a Organi-
do a medida pressórica é tomada em condições e por méto- zação Mundial de Saúde, a Sociedade Internacional de Hiper-
dos apropriados. A própria conceituação de pressão arterial tensão e muitos comitês em diferentes países, inclusive no
normal tem-se modificado nos últimos anos em função do Brasil, consideram que, em indivíduos com 18 anos ou mais,
conhecimento de que mesmo pequenos aumentos pressóri- os valores normais da pressão arterial devam ser inferiores a
cos já se associam a maior risco de complicações cardiovas- 130/85 mmHg. Classificam ainda como normal “limítrofe”
culares, principalmente aquelas relacionadas à aterosclerose. os valores de pressão sistólica entre 130 e 139 mmHg e dias-
Hoje se considera hipertensão arterial qualquer valor de pres- tólica entre 85 e 89 mmHg (v. Quadro 41.7).
capítulo 41 731

Hipertensão sistólica isolada corresponde a valores de pres- Esta é uma das razões para que se recomende, do ponto
são sistólica igual ou superior a 140 mmHg em indivíduos com de vista clínico, só rotularmos um indivíduo de hipertenso
pressão diastólica abaixo de 90 mmHg. Em pessoas idosas, após pelo menos três determinações da pressão arterial em
devido à maior rigidez das grandes artérias, é comum se momentos e circunstâncias diferentes e de acordo com as re-
observarem valores muito elevados da pressão sistólica com comendações que vêm a seguir. Obviamente se ao avaliarmos
diastólica normal. Desde já é importante frisar que, embora seja um paciente encontramos a pressão arterial em níveis muito
um achado comum no envelhecimento, os riscos da hiperten- superiores ao normal e já havendo comprometimento sistê-
são sistólica isolada são semelhantes ou superiores aos da mico determinado pela hipertensão, não há razões para pro-
elevação da pressão sistólica e diastólica. telarmos o diagnóstico de hipertensão arterial.
O conceito de hipertensão lábil tem sido cada vez menos
utilizado, pois naqueles indivíduos cujos níveis pressóricos Pontos-chave:
oscilam entre a faixa elevada e a considerada normal habitu-
almente tem-se constatado o “efeito do avental branco” ou • Denomina-se hipertensão arterial primária
hipertensão de consultório, ou seja, a hipertensão arterial na ou essencial aquela na qual, após a
presença do médico não confirmada pela monitorização investigação clínica e laboratorial
ambulatorial da pressão arterial (MAPA), realizada por 24 cuidadosa, excluíram-se todas as possíveis
horas com aparelhos automáticos. Há evidências de que este causas de hipertensão secundária
achado não seja totalmente benigno e possa correlacionar-se • Em indivíduos com 18 anos ou mais, os
com acometimento de órgãos-alvo e eventos cardiovascula-
valores normais da pressão arterial devem
res. A MAPA vem demonstrando claramente que a pressão
arterial, tanto em normotensos como em hipertensos, sofre
ser inferiores a 130/85 mmHg
variações dentro de uma faixa relativamente ampla durante • Os riscos da hipertensão sistólica isolada são
o período em que estamos acordados em atividade. Apresenta semelhantes ou superiores aos da elevação
um certo “ritmo circadiano”: eleva-se pela manhã logo ao da pressão sistólica e diastólica
acordarmos, tende a reduzir-se após as refeições e sofre um • Só rotulamos um indivíduo de hipertenso
decréscimo durante as horas de sono de 10 a 20 mmHg nas após pelo menos três determinações da
pressões sistólica e diastólica. Veja na Fig. 41.1 o exemplo de pressão arterial em momentos e
monitorização da pressão arterial de um indivíduo com va- circunstâncias diferentes
lores pressóricos próximos dos limites da normalidade.

MONITORIZAÇÃO AMBULATORIAL DA PRESSÃO ARTERIAL


260
240
220 25a M HA limítrofe
Pressão Arterial (mmHg)

200
180
160
140
120
100
80
60
40
20
200
180
160
140
FC (bpm)

120
100
80
60
40
20
8 10 12 14 16 18 20 22 0 2 4 6 8

Tempo (horas)

Fig. 41.1 Monitorização ambulatorial da pressão arterial e da freqüência cardíaca determinadas a cada 15 minutos em homem de 25
anos com pressão arterial próxima ao limite da normalidade. Observe a variação pressórica e o descenso noturno.
732 Hipertensão Arterial Primária

Denomina-se hipertensão arterial primária ou essenci-


Quadro 41.1 Correção dos valores da pressão
al aquela na qual, após a investigação clínica e laboratori-
arterial em função da circunferência braquial.
al cuidadosa, excluíram-se todas as possíveis causas de
Câmara inflável padrão (23  13 cm)
hipertensão secundária. Há, porém, como iremos detalhar
adiante, vários elementos que reforçam a hipótese de hi- Pressão Pressão
pertensão essencial: a existência de antecedentes familia- Circunferência sistólica diastólica
res de hipertensão, idade superior a 40 anos, sexo, grupo do braço (cm) (mmHg) (mmHg)
étnico e a presença de outros fatores de risco individuais, 15-20 5 Sem correção
como a obesidade, o sedentarismo e o uso excessivo de sal 21-26 3 2
e bebidas alcoólicas. 27-32 Leitura obtida 3
32-37 5 5
38-43  10 8
43  15  10
DETERMINAÇÃO DA PRESSÃO
ARTERIAL
dos pelo aumento da pressão no manguito. O esfigmoma-
A medida da pressão sanguínea no território arterial
nômetro de coluna de mercúrio sofre pequenas variações
pode ser realizada por métodos diretos e indiretos. Para
com o tempo, enquanto o aneróide deve ser recalibrado
se determinar a pressão arterial de forma direta é necessá-
pelo menos a cada 6 meses.
rio que se introduza um cateter ou agulha de grosso cali-
O observador deve palpar o pulso radial e inflar rapi-
bre na luz arterial. Procedimento tão invasivo só se justifi-
damente o manguito, de 10 em 10 mmHg, até ultrapassar
ca em condições experimentais de pesquisa clínica ou em
20 a 30 mmHg o seu desaparecimento, para estimar a pres-
casos especiais onde a monitorização pressórica contínua
são sistólica, desinflando-o a seguir. Então, deve posicio-
seja absolutamente necessária (por exemplo em UTI).
nar adequadamente o estetoscópio, e preferencialmente a
A determinação da pressão arterial pode ser realizada
campânula, na fossa antecubital sobre a artéria braquial,
por qualquer profissional da área da saúde, ou mesmo por
de modo suave, evitando compressão excessiva. Ao inflar
leigos, desde que devidamente treinados. A aferição cui-
novamente o manguito, a pressão imposta é transmitida
dadosa evita os freqüentes erros observados na prática. para o tecido que circunda a artéria braquial, que é com-
Assim, deve ser precedida de esclarecimentos e preparo primida contra o úmero. Quando a pressão exercida exter-
adequado do paciente, o observador que realizará a medi- namente ultrapassa a pressão dentro da luz arterial, ela é
da necessita estar devidamente treinado, e reveste-se de ocluída e o fluxo sanguíneo interrompido, o que pode ser
grande importância a prévia verificação das condições do percebido pelo desaparecimento do pulso. A seguir, deve-
aparelho que será utilizado. se proceder à redução vagarosa da pressão no manguito
Nem sempre temos as condições ideais, mas buscá-las (2 mmHg/segundo), permitindo a reperfusão arterial e
deve ser a meta. Isso significa que: o paciente deve ser co- gerando uma seqüência de fenômenos auscultatórios que
locado em ambiente calmo, com temperatura agradável, podem ser ouvidos com o auxílio de um estetoscópio co-
para permitir seu relaxamento. Não pode estar com a be- locado sobre a artéria braquial, ligeiramente acima da pre-
xiga cheia; não deve ter ingerido café, bebidas alcoólicas ga do cotovelo.
ou alimentos 30 minutos antes da medida e preferencial- Korotkoff descreveu cinco fases auscultatórias as quais,
mente não deve estar sob tensão, dor ou ansiedade. É tam- nem sempre, estão todas presentes. A primeira fase corres-
bém necessário informá-lo de que não deverá falar duran- ponde à pressão sistólica e é o momento do aparecimento
te a verificação ou cruzar os membros inferiores. do primeiro som, seguido de batidas regulares. Na segun-
A determinação indireta da pressão arterial se faz por da e terceira fases os sons sofrem mudanças de intensida-
técnica auscultatória, após 5 a 10 minutos de repouso, com de; na quarta sofrem um abafamento ou mudança de tim-
o auxílio de esfigmomanômetros. Estes aparelhos possu- bre e na quinta fase desaparecem.
em uma câmara inflável ajustável ao redor do braço (man- Considera-se a pressão diastólica aquela correspondente
guito). O manguito de tamanho adequado ao braço deve à quinta fase, ou seja, no desaparecimento completo dos
ocupar 2/3 de seu comprimento, ser colocado 2 a 3 cm sons. A ausculta deve ser efetuada por mais 20 a 30 mmHg
acima da prega do cotovelo e sua parte inflável deve ser abaixo do último som, para confirmação do resultado en-
colocada sobre a artéria braquial (Quadro 41.1). A câmara contrado, procedendo posteriormente à deflação rápida e
inflável é conectada a uma coluna de mercúrio graduada completa. Em alguns estados hiperdinâmicos normais ou
em milímetros ou a um manômetro, que consiste em um patológicos (insuficiência aórtica, anemia intensa, hiperti-
mostrador ligado a uma mola espiralada (aneróide). Tan- reoidismo, gestantes e crianças), pode-se continuar ouvin-
to a coluna de mercúrio quanto o aneróide devem estar do os batimentos arteriais até valores próximos ou iguais
posicionados na altura do coração e ambos são movimenta- a zero. Nestes casos, deve-se registrar a quarta fase de
capítulo 41 733

Korotkoff, assim como o valor zero. Durante o esvaziamen- avaliação da hipertensão arterial resistente ou episódica,
to do manguito deve-se proceder às leituras com precisão na suspeita de episódios de hipotensão arterial sintomáti-
de 2/2 mmHg, por exemplo, 148/86 mmHg, e não apenas ca e, finalmente, para se avaliar a eficácia e o ajuste de
14/8 ou 15/9. Anotar sempre a posição do paciente, o ta- medicamentos anti-hipertensivos. As principais limitações
manho do manguito utilizado e o membro superior onde são: presença de arritmias cardíacas, hipercinesia, braços
foram realizadas as medidas. Esperar cerca de 1 a 2 minu- que não permitam o perfeito ajuste do manguito e hiato
tos para novas aferições no mesmo membro. auscultatório (v. Fig. 41.1).
Quando a massa de tecido muscular ou adiposo do braço
é muito volumosa, a pressão do manguito necessária para
ocluir a artéria radial é maior, levando-nos a superestimar a Pontos-chave:
pressão arterial. O contrário ocorre com braços muito magros • Ao se determinar a pressão arterial, o
ou de crianças. Assim, idealmente, deveríamos sempre utili-
manguito de tamanho adequado ao braço
zar manguitos adequados à circunferência braquial. Quan-
do usamos manguitos adequados, que ocupem efetivamen-
deve ocupar 2/3 de seu comprimento, ser
te 2/3 da extensão do braço, a correção não é necessária. Caso colocado 2 a 3 cm acima da prega do
nenhuma das alternativas anteriores seja possível, podemos cotovelo e sua parte inflável deve ser
determinar a pressão arterial no antebraço auscultando a ar- colocada sobre a artéria braquial
téria radial. Porém, este artifício aumenta a chance de erros. • Quando a massa de tecido muscular ou
Similarmente, em crianças, devem-se utilizar manguitos adiposo do braço é muito volumosa, a
menores, que ocupem 2/3 do comprimento do braço. Para pressão do manguito necessária para ocluir
fins de diagnóstico e tratamento, é aconselhável que se utili- a artéria radial é maior, levando-nos a
ze a média de três determinações da pressão arterial, realiza-
superestimar a pressão arterial
das na posição sentada. Além disso, como algumas condições
• Lembrar as indicações de monitorização
clínicas (diabetes mellitus, envelhecimento, hipovolemia) e
várias drogas anti-hipertensivas podem provocar hipotensão ambulatorial da pressão arterial (MAPA),
ao se assumir a posição ortostática, deve-se também determi- durante 24 horas: hipertensão de
nar a pressão após 2 a 3 minutos nesta posição. consultório ou do avental branco,
Na maioria das vezes o ajuste medicamentoso baseia-se em avaliação da hipertensão arterial
valores pressóricos determinados pelo médico em consultó- resistente ou episódica, na suspeita de
rio ou ambulatório. Entretanto, propicia um número reduzi- episódios de hipotensão arterial
do de leituras e erros por influência do observador. Assim, é sintomática e, finalmente, para se avaliar
sempre aconselhável que o próprio paciente ou familiar se- a eficácia e o ajuste de medicamentos
jam treinados para determinar sua pressão arterial em dife-
anti-hipertensivos
rentes situações de seu cotidiano. Este procedimento é conhe-
cido como Medida Residencial da Pressão Arterial (MRPA)
e teve suas diretrizes recentemente publicadas. Com o desen-
volvimento de aparelhos automáticos validados cientifica- PREVALÊNCIA E SIGNIFICADO
mente a preços acessíveis, a medida doméstica tornou-se con-
fiável, permitindo seu uso em ensaios clínicos e na prática
DA ELEVAÇÃO DA PRESSÃO
médica. São exemplos úteis: o diagnóstico de hipertensão de ARTERIAL
consultório ou do avental branco, a avaliação da eficácia te-
rapêutica e do prognóstico do hipertenso. Os aparelhos Para entendermos a distribuição dos valores da pressão
oscilométricos digitais automáticos dispensam o uso de este- arterial na população e o significado a longo prazo de sua
toscópio, facilitando seu uso por pacientes não habituados a elevação, iremos recorrer à Fig. 41.2 e ao Quadro 41.2. A
determinar a pressão, mas devem ser testados contra apare- Fig. 41.2 mostra a distribuição dos valores de pressão sis-
lhos de coluna de mercúrio, pelo menos, anualmente. Entre- tólica e diastólica em um grande levantamento da popu-
tanto, só alguns destes aparelhos foram validados segundo lação adulta nos EUA (35 a 57 anos). Observe no gráfico
as normas da British Hypertension Society e da Association de barras que a pressão arterial distribui-se de forma “nor-
for Advancement of Medical Instruments ou outros critérios mal”, ou seja, segundo uma “curva de Gauss”. Se levarmos
aceitos pela comunidade científica internacional. em conta o valor de corte de 140 mmHg para a pressão
A monitorização ambulatorial da pressão arterial sistólica ou de 90 mmHg para a pressão diastólica, aproxi-
(MAPA), durante 24 horas, com aparelhos automáticos madamente 25% da população adulta americana é porta-
cujos registros são analisados por software próprio, tem as dora de hipertensão arterial (HA). Os estudos brasileiros
seguintes indicações, segundo as III Diretrizes para uso da realizados em amostras populacionais mais restritas suge-
MAPA: hipertensão de consultório ou do avental branco, rem que estes dados possam ser superponíveis à popula-
734 Hipertensão Arterial Primária

ção brasileira. Isto significa que devemos ter de 25 a 30


Quadro 41.2 Redução da esperança de vida em
milhões de indivíduos hipertensos em nosso país.
função da pressão arterial
Até recentemente, quando se falava em hipertensão arte-
Pressão arterial Esperança Redução rial usava-se com mais freqüência a pressão diastólica como
(mmHg) de vida observada referência. Entretanto, este conceito mudou, pois o risco car-
120/80  41,5 anos referência diovascular está associado à elevação da pressão sistólica,
130/90  37,5 anos 10% diastólica e da pressão diferencial ou pressão de pulso. Para
140/95  32,5 anos 22% crianças os valores de referência são diferentes e baseiam-se
150/100  25,0 anos 40% em parâmetros de normalidade da população americana, pois
Dados retativos ao estudo de Holzgreve. não temos dados brasileiros. Considera-se que se deva inter-
vir com medidas higieno-dietéticas quando a criança tiver
pressão arterial acima da linha correspondente ao 95.º percen-
til (linha abaixo da qual estão situadas as pressões arteriais
Distribuição da Pressão Sistólica
e o Risco Cardiovascular de 95% das crianças em determinada idade).
30 5 Quais as conseqüências de se ter pressão arterial eleva-
da? A resposta a esta pergunta foi dada já na década de 70,
25
Porcentagem de Homens

4 quando estudos retrospectivos realizados por companhi-


20 as de seguro e os primeiros resultados dos estudos pros-
Risco Relativo

3
pectivos realizados na cidade de Framingham mostraram
15 haver evidente aumento da mortalidade por doenças car-
diovasculares à medida que a pressão arterial se eleva.
10 2
Acompanhe no Quadro 41.2 a relação entre os valores de
5 1 pressão arterial e a esperança de vida (anos). Há redução
importante na esperança de vida mesmo para os indivídu-
0 0 os com discretas elevações na pressão arterial quando com-
< 110 110-119 120-129 130-139 140-149 150-159 160 parados àqueles com pressão de 120/80 mmHg. Observe,
A por exemplo, que ter valores pressóricos de 140/95 mmHg
Pressão Sistólica (mmHg)
significa uma redução de nove anos (22%) na expectativa
de vida, ou ter 150/100 mmHg uma redução de 40%. Esta
redução se deve à alta taxa de morbidade e mortalidade
por complicações cardiovasculares (v. Fig. 41.2). Estes es-
tudos mostram que elevações da pressão arterial diastóli-
Distribuição da Pressão Diastólica e ca acima de 85 mmHg e da pressão sistólica acima de 130
o Risco Cardiovascular
já são acompanhadas de maiores taxas de complicações
25 3 cardiovasculares, e esta tendência torna-se cada vez mais
2,5
acentuada à medida que se elevam os níveis pressóricos,
Porcentagem de Homens

20
não havendo um limiar muito evidente de normalidade.
2 Estudos recentes e reanálises de dados anteriores do
Risco Relativo

15
Estudo de Framingham mostram que a pressão diferenci-
1,5
al ou de pulso (sistólica–diastólica) tem melhor correlação
10
1
com o risco cardiovascular que a pressão sistólica ou dias-
tólica (v. Fig. 41.3). As maiores pressões de pulso são vis-
5
0,5 tas em indivíduo com hipertensão sistólica isolada, portan-
to os de maior risco cardiovascular.
0 0
< 70 70-74 75-79 80-84 85-89 90-94 95-99 100

B Pressão Diastólica (mmHg)

Fig. 41.2 A. Porcentagem de distribuição da pressão arterial sis-


MECANISMOS REGULADORES
tólica (barras azuis) e o risco relativo de mortalidade cardiovas- DA PRESSÃO ARTERIAL —
cular (linha negra) nos próximos 12 anos (ajustado para idade,
grupo étnico, colesterol total, número de cigarros fumados por FISIOPATOLOGIA DA
dia, diabetes mellitus e renda familiar) em amostra populacional
de indivíduos do sexo masculino com idade entre 35 e 57 anos,
HIPERTENSÃO ARTERIAL
sem história prévia de doença coronária. B. O mesmo em relação
à pressão diastólica (n  356.222 indivíduos). MRFIT Research A manutenção da pressão arterial dentro de certos limi-
Group. Arch. Intern. Med., 152:56-64, 1992. tes considerados normais visa essencialmente manter o flu-
capítulo 41 735

Incidência de Doença Cardiovascular


15

Pressão Pressão Pressão de

Nº Eventos/1.000 indivíduos/ano
Sistólica Diastólica Pulso

10

<4
<9
16
14
<1

45
10

60
90
0+
0-

5
5+
0

-5
40

+
-1
15

9
04
9

Pressão Arterial (mmHg)


Fig. 41.3 Incidência de complicações cardiovasculares em função do aumento da pressão sistólica, diastólica e pressão de pulso.
Adaptado de Alderman, M.H. e cols. J. Hypertens., 16:761-769, 1998.

xo sanguíneo constante para os diferentes territórios vascu-


Quadro 41.3 Mecanismos envolvidos na regulação
lares. Isto só é possível graças à interação de mecanismos
da pressão arterial
bastante complexos que envolvem: débito cardíaco e volu-
me circulante; sistema nervoso central e autonômico e di- SÓDIO E VOLUME EXTRACELULAR
versos sistemas hormonais vasoconstritores e vasodilatado-
SISTEMA NERVOSO
res, cujas ações locais e sistêmicas regulam a resistência peri- — Sistema Nervoso Central
férica. A pressão arterial (PA) depende do débito cardíaco — Sistema Nervoso Simpático (tônus arteriolar)
(DC) e da resistência periférica (RP), sendo regida pela seguin- — Sistema Nervoso Parassimpático (n. vago — coração)
te fórmula: PA ⴝ DC ⴛ RP, onde DC é o resultado do volu- — Sistema Barorreceptor (ajuste pressórico imediato)
me sistólico vezes a freqüência cardíaca e a RP é representa- SISTEMAS HORMONAIS VASOCONSTRITORES
da pelo tônus das artérias de pequeno calibre e, principalmen- — Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona
te, arteríolas, cuja regulação é feita pelo sistema nervoso sim- — Catecolaminas
pático (vasoconstritor) e pelos sistemas hormonais vasocons- — Prostaglandinas Vasoconstritoras (PGF2, TxA2)
—Vasopressina (ADH)
tritores e vasodilatadores. Na imensa maioria dos estados
— Endotelinas
hipertensivos a RP é que se encontra aumentada e, raramen- — Outros (importância clínica não comprovada)
te, é o DC que se eleva. Por esta razão, tem-se dado maior
ênfase ao estudo das causas do aumento da RP como meca- SISTEMAS HORMONAIS VASODILATADORES
— Calicreína-Cininas
nismo responsável pelo aumento da pressão arterial.
— Prostaglandinas Vasodilatadoras (PGI2, PGE2)
O Quadro 41.3 apresenta de forma resumida os princi- — Peptídeos Natriuréticos (ANP, BNP, CNP e outros)
pais sistemas envolvidos na regulação da pressão arterial. — Óxido Nítrico (EDRF)
A pressão arterial pode elevar-se por diferentes motivos. — Outros (importância clínica não comprovada)
Dependendo do momento, das características fisiopatológi-
cas de cada estado hipertensivo e até mesmo de fatores in-
dividuais, um ou mais destes mecanismos poderão estar
estimulados (sistemas vasoconstritores) ou deprimidos (sis- sistemas hormonais vasoconstritores (renina-angiotensina-
temas vasodilatadores). Quanto mais se conhece cada um aldosterona e endotelina) e vasodilatadores (sistema calicre-
destes sistemas, mais se confirma que eles têm estreita inte- ína-cininas, prostaglandinas e óxido nítrico).
ração, ora um agindo sobre ou através de outro, ora um es-
timulando ou inibindo as ações de outro. Veja na Fig. 41.4
uma representação gráfica da interação dos vários mecanis-
Excesso de Sódio e Volume
mos reguladores da pressão arterial incluindo o coração, Quando o sódio é ingerido acima das necessidades diá-
rins, supra-renais, volume extracelular, sistema nervoso, rias (1 grama/dia), parte dele é retido juntamente com a
736 Hipertensão Arterial Primária

Controle da
2
Pressão Arterial


Noradrenalina
NTS CVM
2 1
Barorreceptores SNS

Vago SNS RPT

 Aldosterona Endotélio
Vasoconstritores
Retenção AII All (Receptores AT1)
ET, TBX
ECA Vasodilatadores
Na+ / Volume
NO, BK, PGI2
Fluxo Renal  AI
All (Receptores AT2)
Renina
PA = DC ⴛ RPT Angiotensinogênio
(Fígado)

Fig. 41.4 Visão geral dos mecanismos reguladores da pressão arterial. NTS — núcleo do trato solitário; CVM—centro vasomotor;
RPT — resistência periférica total; AI — angiotensina I; AII — angiotensina II; ECA — enzima conversora da angiotensina; AT1 —
receptor tipo 1 da angiotensina II; AT2 — receptor tipo 2 da angiotensina II; ET — endotelina; TBx — tromboxane; NO — óxido
nítrico; BK — bradicinina; PGI2 — prostaciclina.

água, promovendo um discreto aumento do volume extra- moderada (máximo 6 gramas por dia) indistintamente a
celular (VEC). O excesso do sódio corporal total e o aumen- todos os hipertensos.
to do VEC podem ser responsáveis pela elevação da pres-
são arterial por estimular um ou mais dos seguintes meca-
nismos: 1. aumento da atividade do sistema nervoso sim-
Pontos-chave:
pático; 2. aumento da reatividade (resposta) arteriolar às • A pressão arterial (PA) depende do débito
diferentes substâncias vasoconstritoras; ou 3. aumento do cardíaco (DC) e da resistência periférica
débito cardíaco. Não existe um limiar de ingestão de só- (RP), sendo regida pela seguinte fórmula:
dio a partir do qual isto aconteça. Hoje se recomenda que
PA ⴝ DC ⴛ RP
a dieta de indivíduos predispostos geneticamente a ter
hipertensão não deva ultrapassar 6 gramas de cloreto de
• Na imensa maioria dos estados hipertensivos
sódio por dia, lembrando que, em uma dieta habitual, os a RP é que se encontra aumentada e,
alimentos em sua forma natural já contêm aproximada- raramente, é o DC que se eleva
mente 2 gramas de sal. Porém, há dados recentes do estu- • Há muitos estudos demonstrando que os
do DASH (Dietary Approach to Stop Hypertension), mos- hipertensos não se comportam
trando que dieta com aproximadamente 4 gramas de clo- uniformemente em relação ao sal. Alguns
reto de sódio por dia reduz a pressão arterial de hiperten- são mais “sensíveis” e outros mais
sos e normotensos em maior intensidade que dietas com 6 “resistentes” quando submetidos
gramas de sal por dia. Há muitos estudos demonstrando experimentalmente a dietas ricas em sódio
que os hipertensos não se comportam uniformemente em
• Recomenda-se a restrição de sal moderada
relação ao sal. Alguns são mais “sensíveis” e outros mais
“resistentes” quando submetidos experimentalmente a
(máximo 6 gramas por dia) indistintamente
dietas ricas em sódio. Porém, do ponto de vista prático, é a todos os hipertensos
quase impossível saber como cada indivíduo se compor-
taria diante de tal estímulo, principalmente a longo prazo.
O Sistema Nervoso Autonômico
Na realidade, estudos populacionais onde não foi levado
em conta tal fator individual mostraram que a restrição de O sistema nervoso simpático (SNS), através da libera-
sal é benéfica para controlar a pressão arterial da maioria ção de noradrenalina na junção neuromuscular, é um dos
dos hipertensos. Por isso, recomenda-se a restrição de sal principais responsáveis pela manutenção do tônus arteri-
capítulo 41 737

olar de base. Existem, porém, muitas evidências clínicas e duzindo a eferência parassimpática (vagal) sobre o cora-
experimentais de que a hiperatividade do SNS provoca ção (aumento da FC). Estas duas respostas (aumento do
vasoconstrição exagerada e elevação da pressão arterial. O tônus simpático e da FC) funcionam no sentido de resta-
SNS sofre influências do sistema barorreceptor (v. descri- belecer a pressão arterial aos seus níveis anteriores. Por
ção adiante) e do sistema nervoso central, através de estí- outro lado, quando ocorre elevação da pressão arterial, os
mulos corticais e subcorticais, modulando a atividade sim- barorreceptores são mais estimulados, aumentando a
pática, cujo efeito final se fará sobre o tônus vascular peri- aferência ao NTS, que exerce maior inibição sobre o cen-
férico e a pressão arterial. O núcleo do trato solitário (NTS), tro vasomotor (diminuindo a atividade simpática). Ao
localizado no tronco cerebral, recebe aferências de recep- mesmo tempo ocorre aumento da eferência parassimpáti-
tores de pressão (barorreceptores) presentes na parede da ca (diminuindo a FC). Portanto, em resposta à elevação da
aorta e das carótidas. Veja na Fig. 41.4 que estas informa- PA, o sistema barorreceptor diminui a atividade simpáti-
ções integradas àquelas provenientes de níveis superiores ca e a FC no sentido de reduzir a PA.
regulam a atividade do “centro vasomotor” de onde se
originam as eferências simpáticas (dirigidas aos vasos san-
guíneos) e parassimpáticas (dirigidas ao coração), que te- O Sistema Renina-Angiotensina-
rão influência, respectivamente, sobre o tônus arteriolar e Aldosterona (SRAA)
a freqüência cardíaca (FC). O NTS exerce uma ação inibi-
dora sobre o centro vasomotor. Este conjunto de estrutu- A Fig. 41.5 nos dá uma idéia da interação de vários sis-
ras, conhecido como sistema barorreceptor arterial, tem como temas hormonais importantes na regulação da pressão
principal tarefa os ajustes pressóricos imediatos em respos- arterial. O sistema renina-angiotensina-aldosterona e as
ta às mudanças posturais e às variações da própria pres- endotelinas têm efeito vasoconstritor, enquanto o sistema
são arterial “sentida” pelos barorreceptores. calicreína-cininas, prostaglandinas (PGI2) e o óxido nítri-
Acompanhe na Fig. 41.4 o seguinte exemplo: ao passar- co (NO) são vasodilatadores. Embora a angiotensina II
mos da posição deitada para a ortostática, a pressão arte- (vasoconstritora) e a bradicinina (vasodilatadora) sejam os
rial, ainda que momentaneamente, tende a cair. Neste ins- efetores mais conhecidos, todas estas substâncias são muito
tante os barorreceptores da parede arterial são menos es- potentes e interferem na regulação do tônus da muscula-
timulados, enviam menos impulsos ao NTS que, por sua tura lisa vascular. A endotelina (ET), por exemplo, em con-
vez, deixa de inibir o centro vasomotor liberando o siste- centrações eqüimolares, é 10 vezes mais potente que a an-
ma nervoso simpático (aumento do tônus vascular) e re- giotensina II. A bradicinina, conhecida como um dos va-

Estresse de Estiramento

AII ET-1 Estímulo – lesão

Renina AI Ach PGI2


AVP AII
AA BK
Célula
B2 AT2
AGT Big - ET Endotelial
AI
ECE Ciclooxigenase L-Arginina
ECA
ET-1
NO-Sintase

TBXA2 (Óxido Nítrico)


PGI2 NO
AII ET-1
PGH2

AT1 TBX
ETA ETB
Célula AMPc GMPc
Muscular
CONTRAÇÃO Lisa RELAXAMENTO

Fig. 41.5 Representação esquemática do endotélio e células musculares lisas vasculares e a interação dos vários sistemas hormonais
vasoconstritores e vasodilatadores que atuam neste local. AGT — angiotensinogênio; AI — angiotensina I; AII — angiotensina II;
ECA — enzima conversora da angiotensina; AT1 — receptor tipo 1 da angiotensina II; AT2 — receptor tipo 2 da angiotensina II; Big-
ET — precursor da endotelina; ET-1 — endotelina 1; ECE — enzima conversora da endotelina; ETA — receptor tipo A da endotelina;
ETB — receptor tipo B da endotelina; AVP — arginina vasopressina; Ach — acetilcolina; AA — ácido araquidônico; PGI2 — prosta-
ciclina; BK — bradicinina; B2 — receptor tipo 2 da bradicinina; TbxA2 — tromboxane A2; PGH2 — prostaglandina H2; AMPc —
monofosfato cíclico de adenosina; GMPc — monofosfato cíclico de guanosina; NO — óxido nítrico.
738 Hipertensão Arterial Primária

sodilatadores mais potentes, exerce sua ação através de Todas estas ações mencionadas resultam da interação da
uma prostaglandina (PGI2). angiotensina II com os receptores AT1 localizados na super-
Os efetores finais do SRAA são a angiotensina II e a al- fície da membrana celular, que, por sua vez, ativam meca-
dosterona. A angiotensina II, além de promover a libera- nismos intracelulares mediados por proteínas e citocinas
ção de aldosterona, tem muitos outros efeitos. Entre eles, consideradas mensageiros intermediários de seus efeitos. Já
os mais importantes para a regulação da pressão arterial os receptores AT2 da angiotensina II, presentes em menor
são: vasoconstrição direta, aumento do inotropismo, au- quantidade na superfície celular em condições fisiológicas,
mento da absorção de sódio e água pelos rins e intestino e liberam bradicinina, PGI2 e óxido nítrico, todos vasodilata-
ação cerebral ativando o SNS. Já a aldosterona, agindo nos dores. É provável que os recepores AT2 sejam também res-
túbulos distais e coletores corticais, é responsável pela re- ponsáveis pela modulação do crescimento e proliferação
tenção de sódio e água e excreção de potássio. Embora os celular e induzam apoptose. Tais receptores da angiotensi-
efetores finais do SRAA sejam a angiotensina II e a aldos- na II tiveram sua importância clínica ampliada a partir do
terona, a atividade sistêmica do SRAA é regulada pelos rins momento em que antagonistas seletivos dos receptores AT1
através da secreção de renina. Os estímulos mais impor- passaram a estar disponíveis como uma nova classse de
tantes para a liberação de renina pelas células justaglome- agentes anti-hipertensivos com efeitos benéficos adicionais,
rulares são: queda na pressão de perfusão renal, redução protegendo o sistema cardiovascular e os rins das ações
do conteúdo total de sódio/volume intravascular e o au- deletérias da angiotensina II (v. Fig. 41.5).
mento do transporte de sódio pela mácula densa. As célu-
las justaglomerulares recebem também um estímulo tôni-
Pontos-chave:
co (-adrenérgico) do SNS. Assim, os efeitos fisiológicos
do SRAA são todos direcionados no sentido de conservar • O sistema renina-angiotensina-aldosterona
sódio e volume e aumentar a pressão arterial. A relação e as endotelinas têm efeito vasoconstritor,
entre o conteúdo total de sódio/volume intravascular e a enquanto o sistema calicreína-cininas,
atividade do SRAA é inversa, ou seja, quando há déficit de prostaglandinas (PGI2) e o óxido nítrico
volume circulante ocorre grande liberação de renina, que
(NO) são vasodilatadores
aumenta a produção de angiotensina II e aldosterona no
• Os efetores finais do SRAA são a
sentido de manter a pressão arterial e reabsorver sódio/
água para restabelecer o volume circulante. Já quando exis- angiotensina II e a aldosterona
te aumento do volume circulante, como acontece quando • A angiotensina II promove a liberação de
se ingere quantidade excessiva de sal/água, cai a secreção aldosterona, tem ação de vasoconstrição
de renina pelas células justaglomerulares e a liberação de direta, aumenta o inotropismo, aumenta a
angiotensina II e aldosterona, o que facilita a excreção de absorção de sódio e água pelos rins e
sódio e água pelos rins. intestino e tem ação cerebral ativando o SNS
Do ponto de vista prático, é possível demonstrar a exis- • A aldosterona age nos túbulos distais e
tência de vários estados hipertensivos nos quais se detec- coletores corticais, onde é responsável pela
ta a hiperatividade do SRAA como sendo a principal res-
retenção de sódio e água e excreção de
ponsável pela elevação da pressão arterial. São exemplos:
hipertensão renovascular, hipertensão grave e maligna e
potássio
mesmo uma pequena parcela de hipertensos primários. • Os estímulos mais importantes para a
Além destes efeitos fisiológicos mencionados, a angioten- liberação de renina pelas células
sina II é também capaz de promover alterações estruturais justaglomerulares são: queda na pressão de
ao estimular o crescimento e a proliferação celular, deven- perfusão renal, redução do conteúdo total
do ser um dos responsáveis pelo aumento da massa mus- de sódio/volume intravascular e o aumento
cular do ventrículo esquerdo e pelo espessamento da pa- do transporte de sódio pela mácula densa
rede arteriolar, ambos “marca registrada” das conseqüên- • Angiotensina II é também capaz de
cias da hipertensão arterial sobre o coração e os vasos san-
promover alterações estruturais ao
guíneos. Este aumento da relação entre a espessura da
estimular o crescimento e a proliferação
parede arteriolar e sua luz contribui para aumentar ainda
mais a resistência periférica, pois qualquer estímulo con- celular, devendo ser um dos responsáveis
trátil encontrará o raio interno reduzido, amplificando o pelo aumento da massa muscular do
efeito contrátil sobre a luz arteriolar e aumentando a resis- ventrículo esquerdo e pelo espessamento da
tência periférica. Lembrar que a resistência ao fluxo san- parede arteriolar, ambos “marca registrada”
guíneo ou resistência vascular periférica varia em função das conseqüências da hipertensão arterial
do inverso do raio interno arteriolar elevado à 4.ª potência sobre o coração e os vasos sanguíneos
(RP ⬃ 1/R4).
capítulo 41 739

O Sistema Pontos-chave:
Calicreína-Cininas (SCC)
• A bradicinina, além de ser um potente
Da mesma forma que o SRAA, o SCC é modulado por vasodilatador, também regula a excreção de
reações enzimáticas sobre proteínas e peptídeos, tendo a sódio e, ao contrário da angiotensina, inibe
bradicinina como principal efetor (v. Fig. 41.5). A bradi-
o crescimento e a proliferação celular
cinina, além de ser um potente vasodilatador, também re-
• Da mesma forma como foi mencionado
gula a excreção de sódio e, ao contrário da angiotensina,
inibe o crescimento e a proliferação celular. A ação vaso- para os antagonistas seletivos dos
dilatadora da bradicinina se faz através das células endo- receptores AT1 da angiotensina II, os
teliais, produzindo a prostaciclina (PGI2), que por sua vez inibidores da ECA têm efeito protetor renal,
estimula a produção de óxido nítrico (NO). O SCC e o reduzem a progressão da aterosclerose e a
SRAA têm um outro ponto muito importante em comum, incidência de infarto do miocárdio, acidente
a enzima conversora da angiotensina (ECA), também co- vascular cerebral e a mortalidade
nhecida como cininase II por ser a principal responsável cardiovascular
pela degradação da bradicinina. A ECA está amplamen-
• Está surgindo uma nova classe de agentes
te distribuída em todo o endotélio, principalmente o pul-
monar. Esta localização impede que toda a bradicinina
anti-hipertensivos, os inibidores da
produzida tenha acesso à circulação sistêmica, pois, sen- vasopeptidase, substâncias que ao mesmo
do um potente vasodilatador, poderia provocar hipoten- tempo inibem a ECA e a endopeptidase
são. A exemplo do que ocorre com o SRAA, existem tam- neutra, enzima responsável pela
bém indícios de que certos estados hipertensivos podem degradação da bradicinina, peptídeos
caracterizar-se pela falha do sistema vasodilatador cali- natriuréticos atriais e outros peptídeos
creína-cininas. Um exemplo neste sentido são os pacien- vasodilatadores
tes com HA maligna nos quais os níveis do cininogênio
plasmático, o precursor inativo do sistema, estão bastan-
te diminuídos.
O Sistema das Prostaglandinas (PG)
Nos últimos anos, o uso dos inibidores da ECA como
agentes anti-hipertensivos veio demonstrar que estes Este sistema é formado por vários componentes cujos
dois sistemas vasoativos são muito importantes na gênese efetores finais podem ser tanto vasoconstritores como va-
e nas conseqüências a longo prazo da HA. Estas drogas, sodilatadores. Para se ter uma idéia mais geral do sistema,
ao bloquearem a ação da ECA, impedem a formação de reporte-se ao Cap. 7 (Peptídeos Vasoativos e o Rim. A prin-
angiotensina e aumentam o tempo de ação da bradicini- cipal PG vasodilatadora é a prostaciclina (PGI2). Ela tam-
na. A soma destes efeitos, além de reduzir a pressão ar- bém tem ação antiagregante plaquetária e participa da re-
terial, a médio e longo prazos modifica também estru- gulação da hemodinâmica renal (aumenta o fluxo sanguí-
turalmente a musculatura cardíaca (reduzindo a hipertro- neo renal) e do manuseio de sódio (natriurese). As prosta-
fia ventricular esquerda) e arteriolar (promovendo a in- glandinas do grupo E (PGE2) têm efeitos semelhantes, po-
volução do espessamento da parede arteriolar). Da mes- rém não agem sobre as plaquetas. Já a PGF2 e o trombo-
ma forma como foi mencionado para os antagonistas se- xane (TxA2) têm efeito vascular vasoconstritor e retentor
letivos dos receptores AT1 da angiotensina II, os inibido- de sódio a nível renal. O TxA2 promove também a agrega-
res da ECA têm efeito protetor renal, reduzem a progres- ção plaquetária, estimulando a coagulação. As PGs (PGI2,
são da aterosclerose e a incidência de infarto do miocár- PGE2 e PGD2) estimulam ou têm ação permissiva sobre a
dio, acidente vascular cerebral e a mortalidade cardiovas- secreção de renina.
cular. As PGs participam também do processo inflamatório por
Está surgindo uma nova classe de agentes anti-hiper- aumentar o fluxo sanguíneo regional, a permeabilidade
tensivos, os inibidores da vasopeptidase, substâncias que vascular e a migração de leucócitos. Estas substâncias são
ao mesmo tempo inibem a ECA e a endopeptidase neu- formadas em todas as células a partir de um precursor co-
tra, enzima responsável pela degradação da bradicinina, mum (fosfolipídios presentes na membrana celular) através
peptídeos natriuréticos atriais e outros peptídeos vasodi- de uma série de reações enzimáticas, liberando as PGs ati-
latadores. Por tais efeitos combinados, estas substâncias vas. As enzimas responsáveis por estas reações e que inter-
parecem ser mais potentes que os agentes anti-hiperten- ferem em toda a “cascata” das PGs são as ciclo-oxigenases
sivos hoje disponíveis, devem ter efeito protetor cardio- (COX-1 e COX-2), cuja importância clínica está em poder ser
vascular superior aos inibidores da ECA e, por estes inibida por drogas muito utilizadas e prescritas, tais como
motivos, são aguardadas com grande expectativa pela o ácido acetil-salicílico, todos os antiinflamatórios não-hor-
classe médica. monais e os corticóides. É por isso que estes agentes podem
740 Hipertensão Arterial Primária

promover a retenção de sódio e água e elevar a pressão ar- al, da manutenção do volume circulante e da modulação
terial. A COX-2 tem maior expressão em tecidos com injú- das alterações estruturais do coração, artérias e arteríolas.
ria, daí o efeito antiinflamatório dos seus inibidores que,
embora tenham menos efeitos adversos sobre a mucosa do
tudo digestivo, têm efeitos semelhantes sobre o sistema car- A Vasopressina ou Hormônio
diovascular e a pressão arterial. Já a aspirina em doses bai- Antidiurético
xas (75 a 100 mg/dia), por inibir seletivamente a produção
de TxA2, reduz a adesividade plaquetária e a ocorrência de É um peptídeo com efeito sistêmico vasoconstritor cuja
obstrução arterial, resultando em menor incidência de in- ação renal é aumentar a permeabilidade dos dutos coleto-
farto do miocárdio e de acidente vascular cerebral. res à água, concentrando a urina. Alguns estudos têm de-
Como as cininas, as prostaglandinas produzidas em monstrado que a vasopressina tem papel importante na
diferentes territórios são rapidamente destruídas na circu- manutenção da pressão arterial quando ocorre falha ou
lação (principalmente no leito vascular pulmonar), tendo depressão de outros sistemas vasoconstritores, como o
suas ações sistêmicas limitadas. Entretanto, a maioria dos SRAA e o sistema nervoso autonômico (p.ex., em pacientes
pesquisadores acredita que devam ser importantes para a diabéticos com neuropatia ao assumirem a posição ereta).
regulação do fluxo sanguíneo local e regional. Existem al-
guns estados hipertensivos nos quais se consegue demons-
trar o predomínio da formação das prostaglandinas vaso-
O Endotélio e seu Hormônio Natural
constritoras em relação às vasodilatadoras. Um exemplo é (Endotelina)
a doença hipertensiva específica da gestação, onde existem
O endotélio é considerado o maior órgão do corpo hu-
maiores níveis circulantes de TxA 2 (vasoconstritor e
mano. Funciona como um órgão endócrino, pois produz
agregante plaquetário) do que de prostaciclina (PGI2 –
substâncias que circulam e têm ação a distância; parácrino,
vasodilatadora e antiagregante plaquetária).
liberando substâncias com ações locais, e intrácrino, geran-
do substâncias com ações na própria célula. Veja na Fig.
Peptídeos Natriuréticos 41.5 as principais substâncias produzidas pelo endotélio ou
que têm ações sobre o endotélio vascular e as células mus-
Formam uma outra família de peptídeos capazes de culares lisas subjacentes. O sistema renina-angiotensina é
interferir na regulação da PA por diferentes mecanismos um bom exemplo de produção parácrina, pois todos os
de ação. O primeiro destes peptídeos, conhecido como fa- seus elementos são encontrados na superfície ou no inte-
tor natriurético atrial (ANF) e, posteriormente, peptídeo rior das células endoteliais. O mesmo ocorre com outros
natriurético atrial (ANP), foi isolado no início dos anos 80. sistemas hormonais circulantes (calicreína-cininas e pros-
É produzido nos miócitos atriais (principalmente átrio di- taglandinas). Já as endotelinas (ET) são seus hormônios
reito) sendo liberado na circulação quando a pressão atri- naturais destas células. As endotelinas são peptídeos iden-
al se eleva (aumento do volume circulante). Apresenta tificados no final da década de 80, cujo efeito vasoconstri-
múltiplas ações sobre o sistema cardiovascular e renal e age tor sobrepuja até mesmo o das catecolaminas e da angio-
também sobre outros sistemas hormonais, em particular tensina II. São produzidos em grande quantidade pelas
sobre o SRAA, inibindo a liberação de renina e de aldoste- células endoteliais, podendo ter ações locais (célula mus-
rona e antagonizando as ações periféricas da angiotensi- cular lisa subjacente) ou sistêmicas (quando atingem a cor-
na. Estes peptídeos podem reduzir a pressão arterial por- rente sanguínea). Embora tenham efeito vasoconstritor
que aumentam a excreção de sódio, têm efeito vasodilata- bem definido, seu papel na gênese e manutenção da hiper-
dor direto, reduzem o volume circulante promovendo diu- tensão arterial não está ainda completamente estabelecido.
rese, natriurese e translocando líquido do compartimento A administração, ainda experimental, de bloqueadores
intravascular para o espaço extravascular e, finalmente, competitivos da endotelina reduz a pressão arterial em
antagonizam as ações de vários sistemas hormonais vaso- indivíduos hipertensos e melhora a função cardíaca em
constritores: o SRAA, catecolaminas, vasopressina e endo- pacientes com insuficiência cardíaca. Por esta razão é pro-
telina. Mais recentemente foram descritos outros peptíde- vável que venham a constituir uma nova classe de agen-
os da mesma família (BNP-peptídeo natriurético cerebral tes terapêuticos. Entretanto, os estudos são preliminares e
e CNP-peptídeo natriurético C) com ações semelhantes, tais drogas não estão ainda disponíveis comercialmente.
porém, produzidos em maior quantidade em outros locais
do organismo, como o ventrículo (BNP) ou o endotélio
(CNP), e tendo mecanismos reguladores diferentes do Fator Relaxante Derivado do Endotélio
ANP. O BNP tem sido considerado um marcador da fun- (EDRF) ou Óxido Nítrico (NO)
ção e da estrutura ventriculares, tem efeito vasodilatador
e reduz a proliferação celular. Desta forma, esta família de Muitas substâncias com efeito vasodilatador (p.ex., ace-
peptídeos deve participar da regulação da pressão arteri- tilcolina, bradicinina) agem sobre a musculatura lisa vas-
capítulo 41 741

cular através da liberação de NO pelas células endoteliais. lar aumenta a resposta vasoconstritora do tecido muscu-
Sua existência foi comprovada em experimentos nos quais, lar liso. O conjunto destas alterações leva ao aumento da
ao se retirar a camada endotelial de artérias em prepara- pressão arterial e às seguintes alterações no perfil lipêmico
ções isoladas, estes vasodilatadores deixavam de agir. Daí comum nos indivíduos com hipertensão primária: aumen-
o seu nome de fator relaxante derivado do endotélio to do colesterol total, do LDL-colesterol e dos trigliceríde-
(EDRF). Posteriormente, identificou-se esta substância os e redução do HDL-colesterol — “protetor”. Um grupo
como sendo o óxido nítrico (NO), cujo potente efeito vaso- de pesquisadores, entretanto, não acredita que a hiperten-
dilatador se faz através da geração de GMP cíclico no inte- são arterial seja conseqüência da resistência insulínica, mas
rior das células musculares lisas vasculares. Embora se o inverso. Nesta interpretação a alteração básica da hiper-
acredite que sua ação se restrinja à regulação do fluxo san- tensão seria a hiperatividade simpática, que teria como
güíneo local ou regional, parece ter um papel importante conseqüência a modificação na composição das células
na manutenção da PA em níveis normais. Em ratos, por musculares esqueléticas, que passariam a ser menos sen-
exemplo, a administração crônica de substâncias que im- síveis à insulina, ou seja, a resistência à insulina seria con-
pedem a formação de NO promove elevação sustentada da seqüência da hipertensão e não sua causa. Independente-
PA, à semelhança do que ocorre na hipertensão arterial mente do mecanismo, a resistência insulínica e hiperinsu-
primária. A tentativa de produzir um medicamento anti- linemia podem estar presentes em parte dos indivíduos
hipertensivo que inibisse a degradação do NO acabou de- com hipertensão arterial primária e parecem ser respon-
senvolvendo uma droga muito utilizada em indivíduos sáveis, pelo menos em parte, por elevar a pressão arterial
com disfunção erétil, o sildenafil (Viagra). A melhora do e induzir às alterações lipêmicas freqüentes nestes indiví-
fluxo sangüíneo regional induzida pela ação mais dura- duos. Os indivíduos com hipertensão, obesidade e dislipi-
doura do NO facilita a ereção peniana. demia são exemplos clínicos típicos da atuação destes
Outras substâncias com ações vasoconstritoras ou va- mecanismos. Nestes, a redução da ingesta calórica e exer-
sodilatadoras podem estar envolvidas no controle da pres- cícios físicos regulares melhoram a resistência insulínica e
são arterial. Porém, foge ao objetivo deste texto descrever revertem tais alterações, ou seja, há redução da glicemia,
mecanismos reguladores da pressão arterial não universal- da insulinemia, do colesterol e da pressão arterial. Reaven,
mente reconhecidos como de importância clínica. ao identificar que a associação destas anormalidades esta-
De forma simplificada, poder-se-ia entender a hiperten- va presente em uma parcela considerável da população de
são arterial primária ou essencial como sendo multifatori- hipertensos (10 a 15%), chamou de “síndrome X” à seguinte
al, ou seja, resulta do desbalanço da interação de vários combinação de fatores: hipertensão primária, hiperinsu-
elementos, tais como: conteúdo de sódio total e volume linemia, obesidade, dislipemia e aterosclerose (principal-
extracelular, sistema nervoso central e autonômico e siste- mente manifesta por doença coronária). Hoje este quadro
mas vasoconstritores (excesso) e vasodilatadores (deprimi- é mais apropriadamente chamado de síndrome de resistên-
do). Em alguns indivíduos e em determinados estados hi- cia insulínica ou síndrome plurimetabólica.
pertensivos podem prevalecer os mecanismos vasocons-
tritores, enquanto, em outros, predominaria a hipoativida-
de dos sistemas vasodilatadores.
ETIOLOGIA DA HIPERTENSÃO
ARTERIAL
Resistência Insulínica
A resistência insulínica é um achado freqüente entre os Hipertensão Arterial Primária ou
indivíduos hipertensos. Embora não ocorra em todos, Essencial
muitos pesquisadores consideram-na como um fator im-
portante na gênese da hipertensão arterial primária e na Chama-se hipertensão primária ou essencial aquela na
manutenção dos níveis pressóricos elevados em muitos qual, mesmo após uma investigação clínica e laboratorial
estados hipertensivos, em particular em obesos e portado- detalhada, não se consegue encontrar qualquer doença ou
res de diabetes mellitus tipo 2, que se manifesta em adultos, outra causa para explicar a elevação dos níveis pressóri-
não havendo necessidade absoluta de insulina para con- cos. Contrapõe-se a este conceito o de hipertensão secun-
trolar os níveis glicêmicos. dária, onde a elevação da pressão arterial é apenas um dos
A resistência à ação periférica da insulina faz com que sinais de uma doença ou anormalidade subjacente. O Qua-
se necessite de maiores níveis sanguíneos deste hormônio dro 41.4 apresenta a classificação etiológica da hipertensão
para metabolizar a glicose (v. Fig. 41.6). A hiperinsuline- arterial.
mia promove retenção de sódio e água, ativação do siste- A rigor, só devemos considerar a hipertensão como sen-
ma nervoso simpático e mudanças na atividade de bom- do de caráter primário ou essencial quando todas as cau-
bas que regulam a concentração de sódio intracelular (bom- sas de hipertensão secundária foram exaustivamente pes-
ba de Na/K e Na/H). O aumento do sódio intracelu- quisadas e excluídas (v. a seguir). Porém, do ponto de vis-
742 Hipertensão Arterial Primária

Obesidade, diabetes mellitus tipo II,


hipertensão, envelhecimento, fumo etc.

Alteração do transporte
celular de eletrólitos
RESISTÊNCIA AOS EFEITOS
PERIFÉRICOS DA INSULINA
앗 Na/K ATPase
앗 Ca ATPase Reatividade
앖 Na/H ATPase vascular

HIPERINSULINEMIA Retenção de HIPERTENSÃO


Sódio ARTERIAL

Ativação do
S.N. simpático
Dislipidemia

Colesterol total

HDL-colesterol Estímulo da
proliferação celular
Triglicerídeos

LDL-colesterol?

VLDL-colesterol? ATEROSCLEROSE

Fig. 41.6 Possível papel da resistência insulínica e hiperinsulinemia sobre a regulação da pressão arterial, o metabolismo lipídico e
a aterosclerose.

ta prático isto nem sempre é possível. Por isso, a presença seja, envolvem hereditariedade, etnia, idade e sexo. A hi-
de elementos que se traduzam em “fatores de risco” para pertensão arterial apresenta uma evidente agregação fami-
a elevação da pressão arterial revestem-se de especial im- liar, não sendo raro encontrarem-se vários membros de
portância, pois reforçam a hipótese diagnóstica de hiper- uma mesma família acometidos pela doença. Esta predis-
tensão arterial primária. posição genética parece ser determinada por herança mul-
tigênica com penetrância variável. Os indivíduos negros e
FATORES DE RISCO DA HIPERTENSÃO miscigenados têm maior tendência a desenvolver hiperten-
ARTERIAL PRIMÁRIA são arterial e, segundo alguns estudos, cursam com as for-
São chamados de “fatores de risco” para se desenvol- mas mais graves da moléstia, podendo ter maior risco de
ver hipertensão arterial certos elementos que tendem a complicações, como é o caso de insuficiência renal. A pre-
aumentar a probabilidade individual ou populacional de valência da hipertensão arterial aumenta com a idade,
elevar a pressão arterial. Quando falamos em “fatores de apresentando o pico de incidência entre os 60 e os 70 anos
risco”, estamos nos referindo especialmente à hipertensão (v. Fig. 41.7). As mulheres em idade procriativa apresen-
arterial primária ou essencial, ou seja, aquela não relaciona- tam menor incidência da doença se comparadas aos ho-
da a qualquer doença renal ou de outros sistemas capazes mens da mesma idade e mesmo grupo étnico. Porém, após
de elevar a pressão. O Quadro 41.5 relaciona os principais a menopausa, a incidência de hipertensão em mulheres é
“fatores de risco” para o aparecimento de hipertensão ar- semelhante ou até superior àquela encontrada nos homens.
terial primária. Embora não de forma absoluta, eles são Um outro grupo de fatores de risco está relaciona-
apresentados em ordem de importância. do às condições de vida dos indivíduos acometidos e,
Um primeiro grupo de fatores de risco está relacionado nestes sim, temos possibilidades de intervir. O consu-
a elementos pessoais nos quais é impossível intervir, ou mo exagerado de sal está relacionado ao aparecimen-
capítulo 41 743

Quadro 41.4 Classificação etiológica da hipertensão Quadro 41.5 Fatores de risco para o
arterial desenvolvimento da hipertensão arterial

HIPERTENSÃO ARTERIAL PRIMÁRIA OU HEREDITARIEDADE — Agregação familiar evidente


ESSENCIAL (90 A 95%) (herança multigênica)
IDADE — Aos 20 anos prevalência de ⬃10%, aos 50 anos
HIPERTENSÃO ARTERIAL SECUNDÁRIA
⬃40%, após os 70 anos  60%
— Renal: glomerulonefrites agudas e crônicas, SEXO — Mais freqüente nos homens, inverte-se após a
pielonefrite crônica, nefrite intersticial, nefropatia de menopausa
refluxo, rins policísticos e hidronefrose. ETNIA — Maior prevalência em negros/mulatos, que
—Renovascular: aterosclerose, displasia fibromuscular, também têm as formas mais graves
poliarterite nodosa, doença de Takayasu, fístula
arteriovenosa, compressões. OBESIDADE — duas a três vezes mais freqüente em
— Endócrina: Tireóide — hipertireoidismo, obesos
hipotireoidismo. EXCESSO DE SAL — Quanto maior a ingesta de sódio,
Supra-renal — Síndrome de Cushing, maior a prevalência
hiperaldosteronismo primário, feocromocitoma, EXCESSO DE ÁLCOOL — Consumo superior a 40 ml de
deficiência enzimática (11 -hidroxilase e 17- álcool por dia aumenta o risco
hidroxilase).
VIDA SEDENTÁRIA — Predispõe à obesidade e à
— Coarctação da Aorta
hipertensão
— Medicamentosa: Anticoncepcionais, corticóides,
antiinflamatórios não-hormonais, antidepressivos ESTRESSE — Indivíduos com predisposição familiar têm
tricíclicos. maior elevação pressórica frente ao estresse
— Doença Hipertensiva Específica da Gravidez FUMO — Fumantes têm pressão arterial mais elevada
— Outras: Hiperparatireoidismo, tumores produtores de durante o dia
renina ou aminas simpatomiméticas, acromegalia,
outras causas de hiperandrogenismo.

adicionar cloreto de sódio ao se prepararem os alimen-


to e agravamento da hipertensão arterial principalmen- tos. Nestas, a prevalência de hipertensão arterial é pra-
te naqueles que já apresentem predisposição genética. ticamente nula, a pressão arterial não se eleva com a
Existem muitos estudos realizados em populações idade e a incidência de doenças cardiovasculares é
primitivas isoladas nas quais não existe o hábito de desprezível. Um outro aspecto interessante é aquele

Prevalência de Hipertensão Arterial em Relação a


Idade, Sexo e Grupo Étnico
100

Homens Negros

Mulheres Negras
80

Homens Brancos
Porcentagem de Hipertensos*

Mulheres Brancas
60
40
20
0

18-24 25-34 35-44 45-54 55-64 65-74


Idade (anos)
*Pressão arterial igual ou superior a 140/90 mmHg

Fig. 41.7 Prevalência de hipertensão arterial segundo a idade, o sexo e o grupo étnico. Dados provenientes do National Health and
Nutritional Survey, EUA (1976-1980). Hypertension, 7:457-468, 1985.
744 Hipertensão Arterial Primária

relacionado à sensibilidade individual ao sal. Estudos débito cardíaco e da pressão arterial. Indivíduos com pre-
têm mostrado que nem todos os indivíduos comportam- disposição genética à hipertensão respondem de forma
se da mesma maneira em relação ao sal. Alguns são consi- mais acentuada ao estresse. Situações de catástrofes asso-
derados “sensíveis”, pois apresentam elevação pressórica ciam-se à maior prevalência de hipertensão. Não se sabe,
quando ingerem excesso de sódio, e outros, “resistentes”, entretanto, se a sobrecarga do dia-a-dia à qual habitual-
pois elevam muito pouco ou nada a pressão arterial em mente nos submetemos é suficiente para causar a elevação
resposta à sobrecarga de sal. O inverso também ocorre, ou sustentada da PA. Alguns estudos sugerem que condições
seja, indivíduos “sensíveis” apresentam redução pressórica de trabalho ou da vida diária onde o indivíduo não tem
mais acentuada quando se restringe a ingesta de sódio e possibilidade ou não tem poder de decisão suficiente para
os “resistentes” têm menor benefício. Embora estas subpo- controlar situações de conflito e tensão associam-se com
pulações possam ser identificadas em estudos de curta elevação da pressão arterial.
duração (semanas), não existem estudos demonstrando Há estudos que apontam a existência de uma relação
este efeito a longo prazo (anos). Por outro lado, existem es- causal entre fumo e hipertensão e outros que a negam. Um
tudos de longa duração realizados com amostras popula- recente levantamento, utilizando monitorização da pres-
cionais bastante diversas e representativas demonstrando são arterial por dois dias consecutivos, detectou que fu-
o benefício da restrição de sal no controle da hipertensão mantes têm PA mais elevada do que não-fumantes no pe-
arterial. Por isso, recomenda-se indistintamente a restrição ríodo em que fumam (durante o dia). Realmente, os efei-
de sódio para os indivíduos com hipertensão arterial. tos agudos sobre o sistema cardiovascular observados ao
A obesidade é outro importante fator de risco relacio- se fumar um cigarro incluem a elevação da FC, da PA e
nado às condições de vida do hipertenso. Muitos estudos vasoconstrição, que duram de 20 a 30 minutos. Indepen-
têm sugerido que o excesso de insulina ou a resistência à dentemente de predispor ou não à HA, o fumo é um dos
ação periférica da insulina (freqüentemente observada em mais importantes fatores de risco para o desenvolvimento
obesos e diabéticos do tipo 2) deve ter um papel importante de doenças cardiovasculares (AVC, doença coronária e
na gênese e/ou manutenção da hipertensão arterial nes- obstrução arterial periférica). Portanto, deve ser banido dos
tes indivíduos. Há várias evidências de que os indivíduos hábitos de indivíduos hipertensos.
com índice de massa corporal (IMC  Peso/Altura2) su-
perior a 25 kg/m2 estão mais sujeitos à elevação da PA. Em
nossa experiência, o excesso de peso é o principal fator
Hipertensão Arterial Secundária
associado à hipertensão arterial em jovens. O IMC corre- Entre as hipertensões secundárias as de causa renal,
laciona-se também de forma positiva com a maior incidên- renovascular e a doença hipertensiva específica da gravi-
cia de doenças cardiovasculares, em particular com a obs- dez, seja pela freqüência ou importância clínica, merecem
trução coronária, que predispõe à angina e ao infarto do capítulo específico neste livro. Entretanto, apenas no sen-
miocárdio. Por outro lado, a redução do peso é uma das tido de não perdermos a visão geral do assunto, vale a pena
formas de intervenção mais eficazes para reduzir a pres- ressaltar alguns aspectos clínicos que nos levam a pensar
são arterial. na existência de uma destas causas de hipertensão (v.
Vários estudos relacionam também o consumo excessi- Quadro 41.4). A existência de história anterior de doença
vo de bebidas alcoólicas com maior prevalência de hiper- renal, edema ou alterações urinárias; a ausência de hiper-
tensão arterial. O consumo de álcool etílico em quantida- tensão na família; a presença de edema e anemia (ao exa-
des superiores a 30 ml/dia (equivalente a duas doses de me físico), de proteinúria/hematúria (no exame de urina
destilados ou dois copos de vinho ou duas cervejas) asso- tipo I) e de creatinina plasmática elevada são dados suges-
cia-se à elevação da pressão arterial. Assim, da mesma for- tivos de doença renal primária como causa da hipertensão.
ma que em relação à obesidade e ao sal, a retirada deste As doenças que mais comumente provocam tais alterações
fator de risco é um importante elemento auxiliar no con- são as glomerulonefrites crônicas, pielonefrites crônicas,
trole da hipertensão. doenças túbulo-intersticiais, incluindo nefropatia de reflu-
Vida sedentária, estresse e fumo parecem estar relacio- xo e rins policísticos.
nados à hipertensão arterial. Porém, os estudos nestas áreas São indícios de que a hipertensão possa ter causa reno-
são ainda inconclusivos quanto à relação causal destes fa- vascular (v. Cap 42): paciente jovem com hipertensão muito
tores. Embora possa ainda haver dúvidas de que o seden- grave (principalmente mulheres); ausência de história fa-
tarismo seja um fator de risco para a hipertensão, o inver- miliar de hipertensão; presença de sopro abdominal ou
so, ou seja, exercícios físicos aeróbicos realizados regular- pulsos alterados; queda pressórica muito acentuada com
mente, comprovadamente contribuem para reduzir a pres- o uso de inibidores da ECA ou antagonistas da angioten-
são arterial em hipertensos e normotensos. sina II e piora abrupta de uma hipertensão que era está-
O estresse (reação de defesa do organismo a qualquer vel, esta mais comum em indivíduos idosos. As causas
estímulo externo ou interno) provoca as seguintes altera- mais freqüentes de estenose da artéria renal são a ateros-
ções hemodinâmicas: aumento da freqüência cardíaca, do clerose (em homens e mulheres depois da menopausa) e a
capítulo 41 745

displasia fibromuscular (mais comum em mulheres jo- de 24 horas. Algumas vezes o K plasmático pode chegar a
vens). A comprovação diagnóstica da hipertensão renovas- valores menores que 2,5 mEq/L. A confirmação diagnós-
cular segue rotinas de investigação que dependem das tica de hiperaldosteronismo primário se faz com a dosa-
características e disponibilidades de cada centro, mas, gem plasmática concomitante de aldosterona (elevada) e
geralmente, incluem: 1. teste com um inibidor da ECA (cap- renina (diminuída) que não respondem ao estímulo pos-
topril — 50 mg VO) — quando promove queda da pres- tural (não se elevando após duas horas em pé, como na
são diastólica (após 90 a 120 minutos) de 20 mmHg ou mais resposta fisiológica normal). Os tumores ou a hiperplasia
é considerado positivo e indica que a hipertensão é manti- das células da zona glomerulosa da(s) supra-renal(is) po-
da por hiperatividade do sistema renina-angiotensina, dem ser os responsáveis por este quadro, que correspon-
devendo-se, portanto, prosseguir na investigação; 2. a com- de a menos de 1% dos casos de hipertensão. A tomografia
provação morfológica da isquemia renal pode ser feita, das glândulas adrenais pode mostrar a presença destas
preferencialmente, pela ultra-sonografia com doppler ou alterações morfológicas. Embora pouco prevalente, o fato
outro método por imagem (quando mostram diferença de de ser uma forma de hipertensão potencialmente curável
pelo menos 1,5 cm entre as massas renais direita e esquer- torna o seu diagnóstico importante. O mesmo se pode di-
da, isto sugere isquemia crônica), e a cintilografia renal ou zer em relação ao feocromocitoma.
urografia excretora, esta pouco utilizada hoje, podem O feocromocitoma é um tumor originado das células
mostrar, além da diferença de tamanho, retardo na chega- cromafins e está localizado na medula da supra-renal em
da e na excreção do contraste em um dos rins; 3. a arterio- 85% dos casos. Porém, como este tecido é originado da
grafia renal ou a angiorressonância são indispensáveis para ectoderme, pode haver resquícios em qualquer local do
se comprovar a presença de estenose de uma (mais fre- tórax ou abdome junto à coluna vertebral. Produz grande
qüente) ou ambas as artérias renais, podendo também (a quantidade de catecolaminas que elevam a pressão arteri-
arteriografia) ser usada como tratamento (dilatação intra- al. É também uma causa rara de hipertensão. Perto da
luminal e colocação de stent); 4. coleta e dosagem de reni- metade dos casos de feocromocitoma evoluem em “crises”
na em separado nas veias renais e cava (abaixo e acima das de descarga de catecolaminas que provocam aumentos
veias renais) para investigar se há ou não lateralização da repentinos da pressão arterial ou grande labilidade pres-
produção de renina, que pode ser um importante elemento sórica que são acompanhados de cefaléia, taquicardia,
em relação ao diagnóstico causal e ao prognóstico de cura, palidez, piloereção, tontura e outros sintomas adrenérgi-
quando se corrige a estenose eventualmente presente. cos. Evidentemente, a presença destes sintomas sugere o
Entre as causas endócrinas de hipertensão arterial, as diagnóstico de feocromocitoma. Entretanto, a outra meta-
alterações da glândula tireóide (principalmente o hiperti- de dos casos não apresenta qualquer sinal sugestivo de li-
reoidismo), o hipercortisolismo (síndrome de Cushing) e beração adrenérgica, comportando-se como se fosse hiper-
o hiperandrogenismo (tumores virilizantes da supra-renal tensão primária. A dosagem da metanefrina urinária (ca-
e deficiências enzimáticas congênitas — 11-hidroxilase ou tabólito das catecolaminas) é o principal exame para se
17-hidroxilase) costumam ter quadro clínico evidente, pesquisar a presença de feocromocitoma. Ela pode ser
despertando, quase sempre, a atenção do médico para a hi- determinada em amostra isolada de urina, e o resultado é
pótese de hipertensão secundária a estas doenças. Isto, po- fornecido em relação à excreção de creatinina ou de modo
rém, não ocorre com o hipotireoidismo, hiperaldosteronis- absoluto na urina de 24 horas. Quando elevada indica hipe-
mo primário e com parte dos casos de feocromocitoma. Por ratividade adrenérgica. Se puder ser suprimida com 0,400
isso, é importante que se tenha(m) algum(ns) elemento(s) mg de clonidina por via oral (um simpatolítico de ação cen-
para fazermos a triagem destas endocrinopatias. O hipe- tral — v. Drogas anti-hipertensivas), isto significa que a ori-
raldosteronismo primário tem um bom marcador: a hipo- gem da hiperatividade adrenérgica está no próprio sistema
potassemia. Esta resulta da ação da aldosterona sobre o nervoso simpático. Os tumores produtores de catecolami-
túbulo distal promovendo a reabsorção de sódio (causa nas não são sensíveis à clonidina e a metanefrina na urina
mais importante da hipertensão) e a excreção de potássio. continua elevada. A dosagem do ácido vanilmandélico
Lembre-se de que as causas mais comuns de hipopotasse- (VMA) é desaconselhável, pois, sendo determinado por
mia são a ingesta deficiente, o uso de diuréticos e a diar- método colorimétrico, exige dieta especial (sem qualquer
réia. Na ausência destes fatores causais mais freqüentes, a corante) por três dias e necessita ser quantificado na urina
existência de hipopotassemia (K 3,5 mEq/L) com potás- de 24 horas. Já a dosagem de metanefrina pode ser realiza-
sio na urina de 24 horas  30 mEq são elementos sugesti- da em amostra isolada de urina colhida em meio ácido.
vos para o diagnóstico de hiperaldosteronismo, devendo- Alguns medicamentos de uso muito amplo podem cau-
se prosseguir na investigação desta causa. Quando o indi- sar elevação da pressão arterial. Entre eles, os corticóides e
víduo tem ingesta deficiente ou toma diurético, devemos os antidepressivos tricíclicos costumam ser prescritos por
suspendê-lo e suplementar a dieta com cloreto de potás- médicos e com indicação precisa. Porém, isto não ocorre em
sio (VO) por um período mínimo de 1 mês (30 a 40 mEq/ relação aos antiinflamatórios não-hormonais (AINH) e os
dia) antes de colher novo potássio plasmático e na urina anticoncepcionais. Os AINH são as drogas mais prescritas
746 Hipertensão Arterial Primária

pelos médicos. Entretanto, a venda indiscriminada em far-


mácias e a automedicação são ainda maiores. Como vimos, CONSEQÜÊNCIAS DA
podem aumentar a pressão por reter sódio e água e por HIPERTENSÃO ARTERIAL
impedir a produção das prostaglandinas vasodilatadoras.
Portanto, seu uso deve ser o mais restrito possível em hiper- Como a hipertensão arterial tem, na maioria das vezes,
tensos. Com os anticoncepcionais ocorre o mesmo fenôme- instalação lenta e gradual, vão ocorrendo várias adapta-
no: são usados, na maioria das vezes, sem qualquer contro- ções, principalmente no sistema cardiovascular, em respos-
le médico. Estas drogas elevam a pressão na maioria das ta à elevação pressórica. Algumas destas adaptações não
mulheres que delas se utilizam. Em muitas delas este efeito trazem conseqüências clínicas de imediato. A longo pra-
não é suficiente para chegar à faixa de pressão considerada zo, porém, implicam sérios riscos de morbidade e morta-
como hipertensão, porém, sabemos que mesmo pequenos lidade cardiovascular. De forma geral, pode-se dizer que
aumentos da pressão arterial, ainda que na faixa da norma- o indivíduo hipertenso irá apresentar mais precocemente
lidade, fazem crescer o risco de doenças cardiovasculares (v. e em grau mais acentuado a doença aterosclerótica e todas
Fig. 41.2). Este risco é ainda maior em mulheres que fumam. as suas possíveis conseqüências. Além da aterosclerose
Os anticoncepcionais geralmente são combinações de estro- (comprometendo as artérias de maior calibre), a hiperten-
gênios e progestágenos sintéticos. Os estrogênios elevam a são lesa também as pequenas artérias e arteríolas. O espes-
pressão por ativar o SRAA e os progestágenos têm efeito samento da parede vascular (hipertrofia e hiperplasia da
mineralocorticóide (semelhante à aldosterona). A interrup- camada muscular e replicação da lâmina elástica interna)
ção dos anticoncepcionais costuma reverter ou melhorar o é a “marca registrada” da hipertensão sobre as arteríolas
processo hipertensivo na maioria das mulheres após 2 ou 3 (arteriolesclerose). Este espessamento da parede arteriolar,
meses. Evidentemente os indivíduos com outros fatores além de contribuir para aumentar a resistência periférica,
predisponentes são os mais sujeitos a terem hipertensão com perpetuando o processo hipertensivo, pode ser tão grave
o uso destas drogas. Porém, não é raro vermos o desapare- a ponto de comprometer o fluxo sanguíneo para órgãos
cimento da hipertensão após a sua retirada. importantes como os rins e a musculatura cardíaca.
O Quadro 41.6 resume as principais conseqüências da
Pontos-chave: hipertensão arterial. Como se observa, a maioria delas ocor-
re no sistema cardiovascular.
Causas endócrinas de hipertensão arterial
• As alterações da glândula tireóide
(principalmente o hipertireoidismo), o Comprometimento Cerebral da
hipercortisolismo (síndrome de Cushing) e Hipertensão Arterial
o hiperandrogenismo (tumores virilizantes As complicações cerebrais não fogem à regra. Invariavel-
da supra-renal e deficiências enzimáticas mente decorrem do comprometimento da circulação cerebral.
congênitas — 11-hidroxilase ou 17- Como mostra a Fig. 41.8, o fluxo sanguíneo para o cérebro,
hidroxilase) — quadro clínico evidente assim como para outros territórios vasculares mais nobres
• Hipotireoidismo, hiperaldosteronismo (coronário e renal), é mantido constante mesmo quando ocor-
primário e parte dos casos de rem grandes variações da pressão arterial. Esta auto-regula-
feocromocitoma — quadro clínico pode não ção da perfusão cerebral existe graças a mecanismos nervo-
ser evidente sos, hormonais e a um efeito miogênico local que, em conjun-
• Perto da metade dos casos de to, promovem vasoconstrição quando a pressão arterial se
feocromocitoma evoluem em “crises” de eleva e vasodilatação quando esta se reduz. Observe, entre-
tanto, que é um mecanismo limitado, ou seja, quedas acentu-
descarga de catecolaminas que provocam
adas da pressão arterial reduzem o fluxo sanguíneo cerebral,
aumentos repentinos da pressão arterial ou
enquanto elevações pressóricas extremas irão produzir hiper-
grande labilidade pressórica que são fluxo e conseqüente edema cerebral. Este mecanismo de auto-
acompanhados de cefaléia, taquicardia, regulação é mais facilmente rompido quando as variações
palidez, piloereção, tontura e outros pressóricas são mais bruscas. Assim, quando a hipertensão é
sintomas adrenérgicos muito grave ou se instala de forma abrupta, a auto-regula-
• O hiperaldosteronismo primário tem um ção é quebrada, sobrevindo o edema cerebral, que poderá pro-
bom marcador: a hipopotassemia, mas vocar diferentes manifestações clínicas dependendo da inten-
lembre-se de que as causas mais comuns de sidade e das áreas atingidas. Estes casos são conhecidos como
hipopotassemia são a ingesta deficiente, o encefalopatia hipertensiva e freqüentemente são acompanhados
uso de diuréticos e a diarréia por um ou mais dos seguintes sinais de hipertensão intracra-
niana: cefaléia intensa, náuseas, vômitos, comprometimento
capítulo 41 747

pressóricas a ponto de causar tal dano cerebral. Porém, com


Quadro 41.6 Conseqüências clínicas da hipertensão
freqüência se trata de pacientes que, tendo hipertensão mui-
arterial
to grave, abandonam o tratamento por completo ou o fazem
CEREBRAIS irregularmente. A suspensão abrupta da clonidina (v. Dro-
— Encefalopatia hipertensiva gas anti-hipertensivas) pode também provocar a liberação
— Acidente vascular cerebral adrenérgica com crise hipertensiva grave.
— Isquêmico ou trombótico O acidente vascular cerebral (AVC) é 5 a 7 vezes mais fre-
— Hemorrágico
— Lacunar qüente em hipertensos que em normotensos. Na maioria
— Episódio isquêmico transitório das vezes os hipertensos são vítimas do AVC isquêmico
ou trombótico, ou seja, ocorre a obstrução completa de uma
CARDÍACAS artéria já acometida por placa aterosclerótica, sobrevindo
— Miocárdicas
— Hipertrofia ventricular esquerda (HVE) a morte do tecido cerebral por ela irrigado. Nestes casos
— Figrose e dilatação as conseqüências mais importantes são o comprometimen-
— Insuficiência cardíaca to motor unilateral acompanhado de disfasia ou afasia (le-
— Edema agudo de pulmão são do sistema piramidal) e liberação extrapiramidal (hi-
— Coronárias pertonia). Geralmente coexistem alterações da sensibilida-
— Angina e infarto do miocárdio
— Arritmias (associadas à HVE) de do mesmo lado da hemiplegia. O quadro costuma ser
— Extra-sístoles ventriculares isoladas de instalação abrupta, e o edema cerebral que geralmente
— Arritmias ventriculares complexas o acompanha provoca também comprometimento da cons-
— Fibrilação ventricular — Morte súbita ciência (sonolência ou coma). O AVC hemorrágico (rup-
RENAIS tura de pequenas artérias perfurantes com “inundação” de
— Arterial parte do parênquima cerebral) é mais raro, porém mais
— Placa aterosclerótica — Hipertensão renovascular dramático e de pior prognóstico. A apresentação clínica é
— Arteriolar semelhante à do AVC isquêmico, porém, como o edema
— Arteriolesclerose — Nefrosclerose “benigna”
cerebral é mais intenso, há maior comprometimento da
— Necrose fibrinóide e endarterite proliferativa
(hipertensão maligna) consciência (coma profundo) e de funções cerebrais vitais,
— Glomerular como o centro respiratório e o controle da pressão arterial,
— Glomerulesclerose progressiva — Insuficiência que fica mais instável. Já o AVC do tipo lacunar, cuja ocor-
renal crônca rência é quase exclusiva de indivíduos hipertensos, deve-
RETINIANAS se ao rompimento ou obstrução de vasos muito pequenos
— Retinopatia hipertensiva formando “lacunas” no parênquima cerebral, cujas conse-
— Trombose venosa qüências são mais tardias à medida que vários deles se
OUTRAS LESÕES ARTERIAIS sucedem. Na fase aguda pode simular um episódio isquê-
— Obstrução arterial periférica mico transitório. Chamamos de episódio isquêmico transitório
— Território aorto-ilíaco-femoral — Claudicação (EIT) o comprometimento parcial ou total da função moto-
intermitente ra unilateral e/ou da fala que apresente recuperação com-
— Outros territórios — carotídeo e mesentérico
pleta (ou quase completa) em horas ou em poucos dias. Acre-
— Aneurismas
— Território aorto-ilíaco-femoral dita-se que ocorram pela formação de “êmbolos” plaquetá-
— Aneurisma dissecante da aorta rios que reduzem a irrigação cerebral temporariamente e, a
— Úlceras hipertensivas (isquemia distal) seguir, se desfazem. Os episódios isquêmicos transitórios são
indicativos de grave comprometimento da circulação cere-
bral e freqüentemente são seguidos por AVC isquêmico. Por
isso devem-se utilizar antiadesivos plaquetários nestes ca-
do nível de consciência (desde sonolência e obnubilação até sos. Quadros deste tipo podem também corresponder a
o coma profundo), e podem, em certos casos, coexistir sinais edema cerebral por hiperfluxo (elevação muito acentuada
de comprometimento motor transitório e até convulsões. O ou muito abrupta da pressão arterial – encefalopatia hiper-
exame do fundo de olho, que reflete uma parte do leito vas- tensiva), com sofrimento mais intenso de uma área especí-
cular cerebral, mostrará com freqüência as seguintes altera- fica do cérebro que melhora após a redução pressórica.
ções agudas: edema de retina (brilho aumentado), eventual-
mente edema de papila (edema cerebral), e poderão ser ob-
servadas hemorragias retinianas e exsudatos algodonosos, Comprometimento Cardíaco da
correspondendo, respectivamente, à lesão da parede arterio- Hipertensão Arterial
lar e à isquemia da retina. Outras alterações anatômicas (crô-
nicas) poderão estar presentes. Nem sempre se conseguem O coração pode ser comprometido pela hipertensão em
identificar os mecanismos responsáveis por estas elevações sua função motora, circulação coronária e indução de ar-
748 Hipertensão Arterial Primária

Relação entre a Pressão Arterial e o


Fluxo Sanguíneo Cerebral

Normotensos

Hipertensos
Fluxo Sanguíneo Cerebral

5 20 40 60 80 100 120 140 160 180 200 220


Pressão Arterial Média
Fig. 41.8 Esquema da auto-regulação do fluxo sangüíneo para o território cerebral.

ritmias. A resposta da massa muscular cardíaca frente à A aterosclerose que se instala no território das artérias
elevação da pressão sistêmica é a hipertrofia ventricular coronárias tem, na hipertensão, um importante fator de
esquerda (HVE). Esta hipertrofia é do tipo concêntrica, pois risco. A insuficiência coronária manifesta-se por episódi-
o crescimento da massa muscular se faz para o interior do os de angina e infarto do miocárdio. A presença de placas
ventrículo esquerdo (VE). Acredita-se que decorra de uma ateroscleróticas instáveis (com lesão endotelial) parece ser
maior carga imposta ao VE (a própria elevação pressórica o principal fator precipitante da obstrução coronária em
— fator físico) e também de fatores humorais que estimu- hipertensos. Daí o papel protetor de pequenas doses diá-
lam o crescimento e a proliferação das células musculares rias de aspirina (75 a 100 mg) em indivíduos hipertensos.
(angiotensina, catecolaminas e insulina) e de fibroblastos Estudos eletrofisiológicos e a monitorização do ECG por
(aldosterona). Embora a HVE seja uma adaptação à eleva- 24 a 48 horas forneceram os subsídios para se demonstrar
ção da pressão arterial, ela reduz a complacência do VE que as principais arritmias cardíacas que ocorrem em hi-
(prejudicando sua função diastólica) e predispõe à fibrose pertensos estão associadas à HVE. As extra-sístoles ven-
(e dilatação do VE) e a arritmias. Em repouso o coração do triculares isoladas são as mais freqüentes. As arritmias
hipertenso com HVE não difere funcionalmente do daque- ventriculares complexas (duas ou mais extra-sístoles aco-
les sem hipertrofia, porém, em situações em que é solicita- pladas) predispõem à fibrilação ventricular e conseqüente
do a ter um maior desempenho, sua capacidade máxima morte súbita.
de resposta aos estímulos empregados é reduzida. Estudos
muito bem controlados mostram que a presença de HVE
detectada tanto pelo eletrocardiograma (ECG) como pelo Comprometimento Renal da
ecocardiograma (mais precoce) constitui-se no maior fator Hipertensão Arterial
de risco isolado para a ocorrência de complicações cardí-
acas (infarto do miocárdio, arritmias graves e morte sú- Para se ter uma idéia da importância deste problema,
bita). basta sabermos que perto de 25% dos pacientes que são
Do ponto de vista estrutural, a evolução natural da HVE submetidos à diálise crônica e que necessitam de transplan-
parece ser a fibrose e a dilatação cardíaca, sobrevindo a te renal têm como única causa da insuficiência renal a hi-
insuficiência cardíaca. Os sintomas clínicos mais freqüen- pertensão arterial. Estes dados adquirem ainda maior im-
tes e precoces referem-se à insuficiência cardíaca esquer- portância quando a hipertensão está associada ao diabetes
da, que podem progredir para a insuficiência cardíaca con- mellitus. A hipertensão arterial compromete principalmen-
gestiva. O edema agudo de pulmão, caso extremo de in- te as estruturas vasculares renais (artérias, arteríolas e ca-
suficiência cardíaca, ocorre com maior freqüência em pa- pilares glomerulares). A instalação de placa ateroscleróti-
cientes que já tenham menor reserva cardíaca e que apre- ca nas artérias renais pode ser complicação e também um
sentem elevações abruptas da pressão arterial. agravante da hipertensão que, às vezes, adquire caráter
capítulo 41 749

renovascular (desde que a obstrução seja suficiente para “exsudato algodonoso” ou “exsudatos moles”. As hemor-
causar isquemia renal). Entretanto, são nas arteríolas e glo- ragias retinianas são mais freqüentemente vistas junto às ar-
mérulos que ocorrem as conseqüências mais sérias da hi- teríolas e significam lesão da parede arteriolar (necrose
pertensão arterial sobre os rins. A parede das arteríolas fibrinóide). Os “exsudatos duros” são vistos como manchas
renais sofre espessamento das camadas muscular e elásti- muito refringentes (brilhantes) na retina e correspondem a
ca, reduzindo o fluxo efetivo para as estruturas a jusante. restos antigos de lipídios provenientes do extravasamento
Esta isquemia promove a liberação de renina, agravando sanguíneo ou transudação. A classificação destes achados
ainda mais a hipertensão e comprometendo a filtração glo- está apresentada no exame do fundo de olho (Quadro 41.9).
merular. Do ponto de vista estrutural glomerular, a escle- O descolamento da retina e a trombose venosa são compli-
rose progressiva dos glomérulos é um achado caracterís- cações infreqüentes da hipertensão arterial.
tico da hipertensão. O aumento da pressão intraglomeru-
lar e o hiperfluxo promovem a esclerose parcial ou total dos
glomérulos, por mecanismos não completamente identi- Comprometimento Arterial Periférico
ficados, mas que incluem a formação intra-renal de angio-
A aterosclerose mais precoce e mais intensa que acom-
tensina II. A conseqüência das lesões arteriolares e glome-
panha a hipertensão arterial leva a obstruções e formação
rulares é a queda lenta e progressiva da filtração glomeru-
de aneurismas no sistema arterial periférico. O território
lar e a correspondente perda da função renal (insuficiên-
mais comprometido é aquele compreendido entre a aorta
cia renal crônica). Este quadro é conhecido como nefros-
abdominal e as artérias femorais. Porém, obstruções mais
clerose e costuma acompanhar os casos de hipertensão
distais também ocorrem. Estas lesões são agravadas por
“benigna”, ou melhor, sem caráter maligno. Na hiperten-
outros fatores de risco que estejam associados, tais como
são maligna, além do quadro anterior, ocorre também ne-
fumo, diabetes mellitus, dislipidemia e fatores familiares. As
crose fibrinóide das arteríolas, cujo processo de regenera-
manifestações clínicas mais freqüentes são: claudicação inter-
ção freqüentemente leva à endarterite proliferativa com
caráter obliterante (proliferação em casca de cebola). A ele- mitente, trombose arterial de membros inferiores e úlceras
vação extrema da pressão arterial, como ocorre na hiper- cutâneas (extremidades). O aneurisma dissecante da aorta,
tensão maligna, provoca lesão direta dos capilares glome- presente quase exclusivamente em hipertensos, é uma emer-
rulares (ruptura), pois há quebra completa dos mecanis- gência. Nestes casos, a redução da pressão arterial é indispen-
mos de proteção renal (auto-regulação). Nestes casos, a sável para interromper a dissecção da parede da aorta.
insuficiência renal aguda ou a “agudização” de uma insu-
ficiência renal preexistente é comum. Pontos-chave:
• A presença de HVE detectada tanto pelo
RETINOPATIA HIPERTENSIVA eletrocardiograma (ECG) como pelo
ecocardiograma (mais precoce) constitui-se
As lesões retinianas provocadas pela hipertensão podem no maior fator de risco isolado para a
ser de natureza aguda ou crônica. As alterações crônicas são ocorrência de complicações cardíacas
as mais comuns. Correspondem ao comprometimento ar- (infarto do miocárdio, arritmias graves e
teriolar como em qualquer outro território vascular. A morte súbita)
arteriolesclerose pode ser visualizada no exame de fundo de
• As principais arritmias cardíacas que
olho em diversas fases de seu processo. No início ocorre
ocorrem em hipertensos estão associadas à
apenas aumento do reflexo central das arteríolas e tortuosi-
dade. Posteriormente pode ocorrer compressão venosa no HVE
local de cruzamento, que é denominado “cruzamento pa- • Cerca de 25% dos pacientes que são
tológico”. Em estágio mais avançado de esclerose as arterí- submetidos à diálise crônica e que
olas podem refletir completamente a luz incidente, confe- necessitam de transplante renal têm como
rindo-lhes o aspecto comparável ao “fio de cobre”. Mais única causa da insuficiência renal a
tarde, quando ocorre interrupção total do fluxo sanguíneo, hipertensão arterial
suas paredes brilham como “fios de prata”. A elevação
abrupta da pressão arterial provoca vasoconstrição genera-
lizada nas arteríolas, reduzindo a relação entre o diâmetro
arteríolo-venular (normal 2/3). As lesões de caráter agudo CLASSIFICAÇÃO DA
que comprometem o tecido retiniano provocam edema su- HIPERTENSÃO ARTERIAL
perficial da retina (que se torna mais brilhante) e a forma-
ção de exsudatos e hemorragias. A isquemia da camada Existem muitas classificações da hipertensão arterial.
nervosa da retina forma edema localizado chamado de Recentemente, as classificações mais conhecidas e uni-
750 Hipertensão Arterial Primária

versalmente aceitas foram unificadas e correspondem à


Quadro 41.7 Classificação da pressão arterial para
classificação proposta no VI relatório do Joint National
adultos maiores de 18 anos segundo a IV edição
Committee on Detection, Evaluation and Treatment of
das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial
High Blood Pressure (JNC VI), na última versão das dire-
trizes da Organização Mundial de Saúde em conjunto com Pressão Pressão
a Sociedade Internacional de Hipertensão e adotada tam- sistólica diastólica
bém na IV edição das Diretrizes Brasileiras de Hiperten- Categoria (mmHg) (mmHg)
são Arterial (ver Quadro 41.7). Ótima 120 80
Esta classificação leva em consideração os níveis de pres- Normal 130 85
são arterial. Porém a decisão terapêutica considera também Normal Limítrofe 130-139 85-89
o grau de comprometimento sistêmico da hipertensão e Hipertensão Arterial
outros fatores de risco cardiovascular associados (v. Qua- Estágio 1 (leve) 140-159 90-99
Estágio 2 (moderada) 160-179 100-109
dro 41.8). Daí a posição da classificação nesta parte do tex- Estágio 3 (grave)
180
110
to e não no ínício, como é habitual. Observe que nesta clas- Hipertensão Sistólica
140 90
sificação valorizam-se os níveis pressóricos iguais ou infe- Isolada
riores a 120/80 mmHg, denominando-os como “ótimos”.
Notas: 1. Esta mesma classificação é adotada pela Organização
Ressalta também os valores “normais limítrofes”, chaman-
Mundial de Saúde, Sociedade Internacional de Hipertensão e VI
do nossa atenção para esta condição pré-hipertensiva e Joint National Committee (EUA).
obrigando-nos a pensar em prevenção primária da doen- 2. Quando as pressões sistólica e diastólica estiverem em faixas
ça. Já a decisão terapêutica baseia-se nos níveis pressóri- de valores diferentes, considera-se a mais elevada.
cos e na presença de lesões em órgãos-alvo e de outros fa- 3. Além da classificação em “estágios”, o médico deve registrar se
tores de risco cardiovascular associados (v. Quadro 41.8). existem outros fatores de riscos para doença cardiovascular, tais
Desta forma, em indivíduos com hipertensão estágio 1 sem como, a idade (60 anos), a ocorrência de doença cardiovascular
comprometimento sistêmico ou fatores de risco maiores precoce em familiares diretos, diabetes mellitus, dislipidemia e fumo
e a presença de lesões próprias da hipertensão arterial em órgãos-
associados, devemos estabelecer medidas terapêuticas não- alvo como coração, cérebro, rins, grandes artérias e no fundo de
farmacológicas por um período de até 12 meses. Se hou- olho. Esta especificação é importante para a estratificação do risco
ver fatores de risco maiores associados, como fumo, disli- e o manuseio clínico-terapêutico.
pidemia, idade superior a 60 anos, homens ou mulheres
na menopausa ou história familiar de doença cardiovas-
cular precoce em indivíduos com hipertensão estágio 1 (PA panhada de lesões em órgãos-alvo indicam o início imedi-

140/90 mmHg), deve-se iniciar com modificações no ato de medicamentos anti-hipertensivos. Tendo em vista
estilo de vida por um período de até seis meses. Valores o alto risco de morbidade e mortalidade, a presença de
pressóricos
160/100 mmHg (estágio 2 ou 3), mesmo que insuficiência cardíaca, insuficiência renal ou a associação
isoladamente, ou hipertensão arterial no estágio 1 acom- com o diabetes mellitus indicam o início imediato do trata-

Quadro 41.8 Decisão terapêutica baseada na estratificação de risco e nos níveis de pressão segundo a IV Edição
das Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial

Pressão Arterial Grupo A* Grupo B** Grupo C***

Normal limítrofe
(130-139 / 85-89 mmHg) Modificações no estilo de Modificações no estilo de Modificações no estilo
vida vida de vida1
Hipertensão leve (estágio 1)
(140-159 / 90-99 mmHg)
Modificações no estilo de Modificações no estilo de Terapia Medicamentosa
vida (até 12 meses) vida (até 6 meses)
Hipertensão moderada e Terapia Medicamentosa Terapia Medicamentosa Terapia Medicamentosa
grave (estágios 2 e 3)
(
160 /
100 mmHg)

*Grupo A  Sem fatores de risco e sem lesões em órgãos-alvo.


**Grupo B  Sem lesões em órgãos-alvo e presença de fatores de risco (fumo, dislipidemia, 60anos, homens ou mulheres na menopausa, história
familiar de doença cardiovascular precoce)
*** Grupo C  Presença de diabetes mellitus ou lesões em órgãos-alvo (coração-HVE, angina ou infarto, revascularização, insuficiência cardíaca; cérebro-
AVC ou EIT; rins- insuficiência renal ou proteinúria; obstrução arterial periférica ou retinopatia hipertensiva)
1 — Terapia medicamentosa deve ser iniciada de imediato se estiver associado diabetes mellitus, insuficiência cardíaca ou insuficiência renal
capítulo 41 751

mento com medicamentos, mesmo com valores pressóri- do também os exames necessários para afastar ou confir-
cos limítrofes (
130/85 mmHg). O comprometimento sis- mar a hipótese eventual de hipertensão secundária. O
têmico da hipertensão arterial costuma ser proporcional ao Quadro 41.9 resume os principais elementos clínicos a se-
tempo de evolução e aos valores pressóricos. Entretanto, é rem investigados, enquanto o Quadro 41.10 apresenta a
comum encontrarem-se indivíduos com hipertensão arte- rotina laboratorial que habitualmente solicitamos com esta
rial estágio 1 já apresentando lesões em órgãos-alvo. finalidade.
Do ponto de vista clínico, é muito importante ressaltar
que na maioria dos indivíduos a hipertensão arterial é ab-
AVALIAÇÃO CLÍNICA E solutamente assintomática. Mesmo aqueles com compro-
metimento discreto dos órgãos-alvos não procuram o mé-
LABORATORIAL DO PACIENTE dico por não terem nenhum sintoma que os incomode. Por
HIPERTENSO isso, só a determinação sistemática da pressão arterial irá
possibilitar o diagnóstico e o tratamento precoces, evitan-
Na avaliação do paciente com hipertensão arterial três do suas complicações. Quando fazemos uma observação
pontos principais devem ser o centro de nossa atenção: 1. clínica pormenorizada freqüentemente detectamos, mes-
Determinar através de história, exame clínico e exames mo em indivíduos aparentemente assintomáticos, alguns
complementares o grau de comprometimento sistêmico indícios de comprometimento sistêmico da doença. Obser-
que a moléstia possa ter causado; 2. identificar outras do- ve no Quadro 41.9 os principais pontos a serem investiga-
enças e/ou fatores de risco para doenças cardiovasculares dos na história clínica e no exame físico do paciente hiper-
que possam estar associados; e, finalmente, 3. identificar tenso. Quando estes elementos são sistematicamente pes-
os elementos epidemiológicos e clínicos que caracterizam quisados, teremos, ao final do exame físico, uma idéia bas-
a hipertensão como primária ou secundária, estabelecen- tante precisa do estado clínico do paciente, do grau de com-

Quadro 41.9 Roteiro para a avaliação clínica do paciente com hipertensão arterial

HISTÓRIA: Tempo e idade de conhecimento da hipertensão; ganho de peso recente; Queixa de dispnéia, nictúria, edema,
palpitação, síncope e dor precordial; Claudicação intermitente ou dor abdominal pós-prandial; Paralisias, dificuldade
para andar, alterações visuais (turvação ou borramento); “Crises” de cefaléia, palpitação (taquicardia), palidez e
sudorese; História anterior de doença renal ou alterações urinárias: hematúria, disúria, etc.;
Outras doenças associadas: diabetes, gota, dislipidemia, bronquite ou asma, alterações hepáticas, gástricas ou intestinais,
artrites, anemia, enxaqueca;
Antecedentes familiares de hipertensão, acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, diabetes, amputações;
Idade e causa de falecimento dos pais e/ou irmãos (caso tenha ocorrido);
Hábitos pessoais: Fumo (tempo e quantidade), etilismo (tempo e quantidade); exercícios (tipo, tempo e freqüência), lazer
habitual (regularidade);
Hábitos alimentares (sal, carboidratos, gorduras, proteínas e vegetais);
Medicação em uso: anticoncepcionais, antiinflamatórios, corticóides, antidepressivos;
Medicação anti-hipertensiva em uso, regularidade e adesão ao tratamento.

EXAME FÍSICO: Idade, sexo, grupo étnico, peso, altura, índice de massa corporal, relação da circunferência cintura/
quadril, pele e mucosas (anemia?);
Pressão arterial (realizar de 2 ou 3 determinações) após 5 a 10 minutos de repouso deitado (ou sentado) e na posição
ortostática;
Exame cardiovascular completo: Estase jugular?, características do ictus cordis, freqüência cardíaca, presença de 3.ª ou 4.ª
bulha, arritmias, intensidade dos ruídos (A2 ou M1 hiperfonéticos?), sopros?, ausculta pulmonar (estertores de
bases?), palpação comparativa de todos os pulsos — há alterações?
Abdome: Presença de hepatomegalia? sopros ou tumorações pulsáteis?, massas renais palpáveis?
Extremidades: Edema, lesões tróficas de pele, alterações ungueais, outros sinais de isquemia?

EXAME DO FUNDO DE OLHO: Observar e descrever com detalhes as papilas, vasos retinianos, aspecto e alterações
retinianas.
Classificação de Keith-Wagener:
Grau 0 — Fundo de olho normal
Grau 1 — Esclerose arteriolar discreta (tortuosidade e brilho central das arteríolas aumentado e relação A/V 2/3)
Grau 2 — Esclerose arteriolar grave (cruzamentos patológicos, arteríola em “fio de cobre” ou “fio de prata”) e lesões
retinianas antigas (exsudatos duros — brilhantes)
Grau 3 — Anteriores  lesões recentes: Exsudatos algodonosos e hemorragias
Grau 4 — Anteriores  edema de papila (hipertensão intracraniana)
752 Hipertensão Arterial Primária

Quadro 41.10 Roteiro para a avaliação laboratorial do paciente hipertenso

Hemograma (quando se suspeita de anemia)


Glicemia de jejum (diabetes mellitus?)
Creatinina (insuficiência renal?)
Urina I (doença renal prévia ou lesão pela hipertensão: proteinúria e/ou hematúria?)
Potássio (hipopotassemia: diurético, hiperaldosteronismo ou hiperpotassemia: insuficiência renal)
Ácido úrico (gota, marcador de risco?)
Colesterol total (quando disponível: LDL-colesterol e HDL-colesterol) — dislipemia?
Triglicerídeos (dislipidemia?)
RX de tórax (aorta, área cardíaca e estase pulmonar)
Eletrocardiograma (arritmias, HVE, bloqueios, alterações da repolarização ventricular)
Ecocardiograma (quando disponível: HVE, disfunção diastólica ou sistólica, dilatação)
Ultra-sonografia renal (somente em casos de suspeita de doença renal)
Metanefrina urinária (somente em caso de suspeita de feocromocitoma)
Teste de captopril (somente em caso de suspeita de hipertensão renovascular)
Aldosterona e renina (somente em caso de suspeita de hiperaldosteronismo)

prometimento sistêmico e se há indícios de que a hiperten- mento. É preferível que os colegas discutam entre si e
são possa ser primária ou secundária. Indivíduos com hi- apenas um médico seja responsável pelo paciente, colocan-
pertensão arterial primária ou essencial freqüentemente do-se à disposição sempre que qualquer orientação se faça
apresentam antecedentes familiares de hipertensão e/ou necessária. Mas, para isso, é preciso que o médico esteja
de doenças cardiovasculares, encontram-se na faixa etária preparado. A associação da hipertensão arterial com quais-
mais prevalente e não costumam apresentar sinais ou sin- quer outros fatores de risco, tais como diabetes mellitus,
tomas clínicos de quaisquer doenças que possam causar a dislipidemia, fumo e HVE, aumenta assustadoramente a
hipertensão. probabilidade de ocorrência de complicações cardiovas-
O exame de fundo de olho é um importante subsídio culares. Por isso, é essencial que saibamos como manipu-
para a avaliação do comprometimento vascular periférico, lar estas associações minimizando seus efeitos. É funda-
da gravidade e da duração da hipertensão. Segundo a clas- mental que o médico se esforce no sentido de informar e
sificação de Keith-Wagener (v. Quadro 41.9), a presença de orientar o paciente quanto aos riscos da própria hiperten-
alterações de grau 1 ou grau 2 indicam a duração e a gra- são e também de outras condições clínicas que possam
vidade anterior da hipertensão (esclerose arteriolar), en- estar associadas, e não apenas reduzir sua pressão com
quanto as de graus 3 e 4 nos dizem se há ou não lesões um medicamento qualquer e considerar sua tarefa reali-
sugestivas de agravo recente da hipertensão (exsudatos, zada.
hemorragias e edema de papila). O conhecimento dos há- Com relação especificamente aos medicamentos anti-
bitos pessoais (alimentares, fumo, álcool, regularidade com hipertensivos, o clínico deve saber que muitos deles podem
que faz exercícios, etc.) irá nos fornecer elementos para a interferir nos fatores de risco de caráter metabólico de for-
orientação e posterior tratamento do paciente. A presença ma favorável (melhorando) ou desfavorável (veja os capí-
de sinais e sintomas sugestivos de comprometimento sis- tulos específicos sobre diuréticos e drogas anti-hipertensi-
têmico (insuficiência cardíaca, renal, coronária, vascular vas). No final do Quadro 41.10 são também listados alguns
cerebral ou periférica) nos orientará na estratégia de trata- exames que fazem parte da rotina diagnóstica das causas
mento. Alguns dos riscos associados à hipertensão que mais freqüentes de hipertensão secundária. Maiores deta-
também poderão influenciar na maneira de tratarmos cada lhes sobre estas rotinas estão contidos no item Etiologia da
indivíduo só serão conhecidos após a realização da rotina hipertensão arterial (v. anteriormente) e nos dois capítu-
laboratorial proposta no Quadro 41.10. los subseqüentes.
Quaisquer desvios nestes exames que venham signifi-
car risco adicional devem ser levados em conta. Não bas-
ta simplesmente controlar a pressão arterial, é preciso ter EMERGÊNCIAS HIPERTENSIVAS
conhecimento dos fatores de risco associados e combatê-
los em sua totalidade. Todo médico deve saber como fazê- O Quadro 41.11 lista as principais condições clínicas que
lo. O pior que pode acontecer a um paciente hipertenso devem ser consideradas como crises hipertensivas, que é
com vários riscos associados é ter que freqüentar três ou a denominação genérica dada à elevação rápida e sintomá-
quatro “especialistas” para se “tratar”. Invariavelmente tica da pressão arterial, que cursa com risco de deteriora-
acabará ficando entre orientações contraditórias, aumen- ção aguda dos órgãos-alvo e, conseqüentemente, risco de
tando sua ansiedade e insatisfação e abandonando o trata- vida imediato ou potencial.
capítulo 41 753

te modo podemos evitar complicações sérias em pacien-


Quadro 41.11 Emergências hipertensivas
tes com hipertensão grave, por quebra da auto-regulação
1. Encefalopatia Hipertensiva
em órgãos vitais como coração, cérebro e rins. Convém
2. Hipertensão Arterial Maligna lembrar que o indivíduo com hipertensão grave apresen-
3. Acidente Vascular Cerebral com Hipertensão Grave ta desvio para a direita da curva de auto-regulação da per-
4. Hemorragia Cerebral fusão tecidual devido às modificações estruturais impos-
5. Edema Agudo de Pulmão tas pela doença ao sistema vascular e que a diminuição
6. Infarto do Miocárdio com Hipertensão Grave pressórica abrupta e intensa pode ser mais deletéria do que
7. Aneurisma Dissecante de Aorta a própria hipertensão.
8. Crise de Feocromocitoma São aspectos de extrema relevância, que devem ser con-
9. Glomerulonefrite Aguda siderados: idade, presença de vasculopatias, estados de
10. Uso de Drogas Simpatomiméticas (cocaína) hipovolemia, medicações em uso, associação de co-morbi-
11. Hipertensão Grave Associada a Condições
dades, entre outros.
Cirúrgicas (pré- e pós-operatório)
12. Eclâmpsia ou Eclâmpsia Iminente Nas emergências devemos sempre utilizar drogas inje-
táveis, se possível com bombas de infusão contínua em
ambiente hospitalar apropriado. O paciente deve ser ava-
liado clinicamente através de anamnese e exame físico com-
A primeira conduta frente a um paciente com níveis pletos, incluindo fundoscopia. São considerados exames
pressóricos muito elevados é descartar pseudocrise hiper- complementares indispensáveis inicialmente: urina tipo I,
tensiva, ou seja, há hipertensão arterial grave (PAD  120 glicemia, sódio, potássio, creatinina, hematócrito, hemoglo-
mmHg), geralmente desencadeada por dor, desconforto, bina, radiografia de tórax e eletrocardiograma.
ansiedade ou abandono do tratamento. Nestas circunstân-
cias não há sinais de lesões agudas em órgãos-alvo e o tra-
tamento deve ser feito apenas com sintomáticos e medica- PREVENÇÃO PRIMÁRIA
ção de uso crônico, com seguimento ambulatorial. E TRATAMENTO
De acordo com o I Encontro Multicêntrico Sobre Crises
Hipertensivas, as emergências são aquelas com risco imi- NÃO-FARMACOLÓGICO DA
nente de morte ou deterioração rápida da função dos ór- HIPERTENSÃO ARTERIAL
gãos-alvo, que requerem redução imediata da pressão ar-
terial em minutos, ou em algumas horas, diferentemente A forma mais correta e efetiva de se controlar qualquer
das urgências hipertensivas, onde o risco de morte ou de doença é a prevenção primária, ou seja, combatê-la antes
lesão funcional rápida é remoto, e devemos reduzir a pres- que apareça. Em relação à hipertensão, a prevenção primá-
são de forma mais lenta e gradual, em cerca de 24 horas. ria pode ser feita através de estratégias populacionais e
Na prática clínica são freqüentes as dúvidas nas caracteri- individuais. As estratégias populacionais incluem campa-
zações de uma ou outra situação, devendo o médico ser nhas de esclarecimento nos grandes meios de comunica-
cuidadoso e proceder a inúmeras avaliações posteriores à ção, formação de professores que transmitam desde os
inicial para um melhor atendimento ao paciente. Não é o bancos escolares do primeiro grau noções higieno-dietéti-
objetivo deste texto discorrer sobre uso e doses de medi- cas e de saúde, envolvimento da classe médica nesta tare-
camentos para cada caso específico, mas sim chamar a aten- fa. Em resumo, medidas que possam ter grande abrangên-
ção para algumas peculiaridades clínicas destas emergên- cia populacional. Existe um objetivo teoricamente atingí-
cias. Em muitas delas, a simples redução da pressão arte- vel que é alcançar o comportamento pressórico observado
rial com drogas de ação rápida é suficiente para retirar o em populações isoladas onde a pressão arterial, ao contrá-
indivíduo do quadro de emergência, como por exemplo a rio do que é visto em todo o mundo “ocidentalizado”, não
encefalopatia hipertensiva, hipertensão maligna com pa- se eleva com a idade. Este fenômeno não parece ser um
piledema, hemorragias cerebrais, dissecção aguda de aor- mero produto do envelhecimento, mas deve estar relacio-
ta, edema agudo pulmonar hipertensivo, infarto agudo do nado às condições gerais de vida, à ingesta de sódio mui-
miocárdio com hipertensão, crise de feocromocitoma, tas vezes acima das necessidades diárias, à obesidade, à
eclampsia e crises adrenérgicas por overdose de drogas ilí- inatividade física, ao excesso de ingestão alcoólica e outros.
citas. É fato que em todos esses casos a pressão arterial Do ponto de vista individual, a estratégia deve abran-
precisa ser reduzida, porém de forma cuidadosa, para que ger os grupos considerados de risco para desenvolver hi-
não se provoque hipofluxo sangüíneo para territórios no- pertensão. São eles: indivíduos com níveis pressóricos si-
bres. A redução inicial não deve ser superior a 20 ou 25% tuados na faixa considerada normal limítrofe (pressão sis-
dos níveis da pressão arterial média. Um critério prático e tólica entre 130 e 139 e diastólica entre 85 e 89), estes têm 3
seguro é não reduzir de imediato os níveis tensionais di- a 4 vezes mais chance de se tornarem hipertensos em fu-
astólicos para valores inferiores a 100 ou 110 mmHg. Des- turo próximo; indivíduos obesos; com antecedentes fami-
754 Hipertensão Arterial Primária

liares de hipertensão e doenças cardiovasculares precoces; calórico (pobres em carboidratos e gorduras) e rica em fi-
negros e mulatos; indivíduos com vida sedentária e os bras e vegetais. O exercício físico regular, além de contri-
consumidores de sal e álcool em excesso. buir por si só para reduzir a pressão, auxilia a perder peso.
Promover mudanças nos hábitos de vida realmente não A redução do sódio e o aumento do potássio na dieta
é tarefa fácil, porém, apenas para se ter uma idéia do im- devem ser recomendados a todos os hipertensos. O limite
pacto de medidas deste tipo, se toda a população tivesse máximo de ingestão de sal recomendado é de 6 gramas por
uma redução pressórica de apenas 2 mmHg, isto iria sig- dia. Porém, está demonstrado em diferentes populações
nificar a redução de 5 a 6% na mortalidade anual por do- que quanto menor a ingestão de sódio, menor é o incremen-
enças cardiovasculares. to pressórico anual. Publicações recentes também sugerem
A prevenção secundária procura minimizar as conseqüên- que reduções na ingestão de sal para próximo de 4 g/dia
cias da doença já instalada, ou seja, tudo de que tratamos são ainda mais efetivas em reduzir a PA de indivíduos
neste capítulo. No sentido da prevenção secundária, nós, hipertensos e normotensos. Do ponto de vista prático, o
médicos, e a “Saúde Pública” temos ainda uma tarefa ár- paciente deve saber que a alimentação em sua forma na-
dua pela frente, pois menos de 50% dos indivíduos hiper- tural já contém aproximadamente dois gramas de sal, su-
tensos têm conhecimento da doença. Mesmo sendo assin- ficientes para suas necessidades diárias. Se todo alimento
tomática, é inadmissível que uma doença cujo diagnósti- fosse preparado sem sal, poder-se-iam adicionar a ele até
co seja tão fácil escape entre nossos dedos, ou melhor, es- 4 gramas de sal por dia (2 colheres das de café rasas de sal).
cape de nossas “consultas”. Toda consulta médica, de qual- Como é muito difícil conseguir tal empenho, todos os dias,
quer “especialidade”, deve incluir a determinação da pres- do paciente e de sua família, recomendamos que o hiper-
são arterial. tenso evite alimentos que contenham sal em excesso (in-
dustrializados, embutidos, salgadinhos tipo chips, amen-
doim, etc.) e que, progressivamente, vá retirando o sal de
Tratamento Não-farmacológico da sua alimentação. Esta é a maneira mais fácil de o hiperten-
Hipertensão so e sua família adaptarem-se à baixa ingestão de sódio,
conseguindo-se maior adesão. Lembre-os de que, sendo a
As medidas não-farmacológicas destinadas a reduzir a hipertensão uma doença familiar, estarão fazendo preven-
pressão arterial correspondem fundamentalmente a mu- ção primária em relação aos seus filhos e a outros mem-
danças no estilo de vida. O Quadro 41.12 resume as medi- bros da família que sejam normotensos. O aumento na in-
das comprovadamente eficazes e as de eficácia discutível. gesta de potássio é alcançado com consumo de frutas e
Entre as do primeiro grupo, a redução de peso nos hiper- verduras frescas. A substituição do cloreto de sódio pela
tensos obesos tem sido demonstrada como a de maior mistura de cloreto de sódio e cloreto de potássio, conheci-
impacto. De uma forma grosseira, poderíamos dizer que do como “sal diet” ou “sal light” pode ser benéfica nos in-
para cada quilograma de peso perdido ocorrerá a redução divíduos com função renal normal, pois diminui a ingesta
de 1 mmHg na pressão sistólica e diastólica. A redução de de sódio e aumenta o aporte de potássio.
peso é conseguida através de dietas com reduzido teor O consumo exagerado de álcool deve ser evitado, po-
rém, a ingestão de até 30 ml de álcool etílico por dia (duas
doses de destilados) parece ter um papel protetor sobre o
sistema cardiovascular, não interfere na ação dos medica-
Quadro 41.12 Tratamento não-farmacológico da mentos anti-hipertensivos e facilita a integração do hiper-
hipertensão arterial tenso ao seu meio social.
O exercício físico aeróbico ou isotônico regular é capaz
MEDIDAS COMPROVADAMENTE EFICAZES
de reduzir a pressão arterial. Tais exercícios devem ser
— Redução do peso realizados pelo menos três vezes por semana por um perí-
— Redução do sódio e aumento do potássio na dieta
odo mínimo de 40 minutos. Andar, correr, nadar, andar de
— Redução da ingesta de álcool
— Atividade física regular bicicleta e praticar esportes coletivos (futebol, basquete,
— Interrupção do fumo etc.) são altamente recomendáveis. Pacientes com suspei-
— Evitar o uso de medicamentos potencialmente ta de doença coronária ou com idade superior a 50 anos
hipertensores devem ser, preliminarmente, submetidos a teste ergomé-
trico. Caso contrário, devem apenas andar. Os exercícios
MEDIDAS DE EFICÁCIA DISCUTÍVEL
chamados isométricos, ou seja, que desenvolvem grande
— Controle do estresse força muscular sem movimentação dos membros (por
— Suplementação de cálcio exemplo, halteres) elevam a pressão sistólica e diastólica,
— Suplementação de magnésio
— Dieta rica em fibras
não sendo os mais recomendados.
— Dieta rica em óleo de peixe A interrupção do fumo é fundamental para que se con-
siga o pleno efeito das outras medidas destinadas a con-
capítulo 41 755

trolar a pressão e a impedir a progressão da aterosclerose. os mais diversos. Ainda que uma ou mais drogas anti-hiper-
Mesmo o efeito de medicamentos não é máximo se o indi- tensivas venham a ser necessárias ao tratamento, estas devem
víduo não deixar de fumar. ser usadas em associação com as medidas não-farmacológi-
Evitar o uso de medicamentos potencialmente capazes cas, pois certamente irão potencializar suas ações.
de elevar a pressão arterial é uma medida óbvia. O médi-
co deve discutir com a paciente hipertensa em idade fértil
que esteja deixando de usar a pílula anticoncepcional a BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
adoção de um método contraceptivo seguro para se evitar
uma gestação indesejável. Os antiinflamatórios não-hor- ALDERMAN, M.H. Non-pharmacological treatment of hypertension.
monais só devem ser usados em casos de indicação abso- Lancet, 344:307-311, 1994.
ALDERMAN, M.H e cols. Distribution and determinants of cardiovas-
luta. Já os analgésicos comuns, como a dipirona e o aceta-
cular events during 20 years of successful antihypertensive treatment.
minofen, podem ser utilizados sem riscos. A aspirina em J. Hypertens., 16:761-769, 1998.
dose suficiente apenas para funcionar como antiagregan- ALMEIDA, F.A. e cols. Malignant hypertension: A syndrome associated
te plaquetário (75 a 100 mg/dia) pode ser utilizada sem with low plasma kininogen and kinin potentiating factor. Hypertensi-
on, 3 (supplII):II – 46-II – 49, 1981.
riscos. Em doses analgésicas (500 mg ou superiores), pro-
ALMEIDA, F.A. Fator natriurético atrial na hipertensão arterial. In: Atu-
duz os mesmos efeitos dos antiinflamatórios sobre o siste- alidades em Nefrologia, Vol. 2. eds: Cruz, J.; David Neto, E.; Burdmann,
ma das prostaglandinas e, portanto, deve ser evitada. E.A.; Alves, M.A.V.F.R.; Salgado Filho, N.; Magalhães, R.L.; Barros,
Como já foi dito anteriormente, controlar o estresse re- R.T. Sarvier, São Paulo, 1992, pp. 49-58.
Australian National Health and Medical Research Council Dietary Salt Stu-
quer interação extremamente complexa e demorada com
dy Management Committee. Fall in blood pressure with modest reduc-
o paciente e os resultados não são universalmente aceitos tion in dietary salt intake in mild hypertension. Lancet, i:399-402, 1989.
como benéficos. O médico, porém, deve envolver-se com BURT, V.L. e cols. Trends in the prevalence, awareness, treatment, and
o paciente buscando sua cura. Habitualmente recomenda- control of hypertension in the US population: data from health exa-
mination surveys, 1960 to 1991. Hypertension, 26: 60-69, 1995.
se que o paciente não tenha vida tão cheia de afazeres, não
COLLINS, R. e cols. Blood pressure, stroke, and coronary heart disease: part
imponha a si próprio objetivos impossíveis ou muito difí- 2, short-term reductions in blood pressure: overview of randomized
ceis de serem alcançados, tenha momentos de lazer e de drug trials in their epidemiologic context. Lancet, 335:827-38, 1990.
relaxamento regularmente e faça exercícios relaxantes. D’ÁVILA, R. e cols. Sobrevida de pacientes renais crônicos em diálise
peritoneal e hemodiálise. J. Bras. Nefrol., 21:13-21, 1999.
Ansiolíticos não agem como anti-hipertensivos e, em mui-
III Diretrizes para uso da monitorização ambulatorial da pressão arteri-
tos, podem causar depressão reativa. Por isso só devem ser al. I Diretrizes para uso da monitorização residencial da pressão arte-
usados com indicação precisa. A suplementação de alguns rial. Hipertensão, 4:6-19, 2001.
eletrólitos como sais de cálcio e magnésio, embora possa IV Diretrizes Brasileiras sobre Hipertensão Arterial. Sociedade Brasilei-
ter um certo respaldo teórico para sua utilização, na práti- ra de Hipertensão, Sociedade Brasileira de Nefrologia e Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Campos do Jordão, 2002.
ca tem-se mostrado pouco efetiva. Já as dietas ricas em fi- DOLLERY, C. e BRENNAN, P.J. The Medical Research Council Hyper-
bras vegetais, farelo de trigo e de aveia, contribuem para tension Trial: The smoking patients. Am. Heart J., 115:276-281, 1988.
redução do peso e do colesterol sanguíneo, auxiliando tam- DOUGLAS, W.W. Polypeptides — angiotensin, plasma kinins, and others.
bém na regularização do ritmo intestinal. Porém, seu efei- The Farmacological Basis of Therapeutics. Gilman, A.G.; Goodman, L.S.;
Rall, T.W. e Murad, F. (eds). Macmillan Publishing Company, New
to em reduzir a pressão arterial não foi comprovado. York, 1985, Cap 27, pp. 639-659.
Muitos casos de hipertensão leve (estágio 1) e moderada I Encontro Multicêntrico Sobre Crises Hipertensivas. Relatório e Reco-
(estágio 2 — pressão diastólica 110 mmHg) podem ser con- mendações. Hipertensão, 4:23-41, 2001.
trolados apenas com estas medidas não-farmacológicas. Des- FACCHINI, F.S. e cols. Insulin resistance and cigarette smoking. Lancet,
339:1128-1130, 1992.
de que não haja indicação clínica para se instituir o tratamen-
FRANKLIN, S.S. e cols. Is pulse pressure useful in predicting risk for
to medicamentoso de imediato (comprometimento de órgãos- coronary heart disease? The Framingham Heart Study. Circulation,
alvos ou outros fatores de risco associados), o médico e o in- 100:354-360, 1999.
divíduo hipertenso devem ser pacientes para aguardar o Guidelines Subcommittee, World Health Organization—International
Society of Hypertension Guidelines for the management of hyperten-
melhor efeito desta abordagem não-farmacológica multifa-
sion. J. Hypertens., 17:151-183, 1999.
torial. Freqüentemente o efeito máximo destas medidas que HALL, J.E. e cols. Resistance to metabolic actions of insulin and its role
alteram os hábitos de vida só ocorrerá meses após a sua ins- in hypertension. Am. J. Hypertens., 7:772-788, 1994.
tituição. Lembre-se: com esta abordagem você estará tratan- HAFFNER, S.M. e cols. Prospective analysis of the insulin-resistance syn-
drome (Syndrome X). Diabetes, 41:715-722, 1992.
do a causa e não apenas o efeito (pressão elevada). O risco,
HOLZGREVE, H. Die Frühbehandlung der leichten Hypertonie. Internist,
quase invariavelmente, não está só na pressão arterial eleva- 14:313, 1973.
da. Cabe ao médico orientar e tranqüilizar o paciente e não INTERSALT Cooperative Research Group. An international study of
se contentarem, ambos, com um número pressórico inferior electrolyte excretion and blood pressure: results for 24 hours urinary
ao inicial tão-somente à custa de medicamentos. Como se verá sodium and potassium excretion. Br. Med. J., 297:319-328, 1988.
KAPLAN, N.M. Management of hypertensive emergencies. Lancet,
mais adiante neste livro, temos hoje à disposição uma série 344:1335-1338, 1994.
enorme de drogas anti-hipertensivas muito potentes com di- LARAGH, J.H. e BRENNER, B.M. Hypertension: Pathophysiology, Diagno-
ferentes mecanismos de ação, porém com efeitos colaterais sis, and Management, 2nd ed. New York, Raven Press, 1995.
756 Hipertensão Arterial Primária

MacGREGOR, G.A. e cols. Double-blind study of three sodium intakes SACKS, F.M. e cols. Effects on blood pressure of reduced dietary sodium
and long-term effects of sodium restriction in essential hypertension. and the dietary approaches to stop hypertension (DASH) diet. N. Engl.
Lancet, ii:1244-1247, 1989. J. Med., 344:3-10, 2001.
MacMAHON, S. e cols. Blood pressure, stroke, and coronary heart dise- SEALS, D.R. e HAGBERG, J.M. The effect of exercise training on human
ase. Part 1, prolonged differences in blood pressure: prospective hypertension: a review. Med. Sci. Sports Exerc., 16:207-215, 1984.
observational studies corrected for the regression dilution bias. Lan- STOKES III, J. e cols. Blood pressure as a risk factor for cardiovascular
cet, 335:765-774,1990. disease. The Framingham Study — 30 years of follow-up. Hyperten-
MONCADA, S. e cols. Prostaglandins, prostacyclin, tromboxane A2, and sion, 13(suppl I):I–13-I—18, 1989.
leukotrienes. The Farmacological Basis of Therapeutics. Gilman, A.G.; The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention, Detec-
Goodman, L.S.; Rall, T.W. e Murad, F. (eds). Macmillan Publishing tion, Evaluation, and Treatment of High Blood Pressure. Arch. Intern.
Company, New York, 1985, Cap. 28, pp. 660-673. Med., 157:2413-46, 1997.
National High Blood Pressure Education Program Working Group report VASAN, R.S. e cols. Impact of high-normal blood pressure on the risk of
on primary prevention of hypertension. Arch. Intern. Med., 153:186- cardiovascular disease. N. Engl. J. Med., 345: 1291-1297, 2001.
208, 1993. WHELTON, P.K. e KLAG, M.J. Hypertension as a risk factor for renal
National High Blood Pressure Education Program Working Group report disease. Review of clinical and epidemiological evidence. Hyperten-
on hypertension in diabetes. Hypertension, 23:145-158, 1994. sion, 13(suppl I):I—19-I—27, 1989.
NEATON, J.D. e WENTWORTH, D. Serum cholesterol, blood pressu- WYLSON, P.W.F. Established risk factors and coronary artery disease:
re, cigarette smoking, and death from coronary heart disease: ove- The Framingham Study. Am. J. Hypertens., 7:7S-12S, 1994.
rall findings and differences by ages for 316 099 white men: Multi-
ple Risk Factor Intervention Trial (MRFIT). Arch. Intern. Med.,
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
152:56-64, 1992.
OLIVER, W.J. COHEN, E.L., NEEL, J.V. e col. Blood pressure, sodium http://www.sbh.org.br — Sociedade Brasileira de Hiper-
intake, and sodion related hormones in the Yanomano indians, a “no-
salt” culture. Circulation, 52:146-151, 1975.
tensão.
PANZA, J.A. e cols. Role of endothelium-derived nitric oxide in the http://www.ash.org — American Society of Hypertension.
abnormal endothelium-dependent vascular relaxation of patients with http://www.usrds.org — United States Renal Data Sys-
essential hypertension. Circulation, 87:1468-1474, 1993. tem – Dados sobre diálise e transplante renal nos EUA.
PICKERING, T.G. Blood pressure measurement and detection of hyper-
tension. Lancet, 344:31-35, 1994.
http://www.amedeo.com/ — Literatura médica e cami-
REAVEN, G.M. Role of insulin-resistance in human disease. Diabetes, nhos para PUBMED e MEDLINE. Há necessidade de re-
37:1595-1607, 1988. gistro.
Capítulo
Hipertensão Renovascular

42 Décio Mion Jr., Luiz A. Bortolotto, José N. Praxedes e Antonio Marmo Lucon

DEFINIÇÃO TRATAMENTO
EPIDEMIOLOGIA TRATAMENTO CIRÚRGICO
FISIOPATOGÊNESE BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
DIAGNÓSTICO ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

uma hipertensão previamente de fácil controle e inclusive


DEFINIÇÃO contribuir para o desenvolvimento de hipertensão acele-
rada. O esquema da Fig. 42.1 mostra a inter-relação entre
Hipertensão renovascular é uma forma de hipertensão estenose da artéria renal, hipertensão arterial e insuficiên-
secundária à estenose uni- ou bilateral da artéria renal ou cia renal crônica. A estenose pode ocorrer isoladamente (es-
de seus ramos principais, desencadeada e mantida por is- tenose anatômica de artéria renal isolada) ou em combina-
quemia do tecido renal. A definição de hipertensão reno- ção com hipertensão (hipertensão essencial ou renovascu-
vascular exige a presença de hipertensão arterial e de es- lar), insuficiência renal (nefropatia isquêmica), ou ambas.
tenose da artéria renal superior a 70%. No entanto, a lesão Em pacientes com estenose da artéria renal e hipertensão,
da artéria renal nem sempre é causa da hipertensão. Ela a revascularização pode melhorar o controle da pressão,
pode instalar-se, por exemplo, como uma placa de atero- ou até mesmo curar a hipertensão, sobretudo em pacien-
ma na artéria de um paciente previamente hipertenso e não tes com fibrodisplasia. Em pacientes com estenose de ar-
ser hemodinamicamente importante para produzir isque- téria renal e insuficiência renal crônica, a revascularização
mia renal adicional e gerar hipertensão, mas pode piorar pode melhorar ou estabilizar a função renal. Vários estu-

Fig. 42.1 Inter-relação entre estenose de artéria renal (EAR), hipertensão (HA) e insuficiência renal crônica (IRC).
758 Hipertensão Renovascular

dos angiográficos mostram que, em cerca de 30% dos ca- duzindo a pressão de perfusão e o fluxo sanguíneo renal.
sos, a estenose da artéria renal ocorre em normotensos. A principal causa de doença intrínseca da artéria é a placa
Portanto, é importante diferenciar a doença renovascular de ateroma, seguida dos diferentes tipos de fibrodisplasia,
da hipertensão renovascular. A definição rigorosa de hi- principalmente da camada média (Quadro 42.1). Em nos-
pertensão renovascular exigiria a presença de três critéri- so meio se verifica também elevada prevalência de lesões
os: estenose significativa da artéria renal; hipertensão ar- por arterite de Takayasu. Além das lesões estenosantes, os
terial, e desaparecimento da hipertensão com a correção da aneurismas e as fístulas arteriovenosas podem, raramen-
lesão. Entretanto, este último critério não é considerado te, produzir isquemia renal e gerar hipertensão renovas-
obrigatório para definir a hipertensão renovascular, pois cular devido a fenômenos de turbulência ou roubo de flu-
pacientes com estenose da artéria renal aterosclerótica xo. Lesões extrínsecas tais como tumores, fibrose, hema-
podem ter hipertensão essencial e apresentar piora da hi- tomas, gânglios etc. também podem, raramente, por com-
pertensão pela presença de uma estenose da artéria renal pressão, gerar isquemia renal e hipertensão renovascular.
superajuntada.

FISIOPATOGÊNESE
EPIDEMIOLOGIA
Trabalhos experimentais mostram que reduções da luz
Prevalência. A hipertensão renovascular acomete cer- da artéria renal de até 50% não provocam diminuições na
ca de 1% da população de pacientes hipertensos. É consi- pressão de perfusão ou no fluxo sanguíneo renal. Reduções
derada a segunda causa mais freqüente de hipertensão da ordem de 70% induzem diminuições na pressão de
secundária, sendo menos freqüente que as doenças paren- perfusão, mas, devido à auto-regulação, não alteram o flu-
quimatosas. A incidência é mais elevada, atingindo até xo sanguíneo. Estenoses que determinem redução da luz
10%, em hipertensos malignos ou resistentes ao tratamen- arterial de 75 a 80% são consideradas críticas, pois, além
to e baixa, cerca de 0,25%, em hipertensos de raça negra. de produzirem queda imediata da pressão de perfusão e
Nos diabéticos é muito maior a incidência de doença re- do fluxo renal, levam a quedas muito acentuadas destes
novascular do que a de hipertensão renovascular. parâmetros quando ocorrem pequenas reduções adicionais
Avaliação recente baseada em estudos de necrópsia e da luz da artéria.
achado concomitante em arteriografias periféricas e angi- Os mecanismos que provocam hipertensão arterial
ografias coronarianas demonstram que efetivamente a quando atingido o nível crítico de estenose que determina
doença renovascular é, de fato, subdiagnosticada, poden- isquemia renal ainda não estão totalmente elucidados,
do atingir 25 a 30% em pacientes hipertensos ateropatas. apesar do grande número de trabalhos experimentais e
Causas. Na maioria dos casos a isquemia do tecido re- clínicos realizados a partir dos estudos pioneiros de Gold-
nal é ocasionada por doença intrínseca da artéria renal que blatt e Scott. Do ponto de vista clínico, a dificuldade em
provoca estenose de uma ou ambas as artérias renais, re- estabelecer o mecanismo predominante está na grande

Quadro 42.1 Características clínicas e anatômicas das principais lesões estenosantes da artéria renal
Idade Características
Tipo de lesão Incidência (anos) anatômicas História natural

Aterosclerose 68% 50 Proximal Progressão em 50%. Oclusão


Extensão 120 mm total freqüentemente

Displasia 1-2% Crianças Terço médio de artéria renal Progressão na maioria dos
fibromuscular e adultos e/ou de seus ramos casos. Dissecção e
da íntima jovens trombose freqüentes

Displasia 15% 25-30 Terço médio de artéria renal Progressão em 33%. Dissecção
fibromuscular e/ou de seus ramos e trombose raras
da média

Displasia 1-2% 15-30 Terço médio ou distal da Progressão na maioria dos


fibromuscular artéria renal ou de seus casos. Dissecção e trombose
da adventícia ramos freqüentes

Arterite 12 8-35 Proximal. Lesões bilaterais Trombose freqüente.


e aórticas freqüentes Dissecção rara
capítulo 42 759

variabilidade de situações determinada por vários fatores, e lenta da hipertensão arterial. Finalmente, na fase III a
tais como diferentes graus de estenoses, comprometimen- hiperatividade do sistema renina-angiotensina está com-
to renal uni- ou bilateral, presença e intensidade da circu- pletamente abolida e os inibidores da enzima conversora
lação colateral, presença de lesões concomitantes de ramos da angiotensina perdem sua sensibilidade diagnóstica e
segmentares da artéria renal, comprometimento secundá- eficácia terapêutica. A remoção da estenose resulta em
rio da microcirculação renal e sistêmica e intensidade das pouco ou nenhum efeito sobre a hipertensão arterial. Nes-
alterações do parênquima e da função renal. No entanto, ta fase, instalada de 6 meses a 1 ano no rato e de 8 a 12 anos
dois mecanismos básicos acionados pela isquemia do pa- no ser humano, as alterações microvasculares sistêmicas e
rênquima renal interagem, atuando sobre o débito cardía- renais levam a espessamento da parede e redução da luz
co e a resistência periférica, gerando e mantendo o estado das pequenas artérias e arteríolas, que, associados a maior
hipertensivo: a) sistema renina-angiotensina; e b) retenção reatividade vasoconstritora por disfunção endotelial, seri-
renal de sódio e água. Atuando paralelamente e modulan- am responsáveis pelo aumento mantido e autônomo da re-
do estes mecanismos principais estão o hiperaldosteronis- sistência vascular periférica e renal, resultando também em
mo secundário, as prostaciclinas, o tromboxane, o sistema retenção renal de sódio e água. Tais alterações podem ter
nervoso simpático, o sistema calicreína-cininas, a vasopres- caráter irreversível, perpetuando o estado hipertensivo,
sina, o fator atrial natriurético e outros. mesmo após corrigida a estenose.
A análise dos mecanismos envolvidos na estenose uni- Na estenose bilateral, assim como na coartação da aor-
lateral envolve três fases de interação dos mecanismos ta acima das artérias renais ou na estenose em rim único
principais, em função da duração e da intensidade da is- ou em rim transplantado, a diferença fundamental é que
quemia renal e da hipertensão sistêmica. A fase I ou de hi- todo o tecido renal está isquêmico e não há natriuresse
peratividade do sistema renina-angiotensina ocorre preco- pressórica compensatória. Assim, já na fase I, ocorre reten-
cemente. Nesta fase, a isquemia renal ou a menor excre- ção de sódio e água, hipervolemia e supressão do sistema
ção de sódio detectadas por receptores do aparelho justa- renina-angiotensina. As fases seqüenciais II e III se asse-
glomerular e da mácula densa provocam liberação exage- melham às da estenose unilateral. Portanto, na estenose
rada do lado do rim estenótico, provocando hipertensão bilateral ocorre uma interação entre a expansão volêmica
sistêmica por vasoconstrição periférica produzida pela e a atividade do sistema renina-angiotensina na gênese da
angiotensina II. A retenção de sódio ocorrida no rim isquê- hipertensão. Se houver liberação na ingesta de sódio e água
mico pela ação da aldosterona e do simpático é compen- predomina a expansão volêmica com supressão do siste-
sada por maior natriurese pressórica no rim contralateral, ma renina-angiotensina. Se houver restrição de sódio ou
que passa a ter sua produção de renina suprimida. Não há, uso de diuréticos, diminui a expansão e predomina a ati-
portanto, hipervolemia e a hipertensão se mantém apenas vação do sistema renina-angiotensina.
pela hiperatividade do sistema renina-angiotensina no rim
isquêmico. Nesta fase, o uso de inibidores da enzima con-
versora da angiotensina para fins de diagnóstico ou trata- Pontos-chave:
mento revela alta sensibilidade e eficácia. A remoção da • Vários estudos angiográficos mostram que
estenose por angioplastia ou cirurgia resulta no desapare-
em cerca de 30% dos casos a estenose da
cimento completo e imediato da hipertensão e na cura do
artéria renal ocorre em normotensos.
paciente. Na fase II, que no modelo experimental em ratos
se inicia após o terceiro mês e, no ser humano, aproxima- Portanto, é importante diferenciar a doença
damente entre 3 e 5 anos de instalação da hipertensão, ocor- renovascular da hipertensão renovascular
re retenção de sódio e água, levando a hipervolemia, ele- • Nos diabéticos é muito maior a incidência
vação do débito cardíaco e aumento adicional da resistên- de doença renovascular do que a de
cia vascular periférica por vasoconstrição compensatória hipertensão renovascular
e aumento da sensibilidade dos vasos à angiotensina II. • Dois mecanismos básicos geram e mantêm
Esta retenção de sódio e água é conseqüência de alterações o estado hipertensivo: a) sistema renina-
microvasculares no rim contralateral produzidas pela hi- angiotensina; e b) retenção renal de sódio e
pertensão prolongada, reduzindo a natriuresse pressórica
água
que anteriormente compensava os mecanismos retentores
do rim isquêmico. Como conseqüência dessa expansão, há
redução acentuada da atividade do sistema renina-angio-
tensina que, entretanto, pode permanecer inapropriada- DIAGNÓSTICO
mente “normal” e não suprimida. Em vista disso, os inibi-
dores da enzima conversora da angiotensina passam a ter O diagnóstico da doença renovascular é dado pela de-
baixa sensibilidade diagnóstica e menor eficácia terapêu- monstração da estenose da artéria renal pela arteriografia
tica. A remoção da estenose resulta em reversão incompleta intra-arterial. Já os diagnósticos de hipertensão renovas-
760 Hipertensão Renovascular

cular ou nefropatia isquêmica são feitos de forma defini- tes métodos através de suas sensibilidades e especificida-
tiva pelo resultado de um procedimento bem-sucedido de des.
revascularização renal na pressão arterial ou na função A seguir, para fins didáticos, descrevemos alguns des-
renal. tes métodos, com aspectos práticos de realização e inter-
Na detecção dos portadores de doença ou hipertensão pretação.
renovascular, considerando a baixa prevalência nos hiper- Atividade da Renina Plasmática (ARP) Periférica. Iso-
tensos em geral, o rastreamento dos casos suspeitos deve ladamente, a medida da atividade da renina plasmática pe-
ser conduzido no sentido de otimizar a relação custo/be- riférica tem baixa sensibilidade e especificidade (Quadro
nefício da investigação. Neste aspecto, dados clínicos ob- 42.3).
tidos na anamnese e no exame físico devem ser muito va- São considerados positivos valores acima de 2,8 ng/ml/h
lorizados, pois, em conjunto, podem estabelecer índices de em pacientes não recebendo medicação anti-hipertensiva
suspeição de possíveis portadores que podem indicar e e sem restrição de sódio, sendo a amostra colhida em de-
orientar o rastreamento dos casos suspeitos. cúbito horizontal em condições basais (antes de levan-
O Quadro 42.2 resume essa abordagem clínica com su- tar pela manhã) ou após repouso de pelo menos 30 minu-
gestões de métodos de rastreamento. tos. A seringa e os tubos de coleta devem ser refrigerados,
Embora seja a arteriografia renal intra-arterial o méto- os tubos devem conter anticoagulante (EDTA) e após a
do diagnóstico de referência, ainda é considerado um exa- coleta a amostra deve ser conservada no gelo e imediata-
me que envolve riscos por ser invasivo e por utilizar radi- mente centrifugada, a baixa temperatura, em centrífuga
ocontrastes nefrotóxicos. Por isso, em muitos casos a deci- refrigerada, para separação do plasma, que será guarda-
são de realizar a arteriografia é orientada por métodos não- do em freezer até o dia da dosagem, que deve ser feita com
invasivos de triagem que ajudam na detecção dos possí- técnica de radioimunoensaio.
veis portadores. Considerando que apenas pouco mais de 50% dos hiper-
Estes métodos se baseiam no rastreamento morfológi- tensos renovasculares apresentam ARP periférica elevada,
co da estenose ou nos seus efeitos hemodinâmicos e fun- em função das diferentes fases de evolução e pelo compro-
cionais. O Quadro 42.3 mostra o potencial diagnóstico des- metimento bilateral, e que, além disso, cerca de 30% dos

Quadro 42.2 Hipertensão renovascular, indicadores clínicos de probabilidade e proposta de investigação


Indicadores Clínicos de Probabilidade Recomendação

Baixa (0,2%) Acompanhamento


• Hipertensão limítrofe clínico.
• Leve ou Tratar fatores de risco
• Moderada não-complicada

Média (5% a 15%) • Urografia excretora
• Hipertensão severa ou refratária • Ultra-som com Doppler
• Hipertensão recente abaixo dos 30 ou de artérias renais Estenose de
acima dos 50 anos artéria renal
• Presença de sopros abdominais ou • Cintilografia renal com evidente ou
lombares captopril sugestiva
• Assimetria de pulsos
• Tabagistas, diabéticos ou doença
ateromatosa evidente (coronária, • Angiorressonância com Não
carótida, etc.) gadolínio ou compatíveis
• Déficit de função renal não definido • Tomografia helicoidal com estenose
por outras causas de artéria renal
• Disfunção cardíaca congestiva inexplicada
• Resposta pressórica exagerada aos IECA 䉱

Alta (25%)
• Hipertensão severa ou refratária com
insuficiência renal progressiva Arteriografia com ou sem intervenção
• Hipertensão acelerada/maligna
• Hipercreatininemia induzida por inibidores
de ECA
• Assimetria de tamanho ou função renal

Adaptado de Mann, S. e Pickering, T.G. (1992) e Safian, R.D. e Textor, S.C. (2001).
capítulo 42 761

Quadro 42.3 Sensibilidade e especificidade dos testes preliminares para detecção de hipertensão renovascular
Sensibilidade Especificidade
Tipo de Teste (%) (%)

Renina periférica 57 66
Renina periférica estimulada com captopril 73-100 72-100
Urografia excretora seqüenciada 74-100 86-88
Renograma radioisotópico 74 77
Renograma com captopril 92-94 95-97
Renina de veias renais 62-80 60-100
Ultra-sonografia com Doppler 90 95-97
Angiorressonância nuclear magnética 88 90
Tomografia helicoidal 88-99 93-98

Adaptado de Pickering, T.G. (1991)

hipertensos essenciais apresentam ARP periférica elevada, 1. Valor absoluto da renina estimulada (pós-captopril)
desaconselhamos a realização deste teste como triagem. ⱖ 12 ng/ml/h.
Havendo disponibilidade para dosagem de renina, sugeri- 2. Incremento ⱖ 10 ng/ml/h após a administração do
mos medir a ARP periférica estimulada, que apresenta va- captopril em relação aos valores basais (pré-capto-
lor diagnóstico muito maior com baixo custo adicional. pril).
ARP Periférica Estimulada. Estimular a renina perifé- 3. Aumento percentual após o captopril, de 150% se
rica tem sido uma prática usual para aumentar seu poder renina basal ⬎ 3 ng/ml/h, ou de 400% se renina ba-
diagnóstico. Diversas manobras têm sido tentadas, tais sal ⱕ 3 ng/ml/h.
como posição ortostática, deambulação, uso de diuréticos,
restrição de sal, etc. Entretanto, os melhores resultados têm Se não for possível a retirada de toda a medicação anti-
sido verificados com a utilização de um inibidor da ECA hipertensiva, o teste pode ser feito na vigência de bloque-
de ação rápida — o captopril — que, bloqueando a gera- adores do cálcio ou simpatolíticos com dieta hipossódica,
ção de angiotensina II, provoca, através de feedback negati- porém nunca na vigência de inibidores da ECA.
vo, acentuada elevação reativa de renina nos portadores Urografia Excretora (UE) Seqüenciada. Apesar de pou-
de hipertensão renovascular e menor nos hipertensos es- co usada atualmente, a UE, quando realizadas imagens se-
senciais, aumentando de maneira considerável o valor dia- qüenciais nos tempos precoces de um, dois, três e cinco
gnóstico da renina periférica, tanto em sensibilidade quan- minutos e após o wash-out tardio (20 minutos) com furose-
to em especificidade. Na prática, o teste pode ser realiza- mida, apresenta valor diagnóstico superior à renina perifé-
do ambulatorialmente, no consultório ou no próprio labo- rica não estimulada e ao renograma radioisotópico conven-
ratório clínico, após uma a três semanas de suspensão dos cional. Considerando-se sua disponibilidade, baixo custo e
anti-hipertensivos. Recebido o paciente, ele é colocado baixo risco, é um teste de triagem aceitável nos locais que
deitado e sua pressão arterial é medida imediatamente. não disponham de métodos mais sofisticados. O procedi-
Após repouso de 30 minutos, nova medida de pressão ar- mento é o mesmo para outras finalidades diagnósticas, re-
terial é realizada e uma amostra de sangue (colhida em comendando-se, contudo, não desidratar previamente em
duplicata) é obtida de veia periférica, se possível sem gar- excesso o paciente para não mascarar assimetrias de concen-
roteamento durante a coleta. Administra-se, então, 25 mg tração do contraste. Estruturalmente, o exame revela assi-
de captopril por via oral e a seguir a pressão arterial é me- metrias de tamanho e alterações do parênquima renal e das
dida a cada 15 minutos até completar uma hora. Nova vias urinárias, diferenciando as causas parenquimatosas
amostra de sangue é obtida obedecendo as mesmas técni- (pielonefrite, tuberculose, cálculo renal, hidronefrose etc.)
cas de coleta de renina (tubos refrigerados etc.). A medida das causas vasculares. Entretanto, são as assimetrias funci-
de pressão a cada 15 minutos é mantida por mais de 1 hora. onais como o retardo de aparecimento do contraste nos tem-
Na interpretação, considera-se o valor da queda da pres- pos iniciais (um, dois, três e cinco minutos), assim como a
são arterial diastólica (positivo quando 10 mmHg) que, hiperconcentração e o retardo de eliminação do contraste nos
entretanto, tem baixo valor diagnóstico. Por outro lado, os tempos tardios (20 e 30 minutos), exacerbado pelo wash-out,
valores da renina, após a administração do captopril, apre- no lado comprometido, que apresentam maior sensibilida-
sentam alta sensibilidade e especificidade quando obede- de como critérios de probabilidade de hipertensão renovas-
cidos os seguintes critérios: cular. Sinais específicos, como compressão e irregularidades
762 Hipertensão Renovascular

na via urinária extra-renal (pelve e ureter), provocados por Como opção ao ortoiodo-hipurato, existe a mercaptoa-
colaterais, embora pouco freqüentes, são de grande especi- cetilglicina (MAG3), marcada com tecnécio-99, a qual pro-
ficidade diagnóstica. porciona melhores imagens cintilográficas com menos ra-
Renograma Radioisotópico. O renograma radioisotó- diação para o rim, mas com custo mais elevado e menor
pico, se realizado da maneira convencional, pode revelar disponibilidade.
assimetria renal morfológica e funcional, observadas como Os principais critérios de interpretação do renograma
alterações nos tempos máximo e médio (Tmáx e T1/2) da cur- estimulado com captopril são:
va de captação da radiação do isótopo indicando dificul-
1 — Redução da função global ⱖ 20% após captopril
dade na chegada e na eliminação do marcador, relaciona-
(filtração glomerular com DTPA ou fluxo plasmá-
da com alterações no fluxo, na filtração e na secreção tu-
tico renal efetivo com ortoiodo-hipurato).
bular renal. Estas características do exame lhe conferem um
2 — Aumento do tempo máximo (Tmáx) para seis minu-
valor preditivo de hipertensão renovascular, porém com
tos e prolongamento ou abolição da fase excretora
baixa especificidade na diferenciação com doenças paren-
no lado da lesão ou bilateralmente em relação ao
quimatosas e obstrução urinária.
basal nas estenoses bilaterais.
Entretanto, utilizando-se a inibição da angiotensina II
com o captopril, o exame adquire um considerável poder Quanto à função relativa, deve ocorrer uma queda no
diagnóstico, sendo por isso um método bastante indicado percentual de função do rim comprometido e aumento da
para triagem de hipertensão renovascular devido à sua relação rim normal/rim isquêmico acima de 1,5.
disponibilidade e à alta sensibilidade e especificidade di- Ultra-sonografia com Doppler. Este método combina
agnóstica, além de excelente valor preditivo de resultado a ultra-sonografia bidimensional com o Doppler pulsado
terapêutico, com pouca dependência do operador. colorido, permitindo visualizar os vasos renais e ao mes-
Tal fato decorre da intensa dependência do rim em re- mo tempo determinar a curva de velocidade do fluxo san-
lação à angiotensina II na preservação da filtração glome- guíneo e, desta forma, analisar indiretamente alterações
rular em condições de hipofluxo. Graças à vasoconstrição hemodinâmicas produzidas por estenoses críticas. Sua
eferente produzida pela angiotensina II, que aumenta a aplicação no estudo da artéria renal tem como obstáculos
pressão hidrostática no capilar glomerular, reduzida pela a obesidade e o excesso de gases intestinais, consideran-
estenose, verifica-se uma recuperação, mesmo que parci- do-se a localização retroperitoneal do rim e a abordagem
al, na filtração glomerular com aumento na fração de fil- do exame pela face anterior do abdome, que freqüentemen-
tração. Ao se inibir a angiotensina II, reduz-se, acentuada- te dificultam a identificação e o estudo da artéria renal em
mente, a vasoconstrição eferente, a pressão de ultrafiltra- toda a sua extensão.
ção cai e, conseqüentemente, cai também a filtração glome- Os principais critérios para o diagnóstico de estenose da
rular. No renograma, estas alterações resultam em uma artéria renal, estudando-se a curva de velocidade do fluxo
acentuada diminuição na curva de captação e eliminação no tronco da artéria, são:
renal do marcador. Observam-se, então, alongamentos nos
1 — Pico de velocidade do fluxo renal ⱖ 180 cm/s.
tempos máximo e médio no lado da estenose, enquanto
2 — Relação dos picos de velocidade na artéria renal e
nenhuma redução ocorre no rim normal. Na estenose bi-
na aorta (relação AR/Ao) ⱖ 3,0.
lateral, as alterações aparecem em ambos os rins quando
comparados os exames com e sem captopril. Utilizando-se estes critérios, é possível identificar uma
Na prática, após pelo menos uma semana sem medica- estenose igual ou superior a 60% com sensibilidade de 88%
ção (principalmente os inibidores da ECA e os diuréticos), e especificidade de 95%. Além disso, a ultra-sonografia
submete-se o paciente a um renograma convencional e fornece informações quanto a dimensões, estrutura, alte-
após 48 a 72 horas realiza-se um segundo exame, com o rações de parênquima, hidronefrose e assimetrias renais.
mesmo marcador, uma hora após a ingestão via oral de 25 Dificuldades para identificar o ponto de estenose na
mg de captopril. A pressão arterial deve ser medida antes artéria renal e assim avaliar as alterações de velocidade do
da administração do captopril e a cada 15 minutos até o fluxo renal têm sido responsáveis por resultados falso-ne-
final do exame. A rigor, deve-se preferir como marcador o gativos que reduzem a sensibilidade do método, tornan-
DTPA (ácido dietileno triaminopentacético) marcado com do-o excessivamente operador-dependente.
o isótopo tecnécio-99, pelo fato de que sua eliminação re- O Doppler colorido fornece imagens em “mosaico”
nal se dá, predominantemente, por filtração glomerular. (mistura de diferentes tonalidades de azul e vermelho)
Entretanto, o uso do ortoiodo-hipurato marcado com iodo- indicativo de fluxo turbulento pós-estenótico e também
131, de eliminação renal mista (secreção tubular e filtração permite analisar alterações intra-renais do fluxo sanguíneo
glomerular), também fornece bons resultados. Em especi- em artérias segmentares ou interlobares, efetuadas a mon-
al, nos pacientes com função renal reduzida deve-se pre- tante de prováveis estenoses, melhorando a sensibilidade
ferir o ortoiodo-hipurato, cuja fração de extração (60%) é do método. A avaliação do fluxo renal nestes locais per-
superior ao DTPA (20%). mite ainda uma abordagem póstero-lateral, evitando a in-
capítulo 42 763

terferência do excesso de gases intestinais. Os critérios uti- de, lembrando que a capacidade diagnóstica aumenta quan-
lizados são: do se usa mais de um método, o que aumenta também o
custo, podendo equivaler a uma arteriografia digital.
1 — Tempo de aceleração aumentado (retardo para atin-
gir o pico sistólico de velocidade — fluxo parvus et
tardus). Pontos-chave:
2 — Índice de aceleração diminuído (pico de aceleração
inferior a 3 m/s2). • O diagnóstico da doença renovascular é dado
pela demonstração da estenose da artéria
Considerando o caráter não-invasivo do método, a não-
renal pela arteriografia intra-arterial
utilização de contraste iodado e de radiação, a alta dispo-
nibilidade e o custo relativamente baixo, a ultra-sonogra- • Os diagnósticos de hipertensão
fia com Doppler realizada por mãos experientes coloca-se renovascular ou nefropatia isquêmica são
como um dos mais convenientes métodos de avaliação feitos de forma definitiva pelo resultado de
preliminar de hipertensão renovascular. um procedimento bem-sucedido de
Angiorressonância Nuclear Magnética e Tomografia revascularização renal na pressão arterial
Helicoidal. A angiorressonância é um método eficiente e ou na função renal
seguro, já que, sem ser invasivo, pode gerar imagens vas- • Apenas pouco mais de 50% dos hipertensos
culares bi- e tridimensionais a partir da análise do campo renovasculares apresentam ARP periférica
magnético dos prótons móveis do fluxo sanguíneo, sem o
elevada
uso de contraste iodado ou radiação. Apesar do grande e
• Cerca de 30% dos hipertensos essenciais
rápido desenvolvimento técnico observado recentemente,
ainda pode apresentar resultados falso-positivos e, mais apresentam ARP periférica elevada
raramente, falso-negativos. Além disso, ainda há certa di- • Renograma radioisotópico assocido à
ficuldade na avaliação de artérias polares e segmentares. inibição da angiotensina II com o captopril,
Entretanto, é um método com enorme potencial que vem método bastante indicado para triagem de
evoluindo a cada dia, tendo ainda como obstáculo o seu hipertensão renovascular devido à sua
custo elevado como um método de rastreamento, já que a disponibilidade e à alta sensibilidade e
arteriografia intra-arterial segue sendo o “gold-standard” no especificidade diagnóstica, além de
diagnóstico final. Contudo, na prática temos utilizado a excelente valor preditivo do resultado
angiografia por ressonância para um diagnóstico prelimi- terapêutico
nar, reservando a angiografia intra-arterial para a confir-
• Arteriografia intra-arterial continua sendo o
mação diagnóstica, já em condições de realizar o tratamen-
to endovascular no mesmo procedimento.
“gold-standard” no diagnóstico final da
Quanto à tomografia helicoidal, é um método moder- estenose da artéria renal
no, não-invasivo, mas que utiliza contraste iodado e radi-
ação (raios X). Produz imagens das artérias renais e de al-
guns ramos segmentares com boa definição mas não dos TRATAMENTO
ramos menores e do parênquima renal.
Estudo recente, utilizando metaanálise, comparou al- Estratégia. Após a identificação da lesão à artéria renal
guns destes métodos mais utilizados, especificamente re- e a comprovação de que é funcionalmente significante,
nina estimulada com captopril, renograma com captopril, deve-se escolher o tratamento adequado ao caso, dentre os
ultra-sonografia com Doppler, angiografia por ressonân- três tipos possíveis: a) clínico-farmacológico; b) angioplas-
cia magnética e angiografia por tomografia helicoidal. tia transluminal percutânea da artéria renal com ou sem
Este estudo, analisando a acurácia dos diferentes méto- implante de stent; e c) revascularização cirúrgica. O trata-
dos com curvas ROC (receiver-operating-characteristic) e mento de uma lesão renovascular procura atender a dois
computando as áreas sob as curvas de cada método, de- objetivos: o controle adequado da pressão arterial e a pre-
tectou possíveis vantagens dos métodos morfológicos servação da função renal. Quanto à hipertensão arterial,
como a angiografia por tomografia helicoidal e por resso- pode-se obter a cura do paciente e livrá-lo dos riscos da
nância magnética, seguidas de perto pelos métodos hemo- hipertensão crônica e do uso contínuo de anti-hipertensi-
dinâmicos (Doppler), vindo depois os métodos funcionais vos ou pode-se tornar a hipertensão de controle mais fácil
que envolvem a participação do sistema renina-angioten- com o uso de menor número ou doses de drogas. No que
sina, ou seja, renograma com captopril e por último a reni- se refere à recuperação da função renal, o resultado pode
na estimulada com captopril. ser a retirada de um paciente do tratamento dialítico, ou
Na prática, entretanto, deve-se levar em conta: o custo, a pode ser de menor impacto inicial, melhorando a longo
experiência da equipe ou do profissional e a disponibilida- prazo, pelo efeito do controle pressórico na microcircula-
764 Hipertensão Renovascular

ção renal. Tratar a hipertensão renovascular significa, em co como primeira escolha apenas para os pacientes com
última análise, remover a isquemia renal pela correção da lesões em ramos de artérias renais ou obstrução total de
estenose (revascularização por angioplastia com ou sem artéria renal, o que corresponde a menos de 10% destes
stent ou cirurgia) ou pela retirada do tecido renal isquêmi- pacientes. O tratamento clínico é indicado apenas quan-
co (nefrectomia). do os procedimentos não são passíveis de serem realiza-
Como se trata, em geral, de um procedimento invasivo, dos devido à presença de lesões muito extensas ou quan-
é importante que se tenham, além do diagnóstico, infor- do a estenose atinge ramos intra-hilares dificultando a
mações que permitam estabelecer a relação risco/benefí- abordagem.
cio e decidir a estratégia do tratamento. Então, o conheci- Em contrapartida, em pacientes com estenose da arté-
mento do grau de estenose, duração e gravidade da hiper- ria renal por aterosclerose, os resultados do tratamento
tensão arterial, tamanho e função residual do rim compro- intervencionista não são tão consistentes quanto os de-
metido e situação do rim contralateral, além do estado de monstrados em portadores de fibrodisplasia, principal-
hiperatividade do sistema renina-angiotensina e a situação mente se o procedimento for a angioplastia primária: há
dos órgãos-alvo, fornecem dados importantes nesta etapa. um baixo índice de cura da hipertensão, um índice de
O tratamento deve ser individualizado com base nos melhora em torno de 50-60% (Quadro 42.4), e uma porcen-
fatores clínicos, tais como idade, etiologia, condições clí- tagem considerável de pacientes não apresenta melhora do
nicas existentes, o risco envolvido nos procedimentos in- controle pressórico ou da função renal. Nestes pacientes,
vasivos e a probabilidade de que a correção da estenose da a resposta ao tratamento cirúrgico tem mostrado melho-
artéria renal melhore o controle da pressão arterial e a fun- res resultados. No entanto, estes pacientes são em geral
ção renal. mais idosos e com maior prevalência de lesões extra-renais
A etiologia é um dos fatores mais importantes na de- associadas, como carotídeas ou coronarianas, o que torna-
terminação da resposta ao tratamento intervencionista da ria o risco cirúrgico mais elevado. No entanto, a possibili-
hipertensão renovascular. Está bem definido que os pa- dade de novas técnicas cirúrgicas e a melhor abordagem
cientes portadores de estenose da artéria por displasia fi- prévia das lesões extra-renais mudaram a população de
bromuscular e por arterite da Takayasu devem ser trata- pacientes com hipertensão renovascular aterosclerótica
dos por terapêutica intervencionista, quer seja por trata- submetidos à cirurgia nos últimos 15 anos, incluindo ca-
mento percutâneo ou por revascularização cirúrgica. No sos mais graves, com doença difusa, estenoses bilaterais,
caso da displasia fibromuscular os resultados mostram oclusão total de artéria ou uremia.
cura ou melhora da hipertensão em cerca de 90% (Qua- Ao lado disso, nas últimas décadas, com o advento de
dro 42.4) dos casos com o tratamento intervencionista por novas classes de medicamentos anti-hipertensivos, como
cirurgia ou por angioplastia. Em geral, os pacientes com inibidores de enzima conversora e antagonistas de cálcio,
displasia fibromuscular são mais jovens e têm pouco com- permitiu-se um acompanhamento e seguimento clínico
prometimento dos órgãos-alvo da hipertensão arterial, ex- mais adequado e a melhor observação da evolução des-
plicando em parte o resultado satisfatório neste grupo. Os tes pacientes ateroscleróticos. Recentemente, os resulta-
resultados da angioplastia transluminal percutânea nes- dos do estudo DRASTIC suscitaram grande discussão
tes pacientes têm sido bons e semelhantes aos obtidos com sobre os benefícios da angioplastia no controle da pres-
a revascularização cirúrgica. Desta forma, atualmente, a são arterial de pacientes com estenose de artéria renal
angioplastia é o tratamento mais indicado para a displa- aterosclerótica. Neste estudo comparativo entre angio-
sia fibromuscular, sendo reservado o tratamento cirúrgi- plastia e tratamento medicamentoso, demonstrou-se que

Quadro 42.4 Resultados de séries cirúrgicas e de angioplastia para o tratamento de hipertensão renovascular
ETIOLOGIA ATEROSCLEROSE DISPLASIA FIBROMUSCULAR

Tratamento Angioplastia Cirurgia Angioplastia Cirurgia

Pacientes (n.º) 391 1.310 175 486

Resposta da pressão arterial (%)

Cura 19 45 50 64 (56-81)

Melhora 52 29 42 23 (5-40)

Falha 30 24 9 11 (0-25)

Adaptado de Hollemberg, N.K. Hypertension: Mechanisms and therapy. In: Atlas of Heart Diseases. 1995, vol. 1, p. 3-14.
capítulo 42 765

a angioplastia não fora mais eficaz que o tratamento me- Angioplastia Transluminal Percutânea da Artéria Re-
dicamentoso anti-hipertensivo isolado após um ano de nal. A técnica de angioplastia da artéria renal foi introdu-
tratamento. No entanto, os resultados deste estudo não zida por Dotter e Judkins em 1964 e modificada por Grunt-
devem desencorajar o procedimento, pois um grupo im- zig em 1970. Através da punção da artéria femoral, via de
portante de pacientes considerados previamente para tra- acesso preferencial, introduz-se o cateter para angioplas-
tamento clínico necessitaram de intervenção por angio- tia com balão inflável de diâmetro igual ao do vaso nor-
plastia no decorrer do estudo, devido a refratariedade ao mal. Recomenda-se que a dilatação do balão seja realiza-
tratamento clínico, e apresentaram melhor controle após da pelo menos duas vezes durante 2 minutos cada, com
o procedimento, embora não tivessem atingido níveis pressão intraluminal de 5 a 10 atm., proporcionado disten-
considerados normais. são de 30% a 60% acima do diâmetro da porção normal do
Assim, o tratamento intervencionista, embora ainda seja vaso.
o tratamento de escolha na hipertensão renovascular por Do ponto de vista anatomopatológico, a angioplastia
lesão aterosclerótica, deve ser indicado com mais cautela, transluminal percutânea provoca ruptura da cama da ín-
levando-se em conta a idade, as lesões ateroscleróticas ex- tima, da placa aterosclerótica e da túnica média, além de
tra-renais associadas, a dificuldade do controle pressórico fragmentação da membrana elástica interna e da lamela
e as condições clínicas do paciente. A técnica de revascu- elástica média. A angioplastia de artéria renal é indicada
larização a ser usada depende da presença ou ausência de para lesões causadas por displasia fibromuscular da arté-
doença aorto-ilíaca associada. Como vimos anteriomente, ria renal principal e lesões ateroscleróticas não-ostiais.
a angioplastia primária não apresenta resultados satisfa- Apesar de ser procedimento menos invasivo e com meno-
tórios em lesões ateroscleróticas, mas, como será visto adi- res riscos que a cirurgia, podem ocorrer complicações em
ante, o implante de stent mostra melhores resultados para cerca de 9% dos casos, sendo as mais freqüentes dissecção
estenose unilateral não associada a doença de aorta, prin- de placa, trombose ou oclusão total da artéria, infarto re-
cipalmente nas lesões ostiais. Para os casos complicados de nal e hematoma.
estenose da artéria renal com aneurisma de aorta ou oclu- Implante de Endoprótese Vascular (stent) (Figura 42.2).
são total da artéria, a revascularização cirúrgica é a mais A colocação de stent tem-se mostrado uma boa opção para
indicada. Para pacientes com doença renal avançada, a o tratamento intervencionista da estenose da artéria renal
revascularização de ambas as artérias renais ou de uma em aterosclerótica ostial, onde a angioplastia isolada tem um
pacientes com rim único funcional deve ser considerada, alto índice de falha e a maioria dos pacientes necessitam
mas a decisão para intervir é fortemente dependente de de intervenção cirúrgica. Além disso, a taxa de reestenose
outras. Sendo assim, a presença de nefropatia diabética é menor com o stent do que com angioplastia. O stent mais
grave, proteinúria importante e circulação pobre do cór- utilizado para o tratamento da estenose de artéria renal é
tex renal poderia ser um argumento contra a possibilida- o Palmaz-Schatz, embora, em algumas artérias renais de
de da nefropatia isquêmica ser reversível. Por outro lado, menor calibre, stents coronarianos possam ser utilizados.
a presença de estenose unilateral e grave insuficiência re- Os resultados de várias das mais recentes séries sobre co-
nal indica doença parenquimatosa avançada e nessa situ- locação de stent de artéria renal mostram um sucesso téc-
ação o risco da revascularização pode contra-indicar o tra- nico de quase 100%, melhor controle da hipertensão em
tamento intervencionista. cerca de 60% e melhora ou estabilização da função renal
Tratamento Clínico. O tratamento clínico continuado em 70% dos pacientes após stent. Foram observadas com-
tem sido reservado para as situações de controle inicial plicações mais graves em 10% dos pacientes e observou-
satisfatório com o tratamento clínico convencional, nos se uma taxa de reestenose de 17% em até um ano de segui-
casos de impossibilidade técnica de abordagem por cirur- mento.
gia, angioplastia ou por stent, quando há alto risco para o
procedimento intervencionista, ou pela recusa do pacien-
te. Nestas situações e no período pré-intervenção, a medi- TRATAMENTO CIRÚRGICO
cação mais efetiva é na maioria das vezes o inibidor de
enzima conversora da angiotensina, devendo-se ter cautela Dentre as diferentes técnicas cirúrgicas para revascula-
em lesões bilaterais da artéria renal, onde o uso crônico rizar os rins, podemos citar aquelas que manipulam dire-
deve ser evitado, pois quase sempre há piora reversível da tamente a aorta, como, por exemplo, endarterectomia, res-
função renal por queda de filtração glomerular produzida secção da lesão e anastomose, e pontes ou enxertos aortor-
pela vasodilatação eferente por inibição da angiotensina II. renais utilizando a veia safena, a artéria hipogástrica (ou
Os betabloqueadores adrenérgicos, por sua ação inibido- ilíaca interna) e materiais sintéticos. A endarterectomia
ra da produção de renina pelas células justaglomerulares, geralmente é realizada em casos de placas de ateroma os-
os diuréticos tiazídicos e os antagonistas de canais de cál- tiais ou proximais e pode ser executada simultaneamente
cio são drogas que podem ser utilizadas e são eficazes no em ambas as artérias renais com uma única incisão na aor-
controle da pressão arterial nestes pacientes. ta, na altura da emergência das artérias renais. A ressec-
766 Hipertensão Renovascular

A B

C D

Fig. 42.2 Aspecto angiográfico de estenose de artéria renal por aterosclerose, envolvendo o terço proximal da artéria renal direita
(80%) (A). Após angioplastia com implante de stent Palmaz (B e C), observando-se melhora significativa do diâmetro, com irregula-
ridades residuais (D).

ção da lesão com anastomose término-terminal ou reim- Nas técnicas que não abordam a aorta diretamente, a
plante do colo distal na aorta pode ser feita em lesões anu- revascularização pode ser anatômica, mantendo-se o rim
lares ou curtas que permitam, após sua ressecção, uma in situ e utilizando-se artérias regionais como a hepática, à
anastomose livre de tensões. Os enxertos ou as pontes direita, a esplênica, à esquerda, ou a mesentérica. Ou pode
podem ser unilaterais ou bilaterais. O material mais utili- ser realizada uma revascularização extra-anatômica, como
zado é a veia safena, pela disponibilidade e facilidade de o autotransplante, que transfere o rim para a fossa ilíaca e
retirada, mas devido à ocorrência de dilatações aneurismá- utiliza a artéria e a veia hipogástricas, com o inconvenien-
ticas no enxerto, por ser o rim um órgão de alto fluxo e a te de destruir a circulação colateral. O autotransplante é
veia um vaso de paredes pouco resistentes, alguns prefe- uma técnica que, eventualmente, conta com a experiência
rem a artéria ilíaca interna, de paredes mais resistentes que do cirurgião em transplante renal, com a vantagem de, na
evitam esse inconveniente, além de facilitar, com sua bi- maioria das vezes, não ser manipulado o ureter. Entretan-
furcação, a revascularização de artérias renais duplas ou to, convém lembrar que no transplante renal do nefropata
polares, ou a reconstrução da artéria renal, no caso de le- crônico as artérias em geral são normais, enquanto na hi-
sões hilares, após a ramificação da artéria. Os materiais pertensão renovascular as condições patológicas da doen-
sintéticos (dracon, teflon, etc.) são utilizados para enxer- ça da artéria renal e, às vezes, aorto-ilíaca exigem do cirur-
tos longos, mas são suscetíveis de trombose e infecção. gião maior habilidade e experiência.
Recentemente têm sido usadas próteses de PTFE, porém Em nosso serviço, ao lado das técnicas habituais, o au-
ainda sem avaliação definitiva. totransplante renal tem sido praticado com bons resulta-
capítulo 42 767

dos, principalmente por permitir a reconstrução da arté- VELD, B.C.; Van DIJK, L.C.; DEINUM, J.; MAN In´t VELD, A.J. Stent
placement for renal arterial stenosis: where do we stand? A meta-
ria renal utilizando-se ramos da artéria hipogástrica, em
analysis. Radiology, 2000;216(1)78-85.
lesões distais ou hilares ou na presença de aneurismas. MANN, S.; PICKERING, T.G. Detection of renovascular hypertension.
Técnicas anatômicas, como a anastomose esplenorrenal Ann. Intern. Med., 1992; 117:845-853.
e o enxerto hepatorrenal (veia safena e ramo gastroduo- MARTINEZ-MALDONADO, M. Pathophysiology of renovascular hy-
pertension. Hypertension, 1991; 17:707-719.
denal da artéria hepática), têm sido úteis em situações
MION Jr., D.; DICHTCHEKENIAN, V.; SILVA, H.B.; MARCONDES, M.
complexas com lesões graves nas artérias ilíacas ou na Captopril test in patients with essential hypertension (EH) and reno-
aorta. vascular hypertension (RVH). Fifth Scientific Meeting of the Inter-
Freqüentemente, a cirurgia e a angioplastia são usadas American Society of Hypertension, 1983. São Paulo.
NOVICK, A.C.; POHL, M.A.; SCHREIBER, M.; GIFFORD Jr., R.W.; VIDT,
em combinação para obter os melhores resultados para o D.G. Revascularization for preservation of renal function in patients
paciente. with atherosclerotic renovascular disease. Urol. Clin. North Am., 1984;
11:477.
PICKERING, T.G. Diagnosis and evaluations of renovascular hyperten-
Pontos-chave: sion. Circulation, 83(Suppl. I):1991; 1147-1153.
PRAXEDES, J.N.; SANTELLO, J.L.; MARTINS, V.M.; FRATEZZI, A.C. e
• Portadores de estenose da artéria por LUCON, A.M. Hipertensão arterial renovascular. Ars Curandi, 1999;
32:14-31.
displasia fibromuscular e por arterite de Retrieval of Renal Function by Renovascularization: Study of Preopera-
Takayasu devem ser tratados por tive Outcome Predictor. Ann. Surg., 1985; 202-367.
SAFIAN, R.D.; TEXTOR, S.C. Renal artery stenosis. N. Engl. J. Med., 2001;
terapêutica intervencionista 344:431-442.
• Em pacientes com estenose da artéria renal SILVA, H.B.; FRIMM, C.C.; BORTOLOTTO, L.A.; ESTEVES, A.; KAJITA,
por aterosclerose, os resultados do L.; ARIÊ, A.; MARINO, J.C.; LANGER, B.; LUCON, A.M.; BELLOTTI,
G.; PILLEGGI, F. Angioplastia percutânea e revascularização cirúr-
tratamento intervencionista não são tão gica em hipertensão renovascular. Experiência no tratamento e segui-
consistentes mento de longo prazo em 124 pacientes. Arq. Bras. Cardiol., 1994;
62(6):417-23.
• O tratamento clínico convencional SILVA, H.B.; GIORGI, D.M.A.; MION Jr., D.; FRIMM, C.C.; PAOLINI, R.;
continuado tem sido reservado para as LUCON, A.M.; MARCONDES, M.; BELOTTI, G.; PILLEGGI, F. Re-
situações de controle inicial satisfatório, nos novascular hypertension: outcome of kidney autotransplantation and
percutaneous transluminal angioplasty. J. Hypertens., 1988; 6(Suppl. 4).
casos de impossibilidade técnica de 1988; S727.
abordagem por cirurgia, angioplastia ou por SILVA, H.B.; MION Jr., D.; GONÇALVES, R.N.; ALBERTS, M.V.;
LUCON, A.M.; PAOLINI, R.M. Tratamento não farmacológico da
stent, quando há alto risco para o hipertensão arterial. Rev. Bras. Méd. (Cardiologia), 1984; 3(4):202-205.
procedimento intervencionista, ou pela SOS, T.A.; PICKERING, T.G.; SNIDERMAN, K. Percutaneous translumi-
recusa do paciente nal renal angioplasty in renovascular hypertension due to atheroma
or fibromuscular dysplasia. N. Eng. J. Med., 1983; 309(5):275-279.
• A colocação de stent tem-se mostrado uma TEXTOR, S.C.; Epidemiology and clinical presentation. Seminars in Ne-
boa opção para o tratamento phrology, Vol. 20 (5). 2000; 426-431.
Van JAARSVELD, B.C.; KRIJNEN, P.; PIETERMAN, H.; DERKX, F.H.;
intervencionista da estenose da artéria renal
DEINUM, J.; POSTMA, C.T.; DEES, A.; WOITTIEZ, A.J.; BARTELINK,
aterosclerótica ostial, onde a angioplastia A.K.; MANN In´t VELD, A.J.; SCHALEKAMP, M.A. The effect of
isolada tem um alto índice de falha e a baloon angioplasty on hypertension in atherosclerotic renal artery
stenosis. N. Engl. J. Med., 2000; 342:1007-14.
maioria dos pacientes necessitam de
intervenção cirúrgica
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
http://www.emedicine.com/
http://www.snm.org/pdf/renal2.pdf — Society of Nucle-
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA ar Medicine — Guidelines for diagnosis of renovascular
hypertension.
ANDERSON, G.H.; BLAKEMAN, M.; STREETEN, D.H.P. The effects of
age on prevalence of secondary forms of hypertension in 4429 conse- http://blueprint.bluecrossmn.com/topic/topic100587401
cutively referred patients. H. Hypertens. 1994; 12:609-615. — Blue Print for Health — Health Topics A-z\
BODEWIJNG, V.C.; NELEMANS, P.J.; KESSELS, A.G.H.; KROON, A.A.; http://www.hmc.psu.edu/healthinfo/r/renovascular
LEEUW, P.W.; van ENGELSHOVEN, J.M.A. Diagnostic tests for re- hypertension.htm — PennState Medical Center.
nal artery stenosis in patients suspected of having renovascular hyper-
tension: A meta-analysis. An. Intern. Med., 2001; 135:401-411. http://www.nscardiology.com/4ub-sp9702.htm — Nor-
DEAN, R.H.; ENGLUND, R.; DUPONT, W.D.; MEACHA, P.W.; PLUM- th Suburban Cardiology Group.
MER JR., W.D.; PIERCE, T.; EZELL, C.; GOES, G.M.; LUCON, A.M. http://www.kidneyatlas.org/book3/adk3-03.QXD.pdf —
Renal autotransplantation in the treatment of hypertensive disease Renovascular hypertension and ischemic nephropathy.
associated to unilateral renal artery stenosis. J. Urol., 1981; 176:14.
KAPLAN, N.M. Clinical Hypertension. William & Wilkins, 1994.
http://www.eshonline.org/newsletter/2001/esh-2001-2-
LEERTOUWER, T.C.; GUSSENHOVEN, E.J.; BOSCH, J.L.; Van JAARR- No05.pdf — European Society of Hypertension — Scien-
768 Hipertensão Renovascular

tific Newsletter — How to handle renovascular hyper- http://www.bcm.tmc.edu/pathology/Dept/researchs/


tension. lieberman/festschrift/Goldblatt/goldb.html — Renovas-
http://www.iowaclinic.com/adam/ENCY/ARTICLE/ cular hypertension — review. The Goldblatt Kidney.
000204.shtml — Overview.
Capítulo
Hipertensão Arterial e Doença Renal Parenquimatosa

43 Edna Regina Silva Pereira, Istênio F. Pascoal e Décio Mion Jr.

INTRODUÇÃO Eritropoetina
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA O PAPEL DA HIPERTENSÃO NA PROGRESSÃO DA
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA
MECANISMOS FISIOPATOGÊNICOS NEFROPATIA DIABÉTICA
Retenção de sódio e água REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Sistema nervoso simpático BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Sistema renina-angiotensina ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Endotélio vascular

INTRODUÇÃO INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA


Richard Bright, em 1836, no Guy’s Hospital de Londres, A ocorrência de hipertensão arterial no decurso de in-
foi o primeiro a associar hipertensão arterial e doença re- suficiência renal aguda é ao redor de 39%, variando de 73%
nal, notando que em necropsias era comum o achado de em grupos com insuficiência renal aguda de causa glome-
rins com pequenas granulações e coração aumentado de rular (glomerulonefrites agudas) a 15% nos casos de necro-
volume. A partir destas observações ele definiu o rim como se tubular aguda.1 O mecanismo principal é a retenção de
o causador da hipertrofia ventricular esquerda. Por sua sódio e água, causando expansão do volume de fluido ex-
vez, Mahomed, em 1879, defendeu a possibilidade de ser tracelular. Com balanço negativo de sódio e volume, evo-
a hipertensão arterial a causa dos rins contraídos descri- lui com controle da hipertensão.
tos por Bright. Com a descoberta da renina por Tigerstedt
e Bergman, em 1898, e a subseqüente demonstração de
Goldblatt, em 1934, da influência da constrição de artérias
renais na gênese de hipertensão experimental, era óbvia a INSUFICIÊNCIA RENAL
importância do rim na hipertensão arterial. Na realidade, CRÔNICA
o rim e a hipertensão arterial interagem de maneira ínti-
ma e complexa, tornando muitas vezes difícil, na prática As doenças crônicas do parênquima renal são a causa
clínica diária, identificar se a hipertensão é causa ou con- mais comum de hipertensão secundária, ocorrendo em 2
seqüência do dano renal. a 5% de todos os pacientes hipertensos. Por outro lado,
Neste capítulo, abordaremos a etiologia e os mecanis- hipertensão arterial é muito freqüente em pacientes com
mos fisiopatológicos envolvidos na hipertensão causada insuficiência renal crônica. Buckalew e colaboradores ob-
por doença renal parenquimatosa bilateral. A hipertensão servaram uma prevalência de 85% de hipertensão arterial
renovascular será abordada em capítulo especial. em uma série de 1.795 pacientes, não-diabéticos, portado-
770 Hipertensão Arterial e Doença Renal Parenquimatosa

Quadro 43.1 Prevalência de hipertensão arterial Quadro 43.2 Diagnóstico histológico principal em
sistêmica nas doenças renais parenquimatosas mais pacientes hipertensos com insuficiência renal
comuns crônica
Doença Porcentagem de DIAGNÓSTICO n (%)
hipertensão
Nefroesclerose hipertensiva 53 (65%)
Glomeruloesclerose segmentar 75-80% Benigna 18 (22)
e focal Maligna 35 (43)
Glomerulonefrite membrano- 65-70%
proliferativa Doença primária renal 28 (35%)
Nefropatia diabética 65-70% Glomeruloesclerose focal 15 (19)
Glomerulonefrite membranosa 40-50% Nefropatia IgA 9 (11)
Glomerulonefrite proliferativa 35-40% Glomerulopatia membranosa 2 (03)
mesangial Glomerulonefrite 1 (01)
Glomerulonefrite por IgA 30% membranoproliferativa
Glomerulonefrite de lesões 25-30% Nefrite intersticial crônica 1 (01)
mínimas
Doença renal policística 60% TOTAL 81 (100)
Nefropatia intersticial crônica 35%

The Kidney, Brenner & Rector. W.B. Saunders Company, 1992.


nefrites crônicas não diagnosticadas. Recentemente repor-
tamos estudo clínico de biópsia renal em 81 pacientes hi-
res de insuficiência renal crônica, que participaram do es- pertensos com insuficiência renal crônica e verificamos
tudo MDRD (Modification of Diet in Renal Disease).2 A pre- como diagnóstico histológico para a insuficiência renal:
valência de hipertensão arterial varia conforme o tipo de nefroesclerose em 65% dos pacientes e doença primária
doença renal, ocorrendo com maior freqüência nas doen- renal em 35%3 (Quadro 43.2).
ças glomerulares do que em rins policísticos ou nefrite in- As vias pelas quais a hipertensão lesa o rim ainda não
tersticial crônica. Entre as glomerulopatias primárias a fre- são bem conhecidas. São mecanismos aceitos o aumento
qüência de hipertensão arterial difere conforme o tipo his-
tológico. É maior na glomeruloesclerose segmentar e focal
Pontos-chave:
e glomerulonefrite membranoproliferativa tipos I e II do
que na nefropatia por IgA e glomerulonefrite membrano- • As doenças crônicas do parênquima renal
sa (Quadro 43.1). Todas as formas de doença renal paren- são a causa mais comum de hipertensão
quimatosa podem causar ou agravar a intensidade da hi- secundária, ocorrendo em 2 a 5% de todos
pertensão preexistente e, por seu turno, a hipertensão pode
os pacientes hipertensos
contribuir para a progressão da própria doença renal.
• A prevalência de hipertensão arterial varia
A principal repercussão morfológica renal da hiperten-
são arterial é, genericamente, denominada nefroesclerose, conforme o tipo de doença renal, ocorrendo
que pode ser caracterizada como benigna ou maligna. Na com maior freqüência nas doenças
nefroesclerose benigna ocorre espessamento da parede das glomerulares do que em rins policísticos ou
artérias por deposição de matriz extracelular, hiperplasia nefrite intersticial crônica
das células musculares lisas da média ou hipertrofia da • A principal repercussão morfológica renal
média. Na nefroesclerose maligna existe proliferação exu- da hipertensão arterial é, genericamente,
berante das células musculares lisas alternando com depo- denominada nefroesclerose
sição de matriz (endarterite obliterante), e nos quadros • As vias pelas quais a hipertensão lesa o rim
mais graves, deposição de fibrina e necrose das células
ainda não são bem conhecidas. São
musculares lisas (necrose fibrinóide). Enquanto a progres-
são da insuficiência renal é dramaticamente rápida em
mecanismos aceitos: aumento da espessura
pacientes com hipertensão arterial maligna não tratada, o da parede arteriolar com diminuição do
curso do envolvimento renal na hipertensão benigna é lúmen, levando a isquemia e
muito variável, embora quanto mais intensa e duradoura glomeruloesclerose, e aumento da pressão
a hipertensão, tanto mais grave a lesão e conseqüente im- intraglomerular. Fibrose túbulo-intersticial
pacto sobre a função renal. Alguns estudos evidenciam que induzida pela isquemia crônica também é
a nefroesclerose benigna é causa freqüente de insuficiên- fundamental na diminuição progressiva da
cia renal, porém muitos pacientes podem ter diagnóstico função renal em hipertensos
de nefroesclerose, quando na verdade teriam glomerulo-
capítulo 43 771

da espessura da parede arteriolar com diminuição do lú- mais, com 30% da função renal inicial, desenvolvem hiper-
men, levando a isquemia e glomeruloesclerose, e o aumen- tensão arterial quando recebem dieta rica em sal e perma-
to da pressão intraglomerular, que também pode levar à necem normotensos quando recebem dieta pobre em só-
glomeruloesclerose. Além das alterações glomerulares, dio. Com a redução da função renal ocorre expansão do
novas evidências apontam a participação da fibrose túbu- volume extracelular e aumento do débito cardíaco. Além
lo-intersticial induzida pela isquemia crônica como funda- disso, existem evidências de que o aumento do sódio cor-
mental na diminuição progressiva da função renal em hi- poral aumentaria a reatividade vascular, provocando ele-
pertensos.4 Vale ressaltar que a evolução da doença renal vação da pressão arterial também por aumento da resis-
é acelerada na vigência de hipertensão arterial. tência periférica5 (Fig. 43.1). A presença de uma substância
endógena digitalis-like liberada em situação de expansão de
volume e identificada no plasma de pacientes renais crôni-
cos6 aponta o envolvimento desta na gênese da hipertensão
MECANISMOS na insuficiência renal crônica. Esta substância age inibindo
FISIOPATOGÊNICOS a bomba Na-K-ATPase universalmente. É uma tentativa
do organismo em normalizar a volemia através da inibição
Os inúmeros mecanismos envolvidos na gênese e manu- da reabsorção de sódio em túbulos renais. Porém a inibição
tenção da hipertensão arterial se expressam, fundamental- da Na-K-ATPase em músculo liso aumenta a concentra-
mente, por expansão do volume extracelular e vasoconstri- ção de cálcio citosólico, resultando em vasoconstrição e au-
ção. Existem situações nas quais encontraremos claro pre- mento da reatividade vascular. Na clínica, observa-se me-
domínio de um fator sobre o outro, porém na maioria das lhor controle da pressão arterial nos pacientes normovolê-
vezes a hipertensão arterial é conseqüência de sobreposição micos sob tratamento dialítico crônico.
de vários fatores, os quais serão detalhados a seguir.

Sistema Nervoso Simpático


Retenção de Sódio e Água
Fatores neurogênicos, em especial o sistema nervoso sim-
A diminuição do ritmo de filtração glomerular decor- pático, contribuem de maneira importante na regulação da
rente da lesão renal provoca diminuição da capacidade pressão arterial. A ativação deste sistema age diretamente
renal em excretar sódio e água. O modelo experimental aumentando o débito cardíaco e a resistência periférica.
utilizado para estudo desta situação é o de ablação renal Além disso, a atividade eferente do sistema nervoso simpá-
em ratos, com retirada de 5/6 da massa renal. Esses ani- tico provoca maior reabsorção de sódio e água no túbulo

Doença Renal Parenquimatosa

Diminuição da
Taxa de Filtração Glomerular

Angiotensina II, Aldosterona, Norepinefrina

Sódio, Volume Extracelular Resistência Periférica


Débito Cardíaco Débito Cardíaco Normal
Resistência Periférica
Normal
Débito Cardíaco
Resistência Periférica Normal

Débito Cardíaco Normal


Resistência Periférica

Hipertensão Arterial

Fig. 43.1 Esquema do papel do sódio na gênese e manutenção da hipertensão arterial sistêmica nas doenças renais parenquimatosas.
Hypertension. Laragh & Brenner. Raven Press. Ltd., 1995.
772 Hipertensão Arterial e Doença Renal Parenquimatosa

proximal e diminui a taxa de filtração glomerular e o fluxo naqueles já previamente hipertensos. Estudos multicêntri-
sanguíneo renal. Na maioria dos pacientes renais crônicos cos têm demonstrado uma prevalência de 33% de hiper-
encontramos níveis plasmáticos elevados de norepinefrina, tensão quando o hematócrito excede 30%. Os mecanismos
o que confirma sua participação. Nos pacientes em fase di- de ação responsabilizados são: aumento dos níveis de en-
alítica, devido à freqüência encontrada de neuropatia (de- dotelina, norepinefrina, aumento de resistência vascular
corrente da própria uremia), é mais difícil determinar a exis- periférica secundário à maior oferta de oxigênio pelo au-
tência e importância dessa ativação. Porém, os estudos de mento da hemoglobina e débito cardíaco aumentado mes-
registro direto da atividade simpática periférica em huma- mo com a correção da anemia.
nos com microneurografia têm evidenciado que os pacien-
tes com hipertensão e insuficiência renal crônica não-dialí-
tica, assim como aqueles em hemodiálise, apresentam hipe- O PAPEL DA HIPERTENSÃO NA
ratividade do sistema nervoso simpático.7
PROGRESSÃO DA
INSUFICIÊNCIA RENAL
Sistema Renina-angiotensina
CRÔNICA
Em alguns pacientes com insuficiência renal crônica leve
ou moderada é possível demonstrar a ativação do sistema Tem sido demonstrado que a hipertensão arterial é o
renina-angiotensina através do aumento nos níveis de re- fator de risco mais importante para a perda progressiva da
nina e angiotensina II. Nos pacientes em fase avançada de função renal em portadores de doença renal parenquima-
insuficiência renal, em diálise, às vezes encontramos níveis tosa crônica, antecipando o início do tratamento dialítico.
de renina dentro de limites normais, porém inapropriados Por sua vez, o controle da hipertensão é a intervenção clí-
frente à situação de expansão volêmica. Na maioria dos nica mais importante em retardar a progressão para insu-
pacientes em diálise, a manutenção do peso seco mantém ficiência renal crônica terminal. O importante estudo
a hipertensão sob controle. No entanto, em 10 a 20% dos MDRD (Modification of Diet in Renal Disease)10 demonstrou
pacientes existe claramente uma hipertensão renina-depen- claramente um menor declínio na taxa de filtração glome-
dente. A resposta eficiente ao uso de bloqueadores da en- rular no grupo de pacientes com pressão arterial média
zima de conversão da angiotensina e bloqueadores da an- mais baixa. O benefício foi maior no grupo de pacientes
giotensina II, ou, mesmo antes do advento dessas drogas, com proteinúria  1 g e  3 g/24 h. Portanto, a recomen-
a resposta de normotensão à nefrectomia bilateral, prova dação atual é que em pacientes portadores de nefropatias
que realmente o sistema renina-angiotensina tem seu pa- a pressão arterial alvo seja  130/80 mmHg, e naqueles
pel neste grupo de pacientes. com proteinúria  3 g/24 h, a pressão arterial alvo seja
ainda mais baixa ( 120/80 mmHg). Evidências atuais
apontadas pelos estudos de Maschio e colaboradores11 e do
Endotélio Vascular estudo REIN (Ramipril Efficacy in Nephropathy)12 reco-
mendam a utilização dos inibidores da enzima converso-
A hipótese da hipertensão na insuficiência renal ser
ra da angiotensina (IECA) como os anti-hipertensivos de
decorrente de disfunção do endotélio vascular, por aumen-
escolha, por sua ação renoprotetora adicional à redução da
to da produção de substâncias vasoconstritoras como en-
pressão arterial. Este efeito renoprotetor é atribuído à di-
dotelina e/ou diminuição de substâncias vasodilatadoras
minuição na resistência da arteríola eferente e conseqüen-
(óxido nítrico), é bastante atrativa. A endotelina é um po-
te diminuição da pressão intraglomerular, um dos fatores
tente vasoconstritor que, experimentalmente, provoca hi- envolvidos na progressão da doença renal. Outro mecanis-
pertensão, diminuição da filtração glomerular e aumento mo pelo qual os IECA exercem sua ação renoprotetora é
na reabsorção tubular de sódio e água. Encontra-se eleva- através da inibição da angiotensina II e de seus efeitos pro-
da em pacientes em hemodiálise, porém uma correlação liferativos e fibróticos. Por extensão, acredita-se que os
entre esses níveis e a pressão elevada não foi descrita.8 Em bloqueadores de receptores de angiotensina II apresentem
renais crônicos, a atividade vasodilatadora do óxido nítri- os mesmos efeitos benéficos dos IECA e são recomenda-
co (NO) pode estar bloqueada por um inibidor da síntese dos em pacientes com efeito colateral aos IECA. São aguar-
de NO, causando aumento da resistência periférica e, con- dados estudos prospectivos que possam definir o papel
seqüentemente, hipertensão.9 exato dos bloqueadores de receptores da angiotensina II
na progressão da insuficiência renal crônica. É importante
Eritropoetina lembrar do risco de piora da função renal e hiperpotasse-
mia com o uso dos IECA e bloqueadores de receptores de
O uso da eritropoetina recombinante humana no trata- angiotensina II; logo, recomenda-se cautela e controle da
mento da anemia da insuficiência renal crônica está asso- creatinina e potássio sérico em pacientes com creatinina
ciado a aumento da pressão arterial, sendo mais evidente sérica  3 mg/dl.13
capítulo 43 773

Os mecanismos pelos quais a hipertensão pode agravar vasoativas tais como angiotensina II, endotelina e óxido
o rim lesado são múltiplos. Estudos experimentais de abla- nítrico, envolvidas na patogênese da hipertensão arterial,
ção de massa renal demonstram diminuição da resistên- também participam na progressão das doenças renais, seja
cia da arteríola aferente, aumento da pressão no capilar por uma ação direta ou mediada por fatores de crescimen-
glomerular e conseqüente esclerose glomerular com per- to, como TGF e PDGF.14
da progressiva dos néfrons funcionantes. A hipertensão
arterial agrava a hipertensão intraglomerular acelerando
o processo de esclerose glomerular. Várias substâncias NEFROPATIA DIABÉTICA
A nefropatia diabética, apesar de ser uma doença renal
Pontos-chave: parenquimatosa bilateral, merece ser estudada à parte, não
• Hipertensão arterial é o fator de risco mais só pela sua grande incidência, que vem aumentando nas
importante para a perda progressiva da últimas décadas, mas também por algumas características
que a diferenciam das demais. O diabetes mellitus é causa
função renal em portadores de doença renal
freqüente de doença renal parenquimatosa, sendo listada
parenquimatosa crônica nos Estados Unidos como a mais freqüente, responsável,
• Estudos recentes recomendam a utilização em alguns locais, por até 30% dos casos de insuficiência
dos inibidores da enzima conversora da renal crônica. A incidência de hipertensão arterial no dia-
angiotensina (IECA) como os anti- betes varia, conforme a faixa etária e o tempo de evolução
hipertensivos de escolha, por sua ação da doença, de 30 a 80%, sendo duas vezes mais prevalente
renoprotetora adicional à redução da em diabéticos do que na população normal. Cabe diferen-
pressão arterial ciar que enquanto a hipertensão no diabetes tipo 2 pode
• Este efeito renoprotetor é atribuído à ocorrer como um epifenômeno, não necessariamente rela-
diminuição na resistência da arteríola cionado à nefropatia, no diabetes tipo 1 a presença de hi-
pertensão praticamente se restringe aos pacientes que de-
eferente e conseqüente diminuição da
senvolvem nefropatia, funcionando como um marcador do
pressão intraglomerular, um dos fatores
início da nefropatia, correlacionando-se fortemente com o
envolvidos na progressão da doença renal aparecimento da proteinúria. A prevalência de insuficiên-
• Outro mecanismo pelo qual os IECA cia renal crônica situa-se entre 20 e 40% em diabéticos tipo
exercem sua ação renoprotetora é através da 1 e entre 10 e 20% em diabéticos tipo 2.
inibição da angiotensina II e de seus efeitos Recentemente, tem sido explorada a possibilidade de
proliferativos e fibróticos que a resistência periférica à insulina seja a mediadora da
• Lembrar do risco de piora da função renal e hipertensão por aumento de reabsorção de sódio e água,
hiperpotassemia com o uso dos IECA e aumento da atividade simpática ou aumento na disponi-
bloqueadores de receptores de angiotensina II bilidade do cálcio intracelular.
Na nefropatia diabética observamos que, a partir do

105
IECA n = 49
% do valor inicial de 100/cr

100

95

90
Placebo n = 45
85

80

75
0 1 2 3 4 5
Anos

Fig. 43.2 Evolução da perda de função renal expressa em porcentagem do valor inicial da creatinina sérica, em cinco anos, de paci-
entes diabéticos nefropatas submetidos a tratamento com inibidor de enzima de conversão da angiotensina (IECA) versus placebo.
Verifica-se que o IECA manteve a função renal estável durante o período de observação, ao passo que com o placebo houve piora
progressiva da função renal (p 0,05 para 2 e 3 anos e p 0,02 para 4 e 5 anos, com IECA versus placebo).
774 Hipertensão Arterial e Doença Renal Parenquimatosa

início da fase caracterizada por diminuição do ritmo de 7. TINUCCI, T.; ABRAHÃO, S.B.; SANTELLO, J.L.; MION, D. Jr. Mild
chronic renal insufficiency induces sympathetic overactivity. J. Hum.
filtração glomerular, ocorre, sem tratamento, queda de até
Hypertens., 15:401-406, 2001.
1 ml/minuto de depuração de creatinina por mês. Nesta 8. VAJO, Z.; MOFFITT, R.A.; PARVATHALA, S. et al. Elevated endo-
fase é fundamental o controle pressórico, e apesar de qual- thelin-1 levels and persistent stage IV hypertension in a nonvolume
quer hipotensor que controle a pressão ter ação benéfica, overload anephric patient. Am. J. Hypertens., 9:935-7, 1996.
9. BRENNER, B.M.; YU, A.S.L. Uremic syndrome revisited: a
estudos em diabéticos tipo 1 demonstram claramente que pathogenetic role for retained endogenous inhibitors of nitric oxide
a inibição do sistema renina-angiotensina com IECA di- synthesis. Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 1:3-7, 1992.
minui a progressão da insuficiência renal crônica (Fig. 10. KLAHR; LEVEY, A.S.; BECK, G.J. et al. Modification of Diet in Re-
43.2). Em diabéticos tipo 2, estes resultados não tinham nal Disease Study Group. The effect of dietary protein restriction and
blood-pressure control on the progression of chronic renal disease.
sido confirmados. Entretanto o importante estudo RENA- N. Engl. J. Med., 330:877-84, 1994.
AL,15 recentemente publicado, demonstrou que o uso de 11. MASCHIO, G.; ALBERTI, D.; JANIN, G. et al. Effect of the
losartan, um bloqueador de receptor de angiotensina II, angiotensin-converting-enzyme inhibitor benazepril on the progres-
sion of chronic renal disease. N. Engl. J. Med., 334:939-45, 1996.
em diabéticos tipo 2 e nefropatia, conferiu significativo be-
12. The GISEN Group: Randomized placebo-controlled trial of effect of
nefício de proteção renal, uma redução de 35% na protei- ramipril on decline in glomerular filtration rate and risk of terminal
núria e diminuição de 28% no risco de insuficiência renal renal failure in proteinuric, non diabetic nephropathy. Lancet,
crônica terminal (IRCT). Além deste, o estudo IRMA 2 de- 349:1857-63, 1997.
13. The Sixth Report of the Joint National Committee on Prevention, De-
monstrou uma redução de 70% no risco de desenvolver tection, Evaluation and Treatment of Hight Blood Pressure. Arch.
nefropatia clínica em paciente com microalbuminúria.16 Inter. Med., 157:2413-45, 1997.
Ainda neste sentido o estudo IDNT demonstrou uma re- 14. ZATZ, R. Haemodynamically mediated glomerular injury: the end
dução de 23% no risco de desenvolver IRCT quando com- of a 15-year-old controversy? Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 5:468-
475, 1996.
parado a placebo e amlodipina.17 Portanto, estes estudos 15. BRENNER, B.M.; COOPER, M.E.; de ZEEUW, D. et al. Effects of lo-
demonstram que o bloqueio do sistema renina-angioten- sartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type
sina com bloqueadores de receptores (AT1) da angioten- 2 diabetes and nephropathy. N. Engl. J. Med., 345:861-9, 2001.
16. PARVING, H.H.; LEHNERT, H.; BROCHNER-MORTENSEN. J.;
sina II são efetivos em retardar a progressão para IRCT em
GOMIS, R.; ANDERSEN, S.; ARNER, P. The effect of irbesartan on
diabéticos tipo 2, efeito este adicional ao controle da pres- the development of diabetic nephropathy in patients with type 2
são arterial. diabetes. N. Engl. J. Med., 345:870-8, 2001.
17. LEWIS, E.; HUNSICKER, L.G.; CLARKE, W.R.; BERL, T.; POHL,
M.A.; LEWIS, J.B.; RITZ, E.; ATKINS, R.D.; ROHDE, R.; RAZ, I.
Renoprotective effect of the angiotensin-receptor antagonist irbesar-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS tan in patients with nephropathy due to type 2 diabetes. N. Engl. J.
Med., 345:851-60, 2001.
1. BONOMINI, V.; CAMPIERI, C.; SCOLARI, M.P. Long-term patient
and renal prognosis in acute renal failure. Nefron, 36:169, 1984.
2. BUCKALEW, V. Jr.; BERG, R.L.; WANG, S.L.; PORUSH, J.G.; RAU-
CH, S.; SCHULMAN, G. Prevalence of hypertension in 1,795 subjects
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
with chronic renal disease: the modification of diet in renal disease
study baseline cohort. Am. J. Kidney Dis., 28:811-21, 1996. BRENNER, B.M. & RECTOR, F.C. (eds.) The Kidney, 6th ed. WB Saunders
3. CAETANO, E.R.S.P.; ZATZ, R.; SALDANHA, L.B.; PRAXEDES, J.N. Company, 2000.
Hypertensive nephrosclerosis as a relevant cause of chronic renal KAPLAN, N.M. Clinical Hypertension, 7nd ed., 1998.
disease. Hypertension, 38:171-176, 2001. LARAGH, J.H.; BRENNER, B.M. (eds.) Hypertension: Pathophysiology, Di-
4. LUKE, R.G. Hypertensive nephrosclerosis: pathogenesis and preva- agnosis and Management, 2nd ed. New York: Raven Press, 2081-98, 1995.
lence. Essential hypertension is an important cause of end-stage renal
disease. Nephrol. Dial. Transplant, 14:2271-8, 1999. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
5. SMITH, M.C.; DUNN, M.J. Hypertension in renal parenchymal di-
sease. In: Laragh, J.H.; Brenner B.M. (eds.) Hypertension: Pathophysi- Hypertension, Dialysis, and Clinical Nephrology (HDCN):
ology, Diagnosis and Management, 2nd ed. New York: Raven Press, Renal Disease Electronic Journal/ Hypertension, Dialysis,
2081-98, 1995. Nephrology Information Server. http://www.hdcn.com
6. GLATTER, K.A.; GRAVES, S.W.; HOLLENBERG, N.K. et al.
Sustained volume expansion and Na K ATPase inhibition in chro- MD Consult: Clinical Information for Physicians. http://
nic renal failure. Am. J. Hypertens., 7:1016-25, 1994. www.mdconsult.com
Capítulo
Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico
44 Cesar Costa e Roberto C. Manfro

INTRODUÇÃO EFEITOS COLATERAIS E REAÇÕES ADVERSAS


MECANISMOS DE AÇÃO Interações com outros fármacos
USO CLÍNICO Diuréticos de ação prolongada
Doenças edematosas Diuréticos de alça
Edema cardíaco Diuréticos poupadores de potássio
Edema renal RESISTÊNCIA E TOLERÂNCIA AO USO DE DIURÉTICOS
Edema hepático CONTROVÉRSIAS NO USO DE DIURÉTICOS
Doenças não-edematosas Reposição de potássio
Hipertensão arterial sistêmica (HAS) Diuréticos e/ou betabloqueadores no tratamento inicial das
Diabete insípido nefrogênico, acidose tubular renal e HAS leves e moderadas
hipercalciúria idiopática Uso em grávidas
Hipercalcemias Uso em edema idiopático
Síndrome de secreção inadequada de hormônio Diuréticos e câncer
antidiurético O FUTURO
Outras indicações e vias de administração BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

com sífilis congênita, chamada Joana, e um grupo de en-


INTRODUÇÃO fermeiras cujo orgulho consistia em “fazer prontuários
bonitos, com tudo registrado e listado em várias cores”,
Os diuréticos são substâncias que aumentam o fluxo inclusive a diurese de 24 horas de todos os pacientes.
urinário. Determinam, ao nível de néfron, redução da ca- Por volta de 1938, foi constatado que a sulfanilamida
pacidade tubular de reabsorção de sódio e água e, em al- possuía propriedades natriuréticas, basicamente por inibi-
gumas circunstâncias, incremento da taxa de filtração glo- ção da anidrase carbônica tubular. Pesquisas subseqüentes
merular. nesta área resultaram na identificação de outros diuréticos,
Sua história teve início efetivo na primeira clínica mé- entre os quais a acetazolamida, a benzolamida e, finalmen-
dica universitária de Viena, a Clínica Wenckebach, em te, em 1957, os benzotiazídicos. A estes acrescentaram-se,
1919. Alfred Vogl, em depoimento informal publicado em posteriormente, inúmeros fármacos, hoje conhecidos gene-
1950, relata a seqüência de acasos, erros e coincidências que ricamente como “derivados sulfamídicos correlatos” ou não-
culminou na descoberta das propriedades diuréticas dos tiazídicos: clortalidona, furosemida, bumetanida, torazemi-
organomercuriais, usados na época para o tratamento da da, metolazona, piretanida, indapamida etc.
sífilis. Os personagens centrais desta epopéia foram o pró- Entre 1960 e 1966 surgiu um grupo de diuréticos que,
prio Vogl, então terceiranista de medicina, uma paciente ao contrário dos demais, não espolia o organismo de po-
776 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

tássio: espironolactona (antagonista da aldosterona), triam- A ação diurética da albumina humana concentrada re-
terene (derivado da pteridina) e amilorida (derivado da sulta do aumento da volemia e da filtração glomerular, da
pirazina). redução da reabsorção tubular de sódio por hiperfluxo e,
Atualmente, os benzotiazídicos e derivados sulfamídi- finalmente, da natriurese.
cos correlatos, os novos diuréticos, encontram-se entre os A aminofilina é o único derivado xantínico usado, oca-
fármacos mais prescritos em todo o mundo. Outros, como sionalmente, como diurético. Seu mecanismo de ação é
os mercuriais, a acetazolamida, as xantinas e os diuréticos múltiplo: aumenta o rendimento cardíaco e o fluxo sanguí-
osmóticos, os velhos diuréticos, caíram em desuso, sendo neo renal e reduz a reabsorção de sódio e de água no tú-
utilizados somente em situações especiais. bulo proximal. A acetazolamida inibe a reabsorção de bi-
carbonato e, em decorrência, de sódio e de água, mais
marcadamente no túbulo proximal. Sabe-se que ao nível
MECANISMOS DE AÇÃO do túbulo proximal, 70 a 75% do filtrado glomerular são
reabsorvidos, que a reabsorção de sódio é ativa e a de clo-
Os diuréticos possuem ações renais e extra-renais. Aqui ro passiva e que pelo menos 25% da reabsorção do bicar-
serão analisadas prioritariamente as primeiras. Embora bonato são catalisados pela anidrase carbônica. Sendo a
eles interfiram, em maior ou menor grau, numa série de acetazolamida um inibidor da anidrase carbônica, sua ação
funções do néfron, a presente análise de seu mecanismo de final é de aumento da bicarbonatúria e da natriúria. Tais
ação considerará somente as modificações mais relevantes. ações são, no entanto, limitadas pela redução do bicarbo-
O Quadro 44.1 classifica os diuréticos de acordo com seu nato sérico e por mecanismos de compensação nos segmen-
principal local de ação ao longo do néfron, e o Quadro 44.2 tos distais do néfron.
sumariza os principais aspectos farmacocinéticos destas O ramo ascendente de alça da Henle é o local de ação
drogas. Estes conhecimentos são importantes na medida dos mais rápidos e potentes diuréticos conhecidos na atu-
em que o local de ação do diurético no néfron, é um dos alidade, ou seja, a furosemida, a bumetanida, a piretanida
fatores determinantes da sua potência. Os diuréticos com e o ácido etacrínico; os três primeiros são derivados da
ação predominante no glomérulo e/ou túbulo proximal sulfanilamida e o último, do ácido ariloxiacético. Os diuré-
constituem um grupo heterogêneo de substâncias. O ma- ticos de alça, como genericamente se denominam, são ex-
nitol é um diurético osmótico que aumenta a filtração glo- cretados ao nível dos túbulos proximais pelos mesmos
merular e o fluxo tubular, permitindo, como conseqüên- mecanismos de transporte que servem à eliminação de
cia, a excreção urinária de 5 a 10% do sódio contido no fil- ácidos orgânicos. Por esta razão são ativos mesmo nos ca-
trado glomerular. Como todos os diuréticos osmóticos, sos em que ocorre redução importante na taxa de filtração
causa maior eliminação de água que de sódio e, por isso, glomerular. Causam uma diurese de solutos e interferem
seu uso freqüente ou intensivo pode ter como conseqüên- no mecanismo fisiológico de concentração urinária, agin-
cia depleção hídrica hipernatrêmica. do nas porções medular e cortical do ramo espesso ascen-
dente por competição pelo sítio de ligação do cloro no car-
reador Na-K-2Cl, tornando-o inativo. Outro membro des-
Quadro 44.1 Diuréticos te grupo chama-se torazemida e difere dos demais por ser
eliminado 80% pelo fígado e 20% pelos rins.
Local de Ação Os diuréticos com ação predominante nas porções dis-
A. Glomérulo e túbulo proximal tais do néfron são divididos em espoliadores e poupado-
Manitol res de potássio. Os primeiros, os benzotiazídicos, são ex-
Albumina humana concentrada cretados no túbulo proximal pelo mesmo mecanismo
Aminofilina mencionado para os diuréticos de alça e inibem a reabsor-
Acetazolamida
B. Alça de Henle ção ativa de sódio no túbulo distal; adicionalmente, pos-
Furosemida suem moderada capacidade inibitória sobre a anidrase
Bumetanida carbônica e não interferem no processo de reabsorção ati-
Ácido etacrínico va do cloro e nos mecanismos tubulares de concentração
Piretanida
Torazemida urinária. Os tiazídicos agem por competição pelo sítio de
Azosemida ligação do cloro nos co-transportadores (Na-Cl, Na-H e Cl-
C. Túbulos distal e coletor HCO) que promovem a entrada de sódio, sensível aos tia-
Espoliadores de potássio: zídicos, no néfron distal. Seu uso crônico, por induzir di-
benzotiazídicos e derivados
sulfamídicos correlatos minuição do volume líquido extracelular, resulta em
Poupadores de potássio: aumento da reabsorção proximal de água e de alguns so-
espironolactona lutos (bicarbonato, cálcio, ácido úrico etc.). O protótipo dos
triamterene benzotiazídicos, que são diuréticos de ação prolongada, é
amilorida
a clorotiazida. A ação prolongada dos benzotiazídicos e
capítulo 44 777

Quadro 44.2 Farmacocinética dos principais diuréticos.*

Diurético Disponibilidade Meia-Vida de Via de


Oral (%) Eliminação (horas) Eliminação

Indivíduo Insuficiência Cirrose Insuficiência


Normal Renal Hepática Cardíaca

De Alça
Furosemida 10–100 1,5–2 2,8 2,5 2,7 Renal
Bumetanida 80–100 1 1,6 2,3 1,3 50% Hepática
Torasemida 80–100 3–4 4–5 8 6 80% Hepática

Tiazídicos
Clortalidona 64 24–55 ND ND ND Renal
Clorotiazida 30–50 1,5 ND ND ND Renal
Hidroclorotiazida 65–75 2,5 Aumentada ND ND Renal
Indapamida 93 15–25 ND ND ND Hepática

Distais
Amilorida ? 17–26 100 A ND Renal
Triamterene (⬎ 80) (2–5) (Aumentada) A ND Rim/Fígado**
Espironolactona ? 1,5 (⬎15) A A ND Complexa***
*Modificado de Brater, DC; ( ) valores referentes a metabólitos ativos; ND ⫽ não determinado; A ⫽ aumentado; **metabólito hepático ativo
secretado pelo rim; ***diversos metabólitos ativos.

derivados deve-se, como regra, à sua boa solubilidade em uma determinada droga sugere que o mesmo ocorrerá com
lipídios e, conseqüentemente, maior distribuição pelo or- outra da mesma classe. A farmacocinética dos tiazídicos é
ganismo; no caso da clortalidona, existe uma ligação pre- menos conhecida e os principais aspectos farmacocinéti-
ferencial e prolongada ao próprio tecido renal e, no da cos dos diuréticos estão sumarizados no Quadro 44.2.
metolazona, às proteínas plasmáticas. A farmacodinâmica dos mesmos é determinada pela
Os diuréticos poupadores de potássio agem nas células relação entre a sua chegada ao local de ação e a resposta
principais do túbulo coletor cortical, inibindo a reabsorção natriurética. Assim sendo, a resposta máxima de um indi-
de íons sódio e impedindo que se estabeleça um gradiente víduo a cada diurético de alça ou tiazídico é a mesma. Desta
eletroquímico para a troca com íons potássio e hidrogênio. forma, a dose deve ser titulada para cada indivíduo de
A entrada de sódio nestes sítios ocorre através de canais de maneira a se alcançar a quantidade efetiva do fármaco na
sódio sensíveis à aldosterona. A amilorida e o triamterene luz tubular para que se obtenha um determinado efeito
produzem fechamento destes canais, portanto com ação clínico. Adicionalmente deve-se determinar a dose mais
independe da aldosterona, e a espironolactona atua por baixa para que se alcance a resposta máxima e esta dose
competição inibitória do efeito da aldosterona. Estes diuré- não deve ser excedida.
ticos têm capacidade natriurética e podem levar ao desen-
volvimento de hiperpotassemia e acidose metabólica. Em
suma, os diuréticos de alça são os mais rápidos e potentes: Ponto-chave:
eliminam 20-25% da carga filtrada de sódio pelos gloméru- • A resposta máxima de um indivíduo a cada
los. Os de ação predominante ao nível dos túbulos distal e diurético de alça ou tiazídico é a mesma;
coletor ou têm uma posição intermediária, eliminando 3-5%
desta forma, a dose deve ser titulada para
(espoliadores do potássio), ou são fracos, atingindo apenas
cada indivíduo
a cifra de 1-2% (poupadores de potássio). Em outras pala-
vras, os diuréticos atuam, basicamente, reduzindo a ativi-
dade dos sistemas de transporte transcelular do bicarbona-
to nos túbulos proximais e do sódio nos demais segmentos USO CLÍNICO
tubulares; sua ação se dá pela presença no fluido tubular,
exceto pela espironolactona que atua sobre os receptores Do ponto de vista de estrutura química, de local de ação
citosólicos de aldosterona, sem passar para a luz tubular. no néfron e da farmacodinâmica, os diuréticos constituem
As características farmacológicas dos diuréticos de alça um grupo heterogêneo de substâncias. Por esta razão, para
são similares; por isso, a ausência de resposta adequada a agrupá-los de maneira mais uniforme e útil ao médico
778 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

Quadro 44.3 Diuréticos Quadro 44.5 Diuréticos

Classificação Clínica Indicações para Uso Clínico


A. De ação prolongada Doenças edematosas
Benzotiazídicos e derivados sulfamídicos Edema cardíaco
correlatos: Edema renal
clorotiazida e similares Edema hepático
clortalidona Doenças não-edematosas
xipamida Hipertensão arterial sistêmica
metolazona* Hipercalciúria idiopática
B. De ação rápida ou de alça Urolitíase recorrente sem hipercalciúria
Furosemida Hipercalcemia
Bumetanida Acidose tubular renal proximal
Ácido etacrínico Diabete insípido nefrogênico
Piretanida Síndrome de secreção inadequada de hormônio
Torazemida* antidiurético
Azosemida* Outras
C. Poupadores de potássio Síndrome de tensão pré-menstrual
Espironolactona Glaucoma
Triamterene Cistinúria
Amilorida Hiperuricosúria
D. Outros Intoxicações por salicilatos ou fenobarbital
Manitol Alcaloses pós-hipercapnéica e pós-perda de conteúdo
Albumina humana gástrico
Aminofilina

*Não disponível no Brasil.

Doenças Edematosas
prático, usa-se uma classificação clínica (Quadro 44.3). O
O uso de diuréticos em pacientes edematosos é mais
Quadro 44.4 especifica a posologia e a duração total de ação
proveitoso e seguro se obedecidos alguns princípios gerais,
dos principais diuréticos disponíveis no Brasil.
entre os quais os seguintes:
Os diuréticos de ação prolongada e os de alça são os mais
eficazes e mais amplamente prescritos. Os demais têm ação • antes de iniciar o tratamento (e após, conforme evo-
e uso limitados: empregam-se, via de regra, em associação lução) solicitar a determinação das taxas sanguíneas
com os acima citados ou isoladamente, em circunstâncias de eletrólitos (Na, K, Cl, Ca, P e Mg), creatinina, gli-
especiais. cose, ácido úrico, hematócrito e albumina plasmáti-
Os diuréticos têm amplas indicações no tratamento de ca;
doenças edematosas e não-edematosas (Quadro 44.5). • determinar dose efetiva e administrá-la tão freqüen-
temente quanto necessário para obter resposta má-
xima; em caso de insucesso, associar diuréticos em
doses ajustadas para a função renal do paciente;
Quadro 44.4 Diuréticos – Posologia e duração de ação • iniciar o tratamento com dose pequena, exceto quan-
do se tratar de uma emergência ou quando houver
Nome Dose Via Duração
insuficiência renal associada;
Oral (mg/dia) (horas)
• medir, diariamente, a diurese, o peso e as variações
Hidroclorotiazida 12,5–100 6–12 posturais de pulso e pressão arterial;
Clortalidona 12,5–50 24–72 • controlar para que não ocorram reduções de peso
Xipamida 10–20 12
superiores a 1-2 kg/dia; perdas superiores resultam,
Indapamida 2,5–5 24-36
Metolazona 2,5–20 12–24 com freqüência, em hipovolemia;
• evitar, sempre que possível, o uso associado com fár-
Furosemida 20–80 3–6 macos retentores de sódio.
Bumetanida 0,5–2 3–6
Ácido etacrínico 25–100 3–6
Piretanida 6–12 EDEMA CARDÍACO
Os diuréticos de ação prolongada são os mais comumen-
Espironolactona 25–200 72 te usados em casos de insuficiência cardíaca congestiva,
Triamterene 50–200 9
leve ou moderada. Reduzem a volemia e eliminam os sin-
Amilorida 5–10 24
tomas e sinais congestivos. Não devem, obviamente, ser
capítulo 44 779

utilizados desacompanhados de outras providências tera- são do diurético para o líquido extracelular com redução
pêuticas (variáveis conforme as circunstâncias: dieta hipos- de sua concentração nos túbulos renais bem como sua fi-
sódica, cardiotônicos, inibidores da ECA etc.). xação às proteínas ali presentes; o resultado final é redu-
Nos portadores de insuficiência ventricular esquerda ção da fração livre, ativa, do fármaco. De modo geral, nos
aguda (edema agudo de pulmão) ou grave, os diuréticos casos sem insuficiência renal, inicia-se o tratamento com
de escolha são os de alça, por via endovenosa. Reduzem a diuréticos de ação prolongada. Em casos refratários ou com
volemia, aumentam a capacitância venosa (precedendo o insuficiência renal, pode ser necessária a prescrição de
efeito diurético) e diminuem o retorno venoso e a pressão diurético de alça oral ou intravenoso, associado ou não a
de enchimento do ventrículo direito. O resultado final de tiazídicos. Nestas circunstâncias, os esquemas terapêuticos
todas essas ações é a diminuição do volume de sangue na sugeridos são idênticos aos propostos para casos com in-
vasculatura pulmonar. Se, no entanto, o resultado for in- suficiência renal. Os diuréticos de alça podem também ser
satisfatório, um tiazídico deve ser acrescido ao esquema associados a albumina humana concentrada (em casos com
terapêutico. Como regra geral, as associações de diuréti- hipoalbuminemia inferior a 2,0 g%), aminofilina ou meto-
cos de alça com tiazídicos devem receber monitorização lazona (não disponível no Brasil); os resultados são, via de
cuidadosa, no início; em alguns casos, pode haver poliú- regra, modestos. Um dos esquemas propostos usa 60 mg
ria acentuada com risco de hipovolemia, hiponatremia e/ de furosemida mais 200 ml de uma solução de albumina
ou hipopotassemia. Vale acrescentar que nos insuficientes humana a 20%, infundidos intravenosamente em 60 minu-
cardíacos com função renal normal, embora a absorção do tos. Seu efeito natriurético ocorreria por aumento do fluxo
diurético seja mais lenta, tal fato não compromete a con- sanguíneo renal e não por aumento da filtração glomeru-
centração tubular do mesmo; por isso, não há necessidade lar. Finalmente, deve-se salientar que o uso associado de
do uso de grandes doses; aconselha-se ministrar doses fre- espironolactona pode ser útil naqueles nefróticos não por-
qüentes. tadores de insuficiência renal, por sua ação antialdosterona,
Não há justificativa para o uso isolado dos diuréticos em doses de até 400 mg ao dia.
poupadores de potássio nos edemas de origem cardíaca. O edema da insuficiência renal crônica é decorrente da
Seu uso porém tem sido sugerido naqueles pacientes que incapacidade dos rins de excretar água, sal e outros solu-
apresentam concentrações baixas de sódio e elevadas de tos em quantidades adequadas às necessidades orgânicas.
potássio, na urina; neles, o sódio está sendo trocado por Desaconselha-se o uso de diuréticos de ação prolongada,
potássio nos túbulos distais e os poupadores de potássio pois a resposta se reduz à medida que a depuração de cre-
podem induzir aumento da natriurese. Adicionalmente, atinina endógena cai abaixo de 50 ml/min. A ação se tor-
tem sido preconizado seu uso em pacientes sob tratamen- na insignificante quando a depuração atinge valores em
to com digoxina e nos com graves disfunções ventricula- torno de 10 ml/min. Os poupadores de potássio devem ser
res com tendência a hipopotassemia e que tenham função evitados pelo risco de induzir hiperpotassemia. Os urêmi-
renal normal. Alguns autores sugerem também o uso roti- cos, como se sabe, são pacientes com tendência progressi-
neiro de espironolactona nos esquemas para tratamento de va para acidose metabólica e hiperpotassemia. Nestas cir-
insuficiência cardíaca congestiva, em pacientes com cunstâncias, indica-se o uso de diuréticos de alça e em doses
creatininemia inferior a 2,5 mg%, com o argumento de que mais elevadas que as habituais, para que possam vencer a
reduziriam a mortalidade dos mesmos. competição, ao nível dos mecanismos tubulares de trans-
porte, com os ácidos orgânicos acumulados em decorrên-
EDEMA RENAL cia da própria insuficiência renal. Assim, por exemplo, em
Em alguns pacientes com síndrome nefrótica, especial- pacientes com depuração de creatinina endógena de 15 ml/
mente aqueles portadores de glomerulopatia por lesões min, apenas 1/5 ou 1/10 da quantidade administrada do
mínimas, ocorre diminuição da volemia, aumento acentu- diurético de alça é secretada para a luz tubular em compa-
ado do volume líquido extracelular e hiperaldosteronismo ração com indivíduos normais; a resposta das células tu-
secundário; noutros, onde não parece haver hipovolemia, bulares, no entanto, é idêntica à de células normais, de-
mecanismos relacionados com a resistência à ação do pep- monstrando que o problema é o acesso do fármaco às áre-
tídeo atrial natriurético parecem ser os responsáveis pela as celulares onde atua. Doses elevadas, porém, aumentam
formação do edema, pelo menos até que a pressão oncóti- o risco de efeitos colaterais indesejáveis, em especial oto-
ca intravascular se torne muito baixa em função da perda toxicidade.
acentuada de albumina (v. Cap. 10). O uso de diuréticos Recomenda-se, inicialmente, o uso de furosemida via
deve ser feito com cautela, e associado a outras medidas oral; sua dose eficaz é imprevisível e deve ser estabelecida
terapêuticas, de modo a não desencadear hipovolemias que em cada caso. De modo geral, as doses são elevadas e po-
comprometam ainda mais a perfusão tecidual e induzam dem atingir valores de 100-200 mg/dia. Nos casos que
ou agravem a insuficiência renal. Inúmeros fatores tendem apresentam hipertensão arterial grave e/ou acentuada
a reduzir o efeito dos diuréticos em pacientes nefróticos, congestão pulmonar e/ou não responsivos à via oral, usa-
entre os quais se pode salientar: hipoalbuminemia, difu- se a via intravenosa, servindo a dose inicial empírica de 40
780 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

mg para testar a resposta do paciente. Como regra, a res- na dose inicial de 100 mg/dia, com a alimentação; confor-
posta natriurética máxima ocorre quando se usa de 160 a me os resultados obtidos, aumentos semanais de 100 mg
200 mg de furosemida IV, infundida num período de 20- podem ser prescritos até uma dose máxima de 400 mg/dia
30 minutos; doses maiores, em geral, não dão melhores ou aparecimento de efeitos colaterais indesejáveis; reco-
resultados. Para obtenção de resultados semelhantes, as menda-se que a perda de peso não seja superior a 1,0 kg/
doses orais se situam entre 160 e 400 mg/dia. Nos casos dia, nos pacientes com edema, e de 0,5 kg/dia nos sem
não responsivos aos esquemas intermitentes, pode-se ten- edema. Caso não se obtenha resultado, diuréticos de ação
tar infusão IV contínua: inicia-se com uma dose de ataque prolongada ou de alça, em doses pequenas e progressiva-
de 40 mg seguida de 20 mg/hora (e após, 40 mg/hora, se mente elevadas, isolados ou em associação com albumi-
necessário) para depurações de creatinina endógena abai- na humana concentrada, aminofilina ou betabloqueado-
xo de 25 ml/min ou 10-20 mg/hora para as acima deste res e isossorbida (que reduz a pressão porta), podem ser
valor. Se não houver resposta na primeira hora, repetir a tentados.
dose de ataque e aumentar a taxa de infusão. Vale menci- Os esquemas acima propostos, mais dieta e eventual
onar um comentário sobre o uso da associação diurético drenagem de alívio, têm resultados positivos em cerca de
de alça-tiazídicos. Aos esquemas acima mencionados, po- 90% dos casos. É importante que se acentue que não se
dem-se adicionar tiazídicos orais, em doses variáveis con- devem usar diuréticos em casos de edema hepático não
forme as depurações de creatinina: se menores que 20 ml/ associado a hipertensão porta.
min, entre 20-50 ml/min e maiores que 50 ml/min, dar 100-
200 mg/dia, 50-100 mg/dia e 25-50 mg/dia de hidroclo-
rotiazida, respectivamente. Se todas as tentativas mencio- Doenças Não-edematosas
nadas fracassarem, deve-se recorrer aos métodos dialíticos. HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA (HAS)
É necessário salientar, como já feito anteriormente, que o
Os diuréticos são amplamente utilizados, como mono-
uso de diuréticos no tratamento dos edemas não deve ser
terapia inicial, na HAS leve ou moderada, especialmente
isolado, mas associado a outras providências terapêuticas.
em negros, idosos, obesos e hipervolêmicos. Têm capaci-
Na insuficiência renal aguda, os diuréticos são habitual-
dade de, isoladamente, normalizar as cifras tensionais de
mente prescritos apenas com o intuito de facilitar o resta-
aproximadamente 70% dos portadores de HAS leve ou
belecimento do equilíbrio hidrossalino; o mais usado é a
moderada, e sua ação anti-hipertensiva parece decorrer de
furosemida intravenosa. O objetivo buscado é o de trans-
vários mecanismos, ainda controvertidos. Reduzem o vo-
formar uma insuficiência renal aguda oligúrica em não-
lume plasmático e o volume líquido extracelular, durante
oligúrica. Estudos controlados têm tornado evidente que
as primeiras semanas de sua ação. Esta negatividade ini-
o uso de diuréticos não afeta a duração da insuficiência
cial do balanço hidrossalino volta, no entanto, ao equilíbrio
renal aguda, sua taxa de mortalidade nem o número de
pré-tratamento com a continuação do uso, embora existam
diálises necessárias para seu tratamento.
estudos que afirmem que ela se mantém por até dois anos.
Postula-se também que tais medicamentos possuem ação
Ponto-chave: vasodilatadora direta, à semelhança do diazóxido, que é
uma benzotiadiazina sem o grupo sulfamoil. Finalmente,
• Uso de diuréticos na insuficiência renal estudos experimentais mostram que os diuréticos induzem
crônica é especialmente indicado quando o uma “hiporreatividade no sistema vascular”, ou seja, re-
edema se associa a hipertensão arterial duzem a reatividade arteriolar às substâncias pressoras em
sistêmica e/ou a congestão circulatória circulação.

EDEMA HEPÁTICO Pontos-chave:


Nos edemas cuja causa é insuficiência hepática, associ- • Os diuréticos são utilizados, como
ados a hipoproteinemia e hipertensão portal, existe dimi- monoterapia inicial, na HAS leve ou
nuição do volume circulatório efetivo, ascite e hiperaldos- moderada, especialmente em negros,
teronismo secundário (v. Cap. 10). O maior cuidado que
idosos, obesos e hipervolêmicos
se deve ter, nestes casos, é o de promover uma remoção
lenta e gradual do excesso de líquido extracelular. Uma
• Eles têm capacidade de, isoladamente,
diurese abrupta pode desencadear grave hipoperfusão te- normalizar as cifras tensionais de
cidual, aumentar a concentração de amônia na veia renal aproximadamente 70% dos portadores de
ou forçar a sua transferência da barreira hematoencefáli- HAS leve ou moderada
ca, causando hipopotassemia grave; encefalopatia hepáti-
ca ou síndrome hepatorrenal podem ocorrer. Por todas as Os diuréticos têm sua ação potencializada pela restrição
razões referidas, recomenda-se o uso de espironolactona concomitante da ingestão de sal e atingem efeito anti-hi-
capítulo 44 781

pertensivo máximo após duas a três semanas de uso. A retam, com conseqüente maior reabsorção de água e dife-
possibilidade de sua prescrição em dose única diária, ou rentes solutos ao nível dos túbulos proximais. No diabete
em dias alternados, facilita a adesão dos pacientes ao tra- insípido, tais medicamentos induzem uma maior reabsor-
tamento. Os diuréticos mais utilizados são os de ação pro- ção de água, com apreciável redução na diurese; nos casos
longada; os de alça são reservados para situações agudas de acidose tubular renal proximal (tipo II) e de hipercalci-
(crises hipertensivas e/ou edema agudo de pulmão e ca- úria idiopática, aumentam a reabsorção de bicarbonatos e
sos associados a insuficiência renal avançada). É importan- de cálcio, respectivamente. Nas três doenças citadas, para
te que se tenha em mente que o efeito anti-hipertensivo dos o sucesso terapêutico, é de fundamental importância que
diuréticos de ação prolongada não aumenta quando as se restrinja a ingestão de sódio. No caso específico de hi-
doses habitualmente prescritas são progressivamente ele- percalciúria idiopática, o uso de 25-50 mg/dia de hidro-
vadas. Além disso, o uso clínico tem demonstrado que, nos clorotiazida, ou similar, resultará em significativa redução
hipertensos com função renal normal, os diuréticos de alça da calciúria e da formação de novos cálculos (Cap. 33).
não oferecem vantagens sobre os de ação prolongada quan- Na poliúria induzida pelo uso crônico do carbonato de
to ao controle das cifras tensionais. lítio, que ocorre em 20-30% dos pacientes, a amilorida, atra-
O uso crônico de anti-hipertensivos não-diuréticos, ou vés do bloqueio dos canais luminais de sódio, pode em
seja, betabloqueadores, simpaticolíticos, vasodilatadores, muitos casos melhorar a poliúria, apesar da continuidade
inibidores da enzima conversora e antagonistas dos recep- do tratamento.
tores de angiotensina II, promove retenção hidrossalina.
Tal efeito anula a ação anti-hipertensiva (pseudotolerância) HIPERCALCEMIAS
e exige o uso associado de diuréticos. Nestas circunstânci- Os diuréticos de alça, ao contrário dos de ação prolon-
as, eles são de grande valia: potencializam o efeito anti- gada, produzem significativo aumento na excreção uriná-
hipertensivo dos fármacos mencionados, tornando-o mais ria do cálcio; têm, por esta razão, sido indicados no trata-
contínuo e previsível, permitem o uso de menores doses mento agudo de hipercalcemias. Quando usados nestes
e, em função disto, diminuem a ocorrência de efeitos cola- casos, é importante que as perdas urinárias de água e ele-
terais e reações adversas. trólitos (Na, Cl, K e Mg) sejam repostas, pois induzem hi-
Alguns hipertensos primários desenvolvem hipopotasse- povolemia que, por sua vez, condicionará maior reabsor-
mia após uso crônico de diuréticos de ação prolongada. Le- ção proximal de água e solutos (inclusive cálcio), o que se
vanta-se freqüentemente, com relação a eles, a suspeita di- contrapõe ao objetivo básico do tratamento. As doses de
agnóstica de hiperaldosteronismo primário. Para afastá-la ou furosemida intravenosa situam-se entre 40 e 80 mg, cada 2
confirmá-la, é recomendável a interrupção do tratamento e ou 3 horas.
a ingestão de dieta livre durante 10 a 14 dias; repete-se, en-
tão, a dosagem do potássio sérico e, adicionalmente, deter- SÍNDROME DE SECREÇÃO INADEQUADA DE
mina-se a taxa de sódio e potássio na urina de 24 horas. Se HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO
houver elevação ou normalização do potássio sérico e se, na Os diuréticos de alça podem ser usados em casos de
urina, o sódio for de, pelo menos, 100 mEq/dia e o potássio secreção inadequada de hormônio antidiurético, no senti-
menor que 30 mEq/dia, é quase certo que a hipopotassemia do de produzir um balanço negativo de água. Para um bom
se deva ao uso do diurético; se ela persistir e o potássio uri- resultado terapêutico, as perdas hidroeletrolíticas urinári-
nário for superior a 30 mEq/dia, deve-se prosseguir na in- as devem ser repostas sob forma de soluções hipertônicas.
vestigação sobre hiperaldosteronismo primário. As doses usuais são de 40-80 mg/dia ou 50-100 mg/dia, via
O VI Joint National Committee recomenda que, exceto oral, de furosemida ou ácido etacrínico, respectivamente.
quando haja indicações obrigatórias (“compelling”), o trata-
mento inicial da HAS deva ser feito com diuréticos e/ou
betabloqueadores. Outras diretrizes incluem: tratamento Outras Indicações e Vias de
individualizado; uso obrigatório de diuréticos em casos de Administração
HAS sistólica isolada e a associada a insuficiência cardíaca
congestiva; evitar doses altas em diabéticos, dislipidêmicos Os diuréticos têm tido seu uso proposto para o tratamen-
e gotosos; doses baixas podem ser usadas em diabéticos tipo to de várias patologias, além de suas indicações clássicas,
descritas acima: osteoporose pós-menopáusica (tiazidas ⫹
II e são benéficas para pacientes portadores de osteoporose.
vitamina D), por induzir balanço positivo de cálcio; doen-
ça de Ménière (tiazidas), pelo fato de reduzirem a perda
DIABETE INSÍPIDO NEFROGÊNICO, ACIDOSE neurossensorial progressiva da audição; asma brônquica
TUBULAR RENAL E HIPERCALCIÚRIA (furosemida), por uma ação “broncoprotetora” e preven-
IDIOPÁTICA tiva; síndrome de hiperestimulação ovariana grave (furo-
Nestas três patologias, os diuréticos de ação prolonga- semida), para tratamento de ascite. Além disso, a acetazo-
da têm sido usados devido à depleção de volume que acar- lamida, por sua ação vasodilatadora cerebral, tem sido
782 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

usada para avaliar o grau de reserva perfusional cerebral


Quadro 44.6 Diuréticos
de pacientes com oclusão da artéria carótida interna e ar-
térias regionais. Principais Efeitos Colaterais e Reações Adversas
Além das vias tradicionais (oral, intramuscular e intra-
Comuns a todos os diuréticos
venosa intermitente ou contínua), os diuréticos têm sido Boca seca, gosto desagradável, astenia, sonolência,
testados em inalações (furosemida), por via sublingual (fu- tonturas, cãibras, distúrbios gastrintestinais,
rosemida) e retal (bumetanida), com relativo sucesso. parestesias, hipertensão postural
A acetazolamida tem atualmente uso limitado, restrito Diuréticos de ação prolongada
aos seguintes casos: no glaucoma, em situações nas quais Hiponatremia, hipovolemia, hipopotassemia,
hipomagnesemia, hipofosfatemia, hipercalcemia,
seja útil a elevação do pH urinário (cistinúria, hiperuri- hiperglicemia, hiperazotemia, hiperuricemia,
cosúrias, intoxicações por salicilatos e fenobarbital) e nas hipercolesterolemia, hipertrigliceridemia, hiper-
alcaloses pós-hipercapnéica e pós-perdas de conteúdo reninemia, alcalose metabólica, disfunção hepática,
gástrico. icterícia, pancreatite, leucopenia, anemia,
trombocitopenia, púrpura, reações cutâneas de
Os organomercuriais estão hoje praticamente em desu-
hipersensibilidade, angiites necrosantes,
so. São tão natriuréticos quanto os diuréticos de alça, po- fotossensibilidade, nefrite intersticial aguda
rém menos espoliadores de potássio. Por esta peculiarida- Diuréticos de alça
de, teriam boa indicação em casos em que se requer diure- Mesmos que os de ação prolongada, exceto
se profusa e rápida, porém sem riscos de hipopotassemia, hipercalcemia
Ototoxicidade, alcalose metabólica hipoclorêmica
como em insuficiências cardíacas congestivas graves. Diuréticos poupadores de potássio
Espironolactona
Hirsutismo, distúrbios menstruais, ginecomastia,
hiperpotassemia, hiponatremia
EFEITOS COLATERAIS E Triamterene
REAÇÕES ADVERSAS Urolitíase, hiperpotassemia, hiponatremia,
hiperazotemia, dermatite, fotossensibilidade
Amilorida
Os diuréticos de ação prolongada e os de alça encon-
Hiperpotassemia, hiponatremia, hiperazotemia,
tram-se entre os fármacos mais úteis e seguros postos à dis- dermatite
posição do médico prático. Embora a listagem de seus pa-
raefeitos seja longa, a experiência clínica tem demonstra-
do que a grande maioria deles é de caráter leve a benigno.
Seria tedioso analisar todos os paraefeitos referidos no Embora causem hiperglicemia, os diuréticos não estão
Quadro 44.6. Por isso, serão feitos apenas comentários ge- contra-indicados em pacientes diabéticos. Raramente in-
rais sobre alguns tópicos de interesse clínico. duzem elevações importantes nas taxas de glicemia, em-
Os efeitos colaterais dependem, basicamente, da ação bora existam relatos de terem precipitado quadros de coma
diurética e incluem: distúrbios eletrolíticos, desequilíbri- hiperosmolar hiperglicêmico, não-cetótico. Quando pres-
os ácido-base, perturbações metabólicas, depleção do vo- critos cronicamente, exigem, via de regra, pequenos rea-
lume intravascular, diminuição do rendimento cardíaco e justes na dieta e/ou na posologia dos medicamentos anti-
hipoperfusão arterial periférica. As reações adversas, por diabéticos regularmente usados pelos pacientes.
outro lado, independem da ação diurética e decorrem de Os diuréticos causam hiperuricemia e podem precipi-
características do próprio paciente: pancreatite, pancito- tar, em indivíduos propensos, crises de gota. Nos gotosos
penia, reações cutâneas de hipersensibilidade, nefrite in- com função renal normal, é aconselhável o uso associado
tersticial aguda etc. de um uricosúrico toda vez que a uricemia atingir níveis
Os diuréticos devem ser usados com cautela em paci- de 8,0 mg% ou mais. Nos não-gotosos, o mesmo deve ser
entes geriátricos, os mais propensos aos paraefeitos, em feito quando as taxas forem de 10,0 mg% ou mais.
especial aos distúrbios hidroeletrolíticos; por isso, recomen- Com relação ao triamterene, duas observações podem
da-se o uso de diuréticos menos potentes e em doses me- ser relevantes para o clínico: não deve ser prescrito a
nores que as usuais. As recomendações feitas para os ido- urolitiásicos, pois existem evidências de que possui poten-
sos são também válidas para pacientes que habitam zonas cial litogênico; desaconselha-se, ainda, seu emprego asso-
de clima quente. ciado a tiazidas, pelo risco de causar nefrite intersticial
Deve-se evitar a prescrição de diuréticos de ação pro- aguda.
longada a portadores de síndromes hipercalcêmicas ou em
associação com vitamina D, pois, como mencionado ante- Interações com Outros Fármacos
riormente, eles reduzem a excreção urinária de cálcio.
Nestas circunstâncias, os de alça são mais indicados por Os diuréticos interagem com inúmeros fármacos. Em
aumentarem a calciúria. certas circunstâncias, tal fato pode ser usado com finalidade
capítulo 44 783

terapêutica, como ocorre, por exemplo, na associação com cifras tensionais dos anti-hipertensivos e anestésicos gerais.
drogas anti-hipertensivas; em outras, a interação resulta em Ampliam a eficácia dos bloqueadores neuromusculares.
aumento de toxicidade e/ou diminuição de eficácia. As Quando associados a drogas antiinflamatórias não-esterói-
principais interações medicamentosas dos diuréticos estão des, que reduzem a síntese de prostaglandinas, perdem
apresentadas no Quadro 44.7. parte do efeito natriurético e anti-hipertensivo; adicional-
mente, o efeito hiperglicemiante dos diuréticos pode ser
Pontos-chave: aumentado na concomitância destes diuréticos. Gota e to-
xicidade renal podem ocorrer com o uso concomitante de
• A interação dos diuréticos com inúmeros tiazídicos e ciclosporina.
fármacos pode ser usada com finalidades Os diuréticos de ação prolongada têm sua absorção in-
terapêuticas, como ocorre, por exemplo, na testinal diminuída quando usados simultaneamente com
associação com drogas anti-hipertensivas colestiramina; se usados com antiácidos e cálcio, podem
• Outras vezes a interação resulta em induzir hipercalcemias importantes.
aumento de toxicidade e/ou diminuição de
eficácia DIURÉTICOS DE ALÇA
A associação de furosemida ou ácido etacrínico com
aminoglicosídios e cefalosporinas resulta em aumento do
DIURÉTICOS DE AÇÃO PROLONGADA risco de nefro- e ototoxicidade. Os diuréticos de alça dimi-
Tais medicamentos aumentam a toxicidade do lítio, do nuem a depuração renal do lítio, elevando seus níveis sé-
alopurinol e dos digitálicos, bem como o efeito redutor de ricos e as possibilidades de efeitos tóxicos. Quando asso-
ciados a drogas antiinflamatórias não-esteróides, têm seus
efeitos natriuréticos e anti-hipertensivos reduzidos, e,
quando usados com hidrato de cloral, podem induzir ins-
Quadro 44.7 Principais interações medicamentosas
tabilidade vasomotora. O ácido etacrínico potencia a ação
dos diuréticos
dos anticoagulantes orais e, assim como a bumetamida,
Diuréticos Drogas com Potenciais pode ter o risco de ototoxicidade aumentado quando usa-
Interações do conjuntamente com outras drogas também ototóxicas,
De ação prolongada Alopurinol, antiácidos e tais como aminoglicosídeos e cisplatina.
cálcio, antidepressivos
tricíclicos, antiinflamatórios DIURÉTICOS POUPADORES DE POTÁSSIO
não-esteróides,
A associação a antiinflamatórios não-esteróides, inibi-
betabloqueadores,
bloqueadores dores da enzima de conversão da angiotensina e trimeto-
neuromusculares, prim pode levar à hiperpotassemia. A espironolactona
ciclopropano, ciclosporina, pode diminuir a excreção renal da furosemida e diminuir
colestiramina, o efeito inotrópico positivo da digoxina. Amilorida asso-
corticosteróides, diazóxido,
ciada à quinidina pode induzir arritmias graves; devendo
enflurano, estrógenos,
glicosídios cardiotônicos, ser evitada.
halotano, hipoglicemiantes,
isoflurano, lítio, óxido
nitroso.
De ação rápida Aminoglicosídeos,
RESISTÊNCIA E TOLERÂNCIA
antiinflamatórios não- AO USO DE DIURÉTICOS
esteróides, bloqueadores
neuromusculares, A resistência à terapêutica diurética pode decorrer de
cefalosporinas,
corticosteróides, éter, vários fatores, entre os quais cardiopatia, nefropatia e/ou
fenobarbital, fenitoína, hepatopatia graves, ingesta hidrossalina excessiva, poso-
glicosídios cardiotônicos, logia inadequada etc. Ocorre em pacientes gravemente hi-
halotano, isoflurano, lítio, poalbuminêmicos, em especial nefróticos; em portadores
óxido nitroso, salicilatos. de cirrose hepática, insuficiência cardíaca ou renal, devi-
Poupadores de K Antiinflamatórios não-
esteróides, bloqueadores do do a hipoperfusão renal ou a substâncias tais como ânions
receptor da angiotensina, orgânicos ou ácidos biliares que se acumulam na insufici-
ciclosporina, colestiramina, ência renal ou hepática, dificultando a secreção tubular dos
inibidores da enzima diuréticos; em casos de insuficiência renal terminal, nos
conversora da angiotensina, quais ocorre diminuição de nefrônios funcionantes. Outras
quinidina, salicilatos.
circunstâncias de má resposta são: aumento das taxas de
784 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

angiotensina II, aldosterona e/ou norepinefrina presentes comum nos casos em que se usam diuréticos de ação pro-
na insuficiência cardíaca e na cirrose hepática; hipertrofia longada e nos portadores de doenças edematosas; nestes,
tubular distal, secundária ao uso crônico de diuréticos de como se sabe, é freqüente a ocorrência de hiperaldostero-
alça, com reabsorção aumentada do sódio intraluminal. nismo secundário. Nos pacientes não-edematosos, como
A tolerância ao uso de diuréticos pode apresentar-se de regra, existe uma redução inferior a 10% no potássio total
duas formas: na primeira ela ocorre precocemente e se re- do organismo, nas primeiras semanas de diureticoterapia;
fere ao fato de que ocorre uma diminuição na resposta aos ocorre compensação espontânea, na maioria dos casos, nos
diuréticos após a primeira dose; este tipo de tolerância pode cinco a 12 meses subseqüentes de tratamento; mesmo as-
ser revertido pela reposição do volume perdido e propicia sim, cerca de 17% dos hipertensos primários que recebem
a proteção do volume intravascular; na segunda, com o uso diuréticos cronicamente apresentam potássio plasmático
crônico de diuréticos de alça predominantemente, ocorre igual ou inferior a 3,0 mEq/L.
hipertrofia tubular distal, secundária ao uso crônico de A hipopotassemia pode causar fraqueza e paralisias
diuréticos de alça, com reabsorção aumentada do sódio musculares, tubulopatia dutal, dislipidemia, intolerância
intraluminal nos segmentos distais e diminuição da diu- à glicose, aumento da toxicidade digitálica e arritmias ven-
rese. Os diuréticos tiazídicos bloqueiam os locais do néfron triculares. Mais recentemente, surgiram especulações
onde ocorre a hipertrofia e propiciam uma resposta aditi- quanto à sua influência na redução do efeito hipotensor dos
va ao uso dos diuréticos de alça. diuréticos. Estudos experimentais têm colocado em evidên-
As opções terapêuticas genéricas sugeridas para casos cia uma “ação anti-hipertensiva” do potássio via redução
de resistência aos diuréticos são as seguintes: repouso no de catecolaminas plasmáticas, ação vasodilatadora direta
leito (aumenta o fluxo sanguíneo renal), uso das doses ou diminuição da reatividade do sistema nervoso central.
máximas dos fármacos nos esquemas propostos, isolados A experiência clínica acumulada nos últimos anos indi-
ou em combinações, administrados antes das refeições ca ser dispensável a suplementação rotineira de potássio
(quando por via oral). em pacientes sob diureticoterapia. Constituem exceção os
casos sob terapêutica digitálica, os com alterações eletro-
cardiográficas e extra-sistolia supraventricular ou ventri-
Pontos-chave:
cular, os taquiarrítmicos, os com infarto miocárdico recen-
• A tolerância ao uso de diuréticos pode te, os suscetíveis a coma hepático e os com potassemia in-
apresentar-se precocemente após as ferior a 3,0 mEq/L.
primeiras doses. Esta pode ser revertida Quando indicada, a reposição pode ser feita por meio
pela reposição do volume intravascular de dieta, líquidos, xaropes, comprimidos ou drágeas. As
dietas são pouco práticas e as preparações citadas não es-
• Tardiamente a tolerância é devida ao uso
tão isentas de efeitos indesejáveis: os líquidos e xaropes têm
crônico de diuréticos de alça, levando à gosto não apreciado por importante parcela de pacientes,
hipertrofia tubular distal com reabsorção e as drágeas de liberação entérica podem não ser absorvi-
aumentada do sódio e diminuição da das ou causar, segundo alguns, ulcerações, estenoses, per-
diurese. Esta forma pode ser revertida pelo furações ou obstruções do intestino delgado. Outra manei-
uso associado de tiazídicos ra de tratar as hipopotassemias induzidas por diuréticos é
o uso associado de poupadores de potássio.
A prescrição indiscriminada de suplementação de po-
tássio e/ou de poupadores de potássio pode resultar em
CONTROVÉRSIAS NO USO DE elevações perigosas dos níveis plasmáticos de K, em espe-
DIURÉTICOS cial nos portadores de insuficiência renal e/ou diabete, nos
sob tratamento com betabloqueadores, indometacina ou
Nos últimos anos, inúmeros tópicos polêmicos têm sido captopril, e nos idosos (v. também Cap. 12).
levantados com relação ao uso clínico dos diuréticos. Dentre
eles, podem ser citados os seguintes: necessidade de reposi-
ção das perdas urinárias de potássio, diuréticos e/ou betablo- Diuréticos e/ou Betabloqueadores no
queadores no tratamento farmacológico inicial de casos de Tratamento Inicial das HAS Leves e
HAS leve ou moderada, prescrição em grávidas e em casos
de edema idiopático e diuréticos como causa de neoplasias.
Moderadas
Um número apreciável de ensaios terapêuticos rando-
mizados, controlados e de longa duração, com diuréticos
Reposição de Potássio
e betabloqueadores, tem demonstrado que ambos reduzem
Dentre os efeitos colaterais dos diuréticos, a hipopotas- as complicações clínicas cardiovasculares da HAS — ex-
semia é talvez o mais extensivamente discutido. É mais ceto aquelas decorrentes de cardiopatia isquêmica (angi-
capítulo 44 785

na, infarto e morte súbita) — e têm ação anti-hipertensiva • devem ser considerados como potencialmente peri-
equivalente. Demonstraram também que os dois grupos de gosos, tanto para as mães como para os fetos, levan-
fármacos causam alterações importantes nos lipídios plas- do-se em conta que hipovolemia é fator sempre pre-
máticos: os diuréticos elevam o colesterol, os triglicerídios sente na história natural das pré-eclâmpsias pro-
e as lipoproteínas de baixa ou muito baixa densidade, além gressivas, e que pode ser agravada pelo uso de
de diminuírem as lipoproteínas de alta densidade; os be- diuréticos.
tabloqueadores diferem apenas pelo fato de não elevarem
as taxas de colesterolemia. Adicionalmente, numerosos
estudos recentes, experimentais e alguns clínicos, têm de- Uso em Edema Idiopático
monstrado que diuréticos e betabloqueadores não possu- Parece que a opinião mais aceita é a de que devam ser
em efeitos benéficos específicos sobre anormalidades da evitados, pois apesar da melhora inicial que proporcionam,
microcirculação dos hipertensos (estrutura dos vasos e sua eficácia diminui com o uso crônico; sua suspensão in-
densidade da rede capilar), consideradas fatores básicos no duz fenômeno de rebote (v. também Cap. 10).
dano de órgãos-alvo como rins, coração e cérebro. Em con-
trapartida, outros estudos têm posto em evidência que os
novos anti-hipertensivos (bloqueadores dos canais de cál- Diuréticos e Câncer
cio, inibidores da ECA e antagonistas dos receptores de an-
A relação entre uso de diuréticos e ocorrência de câncer
giotensina II) possuem potencial considerável de melhora
vem sendo discutida nos últimos anos. As evidências acu-
das alterações de microcirculação, levantando por isso a
muladas sugerem que o uso crônico de diuréticos pode
possibilidade (a ser provada a longo prazo) de redução de
estar associado ao aparecimento de carcinoma de células
danos a órgãos-alvo e conseqüente queda da morbidade e
renais, especialmente em mulheres. Editoriais de impor-
da mortalidade de hipertensos.
tantes publicações médicas, mesmo reconhecendo a rele-
Os defensores do uso dos diuréticos mencionam, como
vância do problema, ponderam que se trata de uma possi-
argumento a seu favor, o baixo custo, a possibilidade de
bilidade cujas evidências atuais não estão isentas de críti-
dose única e a benignidade dos paraefeitos, todos
cas metodológicas. Assim sendo, acham que novos estu-
favorecedores da adesão do paciente ao tratamento. Os dos e pesquisas devem ser feitos, a longo prazo, para tes-
partidários dos betabloqueadores afirmam que, embora tar o que qualificam de “esta hipótese”.
mais caros e de uso mais seletivo, possuem vantagens so-
bre os diuréticos: têm ações inotrópica e cronotrópica ne-
gativas, bem como limitam as elevações da tensão arterial
durante esforço físico, o que resulta em ação “cardiopro- O FUTURO
tetora”; não induzem hipopotassemia, reduzem as taxas
Numa visão panorâmica do progresso farmacológico
plasmáticas de renina e são antiarrítmicos.
ocorrido nos últimos anos, percebe-se que as novidades na
Tem-se afirmado que o uso de diuréticos aumenta a
área dos diuréticos foram escassas se comparadas, por
ocorrência de extra-sistolia. Estudos usando monitorização
exemplo, com as dos fármacos psicoativos, dos anti-hiper-
com Holter, em pacientes hipopotassêmicos sob diuretico-
tensivos não-diuréticos, dos antiinflamatórios, dos imunos-
terapia, mostraram que a freqüência de extra-sístoles su-
supressores etc. Mesmo assim, alguns aspectos de interes-
praventriculares e ventriculares não se modifica após re-
se para o futuro podem ser mencionados:
posição das perdas de potássio.
• Estudos em animais e humanos demonstraram que
o bloqueio dos receptores de adenosina A1 induz
Uso em Grávidas diurese rápida com efeitos mínimos sobre o metabo-
lismo do potássio; tal fato decorreria da inibição da
Existem publicações que afirmam que o número de na-
adenilciclase dos receptores A1 no túbulo proximal
timortos e a taxa de mortalidade perinatal são maiores nas
com conseqüente aumento do AMP cíclico e diminui-
grávidas que fazem uso de diuréticos. Tais publicações, no
ção do co-transportador Na⫹-HCO3⫺.
entanto, incluem, em sua maior parte, relato de casos ou
• Os canais de água dos túbulos proximais (Aquaporin
estudos não-controlados. Uma revisão recente de estudos
1) e dos ductos coletores (Aquaporin 2, 3 e 4) já foram
randomizados sobre o assunto, observadas mais de 10.000
clonados. Quando se dispuser de inibidores específi-
mulheres, permite as seguintes conclusões sobre os diuré-
cos de aquaporinas, haverá a possibilidade de indu-
ticos:
zir diurese via redução da reabsorção de sódio nos
• não influem na mortalidade perinatal; túbulos proximais e de água nos ductos coletores.
• reduzem a incidência de pré-eclâmpsia somente na- • Os canais apicais de potássio (ROMK) estão sendo
queles estudos em que o edema foi incluído como alvos moleculares para o desenvolvimento de fárma-
critério diagnóstico; cos poupadores de potássio.
786 Diuréticos. Mecanismos de Ação e Uso Clínico

• Ao longo dos últimos dez anos, na área dos anti-hi- GREGER, R.; LOHRMANN, E.; SCHLATTER, E. Action of diuretics at
the cellular level. Clinical Nephrology, 38 (suppl):S64–S68, 1992.
pertensivos, parece estar ocorrendo uma tendência
GROSSMAN, E.; MESSERLI, F.H. e GOLDBOURT, U. Does diuretic the-
no sentido de um menor uso de diuréticos, betablo- rapy increase the risk of renal cell carcinoma? Am. J. Cardiol. 83:1090-
queadores e bloqueadores dos canais de cálcio e uma 1093, 1999.
maior prescrição de inibidores da ECA e de antago- HUMPHREYS, M.H. Mechanisms and management of nephrotic edema.
Kidney Int., 45:266–81, 1994.
nistas dos receptores de AII, em especial em pacien-
LEVI, B.I.; AMBROSIO, G.; PRIES, A.R. et al. Microcirculation in hyper-
tes geriátricos. Tal tendência, multifatorial, parece tension: a new target for treatment? Circulation, 104:735-740, 2002.
contrariar evidências claras, farmacoeconômicas, que MANSON, L. Future goals for the treatment of hypertension in the el-
favorecem o uso dos diuréticos. derly with reference to STOP-Hypertension, SHEP and the MRC trial
in older adults. Am. J. Hypertens., 6:40S–43S, 1993.
ONDER, G.; GAMBASSI, G.; LANDI, F. et al. Trends in antihypertensive
drugs in the elderly: the decline of thiazides. J. Hum. Hypertension,
BIBLIOGRAFIA SELECIONADA 15:291-297, 2001.
REYES, A.J.; LEARY, W.P. Clinicopharmacological reappraisal of the
potency of diuretics. Cardiovasc. Drugs Ther., 71(suppl 1):23–28, 1993.
BRATER, D.C. Diuretic therapy. N. E. J. Med., 339:387-395, 1998. ROHDES, K. Diuretics in clinical practice. The Practitioner, 237:49–52, 1993.
BRATER, D.C. Resistance to diuretics: mechanisms and clinical ROSE, B.D. Diuretics. Kidney Int., 39:336–52, 1991.
implications. Adv. Nephrol. Necker Hosp., 22:349–69, 1993.
FAGARD, R.; BIELEN, E.; STAESSEN, J.; THISS, L.; AMERY, A. Respon-
se of ambulatory blood pressure to antihypertensive therapy guided ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
by clinic pressure. Am. J. Hypertens., 6:648–53, 1993. Hypertension, Dialysis, and Clinical Nephrology; Renal
FLISER, D.; ZURBRUGGEN, I.; MUTSCHLER, E. et al. Coadministration
Disease Electronic Journal.
of albumin and furosemide in patients with the nephrotic syndrome.
Kidney Int., 55:629-634, 1999. http://www.hdcn.com/
GIEBISCH, C. Diuretic action of potassium channel blockers. Eur. J. Clin. UptoDate.
Pharmacol., 44(suppl 1):S3-S5, 1993. http://www.uptodate.com
Capítulo
Drogas Anti-hipertensivas
45 Abrahão Salomão e Lúcio Silva

INTRODUÇÃO ANTAGONISTAS DO CÁLCIO


BLOQUEADORES DOS RECEPTORES ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES DA ANGIOTENSINA II
BETA-ADRENÉRGICOS VASODILATADORES DE AÇÃO DIRETA
AGENTES ANTIADRENÉRGICOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INIBIDORES DA ECA ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

Tentando atingir este objetivo, os diversos agentes anti-


INTRODUÇÃO hipertensivos disponíveis serão classificados de acordo
com suas propriedades farmacológicas (Quadro 45.1).
Em 1945, no balneário russo de Yalta, o presidente ame-
No Cap. 44 desta edição já se abordou o primeiro des-
ricano Franklin Delano Roosevelt negociou, com Joseph
ses grupos, o dos diuréticos.
Stalin e Winston Churchil, o futuro da Europa depois da
Segunda Guerra Mundial. Sua pressão arterial era de 230/
130 mmHg. Não havia, na época, drogas disponíveis para
tratar hipertensão de tal magnitude. Dois meses depois, ele Quadro 45.1 Classes de drogas anti-hipertensivas
morria de hemorragia cerebral.
Atualmente, existem mais de 60 drogas, com mecanis- Diuréticos
mos definidos de ação, disponíveis para tais tratamentos. Bloqueadores beta-adrenérgicos
É óbvio que o médico se tornou mais hábil para controlar Agentes antiadrenérgicos de ação central e periférica
Inibidores da ECA
esta enfermidade, mas é difícil que se lembre, sem vacilar, Bloqueadores dos receptores da angiotensina II
do nome químico, do nome comercial, das diversas formu- Antagonistas dos canais de cálcio
lações de cada produto, do seu preço e, principalmente, dos Vasodilatadores diretos
seus efeitos colaterais e de suas precisas indicações. Preste
atenção e tente lembrar-se de quantos produtos existem no
mercando usando, por exemplo, enalapril (um dos mais
utilizados anti-hipertensivos do mundo, só para simplifi- BLOQUEADORES DOS
car o desafio), quais são as suas apresentações, se há dife-
renças expressivas de preço entre os diversos fabricantes,
RECEPTORES
quais as situações ideais em que se deve usá-lo, e que efei- BETA-ADRENÉRGICOS
tos colaterais mais indesejáveis pode causar.
Convenhamos, se o expositor conseguir ordenar todos Os inibidores adrenérgicos, ou bloqueadores beta-adre-
esses aspectos, poderia simplificar o receituário destinado nérgicos, englobam drogas que inibem os efeitos das cate-
a este significativo grupo de pacientes, os que padecem colaminas via beta-receptores. São drogas que se antepõem
dessa “epidemia” nos léxicos denominada hipertensão aos efeitos inotrópicos e cronotrópicos positivos da epine-
arterial. frina e norepinefrina.
788 Drogas Anti-hipertensivas

Diversos beta-bloqueadores, como o atenolol e o meto- barreira hematoencefálica, o que pode provocar insônia e
prolol, são denominados cardiosseletivos. Isto equivale a mudanças de temperamento. O propranolol e o timolol são
dizer que só bloqueiam os receptores do tipo beta-1, não drogas com este perfil.
inibindo, em doses baixas, os receptores vasculares e tra- O metoprolol pode reduzir a morbidade e a mortalida-
queais, do tipo beta-2. Esta cardiosseletividade é irrelevante de após o infarto do miocárdio.
quanto à eficácia anti-hipertensiva, mas tem importância Tem sido proposto também que os inibidores da ativi-
quando se consideram efeitos colaterais. Diminuem o dé- dade simpática, se comparados aos inibidores da ECA,
bito cardíaco e a atividade de renina plasmática (ARP); podem levar à redução na qualidade de vida do paciente,
aumentam a resistência vascular sistêmica (RVS). Não se com o aparecimento de fadiga, depressão ou redução na
deve postular que possam ser usados nos asmáticos de capacidade de exercícios,24 proposição não confirmada por
modo irrestrito, visto que podem intensificar as crises. outros estudos.
Os bloqueadores beta não-seletivos e os beta-1-seletivos Outro critério que individualiza alguns beta-bloqueado-
apresentam efeitos metabólicos adversos, como modera- res é a ”atividade simpatomimética intrínseca” (ASI) (Qua-
da elevação na glicose plasmática, aumento na resistência dro 45.3). Os que a possuem exercem atividade agonista
à insulina, redução na fração HDL do colesterol e eleva- parcial, estimulando beta-receptores. Portanto, é menor a
ção nos triglicérides.22,23 queda do débito cardíaco, da freqüência cardíaca e dos
Alguns beta-bloqueadores são lipossolúveis, permitin- níveis de renina, e há uma conseqüente queda na resistên-
do rápido metabolismo hepático e maior penetração na cia vascular periférica. Pindolol e oxprenolol poderiam ser
prescritos a pacientes que necessitem terapia beta-bloque-
adora mas que são bradicárdicos, portadores de disfunção
Quadro 45.2 Bloqueadores ␤-adrenérgicos sistólica ou de vasculopatia periférica.
Os beta-bloqueadores podem ser utilizados como dro-
␤-BLOQUEADORES gas de primeira linha na terapêutica anti-hipertensiva prin-
CARDIOSSELETIVOS cipalmente nos seguintes tipos de pacientes: com infarto
ATENOLOL do miocárdio anterior, taquicardia de repouso (normal-
BETAXOLOL
METOPROLOL
mente refletindo um aumento na atividade adrenérgica),
NÃO-CARDIOSSELETIVOS insuficiência cardíaca congestiva por disfunção diastólica
NADOLOL e em alguns casos de disfunção sistólica, enxaqueca, glau-
PROPRANOLOL coma,25 nos portadores de miocardiopatia hipertrófica, nos
TIMOLOL que têm ARP elevada, nos que possuem arritmias e nos
COM ATIVIDADE SIMPATOMIMÉTICA
portadores de transtorno de ansiedade.
INTRÍNSECA
ACEBUTOLOL Não deveriam ser prescritos aos deprimidos, bradicár-
CARTEOLOL dicos, havendo bloqueio AV de 2.º e 3.º graus, na presença
PENBUTOLOL de doenças pulmonares obstrutivas, ou de doença arterial
PINDOLOL obstrutiva periférica.
␣ e ␤-BLOQUEADORES
LABETALOL
Os antiinflamatórios não-esteróides podem reduzir o
efeito anti-hipertensivo dos beta-bloqueadores. A cimeti-

Quadro 45.3 Características dos principais bloqueadores beta-adrenérgicos disponíveis no Brasil

Agente Dose (adulto) ASI** Beta-1-seletividade Meia-vida plasmática


Atenolol 50–100 mg/dia ⫺ ⫹ 6a8h
Metoprolol 50–100 mg BID ⫺ ⫹ 3a4h
Betaxolol 10–40 mg/dia ⫺ ⫹ 16 a 20 h
Nadolol 40–320 mg/dia ⫺ ⫺ 14 a 18 h
Propranolol 40–160 mg BID ⫺ ⫺ 3a5h
Timolol 10–60 mg/dia ⫺ ⫺ 4h
Acebutolol 400–1.200 mg/dia ⫹ ⫹ 3a4h
Carteolol 2,5–10 mg/dia ⫹ ⫺ 5a6h
Penbutolol 20–80 mg/dia ⫹ ⫺ 20 h
Pindolol 5–20 mg BID ⫹ ⫺ 3a4h
Carvedilol* 12,5–50 mg/dia ⫺ ⫺ 4a7h
*Bloqueio de receptores alfa- e beta-adrenérgicos.
**ASI: atividade simpatomimética intrínseca.
capítulo 45 789

dina pode elevar seus níveis séricos e o fenobarbital pode um paciente real para quem tais produtos são considera-
reduzi-los. dos adequados: adulto do sexo masculino, com PA 180/
O bloqueio dos adrenorreceptores beta-2 pode ocasio- 100 mmHg, freqüência cardíaca de 100 bpm, branco. Não
nar redução na glicogenólise muscular e predispor hipo- é portador de diabetes, não tem dislipidemia. É calmo e
glicemia nos diabéticos insulino-dependentes, nos urêmi- dorme bem. Nunca teve asma nem outras doenças pulmo-
cos desnutridos, ou nos pacientes com insuficiência hepá- nares. A função renal é normal.
tica. Além disso, podem mascarar os sintomas da hipogli- Não se aconselharia, porém, o uso destas drogas neste
cemia, retardando, assim, intervenções terapêuticas apli- outro paciente: adulto do sexo feminino, com 60 anos, com
cáveis para corrigi-la. PA 230/120 mmHg, freqüência cardíaca de 68 bpm, negra.
O relatório do VI Joint National Committee endossa, Longa história de diabetes e níveis glicêmicos muito flu-
novamente, o uso dos diuréticos e beta-bloqueadores como tuantes. Função renal rebaixada (sem, porém, atingir níveis
agentes de primeira linha na terapêutica da hipertensão, de diálise), desnutrida, pulsos periféricos com amplitude
pela sua reconhecida eficácia em reduzir a incidência de reduzida e disfunção sistólica incipiente.
acidente vascular cerebral, insuficiência cardíaca conges-
tiva e, em menor extensão, eventos cardíacos isquêmicos.
Existe atualmente uma nova classe de beta-bloqueado-
res, a do Carvedilol, que tem atividade beta-bloqueadora
AGENTES ANTIADRENÉRGICOS
não-seletiva associada a bloqueio dos receptores alfa. Esta
Este grupo de drogas, em conjunto, é muito usado no
classe de medicamentos pode ser usada no tratamento de
tratamento da hipertensão.
hipertensão, nas formas leves a moderadas de insuficiên-
O mecanismo de ação dos agentes de atuação central se
cia cardíaca congestiva (NYHA Class 2-3) em algumas for-
dá pelo estímulo dos receptores alfa-2-adrenérgicos no tron-
mas de angina e nas arritmias.
co encefálico, provocando inibição da atividade simpática
Para encerrar a abordagem dos beta-bloqueadores como
eferente. Pertencem a esse grupo: alfa-metildopa, clonidina,
drogas benéficas para o tratamento da hipertensão, cita-se
guanabenz e guanfacina. Estas drogas provocam redução
na RVS (resistência vascular sistêmica) e não têm efeitos
adversos sobre o metabolismo de lípides e carboidratos.
Pontos-chave:
Entretanto, não são bem tolerados: causam sedação, boca
• Beta-bloqueadores cardiosseletivos: só seca, hipotensão postural e prejudicam a atividade sexual.
bloqueiam os receptores do tipo beta-1, não Sua retirada intempestiva pode causar crises hipertensivas.
inibindo, em doses baixas, os receptores A alfa-metildopa pode causar hepatite crônica ativa. O uso
vasculares e traqueais, do tipo beta-2. Esta corrente destas drogas é relativamente limitado, particular-
mente como terapêutica de primeira linha, devido à incidên-
cardiosseletividade é irrelevante quanto à
cia relativamente alta desses efeitos colaterais.
eficácia anti-hipertensiva, mas tem
A clonidina tem ação mais rápida e é eleita por muitos,
importância quando se consideram efeitos na dose oral de 0,3 mg, quando se precisa de redução ur-
colaterais gente dos níveis pressóricos. A alfa-metildopa tornou-se
• Os bloqueadores beta não-seletivos e os
beta-1-seletivos apresentam efeitos
metabólicos adversos, como moderada
Quadro 45.4 Agentes antiadrenérgicos de ação
elevação na glicose plasmática, aumento na
central e periférica
resistência à insulina, redução na fração
HDL do colesterol e elevação nos ATUAÇÃO CENTRAL
triglicérides ␣-Metildopa
Clonidina
• Outro critério que individualiza alguns Guanabenz
beta-bloqueadores é a ”atividade Guanfacina
simpatomimética intrínseca”
ATUAÇÃO PERIFÉRICA
• Beta-bloqueadores não deveriam ser Guanadrel
prescritos aos deprimidos, bradicárdicos, Guanetidina
havendo bloqueio AV de 2.º e 3.º graus, na Reserpina
presença de doenças pulmonares BLOQUEADORES DOS RECEPTORES ␣1
obstrutivas, ou de doença arterial obstrutiva Doxazosin
periférica Prazosin
Terazosin
790 Drogas Anti-hipertensivas

agente de escolha na gravidez, por sua apregoada ausência Apesar do surgimento de novas classes de drogas anti-
de efeitos fetais adversos. Porém, as pacientes podem desen- hipertensivas, os simpaticolíticos de ação central perma-
volver teste direto de Coombs positivo, embora só ocorra necem como um grupo de medicamentos de valor no tra-
hemólise clinicamente aparente em proporção mínima. tamento da hipertensão. Entre suas qualidades estão: sua
eficácia, suas relativamente limitadas contra-indicações,
ausência da maioria dos efeitos colaterais metabólicos gra-
Pontos-chave:
ves; seus efeitos hemodinâmicos favoráveis; seu custo re-
Agentes antiadrenérgicos lativamente baixo, sua capacidade em reverter hipertrofia
• Provocam redução na RVS (resistência ventricular esquerda e sua utilização adequada no idoso,
vascular sistêmica) e não têm efeitos na hipertensão sistólica isolada e em pacientes com várias
adversos sobre o metabolismo de lípides e condições concomitantes, como o diabetes mellitus.26
Rilmenidina e moxonidina são bloqueadores simpáticos
carboidratos
com características peculiares. São compostos oxazolínicos,
• Causam sedação, boca seca, hipotensão
com maior seletividade aos receptores imidazolínicos I1 do
postural e prejudicam a atividade sexual. que aos receptores ␣-2-adrenérgicos, distinguindo-se dos
Sua retirada intempestiva pode causar agonistas ␣-2 de referência.
crises hipertensivas Os agentes antiadrenérgicos de atuação periférica são
• Uso corrente dessas drogas é relativamente pouco utilizados. A guanetidina inibe a liberação de nora-
limitado, particularmente como terapêutica drenalina das terminações nervosas simpáticas. Freqüen-
de primeira linha, devido à incidência temente, provoca hipotensão ortostática e até lipotímia;
relativamente alta desses efeitos colaterais igualmente incômoda é a disfunção sexual. Sua ação é
• A alfa-metildopa tornou-se agente de muito mais pronunciada que a da reserpina. O início de
escolha na gravidez, por sua apregoada ação pode ocorrer em poucas horas, mas pode levar até três
dias para se completar. Tem prolongada duração de ação;
ausência de efeitos fetais adversos
seus efeitos podem persistir por uma semana, uma vez
interrompida. Este tempo pode ser mais prolongado com
Ressalte-se que são drogas de moderada intensidade de a reserpina. No glaucoma, reduz a pressão intra-ocular.
ação, atuando tanto em hipertensos jovens quanto nos mais Aumenta a motilidade gastrointestinal, por depleção de
idosos. Nestes últimos, a sedação que ocasionam deve ser serotonina. Se associada a inibidores da MAO, forma uma
sempre lembrada, ao se prescrevê-las, evitando utilizá-las combinação potencialmente letal. Aumenta a resposta
em indivíduos que desempenhem atividades que exijam pressora de simpatomiméticos de ação direta. Doses supe-
atenção e estado de vigília. riores a 50 mg exigem muita cautela, mas podem ser to-

Quadro 45.5 Características dos principais agentes antiadrenérgicos de ação central e periférica

Ação central
Droga Dose (dia) Número de tomadas
Alfa-metildopa 250–1.500 mg 2
Clonidina 0,1–0,6 mg 2
Guanabenz 4–64 mg 2
Guanfacina 1–3 mg 1
Rilmenidina 1–2 mg 1–2
Moxonidina 200–600 mg 1
Ação periférica
Droga Dose (dia) Número de tomadas
Guanadrel 20–75 mg 2 ou mais
Guanetidina 20–50 mg 1
Reserpina 250–500 µg 1
Bloqueadores dos receptores alfa-1
Droga Dose (dia) Número de tomadas
Prazosin 2–20 mg 2
Terazosin 1–20 mg 1
Doxazosin 2–16 mg 1
Bloqueador dos receptores alfa-1 e agonista serotoninérgico
Droga Dose (dia) Número de tomadas
Urapidil 60–80 mg 2
capítulo 45 791

madas uma vez por dia. Se já é pouco utilizada, a reserpi-


na pode ser ignorada. INIBIDORES DA ECA
O urapidil é uma droga de ação dupla: bloqueia recep-
Os efeitos da angiotensina II no rim incluem a modula-
tores periféricos alfa-1-adrenérgicos e tem outra ação, cen-
ção do fluxo sangüíneo, da taxa de filtração glomerular, da
tral: estimula receptores serotoninérgicos no sistema ner-
reabsorção tubular de sódio e água e, finalmente, a inibi-
voso central, diminuindo a atividade simpática. É bem
ção da liberação de renina. Na cortical da adrenal estimu-
tolerado em doses a partir de 30 mg duas vezes ao dia.
la a biossíntese de aldosterona pela zona glomerulosa. No
Os bloqueadores alfa-1-seletivos (prazosin, terazosin e
sistema nervoso central, o peptídeo age mediando uma
doxazosin) representam a única classe de agentes anti-hiper-
resposta pressora direta, aumentando a atividade simpá-
tensivos que podem ter o efeito combinado de reduzir o LDL-
tica aferente, tem um efeito dipsogênico e estimula a se-
colesterol, aumentar os níveis de HDL-colesterol e melhorar
creção de vasopressina e ACTH. Atua ainda no sistema
a sensibilidade à insulina. Estão, entretanto, associados a al-
nervoso autônomo periférico (em nível ganglionar) e faci-
guns efeitos colaterais desagradáveis, como vertigens (rara-
lita a liberação de catecolaminas.10
mente síncope), cefaléia e fraqueza.27 Estes agentes podem
O efeito dos inibidores da enzima de conversão da an-
desencadear o chamado “efeito de primeira dose”, 30 a 90
giotensina (IECA) na função renal e no paciente hiperten-
minutos após a administração oral, razão de se prescrever a
so está relacionado tanto às ações da angiotensina II quan-
primeira dose em ingestão noturna, com o paciente já deita-
to ao mecanismo de auto-regulação da taxa de filtração
do. Em estudos multicêntricos, são drogas úteis, de média
glomerular.28 Os IECA bloqueiam a conversão da angio-
eficácia, atuando em qualquer raça ou faixa etária. Notada-
tensina I (AI) em angiotensina II (AII). O declínio da pres-
mente, o doxazosin pode melhorar a resistência periférica à
são arterial deve-se, portanto, à redução da formação de
insulina, no hipertenso com diabetes não-insulino-dependen-
angiotensina II. A enzima conversora da angiotensina é
te, talvez por aumentar o fluxo sangüíneo periférico aos mús-
também uma cininase, e sua inibição pode levar a um au-
culos esqueléticos; pode também interferir com a produção
mento nos níveis de cininas (bradicininas, p. ex.). Isto pode
hepática de glicose. A titulagem da dose efetiva pode ser exaus-
contribuir para a resposta hipotensora, tanto por vasodi-
tiva, mas reduções são desnecessárias na insuficiência renal.
latação direta quanto por aumento na produção de pros-
Não reduzem o débito nem a freqüência cardíaca.
taglandinas vasodilatadoras.
Os bloqueadores alfa-1 não devem ser usados como anti-
Os IECA produzem redução da concentração de aldos-
hipertensivos de primeira linha. Uma exceção seria um
terona e da resistência vascular sistêmica (RVS) e não atu-
homem idoso com hiperplasia prostática benigna, em que
am sobre o débito cardíaco.
um bloqueador alfa-1 pode levar a uma melhora nos sin-
A elevação plasmática de potássio é o maior estímulo
tomas urológicos.
para a liberação de aldosterona. A ação inibitória dos IECA
Eis o perfil de um paciente a quem a droga poderia ser
sobre a produção de aldosterona pode levar ao risco de
recomendada isoladamente ou em combinação: adulto jo-
hipercalemia, se estas drogas forem utilizadas nos renais
vem, levemente obeso, diabético controlado com dieta e
crônicos ou nos portadores de hipoparatireoidismo, ou se
sulfonamida, pardo, sem disautonomia, operador de má-
associadas a diuréticos poupadores de potássio, bem como
quinas pesadas, com PA 170/105 mmHg, com colesterol
a antiinflamatórios não-esteróides.29
total e fração LDL elevados, creatinina sérica de 2 mg/dl.
Entre seus principais efeitos colaterais estão aqueles
relacionados direta ou indiretamente à redução na forma-
Pontos-chave: ção da angiotensina II: hipotensão, insuficiência renal agu-
da, hipercalemia e problemas durante a gravidez. Outras
Simpaticolíticos — qualidades complicações estariam relacionadas ao aumento nas cini-
• Eficácia nas: tosse, edema angioneurótico e reações anafilactóides.30
• Limitadas contra-indicações As alterações hemodinâmicas que produzem dentro dos
• Ausência da maioria dos efeitos colaterais capilares glomerulares causam insuficiência renal aguda ou
metabólicos graves
• Efeitos hemodinâmicos favoráveis
• Custo relativamente baixo
• Capacidade em reverter hipertrofia Quadro 45.6 Os agentes que bloqueiam a enzima
conversora de angiotensina
ventricular esquerda
• Utilização adequada no idoso, na BENAZEPRIL FOSINOPRIL
hipertensão sistólica isolada e em pacientes CAPTOPRIL RAMIPRIL
CILAZAPRIL LISINOPRIL
com várias condições concomitantes, como ENALAPRIL QUINAPRIL
o diabetes mellitus SPIRAPRIL PERINDOPRIL
792 Drogas Anti-hipertensivas

agravam a insuficiência renal crônica nos pacientes com Um aspecto muito importante deste grupo de drogas é
estenose bilateral de artérias renais, estenose arterial em rim o potencial de redução da microalbuminúria e da protei-
único e havendo grave insuficiência cardíaca congestiva. núria nos diabéticos, numa gama de glomerulonefrites e
Os inibidores da ECA que contêm grupamento carbo- na hipertensão essencial. Estudos multicêntricos têm dado
xila (enalapril, benazepril) são pré-drogas, ou seja, são con- suporte a tal afirmativa. O estudo REIN (Ramipril Effica-
vertidas in vivo no metabólito ativo. A exceção é o lisino- cy in Nephropathy) mostrou efeitos positivos do ramipril
pril, que tem, entretanto, baixa disponibilidade oral. Ou- na redução da taxa de progressão da insuficiência renal e
tra classe dos inibidores da ECA é a dos que contêm gru- da necessidade de diálise em pacientes com glomerulone-
pamentos fosforila (fosinopril). Estes não se acumulam em frite crônica não-diabética.32 O estudo HOPE (Heart Outco-
vigência de insuficiência renal, sendo parcialmente elimi- mes Prevention Evaluation), que avaliou pacientes de alto
nados pelo fígado. Concorda-se que sejam mais eficazes risco portadores de coronariopatias, doenças vasculares,
nos hipertensos com atividade de renina plasmática (APR) diabetes e insuficiência renal, demonstrou redução na in-
elevada, embora possam também diminuir efetivamente cidência de eventos cardiovasculares com o ramipril.34 O
a PA em pacientes com APR reduzida. estudo com benazepril mostrou importante redução na
A população de idosos hipertensos pode beneficiar-se proteinúria, nos níveis pressóricos e na progressão para
dos inibidores da ECA, sempre tendo-se em conta que, doença renal terminal.35
neste grupamento, a simples determinação de creatinina Ignora-se se a redução da microalbuminúria na hiper-
pode não retratar a real função renal (em termos de filtra- tensão essencial prenuncia redução de risco de progresso
ção glomerular): eles têm massa muscular total reduzida da doença renal. Na glomerulonefrite diabética tal dúvida
e, portanto, geram menos creatinina. Podem, assim, ser não parece existir. A hipertensão é claramente um marca-
portadores de insuficiência renal com níveis normais de dor de doença cardiovascular, renal e oftálmica nos diabé-
creatinina. ticos. Em alguns diabéticos, a microalbuminúria é consi-
Os inibidores da ECA não alteram de modo significati- derada um marcador de nefropatia; revertê-la com inibi-
vo os níveis plasmáticos de lipídios. Também são reduzi- dor da ECA parece justificado, ainda que o paciente seja
dos alguns efeitos indesejáveis comuns a outros anti-hiper- normotenso e que não possa ser dito que “o inibidor da
tensivos, como hipotensão postural, cansaço e disfunção ECA é renoprotetor pelo controle pressórico”.
sexual. Pelo que se sabe até a presente data, os inibidores da ECA
Estudos recentes sugerem uma intrigante relação entre não conseguiram evitar que novos casos de insuficiência
o sistema renina-angiotensina e a resposta antiproteinúri- renal terminal continuassem a ocorrer, apesar da redução
ca à inibição da ECA. Pacientes com polimorfismo DD nas taxas de progressão da doença renal conseguida com
(deletion/deletion) do gene da enzima conversora da angio- estes medicamentos. A progressão da nefropatia foi atenu-
tensina parecem apresentar progressão mais rápida para ada com inibidores da ECA em um grupo comparado com
doença renal e também melhor resposta antiproteinúrica outro que recebeu anti-hipertensivos convencionais.
aos inibidores da ECA. Por outro lado, a excreção de pro- A A II é capaz de aumentar a síntese protéica, induzin-
teína tende a permanecer estável após inibição da ECA do proto-oncogênese e estimulando gens de fatores de cres-
naqueles pacientes com polimorfismo ID (insertion/deletion) cimento. São tantos hoje os fatores estimulantes de cresci-
ou genótipo II (insertion/insertion). A inibição da ECA es- mento de células musculares lisas que não se sabe exata-
taria associada a menor redução na taxa de filtração glo- mente a primazia que a A II ocupa entre eles. Não obstan-
merular e a retardo da progressão para doença renal ter- te, especula-se muito sobre o benefício de se inibir a A II
minal em homens (mas não em mulheres) com genótipo por tais razões.
DD. No entanto, não foram observados efeitos benéficos O uso dos inibidores da ECA tornou-se recomendado
em homens com genótipo ID ou II.31 pelo VI Joint National Committee para o tratamento da

Quadro 45.7 Características dos principais inibidores da ECA

Droga Início de ação Duração Excreção Dose diária máxima


Benazepril 30 min 24 h Renal/hepática 30 mg
Captopril <30 min 6h Renal ⬍150 mg
Cilazapril 60 min 24 h Renal 5 mg
Enalapril 60 min Até 24 h Renal 30 mg
Fonisopril 60-120 min 24 h Renal/hepática 30 mg
Lisinopril 120 min 24-36 h Renal 30 mg
Ramipril 60-120 min 24 h Renal 20 mg
Perindopril 60 min 24 h Renal 8 mg
capítulo 45 793

nefropatia diabética, da disfunção sistólica e, associados a


diuréticos, na insuficiência cardíaca congestiva.36 ANTAGONISTAS DO CÁLCIO
Podem ser prescritos como monoterapia, com controle
pressórico em torno de 40% dos casos, preferencialmente O cálcio intracelular é muito importante no sistema car-
em indivíduos da raça branca. diovascular, regulando a mecânica excitação-contração, a
Em alguns casos, a tosse se torna um fator limitante ao atividade do marcapasso cardíaco e a condução átrio-ven-
uso dos inibidores da ECA. Ela é atribuída à hiper-reativi- tricular. Regula a secreção de diversos hormônios presso-
dade brônquica, ao acúmulo de cininas, substância P, trom- res ou depressores, como catecolaminas, renina, aldoste-
boxane ou prostaglandinas. Curiosamente, o seu uso em rona e prostaglandinas.
asmáticos com acentuada hiper-reatividade a histamina e O fluxo de cálcio do espaço extracelular (EC) para o in-
bradicinina não produziu tosse ou broncoespasmo. tracelular (IC) é regulado por diversos canais de membra-
Os inibidores da ECA não são anti-hipertensivos muito na. Os antagonistas dos canais de cálcio (ACC) inibem a
potentes, embora o seu efeito se acentue em vigência de entrada do íon primariamente nos canais que dependem
dieta hipossódica ou em associação com diuréticos e anta- de voltagem e, em menor escala, nos canais operados por
gonistas de canais de cálcio. São usados em ambos os se- receptores adrenérgicos que estão ao seu redor.
xos, em qualquer idade, sendo menos eficientes em negros. A contração muscular depende do aporte de cálcio ao
Não são recomendados em mulheres grávidas. compartimento IC: ou migrando do compartimento EC
pelos canais lentos (responsáveis pela contratilidade do
miocárdio e do músculo liso vascular, alterando também
Pontos-chave: a condução elétrica e a excitabilidade das células do mar-
• Os IECA bloqueiam a conversão da capasso), ou sendo liberado do retículo citoplasmático.
Com a elevação da concentração IC, o cálcio se liga à
angiotensina I (AI) em angiotensina II (AII),
calmodulina, aproxima as fibras contráteis e, com isto,
reduzindo a pressão arterial desencadeia a contração muscular.
• A enzima conversora da angiotensina é Os antagonistas do cálcio inibem a entrada do cálcio
também uma cininase, e sua inibição pode para a célula, impedindo a ativação das proteínas contrá-
levar a um aumento nos níveis de cininas teis musculares. São ativos e de média potência como agen-
(bradicininas, p. ex.), contribuindo para a tes anti-hipertensivos devido ao relaxamento muscular
resposta hipotensora, tanto por liso, o que explica sua eficiência em reduzir a RVS. A últi-
vasodilatação direta quanto por aumento na ma década consagrou os antagonistas do cálcio no trata-
produção de prostaglandinas mento da hipertensão arterial. Contudo, são diferentes
vasodilatadoras quanto a seletividade e farmacocinética, razão pela qual
serão estudados separadamente.
• A ação inibitória dos IECA sobre a produção
Os antagonistas do cálcio, ou bloqueadores de canais
de aldosterona pode levar ao risco de
de cálcio, atualmente disponíveis, são divididos em duas
hipercalemia, se estas drogas forem utilizadas categorias principais, baseadas em seus efeitos fisiológi-
nos renais crônicos ou nos portadores de cos predominantes: as diidropiridinas (antagonistas do
hipoparatireoidismo, ou se associadas a tipo I), que bloqueiam preferencialmente os canais de
diuréticos poupadores de potássio, bem como cálcio tipo lentos, e os derivados de benzodiazepinas e
a antiinflamatórios não-esteróides papaverina (verapamil e diltiazem), ou antagonistas do
• Os IECA podem causar (por alterações tipo II. Pelo menos in vitro, as diidropiridinas só atuam
hemodinâmicas) insuficiência renal aguda sobre as células do músculo liso de vasos, enquanto o
ou agravar a insuficiência renal crônica nos verapamil é uma fenilalquilamina cujos efeitos predomi-
nam sobre o coração, diminuindo o cronotropismo e o
pacientes com estenose bilateral de artérias
dromotropismo.
renais, estenose arterial em rim único e
Os antagonistas do tipo I bloqueiam a entrada de cálcio
havendo grave insuficiência cardíaca nas células musculares lisas, causando vasodilatação e re-
congestiva duzindo a RVP. São os mais potentes e têm pequeno ou ne-
• Tosse pode tornar-se um fator limitante ao nhum efeito sobre a contratilidade e a condução cardíacas.
uso dos inibidores da ECA Podem causar cefaléia, tonturas, fotofobia, taquicardia, en-
• Os inibidores da ECA não são anti- rubescimento e edema periférico e hiperplasia de gengi-
hipertensivos muito potentes, embora o seu va.37
efeito se acentue em vigência de dieta Os antagonistas do cálcio do tipo II reduzem a freqüên-
hipossódica cia cardíaca e podem causar bloqueios de condução, prin-
cipalmente se combinados com beta-bloqueadores.
794 Drogas Anti-hipertensivas

Duas diidropiridinas (isradipina e nitrendipina), foram


Quadro 45.8 Os antagonistas do cálcio
associadas à aspirina, tendo-se obtido um efeito benéfico
TIPO I (DIIDROPIRIDINAS) no aumento do ritmo circadiano da atividade plaquetária.
Nifedipina Os antagonistas do cálcio são eficazes e muito bem to-
Amlodipina lerados por pacientes em diálise, particularmente naque-
Felodipina les onde existe um claro componente de volume.42
Nicardipina
Quanto aos efeitos antiateroscleróticos dos antagonis-
Nitrendipina
Isradipina tas do cálcio, eles existem, embora sejam observados com
doses muito superiores às usadas na clínica. Com os anta-
TIPO II (DERIVADOS DE BENZODIAZEPINAS E gonistas de segunda geração, este efeito deve ocorrer com
PAPAVERINA) doses semelhantes às de uso rotineiro. Sabe-se hoje que
Diltiazem
estas drogas têm efeito benéfico mínimo ou nulo no perfil
Verapamil
lipídico. Existem recursos de monitorização ultra-sonográ-
ficos sofisticados que permitem medir, com precisão, a
espessura da parede das artérias. Só o futuro definirá cla-
Em resumo: as diidropiridinas (como a nifedipina, a ni- ramente se as diidropiridinas poderão evitar ou mesmo
cardipina ou a isradipina) são vasodilatadores potentes; o regredir as placas ateroscleróticas no homem.
verapamil tem atividade depressora cardíaca e o diltiazem Considerando-se que a combinação de diabetes (prin-
tem menos atividade vasodilatadora que a nifedipina e cipalmente do tipo II) e hipertensão contribuiu para o enor-
menos atividade depressora cardíaca que o verapamil. me aumento da doença renal terminal nos últimos anos,
O efeito hipotensor das diidropiridinas é parcialmente inúmeros autores tentaram confrontar os benefícios dos
atenuado pela ativação reflexa do sistema nervoso simpá- antagonistas do cálcio contra os do inibidores da ECA
tico e do sistema renina-angiotensina. Estas drogas tendem quanto à progressão da doença renal. Recente revisão de
a aumentar discretamente a excreção de sal, e, por isso, vários estudos clínicos que comparam inibidores da ECA
podem baixar a pressão arterial, em parte, por um meca- e antagonistas do cálcio mostra que ambas as classes de
nismo semelhante ao dos diuréticos. São as drogas prefe- drogas têm efeito antiproteinúrico na nefropatia diabéti-
renciais para pacientes em uso de antiinflamatórios não- ca, com um predomínio dos inibidores da ECA. Além dis-
esteróides (AINE), que diminuem a produção de prosta- to, os antagonistas do cálcio podem potencializar a queda
glandinas vasodilatadoras.37 da excreção protéica induzida pelos inibidores da ECA,
Qual seria a razão da popularidade de que estas drogas nesta situação.28 Entretanto, têm menor atividade antipro-
passaram a desfrutar no tratamento da hipertensão? São teinúrica nos pacientes com doença renal não-diabética.28
várias: reduzem a RVP (que não se mantém forçosamente Observou-se que o efeito da redução da proteinúria pode
pelo tempo afora); contribuem para regredir hipertrofia de ser parcialmente independente da redução da PA. Docu-
VE (o que é compreensível, à luz da correlação entre o mentando como é polêmico tal assunto, o único estudo
hormônio da paratireóide e a hipertrofia de VE); são me- prospectivo que comparou captopril e nifedipina em doen-
tabolicamente neutros; seus efeitos colaterais, quando exis- ça renal não relacionada ao diabetes não exibiu diferença
tem, são limitados e não ameaçadores, tendendo a desa- significativa entre as duas drogas quanto ao declínio da fun-
parecer; aumentam o fluxo sangüíneo muscular e auxili- ção renal. Outro estudo mostrou que, em nefropatia diabé-
am no controle da angina. tica incipiente (com PA normal na maioria dos pacientes), a
É controversa sua maior atuação em pacientes mais ido- administração de um inibidor da ECA reduziu a microal-
sos. buminúria, enquanto a nifedipina aumentou-a em 40%.
Já que melhoram a circulação periférica, são indicados A regressão de hipertrofia de VE em pacientes tratados
aos hipertensos que executam tarefas extenuantes, ou nos com antagonistas do cálcio já foi documentada em perío-
que têm inequívoca coronariopatia. Podem ser associados dos de tratamento de 6 a 12 meses.
a outros anti-hipertensivos, entre os quais os beta-bloque- A hipertensão arterial que se segue ao transplante re-
adores são os preferidos. nal tem várias causas, entre elas o controverso papel vaso-
A nifedipina se tornou a droga de escolha para o trata- constritor da ciclosporina (efeito similar seria visto também
mento oral das emergências hipertensivas. Entretanto, a com o tacrolimus). Em estudo que abrangeu 212 recepto-
imprevisibilidade da magnitude da resposta observada res, ao final de um ano a prevalência de hipertensão foi de
sobre a pressão arterial não permite sua recomendação 81,6%. Alguns médicos têm recomendado o uso do vera-
nessa circunstância. Por outro lado, são incapazes de re- pamil ou diltiazem no pós-transplante como terapêutica
duzir a variabilidade da pressão sangüínea. anti-hipertensiva preferencial, o que, inclusive, permitiria
Outros aspectos estimulantes ao uso destas drogas são reduzir a dose da ciclosporina, visto que estes antagonis-
sua segurança e eficácia em hipertensos diabéticos e disli- tas do cálcio, assim como nicardipina e, em menor escala,
pidêmicos. amlodipina, inibem o metabolismo da ciclosporina.39
capítulo 45 795

Quadro 45.9 Características dos principais antagonistas do cálcio

Droga Dose (mg/dia) N.º tomadas/dia Dose máxima


Verapamil 80-480 mg 2 480 mg
Verapamil AP 120-480 mg 1 480 mg
Verapamil R 240 mg 1 480 mg
Diltiazem 90-360 mg 3 360 mg
Diltiazem AP 120-360 mg 2 360 mg
Nifedipina 30-120 mg 3 80-120 mg
Nifedipina R 20-40 mg 1-2 80 mg
Nifedipina Oros 30-120 mg 1 120 mg
Amlodipina 2,5-10 mg 1 10 mg
Felodipina 5-20 mg 1-2 20 mg
Isradipina 2,5-10 mg 2 10 mg
Isradipina SRO 5-10 mg 1 10 mg
Nitrendipina 20-80 mg 1-2 80 mg

Estas drogas raramente causam impotência, não afetam


divíduo negro, com 45 anos, com PA 170/110 mmHg, um
os lipídios nem a sensibilidade à insulina, e raramente cau-
pouco obeso, com elevado nível de colesterol (300 mg/dl),
sam hipotensão ortostática. Não causam efeitos sobre o sis-
atividade física exaustiva, com ligeiro aumento da massa
tema nervoso central. Não há restrições para usá-las em
cardíaca e leves distúrbios da repolarização ventricular.
negros. Em grandes estudos populacionais usando-se mo-
Deve-se salientar que jovens negros respondem muito bem
noterapia para tratar hipertensão, o diltiazem, antagonis-
a antagonistas do cálcio.
ta do cálcio eventualmente selecionado, mostrou-se menos
Contrapõe-se outra situação onde se deveria evitar o uso
eficaz em jovens brancos que em negros. Há efeitos colate-
dos antagonistas do cálcio: adulto jovem, branco, 40 anos,
rais seletivos que podem limitar o seu uso. Seu emprego em usando cimetidina para dispepsia, e com BAV de 2.º grau.
pós-infartados deve ser muito cuidadoso. Entre as interações
medicamentosas que devem ser evitadas, devem-se citar:
verapamil e beta-bloqueadores ou digitálicos; verapamil e
antiarrítmicos ou digitálicos; nifedipina e beta-bloqueado- ANTAGONISTAS DOS
res. Podem também interagir com as sulfoniluréias, agravan- RECEPTORES DA
do o diabetes tipo II. A felodipina é metabolizada pelo cito-
cromo hepático P-450, que é inibido pela cimetidina.
ANGIOTENSINA II
Por fim, observa-se o perfil de um paciente com boa
Este grupo de medicamentos representa a terceira clas-
indicação para tratamento com antagonistas do cálcio: in-
se de antagonistas do sistema renina-angiotensina-aldos-
terona. A primeira classe, dos beta-bloqueadores, reduz a
liberação de renina por inibição da estimulação dos recep-
Pontos-chave: tores beta-1. A segunda, dos inibidores da ECA, bloqueia
a conversão da forma inativa angiotensina I na forma ati-
• Os antagonistas do cálcio do tipo I va angiotensina II.
bloqueiam a entrada de cálcio nas células Há dois tipos de receptores para AII: AT1 e AT2. O re-
musculares lisas, causando vasodilatação e ceptor AT1 tem grande afinidade pelo Losartan; ele pare-
reduzindo a RVP
• Os antagonistas do cálcio do tipo II
reduzem a freqüência cardíaca e podem Quadro 45.10 Antagonistas dos receptores da
causar bloqueios de condução, angiotensina II
principalmente se combinados com Droga Dose (dia) Número de
beta-bloqueadores tomadas
• Os antagonistas do cálcio são eficazes e Candesartan 8–16 mg 1
muito bem tolerados por pacientes em Irbesartan 150–300 mg 1
diálise, particularmente naqueles onde Losartan 50–100 mg 1
Telmisartan 40–80 mg 1
existe um claro componente de volume Valsartan 80–160 mg 1
796 Drogas Anti-hipertensivas

ce bloquear as respostas à AII. Em nível experimental, aná-


Pontos-chave:
logos da AII com maior afinidade por tais receptores, como
a saralasina, já foram utilizados. Infelizmente, a resposta • Há dois tipos de receptores para AII: AT1 e
hipotensora dependia do nível de ARP: se esta era baixa, AT2
os receptores não estavam ocupados, e o agonista podia • Os inibidores da ECA, por impedirem a
agir até mesmo elevando a PA. formação da AII, diminuem a atividade de
Existem duas diferenças principais entre os inibidores
ambos os subtipos de receptores, AT1 e AT2
da ECA e os antagonistas dos receptores da AII: quanto
• Os antagonistas dos receptores da
aos receptores afetados e quanto ao efeito sobre as cini-
nas. Os inibidores da ECA, por impedirem a formação da angiotensina II diminuem somente a
AII, diminuem a atividade de ambos os subtipos de re- atividade AT1
ceptores, AT1 e AT2. Ao contrário, os antagonistas dos • A potência anti-hipertensiva dos
receptores da angiotensina II diminuem somente a ativi- antagonistas dos receptores da AII é maior
dade AT1. A enzima conversora da angiotensina é tam- em pacientes com atividade de renina
bém uma cininase. Assim, seu bloqueio com um inibidor plasmática basal elevada
da ECA leva a aumento nos níveis de cininas, efeito ine- • Há evidência de renoproteção com os
xistente com os antagonistas dos receptores da AII. Pre- antagonistas dos receptores da AII em
sume-se que a ausência de acúmulo de cininas seja res- pacientes com diabetes tipo 2
ponsável pela não-ocorrência de tosse nesta classe de
medicamentos, ao contrário do que se observa com os
inibidores da ECA.
A potência anti-hipertensiva dos antagonistas dos recep- VASODILATADORES DE AÇÃO
tores da AII é maior em pacientes com atividade de renina DIRETA
plasmática basal elevada.40
Uma discreta queda nos níveis plasmáticos de ácido Promovem relaxamento direto das células musculares
úrico ocorre com Losartan, mas não com outros antagonis- lisas, causam vasodilatação arteriolar, diminuem a RVP e
tas dos receptores da AII. Este efeito pode ser atribuído a elevam o débito cardíaco. Têm pouco efeito sobre os vasos
maior excreção do ácido úrico. Da mesma forma que os de capacitância. Portanto, reduzem quase exclusivamente
inibidores da ECA, os antagonistas dos receptores da AII a pós-carga com mínimo impacto sobre a pré-carga. Não
parecem minimizar a hipocalemia e hiperuricemia indu- se recomenda que sejam usados de modo isolado, pois,
zida pelo uso de diuréticos.41,42 devido à retenção líquida e taquicardia reflexa, sua eficá-
Com respeito à nefropatia diabética, grandes estudos cia fica limitada.
têm demonstrado clara evidência de renoproteção com os Só existem dois produtos disponíveis para uso oral: a
antagonistas dos receptores da AII em pacientes com dia- hidralazina e o minoxidil, ambos devendo ser combinados
betes tipo 2.43,44 a diuréticos e beta-bloqueadores.
O minoxidil é o mais potente anti-hipertensivo dispo-
São drogas bem toleradas. Seus principais efeitos co-
nível. Pode ser usado em uma só tomada. Sugere-se dose
laterais são semelhantes aos dos inibidores da ECA, como,
inicial de 2,5 mg, embora se possa chegar a 40 e até mesmo
por exemplo, aumento na incidência de hipercalemia e de
60 mg por dia. Já a hidralazina, de manuseio mais fácil,
insuficiência renal aguda na hipertensão renovascular e
deve ser administrada em 3 doses diárias, totalizando de
na depleção de volume circulante efetivo.45,46 A exceção
50 a 200 mg.
são os efeitos mediados pelas cininas, particularmente a
Efeitos colaterais comuns: cefaléia, taquicardia e reten-
tosse.41,42 ção hidrossalina. Nos pacientes portadores de coronario-
Os antagonistas dos receptores da AII são contra-indi- patia, podem desencadear angina e infarto do miocárdio.
cados na gravidez. O bloqueio dos receptores AT1 resulta A hidralazina, em casos raros e em doses elevadas, causa
em maior formação de angiotensina II por atuação da re- uma síndrome que se assemelha ao lúpus. O minoxidil, nos
nina e aumento da formação de todos os peptídeos. Estes pacientes com avançada insuficiência renal ou com cardi-
peptídeos podem ativar o AT2, que tem grande atuação no omiopatia, pode induzir grave retenção hidrossalina com
feto.47 eventual expansão de volume e insuficiência cardíaca con-
Em suma, estes medicamentos podem fornecer um gestiva. Torna-se óbvio que diuréticos potentes podem
melhor meio de contornar os efeitos adversos do sistema fazer-se necessários, e até mesmo diálise pode ser requeri-
renina-angiotensina. É amplo o leque de possíveis indica- da para remoção líquida. O metabolismo é hepático, tor-
ções: hipertensão, insuficiência cardíaca, acidente vascu- nando-se liberado o uso nos renais crônicos. Causa comum
lar cerebral, doenças renais, prevenção de aterosclerose e de recusa do paciente em se manter medicado com mino-
de hipertrofia cardíaca. xidil é a hipertricose.
capítulo 45 797

Na prática, com o advento dos antagonistas do cálcio, 22. AMES, R.P. Anthypertensive drugs and lipid profiles. Am. J. Hyper-
tens., 1:421, 1988.
os vasodilatadores de ação direta ficam reservados para
23. POLLARE, T.; LITHELL, H.; MORLIN, C. et al. Metabolic effects of
terapêutica das formas mais graves (acelerada, maligna) de diltiazem and atenolol: Results of a randomized, double-blind stu-
hipertensão arterial ou nos casos de acentuada resistência dy with parallel groups. J. Hypertens., 7:551, 1989.
a outros agentes anti-hipertensivos. 24. BOISSEL, J.P.; COLLET, J.P.; LION, et al. A randomized comparison
effect of four antihypertensive monotherapies on the subjective
quality of life in previously untreated assymptomatic patients: Fi-
eld trail in general practice. J. Hypertens., 13:1059, 1995.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 25. KENDALL, M.J.; LYNCH, K.P.; MJALMARSON, A.; KJEKSHUS, J.
Beta-blockers and sudden cardiac death. Ann. Intern. Med., 123:358,
1995.
1. BAUER; J.H.; REAMS, G.P. Short and long-term effects of calcium
26. OSTER J.R.; EPSTEIN, M. Use of centrally acting sympatholytic
entry blockers on the kidney. Am. J. Cardiol., 59:66A-71A, 1987.
agents in the management of hypertension. Arch. Intern. Med., 8:1638,
2. BAKRIS, G.L. Blood pressure control and progression of diabetic
1991.
nephropathy: are all anti-hypertensive drugs created equal? Kidney,
27. KHOURY, A.F.; KAPLAN, N.M. Alpha-blocker therapy of hyper-
3(2):61-62, 1994.
tension. JAMA, 266:394, 1991.
3. BERNINI, F.; SOMA, M.R.; CORSINI, A.; PAOLETTI, R. Ex-
28. BRAAM, B.; KOOMANS, H.A. Renal responses to antagonist of the
perimental and clinical effects of isradipine relevant to atheroscle-
renin–angiotensin system. Curr. Opin. Nephrol. Hypertens., 1:89,
rosis. Am. J. Hypertens., 7:30S-34S, 1994.
1996.
4. CLEMENT, D.L.; De BUYZERE, M.; DUPREZ, D. Antihypertensi-
29. KIFOR, I.; MOORE, T.J.; FALLO, F. et al. Potassium-stimulated an-
ve effects of calcium antagonists. Am. J. Hypertens., 7:16S- 22S, 1994.
giotensin release from superfused adrenal capsules and enzymati-
5. De CESARIS, R.; RANIERI, G.; FILITTI, V. et al. Effects of atenolol
cally digested cells of the zona glomerulosa. Endocrinology, 129:823,
and enalapril on kidney function on hypertensive diabetic patients.
1991.
J. Cardiovas. Pharmacol., 22:208-214, 1993.
30. ISRAILI, Z.H.; HALL, W.D. Cough and angioneurotic edema asso-
6. EBERHARDT, R.T.; KEVAK, R.M.; KANG, P.M.; FRISHMAN, W.H.
ciated with angiotensin-converting enzyme inhibitor therapy. A
A II receptor blockade: An innovative approach to cardiovascular
review of the literature and pathophysiology. Ann. Intern. Med.,
pharmacotherapy. J. Clin. Pharmacol., 33:1023-1038, 1993.
117:234, 1992.
7. FARSANG, C.; KAPOCSI, J.; KISS, I. et al. Hungarian isradipine stu-
31. VAN ESSEN, G.G.; RENSMA, P.L.; DE ZEEUW, D.; SLUITER, W.J.;
dy: long-term effects on blood pressure and plasma lipids. Am. J.
SCHEFFER, H.; APPERLOO, A.J.; DE JONG, P.E. Association be-
Hypertens., 7:56S-60S, 1994.
tween angiotensin-converting-enzyme gene polymorphism and fai-
8. HOLLENBERG, N.H.; RAIJ, L. Angiotensin converting enzyme inhi-
lure of renoprotective therapy. Lancet, 13:347, 1996.
bition and renal protection. Arch. Intern. Med., 153:2426-2435, 1993.
32. Renal function and requirement for dialysis in chronic nephropa-
9. Joint National Committee V. Arch. Intern. Med., 153:154-183, 1993.
thy patients on long-term ramipril: REIN follow-up trial. Lancet,
10. KAPLAN, N.M. Clinical Hypertension, 6th ed. Williams & Wilkins,
17:352, 1998.
Baltimore, 1994.
33. Renal insufficiency as a predictor of cardiovascular outcomes and
11. KASISKE, B.L.; KALIL, R.S.N.; MA, J.Z. et al. Effect of antihyperten-
the impact of ramipril: the HOPE randomized trial. Ann. Intern. Med.,
sive therapy on the kidney in patients with diabetes: A meta-
134:629, 2001.
regression analysis. Ann. Intern. Med., 118:129-138, 1993.
34. Effect of the angiotensin-converting-enzyme inhibitor benazepril on
12. MASSRY, S.; GLASSOCK, R.J. Clinical aspects and management of
the progression of chronic renal insufficiency. The Angiotensin-
essential hypertension. Textbook of Nephrology, 3rd edition, 62:1186-
Converting-Enzyme Inhibition in Progressive Renal Insufficiency
1217, Williams & Wilkins, Baltimore, 1995.
Study Group. N. Engl. Med., 334:939, 1996.
13. MATERSON, B.J. Single-drug therapy for hypertension in men: A 35. The sixth report of the Joint National Committee on prevention,
comparison of six anti-hypertensive agents with placebo. N. Eng. J. detection, evaluation, and treatment of high blood pressure. Arch.
Med., 328:914-921, 1993. Intern. Med., 157:2413, 1997.
14. MIMRAN, A. e RIBSTEIN, J. Angiotensin-converting enzyme inhi- 36. ABERNETHY, D.R.; SCHWARTZ, J.B. Calcium-antagonist drugs. N.
bitors versus calcium antagonists in the progression of renal disea- Engl. Med., 341:1447, 1999.
ses. Am. J. Hyperten., 7:73S-81S, 1994. 37. SAHLOUL, M.Z.; AL-KIEK, R.; IVANOVICH, P.; MUJAIS, S.K. Non-
15. OVERLACK, A.; MULLER, B.; SCHMIDT, L. et al. Airway steroidal antiinflamatory drugs and antihypertensives. Nephron,
responsiveness and cough induced by angiotensin converting en- 56:345, 1990.
zyme inhibition. J. Hum. Hypertens., 6:387-392, 1992. 38. BURNIER, M.; BRUNNER, H.R. Angiotensin II receptor antagonists.
16. OGIHARA, T.; RAKUGI, H.; MASUO, K. et al. Anti-hypertensive Lancet, 355:637, 2000.
effects of the neutral endopeptidase inhibitor 5CH 42495 in essential 39. LAKE, K.D. Management of drug interactions with cyclosporine.
hypertension. Am. J. Hyperten., 7:943-947, 1994. Pharmacotherapy, 11:110S, 1991.
17. PONTICELLI, C.; MONTAGNINO, G.; AROLDI, A. et al. Hyperten- 40. GROSSMAN, E.; PELEZ, E.; CARROL, J.; SHAMISS, A.; ROSEN-
sion after renal transplantation. Am. J. Hypert., 21:73-78, 1993. THAL, T. Hemodynamic and humoral effects of the angiotensin II
18. TENTSCH, S., NEWMAN, J., EGGERS, P. The problem of diabetic antagonist losartan in essential hypertension. Am. J. Hypertens., Dec;
renal failure in the United States: an overview. Am. J. Kidney Dis., 7(12):1041-4, 1994.
13:11-13, 1989. 41. TIKKANEN, I.; OMVIK, P.; JENSEN, H. A for the scandinavian stu-
19. TISON, P.; ULICNA, L.; JAKUBOVSKA, Z. et al. Effects of dy group. Comparison of the angiotensin II antagonist losartan with
dihydropyridines and their combination with aspirin on blood pres- the ACE inibitor, enalapril, in patients with essential hypertension.
sure and circadian plateled activity in patients with essential hyper- J. Hypertens, 13:1343, 1995.
tension. Am. J. Hyperten., 7:46S-49S, 1994. 42. SOFFER, B.A.; WRIGTH, J.T. JR.; PRATT, J.H. et al. Effects of losartan
20. TOBIAN, L.; LARAGH, J.H. Editorials on Government Guidelines. on a background of hydrochlorothiazide in patients with hyperten-
Am. J. Hyperten., 7:857-858, 1994. sion. Hypertension, 26:112, 1995.
21. WETZCHEWALD, D.; KLAUS, D.; GARANIN, G. et al. Regression 43. LEWIS, E.J.; HUNSICKER, L.J.; CLARKE, W.R. et al. Renal protective
of left ventricular hypertrophy during long-term antihypertensive effect of the angiotensin-receptor antagonist ibesartan in patients
treatment — a comparison between felodipine and the combination with nephropathy due to type 2 diabetes. N. Engl. J. Med., 345:85,
of felodipine and metoprolol. J. Intern. Med., 231:303-308, 1992. 2001.
798 Drogas Anti-hipertensivas

44. BRENNER, B.M.; COOPER, M.E.; DE ZEEUW, D. et al. Effects of http://www.americanheart.org/presenter.jhtml?identifier


losartan on renal and cardiovascular outcomes in patients with type
⫽1115 — American Heart Association Council for High
2 diabetes and nephropathy. N. Eng. J. Med., 345:861, 2001.
45. BAKRIS, G.L.; SIOMOS, M.; DEJURAN, R. et al. ACE inhibition or Blood Pressure Research (CHBPR).
angiotensin receptor blockade: impact on potassium in renal failu- http://www.mco.edu/org/whl/ — World Hypertension
re. Kidney Int., 58:2084, 2000. League.
46. LEE, H.Y.; KIM, C.H. Acute oliguric renal failure associated with
http://www.nathypertension.org/ — National Hyperten-
angiotensin II receptor antagonist. Am. J. Med., 111:162, 2001.
47. SAJI, H.; YAMANAKA, HAGIWARA, A.; IGIRI, R. Losartan and sion Association.
fetal toxic effects. Lancet, 357:363, 2001. http://www.fromatoa.org/ — National Alliance to Raise
Hypertension Awareness.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET http://www.hypertensionfoundation.org/ — Hyperten-
sion Education Foundation.
http://www.sbh.org.br/ — Sociedade Brasileira de Hi-
http://www.chs.md/ — The Canadian Hypertension
pertensão.
Society.
http://www.ash-us.org/ — American Society of Hyper-
tension.
Capítulo
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

46 E. Barsanulfo Pereira

INTRODUÇÃO Classificação das drogas quanto à eliminação


PARÂMETROS FARMACOCINÉTICOS AJUSTE DE DOSES DE MEDICAMENTOS EM
Biodisponibilidade INSUFICIÊNCIA RENAL
Volume aparente de distribuição Etapas do ajuste
Eliminação Método D
Metabolização hepática Método I
Excreção renal Método D/I
Diálise, hemofiltração e hemoperfusão BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Clearance corporal das drogas ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Meia-vida biológica e constante fracional de eliminação

sas condições, poderão atingir concentrações sanguíneas


INTRODUÇÃO cada vez mais altas.
As alterações homeostáticas decorrentes da insuficiên-
Um número substancial de medicamentos usados na cia renal têm o risco inerente de provocar mudanças na
prática clínica é constituído por drogas que apresentam a disponibilidade das drogas no organismo humano, de tal
peculiaridade de serem eliminadas do organismo através modo que concentrações sanguíneas eficazes em outras
dos rins, por meio de seus próprios princípios ativos ou de condições poderão resultar em efeitos indesejáveis em si-
seus produtos de metabolização. Em situações de déficit tuações tais como as da uremia.
das funções renais, o balanço corporal dessas substâncias As técnicas dialíticas, ao provocarem a depuração cor-
pode alterar-se, resultando em quadros clínicos de intoxi- poral de certas drogas, podem interferir sobre suas concen-
cação medicamentosa. trações sanguíneas. Daí ser inevitável a sua reposição atra-
Os rins, por suas características funcionais, apresentam vés de doses suplementares, objetivando restaurar os ní-
vulnerabilidade especial às drogas. Recebem a cada mi- veis terapêuticos.
nuto cerca de 20% do débito cardíaco e assim estão sujei- Depreende-se destas considerações preliminares que
tos a um fluxo alto de sangue que pode conter substânci- a prescrição racional e segura de medicamentos a qual-
as tóxicas. Estas, após serem filtradas nos glomérulos, quer paciente, principalmente aos portadores de insufi-
poderão atingir elevadas concentrações intratubulares, ciência renal, deve objetivar a individualização terapêu-
com risco de lesões estruturais. A nefrotoxicidade, com tica, e portanto basear-se em parâmetros farmacocinéti-
seus vários padrões de desarranjo estrutural, freqüente- cos. Assim, o escopo fundamental deste capítulo será a
mente resulta em alterações funcionais, principalmente a adequação da prescrição de medicamentos a pacientes ne-
redução da velocidade de filtração glomerular, contribu- fropatas, tendo como instrumento básico e primordial a
indo para o acúmulo corporal das drogas, as quais, nes- utilização desses parâmetros.
800 Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

ao redor de 100, 200 ou mais litros, a droga está distribuída


PARÂMETROS em tecidos profundos do compartimento periférico.
FARMACOCINÉTICOS
Pontos-chave:
Biodisponibilidade • O volume de distribuição poderá elevar-se na in-
Biodisponibilidade (F  %) é a percentagem da dose suficiência renal em decorrência de edema e asci-
administrada de um medicamento que atinge a circulação te, principalmente quando forem drogas hidros-
sistêmica do paciente. Depende da intensidade da absor- solúveis.
ção e da metabolização pré-sistêmica, hepática ou pulmo- • A depleção do espaço extracelular levará a efeito
nar, das drogas (efeito de primeira passagem). Quando são oposto.
administradas por via parenteral, considera-se F  100%.
De qualquer modo, como o Vd é inversamente propor-
Ponto-chave: cional à concentração sanguínea das drogas, essas altera-
ções poderão resultar em níveis sanguíneos inadequados.
Causas mais significativas de redução da biodispo- Além disso, a hipoproteinemia e o deslocamento das dro-
nibilidade de medicamentos na insuficiência renal: gas das suas ligações protéicas poderão ocorrer na uremia,
• Alterações da motilidade e da absorção gastrintes- fazendo com que as doses de certos medicamentos resul-
tinal. tem em frações livres farmacologicamente tóxicas.

As primeiras, decorrentes das náuseas, vômitos e diar-


réia, comuns na uremia, e as segundas, devido ao aumen-
Eliminação
to do pH gástrico (por maior produção de amônia devido Eliminação de drogas é o desaparecimento de suas for-
à ação da urease) e do edema da parede intestinal. mas ativas do volume em que se distribui. Faz-se funda-
O efeito de primeira passagem, isto é, a perda de uma mentalmente pela metabolização hepática e pela excreção
certa parcela de droga por metabolização após a absorção, renal.
pode alterar-se na insuficiência renal grave. Deste modo,
a biodisponibilidade pode elevar-se para determinadas
METABOLIZAÇÃO HEPÁTICA
drogas, em conseqüência de redução intrínseca da meta-
No fígado, a biotransformação ocorre no retículo endo-
bolização hepática. Para outras, pode estar diminuída,
plasmático dos hepatócitos, através de enzimas que pro-
quando houver maior facilidade de captação hepática,
movem oxidação, redução, hidrólise, acetilação, glicuroni-
decorrente da reduzida ligação dessas drogas às proteínas
dação, sulfatação e degradação das drogas.
plasmáticas, como na uremia.

Pontos-chave:
Volume Aparente de Distribuição
• A metabolização hepática das drogas pode estar
O volume aparente de distribuição (Vd  L/kg) é um diminuída na uremia, especialmente a redução, a
volume teórico ocupado pelas drogas, caso se dissolvessem acetilação e a hidrólise.
homogeneamente pelo corpo e as suas concentrações em • Oxidação, glicuronidação e sulfatação costumam
todas as partes fossem iguais às encontradas no plasma. estar normais.
Matematicamente é calculado pela divisão da dose biodis- • Muitos metabólitos ativos ou tóxicos são elimina-
ponível do medicamento pela sua concentração plasmática dos pelos rins.
(Vd  Dose/Cp). Depende do grau de ligação das drogas • Na insuficiência renal é mais freqüente o apareci-
aos tecidos e proteínas e da sua lipossolubilidade. As dro- mento de reações tóxicas a uma série de drogas.
gas lipossolúveis ou que se ligam amplamente aos tecidos
corporais geralmente possuem grandes volumes de distri-
buição. As drogas que se ligam às proteínas plasmáticas têm EXCREÇÃO RENAL
Vd menores. No indivíduo adulto, pode-se estimar, grosso A excreção dos fármacos pelos rins se faz através dos
modo, a extensão da disponibilidade dos fármacos no corpo. processos de filtração glomerular, secreção tubular e reab-
Quando os volumes de distribuição apresentam valores em sorção tubular ativa e passiva. A magnitude da elimina-
torno de 5 litros, considera-se que estejam distribuídos no ção dependerá do nível da velocidade de filtração glome-
sistema circulatório. De 10 a 20 litros, no espaço extracelu- rular e do grau de união das drogas às proteínas plasmáti-
lar; 20 a 30 litros, no líquido intracelular; e em torno de 40 cas, desde que apenas as suas frações livres são submeti-
litros, em todos os fluidos corporais. Quando o volume fica das à filtração.
capítulo 46 801

Clearance Não-renal. O clearance não-renal ou metabó-


Ponto-chave: lico é efetuado predominantemente pela biotransformação
• Na presença de insuficiência renal ocorrerá acú- hepática das drogas através de diversos sistemas enzimá-
mulo corporal das drogas que são excretadas pre- ticos. Entretanto, até hoje não se conseguiu determiná-lo.
dominantemente pelos rins. A descrição dos processos de metabolização pode ser fei-
ta, contudo, pela equação de Michaelis-Menten [2dD/dt 
Vm/(1  Km/D)], sendo D a dose corporal total da dro-
Concomitantemente à filtração, pode ocorrer a secreção ga, Vm a velocidade máxima do processo metabólico e Km
tubular ativa, a qual acontece, de modo geral, na porção reta uma constante que se torna igual à quantidade da droga
do túbulo proximal. A ligação das drogas às proteínas plas- processada quando Vm é 50% do seu valor máximo.
máticas não influi sobre a quantidade secretada, porque há Clearance Renal e Dialítico. Os clearances renal e dialí-
rápida dissociação do complexo droga-proteínas, nesse local. tico das drogas possuem a mesma descrição matemática
Após serem filtradas, determinadas drogas são reabsor- dos clearances usualmente calculados para fins clínicos,
vidas ativamente pelos túbulos renais. Outras estão sujei- como os da uréia e da creatinina. Deve-se salientar que
tas aos processos de reabsorção tubular passiva, cuja inten-
drogas eliminadas quase totalmente pelos rins, como os
sidade dependerá da sua concentração intratubular e da
antibióticos aminoglicosídeos, possuem um clearance renal
difusão retrógrada não-iônica.
que se proporciona diretamente com o da creatinina.

Pontos-chave:
Meia-vida Biológica e Constante
A manipulação do pH urinário, ao alterar a propor-
ção entre as frações iônica/não-iônica, pode ser usa-
Fracional de Eliminação
da para aumentar a excreção renal de certas drogas. Outros parâmetros utilizados para a verificação da inten-
• As fracamente ácidas serão mais facilmente excre- sidade de eliminação dos fármacos são a meia-vida biológi-
tadas quando se alcalinizar a urina. ca (t1/2 ) e a constante fracional de eliminação (K). A meia-vida
• As fracamente básicas, na urina mais ácida. biológica (t1/2  horas) é o tempo decorrido para que haja uma
redução de 50% na concentração plasmática de uma droga.
Quando houver diminuição da eliminação corporal de um
Diálise, Hemofiltração e Hemoperfusão medicamento, obviamente o t1/2 prolongar-se-á. A constante
Os processos dialíticos, a hemofiltração e a hemoperfusão fracional de eliminação (K  hora, dia) é aquela fração do
através de cápsulas de carvão ativado podem contribuir para volume de distribuição que se depura de uma droga a cada
a remoção dos fármacos e seus metabólitos do organismo. hora ou a cada dia, sendo portanto calculada pela razão do
Nos dois primeiros, apenas a fração livre das drogas, isto é, clearance plasmático pelo volume de distribuição (K  Clp/
a porção não ligada às proteínas plasmáticas, é passível de Vd). Como t1/2  0,693/K, pode-se estabelecer a relação ma-
ser eliminada do corpo. Na hemoperfusão, até mesmo as temática com outras variáveis farmacocinéticas, chegando-se
substâncias ligadas às proteínas podem ser removidas. à seguinte equação geral: t1/2  0,693Vd/(Clr  Clnr  Cld).

Ponto-chave: Pontos-chave:
• Quando a diálise ou a hemofiltração removerem Causas de prolongamento da meia-vida biológica de
mais que 20% do conteúdo corporal total de um fármacos:
medicamento, uma dose suplementar deverá ser • Aumento do seu volume de distribuição.
administrada imediatamente após o término do • Redução de seus clearances renal e/ou não-renal.
procedimento, para restaurar os níveis sanguíne-
os terapêuticos.
Classificação das Drogas Quanto à
Clearance Corporal das Drogas Eliminação
Em decorrência do que foi anteriormente exposto, as
A intensidade de eliminação dos fármacos pode ser avali-
drogas podem ser classificadas segundo a sua via prepon-
ada pela determinação do seu clearance corporal, o qual é de-
derante de eliminação em:
finido como aquele volume virtual de líquido do organismo
que se vê livre, a cada minuto, de uma certa massa de droga.
O clearance corporal, usualmente representado pelo clearance • Drogas de eliminação renal (R).
plasmático (Clp), nada mais é que o somatório dos clearances • Drogas de eliminação renal e não-renal (RNR).
não-renal, renal e da diálise (Clp  Clnr  Clr  Cld). • Drogas de eliminação não-renal (NR).
802 Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Clp (ml/min)
Cloxacilina (RNR)
240
200
160
Gentamicina (R)
120
80 Doxiciclina (NR)
40

20 40 60 80 100 120

Clcr (ml/min)

Fig. 46.1

A relação entre o nível de função renal através do clea- Sexo masculino:


rance da creatinina e a magnitude da eliminação corporal Clcr  [(140 – idade)  (peso corporal em kg)]/(72  crea-
por meio do seu clearance plasmático para as drogas cloxa- tinina plasmática)
cilina, doxiciclina e gentamicina está representada na Fig. Sexo feminino: 15% do valor estimado
46.1. Em situação de função renal instável, dispõe-se desta fórmula:
A gentamicina é o protótipo das drogas de eliminação Sexo masculino:
renal e seu clearance plasmático é diretamente proporcio- Clcr = {[293 – 2,03  idade]  [1,035  0,01685(cr1  cr2)] 
nal ao clearance da creatinina. A doxiciclina é uma substân- 49(cr1  cr2)/dias}/cr1  cr2
cia eliminada exclusivamente por via não-renal, tendo cle- Sexo feminino: 15% do valor estimado
arance plasmático de 40 ml/min. Finalmente, a cloxacilina
apresenta um clearance plasmático de cerca de 110 ml/min, Pontos-chave:
devido à excreção não-renal, e daí por diante seu clearance
Estas fórmulas não serão válidas nas seguintes con-
plasmático é diretamente proporcional à velocidade de fil-
dições:
tração glomerular.
• Pacientes submetidos à diálise.
• Anormalidades da massa muscular como caque-
xia, distrofias musculares, trauma e rabdomiólise.
AJUSTE DE DOSES DE
MEDICAMENTOS NA 2. Determinação da dose de ataque. A dose de ataque, ou
dose corporal total, deve ser administrada normalmen-
INSUFICIÊNCIA RENAL
te, como no paciente sem déficit de função renal. Deve-
A insuficiência renal reduz o clearance plasmático dos se salientar, entretanto, que os medicamentos hidrosso-
medicamentos cujos mecanismos de eliminação depen- lúveis, prescritos a pacientes obesos, devem ter doses
dem da integridade funcional dos rins. Nessa situação, baseadas no seu peso ideal. Quando se pretende atingir
uma determinada concentração plasmática alvo (Cp),
podem acumular-se no organismo se forem administra-
sabendo-se previamente o valor do volume de distribui-
dos em suas doses usuais. É necessário que se faça, após
ção (Vd) do medicamento, usa-se a fórmula: Dose de ata-
a dose de ataque, um ajuste ao nível da função renal do
que  Cp desejada  Vd(L/kg). Por exemplo: uso de
paciente.
gentamicina para um paciente com 70 kg de peso corpo-
ral, Cp alvo  6 mg/L, Vd  0,25 L/kg  17,5 L. Dose de
Etapas do Ajuste ataque: 17,5 L  6 mg/L  105 mg. Os antibióticos ami-
noglicosídeos, quando administrados por via endoveno-
1. Cálculo da velocidade de filtração glomerular (VFG). sa, deverão se-lo por infusão contínua, diluídos em 50 ml
Caso não se disponha do clearance da creatinina deter- de soro glicosado a 5% ou solução salina isotônica, du-
minado laboratorialmente, e a função renal seja estável, rante 30 minutos, para que as concentrações sanguíneas,
pode-se estimar a VFG através da fórmula: imediatamente após as doses, não atinjam níveis tóxicos.
capítulo 46 803

3. Escolha do método de manutenção. Podemos utilizar 4. Consulta ao Quadro 46.1. Nele iremos encontrar 12
três métodos para o ajuste de posologia de medicamen- colunas, contendo, as seis primeiras, informações so-
tos em insuficiência renal: bre as características farmacocinéticas das drogas, e as
restantes, orientações sobre a prescrição dos medica-
• Método D: redução da dose, mantendo-se o inter- mentos em condições normais e na presença de insu-
valo usual de administração. ficiência renal. Da esquerda para a direita, encontra-
• Método I: prolongamento do intervalo de admi- remos, respectivamente: a biodisponibilidade sistêmi-
nistração, mantendo-se a dose usual. ca oral; a percentagem de ligação das drogas às prote-
• Método D/I: associação dos métodos D e I. ínas plasmáticas; o seu volume aparente de distribui-
ção; a meia-vida biológica normal; a meia-vida bioló-
Método D gica na insuficiência renal terminal; as suas maiores
Tende a resultar em concentrações terapêuticas máxi- vias de eliminação; as doses posológicas normais; os
mas baixas e concentrações mínimas mais altas, nos paci- métodos de ajuste das doses de manutenção (D, I e D/
entes com insuficiência renal. Ao evitar grandes flutuações I); o esquema de ajuste conforme estes métodos, para
da concentração sérica, é um método muito bom para a os níveis de filtração glomerular:  50, 10-50 e 10 ml/
prescrição de drogas antiarrítmicas e digitálicos. Uma dose min; informações sobre a necessidade de reposição de
de ataque é sempre necessária para evitar concentrações doses após a hemodiálise, diálise peritoneal ambula-
subterapêuticas no início do tratamento. torial contínua (CAPD) e hemofiltração arteriovenosa
contínua (CAVH); e finalmente, na última coluna, os
Método I cuidados especiais quanto à toxicidade, interações e as
Provê concentrações máximas pós-dose e concentra- alterações farmacocinéticas relevantes na presença de
ções médias nos pacientes com insuficiência renal seme- insuficiência renal.
lhantes às obtidas nos pacientes normais. Entretanto, 5. Monitorização dos níveis séricos dos medicamentos.
pode resultar em níveis subterapêuticos prolongados Ainda que o acompanhamento clínico cuidadoso e a
antes da próxima dose, devido a concentrações mínimas verificação da resposta terapêutica às drogas, escuda-
baixas. Tem sido considerado o método mais seguro dos no conhecimento das suas características farmaco-
para a prescrição dos antibióticos aminoglicosídeos, ao cinéticas, sejam essenciais em todos os tratamentos, há
diminuir o risco de ototoxicidade das concentrações pós- situações nas quais a verificação da concentração san-
dose e nefrotoxicidade relacionada às concentrações mí- guínea dos medicamentos é de fundamental importân-
nimas altas. cia. Na presença de insuficiência renal, os fármacos eli-
minados predominantemente pelos rins poderão atin-
Método D/I gir níveis tóxicos. Drogas com baixo índice terapêutico,
Resulta em concentrações médias mais estáveis e evita resposta terapêutica inadequada, suspeita de toxicida-
baixas concentrações plasmáticas mínimas pré-dose. de, interação de drogas e insuficiência hepática são ou-
Quando se usa a via endovenosa, o modo de adminis- tras indicações da necessidade de monitorização. Os
tração (in bolus, ou sob infusão) das doses de manutenção métodos laboratoriais utilizados para esse fim são: fo-
dos antibióticos aminoglicosídeos varia conforme o méto- tometria de chama, espectrofotometria, radioimunoen-
do utilizado. No método I, a administração deve ser sem- saio, cromatografia de coluna gasosa, cromatografia lí-
pre através de infusão durante 30 minutos, como salienta- quida de alta pressão e fluorescência polarizada. Alguns
do na etapa 2. O modo de administração, no método D, deles são de custo relativamente alto e não disponíveis
dependerá do nível da função renal do paciente e portan- na maioria dos hospitais, em nosso meio. As determi-
to da meia-vida biológica do aminoglicosídeo. Quando nações devem ser efetuadas em momentos específicos
1/8 do t1/2 deste antibiótico for menor que o tempo de in- durante os cursos terapêuticos. São de interesse as con-
fusão (usualmente 30 minutos), significa que a administra- centrações máximas pós-dose (pico) e as mínimas pré-
ção deve ser efetuada através de infusão. Conseqüentemen- próxima dose (vale). Assim sendo, as coletas de sangue
te, quando 1/8 do t1/2 for maior que o tempo de infusão, a para as dosagens devem ser realizadas 1 a 2 horas após
administração in bolus pode ser realizada. Em outras pala- a dose oral ou 30 minutos a 1 hora após a dose parente-
vras: com Clcr  50 ml/min ⇒ infusão, com Clcr  50 ml/ ral e imediatamente antes da próxima dose. Algumas
min ⇒ bolus. drogas, que se distribuem mais lentamente, terão o pon-
Qualquer que seja o método de ajuste, o seu objetivo to ideal de coleta várias horas após serem administra-
primordial é conseguir eficácia terapêutica sem toxici- das. Os níveis séricos terapêuticos de algumas drogas e
dade. Para tanto, a monitorização da concentração san- os momentos ideais de coleta do sangue encontram-se
guínea das drogas, quando possível, é um recurso fun- no Quadro 46.2. A monitorização da concentração séri-
damental. ca de medicamentos, em especial dos antibióticos ami-
804

Quadro 46.1

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)
AAS 68 3 80-90 0,1-0,2 2-4,5 2-4,5 H(R) 500 mg I 4h 4-6 h 4-6 h HD: 1 dose Nefrotoxicidade,
de 4-4 h excreção
aumentada
na urina
alcalina

Acebutolol 37 26 1,2 3 inalt., R(H) 400-600 D 100% 50% 30-50% N Metabólitos


dia- mg/dia ativos
cetolol ou de
12-12 h

Acetami- 70-90 20-30 0,9-1,0 1,9-2,5 1,9-2,5 H 650 mg I 4h 6h 8h N Metabólitos


nofen de 4-4 h podem se
acumular na
IRT, nefro-
tóxico em
altas doses

Acetazo- 70-90 0,2 1,7-5,8 ? R 250 mg/ I 6h 12 h evitar N Acidose


lamida 6-6 ou metabólica,
12-12 h hipopotasse-
mia, nefro-
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

litíase

Acetoexa- 65-90 0,21 6-8 prolon- H(R) 250-1.500 I 12 evitar evitar N Hipoglicemia,
mida gada mg/dia falso
aumento da
creatinina
Aciclovir 15-30 15 0,80- 1,5-3,3 20 R(H) 5 mg/kg D 100% 100% 50% HD: 1 dose, Neurotoxici-
0,87 de 8-8/h I 8h 12-24 h 24 h CAPD: dade na IRT,
como nefrotoxici-
VFG  dade
10/min,
CAVH:
3,5
mg/kg/dia
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)
Ácido ? ? 3,5-5 15-23 R 10-15 D 100% 100% evitar ? Pode acumular
aceto- mg/kg/ na IRT
hidroxâ- dia
mico

Ácido 45-75 30 0,3 1 3-4 R (NR) 100-200 D 100% 100% 50-75% HD: 1 dose Usado em
clavulâ- mg/4-4 a normal, combinação
nico 12-12 h CAPD e com amoxaci-
CAVH: lina e
dose ticarcilina
como para
VFG 
10 ml/min

Ácido 90 0,1 2-4 ? H 50 mg/ I 8-12 h 8-12 h evitar N Ototoxicidade


capítulo 46

etacrínico 8-8 h

Ácido 99 ? 3 inal- H 50-100 D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade


meclofe- terada mg/6-6 a
nâmico 8-8 h

Ácido alta ? 3-4 inal- H 250 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
mefenâ- terada 12-12 h
mico

Ácido 95 90 0,25- 6 21 R(H) 1 g/6-6 h D 100% evitar evitar N Acidose meta-


nalidí- 0,35 bólica, acúmu-
xico lo de metabó-
litos

Ácido ? ? 0,5- ? H(R) 1-2 g/ D 100% 50% 25% ? Reações tóxicas


nicotínico 1,0 8-8 h freqüentes na
IRT

Ácido 3 ? 1-5 ? R 25 mg/ D 50% 25% 10% ?


tranexâ- kg/8-8 a
mico 6-6 h
805
806
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Alcurônio 40 0,28-0,36 3-3,5 16 R ? D evitar evitar evitar ?

Alfentanil 88-95 0,3-1 1-3 inal- H individua- D 100% 100% 100% N


terada lizada

Alopu- 67-81 5 0,5 2-8 prolon- R 300 mg/ D 75% 50% 25% HD:1/2 Metabólitos
rinol gada dia dose ativos, nefroli-
tíase, nefrite
intersticial

Alprazo- 80 70-80 0,9-1,3 9,5-19 inal- H 0,25- D 100% 100% 100% ?


lam tera- 0,5 mg/
da 8-8 h

Alpreno- 8,6 5,5  80 3 2-9 ? H 6-8 h D 100% 100% 100% N Metabólitos


lol ativos

Amanta- 100 60 4-5 12 500 R 100 mg I 24 h 48-72 168 h N Neurotoxicida-


dina de 12- h de central
12 h

Amicacina 5 0,22-0,29 1,4-2,3 86 R(H) 5 mg/kg D 60-90% 30-70% 20-30% HD: 2/3 Nefrotoxicidade,
8-8 h I 12 h 12-18 24-48 dose usual; ototoxicidade,
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

h h CAPD:15- potencialização
20 mg/L· do efeito
dia, CAVH: curare
20 mg/L·
dia

Amiloride 50 30-40 5-5,2 6-8 10-144 R(H) 5 mg D 100% 50% evitar N Hipercalemia,
de 24- acidose
24 h metabólica

Amioda- 20-65 96 70-140 14-120 inalte- H 800- D 100% 100% 100% N Hepatotoxici-
rona dias rada 2.000 dade, disfun-
mg ção tireoidia-
200- na, neuropatia
600 periférica,
mg/ fibrose pulmo-
dia nar, metabóli-
tos ativos
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Amitripti- 96 6-36 9-46 9-46 H 25 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos


lina 8-8 h ativos

Amoxa- 90 ? 8 ? H 75-200 D 100% 100% 100% ? Metabólito


pina mg/ ativo 8-hidro-
dia xiamoxapina:
t1/2  30 horas

Amoxi- 50-80 15-25 0,26 0,9-2,3 5-10 R(H) 250-500 I 8h 8-12 h 24 h HD: 1 dose, Sódio: 2,6 mEq/g
cilina mg de CAPD:
8-8 h 250 mg de
12-12 h,
CAVH: 50
mg/L

Ampicilina 30-60 8-20 0,17- 0,8-1,5 7-20 R(H) 250- I 6h 6-12 h 12-24 h HD: 1 dose, Sódio: 3 mEq/g
0,31 2.000 CAPD: 250
mg de mg de 12-
capítulo 46

6-6 h 12 h, CAVH:
50 mg/L

Anfoterici- 90 4 24 inalte- NR 20-40 I 24 h 24 h 24-36 h N Nefrotoxicidade,


na B rada mg acidose tubu-
cada lar renal, dia-
24 h betes insipidus
nefrogênico,
nefropatia
perdedora de
potássio

Anlodipina 52-88  95 21 35-50 50 H 5 mg/dia D 100% 100% 100% N


Anrinona 93 20-40 1,3-1,6 2,6-8,3 ? H(R) 5-10
g/ D 100% 100% 50-75% ? Trombocitope-
kgmin nia, hepatoto-
( 10 xicidade, per-
mg/ turbação
kg·dia) gastrintestinal
Astemizol 97 ? 20 dias inalte- H 10 mg/ D 100% 100% 100% ?
rada dia
Atenolol 57 5 0,7 6-9 15-35 R 50-100 D 100% 50% 30-50% HD: Acumula na
mg/dia I 24 h 48 h 96 h 25-50 mg IRT
807
Quadro 46.1 (Continuação)
808

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pó s-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Atracúrio 82 0,15- 0,3-0,4 inalte- H 0,4-0,5 D 100% 100% 100% ?


0,18 rada mg/kg,
depois;
0,08-0,1
mg/kg/
15-15 a
25-25
min

Aurofina 60 ? 70-80 ? H(R) 6 mg/dia D 50% evitar evitar N Nefrotoxicidade;


dias síndrome nefrótica

Azatioprina 60 20 0,55- 0,2 (6-MP: 0,2 (6- H 1,5-2,5 mg/ D 100% 75% 50% HD: sim Metabólito ativo:
0,8 0,5-1,0) MP: 0,75) kg.dia 6-mercaptopurina

Azlocilina 30 0,18- 0,8-1,5 5-6 R(H) 2-3 g I 4-6 h 6-8 h 8h HD: 1 dose, Sódio: 2,7 mEq/g;
0,27 d/4-4 h CAPD: acidose metabólica
como hipocalêmica
VFG  10
ml/min,
CAVH:
100 mg/L·dia

Aztreonam 55 0,1-2 1,7-2,9 6-8 R(H) 1-2 g/8-8 D 100% 50-75% 25% HD: 0,5 g,
ou 12- CAPD: dose
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

12 h como para
VFG, 10
ml/min,
CAVH:
50 mg/L·dia

Bacampi- 88-98 18-25 0,17- 0,8-1,5 6-20 R(H) 400-800 D/I 100% 50%/ 50%/
cilina 0,31 mg 12- 12 h 12-24 h
12 h

Betameta- 65 1,4 5,5 ? H 0,5-9 D 100% 100% 100% ?


sona mg/dia

Bezafibrato 90 95 0,24- 2,1 7,8 R 200 mg/ D 70% 50% 25% ?


0,35 8-8 h

Bleomicina  5 5 0,3 9 20 R 10-20 D 100% 75% 50% HD: N, CAPD Hipertensão arterial,
U/m2 e CAVH:? fibrose pulmonar
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Bretílio 23 6 8,2 6-13,6 16-32 R(NR) Ataque: D 100% 25-50% 25% ? Hipotensão,
5-30 metabólitos ativos
mg/kg
depois:
5-10 mg/
6-6 h

Bromocrip- 6 90-96 3,4 3 ? H 1,25 mg/ D 100% 100% 100% ? Hipotensão


tina 12-12 h ortostática

Bronfenira- ? 12 25 ? H 4 mg/ D ? ? ? ?
mina 4-4 a
6-6 h

Bumetanida 95 96 0,2-0,5 1,2-1,5 1,5 R(H) 1-2 mg/ D 100% 100% 100% N Ototoxicidade quando
8-8 ou em associação a
12-12 h aminoglicosídeos
capítulo 46

Bupropion 75-85 27-36 10 ? H 100 mg/ D 100% 100% 100% ? Metabólito ativo: t1/2
8-8 h  21 horas

Buspirona 95 5 2-3 5,8 H 5 mg/ D 100% 100% 100% HD: N, CAPD Extenso efeito de
8-8 h e CAVH: ? primeira passagem,
acúmulo de
metabólitos ativos

Bussulfan ? 1 2,5 ? H 4-8 mg/ D 100% 100% 100% ? Cistite hemorrágica


dia

Butorfanol 80 9-11 2-4 ? H 2 mg/3-3 D 100% 75% 50% ? Sedação excessiva,


ou 4-4 h depressão do SNC

Canamicina 50-90 0,19- 1,8-5 40-96 R 5 mg/kg/ D 60- 30-70% 20-30% HD: 2/3 da Nefrotoxicidade,
0,23 8-8 h I 90% 12 h 24-48 h dose normal, ototoxicidade
8-12 h CAPD: 15-20
mg/L·dia,
CAVH: 20
mg/L·dia

Capreomi- ? ? 2 ? R 1 g/dia I 24 h 24 h 48 h N Nefrotoxicidade,


cina potencializa o
efeito dos
bloqueadores
809

neuromusculares
810
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Captopril 60-75 25-30 0,7-3,0 1,9 21-32 R(H) 25 mg/ D 100% 75% 50% HD: 25-35%, Proteinúria, síndrome
8-8 h I 8-12 h 12-18 h 24 h CAPD: N, nefrótica,
CAVH: ? hipercalemia,
leucopenia

Carbama- 70 75 0,8-1,8 10-20 ? H(R) 200 mg/ D 100% 100% 100% N Secreção inapropriada
zepina 12-12 h de hormônio
até 1.200 antidiurético
mg/dia

Carbenici- 30-40 50-60 0,12- 1,5 10-20 R(H) 50-500 D 75% 50% 25% HD: 2 g, Sódio: 4,7 mEq/g,
lina 0,20 mg/kg/ I 8-12 h 12-24 h 24-48 h CAPD: 2 g alcalose metabólica
dia cada de 12-12 h hipocalêmica
4-6 h

Carbidopa ? ? 2 ? H(R) 25 mg/1-8 D 100% 100% 100% ?


vezes/dia

Carbopla- 5  90 0,25 3 prolon- R 360 mg/ D 100% 55-70% evitar Leucopenia,


tina gada m2/4-4 plaquetopenia
semanas

Carmustina ? 3,3 1-5 ? H(R) 150-200 D ? ? ? ? Nefrotoxicidade e


mg/m2 hepatotoxicidade
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Carteolol ? 4 7 33 R 0,5-10 D 100% 50% 25% ?


mg/dia

Cefaclor 53 25 0,24- 1 3 R(H) 250-500 D 100% 50-100% 50% HD: 250 mg,
0,35 mg/ CAPD: 250
8-8 h mg/8-8 a
12-12 h

Cefadroxil 89-93 20 0,31 1,4 22 R 0,5-1,0 g/ I 12 h 12-24 h 24-48 h HD: 0,5-1,0 g,


12-12 h CAPD: 0,5
g/dia

Cefalexina 73-100 15 0,18- 0,9 20-40 R 250-500 I 6h 6h 8-12 h HD: 250 mg,
0,33 mg/ CAPD: 250
6-6 h mg/8-8 h,
CAVH: N
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Cefalotina 65 0,26 0,5-1 3-18 R(H) 0,5-2,0 g/ I 6h 6-8 h 12 h HD: 1 dose, Sódio: 2,5 mEq/g,
6-6 h CAPD: 1 g/ interação
12-12 h, nefrotóxica com
CAVH: aminoglicosídeos,
30-50 mg/ falso aumento da
L·dia creatinina

Cefaman- 75 0,16- 1 6-11 R 0,5-1,0 g/ I 6h 6-8 h 12 h HD: 0,5-1,0 g


dole 0,25 4-4 a CAPD: 0,5-
8-8 h 1,0 g/12-12 h,
CAVH: 30
mg/L·dia

Cefapirina 45-60 0,22 0,7 2,5 R(H) 0,5-2,0 g/ I 6h 6-8 h 12 h HD: 1 dose,
6-6 h CAPD: 1,0 g/
12-12 h,
CAVH: 30-50
mg/L·dia
capítulo 46

Cefazolina 80 0,13- 2 40-70 R 0,5-1,5 g/ I 8h 12 h 24-48 h HD: 0,5-1 g,


0,22 6-6 h CAPD: 0,5 g/
12-12 h,
CAVH: 30
mg/ L·dia

Cefixima 50 65 0,6-1,1 3,5 8-13 R(NR) 200 mg/ D 100% 75% 50% HD: 300 mg,
12-12 h CAPD: 200
mg/dia,
CAVH: N

Cefmeno- 43-75 0,27- 0,8-1,3 6-12 R 1 g/6-6 h D 100% 75% 75% HD: 0,75 g,
xima 0,37 I 6h 8h 12 h CAPD: 0,75 g
12-12 h,
CAVH: 50
mg/L·dia

Cefonicida 96 0,09- 4 17-59 R 1 g/dia D 100% 25-50% 10-25% N


0,18

Cefopera- 90 0,14- 1,6-2,5 2,9 NR 1-2 g/ D 100% 100% 100% HD: 1 g, Reduzir 50% da
zona 0,20 12-12 h CAPD e dose na icterícia,
CAVH: N prolongamento
do TAP
811
812
Quadro 46.1 (Continuação)
Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Ceforanida 80 0,17 3 25 R 0,5-1 g/ I 12 h 24-48 h 48-72 h HD: 0,5-1 g,


12-12 h CAPD: N,
CAVH:
25 mg/L·dia

Cefotaxima 37 0,15- 1 15 R(H) 1 g/6-6 h I 6h 8-12 h 24 h HD: 1 g, CAPD: Metabólitos


0,55 1 g/dia, ativos na
CAVH; IRT, reduzir
30-50 mg/L· dose na
dia insuficiência
hepática  IRT

Cefotetan 85 0,15 3,5 13-25 R 1-2 g/ D 100% 50% 25% HD: 1 g, CAPD:
12-12 h 1 g/dia,
CAVH: 10-30
mg/L·dia

Cefoxitina 41-70 0,13- I 13-23 R 1-2 g/6-6 I 8h 8-12 h 24-48 h HD: 1 g, Falso aumento
0,39 ou 8-8 h CAPD: 1 g/ da creatinina
dia, CAVH:
50 mg/L·dia
Cefradina 90-100 10 0,25- 0,7-1,3 6-15 R 0,25-2 g/ D 100% 50% 25% HD: 1 dose,
0,33 6-6 h CAPD: como
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

para VFG 10,


CAVH: 50-
100 mg/L·dia

Cefroxa- 10 0,20- 0,8-1 40 R D 65- 15-65% 10-15%


dina 0,30 100%

Cefsulo- 15 0,22- 1,7-2 13 R 4-6 h D 50- 15-50% 10-15%


dina 0,31 100%
Ceftazi- 17 0,28- 1,2 13-25 R 1 g/8-8 I 8-12 h 24-48 h 48-72 h HD: 1 g, CAPD: Volume de
dima 0,40 ou 12- 0,5 g/dia, distribuição
12 h CAVH: 30 aumenta com
mg/L·dia infecção
Ceftizo- 28-50 0,26- 1,4 35 R 1-2 g/8-8 I 8-12 h 36-48 h 48-72 h HD: 1 g, CAPD:
xima 0,42 ou 12- 0,5-1 g/dia,
12 h CAVH: 30
mg/L·dia
Quadro 46.1 (Continuação)
Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Ceftria- 90 0,12- 7-9 12-24 R(H) 0,25-1 g/ D 100% 100% 100% HD: 1 dose,
xona 0,18 12-12 h CAPD: 750
mg/12-12 h,
CAVH: 10
mg/L·dia

Cefuro- 40-50 33 0,13- 1,2 17 R 0,75-1,5 g/ I 8h 8-12 h 24 h HD: 1 dose,


xima 0,18 8-8 h CAPD: 1
dose/dia,
CAVH: 750
mg/12-12 h

Cetamina ? 1,8-3,1 2-3,5 inalte- H 1-4,5 mg/ D 100% 100% 100%


rada kg

Cetrizina 93 ? 8 ? R 10 mg/dia D 100% ? ? ? Metabólito ativo


da hidroxizina
capítulo 46

Cetocona- 50-76 99 1,9-3,6 1,5-3,3 3,3 H 200 mg/ D 100% 100% 100% N
zole 24-24 h

Cetopro- 99 0,11 1,5 inalte- H 25-75 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
feno rada 8-8 h

Ciclacilina 40-60 20-25 0,25- 0,5 8-10 R(H) 6-6 h I 6h 6-12 h 12-24 h HD
0,35

Ciclofosfa- 75-80 14 0,64 4-7,5 10 H 1-5 mg/ D 100% 100% 75% HD: 1/2 dose, Cistite hemorrágica,
mida kg·dia CAPD, secreção
CAVH: ? inapropriada de
HAD

Cicloserina ? 0,11- 0,5 ? R 250 mg/ I 12 h 12-24 h 24 h N Toxicidade para o


0,26 12-12 h SNC

Ciclospo- 4-50 96-99 3,5-7,4 6-13 16 H 3-10 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade,
rina kg·dia hipertensão arterial

Cilastatina 44 0,22 1 7 R c/imi- D 100% 50% evitar Evitar


penem
813
814

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Cimetidina 62 20 0,8-1,3 1,5-2 5 R 400-800 D 100% 50% 25% N Aumento da


mg/ creatinina sérica
12-12 h

Cinoxacin 63 0,25 1,2 12 R 0,5 g/ D 100% 50% evitar Evitar


12-12 h

Ciproflo- 50-85 20-40 2,1 3-6 6-9 R 500-750 D 100% 50% 33% HD e CAPD:
xacin mg/ 250 mg/12-
12-12 h 12 h, CAVH:
250 mg/8-8 a
12-12 h

Cisplatina  5 90 0,5 : 0,5 pro- R(NR) 20-50 D 100% 75% 50% HD Nefrotoxicidade,
: 30 lon- mg/ perda renal de
gada m2·dia Mg

Citosina- 13 2-3 0,5-3 0,5-3 NR(R) 100-200 D 100% 100% 100% ?


arabinosí- mg/m2
deo

Clindami- 50 60-95 0,6-1,2 2-4 3-5 H(R) 150-300 D 100% 100% 100% N Interação nefrotóxica
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

cina mg/ com aminoglicosí-


6-6 h deos, hepatotoxici-
dade
Clofibrate 95 92-97 0,14 6-25 100 H(R) 0,5-1 g/ I 12 h 12-24 h 24-48 h N Retenção de água,
12-12 h miosite

Clonaze- 82-98 47 1,5-4,5 18-50 ? H 1,5 mg/ D 100% 100% 100% HD: N, CAPD
pam dia e CAVH: ?
Cloraze- ? 1,3 39-85 36 H(R) 15-60 D 100% 100% 100% ? Metabólitos ativos
pam mg/dia
Clonidina 80 20-40 3-6 6-23 39-42 R(H) 0,1-0,6 D 100% 100% 100% N Hipertensão rebote
mg/
12-12 h
Quadro 46.1 (Continuação)
Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Cloranfe- 75-90 60 0,6-1 1,6-3,3 3-7 H(R) 12,5 D 100% 100% 100% N Sódio: 2,3 mEq/g,
nicol mg/kg/ acúmulo de metabó-
6-6 h litos na IRT, mielo-
toxicidade

Clordiaze- 100 94-97 0,3-0,5 5-30 inalte- H 15-100 D 100% 100% 100% HD: N, Metabólitos ativos
póxido rada mg/dia CAPD e
CAVH: ?

Clorfeni- 72 6-12 14-24 ? H(R 4 mg/ D 100% 100% 100% HD: N,


ramina  7%) 4-4 ou CAPD e
6-6 h CAVH: ?
capítulo 46

Clorpro- 32 91-99 8-160 11-42 inalte- H 300-800 D 100% 100% 100% HD, CAPD: Efeito anticolinérgico:
mazina rada mg/dia N, CAVH: ? retenção urinária

Clorpro- 88-96 0,09- 24-42 50-200 R 100-500 I 24 h evitar evitar CAPD: N, Retenção hídrica,
pamida 0,27 mg/dia HD e hipoglicemia na IRT
CAVH: ?

Cloroqui- 90 50-65 132 2-4 5-50 R(H) 1,5 g em D 100% 100% 50% N Excreção aumentada
na dias dias 3 dias na urina alcalina

Clortali- 64 76-90 3,9 44-80 ? R(H) 25 mg/ I 24 h 24 h evitar N


dona dia

Cloxacili- 50 88-96 0,14- 0,4-0,9 2,3 R(H) 0,25-1 g/ D 100% 100% 100% N
na 0,21 6-6 h

Codeína 40-70 7 3-4 2,5-3,5 inalte- H 30-60 mg D 100% 75% 50% ?


rada 4-4 ou
6-6 h
815
816

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Colchicina 31 2,2 19 40 H(R) crônica: D 100% 100% 50%


0,5-1
mg/dia;
aguda:
0,5 mg/
6-6 h

Colestime-  75 ? 3-8 10-20 R 2,5-5 mg/ D 75% 50% 25% Acidose metabólica
tato kg·dia

Colestipol 0 - - - - - 13-30 D 100% 100% 100% N Acidose metabólica


g/dia hiperclorêmica

Colestira- 0 - - - - - 4 g/4-4 a D 100% 100% 100% N Acidose metabólica


mina 6-6 h hiperclorêmica

Cortisona 90 ? 0,5-2 3,5 H 25-500 D 100% 100% 100% N Hipercatabolismo,


mg/dia retenção de sódio

Daunorru- ? ? 18-27 ? H 30-45 D 100% 100% 100% ? Hiperuricemia


Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

bicina mg/m2

Deferoxa- ? 2-2,5 6 ?N R Agudo: D 100% 100% 100% ?


mina 1 g,
depois:
0,5 g/
4-4 a12-
12 h; crô-
nico: 0,5-
1 g/dia

Desipra- 68 90 28-60 12-54 ? H 75-150 D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos


mina mg/dia
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Dexame- 70 0,8-1 3-4 ? H 4-16 mg/ D 100% 100% 100% ? Hipercatabolismo,


tasona dia retenção de sódio

Diazepam 100 94-98 0,7-3,4 20-90 inalte- H 5-40 mg/ D 100% 100% 100% N
rada dia

Diazóxido 90  90 0,2-0,3 17-31 30-60 H(R) 150-300 D 100% 100% 100% N Retenção de sódio e
mg água
in bolus

Diclofe- 99 0,12- 1-2 inalte- NR 25-75 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
naco 0,17 rada 12-12 h

Dicloxa- 37-74 95 0,16 0,7 1-2 R(H) 0,25- D 100% 100% 100% N
cilina 0,50 g/
capítulo 46

6-6 h

Difenidra- 72 80 3,3-6,8 3,4-9,3 ? H 25 mg/ D 100% 100% 100% N Retenção urinária:


mina 6-6 ou efeito anticolinér-
8-8 h gico

Difenili-  90 90 1,0 24 inalte- H Ataque: 1 g. D 100% 100% 100% N Ligação protéica 


dantoína rada Depois: e Vd  na IRT,
300-400 nefrite intersticial,
mg/dia déficit de folato

Difilina 3 0,8 1,8-1,3 12 R 15 mg/ D 75% 50% 25% HD: 1/2 dose,
kg/dia CAPD e
CAVH: ?

Diflunisal alta 99 0,10 5-20 inalte- R 250-500 D 100% 100% evitar N Nefrite intersticial,
rada mg/ risco de hemorragia
12-12 h

Digitoxi-  90 94 0,6 144-200 210 H(R) 0,1-0,2 D 100% 100% 50-75% N Conversão à digoxina
na mg/dia  na IRT, VD  na
uremia
817
818

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Digoxina 75 20-30 5-8 36-44 80-120 R(H) Impreg- D 100% 25-75% 10-25% HD e CAPD: VD  na uremia. 
nação I 24 h 36 h 48 h N, CAVH: impregnação em
1-1,5 0,5 mg/ 50% na IRT.
mg. De- 12-12 h
pois 0,25-
0,5/dia

Dilevalol 75 25 8-12 19-30 H 400-600 D 100% 100% 100% N


mg/
12-12 h

Diltiazem 40-90 98 3-5 2-8 3,5 H(R) 90 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos
8-8 h

Dipirida- 27-66 99 2,4 12 ? H 50 mg/ D 100% 100% 100% ?


mol 8-8 h

Disopira- 70-85 54-81 0,8-2,6 5-8 10-18 R(H) 100-200 I 8h 12-24 h 24-40 h N Retenção urinária. Vd
mida mg/  na IRT
6-6 h

Dobuta- ? 0,25 2 mi- ? H 2,5-1,5 D 100% 100% 100% ?


Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

mina nutos
g/
kg·min

Doxazosin 98 1-1,7 9,5- 13 H 1-15 D 100% 100% 100% N Nefropatas são


12,5 mg/dia sensíveis a pequenas
doses

Doxepin 95 9-33 8-25 10-30 H 25 mg/ D 100% 100% 100% N Ligação protéica 
8-8 h na IRT

Doxici- 90-100 80-93 0,75 15-24 18-25 R(H) 100 mg/ D 100% 100% 100% N
clina 24-24 h

Doxorru- 5 80-85 21,5 35 inalte- H 60-75 mg/ D 100% 100% 100% HD: N, Insuficiência renal
bicina rada m2/dia CAPD e aguda, síndrome
CAVH:? nefrótica
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Enalapril 36-44 50-60 1 11-24 34-60 R 5-10 mg/ D 100% 75-100% 50% HD: 20-25% Enaprilato:
12-12 h metabólito ativo

Encainide 7-82 75-81 2-2,7 3-9 1,5-9 R 25 mg/ D 100% 75% 50% N Encefalopatia, t1/2
8-8 h a longo em desmetila-
50 mg/ dores lentos, meta-
6-6 h bólitos ativos

Enoxacin 25-60 2,1-3,3 3-8 11 R 200-400 D 100% 50% 50% HD e CAVH:


mg/ N, CAPD:
12-12 h dose como
VFG  10
ml/min

Eritromi- 18-45 60-95 0,78 1,4 5-6 H 250-500 D 100% 100% 50-75% N Sódio: 3 mEq/250 mg,
cina mg/ ototoxicidade na
6-6 ou IRT com altas doses,
12-12 h Vd  na IRT
capítulo 46

Esmolol 55 3 7-15 inalte- H 50-150 D 100% 100% 100% N Acúmulo de


min rada
g/ metabólitos inativos
kg/min

Espectino- 5-20 0,25 1,6 16-29 R 2-4 g (do- D 100% 100% 100% N
micina se única)

Espirono- ? (25: 98 14(1,8: 10-35 inalte- H 25 mg/ I 6-12 h 12-24 h evitar H Hipercalemia em
lactona canre- canre- rada 6-6 ou VFG  30 ml/
nona) nona) 8-8 h minuto

Estrepto- 35 0,26 2,5 100 R 1 g/dia I 24 h 24-72 h 72-96 h HD: 0,5 g, Nefrotoxicidade,
micina CAPD e ototoxicidade
CAVH: 20-40
mg/L·dia

Estrepto- ? 0,016 1-1,5 ? NR 250.000 D 100% 100% 100% N


quinase U, depois:
100.000
U/hora

Estrepto- ? 0,5 0,5 ? R 500 mg/ D 100% 75% 50% ? Nefrotoxicidade,


zocina m2/ proteinúria, acidose
dia tubular renal
819
820

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Etambutol 75-80 10-30 1,6-2,3 4 7-15 R 15 mg/ I 24 h 24-36 h 48 h HD: 1 dose, Neurite periférica,
kg/ CAPD: como  acuidade visual
24-24 h VFG  10 ml/
min, CAVH:
1 dose cada
24-36 h

Etclorvi- 35-50 3-4 10-20 ? H 0,5-1 g/ D 100% evitar evitar N


nol dia

Etionami- 80 30 ? 2,1 ? H 250-500 D 100% 100% 50% N


da mg/
12-12 h

Etomidato 75 2-4,5 4-5 inalte- H 0,2-0,6 D 100% 100% 100% ? Hipertensão arterial:
rada mg/kg prevenida por
pré-anestésico

Etopósido 25-75 74-94 0,17- 4-8 ? R 35-100 D 100% 75% 50% HD: N, Mielotoxicidade e
0,5 mg/ CAPD e neurotoxicidade
m2/dia CAVH: ?
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Etossuxi- 100 10 0,7 35-55 inalte- H(R) 0,5-1,5 D 100% 100% 100% N
mide rada g/dia

Famotidi- 43 15-22 0,8-1,4 2,5-4 12-19 R 20-40 D 50% 25% 10% N


na mg/dia

Fazadínio 17 0,18- 1 inalte- NR ? D 100% 100% 100% ?


0,23 rada

Felodipina 15 99 9-7 10-14 21 H 10 mg/ D 100% 100% 100% N


12-12 h

Fenazopi- ? ? 2-3 ? R 200 mg/ I 8-16 h evitar evitar ? Nefrotoxicidade,


ridina 8-8 h hepatotoxicidade
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Fenelzine ? ? 1,5-4 ? H 45-75 D 100% 100% 100% ? Crise hipertensiva


mg/dia com simpaticomi-
méticos e/ou
tiramina

Fenilbuta- 99 0,09- 5-100 inalte- H 100 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
zona 0,17 rada 6-6
ou 8-8 h

Fenobar- 100 40-60 0,7-1 60-150 117- H(R) 50-100 I 8-12 h 8-12 h 12-16 h HD e CAVH: Aumento de excreção
bital 160 mg/12- 1 dose, na urina alcalina
12 ou CAPD: 1/2
8-8 h dose

Fenopro- 99 0,10 2-3 inalte- H 300-600 D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade


capítulo 46

feno rada mg/6-6 h

Fentanil 80-84 2-4 2-7 ? H 2-50


g/kg D 100% 75% 50% N

Flecainide  90 52 8,4-9,5 12-19,5 19-26 H(R) 100-400 D 100% 100% 50-75% N Excreção aumentada
mg/ em urina ácida
12-12 h

Fleroxacin 20 1,1-2,4 13 18 R 400 mg/ D 100% 50% 50% HD, CAPD e


12-12 h CAVH: 400
mg/dia

Flucitosi- 85-90  10 0,6 3-6 75-200 R 0,5-1 g/ I 6-8 h 12-24 h 24-48 h HD: 1 dose, Disfunção hepática,
na 6-6 h CAPD e CAVH: mielotoxicidade na
0,5-1 g/dia IRT

Flucona-  85 12 0,7 22 ? R 100-200 I 24 h 24-48 h 48-72 h HD: 200 mg,


zol mg/ CAPD e
24-24 h CAVH:
como VFG
 10 ml/min
821
822

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Flunarizi- 99 43-78 17-18 ? H(R) 10 mg/ D 100% 100% 100% N


na dias 12-12h

Fluorou- 0-100 10 0,25- 0,1 inalte- H(R) 12 mg/ D 100% 100% 100% HD
racil 0,5 rada kg·dia

Fluoxetina 94,5 20-42 24-72 inalte- H 20 mg/ D 100% 100% 100% ?


rada dia

Fluraze- boa ? 3,4 47-100 inalte- H 15-30 D 100% 100% 100% HD: ? CAPD Metabólitos ativos
pam rada mg/dia e CAVH: ?

Flurbipro- 99 0,10 3-5 inalte- H(R) 100 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
feno rada 8-8 ou
12-12 h

Fosfomi-  10 1,5-2 prolon- R 1-2 g/6-6 D 50- 25-50% 10-25% HD Sódio: 14,5 mEq/g,
cina gada ou 8-8 h 100% cardio- e neuroto-
xicidade central
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Fosinopril 97-98 11,5 R(H) 10 mg/dia D 100% 100% 100% N

Furosemi- 50-100 95 0,07- 0,5-1,1 2-4 R(H) 40-80 mg/ D 100% 100% 100% N Ototoxicidade com
de 0,2 12-12 h aminoglicosídeos

Galamina 3.070 0,21- 2,3-2,7 6-20 R 0,5-1,5 D 100% evitar evitar Recurarização tardia,
0,24 mg/kg dialisável

Ganciclo- baixa ? 0,47 3,6 30 R 2,5 mg/ I 12 h 24 h 48-96 h HD: 1 dose, Mielotoxicidade
vir kg/8-8 h CAPD: como
VFG  10
ml/min,
CAVH: 2,5
mg/kg·dia
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Genfibrozil 97-99 ? 6-7 inalte- R 600 mg/ D 100% 100% 100% HD: N, CAPD
rada 12-12 h e CAVH: ?

Gentami- 5 0,23- 1,8 20-60 R 1 mg/kg/ D 60-90% 30-70% 20-30% HD: 2/3 da Nefrotoxicidade,
cina 0,26 8-8 h I 8-12 h 12 h 24-48 h dose normal, ototoxicidade,
CAPD: 3-4 acentuação do
mg/L·dia, efeito curare
CAVH: 4
mg/L·dia

Glibencla- 99 0,16- 1,4-2,9 ? H(R) 1,25-5 D 100% evitar evitar N Hipoglicemia


mida 0,3 mg/dia

Glibomurida 94 0,26 8,5 ? H 12-24 h D 100% 100% 100% N


capítulo 46

Gliclazida 85-95 0,24 8-11 ? H 160-320 D ? ? ? ?


mg/dia

Glipizida 97 0,13- 3,7 ? H 2,5-15 D 100% 100% 100% ?


0,16 mg/dia

Gluteti- variável 54 2,7 5-22 inalte- H 250-500 I 24 h evitar evitar N


mide rada mg/dia

Griseoful- 25-70 ? 1,6 14 20 H 125-250 D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade,


vina mg/6-6 h hepatotoxicidade

Guanabenz 75% 90 10-12 12-14 ? H 8-16 mg/ D 100% 100% 100% ?


12-12 h

Guanadrel 20 11,5 4-10 19 R 10-50 mg/ I 12 h 12-24 h 24-48 h ?


12-12 h

Guaneti- 3-50 5 ? 120- ? R(H) 10-100 I 24 h 24 h 24-36 h ? Hipotensão


dina 140 mg/dia ortostática
823
824

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Guanfacina 65 4-6,5 12-23 15-25 R(H) 1-2 mg/dia D 100% 100% 100% N

Haloperi- 90-92 14-21 10-36 ? H 1-2 mg/ D 100% 100% 100% N Hipotensão, sedação
dol 12-12 ou excessiva
8-8 h

Heparina 90 0,06- 0,3-2 inalte- H 75 U/kg, D 100% 100% 100% N t1/2 aumenta com a
0,1 rada depois: dose
0,5 U/
kg·min

Hexobar-  90 65 1,1 3,5-4 ? H ? D 100% 100% 100% N


bital

Hidrala- 10-30 87 0,5-0,9 2-4,5 7-16 H(R) 25-50 mg/ I 8h 8h 8-16 h N Síndrome like lupus
zina 8-8 h

Hidrato 100 70-80 0,6 7-14 ? H 250 mg/ D 100% evitar evitar N Metabólitos ativos,
de cloral 8-8 h sedação excessiva
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Hidroclo- 60-80 64 0,8 2-3 prolon- R 25-100 D 100% 100% evitar


rotiazida gada mg/dia

Hidrocor-  90 ? 1,5-2 ? H 50-500 D 100% 100% 100% ? Hipercatabolismo


tisona mg/dia

Hidroxiu- ? 0,5 ? ? R 20-30 mg/ D 100% 50% 20% ?


réia kg·dia

Hidroxi- ? 19,5 14-20 ? R(H) 50-100 D 100% ? ? ? Metabólito ativo:


zina mg/6-6 h cetirizina

Ibuprofe-  80 99 0,15 2-2,5 inalte- H(R) 800 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
no rada 8-8 h
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Ifosfamida 90-100  20 0,75 4-30 ? H(R) 50-60 D 100% reduzir reduzir ? Cistite hemorrágica
mg/dia (?) (?)

Imipenem 13-21 0,17- 1 4 R(H) 0,25-1 g/ D 100% 50% 25% HD: 1 dose/ Convulsões na IRT,
0,3 6-6 h dia, CAPD: nefrotoxicidade 
dose como com cilastatina
VFG  10
ml/min,
CAVH: 20
mg/L·dia

Imiprami- 47 21 96 9-15 6-20 ? H 25 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos


na 8-8 h
capítulo 46

Indapami- 76-79 0,3-1,3 14-18 inalte- H 2,5-5 mg/ D 100% 100% evitar N Ineficaz na IRT
da rada dia

Indometa- 98 99 0,12 4-12 inalte- H 25-50 mg/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
cina rada 8-8 h

Insulina 5 0,15 2-4 prolon- H(R) variável D 100% 75% 50% N Hipoglicemia
gada

Interferon ? 0,4 3,5-8,5 ? R 3-36 D ? ? ? ? Nefrotoxicidade: IRA,


milhões síndrome nefrótica
U/dia

Interferon ? ? ? ? R 1-3 D ? ? ? ? Nefrotoxicidade: IRA,


milhões síndrome nefrótica
U/dia

Ipratrópio ? 4,6 1,6 ? H 2 inala- D 100% 100% 100% N


ções/
6-6 h
825
826
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Isoniazida 90 10 0,6 0,7-4 8-17 H(R) 5 mg/ D 100% 100% 50% HD: 1 dose, Acetilação  nos
kg·dia CAPD e acetiladores lentos
CAVH: na IRT
como
VFG  10
ml/min

Isossorbi- 22-30 72 1,5-4 0,15- 4 H 10-20 mg/ D 100% 100% 100% HD: 10-20 mg Metabólitos ativos
tol 0,5 8-8 h

Isoxicam ? 0,20 10-54 inalte- H ? D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade


rada

Isradipina 15-24 ? 3-4 1,9-4,8 10-11 H 5-10 mg/ D 100% 100% 100% N
dia

Itraconazol 100 99 grande 21 25 NR(R) 100-200 D 100% 100% 50-100% HD, CAPD e
mg/ CAVH: 100
12-12 h mg/12-12 a
24-24 h

Labetalol 20-38 50 5,6 3-9 inalte- H 200-600 D 100% 100% 100% N


rada 12-12 h
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Lamotrigi- 40-60 1,2 24 inalte- H 50-200 D 100% 100% 100% ?


na rada mg/
12-12 h

Levodopa 60-90 5-8 0,9-1,6 0,8-1,6 ? H 250-500 D 100% 100% 100% ?


mg/12-
12 até 8
g/dia

Lidocaína 60-66 1,3-2,2 2-2,2 1,3-3 H 50-100 mg D 100% 100% 100% N


IV/2-3
min. De-
pois: 1-4
mg/min

Lincomicina 70-80 0,31-0,6 4-5 10-20 H(R) 0,5 g/6-6 h I 6h 6-12 h 12-24 h N
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Lisinopril 30 0-10 1,3-1,5 12,6 40-50 R 5-10 mg/ D 100% 50-75% 25-50% HD: 20%
dia

Lítio 100 0 0,5-0,9 14-28 40 R 0,9-1,2 D 100% 50-75% 25-50% HD: 1 dose Nefrotoxicidade:
(carbo- g/dia diabetes insipidus
nato) nefrogênico,
síndrome nefrótica,
acidose tubular
renal, fibrose
intersticial

Lopera- 40 97 7-14 ? H Inicial: 2-4 D 100% 100% 100% ?


mida mg, de-
pois: 1-2
mg/6-6
capítulo 46

a 8-8 h

Lorcainide baixa 80-85 10 8 (nor- ? H 100 mg/ D 100% 100% 100% ? Efeito de primeira
lorcai- 12-12 h passagem intenso,
nide: metabólito ativo:
27) norlorcainide

Loraze- 93 87 0,9-1,3 5-10 32-70 H 1-2 mg/ D 100% 100% 100% N


pam 12-12 ou
8-8 h

Lovastati-  95 ? 1,1-1,7 inalte- H 20-80 D 100% 100% 100% ?


na rada mg/dia

Maprotilina ? ? 48 ? H 75 mg/dia D 100% 100% 100% ?

Meben- 5-10 60-80 ? ? ? H 100 mg/ D 100% 100% 100% N


dazol 12-12 h/
3 dias
827
828

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Melfalan 90 0,6- 1,11- 4-6 R(NR) 6-8 mg/m2· D 100% 75% 50% ? Leucopenia, vasculite
0,75 1,4 dia/4 dias

Meperidi- 48-53 70 4-5 2-7 7-32 H(R) 50-100 mg D 100% 75% 50% N Metabólito ativo:
na 3-3 ou normeperidina pode
4-4 h causar convulsões na
IRT, ligação às
proteínas  na IRT

Meproba- 0-30 0,5-0,8 9-11 inalte- H(R) 1,2-1,6 I 6h 9-12 h 12-18 h HD: N, Excreção  com
mato rada g/dia CAPD e diurese forçada
CCAVH: ?

Metadona 92 60-90 3-6 13-58 ? H 2,5-10 D 100% 100% 50-75% N Eliminação fecal 
mg/6-6 na IRT
ou 8-8 h

Metaqua- 100 80 5-8 10-43 inalte- H 150-300 I 24 h evitar evitar


lona rada mg/dia

Metenamina ? 0,56 4 ? R 1 g/6-6 h D 100% evitar evitar N


Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Metima- ? 0,6 4-6 inalte- H(R) 5-20 mg/ D 100% 100% 100% ?
zol rada 8-8 h

Metotre- 16-95 45-50 0,76 8-12 prolon- R(H) 12 g/m2 D 100% 50% evitar N Nefrotoxicidade
xate gada para prevenida por
câncer diurese alcalina e
forçada

Meticilina 35-60 0,31 0,5-1 4 R(H) 1-2 g/ I 4-6 h 6-8 h 8-12 h N Sódio: 3,9 mEq/g.
4-4 h Nefrite intersticial

Metildopa 25  15 0,5 1,5-6 6-16 R(H) 250-500 I 8h 8-12 h 12-24 h HD: 250 mg Falso aumento da
mg/8-8 h creatinina sérica

Metilpred- 40-60 1,2-1,5 1,9-6 inalte- H 125-500 D 100% 100% 100% HD


nisolona rada mg/6-6 h
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Metoclo- 40 2-3,4 2,5-4 14-15 R(H) 10-15 D 100% 75% 50% HD: N, Sinais extra-
pramida mg/ CAPD e piramidais na
6-6 h CAVH: ? IRT

Metocu- 70 0,42- 3,5-5,8 eleva- R 0,2-0,4 D 75% evitar evitar ?


rina 0,57 da mg/kg

Metola- 95 1,6 4-20 ? R 5-10 mg/ D 100% 100% 100% N


zona dia

Meto- 38 8 5,5 3,5 2,5-4,5 H 50-100 D 100% 100% 100% HD: 50 mg,
prolol mg/ CAPD: N,
12-12 h CAVH: ?
capítulo 46

Metroni-  90 20 0,25- 6-14 7-21 H(R) 7,5 mg/ D 100% 100% 50% HD: 1 dose, Metabólitos ativos
dazol 0,85 kg/ CAPD e acumulam-se na
6-6 h CAVH: IRT
como VFG
 10 ml/min

Mexiletine 70-75 5,5-6,6 8-13 16 H(R) 100-300 D 100% 100% 50-75% N Excreção aumentada
mg/ 6-6 em urina ácida
a 12-12 h

Mezloci- 20-46 0,18 0,6-1,2 2,6-5,4 R(H) 1,5-4 g/ I 4-6 h 6-8 h 8h N Sódio: 1,9 mEq/g
lina 4-4 a
6-6 h

Micona- 45-55 90 2,1 20-24 inalte- H 200-1.200 D 100% 100% 100% N


zole rada mg/ 8-8 h

Midazo- 93-96 1-6,6 1,2- inalte- H 7,5-15 mg/ D 100% 100% 100% N Ligação protéica
lam 12,3 rada dia V.O. diminui na IRT
829
830

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Milrinona ? 0,25- 1 1,5-3 R 15-75


g/ D 100% 100% 50-75% ?
0,35 kg I.V.,
depois: 2,5-
15 mg/6-
6 h V.O.

Minoci- 90-100 65 0,12- 12-16 12-18 H 100 mg/ D 100% 100% 100% N
clina 1,5 12-12 h

Minoxidil 100 0 2-3 2,8-4,2 inalte- H(R) 5-30 mg/ D 100% 100% 100% N Retenção hídrica,
rada 12-12 h derrame pericárdico

Mitomi- baixa ? 0,5 0,5-1 ? H 20 mg/ D 100% 100% 100% ? Nefrotoxicidade,


cina C m2/6-6 síndrome
a 8-8 h hemolítico-urêmica

Morfina 20-30 20-30 3,5 1-4 inalte- H 20-25 mg/ D 100% 75% 50% HD: N Efeito exacerbado na
rada 4-4 h IRT

Naloxone 2 54 3 1-1,5 ? H 2 mg D 100% 100% 100% N


Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Naproxe- 99 99 0,10 12-15 inalte- H 0,5 g/ D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade


no rada 12-12 h

Neomicina ? ? 2 12-24 R 2-4 g/dia I 6h 12-18 h 18-24 h N Nefrotoxicidade

Neostig- 1-2 15-25 0,5-1 1,3 3 R 15 mg D 100% 50% 25% ?


mina cada
3-4 h

Netilmi- 5 0,16- 1-3 35-72 R 5 mg/kg/ D 50-90% 20-60% 10-20% HD: 2/3 Nefrotoxicidade e
cina 0,30 8-8 h I 8-12 h 12 h 24-48 h dose normal, ototoxicidade
CAPD: 3-4
mg/L·dia,
CAVH: 4 mg/
L·dia
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Nicardi- 19-38 98-99 0,8 5 5-7 H 20-30 mg/ D 100% 100% 100% N
pina 8-8 h

Nifedipina 45 97 1,4 4-5,5 5-7 H 10-20 mg/ D 100% 100% 100% N Ligação às proteínas
6-6 a  na IRT
8-8 h

Nimodi- 98 0,9-2,3 1-2,8 22 H 30 mg/ D 100% 100% 100% N Efeito acentuado na


pina 8-8 h IRT

Nisoldi- 99 2,3-7,1 6,6-7,9 6,8-9,7 H 10 mg/ D 100% 100% 100% N


pina 12/12 h
capítulo 46

Nitraze- ? ? 18-36 ? H 5-10 D 100% 100% 100% ?


pam mg/dia

Nitrendi- 99 6,6 4,6 3,3-5,8 H 20 mg/ D 100% 100% 100% N


pina 12-12 h

Nitrofu- boa, 60 0,3-0,7 0,5 1 H(R) 50-100 D 100% evitar evitar Evitar Hepatotoxicidade,
rantoína variável mg/6-6 h neurotoxicidade

Nitroglice-  1 ? 2-3 2-4 min inalte- H variável D 100% 100% 100% ?


rina rada
Nitroprus- 0 0,2  10  10 H(R) 0,25-8
g/ D 100% 100% 100% N Metabólitos tóxicos,
siato min min kg·min acúmulo de
tiocianato
Nitrosu- ? ? 5 ? R Variável D 100% 75% 25-50% HD: N, Toxicidade
réia CAPD e irreversível com dose
CAVH: ?  1.500 mg/m2
831
832

Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Nizatidina 28 1,1-1,3 1,3-1,6 5,3-8,5 R 150-300 D 75% 50% 25% ?


mg/dia

Nomifen- 60 8-9 3-4 1,5-46 R 100-200 D 100% 50% evitar HD: N,


sine mg/dia CAPD e
CAVH: ?

Norflo- 30-40 14  0,5 3,5-6,5 8 R(NR) 400 mg/ I 12 h 12-24 h evitar Evitar
xacin 12-12 h

Nortrip- 51 5 95 15-23 25-38 15-66 H 25 mg/6-6 D 100% 100% 100% HD, CAPD:
tilina a 8-8 h N CAVH: ?

Ofloxacin 95 25 2,5 5-8 28-37 R 200-400 D 100% 50% 25-50% HD: 100 mg/
mg/ 12-12 h,
12-12 h CAPD: como
VFG  10
ml/min,
CAVH:
300 mg/dia

Omepra- 70 95 ? 0,5-1,5 ? H 20-60 D 100% 100% 100% ? Abortivo, absorção


Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

zol mg/dia de ampicilina e


cetoconazol, 
metabolização de
anticoagulantes,
diazepam e
fenitoína

Orfena- ? ? 16 ? H 100 mg/ D 100% 100% 100% ?


drina 12-12 h

Ouabaína 40 ? 21 60-70 R(H) Impregna- I 12-24 h 24-36 h 36-48 h N


ção: 0,25
mg, manu-
tenção:
0,1 mg/
12-12 h
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Ouro 95 5-9 250 ? R 25-50 mg/ D 50% evitar evitar N Nefrotoxicidade:


(tiomala- dias semana, proteinúria,
to Na) dose glomerulonefrite
total de membranosa
0,8 a 1 g

Oxacilina 33 85-94 0,19- 0,4- 1 H(R) 0,5-2 g/ D 100% 100% 100% N Sódio: 2,5 mEq/g,
0,41 0,9 4-4 ou hepatotoxicidade,
6-6 h nefrotoxicidade

Oxatomide 91 ? 20 ? H ? D 100% 100% 100% N

Oxazepam  90 97 0,6-1,6 5-10 25-90 H 30-120 D 100% 100% 100% HD: N, Metabólitos ,
mg/dia CAPD e ligação protéica 
CAVH: ? e Vd  na IRT

Pancurô- 70-85 0,15- 1,7-2,2 4,3-8,2 R(H) 0,04-0,1 D 100% 50% evitar ? Recurarização
capítulo 46

nio 0,38 mg/kg tardia

PAS 15-50 0,11- 0,75 23 R(H) 50 mg/kg/ D 100% 50-75% 50% HD: 1 dose, Sobrecarga de
0,24 8-8 h CAPD e sódio
CAVH: como
VFG  10
ml/min
Pefloxacin 95 20-30 1,7 12 prolon- H(R) 400 mg/ D 100% 100% 50% HD: N
gada 12-12 h
Penicila- 80 ? 1,3-3 prolon- R 0,25-1 g/ D 100% evitar evitar HD: 1/3 da Síndrome nefrótica
mina gada dia dose
Penicili- 15-30 50 0,3- 0,5 6-20 R 0,5-4 D 100% 75% 20-50% HD: 1 dose, Potássio: 1,7 mEq/
na G 0,42 milhões CAPD e milhão U, altas
U/6-6 h CAVH: como doses 
VFG  10 ml/ convulsões
minuto na IRT
Pentami- ? 3 dias ? R 4 mg/kg· I 24 h 24-36 h 48 h N Nefrotoxicidade,
dina dia hipercalemia
833
834
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Pentazo- 47 50-75 5 2-5 ? H 50 mg/ D 100% 75% 50% N


cina 4-4 h

Pentobar- 100 60-70 1 18-48 inalte- H 20 mg/6-6 D 100% 100% 100% HD: N, CAPD Ligação protéica 
bital rada a 8-8 h e CAVH: ? na IRT

Pentoxi- 0 2,4 0,8 inalte- H(R) 400 mg/ D 100% 100% 100% ?
filina rada 8-8 h

Pindolol 75 50 1,2 2,5-4 3-4 H(R) 10-40 mg/ D 100% 100% 100% N
12-12 h

Pipera- 30 0,18- 0,8-1,5 3,3-5,1 R(H) 3-4 g/ I 4-6 h 6-8 h 8h HD: 1 dose, Sódio: 1,9 mEq/g
cilina 0,30 4-4 h CAPD e
CAVH: como
VFG  10
ml/min

Pirazina- ? ? 9 ? R 10 mg/kg/ D 100% evitar evitar Evitar Inibe a excreção de


mida 8-8 h urato, podendo
precipitar gota

Piretanida 94 0,3 1,4 1,6-3,4 R 6-12 mg/ D 100% 100% 100% N Hipocalemia,
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

dia hiperglicemia e
hiperuricemia,
ototoxicidade

Piridostig- 10-20 ? 0,8-1,4 1,5-2 6 R 30-60 D 50% 35% 20% ? Excreção renal  por
mina mg/3-3 drogas básicas
a 4-4 h
Pirimeta- alta 27 2,9 80 inalte- H(R) 50-75 mg/ D 100% 100% 100% N A dose citada é para
mina rada dia toxoplasmose
Piroxican 99 0,12- 45-55 inalte- R(H) 20 mg/dia D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade
0,15 rada

Plicami- Baixa ? 2 ? R 25-30


g/ D 100% 75% 50% ? Nefrotoxicidade, IRA
cina kg·dia  Ca, K e
PO4
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Prasozin 57 97 1,2-1,5 2-3 2-3 H 1-15 mg/ D 100% 100% 100% N Hipotensão grave após
12-12 h a 1.ª dose

Prazepam 51 5 ? ? 50-100 ? H(R) 20-60 mg/ D 100% 100% 100% ? Metabólito ativo:
dia desmetildiazepam

Predniso- 85-99 70-95 2,2 2,5-3,5 inalte- H 5-60 mg/ D 100% 100% 100% HD
lona rada dia

Predniso- 80 11 70 2,2 2,5-3,5 inalte- H 5-60 mg/ D 100% 100% 100% HD: N,
na rada dia CAPD e
CAVH: ?

Primido- 100 20 0,6 5-15 inalte- H 250-500 I 8h 8-12 h 12-24 h HD: 1/3 dose Conversão parcial a
na rada mg/8-8 h fenobarbital,
deficiência de folato
capítulo 46

Probene- 100 85-95 0,15 5-8 inalte- H 500 mg/ D 100% evitar evitar ?
cide rada 12-12 h
Procaina- 75-95 15 2,2 2,5-4,9 5,3-5,9 R(H) 350-400 I 4h 6-12 h 8-24 h HD: 200 mg, Metabólito ativo:
mida mg/3-3 CAPD: N, n-acetilprocainami-
ou 4-4 h CAVH: da, síndrome like
baseada nos lupus, t1/2  nos
níveis séricos acetiladores lentos,
hemofiltração é
útil na intoxicação
Prometa- ? grande 9-12 ? H 20-100 D 100% 100% 100% ? Sedação excessiva,
zina mg/dia efeito anticolinérgi-
co: retenção
urinária
Propafe- 20  95 3 5 ? H 150-300 D 100% 100% 100% N t1/2 acetilador
none mg/8-8 h fenótipo-dependente,
intenso efeito de
primeira passagem

Propilti- 50-90 80 0,3-0,4 1-2 inalte- H 100 mg/ D 100% 100% 100% ?
ouracil rada 8-8 h
835
Quadro 46.1 (Continuação) 836
Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Propoxi- baixa 78 16 9-15 12-20 H 65 mg/6-6 D 100% 100% evitar N Norpropoxifeno


feno ou 8-8 h acumula-se na IRT

Proprano- 36 93 2,8 2-6 1-6 H 80-160 mg/ D 100% 100% 100% N Hipoglicemia na IRT
lol 12-12 h

Protripti- 77-93 92 15-31 54-98 ? H 15-60 D 100% 100% 100% N


lina mg/dia

Quinidina 70-75 70-95 2-3,5 6 4-14 H 200-400 D 100% 100% 75% HD: 100-200 Metabólitos ativos,
mg/4-4 mg, CAPD:  níveis séricos de
a 6-6 h N, CAVH: ? digoxina e
digitoxina, excreção
 em urina ácida,
HD é útil na
intoxicação

Quinina 90 70 0,7-3,7 5-16 inalte- H 650 mg/ I 8h 8-12 h 24 h HD: 1 dose, Cuidados iguais aos
rada 8-8 h CAPD e da quinidina
CAVH: como
VFG  10
ml/min

Ramipril 55-70 ? 5-8 15 R(NR) 10-20 mg/ D 100% 50-75% 25-50% HD: 20%
dia
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

Ranitidina 52 15 1,1-1,9 1,5-3 6-9 R 150-300 D 75% 50% 25% HD: 1/2 dose,
mg/dia CAPD: N,
CAVH: ?

Reserpina 96 ? 46-168 87-323 H 0,05-0,25 D 100% 100% evitar N Hemorragia digestiva,


mg/dia sedação excessiva

Ribavirina 45 0 9-15 30-60 ? R(NR) 200 mg/ D 100% 100% 50% HD: 1 dose,
8-8 h CAPD e
CAVH: como
VFG  10
ml/min

Rifampi- 60-90 0,9 1,5-5 1,8-11 H 600 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos,
cina 6-6 h nefrite intersticial
aguda, tubulopatia
com perda de
potássio
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Salbuta- 7 2-2,5 4 aumen- R(H) 2-4 mg/ D 100% 75% 50% ?


mol tada 6-6 a
8-8 h

Salmeterol ? ? ? ? H 50-100 D 100% 100% 100% ? Agente inalatório



g/12-12 h

Salsalate 100 90 ? 2,5-20 inalte- R(H) 1 g/8-8 h D 100% 100% 100% Os mesmos do AAS
(ácido rada
salicil-
salicílico)

Secobar- 44 1,5-2,5 20-35 ? H 30-50 mg/ D 100% 100% 100% N


bital 6-6 a
8-8 h

Sotalol 1,3 7,5-15 56 R 160 mg/ D 100% 30% 15-30% HD: 80 mg,
capítulo 46

 90 1
dia CAPD: N,
CAVH: ?

Succinilco- ? ? 3 ? NR 0,3-1,1 mg/ D 100% 100% 100% ? Hiperpotassemia na


lina kg, depois: IRT
0,04-0,07
mg/kg se
necessário
Sulbactam 29 0,25- 1 10-21 R 0,75-1,5 I 6-8 h 12-24 h 24-48 h HD: 1 dose, Inibidor da -
0,50 g/6-6 CAPD e lactamase
ou 8-8 h CAVH: combinado com
0,75-1,5 g/ ampicilina
24-24 h
Sulfame- 90-100 50 0,28- 10 20-50 R(H) 800 mg/ I 12 h 18 h 24 h HD, CAPD e Ligação protéica
toxazol 0,38 12-12 h CAVH:  na IRT
800 mg/dia

Sulfimpi-  95 0,06 2,2-5 inalte- R 200 mg/ D 100% 100% evitar N Insuficiência
razona rada 12-12 h renal aguda, efeito
uricosúrico  com
redução da VFG
837
838
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Sulfixazol 90-100 85 0,14- 3-7 6-12 R 1-2 g/ I 6h 8-12 h 12-24 h HD: 2 g, Ligação protéica
0,28 6-6 h CAPD: 3 g/  na IRT
dia

Sulindac 90 95 ? 8-16 inalte- H 200 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos
rada 12-12 h

Tamoxi- 20-30 ? ? 18 ? H 10-20 mg/ D 100% 100% 100% ? Metabólitos ativos


fen 12-12 h

Teicopla- 10-40 0,5-1,2 33-190 62-230 R 6 mg/kg· I 24 h 48 h 72 h N Nefro- e


nin dia ototoxicidade

Temaze- 100 96 1,3-1,5 4-10 ? H 30 mg/dia D 100% 100% 100% N Ligação protéica
pam  na IRT
Teniposi- 99 0,2-0,7 6-10 ? H 50-250 D 100% 100% 100% N Mielotoxicidade
de mg/m2

Tenoxicam  99 ? 72 ? H 20 mg/dia D 100% 100% 100% N Nefrotoxicidade

Teofilina 96 55 0,3-0,7 4-12 inalte- H 6 mg/kg, D 100% 100% 100% HD: 1/2 dose, Exacerbação dos
rada depois: CAPD e sintomas
9 mg/kg· CAVH: ? digestivos da
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

dia uremia

Terazosin  90 90-94 0,5-0,9 9-12 8-12 H 1-20 mg/ D 100% 100% 100% ?
dia
Terbuta- 25 0,94 3 ? R(H) 2,5-5 mg/ D 100% 50% evitar ?
lina 8-8 h
Terfena- 97 ? 16-22 ? H 60 mg/ D 100% 100% 100% N
dina 12-12 h

Tetraci- 77-80 55-90  0,7 6-10 57-108 R(H) 250-500 I 8-12 h 12-24 h 24 h N Evitar na IRT,
clina mg/6-6 h hipercatabolismo

Tiazídicos 40 3 6-8 12-20 R 25-50 mg/ D 100% 100% evitar N Hiperuricemia,


12-12 h inefetivos com
VFG  30 ml/
minuto
Quadro 46.1 (Continuação)

Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Ticarcilina 40-60 0,14- 1,2 11-16 R 3 g/4-4 h D/I 1-2 g/ 1-2 g/ 1 g/ HD: 3 g, Sódio: 5,2 mEq/g
0,21 4-4 h 8-8 h 12-12 h CAPD e
CAVH: 1 g/
12-12 h

Ticlopidi- ? ? 24-33 ? H 250 mg/dia D 100% 100% 100% ?


na ou até de
12-12 h

Timolol 50 60 1,7 2,7 4 H(R) 10-20 mg/ D 100% 100% 100% N


12-12 h

Tiopental 72-86 1-1,5 4 6-18 H 3-5 mg/kg D 100% 100% 75% N


(indução)

Tobrami- 5 0,22- 2,5 27-60 R 1 mg/kg/ D 75-100% 50-75% 25-50% HD: 2/3 dose Nefrotoxicidade, uso
cina 0,33 8-8 h I 8-12 h 12-24 h 24-48 h normal, simultâneo de
CAPD e penicilinas pode
CAVH: 4 resultar em níveis
capítulo 46

mg/L·dia subterapêuticos de
aminoglicosídeos

Tocainide 100 10-20 1,5-4 14 22-27 H(R) 200-400 D 100% 100% 50% HD: 200 mg, Excreção reduzida
mg/6-6 CAPD: N em urina alcalina
a 4-4 h CAVH: ?

Tolazami- 94 ? 4-7 ? H 100-200 D 100% 100% 100% ? Efeito diurético


da mg/dia

Tolbuta- 96-97 0,10- 4-6 inalte- H 1-2 g/dia D 100% 100% 100% N Efeito antidiuréitco
mida 0,15 rada

Tolmetin 99 0,10- 1-1,5 inalte- H 400 mg/ D 100% 100% 100% N


0,14 rada 8-8 h

Trimeto- 85-90 30-70 1-2,2 9-13 20-49 R(H) 80-160 mg/ I 12 h 18 h 24 h HD: 1 dose,
prim 12-12 h CAPD e
CAVH: 1 dose
cada 12 h

Tripelena- ? 10 3-4,5 ? ? 25-50 mg/ D ? ? ? ?


mina 6-6 a
8-8 h
839

Triprolidi- ? ? 5 ? ? 2,5 mg/4-4 D ? ? ? ?


na a 6-6 h
Quadro 46.1 (Continuação)
840
Droga Biodis- Liga- Volu- t1/2 t1/2 Maio- Dose Mé- Ajuste Reposi- Cuidados
ponibi- ção às me de normal IRT1 res normal todo (velocidade de ção pós-HD2 especiais
lidade proteí- distri- vias de filtração CAPD3 e
sistê- nas buição (horas) (horas) excre- glomerular) (ml/min) CAVH4
mica (%) (L/kg) ção 50 10-50 10
oral (%)

Tubocura- 30-50 0,22- 0,5-4 5,5 R 0,1-0,2 D 75% 50% evitar ? Recurarização tardia
rina 0,39 mg/kg
Valproato 100 89-93 0,14- 6-16 ? H(R) 15-60 D 100% 100% 75% ?  da ligação protéica
de sódio 0,23 mg/dia na uremia
Vancomi-  10 10-50 0,47- 6-8 200- R 500 mg/ D/I 500 125-250 0,5-1 g/ HD e CAPD: Nefrotoxicidade e
cina 1,1 250 6-6 h mg/ mg/ 4-7 dias 0,5-1 g/4-7 ototoxicidade
6-12 h 12-24 h dias; CAVH:
20 mg/L de
filtrado
Vecurônio 30 0,18- 0,5-1,3 inalte- H(R) 0,08-0,1 D 100% 100% 100% ?
0,27 rada mg/kg,
depois:
0,01-0,05
mg/kg
Verapamil 20 83-93 3-6 3-7 2,4-4 H(R) 80 mg/ D 100% 100% 100% N Metabólitos ativos
8-8 h

Vidarabi- 25 0,7 1,5 ? R(H) 15 mg/kg/ D 100% 100% 75% HD: infusão após Metabólitos ativos
na 24 h a diálise CAPD: excretados pelos
como VFG  rins
10, CAVH:
como VFG 
10-50 ml/min
Vigabatri- 0 ? 7 ? R 2-4 g/dia D ? ? ? ? Doses menores
Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

na quando a VFG  60 ml/


min, sedação excessiva,
confusão mental
Vimblasti- 75 13-40 1-1,5 ? H 3,7 mg/m2 D 100% 100% 100% ? Secreção
na inapropriada de HAD
Vincristina 75 5-11 1-2,5 ? H 1,4 mg/m2 D 100% 100% 100% ?

Warfarin 100 99 0,15 35-45 inalte- H 10-15 mg, D 100% 100% 100% N Hemorragia
rada depois:
2-10
mg/dia
Zidovudi- 52-75 30 1,4-3 1,1-1,4 1,4-3 R(H) 200 mg/ D 100% 100% 50% HD: 100 mg, Aplasia de medula
na 4-4 h CAPD: como
VFG  10 ml/
min, CAVH:
100 mg/4-4 h
1 3
Insuficiência Renal Terminal Diálise Peritoneal Ambulatorial Contínua
2 4
Pós-hemodiálise Hemofiltração Arteriovenosa Contínua
capítulo 46 841

Quadro 46.2 Níveis séricos terapêuticos de drogas

Concentração Momento de coleta


Droga terapêutica de sangue
Acetaminofen 10-20 mg/L 1 hora
Ácido acetilsalicílico 150-300 mg/L (antiinflamatório)
1,1-2,2 mmol/L (salicilato) 1-3 horas
Ácido valpróico 50-100 mg/L pré-dose
Amicacina Pico: 15-25 mg/L 0,5-1 hora*
Vale:  5 mg/L pré-dose
Amitriptilina 120-250 mg/L (Ami  Nortriptilina) pré-dose
Canamicina Pico: 15-25 mg/L 0,5-1 hora*
Vale:  5 mg/L pré-dose
Carbamazepina 4-10 mg/L pré-dose
Ciclosporina 1.as semanas: 150-200 ng/ml (plasma) pré-dose
Após 3 meses: 50-150 ng/ml (plasma)
Cloranfenicol Pico: 10-25 mg/L I.V.: 2 horas, oral: 2-3 horas
Vale:  5 mg/L pré-dose
Desipramina 75-160 mg/L pré-dose
Difenilidantoína 10-20 mg/L I.V.: 2-4 horas
Digitoxina 13-25 mg/L 8-24 horas
Digoxina 0,9-2,2 mg/L 12 horas
Disopiramida 2-5 mg/L pré-dose
Etossuximide 40-100 mg/L pré-dose
Fenobarbital 15-40 mg/L 4-24 horas
Gentamicina Pico: 5-12 mg/L 0,5-1 hora*
Vale:  2 mg/L pré-dose
Imipramina 150-200 mg/L pré-dose
Lidocaína 1,5-5 mg/L durante infusão
Lítio 0,3-1,3 mEq/L 12 horas
Netilmicina Pico: 5-12 mg/L 0,5-1 hora*
Vale:  2 mg/L pré-dose
Nortriptilina 50-150 mg/L pré-dose
Primidona 5-15 mg/L pré-dose
Procainamida 4-10 mg/L 1 hora/4-6 horas
Propranolol 50-100 mg/L pré-dose
Quinidina 2-5 mg/L pré-dose
Teofilina 8-20 mg/L durante infusão
oral: 1 hora/6 horas
Tobramicina Pico: 5-12 mg/L 0,5-1 hora*
Vale:  2 mg/L pré-dose
Vancomicina Pico: 20-40 mg/L 30 minutos**
Vale: 5-10 mg/L pré-dose

*Após 30 minutos de infusão endovenosa.


**Após 1 hora de infusão endovenosa.

noglicosídeos, em pacientes de alto risco, está delinea-


Quadro 46.3 Monitorização de níveis séricos de da no Quadro 46.3.
drogas

Dose de manutenção (métodos D, I ou D/I)


 BIBLIOGRAFIA SELECIONADA
Depois de 3-4 doses, determinar concentração:
Pico e/ou Vale ARONOFF, G.R.; BERNS, J.S.; BRIER, M.C.; GOLPER, T.A.; MORRISON,
G.; SINGER, I.; SWAN, S.K. & BENNETT, W.M. Drug Prescribing in


Renal Failure: Dosing Guidelines for Adults. American College Physici-


Níveis: subterapêuticos ou tóxicos Nível terapêutico ans, Philadelphia, PA, 4th ed. 1999, 176 p.
  BARSANULFO PEREIRA, E. Rim e Drogas: Manual Baseado em Princípios
Ajustar a dose pela fórmula: Monitorizar a VFG Farmacocinéticos. Robe Ed., São Paulo, 1988, 220 p.
*DN  DA  CD/CA  DE BROE, M.E. Prevention of aminoglycoside nephrotoxicity. Proc.
10-12 dias**  final do EDTA-ERA, 22:959-973, 1985.
tratamento DI GREGORIO, G.; BARBIERI, E.J.; KENNEDY, M.C. & FERKO, A.P.
*DN  dose nova, DV  dose anterior, CD  concentração desejada, CV Handbook of Commonly Prescribed Geriatric Drugs. Medical Surveillance
 concentração anterior. Inc., West Chester, PA, USA, 1993, 334 p.
**Aminoglicosídeos. Drug Evaluations, 6th ed. American Medical Association, 1986, 1654 p.
842 Uso de Medicamentos na Insuficiência Renal

EVANS, W.E. & OELLERICH, M. Therapeutic Drug Monitoring: Clinical Guide, ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
2nd ed. Abbott Diagnostics Division, Wiesbaden Delkenheim, 1987, 108 p.
FRIEDMAN, H. & GREENBLATT, D.J. Rational therapeutic drug moni- A First Course in Pharmacokinetics and Biopharmaceutics
toring. JAMA, 256(16):2227-2233, 1986. – David Bourne
GIBALDI, M. Biopharmaceutics and Clinical Pharmacokinetics, 3rd ed., Lea http://www.boomer.org/c/p1/
& Febiger, Philadelphia, PA, USA, 1984, 330 p. University of Pennsylvania Medical Center Guidelines for
GOODMAN & GILMAN’S: The Pharmacologic Basis of Therapeutics, 10th
Antibiotic Use
McGraw-Hill N.Y., 2001, 2148 p.
GORDAN, P.A.; CARVALHO, S.M. & MATNI, A. O emprego de drogas
http://www.uphs.upenn.edu/bugdrug /antibiotic - manual/
em insuficiência renal. In: Riella, M.C. Princípios de Nefrologia e Dis- renal.htm
túrbios Hidroeletrolíticos, Guanabara Koogan, 622-636, 1980. 2002 Dialysis of Drugs – Nephrology Pharmacy
GRAHL RAMOS, J.M.; DE LEON, J.F., SIEBURGER COSTA, F.; SAN Associates
MARTIN, S.P. & CONCEIÇÃO, S.C. O uso de medicamentos na in- http://www.nephrologypharmacy.com/downloads/
suficiência renal. In: Riella, M.C. Princípios de Nefrologia e Distúrbios DialysisDrugs2002.pdf
Hidroeletrolíticos, 2ª ed. Guanabara Koogan, 509-527, 1988. Uso de drogas em insuficiência renal – E. Barsanulfo
GUGLER, R. & AZARNOFF, D.L. The clinical use of plasma drug con-
Pereira
centrations. Rational Drug Therapy, 10(11):1-7, 1976.
KAUFFMAN, R.E. The clinical interpretation and application of drug http://www.medonline.com.br/med - ed/med2/drogas.htm
concentration data. Pediatric Clinics of North America, 28(1):35-45, 1981. The Drug Monitor – Nasr Anaizi
KOCH-WESER, J. Serum drug concentrations as therapeutic guides. N. http://home.eznet.net/~webtent/drugmonitor.html
Eng. J. Med., 287(5):227-231, 1975. The Renal Drug Book – Aronoff, G. & Brier, M. (2001)
McCOY, H.G. & CIPOLLE, R.J. Toward optimal drug therapy: Benefits of http://www.kdp-baptist.louisville.edu/renalbook/
therapeutic drug monitoring. Postgraduate Medicine, 74(4):121-134, 1983.
SCHRIER, R.W. & GAMBERTOGLIO, J.G. Handbook of Drug Therapy in Liver
and Kidney Disease, 1st ed., Little, Brown Co., Boston, Mass., 1991, 388 p.
WIDDOP, B. Therapeutic Drug Monitoring. Churchill Livingstone, Edin-
burgh, 1985, 359 p.
WINTER, M.E. Basic Clinical Pharmacokinetics, 2nd ed., Applied Therapeu-
tics, Inc., Vancouver, Washington, 1992, 416 p.
Capítulo
Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

47 Cristina Martins e Miguel C. Riella

INTRODUÇÃO Transplante renal


INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA Período pré-transplante
Recomendações nutricionais Período pós-transplante imediato
INSUFICIÊNCIA RENAL CRÔNICA Período pós-transplante tardio
Tratamento conservador Rejeição crônica
Recomendações nutricionais Recomendações nutricionais
Hemodiálise CONCLUSÃO
Recomendações nutricionais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Diálise peritoneal ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
Recomendações nutricionais

A mortalidade do paciente com IRA parece estar mais


INTRODUÇÃO relacionada a complicações básicas como infecção, he-
morragia ou eventos cardiopulmonares do que à uremia
A doença renal é acompanhada de alterações orgânicas per se. Desta forma, os efeitos adversos da desnutrição pro-
significativas, resultando em distúrbios no metabolismo de téico-calórica podem ser implicados como possíveis fato-
todos os nutrientes. Como conseqüência, esses pacientes res influenciando os resultados desses pacientes.
estão propensos à desnutrição em suas mais diversas for- A nutrição na IRA é objeto crescente de controvérsia
mas. É provável que existam fatores catabólicos distintos pelo fato de não existirem evidências claras de que a insti-
para os diferentes tipos e estágios da insuficiência renal. tuição de suporte nutricional altera a morbidade e a mor-
Podem contribuir para as alterações nutricionais desses talidade nesta condição. Por outro lado, ignorar as neces-
pacientes as anormalidades nos níveis corporais de ami- sidades nutricionais desses pacientes, particularmente
noácidos, a presença de acidose metabólica, os distúrbios daqueles hipercatabólicos e incapazes de se alimentar,
endócrinos, a insuficiência cardíaca, a inflamação, a infec- pode ter conseqüências desastrosas.
ção e a anemia, entre outros.
Além da influência orgânica na desnutrição, vários fatores
RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS
sociais e psicológicos também contribuem para o problema.
Quilocalorias
O gasto energético depende principalmente da doença
INSUFICIÊNCIA RENAL AGUDA básica. Dados indicam que na IRA, quando a uremia é bem
controlada pela diálise, existe pouca, ou nenhuma, mudan-
A forma de insuficiência renal aguda (IRA) de maior ça no gasto energético, e uma tendência maior para um
preocupação nutricional é a pós-cirúrgica, que traz uma gasto energético diminuído do que aumentado.1 Infecção
alta taxa de mortalidade. pós-operatória com subseqüente falência de múltiplos ór-
844 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

gãos, incluindo IRA, pode ser um estado altamente cata- o metabolismo protéico e de aminoácidos também pode ser
bólico. Estes achados poderiam ser explicados pelo meta- afetado pela secreção aumentada do hormônio da parati-
bolismo renal suprimido após o dano renal, dado que os reóide, níveis altos de catecolaminas, glucagon, corticos-
rins contam com aproximadamente 8% do gasto energéti- teróides, acidose metabólica e outros fatores hormonais. O
co do corpo em estado normal.2 processo de hemodiálise per se é considerado um processo
Em pacientes com IRA, as necessidades energéticas são catabólico devido às perdas de aminoácidos no dialisado,
determinadas pela doença básica e, como mencionado devido à liberação de proteases e citocinas após contato do
previamente, a IRA per se reduz o consumo energético. sangue com membranas pouco biocompatíveis.6
Pacientes com injúria e sépticos são hipercatabólicos, mas Em IRA, as necessidades protéicas ótimas obviamente
parece que este hipercatabolismo não é tão acentuado como dependem da natureza da doença básica, do grau de cata-
se pensou no passado. O aumento médio na taxa metabó- bolismo e da necessidade para diálise.
lica varia entre 12% e 14%.3 Em indivíduos com injúria, a excreção nitrogenada au-
menta em proporção ao aumento da taxa metabólica, in-
Proteínas dicando que proteína parece tornar-se uma fonte impor-
Várias causas têm sido descritas como contribuintes tante de energia. A utilização protéica tem sido estimada
para o aumento do catabolismo protéico nos pacientes com com a observação da proteína e energia exigidas para pro-
IRA, com ou sem falência de múltiplos órgãos associada duzir um balanço nitrogenado. No passado se pensava
(Quadro 47.1). Mediadores inflamatórios tais como inter- que a hiperalimentação poderia reverter o balanço nitro-
leucinas e fator de necrose tumoral parecem ativar as en- genado negativo de pacientes hipercatabólicos, mas evi-
zimas proteolíticas nas células musculares.4 Esta proteóli- dências recentes sugerem que isto foi um erro de julga-
se extensa no músculo esquelético pode ser crítica para a mento.
sobrevivência do hospedeiro. Aminoácidos de cadeia ra- O estudo de Macias et al.7 objetivou identificar a influ-
mificada são liberados durante a proteólise e podem ser ência de diferentes aportes de energia e proteínas no cata-
metabolizados dentro das células musculares como fonte bolismo protéico e balanço nitrogenado dos pacientes com
imediata de energia. Devido à liberação acelerada e ao clear- IRA. Os resultados mostraram que os pacientes que rece-
ance anormal de aminoácidos (derivados do músculo es- beram menos de 1,0 g de proteína por quilograma de peso
quelético) na IRA, as concentrações plasmáticas de amino- por dia apresentaram um maior déficit nitrogenado (8,4
ácidos podem aumentar, conduzindo a um padrão plas-  4,9 g N/dia), comparado com aqueles que receberam
mático atípico.5 Existe, também, evidência de que a sínte- mais de 1 grama por quilograma por dia (3,5  4,2 g N/
se protéica deficiente na uremia pode contribuir para a dia). Quando estratificado, nesse estudo, somente aqueles
redução da massa corporal magra. pacientes que alcançaram balanço nitrogenado positivo, foi
A insulina é um hormônio anabólico que melhora o observado que eles apresentaram uma tendência a receber
transporte de aminoácidos e estimula a síntese protéica. O menos quilocalorias não-protéicas/dia. Conclui-se, então,
metabolismo da glicose mediado pela insulina pode estar que com uma administração protéica maior que 1,0 g/kg/
deficiente em indivíduos urêmicos. Na insuficiência renal, dia, o aporte de menos quilocalorias está associado a uma
menor taxa de aparecimento da uréia.
A maioria do nitrogênio derivado dos aminoácidos
durante a degradação protéica é convertida em uréia. O
Quadro 47.1 Causas de desnutrição na insuficiência grau de catabolismo protéico pode ser avaliado com mais
renal aguda precisão através do cálculo da taxa do aparecimento do
nitrogênio uréico (urea nitrogen appearance — UNA).
Ingestão nutricional inadequada Baseado na taxa da UNA, os pacientes podem ser agru-
Catabolismo aumentado
pados em três categorias:
Hormônios
Glucagon Grupo 1: Taxa baixa de UNA ( 5 g/dia). Se estes paci-
Cortisol entes não estão emagrecidos e não estão em hemodiálise,
Hormônio da paratireóide pode ser vantajoso aconselhar um aporte nutricional com 20-
Resistência à insulina 30 g de aminoácidos essenciais ou 0,6 g/kg/dia de proteína.
Proteases
Este regime pode ser usado por curto período, não exceden-
Problemas médicos associados ou procedimentos
cirúrgicos do duas semanas. O balanço nitrogenado poderia ser neu-
Diálise tro ou levemente negativo, e a diálise poderia ser evitada.
Perdas protéicas (diálise peritoneal) Grupo 2: Taxa moderada de UNA (5-10 g/dia). Estes
Perdas de aminoácidos (hemodiálise e diálise pacientes moderadamente catabólicos devem fazer uso de
peritoneal) aminoácidos essenciais e não-essenciais (0,8 a 1,2 g/kg/
Catabolismo associado com a biocompatibilidade do
dialisador (hemodiálise) dia). É importante manter em mente que, durante este re-
gime nutricional, os pacientes continuarão em balanço ni-
capítulo 47 845

trogenado negativo até que o hipercatabolismo seja con- Lipídios e Carboidratos


trolado clinicamente. O conteúdo de triglicerídeos de lipoproteínas plasmá-
Grupo 3: Taxa alta de UNA (10 g/dia). Estes pacien- ticas está aumentado. O colesterol total e, em particular,
tes estão mais enfermos, com injúria grave ou sepse, usu- lipoproteínas de alta densidade estão diminuídos em pa-
almente submetidos a sessões freqüentes de diálise ou cientes com IRA.8 A atividade de ambas, lipase lipopro-
mesmo à terapia de reposição renal contínua (TRRC). A téica periférica e lipase hepática, é menor que 50% do nor-
administração de proteína deve ser um pouco mais alta mal.9
(1,2-1,5 g/kg/dia) para minimizar a degradação protéica Triglicerídeos de cadeia longa (TCLs) ou de cadeia mé-
e perdas na diálise (Quadro 47.2). dia (TCMs) têm sido utilizados. Uma dose de 1 g/kg/dia
Uma questão que permanece é se pacientes com IRA não aumenta substancialmente os triglicerídeos plasmáticos,
devem receber aminoácidos essenciais isolados ou uma e 20% a 25% das necessidades energéticas podem ser satis-
mistura de aminoácidos essenciais e não-essenciais. feitas.8,9,10 O clearance de triglicerídeos está marcadamente
reduzido em pacientes com IRA e aparentemente não exis-
te vantagem em usar TCMs ao invés de TCLs.10 Lipídios TCM
Pontos-chave: possuem afinidade maior para a lipase lipoprotéica e não
• A forma de insuficiência renal aguda (IRA) exigem carnitina para seu metabolismo, podendo ser utiliza-
dos mais facilmente que lipídios TCL. Teoricamente este tipo
de maior preocupação nutricional é a pós-
de lipídio poderia ser vantajoso na insuficiência renal, onde
cirúrgica, que traz uma alta taxa de o metabolismo de gorduras encontra-se alterado.11
mortalidade Glicose é a fonte energética preferida. Deveria ser lem-
• Na IRA, as necessidades energéticas são brado que a IRA altera a tolerância à glicose e hiperglice-
determinadas pela doença básica, pois a mia não é incomum nestes pacientes. Insulina é freqüen-
IRA per se reduz o consumo energético temente necessária para controlar a glicemia.
• Na IRA com injúria ou sepse, o aumento
médio na taxa metabólica varia entre 12% e Vitaminas, Eletrólitos e Minerais
14% Necessidades vitamínicas não estão bem definidas para
• Em indivíduos com injúria, a excreção pacientes com IRA, e as recomendações para ingestão são
principalmente derivadas de estudos em pacientes com
nitrogenada aumenta em proporção ao
insuficiência renal crônica (IRC).
aumento da taxa metabólica, indicando que A perda da função excretora do rim conduz a anormali-
proteína parece tornar-se uma fonte dades eletrolíticas, mas estas são fortemente influenciadas
importante de energia pela natureza do processo básico que causou a IRA. Pacien-
• A maioria do nitrogênio derivado dos tes altamente catabólicos tendem a ter concentrações séricas
aminoácidos durante a degradação protéica mais altas de elementos intracelulares, tais como potássio e
é convertida em uréia fósforo, particularmente pacientes com trauma muscular as-
sociado. Porém, poucos pacientes com IRA possuem níveis
séricos altos de potássio e de fósforo na internação.1
Aminoácidos essenciais deveriam ser reservados para Eletrólitos devem ser administrados conforme as neces-
situações de muito baixo catabolismo protéico, sem neces- sidades. Atenção particular deve ser dada para o potássio
sidade de diálise, emagrecimento, e períodos curtos (duas e o fósforo, principalmente naqueles pacientes em fase de
semanas no máximo). realimentação após jejum prolongado. Eletrólitos (p.ex.,

Quadro 47.2 Recomendações nutricionais na IRA

Quilocalorias 30-45 kcal/kg/dia


Proteína/aminoácido
Pacientes não dialisados 0,6 g/kg/dia de proteína ou aminoácidos mistos
Hemodiálise intermitente,
CAVH/CAVHD 1,2-1,5 g/kg/dia de proteína ou aminoácidos mistos
Lipídios até 30% do total de quilocalorias
Líquido individualizado
Vitaminas não definido — segue recomendação IRC
Eletrólitos não definido — segue recomendação IRC
Minerais não definido — segue recomendação IRC
846 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

magnésio) e elementos-traço (p.ex., cromo, zinco, selênio), Portanto, os objetivos do manejo nutricional na progres-
que dependem primariamente da excreção renal, podem são da IRC pré-diálise são reduzir a toxicidade urêmica, re-
necessitar de restrição. tardar a progressão da doença e prevenir a desnutrição. A
avaliação e o manejo cuidadosos são essenciais para garan-
tir o máximo de retardo da progressão da doença, ao mes-
INSUFICIÊNCIA RENAL mo tempo que assegura o estado nutricional adequado dos
pacientes.
CRÔNICA
RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS
Tratamento Conservador
Quilocalorias
Tipicamente, a insuficiência renal crônica (IRC) pré-di- As necessidades energéticas dos pacientes em tratamen-
álise ou em tratamento conservador progride até que seja to conservador aparentemente não são diferentes da po-
necessária a diálise ou o transplante renal. Os pacientes pulação em geral. O balanço nitrogenado neutro ou posi-
nessa fase podem estar em grande risco nutricional. Sinais tivo tem sido observado com um aporte de aproximada-
precoces de desnutrição, como a redução do peso corpo- mente 35 kcal/kg/dia.16 Para os pacientes obesos, podem
ral e declínio significativo na excreção urinária de creati- ser recomendados níveis mais baixos de quilocalorias. Por
nina, foram observados conforme a função renal dos paci- outro lado, os pacientes hipercatabólicos, fisicamente mui-
entes declinava.12 Com o avanço da IRC, podem ocorrer to ativos ou desnutridos, podem necessitar de um aporte
grandes reduções na concentração de vários aminoácidos energético maior (v. Quadro 47.3).
plasmáticos essenciais e totais.13 Também, vários índices Conforme a IRC progride, a ingestão calórica desses
nutricionais, como a ingestão alimentar, a transferrina, o pacientes tende a diminuir,17 e pode ser indicada uma su-
colesterol e o IGF-1 séricos, assim como o peso corporal, plementação para manter o estado nutricional adequado.
diminuíram quando a função renal se deteriorou.14 Nesses
estudos, entretanto, os pacientes foram avaliados antes de Proteínas — Quantidade
receberem qualquer tipo de intervenção nutricional. Vários estudos em pacientes com IRC sugerem que a
Existe, também, boa evidência sugerindo que o estado ingestão protéica pode ser reduzida com segurança para
nutricional dos pacientes com IRC pré-diálise afeta os re- 0,6 g/kg/dia, ou mesmo para 0,3 g/kg/dia se suplemen-
sultados de taxa de mortalidade após o início da diálise de tada com uma mistura de aminoácidos essenciais ou ceto-
manutenção.15 ácidos.18,19,20 Os aminoácidos essenciais e os cetoácidos es-

Quadro 47.3 Recomendações nutricionais diárias no tratamento conservador (pré-diálise)

Quilocalorias (kcal/kg)
• Repleção de peso 35-45
• Manutenção 35
• Redução 25-30
Proteína (g/kg)
• Repleção e diabéticos com IRC 0,8-1,0
• Manutenção 0,6-0,8 (60-80% AVB)
ou 0,3  suplementação com aminoácidos essenciais (0,3)
ou 0,3  suplementação com cetoácidos (0,3)
Carboidratos (oral) 50-65% do total de quilocalorias
Lipídios 25-35% ou o restante das quilocalorias estimadas
Sódio (g) 1-3 (individualizado para pressão arterial e edema)
Potássio (g) Individualizado, usualmente sem necessidade de restrição
Líquido Normalmente sem necessidade de restrição
Fósforo (mg) 800 ou  10 mg/kg/dia
Cálcio (mg) 1.000-1.500

Fonte: Riella, M.C.; Martins, C. Nutrição na Progressão da Insuficiência Renal Crônica. In: M.C. Riella, C. Martins. Nutrição e o Rim. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 91-102, 2001.
capítulo 47 847

tão disponíveis no mercado (p.ex.: cetoácidos Ketosteril, É importante lembrar que esta suplementação de ami-
Fresenius Kabi), porém o custo de ambos ainda é uma gran- noácidos essenciais ou cetoácidos só funciona se o pacien-
de limitação. Para se evitar um balanço nitrogenado nega- te aderir à dieta restrita em proteínas (0,3 g/kg/dia). No
tivo, um aporte energético adequado é necessário, sendo caso de uma ingestão protéica maior, os suplementos são
pelo menos 60% da proteína ingerida de alto valor bioló- simplesmente oxidados.16
gico.
Quanto à recomendação protéica, três alternativas têm
Pontos-chave:
sido habitualmente utilizadas:16,21
• Os objetivos do manejo nutricional na
• Dieta hipoprotéica convencional (alimentos mistos),
com 0,6 g/kg de peso ideal por dia de proteína. Os pa- progressão da IRC pré-diálise são reduzir a
cientes na fase pré-diálise da IRC necessitam em torno toxicidade urêmica, retardar a progressão
de 0,6 g/kg/dia de proteína para manter o balanço ni- da doença e prevenir a desnutrição
trogenado. Para assegurar um bom aporte de aminoá- • O balanço nitrogenado neutro ou positivo
cidos essenciais, 2/3 da proteína ingerida deve ser de tem sido observado com um aporte de
alto valor biológico (ovos, carne, etc.). No passado se aproximadamente 35 kcal/kg/dia
acreditava que as dietas poderiam ser mais hipoprotéi- • Quanto à recomendação protéica, três
cas, e que o nitrogênio proveniente da degradação da alternativas têm sido habitualmente
uréia poderia ser reutilizado na síntese de aminoácidos.
utilizadas:
Sabe-se hoje em dia que o nitrogênio proveniente da
1. Dieta hipoprotéica convencional (alimentos
uréia não contribui significativamente para a síntese
protéica na uremia.16
mistos), com 0,6 g/kg de peso ideal por dia
• Dieta muito hipoprotéica, contendo 0,3 g/kg/dia de de proteína
proteína predominantemente vegetal, e suplementada 2. Dieta muito hipoprotéica, contendo 0,3 g/
com uma mistura de aminoácidos essenciais (AAE). kg/dia de proteína predominantemente
Vários estudos avaliaram a eficácia e a aceitação de uma vegetal, e suplementada com uma mistura
dieta muito hipoprotéica (0,3 g/kg/dia), suplementada de aminoácidos essenciais (AAE)
com aminoácidos essenciais.16 Há correção dos sintomas 3. Dieta muito hipoprotéica, contendo 0,3 g/
urêmicos, manutenção do estado nutricional e balanço kg/dia de proteína predominantemente
nitrogenado positivo por longos períodos, mas se acre- vegetal, e suplementada com uma mistura
dita que estas dietas, baseadas nas necessidades de in-
de AAE e cetoácidos (análogos dos
divíduos normais, não são adequadas para pacientes
aminoácidos sem nitrogênio)
com insuficiência renal. Isto porque alguns aminoácidos
se tornam condicionalmente essenciais na uremia. Por
exemplo, a tirosina, que não é um aminoácido essenci- Estudo MDRD (The Modification of Diet in Renal
al, tem a sua síntese, a partir da fenilalanina, alterada Disease Study)
na uremia, sugerindo a necessidade de suplementação. O MDRD é um estudo histórico objetivando avaliar a
O mesmo se aplica à histidina. A sua falta na uremia influência de dietas hipoprotéicas na progressão da IR. O
acarreta um balanço nitrogenado negativo, além de mal- estudo teve caráter multicêntrico e randomizado. Os crité-
estar e rash cutâneo. Da mesma forma, a serina, sinteti- rios levados em consideração foram dois níveis de pressão
zada basicamente no rim, deve ser suplementada, já que arterial: pressão arterial média de 107 mmHg, ou em torno
está habitualmente reduzida nos urêmicos.16 de 140/90 mmHg, e pressão arterial média de 92 mmHg, ou
• Dieta muito hipoprotéica, contendo 0,3 g/kg/dia de em torno de 125/75 mmHg. Os diabéticos foram excluídos
proteína predominantemente vegetal, e suplementada do estudo, e as drogas anti-hipertensivas, inclusive os ini-
com uma mistura de AAE e cetoácidos (análogos dos bidores da enzima conversora, foram utilizadas.22
aminoácidos sem nitrogênio) (v. Quadro 47.3). Vários No grupo A, com 585 pacientes e taxa de filtração glo-
estudos também comprovam a eficácia desta dieta, re- merular entre 25 e 55 ml/minuto, os pacientes foram alea-
duzindo sintomas urêmicos e mantendo os parâmetros toriamente designados para uma dieta hipoprotéica con-
nutricionais e o balanço nitrogenado adequados. Tam- vencional (0,58 g/kg/dia) ou uma dieta usual contendo 1,3
bém, estas dietas hipoprotéicas melhoram a acidose g/kg/dia de proteína.
metabólica, porque geram menos íons H. Melhorando No grupo B ficaram 255 pacientes com taxa de filtração
a acidose metabólica, ocorre uma diminuição do cata- glomerular entre 13 e 24 ml/minuto. Nesse grupo, os pa-
bolismo protéico e melhora do balanço nitrogenado. cientes foram aleatoriamente colocados em uma dieta hi-
Adicionalmente, as dietas suplementadas com cetoáci- poprotéica convencional (0,58 g/kg/dia) ou muito hipo-
dos parecem melhorar a tolerância à glicose. protéica (0,28 g/kg/dia), suplementada com cetoácidos.
848 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

Os pacientes foram acompanhados em média por 2,2 po para entrar em diálise. Portanto, haveria um benefí-
anos, e a cada quatro meses foram determinadas a taxa cio da dieta hipoprotéica em pacientes com IRC avança-
de filtração glomerular por 125I-iotalamato e a ingestão da (25 ml/minuto), mas não com a suplementação de
protéica. cetoácidos.
Os resultados mostraram uma aderência razoavelmen- Portanto, através do estudo MDRD não ficam bem es-
te boa à dieta: no grupo A, ingestão de 1,1  0,19 versus clarecidos os benefícios de uma dieta hipoprotéica em tor-
0,73  0,15 recomendada, e no grupo B, 0,69  0,12 versus no de 0,6-0,7 g/kg/dia. Não há dúvida de que se possa
0,46  0,15 g de proteína recomendada/kg/dia (média  retardar a diálise por vários anos, mas isso pode significar
DP aos dois anos de acompanhamento). um grande esforço principalmente do paciente.
A análise dos resultados mostrou que o declínio da fun-
ção renal não variou entre os grupos (considerando dieta e
pressão arterial). Os autores concluíram que no grupo com
Pontos-chave:
IRC moderada (grupo A) houve um declínio mais lento da • O MDRD é um estudo histórico objetivando
função renal após o quarto mês de instituição da dieta hi- avaliar a influência de dietas hipoprotéicas
poprotéica. No grupo com IRC avançada (grupo B), não na progressão da IR
houve diferença das duas dietas sobre o declínio da função
• A análise dos resultados mostrou que o
renal. Porém, neste grupo não houve grupo-controle.
declínio da função renal não variou entre os
A interpretação dos dados deste estudo é complicada
pelos seguintes fatores: 23 grupos (considerando dieta e pressão
arterial)
• Não se exigiu previamente prova de progressão da IRC,
• Portanto, através do estudo MDRD não
e no grupo A, 15% dos pacientes não apresentaram ne-
ficam bem esclarecidos os benefícios de
nhum declínio da função renal no período de estudo.
• A progressão da IRC foi mais ou menos 30% mais lenta uma dieta hipoprotéica em torno de 0,6-0,7
do que a esperada. g/kg/dia
• Aproximadamente 20% dos pacientes tinham doença
renal policística e esta enfermidade parece não sofrer Em estudos de metanálise, Pedrini et al.26 avaliaram
influência da dieta ou controle agressivo da pressão apenas pesquisas randomizadas, controladas e com acom-
arterial. panhamento superior a um ano. O ponto final era a morte
• A inclusão de anti-hipertensivos do grupo dos inibido- ou a insuficiência renal terminal. A análise incluiu 1.413
res da enzima conversora torna mais difícil detectar o pacientes com IRC não-diabética e 108 pacientes com IRC
benefício da dieta hipoprotéica. diabética insulino-dependente. Em pacientes não-diabéti-
• A mistura de cetoácidos foi diferente daquela utilizada cos e submetidos a uma dieta hipoprotéica (0,4-0,6 g/kg/
no estudo que relatou retardo na progressão da IRC. dia de proteína prescrita), houve uma redução de 33% no
• O tempo de seguimento foi curto, especialmente se con- risco de morte ou insuficiência renal terminal. Nos paci-
siderado o declínio inicial da função renal no quarto mês entes diabéticos, a dieta reduziu o risco de progressão da
após instituída a dieta hipoprotéica. lesão renal (queda do clearance de creatinina ou TFG, ou
Apesar disto, algumas tendências: um aumento na proteinúria) em 46% (p  0,001). Também,
• Houve um retardo significativo na progressão quando
em outra metanálise, Kasiske et al.27 analisaram 1.919 paci-
a pressão arterial foi vigorosamente controlada em pa-
entes de 13 estudos randomizados e encontraram uma dis-
cientes com proteinúria 1 g/dia.
creta redução na taxa de declínio da função renal (0,53 ml/
• A função renal de negros deteriorou-se mais rapida-
minuto/ano). Fouque et al.28 analisaram seis estudos que
mente.
incluíram 890 pacientes não-diabéticos, randomizados e
No grupo B (IRC avançada), como citado anteriormen- seguidos por um ano. Em cinco dos seis estudos, o núme-
te, a ingestão protéica variou muito, sendo que alguns ro de mortes “renais” foi menor no grupo com dieta hipo-
pacientes ingeriram quantidades similares àquelas do gru- protéica, quando comparado com o grupo-controle (61
po A. Numa análise secundária do estudo MDRD, foram versus 95). No grupo da dieta hipoprotéica, a chance de
feitas correlações entre a quantidade de proteína ingerida morte “renal” foi de 0,54, ou seja, 46% a menos de chance
e a taxa de declínio da função renal.24,25 O resultado dessa de desenvolver a insuficiência renal.
análise revelou que uma redução da ingestão protéica de Por outro lado, embora os resultados das dietas hipo-
0,2 g/kg/d ou mais foi associada com um declínio mais protéicas sejam mais evidentes na nefropatia diabética, os
lento da taxa de filtração glomerular (TFG) (1,15 ml/mi- inibidores da enzima conversora, que retardam significa-
nuto ou 29% da queda média da TFG no grupo B ou 4 ml/ tivamente a progressão da IRC, não foram utilizados nos
minuto/ano). Isto significa que um paciente com um de- estudos que mostraram efeito significativo da dieta hipo-
clínio da TFG 29% mais lento prolongaria em 41% o tem- protéica.29
capítulo 47 849

E quando iniciar a dieta hipoprotéica? Essa recomenda- a carne vermelha (gado), o frango, o peixe, a albumina do
ção é baseada nos seguintes critérios:16 ovo e a soja. Os resultados mostraram que a carne verme-
lha teve um aumento significativo no clearance de creatini-
• Grau da IRC.
na, quando comparado o início com os períodos pós-inges-
• Presença de progressão da IRC.
tão. Também, a carne vermelha teve clearances de creatini-
• Grau de proteinúria.
na renal elevados por tempo mais prolongado do que os
• Uso ou não de glicocorticóides.
demais tipos de proteínas utilizados. A soja foi a única fonte
Insuficiência Renal Crônica Discreta (TFG  60 ml/minuto). protéica que não teve aumento estatisticamente significa-
Estes pacientes geralmente apresentam uma creatinina tivo no clearance de creatinina nesses indivíduos. Um ou-
sérica em torno de 2 mg/dl. Não é recomendada redução tro estudo, agora em ratos que sofreram nefrectomia sub-
na ingestão protéica, a não ser que haja sinais de progres- total, avaliou os efeitos da qualidade de proteínas (caseí-
são da IRC. O objetivo nesta fase é controlar a pressão ar- na e soja) sobre a função renal.32 Os animais submetidos à
terial e outros fatores, como a hiperlipidemia. dieta à base de soja melhoraram a sobrevida, com menor
Insuficiência Renal Crônica Moderada (TFG 25-60 ml/minuto). proteinúria, menor hipertrofia, menor dano renal histoló-
É geralmente recomendado iniciar uma dieta com 0,6-0,8 gico dos néfrons remanescentes, associado a um melhor
g/kg/dia de proteínas, sendo 2/3 de alto valor biológico perfil lipídico sérico.
(carne, peixe e ovos), juntamente com um controle rigoro- Os mecanismos envolvidos no fato da proteína influen-
so da pressão arterial. Para aqueles diabéticos com IRC, é ciar na função renal normal e na progressão da IRC ainda
recomendada uma ingestão protéica de 0,8-1,0 g/kg/dia não estão bem esclarecidos. Tem sido sugerido que a com-
de proteína de alto valor biológico. No caso de progressão posição de aminoácidos da proteína pode estar envolvida
da IRC na vigência dessa dieta hipoprotéica convencional nesta resposta. A infusão de lisina em humanos, por exem-
em torno de 0,6 g/kg/dia, pode ser recomendada uma plo, exerce um efeito inibitório sobre a reabsorção tubular
dieta vegetariana (0,3 g/kg/dia), suplementada com ami- de proteínas, gerando aumento da excreção de albumina.33
noácidos essenciais ou cetoácidos. A restrição de fósforo é Esse efeito tem sido atribuído a aminoácidos, como a vali-
essencial, mas felizmente isto se consegue facilmente com na, histidina, glicina e lisina, que possuem um grupo ami-
a restrição protéica. na com carga positiva na sua cadeia terminal. Isso torna-
Insuficiência Renal Crônica Avançada (TFG 5-25 ml/minuto). os hábeis a interferir no processo de reabsorção tubular da
Ambas as dietas recomendadas para a IRC moderada po- proteína. De outra forma, o triptofano, que é um aminoá-
dem ser indicadas nesta fase. Ambas reduzem os sintomas cido neutro, parece interferir na ação de aminoácidos de
urêmicos e as complicações metabólicas da uremia, e pode carga elétrica positiva (p.ex., arginina, histidina, lisina),
haver um retardo no declínio da função renal residual. É inibindo a proteinúria.34
importante lembrar que os pacientes com 10 ml/min de Existem muitas limitações quanto às metodologias uti-
TFG estão mais sujeitos à desnutrição. lizadas avaliando o papel de diferentes proteínas no de-
senvolvimento e progressão da IRC. Pelo fato dos estudos
Proteína — Qualidade (Animal ou Vegetal?) terem mantido a quantidade da proteína próxima ao “usu-
Além da quantidade de proteína recomendada, a fon- al”, ainda não está claro se uma redução na sua quantida-
te pode também ser importante para a progressão da de total teria o mesmo efeito. A soja tem sido sugerida como
IRC. fonte protéica que parece melhor retardar a progressão da
Um estudo em diabéticos avaliou as respostas renal, doença renal. Mantém-se, portanto, a questão se realmen-
metabólica e hormonal da ingestão protéica animal versus te é a quantidade ou também a qualidade da proteína que
vegetal.30 Os indivíduos receberam principalmente prote- possui menor influência na progressão da IRC. De qual-
ínas de origem animal (1,1 g/kg/dia; 70% animal e 30% quer forma, uma dieta vegetariana, se adequadamente
vegetal) durante quatro semanas, e depois passaram para implementada, pode ser uma alternativa segura e viável
outro período de quatro semanas com uma ingestão pro- em substituição à dieta contendo proteína animal. Maio-
téica exclusivamente vegetal (0,95 g/kg/dia). O RFG e o res pesquisas ainda são necessárias nessa área.
fluxo plasmático renal foram significativamente mais bai-
xos com a proteína vegetal. Carboidratos e Lipídios
As proteínas animais parecem influenciar adversamente É usualmente recomendado que os pacientes em trata-
o RFG e a progressão da doença renal. Em um estudo em mento conservador façam uma dieta rica em carboidratos
nosso Centro (Hospital Universitário Evangélico de Curi- (aproximadamente 50 a 60% do total de quilocalorias). Os
tiba), foi avaliado o efeito hemodinâmico renal com dife- lipídios são recomendados geralmente entre 30 e 40% do
rentes cargas protéicas sobre o RFG de indivíduos nor- total das quilocalorias, sendo ricos em mono- e poliinsa-
mais.31 O RFG dos indivíduos, medido pelo clearance de turados. O uso desses ácidos graxos é recomendado para
creatinina, foi avaliado antes da carga protéica (70 g) e após, minimizar o risco de hiperlipidemia principalmente dos
durante 180 minutos. As fontes protéicas estudadas foram pacientes diabéticos em IRC.
850 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

Sódio, Potássio e Líquidos As exigências de oligoelementos para esses pacientes


Como visto anteriormente, a hipertensão é um dos fato- não estão bem definidas, e também são próximas do reco-
res de risco para o desenvolvimento e progressão da IRC. A mendado à população em geral. A suplementação de fer-
hipertensão aumenta conforme a função renal se deteriora. ro pode ser necessária para alguns pacientes, especialmente
A redução da ingestão de sódio pode auxiliar no controle em conjunto com a terapia com eritropoietina.
da hipertensão, assim como nos sintomas de retenção hídrica
(edema). Os indivíduos diferem em sua sensibilidade ao sal,
Pontos-chave:
e é recomendada uma ingestão máxima de 3.000 mg/dia de
sódio, sendo o ideal entre 1.000 e 2.000 mg/dia. • É usualmente recomendado que os
O potássio não é normalmente restringido, até que haja pacientes em tratamento conservador façam
uma perda significativa da função renal (RFG  5 ml/mi- uma dieta rica em carboidratos
nuto). Enquanto existe em média um volume urinário de
(aproximadamente 50 a 60% do total de
1.000 ml/dia (usualmente os pacientes recebem diuréticos),
quilocalorias)
o potássio não necessita de restrição. Alguns medicamen-
tos anti-hipertensivos (p.ex., inibidores da enzima conver- • Os lipídios são recomendados geralmente
sora), entretanto, podem elevar precocemente os níveis entre 30 e 40% do total das quilocalorias,
séricos de potássio, necessitando de restrição alimentar do sendo ricos em mono- e poliinsaturados
mineral. O aumento persistente do potássio sérico do pa- • Os indivíduos diferem em sua sensibilidade
ciente que está recebendo uma dieta hipoprotéica e restri- ao sal, e é recomendada uma ingestão
ta no mineral é uma indicação para o início da diálise. máxima de 3.000 mg/dia de sódio, sendo o
Os líquidos também não necessitam de restrição na di- ideal entre 1.000 e 2.000 mg/dia
eta, até que ocorra uma perda significativa da função re- • O potássio não é normalmente restringido,
nal (p.ex., RFG  5 ml/minuto). O monitoramento cuida-
até que haja uma perda significativa da
doso do peso corporal e do volume de excreção urinária
auxilia no manejo hídrico.
função renal (RFG  5 ml/minuto)
• Os líquidos também não necessitam de
Cálcio e Fósforo restrição na dieta, até que ocorra uma perda
A absorção intestinal de cálcio parece diminuir preco- significativa da função renal (p.ex., RFG  5
cemente no curso da progressão da IRC, devido ao meta- ml/minuto)
bolismo alterado da vitamina D. As dietas pobres em fós-
foro também são geralmente pobres em cálcio. Portanto,
pode ser necessária a suplementação do mineral, assim Hemodiálise
como da vitamina D ativa.
Pelo fato de que os níveis elevados de fósforo estão li- A desnutrição protéico-calórica é comum em pacientes
gados à progressão da IRC, assim como ao desenvolvimen- em hemodiálise (HD) crônica.35 As causas da desnutrição
to do hiperparatireoidismo secundário, é importante o incluem ingestão alimentar reduzida, distúrbios hormonais
controle da ingestão do mineral. Em geral, a dieta deve e gastrintestinais, restrições severas na dieta, medicamen-
conter 5-10 mg/kg/dia de fósforo. As dietas hipoprotéi- tos que podem influenciar na absorção de nutrientes e pre-
cas automaticamente já são pobres em fósforo, porém so- sença constante de enfermidades intercorrentes. Além dis-
mente as dietas muito pobres em proteínas e com suple- so, o procedimento de HD per se é catabólico e está associ-
mentação de aminoácidos essenciais ou cetoácidos pode- ado com perdas de nutrientes no dialisado.
riam alcançar os níveis recomendados. Uma restrição em A desnutrição aumenta significativamente a taxa de
torno de 10 a 12 mg/kg/dia é mais fácil de ser alcançada. morbidade e mortalidade em HD. Os maiores determinan-
Conforme a IRC progride, pode ser necessária a utilização tes de morbidade e mortalidade, tem-se demonstrado, são
de quelantes de fósforo, em adição à restrição alimentar do a adequação da diálise36,37 e o estado nutricional dos paci-
mineral, para manter o seu nível sérico adequado. entes.38 Pacientes dialisados adequadamente sentem-se
melhor e, conseqüentemente, comem melhor.
Vitaminas e Oligoelementos Em HD as recomendações de vários nutrientes são se-
As exigências de vitaminas de pacientes com IRC em veramente restritivas. A desnutrição pode ser um proble-
tratamento conservador não estão bem definidas. Parece ma maior do que a necessidade de restrições na dieta.
haver evidência de deficiência de piridoxina. As reservas Portanto, em muitos casos, uma nutrição adequada é
de vitamina A estão aparentemente aumentadas já nesta mais importante e pode necessitar sobrepor-se a outros
fase da IRC, e portanto deve ser evitada. As recomenda- objetivos.
ções de vitaminas hidrossolúveis são próximas ao reco- A detecção e o tratamento precoces da desnutrição po-
mendado para a população em geral. dem reduzir o risco de infecções e outras complicações em
capítulo 47 851

pacientes em HD.39 A desnutrição em HD possui, prova- zir o apetite quanto aumentar o catabolismo do paciente.
velmente, causas multifatoriais. Alguns dos fatores são A anorexia tem também sido atribuída a alterações na acui-
mostrados no Quadro 47.4. dade gustativa, talvez causadas pela deficiência de zinco,
Pacientes com diabetes têm mais probabilidade de se- por restrições severas de sódio, potássio e líquidos, tornan-
rem desnutridos. Isto pode estar relacionado com as enfer- do a dieta pouco palatável e de difícil aderência, e devido
midades associadas, tais como síndrome nefrótica e insu- ao uso crônico de medicamentos, que pode competir com
ficiência cardíaca congestiva, ocorrência freqüente de gas- a ingestão alimentar e/ou promover redução do apetite.
troparesia e diarréia, e a incidência alta de cegueira e neu- Um avanço que parece melhorar o estado nutricional de
ropatia periférica nestes pacientes. pacientes em HD é o uso da eritropoietina. Parece que a
São comuns as disfunções gastrintestinais, como náuse- eritropoietina melhora o padrão de aminoácidos plasmá-
as, vômitos, gastrite, diarréia, obstipação e outras, que ticos. Isto pode ser resultado de um aumento do suprimen-
podem afetar a ingestão, digestão e absorção de nutrien- to de oxigênio a diferentes tecidos, como músculos e cére-
tes. Fadiga pós-diálise, episódios hipotensivos intradialí- bro. Pode, também e por outro lado, ser resultado da me-
ticos e necessidade freqüente de hospitalizações por pro- lhora da ingestão alimentar, secundária à melhora do ape-
blemas intercorrentes podem prevenir uma ingestão ali- tite e bem-estar observados.42,43
mentar adequada.
Restrições financeiras e condição de pobreza, comuns RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS
nesta população, podem dificultar diretamente a aquisição As recomendações nutricionais em HD crônica estão
de alimentos. O uso crônico de múltiplos medicamentos apresentadas no Quadro 47.5.
pode conduzir à obstipação, motilidade gastrintestinal re-
duzida e interações droga-nutriente.
Quilocalorias
Outro grande problema é a alta taxa de não-aderência às
Diferente do que se pensava no passado, vários estudos
recomendações nutricionais que esta população apresenta.40
têm demonstrado que pacientes em HD não possuem gasto
O tratamento de diálise envolve mudanças no estilo de vida
energético maior do que indivíduos normais, medido atra-
e ajustes em todos os aspectos da vida do paciente.
vés da calorimetria indireta.44 Embora pareça que os mé-
A identificação da desnutrição é muitas vezes difícil.
todos atuais de estimativa de gasto energético não sejam
Vários estudos têm demonstrado que a albumina sérica é
representativos do gasto atual desta população,45 nenhu-
um fator preditor independente e forte da mortalidade
ma nova recomendação foi ainda estabelecida.
destes pacientes, e quanto mais baixo o nível sérico, maior
o risco de morte.35,38
A anorexia parece ser um dos fatores mais significati- Proteínas
vos da desnutrição de pacientes em HD.41 Ela pode ocor- A etiologia para os distúrbios de aminoácidos na ure-
rer devido à toxicidade urêmica, efeitos debilitantes da mia não está claramente entendida. A desnutrição pode ser
doença crônica, depressão emocional e efeitos de enfermi-
dades adicionais, como infecções, que podem tanto redu-

Quadro 47.5 Recomendações nutricionais na


hemodiálise
Quadro 47.4 Causas de desnutrição em
hemodiálise Quilocalorias 30-35 kcal/kg/dia
Proteína 1 a 1,2 g/kg/dia (50-80% AVB)
Ingestão alimentar insuficiente Carboidratos 50-60% do total de quilocalorias
Anorexia Lipídios 25-35% do total de quilocalorias
diálise inadequada Sódio 1 a 3 g/dia
depressão Potássio 1 a 3 g/dia
dietas muito restritas Líquido 500 ml  vol. urinário de 24 h
medicamentos Fósforo 800 a 1.200 mg/dia
efeitos debilitantes da doença crônica Cálcio 1.000 a 1.200 mg/dia
Limitações financeiras Vitaminas
Disfunções gastrintestinais Complexo B e vit. C
Catabolismo aumentado Ácido ascórbico 60-100 mg
Perdas de aminoácidos e vitaminas na diálise Ácido fólico 1,0 mg
Proteólise aumentada pelo contato do sangue com as Piridoxina (B6) 5-10 mg
membranas dialíticas Riboflavina (B2) 1,8 mg
Alterações hormonais Niacina 20 mg
Resistência à insulina Tiamina 1,5 mg
Hiperglucagonemia Ácido pantotênico 5,0 mg
Hiperparatireoidismo Ferro Suplementação individualizada
852 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

um fator contribuinte para estes distúrbios, ou a desnutri- a recomendação diária varia de 1 a 3 g. Para pacientes sem
ção pode ocorrer devido ao metabolismo alterado de ami- manifestações clínicas de sobrecarga hídrica e com inges-
noácidos não-essenciais.41 Os rins têm papel maior na sín- tão calórica baixa devido principalmente à anorexia, uma
tese, degradação e excreção de aminoácidos. O excesso de ingestão normal de sódio, principalmente na última refei-
toxinas urêmicas, por outro lado, pode influenciar comple- ção, antes da sessão de diálise (7 a 9 horas antes), pode ser
xos enzimáticos envolvidos no metabolismo e transporte recomendada.
de aminoácidos específicos. Ocorrem, também, perdas de Pacientes com volume urinário igual ou maior que 1.000
aminoácidos em cada sessão de HD (5 a 8 g de aminoáci- ml/dia em geral não necessitam de restrição de potássio
dos livres e 4 a 5 g de aminoácidos ligados),41 contribuin- na dieta. Níveis sangüíneos de potássio são monitorados
do para a desnutrição. para a avaliação da necessidade de restrição.
Na uremia, tipicamente, são encontradas concentrações
plasmáticas e musculares baixas de alguns aminoácidos Líquidos
essenciais, e concentrações altas de vários aminoácidos O volume de excreção urinária é um bom guia para a
não-essenciais.
recomendação da ingestão de líquidos. Normalmente a
O catabolismo protéico pode também estar aumentado,
recomendação diária é de 500 ml mais o volume de urina
dependendo da biocompatibilidade das membranas arti-
de 24 horas. Em caso de clima muito quente (transpiração
ficiais do dialisador.46
excessiva), febre e diarréia, recomenda-se aumentar a in-
Outro fator adicional é a acidose metabólica, que, quan-
gestão hídrica.
do controlada em pacientes urêmicos, leva a uma diminui-
A recomendação atual de líquido corresponde a um
ção do catabolismo protéico, com melhora do balanço ni-
ganho de peso desejável de até 2 kg no período interdialí-
trogenado.47
tico, para HD 3 vezes por semana. Esta recomendação,
A uréia sangüínea possui relação direta com a ingestão
entretanto, pode não ser realista para todos os pacientes.
protéica ou com a quebra endógena de proteínas (catabo-
Provavelmente a recomendação quanto ao ganho de peso
lismo), ou combinação de ambos. A recomendação em HD
interdialítico deva ser em termos relativos (p.ex., porcen-
é de 1,0 a 1,2 g/kg/dia (alguns autores consideram até 1,4
tagem do peso seco), para considerar diferenças individu-
g/kg/dia).48,49 As necessidades protéicas podem ser mais
altas, dependendo do nível de estresse e necessidades ais na estrutura física.
metabólicas aumentadas. O cálculo da PNA (protein equi-
valent nitrogen appearance rate — taxa de aparecimento do Cálcio e Fósforo
nitrogênio protéico), a partir da geração da uréia, é utili- A recomendação de cálcio é de 1.000 a 1.200 mg por
zado para determinar as necessidades protéicas em paci- dia.48,49 Cálcio usualmente requer suplementação devido à
entes estáveis. Valores inferiores às recomendações suge- absorção intestinal diminuída e devido à restrição usual de
rem uma ingestão protéica baixa. produtos de laticínio (ricos em fósforo) na dieta. A restri-
ção usual de fósforo é de 800 a 1.200 mg por dia.48,49 O con-
Lipídios e Carboidratos trole do fósforo sérico não é usualmente possível somente
Uma ingestão equilibrada de carboidratos e lipídios é com a dieta; é necessário o uso de quelantes, que se ligam
necessária para suprir a necessidade calórica total, caso ao fósforo da dieta e são excretados via intestinal. As do-
contrário, as proteínas ingeridas são utilizadas como fon- ses de quelantes prescritos devem ser de acordo com a
te energética. Para pacientes com níveis elevados de trigli- quantidade de fósforo presente na refeição.
cerídeos séricos, recomenda-se redução na ingestão de
carboidratos e aumento na ingestão de lipídios. Em caso Vitaminas
de nível elevado de colesterol sérico, recomenda-se redu- A homocisteína é um potente agente aterosclerótico.
ção na ingestão de lipídios saturados e colesterol. Estas são Hiper-homocisteinemia tem sido correlacionada com do-
recomendações baseadas em estudos em indivíduos hiper- ença vascular precoce.51 Pacientes renais crônicos têm ris-
lipidêmicos, porém não nefropatas. A evidência do papel co reconhecido e altas taxas de morbidade e mortalidade
da dieta na melhora dos níveis dislipidêmicos em HD ain- devido à aterosclerose. Concentrações de homocisteína são
da não está clara.50 geralmente elevadas em pacientes renais crônicos.52 As
Para pacientes apresentando problemas de obstipação vitaminas B12, B6 e ácido fólico funcionam como co-fatores
intestinal, são recomendadas fontes de carboidratos ricos nestas reações enzimáticas.
em fibras, porém com atenção especial ao conteúdo de Em pacientes renais crônicos, vitaminas hidrossolúveis
potássio destas fontes. são perdidas durante a diálise, além de a ingestão alimen-
tar poder estar diminuída. Em doses farmacológicas, a
Sódio e Potássio suplementação diária destas vitaminas reduz as concentra-
A recomendação de sódio e potássio é individualizada, ções plasmáticas de homocisteína em indivíduos com fun-
dependendo do volume e de perdas urinárias. Para ambos, ção renal normal51 e em indivíduos com insuficiência re-
capítulo 47 853

nal crônica,53 e parece ter efeitos benéficos no risco de do-


Quadro 47.6 Causas de desnutrição em CAPD50
enças cardiovasculares.
LIPOSSOLÚVEIS. As vitaminas lipossolúveis usual- Ingestão diminuída
mente não exigem suplementação, exceto a vitamina D, Anorexia
com indicação individualizada, de acordo com os níveis Pressão intraperitoneal aumentada
sangüíneos de cálcio e fósforo. Diálise inadequada/perda da função renal
residual
HIDROSSOLÚVEIS. A necessidade de suplementação Sobrecarga hídrica
de vitaminas hidrossolúveis é individualizada e depende Doença gastrintestinal coexistente (refluxo, úlcera
da avaliação nutricional completa e periódica. Vitaminas péptica, gastroparesia)
hidrossolúveis são dialisáveis e a suplementação é usual- Co-morbidade coexistente (insuficiência cardíaca,
mente recomendada, principalmente complexo B (ácido doença pulmonar crônica)
Medicamentos
fólico e piridoxina) e vitamina C.
Absorção constante de glicose
Restrições financeiras
Ferro Iatrogenia
A recomendação de suplementação de ferro varia de Restrições dietéticas excessivas ou inapropriadas
Perdas aumentadas
acordo com o uso ou não de eritropoietina (EPO). Pacien-
Perda peritoneal de proteínas e vitaminas
tes não recebendo EPO usualmente não necessitam de su- Peritonite
plementação de ferro, porém aqueles recebendo EPO nor- Metabolismo alterado
malmente necessitam da suplementação de rotina. Acidose metabólica
Diálise inadequada
Atividade física reduzida
Diálise Peritoneal Doenças intercorrentes
Peritonite
O estado nutricional e as necessidades nutricionais de Hiperparatireoidismo
pacientes em CAPD (continuous ambulatory peritoneal
dialysis) são afetados por vários fatores, mas principalmen-
te: perda de proteínas, aminoácidos e vitaminas através do
líquido de diálise, absorção de quantidade significativa de te58 podem ser fatores adicionais à desnutrição. Correlações
glicose deste líquido, e diálise inadequada. diretas têm sido demonstradas entre desnutrição e taxa de
A desnutrição tem sido uma preocupação em diálise pe- peritonite,59 e entre hipoalbuminemia, incidência aumenta-
ritoneal, pois é um fator de risco independente para a da de peritonite e tempo de hospitalização.60
morbidade (peritonite, taxa de hospitalização) e mortali-
dade.54,55 Por outro lado, mesmo apresentando reservas RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS
protéicas baixas (p.ex., hipoalbuminemia), muitos pacien-
O Quadro 47.7 mostra o resumo das recomendações
tes em CAPD ganham peso com o tempo.
nutricionais na CAPD.
Independente dos métodos utilizados para avaliar o
estado nutricional, existe uma incidência alta de desnutri-
ção nesta população. Estudos indicam que a desnutrição Quilocalorias
leve a moderada ocorre em 30-35%, e a desnutrição grave A quantidade de glicose absorvida através da cavidade
ocorre em 8-10% dos pacientes em CAPD.56,57 peritoneal varia consideravelmente entre pacientes devi-
A ingestão alimentar diminuída (devido principalmente do a diferenças na permeabilidade da membrana.58 Em
à anorexia), as grandes quantidades de proteínas, amino- torno de 60-80% da glicose do dialisado é absorvida via
ácidos e vitaminas perdidas no dialisado, e episódios de peritoneal.61 São absorvidas em torno de 100-150 g/dia de
peritonite, estão entre as principais causas de desnutrição glicose em programa padrão de CAPD.62 A absorção de
nestes pacientes. O Quadro 47.6 mostra um resumo dos glicose pode aumentar significativamente durante a peri-
principais mecanismos de desnutrição em CAPD. tonite.56
A anorexia na CAPD pode ocorrer devido à presença e Pacientes em CAPD apresentam peso significativamen-
absorção constante de glicose através da membrana perito- te mais alto do que os pacientes em hemodiálise, e parece
neal. A distensão abdominal, com conseqüente desconfor- aumentar com o tempo em CAPD. Ocorre, entretanto, ao
to e sensação de plenitude gástrica devido ao volume contí- longo do tempo, uma redução gradual de nitrogênio cor-
nuo de líquido infundido na cavidade peritoneal, pode di- poral total, refletindo uma perda de massa corporal ma-
ficultar uma ingestão adequada nestes pacientes. A absor- gra e proteína corporal nestes pacientes.63,64
ção constante de glicose pode, também, promover sensação As necessidades energéticas na CAPD não têm sido sis-
de saciedade precoce, freqüentemente relatada nesta popu- tematicamente avaliadas. Estudos preliminares, utilizan-
lação. Náuseas, vômitos, desenvolvimento de enfermidades do a calorimetria indireta, indicam que pacientes em CAPD
intercorrentes, afetando o apetite, e episódios de peritoni- possuem gasto energético significativamente mais baixo do
854 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

apresentam diferenças individuais58 e variam de 5 a 15 g


Quadro 47.7 Recomendações nutricionais na CAPD
de proteínas e de 2 a 4 g/dia de aminoácidos.
Calorias kcal/kg/dia (incluindo a glicose do dialisado) Durante um episódio de peritonite, as perdas protéicas
repleção de peso 35-50 podem aumentar consideravelmente, em 50 a 100%.69
manutenção 25-35 Episódios recorrentes de peritonite também adicionam
redução 20-25 efeitos importantes, como perda de apetite e aumento do
Proteína (g/kg/dia)
catabolismo corporal, devido aos efeitos da infecção e da dor.
repleção e peritonite 1,4-1,6
manutenção 1,2-1,3* Vários estudos indicam a albumina sérica como o me-
Carboidratos (oral) 35% das kcal lhor parâmetro preditor de morbidade e mortalidade nes-
Fibras (g/dia) 20-25 ta população. Níveis abaixo de 3,5 mg/dl estão associados
Lipídios Restante das kcal estimadas com taxas aumentadas de morbidade e mortalidade.70,71
Sódio (g/dia) Individualizado para pressão Devido a perdas constantes de proteínas e aminoácidos
arterial e retenção hídrica
Potássio (g/dia) Não restringido, exceto se o
no dialisado, uma ingestão alimentar adequada é essenci-
nível sérico estiver alto al para pacientes em diálise peritoneal.
Líquido Pode não ser restringido, A recomendação protéica em diálise peritoneal é de 1,2-
depende da pressão 1,3 g/kg/dia.72,73 Parece que nem todos os pacientes neces-
arterial e retenção hídrica sitam deste nível de ingestão protéica, e um balanço nitro-
Fósforo (mg/dia) 1.000-1.200
genado positivo pode ser encontrado com uma ingestão
Cálcio (mg/dia) 1.000-1.200
Vitaminas lipossolúveis protéica de até 0,7 g/kg/dia.74 A necessidade mais baixa
vitamina D individualizado de proteína pode ser dependente da ingestão calórica, tipo
vitamina K individualizado de proteína consumida e massa muscular.54 A qualidade
vitaminas A e E nenhuma da proteína é de importância, recomendando-se no míni-
Vitaminas hidrossolúveis
mo 50% de proteínas de alto valor biológico. As necessi-
ácido ascórbico 100 mg
piridoxina (B6) 10 mg dades protéicas podem ser mais altas, dependendo do ní-
ácido fólico 1 mg vel de estresse e necessidades metabólicas aumentadas.
outras hidrossolúveis RDA
Ferro individualizado Lipídios e Carboidratos
*Como já citado no texto, há evidência atual de que pacientes em CAPD Uma ingestão equilibrada de carboidratos e lipídios é
não atingem estes valores de ingestão protéica e, no entanto, mantêm-se necessária para suprir a necessidade calórica total, caso
em balanço nitrogenado. Talvez o maior aporte calórico beneficiado pela
absorção peritoneal de glicose seja o principal fator.
contrário, as proteínas ingeridas são utilizadas como fon-
te energética.
A ingestão oral de carboidratos deve ser predominan-
temente de complexos e prover aproximadamente 35% do
que pacientes em hemodiálise,65,66 podendo contribuir para total de quilocalorias estimadas para o dia, devido à absor-
o ganho de peso nesta população. Outros fatores de risco ção constante de glicose pelo dialisado.72,73 Esta, entretan-
para o ganho de peso e desenvolvimento de obesidade são to, é uma recomendação difícil de ser seguida pela maio-
o excesso de ingestão calórica vinda da glicose do dialisado, ria dos pacientes.
atividade física limitada, hiperinsulinismo e dieta mais li-
beral. Fibras
A recomendação calórica usual total (dieta  dialisado) Obstipação em diálise peritoneal pode resultar em au-
é de 30-35 kcal/kg/dia.67 As recomendações calóricas em mento do desconforto abdominal. Obstipação intestinal em
diálise peritoneal devem considerar a absorção constante pacientes em diálise peritoneal é freqüentemente causada
de glicose através do dialisado, e a ingestão calórica pode por uma baixa ingestão de fibras na dieta, pouca ativida-
ser diminuída para prevenir ganho excessivo de peso e de física, suplementação oral de ferro e uso de quelantes
obesidade. Em geral, a quantidade de glicose absorvida é de fósforo. A recomendação diária de fibras é 20-25 g.72,73
estimada em 20% a 30% da ingestão calórica usual do pa- Estimular o aumento da atividade física é de grande im-
ciente. portância para aliviar a obstipação.

Proteínas Sódio e Potássio


A perda protéica é a maior desvantagem da diálise pe- O balanço de sódio e a pressão sangüínea podem ser
ritoneal.58 Perdas protéicas variam de indivíduo para in- bem controlados em CAPD. Para necessidades de sódio,
divíduo, mas são regularmente consistentes. Dentro das cada paciente deve ser individualmente avaliado para
proteínas perdidas, aproximadamente 60% é albumina.68 parâmetros como peso, pressão sangüínea, respiração cur-
As perdas diárias durante um regime usual de CAPD ta, edema e outros sinais. Muitos pacientes têm boa respos-
capítulo 47 855

ta com pouca ou nenhuma restrição de sódio, entretanto, tão está usualmente inadequada. Piridoxina, ácido fólico
sódio pode ser restringido em pacientes que usam poucas e ácido ascórbico são provavelmente as únicas vitaminas
trocas de glicose hipertônica. Em caso de ganho excessivo que necessitam ser suplementadas.
de peso e hipertrigliceridemia, a restrição de sódio é reco-
mendada com o objetivo de diminuir o número de trocas Ferro
com altas concentrações de glicose. Pacientes em CAPD geralmente necessitam de suple-
Em caso de hipercalemia, faz-se necessária uma melhor mentação de ferro, usualmente na forma de sulfato ferro-
investigação quanto à adequação da diálise, e recomenda-se so, a menos que haja evidência de sobrecarga de ferro. Ferro
restrição de potássio na dieta. Deve-se verificar, também, o dextran pode ser administrado parenteralmente em base
uso concomitante de beta-bloqueadores e inibidores da enzi- intermitente, quando o suplemento de ferro via oral não é
ma de conversão usados no manejo da hipertensão arterial. bem tolerado ou bem absorvido via enteral.
Se a hipocalemia ocorre, o paciente deve ser encorajado A necessidade de suplementação de ferro varia de acor-
para aumentar a ingestão de potássio na dieta. do com o uso ou não da eritropoietina e depende da avali-
ação das reservas corporais de ferro, melhor observada
Líquidos através dos níveis de ferritina sérica.
Líquido não é geralmente restringido na CAPD, mas os
pacientes devem ser monitorizados para peso e pressão
sangüínea. Transplante Renal
O transplante (tx) renal não é isento de problemas e ris-
Fósforo e Cálcio
cos nutricionais. Atenção deve ser dada no período pré-tx
Na CAPD existe remoção substancial de fósforo, mas
aos fatores prognósticos cirúrgicos, incluindo o estado
não o suficiente para prevenir o uso de quelantes. O fósfo-
nutricional dos candidatos. A avaliação nutricional iden-
ro da dieta pode necessitar ser restringido, porém, devido
tifica o estado nutricional e os riscos potenciais de compli-
às necessidades aumentadas de proteínas, é difícil uma
cações relacionadas à nutrição. Correção de déficits nutri-
restrição com menos de 1.000-1.200 mg por dia.72,73 A dose
cionais preexistentes (desnutrição) e prevenção de obesi-
de quelantes de fósforo prescrita deve ser de acordo com
a quantidade de fósforo presente na refeição. dade (ou tratamento, em caso de obesidade prévia) são os
A recomendação de cálcio é de 1.000 a 1.200 mg por objetivos básicos do cuidado nutricional nesta fase.
dia.72,73 O líquido de diálise contém cálcio. Existe um fluxo No pós-tx renal imediato, os efeitos metabólicos são
de cálcio através da membrana peritoneal, e isto depende conseqüência principalmente do estresse da cirurgia e do
da concentração sérica de cálcio ionizado. Há evidência uso de altas doses de imunossupressores.
recente de que o balanço positivo do cálcio pode suprimir O período pós-tx tardio é freqüentemente marcado por
a secreção do hormônio paratireóideo (PTH) e causar uma uma variedade de problemas nutricionais. A terapia imu-
doença óssea adinâmica. Em virtude disto, surgiram no nossupressora está associada com múltiplos efeitos cola-
mercado soluções de diálise com concentrações mais bai- terais, incluindo hipercatabolismo protéico, obesidade,
xas de cálcio (2,5 mEq/L). Monitorar os níveis séricos de dislipidemias, intolerância à glicose, hipertensão, hiper-
PTH também é importante. calemia e alteração no metabolismo e ação da vitamina D.75
Morbidade cardiovascular (aterosclerose) permanece como
Vitaminas o maior risco de complicação no receptor de tx renal,76,77
LIPOSSOLÚVEIS. Vitaminas lipossolúveis A e E usu- sendo sua incidência quatro vezes maior do que o espera-
almente não exigem suplementação. A vitamina D, com do na população geral.77
indicação individualizada, é suplementada de acordo com
os níveis sangüíneos de cálcio, fósforo e PTH. A suplemen- PERÍODO PRÉ-TRANSPLANTE
tação, quando recomendada, é de 0,25 a 1 mg/dia. A presença de desnutrição tem sido associada com
Suplementação de vitamina K é recomendada quando morbidade e mortalidade pós-cirúrgica, incluindo fatores
o paciente não está comendo suficientemente e está em uso tais como cicatrização insuficiente da ferida operatória e
prolongado de antibióticos. risco aumentado para infecção.
HIDROSSOLÚVEIS. Vitaminas hidrossolúveis são A incidência de obesidade no período pré-tx varia de
perdidas na diálise peritoneal. Outros fatores importantes 15% 78 a 21%.79 A obesidade pode aumentar o risco opera-
para a deficiência são a ingestão baixa, metabolismo pos- tório, tempo de hospitalização, cicatrização da ferida, além
sivelmente alterado e interação com medicamentos. A re- de ser um fator de risco para perda do enxerto e de aumen-
comendação é individualizada e depende da avaliação to da taxa de mortalidade.79,80,81
nutricional completa e periódica. Depleção vitamínica é Parece prudente, entretanto, que pacientes obesos de-
mais provável em pacientes com episódios freqüentes de vam ser encorajados para redução de peso antes da cirur-
peritonite, quando a perda no dialisado é maior, e a inges- gia de tx renal.
856 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

Pacientes com insuficiência renal crônica apresentam- PERÍODO PÓS-TRANSPLANTE TARDIO


se geralmente dislipidêmicos, usualmente hipertrigliceri-
dêmicos, com LDL e VLDL aumentadas e HDL diminuí- Obesidade
da, além de certas anormalidades nas apolipoproteínas A obesidade é um achado comum em pacientes trans-
séricas. Estas anormalidades são consideradas fatores de plantados. A obesidade pós-tx renal pode ser atribuída a
risco potencial para aterosclerose. A hiperlipidemia deve- diversos fatores, incluindo: melhora repentina da sensação
ria ser tratada no candidato a tx renal. de bem-estar após um tx bem-sucedido, com aumento con-
comitante da ingestão alimentar; ingestão alta de quiloca-
lorias, prescrita usualmente na fase pós-tx imediata; senti-
PERÍODO PÓS-TRANSPLANTE IMEDIATO
mento de libertação das restrições alimentares recomenda-
Catabolismo Protéico das nas fases de insuficiência renal progressiva e diálise;
O estresse cirúrgico e as altas doses de corticosteróides estímulo do apetite (hiperfagia) induzido pelo uso de do-
podem conduzir a um catabolismo protéico intenso. Um ses altas de corticosteróides; presença de doença óssea, que
dos efeitos metabólicos dos corticosteróides é o aumento pode limitar a atividade física e diminuir o gasto energéti-
da gliconeogênese hepática, a qual está associada com ca- co; estilo de vida sedentário, ao qual o paciente torna-se
tabolismo aumentado de proteínas e aminoácidos e com acostumado no período de diálise.
anabolismo protéico diminuído. Este efeito pode ser exa- Um estudo retrospectivo em nosso centro (Hospital Evan-
cerbado no paciente já desnutrido anteriormente. O cata- gélico de Curitiba) em 142 pacientes, do período imediato até
bolismo aumentado pode conduzir a um excesso de pro- quatro anos pós-tx, confirmou o aumento significativo no
dução de uréia. peso até o primeiro ano pós-tx e estabilização após este perí-
O hipercatabolismo protéico pode ser ainda acelerado odo. Foi observado em nossa população, porém, que este
pelo tratamento da rejeição aguda com doses mais altas de ganho de peso não levou a obesidade significativa. Nossa con-
corticosteróides. clusão é de que o peso pré-tx influencia na magnitude do ga-
O catabolismo protéico alto, combinado com possíveis nho de peso pós-tx, confirmando resultados de outro estudo.78
depleções protéicas preexistentes, pode adicionar proble-
mas substanciais, como cicatrização lenta da ferida opera- Hiperlipidemia
tória e maior suscetibilidade à infecção. O grau de catabo- A prevalência de hiperlipidemias nesta população é
lismo protéico pode ser avaliado pela medida da taxa da alta.77,82-84 A hipercolesterolemia pós-tx é um fator de risco
UNA. para o desenvolvimento de complicações cardiovasculares.
Aproximadamente 60% dos receptores renais apresentam
Gasto Energético hiperlipidemia.75 Níveis de colesterol sérico estão elevados
O gasto energético de pacientes submetidos a transplan- imediatamente após o tx e são freqüentemente acompanha-
te de rim ainda não foi estabelecido na literatura. dos por níveis baixos de HDL e hipertrigliceridemia.85 A
Em um estudo em nosso centro (Hospital Evangélico de maioria desta população experimenta hipertrigliceridemia
Curitiba), o gasto energético de repouso (GER) de pacien- e hipercolesterolemia isoladas ou combinadas.
tes transplantados vem sendo avaliado através da calori- O ganho de peso é um forte fator predisponente de dis-
metria indireta (Delta Trek, USA) durante o primeiro mês lipidemia em pacientes recebendo imunossupressão.86 A
pós-tx. Nossos resultados preliminares em sete transplan- modificação da dieta é a intervenção inicial para pacientes
tados, comparados com indivíduos saudáveis, demons- com hiperlipidemia. Não relacionada à causa, a hiperlipi-
tram que houve diferença no GER por quilograma de peso demia associada ao tx é freqüentemente amenizada pela
entre os grupos. Pacientes transplantados tiveram um GER terapia nutricional.85,87 Redução significativa de peso em
médio de 27,6  2,5 kcal/kg versus 23,7  2,7 kcal/kg no transplantados renais tem mostrado melhorar o nível de
controle. Um número maior de amostras é necessário para triglicerídeos e colesterol.85,88
confirmar estes resultados, porém, nossas conclusões são O uso de agentes farmacológicos para a redução dos
de que pacientes no pós-tx imediato provavelmente gas- níveis de colesterol está normalmente associado com efei-
tam um total em torno de 33-35 kcal/dia. tos adversos, e parece mais apropriado permitir um teste
de aproximadamente três meses somente com a dietotera-
Rejeição Aguda pia antes de aventar a possibilidade do uso destas drogas.
Na rejeição aguda, altas doses de esteróides produzem Outro achado interessante quanto ao colesterol sérico é
um aumento na taxa de catabolismo protéico. Com o au- a demonstração de que reduções transitórias são comuns
mento dos níveis sangüíneos de uréia e creatinina, o pen- durante o primeiro ano pós-tx. Um estudo89 evidencia o
samento mais comum poderia ser o de restringir a inges- colesterol como um fator preditor de rejeição aguda ou
tão protéica. Entretanto, a restrição protéica neste quadro infecção por citomegalovírus, já que seu nível encontrou-
pode conduzir a um catabolismo intenso. Recomenda-se, se reduzido em um período de seis semanas que antece-
nesta fase, uma dieta hiperprotéica e hipercalórica. deram ou sucederam um dos dois episódios.
capítulo 47 857

Minerais e Vitaminas
Quadro 47.8 Recomendações nutricionais diárias
O metabolismo de cálcio, fósforo e vitamina D é influ- no transplante renal
enciado por vários fatores interligados resultantes do pe-
ríodo prévio de insuficiência renal, da terapia imunossu- Períodos:
pressora e da restauração incompleta da função renal pelo 1. Pós-transplante Imediato e na Rejeição Aguda:
tx. Hiperparatireoidismo e doença óssea podem persistir Quilocalorias 30-35 kcal/kg
Proteína 1,3-1,5 g/kg
mesmo após restauração da função renal.
Lipídios 30-35% do total das
O uso de ciclosporina também está associado com inci- quilocalorias
dência substancial de hipercalemia, aparentemente causa-
da por supressão de níveis de renina e aldosterona.90 Isto é 2. Período Pós-transplante Tardio:
Quilocalorias 25-30% do total das
mais freqüentemente visto no período pós-tx imediato, quilocalorias ou suficiente
quando as doses de ciclosporina são mais altas. O tratamen- para alcançar/manter o
to de hipertensão com agentes beta-bloqueadores ou ini- peso ideal
bidores da enzima de conversão pode também exacerbar Proteína 1 g/kg/dia
a hipercalemia. Com isto, pacientes podem exigir restrição Lipídios  30% do total de
quilocalorias
dietética de potássio. Colesterol  300 mg

3. Em qualquer fase:
REJEIÇÃO CRÔNICA
Carboidratos 50% do total de quilocalorias
É ainda controverso o efeito deletério do excesso de Fibras 20-25 g
proteínas versus o efeito do catabolismo protéico decorrente Sódio Restrição (2-4 g) somente se
da terapia a longo prazo com corticosteróides. Há necessi- hipertensão, retenção
dade de estudos a longo prazo, com populações maiores, hídrica, ou oligúria
Potássio Restrição (1-3 g) somente se
avaliando a progressão da rejeição crônica, e principalmen- hipercalemia e/ou oligúria
te as conseqüências nutricionais de uma dieta hipoprotéi- Fósforo 1.200-1.500 mg/dia
ca, assim como níveis seguros de restrição protéica nestes Cálcio 1.200-1.500 mg/dia
pacientes. Em resumo, na rejeição crônica (40-50 ml/min Ferro Suplementação depende
de RFG), uma restrição protéica moderada pode ser bené- das reservas corporais
Vitamina D3 1 a 2 g/dia, se necessário
fica, desde que não sobreponha a necessidade de manu-
tenção de um estado nutricional adequado destes pacien-
tes a longo prazo.
Outro aspecto importante da rejeição crônica é a hiper- atual/dia, e no pós-tx tardio, 25-30 kcal/kg/dia. Em paci-
lipidemia. Em pacientes com rejeição vascular crônica entes obesos ou em risco de obesidade deve-se iniciar um
(RVC) foi demonstrado existirem distúrbios nas lipopro- programa de controle/redução de peso baseado na restri-
teínas quando comparados com pacientes com função nor- ção calórica (20-25 kcal/kg/dia), aumento da atividade
mal do enxerto.91 Nesta investigação, pacientes com RVC física, mudança de comportamento alimentar e apoio psi-
tiveram níveis de VLDL, LDL, colesterol e triglicerídeos cológico.
totais mais altos, concluindo que o controle da hiperlipi- As necessidades calóricas estão provavelmente aumen-
demia pode ter um papel crucial na progressão da RVC. tadas na presença de febre, infecção ou estresse (35-45 kcal/
kg/dia).
RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS
O objetivo do aporte nutricional é prover nutrientes Proteínas
adequados para promover anabolismo e prevenir infecção. No pós-tx imediato e na rejeição aguda, a recomenda-
As necessidades nutricionais no transplantado renal não ção protéica é de 1,3-1,5 g/kg para o peso atual/dia.75 Uma
estão bem definidas e as recomendações são normalmen- dieta hiperprotéica e pobre em carboidratos parece dimi-
te baseadas em implicações metabólicas encontradas nes- nuir os efeitos colaterais cushingóides decorrentes da te-
tes pacientes e/ou extrapoladas de outras populações. O rapia com corticosteróides. Estes níveis parecem ser sufi-
Quadro 47.8 mostra recomendações nutricionais usuais nos cientes também àqueles pacientes que continuam exigin-
vários períodos pós-tx. do hemodiálise ou diálise peritoneal pós-tx. A ingestão
protéica deve somente ser controlada na presença de ne-
Quilocalorias crose tubular aguda com sintomas urêmicos associados, ou
A recomendação calórica é estabelecida para manter ou no evento de insuficiência renal.
alcançar um peso adequado e determinada pelo ganho ou A recomendação protéica no pós-tx tardio é de 1,0 g/
perda de peso. A recomendação no pós-tx imediato e em kg/dia. Restrição protéica de 0,6-0,8 g/kg/dia (com no
episódios de rejeição aguda é de 30-35 kcal/kg de peso mínimo 75% de alto valor biológico) pode ser considerada
858 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

para aqueles pacientes com função renal anormal (rejeição tenha sido bem estudado. Se o paciente continua tempo-
crônica), se a ingestão calórica estiver adequada ( 25 kcal/ rariamente em hemodiálise ou diálise peritoneal, deve-se
kg/dia),92 já que isto pode minimizar a proteinúria e a di- continuar a reposição das vitaminas hidrossolúveis.
minuição da taxa de filtração glomerular.93 Entretanto, o Pacientes com rejeição crônica e em dieta hipoprotéica
estado nutricional destes pacientes deve ser rigorosamen- podem necessitar de suplemento multivitamínico.
te monitorizado.

Lipídios e Carboidratos CONCLUSÃO


A quantidade e a composição dos lipídios provavelmen-
te não afetam os resultados no pós-tx imediato. Neste pe- A insuficiência renal é um processo dinâmico, com vá-
ríodo são recomendados 30-35% do total de quilocalorias rias alterações metabólicas, hormonais e bioquímicas. Cada
na forma de lipídios. fase da insuficiência renal demanda diferentes recomen-
No pós-tx imediato e tardio, os carboidratos são reco- dações nutricionais. Essas recomendações dependem de
mendados em torno de 50% do total de quilocalorias, com vários fatores, entre eles o grau da insuficiência renal e o
minimização de fontes de carboidratos simples (podem tipo da terapia dialítica. Por exemplo, o controle protéico
contribuir para hiperglicemia e hipertrigliceridemia) e na pré-diálise pode ser essencial para retardar a progres-
ênfase nos carboidratos complexos.94 são da doença, enquanto o aumento significativo das ne-
cessidades protéicas pode ser uma das causas da desnu-
Sódio e Potássio trição em diálise.
O sódio da dieta pode ser limitado (2-4 g/dia) em caso Enfim, as alterações no metabolismo de todos os nutri-
de hipertensão ou retenção hídrica.99 Há pouca evidência entes que acompanham a doença e a insuficiência renal
sobre a eficácia da restrição de sódio para a maioria dos podem contribuir para a desnutrição e outros distúrbios
casos de hipertensão pós-tx. Uma recomendação pruden- nutricionais, influenciando significativamente nas taxas de
te de restrição de sódio pode ser útil. Se o paciente está em morbidade e mortalidade desses pacientes.
hemodiálise, a restrição de sódio pode necessitar ser con-
tinuada nos níveis prescritos pré-tx, até que a diálise não
seja mais necessária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A recomendação de potássio na dieta é individualiza-
da, de acordo com os valores séricos do paciente. Em caso 1. DRUML, W. Nutritional support in acute renal failure. In: Mitch,
W.E.; Klahr, S. (eds). Nutrition and the Kidney, 3rd ed. Philadelphia,
de hipercalemia ou oligúria, restrição de potássio da dieta
Lippincott-Raven, p. 213-236, 1998.
pode ser necessária (1-2 g/dia). 2. SILVA, P. Renal fuel utilization, energy requirements and functions.
Kidney Int., 32 (suppl 22):9, 1987.
3. ROULET, M.; DETSKY, A.S.; MARLISS, E.B. et al. A controlled trial
Cálcio, Fósforo e Vitamina D
of the effect of parenteral nutritional support on patients with res-
O cálcio é recomendado em 1.200-1.500 mg/dia, exceto piratory failure and sepsis. Clin. Nutr., 2:97-105, 1983.
se contra-indicado devido à preexistência de hipercalcemia 4. WILMORE, D.W. Catabolic illness strategies for enhancing recovery.
ou elevação do fósforo sérico. Uso de suplemento de cál- N. England J. Med., 325:695, 1991.
5. DRUML, W. et al. Elimination of amino acids in acute renal failure.
cio pode ser indicado se a ingestão através da dieta não
Nephron, 42:62, 1986.
alcança os níveis recomendados.75 6. HORL, W.H.; HEIDLAND. Evidence for the participation of granu-
A recomendação da ingestão diária de fósforo é indivi- locyte proteinases on intradialytic catabolism. Clin. Nephrol., 21:314-
dualizada, de acordo com os níveis séricos do paciente. A 322, 1984.
7. MACIAS, W.L.; ALAKA, K.J.; MURPHY, M.H. et al. Impact of the
recomendação geral é de 1.200-1.500 mg/dia. Alguns pa- nutritional regimen on protein catabolism and nitrogen balance in
cientes podem exigir suplementação de fosfato, em caso de patients with acute renal failure. JPEN, 20:56-62, 1996.
hipofosfatemia. 8. DRUML, W. et al. Lipid metabolism in acute renal failure. Kidney Int.,
Em caso de rejeição crônica, restrição de fósforo (apro- 16 (suppl):139, 1983.
9. DRUML, W. et al. Acute renal failure in the elderly. J. Am. Soc. Ne-
ximadamente 800 mg/dia) é prudente quando a taxa de phrol., 1:32, 1990.
filtração glomerular estiver  50 ml/min. Terapia com 10. DRUML, W.; FISHER, M.; SERTL, S. et al. Fat elimination in acute
quelantes de fósforo pode também ser necessária nesta fase. renal failure: long-chain versus medium-chain triglycerides. Am. J.
Suplementação com vitamina D3 (forma ativa) deve ser Clin. Nutr., 55:468-472, 1992.
11. CACH, A.C.; STORCK, D.; MERAIHI, Z. Medium-chain triglyceride-
considerada em caso de hipocalcemia persistente, porém based fat emulsions: an alternative energy supply in stress and sep-
deve-se tomar cuidado para não promover hipercalcemia. sis. JPEN, 12:825-885, 1988.
12. KOPPLE, J.D.; BERG., R.; HOUSER, H.; et al. Nutritional status of
patients with different levels of chronic renal failure. Kidney Int., 36
Vitaminas Hidrossolúveis
(Suppl. 27):S184-S194, 1989.
Pacientes com tx bem-sucedido geralmente não exigem 13. LAIDLAW, S.A.; BERG, R.L.; KOPPLE, J.D. et al. Patterns of fasting
suplementos vitamínicos, embora este assunto ainda não plasma amino acid levels in chronic renal insufficiency: Results from
capítulo 47 859

the feasibility phase of the Modification of Diet in Renal Disease 35. KAMINSKI, M.; LOWRIE E.; ROSENBLATT, S. et al. Malnutrition
Study. Am. J. Kidney Dis., 23:504-513, 1994. is lethal, diagnosable, and treatable in ESRD patients. Transplant
14. ANDERSON, S.; MEYER, T.W.; RENNKE, H.G.; BRENNER, B.M. Proc., 23:1810-1815, 1991.
Control of glomerular hypertension limits glomerular injury in rats 36. HELD, P.; LEVEN, N.; BOUBERG, R.; PAULY, M.; DIAMOND, L.
with reduced renal mass. J. Clin. Invest., 76:612-619, 1985. Mortality and duration of hemodialysis treatment. JAMA, 257:645-
15. KHAN, H.L.; CATTO, G.R.; EDWARDS, N. et al. Death during the 650, 1991.
first ninety days of dialysis: a case control study. Am. J. Kidney Dis., 37. OWEN, W.; LWE, N.; LUI, Y.; LOWRIE, E.; LAZARUS, J. The urea
25:276-280, 1995. reduction ratio and serum albumin concentration as predictors of
16. MARONI, B.J. Requirements of protein, calories and fat in the mortality in patients undergoing hemodialysis. N. Engl. J. Med.,
predialysis patient. In: Handbook of Nutrition and the Kidney. Mitch, 329:1001-1006, 1993.
W.E.; Klahr, S. (eds). Philadelphia: Lippincott-Raven, 1993, pp.144- 38. LOWRIE, E.G.; LEW, N.L. Death risk in hemodialysis patients: The
200. predictive value of commonly measured variable and an evaluati-
17. KOPPLE, J.D.; GREENE, T.; CHUMLEA, C. et al. Relationship be- on of death rate differences between facilities. Am. J. Kidney Dis.,
tween nutritional status and the glomerular filtration rate: results 15:458-482, 1990.
from the MDRD study. Kidney Int., 57:1688-1703, 2000. 39. JACOB, V.; CARPENTIER, J.; SALZANO, S. et al. IGF-I, a marker of
18. MITCH, W.E. Dietary protein restriction in chronic renal failure: undernutrition in hemodialysis patients. Am. J. Clin. Nutr., 52:39-44,
Nutritional efficacy, compliance, and progression of renal insuffici- 1990.
ency. J. Am. Soc. Nephrol., 2:823-831, 1991. 40. CHAN, C.; GREENE, G. Dietary compliance among young hemo-
19. KOPPLE, J.D.; LEVEY, A.S.; GREENE, T. et al. Effect of dietary pro- dialysis patients. Dial. Transpl., 23:184-189, 1994.
tein restriction on nutritional status in the Modification of Diet in 41. ALVESTRAND, A. Protein metabolism and nutrition in hemodialy-
Renal Disease Study. Kidney Int., 52:778-791, 1997. sis patients. Contr. Nephrol., 78:102-118, 1990.
20. WALSER, M.; MITCH, W.E.; MARONI, B.J.; KOPPLE, J.D. Should 42. ACCHIARDO, S.; QUINN, P.; MOORE, L. et al. Evaluation of he-
protein intake be restricted in predialysis patients? Kidney Int., modialysis patients treated with erythropoietin. Am. J. Kidney Dis.,
55:771-777, 1999. 17:290-294, 1991.
21. MITCH, W.E. Nutritional therapy and progression of renal disease. 43. RIEDEL, E.; HAMPL, H.; SCIGALLA, P. et al. Correction of amino
In: Handbook of Nutrition and the Kidney. Mitch, W.E.; Klahr, S. (eds). acid metabolism by recombinant human erythropoietin therapy in
Philadelphia: Lippincott-Raven, 1993, pp. 237-252. hemodialysis patients. Kidney Int., 36:S216-S221, 1989.
22. KLAHR, S.; BEVEY, A.S.; BECK, G.J. et al. The effects of dietary pro- 44. SCHNEEWEISS, B.; GRANINGER, W.; STOCKENHUBER, F. et al.
tein restriction and blood-pressure control on the progression of Energy metabolism in acute and chronic renal failure. Am. J. Clin.
chronic renal disease. N. Engl. J. Med., 330:877-884, 1994. Nutr., 52:596-601, 1990.
23. MITCH, W.E. Dietary therapy in uremia. The impact on nutrition 45. OLEVITCH, L.; BOWERS, B.; DEOREO, P. Measurement of resting
and progressive renal disease. Kidney Int., 57(Suppl 75):S38-S43, 2000. energy expenditure via indirect calorimetry among adult hemodi-
24. LEVEY, A.S.; ADLER, S.; CAGGIULA, A.W. et al. Effects of dietary alysis patients. J. Renal. Nutr., 4:192-197, 1994.
protein restriction on the progression of advanced renal disease in 46. GUTIERREZ, A.; ALVESTRAND, A.; WAHREN, J. et al. Effect of in
the Modification of Diet in Renal Disease Study. Am. J. Kidney Dis., vivo contact between blood and dialysis membranes on protein
27:652-663, 1996. catabolism in humans. Kidney Int., 38:487-494, 1990.
25. LEVEY, A.S.; GREENE, T.; BECK, G.J. et al. Dietary protein restric- 47. MITCH, W.; MAY, R.; MARONI, B.; DRUML, W. Protein and ami-
tion and the progression of chronic renal disease: what have all of no acid metabolism in uremia: Influence of metabolic acidosis. Kid-
the results of the MDRD study shown? Modification of Diet in Re- ney Int., 36:S205-S207, 1989.
48. AHMAD, K.R.; KOPPLE, J.D. Nutrition in maintenance hemodi-
nal Disease Study group. J. Am. Soc. Nephrol., 10:2426-2439, 1999.
alysis patients. In: Kopple, J.D. e Massry, S.G. (eds.) Nutritional Ma-
26. PEDRINI, M.T.; LEVEY, A.S.; LAU, J. et al. The effect of dietary pro-
nagement of Renal Disease. New York: Williams & Wilkins, 1997, p.
tein restriction on the progression of diabetic and nondiabetic renal
563-593.
diseases: a meta-analysis. Ann. Intern. Med., 124:627-632, 1996.
49. IKIZLER, T.A.; HAKIM, R.M. Nutritional requirements of hemo-
27. KASISKE, B.L.; KALATUA, J.D.A.; MA, J.Z.; LOUIS, T.A. A meta-
dialysis patients. In: Mitch, W.E.; Klahr, S. (eds.) Handbook of Nu-
analysis of the effects of dietary protein restriction on the rate of
trition and the Kidney, 3rd. Philadelphia: Lippincot-Raven, 1998, p.
decline in renal function. Am. J. Kidney Dis., 31:954-961, 1998.
253-268.
28. FOUQUE, D.; LAVILLE, M.; BOISSEL, J.P. et al. Controlled low pro-
50. VRIES, P.; FOLKERS, H.; FIJTER, C. et al. Adipose tissue fatty acid
tein diets in chronic renal insufficiency: meta-analysis. Br. Med. J.,
composition and its relation to diet and plasma lipid concentrations
304:216-220, 1992. in hemodialysis patients. Am. J. Clin. Nutr., 53:469-473, 1991.
29. ROSE, B.D. Secondary factors and progression of renal failure, and 51. BRATTSTROM, L.; ISRAELSSON, B.; NORRVING, B.; BERGQVIST,
protein restriction and progression of renal failure. In: UpToDate®, D.; THORNE, J.; HULTBERG, B.; HAMFELT, A. Impaired homo-
Inc Wellesley, MA, 8(1), 2000. cysteine metabolism in early-onset cerebral and peripheral occlusive
30. KONTESSIS, P.S.; TREVISAN, R.; BOSSINAKOU, I. et al. Renal, arterial disease effects of pyridoxine and folic acid treatment. Athe-
metabolic, and hormonal responses to proteins of different origin rosclerosis, 81:51-60, 1990.
in normotensive, nonproteinuric type 1 diabetic patients. Diabetes 52. HULTBERG, B.; ANDERSON, A.; STERNER, G. Plasma homocys-
Care, 18:1233-1240, 1995. teine in renal failure. Clin. Nephrol., 40:230-234, 1993.
31. RIELLA, M.C.; MARTINS, C.; EMED, S.; LOWEN, J. Effect of 53. ARNADOTTIR, M.; BRATTSTROM, L.; SIMONSEN, O.; THYSELL,
different dietary protein loads on glomerular filtration rate in nor- H.; HULTBERG, B.; ANDERSSON, A.; NILSSON-EHLE. The effect
mal subject (abstract). Kidney Int., 36 (suppl. 27):301, 1989. of high-dose pyridoxine and folic acid supplementation on serum
32. WALLS, J.; WILLIAMS, A.J. Influence of soya protein on the natu- lipid and plasma homocysteine concentration in dialysis patients.
ral history of a remnant kidney model in the rat. Contr. Nephrol., Clin. Nephrol., 40:236-240, 1993.
60:179-187, 1988. 54. HARTY, J.; GOKAL, R. Nutritional status in peritoneal dialysis. J.
33. MOGENSEN, C.E.; SOLLING, K. Studies on renal tubular protein Renal Nutr., 5:2-10, 1995.
reabsorption: partial and near complete inhibition by certain ami- 55. KESHAVIAH, P.; CHURCHILL, D.; THORPE, K. et al. Impact of
no acids. Scand. J. Clin. Lab. Invest., 37:126-134, 1988. nutrition on CAPD mortality. J. Am. Nephrol. Soc. 5, 494(abstr), 1994.
34. KAYSEN, G.A.; KROPP, J. Dietary tryptophan supplementation 56. YOUNG, G.; KOPPLE, J.; LINDHOLM, B. et al. Nutritional assess-
prevents proteinuria in the seven-eights nephrectomized rat. Kid- ment of continuous ambulatory peritoneal dialysis patients: An
ney Int., 23:473-479, 1983. international study. Am. J. Kidney Dis., 17:462-471, 1991.
860 Manejo e Terapia Nutricional do Urêmico

57. HARTY, J.; BOULTON, H.; CURWELL, J. et al. The normalised pro- 79. JOHNSON, C.; GALLAGHER-LEPAK, S.; ZHU, Y.; PORTH, C.;
tein catabolic rate is a flawed marker of nutrition in CAPD patients. KELBER, S.; ROZA, A.; ADAMS, M. Factors influencing weight gain
Kidney Int., 45:103-109, 1994. after renal transplantation. Transplantation, 56:822-827, 1993.
58. LINDHOLM, B.; BERGSTROM, J. Nutritional aspects on peritoneal 80. GILL, I.; HODGE, E.; NOVICK, A.; STEINMULLER, D.; GARRED,
dialysis. Kidney Int., 38:S165-171, 1992. D. Impact of obesity on renal transplantation. Transpl. Proc., 25:1047-
59. LEE, H.; KIN, Y.; KANG, S. et al. Influence of nutritional status on 1048, 1993.
CAPD peritonitis. Yonsei Med. J., 31:65-70, 1990. 81. HOLLEY, J.; SHAPIRO, R.; LOPATIN, W. et al. Obesity as a risk fac-
60. YOUNG, G.; YOUNG, J.; YOUNG, S. et al. Nutrition and delayed tor following cadaveric renal transplantation. Transplantation, 49:387-
hypersensitivity during continuous ambulatory peritoneal dialysis 389, 1990.
in relation to peritonitis. Nephron, 43:177-186, 1986. 82. DIVAKER, D.; BAILEY, R.; FRAMPTON, C. et al. Hyperlipidemia
61. GAHL, G.; HAIN, H. Nutrition and metabolism in continuous instable renal transplant recipients. Nephron, 59:423-428, 1991.
ambulatory peritoneal dialysis. Contrib. Nephrol., 84:36-44, 1990. 83. CASSANDER, M.; RUIU, G.; GAMBINO, R. et al. Lipoprotein
62. GRODSTEIN, G.; BLUMENKRANTZ, M.; KOPPLE, J. et al. Glucose apolipoprotein changes in renal transplant recipients: a 2-year follow
absorption during continuous ambulatory peritoneal dialysis. Kid- up. Metabolism, 40:922-925, 1991.
ney Int., 19:564-567, 1981. 84. ISONIEMI, H.; TIKKANEN, M.; HAYRY, P. et al. Lipid profiles with
63. POLLOCK, C.; ALLEN, B.; WARDEN, R. et al. Total-body nitrogen triple drug immunosupressive therapy and with double drug
by neutron activation in maintenance dialysis. Am. J. Kidney Dis., combinations after renal transplantation and stable graft function.
16:38-45, 1990. Transpl. Proc., 23:1029-1031, 1991.
64. BROOKS, M.; BRANDES, J. Changes in lean body mass in chro- 85. NELSON, J.; BEAUREGARD, H.; GELINAS, M.; ST-LOUIS, G.;
nic peritoneal dialysis patients. J. Am. Soc. Nephrol., 5:488 (abstr), DALOZE, P.; SMEESTERS, C.; CORMAN, J. Rapid improvement of
1994. hyperlipidemia in kidney transplant patients with a multifactorial
65. KRAPT, R.; ZABETAKIS, P.; GLEIM, G. et al. Reduced resting hypolipidemic diet. Transplant Proc., 20:1264-1270, 1988.
metabolic rate (RMR) in a risk factor for obesity in peritoneal dialysis 86. VATHASALA, A.; WEINBERG, R.; SCHOENBERG, L. et al. Lipid
(PD) patients. Perit. Dial. Int., 12:S73(abstr), 1992. abnormalities in cyclosporine-prednisone treated renal transplant
66. ZABETAKIS, P.; PARK, W.; GLEIM, G. et al. Resting energy expen- recipients. Transplantation, 48:37-40, 1989.
diture is reduced in patients on peritoneal dialysis and does not 87. KASISKE, B.; TORTORICE, K.; HEIM-DUTHOY, K.; GORYANCE,
change with time on dialysis. J. Am. Soc. Nephrol., 5:506(abstr), 1994. J.; RAO, V. Lovastatin treatment of hypercholesterolemia in renal
67. KOPPLE, J.; BLUMENKRANTZ, M. Nutritional requirements for transplant recipients. Transplantation, 49:95-100, 1990.
patients undergoing continuous ambulatory peritoneal dialysis. 88. MOORE, R.; CALLAHAN, M.; CODY, M. et al. The effect of the
Kidney Int., S16:295-302, 1983. American Heart Association Step One Diet on hyperlipidemia fol-
68. YOUNG, G.; BROWNJOHN, A.; PARSONS, F. Protein losses in lowing renal transplantation. Transplantation, 49:60-62, 1990.
patients receiving continuous ambulatory peritoneal dialysis. Ne- 89. KASISKE, B.; HEIM-DUTHOY, K. Transient reductions in serum cho-
phron, 45:196-201, 1987. lesterol after renal transplantation. Am. J. Kidney Dis., 20:387-393, 1992.
69. LINDHOLM, B.; BERGSTROM, J. Protein and amino acid metabo- 90. ADU, D.; TURNEY, J.; MICHAEL, J. et al. Hypercalaemia in cyclos-
lism in patients undergoing continuous ambulatory peritoneal porine-treated renal allograft recipients. Lancet, 2:370-372, 1983.
dialysis (CAPD). Clin. Nephrol., 30:S59-63, 1988. 91. DIMÉNY, E.; FELLSTRÖM, B.; LARSSON, E.; TUFVESON, G.;
70. BLAKE, P.; FLOWERDEW, G.; BLAKE, R. et al. Serum albumin in LITHELL, H. Chronic vascular rejection and hyperlipoproteinemia
patients on continuous ambulatory peritoneal dialysis — Predictors in renal transplant patients. Clin. Transplantation, 7:482-490, 1993.
and correlation with outcome. J. Am. Soc. Nephrol., 3:1501-1507, 1993. 92. WINDUS, D.; LACSON, S.; DELMEZ, J. The short-term effects of a
71. SPIEGEL, D.; ANDERSON, M.; CAMPBELL, V. et al. Serum albu- low-protein diet in stable renal transplant recipients. Am. J. Kidney
min: A marker for morbidity in peritoneal dialysis patients. Am. J. Dis., 17:693-699, 1991.
Kidney Dis., 21:26-30, 1993. 93. SALAHUDEEN, A.K.; HOSTETTER, T.H.; RAATZ, S.K. et al. Effect
72. GOKAL, R.; HARTY, J. Nutrition and peritoneal dialysis. In: Mitch, of dietary protein in patients with chronic renal transplant rejection.
W.E.; Klahr, S. Handbook of Nutrition and the Kidney, 3.ª ed. Lippincot- Kidney Int., 41:183-190, 1992.
Raven, Philadelphia, 1998, p.269-293. 94. EDWARDS, M.; DOSTER, S. Renal transplant diet recommendati-
73. HEIMBÜRGER, O.; LINDHOLM, B.; BERGSTRÖM, J. Nutritional ons: results of a survey of renal dietitians in the United States. J. Am.
effects and nutritional management of chronic peritoneal dialysis. Diet. Assoc., 90:843-846, 1990.
In: Kopple, J.D.; Massry, S.G. Nutritional Management of Renal Dise-
ase. Williams & Wilkins, New York, 1997, p. 619-668. ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
74. BERGSTROM, J.; FURST, P.; ALVESTRAND, A. et al. Protein and
energy intake, nitrogen balance and nitrogen losses in patients www.kidney.org/professionals/doqi/guidelines/
treated with continuous ambulatory peritoneal dialysis. Kidney Int., doqi_nut.html — Guia prático de orientação nutricional da
44:1048-1057, 1993.
75. PAGENKEMPER, J.; FOULKS, C. Nutritional management of the
National Kidney Foundation — DOQI Guidelines
adult renal transplant patient. J. Renal Nutr., 1:119-124, 1991. www.kidneyatlas.org/book1/adk1 — Nutrição e metabo-
76. MATAS, A.J. Where do we go from here? Long-term kidney lismo na Insuficiência Renal Aguda
transplant outcome. Contemp. Dial. Nephr., August:18-21, 1991. www.nephron.com — Centro de Informações
77. KASISKE, B. Risk factors for accelerated atherosclerosis in renal
www.kidney.org — National Kidney Foundation
transplant recipients. Am. J. Med., 84:985-992, 1988.
78. MERION, R.; TWORK, A.; ROSENBERG, L. et al. Obesity and renal www.hdcn.com — Hipertensão, diálise e nefrologia clínica
transplantation. Surg. Gyn. Obst., 172:367-376, 1991. www.jrnjournal.org — Journal of Renal Nutrition
Capítulo
Nutrição Parenteral Intradialítica

48 Cristina Martins e Miguel C. Riella

INTRODUÇÃO EFEITOS COLATERAIS E CUIDADOS


HISTÓRICO CONCLUSÃO
INDICAÇÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
VANTAGENS E BENEFÍCIOS NUTRICIONAIS ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
COMPOSIÇÃO DAS SOLUÇÕES E ADMINISTRAÇÃO

alimentação através de sondas, por sua vez, pode não ser


INTRODUÇÃO bem tolerada devido a náuseas, vômitos e distúrbios gas-
trointestinais, além de exercer efeito psicológico negativo
A desnutrição é um grande problema da insuficiência
na imagem corporal já distorcida desses pacientes. Na ro-
renal crônica, principalmente de pacientes em hemodiá-
tina, é provável que a maioria dos pacientes ambulatori-
lise (HD).1-4 A maior relevância desse fato é que as taxas
ais em HD recusem a colocação de sondas para alimenta-
de morbidade e mortalidade são mais altas em desnutri-
ção. A nutrição parenteral é, então, a última alternativa
dos.3-7
para prover um suporte nutricional adequado. A adminis-
As causas da desnutrição são múltiplas nesta popula-
tração da nutrição parenteral através de um cateter central
ção. Ela pode ocorrer devido a ingestão alimentar insufi-
é mais indicada para pacientes hospitalizados e por curto
ciente, assimilação deficiente de nutrientes, e/ou devido
prazo. Como alternativa específica à HD está a nutrição
às perdas nutricionais aumentadas durante o procedimen-
parenteral intradialítica (NPID). A NPID é um método de
to dialítico. A presença da acidose metabólica pode con-
suporte nutricional que é realizado durante o procedimen-
tribuir de maneira significativa para a degradação do teci-
to dialítico. Nesse caso, uma solução nutritiva é colocada,
do muscular corporal. Também, o contato do sangue com
a membrana e outros aparatos dialíticos pode gerar reação através de uma agulha, dentro da câmara de gotejamento
inflamatória crônica e aumentar os desequilíbrios nutrici- do fluxo venoso, saindo do dialisador. A solução nutritiva
onais. Portanto, o objetivo primário para estes pacientes é parenteral pode fornecer glicose hipertônica, aminoácidos,
alcançar e manter um estado nutricional adequado. lipídios, vitaminas e minerais desejados. Embora com in-
A primeira via de alimentação é, sem dúvida, a oral, e a dicações precisas, a NPID tem sido mostrada de grande
principal fonte são os alimentos. Entretanto, principalmen- benefício nutricional e útil na recuperação de indivíduos
te devido à anorexia, os alimentos através da via oral po- desnutridos em HD.
dem não ser suficientes para a manutenção ou melhora do
estado nutricional desses pacientes. Em caso de insucesso
através da dieta normal, o suporte nutricional deve ser HISTÓRICO
indicado. A Fig. 48.1 mostra uma árvore de decisão para a
indicação do suporte nutricional em pacientes dialisados. Noree e cols.,8 em 1971, publicaram um dos estudos mais
Infelizmente o uso de suplementos orais pode não ser bem- antigos descrevendo a administração endovenosa de ami-
sucedido devido também principalmente à anorexia. A noácidos essenciais durante sessões de HD. Os autores
862 Nutrição Parenteral Intradialítica

AVALIAÇÃO
NUTRICIONAL

N
Desnutrição? Avaliação e aconselhamento
contínuo

S S

N
Diálise 앖Dose de 앖Parâmetros
eficiente? diálise nutricionais?

S N

S
Disfunção Nutrição
GI presente? Parenteral

• hospitalar
N • domiciliar N
• ID/IP

S
Consumo VO Retorno da
adequado? função GI?
N S

Avaliação e aconselhamento • Reforçar VO


contínuo • Avaliar liberação
• Avaliar suplementação

S
앖 Parâmetros
nutricionais?

Nutrição por
sonda Avaliação e aconselhamento
contínuo

S
앖 Parâmetros Retirada da Reforço das
nutricionais? Sonda orientações VO

N
• Doença sistêmica
• Infecção, trauma, cirurgia
Reavaliar/Reajustar Considerar outros • Desordem hormonal
Nutrição por Sonda fatores • Limitação física
• Problema psicossocial
• Interação droga-nutriente
Diagnóstico e tratamento
VO = Via Oral do problema
ID = Intradialítica
IP = Intraperitoneal
Fig. 48.1 Manejo Nutricional na diálise. Fonte: Martins, C. Suporte nutricional na diálise crônica. In: M.C. Riella, C. Martins. Nutrição
e o Rim. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 190-206, 2001.
capítulo 48 863

mostraram melhora do balanço nitrogenado e contrabalan- 1. O paciente não consegue manter o estado nutricio-
ço das perdas de aminoácidos durante a diálise. Em 1975, nal adequado:
Heidland e Kult publicaram o primeiro estudo a longo • albumina sérica menor que 3,5 g/dl
prazo (60 semanas) com NPID.9 Nessa pesquisa foram • peso igual ou abaixo de 90% do ideal
administrados, durante os últimos 90 minutos da sessão • perda de peso não intencional maior que 10% du-
de HD, aminoácidos essenciais e histidina, incluindo tam- rante um período igual ou menor que 6 meses.
bém carboidratos (sorbitol e xilitol). Mesmo tendo-se for- 2. A nutrição enteral não foi bem-sucedida, é inadequa-
necido menos de 100 kcal e aproximadamente 12 g de da ou contra-indicada.
aminoácidos, houve melhora no peso, no apetite e nas pro- 3. Existe deficiência funcional do trato gastrointestinal,
teínas séricas (albumina e transferrina) dos 18 pacientes ou seja, o paciente tem uma condição que interfere
estudados. No estudo, entretanto, os pacientes recebiam com a ingestão, digestão e absorção de nutrientes a
também uma suplementação oral de calorias e proteínas, ponto de causar perda de peso. Esta anormalidade
conturbando os resultados quanto aos efeitos específicos deve ser crônica, sendo esperado que o paciente ne-
da NPID. Em 1977, Hecking e cols., em dois estudos,10,11 cessite da NPID por, no mínimo, três meses.
sugeriram que os efeitos benéficos da suplementação pa- 4. Todos os modos de suporte nutricional, exceto a nu-
renteral intradialítica com aminoácidos essenciais e cetoá- trição parenteral total, foram tentados, e os resulta-
cidos ocorrem somente em pacientes catabólicos, não de- dos do insucesso documentados. A NPID deve ser a
monstrando benefícios adicionais na infusão de aproxima- terapia de última escolha, e utilizada somente se to-
damente 17 g de aminoácidos essenciais durante os últi- dos os outros métodos já tenham sido usados, sem
mos 90 minutos de HD, por um período de seis meses. A resultados positivos.
população desse estudo, entretanto, era composta de pa- 5. A NPID não é suplementar. Isto significa que a NPID
cientes estáveis, sem evidência de desnutrição, e aparen- não pode ser usada para corrigir um problema nu-
temente aderentes a uma dieta adequada em quilocalori- tricional que pode ser tratado mais eficientemente
as e proteínas. A conclusão de que pacientes urêmicos com pela via enteral. Ela não pode ser usada para simples-
dieta adequada não necessitam de suplementação de aminoá- mente acelerar o ganho de peso de um paciente que
cidos essenciais ou cetoácidos também foi dada por Neuhauser apresenta o estado nutricional estável e recebe ali-
e cols.,12 em 1977. mentação via enteral.
Nos anos 80 e adiante, os estudos continuaram, e o foco
de interesse da administração intravenosa durante a ses- Pontos-chave:
são de HD foram as soluções nutritivas com composições
variadas. • A nutrição parenteral é a última alternativa
para prover um suporte nutricional
adequado
INDICAÇÃO • A NPID é indicada para pacientes
desnutridos em HD após insucesso das
A NPID é indicada para pacientes desnutridos em HD intervenções convencionais (nutrição oral/
após insucesso das intervenções convencionais (nutrição enteral malsucedida, inadequada ou contra-
oral/enteral malsucedida, inadequada ou contra-indica- indicada)
da).13 • A NPID é um método de suporte
A decisão de quando iniciar a NPID requer avaliação nutricional que é realizado durante o
clínica astuta e julgamento que integre informações nu- procedimento dialítico
tricionais objetivas e subjetivas. Embora exista um gran-
• A NPID influencia positivamente na taxa de
de número de estudos sobre a avaliação nutricional de pa-
mortalidade de pacientes desnutridos em
cientes renais, padrões clínicos mais adequados e preci-
sos para a seleção de pacientes para uso da NPID ainda HD
não estão estabelecidos. O guia mais comum e simples, e
adotado pelo sistema de saúde americano (Medicare) para Diagnósticos aceitáveis de elegibilidade para a NPID são
reembolso da terapia, avalia albumina sérica e peso, além mostrados no Quadro 48.1.
de problemas de digestão e absorção. Também requer do- A descontinuação da terapia pode ocorrer quando os
cumentação de insucesso dos meios convencionais de su- objetivos nutricionais forem encontrados, com evidência
plementação nutricional com tentativa de, no mínimo, um de balanço nitrogenado positivo. A reiniciação é apropri-
mês. Neste protocolo, o paciente deve apresentar dois ou ada quando, no paciente estável (não-catabólico), houver
mais dos critérios abaixo para ser qualificado para a reversão na melhora nutricional após um mês de tentati-
NPID: vas de suplementação nutricional oral.
864 Nutrição Parenteral Intradialítica

Soluções especiais de NPID podem ser utilizadas para su-


Quadro 48.1 Condições para indicação da NPID
prir deficiências de aminoácidos específicos e, conseqüen-
Má-absorção urêmica temente, melhorar o apetite do paciente.18,19
Síndrome de má-absorção
Gastroparesia diabética ou urêmica
Pancreatite crônica recorrente Pontos-chave:
Doença hepática
Obstrução gastrointestinal parcial Vantagens da NPID
Enterite por radiação • Administração de nutrientes concentrados.
Doença inflamatória intestinal Aproximadamente 50-60 g de proteínas e
Síndrome do intestino curto
Diarréia crônica 1.000-1.300 quilocalorias podem ser
Náuseas e vômitos incoercíveis providos por infusão
• Alta taxa de retenção, com redução de
perdas de nutrientes. A taxa de retenção de
aminoácidos através da NPID é de
VANTAGENS E BENEFÍCIOS aproximadamente 90%
• Remoção concomitante de líquidos,
NUTRICIONAIS
minimizando o risco de sobrecarga hídrica
A NPID apresenta uma série de vantagens. Algumas • Acesso mais conveniente. A NPID dispensa
são: o acesso endovenoso adicional (cateter
1. Administração de nutrientes concentrados. Aproxi-
central ou acesso periférico)
madamente 50-60 g de proteínas e 1.000-1.300 quilocalori-
as podem ser providos por infusão. A NPID tem a vanta- Embora as vantagens sejam muitas, a NPID não tem in-
gem de suprir o paciente com energia e proteínas em quan- tenção de ser a fonte única de suporte nutricional. Como
tidades substanciais, sem a adição de líquidos e minerais benefício nutricional, ela é somente bem-sucedida quando
não desejados. a ingestão alimentar oral diária é suficiente para, combina-
2. Taxa alta de retenção, com redução de perdas de nu- da com a NPID, manter o paciente em balanço nitrogenado
trientes. A taxa de retenção de aminoácidos através da positivo. Aliás, um fator de confusão em todos os estudos
NPID é de aproximadamente 90%.14 Considerando as per- publicados é a dificuldade em avaliar o valor da NPID em
das usuais de aminoácidos através do dialisado, aproxima- pacientes que também estão consumindo alimentos. Embora
damente 68% dos aminoácidos da NPID são retidos.14 Com a terapia possa ter melhorado o estado nutricional até certo
isso, a NPID pode prevenir a queda das concentrações plas- ponto, é difícil separar a melhora devido à NPID daquela
máticas de aminoácidos e de glicose, com perdas menores secundária ao aumento da ingestão alimentar.
no dialisado,14,15 conduzindo a um balanço nitrogenado Estudos preliminares não demonstraram efeitos conclu-
positivo. sivos no estado nutricional dos pacientes com NPID. Isto
3. Remoção concomitante de líquidos, minimizando o deve-se, principalmente, ao fato de estes estudos terem sido
risco de sobrecarga hídrica. A restrição hídrica oral do conduzidos em pacientes sem evidência de desnutrição.
paciente não é afetada. A pressão transmembrana da má- Seria difícil, senão impossível, demonstrar benefícios em
quina de diálise é ajustada para remover, através da ultra- um grupo de pacientes bem nutridos com esta ou qualquer
filtração, o líquido adicional (solução de NPID) que o pa- outra terapia de suporte nutricional.
ciente recebe. Não existem muitos estudos controlados sobre a NPID.
4. Segurança ao paciente. A terapia é administrada sob A maioria dos estudos apresentam amostras pequenas e
supervisão clínica. A NPID foi demonstrada ser segura em são retrospectivos. Grande parte destes estudos demons-
mais de 300 procedimentos hemodialíticos em pacientes tram resposta nutricional positiva com a NPID. A aplica-
gravemente desnutridos.16 ção bem-sucedida da NPID em pacientes cronicamente
5. Acesso mais conveniente. A NPID dispensa o acesso desnutridos resulta na prevenção da perda ou do ganho
endovenoso adicional (cateter central ou acesso periférico). de peso.20-23 A NPID só não foi eficaz na reversão da perda
Na terapia, os nutrientes são infundidos no acesso de diáli- de peso em pacientes com doença óssea avançada secun-
se, na câmara de gotejamento da linha de retorno venoso. dária ao hiperparatireoidismo.13 Estudos sobre a NPID
6. Mais facilidade ao paciente. A NPID dispensa cuida- também têm demonstrado aumento nas proteínas visce-
do domiciliar com cateter, infusão de soluções e equipa- rais,20,21,23,24 balanço nitrogenado positivo14 e melhora de
mentos, caso indicada a nutrição parenteral.17 outros parâmetros nutricionais bioquímicos.13,20,21,23 O au-
7. Possibilidade de correção de níveis anormais de ami- mento da sensação de bem-estar e do apetite,16,20-22 e con-
noácidos plasmáticos, usualmente encontrados em HD. seqüentemente a melhora da ingestão alimentar, pode ter
capítulo 48 865

efeito benéfico no estado nutricional destes pacientes. A necessidades. O desenvolvimento de soluções de aminoá-
melhora do perfil de aminoácidos plasmáticos pode tam- cidos mais adequadas às necessidades dos pacientes em
bém ser um efeito positivo da NPID.13,14 HD pode ser superior em eficácia. O estudo de Toigo e
A NPID também influencia positivamente na taxa de cols.18 demonstrou melhor efeito na síntese protéica com
mortalidade de pacientes desnutridos em HD. Um estudo uma solução desenvolvida para reverter as anormalidades
com 1.679 pacientes recebendo NPID sugere vantagem da de aminoácidos de pacientes urêmicos. Esta solução con-
terapia na melhora da taxa de mortalidade quando a albu- tinha histidina, porcentagem maior de valina e treonina, e
mina sérica inicial for menor que 3,3 g/dl.25 Capelli e cols. menor de fenilalanina e metionina, em comparação às so-
também demonstraram melhora na taxa de sobrevivência luções comuns.
(64% vs 52%) nos pacientes recebendo NPID26 devido, pro- A adição de lipídios, até 250 ml em concentração a 20%,
vavelmente, ao aumento nos níveis de albumina sérica. também tem sido uma prática comum. Os lipídios, além
Os resultados de estudos em pacientes diabéticos têm de fornecerem ácidos graxos essenciais, também provêem
sido usualmente positivos, mas não tão impressionantes. quilocalorias adicionais. O uso de emulsões lipídicas como
Um estudo mostrou um aumento pequeno, porém signifi- fonte calórica possui várias vantagens, como: 1. as reser-
cativo, nos níveis de albumina em todos os pacientes.24 vas lipídicas são preferencialmente oxidadas como ener-
De maneira geral, a NPID parece melhor utilizada em gia, em pacientes em HD, após jejum noturno;29 2. a resis-
pacientes desnutridos que são capazes de manter a inges- tência à insulina e a intolerância à glicose são comuns na
tão oral ou a absorção intestinal de pelo menos 70% de suas insuficiência renal crônica; 3. a deficiência de ácidos gra-
necessidades calóricas e pelo menos 40% de suas necesi- xos essenciais ocorre nesta população;30 4. as emulsões li-
dades protéicas.27 pídicas possuem alta densidade calórica e são isosmolares,
O tempo de duração da terapia que demonstra benefí- facilitando a tolerância da infusão; 5. a infusão de lipídios
cios nutricionais é de, no mínimo, dois meses.20 não parece alterar a eficácia da diálise. Na maioria dos
casos, a emulsão lipídica é misturada diretamente à glico-
se e aos aminoácidos no mesmo frasco, simplificando a ad-
ministração da NPID. Assim como a glicose, a quantidade
COMPOSIÇÃO DAS SOLUÇÕES E de lipídios utilizada pode requerer ajustes individuais.
ADMINISTRAÇÃO O Quadro 48.2 mostra alguns exemplos de soluções de
uso rotineiro em NPID. Todas as soluções inicialmente não
Várias fórmulas podem ser utilizadas nas soluções de contêm aditivos. As vitaminas, os eletrólitos, os minerais,
NPID. A preferência é iniciar com fórmulas contendo quan- oligoelementos e certos medicamentos são normalmente
tidades menores de glicose e maiores de aminoácidos. A
partir da tolerância, são recomendados aumentos gradu-
ais no conteúdo de nutrientes, baseados nas necessidades
individuais. Em geral, as soluções de NPID contêm uma Quadro 48.2 Soluções e composição de nutrição
mistura de aminoácidos e uma fonte calórica, e não pos- parenteral intradialítica
suem eletrólitos. A fonte calórica pode ser somente a gli- Fórmula Composição
cose, ou uma combinação de glicose e lipídios. Diferentes
composições de soluções e métodos de administração têm Solução 1
sido demonstrados na literatura.13,28 Usualmente são for- 250 ml aminoácidos* 10% 25 g proteína
250 ml gliclose 50% 125 g glicose
necidos até 200 g de glicose/litro, quando o dialisado não Total: 500 ml Total: 525 kcal
possui glicose, e até 150 g/litro, quando o dialisado con-
tém glicose.27 O paciente recebe usualmente 1.000 ml de Solução 2
500 ml aminoácidos* 10% 50 g proteína
solução parenteral durante cada sessão de HD. Os amino- 250 ml glicose 50% 125 g glicose
ácidos mistos (essenciais e não-essenciais) são os de uso Total: 750 ml Total: 625 kcal
mais comum, embora alguns estudos tenham utilizado
Solução 3
formulações especiais, contendo somente aminoácidos
500 ml aminoácidos* 10% 50 g proteína
essenciais. Em um período de 20 semanas, uma solução 250 ml glicose 50% 125 g glicose
composta de glicose e uma mistura de aminoácidos essen- 250 ml lipídios 20% 50 g lipídios
ciais e não-essenciais resultou em um aminograma plas- Total: 1.000 ml Total: 1.075 kcal
mático mais normal do que uma solução de glicose com Solução 4
somente aminoácidos essenciais.13 A provisão de somente 500 ml aminoácidos* 10% 50 g proteína
aminoácidos essenciais para esta população pode não ser 400 ml glicose 50% 200 g glicose
eficiente para restaurar o perfil de aminoácidos plasmáti- Total: 900 ml Total: 880 kcal
cos e celulares. Isso porque a produção endógena de ami- *aminoácidos mistos (essenciais e não-essenciais)
noácidos não-essenciais pode não ser suficiente para as Nota: 1 g de glicose ⫽ 3,4 kcal.
866 Nutrição Parenteral Intradialítica

eliminados da NPID, porém podem ser adicionados nos nistrada em bolo intravenoso (iniciar com 5 U e aumentar de
frascos, se indicado. A insulina pode ser adicionada à so- 2 a 5 U, dependendo da resposta do paciente). No caso de a
lução,26 porém a maioria dos estudos prefere a inclusão dela administração de insulina ser necessária, a glicemia deve ser
somente na presença de hiperglicemia. verificada a cada 30 minutos, até que o nível esteja estabiliza-
É indicado iniciar com as soluções 1 ou 2 durante a pri- do. Por outro lado, doses altas de insulina na tentativa de
meira semana, para avaliar a tolerância da infusão e a res- normalizar a glicemia podem resultar em hipoglicemia. Para
posta quanto aos eletrólitos e à glicose sanguíneos. No caso pacientes diabéticos já com uso rotineiro de insulina, é prefe-
de a solução 1 ou 2 ser bem tolerada, é indicado progredir rida a aplicação e o controle subcutâneo. Não tem sido comum
para a solução 3. Esta é usada em todo o período de ma- a descrição de hiperglicemia importante durante a NPID.27
nutenção. Em casos de reação a lipídios, presença de hi- Parece razoável e desejável a glicemia entre 200-300 mg/dl
pertrigliceridemia ou outra razão para a necessidade de no período pós-HD com NPID.32 Porém, concentrações pós-
restrição lipídica (p. ex., insuficiência hepática), a solução diálise de 325-375 mg/dl em pacientes não-diabéticos e 400-
4 pode ser utilizada. As variações nas formulações podem 500 mg/dl em diabéticos também podem ser consideradas
ser feitas após a fase de teste para tolerância. Por exemplo, aceitáveis se forem assintomáticas. A elevação da glicemia não
pode-se aumentar o volume da solução de aminoácidos ou é usualmente considerada um problema clínico pelo fato de
utilizar soluções mais concentradas, ou aumentar o volu- ser transitória. Em caso de glicemia ⬎400 mg/dl no meio do
me ou a concentração de glicose (p. ex., 70%). A solução período de administração, a taxa de infusão deve ser reduzi-
deve ser administrada, de preferência, durante todo o pe- da em 50%. Se a glicemia estiver abaixo de 200 mg/dl neste
ríodo da sessão de HD, em taxa constante de infusão. A período, é recomendado o consumo de 30 a 60 g de carboi-
taxa de infusão recomendada para NPID é, no máximo, 350 drato simples.14 Isso pode significar duas fatias de pão com
ml/h,27 porém existe escassez de estudos comparando di- geléia, seis crackers ou aproximadamente 120 ml de suco de
ferentes taxas de infusão. A taxa de infusão é determinada fruta com uma colher de açúcar refinado. Entretanto, para pro-
dividindo o total do volume da solução pelo tempo da ses- teger o paciente de um evento de hipoglicemia reativa, o mais
são de HD. Pelo fato de a solução de NPID ser hipertônica e indicado pode ser essa ingestão de carboidratos logo após o
alta em glicose, o uso de bomba de infusão é recomendado. término da sessão de HD. Todos os pacientes devem, tam-
bém, ser encorajados a ingerir um lanche ou refeição dentro
de uma hora após a sessão. Caso o paciente não possa comer,
a taxa de infusão da NPID deve ser reduzida em 50% duran-
EFEITOS COLATERAIS E te os últimos 30 minutos de diálise. Ao término da primeira
CUIDADOS infusão, o paciente deve permanecer na Unidade de Diálise
por aproximadamente 60 minutos, para melhor possibilitar
Em geral, a NPID não apresenta efeitos adversos signi- a observação da ocorrência de hipoglicemia. A partir daí, os
ficativos13,14,20 e não parece interferir com o procedimento pacientes e acompanhantes devem ser instruídos para os si-
de HD. O monitoramento cuidadoso para os problemas em nais de hipoglicemia e para as medidas corretivas.
potencial assegura um resultado mais positivo ao pacien- Pacientes recebendo emulsão lipídica podem apresentar
te e a possibilidade de alcançar os objetivos nutricionais. intolerância a lipídios.20 A infusão de lipídios começa nor-
Os principais riscos do procedimento são: hiperglicemia, malmente após duas semanas do início da terapia com
hipoglicemia reativa após o término da infusão, possibili- NPID. As emulsões de lipídios são usualmente bem tolera-
dade de contaminação da solução durante a infusão, rea- das quando administradas em um período de quatro horas.
ções agudas às emulsões de lipídios, desequilíbrios eletro- Para monitorar reações agudas a lipídios, o cuidado deve
líticos e aumento da uremia. Dor e cãibras no braço da fís- concentrar-se na primeira infusão da solução de NPID con-
tula durante a infusão também têm sido citadas.31 tendo lipídio. Para testar reação alérgica, é recomendada taxa
A infusão rápida da glicose pode resultar em hiperglice- de infusão de 1 ml/min durante os primeiros 15-30 minu-
mia. Por esta razão, é necessário cuidado principalmente tos para emulsão a 10%, ou 0,5 ml/min para emulsão a 20%.
durante a primeira semana de infusão da NPID. A glicemia No caso de nenhuma reação ocorrer, a solução remanescente
periférica deve ser verificada imediatamente pré-infusão, no pode, então, ser infundida na taxa máxima usual ou em in-
meio do período e no término da sessão de HD. Para pacien- crementos de 50 ml/h, até que o volume total de lipídios seja
tes não-diabéticos, que não apresentaram nenhum problema completado.28 Infusões de lipídios não devem ser maiores
de intolerância à glicose, a glicemia periférica pode ser que 12,5 g/h.27 As reações a lipídios são raras. Alguns dos
reavaliada quinzenalmente. Para aqueles diabéticos, porém, sinais descritos incluem: rash cutâneo, dor no peito e nas
é recomendado continuar com os testes glicêmicos pré-, no costas, aumento da temperatura corporal, náuseas, vômitos,
meio do período e pós-diálise. Em caso de a glicemia estar dispnéia, sudorese excessiva, cefaléia, tontura e hipersensi-
maior que 300 mg/dl no meio do período de infusão, uma bilidade no local da infusão.27 No caso de alguns destes efei-
dose pequena de insulina (p. ex., 20 U/litro) pode ser adicio- tos colaterais ocorrerem, as emulsões lipídicas devem ser
nada à solução remanescente, ou, preferencialmente, admi- descontinuadas. Além disso, para avaliação do clearance
capítulo 48 867

hepático, os níveis de triglicerídeos séricos devem ser veri-


ficados antes do início do uso das emulsões lipídicas. Paci- CONCLUSÃO
entes com níveis ⬎250 mg/dl de triglicerídeos plasmáticos
pré-infusão não devem receber emulsões lipídicas de roti- A melhora do estado nutricional, com a correção de
na.28 No caso de os triglicerídeos séricos estarem em nível déficits nutricionais graves, é essencial e pode reduzir a
maior do que 300 mg/dl após o início da administração de morbidade, melhorar o prognóstico, a longevidade e a
lipídios, a infusão deve ser diminuída até que sejam nova- qualidade de vida destes pacientes. O primeiro objetivo
mente alcançados os valores basais ou normais. Para avali- deve ser a prevenção da desnutrição. Todo paciente em HD
ar a tolerância a longo prazo do uso das emulsões lipídicas, deve ter seu estado nutricional avaliado no início do trata-
níveis plasmáticos de triglicerídeos, colesterol e testes de mento e periodicamente. As intervenções para corrigir
função hepática devem ser verificados mensalmente. Um anormalidades devem ser instituídas precocemente, já que
estudo investigando o uso dessas emulsões na NPID duran- a desnutrição pode tornar-se um ciclo vicioso, conduzin-
te um mês não demonstrou nenhum efeito negativo no me- do à anorexia, a qual compromete ainda mais o estado
tabolismo de lipídios;33 pelo contrário, a lipoproteína (a) di- nutricional. As intervenções devem incluir dietas mais li-
minuiu, sugerindo redução no risco relacionado de ateros- berais para aqueles pacientes anoréticos, com atenção a
clerose. Outro estudo anterior também demonstrou que a preferências alimentares. No caso de a ingestão alimentar
NPID com lipídios não alterou os níveis de colesterol, tri- ser ainda insuficiente, os suplementos nutricionais orais
glicerídeos e fosfolipídios em pacientes desnutridos em devem ser iniciados. A alimentação através de sondas pode
HD.22 Os efeitos crônicos da intolerância a lipídios podem ser tentada para aqueles com anorexia grave. Entretanto,
incluir hepatomegalia, icterícia, leucopenia, testes anormais a taxa de aderência e sucesso com essa terapia é pequena.
de função hepática, esplenomegalia e outros. Por fim, a NPID pode ser indicada para pacientes desnu-
O monitoramento de eletrólitos é realizado obtendo-se tridos em HD crônica, após insucesso das intervenções
principalmente níveis séricos pós-diálise de fósforo, potás- nutricionais anteriores. Nos estudos, na maioria de curto
sio e magnésio no primeiro dia da infusão de NPID. Após prazo, retrospectivos e com amostras pequenas, os resul-
esse período, esses devem ser acompanhados mensalmente tados demonstram melhora em vários parâmetros nutri-
para o paciente estável, e mais freqüentemente para aque- cionais importantes. Porém, parece claro que nem todos os
le apresentando estado nutricional depletado. Um paciente pacientes conseguem se beneficiar dessa terapia. Ela deve
desnutrido, que apresenta níveis séricos baixos ou normais ser reservada somente àqueles desnutridos, que não estão
de potássio, fósforo e magnésio antes de iniciar a NPID se recuperando de uma enfermidade aguda e que não res-
pode experimentar uma diminuição rápida destes eletró- pondem ao aconselhamento nutricional intensivo. Quan-
litos, como resultado da realimentação. to à tolerância, a NPID parece ser bem tolerada e, em ge-
O aumento da uremia com a NPID também não parece ral, não apresenta efeitos adversos. A administração e o
ser um problema. O nitrogênio uréico sérico usualmente monitoramento parecem esclarecidos, porém outras per-
aumenta com a NPID, porém não em níveis inaceitáveis. guntas difíceis quanto à sua eficácia nutricional e ao cus-
No paciente anorético, incapaz de consumir suas necessi- to/benefício ainda permanecem sem respostas conclusivas.
dades protéicas através da via oral, parece improvável que
os aminoácidos providos pela NPID resultem em elevação
significativa e acima do recomendado nos níveis de uréia REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
e outros metabólitos nitrogenados.
1. THUNBERG, B.; SWAMY, A.; CESTERO, R. Cross-sectional and
longitudinal nutritional measurements in maintenance hemodialy-
Pontos-chave: sis patients. Am. J. Clin. Nutr., 34:2005-2012, 1981.
2. YOUNG, G.; SWANEPOEL, C.; CROFT, M. et al. Anthropometry and
Riscos do procedimento plasma valine, amino acids, and proteins in the nutritional assess-
ment of hemodialysis patients. Kidney Int., 21:492-499, 1982.
• Hiperglicemia 3. WOLFSON, M.; STRONG, C.; MINTURN, D. et al. Nutritional sta-
• Hipoglicemia reativa após o término da tus and lymphocytic function in maintenance hemodialysis patients.
infusão Am. J. Clin. Nutr., 37:547-555, 1984.
4. MARKMANN, P. Nutritional status of patients on hemodialysis and
• Possibilidade de contaminação da solução peritoneal dialysis. Clin. Nephrol., 29:75-78, 1988.
durante a infusão 5. ACCHIARDO, S.; MOORE, L.; LATOUR, P. Malnutrition as the
main factor in morbidity and mortality of hemodialysis patients.
• Reações agudas às emulsões de lipídios Kidney Int., 24:S199-203, 1983.
• Desequilíbrios eletrolíticos e aumento da 6. LOWRIE, E.; LEW, N. Death risk in hemodialysis patients: The predictive
uremia value of commonly measured variable and an evaluation of death rate
differences between facilities. Am. J. Kidney Dis., 15:458-482, 1990.
• Dor e cãibras no braço da fístula durante a 7. KAMINSKI, M.; LOWRIE, E.; ROSENBLATT, S. et al. Malnutrition
infusão is lethal, diagnosable, and treatable in ESRD patients. Transplant
Proc., 23:1810-1815, 1991.
868 Nutrição Parenteral Intradialítica

8. NOREE, L.; BERGSTROM, J.; FURST, P. et al. The effect of essential 23. PALMISANO, R. Effectiveness of intradialytic parenteral nutrition
amino acid administration on nitrogen metabolism during dialysis. in treating malnourished hemodialysis patients. Cont. Dial. Nephrol.,
Proc. Eur. Dial. Transplant. Assoc., 8:182-188, 1971. July:20-23, 1992.
9. HEIDLAND, A.; KULT, J. Long-term effects of essential amino acid 24. MADIGAN, K.; OLSHAN, A.; YINGLING, D. Effectiveness of
supplementation in patients on regular dialysis treatment. Clin. intradialytic parenteral nutrition in diabetic patients with end-stage
Nephrol., 3:234-239, 1975. renal disease. J. Am. Diet. Assoc., 90:861-863, 1990.
10. HECKING, E.; KOHLER, H.; ZOBEL, R. et al. Is parenteral or oral 25. CHERTOW, G.; LING, J.; LEW, N. et al. The association of
administration of essential amino acids beneficial in patients on chro- intradialytic parenteral nutrition administration with survival in
nic haemodialysis? Proc. Eur. Dial. Transplant. Assoc., 14:577-580, 1977. hemodialysis patients. Am. J. Kidney Dis., 24:912-920, 1994.
11. HECKING, E.; PORT, F.; BREHM, R. et al. A controlled study on the 26. CAPELLI, J.; KUSHNER, H.; CAMISCIOLI, T. et al. Effect of
value of oral supplementation with essential amino acids and keto intradialytic parenteral nutrition on mortality rates in end-stage
analogues in chronic haemodialysis. Proc. Clin. Dial. Transplant. renal disease care. Am. J. Kidney Dis., 23:808-816, 1994.
Forum., 7:157-161, 1977. 27. GOLDSTEIN, J.; STROM, J. Intradialytic parenteral nutrition:
12. NEUHAUSER, M.; ULM, A.; LEBER H. et al. Influence of essential evolution and current concepts. J. Renal Nutr., 1:9-22, 1991.
amino and keto acids on protein metabolism and the anaemia of 28. POWERS, D. Considerations in the use of 3:1 intradialytic parente-
patients on chronic intermittent haemodialysis. Proc. Eur. Dial. Trans- ral nutrition solutions containing long-chain triglyceride. Contr. Dial.
plant. Assoc., 14:577-561, 1977. Nephrol., 11:29-36, 1990.
13. PIRAINO, A.; FIRPO, J.; POWERS, D. Prolonged hyperalimentati- 29. SCHNEEWEISS, B.; GRANINGER, W.; STOCKENHUBER, F. et al.
on in catabolic chronic dialysis therapy patients. J. P. E. N., 5:463- Energy metabolism in acute and chronic renal failure. Am. J. Clin.
477, 1981. Nutr., 52:596-601, 1990.
14. WOLFSON, M.; JONES, M.; KOPPLE, J. Amino acid losses during 30. CHAN, M.; VARGHESE, Z.; PERSAUND, J. et al. Hyperlipidemia
hemodialysis with infusion of amino acid and glucose. Kidney Int., in patients on maintenance hemo and peritoneal dialysis: the relati-
21:500-506, 1982. ve roles of triglycerides production and triglyceride removal. Clin.
15. ABITBOL, C.; MROZINKA, K.; MANDEL, S. et al. Effects of amino Nephrol., 17:183-190, 1982.
acid additives during hemodialysis of children. J.P.E.N., 8:25-29, 1984. 31. WOLFSON, M. IDPN is of no proven benefit in hemodialysis pati-
16. THUNBERG, B.; JAIN, V.; PATTERSON, P. et al. Nutritional ents. Semin. Dial., 6:170-173, 1993.
measurements and urea kinetics to guide intradialytic hyperalimen- 32. FOULKS, C.; GOLDSTEIN, J.; KELLY, M. et al. Indications for the
tation. Proc. Dial. Transplant. For., 10:22-28, 1980. use of intradialytic parenteral nutrition in the malnourished hemo-
17. HOLMES, J. Intradialytic parenteral nutrition. Cont. Dial. Nephrol., dialysis patient. J. Renal Nutr., 1:23-33, 1991.
4:51-54, 1990. 33. CANO, N.; LUC, G.; STROUMZA, P. et al. Serum lipoprotein chan-
18. TOIGO, G.; SITULIN, R.; TAMARO, G. et al. Effect of intravenous ges after prolonged intralipid infusion in malnourished haemodi-
supplementation of a new essential amino acid formulation in he- alysis patients. Clin. Nutr., 13:111-115, 1994.
modialysis patients. Kidney Int., 36:S-278-281, 1989.
19. SKEIE, B.; MANNER, T.; LYNN, R. et al. Intradialytic parenteral
nutrition. Dial. Transplant., 20:551-552, 1991.
ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET
20. OLSHAN, A.; BRUCE, J.; SHWARTZ, A. Intradialytic parenteral http://www.nutritioncare.org/ — Site da American Soci-
nutrition administration during outpatient hemodialysis. Dial. Trans-
plant., 16:495-496, 1987. ety for Parenteral and Enteral Nutrition.
21. BILBREY, G.; COHEN, T. Identification and treatment of protein www.espen.org/ — ESPEN European Society of Parente-
calorie malnutrition in chronic hemodialysis patients. Dial. Trans- ral and Enteral Nutrition.
plant., 18:669-678, 1989.
http://www.nephrologypharmacy.com/current–kidney.html
22. CANO, N.; LABATIE-COEYREHOURCQ, J.; LACOMBE, P.
Pedialytic parenteral nutrition with lipids and amino acids in mal- — Nephrology Pharmacy Associates Website.
nourished hemodialysis patients. Am. J. Clin. Nutr., 52:726-730, 1990.
Capítulo
Hemodiálise

49 Jocemir Ronaldo Lugon, Jorge Paulo Strogoff e Matos e Elias Assad Warrak

INTRODUÇÃO Local de inserção


HISTÓRICO Complicações e manuseio
INICIAÇÃO EM DIÁLISE ANTICOAGULAÇÃO
Urgência PRESCRIÇÃO E ADEQUAÇÃO DA DIÁLISE
Hiperpotassemia Esquemas de hemodiálise
Hipervolemia Esquemas de três vezes por semana
Pericardite urêmica Outros esquemas
Sinais e sintomas urêmicos Adequação de diálise e cinética da uréia
Eletivas Uréia média
Taxa de filtração glomerular Equivalente protéico do nitrogênio gerado
Estado nutricional Implicações clínicas da adequação de diálise
Quadro clínico Limitações do método
PRINCÍPIOS DE TROCA EM DIÁLISE Perspectivas
ÁGUA PARA HEMODIÁLISE REÚSO DOS DIALISADORES
MATERIAL E EQUIPAMENTOS INTERCORRÊNCIAS DURANTE AS SESSÕES DE DIÁLISE
Solução de troca Complicações relacionadas à “fisiologia” da diálise:
Membranas e dialisadores desequilíbrio, hipotensão e cãibras
Máquinas Reações a materiais componentes do processo dialítico
ACESSO VASCULAR Outras complicações
Acessos vasculares definitivos REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Acessos vasculares temporários ENDEREÇOS RELEVANTES NA INTERNET

ça até então inexoravelmente letal. A popularização da


INTRODUÇÃO hemodiálise se deveu a avanços tecnológicos que inclu-
em o aprimoramento de máquinas e a fabricação de dia-
A aplicação clínica da hemodiálise teve início há mais lisadores mais eficientes e seguros, e, também, ao desen-
de meio século. Quando do seu surgimento, era indicada volvimento de técnicas cirúrgicas de confecção de aces-
apenas para o tratamento da insuficiência renal aguda, sos vasculares permanentes. Hoje, mais de um milhão de
com o intuito de manter o paciente vivo o tempo sufici- pessoas no mundo têm sua vida mantida na ausência de
ente para a recuperação da função renal. A hemodiálise um órgão vital, graças à terapia renal substitutiva.169 Além
como tratamento da uremia crônica difundiu-se a partir disso, o tratamento dialítico propicia as condições clíni-
da década de 60, mudando o curso natural de uma doen- cas necessárias àqueles que aguardam pelo transplante
870 Hemodiálise

renal. No entanto, seja pela escassez de órgãos ou por O Dr. Willem Kolff já havia enfrentado uma grande
razões clínicas, apenas uma pequena minoria dos pacien- frustração em 1930 quando, ainda um jovem médico ini-
tes em diálise chegará a transplantar.304 Assim, a hemo- ciando seus trabalhos no Hospital de Groningen, Holan-
diálise deve ser vista como uma modalidade terapêutica da, assistiu um paciente de 22 anos, urêmico, falecer, sem
capaz de proporcionar uma melhor qualidade de vida, qualquer perspectiva de tratamento. Desde então pas-
maior longevidade e uma freqüência cada vez menor de sou a se dedicar firmemente à idéia de descobrir uma
complicações. maneira de substituir a função renal e assim prolongar
Neste capítulo, serão abordados a história do desenvolvi- a vida desses pacientes. Só mais tarde, pôde Kolff desen-
mento da hemodiálise, as indicações para se iniciar a terapia volver seu dialisador, um marco na história da hemodi-
renal substitutiva, os princípios básicos do tratamento e suas álise. Este dialisador utilizava cilindros de celofane, em
peculiaridades técnicas, os acessos vasculares, a avaliação cujo interior circulava o sangue, enrolados de forma
da adequação do tratamento e, finalmente, as principais in- helicoidal em torno de um tambor rotatório, que ficava
tercorrências clínicas relacionadas ao procedimento. mergulhado até metade de sua altura em um tanque
banhado pela solução de troca, de cerca de 100 litros, que
era renovada sempre que saturava. Em fevereiro de
HISTÓRICO 1943, vendo-se diante de um paciente em franca uremia,
Kolff finalmente colocou em prática seu invento, embo-
Atribui-se ao químico escocês Thomas Graham (1805- ra sem ter visto um benefício claro naquela ocasião. Um
1869) a criação do termo diálise, que utilizou para des- mês após, voltaria a utilizar seu dialisador, desta vez em
crever o fenômeno por ele observado em 1854 no qual, uma mulher de 29 anos com insuficiência renal crônica
utilizando uma membrana semipermeável constituída por nefrosclerose maligna. Após várias sessões e tendo
de material vegetal, demonstrou a separação de substân- esgotado todos os acessos vasculares, a paciente veio a
cias colóides e cristalóides. Mais de 50 anos se passaram, falecer no 26.º dia de tratamento devido à falta de aces-
até que, em 1913, John J. Abel e col. descreveram suas so vascular. Posteriormente, o Dr. Kolff, juntamente com
experiências com um método em que o sangue retirado uma equipe de engenheiros do hospital Peter Bent
Brigham, Boston, EUA, construíram uma nova versão
de um cachorro era submetido a uma sessão de diálise
desse rim artificial, que passou a ser conhecida como
extracorpórea e, no final do procedimento, retornava à
modelo Kolff-Brigham (Fig. 49.1), utilizada pela primei-
sua circulação, sem qualquer prejuízo ao animal. Utili-
ra vez nos EUA em 1948.179,65
zando um aparelho constituído por oito tubos de mate-
O primeiro rim artificial do modelo Kolff-Brigham a
rial similar ao empregado na fabricação de salsichas, no
desembarcar no Brasil foi utilizado no Hospital Pedro
interior dos quais circulava o sangue anticoagulado com
Ernesto, Rio de Janeiro, em 1955.50 No entanto, a primeira
hirudina (extraída de sanguessugas), banhados por uma
sessão de hemodiálise no Brasil foi realizada em maio de
solução de troca dentro de um cilindro de vidro, os au-
1949 pelo Dr. Tito Ribeiro de Almeida (1913-1998), em São
tores comprovaram a eficácia do método na remoção de Paulo.263,239 Após tomar conhecimento da técnica utilizada
solutos. Logo perceberam a necessidade de aparelhos pelo Dr. Murray, no Canadá, que também desenvolvera
com maior superfície de troca, que pudessem ser viáveis um rim artificial,181 o Dr. Tito desenvolveu um modelo se-
para tratar seres humanos. No entanto, com a eclosão da melhante, no qual o cilindro contendo os tubos de celofa-
Primeira Guerra Mundial, suas pesquisas foram inter- ne era estacionário e colocado em posição vertical, enquan-
rompidas.179,65 to a solução de troca era agitada (ao contrário do modelo
Georg Haas de Gieszen, Alemanha, envolvido no de- de Kolff).239
senvolvimento de novas membranas e com experiênci- O desenvolvimento de técnicas para a confecção de
as de diálise em cães, realizou em 1924 o que se consi- acessos vasculares permanentes teve um papel determi-
dera a primeira sessão de hemodiálise em seres huma- nante para que fosse iniciada uma nova era no tratamen-
nos. Vendo-se impotente diante de um paciente com to dos pacientes com insuficiência renal crônica. Até en-
uremia terminal, submeteu-o a uma sessão de diálise, tão, somente os pacientes com chances de recuperação da
que teve a duração de 15 minutos. Embora sem um re- função renal eram submetidos à diálise, através de suces-
sultado prático, a diálise transcorreu sem qualquer sivas dissecções arteriais. Em 1960, em Seattle, o Dr.
anormalidade e demonstrou, pela primeira vez, ser Belding Scribner, juntamente com Dillard e Quinton, cri-
possível a purificação do sangue de um ser humano. aram o shunt arteriovenoso externo, uma prótese com
Nos anos seguintes, duas inovações viriam a contribuir peças de silastic e teflon, que passou a permitir o acesso à
significativamente para o futuro sucesso da hemodiá- circulação de forma mais prolongada.231 Utilizando tal
lise: a descoberta da heparina e o início da fabricação dispositivo, um maquinista de 39 anos viria a se tornar o
em escala industrial do celofane, utilizado na confecção primeiro paciente com uremia terminal a ser submetido
das membranas. 179,65 à hemodiálise crônica.179,65 A confecção de uma fístula ar-
capítulo 49 871

Fig. 49.1 Máquina de hemodiálise modelo Kolff-Brigham, chegada ao Brasil em 1956 para o Hospital dos Servidores do Estado do
Rio de Janeiro. (Gentileza da Clínica de Doenças Renais, Niterói-RJ.)

teriovenosa, através da anastomose de uma veia cefálica


Pontos-chave:
à artéria radial por Cimino e Brescia, em 1966,23 veio es-
tabelecer definitivamente a hemodiálise como terapia de • 1854: Thomas Graham criou o termo diálise
substituição da função renal na insuficiência renal crôni- para a separação de colóides dos
ca terminal. cristalóides
Nesta época, entretanto, ainda eram escassos os recur-
• 1924: George Haas realizou a primeira
sos financeiros e o número disponível de equipamentos
sessão de diálise em seres humanos
não atendia perfeitamente à demanda, ficando o acesso a
esta terapia restrito às pessoas julgadas mais relevantes • 1948: Realizada a primeira sessão de diálise
para a sociedade.59 Um acontecimento marcante para a nos EUA, utilizando o dialisador de Kolff
universalização do acesso à hemodiálise, inicialmente nos • 1949: Dr. Tito Ribeiro de Almeida realiza a
EUA, mas que posteriormente teve grande repercussão primeira sessão de hemodiálise no Brasil
também em vários outros países, foi a aprovação pelo Con- • 1960: Scribner e Quinton criam o shunt
gresso Americano, em 1973, de uma lei que permitiu o li- arteriovenoso
vre acesso de todo cidadão americano ao tratamento dia- • 1966: Cimino e Brescia idealizam a fístula
lítico. Desde então, o número de centros de diálise e de arteriovenosa primária
pacientes em tratamento cresceu de forma vertiginosa em
• 1973: Aprovada a lei que permitia o livre
todo o mundo. Por exemplo, nos EUA, a incidência de
pacientes em terapia renal substitutiva quadruplicou ao
acesso de todo cidadão americano à diálise
longo das duas últimas décadas.308,71 Hoje esta incidência
gira em torno de 300 casos por milhão com uma prevalên-
cia de 340 mil pacientes, taxa de crescimento de 5 a 10% ao INICIAÇÃO EM DIÁLISE
ano e uma prevalência projetada de 520 mil pacientes em
2010.71 No Brasil, atualmente existem mais de 500 centros As indicações para se iniciar a terapia substitutiva re-
de diálise, distribuídos em todas as unidades da federação, nal podem ser divididas entre as consideradas como ur-
atendendo uma população estimada em cerca de 50 mil gência e aquelas eletivas. Estas últimas, por sua vez, po-
pacientes. dem ser determinadas pelo nível de função renal, por
872 Hemodiálise

parâmetros nutricionais ou pela presença de sintomas correlação direta entre o quadro de hipervolemia e a per-
urêmicos. cepção clínica de edema. Muitos pacientes apresentam
franca anasarca e poucos sintomas respiratórios (pacien-
tes com acentuada hipoproteinemia), enquanto outros têm
Urgência discreto edema periférico e quadro respiratório exuberan-
As condições clínicas consideradas como indicação para te (pacientes com expansão do espaço extracelular).
se iniciar tratamento dialítico em caráter de urgência são
bastante consensuais: hiperpotassemia ou hipervolemia PERICARDITE URÊMICA
refratárias às medidas clínicas prévias ou quando há risco Pelo risco de desenvolvimento de derrame pericárdico
iminente de vida, pericardite e encefalopatia urêmica. e conseqüente tamponamento cardíaco, a pericardite urê-
mica é considerada uma indicação de urgência para início
HIPERPOTASSEMIA do tratamento dialítico. Geralmente, esta complicação sur-
A decisão para se indicar tratamento dialítico de urgên- ge somente na fase terminal da doença renal, quando já
cia por hiperpotassemia a um paciente com diagnóstico coexistem outras indicações para se iniciar a diálise. O
de insuficiência renal crônica deve apoiar-se não apenas paciente queixa-se freqüentemente de desconforto precor-
no exame laboratorial, mas também na análise das circuns- dial, às vezes acompanhado de febre, e o diagnóstico clí-
tâncias que propiciaram a elevação do potássio, buscan- nico dá-se pela constatação de atrito pericárdico à auscul-
do identificar fatores reversíveis, principalmente se, com ta. Caracteristicamente não ocorre elevação do segmento
base nos demais exames laboratoriais e quadro clínico, ST ao eletrocardiograma, o que é útil no diagnóstico dife-
ainda não houver indicação para diálise. Dois exemplos rencial com outras formas de pericardite. Este quadro é
distintos são apresentados a seguir. Primeiro, um pacien- rapidamente revertido à medida que o tratamento dialíti-
te com IRC recém-diagnosticada cuja TFG era de 20 ml/ co é iniciado. Pelo risco de precipitar ou aumentar efusão
hemorrágica no espaço pericárdico, deve-se evitar o uso de
min, K 6,8 mEq/L, fazia uso regular de inibidor da ECA
heparina durante a hemodiálise.243,11,95
e beta-bloqueador, e ainda não tinha orientação nutricio-
nal. Um segundo paciente fazia acompanhamento com ne-
frologista, teve sua fístula arteriovenosa confeccionada em SINAIS E SINTOMAS URÊMICOS
momento adequado, seguia fielmente as orientações nu- A presença de sinais e sintomas urêmicos, como deso-
tricionais, usava, para controle de sua pressão arterial, rientação, redução do nível de consciência, flapping, solu-
apenas bloqueador de canal de cálcio e diuréticos, porém, ços persistentes, anorexia, náuseas e vômitos caracterizam
na sua última avaliação laboratorial, apresentava TFG de a doença renal em seu estágio terminal, sendo indicação
8 ml/min e K 6,3 mEq/L. Apesar do K sérico estar mais para início imediato do tratamento dialítico. Não apenas
elevado no primeiro paciente, este seria mais apropriada- estes sinais e sintomas são por si sós indicação para diáli-
mente tratado com medidas conservadoras, uma vez que se, como também, nesta fase, torna-se provável o surgimen-
diversas medidas clínicas para tratar a hiperpotassemia to de outras complicações potencialmente fatais, como hi-
ainda podem ser adotadas (beta-agonistas, resina de tro- perpotassemia, pericardite e complicações hemorrágicas.
ca, diuréticos, orientação nutricional etc.) e não haveria
outra indicação para diálise por ora. Para o segundo paci- Eletivas
ente, ao contrário, a melhor opção seria iniciar imediata-
mente o tratamento dialítico, uma vez que medidas para Mais controversa seria a definição do momento adequa-
evitar a hiperpotassemia já haviam sido adotadas. Ressal- do para se iniciar eletivamente a terapia substitutiva renal.
te-se que, com acesso vascular confeccionado e TFG em Na falta de estudos clínicos prospectivos controlados para
níveis que per se constituiriam indicação eletiva para en- definir este momento com um razoável nível de evidên-
trada em diálise, não haveria justificativa para tentar pro- cia, grande parte das orientações aqui expostas reprodu-
telar tal decisão. zem as diretrizes da National Kidney Foundation/Dialysis
Outcome Qual

Você também pode gostar