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SANTOS, Milton. O Centro Da Cidade de Salvador
SANTOS, Milton. O Centro Da Cidade de Salvador
o Centro da Cidade
do Salvador
Estudo de Geografia Urbana
,~'.'"'.
EOUFBA
Copyright © 2008 by Família Santos
SanlOs, Milton.
O Centro da Cidade do Salvador: Estudo de Geografia Urbana 1
Milton Santos. - 2. ed. - São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo; Salvador: Edufba, 2008.
208 p.; 21 cm. - (Coleção Milton Santos; 13)
Inclui mapas.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-314-1119-9 (Edusp)
ISBN 978-85-232-0533-1 (Edufba)
CDD-307.76
DireilOs reservados à
"
A
medida que a estrurura econômica das sociedades vai se
transformando, com a preponderância dos setores secundá-
io e terciário sobre o primário, a distribuição demográfica
modifica-se, paralelamente, no sentido do adensamento e das concen-
trações urbanas. A civilização contemporânea é uma civilização da
cidade. Países há, como os Estados Unidos, onde a população rural
já representa apenas 13,5% no total dos habitantes do país. Este
fenômeno é universal, e não parece haver perspectivas de ser susta-
do, pois embora existam indícios de saruração do setor industrial,
o terciário cada dia mais avulta de importância, aponto de haver
quem veja nisto a característica do mundo do fururo. E se existe uma
possibilidade de ruralização da indústria, o terciário, etapa fiTIal, é
típico da vida urbana; é a própria essência da cultura das cidades.
.
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Este evolver acelerado - pois é a partir da revolução in- >-
o
dustrial que a taxa de incremento da urbanização se intensifica o
•••
o trabalho que o Prof. Milton Santos apresentou à Univer-
sidade de Strasbourg, comO tese para douto~ado em Geografia
Humana - O Centro da Cidade do Salvador - e cuja edição em
português ora lançada em conjunto pela Universidade da Bahia
e Livraria Progresso Editora, é um belo exemplar de um novo
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o tipo de estudo que começa a ganhar terreno entre nós, com a
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nova geração de geógrafos.
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PINTO DE AGUIAR
Salvador, fevereiro de 1959
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PREFÁCIO A EDIÇÃO FRANCESA
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PIERRE MONBEIG
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o Diretor do Instituto de Altos Estudos da
o América Latina da Universidade de Paris
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NOTA PRÉVIA
A
Cidade do Salvador, capital do Estado da Bahia, é a mais
antiga e característica das cidades brasileiras. Construí-
. da para ser a capital do país, durante três séculos foi
a aglomeração urbana mais importante. Seu porto, por onde
escoava a produção da agricultura comercial do Recôncavo, era
o mais movimentado.
Todavia, durante o último século, o eixo da economia
nacional se deslocou para o sul, e a capital baiana viveu um
período de quase estagnação, de crescimento lento, situação que
somente mudou a partir de 1940, de um lado porque um novo
dinamismo lhe foi comuilicado, e de outro lado porque acolheu
z
enormes vagas de rurais, tangidos do campo. o
<
>
constitui sua parte central. As riquezas de que foi a depositária
durante OS primeiros séculos permitiram a construção de belas
igrejas e palácios, casarões e so brados que suportaram as ofensas
do tempo e continuam na paisagem como uma nota singular. Por
outro lado, uma certa ausência de dinamismo da vida urbana,
durante um largo período, não somente impediu um desenvol-
vimento maior da área central, como contribuiu igualmente
para a permanência do seu aspecto secular. Mas os sobrados,
havendo perdido sua destinação original, deterioraram-se até
construir o que, em conjunto, são hoje, isto é, uma área de
slums. O crescimento recente da cidade e a expansão de suas
atividades conduziram à modificação da fisionomia do centro,
provocando o aparecimento de grandes edifícios, construídos nos
espaços vazios, ou substituindo velhas casas. É a esse conjunto
que os baianos chamam "A Cidade", quando se referem à parte
alta, e "O Comércio", quando falam da parte baixa do centro
de Salvador. É aí que a vida urbana e regional encontra O seu
cérebro e o seu coração.
Esse quadro, tão rico de sugestões e de problemas, atraiu
a nossa atenção, Tivemos o desejo de o interpretar, de demons-
trar o mecanismo de sua ela boração, verificando a natureza dos
"oo pro blemas e sua hierarquia.
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>
•< Essa tarefa - a tentativa de fazer um retrato do centro da
o ca pital do Estado da Bahia - nos pareceu temerária algumas
o
w vezes. Entretanto, as dificuldades surgidas no meio do caminho
o
<
o não nos desencorajaram; continuamos a analisar com o máximo
u
< de objetividade possível os elementos que caprichosamente se
o
o conjugaram para a ela boração de um quadro tão complexo.
."z Não podemos esquecer as primeiras trocas de idéias com
w
u nossos bons colegas e amigos da Universidade de São Paulo, J.
o
R. de Araújo Filho, Aziz Nacib Ab'Sáber e Antônio.Rocha Pen-
~ teado, e com O antigo secretário-assistente do Conselho Nacional
de Geografia, o saudoso professor José Veríssimo, dos quais
recebemos os primeiros incentivos para a realização de nossas
pesquisas. Em 1956, quando do Congresso Internacional de
Geografia do Rio de Janeiro, os professores Jean Tricarr e Michel
Rocheforr, respectivamente diretor e assistente do Instituto de
Geografia da Universidade de Strasbourg, estiveram em Salvador,
ocasião em que fizemos um largo debate a propósito do tema
escolhido, cujos limites, então, puderam ser fixados por nós. Seus
conselhos e sugestões foram-nos extremamente preciosos e nos
acompanharam durante toda a fase da coleta de dados.
Em 1957, Oprofessor Tricarr voltou ao Brasil para colaborar
em trabalhos de geografia aplicada, pedidos por organismos do go-
verno brasileiro e baiano, com Oobjetivo de ajudar o planejamento
da região seca do Estado da Bahia e do Nordeste brasileiro. Isto
nos permitiu expor-lhe os resultados de nossas pesquisas, dando-
lhe a ocasião de formular cerras críticas que utilizamos tanto para
pesquisa de novos elementos, como para melhor elaboração de
um plano para a exposição dos problemas em estudo.
Desde que chegamos à França, em novembro de 1957, ti-
vemos a oportunidade de ouvir os conselhos do professor Pierre
George, da Sorbonne, do professár Pierre Monbeig, diretor do
Instituto de Altos Estudos da Âmérica Latina, da Universidade
de Paris, e novas observações do professor Rochefort.
Em Strasbourg, O professor J. Tricarr nOS deu outras suges-
tões, inicialmente sobre a apresentação de certos fatos, e seguiu
z
de perto a elaboração do presente trabalho. O professor Juillard o
-<
>
sempre nos aconselhou com seu melhor interesse e boa vonta-
••
de. Ajudou-nos COm sua grande experiência e conselhos para a '"<
>
resolução de vários problemas, inclusive a correção do plano
originai. Um e outro, diretores da nossa tese, sempre estiveram à
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nossa disposição para uma troca de idéias indispensáveis e foram
infatigáveis nessa tarefa. Sua ajuda benévola nos foi preciosa.
Devemos agradecer ao professor E. Juillard pelo encorajamento
que ele nunca cessou de nos testemunhar.
Devemos, também, mencionar a extrema amabilidade do
Dr. Artur Ferreira, diretor da Inspetoria Regional de Estatísti-
ca Municipal da Bahia, colocando à nossa disposição os seus
arquivos, seguindo o desenvolvimento de nossas pesquisas e
acelerando, pessoalmente, a realização de certos inquéritos fora
da rotina da sua repartição. Queremos acrescentar uma palavra
de gratidão à senhorita Ana Dias da Silva Carvalho, nossa assis-
tente no Departamento de Geografia da Universidade Católica
da Bahia, pelo interesse que teve pelas nossas pesquisas e porque
nos ajudou a reunir certos dados que lhe foram pedidos quando
da redação definitiva do trabalho, em Strasbourg.
Não poderíamos, igualmente, passar em silêncio os con-
selhos da professora Sylvie Rimbert, diretora do Laboratório
de Cartografia do Instituto de Geografia da Universidade de
Strasbourg, em relação à elaboração dos mapas definitivos que,
"oo redesenhados, deverão acompanhar a publicação definitiva" da
<
>
edição francesa desta tese. Devemos, igualmente, escrever uma
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o palavra de reconhecimento pela ajuda tão cheia de boa von-
o
w tade e entusiasmo de uma estudante do Instituto de Geografiil
o
< da Universidade de Strasbourg, senhorita Nicol~ Lacroix, que
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< aceitou a tarefa bem pesada de nos aconselha~ quando tivemos
o
o de corrigir aS nossas tentativas de redigir em uma língua que é
•
r tão bela quanto cheia de dificuldades, como o francês.
z
w
u Não podemos mencionar o nome de outras pessoas que nos
o
apoiaram neste empreendimento, mas gostaríamos de lembrar
quanto nos foi valioso o estímulo dos bolsistas brasileiros e sul-
americanos, agradecendo a colaboração das geógrafas Lúcia
de Oliveira e Amélia Nogueira e do geógrafo Reynaldo Borgel
Oliveira na confecção de mapas e gráficos.
Em uma palavra que propositadamente deixamos para o
fim, queremos dizer quanto nos foi preciosa, em todos os mo-
mentos, a simpatia do professor Tricart, que nos convidou a fazer
esse estágio na França e cujo interesse não poderíamos passar
em silêncio sem cometer uma grande injustiça.
MILTON SANTOS
Strasbourg, junh~ de 1958
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ADITIVO PARA A EDIÇAO BRASILEIRA
A
gradecemos ao professor Pierre Monbeig a inclusão
desta tese entre as publicações do Instituto de Altos
Estudos da América Làtina, da Universidade de Paris,
de que é o diretor, e ao reitor Edgard Santos a publicação no
programa editorial da Universidade da Bahia. As fotografias, >
o
diferentes quase todas das que aparecem na edição francesa, .;
A
ambição de estudar geograficamente o centro de uma
grande cidade, antes mesmo da análise dos seus proble-
mas específicos, pode conduzir a uma série de questões
mais gerais sobre o valor geográfico de tal quadro.
Será que o cenrro de uma cidade, por maior que ela seja, pode
fornecer uma paisagem capaz de justificar um estudo geográfico
separado? Não será isso o equivalente a perguntar se o centro
urbano constitui em si mesmo uma realidade geográfica?
De fato, se a indivisibilidade da paisagem é um dos postu-
lados de base da geografia, o estudo da cidade, seja como forma
de atividade, seja como forma de organização, constitui uma
z
prova indiscutível de que nossa ciência atingiu sua maioridade
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e de que podemos nos considerar como possuindo um campo o
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próprio de estudos. ,.
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A formação e o desenvolvimento da região e do organismo
urbano são intimamente ligados, do mesmo modo que os dife-
rentes elementos deste último o são no interior da cidade. Os
escudos de geografia urbana demonstram-no muito claramente.
Isso não exclui, entretanto, o fato de que os elementos da estru-
tura urbana possuem, cada qual, características próprias, uma
individualidade que nos leva a distinguir em uma cidade vários
conjuntos, cuja arrumação gera o que se chama de estrutura
urbana, correspondendo às diferentes formas de utilização e
organização do espaço.
O centro é um desses elementos. Desse ponto de vista, entre-
tanto, ele constitui uma verdadeira síntese, pois reflete, ao mesmo
tempo, as formas atuais da vida da região e da cidade e o passado,
seja pela evolução histórica da cidade e da região, seja pelo sítio
escolhido inicialmente para instalar o organismo urbano.
A idéia de dinamismo, inseparável das preocupações de
um estudo geográfico, representada essenci~lmente pelas formas
presentes de vida, isto é, pelas funções regionais e urbanas, apa-
rece como um fator ativo. Como fatores passivos, encontramos
seja o sítio, sejam as estruturas antigas, que revestem a forma
de relíquias históricas, mas podem, algumas vezes, superar essa
"o passividade e exercer um papel claramente negativo, quando,
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"< por exemplo, sua existência depende da legislação que protege
o os monumentos etc.
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•c O centro de uma grande cidade é, então, o teatro dessa luta
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c de tendências. Sua síntese se manifesta pela criação de uma pai-
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< sagem. Os componentes dessa paisagem refletem uma parte de
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FORMAÇAO DA CIDADE E
EVOLUÇAO DA REGIAO
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Cidade do Salvador, antiga capital do Brasil, conta
atualmente com mais ou menos 550 mil habitantes.
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Cidade fundada em 1549, é capital do Estado da Bahia
e a mais antiga cidade brasileira. Foi, durante três séculos, a ••
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ESTADO DA BAHIA
1950
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NÚCLEOS URBANOS
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• MAIS DE 20000 ~<lbs
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Elaborado pelo Instituto de Economia e Finanças da Bahia. Mapa básico adaptado
do Cartograma da Divisão Administrativa do Estado da Bahia. Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (1945).
a ser a primeira capital do Brasil, como igualmente havia trazi-
do a própria população (400 soldados, 400 degradados, alguns
padres e raras mulheres). Descoberta havia quase meio século, a
antiga colônia portuguesa, com seu litoral enorme e desprotegido,
representava uma presa fácil para as outras nações que a queriam
conquistar. As primeiras tentativas para defender a costa e povoar
o gigantesco território não deram resultado; mesmo o processo
das capitanias hereditárias não dera bons frutos. Por isso é que o
rei de Portugal decidira, em 1549, reagrupar as donatarias e criar
um governo único, o governo geral do Brasil. Ordenou a fundação
de uma cidade no meio de um litoral bem extenso, a fim de servir
como sede do governo: ao mesmo tempo capital administrativa e
praça-forte. É essa função que justifica o sítio escolhido: o cume
de uma colina, caindo em forte declive até a extremidade das mar-
gens de uma baía abrigada sobre um dos lados da península que
separa a Baía de Todos os Santos e o oceano Atlântico. Essa baía
é um antigo vale afogado, o que está em relação com a presença
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de inúmeras rias e onde, por outro lado, vêm desembocar vários >
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rios navegáveis sobre algumas dezenas de quilômetros.
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A situação da cidade não explica apenas o nome com que é mais >
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conhecida - esse nome é Bahia -, mas, também, a sua fortuna, a desc o
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o
peito do sítio, o melhor para os objetivos iniciais, mas que se mostraria "
hostil desde que outras funções se viessem juntar à primitiva. "
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A colina serviu a Tomé de Sousa para edificar, em doze c
c
meses, a Sua cidadela de casas de sopapo, cobertas de palha, que ">-o
ele cercou de muros também de taipa. Fora das muralhas, foram o
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dadas grandes concessões de terras às ordens religiosas. ""o
Nessa época, Portugal era uma espécie de balcão da Eu- >-
o
ropa, que já .começava a tomar gosto pelos produtos tropicais.
Os portugueses, que possuíam uma técnica da cultura da cana-
de-açúcar aprendida nas ilhas dos Açores, reconheceram as
boas condições de solo e clima da região em torno de Salvador;
puseram-se, então, a praticar aí essa cultura. Havia, entretanto,
um obstáculo: os índios, que aniquilaram os primeiros esforços
e desencorajaram.os lavradores. Mas foram expulsos do Recôn-
cavo, mais ou menos em 1560. É nesse momento que se começa
a plantar a cana-de-açúcar de modo continuado, sobretudo nas
proximidades dos rios. Os engenhos precisavam de água para
fabricar o açúcar e para transportá-lo até o porto de Salvador, de
onde os navios transatlânticos de então o levavam à Europa.
No fim do século XVI, a cidade contava com 8 mil habitan-
tes. Sua função portuária crescia, ao lado das funções primitivas:
administrativa e militar. Essa função portuária adquiria impor-
tância à proporção que a cultura da cana se estendia, mas não
somente por essa razão. Salvador exportava açúcar, mas, por
OUtro lado, era um porto de entrada de escravos, que se manda-
vam buscar na África para trabalhar na agricultura. Tal comércio
favoreceu uma outra cultura, ao lado da de cana-de-açúcar, nas
terras vizinhas impróprias aos canaviais: foi a cultura do fumo,
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o que rapidamente se tornou importante, pois o tabaco era a
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• melhor moeda para a compra de escravos nas costas d' África.
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Uma terceira zona, próxima às precedentes, especializou-se na
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produção de produtos alimentares indispensáveis à alimentação
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o das demais regiões, que eram nitidamente monocultoras.
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< Salvador aproveitava a valorização da região circundante,
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o primeiro porque presidia às trocas que se faziam, sobretudo, por via
•,. d'água, e depois porque era o único entreposto para o abastecimento
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dessa área, em relação aos produtos que recebia de Portugal.
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Nesse momento começa a se esboçar o papel que ela desem-
~ penhará em toda a sua história: o de um porto de exportação
de produtos agrícolas não consumíveis localmente, bem como o
de porto de importação de utilidades que é incapaz de produzir,
mas de que necessita, seja para a sua própria população, seja
para a do seu arriere-pays.
Então, Salvador vê juntar-se à sua primitiva função admi-
nistrativa e militar um papel de metrópole regional. Poderíamos
dizer que, nesse momento, começa a ter um papel verdadeira-
mente urbano. É a capital econômica do Recôncavo.
INCORPORAÇÃO DO SERTÃO À
ZONA DE INFLUi'.NCIA DE SALVADOR
o
A abolição da escravatura, quase no fim do século XIX, em
~ 1888, vai trazer sérias consequências para as atividades agríco-
las baseadas no trabalho dos escravos. Além disso, faziain,se a
cultura da cana-de-açúcar e a indústria açucareira do Recôn-
cavo de acordo com métodos quase imutáveis desde o primeiro
século da colonização. Essas duas causas são as responsáveis
pela sua decadência.
O Estado de São Paulo, grande produtor de café, cuja
cultura e comércio permitem a acumulação de grandes capitais,
corpeça sua industrialização no início do século. Durante.a Pri-
meira Guerra Mundial, a indústria paulista conhece um grande
impulso e depois não para de crescer.
Nesse momento, quando a economia açucare ira entra em
decadência, os cacauais do Sul do Estado começam a produzir
segundo uma escala comercial. Então, o polo da economia es-
tadual e a fonte de recurso para o Tesouro se transferem para a
zona cacaucira. Entretanto, cultura familial que se afirmava com
dificuldade (ver Santos, 1957), a cultura do cacau não estava
o•
em condições de permitir uma acumulação de capitais em favor •
da cidade do Salvador, cujo porto, contudo, concentrava toda a •
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exportação de cacau para o estrangeiro. o
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Assim, exatamente quando o Brasil se encaminhava para a
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industrialização, Salvador se ressentia da falta de capitais dispo- c
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níveis para continuar os tímidos esforços feitos no domínio da m
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indústria têxtil no fim do século anterior. A cidade continuava <
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fiel ao seu antigo papel de porto e cidade comercial. c
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Por causa disso, ela não tardou a perder seu posto de >-
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segunda cidade brasileira, quanto à população, lugar que ela c
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conservara até 1890. É então a cidade de São Paulo que ocupa ••
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essa classificação. Entre 1920 e 1940, a cidade do Recife a ul- >-
o
trapassa, e Salvador é a quarta cidade brasileira. O crescimento
demográfico entre 1900 e 1940 é quase insignificante, na escala
brasileira do crescimento urbano. Conta com 200 mil habitantes
em 1900, 290 mil em 1940. O recenseamento de 1920 lhe atribui
280 mil, cifra que consideramos exageradamente alta.
Esse amortecimento no ritmo do crescimento demográfiço
está ligado, de um lado, aos fatores já mencionados e, de outro, a
uma mudança das correntes migratórias. As pessoas do Nordeste
eram expulsas pela seca ou por um superpovoamento relativo,
devido à alta natalidade e a uma certa estabilidade da técnica
agrícola. Dirigiam-se, então, para a zona florestal do Sul, que
desbravavam para fazer plantações de cacau. Até 1920, a pro-
dução de 48 mil toneladas deve corresponder a uma ocupação
. de ao menos 80 mil hectares; havia ainda áreas cuja produção
ainda não era comercial. Teriam sido necessárias ao menos 8
mil famílias para desbravar e manter as plantações. Entre 1920
e 1940, a produção de cacau aumenta quase 100 mil toneladas.
Esse aumento é o equivalente a 160 mil hectares, isto é, ao tra-
balho de mais ou menos 16 mil famílias. A zona cacaueira é,
assim, .um verdadeiro exutório que substitui a capital do Estado
no papel de receptáculo da população nordestina excedentária.
"oo Salvador é assim aliviada da presença desses excedentes agrícolas,
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economicamente marginais. É a explicação real de atenuação da
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curva demográfica da Cidade do Salvador nos primeiros 40 anos
•o do século XX e, especialmente, entre 1920 e 1940.
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o Se os progressos da agricultura cacaueira acarretam, por
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< um lado, um amortecimento da evolução demográfica da capital
o
o do Estado da Bàhia, reforçam, por outro, seu tradicional papel
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de porto e praça comercial. O grande aumento de tonelagem
•u a exportar, bem como os progressos obtidos.. em toda a parte
o
pela navegação marítima, com a construção de grandes navios,
obrigaram à remodelação do porto, que começou em 1913, mas
terminou somente depois de 15 anos. Enormes aterros se fize-
ram para permitir a construção de moderno cais, consentindo
aos grandes navios o acostamento. A revolução dos meios de
transporte, após a chegada do automóvel em 1901, e a instala-
ção do bonde elétrico em 1914 comandam as modificações do
quadro e o crescimento da cidade. Para corresponder às novas
necessidades da circulação, várias ruas tiveram de ser alargadas.
Pôde-se, então, construir novos edifícios nas áreas em que se si-
tuavam os que então foram demolidos. Aparecem, timidamente,
os primeiros arranha-céus, sobre os aterros do porto, na Cidade
Baixa, construídos por bancos e grandes empresas comerciais e,
na Cidade Alta, ao longo das mais importantes vias de circulação,
com o objetivo de abrigar serviços públicos, hotéis, jornais etc.
O comércio interior também se desenvolve nesse período,
colonizando a rua Chile e a avenida Sete de Setembro (São Pe-
dro), onde se encontra parte do comércio de luxo, a rua Dr. J.
o•
J. Seabra (Baixa dos Sapateiros), com um comércio retalhista "<
pobre, e a Calçada, cujo comércio está ligado ao mesmo tempo >
<>
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à estação ferroviária e ao bairro de Itapagipe, que em 1940 o
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contava 44 mil habitantes. >
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O CRESCIMENTO RECENTE DA CIDADE m
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Depois de 1940 a cultura do cacau estabiliza-se e os preços >-
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internacionais elevam-se consideravelmente. Outras culturas in- o
>
dustriais são introduzidas ou estimuladas na região nordeste da "o
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merciais, principalmente porque seus meios de transporte eram >
ções bordando a península do' lado da baía, uma estreita faixa de. •<
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casas do lado do mar e filas de habitações seguindo os antigos r
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CIDADE 00 SALVADOR
OCUPACÃO DO ESPACO-1957
ZONAS:
COMERCIAL ffill!ll
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INDUSTRIAL
RESIDENCIAL
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EVOLUCÃO URBANA DA CIDADE DO SALVADOR
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NÚCLEO INICIAL
FIM DO StCULO
la METADE DD stC.
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XVI
XVI
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1957
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ESCALA ""ICA
I-"'-E •• GAIA.ALUDO POR A"" CARVALHO. OIUtnlAOO POli ANTa/lll'" LÚClA A. SOUZA
Esse fato naturalmente surpreende o viajante mal prevenido da
história urbana, pois é causa de vários dos mais graves problemas
que trazem consequências para toda a cidade.
É uma faixa de dois quilômetros de largura máxima, de
mais ou menos seis quilômetros de extensão, acompanhando a
Baía de Todos os Santos. O centro da aglomeração corresponde
à parte mais larga; ele cresceu desde o primeiro século, mas au-
mentou ainda mais nitidamente agora, pois ocupa uma planície
conquistada pelo homem sobre o mar e próxima ao porto, e onde
se construiu uma verdadeira massa de novos edifícios.
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< MUNICípIO DE SALVADOR
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ESTADO DA BAHIA
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Idade -- - -
1940 1950
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(1940/1950)
MUNIC!PIO DE SALVADOR
A
Cidade do Salvador aparece, em relação ao Estado
da Bahia, como uma espécie de réplica, guardadas as
devidas proporções, ao que na França, por" convenção,
se denomina Paris e o deserto francês. No caso, é uma grande
cabeça sustentada por um corpo frágil. De fato, macrocefalia e
pobreza rural são interdependentes. c•
z
Toda a história econômica regional proporcionou a Sal- "o
vador uma concentração de funções e recursos, sempre e cada ·"
o
o
vez mais forte, em relação ao resto do Estado. Em 1954, por o
exemplo, seu porto recebeu a metade dos navios que tocam "z-<
nos portos baianos (1246 para 2490), sendo a tonelagem sen- "o
o
sivelmente mais elevada (3,690 milhões para um total de 4,533 •
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milhões). Tal desproporção só não foi maior porque o porto r
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de Ilhéus realiza quase toda exportação do cacau, que, aliás, O
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A FUNÇÃO PORTUÁRIA
~ VAREJO POBRE
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','),1 COMÉRCIO GROSSO MAIS DEPÓSITO
111 ALIMENTAÇÃO
lIlII COMÉRCIO DE LU XO
li ARMAztNS
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L ___ J
EDIFíCIOS
EDifíCIOS
ÁREAS
RELIGIOSOS
PÚBLICOS
CONVENTUAIS
DO ESPACO URBANO
IDADE DO SALVADOR
Foto 1, Salvador, cidade de 2 andares. Fotografia obtida em 1958, onde se nota o,apa-
recimento de edifícios em altura na Cidade Alta. A parte da Cidade Baixa, que é vista
no clichê, não recebeu um povoamento de arranha-céus e se deteriora. Veem-se, ainda,
no canto esquerdo, o Elevador Lacerda e ladeiras, ligando a Cidade Baixa à Cidade
Alta. Sob a ladeira da Montanha, alguns arcos são ocupados com casas de residências
e artesana toS.
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Foto 2. Salvador, cidade de 2 andares. Esta fotografia foi tomada na década de 1950 de
modo que se podem observar as mudanças sofridas pela Cidade Alta, aliás lentas em
relação ao que ocorreu na Cidade Baixa.
Essa é, sem dúvida, a principal característica do porto de Sal-
vador, estreitamente ligado, desde os primeiros tempos, à economia
regional, inicialmente do Recôncavo e, depois, de um território
mais extenso. Bem característico de um porto de exportação de
matérias-primas é o fato de que entre as exportações que, em 1956,
representavam 2,472 bilhões de cruzeiros, 96%, isto é, 2,4 bilhões
eram representados por somente 10 produtos. Entre esses, apenas
252 tinbam sofrido uma transformação primária local, como os
óleos brutos e pastas. Estes últimos produtos representam 109.029
toneladas sobre um total de 135.069 exportados por Salvador em
1956. A importação, num valor sensivelmente inferior (Cr$1.300
milhões, em 1956), foi principalmente de produtos alimentares,
combustíveis e equipamentos. Os produtos manufaturadas, que
alimentam o comércio da cidade e do Estado, são transportados
geralmente pela rodovia. Isso é consequência da irregularidade
dos transportes marítimos, devida a um número insuficiente de
navios para fazer a cabotagem. Por outro lado, a desproporção
entre exportação e importação encarece as despesas de transporte
e subordina a entrada dos navios ao frete possível.
O porto exporta os produtos da economia regional e importa c•
z
produtos alimentares e manufaturados; as necessidades da vida coti- ""m
diana acarretam uma outra função ao porto: a de receber os produ- c
o
tos de subsistência. O Recôncavo, ainda hoje, é o grande fornecedor o
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desses produtos, para uma cidade praticamente sem periferia rural Z
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Quantidade Valor
Mercadorias
Ton.
Hxportaçiio:
1" Fumo em folha 22171 614480
2" Derivados do cacau 15926 553185
3" Cacau em amêndoas 15317 350970
4° Café em grão 5879 205514
5° Fibra de sisal 19315 162967
6" Mamona em bagos 23767 138872
7" Piaçava 2506 63926
8" Óleo de mamona 3155 51798
9° Cera de carnaúba 731 47989
o lO" Cera de licuri-"".-
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242 - 19164
- ""-",,,- - ,,- - -"",-" - - "",,-""-
Q total 0"" _ _ "._",, _ _ "_",,,, _ _ }09029 5- 408271 -
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Q Importação:
< 1 Trigo em grão
(> 92377 232660
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2<> Bacalhau 5277 164552
< 3" Equipamento para perfuração de poços 1152 83833
Q
4" Querosene 39089 79907
Q
5" Arame farpado 5661 77412
'z"" 6° Gasolina de a viação 16838 48160
•u 7<> Óleo pl motor de explosão 39743 46731
o 8" Tubos, cabos de aço etc. 3556 32072
9" Navios e barcos a motor 281 24318
Jº-" _~~it_e ~'!1 pó__ "_",,,_ _ _ ",, __ ,_"",_ 883-
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24087
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A FUNÇÃO ADMINISTRATIVA
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A função administrativa data da própria fundação da cida- Z
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de, criada, como já vimos, para abrigar o primeiro governo geral "o
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do Brasil. A essa função deveu a cidade a maior parte de sua
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população inicial. Ela nunca deixará de ser importante, através r
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de toda a evolução urbana, tendo somente uma crise, provocada O
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A FUNÇAO COMERCIAL
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A capital concentra quase todo o comércio grossista do Esta- ·•
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do. Em 1950, enquanto o comércio varejista representava 45,60% n
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do total do Estado, o comércio grossista representava 83,88%. .;
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MOVIMENTO COMERCIAL EM 1950 (MlllIÓES DE CRUZEIROS)
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Cidade do Salvador Estado da Bahia >
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Comércio grossista 3300 3900 O
Comércio vareji"':""._ _ _ _-'-I,,10"'0'--_ _ _ _ _2"'5"'0"'0_ __ "
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o comércio grossista tem interesse em permanecer bem pró-
ximo aos bancos, estando estes, igualmente, atraídos pelo porto.
Exercem uma espécie de atração recíproca uns sobre os outros.
Mas, não se pode afirmar que o porto seja um fator exclusivo para
a concentração, em Salvador e no interior da aglomeração, do
comércio grossista na Cidade Baixa. Desde 1940, a maior parte da
produção de cacau, que é o mais importante produto de exportação
do Estado, não mais se escoa pelo porto de Salvador e sim pelo de
Ilhéus, no litoral da própria zona de produção. As grandes casas
exportadoras, as cooperativas de exportação e as organizações
governamentais, como o Instituto de Cacau da Bahia, continuam
a ter sede em Salvador. Isso se deve ao fato de a exportação para
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o estrangeiro exigir uma imensa burocracia, concentrada exclusi-
vamente numa carteira especializada do Banco do Brasil, banco
oficial, que dá o preço do dia e regula o pagamento de letras de
câmbio e dos prêmios que o estado confere aos produtores. É fácil
explicar, então, porque as casas de exportação, que gozam de uma
função intermediária entre agricultores e o banco oficial, têm inte-
resse em manter tais operações à distância da zona de produção.
Resistiram à instalação, em Ilhéus, de um outro escritório especia-
lizado, capaz de fazer as mesmas operações que em Salvador. Há
dois anos, porém, esse escritório foi fundado na agência local do
Banco do Brasil, em Ilhéus, instalação que fortalece a função da
cidade de Ilhéus como porto de exportação; apesar disso, a maior
parte das transações ainda se faz em Salvador.
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Essa atividade de "papéis" é muitas vezes confundida com
a própria atividade bancária. Várias firmas exportadoras têm
seu próprio setor bancário, que goza das mesmas vantagens que
os bancos. Isso aumenta sua influência sobre o mundo rural,
que lhes confia seus produtos e fica cada vez mais dependente
dos exportadores. Com esse setor bancário, as casas comerciais
podem obter do banco oficial certos privilégios, [idênticos aos]
obtidos, aliás, pelos bancos particulares, como, por exemplo, o
redesconto das notas de crédito. Assim, participam oficialmente
do comércio da moeda, que empresta aos agricultores com uma
usura comercial, ou seja, 12 % ao ano. Dessa maneira, as casas
exportadoras se colocam numa posição ainda mais vantajosa em
relação aos clientes do interior do Estado, pois podem adiantar
dinheiro para os trabalhos agrícolas, praticando, simultanea-
mente, uma usura suplementar.
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Firmas exportadoras de cacau e outros produtos regionais,
como Wildberger ou Corrêa Ribeiro, têm seu próprio setor
bancário. Outras, que igualmente têm necessidade do dinheiro
líquido para fazer empréstimos aos agricultores são interessadas,
como acionistas ou de outro modo, nas atividades do banco.
Somente uma casa exportadora está fora da Cidade Baixa. Tra-
ta-se de uma casa de exportação de pedras preciosas, com escritórios
na rua Chile. O comércio da Cidade Baixa abriga quase somente
os bancos, atividades bancárias, casas de comércio em grosso; em
suma, o "comércio de papéis". Ali não se encontra um médico
ou um dentista. Há, entretanto, um setor de comércio a varejo,
quase exclusivamente constituído por casas de luxo para a moda
masculina, nas ruas Conselheiro Dantas, Portugal e algumas trans- o
o
versais. As casas de artigos femininos são muito raras e formam, n
Foto 4. Vista geral da feira de Águas de Meninos. Foto da Srta. Orlandir Carvalho de
Mattos.
pelos habitantes dos bairros exteriores, de encontrar ali preços
mais vantajosos. Esta última razão explica a concentração de
casas.de produtos alimentares na Baixinha (rua Padre Agostinho
Gomes) e na Visconde de São Lourenço (Forte de S. Pedro), que
delimitam o centro comercial da Cidade Alta. Contudo, esse co-
mércio de primeira necessidade acha-se disseminádo por todos os
setores, ocupando principalmente as esquinas. Na Cidade Alta, o
comércio;formando um verdadeiro cinturão ladeado pelas ruas
residenciais, é uma explicação para esse fato.
A crescente valorização do espaço, no centro da cidade,
acarreta uma tendência ao deslocamento dos estabelecimentos
que, todavia, mantêm-se no limite entre a zona comercial e a
residencial.
A FUNÇAO BANCARIA
'"
imobiliários, penhores de jóias etc.) orientam a sua localização
para perto da maior parte da população. Paradoxalmente, essa
instituição é a única que mantém um guichê secundário na Cidade
Baixa. Pelas mesmas razões, o Banco Hipotecário Lar Brasileiro
tem sede na Cidade Alta.
O desenvolvimento do comércio na Cidade Alta e na
Calçada levou os bancos a abrirem agências metropolitanas,
sobretudo na rua Chile e Ajuda, onde se encontram sete delas.
Novas foram abertas em São Pedro,. Baixa dos Sapateiros e
, Calçada, estas sob a influência das indústrias de Itapagipe e
do comércio. Para fazer uma idéia da valorização da rua Chile
como localização bancária, basta acrescentar que uma casa de
chá, de enorme clientela, fechou recentemente suas portas para
acolher um guichê baI)cário, bem como o fato, já mencionado,
da ocupação de algumas partes do Palácio do Governo porum
guichê secundário do Banco do Estado.
Cf···· SEGUNOÁRIAS
Foto 5. Um detalhe da feira de Água de Meninos, vendo-se saveiros do Recôncavo a
desembarcarem mercadorias.
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DISTRIBUIÇÃO DOS OPERÁRIOS PELOS SETORES
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Foro 6. Esta fotografia mostra hem nítida a ec;carpa da falha qm c;epara os dois níveis
da Cidade.
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Foto 7, Este clichê é um detalhe da Cidade Baixa, onde se pode observar ainda
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melhor a justaposição dos vários aspectos de sua paisagem.
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Foto 8. Sobre os aterros do porto surgem prédios modernos e belos.
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Foto 9. Outro aspecto da Cidade Baixa, vendo-se no fundo o Elevador Lacerda. As
velhas casas vão. pouco a pouco, cedendo lugar aos arranha-céus, na parte construída
antes dos mais recentes aterros.
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o Foto 10. O fenômeno apontado na fotografia anterior, nesta se nota em detalhe.
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A PAISAGEM URBANA EA
VIDA DO CENTRO DA CIDADE
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ois fatos são bem característicos da paisagem central
"•>
os quatro séculos da evolução urbana; uma Cidade Alta, assen- z
>
tada sobre colinas e vales; e, separando esses dois elementos, m
>
a escarpa de falha. Tais denominações (Cidade Alta e Cidade ~
o
Baixa) apareceram quando a cidade tinha os limites que, hoje, >
o
coincidem com os dos bairros centrais. Não têm mais sentido o
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para a cidade toda, desde que a mesma se estendeu sobre ~m m
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conjunto de sítios diferentes. Todavia, essa designação conser- "o
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va todo o interesse em relação à parte central. É por isso que a .>
repetiremos constantemente. ~
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Outro aspecto de Salvador que imediatamente atrai a atenção m
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A CIDADE do 5
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possibilidade de conter as águas no vale, formando wn dique, útil
à defesa da cidade. Como observa Aziz Ab'Sáber (1952: 62), "a
escolha do sítio para a fundação de wna cidade e Capital adminis-
trativa respondia a quase todas as exigências da época e concordava
com as circunstâncias históricas que orientaram a colonização das
terras portuguesas na América Tropical".
Tomé de Sousa trouxera do Reino o plano segundo o qual devia
ser construída a cidadela; era wn plano geométrico, adotado já para
aglomerações, criadas pelas autoridades coloniais (A. de Azevedo,
1952: 200). As irregularidades do sítio, porém, deformaram o qua-
drilátero idealizado na metrópole. Entretanto, mesmo atualmente,
pode-se perceber a intenção dos fundadores no traçado grosseira-
mente em tabuleiro das ruas da parte mais antiga de Salvador. É
uma observação de Teodoro Sampaio (1922: 199), no começo do
>
século: "Através das vestimentas modernas com as quais se veste >
Salvador, sente-se ainda a ordem que o fundador a princípio deu". >
o
Para obedecer às ordens dei Rei, certo de "que, se havia de descobrir m
<
c
como afeiçoar ao local escolhido a traça da praça forte", o plano foi
"•>
um pouco modificado, mas o sítio também recebeu alterações. z
>
Onde hoje se encontram as ruas da Ajuda e a praça Muni-
>
cipal, houve obras-'de terraplenagem; foi aterrado um fosso, na ~
o
rua da Misericórdia, e, ao contrário, outros fossos foram cavados >
o
na altura das ruas 28 de Setembro e da Praça, aproveitando as o
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depressões naturais. Z
-;
Teodoro Sampaio (1922: 28) assim reconstituiu a cidade "o
o
depois da sua fundação: >
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A nova cidade surgiu como de improviso, nos moldes de um acampamento, com >
o
três ruas longitudinais mais largas e duas transversais mais estreitas, aÍém de duas m
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o Foto 13. A dissimetria da rua Con-
selheiro Dantas. A d,ireita, prédios
'bem modernos, e à esquerda, edifí-
cios de meia-idade.
urbana às novas necessidades. É indispensável alargar e retificar
as ruas estreitas, traçadas para servir a uma época diferente.
Nos anos de 1910, alargaram-se as ruas da Misericórdia;
Chile, Ajuda e a avenida Sete, na Cidade Alta. Nos anos de 1920
foi na Cidade Baixa que se fizeram retificações e alargamentos:
nas ruas Portugal e Conselheiro Dantas, que se prolongam uma na
outra, há uma certa dissimetria, isto é, o tipo e a idade das cons-
truções não são os mesmos em cada lado da rua. Éo lado ímpar
que apresenta hoje um maior número de construções modernas;
há quase 20 anos, passava-se o contrário. As obras de retificação
fizeram-se somente no lado direito, onde, em consequência, novos
prédios se levantaram. Do outro lado, as casas se tornaram velhas
e preferiu-se substituí-las por construções inteiramente novas, sen-
do esta solução a menos onerosa, por motivos óbvios. Aliás, essa
dissimetria vem de mais longe. Em meados do século XIX, quando ,
>
se ampliaram os quebra-mares para alargar o porto, construíram- ,
>
o
se edifícios que davam sobre o único lado da rua Miguel Calmon o
REC.ENTE!;.
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1. Relativa incapacidade das atividades do centro da Cida-
de Alta para criarem um quadro próprio e, em consequência, o
aproveitamento do quadro anteriormente existente.
2. As atividades capazes da criação de um quadro próprio
preferem fazê-lo aproveitando a localidade comercial tradicional;
por isso constroem sobre a rua Chile e avenida Sete de Setembro.
Entretanto, agora se começa a construir na ladeira da Praça, mas é
um aspecto recente da evolução do fenômeno, ligado sem dúvida
à mudança dos pontos de início dos transportes coletivos.
A VIDA
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o
praça Cairu, na saída inferior do Elevador Lacerda. Dois outros
"
o sistemas estão na Cidade Alta, servindo às linhas chamadas "de
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o cima" e "de baixo", os quais correspondem, grosso modo, aos
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bairros do Sul e do Norte, respectivamente. Todas essas linhas
o terminam muito próximas uma das outras. Os elevadores verti-
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z cais e em plano inclinado, que formam o quarto sistema, ligam
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a Cidade Alta e a Cidade Baixa.
o
Há dois elevadores verticais, o Lacerda e o Taboão, e dois em
~ plano inclinado, o Gonçalves e o Pilar. Substituem os ascensores
"
e guindastes construídos pelas ordens religiosas para estabelecer
ligação com os portos pertencentes aos conventos e aquele "ele-
vador engenhoso", construído pelos jesuítas e observado pelo
viajante francês Pirard em 1610 (Almeida Prado, 1950: 179).
A denominação de Guindaste dos Piadores, dada à rua em que
fica a sua parte inferior, é bem significativa.
O Elevador Lacerda, que inicialmente funcionara a vapor,
foi inaugurado em 1869. Depois de 1928, sofreu uma comple-
ta transformação; agora é de cimento armado e movido por
eletricidade. São necessários apenas quinze segundos para uma
viagem. Sua bela torre faz parte da paisagem urbana e constitui
uma espécie de cartão-postal obrigatório da cidade.
Em 1957 esse sistema foi utilizado por 37,7 milhões de
passageiros; 105 mil passageiros diários, mais ou menos, dos
>
quais a metade utilizou o Elevador Lacerda. Sobre cada grupo de
,
quatro pessoas que tomaram o ônibus ou o bonde, uma tomou >
o elevador. Tais números dão uma' ideia aproximada do grande "<"
c
movimento de população entre os dois níveis da cidade, ideia
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que pode ser completada levando-se em conta o enorme tráfego z
>
de automóveis que se faz pelas ladeiras que ligam o coração do
>
centro alto com a Cidade Baixa. <
o
Esse conjunto de fatos provoca a concentração da circula- >
c
ção, o estrangulamento do trânsito no centro da cidade. o
o
O crescimento da cidade, a ampliação de suas funções de re- "Z
-;
lação e íntimas, o alargamento do espaço reservado ao comércio, o •
o
o
aumento da população tornaram angustiosa a passagem de veículos >
pelas ruas comerciais, sobretudo as mais antigas; decidiu-se a aber- 2
c
>
tura ou o alargamento de ruas, o desvio do tráfego, o deslocamento c
"
dos pontos iniciais, a supressão de certas paradàs e medidas outras,
tudo no objetivo de diminuir a confusão do trânsito.
o fato de as ruas mais antigas se encontrarem exatamente
nos bairros centrais- traz o agravamento do conflito entre as
fórmas antigas da organização urbana e as exigências do tráfego
moderno. É esse tráfego do centro de Salvador que contribui para
dar uma idéia talvez exagerada do dinamismo da cidade. Tais
ruas eram adaptadas à tração animal. A introdução de veículos
a motor fez-se em um quadro não adaptado; algumas modifica-
ções foram introduzidas, mas entretanto foram insuficientes para
resolver esse grave problema. O alargamento das ruas Chile e da
Ajuda e da avenida Sete de Setembro, no começo do século XX,
o alargamento das ruas Carlos Gomes e Visconde do Rio Bran-
co, a construção de uma grande praça central após a demolição
da velha igreja da Sé e de quatro quarteirões das redondezas, a
construção de um viaduto entre essa nova praça da Sé e a rua
da Ajuda, trabalhos realizados nos anos 1930, são as principais
obras feitas com o objetivo de readaptar o centro antigo da Cidade
à intensidade do tráfego que diariamente a anima.
Tais readaptações, entretanto, não constituíram uma solução
satisfatória ao problema, que se agrava mais e mais. Outras soluções
"oo
< têmsido adotadas, para permitir aos veículos andar mais depressa.
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Até 1943, mais ou menos, os veículos que partiam do centro para
o a periferia da cidade (exceção feita somente aos que participam do
"<o sistema da Cidade Baixa) dirigiam-se todos à praça Castro Alves,
o onde todos paravam. Os da linha de "cima" demandavam a praça
u
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o da Sé, enquanto os coletivos da linha de "baixo" atravessavam a
o rua da Ajud~, desciam a rua Visconde do Rio Branco (ladeira da
"z>-
Praça até a rua Dr. Seabra, a Baixa dos Sapateiros).
"
u
o A primeira mudança - que provocou;aliás, muitos protestos
da população - consistiu em fazer subir pela rua 28 de Setembro
os veículos da linha" de baixo", descendo pela ladeira da Praça,
isto é, sem passar pela praça Castro Alves. Desse modo, eles não
atravessavam a parte mais congestionada do centro de atividades,
não o tocando senão em uma de suas extremidades. A expansão
do comércio, o crescimento do tráfego, que aumentam na pro-
porção do crescimento urbano, determinaram uma dissociação
cada vez maior dos pontos iniciais dos coletivos, uma verdadeira
migração na direção do exterior. Lembramos que, há 20 anos,
todos os transportes coletivos atravessavam a praça Castro Al-
ves e paravam aí. Hoje estão dispersos os pontos de partida dos
ônibus e bondes que vão para os diferentes bairros.
Os bondes e ônibus da linha de "cima" têm dois pontos
iniciais: a praça Municipal e a praça da Sé. Para a linha de "bai-
xo", o problema é ainda mais grave, pois a cidade continua se
estendendo na direção dos bairros servidos por essas linhas. Por
>
isso mesmo, os pontos iniciais são cada vez mais deslocados. De •>
outro lado, uma parte dos bondes não sobe mais a rua Visconde >
n
do Rio Branco desde 1956. Os que desejavam se servir desses •<
c
transportes devem ir procurá-los na praça dos Veteranos, no pé
"•>
da ladeira da Praça. Nas horas de rush, nenhum bonde sobe até z
>
o viaduto. Quem tem necessidade de utilizá-los deve descer as •
> .
ladeiras, ou subi-las, se deseja mesmo chegar ao coração da Ci- ~
o
dade Alta. Os ônibus param na praça da Independência, na dos >
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Veteranos, na rua da Independência, no começo da rua Dr. Sea- o
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bra, na ladeira da Praça. É de ver a extensão das filas que tornam •z
-<
intransitáveis as ruas transversais, sobretudo à noitinha, quando "o
o
todos desejam regressar às suas casas. Fato ainda mais recente >
n
é o estabelecimento do sentido úniço na ladeira da Montanha, o
>
na da Praça e da rua 28 de Setembro, em certas horas do dia, e o
•
durante todo o dia, permanentemente, nas ruas Carlos Gomes
e avenida Sete de Setembro, trecho a partir da Piedade.
Por outro lado, outras ruas têm sido conquistadas mais.
recentemente pelo tráfego e ajudam a desafogá-lo. Na Cidade
Baixa, embora todos os coletivos partam da praça Cairu, onde
fica a saída inferior do Elevador Lacerda, houve, a partir de 1950,
uma dissociação do tráfego dos bondes e ônibus, os primeiros
guardando o caminho tradicional das ruas Portugal e Conselheiro
Dantas e os segundos indo pela rua Miguel Calmon. É muito
recente a instituição de mão única nessas duas ruas.
Na Cidade Alta, as ruas do Pelourinho; Maciel e Guedes
de Brito, consagradas ao tráfego para os bairros do Norte, são
atravessadas durante o dia por "micro-ônibus", as lotaçôes. As
ruas do Gravatá, da Independência e de Santana são caminhos
dos ônibus que, pela avenida Joana Angélica, seguem para o
bairro de Brotas. Assim, uma parte do tráfego é desviada da Baixa
dos Sapateiros, onde passam somente os bondes e os ônibus que
servem às linhas de Liberdade, Quintas e Soledade.
A circulação dos pedestres se faz sem nenhuma disciplina. Chega
a se tornar perigosa, em certos lugares. Tem suas passagens heróicas.
"o O comércio, os gabinetes médicos, os salôes de beleza, outros
o "serviços" e também o simples trottoir elegante dos fins de tarde
<
>
na rua Chile atraem uma multidão de pessoas que se sucedem em
o um vaivém incessante. Por outro lado, a função de verdadeira
o
"o< encruzilhada realizada pelo centro urbano provoca uma circula-
o ção considerável de pedestres, entre os pontos de parada que, ao
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o mesmo tempo, são pontos de correspondência. Uma aproximação
o pessimista entre 17h30 horas e 18h30 horas atribui a passagem de
"
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z 30 mil pessoas a pé pela rua Chile e cerca de 35 mil pelo Taboão.
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o Esta é a mais curta ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta,
utilizada pelos operários e pequenos empregados para economizar
'D
~ os 50 centavos, que é quanto custa uma passagem pelo Elevador.
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~ ÁAtAi> OUE OBTIVERAM "UMENTO
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!IIIIJl "RtAS OUE SOfRERAM DIMINUIçÃO
POPULACÃO DO CENTRO DA
CIDADE DO SALVADOR
1940 - 1950 ~
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"~ Foto 15. A torre do velho Elevador do Taboâo e uma parte da Cidade
~ Baixa. Sobrados juntos à escarpa e arranha-céus próximos ao porto.
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Foto 16. O novo povoamento de arranha-céus nos terrenos perto do porto.
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Foto 17. O belo prédio da Associação Comercial. No fundo, os "arranha-
c
céus" coloniais em plena deterioração. Há meio século as águas da baía >
o
batiam na e.scadaria do edifício. •
sobre os passeios e mesmo sobre o meio-fio, na rua Chile e nas
. ruas adjacentes, a comrersar incessantemente: marca-se encontro
na rua e há grupos que se reencontram diariamente às mesmas
horas para falar de política e de coisas amenas. Atravessar a pé a
rua Chile, após as 17 horas, na hora do rush, não é coisa fácil.
É nessa hora que o centro fica mais animado. Os bancos,
os magazines, as lojas, as repartições públicas fecham ao mesmo
tempo e todo mundo deseja voltar para casa, pois jantar em
família é ainda um dos hábitos do baiano. É a hora crítica da
circulação, e é mais cômodo e rápido ir a pé da praça da Sé à
praça Castro Alves do que tomar um bonde ou um ônibus.
Depois da's 20 horas, os bairros centrais se despovoam dessa
multidão inquieta. Há um outro tipo de circulação, todavia bem
menos importante: a das pessoas que vêm procurar distração, ou
olhar simplesmente as vitrines. O movimento é maior à entrada e
à saída d~s sessões do cinema, abertos até meia-noite. Entretanto,
as outras porções do centro estão como que adormecidas. Mas é
exatamente às dez horas que um outro bairro começa a animar-
"o se. É o coração da cidade noturna, a praça 15 de Novembro,
o pertinho da zona de prostituição, onde prostitutas, vagabundos,
<
>
"< marginais de todas as espécies dão-se encontro em ruas mal ilu-
~
CONVENCÕES
-
ENTRE 10 • 20 .... F2%!J
ENTRE I • 10% (::',:,,1
DECRisc,,,,o
(SCAU. IiIlH".
'111: c:
" ...
Nesse mamenta, na Cidade Baixa, a cantraste é enarme
entre as quarteirões das negócias e a área, mais restrita, em que
se pratica a prostituiçãa. Aqui é uma réplica, embara menas
característica, da que se passa na Cidade Alta enquanta na Cité
reina um silência campleta, rompida de quanda em quanda
pelas apitas das guardas-naturnas.
Essa imagem maderna de um verdadeira dédala, ande se aperta
uma fila multicar e sem fim de autamóveis quase imabilizadas, que
fazem vai tas enarmes para pader vencer pequenas distâncias, deve-
se a quatra fatares principais já examinadas separadamente:
1. A excentricidade da centra da vida urbana, em relaçãa à
cidade inteira, e a ausência de centros secundárias nas bairros.
2. A arrumação da centro em andares muita diferentes,
coma a Cidade Baixa, a Baixa dos Sapateiros e a centro histórico
da Cidade Alta, ligadas por ascensores, par plana-inclinadas e
par ladeiras.
3. A concentração nessa área das funções diretoras da vida
urbana e regional.
4. A herança ·do passada, representada na paisagem por
"oo
< um plana irregular, muito sensível, nãa .obstante as readaptações
>
"<
~
safridas pela quadro.
o
o O que se passa em Salvador, na próprio caraçãa da cidade,
•o exprime muito bem a salidariedade das fatas de circulaçãa e de
<
o camércia. Outrora, quanda tados os caminhas levavam ao centro
u
<
o
da cidade, issa favareceu o desenvolvimento de um centro comer-
o cial, que cresceu ao mesmo tempa em que a cidade. Essa funçãa
">-z
comercial provocou um aumenta de circulaçãa na direçãa da
•u
o periferia e espalhau-se ao longo das artérias principais do trânsita,
o que, aa mesmo tempo, conferiu-lhe uma certa inércia. Depois o
comércio,cujo damínia é disputada par .outras atividades, prova-
cou, por sua vez, urna circulação muito mais intensa. Mas corno
as transformações do centro não correspondem ao crescimento
das funções, estas expulsam a circulação, sob a forma de desvio
das correntes do tráfego, desdobramento dos transportes públi-
cos, ou deslocamento ou supressão das paradas. Mas as ruas que
foram recentemente beneficiadas por essas medidas estão sendo
colonizadas pelo comércio, sobretudo pelo comércio e serviços
que se aproveitam de um quadro preexistente.
>
o
registraram um incremento demográfico impressionante, como as "<
c
ruas Ângelo Ferraz (240%) e Santa Isabel (140%) e também as
"•>
de São Francisco (81 %), Padre Nóbrega (70%), Inácio Accioly z
>
(65%), Muniz Barreto (50%), 7 de Novembro (42%), Gregório
>
de Matos e Querino Gomes (40%) e ainda outras. Tais índices cor- ~
o
respondem a um considerável aumento da densidade demográfica >
o
nessa área, fato que os números revelam em toda a sua plenitude, o
o
pois se trata de áreas residenciais. Mas as percentagens relativas "z
.;
às ruas Alfredo Brito (32%) e Ruy Barbosa (13%) não possuem "o
o
idêntica significação: são ruas em que o comércio se estendeu lar- >
">
~
•o
o
<
>
•<
o
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w
o
<
o
u
<
o
O
•e
Z
w Foto 20. O velho e o novo a poucos me-
u [cos de distãncia. É aí que funcionava a
o chamada "Bolsa dos automóveis", atê
que um incêndio devorou, há poucos
meses, o prédio antigo e um outro,
vizinho.
b. Pela "fabricação" de um sítio, consequência dos aterros
do porto e sobre os quais criou-se uma estrutura primária, de
forma compacta, com largas avenidas, grandes praças, formadas
por imóveis modernos.
O sítio, isto é, a escolha inicial do sítio, pesou muito forte-
mente sobre a vida urbana, em todas as etapas de sua evolução. O
primeiro período, de um lado, representa um compromisso entre
uma vontade criadora e os planos pré-estabelecidos, e, de outro, as
dificuldades oferecidas pelo sítio à sua realização. Daí a deforma-
ção dos contornos, conquanto Se possa, mesmo hoje, reconhecer o
desejo dos fundadores de construir uma cidade em xadrez, linhas
que ainda estão nítidas no velho centro da Cidade Alta.
O segundo período representa um compromisso entre o
sítio e as condições sociais e econômicas, daí a extensão linear
>
do organismo urbano, especialmente sobre as dorsais, bem como
uma certa dissociação de funções ..
··
>
>
o
Durante o terceiro e último período, a cidade começa a· dispor "
<
c
de meios financeiros e técnicos mais importantes, em consequência
de seu desenvolvimento econômico. Tais causas provocam, de ·
">
z
>
um lado, uma adaptação consciente às exigências do sítio, e, de "
>
outro lado, a modificação das condições topogcáficas,.parcial ou ~
o
totalmente. Modificação parcial, com a construção e abertura de >
o
novas ruas em ladeira, para comunicação da Cidade Alta com a o
c
Cidade Baixa, ou o nivelamento das ruas antigas. Modificação "
Z
.;
total, com a "criação" de um novo sítio, justaposto ao sítio inicial, "o
o
com a planície artificial da Cidade Baixa, pertinho do porto. >
c
Se esses três períodos se sucederam no tempo, cada um o
>
deles não elimina, porém, as consequências do período anterior o
"
na elaboração da paisagem e da estrutura interna da cidade,
especialmente do seu centro.
A paisagem urbana atual é formada de elementos que per-
tencem a essas três fases, o que explica sua heterogeneidade. Da
primeira, entretanto, não resta senão o traçado das ruas, pois
as casas, construídas com um material muito frágil, durante o
primeiro século da colonização, foram substituídas, desde o fim
do século XVII ou começo do século XVIII. O segundo período
se nota na paisagem pela presença das igrejas, dos palacetes e
sobrados, e de enormes espaços vazios pertencentes aos mos-
teiros. O terceiro período se caracteriza pelas casas de estilos e
idades diversas, heranças das fases precedentes, mas sua p~ópria
contribuição são os edifícios modernos', os arranha-céus, sejam
os da Cidade Baixa, sejam os que foram construídos ao longo
das ruas comerciais na Cidade Alta.
O problema dos transportes é consequência não só da
excentricidade do centro em relação ao resto da cidade, como
da presença, nos bairros centrais, de elementos concebidos para
uma época em que as exigências do tráfego eram diferentes, quer
dizer, resulta sobretudo da influência do processo de formação
"o da paisagem sobre a fase atual da vida urbana.
o A análise da evolução demográfica nas diferentes "subáreas"
<
>
,"< do Centro de Salvador nos conduz a reconhecer a existência de
o certas relações entre população, paisagem e funções. Tais relações
o
"
Q são complexas porque:
<
o 1. A função pode criar uma paisagem, mas pode também se
u
<
o aproveitar de uma paisagem preexistente. Por outro lado, a mesma
o paisagem pode servir a funções diferentes, associadas ou não, no
"ez
mesmo prédio. Ora, esse modo de aproveitamento não é sempre
"
u
O o mesmo e não é sempre feito integralmente.
2. Disso resulta que uma mesma paisagem pode esconder
evoluções demográficas diferentes. Por outro lado, a mesma
função pode também provocar diferentes resultados de um ponto
de vista da população.
Tal complexidade, entretanto, não se enquadra às tendências
gerais de evolução demográfica, em relação à paisagem e às funções,
o que poderemos assim resumir: certas atividades - como o banco,
o comércio grossista e atividades complementares e conexas, o co-
mércio de luxo - têm tendência a expulsar a população do 'centro
da cidade, tendência que é tanto mais forte quanto mais capaz de
criar-se um quadro por atividade. Por outro lado, as áreas vizi-
nhas -'o velho quadro não atingido pela expansão das atividades
do centro - têm tendência a ver aumentar sua população, até que
a degradação dos imóveis torne impossível a moradia.
SURDISTRITO DO PILAR
- -""_.,,-,,,,- ._""-",,-,, ._,. -"._""-,,,,-"'.- ._",,- -- -
._""""_ ..,,.-
pop. Aum.
•O Ruas e Praças
Pop.
1940 1950 %
Dim.
%
o
< Barão Vila da Barra 442 178 60
>
•< Beira Mar 15 O 100
Botelho Benjamim 4 100
O 100
o Cais do Porto 35
~ Campos Sales 501 419 19,5
o Capistrano de Abreu 34 60 76,4
<
o Conde d'Eu 8 3 62,5
u Conde dos Arcos O O
<
o Cruz Machado O O
o Diogo Dias O O
..z• Elias Nazaré
Espanha
50
O O
100
~
u Estados Unidos O O
O
Fernão Cardim O O
França O O
O
'"
~
-""""-""'"-,,,,,-- - - -, ,._""-,,,,- -
Pop. Pop. Aum. Dim.
Ruas e Praças
- -"""-"""_."",-"""-,,,,,,,-
1940 1950 % %
Frederico Pontes 814 867 6,6
Holanda O O
Marechal Deodoro O O
Maria Quitéria 533 120 48,7
Mascarenhas 76 100 31,S
Pilar 533 94 82,3
Riachuelo O O
S. Francisco de Paula 240 230 4,3
Suécia O O
Torquato Bahia O O
-""""-",,,,- -- - - - - -'-""-"",,,- -
SUBDISTRITO DA SÉ
- - ,--""""-",,. -" --"",,,-,,,,,,,,-"" ______ - - -_."---"""_""'0-
15
274
10
15,5
33,3
-
~
>
o
SUBDISTRITO DO PASSO
- - -"",-""._." - - -
Papo Papo Aum. Dim.
Ruas e Praças
- "-"",-",, - - --
1940 1950 % %
Agostinho Gomes 37 9 75,7
Carmo 448 432 1,4
Custódio de Melo 89 88 1
Deraldo Dias 537 592 10,2
Eduardo Carigé 214 204 5,1
Gregório de Matos 182 86 6,6
João de Brito 69 673 24,6
Joaquim Távora 674 708
José de Alencar 568 535 7
Luiz Viana 553 225 3,2
Pethion de ViUar 198 204 3
15 Mistérios 116 142 22
Ribeiro dos Santos 924 1270 37,3
•o _Silv~,J_~E<!i~ 509
-",-
612 20 -"""- -- -- -""._'""",,--
o
<
>
"< RUAS QUE FAZEM PARTE DE DOIS SUBDISTRITOS
" Papo Papo Aum. Dim.
o Ruas SubdistTitos
o 1940 1950 % %
•o _. A~gel-oF~'~;~~ -- Passo e Sé 20 68
-
240
< Leovigildo CarvaÍh~ Passo e Sé 185 202 10
o
Alfredo Brito Passo e Sé 689 917 32
u
< Conceição e
Conde d'Eu
o Pilar
O Conceição e
•>- Cais do Porto
Pilar - - ._",,- - - - ,,-
Z -"""_.,~--
•u
o
4
A ESTRUTURA URBANA DOS
BAIRROS CENTRAIS
A
análise'da elaboração da atual fisionomia dos bairros
centrais-da cidade - sua evolução através de quatro sé-
>
culos - e o estudo das funções urbanas que abriga - seu
dinamismo atual - revelam uma certa interdependência entre
o aspecto e as funções, entre paisagem e conteúdo, Atividades
capazes de se criarem um quadro, atividades que aproveitam
de um quadro preexistente e o adaptam às suas necessidades, e
atividades que direta ou indiretamente destroem ou acabam de
destruir um quadro preexistente são; todas elas, bem significa-
tivas dessa verdadeira relação de causa e efeito entre forma e •>
função, aspectos estruturais que vamos agora analisar, ••
,o
o
m
Z
.;
•>
TIPOS DE CONSTRUÇOES
Os Arranha-Céus
·-
>
< vender separadamente, locais para comércio de luxo e salas para
o advogados, médicos, dentistas, empresas de construção etc.
o
~
a São sobretudo os bancos que contribuem para essa revolu-
<
a ção arquitetura!. Eles fazem surgir uma paisagem inteiramente
u
<
a nova na Cidade Baixa, ao lado, e mesmo em substituição, dos
o velhos sobrados, que pouco a pouco se deterioram.
•
~
z A importãncia da função bancária na vida urbana antes de se
~
u
a medir pelo volume de negócios que realiza, ou pelo número de guichês
que mantém nos diversos centros comerciais, pode ser constatada pelo
; próprio quadro que criou para servi-la, na Cidade Baixa.
Há ainda alguns anos, eram as grandes e velhas casas da rua
Conselheiro Dantas, artéria por onde passavam, então, todos os
veículos coletivos para Itapagipe, e os velhos sobrados das ruas
Portugal e Santos Dumont que abrigavam os bancos e as instituições
parabancárias. Vários conservam ainda essa antiga localização, seja
porque visam, agora, a uma próxima transferência, seja porque não
possuem fundos suficientes para enfrentar uma mudança. Todavia,
os mais ricos, com o aumento de suas atividades, fizeram construir
sedes próprias, imóveis dotados de instalações que há um tempo
facilitam os negócios, atraem os clientes e dão um testemunho de sua
força. Aproveitaram-se dos terrenos vazios resultantes dos aterros
do porto e aí puderam arranjar-se em grandes avenidas, onde são
inteiramente satisfeitas suas exigências de circulação livre. Não é
raro, igualmente, que os construtores de novos edifícios destinados .
a fins comerciais reservem, no andar térreo, grandes espaços desti-
nados a acolher sedes bancárias.
>
. Por outro lado, devemos reconhecer duas fases distintas ~
.;
nessa influência da função bancária sobre a evolução da paisagem •
~
.;
na Cidade Baixa. A própria arquitetura dos edifícios o acusa. ~
•>
Durante o primeiro período e com a utilização dos aterros então ~
>
circulação, ladeados, nas duas margens, por casas mais antigas. Isso ">
quer dizer que as ruas vizinhas guardam quase a mesma fisionomia.
É uma situação provisória, consequência da conquista mais ou
menos lenta que deverão sofrer cedo ou tarde. É por isso que nas
ruas comerciais do centro alto, arranha-céus são vizinhos de casas
de meia-idade. Os arranha-céus são, assim, o resultado da evolução
da cidade, da necessidade de concentrar sobre espaços relativamente
restritos o maior número possível de atividades; são construídos
visando também a obter, sobre um determinado espaço, a maior
renda. A construção em altura é necessária, em virtude dos preços
elevados atingidos pelos terrenos nos bairros centrais. É mesmo um
círculo vicioso, pois a concentração das atividades nos arranha-céus
conduz ao encarecimento dos terrenos. No ano de 1957, o Banco
do Brasil expôs à venda 394,45m' de terrenos de sua propriedade,
na Cidade Baixa, na esquina da avenida Estados Unidos com a rua
Argentina, pelo preço mínimo de 6 milhões de ~ruzeiros, isto é, 15
mil cruzeiros o metro quailrado. Os terrenos vizinhos, também
resultantes dos aterros do porto, foram vendidos pela companhia
cessionária das Docas da Bahia, em 1922, a 180 cruzeiros o metro
quadrado. Em 1941, o preço médio era de trezentos cruzeiros por
metro quadrado. Um particular, que a essa época adquiriu grandes
•o lotes, não os quer vender hoje senão ao preço mínimo de 15 mil
o cruzeiros o mZ, isto é, a um preço cinquenta vezes mais alto.
<
>
"< Esse aumento de pteços cria um certo otimismo entre os
"o
o
proprietários e anima todas as formas de especulação imobiliária,
·
o
<
o
contribuindo, desse modo, para agravar o problema da recupera-
ção dos velhos edifícios que se degradam ainda mais depressa.
Ü
<
o
o
..•z Os Armazéns e Trapiches do F.orto
•
u
o Assim como os arranha-céus, os depósitos construídos perto
do porto representam, também, atividades capazes de se criarem
~ um quadro próprio. Pertencem, na maior park dos casos, a em-
presas de importação e, sobretudo, de exportação e se chamam
trapiches. Mas, além dos armazéns do porto, há outros que
pertencem a empresas especializadas, como a Companhia dos
Armazéns Gerais, organizada pelo Instituto de Cacau da Bahia,
desde que o grosso da exportação de cacau passou a se fazer por
Ilhéus, não mais por intermédio de Salvador. São construções
especializadas, levantadas para servir à estocagem da grande
massa de mercadorias manipulada por um porto cuja capacida-
de de carga e descarga é sabidamente pequena. São construções
baixas, em sua quase totalidade, formando um único corpo de
construção; estão situadas junto ao cais, como os armazéns da
companhia concessionária do porto, que possuem um caráter
público, ou então entre o porto e a estação da estrada de ferro,
à Calçada, ao longo da avenida Jequitaia, onde se encontram os
trapiches das empresas particulares.
>
As Casas de "Meia-idade"
·"
m
.;
c
.;
Entre as construções do centro de Salvador, afora os arra- c
Os Cortiços
>
,m
As atividades que não têm força para se criarem um qua- •"'c
dro alojam-se em um quadro pré-existente. Assim, os palace"tes "'c
•>
e sobradões envelhecidos, que perderam seu antigo" papel" de c
residência dos nobres e da gente rica, conhecem" agora outras •o
>
Z
utilizações. Alguns servem exclusivamente à residência pobre. >
o
Outras abrigam, no andar térreo, um comércio de transição ou ,o
artesanato e, nos outros andares, servem como residência pobre, •>
nas ruas contíguas ao centro comercial, onde se beneficiam da ••
,o
paisagem dos transportes coletivos. Alguns outros têm apenas
uma utilização residencial. É o caso das ruas mais próximas do
horst e das ruas da Preguiça, na Cidade Baixa, áreas ainda não
atingidas pela expansão dos arranha-céus. Na Cidade Âlta, é o
caso da maior parte dos distritos da Sé e do Passo. "
Os cortiços são o resultado da degradação progressiva des-
ses velhos casarões esobrados, construídos no centro da cidade
quando essa era parte residencial rica.
Um belo exemplo de palacete, reduzido hoje à condição
de cortiço, é a chamada Casa das Sete Mortes, o n. 24 da rua
Ribeiro dos Santos, bem perto do centro de atividades da cidade.
É uma casa que possui uma longa história, misturada a lendas,
e da qual se conhecem múltiplas versões, a propósito das mor-
tes que as suas grossas paredes teriam presenciado. É daí que
lhe vem esse nome, conquanto as mortes tivessem sido apenas
quatro, segundo os depoimentos da época ... Em 1795, o juiz do
Tribunal desejou punir os assassinos.
A construção dessa casa data do século XVIII. Ela foi residên·
cia de gente rica, com um andar térreo e dois andares, uma fachada
coberta de azulejos azuis; as paredes do corredor eram igualmente
cobertas de azulejos de faiança. No andar térreo moravam os ser-
vidores e escravos. Em cima, era a residência dos senhores, com
belos salões bem mobiliados e quartos bem grandes.
Hoje, entretanto, ela é uma casa de ~ômodos.Seu valor
"oo
< locativo é de apenas 50 mil cruzeiros (segundo o lançamento da
>
"< Prefeitura) e o aluguel de 350 cruzeiros. Já em 1940, a degradação
"
o caminhava depressa. O andar térreo abrigava uma marcenaria e
Q
~
o a residência do marceneiro. O primeiro andar era dividido em
<
o dezoito peças, das quais onze eram utilizadas como dormitórios.
Ü
<
o Os moradores eram quarenta, isto é, uma média de mais ou menos
o quatro por dormitório. Havia apenas dois sanitários e um rádio.
"z
;-
>
Apenas duas foram feitas na Conceição da Praia, duas na Sé, dez ,
no Pilar e nenhuma no Passo. Em 1954, três na Sé;quatro no
Pilar, e nenhuma no Passo ou na Conceição da Praia. Em 1953, "o
w
para um total de 114 em toda a cidade, a Sé contribuiu Com dois,
o Pilar coin três, o Passo'com uma, e a Conceição da Praia com
nenhuma. No período 1949-50, houve apenas uma reconstrução
na Conceição da Praia e uma no Passo. Os números relativos ao
Pilar são relativamente mais reveladores, mas mostram apenas·
que esse bairro foi colonizado pelo comércio, especialmente pelas
sedes de em presas rodoviárias e seus depósitos.
•
Q aí, algumas das quais de meia-idade, foram substituídas por ou-
<
Q
tras mais modernas. Essa operação é muito mais rentável para
Ü
<
o os construtores que têm mais em vista edificar nas ruas vizinhas
o que demolir os velhos palacetes e sobrados em ruínas .
'z""
• 3. As interdições legais, criadas para proteger a paisagem e
u
o assegurar uma boa perspectiva aos monumentos, de modo a preser-
var a fisionomia histórica dessa parte da cidade. Em certas ruas da
.; cidade velha, mais exatamente entre a praça da Sé e o convento do
Foto 21. Rua Chile, na Cidade Alta. Notar como se misturam edifícios de várias idades.
É a principal artéria do comércio varejista de luxo.
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Foto 22. A Cidade Velha ">
e o novo. povoamento de
arranha-céus. Aspecto do
centro da Cidade Alta no
viaduto da Sé.
Foto 23. Uma vista do Pelourinho.
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residual, junto ao pequeno comércio e ao artesanato. -<
•>
As tendências da evolução urbana entre 1920 e 1940, já
examinadas por nós, mostrando uma predominância bem viva das
funçôes de relação e quase uma paralisia do centro de atividades
destinado a servir ao.interior do organismo urbano, favoreceram
a degradação de modo muito sensível. Durante esse período, o
centro alto parece haver perdido dinamismo. A degradação foi
largamente favorecida, seja porque os fatores de mudança estavam
estacionários, seja porque estiveram ausentes. Mas esse fenômeno
foi acompanhado de um elemento de contradição, de verdadeira
oposição, representado, até 1940, pela inexistência de centros
secundários nos bairros. Esse fato acarretou uma certa expansão
do centro principal, certamente maior do que se as necessidades da
população pudessem ter sido satisfeitas em centros secundários.
Uma das características mais notáveis desse bairro central
de Salvador é o contraste entre preços elevados dos terrenos e os
aluguéis reduzidos. Esse contraste é tanto mais claro quanto o
bairro em ruínas se encontra a menos de cinco minutos do centro
comercial, onde o alto preço de venda dos terrenos corresponde
ao alto valor locativo dos edifícios. Na rua Juliano Moreira, por
exemplo, ainda se encontram aluguéis de 320 cruzeiros mensais
para uma casa de duas peças, de 170 cruzeiros por três peças e até
de 32 cruzeiros por um quarto não mobiliado (tais preços variam
"oo
< de acordo com o tempo de aluguel). No Pelourinho (praça José
>
"
<
~
de Alencar), um alfaiate estabelecido há trinta anos paga apenas
o
o
127 cruzeiros mensais pelo aluguel de sua loja. Outros artesãos,
o• recentemente instalados, pagam respectivamente 140,200,238,
<
o 300, 355 e 600 cruzeiros pelos lugares em que trabalham. Um
Ü
<
o
pequeno armazém paga 800 cruzeiros de aluguel, que é de 1.100
o cruzeiros para uma tipografia instalada há muito tempo e que
z
"
>-
ocupa todo o andar térreo de uma casa.
"u Entretanto, na rua Chile, pertinho, uma sala de 30m2 rende
o
entre 3 e 5 mil cruzeiros ao proprietário e a mesma área, no andar
térreo, entre 20 e 30 mil. Esse contraste chocante é o resultado do
conjunto das causas estudadas acima. É, ao mesmo tempo, a razão
por que os proprietários abandonam suas casas; a renda que eles
obtêm não estimula a fazer trabalhos de reconstrução ou mesmo
simples reparações. Não é por outra razão que esse bairro conhece
o maior número de incêndios em toda a cidade. Dos 854 incêndios
registrados em Salvador entre 1943 e 1952, mais da metade, isto é,
453, deu-se nos bairros centrais da Sé e da Conceição da Praia, onde
se acrescentam a presença de casas velhas e uma atividade comercial
intensa. No distrito do Passo, que é completamente deteriorado, mas
quase completamente residencial, o número dos incêndios subiu a
28 nestes dez últimos anos. Entretanto, os distritos da Conceição
da Praia e da Sé tinham, em 1950, mais ou menos 25% do total
das casas, isto é, 2.479 sobre um total de 94.020.
A relação entre os tipos de casa e as funções presentes nessa
parte degradada dos bairros centrais cria fenõmenos como este:
um prédio foi construído na rua Silva Jardim, para substituir uma
>
velha casa de ruínas. Tem quatro andares e foi edificado há dez
.;
anos, com o objetivo de servir à instalação de lojas, no andar tér- ".;c
reo, e de escritórios nos outros andares. No entanto, ao fim de dez c
">
anos, apenas uma pequena parte das salas se encontra ocupada. c
No Pelourinho, uma velha casa, totalmente reparada no ">o
Z
interior, teve os quartos redivididos depois, do mesmo modo que >
o
nas casas vizinhas, que se encontram em um estado lamentável. o
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As condições de vida eram miseráveis: 67% dos que responde-
ram à nossa enquete dormiam com três pessoas ou mais no mesmo
quarto. Destes, 8% dormiam com mais cinco pessoas; 25% com mais
quatro; 25% com mais três; 22% com duas pessoas, 11 % com uma
pessoa e apenas 3 % dormiam sozinhos num quarto. Havia também
casos extremos, entretanto mais raros, como o de crianças cujo quarto
servia de dormitório a seis, sete e mesmo oito pessoas.
Entre esses, 18% não dormiam em camas, 45% afirmaram
que sua família se utilizava de latrinas comuns a outras famílias.
Apenas 55%, portanto, dispunham de aparelhos sanitários pes-
soais, mesmo assim em mau estado, salvo exceções.
Indagados se desejavam mudar de residência, 70% dos me-
ninos (dos quais 55% não vão ao cinema uma vez por semana)
responderam afirmativamente. Uma espécie de evasão psicoló-
gica caracterizou 60% das respostas, dando como bairros de
preferência aqueles da classe rica.
Em 10% 80S lares recenseados, não havia eletricidade e
apenas 4 % dispunham de telefone; este último índice não tem
grande significação, em virtude da crise de telefones generalizada
em toda a cidade; ·30% não possuíam rádio.
Uma outra constatação fornecida por essa pesquisa é a da
o origem rural de uma boa parte (35%) dos moradores desse bairro
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Q leproso. Entre estes, 45% não tiveram outra residência em Salva-
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dor senão essa onde hoje se encontram, isto é, o bairro dos cortiços.
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Atraídos pela miragem da grande cidade tentacular, vieram morar
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nos velhos casarões da Sé e do Passo, bem co'mo nos da Cidade
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A Baixa dos.Sapateiros
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Foto 27. A rua do Maciel de Bai- •>
xo, bem característica da zona de
deterioração. Promiscuidade entre
homens, bichos e coisas na rua e
no interior das casas,
moradia de artesãos, principalmente sapateiros, que terminaram
por transferir à rua o nome que ela possui atualmente.
6. No entanto, essa artéria foi rebatizada como rua Dr. J. J.
Seabra, em homenagem ao governador do Estado que ordenou
a realização das obras criadoras de seu traçado atual. Tais obras
correspondem às novas funções da rua desde o começo do século
xx. O aumento da população da cidade, a expansão urbana
e a criação de bairros pobres e de classe média em direção ao
norte, a utilização do vale para a instalação de linhas de bondes
que vão servir aos novos bairros, e depois a superposição das
linhas de ônibus, são os fatores da transformação do aspecto e
das funções da Baixa dos Sapateiros. Eles fortaleceram, desse
modo, o papel comercial desempenhado pela rua desde os últimos
anos do século XIX. Ela se transformou pouco a pouco em rua
comercial, transformação que agora se termina.
O passado, o tempo em que a rua inundável era concomitan-
temente limite natural e ZOna de passagem, pesa indevidamente
sobre o presente; as subdivisões administrativas são as mesmas
que eram há três séculos. A rua ainda é a fronteira administra-
"o
Q
< tiva entre os distritos de São Pedro, Sé, Santana, Passo, Nazaré
>
"< e mesmo Santo Antõnio, em sua extremidade norte. Tudo isso
o dificulta as pesquisas e nos parece prejudicial à·administração sob
o
"<o o plano da prática. Entretanto, as sucessivas reformas e remode-
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lações da divisão administrativa municipal têm preservado essa
Q
< anomalia, tributo que a cidade paga inutilmente à sua história.
o Na verdade, a sucessão de funções que foi chamada a realizar,
."z a rua Dr. Seabra deve aos diferentes modos como se pôde utilizar
"u
o o seu sítio. Acompanhando a evolução da cidade e das técnicas,
o sítio tem tido diferentes utilizações, o que lhe atribui situações
::: diferentes em relação à cidade, tomada como um conjunto.
A Baixa dos Sapateiros é quase inteiramente formada de
casas térreas que ainda hoje refletem a condição social dos seus
primeiros moradores. Há, entretanto, duas exceções: uns poucos
pequenos sobrados com um andar e mesmo com dois andares,
principalmente na Baixinha e na rua Eduardo Carigé (antiga rua
das Flores) e mais recentemente os primeiros prédios em cimento
armado. Estes ainda não são meia dúzia, nenhum tem mais de
quatro andares, nenhum possui elevador.
A maioria das casas são de parede-meia. Como originaria-
mente eram casas de moradia, isso lhes ditava o aspecto exterior,
mas seu plano se modificou, pouco a pouco, à proporção que
a rua se deixava conquistar pelo comércio. Este a, moderniza.
Há quinze anos, por exemplo, era frequente ver enrolar e de-
senrolar toldos de madeira sobre os passeios, de acordo.com as
diferentes horas do dia. Hoje, entretanto, o número de marquises
em cimento armado é enorme. Fazem-se novas transformações,
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aparecem vitrines modernas e anúncios em luz florescente e gás
neon, para adaptar o quadro às exigências da clientela. ·"
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A principal atividade dessa rua é o comércio. É um comér- c
suave que nas demais artérias ligando a Cidade Baixa à Cidade ">
Alta. Essa rua desde muito tempo é utilizada diariamente pelos
operários e empregados que, morando nos bairros do Norte da
cidade, trabalham no porto ou na Cidade Baixa. Em seguida, o
comércio se expandiu até a extremidade da rua Dr. Seabra. Há
cinquenta anos ele se estendia somente até a rua Cônego Lobo
(Ladeira da Saúde); há vinte anos, até o largo de São Miguel e
a rua Marquês de Montalvão. Há apenas dez anos, "colonizou
a rua 28 de Setembro e fez junção com o antigo comércio de
alimentação da praça dos Veteranos. Mais recentemente ele ultra-
passou esta praça, ocupou o trecho que vai até a rua Rocha Pitta
e desbordou sobre a rua Aristides Milton. Assim ele se prolonga
até se encontrar" com a avenida Sete de Setembro e a praça Castro
Alves. Mas os prolongamentos recentes não têm ainda um cará-
ter definido, como no resto da rua. Constituem uma espécie de
comércio de transição (pequeno comércio, artesanato), uma sorte
de {ront pioneiro do comércio, com tendência a se estabilizar. É o
mesmo tipo de comércio que se prolonga pelas ruas transversais,
ruas Conselheiro Junqueira e da Independência, que gozam da
vantagem de serem utilizadas como passagem dos ônibus que a
complicação do tráfego afastou da Baixa dos Sapateiros. Estas
últimas ruas recebem o comércio de transição expulso de certas
"o
o
< ruas do bairro" da Sé, à proporção que eles ali são substituídos
>
"< por atividades mais rendosas e duráveis.
o Pondo à parte esse comércio de transição que coloniza as eX-
o
"o tremidades e ruas transversais, a maior parte do comércio da rua é
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o constituído por um comércio pobre, de segunda necessidade. Não
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o há joalherias, casas de discos, salões de chá, os cafés são em número
o " reduzido.Também não há escritórios de advogados; os médicos e
"
>-
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•u os dentistas são raros. Não há empresas mobiliárias, nem agências
o de turismo. Enfim, não há grandes magazines, mas apenas lojas,
algumas de importância, mas a maior parte pequenas e médias.
~ São mais ou menos especializadas, mas geralmente se adaptam ao
COMÉRCIO DA "BAIXA DOS SAPATEIR.OS"
(E~e"'EMA II/NE4H)
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Um novo dinamismo sacode agora· a cidade e se reflete
sobre o seu centro de negócios e de atividades. Ele reforça a
oposição entre as tendências de renovação representadas pelo
próprio dinamismo e as tendências conservadoras, apresentadas
pelas condições socioeconômicas e jurídicas. Os monumentos
e as casas de meia-idade, que ainda são mais ou menos úteis
às funções que presidiram à sua construção, não sofreram esse
choque. Continuam de pé, conforme já vimos, até 'que, por uma
questão de mais-valia, sua substituição se impõe.
Essa luta entre o arranha-céu que tem necessidade de se le-
vantar e o sobrado que não quer desaparecer não exprime apenas
o conflito entre a especulação imobiliária e a herança do passado.
Representa igualmente um imperativo do crescimento urbano, da
expansão dos negócios e da vida de relações, cujo espaço não poderá
se alargar demasiadamente, sob pena de se tonlar impraticável.
Das marchas e contramarchas dessa luta entre o arranha-céu
e o sobrado nasceram os cortiços. O contraste entre os preços
muito elevados do terreno e os aluguéis baixos dos prédios
explica esse círculo vicioso, e uma das suas consequências é a
zona de degradação social mais típica do Brasil, ao lado de um
majestoso conjunto de edifícios muito modernos, que respondem
"o,
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< a todas as exigências do conforto.
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•< Os cortiços são os palacetes deserdados do seu papel histórico,
"
o inutilizáveis, hoje, por ativi'dades mais rentáveis. Ficam à margem
c
•c do tempo, cujas marcas são agravadas pela falta de cuidados. Os
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c arranha-céus são a manifestação da força das atividades diretoras
da vida urbana e regional. Uns e outros representam aspectos
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aparentemente opostos, mas verdadeiramente complementares,
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• de um mesmo e único fenômeno, que é a especulação.
u
o A Baixa dos Sapateiros representa um tipo à parte, ligado
muito estreitamente ao processo'de evolução dos bairros centrais
~ da cidade. O atraso na utilização do seu sítio, isto é, a sua urba-
nização, em relação ao resto dos bairros centrais, desempenha
um papel importante na explicação tanto dos aspectos formais,
comodas atividades que aí se constituíram. Urbanizada somente
no meio do século XIX, não tem os casarões que caracterizam os
quarteirões das vizinhanças. De outro lado, sendo atravessada
por linhas de bondes e ônibus que levam aos bairros da classe mé-
dia e pobre, este último fato explica a natureza das atividades que
se instalaram aí. Estas exercem um papel passivo, quase negativo,
na modificação do quadro, pois não dispõem de força bastante
para transformá-lo. A existência de quarteirões degradados nas
proximidades é um outro elemento que se opõe às modificações
de aspecto da rua, pois as atividades incapazes de se criarem um
quadro próprio deles se aproveitam. Pode-se dizer a mesma coisa
da grande extensão da rua (mais ou menos dois quilômetros),
atravessada por várias linhas de transporte coletivo, o que facilita
uma implantação disseminada do comércio.
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Como fatores positivos da transformação do quadro, "
~
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aparecem timidamente atividades do tipo serviços, capazes de "c.;
pagar aluguéis mais altos e que justificam a construção dos raros c
">
edifícios novos: essa transformação está ligada essencialmente à c
melhoria dos níveis de vida da população da cidade. "•>
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~
CONCLUSÃO
dizer que a cidade evoluiu guardando as funções que lhe foram ,."
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atribuídas pouco depois da sua fundação. Aquelas outras que,
depois, vimos se ajuntarem, dependem das primeiras. A função
bancária, por exemplo, que foi inicialmente uma consequência
da atividade comercial, criada para servi-la, explica, hoje, certos
fatos de comércio. É a principal responsável pela coalescência
das funções que tendem a reforçar o papel macrocefálico da
capital do Estado. Tal coalescência se realiza em favor da ativi-
dade comercial, ligada à atividade portuária e outras atividades
especulativas, do que resultou finalmente a conservação das
funções antigas e, mutatis mutandis, a pobreza de indústrias.
E o remédio indicado para corrigir a pobreza de indústrias é
exatamente a importação de capitais de fora: ..
Por isso a evolução da vida urbana e sua representação
são sinais seja da própria evolução da agricultura em sua re-
gião, seja da conjuntura mundial de que esta - a agricultura
comercial - depende. Esse papel de ponto de contato entre dois
mundos opostos, porém complementares, marca toda a vida
urbana, inclusive a organização interna da cidade. .
O centro não esca pa a essas influências. É mesmo a parte da
cidade que mais fortemente significa a existência desses fatos. A
penetração das técnicas modernas que aí se observa, em escala
"oo
< maior ou menor, quer sobre a morfologia, quer sobre a paisagem,
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são um reflexo da economia regional.
São aspectos que é necessário levar em c~mta, se desejamos
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o" incluir a Cidade do Salvador nas grandes séries urbanas de que
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o fala P. George, mas, também, se queremos descobrir sua origi-
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nalidade como um tipo de organização.
o Assim é que as características fundamentais da atividade
..z" econômica regional fornecem urna explicação para a repartição
•u
o social e profissional da população: uma classe rica, constituída
por banqueiros, homens do alto comércio, da indústria e grandes
".
::' proprietários; uma classe média, formada de pessoas exercendo
profissões liberais, pequenos comerciantes, proprietários de terras
médios, funcionários públicos; e uma classe pobre, de operários,
empregados no comércio, pequenos func·ionários e gente sem pro-
fissão definida.
Essa es.trutura social se reflete sobre a estrutura urbana de
forma não rigorosa. Poderíamos mesmo dizer que a Cidade do
Salvador ainda não amadureceu do ponto de vista da estrutura
urbana, pois se há alguns bairros de características definidas,
para outros essa caracterização é menos precisa.
A explicação dessa "juventude" estrutural podemos encon-
trar na evolução histórica do fenômeno urbano: a orientação que
o crescimento urbano seguiu, preferindo as dorsais, valorizou
esses terrenos, enquanto as vertentes e os vales, estes principal-
mente, eram ocupados com uma população pobre. É daí que
provém a mistura observada nos bairros ricos. Pelas mesmas
razôes, e em consequência da valorização dos terrenos nas rUas
onde passam os transportes coletivos, classe média e pobre estão
também misturadas, nos vários bairros do Norte da cidade. As-
sim, a menos que levemos em consideração essa "diferenciação
social em linha" (sejam as dorsais, sejam as artérias que seguem
os transportes, sejam os vales recentemente urbanizados, sejam
ainda as ruas que associam duas dessas características), não
podemos deixar de reconhecer que falta à maioria dos bairros
uma homogeneida de de paisagem e de contexto.
As exceções si'.o, de um lado; os bairros extremamente pobres,
n
os bindovilles das "invasões", que entretanto são sujeitos a Um o
Z
n
processo de mudança social, parcialmente realizado quando uma r
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de suas partes é servida por transportes coletivos ou qualquer ou- >
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IWSTRAÇOES E FOTOS
MAPAS
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1. índice de aridez no Estado da Bahia .................................................... 37
2. Distribuição dos núcleos urbanos com mais de 5 mil habitantes .......... 38
3. O sítio de Salvador .............................................................................. 59
4. Ocupação do espaço na cidade ............................................................ 60
5. Evolução urbana de Salvador .............................................................. 61
6. Ocupação do espaço no centro da cidade ............................................ 70
7. Comércio na Cidade Alta ............ :....................................................... 78
8. Comércio na Cidade Baixa .................................................................. 79
9. Comércio na Calçada .......................................................................... 80 r
10. Comércio na Liberdade ....................................................................... 81
11. Distribuição dos guichês bancários ...................................................... 91 ·•
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GRÁFICOS
FOTOS
Ü 19. Edifício da primeira fase das novas construções da Cidade Baixa ...... 146
< 20. "B.olsa dos automóveis" .................................................................... 146
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QUESTOES DE MÉTODO
CONTEÚDO