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V517VERlTAS Vol.
1, n.1 (nov. 1955)
I Porto Alegre: PUC, 195
'220m
5
Trimestral
NA1DA.ELLCR§
REVISTA TRIMESTRAL DE FILOSOFIA E CIENCIAS-.H.UMA
PMCZr—flt}. !
SUMARIO BIBLIL'DTEC A
CEi'1 Flint.
as ..é. Lilia.
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Apresentagao ..........................
33 3,! 3: 33 $3333 33333.,3835323‘3 3.1 3: 33 33: 333.. .3 1‘ {333333 33%;)” 3E 33 3E3 3333 31:33 33.333333 33333 E 3.5% 13.333333333333333.
APRESENTAQIXO
Arcari.
' Dulcemara Guazzelli Gonzaga; Maria Alice Canzi; Terezinha Venturin e Liana
maio
uma palestra realizada pelo autor em
A motivacao inicial deste artigo fol principais cate go-
al tedrico de Bourdieu e suas
de 1995 com o titulo de "0 referenci e a atua lidad e de al-
vista a Oportunidade
rias de analise", na PUCRS. Tendo em em
algu ns problemas comumente presentes
guns temas conexos, especialmente acao , nas cond i-
desta abordagem e sua utiliz
esforcos da aprendizagem e dominio Brasil e nas qua is ocor rem
lares encontradas no
cees culturais, institucionais e esco
tica e inclui-los.
estes esforcos, resolveu-se ampliar a temé
____'_’_———-
ceriam ser abordados, come, por
problemas relevantes que mere
Ha ainda uma série de outros do esquema analitico de
cées (ou nae) de compatibilizacao
exemplo, o das possibilidades e condi decor rentes das diferencas nos refer-
ou entéo, os proble mas
Bourdieu com outros disponiveis; ma, Comp arativarnente as con-
das formulacoes daquele esque
enciais empiricos que estéo na base nivel, nos restringimos. neste
em vista 0 espaco dispo
dicoes encontradas no Brasil. Porém, tendo do esquema analitico de Bourdieu em
texto. aos problemascomumente encontrados na utilizacao
nosso meio.
S.
“ Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRG
‘ v.41 l n9 162 Junho 1996 l p. 207-220
VVERITAS Porto Alegre
a x t Midst: rl£t $35 TEQEQGESQ m Ed
1 — A concepcao de "ciéncia do mundo social" de Bourdieu
e as origens de alguns problemas em sua utilizacao
sasfiffis
"sentimentos", valores, preferéncias tematicas, etc. Esta objetivacao abarca o socio-
logo como "ser social" 9 as préprias condicoes de existéncia da sociologia e, por-
tanto, o conjunto de determinacoes sociais por ele interiorizadas; em segundo lu-
gar, as condicoes culturais e institucionais e 0s principios de classificacao e legiti-
macao subjacentes e que estao na base das possibilidades de existéncia das c1en-
cias sociais. Para tanto, "o sociologo encontra armas contra os determinismos so-
ciais na propria ciéncia". particularmente na "sociologia da sociologia" (Bourdieil.
1982b: 9). Entretanto, esta "sociologia dos determinantes sociais da pratica sociolo~
gica", ou seja, a explicitacao 9 controle de tudo aquilo que pode nao ser "raciona-
lismo aplicado", nao se constitui em algo facil e generalizavel. Iss0 porque, além da
mencionada autonomla das ciéncias sociais e da iormacao escolar e conseqiiente
"capital cientifico" necessarios, esta ”objetivacéo“ pressupoe também que as cien-
cias sociais nao sejam utilizadas contra outros, nem como instrumento de defesa,
”mas como arma contra si mesmo. Mas ao mesmo tempo, para ser capaz de utili—
zar a sociologia até o fim, sem se proteger demasiadamente, é necessario [...] estar
numa posicao social tal que a objetivacéo néo seja insuportavel” (Bourdieu, 1987:
38). .
Em quarto lugar, esta concepcao de ciéncias sociais pressupoe uma distincao
rigorosa entre a "razao" e 0 "sentidc pratico" e por outro lado, a "16gica tactica“
(esta, um “privilégio” do analista que, numa posicao ”externa", suspende sua “ade-
séo primordial" e ontologica ao mundo social). Por sua vez, a "iogica pratica" supoe
sempre uma "economia das praticas" e um ”sentido prético” na relacao com o mun-
do social, ou seja, uma "sooio-logica", cuja confusao com a "ldgica tecrioa" resulta
no "intelectualismo" (projecao da posicao do "intelectua1") (Bourdieu,
1980: passim)
Uma das principais decorréncias disso para o cientista social é que
esta "légica teo-
rica" requer uma forma de pensamento que pressupoe "uma
reconversao de toda a
visao ordinaria do mundo social que se Vincula unicamente as coisas
visiveis" e
"implica uma ruptura radical com a filosofia da histéria que
esta inscrita no uso or-
dinario ou semi-culto da linguagem [...] ou nos habito
s de pensamento assoclados
as polémicas da politics”... (Bourdieu, 1982b
: 32).
Mas esta distincao entre a "razao pratica“ e a "razao tedrica
" tem muitas outras
decorréncias, tanto em termos conceituais como
metodologicos. Ocorre que, nesta
perspectiva, nao é o estatuto epistemolégico que
diferencia as ciéncias sociais das
ciéncias da natureza, mas o fato de que diferenteme
nte destas, o objeto das cién—
cias sociais sac “sujeitos classificantes". Cons
eqiientemente, é necessario "romper
com a ambicao, que é a das mitologias, de funda
r na razao as divisoes arbitrarias
da ordem social e em primeiro lugar a divisa
o social do trabalho e dar assim uma
solucao légica cu cosmolégica a0 problema da
classificacao dos homens", a qua] "a
sociologia deve tomar como objeto, em vez de se
deixar tomar por ela", pois a “luta
pelo monopélio da representacao legitima do mund
o social" e a "luta de classifica-
coes” é "uma dimensao" de qualquer luta (de classe
s, de idade, sexuais, etc.) (Bour-
dieu, 1982b: 14). Em sintese, as ciéncias sociais devem
renunciar a pretensao de
ser 0 arbitro das classificaQOes sociais (por example,
"0 conceito de classe“, de "Es-
tado", etc.) a tomar a légica das prdprias ClassificaQOe
s e suas condic6es de objeti—
vacao social como objeto, com base numa posicao "externa". Porém,
nao se trata
apenas dos principios de classificacao e legitimacao, mas também
de sua objetiva-
Rial?
to. A estas dificuldades se
tativas de sua utilizacao sem o dominio de seu conjun
conceitos e premissas,
acrescem ainda as diferencas de niveis de abstragao destes
e. Por exemplo, nao tern
em termos de graus de generalizacao e de especifioidad
suas vinculacoes com 0 de
sentido o conceito de “capital", sem se ter presentes
, com formacao de “clas—
"estrutura de capital"; por sua vez, com "posicao social“
s de domin acao", com "legitima-
ses", com ”principios de classificacao“, com "forma
illusio e assim por diante. Mas
cao”, com "estratégias de reproducao social“, com
relaco es légica s que os hierarquiza
isso nao basta, se nao se tiver presentes as
conforme os respectivos niveis de abstracao.
como qualquer proposta, suscita
Evidentemente, urn tipo de proposta assim,
s de origem, seja no interior da pro-
oposicoes ou ambivaléncias inclusive nos parse
as, como a ciéncia politics, até por-
pria sociologia ou entao, de disciplines conex
dolég icos, como destacou Caro (1980:
que, além dos confrontos conceituais e meto
a "em presence de uma objetivacao de
1171), este tipo de abordagem nos coloc
reticéncias“, na medida em que "contradiz
nosso ser social que suscita numerosas
isso ”pode set vista como uma verdadeira
as representacoes pre-existentes“ e por re-
es de defesa", podendo levar “a oposicao
agressao intelectual" que ”suscita reaco e cri-
Dito de outro modo, muitas oposioées
soluta" ou uma "compreensao seletiva".
os requerimentos deste tipo de sociologia
ticas tem como fundamento muito mais pro-
das Ciéncias sociais, que propriamente
quanto a posture e a concepcao e usos cau—
forms as melhores "intencées" e “boas
blemas de metodologia, visto que trans u-
l. Ou seja, alem dos problemas de instr
sas" em estratégias de dominacao socia ha tam-
ou urna "dificuldade do intelecto“,
mentalizacao conceitual e metodolégica
ds” (Bourdieu, 1984: 51).
bém 0 problems da "dificuldade da vonta
ida como “urn mecanismo de censura e su-
Mas se a sociologia pode ser defin
olado pelos pares (Bourdieu, 1991: 375).
blimacao“ mutuamente legitimado e contr con-
tura académica e escolar que crie as
isso pressupoe a emsténcia de uma estru de estra tégia s
que possibilite o surgimento
dicées para sua existéncia de fato, para éncia de um
do. Em tais condicoes de exist
académicas e profissionais neste senti esta
insti tucional, o ethos correspondente a
campo cientifico e de uma estrutura ciénc ias socia is,
nao é uma exclusividade das
"sublimacao" racionalista e ascetica Bour dieu da estru -
. As preprias analises de
sendo constitutivo da prépria academia expl icita r 0 con-
consistem num esforgo para
tura da academia e do campo escolar e as
legit imacao e hierarquizacao em confronto
junto de principios de Classificacao, icao é aque le que
o eixo basico de opos
estrategias decorrentes do mesmo. Mas estri tame nte esco lar
léncia e hierarquizacao
tern um p010 no racionalismo, na exce dente s; e por outro
Orias sociais correspon
e no ethos, estilo de Vida ascético e trajet
o e mais "mun dano", vinculado mais diretamente ao
lado, o pdlo menos académio
ral) e portanto menos racionalista 9 es-
campo do poder (economico, politioo, cultu
colar.
nas divisoes e oposicoes entre os
Estes mesmos principios estao presentes
ipalmente o confronto entre, por um
préprios cursos e areas de conhecimento. princ
de produtos das ciéncias (medicine,
lado, os cursos visando a aplicacao "pratica"
outro lado, os voltados para a in—
direito, etc.) ou entao as "escolas de poder” e por
s de hierarquizacéo
vestigacao cientifica, com principios de legitimacao e criterio
& Saint Martin, 1987).
distintos e proprios (Bourdieu, 1979, 1982, 1989 e Bourdieu
Para o que esta em pauta, cabe destacar que as ciéncias sociais encentramse erlll-
tre estes ultimos, cuja legitimacéo nao esta baseada em suas aplicacoes "praticas .
nem come recurso para estratégias de acumulaeae de poder. Uma das consequen-
cias disso é que, deixande—se de lado 0s trabalhes de Bourdieu sobre a Argelia,~a
maier parte daqueles sobre a Franca e em especial es que tomam a educaeao
come objeto, tern na objetivacéo socielegica da ideologia meritocratica e, inclusn/e.
a utilizacao das ciéncias sociais para fundamentar "sociedice’ias", um de seus prin-
cipals objetivos. Ora, nos encontramos numa situacae cultural e eseelar erri que~0
meritecratismo nunca chegou a emergir come principie estruturante e tambem nao
se trata de algo semelhante as cendicoes da Argélia. Desse mode, mais que cen-
ceitos, come 03 de "capital escolar", "cientifico", etc., é o conceite de “capital so-
cial" (Bourdieu, 1980) e e mais pertinente para a maior parte das situacées eneon-
tradas. Pore’m, nem sempre é fécil a compatibilizaeao deste tipo de conceito e seus
fundamentos epistemolégicos com eutros esquemas analiticos forjados especial—
mente para a analise de situaeoes sociais nao "modernas e ocidentais" (Coradini,
1995).
A primeira vista, tude poderia ser reduzido a uma questao de grau. Entretan-
to, na medida em que es esquemas analiticos nao pedem ser tomades
de med-O
parcializado, em situacees come as do Brasil, séo as preprias condieces
de pOSSlbl-
lidade e a "legica" escolar que entram em pauta. Estas condico
es e "legica", que
tornam a apreensao e utilizacao de esquemas analiticos come 0 de Bourdie
u muito
dificeis, decorrem de determinantes de diferentes niveis,
alguns dos quais devem
ser mencionades, pelas conseqfiéncias que tém. Em prime
iro lugar, a inexisténcia
(com excecao de algumas "ilhas", em alguns centre
s) de um campo escolar e aca-
démico que possa propiciar o surgimento e estru
turaeao de um ethos e das respec-
tivas regras calcadas em principles de legiti
macao "racionalistas". Iss0 por uma sé-
rie de razoes culturais e institucionais que nao
podem ser detalhadas aqui, mas
que estao diretamente vinculadas a fermaeao
e estruturacéo do ensino superior no
Brasil. Em segundo lugar, algo vinculado a0 ante
rior, ou seja, a néo-conformacao
de pelo menos um segmento escolar signi
ficative predisposto e em condicées so—
ciais e culturais para encarar e elab
orar estratégias de investimentos para
velvimento deste tipo de sociolog o desen-
ia, ou seja, sem preocupacoes
apostande tudo nas possibilidades do "praticas". mas
"racionalisrno aplicado". Além da pou
ca atta-
tividade desta 0139510 propiciada pelas prepn'as condicees
cial e profissional e seus efeit sociai s de realiza gae so-
os nas opcoes pela area, 0 principa
l determinante dis-
dais: aaéfissass i
sofias sociais, em estratégias politico-ideolégicas, como conformacao de identida-
des sociais, corno estratégia de ”ilustracao" e consagracao social, etc). 1nclus1ve
porque os critérios de sua legitimacao sac desta ordem. Sendo assim, uma das es—
tratégias possiveis é a adocéo de referenciais teoricos que prescindam ou passem
ac largo deste tipo de problema, buscando a legitimacao do objeto de estudo atra-
vés de sua suposta relevancia social, no que algumas disciplinas, particularmente a
ciéncia politica (para nao falar da economia) tern grandes vantagens, devido a cha-
mada "demanda social” por seus produtos. . _
Mas na medida em que o referencial de Bourdieu passou a ter uma Inalor 1991-
timidade, aumentaram também o interesse e as tentativas de sua utilizacao a, con-
seqiientemente, as dificuldades e malentendidos. Numa primeira fase, a pr1n01pa1
"critica" que lhe era apresentada se centrava na suposta énfase na "reproducao ‘SQ'
cial", o que vai de encontro a busca de referenciais calcados em filosofias somats
que valorizarn a "transformacao". Ou seja, mais que um problema analitico, estava
em pauta uma demanda por "utopias", por definicao, excluidas do referencial de
Bourdieu. Nesta linha, inclusive apresentadores consagrados chegaram a destacar
esta énfase na "reproducéo" e portanto, num "certo pessimismo politico 9 social”.
como um limite do referencial, como é o caso, por exemplo, de Ortiz (1983: 29).
Posteriormente, a tendéncia passou a ser as tentativas no sentido de sua utili-
zacao parcializada. E neste ponto que atualrnente se encontram os maiores proble-
mas e dificuldades. Uma das mais gerais destas dificuldades é a da exigéncia por
parte do esquema analltico de Bourdieu de qualquer filosofia social enquanto pre-
missa e de relacao ”pratica” com o objeto e, por extensao, com o conseqiiente
prescretivismo, normativismo ou mesmo, profetismo. Na medida em que isso su-
poe uma ruptura ou suspensao da relacéo ontolégica com o mundo social, sua
apreensao e utilizacao nao pode ser parcial, pelo fato de que se trata de perspecti-
vas excludentes e, sendo assim, nao é possivel se romper corn as doxas
e illusio
dos Iespectivos "campos" e muito memos, da "cultura erudita”, sern esta
ruptura an-
terior. Isso requer uma posicéo de "extern'alidade", que
por sua vez supde um d0-
minio completo das bases epistemolégicas do referencial. Requer
, ainda, uma abor-
dagem que metodologicamente contemple simultaneam
ente tanto o “perspectivis—
mo“ como o ”objetivismo“, para que consiga apreen
der as condiooes sociais de
existéncia tanto do "pensavel" como de sua "objetivacao
social" (Bourdieu, 1980 e
1984).
Esta mesma impossibilidade de apreensao parcia
lizada nao se restringe aOS
fundamentos epistemolr'Jgicos e premissas gerais
, mas abrange tambérn o conjunto
da estrutura conceitual da abordagem e suas relacces
com os métodos e técnicas
de investigacao. Como ja mencionado, tanto os conce
itos como seus desdobramen-
tos metodologicos perdem seu sentido se nao
estiverern referidos as suas relacoes
légicas entre si a com as premissas que lhe dao
fundamento, o que nao significa
que a opcao da utilizacao de conceitos e métodos
nao esteja vinculada a0 objeto
de estudo. Porém, esta utilizacao seletiva supoe, neces
sariamente, o dominio des-
tas relacées legicas entre premissas, conceitos, metod
ologias e indicadores a ser
utilizados.
Embora esta néo seja uma exclusividade do referencial
tedrico de Bourdieu, a
diferenca principal é que no caso, mais que uma teoria, trata-se
da formulacao de
um esquema analitico mais rigoroso no sentido destas relagoes IOgicas entre pres
missas, conceitos, encaminhamentos metodolégicos e evidéncias empirioas. Con-
seqfientemente. aqueles usos que se fazem de outros referenciais, como, por exem-
p10, 0 de Marx, de Weber, etc., que consistem numa apreensao e uso de algumas
de suas idéias gerais ou "conceitos", de modo desvinculado do restante, freqr‘iente-
mente transformando o autor numa espécie de "icons” para servir meramente como
argumento de autoridade, ou entao, a utilizagao de conceitos corno "escudos" nas
lutas pela afirmaqao de idéias ou posiooes aprioristicas, so tornam bem mais difi-
ceis. O resultado disso é a ilusao de que se "usa" determinado autor ou abordagern,
sem o dominio do conjunto de sens fundamentos e estrutura conceitual, como se
fosse uma espécie de "shave dos segredos“ e cujo critério de escolha do "autor pre-
ferido" tendiam a se pautar pelo "gosto". Nesta ponto também, ao mesmo tempo
cién-
em que o esquema analitico de Bourdieu pode significar um avanoo para as
um obstaculo para sua apreensa o parcializa da, até
Cias sociais, representa também
Ou seja, nesta onca, como visto, as "escolhas "
porque ele deslegitima os "ismos".
e excluden tes, por exemplo, por metodolo gias
conceituais e metodologicas parciais
consti-
”qualitativas” ou "quantitativas" ou entéo por esta ou aquela abordagern, se
éncia", visto que decorrern do nao-dom inio de seu
tui numa ”confissao de incompet
conjunto.
Uma das conseqdéncias mais imediatas e generalizadas disso é uma apreen-
séo nao apenas parcializada, mas também uma espécie de "retradugao" das premis-
fre-
sas e conceitos. Para mencionar apenas alguns exemplos de problemas mais
quentes: a) a chamada abordagem "relaciona l", em sua apreensao fora de seus fun-
a
damentos epistemologicos e metodologicos, acaba sendo reduzida ou convertid
em algo como relaooes no sentido fisico; b) a apreensao parcializada daqueles con-
nao
ceitos mais gerais e abstratos e, portanto, mais simples. mas por isso mesmo,
os "campos" , o habitus, eta, como se 03 conceitos fossem
operacionais, tats como
lado,
operacionais sern suas premissas e suas relaoées IOgicas entre si; 0) por outro
da prOpria concepca o generaliz ada de "teoria" que se
o que é o resultado também
difundiu nas Ciéncias sociais locais, ou seja, "teoria" cdmo equivale nte de abstragéo
légi—
e generalidade e 1150 enquanto estrutura conceitual e metodolégica, epistemo
"teo-
ca 9 logicamente fundamentada. Certamente, é desse tipo de concepcao de
de nesta apreensé o do referenci al em pauta, ou
ria" que decorre mars urna dificulda
a fenome-
seja, a tendéncia de se tomar os conceitos como "coisas", equivalentes
nos reais e r1510 enqua nto instrum ental analiti co.
Por fim, algo que pode parecer irénico, ou seja, a adocao de referenciais tedri—
cos tidos como ”criticos" pelo p610 dominado das ciéncias sooiais, em oposioao a0
establishment, néo é uma exclusividade brasileira. Este é um fendrneno que ocorre
inclusive em paises culturalmente dominantes e com urna forte tradigéo escolar,
oomo os E.U.A., onde também a posiqéo dominada, ao adotar referenciais teéricos
"alternativos" as ciéncias sociais dominantes, acabam nem sempre se instrumenta—
lizando metodologicamente para enfrentar a legitimidade destas (Bourdieu. 1991:
383). Ocorre que em situagées some as do Brasil, frente as condiooes de ensino
das ciéncias, sociais, a apreensao e utilizaoao de referenciais corno 0 de Bourdieu,
que pode ser visto como "critico", ao supor urna melhor escolarizagao e profissiona-
Iizaoao das Ciéncias sociais, pode ter um efeito de "elitizagao da critica”.
Referéncias bibliogréficas
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champ du pouvoir“. In: Acces de la Recherche en Sciences sociales. (69). sep.. 1987.
BOURDIEU. P. & WACQUANT, L. J. D. Réponses. Paris: Seuil, 1992.
BOURDIEU. P. A Economia das Trocas Simbélicas. Séo Paulo: Perspective, 1982.
—. Choses Dites. Paris: Minuit, 1987.
. "Décrire et prescrire; note sur les conditions de possibilité et les limites de l'eflicacité politi-
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BOURDIEU, P. "Epilogue; "On the possibility of a field of world sociology". In: — 8: COLEMAN, J. S.
Social Theory for a Changing Society. New York: Sage, 1991.
BOURDIEU, P. et al. Le Métier de Sociologue. Paris: Mouton-Bordas, 1968.
.Homo Academicus. Paris: Minuit, 1984.
. "Introducfio a uma sociologia reflexive". In:
HHH
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2
o PODER E o POLITICO
NA TEORIA DOS CAMPOS
Céli Regina Jardim Pinto*
u mas um
O presente texto néo pretends ser um artigo analitico sobre Bourdie
as possibilidades
ensaio escrito da perspective de uma oientista politica sobre
dos fenome—
abertas pela teoria desenvolvida pelo sociélogo francés para o estudo
de campo e capitals.
nos da politica. Corn este propdsito trabalharei com as nogdes
a
As paginas que se seguem derivaram-se de anotacées de uma aula proferid
uma lingua-
em um curse de extenséo sobre Bourdieu e guarda daquele momento
fazer um
gem coloquial. Naquela oportunidade meu objetivo era antes de tudo
ho agora a mes-
exercicio buscando instrumentos para a analise da politica. Manten
a construcéo
ma pretenséo. Nestes tempos de pds—modernidade a mode parece ser
sos reivindicam a
de teorias que explicam um unico caso. Tedricos e seus estudio
r a linha divi-
criacéo de uma teoria para cada caso em analise. Dificil aqui percebe
o puro modismo.
séria entre o rigorismo Cientifico, urna certa irresponsabilidade ou
guarda-ehuvas capa—
Penso que, se por um lado, nao se pode mais aceitar teorias
pode abrir mao de
zes de grandes explicagées generalizantes, por outro, nao se
de teneme-
buscar na produséo tedrica sociologica noodes capazes de darem conta
E
nos urn pouco mais abrangentes do que aqueles que fundam a prepria teoria.
este e aqui o meu propésito.
Buscar uma definigéo de poder na obra de Bourdieu envolve trabalhar com
po‘
duas nocoes fundamentais de seu aporte teOIico. capital e campo. Na verdade
der—se-ia comegat a discutir estas modes a partir de duas afirmagées bastante
um
simples: 1. o poder carece de identidade prepria e so pode ser entendido como
evento decorrent e de agentes corn capital; 2. o poder dos agentes resulta do volu-
«a zzm
; Nfifi » ‘s‘g E LE WAS
dieu ao discutir as formas de capital cultural chama a atencao para 0 fato d? que
quanto mais este exige um tempo longo para ser adquirido, somado a necessidade
de freqiiéncia a instituigdes altamente especializadas, mais 0 capital economlco
torna~se pré-requisito (Bourdieu 1964, p. 69).
. ~
No que concerns ao sub-campo da producao cultural, basta ligar a televrsao '
para que se possa ver uma serie de atores famosos tendo espacos em gfaVadOIaS e
programas de musica para cantar, em que pese a total auséncia de voz. De outra
forma, pode-5e encontrar cantores famosos declamando infantilrnente papers mal
decorados em telenovelas. O mesmo acontece com o tornar—se escritor. Muitas ve-
zes é mais importante ter um programa de televisao de sucesso do que ter talento
literario para ser publicado por uma grande editora. Nao se trata de nenhum dos
casos de pura malicia de empresarios de televisao, editoras de eSpaQOS de arte
0U
mesmo dos agentes, mas de verdadeiro acrimulo de capital que provoca uma trans-
formacao na natureza original do capital exigido em cada campo.
.
Em um mundo dominado pela midia e corn grande apelo para o consumo 1me—
diato e de'scartavel, a popularidade passou a ser um capital altamente disputavel
pelos diversos campos e transferivel de um campo para o outro. Alguém que tern
popularidade em um campo tern facilidade de transitar de um campo
para OUUO, O
que desvaloriza no interior do campo os agentes que tém uma
grande quantidade
de capital originario do proprio campo. Urn exemplo flagrante é a perda de poder
do militants partidario cujo capital origina-se apenas do fato de ser
militante W's-a-
Via a pastores evangélicos ”comunicadores" e mesmo atores
variados.
Ao analisarmos as varias questdes envolvidas na nocao de capital,
devemos
ter sempre presente que os capitals em que pesem os proceseos de
transferéncia
apontados acima, estao sempre atuando no espaco
limitado do campo. EspaQO
este que tern regras a serem cumpridas e interesses a
serem preservados. Porque 0
capital para se reproduzir necesslta do campo; os agente
s no interior do campo
tandem a lutar por sua preservagao. Dal o aspec
to conservador deste espaco.
Um exemplo bastants claro da condicao ccnservado
ra do campo pode ser vis-
to ma ldgioa do campo politic
o da democracia parlamentar representativa. Quando
militantes de extrema esquerda acusam seus amigo
s companheiros de terem se
acomodado ou terem se tornado de direita quando
crescem as chances eleitoralS
de seus partidos, nao estao longs da verdade. Os partidos de
esquerda quando se
tornam eleitoralmente fortes e atuantes no parlam
ento, passam a defender as re-
gras do jogo deste parlamento e do preprio sistem
a politico como um
todo, Ira me-
dida em que sua reproducao garante a prepria repro
dugao dos agentes. No Brasil,
os desencontros entre os militantes, a burocracia
e os parlamentares do PT. que
muitas vezes chegam as paginas dos jornais,
sac bons exemplos da tendéncia que
estou apontando.
Até aqui me preocupei em apontar as caracteri'sti
cas constituidoras do campo
e a dinamica dos capitais em seu interior. Cabe
agora discutir a forma como os
agentes transformam capital em poder e para isso
se faz necessario introduzir o
conceito de capital simbolico cu poder simbdlico.
Este é o resultado da naturaliza-
gao dos diversos capitals que deixam de ser perceb
idos como resultados de rela—
goes de dominagao e passam a ser aceitos como legitim
os. 0 capital simbdlico en-
cobre os outros capitais. A respeito dele Bourdieu afirma
: "O poder simbolico, po-
der snbordinado, é uma forrna transformada, quer dizer, irreconhecr’vel, transfignra-
da e legitimada, das outras formas de poder" (Bonrdien, 1989, p. 15).
A luta politica é a luta simbolica por exceléncia, pois sen principal objetivo é
converter, (3 o fazer crer que sua proposta é a melhor para todos: transformar 03 in-
teresses localizados de grupo, isto e, de classe on fracao de classe, em interesses
gerais. Bonrdien define as lutas simbélicas entre as classes on fracoes como aque-
las que tern como objetivo imporem a definioéo do mnndo mais conforme com
sens interesses.
A centralidade do poder simbdlico deve sempre ser considerada na analise vis—
a-vr‘s aos demais poderes, na medida em que é considerado um poder dependente,
isto é, uma conversao. Nao parece haver aqui nenhuma determinaoéo, isto é, a
presence: de um poder material 1150 pressnpoe poder simbélico, mas, por ontro
lado, nao existe poder simbélico sem um outro tipo de poder.
O que eston tratando de enfatizar aparece exemplificado na obra de Bonrdien
quando descreve o capitalismo “corno uma economia que se define some recnsan-
do a reconhecer a verdade ‘objetiva’ de préticas ‘econémicas’, isto é, a lei do inte-
resse e do calcnlo egoista, 0 capital econérnico nao pode agir a nao ser que se pre-
vina de ser reconhecido a0 prego de uma reconversao prépria, para tornar-se irre-
conhecr'vel o verdadeiro principio de sua eficacia: 0 capital sirnbdlico e 0 capital
denegado, reconhecido corno legitimo. isto é, nao reconhecido como capital” (Bour-
dieu, 1980 p. 200).
Neste fim de sécnlo em que o consumo snntuario tornon-se um valor comple—
pessoal tor-
tamente desassociado da ntilidade inicial dos prodntos, onde o éxito
es a ele
non-se um valor que se instalon mesmo entre aqueles grupos mais resistent
o privile—
no interior da sociedade, podemos dizer que estamos frente a urn moment
giado de sucesso de reconversao do capital econdmico em sirnbolico.
de
Tendo traoado este quadro geral das nocées de campo e capital gostaria
politica.
me deter nas paginas restantes na questao especifica do campo da
Onando se fala de politica fala-se de um campo de poder por exceléncia. Em
vez que em nltima
que este campo de poder se distingue dos demais campos, uma
ser urn espaco
insténcia todos OS campos envolvem luta e force? Distingne-se por
es, e um espaco de
de luta pelo poder em 31 "entre detentores de poderes diferent
o fato de possnr’rem
jogo onde os agentes e as institnicoes que tern em comnm
posicoes dominan-
uma quantidade de capital especifico sufiCiente para ocnpar as
ias destina-
tes no seio de sens respectivos campos de lnta afrontarn-se em estratég
1990, p. 375)
das a conservar on a transformer esta relacao de forge” (Bourdien
sen pro-
Um aspecto peculiar do campo politico é a sua indefinicao quanto ao
cam-
prio carater. Os agentes chegam ate ele porqne acnmnlam capital em ontros
desta
pos e necessitarn dele para que sen campo de origem se reproduza. Dentro
e irredutr’vel
legica a questao que se coloca é a de que tipo de interesse prdprio
s
que constitni o campo politico. Parece que se pode apontar dois tipos de interesse
préprios e irredutr'veis: um decorrente da prdpria existéncia do campo, isto é, o in-
teresse irredntr’vel seria sua prépria existéncia que garantiria a manntenoao de po-
deres nos campos de origem dos agentes, dai inclusive 0 estabelecimento de regras
rigidas tanto no que concerns as formas de jogar corno nas formas de acesso. Um
segnndo tipo de interesse é decorréncia de formas especificas de competigao poll'-
tica: estou me referindo aos interesses constituidos em decorréncia do preprio jogo
e materializado no poder das burocraclas de estado e de partidos, definidoras de
regimes totalitarios, mas nunca totalmente ausentes no campo politico em geral.
Para que os agentes do campo politico alcancem seus objetivos necessrtam
produzir mercadorias para o cidadao eleitor; dai ser 0 campo "o lugar em que SB
geram na concorréncia entre 0s agentes que nele se acharn envolvidos, produtos
politicos, problemas, analises, comentérios, conceitos, acontecimentos entre os
quais os cidadaos comuns, reduzidos ao estatuto de 'Consumidores’ devem esco—
lher com probabilidade de mal entendldos, quanto mai's afastados estiverem do lu~
gar de producao“ (Bourdieu. 1989, p. 165).
A distincao entre campo de producao e campo de consumo é especialrnente
interessante para o entendimento dos fenémenos politicos. O campo da producao e
o campo propriamente politico, onde cs diversos agentes lutam para tornar o esta-
do através da imposicao de sua visao de mundo, imposicao esta legitimada pelo fa-
zer crer. Neste campo, cs diversos capitais se transformam em capital politico que
em uma democracia pode ser traduzido pela capacidade dos agentes de conseguir
votos. Aqui fica muito Clara a transferéncia de capital de um campo a0 outro. A ca-
pacidade de conseguir voto deriva-se do capital simbdlico dos agentes e este, da
converséo de capitals acumulados e transformados em poder, na grande maioria
das vezes em outros campos que n50 0 politico. Talvez o Unico capital eminente-
mente politico é o derivado da militancia, cada vez menos presente nas democra-
cias liberals do fim do seculo.
Dentro da légica de mercado assumida p0! Bourdieu d0 campo d8 pduQéO e
d0 Cfimpo de consumo, a questao que se impoe diz respeito a mercadoria oferecida
pelo primeiro ao segundo. E e neste particular que a centralidade do capital sim-
bolico no campo politico fica claro. O campo politico como campo de producao
produz visoes de mundo, cada grupo, classe ou fracao de classe trata de transfor-
mar seus interesses particulares em interesses gerais. Cada fracao trata de fazer
crer ao campo consumidor que seu produto vai preencher melhor as suas necessi-
dades. Neste sentido 0 capital politico é 0 capital simbdlico por exceléncia.
Na medida em que cada vez male 0 capital politico é um capital convertido,
algurnas conseqfiéncias dai se derivarn: primeiro, que o campo da politica deixa de
ser um campo produtor stricto sensu para ser um campo de reconversao; segundo,
que nao sendo um campo de producao a "mercadoria" politica tende a ter minimi—
zado seu contet’rdo ético, idealista e utépico em favor de visoes de mundo mais
pragmaticas e imediatistas; terceiro, os agentes do campo de consumo tandem a
cada vez mais ver a politica COHlO um espaco para especialistas.
Para concluir esta aula—ensaio gostaria de sugerir algumas possibilidades de
anallse a partir do que for visto aqui da situacao em relacao a politica brasileira.
Nao pretendo criar um modelito, nem tao pouco instrumentalizar a teoria bour-
dieuana. Apenas pretendo argumentar que a formalizacao nela encontrada nao e 11-
mjte para ser aplicada em realidades como a brasileira, mas ao contrario, é um ins-
trumento particularmente um para decanter alguns fendmenos que se apresentam
de forma bastante nebulosa. ’
Uma questao bastante complicada de analisar no Brasil é a composicéo do ca-
pital dos agentes nos campos de poder, quer seja ele polltico, quer de outra nature—
:23fi}: Karma as E
za. Enquanto Bourdieu parece ter muito bem definido em que campos cabe qua]
capital, no caso brasileiro isto néo esté claro. Se existe, como chamei anteriormen-
te, uma promiscuidade de capitais e de campos, identificar a composioao dos capi—
tais em cada campo e 03 interesses irredutiveis de cada campo permitiria tragar
urna radiografia bastante proficua das relagoes de poder na politica .
Tendo tido as terras brasileiras uma forte tradigao clientelista em sua histéria
politica, tendo passado por experiéncias populistas e autoritarias e estando agora
ensaiando Viver em um regime democrético, seria bastante interessante analisar a
composioao do capital do campo politico historicamente e até a prépria constitui—
950 do campo enquanto espaco de interesses irredutiveis ao longo do tempo.
Dentro desta mesma problematica geral uma questao particularmente interes-
sante de discutir em relaoao ao Brasil é a da reconversao de capital ou da possibili-
dade de adquirir um capital na medida em que se é possuidor de outro. Mesmo
sendo problematico, seria possivel no Brasil identificar ainda que quase como me—
tafora, o campo da corrupgao onde seria possivel encontrar interesses irredutiveis,
regras claras do jogo e agentes com predisposioéo para jogar. A arrélise da compo-
sioao do capital deste campo seria extremamente importante para mapear os focos
e as fronteiras do campo, tanto com o campo politico tradicional, como com o
oampo da contraverséo mais completamente representado pelo narcotrafico.
As propostas de investigagao poderlam se multiplicar. Néo é meu propdsito
listar questées para serem resolvidas pela teoria de Bourdieu, mas apenas sugerir
possibilidades. com perdao dos especialistas.
Referéncias bibliogréficas
- Antropologia Social
* Aprovado pe|o1COCEP -Parecer n° 07/89 de 18/05/89
Duracéo: 360 horas/aula '
Coordenacéo: Francisco Coelho dos Santos
. Ciéncia Politica
Aprovado pelo COCEP - Parecer n° 17/90 de 28/06/90
Duracéo: 360 horas/aula
Coordenacéo: Leo Voigt
11‘g3111r1111111c11 111111111 - «1
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3
SlNTESE — O presente estudo tem em vista reto- ABSTRACT ~ The present study intends to retake
mar os conceitos desenvolvidos por Pierre Bour- the main concepts developed by Pierre Bourdieu
dieu para a analise do sistema de relacoes objeti— to the analysis of the system of objective relations
vas que se desenvolvem no interior do campo ar- developed insides of the artistic area and the
tistico e os fundamentos teéricos que medeiam a theoretic bases that make a mediation of the
atuacao do artista como agente social e individuo. artist's actuation as a social agent and individual
Para tal, o estudo sera baseado apenas nos textos On account of that, the study will be based just
s
que se centralizam nas problematicas especificas on the texts centralized in the specific problem
do campo artistico, apesar da numerosa e sigmifi- of the artistic area, although the numerous and
cativa producao publicada pelo mencionado so- significant production published by the mentioned
ciélogo de 1958 a 1995. sociologist since 1958 until 1995.
1 - Introdugao
os desenvolvidos
O presente estudo tem em vista retomar os principais conceit
s que se desen-
por Pierre Bourdieu para a analise do sistema de relacées objetiva
mediam a
volvem no interior do campo artistico e 0s fundamentos teoricos que
estudo sera baseado
atuacéo do artista como agente social e individuo. Para tal, o
se centralizam nas problem aticas especifi cas do campo ar-
apenas nos textos que
sa e significa tiva produca o publica da pelo mencionado
tisticof apesar da numero
sociélogo de 1958 a 1995.2
olvimento de
A producao inteleetual de Bourdieu caracteriza-se pelo desenv
tendo como fundam entacao uma vasta e testada
um pensamento social critico,
e tornar transpa rentes os fendmen os e as re-
pesquisa empirica, que visa analisar
sociais. Esta conduta dirigida a transpar éncia da
gras que orientarn as relacoes
o seu papel nao se limite apenas a funcao de clen—
construcao social faz com que
2 — Campo artistico
8 Idem, p. 106.
9 Idem, p. 107.
‘0 BOURDIEU, P. Régles de I’art. p. 195.
as diferentes especialidades dos artistes: pintores de igreja, de histona de batalhas,
de marinhas, retratos, etc; cada artiste destaca-se na sua especialidade. Para ele,
é a prdpria lei do campo que envolve os artistes na busca da distincao e e ela que
impée também os limites para que a mesma seja urn exercicio legitimo. "As lutas
de definicao ou classificacao tern o fim de estabelecer fronteiras entre os géneros
[...] e dai as hierarquias", sendo um dos mecanismos utilizados para a defesa da or-
dern no interior do campo.“
O campo so afirma a sua autonomia quando controla a distincao cultural, valo—
rizando sobretudo a forma sobre a funcao e o sistema de representacao sobre 0 ob-
jeto representado. A lute pela independéncia do campo é paralela as pesquisas es-
téticas que libertam a arte do tradicional sistema representative oriu'ndo do Renas-
cimento, e que se orientam na busca de suas especificidades e de sua esséncia. "O
monoteismo incarnado na Academia cede lugar a concorréncia de multiplos deuses
incertos".12
O processo de circulacao e consumo — dominado pelas relacoes objetivas entre
as instancias e os agentes — constitui—se no sentido priblico da obra, pelo qual 0 ar-
tista é definido e em relacao a0 qual ele é obrigado a definir-se. As relacoes sociais
em que se concretiza o sentido publico da obra, sac aquelas que se estabelecem
entre o artiste e o critico, o curador e o musedlogo. Estas relacdes sac comandadas
p918 posicao que tais agentes ocupam na estrutura do campo da arte (artistes mais
conservadores mantém relacdes corn criticos mais conservadores), e definidas pela
posse do poder simbélico. Portanto, e no processo de recepcao que o artiste assu-
me uma determinada representacao, condicionada a0 tipo de consagracao.
Os principios internos do campo artistico sofrem mudancas a medida que se
reproduzem ruptures em relacao aos modes de expressao anteriores. O artiste mo—
derno exclui as referéncias externas a0 campo, mas reavalia constantemente 0s
principles internos do mesmo, tendo assim o fim de manter as suas especificidades
e regras. No entanto, as instancias do sistema de ensino do campo artistico, se—
gundo Bourdieu, nao acompanham as transformacoes sofridas na arte, asseguran
-
do a reproducao de sistemas de representacao artistica mais tradicionais contra
concorrentes heréticos. A Academia francesa, no século XIX, para preserva
r OS
seus canones tem a necessidade de contar com alguma heresia externa para
com-
hater.
O sistema de ensino cria uma certa defasagem entre a arte praticada e a
edu-
cacao artistica, sendo essa banalizada e racionalizada por necessidades
de inculca-
cao. Para Bourdieu, a banalizacao seria o processo de tornar banal
e cotidiano os
esquemas perceptivos e de apreciacao dominados pelo publico intelectualizado.1
3
O sistema de ensino trata, assim, de contribuir para a decodificacao de
esquemas
perceptivos em desuso. Poderia-se acrescentar que o sistema de museus
reforca 0
sistema de ensino, ao eXpor geralmente obras do passado.
“ Idem. p. 313.
12 Idem, p. 191.
13 O conceito e oriundo de Max Weber de cotidianizacaor In: BOURDIEU, P. "Mercado de hens
simbo—
licos", p. 123.
mime;erratum w E: misses:
Para Bourdieu, o campo caracteriza—se ainda como espaoo no qual as posigoes
dos agentes se encontram a priori fixadas, porque este se constitui em dois pélos:
dominantes e dominados. Dominantes sao os agentes que térn o seu capital simbé-
lico reconhecido; e dominados sao aqueles em que ha auséncia ou menor capital
simbolico.M
No campo artistico, os dominantes possuem o poder de legitimagao dos bans
simbélicos, detendo desta forma o poder de estabelecer urna ordern e um sentido
ao mundo social. Eles sao dotados de autoridade para consagrar e revelar as novas
concepgoes de arte, desfrutando uma posioao hierarquica reconhecida Portanto, o
poder simbc'Jhco nao reside nos sistemas simbolicos e nem é arbitrario, mas se defi—
ne numa relacao social determinada na prépria estrutura do campo.“
As estratégias dos agentes orientam--se de acordo com a posigao que eles ocu-
parn no interior do campo. Ao pélo dominante correspondem praticas ortodoxas
que térn em vista preservar 0 capital simbolico; enquanto ao p010 dominado cor—
respodem as praticas heterodoxas que buscarn desacreditar os detentores reais do
capital legitimado. Os dominados utilizam estratégias para subverter a hierarquia
institucionalizada, o que implica no confronto permanente. Estas estratégias para
Bourdieu, destinarn se a socializaoao e a criagao de novas crengas. 6No entanto, a
contestacao do poder nao coloca em questao os principios que estruturam o cam-
po da arte. Para ele, a ortodoxia necessita da heresia porque a sua 1mpos1gao 1m—
plica em reconhecirnento, permitindo assim a continuidade do campo.17
As relagoes de poder no interior do campo reproduzem, segundo o sociélogo,
as relaooes que lhe sao externas entre dominantes e dominados e as produgoes
artisticas servem as duas posigoes sociais. Para ele, ha uma homologia arms a dis-
tribuigao de produtos culturais no mercado e a posicao social. A partir desta cons-
tatagao ele afirma que existe uma relagao mais estreita entre capital simbélico e
capital economico. 8
Bourdieu concebe as relapées sociais como relapdes de poder, visto que estas
reproduzem 0 sistema de dominacao interiorizado pelos agentes sociais Para ele, a
reprodugao da ordem nao é originaria apenas dos aparelhos coercitivos do Estado
como pensava Althusser ou das ideologias oficiais, mas se inscreve e111 niveis mais
profundos, atingindo inclusive as escolhas estéticas.19
A sua nogao de poder fundamenta--se em parte na nooao de habitus, retomada
por Bourdieu da escolastica medieval, a qua] concebe que os habitos precocemente
transmitidos pela educagao, sobretudo familiar, se constituem em condutas profun-
damente arraigadas através da repetioao, capazes de engendrar agoes previsiveis. 20
O habitus significa esta capacidade adquirida socialmente pelo individuo de esta-
M BOURDIEU, P. 'Sobre o poder simbolico". In: 0 poder sirnbéiico. Lisboa: Diiel, 1989. p. 11-14.
15 Idem, p. 14. ‘
16 ORTIZ, Renato. ”A procura de uma sociologia da pratica". In: Pierre Bourdieu. sao Paulo: Atica.
1983. p. 22-23.
17 BOURDIEU, P. Libre — échange. Paris: Seuil, 1994. p. 57.
‘8 BOURDIEU, P.Re‘g1es de I’art. p. 238.
‘9 011112, R. op. cit, p. 26.
2° DUBAR, Claude. “Bourdieu”. In: Dictionnaire encyclopédique de I'éducation et de la formation. Paris:
Nathan Université. 1994. p. 127.
belecer as suas relagées de forma objetiva e sem a necessidade de reflexao preme-
d1tada.Da1 a reprodugao da ordem ser objetiva e subjetiva a0 mesmo tempo, visto
que o agente pode revesti-la aparentemente de um carater pessoal Os esquemas
de habitus devem a sua eficacia pelo fato deles funcionarem a dssgeito da cons—
ciéncia e do discurso,portar1to fora do exame 8 controls voluntario E a partir do
conceito de habitus que Bourdieu estabelece a articulaoao entre 0 agents indivi-
dual e o grupo social, sendo assim de extrema importancia para o estudo objetivo
da arte.
O sociologo relaciona a nogao de habitusao retomar 0 cuoncneito de presto de
Kant corno uma disposlgao que se adquire para "diferenciar e apreciar, isto é,
para marcar as diferencas por uma operagao de distingao O habitugunciona nesta
circunsténcia independents da consciéncia e do controle voluntano.
Bourdieu analisa ainda o conceito de “gosto puro" de Kant, mostrando como
este é recorrente nos discursos sobre arte, com o fim de esclarecer que o mesmo‘e
outro mecanismo de afirmar a distingéo social, jé que se fundamenta no pr1nc1p1o
do prazer desinteressado, sendo assim oriundo do refinamento. Este. opoe-se a0
prazer vulgar, o qual se vincula a finalidade da obra de arte e a um um de gosto
grosseiro.23 Comprovando estes pressupostos através de pesquisas empiricas, ele
demonstra que os diferentes tipos de prazer sao condicionados pelo habitus.“
3 — Consideragées gerais
O arcabouoo teérico desenvolvido por Bourdieu para o entendimento do siste-
ma de relaooes entre as diferentes instancias, da pratica artistica a recepgao e a co-
mercializagao do objeto, permits novas abordagens nos dominios da Histéria da
Culture 9 da Arte, conduzindo os estudiosos a revisarem certas h1péteses concebi-
das como ja solucionadas, sobretudo no que se refers ao Renascimento italiano. A
articulagao entre as agdes individuais e 05 agentes sociais colaborou para o estudo
mais objetivo da arte, visto que a Histona da Arte desde Vasari se peculiariza por
ser uma Histona de Artistes, e mais recentemente, a partir de Wolfflin, uma Histo-
ria de Formas. Aby Warburg, Erwin Panofsky 9 Pierre Francastel criam novos méto-
dos de estudo das artes plasticas, com vistas a terminar com as analises parciais e
reducsionistas; sendo que o ultimo desenvolve os fundamentos da sociologia da
arte.25No entanto,Bourd1eu a0 criar os conceitos de campo de arte,autonom1a,
habitus, e estudar o sistema de relaooes sociais internas e externas a0 campo, es~
tabelece um quadro de referéncia teérica mais amplo que permits a anélise da arte
em todas as suas instancias sociais.
N:3
Bourdieu mesmo demonstrando que a autonomia e relative e que existe uma certa
dependéncia em relaoao a outros campos, néo menciona casos como 0 do Rio
Grande do Sul, cujo campo artistico tem se peculiarizado pela constante fragilida-
deg0 Deve—se destacar ainda que o campo so comeoa a se formalizar nos anos 50,
quando emerge o sistema de relaoées entre as instancias de produoao, Circulaoao e
consumo. Como aplicar os métodos de anéllse do campo artistico nas décadas que
antecedem a sua constituigao? Como aplicar a taxlonomla do gosto puro e do gos-
to vulgar, quando as esporédicas exposioées de arte apresentam conjuntamente
objetos oriundos de cdplas, industrializados e de arte? Muitas decades da Histona
da Arte do Rio Grande do Sul ficam a descoberto, sendo necessarlo se repensar a
metodologia mais adequada a ser utilizada, porém sem esquecer de se levar em
oonta os problemas especificos a serem tratados.
Se por um lado, o suporte conceitual de Bourdleu é extremamente significati-
vo; por outro, nao se pode deixar de estabelecer um dialogo constante com o obje-
to de arte, pols ele nao é uma mera ilustragao dos modos de Vida social de uma
época. A sue génese é mals complexa e as suas motivaooes podem ser de nature-
zas diversas, fendmeno que possibllita mnltiplas leituras do mesmo. Asslm, a anall—
se formal do objeto de arte aliada a urn olhar antropologlco e histonco, isto é, "um
olhar atento as condigoes de existéncia, de uso e de apresentaoao das formas ana-
lisadasf“ pode nos conduzir a uma outra leitura. Nenhuma invalida a outra.
3 As 1nst1tu1¢oes de arte em geral nao possuem regulamentos propnos, sofrendo a cada mudanoa de
0 . . . .. ,. . .
direcelo e governo interleréncjas nos sous programas e rumos, além dos problemas de ordem finan—
celra que tem conduzido a deteriorizacéo das mesmas.
3‘ DIDI-HUBERMAN, G. Le cube et la visage. Pan's: Macula, 1993. p. 212.
(
OVG
l WV
mr'
SlNTESE — Este estudo apresenta as principais ABSTRACT — This work presents Pierre
idéias de Pierre Bourdieu referentes a analise so- Bourdieu’s main ideas for a sociological
cioldgica da literatura, quando discute as seguin- investigation of literature, considering the
tes questoes: as relacoes entre a literatura e a following subjects: the relationships between
ciéncia, as possibilidades do analise sociolégica literature and science, the possible sociological
da literatura, a definicao do campo literario, as re— analyses of literature, the definition of the iield of
laooes do campo literario com o campo economi- literature, the relationships of the field of
co e os demais campos do espaco social, as rela- literature, the economical iield and the others, the
goes de oposicao no interior do campo, a analise opposition relationships in the field itself, the
das obras literarias considerando as relacoes entre analysis of literary compositions, considering the
o cédigo literario e os que se referem a Vida coti- relationship between the literary code and the
diana, a proposioao de um estudo histérico da 1i- way of daily life, a possibility of a historical
teratura, a critica a analise imanente da literatura. approach of literature. the criticism of immanent
analysis.
1 Bourdieu. Pierre. Les régles de I'art: genése et structure du camp litteraire. Paris: Seuil, 1992.
a as: a
rompe o charms da literature, mas redescobre—o, ao possibilitar a compreensao do
cédigo usado pelo escritor para dar impressao de realidade ao real que o texto en-
cobre.
Por campo literario Bourdieu entende o espaco social de producao, distribui—
cao e recepcao da literatura,1nc1uindo a1 todas as instituicc'xes encarregadas da di-
namica desses processos. Como tal, so adquire autonomia no séoulo XIX, com o
desenvolvimento da vida moderna, que lhe permite ligac6es estruturais cada vez
mais complexes e autonomas, podendo desprezar as benesses de um mecenas
(embora ainda viva um certo mecenato de Estado).
Inserida no modelo capitalista de economia, a literatura burguesa vem legiti—
mar esse sistema, embora seus escritores transitem em grupos sociais diferencia-
dos — mundanos, elitistas, boémios. Nesse sentido, a imprensa tem papel prepon-
derante, pois promove o alargamamento do publico, quer pela publicacao de obras,
quer pelo painel que desenha da imagem da vida boémia. Os escritores, por sua
vez, compéem urn grupo ambiguo, pois, se, por um lado, rompem com a burguesia
ao critica-la e apresentar alternativas de arte e de vida, de outro, buscam o reco-
nhecimento social.
Por conta da complexidade das relacoes entre os campos literario e economi-
co, tém-se literaturas de intencoes diversas — burguesa, puramente comercial; so—
cial, utilitaria e enga'ada; arte pela arte, contestadora em sentido amplo. Saliente—
se, aqui, que as possibilidades do artista puro estao diretamente relacionadase
vantagens economicas de berco, isto é, tern mais chance de produzir literatura C'
valor estético reconhecido aquele que detém 0 capital economico e cultural.
Para a criacao literaria, como de resto para a criacao artistica em geral, as ea
colhas possiveis estao condioionadas as praticas sociais e aos cedigos vigentes.
Para chegar a arte pura, o artista precisa dominar o estilo, usar a linguagem com a
mesma desenvoltura com que se move na vida social, isto é, fundo e forma estao
juntos, estilo literario é também estilo de vida.
Dai decorre que ao escritor é necessario o abandono da vida pequeno--burgue—
sa, 0 conhecimento de um novo ethos. que vai lhe perm1tir entrecruzar discursos,
construir personagens conflitantes, ampliar o horizonte social e cultural de son
texto. A emancipaoao do escritor, por sua autonomia no campo cultural, pode lava-
lo a interferir no politico, por exemplo, tentando impor leis particulares como se
fossem universais. Nesse movimento, ele acaba sacrificando o literario, em favor de
regras de outros campos, como acontece aos formalistas, aos estruturalistas e aos
marxistas.
Como capital simbolico e economico, a literatura participa da vida social lu-
tando por legitimacao. Nesse processo,ir1terferem a tradicao, o gosto e o mercado
organizado. Uma obra e avaliada a luz de tudo aquilo que se produziu antes dela e
101 valorizado pelo gosto socialmente hierarquizado. As distincoes simbélicas sao
tambem econémicas, o que permite estabelecer uma homologia entre o espaco do
autor e 0 do consumidor. Nesse memento, importa a tarefa das instituicoes litera—
rias que garantem o mercado — editor, livreiro, distribuidor, animador — e 3510 propi—
ciadoras da construcéo de um perfil da obra, como pura ou comercial, quer dizer,
as condicoes do mercado fazem o escritor e sua criacao.
O consumo da literatura depends diretamente do habito de ler como urn capi-
tal simbdlico, pratica adquirida no meio social, logo, nao transcendente, inerente
on universal. Como detentor desse capital, 0 leitor estabelece com o texto um dia-
logo de igual para igual, desfazendo a imagem da obra como fetiche. A leitura in-
terna, imanente, e acornpanhada de uma outra, atrelada ao social, nao havendo ab-
solutizacao do texto, mas compreensao da homologia entre o conter’rdo simbélico
e
03 referentes do espaco de producao. Em outras palavras, o leitor busca no objeto
literario as condicées sociais de possibilidades e escolhas e as razoes para a opcao
do autor.
Uma ciéncia das obras literarias, para Bourdieu, precisa dar conta de trés ope-
racoes: analise do campo literario no campo do poder e sua evolucao, analise da
estrutura interns do campo e sua evolucao e analise da génese das posicoes dentro
do campo. O primeiro caso diz respeito a autonomia do autor, tanto mais inde-
pendente quanto memos preso a demanda. A hierarquizacao do sucesso, por seu
turno, é externa, a cargo do grande priblico, e interna, como reconhecimento dos
pares. Assim, sao escritores de sucesso os comerciais e as vanguardas reconheci—
das, enquanto amargam o fracasso os fracos (comercialrnente) e os malditos.
A rivalidade literaria, portanto, diz respeito a0 monopolio do poder de dizer
com autoridade quem é escritor. As lutas dentro do campo legitimam, por urn lado,
aqueles que tern sucesso de vendas e, de outro, as vanguardas, que apontam para
as possibilidades ainda nao consagradas, mas corn lugar social garantido.
As constatacoes acima confirmam as estreitas relapées existentes entre o
campo literario e 0s demais (e, especialmente. entre o campo literario e 0 social),
uma vez que os novos autores 30’ se impoem quando ha condiQOes externas favora-
veis para isso. Suas obras tornam-se comerciais ou classicas, segundo a qualidade
social do pi'iblico que as consome. Nessa perspectiva, uma obra-prima é aquela
que atende aos interesses das classes letradas e sobrevive aos jogos de poder atra-
vés dos tempos.
No entanto, se 0 meio de origem do escritor interfere em sua trajetéria dentro
do campo literario, ele nao é, necessariamente, determinants de seu sucesso ou in-
sucesso. Como as relacoes entre os campos sao de homologia, e r1510 de Subordina-
a, ha interferéncias de um a outro e, dai, a importancia do tratamento da biobi—
bliografia do autor, para compreensao dos fatores que contribuiram para seu alcan-
ce de um lugar definido dentro do campo literario.
Uma obra com grande repercussao comercial orienta—se no sentido da
homo—
geneidade, fazendo confluir para ela os elementos dominantes do gosto
de uma
época. E, portanto, uma producao literaria que confirms as tendéncias de seu tem-
po e, por isso mesmo, atrai as simpatias da massa de leitores comuns. A0 contra—
rio, o texto de vanguarda é heterogéneo, contradizendo as normas dominantes e
carregando em seu bojo o germe da dissolucao. Capra as tendencies renovadoras
ainda em maturacao, dando-lhes forma e rompendo, assim, com aquilo que é con-
sagrado no momento de sua aparicao. Altera, portanto, o cédigo de leis internas
vigente em sua época.
Imports, no entanto, salientar trés aspectos nesse processo: primeiro, as rup-
turas sao sempre parciais, pois, do contrario, a comunicacao torna-se-ia inviavel e
o texto, irreconhecivel dentro do repertério literario; segundo, mesmo as negacoes
V as gs}: fi‘khms m;
CURSOS DE POS-GRADUAQAO DA PUCRS
(MESTRADO)
o Histéria do Brasil
. Histéria Ibero-Americana
. Arqueologia
* Recredenciado pelo Parecer n°638l93 do C.F.E. de
07/10/93.
* Conceito CAPES: B+
Informagées: IFCH - Fone (051) 339.1511 — ramal 3295
SINTESE — O texto assinala que os estudos e pes— ABSTRACT The text points out Pierre
quisas de Pierre Bourdieu apresenta uma Clara Bourdieu's studies and presents a clear
identificaeao com a educacao e com a anélise identification with education and with educational
educacional. Observa que no Brasil. ate bem pou- analysis. It notes that until recently, in Brazil, this
co tempo, a abordagem desse autor esteve asso- author's approach has been associated with one
ciada corn uma de suas obras A reproducao, sen- of his works, The Reproduction, thus being the
do per isso transformado num pedagogo ou num author transformed into an educator or an
filesofo educaoional, cuja pedagogia devia ser re- educational philosopher whose pedagogy should
jeitada em nome de um humanismo otimista. que be rejected on behalf of an optimistic humanism,
era justamente o que ele estava criticando. Mais which was exactly what he was criticizing. More
recentemente, no entanto, verifioa-se que Bour- recently, however, it can be verified that Bourdieu
dieu passa a ser considerado como um teonco so- has begun to be considered as a social
cial importante para a analise e para a prepria theoretician, important both for the analysis and
teoria da educaeao, for the theory of education itself.
Para corneear, devo admitir que, como nas antigas secees de passatempo dos
jornais, minha fala tern um jogo embutido, uma espécie de charada que os ouvin-
tes mais atentos poderao ir decifrando a medida que for me aprom‘mando do fim.
Aos que nae chegarern a soluoéo, também a maneira dos antigos jornais, ela ser~
lhes-a fornecida ao final — mas nao de cabeca para baixo, como nas folhas informa-
tivas de antanho.
Ha uma Clara identificaeao do trabalho de Bourdieu com a educaeao e corn a
analise educacional. Por urn lado, porque ele preprio concede um papel central a
educaoao em suas pesquisas empirioas e em sua construeao tedrica. Per outro,
porque a publicacao de sua analise mais conhecida da educaeao, feita juntarnente
com Passeron, A reprodugao, coincidiu com uma serie de outros desenvolvirnentos
analiticos e tedricos que coloeararn em xeque as visoes convencionais e liberais do
aparato educacional e pedagégico ate entao predominantes — Althusser na prepria
France, a Nova Sociologia da Educaeao na Inglaterra, Bowles 8: Gintis nos Estados
Unidos, Paulo Freire no Brasil.
Referéncia Bibliogréfica
POS-
BRUBAKER. Rogers. "Social Theory as Habitus". In: Craig CALHOUN, Edward LIPUMA 8: Moishe
TONE (Eds). Bourdieu: Critical perspectives. Chicago: University of Chicago Press, 1993: 212—234.
CURSOS DE PCs-GRADUAQAO DA PUCRS
(DOUTORADO)
Histéria do Brasil
Histéria Ibero-Americana
. Arqueologia
* Recredenciado pelo Parecer n°638l93 do C.F.E. de
07/10/93.
* Conceito CAPES: B+
lnformagées: IFCH - Fone (051) 339.1511 - ramal 3295
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SiNTESE — Este artigo constitui urn esforco no ABSTRACT — This article consists of an effort
sentido de articular teoria, método e dados, quan- towards articulating theory. method and data,
do procura expor alguns resultados sobre as pes- while seeking to display some results on research
quisas desenvolvidas junto a escolas de oficio ca- carried out in catholic vocational schools of Porto
tolicas do Porto Alegre/RS, que tern no referenoial Alegre, Rio Grande do Sul, which have in Pierre
Bourdieu one of their main theoretical
de Pierre Bourdieu urn dos seus principais refe-
renciais teéricos. foundations.
5 Idem. p. 27.
5 Idem, p. 69.
7 Idem, p. 71.
B BOURDIEU, op. cit., p. 171 (1990).
9 BOURDIEU, op. cm, p. 179 (1989).
BOURDIEU, Pierre. ”Le Champ littéraire". In: Revue Acnes de la Recherche en Sciences Sociaies.
Pa-
ris. Editions de Minuit, n9 89, sept/1991, p. 5. (Trad. da autora).
“ Idem, p. 24.
‘2 BOURDIEU. op. cit., p. 172 (1990).
13 Idem, p. 26 (1990).
1" Idem, p. 63.
‘5 BOURDIEU, 'op. om, p. 42 (1991). (Trad. da autora).
16 BOURDIEU, Pierre. Réponses — pour une anthropologie reflexive. Paris, Editions du Seuil. 1992, p.
103. (Trad. da autora).
. iEMiE‘i‘ESFo W‘XNH E
Vérios 3510 OS elementos que compéem a nogao de habitus, os quais 5510 pro-
duzidos pelos condicionamentos, associados a uma classe particular de condioées
de existéncia. E definido como ”sistema de disposigoes duraveis e transponiveis,
estruturas estruturadas, predispostas a funcionar como estruturas estruturantes.17
E importante notar que nem tudo no mundo, nem todas as disposigoes farao
parte do habitus de uma pessoa. Suas experiéncias passadas exerceréo urn papal
de filtro, e 86 as que forem mais compativeis com seu habitus serao assimiladas.18
O habitus exprime sempre a posicao social em que fol constituido, tanto na
condicao de um sistema de esquemas de produgao de praticas, quanto, ao mesmo
tempo, 11a condioao de um sistema de esquemas de percepgao e apreciaoéo das
praticas.19
A incorporacao do habitus ocorre por meio de "uma aoao pedagégica que visa
inculcar, o mais profundamente possivel, o mais durével possivel, através de com-
portamentos precisos, singulares uma atitude. Ou seja um certo tipo de relagao
global consigo mesmo e com as coisas, com a Vida 9 com o mundo".2
A constituigao do habitus. que resulta nas propriedades dos ocupantes das po-
sioées, vai depender de varias circunsténcias do préprio campo: sua autonomia,
posigao ocupada pelo agente no campo e o grau de institucionalizagéo do posto ou
posigéo correspondente.
121
Mesmo que o habitus nao seja imutave — é uma estrutura sempre em vias de
reestruturagao, ja que as experiéncias acumulam saberes22 — enquanto sistema de
disposigoes para a prética, constitui o fundamental objetivo de condutas regulares.
E por isso que é possivel obter regularidade de condutas e prever as praticas: "o
habitus faz com que os agentes que o possuem comportem-se de uma determina-
da maneira em determinadas circunstancias".
Assim enquanto produto da historia os habitus produzem pratioas individuais
e coletivas que garantem a presenga das experiéncias passadas como também
através dos tempos, "a conformidade das praticas e a sua constancia”. Em fungao
a prati-
de sens limites consignados as suas invenqoes, é que a estrutura governa
ca.24
Em sintese, conforms Heran, o habitus:
— é um saber que se tern a mic;
— habita a alma, assim como a mum habita o corpo;
— é algo poderosamente gerador;
— ativa o passivo e atualiza o passado;
— engloba os resultados e o processo;
17 BOURDIEU, Pierre. Le sens pran‘que. Paris. Les Editions de Minuit. 1980, p. 88. (Trad. da autora).
‘8 Idem, p. 89.
19 BOURDIEU, Op. Cit, p. 158. (Trad. da aurora).
2° ACCARDO, Alain. Initiation a la SocioIogie. Bordeaux, Editions Le Marcaret, 1983, p. 141. (Trad. da
autora).
21 BOURDIEU, op. 011., p. 109 (1992). (Trad. da autora).
22 ACCARDO, 0p. on, p. 146. (Trad. da autora).
23 BOURDIEU, op. 011., p. 98 e 26 (1990).
24 BOURDIEU, op. 011., p. 91 (1980). (Trad. da autora).
25 HERAN, Francois. "La seconde nature de l’Iiabitus — tradition philosophique et sens commun dans
le
langage sociologique". In: Revue Francaise de Sociologie. Juillet/Sept n9 XXVHI — 3, 1087.
p. 385-
413. (Trad. da autora).
26 As consideracées
apresentadas a seguir referem-se a contefidos abordados na Tese de Doutorado,
op, cit, os quais foram expostos no XVI Congresso lnternacional de Histéria da Educacéo (ISCHE),
em Amsterda/Holanda a Agosto/94 e na XVII Reuniao Anual da Associacao Nacional de Poe—Gra-
duacao em Educacéo (ANPEd), em Caxambu/MG — outubro/94.
Corn esse conjunto de dispositivos, garantido por uma supervisao austera dos
Irmaos que aumentavam a cada ano, a formagéo realizada em escola de oficio ca-
tolica diferencia-se significativamente dos demais processos voltados as classes po-
pulares. A sua trajetéria esteve sempre articulada a dinamica capital-trabalho cons—
tituida nas bases de um poder elitista e é possivel afirmar, a partir da realidade vi-
vida pelos ex—alunos do internato, que tal {-1a educativa foi capaz de, através da
gama de saberes, instaurar alguma competéncia (”saber-ser”) junto aos seus forma-
dos.
”Nc'io se podja nem se mexer. O Irmao passava com uma varr'nha de marmelo,
ele controlava [...] e se pegava a genre se mexendo na came dava com a van'nha,
aquilo ddi!"
"[...] A senhora sabe que gun‘, a gente tem fome. Eu tInha no bidezinho, uns
pass duros de quinze dies. Chegavam a ser verdes. Eu comia, quietinho, nunca me
fez me] e a ningue'm. Comia todo 0 p50 como um ratinho. As vezes, o Irmao pegou
a gente“.
”[...] Ouando eles jam para o refeitério, 9193 1am em flla militar, em siléncr'o, era
tudo por sinal. O prefer‘to de discipline tinha uma sineta, dava uma batida assr'm e,
entéo, ja sabr'am que era 0 final do almoco. Entao rezavam e sar’am. O chefe de
mesa reunia 0 material 9 levava para a cape. Além dessa, a sua funcao era a de cui-
dar se todos se serviam de forma igual, pra ninguém seir prejudicado".
”Os Irméos tinham cuidado para que na‘o se formassem paneh'nhas, amizades
muito profundas, homossexualismo e outras coisas que, geralmente, ocorrem em
internatos. Os grupos n50 podiam andar isolados pelos locals na escola; manti-
nham os alunos em constante ocupacéo; na hora da aula era verificado se todos es—
tavam nas sales; na hora dos jogos todos tr'nham que participar, tinham que inte—
grar o grupo em movr'men to com movimento”.
E impressionante como foi forte essa exigéncia, que impunha aos internos o
movimento constants nos varios espaoos e tempos vividos por eles. Todos 03 en-
trevistados referiram-se a isto, parecendo representar algo que mobilizou sues vi-
das, mesmo apés a época e fora do espaco do internato.
"[...] Durante o intervalo das aulas na parte da manna por volta das 91130 todos
flcavarn no patio para brincar (corrida, futebol, etc). So’ que todos deviam se mexer
ninguém podia ficar parado. O Irméo usava um apito e se algo ocorresse mal du-
Iante o recrer‘o ele apitava e todos eram obn’gados a parar, viravam estétuas. Ele do~
minava”.
i3 Wrigmos 3:2,33 33
mov3£3t2”313e%§oe$éiteéli§3§‘§§S$“‘Z%§§;“d?§ “9 ale d“? W em
internato tiriham pouquissimas chances de se instalainsoe'S' que nao fossem as do
novo sistema de disposicées que 0 processo estava im elm. Integrando ou mlbmdo‘o
. pretendia neutralizar
Qia . ‘ ' '
tudo o que Significasse alguma ameaca Afrnal,
p antando. tal estrate-
ao s1stema, orga-
nizado para produzrr o "novo homem“.
Vérios tempos do interno eram vividos no patio, mas todos eles eram devida-
mente controlados, para que fossem ocupados conforme prescrevia o Regulamento,
As oportumdades para circular fora do espaco do Orfanotréfio eram bastante
raras, apenas ocasiées especiais, em que, igualmente, as acoes e 03 comportamen-
tos determinados pelo Regulamento eram atentamente observados. E o caso de ex-
cursdes, idas ao circo, nos desfiles da Semana da Patna, procissoes, visitas as au-
toridades, festas religiosas e jogos de futebol em outras instituicées, onde a ordem
era "falar a meia voz”, nao abandonar o grupo e nem "olhar pelas portas e janelas
das casas".
No final da década de 50 e no decorrer dos anos 60, os varios momentos em
que os internos estavam realizando uma atividade recreativa e foram fotografados,
revelam que nessas ocasioes, apesar do Regulamento, existia um Clima de maior
descontracao entre os internos e com os préprios Irmaos.
O tempo dedicado as artes, que representou para o Orfao a oportunidade de
contactar corn situacoes externas ao espaco do Orfanato, era também disciplinado;
as atividades de teatro, banda ou coral eram supervisionadas ou dirigidas por urn
Irmao, com uma hora marcada na rotina diaria.
As recomendacoes sobre o tempo do interno, corn seus familiares ou respon-
saveis, eram bem detalhados no Regulamento, a ponto de se prever dia, local e
tempo limitados para as visitas.
A interacao do interno com outros agentes sociais dava—se, ainda, em festas: a
de Santo Antonio, 0 Natal, as formaturas, as apresentagoes em homenagem a Se-
mana da Patria e aos benfeitores. Estes eram as pessoas que mais circulavam no
espaco do PAO DOS POBRES, afora os Irmaos, os orféos 9 0s funcionarios da casa.
Isso tinha um objetivo: legitimar o poder dos benfeitores, através do poder que
essa obra de caridade estava significando no periodo, em especial até meados dos
anos 60.
POI isso, vérios dos tempos, de cunho mais social, foram bem lembrados pelos
eX-internos, e sempre associados a presenca desses personagens — os benfeitores.
”[.,.I No Nata] ou Pascoa as families nobres como 0s Chaves Barcelos, que eram
benfeitores, podiam ir até la fazer uma visitinha. No mais nao entrava ningue’m la”.
"[...] A minha madrinha era a Dona IIda, uma benfer‘tora do Orfanato. Ela era
quern escoIhia urn para ser seu afilhado; ela perguntava so 911 havia me comporta—
do, como eu ia indo nas aulas e no fim do ano dava presentes no Natal. Havia tam-
bém outros benfeitores, os padrinhos, o Ildo Meneguetti, o Malvasio“.
"[...] A festa de Santa Antonio era tradicional. Na Igreja tinham trés dias de
oracdes, mas no patio era um dia 30 onde estouravam bombinhas, faziam fogueiras,
etc. Nestas festas os Irmaos flcavam mais tolerantes mas sempre controlando tudo.
EIes nao aliviavam nunca. Tinha o casal festeiro que organizava essa festa e as es—
colhidos eram sempre da alta sociedade. Muitos berrfeitores marcavam a sua pre—
senca nesses festejos”.
“[...] Na festa de 15 de agosto, festa de Séo Roque, um benfeiror da Instituicao
é que dava o churrasco. Tinha missa, apresentacao da banda, jogos, etc; era uma
solenidade. O Rafael MaIVarsio era quem doava esse churrasco".
— O Irmao prefeito era muito violenro; muita surra apanbei dele; muita bolacha
no rosto eu lever; on ficava arrasado, mas nao tinha nada O que fazer e ninguém
32 Observa—se que, sob determinadas condicées. La Salle permitiu o uso da vara e da férula. Dizia que
se deve dar um e, no maximo, dois golpes com a férula e somente o Irmao autorizado polo diretor
poderia ter uma vara na aula. In: JUSTO, Ir. Henquieu. La Salle — O patrono do magistén'o. Porto
Alegre, Livraria Santo Antonio, 1961, p. 193.
33 BOURDIEU, P. “Le Champ littéraire“. In: Revue Actes de la Recherche en Sciences Sociaies. Paris.
Editions de Minuit, n9 89, Sept/1991, p. 36.
ifiijflgfififi'i? i ‘E messed;