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RESENHA CRÍTICA

RATTO, Gianni. Antitratado de cenografia: variações sobre o mesmo tema. São


Paulo: Editora SENAC, 2001. 2ºed. (pg 38 - 62)
Neste trecho do livro o autor começa uma reflexão sobre a constituição da
cenografia a partir do ator em cena. Para ele, a cenografia só realmente existe quando
o corpo do ator está presente em cena com seus gestos e movimentos dando vida a
personagem. Ratto também nos conduzirá a uma visão mais abstrata da cenografia,
ao mesmo tempo que coloca justamente o ator como único elemento cenográfico
realmente concreto.
Passa então a partir de uma citação de Artaud sobre o edifício teatral a divagar
sobre a construção arquitetônica do teatro. Traz a partir deste ponto algumas reflexões
sobre a quem é destinada essa construção, ele é projetado para ser ocupado por
quem? E daí também o teatro, e a arquitetura teatral, como intimamente ligadas ao
espírito de seu tempo.
Ao colocar em questão os aparatos tecnológicos, a maquinaria e a parafernália
utilizadas pelo teatro põe em xeque o quanto esses equipamentos devem ser visíveis
ou não. De um ponto escondê-los pode ajudar a manter uma certa magia ou mistério,
de outro revelá-los também é atrativo. Ressalta que o olhar, a atenção, será capturada
por aquilo que se realiza em cena e daí sim é que vem a magia. Ratto deixa claro seu
posicionamento de que para ele o espetáculo quando é coeso, ou bem feito, deve
admitir tudo que o compõe incluindo aí as parafernálias e tudo o mais.
O autor começa um percurso mais histórico, se voltando para o teatro grego
clássico. Versando sobre sua estrutura, a maneira como o próprio edifício teatral e o
espaço cênico desse momento do teatro foram se constituindo a partir das
necessidades daquele povo. Especialmente também, como toda a cenografia daquele
teatro atendia as funções ritualistas e dramatúrgicas das quais o teatro grego estava
imbuído, havendo por exemplo um tipo de cenografia para a tragédia, outro para a
comédia e outro para as sátiras.
Ele destaca nesse ponto que a cenografia não pode ser um elemento
independente, no sentido de destacado, do espetáculo. Seria nesse caso tratar o
espetáculo como uma colcha de retalhos com diferentes valores.
Passa da mesma maneira a uma abordagem sobre o teatro na idade média.
Nesse momento o foco é a grandiosidade dos cenários e o enorme espaço que era
demandado para as representações. Um teatro que vai ganhando as ruas a medida
que se torna popular. Que fica imbuído de diversas perversidades, até mesmo em
termos de pirotecnias que causavam acidentes e ofereciam perigo, mas tudo em nome
de uma função mística e educativa preconizada pela igreja. Entretanto, destaca como
os Mistérios e os Milagres eram para a movimentação de toda uma coletividade da
cidade.
Deste ponto, destaca que quando a coletividade deixa de ser o alvo da
dramaturgia o teatro vai se dirigindo para um tipo de espetáculo para a burguesia.
Marcando aí um ponto de ruptura da idade média para os caminhos que o teatro toma
a partir do renascimento. Destaca então a relação do teatro com as crises, que
costumam estarem relacionadas aos momentos onde este se desliga da realidade
social.
Ratto passa então a discutir outro aspecto da cenografia: o desenho do projeto.
Ele compara a cenografia com a arte dos pedreiros que construíram igrejas
magnificas, dos tecelões e afins. Para ele a cenografia é a arte que se dá a partir de
um uso seguro da técnica que permite criar uma linguagem independente. Entretanto,
expressa uma polêmica e contraditória opinião de que o cenógrafo “um homem da
arte, não necessariamente um artista”. O que parece muito contraditório uma vez que
a cenografia é arte e o cenógrafo o responsável por sua concepção, como então
poderia este não ser um artista?
Mais diretamente sobre o desenho do projeto, o autor ressalta que não é
necessário exatamente desenhar bem, mas é necessário desenhar o projeto. Não é
possível em sua visão começar a trabalhar diretamente com a matéria tridimensional
puramente. Podemos desprender disso que de certa maneira o desafio de encarar a
hostilidade do papel da qual ele também fala é um desafio imposto ao trabalho do
projetista.
Ele conclui este momento com um incentivo a não ter medo do espaço, a
mergulhar nele procurando o que de seus valores pode derivar.
As visões expostas por Ratto neste ponto do livro são bastante controversas
entre si. Ao mesmo tempo que defende uma certa liberdade do cenógrafo, a submete
as leis da dramaturgia. Ao mesmo tempo que destaca a importância do espaço e dos
elementos cenográficos, também os relega a um papel acessório. Suas contradições
ao menos podem por nossas mentes em movimento em relação aos temas.
Artur Ferreira da Silva.
17/07/2019

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