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MANUAL

TRATAMENTO DE FERIDAS

Ministério da Saúde

ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE

SUB-REGIÃO DE SAÚDE DE BRAGA


MANUAL
TRATAMENTO DE FERIDAS

Elaborado por:

Gustavo Afonso
Marta Miranda
Lara Costa

Ministério da Saúde

ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE

SUB-REGIÃO DE SAÚDE DE BRAGA


Com apoio de:
SUMÁRIO
Página

0 – INTRODUÇÃO 7

1 – TRATAMENTO LOCAL 10
1.1 – Limpeza 10
1.2 – Desbridamento 12
1.3 – Controlo do Exsudado 14
1.4 – Abordagem da Carga Bacteriana e Infecção 16
1.5 – Cicatrização em Meio Húmido 17

2 – PROTOCOLO DE TRATAMENTO DE FERIDAS 20

3 – CUIDADOS ESPECÍFICOS
SEGUNDO ETIOLOGIA DA FERIDA 27
3.1 – Úlceras de Pressão 27
3.2 – Úlceras de Perna 30
3.2.1 – Úlceras Arteriais 30
3.2.2 – Úlceras Venosas 32
3.3 – Pé Diabético 36
3.3.1 – Isquémico 36
3.3.2 – Neuropático 37
3.4 – Feridas Cirúrgicas 39
3.5 – Queimaduras 40
3.6 – Feridas Neoplásicas 42

4 – BIBLIOGRAFIA 44

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0 – INTRODUÇÃO

É inquestionável que as feridas, especialmente as feridas crónicas,


representam um grave problema de saúde dado as suas repercussões aos
mais variados níveis pessoal, familiar e sócio-económico.
No nosso país, essas repercussões não são ainda totalmente conhe-
cidas uma vez que não há estudos nacionais de prevalência de feridas
crónicas e, assim, não há um verdadeiro conhecimento do problema visto
não haver a avaliação de várias das suas dimensões: taxa de cicatrização,
qualidade de cicatrização, relação eficiência/ benefício e ganhos em saúde.
Todos sabemos empiricamente que existem muitas feridas, tratamos
diariamente muitas feridas, gastam-se elevados recursos materiais e
humanos para o tratamento e prevenção de feridas. E este é um aspecto que
tem vindo a ganhar cada vez maior relevância dado os modelos económi-
cos e administrativos em vigor na administração e planificação da saúde.
Actualmente dispomos, na prática, de uma grande variedade de pro-
dutos para o tratamento e prevenção de feridas que tem de ser usada de
forma criteriosa de modo a ser suportável pelos serviços e que correspon-
da adequadamente às necessidades das pessoas portadoras de feridas.
Este aspecto joga a favor da existência de uma grande heterogenei-
dade de intervenções perante um mesmo tipo de ferida. O que também
acontece porque a prática não tem vindo a ser baseada em evidências, mas
sim em procedimentos que não têm provados a sua utilidade, cientificidade,
eficácia ou efectividade, ou seja, baseados em intuição, experiência e apre-
ciações subjectivas.
Assim, torna-se necessário e imperioso a construção de protocolos
que nos auxiliem a esquematizar a nossa actuação perante o tratamento de
uma ferida proporcionando sempre a melhor opção terapêutica à pessoa
portadora dessa ferida.

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Ao estarmos conscientes destes aspectos e porque na nossa Sub-
Região de Saúde também verificamos a inexistência de protocolos e a falta
de uniformidade de procedimentos, pensamos ser útil a construção de um
“Protocolo de Tratamento de Feridas” com a finalidade de auxiliar a tomar
melhores decisões e que estas sejam sistematizadas e uniformizadas. Este
protocolo está baseado em revisão bibliográfica de guidelines interna-
cionais emanadas pelas principais associações europeias e norte-ameri-
canas especializadas na área do tratamento de feridas. É dessa forma que
nós orientamos o nosso trabalho prático e justificamos todos os trabalhos
realizados e estudos de caso efectuados.
O protocolo baseia-se no tratamento local de feridas em meio húmi-
do, pois é com este tratamento que se atinge um elevado nível de eficácia
e eficiência relativamente a recursos materiais e humanos, uma vez que se
diminui o número de intervenções curativas, diminui o tempo de cicatriza-
ção, tem menos complicações e melhor qualidade de cicatrização. A par
desta abordagem, ao considerar a pessoa portadora de ferida segundo uma
perspectiva holística, associando medidas terapêuticas e preventivas con-
soante a etiologia da ferida, atinge-se a sua cicatrização, o restabelecimen-
to da saúde e uma melhoria na qualidade de vida da pessoa doente e
família.
Este “Manual” serve de apoio ao protocolo por nós construído e
tem a finalidade de ser a fundamentação para os procedimentos nele
descritos.
A par da construção do protocolo que se faz acompanhar
por este manual, construímos também um endereço de e-mail
(feridas.caranda@gmail.com) no qual nos disponibilizamos a fornecer
esclarecimentos mais pormenorizados, estudos de caso, trabalhos, biblio-
grafia eventualmente solicitada, bem como este manual e protocolo em

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formato digital. É também nossa intenção que este seja um espaço de
discussão de casos clínicos e de problemas relacionados com tomas de
decisões e ainda de partilha de experiências no que diz respeito à área de
prevenção e tratamento de feridas.
Esperamos atingir os objectivos a que nos propomos com a cons-
trução deste protocolo e assim contribuir para a melhoria da qualidade dos
cuidados prestados.

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1 - TRATAMENTO LOCAL

Actualmente coexistem ainda duas distintas abordagens no trata-


mento de feridas: os métodos de cura seca e a cura húmida. O primeiro
baseia-se na utilização de material destinado única e exclusivamente a
tapar a ferida, sem qualquer tipo de acção – “produtos passivos” (exemplo:
gases de algodão, pomadas, etc.) enquanto que no segundo, o tratamento
em meio húmido, são empregues apósitos resultantes da investigação cien-
tífica, capazes de criar condições de ambiente húmido e de interagir com
o leito da ferida.
O conceito de tratamento em meio húmido, traduzido do inglês
“moist wound healing”, é conhecido no seio da comunidade científica
desde 1962 através dos estudos de Winter.
Segundo este método, podem ser consideradas diferentes etapas
no tratamento local da ferida crónica: limpeza, desbridamento, controlo do
exsudado, abordagem da carga bacteriana e infecção e cicatrização em
meio húmido.

1.1 - LIMPEZA DA FERIDA

A limpeza é a primeira fase na abordagem terapêutica de feridas,


com repercussões em todo o processo de cicatrização, uma vez que é
através de uma correcta limpeza que se consegue diminuir o risco de
infecção devido à remoção de microorganismos, tecido necrosado e pos-
síveis detritos provenientes de anteriores apósitos, presentes no leito da
ferida.

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A AHCPR (Agency for Health Care Policy and Research) elaborou
um Guia para Tratamento de Úlceras de Pressão do qual resultam recomen-
dações adaptáveis a outras lesões cutâneas. Destas e relativamente à
limpeza da ferida, destacamos as seguintes:
• Usar a mínima força mecânica possível quando para isso se
utilizam compressas;
• Não utilizar antisépticos como por exemplo iodopovidona,
hipoclorito de sódio e peróxido de hidrogénio (com conheci-
da toxicidade e agressividade para os tecidos e processo de
cicatrização);
• Utilizar solução salina isotónica;
• Aplicar a solução de limpeza com pressão adequada de modo
a efectuar uma acção mecânica (de remoção de microorganis-
mos e outros detritos) e sem danificar o tecido viável (segun-
do a GNEAUPP – Grupo Nacional para el Estúdio y
Asesoramiento en Úlceras por Pression y Heridas Crónicas –
as pressões eficazes e seguras situam-se entre 1 a 4 Kg/ cm2;
com uma seringa de 35 ml com cateter de 0,9 mm atinge-se
uma pressão de 2 Kg/cm2).

Limpeza da ferida.

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1.2 - DESBRIDAMENTO

A presença de tecido necrosado (seco ou húmido, de cor preta ou


amarela) no leito da ferida pode retardar o processo de cicatrização visto
que actua como uma barreira mecânica ao tecido de granulação e ainda
se constitui como um meio ideal para proliferação de microorganismos,
dificultando ainda a correcta avaliação da extensão e profundidade da
ferida.
O método de desbridamento é determinado não só pelo tipo de teci-
do necrosado mas também pelo estado geral do doente, como é o caso de
doentes com perturbações da coagulação ou doentes em fase terminal,
casos em que o desbridamento poderá estar contra-indicado.
O desbridamento é um processo natural que ocorre em todos os
processos de regeneração e cicatrização tecidular. Contudo, nas feridas
crónicas ocorrem fenómenos fisiopatológicos que impedem o desenvolvi-
mento deste processo, tornando-se necessário um desbridamento externo.
Na prática, os métodos de desbridamento podem ser classificados
em: cirúrgico; cortante; enzimático; autolítico; osmótico; larval; mecânico;
químico.
• Cirúrgico: efectuado em bloco operatório para remoção de
grandes áreas de tecido necrosado.
• Cortante: pode ser efectuado no domicílio ou em ambulatório
através da utilização de tesouras ou bisturis. É um método
rápido e selectivo mas que exige perícia e conhecimentos
específicos. Pode ser utilizado em associação com outros
métodos (autolítico e enzimático). É susceptível de causar
alguma dor, pelo que pode ser recomendado a aplicação prévia
de anestésicos locais (por exemplo: gel de lidocaína a 2%).

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Pode estar ainda associada a hemorragia como complicação
frequente, controlável através de compressão manual directa e/
ou aplicação de apósitos com propriedades hemostáticas com
vigilância durante as 24 horas seguintes.
• Enzimático: feito através da aplicação tópica de enzimas
exógenas (como por exemplo a colagenase ou a estrepto-
quinase) que funcionam de forma sinérgica com as enzimas
endógenas, degradando a fibrina, o colagénio desnaturalizado
e a elastina. É recomendável proteger a pele peri – lesional
dado o risco de maceração, e ainda se recomenda a utilização
de um apósito secundário.
• Autolítico: potencia o desbridamento natural das feridas,
permitindo que o tecido desvitalizado se auto-elimine, através
da aplicação de apósitos constituídos maioritariamente por
água (70% a 90%), como por exemplo os hidrogéis. É o método
mais selectivo, não traumático e não doloroso, sendo por isso
bem tolerado pelo próprio doente. É aconselhável a utilização
de um apósito secundário.
• Osmótico: feito através de trocas de fluidos de diferentes
osmolaridades, como por exemplo apósitos de poliacrilato
activados com soluções hiperosmolares. É também um método
selectivo, exigindo a troca de apósito de 12 em 12 ou de 24 em
24 horas.
• Larval: surge como uma alternativa não cirúrgica para o
desbridamento de lesões de diferentes etiologias, especialmente
indicado em feridas vasculares isquémicas. São utilizadas larvas
estéreis da mosca Lucilia sericata criadas laboratorialmente.
Estas larvas produzem enzimas que liquefazem o tecido

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desvitalizado para posterior ingestão e eliminação, sem dani-
ficar o tecido viável.
• Mecânico: é um método pouco recomendado e em desuso,
por ser traumático, doloroso e não selectivo, razões pelas
quais foi estipulada a sua não utilização pelas Guidelines do
National Institute for Clinical Excelence (NICE).
• Químico: também de utilização não preconizada pela apli-
cação de agentes (exemplo: hipoclorito de sódio) cuja capaci-
dade de desbridamento é ineficaz e não selectiva tornando-se
ainda danosa para os tecidos viáveis e pele peri-lesional.

1.3 - CONTROLO DO EXSUDADO

O excesso de exsudado tem consequências negativas para o processo


de cicatrização uma vez que foi demonstrado que feridas extremamente
exsudativas cicatrizam mais lentamente que as não exsudativas (o excesso
de exsudado induz a decomposição das proteínas da matriz extracelular e
dos factores de crescimento e a inibição da proliferação celular). Além
disso, o excesso de exsudado pode provocar maceração da pele peri-lesional,
devendo esta ser protegida com: cremes hidratantes, óxido de zinco ou,
preferencialmente, produtos barreira.
Para controlo directo do exsudado devem ser utilizados apósitos
com grande capacidade de absorção (alginatos ou hidrofibras de hidro-
colóide ou ainda espumas poliméricas), ou sistemas mecânicos à base de
vácuo. Devem ainda ser tratadas causas subjacentes causadoras do excesso

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de exsudado como é o exemplo do edema no caso de úlceras venosas e o
aumento da carga bacteriana frequentemente responsável pelo aumento da
produção do exsudado.

Lesões peri-lesionais provocadas pelo excesso de exsudado.

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1.4 - ABORDAGEM DA CARGA BACTERIANA E INFECÇÃO

Todas as feridas crónicas estão contaminadas e a sua colonização é


evitada através de uma limpeza e desbridamento eficazes.
O diagnóstico de infecção é essencialmente clínico, feito através da
constatação de sinais e sintomas clássicos: inflamação (eritema, edema,
tumor, calor), dor, odor e alterações nas características do exsudado.
Laboratorialmente, a infecção é idealmente diagnosticada através de biopsia
quando a contagem de bactérias por grama de tecido é superior a 105.
Perante uma ferida infectada, a primeira atitude será intensificar a
limpeza e desbridamento durante um período de 2 a 4 semanas. Se houver
persistência dos sinais infecciosos, devem ser utilizados apósitos com iodo
de libertação lenta ou apósitos com prata. Se não houver evolução favorável,
o ideal é a realização de culturas bacterianas e a implementação de
antibioterapia sistémica adequada aos microorganismos identificados.
Não está recomendada a utilização de antibióticos tópicos nas feridas
visto esta ter riscos associados como o desenvolvimento de resistências,
sensibilização, alergias e reacções cruzadas. Assim como não está
recomendada a aplicação de antisépticos locais por não estar demonstrada
a sua acção na diminuição do nível bacteriano e, pelo contrário, estar
provado terem efeitos citotóxicos.

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Aplicação de apósito com prata em ferida infectada.

1.5 - CICATRIZAÇÃO EM MEIO HÚMIDO

Para estimular a cicatrização torna-se necessário manter um meio


húmido no sentido de favorecer a angiogénese, granulação e epitelização.
Para isso, desenvolveram-se apósitos geradores de um ambiente húmido na
ferida graças à sua capacidade de interacção com o exsudado da mesma,
controlando a sua quantidade, absorvendo-o ou retendo-o. Aliado a isto,
estes apósitos têm a capacidade de criar um ambiente bacteriostático quer
por acidificação do meio quer por funcionarem como uma barreira
mecânica à invasão por agentes infecciosos; mantêm uma temperatura ade-
quada estimulando principalmente a fibrinólise; permitem um aporte de
oxigénio e nutrientes via endógena através da angiogénese; e não provo-
cam dor tanto na sua aplicação como na sua remoção.

Manual Tratamento de Feridas 17


Os apósitos com estas características podem ser classificados em:
espumas poliméricas, hidrogéis, hidrocolóides, alginatos, apósitos com
prata (sendo todos estes os mais utilizados) e ainda, poliuretanos, apósitos
com silicone e apósitos de carvão.
• Espumas poliméricas: também conhecidos por hidro-
polímeros ou hidrocelulares, são compostos por poliuretano
ao qual é associado uma estrutura hidrofílica. Têm uma elevada
capacidade de absorção estando indicados para feridas de
pouco a extremamente exsudativas, sem macerar a pele peri-
lesional. Estão especialmente indicados para a fase de granu-
lação, podendo ser utilizados para o desbridamento quando
associados a hidrogéis.
• Hidrogéis: compostos fundamentalmente por água (conteúdo
de 70% a 90%) e sistemas microcristalinos de polissacarídeos
e polímeros sintéticos. Indicados para o desbridamento
autolítico de tecido necrosado húmido ou seco, podem tam-
bém ser utilizados em todas as fases do processo de cicatriza-
ção. Requerem um apósito secundário.
• Hidrocolóides: compostos de carboximetilcelulose sódica
(CMC). Têm capacidade autolítica para desbridamento de
tecido necrosado. Em contacto com o exsudado da ferida, for-
mam um gel de cor e odor característicos. Podem ser usados
em todas as fases de cicatrização.
• Alginatos: polímeros de cadeia larga procedentes das algas
(formados da associação dos ácidos gulurónico e manurónico,
sendo a base uma fibra de alginato de cálcio). Têm grande
capacidade de absorção (absorvem 15 a 20 vezes o seu peso).
Indicados para feridas moderada a extremamente exsudativas,

Manual Tratamento de Feridas 18


tendo também utilidade em feridas infectadas pela capacidade
de retenção de microorganismos na sua estrutura. Úteis tam-
bém em feridas cavitárias e têm também propriedades hemos-
táticas.
• Apósitos com prata: produtos bioactivos que contêm prata em
diferentes percentagens, associada a hidrofibras, alginatos e
carvão. Indicados para feridas infectadas, uma vez que há
evidências científicas de que a prata actua sobre um amplo
espectro de microorganismos incluindo alguns multi-
resistentes, não tem efeitos secundários, não interfere com
antibióticos sistémicos e produz escassas resistências.

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2 – PROTOCOLO DE TRATAMENTO DE FERIDAS

Este protocolo foi aprovado pela Sub-Região de Saúde de Braga,


destina-se a ser utilizado no seu âmbito e tem como objectivos os
seguintes:
• Uniformizar procedimentos relativos ao tratamento de feridas no
âmbito da Sub-Região de Saúde de Braga.
• Promover a continuidade de cuidados intra e inter institucional.
• Rentabilizar recursos materiais e humanos.
• Promover o bem-estar do utente/ família.

A construção do protocolo baseia-se nos princípios de tratamento


de feridas em meio húmido.
Está dividido em 5 grupos de feridas formados consoante o tipo de
tecido presente no leito da ferida e/ou características do mesmo. O tipo de
tecido que caracteriza uma ferida é sempre aquele que se encontra em pre-
dominância.
Cada grupo está representado por uma cor que o identifica.
Para cada grupo foram definidos objectivos específicos e princípios
de tratamento.

Sendo assim, temos:

A. Feridas com necrose seca ou com necrose húmida.


B. Feridas em granulação.
C. Feridas em epitelização.
D. Feridas infectadas.
E. Feridas muito ou extremamente exsudativas e/ou feridas cavitárias.

Manual Tratamento de Feridas 20


A. Feridas com necrose seca ou com necrose húmida. De cor
preta ou amarelada, respectivamente.
Na presença de tecido necrosado o objectivo do tratamento é des-
bridar. O desbridamento pode ser autolítico (com hidrogel) ou enzimático
(com enzimas proteolíticas). Idealmente devem ser aplicados apósitos
secundários (hidropolímeros ou hidrocolóides) para potenciar o efeito. Aos
dois métodos pode ser associado o desbridamento com bisturi, com a finali-
dade de acelerar este processo.

Feridas com tecido necrosado seco/ húmido.

Manual Tratamento de Feridas 21


B. Feridas em granulação, de coloração vermelha e com aspecto
granular que se deve à angiogénese.
O objectivo do tratamento é manter o leito da ferida húmido e pro-
mover a granulação. A limpeza da ferida deve ser atraumática devido à
fragilidade deste tecido e devem ser aplicados apósitos como os
hidropolímeros.

Ferida em granulação.

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C. Feridas em epitelização. À medida que ocorre a epitelização, a
ferida vai assumindo uma cor rosada nas margens ou sob a forma de
“ilhas” no centro da mesma. Ao efectuar o tratamento deve ser estimulado
este processo, evitando traumatismos e utilizando apósitos como os
hidropolímeros, hidrocolóides extra – finos ou ainda compressa primária
não aderente.

Ferida em epitelização.

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D. Feridas infectadas. A ferida e a pele peri-lesional apresentam
sinais clínicos de infecção (calor, rubor, edema, celulite) e há presença de
dor e odor. Geralmente faz-se associar a este estado da ferida uma cor
esverdeada que se refere a alteração nas características do exsudado, que
também aumenta nestas condições. Contudo, a cor verde refere-se especi-
ficamente a infecção provocada por pseudomonas.
O objectivo do tratamento é tratar a infecção com: apósitos com
prata ou com iodo de libertação lenta. Se necessário antibioterapia, esta
terá de ser sistémica.

Ferida infectada

Manual Tratamento de Feridas 24


E. Feridas muito ou extremamente exsudativas e/ou feridas
cavitárias. Os objectivos do tratamento são controlar o excesso de exsudado
e preencher cavidades, através do uso de apósitos com grande capacidade
de absorção e com características como a maleabilidade e adaptabilidade
ao leito da ferida (como as feridas com locas), como é o caso das hidrofibras
e alginatos.

Ferida cavitária e ferida extremamente exsudativa.

Manual Tratamento de Feridas 25


Devemos ter em atenção que durante o processo de cicatrização há
fases em que nas feridas podem coexistir características de dois ou mais
grupos que no protocolo estão apresentados separadamente. Damos o
exemplo de uma ferida em granulação que pode apresentar-se extrema-
mente exsudativa ou infectada, sendo, neste caso, prioritário o tratamento
da infecção e o controlo do exsudado.
Sendo este um protocolo construído, como referido anteriormente,
com base nos princípios de tratamento em meio húmido e no tipo de teci-
do/ condições do leito da ferida, é importante associarmos ao tratamento
local medidas adicionais e cuidados específicos consoante a etiologia da
ferida uma vez que estes cuidados se apresentam como determinantes para
o processo de cicatrização. Não podemos dissociar-nos da ideia que o
tratamento de feridas é um processo multifactorial e deve ser efectuado
com base numa visão holística da pessoa portadora da ferida.
Assim, este protocolo pode ser aplicado à grande maioria das feri-
das, sendo apenas contra-indicado nos casos de úlceras arteriais e pé dia-
bético isquémico.

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3 – CUIDADOS ESPECÍFICOS SEGUNDO ETIOLOGIA DA
FERIDA

3.1 – ÚLCERAS DE PRESSÃO

Definição
“Uma úlcera de pressão é uma lesão localizada na pele e tecidos
subjacentes, causada por pressão, torsão ou deslizamento, fricção e/ou uma
combinação destes” (EPUAP, 1998b).
“Dano localizado na pele causado por ruptura no aporte sanguíneo
local” (Dealey, 1999).

Classificação
• Grau I: eritema não reversível ao alívio da pressão (“eritema
não branqueável”).
• Grau II: destruição da epiderme e de parte da derme.
Formação de flictena.
• Grau III: destruição total da epiderme e derme com envolvi-
mento das camadas subcutâneas profundas.
• Grau IV: extensa destruição tecidular envolvendo músculo,
tendões e osso e presença de tecido necrosado.

Manual Tratamento de Feridas 27


Úlcera de pressão de grau IV.

Tratamento
• Tratamento local segundo protocolo / tratamento em meio
húmido.
• Cuidados com a pele.
• Controlo da humidade.
• Alívio da pressão: mobilização; posicionamentos; superfícies
de alívio da pressão.
• Monitorização nutricional e hídrica.
• Avaliação do grau de risco (Escalas de Avaliação de Risco).
• Educação para a saúde aos cuidadores.

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Aplicação de ácidos gordos hiperoxigenados.

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3.2 – ÚLCERAS DE PERNA

Definição
“Ulceração abaixo do joelho em qualquer parte da perna, incluindo
o pé e que demora mais de 6 semanas a cicatrizar” (Callam et al, 1987).
“Solução de continuidade na perna que ocorre em pele previamente
lesada, atingindo a derme e que deixa cicatriz” (Andriesen, 2002).

3.2.1 - ÚLCERAS ARTERIAIS


Sinais e Sintomas
• Claudicação intermitente.
• Pulsos distais ausentes.
• Dor no membro inferior em repouso.
• Dor intensa na úlcera.
• Dor acentuada com o membro inferior elevado e aliviada com
o membro inferior pendente.
• Diminuição do tempo de preenchimento capilar.
• Pele pálida, seca, com diminuição da quantidade de pêlos,
unhas espessas.

Manual Tratamento de Feridas 30


Úlceras arteriais.

Tratamento
• NÃO aplicar protocolo / tratamento em meio húmido.
• A primeira atitude é referenciar para a especialidade de
Cirurgia Vascular.
• Tratamento local com iodopovidona: converter necrose húmi-
da em necrose seca, com a finalidade da auto-amputação.
• NÃO desbridar.
• NÃO efectuar compressão.
• SE membro inferior revascularizado: tratamento local segun-
do protocolo / tratamento em meio húmido.

Manual Tratamento de Feridas 31


Membro revascularizado (bypass femoro-poplíteo).

3.2.2 - ÚLCERAS VENOSAS


Sinais e Sintomas
• Veias varicosas.
• Hiperpigmentação.
• Edema.
• Sensação de peso e cansaço dos membros inferiores, acentuados
no final do dia, aliviando com a elevação dos membros.

Manual Tratamento de Feridas 32


Úlceras venosas.

Tratamento
• Tratamento local segundo protocolo / tratamento em meio
húmido.
• TERAPIA COMPRESSIVA (também após o tratamento com
o objectivo de evitar recidivas).

Manual Tratamento de Feridas 33


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
É feito através de:
• Anamnese;
• Exame Físico;
• Determinação do IPTB (Índice de Pressão Tornozelo Braço).

Avaliação da pressão sistólica radial.

Manual Tratamento de Feridas 34


Avaliação da pressão sistólica pediosa.

Valores IPTB:
• IPTB> 1: Normal ou ausência de doença arterial. Pode
efectuar-se terapia compressiva.
• IPTB = 0,8 a 1,0: Doença arterial periférica leve.
• IPTB = 0,5 a 0,8: Doença arterial (claudicação intermitente).
Terapia compressiva completamente contra-indicada.
• IPTB <0,5: Doença arterial grave. Referenciar para Cirurgia
Vascular.

Manual Tratamento de Feridas 35


3.3 – PÉ DIABÉTICO

A fisiopatologia do pé diabético pode ser explicada pelos efeitos


ateroscleróticos e da neuropatia associados à Diabetes. Assim, o pé diabético
pode ser classificado em: isquémico (ou neuro-isquémico) e neuropático.

3.3.1 - PÉ ISQUÉMICO
Ausência de pulsos periféricos (tibial posterior e pedioso) confir-
mada por doppler (IPTB <1).

Pé diabético isquémico.

Tratamento
• NÃO aplicar protocolo / tratamento em meio húmido
• Tratamento local: converter a necrose húmida em necrose
seca, através da aplicação de iodopovidona, com a finalidade
da auto-amputação.
• Referenciação para especialidade (Cirurgia Vascular).

Manual Tratamento de Feridas 36


3.3.2 - PÉ NEUROPÁTICO
Presença de um ou dois pulsos periféricos palpáveis e forte
expressão de neuropatia: não detecção do monofilamento; não detecção do
diapasão; não detecção do algodão.
As úlceras surgem em zonas de pressão ou de deformação do pé.

Pé diabético neuropático.

Tratamento
• Tratamento local segundo protocolo / tratamento em meio
húmido.

Manual Tratamento de Feridas 37


EDUCAÇÃO PARA A SAÚDE DO DOENTE, FAMÍLIA E
CUIDADORES

• Inspecção diária dos pés;


• A temperatura da água deverá ser sempre inferior a 37ºC;
• Uso de calçado apropriado e evitar andar descalço;
• Cortar as unhas a direito;
• Hidratar a pele;
• Controlo metabólico;
• Os pés devem ser examinados regularmente por um profissional
de saúde.

Manual Tratamento de Feridas 38


3.4 – FERIDAS CIRÚRGICAS

As feridas cirúrgicas representam a maior parte das feridas de cica-


trização por primeira intenção, visto que se procede à aproximação dos
bordos da ferida utilizando uma técnica de sutura ou fixação.
Imediatamente após a sutura, forma-se uma bainha de fibrina que
permite a sua protecção contra a invasão de microorganismos.

Ferida cirúrgica.

Tratamento
• Não efectuar penso antes das 48 horas pós-cirurgia (excepto se
houver repassamento do exsudado).
• Lavar com soro fisiológico e aplicar penso seco OU penso trans-
parente (película ou spray) OU expor ao ar.
• Não é necessário a aplicação de soluções antisépticas, como por
exemplo, a iodopovidona.

Manual Tratamento de Feridas 39


3.5 – QUEIMADURAS

Definição
Lesão tecidular produzida por efeito de calor resultando em morte
celular. Dentro desta definição incluem-se lesões com diferentes etiolo-
gias: frio; substâncias químicas; electricidade; radiações ionizantes; etc.

Classificação
• Primeiro Grau: afecta principalmente a epiderme. Manifesta-se
por eritema, sem formação de flictena, com dor leve a moderada.
• Segundo Grau: afectam todos os estratos epidérmicos podendo
atingir a derme. O sinal mais característico é a formação de
flictena. É uma lesão muito dolorosa.
• Terceiro Grau: destruição total da pele podendo atingir estru-
turas mais profundas (músculo, tendão, vasos, etc.). São de
aspecto variável, sendo que o sinal típico é a formação de
escara. Não provocam dor uma vez que há atingimento das
terminações nervosas.

Queimadura de segundo grau.

Manual Tratamento de Feridas 40


Tratamento
Primeiro Grau:
• Arrefecimento local com água à temperatura ambiente (+/-
20ºC). Nas queimaduras recentes este procedimento deve ser
feito durante 10 a 15 minutos.
• NÃO utilizar água gelada nem gelo.
• Aplicação de creme hidratante de 2/2 horas ou de 3/3 horas.

Segundo Grau:
• Lavar abundantemente com soro fisiológico.
• Em queimaduras sujas ou com evidente risco de contami-
nação, utilizar água e sabão ou antiséptico e, antes da aplicação
do apósito, enxaguar abundantemente com soro fisiológico.
• Desbridar todas as flictenas, assim como todo o tecido desvi-
talizado.
• Tratamento local segundo protocolo / tratamento em meio
húmido.
• NÃO utilizar, para tratamento local, antisépticos como por
exemplo a iodopovidona.

Terceiro Grau:
• Aplicam-se os mesmos princípios anteriores.
• SE superfície corporal queimada muito extensa: encaminhar
para cuidados de saúde diferenciados.

Manual Tratamento de Feridas 41


3.6 – FERIDAS NEOPLÁSICAS

As feridas neoplásicas são causadas pela infiltração de um tumor na


pele e rede vascular e linfática adjacente. Podem ser primárias, quando se
devem ao próprio tumor, ou secundárias se são devidas a metástases. De
uma forma mais abrangente, também podem ser consideradas feridas neo-
plásicas as causadas por exérese do tumor e ainda as consequentes de trata-
mentos de radio e quimioterapia.

As principais complicações associadas a estas feridas são:


• Dor
• Odor
• Hemorragia

Dor
• Tratamento sistémico segundo escala analgésica da OMS em
função da intensidade da dor.
• Tratamento tópico (nem sempre disponível nos serviços):
anestésicos locais; anti-inflamatórios tópicos (na pele peri-
lesional); opióides tópicos (exemplo: gel de morfina; meta-
dona). Este tratamento tópico deve ser realizado em casos de
dor moderada.
• Tratamento em meio húmido, do qual fazem parte procedi-
mentos que causam menos dor e traumatismo aquando da
aplicação e remoção de apósitos.

Manual Tratamento de Feridas 42


Odor
• Limpeza abundante com soro fisiológico.
• Aplicação de apósitos com carvão activado.
• Tratar causas subjacentes: presença de tecido desvitalizado;
excesso de exsudado; infecção.

Hemorragia
• Tratamento em meio húmido: limpeza não traumática e apli-
cação de apósitos que não causem traumatismo aquando da
sua remoção.
• No caso de pequenas hemorragias:
• Pressão manual directa durante 10 a 15 minutos;
• Aplicação de adrenalina localmente;
• Aplicação de esponjas hemostáticas ou apósitos de al-
ginato de cálcio.

Manual Tratamento de Feridas 43


4 – BIBLIOGRAFIA

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Manual Tratamento de Feridas 46


Braga
Maio 2006

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