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A Pessoa como Centro - Revista de Estudos Rogerianos, 1, 1998

Empatia em Psicoterapia
Traduzido por Carlos Nunes

É um mecanismo vital?
Sim.
É um conceito do terapeuta?
Demasiado frequente.
Suficiente por ele próprio?
Não.
John Shlien

Resumo: Para além de algu-


Em inglês é um substanti- não é certamente suficiente. Por
mas considerações sobre a palavra
empatia e do impacto que o seu uso vo abstracto de origem e influên- que não é uma raridade não pode
tem, quer nos técnicos quer nas pes- cia exclusivamente germânica. ser um bem exclusivo da prática
soas em geral, é apresentada uma de- Sendo abstracto dele emergem vá- profissional, mas pode ser parte do
finição do termo. São explicitadas ain-
rias definições de empatia. Como nosso orgulho profissional. Aque-
da as diferenças entre empatia, sim-
patia e compreensão empática. qualidade pessoal é largamente les que pensam, tal como Kohut,
É feito também um levanta- admitida conforme a percepção que é um “definidor do campo”
mento histórico evolutivo da estrutu- que cada um tem dela. Cada pes- devem, portanto, considerar a
ração do conceito de empatia na pers-
soa que experiencia a empatia é- maioria dos seres humanos como
pectiva de C. Rogers e de diferenças
significativas encontradas entre este lhe pedido que proponha uma de- operativos neste campo; - um pen-
autor e Buber. finição. A minha é simples. samento aceite por aqueles de nós
É ainda apresentado um caso
“Empatia” é uma das que acreditam que os princípios
exemplar de compreensão empática.
de psicoterapia são simples refi-
várias formas essenciais de namentos do que há de melhor em
Palavras-Chave: empatia – inteligência, é uma forma ex- relações humanas normais (co-
simpatia – compreensão empática – muns); aqueles que, tal como Ro-
Rogers – Buber perimental de tal importância gers, pensam também que a em-
para a adaptação que a so- patia garante gentileza, benevo-
Abstract: Besides some con- lência ou reciprocidade devem
siderations about emphaty and the brevivência social e física de- considerar que a empatia pode ser
strike that its use has been arisen ei-
pende dela. É uma capacida- um instrumento de crueldade.
ther in the technicias or in the public
in general, we present a definition of O sádico, e em especial
the concept. We still make explicit the de normal, material e comum o sado-masoquista, faz intenso
differences among emphaty, sympha-
quase constante, quase inevi- uso da empatia, mas por outro
ty and emphatic understanding.
lado, sem simpatia. O sádico
It’s also performed a histori-
cal and evolutary survey of the empha-
tável. A sua natureza não de- conhece a “tua” dor e tira prazer
ty concept framing, according to C. termina o seu uso. Não é em disso. A empatia nem sempre
Rogers; and the significant diffrences significa simpatia1 . De facto, ela
between this authors and Buber. si mesma “uma condição” da
Lastly we present un example
case of emphatic comprehension. terapia mas é provavelmente 1
Com certeza que já encontrou na auto-
estrada outro condutor que sabe exacta-
uma pré-condição. mente o que você quer fazer – mudar de
Keywords: Emphaty – sympa- faixa, ultrapassar ou virar – e de forma
A empatia é um “possibi-
thy – emphatic understanding – Ro- persistente e desafiadora o impede de o
gers – Buber litador”. Pode ser necessária mas fazer. Isto é empatia sem simpatia.

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pode ser uma arma de guerra, do” (existe interiorização do mão) os tradutores franceses
uma vantagem em todas as for- entraram em conflito com a pa-
mas de competição, assim como sentimento). Na Alemanha o lavra. “Penetração simpática” é
de cooperação. É como o joga- seu significado é dado por uma das frases – (do francês su-
dor de meio-campo que atira a íço)! “Afecção” é outra (!!). A
bola para outro jogador que cor- uma só palavra. Este estilo solução mais frequente é sim-
re no campo em direcção ao alemão de composição da lin- plesmente pronunciar a palavra
golo. Ele não permanece parado “empathie”, dando-lhe o signi-
no local de onde atirou a bola; guagem embora por vezes ficado que os ingleses lhe dão.
uma parte dele, da sua inteligên- seja motivo de anedotas, por Os italianos desde há muito usa-
cia, está a correr a par com o vam a palavra “simpático” de
outro que vai receber a bola, isto outro lado pode ter um efeito uma forma generalizada, tal
é, o jogador prolonga-se empa- real relativamente à maneira como nós usamos empatia, e
ticamente – e, desta forma, cal- pode ser que as culturas e climas
cula a trajectória que deve im- de pensar. Quando “sintonia mais expressivos não sintam
primir para sucessivamente lan- de sentimentos” se tornou necessidade de inventar uma
çar a bola. Esta empatia é inte- palavra para traduzir a sua sen-
ractiva e relativamente benigna. uma combinação unitária, ela sibilidade, como o fizeram as
O campeão de ténis sabe onde foi imediatamente capitaliza- tribos germânico-teutónicas e
uma bola bem batida vai tocar o ingleses anglo-saxónicas com as
solo antes dela lá chegar, sente da (“Einfuhlung”) tal como suas maneiras mais formais e
a tensão das cordas da raquete, todas as palavras alemãs e, bruscas.
o som e compressão da bola e o A linguagem influencia o
seu desesperado opositor fora de portanto, tornou-se instanta- pensamento e o pensamento in-
posição. Em resumo, a empatia neamente uma palavra nova, fluencia a acção (por vezes a in-
pode ser usada para ajudar ou fluência actua em direcções in-
para magoar e não transmite au- como se fosse uma ideia nova. versas), mas quando uma pala-
tomaticamente uma actividade A representação está para vra é traduzida do seu contexto
ou intenção. Pode até não ter o conceito tal como o meio está original no qual ela pode ter al-
qualquer intenção própria ex- para a mensagem. Mas “empa- guma especificidade, ela perde
cepto o seu funcionamento, tia” - a tradução inglesa da for- essa especificidade e torna-se
como qualquer orgão vital. ma verbal activa “Einfuhlung” - ainda mais abstracta. Quando e
A maneira como esta é basicamente inerte. Ela tem como é que nós tivemos a nossa
que ser trabalhada de maneira a versão? Tal aconteceu por volta
palavra foi inventada é uma atingir a forma activa “empati- de 1910 quando E. B. Titchener,
fonte de confusões. Tudo co- zar”. que vivia nos E.U.A., traduziu
Nós possuímos uma ca- “Einfuhlung” por empatia. Ape-
meça com um sistema linguís- pacidade humana universal para sar de Titchener ser inglês, es-
tico que permite a combina- a empatia. Concerteza que os tudou em Leipzig com Wundt (o
franceses não têm falta dela, tan- nome de Wundt aparece cons-
ção de mais de que uma pa- to como nação como cultura. tantemente como influência cen-
lavra numa nova e singular Mas em muitas outras culturas tral na cultura que nos concedeu
não existe tal palavra na sua lin- Einfuhlung). Foi Wundt que,
entidade. Por exemplo, exis- guagem, tal como não havia na enquanto sujeito de Psicologia,
te sentimento, existe senti- Alemanha antes da palavra com- definiu a matéria como “experi-
posta Einfuhlung, nem em Ingla- ência imediata”; enquanto que
mento de ou sentimento com, terra antes da introdução da tra- Titchener passou a maior parte
etc. No caso da “empatia” dução empatia. No seguimento da sua vida a fazer investigações
das primeira e segunda grandes sobre a “introspecção”; experi-
existe “sentimento interior” guerras, e dada a antipatia cul- ência imediata e introspecção:
ou “sentimento interioriza- tural por tudo aquilo que não duas noções de grande importân-
fosse francês (especialmente ale- cia no avanço caótico da Psico-

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logia Clínica. O ponto de vista peuta”. Mas que erro infeliz! Um Aqueles que acreditam que
de Titchener era, por vezes, de- substantivo transformou-se
nominado “Psicologia Existen- numa técnica. Como é que isto são possuidores de uma sen-
cial”. foi possível? Foi o resultado de sibilidade empática fazem
A palavra empatia, no uma deturpação e mecanização
dos processos. alarde disso e atribuem-lhe
princípio, tinha algo de lúdi- Vamos dar outro exemplo grandes potencialidades, en-
co. Titchener considerava ainda na área dos desportos.
Bom, bonito , divertido, sem quanto que aqueles que se
que ela exercitava os múscu- subentendidos psicológicos dis- sentem mal equipados nesse
los cerebrais. Einfuhlung não farçados. É um exemplo activo,
e portanto visível, o que não é a aspecto consideram-se com
estava tão relacionada com a empatia intelectual. Um arquei- um” síndroma de deficiên-
dor mas, antes pelo contrá- ro viaja juntamente com a sua
flecha; esta sua viagem começa cia”, sentindo necessidade de
rio, com o apreço ou mesmo antes que a flecha parta, isto é, a aperfeiçoar através de trei-
com o prazer. O sufixo “pa- no momento em que ele calcula
a distância, a trajectória e o es- no sensitivo.
tia” na palavra empatia in- forço, etc. A partir do momento Nos tempos actuais a psi-
troduziu uma associação sig- em que a flecha é disparada ele coterapia é-nos apresentada de
situa-se no espaço entre a flecha modo teatral através de filmes
nificativamente diferente do e o alvo. A empatia está implí- profissionais, entrevistas televi-
grego “patheos”, doença, so- cita no processo de disparar uma sivas e dramas cinematográfi-
flecha. cos, o que faz acreditar, embora
frimento ou “sofrer com”. Contudo, existem máqui- erradamente, que aquilo que é
Este sufixo, por um lado cli- nas capazes de calcular os fac- mais dramático é mais efectivo.
tores de velocidade, força, dis- A “empatia “ é actualmente um
nicamente conotado, distan- tância, vento e igualmente de suporte popular e quando ela é
cia-se da palavra e da ideia disparar. Isto não é empatia; não vulgarizada adivinha uma forma
passa de capacidade e de perfor- de amparo sinceramente duvido-
de “sym-pathy” e, portanto, mance. É baseado na experiên- so. Como por exemplo, numa
ofereceu aos psicólogos uma cia e no conhecimento que deri- telenovela um adolescente e,
vam da empatia, tal como um previsivelmente, pai, diz à sua
operação um pouco distinta termómetro é baseado na respos- namorada grávida que tem medo
da vulgar simpatia utilizada ta humana subjectiva aos gradi- de fazer um aborto: “sinto-me
entes de quente e frio, mas é empático contigo”; ou o Presi-
pelo comum das pessoas. meramente derivado pois não dente diz na televisão, face a
A partir daí, à medida consegue ajustar-se, inventar ou uma audiência de desemprega-
que a empatia se difundiu na mesmo distinguir entre boa e má dos: “eu sinto a vossa dor”. Du-
cultura popular, transformou-se performance. rante um julgamento de um as-
de um adjectivo num advérbio Quando a atitude se sassino, com cobertura televisi-
empático (tal como compreen- va, um professor de Direito da
são empática) e seguidamente torna uma técnica, a empatia Universidade de Colombia soli-
transformou-se num verbo, em- torna-se um produto de ma- citou à acusação que tentasse
patizar. O credo cartesiano “Pen- “empatizar mais com as víti-
so, logo existo”, que deu lugar a rketing da Psicologia, uma mas”. O que é que tinha em men-
tantas outras transformações na parte do vocabulário corri- te? Empatia com os mortos? E
psicologia e na comédia (“Eu porque não? (é uma coisa a pen-
penso e portanto eu sinto, eu so- queiro, uma espécie de de- sar…). Ou trata-se apenas de
nho, rio, etc.”), originou um con- sempenho do terapeuta. Eles uma confusão com a palavra
ceito psicológico errado, isto é, simpatia?
“eu empatizo, logo sou um tera- “extraíram o processo”. Actualmente os terapeu-

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tas e outros utilizam menos a editor perguntou-lhe em que ru- duas pessoas; a empatia pode
expressão “compreender al- brica achava que esta matéria
guém”. Em vez disso dizem de- devia ser incluída. Rogers pro- ser exercitada a fazer voar
sempenhar “actos empáticos”. pôs uma série de opções: arte, um papagaio. Portanto, en-
Tomemos, por exemplo, Paul literatura, negócios, medicina,
Goodman, um brilhante escritor, etc. e disse apenas meio a brin- quanto que a empatia é um
teórico e patrocinador do “Tea- car “ e que tal teatro?” factor importante e talvez es-
tro da Vida”, um dos autores do É verdade que há mui-
livro “Gestalt Therapy” (Heffer- sencial ao serviço da compre-
line, Perls e Goodman, 1951), tas vezes um grande drama
ensão, não é em si mesma a
escreve que quando como tera- em psicoterapia. Demasiadas
peuta está em presença de um esperança absoluta de se con-
caso de ciúme, ele diz: “eu em- vezes isso é explorado pela
seguir a compreensão.
patizo completamente: eu con- indústria dos mass media.
sigo prever a frase seguinte” A empatia nem sequer
(Stoehn, 1994, p. 200). Este é Isto não serve de desculpa
é difícil de ser conseguida.
um dos exemplos mais benignos àqueles terapeutas que se
em termos de “empatia como Acontece. O problema está na
arte de desempenho”. E é preci- gabam de serem altamente
maneira de a usar bem e sa-
so que seja dito que Goodman “empáticos” e/ou congruen-
merece-nos grande atenção biamente.
como uma das pessoas mais in- tes. Eles têm demasiada ligei- Na minha opinião a em-
teligentes e experientes neste reza ao lidarem com a auto- patia tem sido sobreavaliada, sub
campo, apesar de o representar examinada e descuidada, embo-
de uma forma anticonvencional. proclamação do seu desem- ra entusiasticamente, consegui-
Na verdade, ele não é mais anti- penho. E dado que isto é um da – em resumo, tratada como o
convencional nem mais teatral Santo Graal, como um conheci-
que o seu colega Fritz Perls, cu- estado interno pessoal nós mento abençoado, um “dom”.
jas ideias acabaram por se tor- temos de acreditar neles. Mas Em vez disso ela pode ser uma
nar convenções, excepto no que espécie de expediente, de habi-
diz respeito a um original de além disso, mesmo admitin- lidade, uma capa terapêutica, um
Perls denominado “Teoria da do que seja verdade que eles acto altamente tingido pelo or-
agressão dental” (Stoehn, p. 32). gulho e vaidade. A empatia tem
Nesse contexto e não acidental- tem presente um alto grau de sido considerada simultanea-
mente, Perls estudou direcção empatia, a empatia não é su- mente um meio e um fim; tem
teatral com Berthold Brecht em sido um substituto fácil do ver-
Berlim, onde Brecht escreve na ficiente. A empatia não é uma dadeiro motivo e do verdadeiro
“Three Penny Opera” – “O que teoria da psicoterapia, nem trabalho terapêutico – simpatia
é que mantém um homem vivo? e compreensão.
É que ele alimenta-se dos ou- sequer é uma das “condi- Simpatia é um tipo de
tros” (Brecht, 1934). Não que- ções” propostas pelos roge- compromisso. A empatia não é.
remos com isto sugerir que a in- Será talvez tempo de chamar à
clinação teatral se limite aos cír- rianos. A empatia não requer simpatia “uma maneira de ser
culos da Gestalt Therapy2 . Al- “o contacto entre duas pes- mal apreciada”?
gures no final de 1950, quando Do meu ponto de vista,
Carl Rogers se tornou suficien- soas, uma das quais está an- ela situa-se a um nível mais ele-
temente famoso para ser entre- siosa”, nem sequer requer vado do desenvolvimento moral
vistado pela revista “Time” o que a empatia. De facto, a em-
2
Não se trata de mera conjuntura . o livro de Taylor Stoehr (1994) contém um testemunho explícito de Lores Perls segundo o qual o
grande amor de Fritz Perls era o teatro, e ma minha opinião é evidente que ele nunca o abandonou, mas transportou esse interesse para
a prática da psicoterapia. O mesmo livro apresenta um certo número de comentários acerca dos exercícios de “agressão dental”: “vocês
haviam de o ver em acção comendo vivos os seus pacientes, para perceber o significado de agressão dental”(p. 134)

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patia pode não ter maior estatu- lecção póstuma de comunica- terapia que lhe garantiam
to moral do que o sistema circu- ções no livro “Mind, Self, and
latório. A compreensão é um Society” (Mead, 1934). O De- uma proeminência tal que lhe
esforço de vontade e um serviço partamento de Ciências Sociais proporcionava uma atenção
que a empatia não é; se existe era próspero, tanto intelectual
compreensão “empática” então como interdisciplinarmente. generalizada quando advo-
é a compreensão que promove a Bruno Bettleheim, que morava gava uma ideia nova. Como
cura a partir de dentro. A tarefa algumas portas adiante, ganhou
difícil é a compreensão. nome como mestre da antipatia, o artista historiador Ewa
A empatia sozinha, o que ajudou a definir empatia Kuryluk dizia: “às vezes a
através da demonstração do seu
sem simpatia e, mais ainda, contraste. Heinz Kohut tinha história como que hiberna;
sem compreensão, pode ser acabado de chegar da Áustria e outras vezes corre como uma
“vivia no quarteirão seguinte”
prejudicial! (julgo ter sido uns anos antes de gazela”. Estávamos então no
É importante reconhecer ele ter publicado os seus pensa- tempo da gazela.
a importância da empatia por mentos sobre empatia). Não ti-
O meu interesse especial
tudo aquilo que ela é, mas é tam- nha estudado com Freud direc-
era a Antropologia Cultural, par-
bém importante ter a certeza de tamente, mas viu-o uma vez na
ticularmente a “Sociologia do
que tal atitude, por rígida subs- estação de comboio em Viena,
Conhecimento”. Rogers e a sua
tituição, não desvalorize ou mes- quando Freud partia sob grande
escola de pensamento (acerca da
mo oblitere os valores positivos pressão, levando a sua preciosa
qual eu era bastante céptico)
da simpatia e da compreensão. filha Anne em segurança para
eram oportunidades tentadoras.
Este efeito vai para além da es- Londres, juntamente com parte
Estávamos no período
fera da prática psicológica. Toda da sua biblioteca (que continha
em que formulava e compilava
uma sociedade está actualmen- alguns escritos de Theodore Li-
o seu livro “Terapia Centrada no
te afectada, perdendo lentamen- pps). Além do mais, Martin Bu-
Cliente” (Rogers, 1951), o qual
te o vocabulário e a consciência ber ensinara em Rockefeller
continha uma grande afirmação
da compaixão. E como conse- Chapel uns anos antes. Com
teórica e uma poderosa afirma-
quência, à medida que os con- tudo isto a Universidade era um
ção filosófica. Eu assisti a alguns
ceitos e práticas em psicoterapia local de conjugação das diver-
dos seus cursos e seminários e,
originam esta perda, ajudam a sas estrelas, as quais se evitavam
desta forma, tive o privilégio de
causar as doenças que era supos- umas às outras, fazendo sentir a
vários encontros casuais com
to curarem. sua influência através dos alu-
ele. A sua honestidade, rectidão
Acidentalmente, por co- nos. E eu era um desses alunos.
e decência mereceram-me um tal
incidência de tempo e de inte- Carl Rogers, já nessa grau de respeito que eu consi-
resse tive o privilégio de ser ob-
altura uma figura destacada, derei que seria uma espécie de
servador-participante, uma espé-
traição analisar este material se-
cie de testemunha presencial, no estava a começar um dos seus gundo um enquadramento soci-
desenvolvimento da teoria da
mais produtivos períodos. Ti- ológico, facto que teria feito per-
empatia, quando ela teve lugar
der a substância mais importan-
na Universidade de Chicago, nha uma inteligência aguda, te do seu trabalho.
depois da Segunda Grande
um grande talento para reco- Portanto, o meu interes-
Guerra. Aquela Universidade
se virou-se para questões prévi-
era um ambiente formado por nhecer e juntar entre si idei- as: o que é que nós sabemos,
circunstâncias ímpares. George
as e descobertas resultantes como é que nós sabemos, como
Herbert Mead, que tinha estuda-
é que alguém compreende outra
do na Alemanha com Wilhelm de pesquisas e uma teoria pessoa? No nosso encontro se-
Dilthey, tinha deixado aqui a tra-
absolutamente nova, bem guinte eu dei a Rogers um livro,
dição da sua “interacção social”,
“The Philosophy of the AS-IF”
juntamente com Blumer e outros como uma prática de psico- (Vaihinger, 1924). É uma teoria
que tinham compilado a sua co-

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do conhecimento e do tratamen- 37), onde se viam espectadores ceitos e nas pessoas.
to de ideias como ficções, as que levantavam uma perna e fa- Quando nos voltámos a
quais temos de imaginar como ziam um esforço a par com o encontrar, era Rogers que esta-
sendo reais, de forma a desco- atleta de salto à vara, no momen- va excitado. Apesar de já estar
brir o seu significado. Eu força- to em que este tentava ultrapas- de casaco e chapéu, pronto para
va a ideia de que havia algum sar a barreira colocada acima das partir, fez-me entrar no seu es-
valor nesta teoria e que Rogers suas cabeças. Portanto, nós co- critório, entregou-me o livro de
conseguiria agarrá-la melhor do nhecíamos a empatia como Vaihinger sem comentários e
que eu. Nesse mesmo encontro, “ideia-motor”, ou imitação por disse: “sabe o que é que estive-
falei-lhe noutro livro que eu ti- simpatia, ou qualquer coisa pa- mos a falar há dias? Você tem
nha achado engraçado, escrito recida com isso. Conhecíamos que ler “Eu e Tu”, de Martin
por ou acerca das ideias de um igualmente o trabalho de Titche- Buber, já ouviu falar disso?” –
psicólogo chamado Lipps. Para ner sobre introspecção, mas cer- não, não tinha, mas ele empur-
ilustrar a ideia o escritor, cujo tamente não tínhamos ouvido rou-me porta fora, salvando-me
nome não me consigo lembrar, nada acerca da sua invenção des- ter de confessar a minha igno-
usava o exemplo dos cavalhei- te termo, ou nenhuma das suas rância. O livro tinha saído da
ros vienenses que transportavam descrições sobre empatia. Ter- biblioteca Divinity requisitado
bengalas e chapéus de chuva nos-ia surpreendido. por Russell Becker, um amigo
enrolados quando passeavam À minha maneira, auto- próximo e colega de Rogers,
pelas avenidas. Para quê as ben- absorvido, encarei seriamente a marido da sua secretária. Trata-
galas? Para substituir as caudas ideia das “extensões” e relem- va-se do livro errado. O verda-
que os homens tinham perdido brei certas experiências de con- deiro trabalho de Buber era o li-
quando evoluíram a partir dos dução de automóvel arriscadas vro “Man to Man” (Buber,
macacos – extensões deles pró- na minha juventude. Com os 1933). Três parágrafos desse tra-
prios, das quais tinham necessi- amigos conduzíamos os carros balho foram postos a circular
dade para sentirem as origens. através de passagens estreitas, pela equipa algumas semanas
Nós achamos isto engraçado e onde os guarda-lamas mal cabi- depois (e serão reproduzidos
rimo-nos das necessidades do am entre as paredes, ou as árvo- aqui para ilustrar as diferenças
autor em relacionar a ciência res, ou outros guarda-lamas. significativas entre Rogers e
social com o cientificamente res- Como é que era possível fazer Buber). O que não foi reprodu-
peitado Darwinismo. Mas nesta isso? O nosso corpo e nós pró- zido foi a afirmação de Buber na
discussão havia duas coisas sé- prios como que nos prolongáva- página seguinte à desses pará-
rias. Uma delas era a ideia de mos no corpo do carro, como se grafos, e que continha a sua jo-
extensão de si próprio encontra- o corpo tomasse a dimensão do cosa rejeição da empatia. Falan-
da quer em Valhinger quer em carro, das suas rodas, do guar- do da sua ideia de “inclusivida-
Lipps. A outra era a palavra usa- da-lamas e até do próprio mo- de”, que é a relação entre os se-
da por Lipps, “empatia”. Ela tor. A pessoa e a máquina sendo res humanos e entre estes e Deus
atraiu a nossa atenção como um a mesma coisa. Um arranhão no (cf. recente livro de Karen Ar-
íman, tal como actualmente o faz carro seria um arranhão em si mstrong, A História de Deus,
no campo da Psicologia. Pare- próprio. De facto tem-se uma tal 1994), Buber escreve: “Seria er-
cia-nos uma palavra que conhe- sensação da velocidade do mo- rado identificar o que isto quer
cíamos ou reconhecíamos vaga- tor e da transmissão que a pes- dizer com a palavra familiar mas
mente, ou que estávamos à es- soa sente o momento da sincro- verdadeiramente insignificante,
pera de ouvir. nização de ambos e consegue “empatia”. Empatia significa, se
Era uma palavra que es- meter as mudanças silenciosa- é que significa algo, deslizar
tava no ar, mas aparentemente mente, quase sem usar a embre- com os sentimentos próprios no
nova para mim e julgo que tam- agem. Eu expliquei isto a Ro- interior da dinâmica de um ob-
bém para Rogers. Falámos dis- gers. Ele mostrou-se interessa- jecto; um pilar, um cristal, ou um
so acerca do “couvade” e do do mas um pouco céptico – sen- ramo de árvore, ou mesmo um
bocejo, etc.. Ambos tínhamos do um condutor mais cuidadoso animal ou um homem e tal como
visto fotografias no âmbito da e metódico como poucos – es- ele é reconhecido por dentro
Psicologia Social (Allport, 1923/ tando mais interessado em con- (Buber, 1933, p.97). Mas eu não

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li esta página senão alguns anos fê-lo enlouquecer de raiva e de- percepção. Por vezes usava-se a
depois e Rogers também não. sejar ter uma arma para fazer si próprio como objecto das
Buber estava muito à nossa fren- justiça. experiências, das quais relatou
te, mais próximo do uso origi- Eu fazia um curso com o algumas (Kluver, 1966). Numa
nal do vocábulo empatia e, ao professor Blumer para estudar as tarde, em Nova Orleans, tomou
contrário dos psicólogos, sem ideias de G. H. Mead. Na minha uma droga, “Mescaline”, e foi
necessidade dum ponto de vista mente, era uma teoria grande e dar um passeio. Olhou para uma
“clínico” deste termo. influente que propunha o “assu- varanda de ferro forjado e sen-
Começámos então a fo- mir o papel do outro”. Mas Ro- tiu-se a si próprio – “tornando-
calizar mais regularmente a em- gers detestava particularmente a me naquele ferro forjado. Eu
patia durante os nossos encon- noção de “papel”. assumi a sua forma. Eu era aque-
tros. Rogers andava envolvido Apesar de Mead usar le ferro forjado”.(Kluver, 1966)
na conclusão do seu livro, e Nós, os cinco estudantes,
igualmente ocupado com algum o termo “simpatia”, e nunca ficámos estarrecidos. Estávamos
trabalho clínico difícil. O meu empatia, eu julgava então, e em 1949 e nunca tínhamos ou-
trabalho era coligir mais ideias vido falar de drogas psicadéli-
e mais material para discussão. ainda penso, que ele descre- cas. Mas era isto também empa-
Mais tarde, em 1948, Gardner via desde o princípio, e de tia? Eu contei nesta aula, e tam-
Murphy, autor de um livro de mil bém para Rogers, um incidente
páginas sobre personalidade, forma maravilhosamente as- da minha infância, por volta dos
enviou esse mesmo livro a Ro- tuta, um processo empático 9 ou 10 anos, quando me tornei
gers, o qual me passou esse es- uma folha. Deitado na relva, a
tupendo livro. Nele havia uma em cada fase; que descrevia ler o Feiticeiro de Oz, olhei para
considerável informação acerca a aprendizagem da lingua- cima e vi uma folha encarquilha-
de empatia e simpatia, afirman- da, em forma de barco, flutuan-
do também que era difícil esta- gem e as regras do jogo das do em queda lenta de um ramo
belecer diferenças entre elas relações sociais, em resumo, alto. Da mesma forma que ela
(Murphy, 1942). Neste ponto rolava e se virava no ar, eu tor-
Rogers não estava muito de a totalidade do ser humano. nei-me naquela folha. Eu perce-
acordo. Ele tinha sérias suspei- Eu trouxe ainda material bi porque é que, dada a minha
tas quanto à ideia de simpatia, de um outro seminário, este com forma e peso, eu tinha que cair
basicamente porque achava que um grande biopsicólogo, Hein- com aquele movimento oscila-
tinha um certo “gosto” a “sentir rich Kluver. Tal como Mead, ti- tório. Foi uma experiência físi-
pena de” ou “cuidar de”, ambas nha estudado na Alemanha, mas ca e conceptual, quer dizer, eu
atitudes repreensíveis ou, pelo evidentemente, tinha nascido lá aprendi física e lógica a partir
menos, desrespeitosas, a seu ver. e tinha conhecido Wundt, Ti- desse dado. Quando a folha ater-
Tinha também um certo receio tchener, Wertheimer, Koffka e rou, eu separei-me dela, feliz e
de que um excesso de simpatia muitos outros, incluindo mesmo contente. Isto não me pareceu
pudesse conduzir a uma atitude Lipps. Era um homem de enor- nada de extraordinário. Não
de “indulgência” por parte do me sofisticação e modéstia. De acontece isto com toda a gente?
terapeuta. Acima de tudo queria facto, era bastante tímido. Tal ( penso que sim).
evitar qualquer tendência de “pi- como Kohut. Tal como Rogers. Rogers não gostou des-
edade”, que não considerava ser Relações íntimas e expressivas
bondade mas algo próximo da eram um tremendo esforço. ta história. Admirava Kluver,
tolerância. Falava do efeito re- Contudo, bastante agradáveis mas não aprovava o uso de
sidual da sua viagem à China, para eles. A aula teve lugar no
quando em jovem integrara um seu laboratório de biologia, onde drogas. Tenho a certeza de
grupo missionário, onde viu se- estudava a fenomenologia da que naquela altura ele não
res humanos tratados como ani- percepção, trabalhando sobretu-
mais, como bestas de carga, e do com macacos, com o objec- gostou da ideia alucinação
seres humanos como prisionei- tivo de localizar as zonas neu- auto-induzida (30 anos mais
ros, com o rosto por terra. Isto rológicas e os mecanismos de

46 A Pessoa como Centro


tarde talvez sim). Ele traba- ciologia, foi traduzido pela pri- lho com uma cliente com a qual
meira vez por Albion Small, fun- se sentiu armadilhado dizendo
lhava com dois clientes que dador do departamento de Soci- “tal e qual” o seguinte: “a maio-
tinham experiências alucino- ologia da Universidade de Chi- ria dos insight dela eram mais
cago. O nosso trabalho em Psi- sólidos do que os meus, e isto
génicas. Um deles, o mais fá- cologia poderia ter sido ilumi- destruiu a minha confiança em
cil, vim a “herdá-lo” mais nado muitos anos antes se a Arte mim próprio; cheguei a um pon-
e a Ciência tivessem feito um to que não conseguia separar o
tarde; o outro, por razões que intercâmbio de ideias, já que o meu self do dela. Literalmente
desconheço, causava-lhe um soberbo capítulo de L. Wispe perdi as fronteiras de mim pró-
(Wispe, 1990), acerca da histó- prio. A situação pode ser melhor
tremendo grau de stress. Jul- ria da empatia, refere esta ideia resumida por um dos sonhos
go que isto tem algo a ver com já em 1873, com o trabalho de dela, no qual um gato me estri-
Vischerin, igualmente no domí- pava com as garras, embora não
as reservas (“o tal como se”) nio da estética. o desejasse fazer” (Kincher-
acerca da empatia, e a dife- Nada disto porém fazia baum, 1979, p.192). Ler estas
muito significado para Rogers. páginas mais tarde, depois de
rença entre Rogers e Buber. Pela simples razão de que ele 1980, foi um choque para mim.
Entretanto, noutro sector não dava muita importância nem Eu já conhecia o caso, tendo
da Universidade, a empatia era à História, nem às origens, nem ouvido falar dele através de
um conceito de leitura frequen- às Ciências Sociais em geral. membros mais velhos da equi-
te e discutido pelos alunos re- Preocupava-se sobretudo com a pa. Tendo actualmente encontra-
cém-formados em História da psicologia do indivíduo e com do essa mulher, o mais marcan-
Arte, entre os quais estava a mi- significados contemporâneos, te para mim, foi o facto de que
nha mulher. Um dos livros de alguns dos quais tentava criar. na minha cabeça me tenha sem-
leitura propostos era “Empatia e Ao mesmo tempo, estava sob pre referido a ela como “a mu-
Abstracção” (Worringer, 1948), uma pressão pessoal muito in- lher gato”. Ela tinha saído do
publicado pela primeira vez em tensa. Eu não tinha conhecimen- consultório de Rogers e passou
1908, um ano antes de Titche- to e só o tive alguns anos depois. por mim no hall. Disse que ti-
ner ter introduzido o termo nos Eu nem sequer compreendia nha de voltar a encontrar-se com
Estados Unidos. Os seus concei- esse grande efeito até mais tar- Carl dentro de algumas horas e
tos e linguagem são bastantes de, quando foi publicado na bi- convidou-me para almoçar. Pa-
explícitos e bem estruturados ografia “On becoming Carl Ro- receu-me simultaneamente exi-
neste campo, chegando ao pon- gers” (Kirchenbaum, 1979) gente e autoritária. Não gostei da
to de lidar com empatia negati- (contudo eu sabia o suficiente cara dela. Em tempos terá sido
va e positiva. Contudo, uma vez para evitar ter sido entrevistado certamente bonita, mas agora, na
que se tratava de arte, que é con- por Kirchenbaum, não queren- meia idade, era aparentemente
siderada pela maioria como uma do discutir material que o pró- sedutora e ameaçadora com a
coisa “inanimada”, a ideia de prio Rogers, para minha surpre- uma cara simetricamente magra
empatia não abriu caminho atra- sa, escolheu revelar nesse livro). e olhos azuis, escuros e oblíquos.
vés dos edifícios – mesmo sen- Nele o leitor pode aperceber-se Arranjei uma desculpa
do cerca de cem metros a dis- de um período, algures entre acerca do almoço mas ela se-
tância entre um departamento e 1949 e 1951, em que Rogers ti- guiu-me até à sala de investiga-
o outro. Se nessa altura nós ti- nha medo de enlouquecer e po- ção do primeiro andar e aí con-
véssemos sabido!... O preâmbu- der ser internado e ter alucina- versámos sobre uma investiga-
lo do livro de Worringer descre- ções (o que pode ter a ver com a ção que ela tinha acabado de
ve um encontro ocasional do reacção negativa relativamente completar. Era muito esperta.
autor com Georg Simmel num a Kluver)…em desespero “fu- Era um grande estudo sobre
museu em Berlim, onde falaram giu” numa viagem com a mu- aprendizagem, sobre as condi-
acerca da ideia de empatia. Ge- lher, que durou cerca de dois ções da prática actual compara-
org Simmel! O meu herói! Ve- meses. Kincherbaum, 1969, pp. da com a prática imaginária.
nerado como o Leonardo da So- 191-192). Ele fala do seu traba- Pensei que fosse uma in-

Janeiro – Maio 1998 47


vestigadora colega de Carl, de isso “compreensão empática” “empatia”.
outra Universidade (canadiana, (Rogers, 1951, p.29). Isto, por si
Rogers acrescenta, então,
talvez) e fiz uma nota acerca da só, não é empatia, mas um tipo
à afirmação de Raskin uma qua-
investigação para referência futu- particular de compreensão distin-
lificação de maior interesse dizen-
ra. Enquanto que por um lado ela to de outros tipos de compreen-
do que: “esta experienciação com
estava à procura de uma relação são resultantes de enquadramen-
o cliente...não é em termos de
de amizade, era singularmente tos exteriores, tais como diagnós-
identificação emocional..., mas
possessiva acerca do Centro de ticos, ou julgamentos, ou esclare-
acima de tudo uma identificação
Aconselhamento, o arranjo das cimentos de suposições. Posteri-
empática pela qual o conselheiro
secretárias, as cortinas sujas, etc. ormente o conselheiro deve “co-
se vai apercebendo dos ódios, das
Isto aborreceu-me tanto que mais municar algo da sua compreensão
esperanças e dos medos do clien-
tarde falei com Carl acerca da in- empática ao cliente” (sublinhado
te através de uma imersão num
vestigação, com o objectivo de do autor).
processo empático mas sem que
obter o seu endereço académico, Rogers, de seguida, cita
ele próprio, como conselheiro, ex-
mas simultaneamente queixando- uma passagem de uma afirma-
perimente esses ódios, essas es-
me da sua forma possessiva, e dis- ção prévia, não publicada mas
peranças e medos” (Rogers,
se: “quem diabo pensa ela que é?” actualmente famosa, de Raskin,
1951, p.29).
Ele olhou-me fixamente, nunca acerca de um tipo de compreen-
me irei esquecer do olhar dele. são que representa “a atitude não
Abanou a cabeça, limpou a tam- directiva”. Enquanto, por um
pa da sua famosa garrafa térmica, lado, ele não emprega o termo
enroscou-a e disse-me baixinho “empatia”, a descrição faz pre-
para eu voltar a falar com ele na ver o conceito actual. (por falta
semana seguinte. Dias depois foi- de espaço a totalidade do texto
se embora. Como eu fiquei con- não é reproduzido aqui mas re-
fundido! comenda-se a leitura da p. 29).
Para ter uma ideia acerca Raskin conclui com as
de quem era esta mulher, é possí-
vel fazê-lo lendo o capítulo da bi- seguintes palavras: “porque
ografia de Rogers (Kirchenbaum, ele (conselheiro) é uma outra Empático é ainda absolu-
1979). Ao escrever isto, passados
pessoa e não o cliente, a com- tamente um advérbio de modo ou
45 anos, tenho uma melhor com-
adjectivo e não o supostamente
preensão simpática desta inteli- preensão não é espontânea activo substantivo empatia. Mas
gente mulher, tentando encontrar
mas tem que ser adquirida e a diferença entre “emocional” e
o seu lugar no mundo e obter re-
“empático” não era absolutamen-
conhecimento, tentando estabele- isto através de uma intensa, te clara tal como agora. O que é
cer relações num lugar estranho,
contínua e activa atenção aos absolutamente claro é que Rogers
talvez no período final das suas
punha um distanciamento entre os
visitas, ao mesmo tempo que, pro- sentimentos do outro, com ex- seus sentimentos e experiências e
vavelmente, tinha a sensação de
clusão de outro tipo de aten- os do cliente (mais tarde ele aban-
perder a sua batalha. Podia igual-
donaria totalmente a ideia de qual-
mente ter um sentimento de de- ção”. É importante notar que quer tipo de identificação, quan-
sespero e ansiedade idêntico ao do
tal compreensão é um acto de do cerca de 1956, publicou a pe-
seu terapeuta.
quena frase “como se” (Koch,
O que é que isto tem a ver atenção, um esforço e, de ma- 1959). Eu não sei exactamente
com as ideias de Rogers acerca da
neira nenhuma, uma compre- quando é que ele teve estes pen-
empatia? No livro “Client-Cente-
samentos, dado que ele assumiu
red Therapy”, Rogers faz publi- ensão instantânea, imediata estas revisões de distanciamento
camente as suas primeiras afirma-
ou espontânea que possa ser através de uma publicação escri-
ções sobre empatia. Aí descreve
ta, mas vêem no seguimento da
o acto de assumir “o quadro de associada com a palavra sua experiência com a tal cliente
referências do cliente” e chama a
que o pôs tão perturbado e com a
48 A Pessoa como Centro
qual sentiu a sua própria identi- pessoa presente para toda a so dizer ao outro: Não! Eu estou
dade tão seriamente ameaçada. vida. Houve lugar a uma trans- fora do jogo. Tu és doido”. Buber
Voltando a Buber, abaixo fusão a partir da qual uma sim- descreveu então outras experiên-
se transcreve os três parágrafos ples elaboração de subjectivi- cias durante as quais estava em
que tanto impressionaram Rogers dade não é mais possível ou sofrimento por causa de um ami-
por volta de 1949/50: tolerável para ele” 3 . (Buber, go que morreu na guerra. O senti-
1933, p.196) mento de “imaginar a situação
“Um homem provoca real” não é apenas um meio de
outro, o qual permanece impá- Já foi feita referência ao imaginação óptica mas integra
vido. Vamos assumir agora que tema da “inclusividade” na abor- “inclusivamente o meu corpo”.
o agressor recebe subitamente na dagem de Buber à relação “em- (p.42 a 45)
sua alma o golpe que ele efec- pática”. Em 1957 ele e Rogers ti- Acrescentando algo
tuou, o mesmo tipo de agressão; veram um encontro que foi mais mais, irrelevante para esta com-
e que ele o recebeu enquanto o tarde publicado (Anderson, R. & paração, é a descrição de um
outro continua impávido. Por Cissna, K). Rogers abriu a discus- “trágico acidente” no qual um
um instante, ele experiencia a são perguntando a Buber: “Como jovem procurou o seu conselho.
situação do lado oposto. A rea- é que você teve uma vida tão pro- Buber como estava preocupado
lidade impõe-se perante ele pró- funda... e obteve um tal grau de falou com ele mas não se “en-
prio. O que é que ele poderá fa- compreensão... não sendo um psi- controu” verdadeiramente com
zer? Ou se sobrepõe à voz da coterapeuta?” (risos). Foi na ver- ele. O jovem foi-se embora e
alma ou dar-se-á uma inversão dade uma pergunta irónica da suicidou-se.
do seu impulso. parte de Rogers, ex-aluno da Di-
vinity School que conhece e acei- Para Buber não existe
“Um homem acaricia ta o facto de muitas pessoas não “como se”. Ele não quer isso
uma mulher que se deixa acari- treinadas terem uma aguda sen- pois pressupõe a possibilidade
ciar. Vamos agora assumir que sibilidade, feita ao teólogo que de “dentro de”. Buber está de-
ele sente o contacto pelos dois também sabe e aceita isso. Buber sejoso de ser transformado pelo
lados – com a palma da mão e explica que de facto ele tinha es- outro. É esta a opção da “inclu-
também com a pele da mulher. tudado durante três trimestres em sividade”. As suas tragédias,
A “dupla face” do gesto que tem psiquiatria – “Primeiro em Leip- tristezas, culpabilidades, os seus
lugar entre duas pessoas provo- zig, onde havia alunos de Wundt” medos, ódios e esperanças não
ca uma profunda satisfação a (Wundt outra vez) e depois em são os mesmos de Rogers. Por-
ponto de agitar o coração. Se der Berlim com Mandel e Bleuler. Ele tanto, para Rogers é essencial
ouvidos ao seu coração – e para não tinha intenção de se tornar preservar os clientes, enquanto
não renunciar ao prazer – terá terapeuta. “Era apenas uma cer- que para Buber é essencial dis-
que fazer amor. ta tendência para estar com pes- solvê-los. A partir daqui estes
Eu não quero dizer com soas. E tanto quanto possível mu- dois grandes humanistas do nos-
isto que um homem que tenha dar um pouco do outro, mas tam- so tempo perfilham teorias dife-
este tipo de experiência venha bém deixar-se mudar por ele. Em rentes de compreensão empáti-
a ter a partir daí essa sensação quaisquer circunstâncias eu não ca. Se outra coisa não pode ser
bilateral em todos os encontros opunha resistência. Comecei mui- delineada podemos pelo menos,
semelhantes que lhe aconten- to novo. Sentia que não tinha o a partir disto, concluir que toda
çam – até porque isto poderia direito de mudar os outros se não a teoria da personalidade é au-
talvez destruir o seu instinto. estivesse aberto à possibilidade de tobiográfica. As variações rela-
Mas esta experiência extrema ser mudado por eles tanto quanto tivamente a um tema resultam de
fez com que ele sinta a outra isso fosse legítimo: “eu não pos- experiências pessoais diferentes.

3
Eu sou da opinião de que o leitor estude as palavras de Buber fazendo várias leituras, para imaginar, reflectir e talvez relembrar. Essas
palavras exprimem profundos níveis de pensamento. Rogers desejava aproximar-se desta posição, mas qualquer coisa evitou que tal
acontecesse, pelo menos nos primeiros escritos. Note também que o segundo parágrafo de Buber refere-se em parte à sexualidade. É
estranho que psicólogos tão preocupados simultaneamente som o sexo e a empatia tenham tão pouco a dizer acerca das suas conexões.
A única excepção é em The Talk Book, de Gerald Goodman, o qual se expande sobre o parágrafo de Buber acima referido numa
paráfrase mais prosaica (Goodman, 1988).

Janeiro – Maio 1998 49


Afinal tudo é pessoal. nho a certeza disso. E assim, tal tro-choques. Muitos deles pen-
como em Rogers e Buber, nós te- sam que vão morrer amarrados
Em suma, se eles não co- mos visto essa reacção de falha ou e sem esperança ou perder a
nhecem as experiências particu- desapontamento relativamente a consciência e nunca mais a re-
lares de tragédias, esperanças, teorias próprias que mais tarde cuperar. O paciente que descre-
medos de cada um, não compre- influenciaram profissões e o mun- vo tinha exactamente esses sen-
endem verdadeiramente a base do em geral. Felizmente isto só se timentos. Pensava que eu tinha
ou o significado das teorias da aplica ao tema secundário do ordenado esse tratamento (em-
relação de “self in” de cada um, “como se” e não à teoria geral da bora eu tivesse expressamente
apesar do facto de poderem ter empatia. Infelizmente não existe proibido o seu uso; um médico
(e na verdade tinham) maiores a tal teoria geral. de vigília ordenou o tratamento
semelhanças teóricas do que para controlar os acessos de vi-
aparentam os seus escritos e es- Um caso “brilhante” de olência), e o Mike (era este o
tes mesmos diálogos. empatia nome do cliente/paciente) que-
O tema do “como se” tem- ria matar-me como retaliação.
se revestido de significados dife- Apesar de a empatia fun- Eu não o censurei por isso.
rentes – 1) Como um instrumento cionar mais ou menos como um Por falta de espaço não
de protecção do self (Rogers); 2) sistema constantemente activo, posso alongar-me num grande
Uma interferência à troca de que se encontra por todo o lado relatório. Mike era um ex-ho-
transformações entre os indivídu- no dia-a-dia, os clínicos procuram mem rã da Marinha, muito for-
os (Buber); 3) Um instrumento de manifestações especiais em “ca- te, actualmente carpinteiro e ha-
aprendizagem e avaliação do co- sos clínicos” como se fossem ex- bitualmente com bom feitio. Fa-
nhecimento (Vaihinger). Este as- cepcionais. Aqui está um pouco cilmente impelido para loucas
sunto do “como se” não é central. deste material. Porquê este caso evasões, já tinha estado em dois
É um tema secundário. Ele pode em particular? Porque foi publi- outros hospitais antes dos seus
ser mesmo uma distracção. Estas cado; citado como um extraordi- pais o terem internado (depois
três diferentes interpretações do nário exemplo de empatia; a mai- de lhe terem prometido que era
mesmo fenómeno podem ser vis- or parte dele provado; dramático só uma visita) na horrível insti-
tas como “projecções”. Pois tal ao ponto de obscurecer as suas tuição onde eu dava consultas.
como todas as projecções há sem- deficiências e porque contém uma Ele ouvia os seus pensamentos
pre a questão: “o que faz o ecran?” teoria especial de desintegração saírem do aparelho de televisão,
O ecran, neste caso, tem que ser a psicológica no estado o seu cérebro era transparente e
essência da empatia. Pode ser mis- psicótico.(Shlien, in Burton, 1961) era objecto de experiências do
terioso mas não é um mistério, - Quando Rogers o leu pela segun- FBI, ele enraivecia-se, destruía,
até agora desconhecido mas não da vez, alguns anos depois da sua implorava, negava, era habilido-
desconhecível. Observando a his- experiência no Projecto de Esqui- so e ameaçador. Muitas vezes,
tória desde longe ela sugere-nos zofrenia de Wisconsin, chamou a durante as entrevistas, havia
que não é o fenómeno que se re- esta teoria “um trabalho de génio”. guardas do lado de fora do meu
duz perante uma observação pró- E é, uma vez que foi adaptada di- consultório, postos lá pelo Di-
xima mas somos nós próprios. rectamente dos escritos de um gé- rector do hospital (que também
Finalmente vale a pena nio reconhecido, Jean Paul Sartre, era meu cliente). Eu e o Mike
referir que quando Rogers passou no seu estudo sobre a mentira, a vivemos um autêntico inferno,
a envolver-se mais com grandes auto-decepção e a consequente ele no inferno dele e eu no meu,
grupos de “Terapia Centrada”, por perda do self. (Sartre, 1956) com os meus próprios receios, e
volta de 1970, e deixou de sentir Durante meses de exte- ambos estes infernos se interli-
uma tão grande responsabilidade nuante terapia eu aprendi mui- gavam. Eventualmente houve
pessoal pelos clientes individuais tas coisas que têm a ver com a um tempo em que ele compre-
e uma necessidade para tal distan- experiência da empatia – o chei- endeu um pouco mais acerca da
ciamento, comovia-se, por vezes, ro do medo, por exemplo. Esse sua vida e adquiriu maior con-
a tal ponto que, como dizia: “Cho- cheiro é poderoso, intenso e fre- trole, o que lhe permitiu alguma
rava rios de lágrimas”. Não “como quente nos pacientes que são liberdade e assim pudemos en-
se” mas verdadeiras lágrimas, te- sujeitos a tratamentos com elec- contrar-mo-nos na relva, a sós e

50 A Pessoa como Centro


em segurança. Durante o nosso último ambivalência que caracteriza a
A certa altura, num dos encontro na relva, Mike disse: maioria das nossas vidas. Ele
“Doutor, ontem fui à igreja e re- sabe que eu vi a oferta dele, que
últimos encontros, ele começou zei para que isto não volte a eu queria e não queria, e qual a
a soluçar baixinho, dizendo: acontecer. Rezei também uma razão, o que eu percebi, ele
oração por si, para que me pos- percebeu...nós percebemos,
“Eles falam de amor e afeição. sa ajudar e para que se sinta sem- numa série de consequências
Eu sei o que isso é. A única coi- pre bem”. Claro que fiquei emo- “oscilando entre nós”, para cada
cionado tal como ele, mas ma- um de nós em particular e para
sa boa que alguma vez tive (o nifestamos o nosso apreço mú- ambos em geral.
seu envolvimento com uma ra- tuo. Aí, eu disse: “Parece-me Qual é o significado dis-
que estás a querer despedir-te, to para nós?
pariga) foi afastada de mim, foi Mike, e que nos vamos separar Significa publicamente
quebrado”. Ele assuou o nariz sentindo-nos bem um com o ou- uma confirmação e internamen-
tro”: te uma auto-afirmação. Estas
e deixou cair o lenço; e quan- “reverberações” de regresso (ou
Sem isto teria havido
do o apanhou, olhou para mim. progresso) infinito confirmam a
apenas empatia e não com- Mike que ele tem capacidade de
Eu tinha os olhos molhados de conhecer, que ele conhece, que
preensão empática.
lágrimas. Primeiro ofereceu- ele pode ser reconhecido e com-
Era verdade, explicou
preendido, e de uma forma recí-
me o lenço, mas reprimiu o ele; tinha absolutamente que sair
proca.
dali, e não ia poder voltar e ver-
gesto, porque sabia que tinha (O acto de conhecimen-
me na universidade, onde ele
to?) Para Mike a aquisição do
limpado o nariz e sentia na vivia. “...uma pessoa tinha que
conhecimento significa sanida-
ser estúpido para ir ao psiquia-
mão o lenço molhado. Ambos de mental, e nada menos que
tra”. Foi mandado embora antes
isso. Para mim, sugere-me que,
sabíamos isto, e cada um sa- que eu pudesse voltar a vê-lo.
enquanto por um lado a “tendên-
O que há aqui de signifi-
bia que o outro sabia; ambos cia ao crescimento” (tendência
cativo em termos de empatia, foi
actualizante) é uma ideia mara-
compreendíamos o sentimento uma empatia interactiva relaci-
vilhosa e muito espirituosa, isto
onal. O resto... esticar o fio, fa-
e o significado do lenço, a hu- é bastante mais elementar; por-
zer subir o papagaio no ar, o sig-
que o animal vive para crescer,
midade, a textura, a simpatia nificado artístico... são coisas
mas a pessoa relacionalmente
simplesmente básicas. O que
da oferta e o embaraço da re- estruturada vive para conhecer.
podem ver, neste episódio pas-
O acto de conhecimento confir-
cusa do lenço, e nós reconhe- sado na relva do hospital, é uma
ma o ser, a existência, a huma-
série de “reverberações” mútu-
cemo-nos um ao outro e o jogo nidade, ou para o indivíduo in-
as, recíprocas e complexas. Não
sano, confirma o estabelecimen-
da inter-relação do significa- precisava de ter acontecido sem
to da sanidade mental. Mas o
palavras, mas foi, e acontece a
do de cada um em relação ao conhecimento exige um certo
uma velocidade para além da
grau de confirmação através da
outro. Não são as lágrimas, capacidade da fala. Eu conheço
comunicação.
a sinceridade dele, o seu medo,
mas o intenso conhecimento da Na empatia silenciosa,
a sua desesperada esperança, o
estas “reverberações” oscilantes
experiência dual que repôs a seu reconhecimento dos meus
não só ocupam uma grande par-
cuidados para com ele, e ao mes-
consciência do self. (e não pro- te da consciência, mas criam-nos
mo tempo sei que ele se preocu-
algumas dificuldades, e também
nunciámos uma só palavra du- pa comigo. Há qualquer coisa
nos custam imensa energia no
encantadora neste gesto com o
rante este episódio) (Shlien, in armazenamento destas compre-
lenço molhado e ao mesmo tem-
ensões instáveis e não confirma-
Burton, 1961, 316). po desajeitada. Tem, afinal, a
das. É quase como viver com

Janeiro – Maio 1998 51


meias verdades; é difícil fazer é bastante conhecida, sobretudo metáforas e mitos. Elas são espe-
uso destes sinais instáveis, in- pelo fenómeno de contracção cialmente destruidoras para as
confirmados e absolutamente quando exposta à luz; é uma ca- nossas realidades psicológicas
mudos. E além do mais o orgão racterística laboratorialmente menos óbvias, tais como a empa-
de empatia não é assim tão fa- favorita por ser rapidamente tia. Nós costumamos dizer que
miliar, não é palpável ou distin- condicionável. Só apenas há al- uma pessoa “fala com o coração”
to. Torna-se necessário o conjun- gumas décadas atrás, Eckhard se ela é sincera, “decide com o
to do corpo e espírito como um Hess (Hess, 1975) e os seus co- coração” se parece romântica. Na
todo, e isto é muitas vezes im- legas demonstraram com irrefu- realidade, o coração não fala;
possível de descrever por pala- tável evidência o que esses ma- quanto muito informa, pelos seus
vras. Isto não quer dizer ausên- treiros negociantes de jóias ti- batimentos, palpitações, etc., em
cia de pensamento. Pelo contrá- nham verificado. A pupila dila- resposta a alguma experiência.
rio! É verdade que a empatia é ta-se quando alguém vê algo que Um amigo meu fez um transplan-
mais sensorial do que perceptu- lhe é interessante, atractivo, ape- te cardíaco com implantação de
al, o que significa que requer tecível, amoroso, tal como acon- um pace maker. Enquanto sobre-
ainda mais um esforço extraor- tece com a mãe quando vê o seu viveu ele expressou os mesmos
dinário do “processo conjunti- filho, ou como quando um ho- valores e convicções, com uma
vo” para os seres humanos que mem vê uma mulher bonita. sinceridade igual à anterior. Onde
querem examinar e perceber a Ainda mais relevante, neste úl- é que estava o “coração dele”? Há
sua experiência em vez de sim- timo caso, quando as pupilas muito tempo que tinha ido para o
plesmente vivê-la. dela estão dilatadas, o seu rosto caixote do lixo do hospital. Mas
A empatia funciona parece mais macio, mais bonito esse era apenas o seu coração
e acima de tudo as pupilas dele muscular e sanguíneo, não o seu
com dados, tais como cheiro, dilatar-se-ão ainda mais. Nin- “verdadeiro” coração. Podería-
visão, som; o cheiro do medo, guém se apercebe disto (a me- mos dizer que ele falava com a sua
nos que sejam treinados para “bomba”? Não parece que fosse
a visão de lágrimas, do rubor, observar). Isto acontece simples- isso, e isto é uma expressão mui-
e do esgar; o som de cadênci- mente. É involuntário. É um to menos poética. Existe um “or-
exemplo poucas vezes reconhe- gão psicológico” a que nós cha-
as, tons, formas de respirar, cido da aplicação prática dos mamos “coração”. Ele tem uma
suspiros. aspectos teóricos da empatia. Tal memória de experiências tipo co-
como acontece com a tensão ar- ração, com uma autonomia fun-
Poderemos dizer que a
terial, o ritmo cardíaco ou a ovu- cional e que é equivalente funcio-
empatia funciona a níveis primi-
lação, existem indivíduos que nal do dito orgão muscular. É nes-
tivos, tais como celular, glandu-
conseguem aperceber-se da re- te sentido que a empatia é um or-
lar, olfactivo, químico, electro-
acção das pupilas e mesmo con- gão tal, como uma forma de inte-
magnético, autonómico, postu-
trolá-la, mas para a maioria isto ligência. Se é um orgão relacio-
ral, gestual... muito mais do que
é um acto inconsciente. Porque nado com a inteligência, é um or-
a nível da linguagem. Se estas
as interacções das nossas pupi- gão que funciona como uma agên-
formas lhes parecem muito ul-
las provêem de uma origem não cia de informação de inteligência.
trapassadas, consideremos, por
reconhecida; há quem imagine Porquê esta característica? É tal-
exemplo, a pupila dos olhos.
que isso resulta de “intuição”, o vez uma parte do terapeuta ou de
Durante muito tempo teve um
que não passa de uma explica- outros seres humanos especializa-
estatuto de menor observação do
ção simplista e igualmente fal- da “na busca de experiências”, da
que o acto de suar ou o movi-
sa. O que é facto é que a infor- mesma maneira que outras espé-
mento das narinas. Mas, de acor-
mação é absolutamente clara e cies ou modelos artificiais têm sis-
do com a psicologia popular, os
directa, reproduzível e facilmen- temas que procuram a luz ou o
negociantes de jóias costuma-
te visível (especialmente nos calor. Empatia é como um siste-
vam olhar para os olhos dos
olhos azuis). ma de orientação; é como se con-
compradores em busca de sinais
As ideias sobre “intuição” duzisse uma pessoa até ao aero-
de interesse particular. Segundo
confundem e desorientam, assim porto, mas não assume decisões
a psicologia científica, a pupila
como outras propostas tais como sobre o que fazer depois de lá che-

52 A Pessoa como Centro


gar. Nós podemos ter dúvidas Praticado pelos bandos de pás- patia for desenvolvida irá su-
acerca de outros “ingredientes” saros, pelos enxames de
subtis, ou modalidades, e isto ape- abelhas...até os doutorados re- portar a restauração da “pes-
sar das evidências de fenómenos, centes o praticam. soa como um todo” – uma
tais como o da pupila do olho. Será Quando os animais do-
uma questão de electromagnetis- mésticos o põem em prática os ideia há muito tempo submer-
mo? Parece-nos impossível, ape- seres humanos classificam-nos sa por disputas mal informa-
sar de que altera a química das de “espertos”. Quando os seres
nossas células e do corpo. Expe- humanos a praticam consideram das entre corpo e espírito.
rimente em si mesmo um cristal isso elementar, “vindo do cora-
de rádio numa frequência de am- ção”, espécie de “reacção inter-
plitude moderada, assumindo na”, como uma graça salvadora
você o papel de antena. Isso dará para contrariar a suspeita “super Bibliografia

lugar a ligeiras alterações na am- intelectualização” do psicólogo. Allport, F. (1937): Social Psychology. Boston:
Houghton-Mifflin.
plitude do seu corpo. Você pode- Esta atractiva classificação Anderson, R. & Cissna, K. N.: The Marin
rá ouvir música ou vozes se usar de “inteligência do corpo” é uni- Buber – Carl Rogers Dialogue: A New
Transcript, with Commentary. Albany:
auscultadores de baixa frequência. lateral e pouco feliz. A empatia State University of New York Press.
Armstrong, K. (1993): A History of God. New
Se mudar a posição ou a tempera- não deve ser a negação do cére- York: Ballentine Books.
tura do corpo a recepção alterar- bro. Algumas das nossas ideias Blakeslee, S. (1966): Complex and Hidden
Brain in the Gut Makes Cramps,
se-á. modernas mais avançadas podem Butterflies and Valium. In The New York
Times, p.B5, B10.
Outros efeitos tais como ser o resultado da empatia. As “ex- Brecht, B. & Weill, K. (1934): Three Penny
este aguardam a oportunidade de periências de pensamento” de Opera. “Ballad of Mack the Knife”. New
York: Columbia Masterworks, Library of
serem descobertos ou revelados Einstein mostram o lançamento Congress.
Buber, M. (1933): Between Man and Man.
(tal como o fenómeno das pupi- imaginário de um objecto para o London: Kegan Paul.
las). E enquanto que alguns po- espaço acompanhado por este gé- Goodman, G. (1988): The Talk Book. New
York: Rodale Press.
derão ser falsas pistas, outros nio (tal como o arqueiro lança a Hess, E. H. (1975): The Tell-Tale Eye. New
York: Van Nostrand Reinhold.
mesmo demasiado efémeros flecha?) e após o seu regresso à Kirschenbaum, H. (1979): On Becoming Carl
para merecer um estudo, algu- Terra tem lugar uma nova com- Rogers. Dell Publishing Co.
Kirschenbaum, H. & Henderson, V. (1989):
mas capacidades até agora es- preensão do tempo e do espaço. The Carl Rogers Dialogues. Houghton-
Mifflin.
condidas virão à superfície. Será que este exercício de Kluver, H. (1966): Mescal and Mechanisms of
Embora subtis, elas são, contu- empatia promove a supremacia do Hallucinations. University of Chicago
Press.
do, mais substanciais que algu- cérebro sobre o corpo? Imparci- Koch, S. (1959): Psychology: A Study of
Science, Vol. III. New York: McGraw-Hill.
mas noções do mundo físico nas almente não pode favorecer ne- Mead, G. (1939). Mind, Self and Society. C.
quais nós pomos uma conside- nhum deles porque nós sabemos Morris: University of Chicago Press.
Murphy, G. (1947): Personality: A Biosocial
rável confiança. O electrão é agora que eles são um só. É re- Approach. New York: Harper and Bros.
Perls, F., Hefferline, R.F. & Goodman, P.
apenas uma teoria, mas ele fun- centemente do conhecimento pú- (1951): Gestalt Therapy. New York:
ciona tão bem, que deste modo blico que uma parte do tubo neu- Julian Press.
Rogers, C. (1942): Counselling and
explica quase tudo o que existe ral que se forma no feto é compri- Psychotherapy. Boston: Houghton-
Mifflin.
na vida real (mas não tudo). mida até à cavidade inferior, cri- Rogers, C. (1951): Client-Centered Therapy.
A empatia, por outro ando o “sistema nervoso entérico” Boston: Houghton-Mifflin.
Sartre, J.P. (1956): Self-Deception and
lado, não é tanto uma teoria; não (Blakeslee, 1986, p.35). O cére- Falsehood, in Kauffman: Existensialism
of Dostoevsky. New York: Meridian
explica solidamente o que quer bro não está apenas encerrado na Books.
que seja, não nos diz nada dos caixa craniana, uma parte dele, li- Shlien, J. (1961): A Client- Centered
Approach to Schizophrenia: First
“mecanismos”, mas é uma actu- gado através do nervo vagus, en- Approximation, in Burton, A ., The
Psychotherapy of Psychoses. New York:
alidade experiencial para muitas contra-se actualmente no tecido Basic Books.
pessoas e geralmente considera- abdominal. Os estudos biológicos Stoehr, T. (1994): Here, Now, Next: The
Origins Of Gestalt Therapy. San
da um facto assumido. Esse dão conta dos mesmos neurónios Francisco: Jossey Bass.
Vaihinger, R. (1924): The Philosophy of the
“facto” foi descoberto e bapti- e transmissões em cada uma das “AS-IF”. London: Rutledge Kegan Paul.
zado tão recentemente que pa- partes, ambos formados pela cú- Wispe, L. (1994): History of the Concept of
Empathy, in Eisenberg and J. Strayer:
rece inovador e está na moda. pula neural primitiva. Empathy and its Development.
Cambridge University Press.
Sem dúvida é um facto primiti- Quando a teoria da em- Worringer, W. (1908): Abstraktion and
vo extraordinariamente antigo. Empathy. New York: International
University Press.

Janeiro – Maio 1998 53

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