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Risco

Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo

número 15 primeiro semestre de 2012 Conselho Editorial


Akemi Ino (IAU-USP); Anja Pratschke (IAU-USP); Carlos
ISSN Roberto Monteiro de Andrade (IAU-USP); Cibele Rizek (IAU-
Risco Revista de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo USP); David Sperling (IAU-USP); Fábio Lopes de Souza Santos
(em papel) ISSN 1679-3498 (IAU-USP); Fernanda Fernandes (FAU-USP); José Tavares de
(on line) ISSN 1984-4506 Lira (FAU-USP); Marcio Minto Fabrício (IAU-USP); Margareth
Pereira (FAU-UFRJ); Maria Helena Flexor (EBAUFBA); Maria
Periodicidade Semestral Stella Bresciani (IFCH-UNICAMP); Mário Henrique Simão
D’Agostino (FAU-USP); Miguel Antonio Buzzar (IAU-USP);
Programa de Pós-Graduação em Mônica Junqueira de Camargo (FAU-USP); Rosana Caram
Arquitetura e Urbanismo - IAU-USP (IAU-USP); Sarah Feldman (IAU-USP); Telma de Barros Cor-
reia (IAU-USP)
Av. Trabalhador Sãocarlense, n. 400
São Carlos SP 13566-590 As atribuições deste Conselho referem-se à gestão e exe-
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A Revista Risco é apoiada pela Comissão de
Credenciamento / SIBiUSP Editoria Executiva
Fábio Lopes de Souza Santos; Marcio Minto Fabrício;
A Revista Risco integra a “Asociación de Revistas Miguel Antonio Buzzar
Latinoamericanas de Arquitectura”
Secretaria Editorial
Angélica Irene da Costa (doutoranda IAU-USP)

Agradecimentos
Klaus Chaves Alberto (FE-UFJF), Fernando Atique (EFLCH-
UNIFESP), Anja Pratschke (IAU-USP), Danilo Matoso Macedo,
Luciana Saboia Fonseca Cruz (THAU-UNB), Joubert José
Lancha (IAU-USP), Adauto Lucio Cardoso (IPPUR – UFRJ),
Ana Claudia Castilho Barone (FAU-USP), Mounir Khalil El
Debs (EESC-USP), Libânio Miranda Pinheiro (EESC-USP),
Manoel Rodrigues Alves (IAU-USP)

Projeto Gráfico
David Sperling

Produção e Editoração Eletrônica


José Eduardo Zanardi

Apoio Técnico
Laboratório Midimagem
Instituto de Arquitetura e Urbanismo IAU-USP

Capa
criação de José Eduardo Zanardi, a partir de argumento
de Miguel Antonio Buzzar, sobre imagem de PDDI-RMBH,
Produto 6, 2010

Universidade de São Paulo


Reitor: Prof. Titular João Grandino Rodas

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo


Coordenador: Prof. Titular Renato Luis Sobral Anelli

Instituto de Arquitetura e Urbanismo


Diretor: Prof. Titular Carlos Alberto Ferreira Martins
rsco 15 1[2012

4 editorial
Com a publicação de 8 (oito) artigos ...

5 21 artigos e ensaios
Uma tipologia de espaços cotidianos A instituição de ZEIS na legislação municipal:
Silke Kapp estudo de seis cidades médias de Minas Gerais
Isabelle Oliveira Soares, Maria de Lourdes Pinheiro
de Azevedo, Ítalo Itamar Caixeiro Stephan,
Aline Werneck Barbosa de Carvalho e
Paulo Tadeu Leite Arantes

38 51
O ‘planejamento em seção’ nos modelos Bruno Taut e as fantásticas torres de vidro
habitacionais coletivos do Movimento Moderno: Cláudio S. B. Furtado
um caso na Cidade do México
Alejandro Pérez-Duarte Fernández da Silva

58 67
Tipo, indústria e produção habitacional O planejamento urbano de Londres
Magaly Marques Pulhez (1943 – 1947)
Maria Cecilia Lucchese

82 92
Processo produtivo de elementos The Contemplating Subject: Event and
pré-moldados de concreto armado: detecção Subject in Architectural Animations
de manifestações patológicas Carmen Aroztegui Massera
Cleovir José Milani, Rodrigo Boesing, Rogério
Alberto Philippsen e Luiz Antonio Miotti

99 105 correspondentes
Roberto Pane, entre história e restauro, A questão do moderno. Tradução de
arquitetura, cidade e paisagem. Entrevista com o texto de Luciano Patetta
arquiteto Andrea Pane tradução e revisão: Maria Helena da Fonseca
entrevista e tradução: Renata Campello Cabral e Hermes e Aline Coelho Sanches
Carlos Roberto Monteiro de Andrade

112 117
The Elbphilharmonie-Project in discussion - A Elbphilharmonie em discussão: vozes críticas
critical voices from Hamburg (A short insight into desde Hamburgo (Um breve insight sobre o atual
the current local debate) debate local)
Judith Bopp e Kaya Alice de Wolff Judith Bopp e Kaya Alice de Wolff
tradução: Caboverde Design Digital Ltda/American
Journal Experts (AJE); tradução técnica e revisão:
Francisco Sales Trajano Filho

122 abstracts/resumenes
Artigos e ensaios
correspondentes Roberto Pane, entre história e restauro,
arquitetura, cidade e paisagem

Entrevista com o arq. Andrea Pane*

Entrevista e tradução:

Renata Campello Cabral


Arquiteta, doutoranda no IAU-USP, com doutorado sanduíche
na Università degli Studi di Napoli, Federico II, sob supervisão do
entrevistado1, cabralre@sc.usp.br

Carlos Roberto Monteiro de Andrade


Arquiteto, Prof. Dr. do IAU-USP. Av. Trabalhador São-Carlense,
400, São Carlos. candrade@sc.usp.br

Roberto Pane é conhecido no Brasil sobretudo pela sua importante participação na redação da Carta de
Veneza, de 19642. Na Itália, por sua vez, Pane é objeto de atenção mais ampla, seja de historiadores do
restauro, como da arquitetura e do urbanismo. Um convênio dedicado a sua obra deu origem ao importante
livro Roberto Pane tra Storia e Restauro, Architettura, Città e Paesaggio (Marsilio, 2010), agraciado com o
prêmio Capri San Michele, 28a edição, seção Paisagem. O livro, cujo título dá nome à presente entrevista,
contou com a participação de mais de 100 autores, dentre eles Stella Casiello, Giovannni Carbonara,
Guido Zucconi e Renato de Fusco. Realizada com o arquiteto Andrea Pane, neto de Roberto Pane e
um dos organizadores e colaboradores do citado livro, a entrevista que se segue procurou permear os
múltiplos campos de atuação de Roberto Pane, iluminando sua complexa contribuição, hereditariedade
e rede de interlocutores. Em resposta às perguntas feitas, Pane, partindo do lugar difícil de neto do
seu próprio objeto nessa entrevista, passa longe de uma abordagem laudatória para, com seriedade e
delicadeza, construir um rico, fundamentado e detalhado quadro da biografia profissional de Roberto
Pane, tocando temas de grande relevância, como a tutela da paisagem, a inserção de novas edificações
em tecidos antigos, as aproximações e divergências com personagens como Benedetto Croce e Gustavo
Giovannoni, com Renato Bonelli e Cesare Brandi. Oferece, ainda, um elenco extenso de referências
bibliográficas para os leitores brasileiros que queiram, com mais profundidade, conhecer esse importante
e interessante arquiteto italiano.

* Andrea Pane - Arquiteto, Talvez pudéssemos começar essa conversa, para prestígio, o historiador da arte Bruno Molajoli (na
restaurador e pesquisador da
Università degli Studi di Napoli
situar os leitores brasileiros, falando sobre o época diretor geral para as Antiguidades e Belas
Federico II. Palazzo Gravina, aspecto mais conhecido da trajetória de Pane, Artes) – Pane decide promover, juntamente com
Via Monteoliveto, 3, Napoli,
a.pane@unina.it
que é sua participação na redação da Carta de o superintendente de Verona, Piero Gazzola, uma
Veneza, de 1964. revisão da Carta italiana do restauro de 1932. Ao
1 Cabral conta com bolsa da
Fapesp para o desenvolvimento
longo do Congresso, tal intenção se transformou
de sua pesquisa de doutorado A redação da Carta de Veneza em 1964, da qual, em na redação de uma verdadeira e própria Carta
e participou, como bolsista, do
breve, serão celebrados os cinquenta anos, constitui, internacional do restauro, em substituição àquela
Programa Institucional de Bol-
sas de Doutorado Sanduíche no sem dúvida, um ponto de chegada fundamental para redigida em Atenas em 1931, já superada pela
Exterior (PDSE), da CAPES.
a Europa do segundo pós-guerra. A contribuição de experiência de reconstrução pós-bélica. Para tal
2 Ver a respeito artigo de Roberto Pane, nesse sentido, foi determinante. trabalho, participaram 23 especialistas, dentre os
Beatriz Mugayar Külh em Anais
quais o próprio Pane, P. Gazzola, P. Philippot, F.
do Museu Paulista, São Paulo,
v.18, n.2, pp. 287-320. jul.- Desde a preparação do II Congresso Internacional do Sorlin e muitos outros nomes prestigiosos, como
dez. 2010. Restauro – organizado por outra figura de grande Raymond Lemaire, no papel de relator.

15 1[2012 revista de pesquisa em arquitetura e urbanismo programa de pós-graduação do instituto de arquitetura e urbanismo iau-usp
105
Roberto Pane, entre história e restauro, arquitetura, cidade e paisagem

3 N.d.t.: Foi incorporada a tra- A contribuição de Pane reconhece-se, sobretudo, na Superando os limites da filologia de Giovannoni
dução oficial da Carta para o
ampliação do conceito de monumento, que desde e baseando-se na estética de Croce, o restauro
português, adotada pelo ICO-
MOS Brasil e pelo IPHAN, e o artigo 1 da Carta compreende tanto «a criação crítico buscava ressaltar a necessidade de um
disponível em: <http://www.
arquitetônica isolada bem como o sítio urbano juízo crítico no restauro, por meio do qual se
icomos.org.br/cartas/Carta_
de_Veneza_1964.pdf> ou rural que dá testemunho de uma civilização poderia realizar até mesmo escolhas fortes, como
particular, de uma evolução significativa ou de um a remoção de partes incongruentes em relação
4 N.d.t.: “ambiente” é o ter-
mo original em italiano. O acontecimento histórico»3. Tal artigo, fortemente à construção original («aquilo que mascara ou
“tema do ambiente” refe- influenciado por Pane, que sintetiza as suas reflexões realmente ofende imagens de verdadeira beleza
rido por Pane refere-se aos
debates sobre a tutela do a partir do segundo pós-guerra sobre o tema do será de todo legítimo abolir», escreve Pane em
“contexto” do monumento, “ambiente”4 – em parte devedoras de sua formação 1944), considerando sempre o monumento «como
assim como à valorização de
agrupamentos de “arquitetu- com Gustavo Giovannoni – teria tido uma influência um caso único, porque tal é enquanto obra de arte
ra menor”. determinante na ação de tutela na Itália e no mundo e tal deverá ser também o seu restauro»7. Essa
5 Para posteriores aprofun- depois de 1964. abordagem parecia particularmente coerente com
damentos cfr. A. PANE, Piero a dramaticidade dos casos que se apresentavam
Gazzola, Roberto Pane e la
genesi della Carta di Vene- Pontos sucessivos, como a necessidade de reforçar aos restauradores depois das destruições bélicas:
zia, in Piero Gazzola. Una a relação entre tutela e planejamento, em uma para a mesma igreja de Santa Clara, Pane propunha
strategia per i beni architet-
tonici nel secondo novecento, atenção mais geral pela inserção do monumento o retorno às originárias formas do século XIV,
organizado por A. Di Lieto na sociedade, podem facilmente ser reconduzidos renunciando à impossível recomposição do aparato
e M. Morgante, Anais do
Convênio (Verona, 28-29 às elaborações de Pane e Gazzola dos anos 1950. barroco destruído pelo incêndio. Tal escolha,
novembre 2008), Comune Um limite, se assim podemos falar, da Carta, reside, contudo, era motivada também pelo citado juízo
di Verona e Cierre edizioni,
Verona 2009, pp. 307-316; talvez, na sua visão fortemente eurocêntrica, filha crítico, que considerava os acréscimos barrocos
ID., Drafting of the Venice do debate sobre restauro e reconstrução do pós- menos relevantes em relação às preexistências
Charter: historical develop-
ments in conservation, 12th guerra, a tal ponto que o texto aparece como uma medievais.
annual Maura Shaffrey me- tentativa de superar a crítica situação pós-bélica
morial lecture (Dublin, 10
June 2010), ICOMOS Ireland, e definir os princípios válidos para os futuros e A partir de tais reflexões, Pane teve a oportunidade de
Dublin 2011. almejados tempos de paz, mantendo, contudo, um se expressar em relação a numerosos casos de restauro
6 R. PANE, II restauro dei ponto de vista fortemente centralizado no patrimônio pós-bélico, entre os quais o do Templo Malatestiano
monumenti , in «Aretusa», cultural da Europa5. em Rimini, primeiramente como componente do
I, n. 1, pp. 68-79; depois,
com o título Il restauro dei
Conselho Superior para as Antiguidades e Belas
monumenti e la chiesa di S. Qual a importância de Pane no cenário do Artes – durante a feliz estação do Partido de Ação
Chiara in Napoli, in ID., Ar-
chitettura e arti figurative,
imediato pós-Segunda Guerra? Em que e da presença de Guido De Ruggiero como ministro
Neri Pozza, Venezia 1948, pp. suas reflexões podem ser consideradas da Instrução Pública e de Ranuccio Bianchi Bandinelli
7-20 e in ID., Attualità e dia-
lettica del restauro, antologia
antecipadoras? como diretor geral das Antiguidades e Belas Artes
organizada por M. Civita, (1944-47) – depois como consultor da UNESCO em
Solfanelli, Chieti 1987, da
qual se cita, pp. 23-37. Sobre
Pane vivia um momento particularmente favorável Paris, em 1949.
tais reflexões cfr. G. FIENGO, no imediato pós-guerra, depois de ter sofrido
Il restauro dei monumen-
ti: la riflessione di Roberto
pela oposição ao fascismo, que compartilhava Um outro tema que pode ser considerado antecipador
Pane del 1944, in «TeMa», com Benedetto Croce. Desde o final de 1944 de reflexões sucessivas é a constante preocupação de
n. 1, 1993, pp. 65-67; S.
CASIELLO, Roberto Pane e
publicou no primeiro número de «Aretusa» – uma Pane pela relação entre monumento e “ambiente”
il restauro nel dopoguerra, revista fundada pelo crítico literário Francesco e, de forma mais geral, pela questão da tutela de
in Monumenti e ambienti.
Protagonisti del restauro del
Flora, inspirada pelo mesmo Croce – um artigo cidades antigas nos confrontos com a crescente
dopoguerra, anais do Semi- pioneiro com o título Il restauro dei monumenti invasão da construção contemporânea. Como
nário Nacional, organizado
por G. Fiengo e L. Guerrie-
no qual, partindo do dramático caso da igreja de já assinalado, esse era certamente um tema que
ro, Arte tipografica, Napoli Santa Clara, em Nápoles, inteiramente incendiada ele havia assimilado frequentando o seu mestre
2004, pp. 111-118. Para um
quadro geral sobre o debate
depois do terrível bombardeamento do dia 4 de Giovannoni, mas a reflexão de Pane decididamente
do pós-guerra cfr. A. BELLINI, agosto de 1943, propunha novas abordagens avança além, fundamentando-se, por um lado, em
La ricostruzione: frammenti
di un dibattito tra teorie del
para o restauro dos monumentos danificados pela uma visão histórica e estética mais atualizada – fruto
restauro, questione dei centri guerra6. Tal escrito foi, em seguida, identificado dos contatos com Croce – e, por outro, sobre uma
antichi, economia, in Guerra,
monumenti, ricostruzione,
pela historiografia do restauro como um dos textos posição mais militante e combativa, motivada pela
Architetture e centri storici fundadores do “restauro crítico”, desenvolvido na forte pressão da especulação imobiliária nos anos
... continua próxima página Itália no segundo pós-guerra. da reconstrução8.

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Roberto Pane, entre história e restauro, arquitetura, cidade e paisagem

continuação da nota 6... Quais as aproximações/relações de Pane com tenha depois se orientado em direção a uma visão
italiani nel secondo conflitto Gustavo Giovannoni e também com Benedetto decididamente mais moderna – aberta também
mondiale, organizado por L.
de Stefani e C. Coccoli, Mar- Croce? Poderia comentar a respeito? à arquitetura contemporânea, que Giovannoni
silio, Venezia 2011, pp. 14-65
refutava – superando alguns limites da “teoria
e G. P. TRECCANI, La ricos-
truzione narrata. Esperienze Poderíamos dizer que a formação arquitetônica do desbastamento” 12 giovannoniana. Parece
e tesi negli scritti di restauro juvenil de Pane tenha sido desenvolvida, sem dúvida, significativo, nesse sentido, que Pane tenha decidido
d’architettura nel dopoguer-
ra, ivi, pp. 80-120. no seio da influência de Giovannoni, traço comum, intitular o seu conhecido escrito de 1956 – depois
de resto, a toda uma geração de arquitetos nascidos reunido em 1959 em um volume homônimo - Città
7 R. PANE, II restauro dei mo-
numenti, cit., pp. 26-27. entre os últimos anos do século XIX e as duas antiche ed edilizia nuova, em dialética com o mais
primeiras décadas do século XX. Além disso, cabe célebre volume do seu mestre, Vecchie città ed
8 Sobre a relação entre as
noções de “ambiente” em
precisar que Pane foi justamente um dos primeiros edilizia nuova, de 193113. Nesse mesmo período,
Giovannoni e Pane cfr. G. alunos laureados na Escola Superior de Arquitetura de resto, embora estigmatizando o rechaço de
ZUCCONI, Pane e la nozione
di ambiente, tra primo e se-
de Roma, fortemente determinada por Giovannoni Giovannoni para com a arquitetura contemporânea,
condo Novecento, in Roberto e inaugurada em 1920, conseguindo o título em teria citado o mestre como «um homem que todos
Pane tra storia e restauro. Ar-
chitettura, città, paesaggio,
1922, com uma tese sobre a arquitetura rural recordamos com espírito reverente pelo impulso
Anais do Convênio (Napoli, dos Campos Flegreus. A relação de discípulo com que deu na Itália aos nossos estudos e pela sua
27-28 ottobre 2008), organi-
zado por S. Casiello, A. Pane,
Giovannoni se mantém razoavelmente forte pelo probidade exemplar»14.
V. Russo, Marsilio, Venezia menos até a segunda metade dos anos 1930, por
2010, pp. 308-311.
meio da participação de Pane nas revistas dirigidas Mais amplo e profundo parece, ao contrário, a
9 Cfr. A. PANE, L’influenza di ou influenciadas por Giovannoni («Architettura e arti relação com Benedetto Croce, que o próprio Pane
Gustavo Giovannoni a Napoli
decorative», «Rassegna di architettura» e «Palladio»), definia como «o homem que me inspirou admiração
tra restauro dei monumenti e
urbanistica. Il piano del 1926 e, ainda, em algumas ocasiões profissionais, dentre e reverência mais do que qualquer outro»15 e que,
e la questione della «vecchia
as quais se destaca a colaboração de Pane na portanto, pode ser considerado legitimamente o
città», in R. AMORE, A. PANE,
G. VITAGLIANO, Restauro, redação do plano diretor de Nápoles de 1926-27, seu principal mestre. Pane conheceu Croce em
monumenti e città. Teorie ed
coordenado pelo mesmo Giovannoni9. idade juvenil, por meio do crítico literário Luigi
esperienze del Novecento in
Italia, Quaderni di Restauro Russo. Eles aproximaram-se no período em que ele
del Dipartimento di Storia
Nos anos sucessivos, Pane teria continuado a se encontrava em Roma para frequentar a Escola
dell’Architettura e Restauro
dell’Università di Napoli “Fe- movimentar-se na órbita do estudioso romano de Arquitetura (período durante o qual Croce era
derico II”, 4, Electa Napoli, ivi
em seus estudos de história da arquitetura, como ministro da Instrução Pública, conseguindo, entre
2008, pp. 13-93. N.d.t: uma
resenha desse texto em inglês testemunha o recorte metodológico do seu outras coisas, fazer ser aprovada a lei n.778 de 1922
encontra-se disponível on line
em CABRAL, R. C. Raffaele Architettura del Rinascimento in Napoli (1937), para a proteção das belezas naturais e panorâmicas).
Amore, Andrea Pane, Gian- ainda influenciado pela abordagem positivista
luca Vitagliano - Restauro, Como Pane mesmo teria recordado em seguida,
Monumenti e Città: review de Giovannoni e articulado em uma subdivisão colocando em confronto a diferente estatura crítica
of Electa Napoli, 2008. City
& Time 5 (1): 8. [online] url: por tipologias de edifícios. Progressivamente, dos dois personagens, «o interesse pelas questões
http://www.ct.ceci-br.org.
contudo, o seu contemporâneo contato com o de crítica e de história da arquitetura me induzia
10 Cfr. L. GUERRIERO, Rober- filósofo Benedetto Croce o teria levado a considerar frequentemente a interrogar Croce, também porque
to Pane e la dialettica del res- atrasadas as posições de Giovannoni em matéria de o ambiente universitário frequentado por mim
tauro, Liguori, Napoli 1998,
pp. 100-106. história e estética, tanto que se voltou, para o seu em Roma era tudo menos estimulante. Naquele
segundo volume monográfico sobre a arquitetura momento o docente mais autorizado de história da
11 Para uma análise aprofun-
dada da polêmica entre Gio- napolitana – intitulado Architettura dell’età barocca arquitetura era Gustavo Giovannoni, homem de rara
vannoni e Venturi aconselha- in Napoli (1939) - em direção a uma abordagem neo- probidade e largo conhecimento profissional, que
se o volume de V. PRACCHI,
«La logica degli occhi»: gli idealista10, fundada na análise das personalidades teve grande prestígio na Itália, especialmente para
storici dell’arte, la tutela e il criadoras no campo arquitetônico, como tinha feito questões relativas ao restauro dos monumentos,
restauro dell’architettura tra
positivismo e neoidealismo, nos mesmos anos o grande histórico da arte Adolfo mas que era de todo desprovido de uma moderna
Edizioni New Press, Como Venturi, entrando em polêmica justamente com experiência crítica ». Já na época emergiam alguns
2001.
Giovannoni em 1938 sobre questões de método dissensos entre Giovanonni e Croce, que Pane se
12 N.d.t: no original, “te- na história da arquitetura11. via frequentemente remediando, em qualidade de
oria del diradamento”. O
termo “desbastamento” foi “aluno” de ambos, como no caso do esclarecimento
escolhido considerando-se Menos explícito, mas substancial, é o débito de crociano a respeito dos limites das artes, que
que, no primeiro texto em
que se dedica diretamente
Pane com Giovannoni em matéria de tutela do Giovannoni «não conseguia engolir», ao ponto
... continua próxima página “ambiente” das «velhas cidades», ainda que Pane no qual o filósofo «se endereçava a mim e me

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107
Roberto Pane, entre história e restauro, arquitetura, cidade e paisagem

continuação da nota 12... perguntava: “Mas enfim, o que quer de mim aquele a substancial diferença de opinião em relação à
a essa “teoria”, Giovannoni Giovannoni? Será necessário que eu explique isso questão da arquitetura contemporânea nos centros
estabelece um paralelo en-
tre as habitações dos velhos
a ele uma outra vez?”. E eu assegurando que não antigos, nos confrontos da qual Brandi tinha expresso
bairros e a vegetação de um era o caso de apontar as suas flechas polêmicas em 1956, no seu Eliante o dell’architettura, uma
bosque. Cf. G. GIOVANNONI,
Il ‘Diradamento’ Edilizio dei contra um inocente que em perfeita boa fé teria posição clara de incompatibilidade. Pane tinha
Vecchi Centri. Il Quartiere continuado a errar»16. contestado decididamente essa tese na sua citada
della Rinascenza in Roma”,
Nuova Antologia, 1913, vol.
intervenção no VI Congresso de Urbanismo, realizada
CLXVI, fasc. 997 (1o de ju- As trocas de Pane com o filósofo seriam continuadas no mesmo ano de 1956, com o título de Città antiche
lho), pp. 53-76.
assiduamente nos difíceis anos da guerra, ed edilizia nuova21, compartilhando em essência a
13 R. PANE, Città antiche ed compartilhando também a oposição ao regime sua posição com outros críticos, como Zevi, Argan,
edilizia nuova, comunicação
fascista e o distanciamento de Nápoles a Sorrento. Dorfles, Rogers. É provável que algumas divergências
feita no VI Congresso nacio-
nal de urbanismo (Torino, Ainda nos anos sucessivos, mesmo que discordando entre Brandi e Pane tenham se manifestado, nesses
18-21 outubro 1956), in La
sobre algumas posições políticas (Croce permaneceu, anos, também no âmbito do Instituto Central do
pianificazione intercomunale,
Anais do Congresso, INU, até o fim, monárquico, enquanto Pane sustenta com Restauro, fundado e dirigido por Brandi desde 1941.
Roma 1957, pp. 451-469;
convicção a República no referendum de 1946), o De forma mais geral, poderíamos dizer que, naqueles
ID., Città antiche edilizia nuo-
va, E.S.I., Napoli 1959. diálogo de Pane com o filósofo foi constante e a sua anos, Brandi – que, como é bem conhecido, era
14
presença, na casa de Croce, quase cotidiana. um histórico da arte – assume uma posição sempre
R. PANE, Paesaggio e
ambiente, in La pianifica- mais inclinada à intangibilidade absoluta dos centros
zione regionale , Anais do A influência de Croce sobre Pane se estendeu a todos históricos, entendidos integralmente como uma obra
IV Congresso Nacional de
Urbanismo (Venezia, 18-21 os campos do pensamento, mas foi particularmente de arte, enquanto Pane – do seu ponto de vista de
ottobre 1952), Roma 1953, incisiva no campo crítico e estético, a ponto de ser arquiteto – considerava o tema da cidade de uma
pp. 94-95, no qual se en-
contra presente uma primeira retomada na distinção entre «poesia» e «literatura maneira mais complexa, consciente da necessidade
reflexão sobre os limites da arquitetônica» - emprestada dos conceitos de de equilibrar exigências de escala mais ampla, que
abordagem de Giovannoni ao
restauro no que diz respeito à «poesia» e «prosa» de Croce – proposta por Pane envolviam processos econômicos e sociais que Brandi
sua desconfiança para com a em 1948, na qual ele introduzia o conceito de reputava de interesse escasso22.
arquitetura contemporânea,
no confronto da qual Pane «literatura arquitetônica» como «uma qualidade
insiste, ao contrário, que expressiva autônoma em relação àquela da poesia; É significativo, nesse sentido, que Brandi não tenha
«é verdadeiro justamente o
contrário: em nome de uma não a essa submetida, quase um grau inferior da participado da redação da Carta de Veneza de 1964,
concepção progredida, seja atividade espiritual, mas independente, do momento mesmo tendo publicado justamente no ano anterior
estética que moral, é apenas
nas formas novas que todos em que diverso é o seu objeto e, ou seja, não aquele o seu fundamental volume Teoria del restauro, e
os problemas acenados po- da pura contemplação e do abandono ao universal, tenha em seguida colaborado com a aprovação da
dem ser resolvidos».
mas do constante cuidado que se volta a um fim Carta do restauro de 1972 no âmbito do Ministério
15 R. PANE, Croce 1942-1944,
prático»17. da Instrução Pública (documento ainda válido no
in «La Rassegna d’Italia», a. I,
n. 2-3, febbraio-marzo 1946, âmbito das Superintendências), que sobre o tema da
p. 293, depois em ID., Archi- Nos anos sucessivos ao falecimento de Croce (1952) cidade contrasta, em parte, com alguns princípios
tettura e arti figurative, cit.,
pp. 131-138. – evento emotivamente muito envolvente para da Carta de Veneza. Tratava-se, certamente, de
Pane18 – ele ampliará posteriormente os próprios duas personalidades muito fortes, que embora
16 R. PANE, Croce, nel tri-
gesimo, in ID., Città antiche horizontes de interesse, aproximando-se da Escola de estimando-se reciprocamente, mantiveram uma
edilizia nuova, cit., pp. 224- Frankfurt, em particular do pensamento de Adorno clara distância em muitas questões: desde 1946,
225.
e de Horkheimer e ao radicalismo americano19, até por exemplo, Pane contestou o princípio brandiano
17 R. PANE, Architettura e a psicanálise de Jung. Portanto, sem negar a sua que ratificava a legitimidade do restauro apenas
letteratura, in ID., Architet-
tura e arti figurative, cit., pp.
fundamental formação crociana, o seu pensamento da “matéria da obra de arte” em relação ao caso
64-65, depois em ID., Attua- evoluiu, sob muitos aspectos, em direção a uma da reconstrução da ponte Santa Trindade, em
lità e dialettica del restauro,
cit., p. 77. Cfr. também C.
dimensão pós-crociana, como uma parte da recente Florença23. Também nos confrontos da instância
LENZA, Poesia e letteratura historiografia do restauro sublinhou20. estética e da instância histórica, acolhidas por Pane
architettonica , in Roberto
Pane tra storia e restauro, cit.,
e expressamente citadas na sua relatoria geral
pp. 36-41. E com Cesare Brandi e Renato Bonelli? no Congresso de Veneza de 1964, o estudioso
18
napolitano preferiu, de qualquer forma, fazê-las
Anota-se, a propósito,
que Pane – nascido em 1897 Com Brandi a relação foi certamente muito mais serem precedidas por uma instância mais ampla
– provinha de uma família tênue e, sob alguns aspectos, de marcada distância. e geral, aquela psicológica, que deveria motivar
operária e tinha perdido o
... continua próxima página As razões são complexas, in primis está seguramente as razões de fundo da conservação.

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Roberto Pane, entre história e restauro, arquitetura, cidade e paisagem

continuação da nota 18... Com Bonelli, a relação foi mais articulada: concordando dos seres humanos em vantagem exclusivamente
pai ainda jovem. Também sobre alguns aspectos de método no campo crítico do capital27.
nesse sentido, então, Croce
tinha constituído uma re- e histórico-arquitetônico – ambos se inspiravam em
ferência fundamental para Croce e talvez Bonelli aparecesse até mesmo mais As suas tentativas de estabelecer uma continuidade
a sua formação, tanto no
plano cultural como naquele rigoroso na aplicação da estética idealista –, mas entre antigo e novo são confirmadas por dois
humano. divergindo grandemente sobre algumas questões de convênios que ele organizou em 1965 e 1966
19 Cfr. A. PANE, Roberto tutela e restauro. Basta citar, também nesse caso, a em Veneza e Florença sobre esse tema específico,
Pane e gli Stati Uniti. Imma- ausência de Bonelli entre os relatores no Congresso intitulados justamente Gli architetti moderni e
gini, riflessioni, influenze. Dal
viaggio del 1953 alle lezioni di de Veneza e o seu consequente duro ataque ao l’incontro tra antico e nuovo. Nesse sentido, a sua
Berkeley del 1962, in Roberto texto da Carta24, ao qual Pane teria indiretamente posição parece comparável, mesmo com as devidas
Pane tra storia e restauro, cit.,
pp. 346-357. respondido contestando precisamente a voz Restauro diferenças, àquela de Ernesto Nathan Rogers, que
architettonico escrita por Bonelli para a Enciclopedia acreditava na possibilidade de um diálogo entre
20 Cfr. A. BELLINI, Giudizio
critico e operatività nel pen-
Universale dell’Arte e publicada em 1963, na qual arquitetura nova e «preexistências ambientais »28,
siero di Roberto Pane, ivi, pp. esse último tinha levado a extremas consequências ao contrário de Brandi e – por motivos diversos – do
17-21; A. L. MARAMOTTI
POLITI, Fu abbandono o solo
o “restauro crítico”, atribuindo «ao valor artístico próprio Zevi. Esse último, de fato, compartilhava com
approfondimento? Croce e a predominância absoluta em relação a outros Pane a oposição a Brandi, mas não aceitava nenhuma
Pane un legame profondo,
ivi, pp. 42-47; G. ROCCHI
aspectos e características da obra», ao ponto de submissão da nova arquitetura em relação àquela
COOPMANS DE YOLDI, Il apoiar a «liberação da verdadeira forma» da obra antiga. Pane, ao contrário, estava convencido que
tempo di Roberto Pane, ivi,
pp. 31-32; A. TRIONE, La
de arte no restauro, ou seja, a remoção das partes a nova arquitetura nos centros históricos deveria
ragion poetica in Roberto também significativas do ponto de vista histórico, respeitar vínculos volumétricos e altimétricos e
Pane, ivi, pp. 33-35.
mas em conflito com a imagem reconhecida pelo que, sobretudo em termos de linguagem, deveria
21 R. PANE, Città antiche ed juízo crítico25. A tal dissídio é preciso relacionar, confrontar-se com o riquíssimo e estratificado tecido
edilizia nuova (1956), cit., das cidades italianas.
em parte, também o distanciamento de Roberto
pp. 451-469. Uma refutação
mais explícita à posição de Pane de “Italia Nostra” em 1967 – associação à
Brandi encontra-se também Era justamente essa a posição mais delicada,
qual tinha ativamente participado desde 1956,
no escrito, menos conhecido,
Urbanistica e restauro dei naqueles anos guiada por Bonelli como secretário que tornava o debate dos anos 1950 na Itália
monumenti, (compendiado inacreditavelmente complexo e variado, mas talvez
geral – que, na opinião de Pane, já se movia em
aos cuidados de C. Beguinot
em conferência realizada no posições muito radicais e extremistas em relação à privado de uma solução concreta, o que facilitava o
dia 4 de fevereiro de 1959 no jogo para a especulação imobiliária. De um lado, de
tutela dos centros históricos.
«Centro studi di pianificazio-
ne urbana e rurale») in Edili- fato, Brandi sustentava a clara incompatibilidade entre
zia ed urbanistica, Università Como ele via a Arquitetura Moderna e sua antigo e novo por razões perspécticas e compositivas,
degli studi di Napoli, Facoltà
di Ingegneria, Napoli 1960, relação com as preexistências? teorizando a anti-perspectividade da arquitetura
pp. 27-35. moderna; de outro lado, Zevi considerava inaceitável
22 Para posteriores aprofun- Como já assinalei, a relação de Pane com a arquitetura qualquer limitação à «liberdade esteriométrica».
damentos sobre o tema cfr. moderna foi de moderada abertura, se bem que Pane, por sua vez, propunha «propostas concretas»
A. PANE, «L’inserzione del
nuovo nel vecchio». Brandi as suas esperanças de um possível diálogo entre que eram mal interpretadas como tentativas de
e il dibattito sull’architettura antigo e novo fossem quase sempre destacadas mediação ou menção à «ambientação» proposta
moderna nei centri sto-
rici (1956-64), in Brandi e da realidade dos fatos. Diferentemente de seu por Giovannoni, coisa que, ao contrário, Pane
l’architettura, organizado por mestre Giovannoni, que considerava inconciliável tinha aversão. Para esclarecer definitivamente a
A. Cangelosi e M. R. Vitale,
Anais da jornada de estudo o «velho» com o «novo» e se mostrava realmente sua posição, basta recordar que em 1954 Pane é
(Siracusa, 30 ottobre 2006), hostil em relação ao Movimento Moderno26, Pane o primeiro a defender, e com convicção, o projeto
Lombardi editori, Siracusa
2008, pp. 307-325. sempre manifestou a própria disponibilidade frente de Frank Lloyd Wright para o Masieri Memorial em
à nova arquitetura, convencido da necessidade de Veneza, nunca realizado justamente por oposição
23 «Em algumas polêmicas
jornalísticas foi recentemen- instaurar uma fundamental continuidade entre de “intransigentes” como Brandi e Cederna.
te lembrada, sob forma de passado e presente. Em analogia a Giovannoni,
advertência, a seguinte má-
xima do Instituto Central do contudo, também Pane estigmatizava as “tendências Poderia falar um pouco da atividade projetual
Restauro: “não se restaura mecanicistas” propugnadas por Le Corbusier, de Pane na escala do edifício (como em
a obra de arte, se restaura
a matéria da obra de arte”. individualizando no racionalismo e nas extremas Santa Chiara) e do território (como no Plano
Mas essa frase, deixando de consequências da machine à habiter uma via perigosa Territorial-Paisagístico da península Sorrentino-
lado o seu tom peremptório
(que nos faz pensar em tantas de desfrute do território e do espaço existencial, Amalfitana, elaborado em conjunto com Luigi
... continua próxima página que levava ao risco de comprometer a liberdade Piccinato)?

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continuação da nota 23... A atividade projetual de Pane se desenvolveu em aspecto de atividade econômica e de condição
outras máximas escritas em anos juvenis com algumas realizações de novos essencial para a conservação da paisagem e a
muros com caracteres lapida-
res), parece uma brincadeira edifícios em Nápoles, que podem ser reconduzidos qualidade do ambiente»31. Aprovado apenas em
verdadeira e real porque, à influência de Giovannoni (frontão oeste da galeria 1987 com algumas variações, o plano certamente
pressupondo a possibilidade
de separar a matéria da arte Vittoria, a Faculdade de Ciências Econômicas e contribuiu de maneira essencial para a tutela de
da arte mesma, se chega a Comerciais, o pavilhão da civilização cristã na um dos territórios mais extraordinários do mundo
negar aquela que é a maior
dificuldade do restauro, a África na Mostra de Além-mar) e, sucessivamente, sob o plano natural, arquitetônico e paisagístico,
qual consiste justamente na em alguns assentamentos de habitação popular em um contexto de pressões especulativas no qual
impossibilidade de tal se-
paração» (R. PANE, E’ mia em Pozzuoli, Sorrento e Torre del Greco, no se tentou, mais de uma vez, felizmente quase
persuasione che il ponte S. âmbito do segundo septênio INA casa, onde ele sempre em vão, minar a sua eficácia. Não fico
Trinita, in «La nuova città»,
a. I, n. 1-2, dicembre 1945- recuperava e reinterpretava temas da “arquitetura satisfeito em dizer isso aos leitores brasileiros,
gennaio 1946, pp. 17-20, menor” local. É exceção a única prova de caráter mas infelizmente o famoso auditório realizado
depois, com o título Il ponte
S. Trinita, in ID., Architettura decididamente racionalista: a construção de um recentemente em Ravello sob projeto de Oscar
e arti figurative, pp. 21-24 e café panorâmico em Posillipo em 1934, hoje Niemeyer é justamente um daqueles edifícios que
in Id., Attualità e dialettica
del restauro , cit., da cui si infelizmente demolido29. foram realizados em contraste com as prescrições
cita, p. 39-40). Cfr. também de tutela contidas em tal plano.
S. CASIELLO, Cesare Brandi
e Roberto Pane. Tangenze No campo mais específico do restauro, uma
e dissonanze nel pensiero intervenção muito significativa e particularmente Poderia falar um pouco da produção biblio-
sull’architettura e sul restau-
ro, in Brandi e l’architettura, debatida no segundo pós-guerra em Nápoles foi gráfica de Roberto Pane?
cit., pp. 81-90; G. CARBO- aquele relativo à igreja de Santa Clara, sobre a
NARA, Roberto Pane, Cesare
Brandi e il “restauro critico”, qual Pane já havia escrito em 1944. Restaurada A produção bibliográfica de Roberto Pane é muito
in Roberto Pane tra storia e a igreja pela Superintendência em 1953, Pane foi vasta e compreende cerca de 900 publicações entre
restauro, cit., pp. 22-27.
encarregado de projetar a organização da insula volumes, ensaios, intervenções em convênios, artigos
24 Com surpreendente du- conventual, circundada por altos edifícios em parte em revistas e jornais e escritos breves32. Entre os seus
reza, Bonelli tinha definido a
Carta de Veneza como «um danificados pelos bombardeamentos. A proposta de volumes mais significativos no campo da história da
resultado inacreditavelmente Pane, depois realizada com algumas variações entre arquitetura podem ser citados, de um lado, aqueles
pobre e insignificante, que
nos deixa profundamente 1963 e 1972, consistiria na salvaguarda do perímetro sobre arquitetura do Renascimento e do Barroco
surpresos e desiludidos», re- da cidadela monástica, historicamente fechada em em Nápoles e na Itália meridional (Architettura del
velando como «ignora total-
mente o desenvolvimento da relação à cidade e à praça do Gesù, mantendo o Rinascimento in Napoli, 1937; Architettura dell’età
problemática do restauro nos caráter de “recinto”, mesmo demolindo os edifícios barocca in Napoli, 1939; Il Rinascimento nell’Italia
últimos vinte anos, a identifi-
cação do restauro no proces- que tinham surgido nos séculos mais recentes e já meridionale, 1975-77; Seicento Napoletano, 1984);
so crítico, e a sua tradução parcialmente destruídos pela guerra. de outro lado, as importantes monografias dedicadas
integral em um juízo fundado
sobre o princípio de destinar a figuras como Andrea Palladio (1948, 19612), Gian
ao valor artístico a prevalên- Na escala urbanística, Pane conduziu diversas Lorenzo Bernini (1953), Ferdinando Fuga (1956)
cia sobre outros aspectos
do monumento; não conhe- experiências de planejamento, principalmente nos e Antoni Gaudí (1964, 19822). Fundamentais e
ce aquilo que resulta disso, anos 1960-70, em diversos centros históricos da pioneiros são, além disso, os seus volumes sobre
quando o restauro assume o
dever de reencontrar e liberar Puglia, de Molfetta (1965-68) a Corato (1967-74) os valores ambientais de Nápoles e da Campânia
a obra, restituindo a ela a a Bitonto (1968-78), quase sempre em colaboração (Napoli imprevista, 1949; Capri, 1954, 19652,
imagem unitária, mesmo se
isso comporta a destruição de com o seu aluno e depois docente de restauro 19823; Sorrento e la costa, 1955; Ville vesuviane
partes acrescidas […]»(R. BO- Mauro Civita. Na escala territorial, enfim, um del Settecento (em col.), 1959; Campania. La casa
NELLI, La “carta di Venezia”
per il restauro architettonico, trabalho fundamental de Pane foi o Plano territorial e l’albero, 1961).
in «Italia Nostra», a. VIII, n. e paisagístico da península Sorrentino-Amalfitana,
38, maggio-giugno 1964, p.
1). A tais observações Pane redigido entre 1974 e 1977 por um grupo presidido No que diz respeito ao restauro, e de forma
responde declarando discor- por ele e por Luigi Piccinato30. O plano constitui mais geral às questões da tutela e conservação
dar totalmente da posição de
Bonelli sobre restauro, por uma importante etapa para a evolução da tutela da que testemunham o seu empenho civil, os seus
ele expressa na voz Restauro paisagem na Itália: nesse, de fato, encontra aplicação escritos foram organizados por ele mesmo em
architettonico para a Enci-
clopedia Universale dell’Arte um precoce reconhecimento do valor da paisagem quatro sucessivas antologias, a partir de 1948 até
em 1963, sublinhando, além agrária na área, fundada por um sistema de terraços, 1987 (Architettura e arti figurative, 1948; Città
disso, como essa contrastasse
também com a primeira parte pensado em estreita unidade com a tutela da antiche edilizia nuova, 1959; Il canto dei tamburi
geral redigida por Brandi, so- paisagem construída, ao ponto que, segundo Pane, di pietra, 1980; Attualità e dialettica del restauro,
... continua próxima página «a agricultura, nessa área é observada sob o duplo 1987). Fundamental, e ainda em boa parte atual,

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continuação da nota 24... é, também, a obra, em três volumes, por ele desenvolveu em vão.
bre a qual, ao contrário, Pane coordenada com um rico grupo de estudiosos
concorda (R. PANE, Lettera al
direttore, in «Italia Nostra», - entre os quais Roberto Di Stefano, Carlo Forte, Passando a aspectos mais específicos e procurando
a. VIII, n. 39, luglio-agosto Stella Casiello, Giuseppe Fiengo – com o título Il sintetizar, diria que a sua hereditariedade refere-
1964, p. 59).
centro antico di Napoli (1971), que contém um se, por um lado, ao campo da tutela, a partir da
25 Cfr. R. PANE, Teoria della detalhado estudo da área mais antiga da cidade, extensão do conceito de monumento à metodologia
conservazione e del restauro
dei monumenti, conferência fruto de diversos anos de pesquisa, visando seu de restauro dos centros antigos; por outro, àquele
introdutória ao II Congresso restauro urbanístico, proposto como um plano de da reflexão mais profunda sobre a conservação,
internacional dos arquitetos e
técnicos do restauro (Venezia, atuação que infelizmente não chegou a ter uma que se valeu também da fecunda contaminação
25-31 maggio 1964) in ID., aplicação concreta. com disciplinas e saberes diversos, da psicologia à
Attualità e dialettica del res-
tauro, cit., p. 175. O texto fi- ecologia. Nesse sentido, basta citar a sua reflexão
nal da conferência, publicado Muito importante, enfim, foi a produção de artigos sobre a instância psicológica, por ele mesmo
apenas em 1971 com o título
Conférence introductive, in em jornais e revistas. Nesse sentido, destaca-se a proposta como tema fundamental do restauro,
Il monumento per l’uomo , sua iniciativa de recuperar, em 1961, a publicação que deveria preceder as mais conhecidas instâncias
Anais do II Congresso interna-
cional do Restauro (Venezia,
do periódico Napoli nobilissima , fundado em estéticas e históricas, assim como os numerosos
25-31 maggio 1964), Marsi- 1892 por um grupo de eminentes personalidades aprofundamentos sobre as implicações ecológicas
lio, Padova 1971, pp. 1-13,
foi revisto por Pane depois
próximas a Benedetto Croce e interrompido em e éticas que a conservação subentende.
do congresso, inserindo as 1922. Pane manteve a direção de Napoli nobilissima
citadas reflexões sobre a voz
Restauro architettonico redi- de 1961 a 1987, ano de sua morte, tornando-a Em última análise, acredito que a sua maior
gida por Bonelli, justamente uma revista de grande prestígio para os estudos hereditariedade consista justamente na abertura
em seguida ao ataque desse
último, e não vice-versa, como
da história da arquitetura e do ambiente da Itália que a disciplina da conservação manifesta hoje,
no passado era considerado meridional, que abrigou numerosos ensaios de na Itália e no mundo, em direção a disciplinas
pela historiografia corrente
(cfr. A. PANE, Piero Gazzola,
estudiosos nacionais e internacionais e constituiu afins e em direção a escalas diferenciadas de
Roberto Pane e la genesi della uma fundamental “oficina” de formação para a sua intervenção, do fragmento arqueológico ao
Carta di Venezia, cit., p. 313
e n. 47).
consistente escola de alunos. Por meio de Napoli território, tidas conjuntamente, mas a partir de uma
nobilissima, além disso – e em particular com sua fundamental unidade de método, o que representa,
26 Cfr. A. PANE, Il vecchio
rubrica Antico e Nuovo, que em cada fascículo definitivamente, uma das principais contribuições
e il nuovo nelle città italia-
ne: Gustavo Giovannoni e abrigava seus breves escritos polêmicos – Pane italianas à cultura da conservação.
l’architettura moderna , in
desenvolveu uma constante ação de controle e
Antico e Nuovo. Architettu-
re e architettura, a cura di denúncia dos danos produzidos no arco de quase
A. Ferlenga, E. Vassallo, F.
trinta anos.
Schellino, Atti del Convegno
(Venezia, 31 marzo - 3 aprile ____________________
2004), Il Poligrafo, Venezia
Qual seria a principal hereditariedade deixada Continuação das notas
2007, pp. 215-231.
por ele? 28 Cfr. C. DI BIASE, Roberto Pane ed Ernesto Nathan Rogers:
27 R. PANE, Le Corbusier e
dibattito sugli inserimenti nelle preesistenze ambientali, in Roberto
le tendenze meccanicistiche
Pane tra storia e restauro, cit., pp. 364-369.
dell’architettura moderna, in Acima de tudo, como foi corretamente observado33,
«Aretusa», I, n. 5-6, novem- diria que o seu empenho civil, a dimensão ética e a 29 Cfr. B. GRAVAGNUOLO, Roberto Pane architetto, in «ArQ3»,
bre-gennaio 1945, pp. 15-30;
coerência da sua ação constituem um ensinamento Quaderni della sezione «Sperimentazione progettuale» del Diparti-
depois em ID., Architettura e
mento di Progettazione Urbana, Università di Napoli Federico II, n.
arti figurative, cit., pp. 25-42 sem tempo, ousaria dizer, quase socrático. É uma 3, giugno 1990, pp. 130-134; A. PANE, Roberto Pane (1897-1987),
e, com um comentário, in ID.,
posição que parece ser hoje, infelizmente, uma in «’ANAΓKH», n. 50-51, gennaio-maggio 2007, pp. 24-33; R.
Città antiche edilizia nuova,
DE MARTINO, Le architetture di Roberto Pane, in Roberto Pane
cit., pp. 15-43 e in ID., Attuali- distante recordação, respeito aos fáceis oportunismos tra storia e restauro, cit., pp. 111-116.
tà e dialettica del restauro, cit.,
pp. 41-56. Cfr. Sobre o tema. e compromissos que assinalam tristemente os tempos
30 Cfr. A. DAL PIAZ, L’esperienza innovativa del piano territoriale
R. DE FUSCO, Roberto Pane e que vivemos. Dito isso, contudo, cabe admitir que
l’architettura contemporanea, e paesistico dell’area sorrentino-amalfitana 1974-1977, in Roberto
in Ricordo di Roberto Pane, uma grande parte das conquistas no campo da tutela Pane tra storia e restauro, cit., pp. 523-525.
cit., pp. 260-263. e da conservação da arquitetura e da paisagem – 31 R. PANE, Unità di interventi fra paesaggio vegetale e paesaggio
notas 28 a 32: final do texto, que hoje constituem uma praxe substancialmente edilizio, in ID., Attualità e dialettica del restauro, cit., p. 358.
à direita.
compartilhada em todo o território italiano – se 32 Cfr. G. PANE, A. PANE, Bibliografia degli scritti di Roberto Pane,
devem também à sua ação, que portanto não se in Roberto Pane tra storia e restauro, cit., pp. 580-598.

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