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1 Introdução forte entre nós, enquanto, na maioria dos

países industrializados, já foi superado.


Apesar da falta de informações que pos-
sibilitam a qualificação precisa dos aci- Recentemente foi possível constatar,[4] com
dentes do trabalho (AT) em nosso país, base no estudo da análise de 125 aciden-
particularmente a construção das taxas tes do trabalho típicos ocorridos em três
de freqüência e de gravidade, os dados empresas metalúrgicas de grande porte do
disponíveis, que sabemos serem subesti- Estado de São Paulo, e investigados pelas
mados, são suficientes para considerar a mesmas, o peso atribuído à “negligência”,
ocorrência como um dos mais graves pro- “imprudência”, “descuido”, “exposição
blemas de saúde pública no Brasil. Os nú- desnecessária ao perigo”, etc. pelos fun-
meros brutos registrados atualmente na cionários encarregados das investigações,
Previdência Social, em 1991, 640.790 evidenciando emissão a priori de juízo de
AT, com 4.523 óbitos e 19.972 casos de valor, em detrimento da busca dos reais fa-
invalidez, para o total estimado de tores envolvidos na gênese destes fenôme-
22.792.858 trabalhadores, configuram nos. Além disso, tais investigações revela-
situação grave e alarme quanto à (in)se- ram apenas 143 “causas”, o que corres-
gurança do trabalho.[2] ponde à média de 1,14 “causas” por aci-
Nestas condições, uma das necessidades, dente, resultado que aponta claramente
sem dúvida, diz respeito à melhoria do re- para a concepção monocausal em relação
gistro destes fenômenos, de modo a propi- a fenômenos sabidamente pluricausais.
ciar descrição minimamente precisa de Se, a partir dos anos 30, os trabalhado-
sua ocorrência visando à instrumentaliza- res de HEINRICH[13] fizeram avançar a
ção tanto da assistência médica aos aci- concepção prevalente acerca dos aciden-
dentados quanto das ações de prevenção. tes de fenômenos simples decorrentes de
Neste sentido, em que pesem as limitações fatores técnicos a fenômenos um pouco
inerentes ao uso de instrumento concebido mais complexos em cuja origem encontra-
com fins securitários, como é o caso da Co- vam-se também fatores humanos, no Bra-
municação de Acidente de Trabalho - CAT, sil, esta concepção dicotômica deslocou-
alguns estudos realizados a partir das mes- se no sentido de atribuir grande peso a
mas[1, 8, 20, 36, 44] têm fornecido informa- estes últimos. Publicações sobre a questão
ções valiosas para melhor caracterizar os da “predisposição individual” aos aciden-
AT em nosso meio. Tais estudos têm eviden- tes, cujos aspectos falhos já eram bem
ciado aspectos como ocorrência segundo analisados em 1968 por CAZAMIAN e
ramo de atividade, acidente-tipo ou tipo de cols.,[6] entretanto, parecem ter exercido
ocorrência (típico ou de trajeto), natureza pouca influência entre nós.[5]
e localização das lesões, tempo de afasta-
Lamentavelmente, no que diz respeito à
mento do trabalho, etc.
gênese dos acidentes de trabalho, a con-
No que se refere a registro e tratamento cepção unicausal, calcada sobretudo em
de informações, é importante mencionar o fatores humanos, entendidos como des-
desenvolvimento de programa de informa- cuido, negligência, imprudência, etc.,
tização das comunicações de acidentes ainda prevalece no interior da maioria
de trabalho - Siscat, realizado por profis- das empresas. Decorrência disto são in-
sionais do Programa de Saúde do Traba- vestigações que não diagnosticam as ver-
lhador da Zona Norte de São Paulo - SP44 dadeiras causas dos AT, mas tão-somente
e que começa a ser utilizado por alguns identificam culpados.[4, 7]
outros programas e pela Secretaria de Es-
É possível que, sob influência do que ocor-
tado da Saúde de São Paulo.
ria internacionalmente, no Brasil, contribuí-
Outro aspecto que merece ser enfocado diz ram para essa concepção as diretrizes ema-
respeito à cultura da culpa que ainda pre- nadas da Associação Brasileira de Normas
valece, levando COHN e cols.[7] a cunhar Técnicas - ABNT[3] e da Fundação Jorge Du-
a expressão “produção da consciência cul- prat Figueiredo - Fundacentro[27, 28, 38, 42] e,
posa”. Apesar de não se restringir ao Bra- particularmente, a Norma Regulamentado-
sil, o fenômeno da culpabilização ainda é ra nº 5 - NR-5 em seu Anexo II.[29]

70 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


Publicação relativamente recente (1986) tema da maior relevância, qual seja o dos
que relata a investigação de um acidente acidentes do trabalho e de sua investiga-
fatal ocorrido nos Estados Unidos, envol- ção com vistas à prevenção.
vendo um robot, ilustra bem a questão da
atribuição de responsabilidade ao próprio
acidentado.[43] A investigação do aciden-
te, levada a efeito pelo National Institute
2 O Método de Árvore de
for Occupational Safety and Haelth - Causas
Niosh, como parte do projeto Fatal Acci-
dent Circumstances and Epidemiology,
levou à conclusão de que “o maior fator
2.1 Aspectos históricos
contributório para este acidente fatal pode O método ADC foi desenvolvido na Fran-
ter sido o comportamento da vítima” (o ça no início dos anos 70, a partir de de-
acidentado entrou na área de funciona- mandas concretas, provenientes da cons-
mento do robot e foi prensado entre um de tatação de que a incidência dos aciden-
seus braços e o poste de segurança de li- tes do trabalho, que vinha decrescendo
mitação da rotação do mesmo). É interes- nos 20 anos precedentes, começava a
sante assinalar que, contraditoriamente à apresentar indesejável estagnação.[22, 23]
afirmação acima, os autores propõem vá-
Por outro lado, importantes estudos vi-
rias medidas de prevenção, como enclau-
nham sendo desenvolvidos na década de
suramento da área de trabalho do robot e
60 com financiamento da Comunidade
instalação de painéis de controle do equi-
Européia de Carvão e do Aço, entre os
pamento fora de sua área de operação,
quais destacam-se os de FAVERGE[11] e de
além da recomendação da não utilização
LEPLAT,[19] estudos estes que passaram a
de postes de segurança para limitação de
incorporar a noção de sistema na análise
movimentos em caso de descontrole do
dos acidentes do trabalho: o acidente co-
equipamento. As medidas propostas le-
meça então a ser considerado como mani-
vam ao questionamento quanto à real im-
festação aparente do mau funcionamento
portância do comportamento da vítima na de um sistema sócio-técnico aberto, orga-
situação em que o acidente ocorreu. Cabe nizado em função de determinado fim –
assinalar que já havia descrições na litera- produção de bens ou serviços.[11] Cabe
tura de acidentes fatais com este tipo de ressaltar também a incorporação da no-
equipamento. Esta publicação ilustra bem ção de multicausalidade na origem dos
que o problema da responsabilização da AT, que já vinha sendo desenvolvida nos
vítima não é exclusivamente nossa. anos 50, em relação a estes fenômenos.
É neste contexto – de (in)segurança do tra- É de autoria de CUNY e KRAWSKY[9] a
balho, de falta de informações capazes de publicação de 1970 que apresenta os
caracterizar de forma minimamente precisa fundamentos iniciais do método que será
o grave problema de saúde pública consti- progressivamente desenvolvido por pes-
tuído pelos acidentes de trabalho, ainda fre- quisadores do INRS nos anos subseqüen-
qüentemente entendidos como fenômenos tes e que tem, como ponto de partida, se-
mono ou unicausais ou, quando muito, de- gundo os próprios autores, os trabalhos
correntes da dicotomia atos inseguros/con- de FAVERGE1 e de HERBST.2
dições inseguras, via de regra atribuindo-se
ao próprio acidentado culpa pelo evento Aspecto extremamente interessante diz res- 1 Faverge J-M (1965) - “L’ergono-
que o vitimou – que o Ministério do Traba- peito ao fato de CUNY e KRAWSKY[9] mie des systèmes”. Bull CERP 14,
1-2 p. 19-24.
lho, por intermédio da Secretaria de Segu- terem desenvolvido os fundamentos iniciais
Faverge J-M (1967) - Psycosociologie
rança e Saúde no Trabalho, está propondo do método, atualmente conhecido como des accidents du travail. Paris, Presses
a obrigatoriedade do uso do Método de método INRS ou método ADC, a partir das Universitaires de France.

Árvore de Causas - ADC, na investigação descrições de 184 acidentes, feitas por 2 Herbst, P. G. (1962) - Autonomous
contramestres e pessoal do serviço de segu- group functioning and exploration in
de “doenças e acidentes de trabalho”.[30] behavior theory and measurement.
rança de uma mesma usina siderúrgica e London. Tavistok Publications.
Perante o exposto, julgamos oportuno e ocorridos entre 1965 e 1968. Em outras Herbst, P. G. - ”Analyse des
dimensions des systèmes de
necessário realizar algumas considera- palavras, os autores tiveram à sua disposi- production” (document
ções visando contribuir para o debate de ção registros de AT cuja qualidade em ter- dactylographié, non daté).

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mos de clareza, precisão e riqueza de de- Como unidade ou categoria de análise, o
talhes propiciou o início do desenvolvimen- método utiliza a atividade que, por sua
to de método, hoje conhecido internacio- vez, é formada por quatro componentes:
nalmente, principalmente a partir de sua in- indivíduo (em seus aspectos físicos e psico-
clusão, em 1983, na Enciclopédia da Or- lógicos); tarefa, representada pelo conjun-
ganização Internacional do Trabalho.[34] to de ações executadas pelo indivíduo en-
quanto participante da produção (de bens
Três publicações merecem menção em rela- ou serviços, direta ou indiretamente); ma-
ção ao método ADC, por se tratar de estu- terial, entendido como todos os meios téc-
dos que deram continuidade à investigação nicos para que o indivíduo possa executar
de CUNY e KRAWSKY,[9] completando e sua tarefa; e meio de trabalho, isto é, o
aprofundando os enunciados iniciais. Trata- ambiente físico e social no qual o indiví-
se de um estudo de KRAWSKY, CUNY e duo executa sua tarefa.[9, 17, 32]
MONTEAU, de 1972,[17] um segundo estu-
do, de MONTEAU[32], datado de 1974 Como conceito fundamental ao seu desen-
(reeditado em 1977 pelo Office des Publi- volvimento, o método utiliza o conceito de
cations Officielles des Communautés Euro- variação, o que significa que, em relação
peenes) e, finalmente, um texto de 1975 de ao desenrolar habitual da atividade, ou
MERIC, MONTEAU e SZEKELY.[23] seja, sem ocorrência de acidente, alguma
coisa se passou de forma não habitual e a
Do ponto de vista do contexto francês dos
isto denomina-se variação. Cabe ressaltar
anos 70, trata-se de país que, tendo apre-
que a variação é identificada em relação
sentado período de decréscimo de incidên-
ao trabalho real e não ao trabalho pres-
cia dos acidentes de trabalho em função da
crito.[23, 32] Isto significa que, se na inves-
adoção de medidas técnicas (segurança de
tigação de um acidente, depara-se com
máquinas, melhoria de postos de trabalho,
uma situação na qual uma prescrição não
etc.) e de controle de ambientes e de condi-
é cumprida sistematicamente, este fato
ções de trabalho (por meio de todo apara-
não constitui uma variação, mas um fato
to jurídico-institucional adequadamente pre-
habitual ou um antecedente habitual ou
parado e estruturado), começa a apresen-
permanente, conceito este desenvolvido
tar estagnação da taxa de freqüência des-
por oposição ao de variação.
tes fenômenos. Tal situação, levando à
busca de novos instrumentos para enfrenta- A compreensão exata do conceito de varia-
mento do problema representado pelos aci- ção, estabelecido por comparação a uma
dentes, gera o método INRS (sigla da insti- situação permanente ou habitual, é impres-
tuição que o desenvolveu), atualmente co- cindível à utilização do método ADC. As-
nhecido como Método de Árvore de Cau- sim, precisa ficar claro que, se a atividade
sas ou, simplesmente, método ADC. se desenvolve de forma habitual, sem ocor-
rência de nenhuma alteração – variação –
não haverá acidente. O contrário, entretan-
2.2 Aspectos teóricos e metodológicos to, não é verdadeiro, isto é, pode haver va-
O método ADC parte de dois princípios riação em relação à atividade normal, sem
básicos: o de que o acidente do trabalho que sobrevenha um acidente.[9, 17, 32] Por
é um fenômeno multicausal e que ocorre exemplo, a designação de um trabalhador
no interior de um sistema sócio-técnico para outro posto de trabalho que não o seu
aberto, configurando sinal ou sintoma de constitui uma variação, contudo, em gran-
disfuncionamento deste, de acordo com a de parte das vezes em que isto ocorre, não
análise de FAVERGE.[11] sobrevêm acidentes.
De maneira simplificada pode-se dizer Outro aspecto que precisa ficar claro em
que o método ADC compõe-se de um con- relação ao conceito de variação diz res-
junto de princípios e de regras que permi- peito ao não-cumprimento sistemático de
tem, a partir do acidente (e também do normas ou regras de segurança. Se uma
quase-acidente, do incidente e do desgas- norma ou regra não é jamais cumprida,
te material) identificar progressivamente isto constitui um fato habitual e, por si só,
os fatores envolvidos em sua gênese, ini- não explica a ocorrência do acidente,
cialmente próximos ao AT e sucessiva- para o que é imprescindível a existência
mente a montante do mesmo. de pelo menos uma variação.[32]

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Como princípios fundamentais, destacam-se: 2.3.1 Coleta de informações
– ampliar, a partir do acidente (ou do qua-
A coleta de informações deve ser realiza-
se AT, ou incidente ou desgaste de mate-
da no próprio local de ocorrência do aci-
rial) a investigação das variações e dos fa-
dente, de modo a viabilizar a observação
tos habituais que participaram da gênese
de aspectos gerais do ambiente de traba-
do mesmo, de maneira sistemática em re-
lho (lay-out, iluminação, ruído, organiza-
lação aos quatro componentes da ativida-
ção, limpeza, etc.); características das má-
de: indivíduo (I), tarefa (T), material (M) e
quinas (sistemas de acionamento, zona de
meio de trabalho (MT). Esta investigação
operação, etc.), de ferramentas, de maté-
deve retroceder até o ponto em que fatos
rias-primas, etc.; características do posto
remotos em relação ao acidente caíram
de trabalho; forma de execução da tarefa
no esquecimento, ou quando os investiga-
cujo desenvolvimento culminou com o aci-
dores já obtiveram todas as respostas às
dente. Enfim a vistoria do local de ocorrên-
questões sucessivamente formuladas. A
cia do acidente, com elaboração de es-
aplicação deste princípio traz como con-
quemas e realização de fotografias, com-
seqüência a ampliação do campo de in-
plementadas com entrevistas de trabalha-
vestigação do AT e permite tanto a explo-
dores, deverá permitir a reconstituição
ração de fatores remotos em relação à
sua ocorrência como, particularmente, a mais fiel possível de como o acidente que
evidenciação de fatores organizacionais está sendo investigado ocorreu.
relacionados à gênese do mesmo.[9, 17, 32] Em relação a esta etapa podemos colocar
– ater-se, na investigação mencionada aci- as seguintes questões: Quem? Onde?
ma, exclusivamente a fatos ocorridos, Quando? Como? Por quê?
quer se trate de variações ou de fatos
Assim, começando a respondê-las, pode-
habituais, descrevendo-os de forma cla-
mos dizer que, para as condições de utiliza-
ra e concisa, de modo a impedir emis-
ção do método previstas por seus autores,
são de juízo de valor, vedada em todas
isto é, pelo pessoal das empresas, a coleta
as fases de aplicação do método e inter-
pretações, vedadas nas fases de coleta de dados deve ser feita por profissional co-
e organização de informações (fatos) e nhecedor da maneira habitual de realiza-
de construção da árvore.[17, 22, 32] A ção da atividade em cujo desenrolar sobre-
obediência a estas diretrizes faz desa- veio o AT. Acidentado, colegas de trabalho,
parecer das descrições de acidentes ter- supervisores ou contramestres, quadros hie-
mos como “negligência”, “descuido”, rárquicos superiores etc. deverão todos res-
“imprudência”, etc., substituídos pela ponder às questões formuladas a com base
descrição factual. na lesão provocada pelo AT, objetivando
identificar o maior número possível de fato-
Finalmente, os especialistas franceses[23] res envolvidos na gênese do mesmo.
recomendam que se dê preferência ao
emprego do método em acidentes de pe- A coleta de informações deve contar com a
quena gravidade, dadas as implicações participação de profissionais adequada-
legais existentes nos acidentes graves, mente treinados na utilização do método. O
que podem levar à omissão de informa- treinamento adequado é considerado indis-
ções importantes, o que, como será abor- pensável.[14, 16, 25, 32, 40, 41] A coleta de da-
dado à frente, não coincide com nossa dos, como já foi dito, realizada no próprio
experiência no Brasil. local de ocorrência do AT, deverá ser efetua-
da logo em seguida a ocorrência do AT.
Não existe questionário formulado a priori
2.3 Etapas do método para coleta de informações, balizando-se
O uso adequado e duradouro do método a investigação pela história do desenrolar
ADC, segundo a experiência francesa,[39] da atividade, tendo os componentes da ati-
requer que a empresa o adote como um vidade – indivíduo, tarefa, material e meio
dos instrumentos de sua política de pre- de trabalho – como pontos de referência
venção de acidentes. Apenas nesta situa- para a condução da investigação.
ção todas as etapas descritas a seguir te- É da maior importância que apenas fatos
rão condições de serem desenvolvidas. – habituais ou variações – sejam registra-

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dos nesta fase. É imprescindível que se ob- refa dos dois consistia em abastecer o tri-
tenha uma descrição clara, precisa, des- turador com a matéria-prima, recolher o
provida de interpretações e de emissão de produto triturado em sacos e estocá-los
juízos de valor. A observância desta exi- por meio de palette transportado manual-
gência requer, por um lado, certo domínio mente para local ao lado do triturador.
na linguagem falada e escrita e, por outro,
treinamento apropriado ao uso do método. Normalmente o trabalho era realizado
sob responsabilidade de um chefe de
No momento da coleta de dados é funda- equipe cuja presença havia sido julgada
mental a participação dos diferentes ato- dispensável à noite e o controle do traba-
res, direta ou indiretamente envolvidos no lho dos Srs. A. e L. havia sido confiado di-
AT, para que se obtenham todas as infor- retamente ao responsável por outro setor,
mações possíveis sobre os fatos que efeti- o qual deveria ser chamado apenas em
vamente ocorreram. caso de dificuldade.
Dado que o número de trabalhadores esta-
2.3.2 Organização das informações
ou fatos va reduzido em relação à jornada normal,
uma empilhadeira utilizada para outra ta-
Os fatos que constam da descrição do refa encontrava-se disponível. Por sua pró-
acidente devem ser organizados (listados) pria iniciativa o Sr. L., que não possuía ha-
levando em consideração tratar-se de va- bilitação para operar a empilhadeira, co-
riação ou fato habitual e segundo compo- meçou a utilizá-la, pois a chave da mesma
nente da atividade a que pertença: indiví- encontrava-se sobre o painel.
duo (I), tarefa (T), material (M) ou meio de
trabalho (MT). Segundo os Srs. A. e L., perto de meia-
noite e meia, isto é, três horas e meia
A decisão de apresentar de modo prático após o término da jornada normal, estan-
esta etapa, por meio da descrição de um do ambos cansados, pensaram em utili-
acidente do trabalho a partir do qual será zar a empilhadeira para economizar seus
construída a ADC,3 coloca já dois aspectos esforços na estocagem dos sacos.
que merecem ser explicitados: por um lado,
o da complexidade do fenômeno em si e, Quando o Sr. L. efetuava uma curva em
por outro lado, o da indicação do uso do marcha a ré para mudar a posição do
método, isto é, para casos ocorridos em veículo, este tombou, prensando-o entre o
condições nas quais os problemas mais gra- solo e a coluna direita do teto de seguran-
ves, relativos à falta de segurança de máqui- ça, causando-lhe traumatismos múltiplos.
nas, à concepção inadequada de postos de Analisando-se a organização dos fatos,
trabalho e à existência de modos operató- evidencia-se que a cada um deles corres-
rios perigosos, já foram solucionados. Nes- ponde uma frase composta de sujeito, ver-
tas circunstâncias, aspectos organizacionais bo e, conforme o caso, complemento. A
envolvidos na gênese dos AT e evidencia-
empilhadeira (sujeito) tomba (verbo). O
dos com o uso de método ADC adquirem
chefe da equipe (sujeito) é (verbo) um subs-
grande importância para a prevenção des-
tituto provisório (complemento). As frases
tes fenômenos, como poderá ser constatado
são formuladas de maneira clara, objetiva,
no exemplo apresentado a seguir.
de preferência com o verbo no presente do
Resumo do acidente indicativo, sem emprego de palavras que,
por seu próprio sentido, impliquem inter-
Sr. L., 28 anos, trabalhador não-especia- pretação ou emissão de juízo de valor.
lizado. Nesse sentido, cabe referir que o fato “os
Srs. A. e L. querem ganhar tempo” foi re-
A empresa funcionava excepcionalmente
gistrado diante das circunstâncias, isto é,
à noite a fim de dar vazão a um exceden-
trabalho noturno, ultrapassando em 3
te de estoque de matéria-prima. Por esta
3 Adaptação de acidente do horas e meia a jornada normal e por haver
razão o número de trabalhadores era re-
trabalho discutido durante Curso sido expresso pelos dois trabalhadores.
sobre o Método de Árvore de duzido, pois, após a jornada normal,
Causas, ministrado por Michel apenas uma parte do efetivo continuava Outro aspecto importante diz respeito a
Meric de 14 a 18 de abril de 1994
no Centro de Formação do trabalhando. O Sr. L. trabalhava há vá- não elaborar frases contendo dois (ou
INRS - Paris. rios anos com o Sr. A. no triturador. A ta- mais) fatos distintos do tipo “banco tomba

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Listagem dos fatos (0 - variação, ■ - fato habitual)

Fato Componente 0/■


1. O Sr. L. sofre traumatismos múltiplos I 0
2. O Sr. L. é prensado entre a coluna da empilhadeira e o solo T 0
3. A empilhadeira tomba T 0
4. O Sr. A. e o Sr. L. trabalham juntos no triturador MT ■
5. O Sr. A. e o Sr. L. abastecem o triturador T ■
6. O Sr. A. e o Sr. L. estocam o produto fabricado T ■
7. O teto da empilhadeira é sustentado por quatro colunas M ■
8. Uma das colunas do teto está à frente e à direita do condutor M ■
9. O Sr. L. efetua uma curva em marcha a ré T 0
10. O Sr. L. opera a empilhadeira T 0
11. Os Srs. A. e L. estão cansados I 0
12. Os Srs. A. e L. ganham tempo T 0
13. A empilhadeira está disponível MT 0
14. A equipe é chefiada por substituto provisório MT 0
15. A chave da empilhadeira está sobre o painel MT 0
16. O número de trabalhadores (equipe) está reduzido MT 0
17. É 0h e 30min (3h30 após o término da jornada normal MT 0
18. O transporte de sacos é realizado com pallete manual MT ■
19. O trabalho é realizado à noite MT 0
20. Existe um excedente de estoque MT 0

e prensa pé direito”, pois os fatos antece- evitar formulação do tipo “por que Y aconte-
dentes ao tombamento do banco não são ceu?”, pois tende a provocar resposta simpli-
os mesmos da prensagem do pé. No ficada, não induzindo ao raciocínio).
exemplo dado, os dois fatos constituem
No caso, a resposta é: foi necessário que
variação do componente tarefa. Entretan-
o Sr. L. tivesse sido prensado entre a colu-
to, algumas vezes cometem-se falhas,
agrupam-se fatos pertencentes a compo- na da empilhadeira e o solo.
nentes diferentes, configurando desrespei- A indagação seguinte é: este fato (ser
to às regras do método. Isto geralmente prendado...) é suficiente para explicar as
ocasiona a perda de coerência do esque- lesões sofridas pelo Sr. L.? No caso, a res-
ma (árvore), podendo invalidar o uso do posta é afirmativa, levando à construção
método. Portanto, além do domínio da lin- do esquema apresentado a seguir.
guagem, ainda mais fundamental é o do-
mínio dos princípios e regras do método.
T I

2.3.3 Construção da árvore O Sr. L. é prensado O Sr. L. sofre


entre a coluna da traumatismos
Organizados os fatos, para se construir a ár-
empilhadeira e o solo múltiplos
vore a partir da lesão sofrida pelo acidenta-
do, elaboram-se questões como: o que foi
necessário acontecer para que o Sr. L.. so- A esta representação gráfica denomina-
fresse traumatismos múltiplos? (recomenda-se se encadeamento, e significa que o fato

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de ter sido prensado entre a coluna da caso, significa que o tombamento da em-
empilhadeira e o solo constitui condição pilhadeira, somado à existência e posição
necessária e suficiente para produzir trau- da coluna, foram fatos necessários e sufi-
matismos múltiplos no Sr. L. cientes para que o Sr. L. fosse prensado.
A questão que se coloca a seguir é: o que
foi necessário acontecer para que o Sr. L.
fosse prensado entre a coluna da empilha- T
deira e o solo? A primeira resposta é: que
a empilhadeira tenha tombado. Em segui- A empilhadeira
da: este fato (tombamento da empilhadeira) tomba
foi suficiente para prensar o Sr. L. ou houve T
necessidade da presença de algum outro
fato? No caso, a resposta é que o tomba- O Sr. L. é
mento foi necessário, mas não suficiente, prensado
M
pois uma característica da empilhadeira, entre a coluna
isto é, a coluna do teto teve participação. da empilhadeira
A coluna do teto e o solo
À representação gráfica apresentada a se- situa-se à frente e
guir dá-se o nome de conjunção e, no à direita

Os Srs. A. e L. ?
estão cansados

T
T T
A
Os Srs. A. e L. O Sr. A. muda a empilhadeira
T
ganham tempo posição da tomba
empilhadeira
O Sr. L. faz curva
MT em marcha a ré
T T I

A empilhadeira O Sr. L. opera a O Sr. L é O Sr. L sofre


está disponível empilhadeira prensado entre traumatismos
a coluna da múltiplos
empilhadeira e
M M o solo

A chave da Uma das


empilhadeira está colunas situa-
sobre o painel se à frente e à
direita do
condutor
M

O chefe da
equipe é um
substituto
provisório
Figura 1. Esquema parcial de acidente de trabalho típico com tombamento de
empilhadeira

76 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


Neste ponto podemos refletir sobre a van- constate por exemplo que Ta ➾ Tc consti-
tagem ou não de continuar o questiona- tuem uma seqüência lógica no desenca-
mento acerca de uma característica do ma- deamento do acidente analisado.
terial (posição da coluna da empilhadeira)
Retomando o exemplo que vimos utilizan-
ou nos determos neste ponto. A continuida-
do, devemos indagar as razões do cansa-
de deste questionamento nos levará a as-
ço dos Srs. A. e L., e em sua origem encon-
pectos relativos à concepção da máquina
traremos: “é 0h 30min (3h 30min após o
(no caso, empilhadeira) que muitas vezes
término da jornada normal)”. Este fato é o
se reveste de grande importância. No
único responsável pelo cansaço (necessá-
caso, optou-se por não continuar investi-
rio e suficiente) ou existe outro além dele?
gando este fato habitual (também denomi-
No caso, a resposta à segunda parte da
nado antecedente estado ou permanente).
questão é positiva: “o transporte de sacos
Repetindo o mesmo tipo de questiona- é realizado com palette manual”. Tais in-
mento podemos chegar à Figura 1. formações permitem construir:
Neste ponto da construção do esquema é
possível observar que não foi possível ob- T
ter mais informações sobre fatos que ex-
plicassem de maneira mais completa e sa- O transporte de
tisfatória o tombamento da empilhadeira: sacos é realizado
apenas a execução de uma curva em com palette I
manual
marcha a ré (condição necessária) não
nos satisfaz (não é suficiente) para expli- Os Srs. A. e L.
car o referido tombamento. Representa- M
estão cansados
mos esta lacuna de informação com um
sinal de interrogação (?). Durante investi- É 0h 30min
gações de acidentes, o surgimento de in- (3h 30min após o
terrogações deverá nos levar a reinvesti- término da
gar fatos relacionados a cada um dos jornada normal)
componentes da atividade na tentativa de
completar as lacunas graficamente repre- Continuando sistematicamente as indaga-
sentadas na árvore por este sinal. Esta re- ções, é possível completar o esquema ou
gra do método leva ao aprofundamento árvore do AT, que se encontra na Figura 2.
da investigação do acidente e à identifi- Completando o esquema ou árvore do aci-
cação de fatores situados bem a montan- dente (Figura 2), deve-se ressaltar que não
te da lesão. Outro aspecto interessante é constam duas ausências: uma, a de que o
que, para que o Sr. L. utilizasse a empi- Sr. L. não possuía habilitação para dirigir
lhadeira, vários fatores se conjugaram. empilhadeira e a segunda, que o supervisor
Cabe também salientar que, além do domí- dos dois não estava presente. A razão da
nio da linguagem, aspecto assinalado não introdução de ausências (algo que não
quando da descrição do AT e da identifica- aconteceu ou não estava presente), segundo
ção dos fatos, o momento da construção MONTEAU,[36] tem caráter sobretudo lógi-
da árvore exige raciocínio lógico, além co: “não se pode afirmar que o acidente
de, evidentemente, treinamento no uso do aconteceu simplesmente porque não exis-
método. Vale a pena destacar aqui o as- tiam meios de evitá-lo”. Além disso, ao intro-
pecto que freqüentemente constitui fator de duzir uma “ausência”, automaticamente tem-
erro na construção da árvore e que diz res- se como conseqüência que sua “não existên-
peito à confusão entre seqüência lógica e cia” teria evitado o acidente, o que é inverí-
seqüência cronológica. Por exemplo, em dico em várias situações como, por exemplo,
determinada tarefa, composta por seqüên- ”ausência de treinamento”: em muitos casos
cia de operações hipoteticamente denomi- não se tem evidência de que se o operador
nadas Ta, Tb e Tc, a inclusão de Tc como tivesse recebido treinamento o acidente teria
um fato, na árvore, necessariamente não sido evitado. Conseqüência deste raciocínio
implicará a inclusão de Tb ou Ta, a menos – a ”não ausência” de um fator X qualquer
que, aplicadas as regras do método, se inscrito na árvore teria evitado o acidente –

N º 8 7 / 8 8 - Vo l . 2 3 77
é a esterilização da imaginação ao pensar
as medidas de prevenção.[26]
São possíveis outras quatro configurações
ainda não mencionadas, que serão apre-
sentadas a seguir. Fato A Fato B

Quando temos dúvidas se um fato A qual-


quer participou da ocorrência de um ou- A configuração que se segue é denomina-
tro B, a forma de representação é a linha da disjunção e significa que os dois fatos:
tracejada, a seguir: ser meia-noite e meia e a equipe estar re-
duzida têm uma origem comum, isto é, a
realização de trabalho à noite.

MT
Fato A Fato B
É meia-noite e meia
MT (3h30min após término
da jornada normal)
No caso de haver dúvidas quanto à ocor-
rência do fato A, representa-se a figura O trabalho é
realizado à noite MT
por linha tracejada:
A equipe está reduzida

MT

O transporte
de sacos é I
feito com
pallete manual ?
Os Srs. A.
e L. estão
cansados
MT T T

T
? É meia-noite O Sr. L. A
e meia muda a empilhadeira
Os Srs. A. T tomba
empilhadeira
e L. ganham
de posição
MT tempo
O Sr. L. faz
curva em
marcha a ré
O trabalho é MT T T I
realizado à
noite
? MT A
O Sr. L. O Sr. L é O Sr. L sofre
MT empilhadeira
opera a prensado poli-
está disponível
Existe um empilhadeira entre a traumatismos
excedente coluna
A equipe
de estoque dianteira
está MT M direita do
reduzida
teto e o solo
A chave da Uma das
empilhadeira colunas do
está no teto fica na
painel frente e à
direita do
condutor
MT

A equipe é
chefiada por
substituto
provisório

Figura 2. Esquema de acidente do trabalho típico com tombamento de empilhadeira

78 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


Outra configuração é a seguinte:

T Fato 1

O transporte de
sacos é feito com I Fato 3
palette manual

Os Srs. A. e L.
MT estão cansados Fato 2

É meia-noite e meia
(3h30min após o fim I
da jornada normal)
Os Srs. A. e L. M
querem ganhar tempo
A matriz da prensa
está deteriorada M

T A peça se
T quebra

O transporte de
sacos é feito com I A peça é
palette manual posicionada
incorretamente
Os Srs. A. e L.
MT estão cansados

É meia-noite e meia Neste exemplo a deterioração da matriz


(3h30min após o fim I da prensa, por si só, é capaz de provo-
da jornada normal) car a quebra da peça, mesmo na ausên-
Os Srs. A. e L.
NÃO querem ganhar tempo
cia do posicionamento incorreto e vice-
versa. Algumas vezes é difícil identificar
tais situações e a representação gráfica
sob a forma de conjunção não implica
A configuração à esquerda com dois seg- perda de informação ou desrespeito às
mentos de reta partindo do fato “é meia- regras do método.
noite e meia” (MT) é necessária para evi- Cabe também chamar a atenção para a
denciar que esse e o “transporte ma- questão da simetria na construção de con-
nual”(T) são os dois fatos que se conju- junções e disjunções, dado que, ao cons-
gam para gerar o cansaço dos dois tra- truí-las, pressupõem-se que os fatos contri-
balhadores. Todavia, o “querer ganhar buem com o mesmo peso ou intensidade.
tempo” decorre apenas do horário. A Este aspecto pode ser observado em to-
configuração à direita tem, entretanto, ou- dos os esquemas apresentados.
tra leitura: o “transporte manual” e “ser
meia-noite” deram origem ao cansaço Analisando-se acidentes investigados em
dos dois trabalhadores e ao desejo de empresas, eventualmente depara-se com
querer ganhar tempo. conjunção do tipo:

Ainda um outro tipo de configuração


que pode surgir e que é relativamente
raro, decorre de situação na qual dois Fato A
ou mais fatos constatados podem, isola-
NÃO
damente, isto é, sem necessidade de se
conjugarem, dar origem a um terceiro Fato X
fato (ou quarto, etc.). A esta situação de-
nomina-se sobredeterminação e repre-
senta-se por: Fato B

N º 8 7 / 8 8 - Vo l . 2 3 79
Esta configuração não pode existir, se respei- mente, tal fato representará uma varia-
tados os princípios do método: se os fatos A ção; entretanto, com o passar do tempo
e B ocorreram da forma habitual, apenas es- transformar-se-á em fato habitual ou per-
tes dois fatos são incapazes de dar origem à manente. Esta é uma das razões que tor-
variação X. O que costuma ocorrer são situa- na difícil, em certas circunstâncias, esta-
ções habituais muito frágeis quanto à segu- belecer se determinado fato já pode ser
rança (situações de baixa fiabilidade), nas considerado como habitual ou ainda
quais pequenas variações, difíceis de se de- constitui uma variação. Nesta situação
tectar, passam despercebidas.[16, 35] Nestes adota-se a seguinte representação:
casos deve-se representar:

Fato A
Uma questão a ser colocada neste mo-
mento é a da apresentação do método
ADC com o nível de detalhamento que
vem sendo realizado. À primeira vista,
Fato B Fato C esta opção poderá parecer fruto de pre-
ciosismo acadêmico, cujo efeito poderá
? ser o de afugentar profissionais interessa-
dos no uso do método.
Neste caso, a variação inicial não detec- Entretanto duas ordens de fatores deter-
tada é representada por um sinal de inter- minaram essa opção. A primeira refere-
rogação, posicionado no mesmo alinha- se à constatação, feita em 1985 pelo
mento dos fatos A e B. Institut pour l’Amelioration des Conditions
Da mesma forma, a configuração apresen- de Traivail – Inpact4 que, avaliando a uti-
tada a seguir, embora teoricamente possí- lização do método ADC na França, con-
vel – existência de recuperação com o fato cluiu que sua difusão se acompanhara
Z representando o prosseguimento do tra- de algumas deturpações limitantes de
balho como habitualmente desenvolvido – suas potencialidades.[16]
na verdade não se verifica na prática. Nesse mesmo sentido, também merece
menção estudo realizado em 1982, pelo
próprio INRS,[14] relativo à implantação
controlada do método, entre engenheiros e
técnicos de segurança de instituição estatal
Fato R ligada à Seguridade Social. Estes profissio-
nais, com vários anos de experiência em
segurança do trabalho (53% dos quais
Fato Z com mais de 10 anos de experiência) fo-
ram submetidos a treinamento para uso do
método e, posteriormente, seu desempe-
Fato S
nho foi avaliado. Nesta avaliação[14] cons-
tatou-se que, embora em 57% dos casos o
Assim, diante da mesma deve-se checar desempenho pudesse ser considerado
se está realmente correta (R e S são varia- bom, foram encontrados vários tipos de er-
ções? Z é um fato habitual? Z decorre da ros, classificados em duas categorias:
conjunção dos fatos R e S?) – erros relacionados à coleta e organiza-
ção das informações: descrições impre-
Um aspecto a ser lembrado é que, com o cisas; mais de um fato organizado de
passar do tempo, uma variação pode maneira associada; interrupção preco-
4 Órgão de assessoramento da
Confederation Française transformar-se em fato permanente. Por ce da coleta de informações com conse-
Democratique du Travail - CFDT, exemplo, um dispositivo qualquer é im- qüentes lacunas: não utilização das ca-
uma das centrais sindicais de
trabalhadores da França. plantado em um equipamento e, inicial- tegorias de análise – Indivíduo, Tarefa,

80 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


Material e Meio de Trabalho – particu- mento da leitura da árvore é sobretudo in-
larmente importante na investigação de terpretativo. É o momento no qual se efe-
acidentes nos quais as variações não tua o que pode ser chamado de análise
são evidentes; interpretação em vez de clínica do acidente[32] e que permite exa-
descrição de fatos; minar o encadeamento dos fatores que
– erros relacionados à coerência lógica desembocaram no mesmo, identificando
da ADC: problemas na construção de o que, inicialmente, os autores que desen-
conjunções (freqüentemente relaciona- volveram o método denominaram de fo-
dos com organização associada de fa- cos de risco,[16, 30] conceito este que, pro-
tos já mencionada); problemas na cons- gressivamente elaborado, evoluiu para o
trução de disjunções; estabelecimento de fator potencial de acidentes.[10, 33]
de relações de fato antecedente-fato
conseqüente quando na verdade trata- 2.3.5 Identificação de medidas
va-se de fatos independentes; apresen- preventivas
tação invertida de fato antecedente-fato
conseqüente. É preciso ter sempre em mente que toda a
investigação do acidente tem por objetivo a
Esse estudo[14] revela que, mesmo tratan- identificação dos fatores que participaram
do-se de profissionais (engenheiros e técni- da gênese do mesmo, com vistas à preven-
cos de segurança) experimentados e sub- ção. Para tanto, é imprescindível que as
metidos a treinamento, o domínio dos prin- etapas subseqüentes à construção da árvo-
cípios do método, imprescindível à sua re sejam realizadas com o mesmo rigor.
adequada utilização, é tarefa que exige Neste sentido, para cada fato deverão ser
estudo, discussões e reciclagens simulta- buscadas medidas curativas. Nesta fase,
neamente à prática, isto é, à aplicação do diferentemente das precedentes, segundo
método na investigação de acidentes. MERIC,[26] deve-se deixar a imaginação
A segunda ordem de fatores refere-se à funcionar. É perfeitamente possível que,
experiência de utilização do método em para determinados fatores ou fatos, não se
Botucatu que será abordada à frente. conheçam medidas curativas: elas ainda
estão para ser desenvolvidas e, nesse senti-
do, é preciso dar asas à imaginação.
2.3.4 Leitura e interpretação da árvore
Uma recomendação prática dos especialis-
A leitura da árvore referente ao acidente
tas com longa experiência no método[25, 36]
do tombamento da empilhadeira revela,
de imediato, que vários fatos (ou fatores), é a de que, se por um lado a coleta de infor-
em sua quase totalidade consistindo de va- mações e a construção da árvore devem rea-
riações, estiveram na gênese do mesmo. lizar-se após o menor intervalo de tempo
possível da ocorrência do AT, a identificação
Uma segunda constatação é que os fato- de medidas curativas, não. Ou seja, investi-
res (ou fatos) identificados não se restrin- ga-se o acidente e em seguida constrói-se a
gem apenas aos imediatamente preceden- árvore, mas somente após alguns dias reto-
tes à lesão, mas, alargando progressiva- ma-se a discussão visando à busca de medi-
mente o campo de investigação, permitem das curativas. A razão alegada é que, após
a identificação de fatores organizacionais alguns dias, haveria um certo distanciamen-
situados a montante em relação àquela. to que propiciaria a compreensão do aci-
A leitura da árvore, realizada da esquerda dente de maneira mais global.
para a direita, revela que realmente a in- É preciso não esquecer que a investigação
vestigação, neste acidente, não foi capaz do AT com método de árvore de causas é
de avançar mais, isto é, não foi possível um processo a ser desenvolvido coletiva-
descobrir a razão da existência de um ex- mente, com participação de diversos ato-
cedente de estoque, nem tampouco que ou- res (acidentado, colegas de trabalho, con-
tra razão (fato) além desta levou à extensão tramestres, etc.), como já foi salientado
da jornada de trabalho (trabalho noturno). anteriormente. Neste sentido, PHAM[40]
Se, durante a coleta de informações, a re- chama a atenção para os aspectos peda-
gra era não efetuar interpretações, o mo- gógicos do método, relacionados ao tra-

N º 8 7 / 8 8 - Vo l . 2 3 81
balho em grupo e com participação de – estabilidade da medida em relação ao
elementos de diversos níveis hierárquicos. tempo: por exemplo, medidas que impli-
A etapa de elaboração de medidas cura- cam apenas modificações do comporta-
tivas também deve respeitar esta recomen- mento dos operadores em geral são
dação de trabalho em equipe. pouco estáveis, principalmente se asso-
ciadas ao item a seguir;
Um aspecto que deve ser reforçado e, de
certa forma, relacionado com a recomenda- – custo da medida para o operador: me-
ção de “dar asas à imaginação”, diz respei- didas que implicam esforços adicionais
to a eventuais avaliações quanto ao custo para o operador em geral são rapida-
das medidas curativas propostas. Todavia, o mente abandonadas;
momento de se preocupar com tal aspecto, – deslocamento do risco ou surgimento de
isto é, com relação a custo/eficácia, virá novos riscos: este é um aspecto freqüen-
quando da escolha das medidas a serem temente esquecido de ser analisado e,
implantadas.[23] E, neste sentido, quanto realmente, uma medida de prevenção
maior o leque de medidas curativas propos- adotada em relação a determinado ris-
tas, maiores as possibilidades de escolha. co pode introduzir um novo risco não
previsto inicialmente;
Segundo MERIC, MONTEAU e SZEKELY[23]
– a amplitude da medida: algumas medi-
esta fase do trabalho “apela aos conheci-
das de prevenção têm alcance limitado
mentos, à experiência e à imaginação”. Se-
enquanto outras, na medida em que su-
gundo estes autores, na verdade, existem
primem fatores comuns a vários aciden-
apenas dois grandes grupos de medidas
de prevenção possíveis: as que suprimem tes, apresentam alcance ampliado;
os fatores de acidente e as que os tornam – nível de anterioridade lógica: quanto
compatíveis com o desenvolvimento do tra- mais a montante em relação à lesão, em
balho em condições de segurança, isto é, geral maior é sua amplitude de atuação
sem que sobrevenham acidentes. (item anterior), mas, além disso, seus
efeitos podem se fazer sentir sobre ou-
Tomando como exemplo um fator de aci- tros fatores, mesmo não se restringindo
dente freqüentemente encontrado em vá- a fatores do acidente considerado como
rias empresas, como é o caso da utiliza- caso-índice da medida;
ção de uma mesma máquina ou equipa-
– prazo de aplicação: após a ocorrência
mento por diferentes equipes e/ou servi-
do acidente, algumas medidas têm de
ços, de forma mais ou menos anárquica,
ser adotadas sem tardar, visando evitar
é possível constatar que este fator costu-
a repetição do mesmo acidente e isto
ma estar na origem de outros, de modo a
deve ser feito independentemente da
configurar uma disjunção. Como medidas
adoção de outras medidas que depen-
curativas, diante de situação como esta,
derão não só de prazos para sua im-
pode-se propor: que a máquina e/ou
plantação mas também de negociação
equipamento passe a ter um responsável;
no interior da empresa.
que somente este a opere; adoção de
providências relativas à sua manutenção
(por exemplo, pelo responsável) etc.
2.4 Conceito de fator potencial de
acidentes
2.3.6 Escolha de medidas preventivas
A exposição realizada até o momento
Se por um lado é fácil calcular o custo da abordou o método ADC como ferramenta
adoção de uma medida preventiva, por de diagnóstico dos fatores implicados na
outro lado, a avaliação de sua eficácia gênese dos acidentes de trabalho, pela
coloca vários problemas. Disto decorre qual a prevenção pode ser pensada e co-
que, freqüentemente, os aspectos relati- locada em prática de maneira mais am-
vos aos custos acabam preponderando. pla e, portanto, mais eficaz.
Quanto aos aspectos técnicos a serem ob- Um conceito importante para a prevenção é
servados por ocasião da análise das me- o de fator potencial de acidentes que, ape-
didas de prevenção pelo menos seis crité- sar de não completamente elaborado do
rios são considerados fundamentais:[23] ponto de vista científico, apresenta grande

82 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


valor prático. Inicialmente denominados Segundo os formuladores do conceito de
focos de risco[32] ou fatores de risco[33] que, fator potencial de acidentes[15] este pos-
ao serem progressivamente desenvolvidos, sui quatro propriedades:
passaram a ser denominados fatores poten- – sua presença possibilita a ocorrência de
ciais de acidente,[10, 12, 15, 23] elaborados acidentes do trabalho;
valendo-se de fatores específicos e circuns- – apresenta caráter geral tal que pode ser
critos que são os fatos (ou fatores) represen- encontrado em várias situações de tra-
tados nas árvores de causa. balho;
Para a elaboração do conceito de Fator – propicia a busca de medidas de pre-
Potencial de Acidente - FPA considera-se venção;
que o acidente é conseqüência da degra- – facilita o encontro de soluções visando
dação de uma situação de trabalho que, a supressão ou neutralização dos fato-
a montante da lesão, apresenta caracte- res de risco de acidentes.
rísticas específicas. É justamente este ca- Embora ainda esteja por ser realizado o
ráter específico que propicia a formula- que pode ser chamado de recenseamento
ção da noção de FPA.[15] de fatores potenciais de acidentes, alguns
Tomando como exemplo um acidente no deles são já suficientemente conhecidos,
qual teve participação a utilização de principalmente em função de sua freqüên-
uma faca em substituição a uma tesoura cia de aparecimento:[10, 12, 15, 23, 24]
inexistente no posto de trabalho, pode- – co-atividade, isto é, duas ou mais equi-
mos generalizar, dizendo que a falta de pes diferentes trabalhando simultanea-
uma ferramenta apropriada (ou adequa- mente na mesma área;
da) ensejou a utilização de outra, impró- – incompatibilidade de materiais de gera-
pria ou inadequada. É possível então for- ções diferentes;
mular de maneira mais geral os respecti- – utilização anárquica de um mesmo ma-
vos FPA – ausência de ferramenta ade- terial por vários serviços, equipes, indi-
quada e uso de ferramenta imprópria. víduos;
A questão que imediatamente se coloca é – má circulação de informação;
a da utilização desta formulação. O ra- – inexistência de dispositivo de segurança;
ciocínio que se faz é que a falta de uma – insuficiência de dispositivo de seguran-
ferramenta apropriada em determinado ça por concepção;
posto de trabalho, provavelmente, não é – insuficiência/inadequação de aprovi-
um fato isolado, podendo-se repetir em sionamento de postos de trabalho.
outros postos de trabalho da empresa.
Este fato configura um FPA que deverá ser
sistematicamente pesquisado, visando à 2.5 Potencialidades e limitações
prevenção de outros acidentes nos quais
Fundamentado numa concepção mais am-
este tipo de fator possa vir a participar.5
pla em relação ao acidente – fenômeno
O problema que se coloca é o do grau de pluricausal resultante do disfuncionamento
generalização ótimo do ponto de vista da de um sistema sócio-técnico aberto – o mé-
operacionalização do conceito. Examine- todo ADC permite a identificação de fato-
mos um segundo exemplo no qual a possi- res causais que ultrapassaram os antece-
bilidade de acesso da mão à zona de dentes mais próximos da lesão produzin-
operação de uma máquina foi identifica- do análises ricas e aprofundadas.[22, 32] O
do como fator de acidente. Neste caso, questionamento sistemático, que faz parte 5 Na origem desse fator potencial,

uma generalização do tipo máquina peri- das regras do método, conduz a indaga- geralmente encontram-se outros
ções acerca de aspectos situados à distân- mais gerais como falha e/ou
gosa é ampla demais e pouco operacio- inadequação da organização do
nal enquanto máquina com zona de ope- cia do AT como, por exemplo, concepção trabalho no que diz respeito ao
ração permitindo acesso de parte do cor- de máquinas e organização do trabalho. aprovisionamento dos postos de
trabalho com instrumentos,
po constitui uma formulação que ainda fa- O método ADC, segundo PHAM e MON- ferramentas, materiais necessários
cilita a prevenção na medida em que, TEAU[39] “permite particularmente estabe- e apropriados à execução das
tarefas, cuja conseqüência é a
com base nela, todas as máquinas serão lecer a complexidade do fenômeno aci- improvisação, com conseqüências
verificadas quanto a esta característica. dente ao considerar o máximo de elemen- negativas para a segurança.

N º 8 7 / 8 8 - Vo l . 2 3 83
tos da situação de trabalho”. Como conse- da do método, em geral com conseqüên-
qüência, as possibilidades de prevenção cia para a prevenção.[16]
também se ampliam.[22, 23, 39]
Como pré-requisitos à sua aplicação, o
A representação esquemática do aciden- método ADC exige domínio de lingua-
te – árvore – torna o método um verdadei- gem e treinamento.[14, 16, 25] Além disso,
ro instrumento de comunicação,[22, 40] no período inicial de sua utilização por
pois permite que o mesmo seja visualiza- técnicos recentemente treinados é impor-
do de forma global e detalhada. Este as- tante a previsão de reciclagens e/ou de
pecto, aliado ao princípio que determina acompanhamento.[16, 40]
que a investigação dos fatores de aciden-
Quanto ao treinamento em si, aspectos
te se apóie sobre o rigor e a lógica e que
como deficiências no ensino do método,
somente fatos constem da árvore, faz do
em geral relacionadas à qualidade dos
método ADC uma ferramenta de diálogo
professores, curta duração dos cursos, au-
entre diversos atores no interior da em-
sência de programas de acompanhamento
presa.[22] Da mesma forma, ao colocar di-
posterior já foram identificados como impli-
ferentes interlocutores face a face para
cados no uso deturpado do mesmo.[14, 16]
discutir os acidentes ocorridos, passa a
influenciar o comportamento em relação à Outro aspecto apontado como fator limi-
prevenção e, dessa forma, pode ser consi- tante relaciona-se ao dispêndio de tempo
derado como uma ferramenta de mudan- necessário à adequada execução de todas
ça das práticas de prevenção.[22, 39] as fases do método, bem como a participa-
PHAM[40] assinala que a aplicação do ção de diferentes tipos de profissionais de
método ADC leva a um melhor conheci- diferentes níveis hierárquicos, conforme a
mento do trabalho e de seus riscos; ao fase de aplicação, da coleta de dados à
aprendizado do confronto de opiniões escolha de medidas de prevenção. Este as-
com base em informações de naturezas e pecto tem limitado a aplicação do método
de fontes diversas e, sobretudo, de resolu- pelas empresas.[14, 16, 24, 25]
ção de problemas em grupo.
Segundo PHAM e MONTEAU,[39] “a apli-
Se por um lado o método ADC parte da cação durável do método ADC depende
concepção de acidente como fenômeno da capacidade da empresa para integrar
pluricausal, por outro lado sua aplicação esta ação a uma política de prevenção
revela de maneira clara este aspecto, planejada e concebida como um dos ele-
constituindo pois ferramenta valiosa para mentos de gerenciamento da empresa”. A
a superação da visão dicotômica (fatores vontade política da empresa é necessária,
humanos e fatores técnicos) por referên- sem dúvida, à implantação do método na
cia aos fatores envolvidos na gênese dos investigação de seus acidentes de traba-
acidentes de trabalho. lho, que poderemos denominar “ponto de
partida”. Entretanto um aspecto ainda não
Importante potencialidade do método é re-
discutido pelos pesquisadores diz respeito
presentada pelo fato de que, mesmo des-
à fase de escolha de medidas de preven-
conhecendo o processo de produção no
ção a partir da investigação de um ou
qual sobreveio o AT, o domínio do mesmo
mais acidentes, quando confrontada com
permite ao investigador elaborar as per-
o Código do Trabalho em vigor na Fran-
guntas necessárias, para que os técnicos
ça. Por exemplo, o método ADC propicia
conhecedores do processo as respondam
a identificação de fatores organizacionais
e, desta forma, sejam reconstituídos os
localizados bem a montante da lesão
principais fatos do acidente, possibilitan-
(como ficou evidenciado no acidente do
do a construção da árvore de causas e
tombamento da empilhadeira); na medida
sua utilização tendo em vista a prevenção.
em que tais fatores (como outros) não es-
Como aspectos limitantes à sua utiliza- tão previstos no código citado, a adoção
ção, a experiência francesa tem permiti- de medidas curativas relativas aos mes-
do identificar algumas dificuldades[14, 16] mos depende exclusivamente de negocia-
que, quando não enfrentadas e resolvi- ção entre os diversos interlocutores, com
das, têm levado a uma utilização deturpa- interesses muitas vezes opostos.

84 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


3 Experiência de utilização do possibilita ao investigador a formulação das
Método de Árvore de Causas questões necessárias à obtenção de informa-
em Botucatu ções sobre os fatores do acidente e à com-
preensão de como evoluiu a degradação
Em fins de 1991 o Programa de Saúde das condições de trabalho em cada um de
do Trabalhador (PST), de Botucatu - SP, seus elementos (indivíduo, tarefa, material e
desenvolvido desde 1986 sob forma de meio) e que culminaram com AT.
cooperação entre o Escritório Regional de
Saúde - ERSA-24 e a Disciplina de Medi- Quanto à seleção, optou-se por investigar os
cina do Trabalho do Departamento de acidentes de trabalho típicos ocorridos no
Saúde Pública, da Faculdade de Medici- setor industrial de Botucatu e de maior gra-
na de Botucatu - Unesp, decidiu concen- vidade (característica estabelecida a partir
trar seus esforços no estudo e na preven- do tempo de afastamento e natureza da le-
ção dos acidentes de trabalho. são), portanto em desacordo com a orienta-
ção dos autores do método.[17, 22, 23, 32] Tal
Inicialmente, cabe assinalar que, enquan- decisão baseou-se no conhecimento do há-
to atividade de um PST, a utilização do bito, quase sistemático entre nós, da não
método ADC se processa em situação di- emissão de CAT em casos de AT de menor
ferente daquelas para as quais o método gravidade, ao qual se acrescenta a inexis-
foi desenvolvido. Isto significa na prática tência, na prática, de sanções legais contra
que, em média, a coleta de dados dos empresas quando da ocorrência de aciden-
mais de 100 acidentes do trabalho típi- tes graves e/ou fatais, apesar de previstas
cos investigados ocorreu cerca de três se- nos Códigos Civil e Penal.
manas após o AT. Tal “período de latên-
Uma das conseqüências da utilização ex-
cia” relaciona-se com a emissão e chega-
clusiva dos critérios mencionados no pará-
da das Comunicações de Acidentes de
grafo anterior foi a aplicação do método
Trabalho - CAT ao PST.
em situações nas quais o mesmo era perfei-
Outra dificuldade encontrada (e que tam- tamente dispensável, aliás como já salien-
bém diz respeito à coleta de dados) é a de tavam MONTEAU e FAVARO[35] em rela-
confrontação simultânea dos investigadores ção à escolha do método de investigação,
com os diferentes interlocutores da empresa que “depende tanto do nível de segurança
(acidentado, colegas de trabalho, supervi- já alcançado quanto da complexidade do
sores, etc.), o que aumenta o dispêndio de objeto de análise”. Trata-se, por exemplo,
tempo nesta etapa e algumas vezes coloca de acidentes com alguns tipos de máqui-
os investigadores do AT diante de informa- nas como prensas, guilhotinas, dobradei-
ções contraditórias dadas, por exemplo, ras com acionamento por pedal, alimenta-
pelo acidentado e seu supervisor. Nesse ção manual e zona de operação aberta
caso é preciso procurar sempre esclarecer permitindo acesso de mãos, etc., nos quais
as dúvidas suscitadas, fazer novos questio- a situação de risco é “permanente, mate-
namentos mas, no limite, optar pela infor- rial... e diretamente observável”.[35] Nestes
mação que as evidências apontam como a casos a utilização do método ADC, impli-
mais provável. Em relação a este aspecto, cando muitas horas de trabalho e discus-
a experiência do investigador na utilização são, pode ser perfeitamente dispensada.
do método tem grande valor. Por outro lado, várias destas condições
configuram situação de perigo grave e imi-
Outro aspecto a ser salientado é de que, na nente, exigindo adoção de medidas de
prática de um PST, não é possível seguir a re- prevenção no menor prazo possível.
comendação de que a investigação seja efe-
tuada por técnicos e por trabalhadores que Cabe entretanto registrar que, em situa-
conheçam detalhadamente a execução habi- ções como a descrita acima, é freqüente
tual da tarefa, cujo desenvolvimento deu ori- o registro de “descuido do trabalhador” e
gem ao acidente, pois, muitas vezes, é a “ato inseguro” na investigação efetuada
ocorrência do AT que desencadeia a primei- pela empresa e/ou na própria Comunica-
ra visita à empresa. Este aspecto, entretanto, ção de Acidente do Trabalho.
não é considerado essencial, dado que o Em nossa opinião, em que pesem as difi-
domínio dos fundamentos do método ADC culdades mencionadas, como “período

N º 8 7 / 8 8 - Vo l . 2 3 85
de latência” entre a ocorrência do aci- Esta circunstância permitiu o aprofunda-
dente e a coleta de informações, partici- mento do estudo do método ADC, que cul-
pação de funcionários das empresas ape- minou com a discussão de acidentes inves-
nas na fase de coleta de informações, tigados em Botucatu com especialistas do
sem participação na elaboração da árvo- Centro de Pesquisa do Institut National de
re, as etapas iniciais do método – coleta Recherche et de Sécurité - INRS, na França.
de informações, leitura e interpretação da
Do total de acidentes do trabalho típicos in-
árvore (itens 2.3.1 a 2.3.4) – puderam
vestigados em Botucatu, 42 foram discuti-
ser razoavelmente desenvolvidas por par-
dos com especialistas franceses. Para cada
te dos profissionais do PST. Entretanto,
um destes acidentes, haviam sido previa-
como o método ADC pressupõe o engaja-
mente desenvolvidas as seguintes etapas:
mento da empresa, sendo pois parte de
coleta de informações (descrições detalha-
uma política global de segurança
das, acompanhadas de esquemas e de fo-
desta,[39, 41] neste sentido, a experiência
tografias), organização das informações e
não se concretizou. As propostas de me-
construção dos esquemas (árvore).
didas de prevenção não foram objeto de
discussão entre interlocutores de vários ní- As primeiras discussões mostraram que as
veis hierárquicos da empresa e profissio- descrições continham informações ade-
nais do PST, restringindo-se a propostas quadas às exigências do método e as la-
corretas por parte deste último. cunas existentes não eram, segundo os es-
pecialistas franceses, maiores do que o
Pode-se dizer que foi possível, até certo esperado. Em alguns casos, entretanto,
ponto, dominar os princípios do método e faltou-nos experiência para, no mínimo,
utilizá-lo preponderantemente como ins- tentar aprofundar a investigação de al-
trumento de sensibilização para a noção guns fatores organizacionais situados
de pluricausalidade dos acidentes do tra- bem a montante da lesão.
balho e, portanto, como instrumento de
confrontação em relação à culpabiliza- Quanto às formulações de alguns fatores,
ção do acidentado pelo evento que o viti- também às primeiras discussões, eviden-
mou. Quanto ao seu emprego como ins- ciou-se que as mesmas não eram adequa-
trumento de prevenção, pode-se dizer das tanto no que se referia à linguagem
que a experiência não teve condições de quanto ao emprego de verbos que por si
concretizar-se na plenitude que as poten- só implicavam interpretação (pensar, de-
cialidades do método são capazes de sejar, querer, tentar, etc.), devendo ser
propiciar, por razões já expostas. substituídos pela descrição dos gestos ou
atos, quanto por algumas formulações
Das empresas de maior porte do municí- que continham mais de um fato, não rara-
pio de Botucatu, possuidoras de Serviço mente classificados como componentes
Especializado em Segurança e Medicina diferentes da atividade, como, por exem-
do Trabalho - SESMT, apenas uma interes- plo, o “Sr. Y cai e fratura a perna”. O que
sou-se pelo método, oferecendo oportuni- parece simples questão de semântica, na
dade de treinamento no uso do mesmo a verdade configura a construção impediti-
alguns de seus profissionais. va da elaboração coerente da árvore. “O
Sr. Y fratura a perna” (componente indiví-
duo) tem fator(es) antecedente(s) diversos
4 Discussão de casuística de de “o Sr. Y cai” (componente tarefa).
Botucatu com especialistas do A retomada desses aspectos, já comentados
INRS-França no item 2, decorre de constituirem erros co-
metidos não só pelos técnicos franceses no
Inicialmente cabe destacar a situação privi-
seu aprendizado, mas também por nós, isto
legiada do PST de Botucatu, particularmen-
é, erros conhecidos, acerca dos quais inte-
te de acesso a referências bibliográficas e ressados no uso do método e eventuais trei-
de interlocução com especialistas brasilei- nandos devem ser devidamente alertados.
ros e estrangeiros, decorrente do fato de o
programa desenvolver-se com participação O abandono da precisão de linguagem,
direta de profissionais da universidade. do conceito de variação, da categoria da

86 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


análise com seus componentes – indiví- com sério risco de anular suas potenciali-
duo, tarefa, material e meio de trabalho – dades e, no limite, chegar-se à construção
configura uso deturpado do método ADC. de “árvores de culpados”, expressão cu-
Na verdade, nestas circunstâncias, trata- nhada por um dos pesquisadores do INRS.
se de método que não o de Árvore de
Causas, visto que este, corretamente apli-
cado aos mesmos acidentes por diferentes
pesquisadores, deve chegar aos mesmos
5 A nova NR-5: implicações
resultados, o que não ocorre quando suas da obrigatoriedade do uso do
regras não são obedecidas. Método de Árvore de Causas
Outra impropriedade cometida com algu- Inicialmente é necessário salientar que não é
ma freqüência nas “árvores botucatuen- nosso objetivo analisar a nova NR-5[30] como
ses” consistia na descrição seqüencial de um todo, mas apenas seu Anexo III: “Estudo
passos da tarefa que não estavam envol- de Doenças e Acidentes do Trabalho”.
vidas na ocorrência do AT, isto é, não Em alguns aspectos este anexo representa
configuravam fato ou fator de acidente. considerável avanço em relação ao Anexo
Isto provavelmente teve origem na misci- II da norma revogada[29] que, ao formular
genação da análise de modo operatório no singular causa do acidente e causa
com o método ADC. apurada, trazia implícita a concepção mo-
Cabe também assinalar o aparecimento nocausal de fenômenos sabidamente pluri-
de conjunções incompatíveis com os prin- causais e, ao estabelecer responsabilida-
cípios do método, como dois ou três fatos de, induzia à identificação de culpados.
habituais originando uma variação. Na No Anexo III da nova NR-5[30] a concep-
verdade isto ocorreu sempre em situações ção pluricausal está expressa tanto nos
análogas às já descritas na França,[14] princípios básicos: “O estudo de doenças
nas quais “a maioria dos fatores de aci- e acidentes do trabalho deve indicar todas
dentes estando permanentemente presen- as situações que, combinadas, levaram à
tes bem antes do acidente... basta uma ocorrência indesejada...”, como nos obje-
pequena alteração, para que o acidente tivos específicos: ”levantar o maior núme-
sobrevenha”.[35] Como já foi comentado, ro possível de causas desencadeadas da
a pequena alteração quase sempre não doença ou do acidente de trabalho”.
detectada nessas situações, deve ser re-
presentada por uma interrogação. Outro aspecto positivo importante do
Anexo III da nova NR-5[30] refere-se à res-
Em resumo, pode-se dizer que vários as-
trição à concepção dicotômica ato inse-
pectos relativos à construção das árvores
guro-condições inseguras e à substituição
foram alterados, com os novos esquemas
da busca de culpados pela identificação
apresentando diferenças significativas em
de fatores causais: “convém não reco-
relação aos iniciais. Isto, por um lado,
mendar as conclusões do tipo Ato Insegu-
aponta indubitavelmente para a necessi-
ro ou Condições Inseguras – as quais,
dade de treinamento adequado e acom-
pela generalidade, conseguem, no máxi-
panhamento no uso do método, com reci-
mo, definir eventuais culpados mas nunca
clagens periódicas, pelo menos inicial-
causas – estas sim elimináveis”.
mente. Por outro lado, pensando na aná-
lise de um conjunto de árvores com obje- Estes dois aspectos, abordagem do aci-
tivo de realizar o diagnóstico de seguran- dente do trabalho como fenômeno pluri-
ça de uma empresa, ou de um ramo in- causal e cerceamento dos mecanismos de
dustrial ou mesmo de uma região, por culpabilização representam avanço signi-
meio do conceito de fator potencial de ficativo em relação à norma anterior.
acidentes, é preciso que as mesmas te-
Quanto à utilização do Método de Árvore
nham sido construídas respeitando fiel-
de Causas, conforme exigência da nova
mente os princípios do método.
norma, algumas questões merecem ser co-
Outra razão para a insistência no respeito locadas no sentido de contribuir para o
às regras do método é que o contrário dis- debate sobre um grave problema de saú-
to representa o uso degradado do mesmo, de pública – o dos acidentes do trabalho.

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Uma primeira colocação é a de que a ex- de heterogeneidade das empresas brasilei-
tensão e gravidade deste problema no ras em relação às condições de segurança
Brasil merece uma abordagem global que e é preciso que se considere estas caracte-
vise desde os aspectos ligados ao registro rísticas quando da adoção de medidas de
das informações junto à Previdência So- prevenção sensu lato. A prática cotidiana,
cial (repressão à não-notificação, melho- aliás, tem revelado que no interior de uma
ria da qualidade de informações das mesma empresa é possível constatar-se
CAT, etc.), passando pelos aspectos rela- diferenças significativas entre seus vários
cionados à assistência médica aos aci- setores em relação à segurança.
dentados (garantia de assistência imedia-
Por outro lado, o quadro epidemiológico
ta após o acidente, acesso aos vários ní-
dos acidentes do trabalho em nosso país –
veis de assistência, etc.), enfrentamento
incidência elevada com elevada propor-
das questões relacionadas com a readap-
ção de acidentes graves e fatais – indica
tação e reintegração dos acidentados e,
situação na qual a adoção de medidas
sobretudo, colocação em prática de
técnicas de prevenção (segurança de má-
meios de prevenção destes fenômenos.
quinas, melhoria na concepção de postos
É necessária a definição de uma política de trabalho e eliminação de modos opera-
global com diretrizes estabelecidas pelo tórios perigosos) serão capazes de fazer
Governo Federal, abrangendo não só mi- baixar a incidência e diminuir a gravida-
nistérios diretamente envolvidos com as de destes fenômenos, como já explicado
questões Trabalho e Saúde, mas realmente neste texto (item 2.1).
ampliando a visão do problema, ao qual
O segundo aspecto, relacionado ao ante-
dizem respeito vários outros aspectos
rior, diz respeito às garantias de treina-
como, por exemplo, política industrial,
mento mínimo, necessário à prática do
agrícola, de educação, de transporte, etc.
método ADC nos termos propostos pela
Se, no interior de uma empresa, a ocorrên-
nova NR-5.[30]
cia de um acidente de trabalho é sintoma
de disfuncionamento, como discutiu-se em Ao longo da descrição do método e da
vários momentos deste texto, no interior da apresentação da experiência desenvolvida
sociedade brasileira, os acidentes do tra- pelo PST de Botucatu tentou-se esclarecer
balho, com a extensão e gravidade com que se trata de método, com exigências tais
que vêm ocorrendo, revelam grande dis- para sua utilização adequada, que torna
funcionamento desta mesma sociedade. imprescindíveis: treinamento, acompanha-
mento posterior e/ou reciclagens. O méto-
No nível político, entretanto, não é fácil
do ADC exige bem mais do que perguntar
tomar decisões setoriais mantendo os
“por quê?” – aliás não é exatamente a per-
pontos de referência globais, principal-
gunta mais indicada – e unir “as causas le-
mente na ausência de definição de uma
vantadas... por meio de linhas que demons-
política de trabalho e saúde. Tampouco a
trem as relações entre elas”.[30]
ausência de tal política deverá imobilizar
os setores progressistas que, no interior Isto não significa, absolutamente, abando-
do aparelho de Estado, desenvolvem nar a idéia de sua utilização. Ao contrário,
ações visando ao avanço em direção a trata-se exatamente de fazer o diagnóstico
melhores condições de trabalho. da situação para iniciar uma longa cami-
nhada em direção à segurança do traba-
É com estas questões em mente que será
lho, na qual, se adequadamente utilizado,
analisada a implantação do Método de Ár-
o método ADC certamente terá lugar reser-
vore de Causas via Anexo III da NR-56 [30]
vado. Nesse sentido, atualmente não se
apenas em relação a investigações de aci-
observam condições, particularmente em
dentes de trabalho, aos quais o método efe-
termos de recursos humanos, para dar iní-
6 A Portaria nº 1.351 do Ministério tivamente se aplica.
cio a treinamento da envergadura exigida
de Trabalho (Diário Oficial da
União, 2/1/95, p. 49-52) mantém, O primeiro aspecto diz respeito ao uso ge- para pôr em prática este método de inves-
no tocante às investigações de neralizado do método no Brasil que, acre- tigação de AT, nos modelos propostos pela
acidentes do trabalho, a mesma
redação da Portaria nº 5, de 18 de ditamos, seja muito difícil, para não dizer Secretaria de Segurança e Saúde no Tra-
abril de 1994.[30] impossível. É preciso levar em conta a gran- balho - SSST do Ministério do Trabalho.

88 Revista Brasileira de Saúde Ocupacional


Um terceiro aspecto, também bastante dis- Cabe relembrar que, mesmo na França,
cutível, diz respeito às investigações serem onde foi desenvolvido há mais de 20 anos,
conduzidas por grupos encarregados das este método ainda não tem aplicação uni-
análises, designados pela CIPA. No nosso versal, isto é, não é utilizado em todas as
entender, esta proposta traz subjacente a grandes empresas (menos ainda nas mé-
não necessidade de treinamento, em con- dias e pequenas) e, em relação às diferen-
tradição com a experiência de mais de 20 tes regiões, sua difusão também não é ho-
anos de utilização do método na França. mogênea. Em 1986, o INPACT,[16] orga-
Mesmo considerando sua utilização pelos nismo ligado à organização sindical de
próprios cipeiros, cabe assinalar que a trabalhadores, Confederation Française
nova NR-5[30] em nada alterou o tempo de Democratique du Travail - CFDT, avaliava
mandato dos mesmos, mantendo também que, das 16 regiões administradas que
a possibilidade de apenas uma reeleição; compõem a seguridade social francesa, o
isto significa treinar novos profissionais a método ADC podia ser considerado im-
cada dois anos (supondo que os manda- plantado em quatro.
tos sejam coincidentes e que todos os ci-
A nova NR-5, em seu Anexo III,[30] ao
peiros sejam reeleitos uma vez).
omitir o conteúdo, os princípios e as re-
Um quarto aspecto a ser questionado re- gras do Método de Árvore de Causas, ao
laciona-se à aplicação do método para a mesmo tempo em que torna seu uso obri-
investigação de todo e qualquer aciden- gatório, sem prever condições mínimas
te. Deve-se ponderar, por um lado, que a de treinamento, poderá estar contribuin-
aplicação correta do método ADC exige do para que uma boa ferramenta, ao ser
tempo – horas de trabalho e, sobretudo, submetida à utilização imprópria, seja
trabalho em equipe. Por outro lado, exis- destruída ou, no mínimo, danificada.
tem numerosas situações nas quais o peri-
Evidentemente, a portaria ministerial[30]
go, fazendo parte da condição habitual
ao colocar em pauta a questão de como
de trabalho, é tão evidente que simples
conduzir as investigações dos acidentes
inspeções são suficientes para indicação
de trabalho traz à baila uma discussão da
de medidas de prevenção.
maior importância. Entretanto, o encami-
Cabe, entretanto, reafirmar que, para al- nhamento de soluções para este problema
guns tipos de acidente, particularmente os passa, necessariamente, pela considera-
que envolvem aspectos organizacionais, o ção da diversidade/heterogeneidade das
método ADC propicia a ampliação do condições de (in)segurança prevalentes no
campo de investigação, como bem exem- país, pelas questões relativas aos recursos
plifica o acidente do tombamento da em- humanos existentes – treinamento e reci-
pilhadeira, com evidentes repercussões clagem dos mesmos, existência de profis-
positivas em termos preventivos. sionais que já dominem os métodos a se-
rem utilizados para poder ensiná-los, etc.
Nossa intenção, já manifestada na intro-
dução, é a de iniciar o debate sobre as Entendemos que a aplicação adequada
possibilidades reais de utilização de um do método ADC por algumas empresas po-
método de investigação de acidentes de derá vir a ter efeito demonstrativo impor-
trabalho que, acreditamos, possa vir a ser tante, uma vez que todas suas etapas po-
útil à prevenção destes fenômenos no Bra- derão ser desenvolvidas, o que não acon-
sil, sem perder de vista o contexto para o teceu, por exemplo, no PST de Botucatu,
qual o mesmo foi desenvolvido. pois as etapas de propostas de medidas
curativas ou corretivas e de escolha de me-
Nesse sentido, a implantação mais abran-
didas a serem implantadas, verdadeira-
gente do Método de Árvore de Causas de-
mente, não se concretizaram.
verá ser compreendida como objetivo a ser
atingido a longo prazo. Entretanto, para que Nesse ponto cabe indagar por que não ini-
isso possa vir a acontecer, será necessário ciar a implantação do método ADC em al-
dar início à formação de recursos humanos, gumas empresas que já atingiram condi-
seja no interior de empresas, seja em institui- ções mínimas de segurança e/ou possui-
ções públicas como o Ministério do Trabalho doras de Serviços Especializados em Enge-
e programas de saúde do trabalhador. nharia de Segurança e Medicina do Traba-

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lho - SESMT, que inclua pelo menos um en- posteriormente discutida com os espe-
genheiro de segurança e com recomenda- cialistas do INRS que o desenvolvem,
ção expressa de participação de cipeiros, estamos convencidos de que este méto-
do acidentado, contramestre e de profissio- do, se adequadamente aplicado, pode-
nais de níveis hierárquicos superiores, que rá vir a constituir uma das ferramentas7
detenham poder de decisão (por exemplo, para a prevenção dos acidentes de tra-
quanto a medidas de segurança a serem balho no Brasil, cuja importância tende-
implantadas), de modo a configurar real- rá a crescer, à medida em que situações
mente um trabalho em equipe? de perigo, evidentes à simples inspe-
ção, começarem a ser eliminadas. Entre-
Convém reafirmar aqui a observação de
tanto, para que isso se concretize, será
PHAM[39] de que “a aplicação duradoura
imprescindível a escolha de estratégias
do método ADC depende da capacidade
adequadas, ante a gravidade do pro-
da empresa de integrar esta prática a
blema, a precariedade das estruturas
uma política de prevenção planejada e
estatais responsáveis pela fiscalização
concebida como um dos elementos do ge-
dos ambientes de trabalho e a insufi-
renciamento da empresa”.
ciência de núcleos de formação em se-
Conhecendo o método ADC, tendo par- gurança, para citar apenas os proble-
ticipado de sua utilização em Botucatu, mas mais prementes.

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