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IC SIINCUSP 2016
TRABALHOS SELECIONADOS
PARA A ETAPA INTERNACIONAL
DO 23 O SIICUSP - SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE INICIAÇÃO
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
DA USP
IC SIICUSP 2016
TRABALHOS SELECIONADOS
PARA A ETAPA INTERNACIONAL DO
O
24 SIICUSP - SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE
INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DA USP
FAUUSP
AGOSTO 2017
IC SIICUSP 2016
TRABALHOS SELECIONADOS
PARA A ETAPA INTERNACIONAL DO
O
24 SIICUSP - SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE
INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA DA USP
ORGANIZAÇÃO
LEANDRO SILVA MEDRANO
FAUUSP
AGOSTO, 2017
Universidade de São Paulo
Marco Antonio Zago – Reitor
Vahan Agopyan – Vice-Reitor
José Eduardo Krieger – Pró-Reitor de Pesquisa
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Maria Ângela Faggin Pereira Leite – Diretora
Ricardo Marques de Azevedo – Vice-Diretor
Comissão de Pesquisa
Leandro Silva Medrano – Presidente da Comissão de Pesquisa
Eugenio Fernandes Queiroga – Vice-Presidente
João Fernando Pires Meyer – AUT - Titular
Marcelo Eduardo Giacaglia – AUT - Suplente
Andrea Buchidid Loewen – AUH - Titular
Leandro Silva Medrano – AUH - Suplente
Eugenio Fernandes Queiroga – AUP - Titular
Clice de Toledo Sanjar Mazzilli – AUP - Suplente
Paulo Eduardo Fonseca Campos – AUP - Titular
Cibele Haddad Taralli – AUP - Suplente
Organização
Leandro Silva Medrano
Ficha Catalográfica
ISBN: 978-85-8089-109-6
711.063 CDD
Serviço de Biblioteca e Informação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
Secretária
Elizabete Melchior dos Reis
Produção Gráfica
Seção Técnica de Produção Editorial
Coordenação Didática – Profa. Dra. Clice de Toledo Sanjar Mazzilli
Supervisão Técnica – André Luis Ferreira
SUMÁRIO
05 IC ANUÁRIO 2017
Leandro Silva Medrano
08 CONSTRUÇÃO DA CAMADA LIMITE ATMOSFÉRICA EM TÚNEL DE VENTO
APLICAÇÕES EM ARQUITETURA E URBANISMO
Alberto Joseph Khouri
24 INTERVENÇÕES DE BAIXO IMPACTO PARA MELHORIA URBANÍSTICA E
AMBIENTAL DE ASSENTAMENTOS INFORMAIS EM ÁREAS DE MANANCIAIS
Ana Clara de Souza Santana
36 MULHER, CIDADE E ARQUITETURA NAS REPORTAGENS DE O CRUZEIRO
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes
50 FORMAS DE MORAR NOS ESTADOS UNIDOS: RICHARD NEUTRA
Felipe Kilaris Gallani
66 OS MORADORES DOS CONJUNTOS HABITACIONAIS DA FAVELA NOVA
JAGUARÉ E SUAS RELAÇÕES COM A POPULAÇÃO LOCAL
Lais Boni Valieris
80 ANÁLISE DE LUGARES PÚBLICOS NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA:
ESTUDO DE CASO SOBRE A PRAÇA SÍLVIO ROMERO, SÃO PAULO - SP
Teresa Cristina Barroso Vieira
IC ANUÁRIO 2017
Leandro Medrano
Presidente da Comissão de Pesquisa da FAUUSP
O desenvolvimento de uma pesquisa de Iniciação Científica (IC) é atividade
de grande importância na formação do estudante no Ensino Superior. Pois
além de introduzir o aluno aos métodos e técnicas dos trabalhos acadêmicos
e estimular o surgimento de futuros pesquisadores e/ou professores, seus
resultados muitas vezes são essenciais às pesquisas de docentes, laboratórios
ou grupos de pesquisas.
A Comissão de Pesquisa da FAUUSP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo) tem procurado incentivar a realização de
Iniciações Científicas, apesar de nos últimos anos essa modalidade de
pesquisa ter sofrido cortes significativos das agências de fomento em relação
às bolsas disponibilizadas. A divulgação de informes relacionados às ICs, a
criação da modalidade “IC sem Bolsa” e a ampla difusão do SIICUSP
(Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP) são alguns exemplos
de ações da CPq FAUUSP que buscam inserir a Iniciação Científica no
cotidiano acadêmico dos alunos de graduação da nossa Faculdade.
O presente anuário contém os trabalhos selecionados para a Etapa
Internacional do 23º SIICUSP. Sua publicação pretende estimular o
desenvolvimento de novas Iniciações Científicas e publicizar as pesquisas
realizadas pelos alunos e professores da FAUUSP.
Boa Leitura!
8 Resumo
A importância da análise da ação do vento em construções e meio urbano
torna-se cada vez maior nos estudos de engenharia civil e arquitetura,
carecendo de túneis de vento precisos e que representem melhor os diversos
ambientes. Neste artigo descreve-se o processo de busca por melhorias no
Túnel de Vento de Camada Limite Atmosférica da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo/FAUUSP, descrevendo a situação
inicial do equipamento sobre o qual trabalhamos e as mudanças que ele está
sofrendo nos últimos meses devido a dois projetos de iniciação científica. Em
seguida, descrevemos o comportamento do vento e como entendê-lo
segundo alguns parâmetros, os quais comporão parte das nossas análises
posteriores. Apresenta-se, também, o método dos elementos de Counihan e
os resultados obtidos pela sua aplicação, com a construção da barreira
acastelada, dos geradores de vórtices e das rugosidades, os quais deverão
nos auxiliar na geração de uma camada limite atmosférica mais condizente, a
fim de obterem-se resultados mais precisos em futuros testes sobre ação de
vento. Por fim, mostram-se os resultados dos primeiros testes feitos com o
gerador de vórtice, buscando indicar a real influência que os elementos
tiveram no fluxo do ar.
Palavras-chave
Vento; Ventilação; Conforto Ambiental; Túnel de Vento, Camada Limite
Atmosférica
4.3. Rugosidades
Na tentativa de simular um terreno de maneira mais fiel à realidade, utilizam-se as
rugosidades para representar as características do contorno do modelo, sendo um
fator determinante na forma com que o fluxo chega à seção de ensaio. Cada tipo
de região apresenta diferentes ocupações e, por isso, deve-se estipular mais de
uma disposição das rugosidades, podendo simular vários ambientes em nosso
túnel de vento.
Um dos principais parâmetros que iremos variar conforme o tipo de terreno é a
rugosidade aerodinâmica. Se desejarmos simular locais abertos, sem muitas
edificações e com relevos mais constantes, como em campos lisos ou nas 15
encostas, é fácil perceber que a superfície ali presente causa pouco efeito sobre o
vento, concluindo que as rugosidades serão pequenas ou, em alguns casos,
desnecessárias, tendo um yo (rugosidade aerodinâmica) tendendo à zero. Já para
os grandes centros urbanos, ou até mesmo em áreas suburbanas, as influências
das construções locais afetam sensivelmente o fluxo de vento, sendo essencial a
utilização de rugosidades para caracterizar estas áreas, o que não é algo intuitivo
como na outra situação descrita acima.
O método de analise descrito por Counihan (1971, p. 638) tem base no trabalho
de Perry e Joubert (1963) para determinação da rugosidade aerodinâmica e o
deslocamento do plano-zero, na situação bidimensional. Ele descreve que, se a
relação da velocidade média local sobre a velocidade de corte for plotada contra o
logaritmo natural da distância em relação ao piso, devemos obter uma reta, caso d
seja nulo. Se esta condição não for satisfeita, faz-se necessário assumir diversos
valores para ele até que se ache uma variação linear para o gráfico. Em seguida,
extrapolando essa relação com o logaritmo natural da distância vertical ao plano-
zero, podemos chegar ao valor do logaritmo natural do yo yo.
Já para o caso tridimensional, Counihan (1971, p. 638) relata a necessidade de se
determinar os perfis de velocidade em diversas posições, obtendo, assim, diversos
valores de rugosidade aerodinâmica, chegando a um valor médio. Com esse valor
podemos utilizar o método bidimensional descrito no parágrafo anterior.
Com os resultados obtidos por Counihan (1971, p. 639), nota-se pelo perfil de
velocidade média que, próximo às rugosidades, a velocidade se mantém
Equação 1:
Equação 2:
19
Tabela 1 – Velocidade e
Temperatura na seção de
ensaio do túnel sem geradores.
21
Pode-se notar que, com os resultados para o túnel de vento da FAUUSP sem
elementos e com a inserção dos geradores de vórtices, ouve uma queda na
velocidade do fluxo nesta seção de estudo, a qual se localiza após as posições
dos elementos. Para a menor rotação, houve uma queda de 13 % na maior
média de velocidade observada, enquanto para a rotação intermediária ocorreu
uma diminuição de 17 % entre as médias mais altas e, por fim, para o fluxo mais
intenso, a redução foi de 18 %. Além disso, pode-se notar uma pequena
elevação na temperatura do ar em ambos os casos, sendo que se variou mais na
situação com os geradores de vórtices.
Esses resultados parciais podem indicar algumas conclusões já esperadas, como
por exemplo, que a utilização dos elementos construídos causaria uma
significativa queda na quantidade de movimento do fluxo, o que nos leva a
redução de velocidade observada acima. Além disso, possivelmente pelo maior
atrito sofrido pelo vento no contato com os elementos, houve uma maior
variação da temperatura do ar na situação com os geradores de vórtices em
relação à outra mostrada.
Os futuros testes, com as diversas configurações dos elementos, poderão afirmar
as hipóteses citadas aqui, comprovando o que já era esperado no túnel de
vento. Essas configurações testarão o túnel com das seguintes maneiras: apenas
com barreira acastelada; apenas com as rugosidades; apenas com geradores de
vórtices e barreira acastelada; apenas com geradores de vórtices e rugosidades;
apenas com rugosidades e barreira acastelada; com todos os elementos.
22
24 Resumo
O objetivo do projeto desenvolvido no Laboratório de Habitação e
Assentamentos Humanos (LabHab) é desenvolver soluções não
convencionais de drenagem urbana articuladas à configuração física de
assentamentos precários. O local de intervenção foi no bairro do Alvarenga,
em São Bernardo do Campo/SP, às margens da represa Billings. A partir de
pesquisa e análise de dispositivos existentes, além de contínuos debates com
a comunidade, foi definida a área de intervenção. O projeto foi desenvolvido
com o dimensionamento dos dispositivos de drenagem de águas pluviais e
construído pela metodologia de canteiro-escola. A obra foi realizada pela
equipe de pesquisadores, por trabalhadores da construção civil e por
moradores, com o apoio de órgãos públicos. Foram construídos uma escada
com rampa, jardins de chuva, sistema de captação de água da chuva e kits
de drenagem nas casas vizinhas. A obra construída, embora pontual e de
caráter experimental, indica um novo caminho possível para a ocupação e
consolidação de áreas públicas nos assentamentos informais, introduzindo a
questão ambiental e a participação da comunidade em todas as etapas como
estruturadores do programa.
Palavras-chave
Drenagem urbana; manancial; assentamento informal; meio ambiente;
técnicas alternativas.
Figura 2 – Foto a partir do bairro Alvarengo em frente à represa Billings. Fonte: autoria própria.
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
(pouco eficaz pois trata de modo simplista a diversidades das situações
encontradas nos municípios, dificultando as possíveis regularizações).
Em São Bernardo do Campo, foi instituído o programa de Regularização
Fundiária no Plano Local de Habitação de Interesse Social, vigente, que a partir de
2009 adotou o Orçamento Participativo (OP), promovendo uma relação mais
efetiva e dinâmica da população junto do planejamento municipal. Após
estruturar essa política habitacional, foram identificadas as tipologias dos
assentamentos precários, definindo as ações necessárias para a regularização e
urbanização. Os loteamentos do Alvarenga, área de estudo dessa pesquisa,
receberam a tipologia 2, que os define como assentamentos parcialmente
consolidados e irregulares, demandando execução e complementação de
determinados serviços de infraestrutura. Essas áreas foram demarcadas como
ZEIS no Plano Diretor.
As atividades de projeto expostas tiveram a colaboração - já estabelecida ao
longo de anos de pesquisa e atuação do laboratório na região - das Secretarias
de Habitação, Planejamento Urbano, Gestão Ambiental e Serviços Urbanos da
Prefeitura do Município de São Bernardo do Campo. No plano acadêmico, é
importante ressaltar que o presente projeto tem diálogo com as demais 15
equipes de diferentes universidades em todo o país que participam do projeto
“Manejo de Águas Pluviais em Meio Urbano” (MAPLU 2), cuja coordenação geral
cabe ao Prof. Nilo de Oliveira Nascimento (UFMG), com recursos da FINEP -
Financiadora de Estudos e Projetos.
Este trabalho também se vincula ao projeto “Canteiro Escola Águas Urbanas”, com
26 o apoio da PRCEU (Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária da USP).
O projeto “Canteiro Escola Águas Urbanas”, atividade de extensão universitária do
LabHab, realizou oficinas na escola pública do bairro com o objetivo de promover
a preservação das áreas de mananciais e busca da participação ativa da
comunidade na tentativa de ampliar a discussão ambiental e também de garantir
a manutenção dos dispositivos e consolidação da preservação.
2. O BJETIVOS
O objetivo do projeto é, a partir de um contexto urbano concreto, desenvolver
soluções não convencionais de drenagem urbana que visem à recuperação
urbana e ambiental de modo articulado à configuração física de assentamentos
precários, minimizando o impacto da ocupação urbana feita de modo informal,
por autoconstrução, sem infraestrutura, em áreas de risco e/ou ambientalmente
protegidas por lei.
A partir do recorte espacial do bairro do Alvarenga, o projeto visa planejar e
executar obras de drenagem urbana integradas ao espaço de moradia e espaços
públicos, utilizando técnicas compensatórias que podem ser aplicadas como
complemento às redes convencionais existentes – ou que estão previstas no
processo de regularização fundiária na região. Dessa forma, busca-se, para além
da salubridade e sustentabilidade da ocupação urbana, a possibilidade de aliar as
técnicas alternativas, por meio do projeto, à qualificação do espaço público, que
ali tem condições de se integrar à paisagem natural e proporcionando espaços
de convivência e lazer.
3. M ETODOLOGIA
A primeira etapa das atividades consistiu no contato com o material já produzido
na pesquisa “Manejo de Águas Pluviais em Meio Urbano”, incluindo relatórios,
manuais e estudos de campo para compreensão das características da área e
cotejamento com levantamentos técnicos já disponíveis. Também foi possível
aprofundar o estudo de soluções ambientais, como cisternas, poços de retenção
/ infiltração e ampliação de áreas permeáveis, jardins de chuva e poços de
retenção / infiltração em vias e praças públicas a partir de pesquisa bibliográfica e
estudos de dispositivos já construídos.
A partir da pesquisa e de debates com a comunidade, foi necessário especificar a
área onde seriam executadas as obras. Deu-se início ao estudo preliminar de
intervenção nas possíveis áreas de interesse, cuja escolha foi pautada pela
27
Figura 3 – Caracterização da
microbacia. Fonte: LabHab.
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
28
Figura 4 –Fotomontagem das etapas da construção. Fonte: LabHab.
4. R ESULTADOS
Ao longo de quatro semanas, o projeto foi construído pela equipe de
pesquisadores, por quatro trabalhadores da construção civil e por moradores,
com o apoio das Secretarias de Habitação, Planejamento Urbano, Gestão
Ambiental e Serviços Urbanos do município e da Associação de Moradores do
Parque dos Químicos (figura 4). O local de intervenção é um espaço público,
uma viela entre a Rua da Evolução e a Rua das Oliveiras.
A escolha do local foi feita a partir do estudo da contribuição de cada parte do
bairro na microbacia do córrego que recebe o escoamento da região até atingir
a represa - cujo ponto mais baixo sofre recorrentes enchentes. O bairro possui
uma grande área com cobertura vegetal preservada, localizada numa área
central de seu perímetro. Este maciço tem assumido a função de “wetland”
natural, possibilitando que a vazão das águas pluviais e provenientes de esgoto
e poluição difusa seja então retida e parcialmente filtrada, depois de serem ali
encaminhadas por meio das escadas hidráulicas (obra da Prefeitura de São
Bernardo).
O potencial de atuação na Rua das Oliveiras foi ampliado pela importância na
rede urbana local, no ponto mais alto da topografia do bairro, por ser próxima
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
ao ponto final da linha de ônibus que conecta o bairro à região do entorno, por
ser um ponto encontro dos moradores, por ser onde acontece semanalmente
uma feira livre e por se configurar como uma passagem de pedestres com
demanda de qualificação urbanística.
Foram construídos uma escada com rampa na lateral; jardins de chuva; um
sistema de captação e armazenamento de água pluvial em uma das casas
vizinhas à viela; kits de drenagem na calçada de duas casas vizinhas; e instalados
postes de iluminação pública (figura 5).
4.1. Projeto
Uma importante referência projetual foi o trabalho desenvolvido na tese de
doutorado de Newton Célio Becker de Moura, “Biorretenção – Tecnologia
Ambiental Urbana para manejo das águas de chuva”, sob a orientação do
professor doutor Paulo Renato Mesquita Pellegrino da FAUUSP e coorientação do
professor José Rodolfo Scarati Martins da Escola Politécnica da USP, com quem o
projeto realizou parceria através do Departamento de Engenharia Hidráulica e
Ambiental (PHD).
A tese é bastante elucidativa e propositiva nas suas experimentações, sendo uma
fonte de referência alinhada com o que se almeja propor como técnica alternativa
no manejo de águas pluviais a serem aplicadas especificamente no Alvarenga. O
doutorando explora o conceito de infraestrutura verde apostando numa
urbanização sustentável e de baixo impacto, se utilizando de dispositivos de
biorretenção de execução simples e baixa manutenção que garantem uma
30 mínima eficiência sem comprometer as funções de retenção e filtragem.
Um dos recortes da tese, que foi utilizado como objeto de estudo, é o processo
de concepção e execução de um protótipo de elemento de biorretenção,
instalado nas imediações do Centro Tecnológico de Hidráulica-CTH na Cidade
Universitária Armando Salles de Oliveira. Foi proposto com a finalidade de medir a
vazão de efluentes e também coletar amostras de água para análise laboratorial.
Ao apropriar-se do desenho em questão, foram incorporados os conhecimentos
a respeito da técnica de biorretenção por meio do dispositivo apresentado, no
entanto a equipe do LabHab desenvolveu um desenho próprio, levando em
conta tanto a limitação orçamentária como a viabilidade de execução no canteiro
de obras, fundamental para a exequibilidade da intervenção, que contaria com a
mão de obra profissional dos pedreiros moradores da região, mas também com
mão de obra de moradores em geral e também de estudantes e professores,
pela metodologia de canteiro-escola e em mutirões programados.
4.2. Obra
As obras se iniciaram no dia 21 de março de 2016, com parte da equipe de
obras e com os pesquisadores, que começaram a limpeza da viela. A demolição
do piso e da escada preexistentes e a retirada do entulho e de volume de terra
foram auxiliadas por maquinário e mão de obra da Secretaria de Serviços
Urbanos, da Prefeitura de São Bernardo do Campo. No final da primeira semana,
foi cavada a trincheira onde seria instalado o jardim de chuva, além de um
sumidouro na calçada.
4.2.1 Canteiro-Escola
Durante o período de obra ficou nítido o domínio da técnica construtiva por
parte dos trabalhadores e a falta de familiaridade da mesma pela equipe de 31
pesquisa, reafirmando a importância da discussão sobre a divisão tradicional do
trabalho. Com o término das atividades no canteiro, foi proposto aos
construtores realizar quatro encontros em formato de oficinas na sede da
Associação de Moradores Parque dos Químicos, com a intenção de transmitir
conteúdos ministrados nos espaços educacionais voltados para as elites a fim
de proporcionar o início de uma autonomia em relação a essas -
tradicionalmente consideradas - disciplinas. Nesses encontros foi possível
perceber o quanto a prática e a teoria da construção, e a separação dessas,
permeia e determina tanto a formação do trabalhador da construção quanto
da equipe de pesquisa.
O primeiro encontro foi sobre “meio ambiente”, onde foi discutido o
funcionamento da bacia hidrográfica, a importância da preservação ambiental
nas áreas de manaciais e a inserção da técnica dos dispositivos construídos na
escala do bairro e da metrópole, bem como seu funcionamento. O segundo
encontro, sobre “orçamento”, foram abordadas questões sobre custos de obra,
que incluíam cálculo de materiais e estimativa de tempo de execução.
O terceiro encontro foi sobre projeto, abordando a importância do desenho na
prática da arquitetura em suas diversas linguagens e representações. O último
encontro foi destinado a planejar o último dia de trabalho da atividade na viela,
programado para realizar acabamentos, como aplicação de revestimentos e
ajustes, como recolocação de mudas que não se fixaram nos canteiros.
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
4. 3. Os dispositivos e seu funcionamento
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
6. C ONCLUSÕES
O trabalho desenvolvido ao longo dos sete meses na equipe do laboratório foi
bastante enriquecedor pelo contato com o contexto urbano predominante nas
periferias da metrópole paulista e, ao mesmo tempo, com as particularidades das
áreas de mananciais. Estudar a viabilidade de urbanização pautada em questões
ambientais através de intervenções de baixo impacto nas áreas informais revela
questões desafiadoras por diversas questões, sobretudo pela lógica das obras
tradicionalmente construídas pelo poder público após longos períodos de
negligência nessas regiões.
Os processos de regularização fundiária e obras de infraestrutura urbana no
bairro Alvarenga eram demandas dos moradores há anos e foram atendidos
serviços elementares como saneamento básico, iluminação, pavimentação de
guias e sarjetas etc. Nos trechos com altas declividades, também foram
construídas escadas hidráulicas para direcionar o escoamento superficial da água
pluvial ao córrego e, finalmente, à represa. Embora essas intervenções tenham
proporcionado melhorias e condições de habitabilidade em geral, a
impermeabilização do solo traz consequências como o aumento da velocidade
do escoamento das águas pluviais, centralizando os lugares de passagem da
água - gerando pontos de alagamento e de acúmulo de poluição. A viabilidade
da implantação de técnicas compensatórias, a fim de configurar uma rede
resiliente formada por pequenas obras pontuais de baixo impacto, que implicam
manutenção permanente, demandaria uma outra postura do poder público no
gerenciamento desses espaços.
7. R EFERÊNCIAS
BAPTISTA, Márcio Benedito. NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. BARRAUD, Sylvie. Técnicas
compensatórias em drenagem urbana
urbana. 2. ed. rev. Porto Alegre, 2011. 318p.
CHRISTOVAM, Mariane T. Infraestrutura de drenagem e áreas verdes na bacia do Córrego P onte
Ponte
Alta. Trabalho final de graduação apresentado na FAUUSP. São Paulo, 2013.
Alta
MOURA, Newton Célio Becker de. PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita (orient). MARTINS, José
Rodolfo Scarati (co-orient). Biorretenção : tecnologia ambiental urbana para manejo das águas
de chuva
chuva. Tese de Doutorado apresentado na FAUUSP. São Paulo, 2013. 177 p. Disponível em: <
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16135/tde-30052014-104153/publico/
FAUUSP_TESE_MOURA_NEWTON.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2016.
Stormwater Management Manual
Manual. City of Portland, 2016. Disponível em: < https://
www.portlandoregon.gov/bes/article/582086>. Acesso em: 28 nov. 2016.
Projeto técnico: jardins de chuva
chuva. Manual sistematizado por FCTH e ABCP. Disponível em: < http://
solucoesparacidades.com.br/wp-content/uploads/2013/04/AF_Jardins-de-Chuva-
35
Ana Clara de Souza Santana – Intervenções de baixo impacto para melhoria urbanística e
ambiental de assentamentos informais em áreas de mananciais – p.24-35
MULHER, CIDADE E ARQUITETURA
NAS REPORTAGENS DE
O CRUZEIRO
36 Resumo
A iniciação científica que deu origem a este artigo buscou compreender o
processo de disseminação de valores modernos no papel da mulher, nas
configurações familiares e na arquitetura entre a população brasileira durante
os anos 1950. Para tanto, foi escolhida como objeto de análise a revista
ilustrada de variedades O Cruzeiro, de grande relevância no período. Seus
conteúdos sobre os temas observados nos revelam os padrões correntes,
aceitos e divulgados. A revista, enquanto mídia de grande circulação, pode ser
considerada ao mesmo tempo um reflexo da sociedade que retratava e um
mecanismo influenciador de seus leitores, registrando e promovendo
transformações em gostos, comportamentos e valores. Nesse texto,
procuramos apresentar alguns aspectos dos debates travados na revista
acerca da mulher, das cidades e da arquitetura brasileiras.
Palavras-chave
Arquitetura moderna, Gênero, O Cruzeiro
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
cinema, “Madonnas” e crianças. No recorte histórico
adotado por esta pesquisa, que compreende 616
publicações da versão nacional da revista, menos de
2% das capas continham apenas figuras masculinas.
Nos casos observados figuraram nas capas Pe. Manoel
da Nóbrega (representado em gravura), índios, Carlos
Gardel, Ernest Hemingway, o Papa Pio XII e Juscelino
Kubitschek.
A predominância de figuras femininas nas capas da
revista revela a dupla imagem que a mulher assume na
cultura de massas ocidental: a mulher sujeito e a
mulher objeto. A mulher representada na capa pode
tanto gerar identificação com potenciais consumidoras
da revista quanto despertar o desejo, pela mulher e
pela revista (FRANCISCHETT, 2015, p. 1).
Seus conteúdos eram dos mais variados possíveis,
como matérias de sociedade, comportamento, política,
história, eventos, celebridades, cinema, teatro, rádio,
televisão, moda, folhetins, crônicas de diversos escritores,
colunas variadas de humor, dicas de beleza, saúde,
decoração e economia doméstica, receitas,
aconselhamento por cartas e etc. Além dos conteúdos
editoriais, os anúncios publicitários também tinham
O Cruzeiro, ano XXVIII, nº 22, 17/03/1956. Acervo ECA-USP.
Imagem da autora.
grande peso na revista, aparecendo na maioria das
38 páginas da publicação.
A revista tem como sua principal referência cultural os Estados Unidos, porém a
França também apresenta um papel de destaque, o que se exemplifica
principalmente pelo espaço ocupado na revista pelo cinema hollywoodiano e pela
alta costura parisiense. Não à toa a revista é frequentemente relacionada às
revistas Life e Paris Match (onde inclusive trabalhou um dos maiores nomes de O
Cruzeiro, o fotógrafo Jean Manzon), que são consideradas seus modelos
inspiradores. De todo modo, considerando o conteúdo geral da revista no
período abordado, pode-se afirmar que O Cruzeiro foi um dos veículos de
divulgação do American Way of Life no Brasil.
Quanto ao seu posicionamento político, pode-se dizer que a revista seguia os
interesses de Assis Chateaubriand, sendo predominantemente de situação. Apesar
disso, O Cruzeiro abria espaço para textos que criticavam o governo e em suas
matérias sobre política apareciam constantemente referências sobre as oposições
enfrentadas pelo governo, além da preocupação com a crise política. As
reportagens publicadas por Jean Manzon na década de 1960 criticando o
presidente Juscelino Kubitschek são um exemplo dessa atitude. Além da situação
política, a revista também denunciava diversas mazelas do Brasil, como por
exemplo o analfabetismo, as altas taxas de mortalidade infantil, a fome e miséria, o
crescimento do número de habitações em favelas, o trânsito e outros problemas.
Mesmo construindo alguns cenários negativos, deve-se dizer que o tom
predominante na revista era de otimismo. Sobre o sentimento dúbio de
frustração e esperança típico do pós II Guerra, vale destacar o lide de uma das
principais matérias da primeira edição de 1950:
M ULHER E FAMÍLIA
A presença das mulheres em O Cruzeiro começa na figura de sua presidente,
Amélia Whitaker Gondim de Oliveira que, embora não tivesse uma atuação central
na definição do perfil editorial da revista, assumia uma posição de destaque. Além
dela, diversas outras mulheres constavam da equipe da revista como cronistas,
colunistas e colaboradoras. Entretanto, nenhuma mulher, ao menos durante os
anos 1950, chegou a ocupar na revista os postos de repórter ou fotógrafa.
As mulheres que O Cruzeiro mais gostava de retratar eram, em suma, as estrelas
do entretenimento (rádio, teatro, televisão e cinema) e as moças e senhoras da
alta sociedade brasileira. Elas eram apresentadas como verdadeiras inspirações a
serem seguidas e o desejo de toda mulher deveria ser o de se parecer com elas,
vestir-se como elas e desfrutar da vida que elas tinham. Se não fosse possível, as
imagens das revistas podiam lhes dar ao menos uma amostra, uma orientação.
Em segundo plano, a mulher comum era representada sempre nos papéis de
esposa, mãe e dona-de-casa, entendidos como essenciais para a satisfação do
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
espírito feminino e cruciais para o bem-estar da família e, consequentemente, do
país. Dentre estes papéis, tinha maior destaque o papel de mãe, pois a
maternidade era considerada sagrada. Tornar-se mãe era a realização máxima na
vida de uma mulher, e a partir disso, todos os planos acerca de seu futuro
girariam em torno dos filhos2 . Normalmente, a não ser quando se tratava de
contar alguma história particular e individual ou noticiar algo inusitado, a mulher
comum de que falava a revista procurava refletir a realidade da classe média.
40
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
casamentos e crescia o de divórcios. Essa situação revelava, segundo O Cruzeiro,
que não havia a mesma responsabilidade para com o casamento e a família,
sendo comum o abandono de menores, a existência de lares desestruturados e
uma juventude “transviada”.11
Como se vê nesses poucos exemplos, a revista ao mesmo tempo em que
noticiava e promovia relações de gênero tradicionais, com as mulheres
desempenhando os papéis consagrados desde o século XIX de mãe, esposa e
dona-de-casa, dava mostras de que mudanças, ainda que lentas, estavam em
curso, apontando o aparecimento de novas atividades e lugares sociais ocupados
pelas mulheres, especialmente as das camadas médias, nas cidades.
C IDADE
11 Desagregação
A revista O Cruzeiro se identificava com o estilo de vida das grandes metrópoles
da família,
problema de uma época. O
nacionais e internacionais que, não raras vezes, mostrou em suas páginas. As
Cruzeiro, ano XXXI, nº 44, 15/08/ cidades norte-americanas apareciam como exemplos do estilo de vida urbano
1959, pp 4-12, 106. dos países desenvolvidos, como modelos urbanísticos a serem referenciados. Los
12 A cidade do automóvel. O Angeles é apresentada por seu modelo rodoviarista e descentralizado, constituído
Cruzeiro, ano XXII, nº 28, 29/04/ em subúrbios.12 Nova York é apresentada segundo seu dinamismo e sua
1950, pp 62-64, 76. imagem de cidade densa e vertical, aparecendo como um lugar onde haveria
42
O Cruzeiro, ano XXX, nº 22, 15/03/1958, pp 27 e 32. Acervo ECA-USP. Imagem da autora.
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
sua “força realizadora” e seu ritmo ímpar de progresso. “Fabulosa metrópole” de
“arquitetura arrojada”, São Paulo se afirmava para O Cruzeiro como a cidade
número um do Brasil.18
Estas reportagens e artigos sobre a cidade dão conta das transformações em
curso e dos ideias de modernidade em voga. Fica clara também a referência ao
processo de modernização que alterava a paisagem da cidade por meio de um
duplo movimento: a verticalização das áreas centrais e o espraiamento da mancha
urbana. A cidade como suporte desses processos, de certa forma também os
promovia, possibilitando novos arranjos familiares, novas formas de morar e novos
papéis de gênero, com as mulheres assumindo outras atividades e funções sociais.
A RQUITETURA
O Cruzeiro, mesmo não sendo uma revista especializada em arquitetura, não
deixou de tratar deste tema, e o fez tanto em relação a um lado mais cotidiano e
18 São Paulo. O Cruzeiro, ano XXVI,
palpável para os leitores quanto em relação à arquitetura moderna brasileira
nº 15, 23/01/1954, pp 22-42A, canônica, representada especialmente pela chamada “escola carioca”.
68.
Em março de 1950 foi divulgado um projeto de vivenda rural do arquiteto
19 Ângelo Murgel (1907-1978), Ângelo Murgel19 no intuito de facilitar aos leitores proprietários de terras no
arquiteto formado pela Escola de
Arquitetura da Universidade de campo ou sitiantes a construção de casa própria ou de veraneio. O projeto foi
Minas Gerais. Teve sua atuação publicado com planta, quatro fachadas, um corte e uma perspectiva, todos em
profissional vinculada ao escala. O texto considerava o projeto moderno, segundo termo empregado na
Ministério da Agricultura e
própria matéria, porém “sem lançar mão de figurinos alienígenas, de exotismo, de
44 lecionou na Faculdade Nacional
de Arquitetura (antiga Escola formas imprevistas, cuja única finalidade seria diferir de tudo”. Tal consideração era
Nacional de Belas Artes). alimentada por uma crítica à arquitetura moderna de matriz funcionalista,
20 Vivenda rural. O Cruzeiro, ano
europeia, cujas formas seriam disformes, esquisitas e despropositais.20
XXII, nº 23, 25/03/1950, pp 6,
92, 93.
Ao longo da década, a arquitetura ganhou mais espaço na revista e a apreciação
sobre o modernismo se tornou mais positiva. No final de 1955, ao noticiar uma
21 Sucesso. O Cruzeiro, ano XXVIII,
feira de decoradores do Rio de Janeiro, onde figuravam tanto propostas
nº 3, 05/11/1955, pp 84, 85.
tradicionais como modernas, a reportagem comenta que o carioca se valia cada
22 Arte e repouso. O Cruzeiro, ano vez mais do trabalho destes profissionais que “sabem juntar o bonito ao
XXVIII, nº 7, 03/12/1955, p98.
prático”.21 Na nota “Arte e Repouso”, com imagens da cadeira Bowl, de Lina Bo
23 Marília Escosteguy era gaúcha e Bardi, o texto comenta sobre a dificuldade do público em apreciar a arte
trabalhava promovendo cursos
moderna em contraposição à naturalidade com que se viam móveis de design
de decoração. Não se sabe sua
formação profissional. arrojado, revelando as contradições acerca da aceitação da estética moderna em
24
uma época marcada pela geometrização e o ideal de conforto.22
Filhos felizes com o lar bem
decorado. O Cruzeiro, ano XXVIII, Cursos de decoração ministrados por Marília Escosteguy23 também foram
nº 47, 08/09/1956, p106.
noticiados pela revista, como o curso intensivo de decoração voltado a mães
25 “Doutores” em decoração. O cariocas, que relacionava a felicidade das crianças à qualidade do ambiente onde
Cruzeiro, ano XXIX, nº 25, 06/04/
viviam e contemplou conteúdos de aproveitamento de espaço, distribuição de
1957, p125.
móveis, influência da cor e iluminação.24 Realizou-se também o curso em Porto
Alegre, com duração de sete meses, onde os alunos fizeram trabalhos cuja
predileção era pelo “estilo modernista”.25
As primeiras obras de arquitetura moderna a serem mostradas na revista foram o
Museu de Arte de São Paulo (em sua primeira sede à Rua Sete de Abril),
colocando-o como uma “cidadela da civilização”, de arquitetura “moderna,
racional e funcional” e que, quando feita a reportagem, exibia uma exposição
26 Museu de Arte de São Paulo, sobre a obra de Le Corbusier.26 A publicação não é fortuita, uma vez que o 45
cidadela da civilização. O MASP foi fundado por Assis Chateaubriand. Outra obra que figurou nas páginas
Cruzeiro, ano XXII, nº 42, 05/08/
1950, pp 94-103.
da revista por ocasião de sua inauguração, em 1952, o Hotel da Bahia, de
Diógenes Rebouças e Paulo Antunes.27
27 O mais belo hotel do Brasil. O
Cruzeiro, ano XXIV, nº 38, 05/07/ O Rio de Janeiro era a mais importante vitrine da arquitetura moderna brasileira,
1952, pp 112-114. aquela que “renovou, no mundo todo, nosso renome artístico”, tendo Lucio Costa
28 Rio. O Cruzeiro, ano XXX, nº 22, como grande impulsionador e Oscar Niemeyer como grande executor, mas
15/03/1958, pp 24-33. também outros nomes de destaque como Jorge Moreira, Henrique Mindlin, Sérgio
29 Museu de Arte Moderna do Rio Bernardes, Affonso Reidy, Francisco Bolonha, Carmen Portinho e Roberto Burle
de Janeiro. O Cruzeiro, ano XXVII, Marx. Dentre os edifícios modernos marcantes na paisagem fluminense, a revista
nº 37, 25/06/1955, pp 32,33.
aponta o Aeroporto Santos Dumont, o edifício sede da ABI (Associação Brasileira
de Imprensa), o Ministério da Educação, Conjunto Habitacional do Pedregulho,
Parque Guinle, Parque Proletário da Gávea, edifício Marquês de Herval e Clube de
Engenharia.28 A revista também divulgou a maquete e fotomontagens do projeto
de Reidy para o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro classificando o edifício
como digno da arte que abrigaria.29 As obras são exatamente aquelas
consagradas a partir dos anos 1940 pela crítica nacional e internacional, em
exposições (GOODWIN, 1943); livros (MINDLIN, 1956) e revistas ecoando,
portanto, o discurso especializado também nas páginas deste semanário.
A cidade de Belo Horizonte é colocada como “experiência notável no campo das
construções residenciais” e sua população teria aceitado integralmente os novos
sistemas construtivos e os novos padrões estéticos da arquitetura. Assim sendo,
suas residências com jardins, piscinas, grandes panos de vidro e ambientes bem
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
iluminados e ensolarados se tornaram referencias no campo da habitação
moderna.30 Em São Paulo, clubes esportivos, em uma espécie de “torneio de
arquitetura moderna”, também contribuíam para a presença da arquitetura da
“escola paulista” na paisagem da cidade.31
30 Belo Horizonte, cidade sob A figura que O Cruzeiro mais destacou no cenário arquitetônico nacional foi
medida. O Cruzeiro, ano XXX, nº certamente Oscar Niemeyer. A maior parte das matérias publicadas sobre obras
30, 03/05/1958, pp 26-31.
de arquitetura versavam sobre a sua produção. O arquiteto carioca, tido como
31 Clubes de São Paulo. O Cruzeiro, um gênio pela revista, teria dado “novo e surpreendente rumo às formas básicas”,
ano XXXI, nº 26, 11/04/1959, pp
valendo-se da tecnologia, com graça e sutileza rompendo com os limites do
58-64.
“funcionalismo ortodoxo”. Suas obras retratadas nas páginas da revista foram:
32 Cataguases, uma réplica a Ouro Colégio de Cataguases; Fábrica Duchen; o Conjunto da Pampulha, apresentado
Preto. O Cruzeiro, ano XXII, nº 17,
11/02/1950, pp 50-57, 64, 78.
como o “maior conjunto arquitetônico do mundo”; o Iate Clube da Pampulha;
Niemeyer, o poeta das formas. O Igreja de São Francisco de Assis; a sede das Empresas Gráficas O Cruzeiro; o
Cruzeiro, ano XXIII, nº 11, 30/12/ edifício da Bienal de São Paulo, a Taba Tupi, projeto de edifício residencial não
1950, pp 91-95. construído; e, é claro, Brasília.32
Pampulha, uma capela em busca
de Deus. O Cruzeiro, ano XXV, nº A presença dessas obras na revista se explica de um lado pela valoração que a
9, 13/12/1952, pp 62-68, 72. arquitetura moderna alcançou internacionalmente, mas também pelo vínculo com
A nova sede de “O Cruzeiro”. O Assis Chateaubriand, cuja ação cultural se deu vinculada aos modernistas, haja
Cruzeiro, ano XXVI, nº 5, 14/11/
1953, pp 62,63. vista, as suas relações com o MASP e nomes importantes como Niemeyer,
Exposição do IV Centenário. O responsável por um dos edifícios de suas empresas no Rio de Janeiro.
Cruzeiro, ano XXVI, nº 47, 04/09/
1954, pp 18-18G. Brasília foi um caso à parte. Não só foi considerada uma obra-prima da
Taba Tupi. O Cruzeiro, ano XXIX, arquitetura moderna brasileira como também a materialização de um sonho de
nº 7, 01/12/1956, pp 14-17. progresso nacional. Brasília foi tema de reportagem em O Cruzeiro pela primeira
46
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
modernidade brasileira. Ela se deixa entrever, por exemplo, através da
conceituação de uma mulher moderna, cuja virtude consiste em não abandonar
os valores tradicionais, mas conciliá-los com o espírito dos novos tempos.
Por fim, conclui-se que dada a natureza dos conteúdos publicados, é possível
dizer que a contribuição da revista para a divulgação de ideais, princípios e
padrões estéticos modernos foi real e certamente gerou impactos. Entretanto, é
preciso pontuar que a influência de O Cruzeiro sobre os processos de
modernização deve ser entendida na consideração do alcance real que a revista
obteve. Embora fosse uma das mais vendidas do período, a revista alcançava de
fato em suas edições cerca de 6% da população nacional, circulando
principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o que cria ressalvas quanto à
extensão quantitativa e geográfica de seu impacto. A influência da revista pode ter
sido exercida da mesma forma por outros periódicos ou meios de comunicação,
que também eram produto da mesma época e cultura. Embora muitos veículos
de imprensa tenham contribuído para a assimilação da modernidade, O Cruzeiro
ainda pode ser tomado como o maior dos exemplos por se tratar da revista de
maior alcance nacionalmente e por seu caráter assumidamente de vanguarda.
R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990. São Paulo: Edusp, 1999.
49
Beatriz dos Santos Alves Ventura Fernandes – Mulher, Cidade e Arquitetura nas
Reportagens de O Cruzeiro – p.36-49
FORMAS DE MORAR NOS ESTADOS
UNIDOS: RICHARD NEUTRA
50 Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar os projetos residenciais do arquiteto
Richard Joseph Neutra (1892-1970). A partir do levantamento de seus
projetos residenciais e da análise especial da Desert House (1946), também
conhecida como Casa Kaufmann, avaliou-se o contexto histórico e o processo
criativo do arquiteto, reconhecendo transformações sociais, especialmente no
tocante aos ideais de domesticidade, as relações de gênero e disciplinares.
Contribuiu para a investigação o acesso à coleção Richard and Dion papers,
1925-1970 (UCLA) que permitiu além da identificação de características da
sociedade norte-americana a comprovação da singular relação que Neutra
mantinha com seus clientes em cada um dos projetos. Assim, entendendo a
casa como um documento, a pesquisa pode contribuir para a história da
habitação moderna.
Palavras-chave
Arquitetura moderna, domesticidade, Richard Neutra.
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
Neste sentido, foi fundamental o grupo semanal de leituras e discussões
organizado pela professora orientadora, voltado primeiramente ao contexto
internacional e nacional de produção arquitetônica, concomitantes às leituras que
auxiliassem na compreensão das formas e ideais de domesticidade em curso. Em
sequência, foram lidos e discutidos textos específicos sobre a trajetória e a obra
de Richard Neutra, de sua autoria ou de críticos, atentando-se para os diálogos
entre Estados Unidos e Brasil. Além da revisão bibliográfica, a pesquisa se dedicou
também a um amplo levantamento documental, analisando-se revistas de época -
Habitat, Acrópole e Módulo -, projetos, ofícios e fotos relativos à produção do
arquiteto na Califórnia. Parte desses documentos, fundamentais para a
comprovação do seu processo criativo, seja do ponto de vista dos princípios
arquitetônicos, seja do ponto de vista das características, hábitos e desejos dos
seus clientes, foram levantados nos arquivos da Universidade da Califórnia
(UCLA), em sua Special Collections Library Department, no Getty Museum e no
Neutra Institute for Survival Through Design.
De mesma importância também foram as entrevistas realizadas com Dion Neutra,
arquiteto e filho de Richard Neutra, que destacou o processo investigativo de seu
pai aos clientes, a partir de um modelo-exemplo de “questionário”. A esse
contato, pois, se deve a busca pelo que comprovaria o reconhecimento da
contribuição do cliente na concepção do projeto. Ademais, a recuperação inédita
deste documento seria a prova física e o caminho de descoberta das
características mais íntimas daqueles que confiaram em Neutra e seu escritório
para a criação de seus refúgios de privacidade.
Por este motivo, este artigo apresenta parte da pesquisa, enfatizando-se o
52 empenho do arquiteto na extensa leitura do perfil de seus clientes. Aliás, é
inegável que seus projetos assim tenham um valor histórico que ultrapassa o
campo disciplinar, afinal, eternizam os desejos da sociedade norte-americana em
seu devido tempo e lugar. Resgatar tais nuances projetuais, estejam elas atreladas
à escolha do material, do processo construtivo, da organização do espaço ou da
sua relação com o meio ambiente, significa também o resgate da história da
habitação moderna.2
Para a análise da Desert House de Edgar e Liliane Kaufmann (1946), realizou-se
uma minuciosa leitura dos duzentos e setenta e um documentos levantados
diretamente na UCLA junto à busca por detalhes característicos não apenas dos
clientes, como também dos ideais de domesticidade da sociedade norte-
americana daquele período. Colaborou para a contextualização e o
desenvolvimento do texto as interpretações de Adrian Forty, em seu livro Objetos
de Desejo (2007).
Sabendo disso e lembrando do entendimento da casa como a celebração do
encontro entre cliente e arquiteto, o início da construção da Desert House deve
ser visto a partir do pedido de uma residência para temporadas de inverno por
Edgar J. Kaufmann e sua esposa Liliane [1], no dia 5 de Fevereiro de 1946 - uma
década após o mesmo casal solicitar ao arquiteto Frank Lloyd Wright a residência
que ficou conhecida como Fallingwater (1935-1939).
Em sua carta, escrita em sequência à conversa telefônica com o arquiteto, Edgar
formaliza alguns requerimentos, indicando as dimensões e a localização dos
terrenos de seu interesse em Palm Springs. Segundo o cliente, a casa deveria ter
a sala de jantar à parte da sala de estar, uma cozinha com armários metálicos
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
Para tanto, é válido o resgate da substituição de motivos morais e estéticos pela
determinação da higiene desde 1910, notavelmente disseminada através do
próprio design dos objetos. Neste primeiro momento, o crescente
desenvolvimento de utensílios destinados à vida doméstica, encontrou a
justificativa da eficiência em promover a limpeza, alimentando a paranoia da
higiene. Em consequência, não seria justa a afirmação de que o tempo gasto com
as tarefas domésticas foram reduzidos, mas, que os padrões de limpeza
passaram a ser mais altos, implicando em mais ações de trabalho dentro de casa.
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
não associação doméstica aos ambientes de trabalho. Difícil, segundo o autor, é
definir quando isto ocorreu, sendo mais apropriada a sua definição como um
processo. Difícil também é responder ao questionamento de se este design
emergiu para satisfação do consumidor ou se apresentou como um resultado de
persuasão. Nesse processo, a linguagem dos eletrodomésticos antes mais
próximas do maquinário industrial, foi se aprimorando tanto em termos de
limpeza e uso, quanto em termos estéticos. Materiais de fácil limpeza e
manutenção, desenho com cantos arredondados e linhas sintéticas atenderam
a esse conjunto novo de exigências funcionais e simbólicas. Esse conjunto de
reflexões ajudam a circunscrever as exigências de Edgar quanto a separação da
cozinha e sua determinação de revestimento metálico, assim como a distância
do quarto dos proprietários e hóspedes das áreas de serviço, bem como as
escolhas de materiais.
[2] “Questionário” investigativo
ao casal Kaufmann. Seguindo os primeiros passos do desenvolvimento do projeto, Neutra comenta
Collection 1179. Box 119. F.2. com Edgar Kaufmann o seu grande entusiasmo com o projeto, documentando
Richard & Dion Neutra Papers: em 18 de fevereiro de 1946 os primeiros contatos com engenheiros estruturais e
Client Files
Kaufmann, Edgar
empreiteiros. Ao mesmo tempo, desde a declaração inicial do cliente acerca do
Correspondence. February – desejo de construção de sua casa, pode-se dizer que o processo criativo seguiu
June 1946 fiel ao princípio defendidos pelo arquiteto. Em nenhum momento, a partir do que
os documentos demonstram, Neutra
assumiu uma postura impositiva,
sustentando o ritual de dialogar com seu
cliente, propondo soluções em comum
acordo.
56 Tal processo investigativo, segundo as
análises, é mantido e incentivado a partir
de diferentes tipos e formatações de
documentos. Para a Desert House
predominam as cartas entre os clientes,
mas, são notáveis também diversos
telegramas telefônicos, fotografias,
anotações de telefonemas e os
anteriormente mencionados
“questionários”. Distintos
significativamente, estes últimos parecem
abranger um campo maior de
informações, diretamente associados à
busca por particularidades. A partir deles,
são apresentados desejos e hábitos
específicos, descobertos durante uma
conversa.
Inaugurando uma sequência de
similares documentos investigativos para
a concepção da Desert House, o
documento [2] do dia 19 de fevereiro
de 1946 reafirma a existência dos
“questionários” como uma constante no
processo criativo do arquiteto. Para este
primeiro caso, notam-se requerimentos
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
58
[3] Kaufmann House. os princípios arquitetônicos de Neutra e o conjunto da obra, devem ser
Julius Shulman photography encarados como essenciais. O cuidado com a mínima escala traduz os esforços
archive, do arquiteto e de seus clientes para a materialização de um universo de máximo
1935-2009, Job 093.
© J. Paul Getty Trust. Getty
conforto. As liberdades criativas, assim, são conduzidas por particularidades. Se no
Research Institute, início do processo foram assumidas diretrizes gerais, com o avanço construtivo, o
Los Angeles (2004.R.10) desenho volta-se à solução de pontualidades.
Finalmente, quase dois anos após o primeiro contato documentado entre os
clientes e o arquiteto, o primeiro inverno com a apropriação do espaço pelos
proprietários é anunciado. Após um extenso processo investigativo, pontualmente
recuperado a este artigo, Edgar Kaufmann escreve uma carta a Richard Neutra no
dia 13 de janeiro de 1948, afirmando sua recém chegada na residência. A
acomodação acompanhada de algum mal-estar de saúde não impede o
proprietário de comentar que não necessitava de nenhuma ajuda de Neutra,
mas, que caso algo extraordinário fosse notado, entraria em contato.
O breve documento celebra o primeiro dia de ocupação humana na Desert
House, mas não o seu final construtivo. Afirmar que uma vez ocupada, a casa
poderia ser considerada pronta, é incorreto. Os anos seguintes guardavam
reconsiderações construtivas dos clientes, ao mesmo tempo em que o arquiteto
construía fotograficamente sua memória. O documento [4] comprova a
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
continuidade ao seu desenvolvimento criativo, é valiosa a percepção da casa
como uma construção relativamente flexível. Conjuntamente à percepção de
transformações de hábitos e comportamentos, ambos concordam na
necessidade do apoio transformativo do ambiente.
Entendendo a evolução construtiva e suas inevitáveis alterações espaciais, uma
última análise documental da Desert House voltou-se aos desenhos executivos
assinados por Richard J. Neutra em 1946. Os desenhos fornecidos pelo Neutra
Institute for Survival Through Design, apresentam as plantas, elevações e cortes
do projeto. Pode-se imaginar desde a sua implantação até a especificação dos
acabamentos, uma hipotética inserção em cada ambiente, valendo-se das
características históricas, o ideário do arquiteto e particularidades dos clientes.
Volumetricamente, a Desert House é disposta caracteristicamente, de forma similar
empregada por Richard Neutra em seus projetos para Warren e Katharine
Tremaine (1948), Fred e Alicia Adler (1956), Charles Oxley (1958) e Martin Rang
(1961). Quatro diferentes alas da casa abrigam cada qual uma função diversa. A
semelhança do desenho a um cata-vento traduz para os ambientes ao norte as
duas suítes de hóspedes e um pátio aberto. A oeste, são dispostos os ambientes
de serviço como cozinha e depósito, além dos dois quartos para funcionários. Ao
sul, é destinado o abrigo para carros e disposto o caminho de acesso à
residência. Finalmente, a leste, Neutra determina o quarto dos proprietários,
conectado visualmente e fisicamente com a área externa da piscina.
Intencionalmente planejado como um amplo ambiente de encontro das
diferentes alas, a sala de estar incorpora a sala de jantar, destacando a
60 centralidade da lareira ao restante da casa. A confluência dos possíveis fluxos
para um mesmo espaço, assume importância maior ao volume revestido de
pedra, dando continuidade aos mesmos significados gradualmente desenvolvidos
por Frank Lloyd Wright - com quem Neutra trabalhou assim que chegou aos
Estados Unidos - que culminam na expressão simbólica e praticamente sagrada
da lareira. É este o elemento que apresenta ao visitante a importância do
conforto para o lar, evidenciando um foco de reunião, também pela proximidade
da própria mesa de jantar.
A amplitude deste ambiente central também confere um caráter propício à
observação das dinâmicas internas e externas da residência. Para alguém
posicionado na sala de estar, qualquer movimentação na ala dos quartos de
hóspedes, piscina ou quarto dos proprietários pode ser percebida. A exceção do
contato visual, intencionalmente, volta-se à área de serviço, com uma cozinha,
dois quartos de funcionários e um depósito. Neste sentido, a separação do
restante da casa - ainda que exista uma mesma linguagem arquitetônica e
qualidade espacial - é evidente.
A segregação visual da ala oeste, com seus ambientes e usos praticamente
escondidos, indica significados maiores que os fomentados pela distinção de
classes. O não contato com o que garante a funcionalidade da casa, ao que
parece, indica novamente os desejos de conforto do lar a partir do esquecimento
da atmosfera de trabalho. Associa-se a esta disposição espacial a criação de um
universo de ilusões, em que as refeições, a limpeza e a ordem façam
obrigatoriamente parte da da casa, sem que existam vestígios de seus esforços.
Seguindo a busca pela materialização de outros ideais do arquiteto, comprova-se
a valorização do contato entre o ambiente interior e exterior da residência. Com
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
habitantes. O arquiteto destaca a revoltante existência de muitos que trabalhavam
em escritórios modernos, dirigiam automóveis como um Studebaker e, ainda assim,
resistiam às novas proposições para a vida privada. A esquizofrenia de negação da
residência em sintonia ao moderno deveria ser revista do seu ponto de vista.
A Desert House, assim segue as proposições do arquiteto, posteriormente com
outros proprietários. A falta de cuidado com a manutenção da residência, sem valer
de preocupações para a preservação da proposta moderna de habitação, no
entanto, foi contornada com sua compra por outro casal apreciador de casas
modernas do século XX. Hoje, contando com a colaboração de Julius Shulman, a
casa encontra-se restaurada, podendo ser considerada um marco para a história
da arquitetura. Um marco não só em função da expressão dos ideais
arquitetônicos de Neutra, mas também como símbolo de um conjunto de ideais de
domesticidade que então se configuravam nos Estados Unidos do Segundo Pós-
Guerra e que terão forte impactos em outras localidades, como o Brasil e mais
especialmente São Paulo. As investigações e análises aqui desenvolvidas podem
contribuir para a avaliação desses impactos e as reflexões sobre os diálogos de
modernidade arquitetônica entre o norte e sul do continente americano.
Esta pesquisa reconhece que em razão de novas dinâmicas globais,
gradualmente regradas ao ritmo industrial, a casa da mesma forma insere-se
nesse contexto, é parte da materialização das transformações na sociedade. Mais
do que apresentar elementos de inovação espacial, técnica e construtiva, esta é
também elemento-chave à compreensão do comportamento humano e de sua
adaptação aos novos ritmos, aos seus desejos e necessidades da modernidade.
62 Além disso, com o acesso à valiosa coleção Richard and Dion papers, 1925-1970 -
doada por Frank, Raymond, Dion e Dione Neutra à Universidade da Califórnia
(UCLA) -, puderam ser identificadas as características desta sociedade,
63
Felipe Kilaris Gallani – Formas de morar nos Estados Unidos: Richard Neutra – p. 50-65
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OS MORADORES DOS CONJUNTOS
HABITACIONAIS DA FAVELA
NOVA JAGUARÉ E SUAS RELAÇÕES
COM A POPULAÇÃO LOCAL
66 Resumo
A pesquisa visa compreender as políticas de oferta e demanda da produção
habitacional proveniente dos processos de urbanização em favelas; o
processo de cadastramento e atendimento habitacional, incluído políticas de
distribuição das unidades e sua relação com as questões de remoção e
reassentamento. Através do estudo de caso na favela Nova Jaguaré, buscou-
se compreender como essas questões se resolveram, relacionando quem são
os moradores dos conjuntos habitacionais produzidos no processo de
urbanização, e qual a relação deles com a população da favela Nova Jaguaré.
A pesquisa se estabelece na favela Nova Jaguaré, contextualizada no período
das obras de urbanização de 2005 a 2010. Como uma das mais antigas da
cidade de São Paulo, sofreu intervenções de várias gestões municipais, desde
casos pontuais de provisão habitacionais, infraestrutura, até a elaboração e
execução de projetos de urbanização. O recorte territorial, portanto, oferece
uma visão mais completa e multifacetada dos objetivos previstos para essa
pesquisa. Ademais, alguns projetos de pesquisas já realizados no local de
estudo, incitaram questões a serem respondidas, além de se apresentarem
como importantes subsídios para a formulação de um estudo mais completo
sobre a favela Nova Jaguaré.
Palavras-chave
Urbanização de favelas, conjuntos habitacionais, unidades habitacionais, Nova
Jaguaré.
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
completa e multifacetada dos objetivos previstos para essa pesquisa. Ademais,
existem muitos projetos de pesquisas realizados no local, os quais incitaram
questões a serem respondidas, além de se apresentarem como importantes
subsídios para a formulação de um estudo mais completo sobre a favela Nova
Jaguaré. É importante ressaltar, em especial, os projetos de iniciação científica da
Márcia Trento, realizada em 2011, a qual procurou entender quais foram as
mudanças físicas propostas pelas diversas intervenções, e a pesquisa da Bruna
Sato de 2013, partindo das intervenções estudadas pela Márcia, procurou
entender o impacto que esses projetos tiveram no que diz respeito às remoções
das famílias afetadas pelas mudanças físicas da favela, além disso, a Bruna
também procurou entender quais foram as respostas de atendimento
habitacional oferecidas à essas famílias removidas, considerando a produção das
unidades habitacionais produzidas no período de recorte da presente pesquisa.
Como objetivo principal, portanto, a presente pesquisa procurou dar
continuidade ao extenso processo de entendimento sobre a favela do Jaguaré já
iniciado pelos diferentes autores, e como forma de contribuição se propôs a
entender os moradores dos conjuntos habitacionais produzidos no território no
período das obras de urbanização (2005-2010), e a relação deles com a
população local. Para tanto, compreender como ocorreu o processo de
distribuição das unidades habitacionais se torna primordial, processo que inclui
também questões relacionadas ao cadastramento, reassentamento das famílias
removidas e por fim o destino das unidades habitacionais produzidas, buscando
compreender intrinsecamente ao processo, quais critérios e lógica fora usada.
2. R ESULTADOS 69
2.1. Dados secundários
Breve histórico da questão habitacional no Brasil
No Brasil as causas do déficit habitacional estão ligadas desde o principio à
questão da posse da terra. A Lei de Terras, de 1850, fora a primeira tentativa de
organizar a propriedade privada no Brasil, a qual contribuiu para perpetuar a
estrutura fundiária já existente no país. Esse fato ocorre, paradoxalmente, em
um período no qual a demanda por terras aumenta, principalmente, devido à
promulgação da Lei Áurea, em 1888, e com a vinda de imigrantes para o país.
A lei não foi acompanhada de medidas que de fato poderiam garantir a
igualdade racial e o fim da estrutura elitizada da propriedade. Nesse período
começam a surgir alternativas ao acesso a habitação no Brasil. Como afirma
Maricato, A emergência do trabalho livre dá origem ao problema da habitação
(MARICATO, 2003).
Com o início da urbanização e industrialização do país, essas questões
começam a se agravar. Segundo Maricato A invasão de terras urbanas no Brasil
é parte intrínseca do processo de urbanização. [...] Ela é institucionalizada pelo
mercado imobiliário excludente e pela ausência de políticas sociais (MARICATO,
1999). A então ocupação das periferias vai evidenciar e acentuar a relação
entre exclusão, legislação e mercado imobiliário restrito, visto que as populações
mais desfavorecidas irão se instalar nas áreas de menor valor de mercado
(BARROS, 2014).
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
Em 1942, a Lei do Inquilinato, a qual congela o valor dos aluguéis, é um fator
importante para a discussão da formação dos assentamentos precários. A partir
dos anos 50 a economia urbana industrial passa a ditar as políticas públicas do
país (ZUQUIM, 2012), que segundo Maricato se caracteriza por: baixos salários,
os quais não eram definidos segundo o custo da habitação fixado pelo mercado
privado; gestores com tradição de investimentos regressivos, ou seja, com obras
de infraestrutura que alimentavam a especulação imobiliária; além de uma
legislação urbana ambígua e aplicada de forma arbitrária (MARICATO, 1999).
Dessa forma, no início do século XX em São Paulo, cidade que concentrou um
grande número de indústrias advindas da pós economia cafeeira, os números de
cortiços aumentaram muito, representando um terço das moradias em São Paulo
representavam cortiços (KOWARICK, 1994). Além dos cortiços, as periferias e as
favelas também surgirão como alternativa habitacional.
Até os anos 70, as favelas eram vistas como ocupações provisórias e de caráter
pontual. Por essa razão, as respostas dos agentes públicos eram no sentido de
extinguir esses assentamentos, sem uma solução permanente. Criou-se inclusive
um projeto de Remoções de Favelas e Vilas Habitacionais sobre a coordenadoria
da Sebes - Secretaria do Bem-Estar Social. No fim da década de 70, as crises
internacionais do petróleo refletiram sobre a economia brasileira. É nesse
momento, que as ocupações aparecem de forma mais expressiva, deixando de
ser resultado de ações individuais familiares para se tornarem movimentos
massivos organizados. Em 1979 é aprovada a Lei Federal de Parcelamento e Uso
do Solo (6766/79), a qual exige a instalação de uma infraestrutura mínima para
a aprovação de um novo loteamento. Ou seja, ao mesmo tempo, torna ilegal
70 todos os outros loteamentos que não se enquadram nos parâmetros por ela
propostos. Não é por acaso que nesse momento o discurso da urbanização e
regularização de assentamentos precários se consolidada como alternativa
importante para a questão habitacional nas grandes cidades.
Com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, estabelecendo a função social
da propriedade, importante progresso da política urbana no Brasil. Além disso,
institui os Planos Diretores com parte essencial do processo de planejamento
urbano. Além disso, em 2003 é criado o Ministério das Cidades, que dentre
outras medidas, estabeleceu maior importância aos programas de intervenções
em assentamentos precários, levando em pauta a ideia da urbanização em todos
os seus âmbitos. Um ponto essencial que o Estatuto da Cidade coloca em
discussão é a do usucapião coletivo. Entretanto, apesar de reconhecer o direito
de uma terra ocupada, abre espaço para a regulamentação de loteamentos sem
infraestrutura básica ou mesmo em situação de risco (MARICATO, 2003).
Paralela a esses processos urbanos – políticos e socioeconômicos - que
esclarecem a formação dos assentamentos precários nas cidades brasileiras,
aconteceu a produção habitacional estatal. Apesar da eficácia questionável, eles
tiveram um importante papel na formação da postura do Estado frente à
responsabilidade de redução no déficit habitacional brasileiro. As primeiras
expressões de políticas públicas que tratam a moradia como questão social são os
IAPs (1937 – 1946) e a Fundação Casa Popular (1946 – 1964), considerada
precursora do BNH. Na década de 60 o Estado cria o SFH – Sistema de
Financiamento de Habitação e o BNH – Banco Nacional de Habitação, com a
finalidade de subsidiar programas habitacionais voltados ao mercado popular.
Após o período militar, o BNH foi incorporado à Caixa Econômica Federal, ficando
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
da cidade de São Paulo. Pela primeira vez, um programa municipal de
urbanização de favelas foi estruturado como parte integrante de uma política
habitacional municipal (DENALDI, 2003). Através do FUNAPS – FAVELA foi possível
criar escritórios regionais de habitação, contando com a participação da
população, os quais respondiam à Superintendência de Habitação Popular da
SEHAB. A maior inovação do governo municipal se deu na abertura da
possibilidade da autogestão pelos moradores. Outra importante medida foi a de
avaliação de áreas de risco. Com apoio técnico do IPT, foram avaliadas 300 áreas
de risco em 240 favelas (FREIRE, 2006). Os programas da Erundina executaram,
principalmente, obras pontuais dentro do projeto de urbanização de favelas, não
priorizando a produção habitacional.
A administração seguinte representou novamente um retrocesso. Apesar de
promover em números o que parece ser um avanço, em termos qualitativos e
sociais não evoluíram. Paulo Maluf (1993 – 1996) e Celso Pitta (1997 –
2000), os quais são comumente referidos com as mesmas diretrizes de gestão,
trabalharam no setor habitacional em cima do programa PROVER – Programa
de Urbanização de Favelas com Verticalização, conhecido como Cingapura, e
paralisaram outros importantes mecanismos criados anteriormente, como os
mutirões. Claramente movidos por um caráter político-eleitoreiro, as
implantações dos edifícios buscavam visibilidade, eram feitas em avenidas de
grande fluxo e serviam para esconder as favelas (FREIRE, 2006). Além disso,
nesse período foi constante o uso de abrigos provisórios, visto que os edifícios
padronizados, não ofereciam soluções que abrigassem todas as remoções.
Com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001 e do Plano Diretor
72 Estratégico em 2002, o qual dentre outras realizações importante, criou as ZEIS
– Zonas Especiais de Interesse Social, dentro da cidade. A então prefeita Marta
Suplicy (2001 – 2004) pôde desfrutar de maiores mecanismos políticas para a
aplicação de uma política habitacional voltada à urbanização de favelas. Sob a
coordenadoria da SEHAB e integrado a outros órgãos da prefeitura como o
HABI – Superintendência de Habitação Popular, a COHAB – Companhia
Metropolitana de Habitação em São Paulo e RESOLO – Departamento de
Regularização do Solo, a gestão da prefeita desenvolveu o programa Bairro
Legal, voltado à urbanização de favelas. O programa tinha por objetivo
promover a urbanização de favelas; a regularização fundiária de loteamentos
clandestinos e ocupações irregulares; a qualificação de conjuntos habitacionais
existentes; além da promoção de programas sociais de caráter social e de
geração e renda. Entretanto, muitos dos projetos não saíram do papel durante
a administração, sendo apenas orçados e licitados no período. (FREIRE, 2006).
José Serra foi o sucessor de Marta Suplicy, entretanto, deixou o cargo nas mãos
do seu vice Gilberto Kassab em 2006. A prefeitura herdou muitos projetos
habitacionais da gestão anterior, a alguns foram dados continuidade, outros
como o Morar Centro, foram desarticulados. O Bairro Legal, principal programa
até então da Secretaria de Habitação, sofreu algumas modificações, e por isso
recebeu o nome de Urbanização de Favelas, abrangendo apenas um dos
subprogramas do Bairro Legal. Um importante momento dessa gestão foi a
criação do Plano Municipal de Habitação (PMH 2009/2004), o qual representa
o comprometimento em traçar diretrizes que visem a promoção de moradia
digna e se apresentam como um elemento integrante de ações no campo da
ambiental, social, habitacional e urbanístico.
O caso do Jaguaré
O caso do Jaguaré está diretamente relacionado ao desenvolvimento da cidade
de São Paulo. Como um dos assentamentos mais antigos e consolidados da
cidade, sua história reflete em muito a história de ocupação e expansão da
cidade. O início da ocupação da região remonta à retificação do Rio Pinheiros em
1930. Nessa época as margens do rio eram ocupadas por grandes propriedades
até então rurais, a qual foi adquirida pela Sociedade Imobiliária Jaguaré que
previa um projeto de urbanização para a área. O planejamento visava a um
bairro com caráter industrial que incluía zonas residenciais e comerciais. O então
loteamento fora projetado com um desenho orgânico, para melhor se adaptar à
topografia acidentada. A parte da encosta leste, mais próxima ao rio fora
destinada a um parque público devido aos fatores que não favoreciam a
ocupação humana, como acentuada declividade, exposição a ventos frios e
úmidos do sudeste e orientação solar ruim (FREIRE, 2006). Fora exatamente
nessa área onde se originou a favela do Jaguaré.
A Nova Jaguaré começou a ser formada no fim dos anos 1950, intensificando-se
73
nas décadas seguintes. A falta de monitoramento da prefeitura em preservar o
parque previsto para o local e a intensificação das migrações para São Paulo nesse
período, além da região ser provida de grande oferta de emprego e baixa oferta de
moradia popular, formaram o cenário propicio a ocupação do espaço. Além disso,
a Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo – COHAB, no final da
década de 60, alocou dezenas de famílias no terreno em resposta a um processo
de desfavelamento em outra região da cidade. O crescimento da ocupação se dá
de forma exponencial, em 1968 são numeradas 310 famílias; em 1973, 850
barracos instalados; e, em 1978, 3000 mil famílias moram na região (TRENTO,
2011). Em meados de 70 as vias de grande porte são abertas, atraindo maiores
ocupações e intensificando o adensamento populacional na região. A partir da
década de 1980, a favela Nova Jaguaré já se apresenta muito consolidada, apesar
de demonstrar diferentes padrões de moradias. E segundo dados do Habisp, com
sua maior parte vivendo em alto índice de vulnerabilidade social.
Intervenções
As primeiras propostas de intervenção pelo poder público surgiram nos fins da
década de 80, no mandato da então prefeita Luiza Erundina. Através do
diagnóstico do “Plano de ação para as favelas em situação de risco de vida e
emergência”, o qual classificou parte da ocupação da favela como risco 1, risco
iminente, as primeiras ações de contenção foram pensadas para amenizar essa
situação. Em 1991, foram executados três grandes taludes. Apesar de a
intervenção visar prevenir possíveis desmoronamentos, o risco poderia retornar
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
com a reocupação irregular desses espaços. A prefeitura então esboçou
propostas de ocupação habitacional, prendo a construção de 78 moradias
adequadas à topografia. Entretanto, o projeto não foi executado e posteriormente
a área foi reocupada por barracos e se tornou uma das áreas mais densas da
favela com grande risco de deslizamentos (FREIRE, 2006). Ainda durante a gestão
Erundina, também houve pequenos serviços de melhoria, como a construção de
muros de arrimo, canalização de drenagem de águas pluviais e a construção de
uma escadaria de 100 metros que proporcionou a ligação entre a parte alta e a
parte baixa da favela, melhorando a circulação (TRENTO, 2011).
Em 1995, durante a gestão do Paulo Maluf, houve um dos mais marcantes
deslizamentos na favela Nova Jaguaré. A prefeitura então remove as famílias da
área através de uma proposta de indenização barraco. Em 1996, ainda na
mesma gestão, através do PROVER, iniciou-se a construção de dois conjuntos
habitacional Cingapura na favela. Ao todo, os conjuntos ofereciam 260 unidades
habitacionais, distribuídas em 13 prédios de 5 pavimentos.
Na gestão da Marta Supplicy, um novo deslizamento de terra acontece na favela,
localizado no Morro do Sabão, área com as maiores declividades no perímetro
da Nova Jaguaré. O deslizamento atingiu 26 famílias. Após o ocorrido,
subprefeitura da Lapa executa obras de drenagem e contenção, através da
construção de escadarias hidráulicas e muros de gabião. Em 2003, a prefeitura
lança o edital para o projeto de urbanização da favela Nova Jaguaré, através do
programa “Bairro Legal”. O projeto abrangia não só a regularização física, mas
também fundiária, dispondo de mecanismos de participação popular. O projeto
vencedor foi o do escritório de arquitetura Projeto Paulista de Arquitetura, o qual
74 buscou conciliar fatores técnicos de drenagem, abertura de viário e obras de
saneamento, com fatores de integração com o tecido urbano existente, criação de
espaços livres e uma proposta de provisão habitacional atrelada a tipologias de
plantas diversificas, que conversassem com a topografia da área, integradas a
edifícios de uso misto. Em 2004, no ultimo mandato da prefeita, o projeto foi
licitado, entretanto, não havendo os recursos previstos no contrato de licitação, a
obra foi paralisada.
Na gestão seguinte de Gilberto Kassab, em 2006, iniciam-se algumas remoções
para implantação dos conjuntos habitacionais. Entretanto, o projeto a ser seguido
sofreu diversas alterações, e passando inclusive a fazer parte do programa
Urbanização de Favelas. As principais mudanças em relação ao projeto foram a
implantação das unidades habitacionais, a qual seu número é inclusive reduzido;
o traçado do viário; e algumas áreas livres de uso comum são alteradas, além da
execução de mais dois conjuntos habitacionais não previstos anteriormente, o
conjunto habitacional Kenkiti Simomoto e o Residencial Alexandre Mackenzie, que
alteram o perímetro da favela, visto que são implantados em terrenos limítrofes
mas fora do perímetro antigo. Ao todo foram construídas 947 novas unidades
habitacionais, sendo 110 no conjunto habitacional Kenkiti Simomoto, 427 no
Residencial Alexandre Mackenzie, e 405 no conjunto Nova Jaguaré. Entretanto,
para que a obra fosse executada, foi necessária a remoção de 1879 famílias. Fica
claro que a provisão habitacional não foi suficiente para atender a toda a
população residente do local. As famílias que não foram atendidas, como
demonstra Sato (2003) tiveram diferentes tratamentos, dentre as quase 2000
famílias, 369 foram atendidas através de Verba de Apoio; 177 atendidas através
da compra de moradias; 81 fizeram permuta ou troca interna; 30 receberam
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
ilustram bem a complexidade que envolve as questões ligadas à urbanização
de favelas, remoções e reassentamentos.
Tive a oportunidade de conversar com uma senhora do conjunto Nova
Jaguaré, a qual passou pelo processo de remoção justificado pelas obras
urbanísticas. Segundo ela, os desenhos mostravam que iria passar uma
nova rua por onde sua casa estava. Entretanto, após o termino das obras, o
projeto foi alterado e sua casa permaneceu em pé, sendo reformada e
oferecida à outra família removida. A moradora removida de sua casa não
conseguia compreender e aceita os motivos pelos quais a levaram a se
mudar para um apartamento cujo tamanho era incapaz de atender às
necessidades de sua família, e sem compreender o processo, não sabia por
onde buscar recursos para recorrer sobre seus direitos e de sua antiga casa,
que continuara no local sobre posse de outra família.
Outros casos chamaram a atenção, e, especial dois no Residencial Alexandre
Mackenzie, o primeiro envolve um caso de invasão/ocupação de um
apartamento. Uma mulher ocupou um apartamento por meios próprios,
pois sua casa, apesar de não fazer parte de maneira direta das obras de
urbanização, foi afetada por elas. Segundo relatos da moradora, após as
obras no entorno de sua residência, sua casa começou a sofrer com
inundações provocadas pelas chuvas, fato que antes não acontecia e que
segundo ela foram causados pelos intervenções físicas na vizinha de sua
casa. Ela reclamara por meios oficiais e dissera que os orgãos públicos
responsáveis pelos conjuntos habitacionais estavam cientes de sua ocupação
no apartamento, mas por ela não ter sofrido com as remoções oficialmente,
76 não era possível prever o atendimento habitacional. Atualmente ela paga
todas as contas de consumo, menos o valor do financiamento.
O segundo caso, foi de um antigo morador da favela do Jaguaré que ficou
tetraplégico no período das obras de urbanização. Ele e sua família
moravam no alto do morro, e por causa das novas limitações, sua vida ficou
muito difícil. Durante as obras de urbanização, ele conversou com os
responsáveis pelas intervenções, e conseguiu trocar sua casa por dois
apartamentos térreos no condomínio C do Alexandre Mackenzie. Segundo
ele, sua casa foi reformada e entregue para uma família que havia sido
removida.
É interessante notar, em ambos os casos, a fragilidade do controle sobre as
questões de reassentamento das famílias. Existem muitos desvios no
processo convencional, que contribuem para o não fechamento da conta,
ou para o fechamento de maneira alternativa. Além de demonstrar como
não apenas as famílias removidas são impactadas pelas obras de
urbanização.
Passados cinco anos do final das obras, e da entrega das unidades
habitacionais, era de se esperar uma margem de rotatividade dos
moradores dos apartamentos. Mesmo que legalmente isso não seja previsto
nem permitido, por outras experiências, constata-se que essa rotatividade de
ocupantes é inevitável, e ela se justifica por inúmeros motivos. A falta de
participação popular no processo de projeto, a falta de clareza no
cadastramento e distribuição das unidades, atrelados às opções unilaterais
de provisão habitacional, terão como consequência, uma grande parcela dos
3. C ONCLUSÕES
Apesar de a pesquisa focalizar seus estudos em um período de intervenção
específico - 2005 a 2010, ficou claro que compreender os projetos anteriores a
esse, trariam uma visão mais clara sobre o cenário imposto para o inicio das
obras de urbanização. Ademais, parte dos insumos base para essa pesquisa,
como o cadastramento dos moradores, fora produto de outros períodos de
intervenção. A proposta inicial de aplicação dos questionários com os atuais
moradores dos conjuntos era de se obter uma base adicional de dados
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
primários. Além de se entender que, passados cinco anos do processo de
urbanização, possivelmente o cenário encontrado diferiria da base de dados
secundários e oficiais. Para mais, a busca por outras fontes de informações
previa, de antemão, a inacessibilidade de dados oficiais no que diz respeito ao
cadastramento das famílias e ao destino das novas unidades habitacionais. Essa
premissa se validou ao longo da pesquisa, uma vez que o acesso aos dados
cadastrais e ao destino exato das famílias se mostrou inviável. Entretanto, essa
falta de informação se configurou como uma informação muito importante para
a conclusão da pesquisa, visto que, ao final desta foi possível afirmar sobre a falta
de clareza e transparência em relação aos esses dados. A omissão dessas
informações traz muito prejuízo em relação ao entendimento completo sobre o
processo de urbanização ocorrido na favela Nova Jaguaré. Essa falta de controle
e transparência sobre os processos de remoção, realocação e distribuição de
novas unidades habitacionais produzidas dentro da favela, contribui para um
planejamento frágil sobre a questão habitacional, e, portanto dificulta
grandemente o suprimento do déficit habitacional da cidade de São Paulo.
Os resultados obtidos através da aplicação dos questionários serviram muito mais
como base de reflexão e análises qualitativas, uma vez que se estava consciente
sobre a grande possibilidade da ocorrência de desvios por autodeclaração.
Entretanto, apesar de numericamente não representar de maneira expressiva a
realidade dos conjuntos habitacionais e da população ali residente, trouxe a tona
objetos de análises muito interessantes, e que não estavam previstos inicialmente
nesse projeto de pesquisa. Muitos desses objetos de análise surgiram através de
conversas que extrapolaram as seis questões elaboradas para o questionário, o
78 que possibilitou a descoberta e a compreensão de muitas exceções dentro dos
conjuntos habitacionais, que revelaram situações pontuais com grande poder de
ilustração sobre a complexidade da urbanização de favelas e as possíveis
respostas, ou falta delas, que o poder público pode oferecer. Essas exceções
acarretaram em grandes reflexões pessoais sobre o alcance dos processos
participativa em uma obra de urbanização de favelas, e quais os problemas que
ele poderia sanar ao longo da obra e no pós-obra. Entretanto, sabe-se que para
de fato ocorrer um processo participativo, um dos elementos chaves é a clareza
das tomadas de decisões e da forma de atuação, além, claro, de uma demanda
muito maior para o tempo de execução da obra, elemento que não cabe nos
cronogramas políticos. Essa falta de atuação em um campo mais próximo da
realidade torna, muitas vezes, o projeto descontextualizado e sem resposta aos
problemas reais.
Por fim, conclui-se que a compreensão de um projeto de urbanização de favelas
demanda clareza de dados e disponibilidade de informações. Sem uma base
sólida de análise sobre a forma de atuação e de resolução de questões no que
diz respeito, principalmente a, remoção, realocação e distribuição das unidade
habitacionais produzidas, fica muito difícil se aproximar da real política de
intervenção em favelas. Propor novas soluções sem os insumos necessários para
a produção de críticas concretas torna-se um exercício descolado da realidade.
Abrir espaço para ouvir os moradores e entender as questões intrínsecas ao
processo de urbanização de favelas é um elemento chave, e deve ser
considerado primordial para a compreensão das questões habitacionais e das
melhores formas de atuação. Só assim, se conseguirá formular políticas que
auxiliem no suprimento, de fato, do déficit habitacional.
79
Lais Boni Valieris – Os moradores dos conjuntos habitacionais da Favela Nova Jaguaré e
suas relações com a população local – p. 66-79
ANÁLISE DE LUGARES PÚBLICOS
NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA:
ESTUDO DE CASO SOBRE A PRAÇA
SÍLVIO ROMERO, SÃO PAULO – SP
80 Resumo
O objetivo deste trabalho é analisar comparativamente as apropriações
públicas da Praça Sílvio Romero, tradicional espaço público, e do
Shopping Tatuapé, potencial lugar público. Investigam-se seus papéis na
constituição da esfera pública local, tendo em vista o sistema de objetos
e o tipo de propriedade dos espaços supracitados. Ambos os objetos
de estudo estão localizados no bairro do Tatuapé, na cidade de São
Paulo.
Palavras-chave
Espaço público, Esfera pública, Praças, São Paulo.
3.1 Espaço
Na Obra de Milton Santos percebemos sucessivas aproximações ao conceito de
espaço geográfico. Em Por uma Geografia Nova, o autor define espaço
geográfico como um conjunto de fixos e fluxos:
Os elementos fixos, fixados em cada lugar, permitem ações que modificam o
próprio lugar, fluxos novos ou renovados que recriam as condições ambientais
e as condições sociais, e redefinem cada lugar. Os fluxos são um resultado
direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modifican-
do sua significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se
modificam.
Desta forma, a realidade geográfica é expressa por meio de fixos e fluxos
imbricados, que aparecem conjuntamente como um objeto possível à geografia.
Em Metamorfoses do Espaço Habitado, por sua vez, Milton Santos trabalha o
conceito de espaço geográfico a partir de outro par de categorias: a configuração
territorial e as relações sociais:
A configuração territorial é dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais
existentes em um dado país ou numa dada área e pelos acréscimos que os
homens superimpuseram a esses sistemas naturais. (...) A configuração
territorial, ou configuração geográfica, tem, pois, uma existência material
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89
4.4 Permeabilidades
A Praça Sílvio Romero, de formato retangular e praticamente plana, é limitada por
quatro vias: Rua Padre Adelino ao norte; Rua Serra de Bragança ao sul; Rua
Coelho Lisboa a leste; e Rua Tuiuti a oeste. Tais vias possuem faixa de pedestres e
semáforo, oferecendo boas condições de travessia ao pedestre. As entradas da
praça também são rebaixadas e sinalizadas por piso tátil, o que facilita o acesso
de cadeirantes e deficientes visuais.
O maior fluxo de pedestres ocorre na Rua Tuiuti, onde está localizada a Praça
90 Sílvio Romero e também o Complexo do Shopping Tatuapé, importante ponto
nodal. Durante o horário comercial, o percurso entre ambos é extremamente
dinâmico e animado. Das lanchonetes, lojas de doces, de vestuário e acessórios
da Rua Tuiuti, toldos se projetam na calçada, promovendo abrigo para os
pedestres em dias ensolarados ou chuvosos. É grande o número de transeuntes
que apressados passam ou param para olhar as vitrines do comércio
diversificado. Misturados a eles, anunciantes de porta de loja divulgam ofertas
imperdíveis e bancas de vendedores ambulantes ocupam parte da calçada. Os
horários de maior movimento são o almoço, o início e o fim do expediente.
O fluxo de veículos mais intenso também se concentra na Rua Tuiuti, seguida pela
Rua Padre Adelino. Durante todo o dia, a Rua Tuiuti, importante via de conexão
entre a Avenida Radial Leste e o bairro, apresenta um intenso e constante fluxo
de ônibus e carros. A Rua Padre Adelino, por sua vez, possui um menor fluxo de
veículos, mas é mais congestionada em virtude do demorado ciclo de seu
semáforo. Esta via permite o acesso às Avenidas Salim Farah Maluf e Marginal
Tietê, e ao bairro do Belenzinho.
O suave declive, praticamente imperceptível, e a continuidade de pisos da Praça
Sílvio Romero fazem com que o caminhar do pedestre em seu interior seja fluído
e tranquilo. Muretas de cerca de 20 centímetros de altura delimitam de forma
clara os caminhos e os canteiros da praça, e também inibem o acesso da
população a estes últimos espaços.
Se por um lado não foi percebido nenhum projeto paisagístico de plantio para a
praça, por outro, o desenho de seus canteiros mostrou-se conveniente para o
fluxo de passantes do local. Apesar de suas grandes dimensões, os canteiros não
Figura 7. Subespaços da Praça Sílvio Romero. A praça possui piso pavimentado e sua vegetação está
Fonte: Elaboração da autora. restrita a canteiros claramente delimitados. É bastante
Passagens e permanências
A maior parte dos usuários da Praça Sílvio Romero está em deslocamento: a
presença de uma estação de trem e metrô, em suas imediações, garante um
intenso fluxo de passantes durante todo o dia. Atraídos pelo comércio e serviços
de suas edificações lindeiras, clientes e funcionários cruzam a Praça em direção a
estes estabelecimentos. O cursinho Objetivo e a EMEF General Othelo Franco,
localizada a duas quadras da praça, também são responsáveis por boa parte dos
pedestres no local.
Embora a Praça Sílvio Romero tenha se revelado importante lugar de passagem,
esta também se configura como espaço para permanências. Alguns passantes
realizam pequenas pausas no local, seja para fumar um cigarro ou para observar
a vitrine das bancas de revistas. Já para as permanências mais prolongadas,
observou-se em campo que o mobiliário da praça foi fundamental. Isso porque,
conforme o subespaço da praça e o mobiliário nele disponível, certas
apropriações eram (ou não) suportadas, influenciando, consequentemente,
Outros usos
Embora seja recorrente a presença de moradores de rua na Praça Sílvio Romero,
não foi observada a prática de mendicância à porta da igreja local ou nos
semáforos de seu entorno. Nas sucessivas visitas de campo observou-se que este
grupo de pessoas geralmente permanece no espaço livre à esquerda da Igreja
Nossa Senhora da Conceição, onde ocorrem tímidas passagens e permanências
94 (subespaço 4). Os moradores de rua fazem uso dos bancos do local para tomar
sol ou dormir, atividade que também é praticada em um canteiro próximo, junto
à Igreja. É usual ver sobre a grama deste canteiro poucos pertences, além de
papelões e mantas utilizados na proteção contra o frio.
Outras ocupações informais ocorrem no perímetro da praça, onde “flanelinhas” e
vendedores de Zona Azul abordam motoristas que acabaram de estacionar. Não
foram observados vendedores ambulantes no local.
Eventos
A maior parte dos eventos da Praça Sílvio Romero ocorre no amplo espaço livre
à frente da Igreja (subespaço 1). Há mais de 20 anos que este espaço é
apropriado, às terças-feiras, por barracas e expositores da Feira de Artesanato e
Comidas Típicas Sílvio Romero. Atualmente existem 65 barracas cadastradas, mas
é raro que todas estejam montadas no mesmo dia. Dentre os produtos
comercializados encontram-se desde objetos típicos de feiras de artesanato,
artigos hippies e comidas variadas até plantas, pijamas e serviços de búzios e tarô.
Desde maio de 2014, o Encontro de Artes Circenses da Zona Leste – Circo na
Praça é realizado semanalmente, sempre às terças-feiras à noite, na Praça Sílvio
Romero. O encontro permite que artistas da Zona Leste se reúnam para treinar
juntos e trocar técnicas e experiências circenses. Cada um leva seus próprios
materiais, que variam desde claves, monociclo, diabôlo e perna de pau, até tecido
aéreo ou lira, que são pendurados nas árvores durante o treino. Ocasionalmente
há também oficinas, nas quais são ensinadas técnicas específicas, e o “cabaré”,
5 C ONSIDERAÇÕES FINAIS
A Praça Sílvio Romero mostrou-se importante locus das espacialidades da vida
pública na Zona Leste de São Paulo, por meio de suas passagens e
permanências. A Praça, como espaço público que constitui, é acessível a todos os
indivíduos da sociedade, independentemente de seu gênero, faixa etária ou
condição social. A coexistência desses diferentes frequentadores em seu espaço
promove o exercício da alteridade, com maior ou menor intensidade.
As ações de passagem que acontecem na praça estão relacionadas ao trajeto
cotidiano; ao movimento dos transeuntes e a conectividade de espaços. Mesmo
o simples caminhar pode promover o contato com o diferente, ainda que de
forma breve e involuntária. A Praça Sílvio Romero se torna ativa com o
deslocamento dos passantes, pois são as ações que dão significado à forma, e a
forma que possibilita a ação. A inserção urbana e o conjunto construído que
envolve e gera o lugar público da Praça Sílvio Romero revelaram-se fundamentais
para as ações de passagem. 95
A Praça Sílvio Romero situa-se em uma área de fácil acesso da Zona Leste, seja
por transporte público ou privado. A diversa oferta de modais de transporte
público nas proximidades – concentrados no Complexo do Shopping Tatuapé,
um ponto nodal – garante à Praça alto e constante fluxo de pedestres durante
todo o dia. Neste sentido, os edifícios adjacentes à Praça também se mostraram
essenciais. O uso do solo predominantemente comercial e de serviços destas
edificações atrai funcionários e clientes para o lugar público da Sílvio Romero. A
ausência de recuos frontal e lateral destes edifícios garante que um maior
número deles se abra diretamente para a rua, potencializando as trocas com a
Praça e contribuindo para que este lugar público seja um espaço contínuo e
dinâmico.
Contudo, é nas permanências que reside o maior potencial de trocas
comunicativas mais intensas e diversas entre os usuários da praça, sejam elas
verbais ou não verbais. Às ações de permanência estão relacionados o lazer, o
consumo, as pausas, o descanso ou, simplesmente, o estar. Conforme
anteriormente apontado, a forma urbana e o mobiliário são fundamentais para
permitir (ou não) a permanência em um espaço público. No presente estudo, a
morfologia urbana e o sistema de objetos da Praça Sílvio Romero revelaram-se
adequados à permanência e a múltiplos usos, atraindo boa diversidade de
usuários ao local. A diversidade de usuários incrementa a qualidade da vida
pública na Praça Sílvio Romero, configurando-a como importante lugar público,
que promove encontros, convívio, trocas, conflitos e manifestações.
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