Você está na página 1de 5

O triângulo de Bird como ferramenta preditiva

Imagine quão frustrante é uma empresa comemorar um período grande sem acidentes com perda
de tempo com um grande evento, escrever reportagens e três meses depois ser “surpreendida”
por uma fatalidade. Tenho certeza que muitos leitores vão se lembrar de algum caso parecido em
alguma empresa de sua rede de relacionamento. Vamos analisar por que isto pode ocorrer.
Há cerca de 85 anos Herbert W. Heinrich, pioneiro norte-americano de segurança da década de
30 descobriu empiricamente que para cada acidente com lesão severa ocorriam 29 acidentes
com lesões menos severas e 300 acidentes sem lesões. Isto foi publicado em seu livro de 1931 e
foi conhecido como a lei (ou o triângulo) de Heinrich – 1-29-300.
Na década de 60 outro norte-americano, Frank Bird Junior utilizou uma grande base de dados
sobre acidentes para atualizar a descoberta de Heinrich, envolvendo mais de 1,5 milhão de
eventos e cerca de 300 empresas de 21 grupos industriais diferentes, tendo obtido a relação 1-
10-30-600, a saber para cada acidente com lesões ocorriam 10 acidentes sem lesões, 30
acidentes com danos materiais (igualmente sem lesões pessoais) e 600 situações de quase
acidentes ou quase perda. Foram acrescentadas duas “fatias” no triângulo e no caso da lesão
com perdas, foram juntadas as lesões severas com as lesões menos severas. No fundo se
somarmos 1+29 = 30 chegamos na mesma relação de Heinrich pois 30:300 é o mesmo que 1:10.
Posteriormente outros autores acrescentaram desvios comportamentais na base do triângulo,
também despidos de quaisquer compromissos científicos, apenas usando bases de dados de
empresas para as quais trabalharam.
Com isto duas grandes confusões foram criadas por aqueles que adotam como ferramenta de
análise a pirâmide (triângulo) de Bird ampliada:
- Falta de foco em acidentes com lesões severas (fatalidade ou lesão incapacitante permanente).
- Crença de que ao se trabalhar na “base” do triângulo as lesões mais sérias seriam evitadas.
Atualmente percebo que ainda 9 dentre 10 líderes ou profissionais de segurança utilizam este
último conceito, uma vez que são recentes os estudos que derrubam essa “teoria”, como
veremos a seguir.
Desde 2007 a Associação Norte Americana de Engenheiros de Segurança vinha se preocupando
com o aumento de fatalidades, as quais ocorriam mesmo em empresas com excelentes números
de taxa de frequência, mostrando que as causas de acidentes mais sérios não eram as mesmas de
acidentes de menor severidade. Diversos estudos com mais base científica que os anteriormente
citados foram efetuados e, em 2012 foram apresentadas as conclusões deste trabalho em artigo
de Krause (BST) e Murray (Exxon) e também amplamente debatido no Fórum de Prevenção de
Fatalidades patrocinado pela Indiana University of Pennsylvania.
As conclusões mostram que:
- a ausência de acidentes menores não indicam que fatalidades serão evitadas;
- a ocorrência de acidentes menores não indicam que fatalidades irão ocorrer;
- as causas e correlações de eventos de alta severidade são diferentes daquelas de acidentes de
menor severidade;
- dentre o grupo significativo de empresas estudado de 2007 a 2011 pela Behavioural Science
Technology (ExxonMobil, Potash, Shell, BHP Billiton, Cargill, Archer Daniels e Maersk),
aproximadamente 20% dos acidentes tinham potencial de provocar lesões fatais ou de
incapacidade permanente e os demais 80% não possuíam esse potencial.
O problema então se resumia no seguinte fato – os esforços tradicionais de melhoria da
segurança implementados pela maioria das organizações normalmente falham na prevenção de
fatalidades ou lesões incapacitantes severas (chamados de eventos SIF, de severe injury or
fatality) , uma vez que não há foco específico para esta finalidade. Na maioria dos eventos
catastróficos dos anos recentes – Columbia, Challenger, BP Texas, Deepwater Horizon –
existiam indicadores de possibilidade de falha catastrófica, mas estavam obscurecidos por anos e
anos de dados mostrando que a Taxa de Frequência de acidentes era baixa, muito baixa e
melhorando a cada ano.
Assim, deve-se analisar aqueles eventos com potencial de alta severidade para se chegar a
medidas de prevenção eficazes contra a ocorrência de acidentes graves. Essa análise deve incluir
acidentes menos sérios (com alto potencial), quase acidentes ou mesmo relatos de
anormalidades, na chamada “base da pirâmide”. Importante ressaltar que o percentual de cerca
de 20% obtido com o grupo de estudo pode variar dependendo da natureza da indústria. Na
siderurgia estudei este fenômeno por cerca de 2 anos e chegamos a um percentual de cerca de
15%, o que importa é reconhecer os eventos de alto potencial e estabelecer estratégias distintas
de prevenção de acidentes para cada um deles.
Deve-se identificar, entender e mitigar as situações características dos eventos de alta
severidade, chamadas por Krause de “precursores”. Este vocábulo é uma nova e profunda adição
ao jargão da segurança e os dados que indicam a existência de precursores são vitais para a
avaliação de riscos e sinalizam potenciais problemas. Por definição um precursor é uma
situação de alto risco onde os controles gerenciais são ausentes, não conformes ou ineficazes
podendo resultar em um acidente fatal ou lesão incapacitante permanente se permitido que o
trabalho continue, em resumo eventos precursores são situações de alto risco não mitigadas. As
atividades que podem conter altas proporções de precursores incluem, mas não se limitam a:
- Equipamentos móveis pesados (empilhadeiras, guindastes, pás carregadeiras, etc.);
- Entrada em espaços confinados;
- Operações de içamento e transporte de cargas;
- Trabalho em altura;
- Trabalhos que requerem bloqueio de energias perigosas;
- Trabalhos a quente próximo a inflamáveis;
- Escavações;
- Trabalho com metal líquido em altas temperaturas;
- Outras situações de risco grave e iminente, dependendo da natureza da atividade.
Além das atividades acima, existem situações que também trazem um grande potencial de
ocorrência de eventos precursores como:
- Reações químicas exotérmicas, onde falha no controle pode levar a "runaway";
- Instabilidades de processo;
- Manutenções não programadas ou improvisadas;
- Procedimentos de parada em emergência;
- Trabalhos com energia em alto potencial.
Uma vez identificando as atividades e situações que podem conter precursores, deve-se
estabelecer seu devido bloqueio, utilizando-se obrigatoriamente da hierarquia de controles, não
deixando estes a cargo de medidas administrativas ou de equipamentos de proteção individual,
ineficazes que são para a magnitude do potencial envolvido.

Ao analisar acidentes, quase acidentes e desvios a tarefa fica facilitada, uma vez que os relatos
de desvios são proporcionalmente muito maiores e nunca dá tempo para resolver todos eles,
assim o foco da liderança e das equipes de segurança deve se dar naqueles que tem potencial de
alta severidade e para os demais pode-se juntar causas comuns, criar grupos de trabalho com os
próprios funcionários que emitiram o relato, mas sempre dando feedback e agradecendo pela
colaboração, para que as equipes se mantenham com o hábito de emitir relatos, mantendo a
confiança na liderança, que visivelmente deve cuidar da solução dos eventos de maior potencial.
Na prática basta uma reunião periódica com as turmas para ir tratando os problemas, dar
feedback e praticar visivelmente a liderança, construindo assim a liderança percebida e
aumentando a cultura de segurança da área.
Deve-se estabelecer uma estratégia clara de duas vias para eliminação dos acidentes, uma
baseada no potencial e na efetividade dos controles para se eliminar as fatalidades e lesões
incapacitantes permanentes e outra baseada no histórico de ocorrência para se tratar das lesões
de baixo potencial. Se queremos eliminar os acidentes do ambiente de trabalho, temos que
eliminar primeiro aqueles com alto potencial de danos para a vida e continuamente eliminando
as situações que podem provocar acidentes menores, como torção de pé, pequenos cortes, etc.
A comunicação deve ser bem clara para todas as pessoas, todos os acidentes importam e
devemos eliminar todos eles, porém com foco claro e estratégia diferenciada para aqueles de
maior potencial.
Com este pequeno artigo, nem de longe esgotamos o assunto, mas o intuito é despertar os
leitores para o novo paradigma que se apresenta. Recomendamos a leitura complementar de
artigos sobre prevenção de fatalidades de Fred Manuele, Thomas Krause e Jan Wachter/Lon
Ferguson, disponíveis e facilmente encontráveis na Internet.
Para a implementação dos conceitos de prevenção de fatalidades e lesões incapacitantes
permanentes certamente será necessário alterar os materiais de treinamento interno, preparar
comunicação para todos os níveis, identificar precursores, estabelecer estratégias distintas para
eliminação dos acidentes.

Você também pode gostar