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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA

DEPARTAMENTO DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO

MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR: UM ESTUDO DE CASO EM


UMA FÁBRICA DE POLTRONAS DE ÔNIBUS

JOSÉ ANTONIO TRAVESSA NETO

MONOGRAFIA EM ENGENHARIA DE PRODUÇÃO


UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DE TECNOLOGIA
Departamento de Engenharia de Produção

JOSÉ ANTONIO TRAVESSA NETO

Mapeamento do fluxo de valor: Um estudo de caso em uma fábrica de poltronas de


ônibus

Projeto de Monografia apresentado ao Curso de


Graduação em Engenharia de Produção da Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar), Campus São Carlos,
como parte dos requisitos para obtenção do título de
bacharel em Engenharia de Produção.

Orientador: Prof. Dr. Luciano Campanini

SÃO CARLOS-SP
2017
Dedico essa conquista aos meus pais José Antonio e
Claudeli pelo incentivo e apoio incondicional durante
minha graduação.
Agradeço primeiramente à minha família, à minha namorada e aos
meus amigos, por serem essenciais na minha vida,

À UFSCar por me proporcionar crescimento pessoal, acadêmico e


profissional,

Aos professores do departamento de Engenharia de Produção da


UFSCar pelos ensinamentos passados durante os últimos anos,

Ao meu orientador Prof. Dr. Luciano Campanini, por me auxiliar no


desenvolvimento dessa monografia,

À empresa e aos colaboradores que permitiram a realização deste


estudo,

A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a minha


formação, o meu muito obrigado!
“If you define the problem correctly, you almost have the solution”

Steve Jobs
RESUMO

TRAVESSA NETO, J. A. Mapeamento do fluxo de valor: Um estudo de caso em uma


fábrica de poltronas de ônibus. 68 p. Monografia (Graduação em Engenharia de Produção),
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, 2017.

Em um mercado cada vez mais competitivo, é imprescindível às empresas buscar soluções para
aumentar a eficiência do seu processo produtivo. A produção enxuta é uma filosofia de gestão
de ataque aos desperdícios produtivos e, se aplicada corretamente, traz ganhos significativos
quanto à eficiência das empresas. Uma de suas ferramentas é o Mapeamento do Fluxo de Valor
(MFV), que consiste no estudo do fluxo de materiais e/ou informações em um processo
produtivo. Essa monografia apresenta um estudo realizado em uma fábrica de poltronas e seu
objetivo central é a aplicação do MFV a fim de identificar os desperdícios presentes atualmente,
para em seguida propor melhorias ao processo produtivo. O método de pesquisa adotado é um
estudo de caso, sendo dividido basicamente em seis etapas: levantamento bibliográfico,
planejamento do caso, coleta de dados, análise dos dados, geração de relatório e conclusão. Para
tanto, levantou-se artigos científicos e livros clássicos sobre o tema, além de serem analisados
dados reais obtidos em uma empresa. Com esse trabalho, espera-se mostrar que o mapeamento
do fluxo de valor é uma simples e poderosa ferramenta na identificação de desperdícios do
processo. Além de ajudar a enxergar possíveis melhorias que tornarão o fluxo mais enxuto.

Palavras-chave: mapeamento fluxo valor, MFV, produção enxuta.


ABSTRACT

TRAVESSA NETO, J. A. Value stream mapping: A case study in a bus seat factory. 68 f.
Monografia (Graduação em Engenharia de Produção), Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar), São Carlos, 2017.

In a competitive market, it is essential to the companies look for solutions to increase its
productive process efficiency. Lean production is a management philosophy used to attack the
production wastes, and, if well applied, it can bring significant gains regarding to the company
efficiency. One of its tools is the Value Stream Mapping (VSM), which studies the material and
information flows in a productive process. This undergraduate thesis presents a study carried
out in a bus seat factory and its main objective is the VSM application to identify wastes that
are current present and then propose improvement to the production process. The research
method is a case study, which is divided into six steps: bibliography survey, case planning, data
collect, data analysis, report generation and conclusion. Therefore, scientific articles and classic
books about the subject were consulted, in addition to the company data that was analyzed. This
academic paper is expected to show that the value stream mapping is an easy and powerful tool
in identification of process wastes. Furthermore, it helps to see possible improvements that will
make the flow leaner.

Keywords: value stream mapping, vsm, lean production.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Os papéis da produção......................................................................................... 16

Figura 2 – Etapas desse estudo de caso ................................................................................. 20

Figura 3 – A estrutura do STP .............................................................................................. 25

Figura 4 – Fluxo de valor de “porta-a-porta” ........................................................................ 36

Figura 5 – Fluxo de produção ............................................................................................... 36

Figura 6 – Família de produtos ............................................................................................. 37

Figura 7 – Os tipos de Kaizen .............................................................................................. 38

Figura 8 – Etapas do MFV ................................................................................................... 38

Figura 9 – Ícone fábrica e caixa de dados ............................................................................. 40

Figura 10 – Ícone caixa de processo ..................................................................................... 40

Figura 11 – Ícones fluxos de informação .............................................................................. 41

Figura 12 – Ícone estoque .................................................................................................... 42

Figura 13 – Ícones fluxo de material acabado e transporte .................................................... 42

Figura 14 – Ícone fluxo produção empurrada ....................................................................... 42

Figura 15 – Ícone linha do tempo ......................................................................................... 43

Figura 16 – Modelo de mapeamento de um fluxo de valor ................................................... 43

Figura 17 – Sistema puxado com supermercado ................................................................... 45

Figura 18 – Modelo de um plano do fluxo de valor .............................................................. 48

Figura 19 – Fluxo simplificado de produção das poltronas ................................................... 50

Figura 20 – Layout atual da fábrica de estruturas de poltronas .............................................. 50

Figura 21 - Layout e fluxo produtivo atual ........................................................................... 54

Figura 22 – Mapa do estado atual ......................................................................................... 55

Figura 23 – Gráfico de Balanceamento de Operações (atual) ................................................ 57


Figura 24 – Gráfico de Balanceamento de Operações (proposto) .......................................... 58

Figura 25 – Layout e fluxo produtivo proposto ..................................................................... 61

Figura 26 – Mapa do estado futuro ....................................................................................... 62


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Aplicação das ferramentas do pensamento enxuto nos desperdícios ................... 34

Quadro 2 – Quadro comparativo de desempenho.................................................................. 63

Quadro 3 – Ícones do fluxo de material ................................................................................ 68

Quadro 4 – Ícones gerais ...................................................................................................... 69

Quadro 5 – Ícones do fluxo de informação ........................................................................... 69


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

JIT – Just-in-time

MFV – Mapeamento de Fluxo de Valor

PE – Produção Enxuta

STP – Sistema Toyota de Produção

PCP – Planejamento e controle da produção


LISTA DE EQUAÇÕES

Equação 1 – Cálculo da capacidade atual ....................................................................... 27

Equação 2 – Modelo convencional de determinação do preço de venda.......................... 27

Equação 3 – Princípio de “não-custo” ........................................................................... 27

Equação 4 – Cálculo do takt time ................................................................................... 32


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 15
1.1 CARACTERIZAÇÃO DO TEMA ................................................................................ 15
1.2 OBJETIVO DA PESQUISA ......................................................................................... 19
1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA................................................................................ 19
1.4 MÉTODO DE PESQUISA............................................................................................ 19
1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................... 21
2 REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................................... 22
2.1 PRODUÇÃO ENXUTA................................................................................................ 22
2.2 PILARES DA PRODUÇÃO ENXUTA ........................................................................ 24
2.2.1 Autonomação ............................................................................................................ 25
2.2.2 Just-in-time ............................................................................................................... 26
2.3 SETE DESPERDÍCIOS ................................................................................................ 26
2.3.1 Superprodução .......................................................................................................... 29
2.3.2 Espera ........................................................................................................................ 29
2.3.3 Transporte ................................................................................................................. 29
2.3.4 Processamento ........................................................................................................... 30
2.3.5 Estoque ...................................................................................................................... 30
2.3.6 Movimentação ........................................................................................................... 30
2.3.7 Produtos defeituosos ................................................................................................. 30
2.4 FERRAMENTAS DA PRODUÇÃO ENXUTA ............................................................ 31
2.4.1 Kanban ...................................................................................................................... 31
2.4.2 Trabalhar de acordo com o Takt Time / produção sincronizada ........................... 32
2.4.3 Fluxo contínuo / redução do tamanho do lote .......................................................... 32
2.4.4 Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV) ................................................................... 33
2.4.5 Aplicação das ferramentas nos desperdícios ............................................................ 33
3 MÉTODO DE MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR (MFV) ............................ 35
3.1 CONCEITOS DO MFV ................................................................................................ 35
3.1.1 O que é o mapeamento do fluxo de valor ................................................................. 35
3.1.2 O fluxo de material e de informação ........................................................................ 36
3.1.3 Família de Produtos .................................................................................................. 36
3.1.4 O gerente do fluxo de valor ...................................................................................... 37
3.1.5 Como usar a ferramenta de mapeamento ................................................................ 38
3.2 COMO DESENHAR O MAPA DO ESTADO ATUAL ................................................ 39
3.2.1 Coleta de informações ............................................................................................... 39
3.2.2 Fronteiras do mapa ................................................................................................... 39
3.2.3 Processos de produção .............................................................................................. 40
3.2.4 Fluxo de informação ................................................................................................. 41
3.2.5 Fluxo de material ...................................................................................................... 41
3.2.6 Linha do tempo ......................................................................................................... 42
3.3 COMO DESENHAR O MAPA DO ESTADO FUTURO .............................................. 43
3.4 IMPLEMENTAÇÃO DO ESTADO FUTURO ............................................................. 47
3.4.1 O plano anual do fluxo de valor ............................................................................... 47
4 ESTUDO DE CASO ...................................................................................................... 49
4.1 DESCRIÇÃO DA EMPRESA ...................................................................................... 49
4.2 DESCRIÇÃO DOS PRODUTOS E DO PROCESSO PRODUTIVO ............................ 49
4.3 MAPA DO ESTADO ATUAL NA EMPRESA ............................................................ 51
4.4 MAPA DO ESTADO FUTURO NA EMPRESA .......................................................... 56
5 CONCLUSÕES ............................................................................................................. 64
5.1 SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS ................................................................ 64
REFERÊNCIAS ................................................................................................................. 66
ANEXO – ÍCONES DO MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR ............................. 68
15

1 INTRODUÇÃO
O capítulo de introdução apresenta o tema de estudo dessa pesquisa, assim como
seus objetivos, sua justificativa e o método de pesquisa. Por fim, o capítulo é finalizado com a
estrutura com que essa monografia foi organizada.

1.1 CARACTERIZAÇÃO DO TEMA


Manter-se vivo como empresa em um mercado cada vez mais competitivo
devido à globalização não é tarefa fácil para as organizações. Para obter o sucesso de sobreviver
ou até mesmo crescer no mercado, as empresas necessitam gerir seu negócio visando sempre
aumentar sua eficiência. Em outras palavras, possuir altos níveis de produtividade e qualidade
com o menor custo possível.
Inúmeros estudos na área da Administração e da Engenharia de Produção
buscam entender os fenômenos da gestão empresarial e contribuir com técnicas de
administração da produção que auxiliem as empresas a atingir seus resultados desejados.
Slack et al. (2002) diz que a função central responsável para uma empresa
alcançar seu objetivo é produção. Ao contrário do que muitos pensam, o papel da produção não
é somente produzir serviços e bens que serão consumidos. A produção também tem a função
de apoiar a estratégia da organização. Isso significa que os objetivos de uma estratégia só serão
atingidos caso a produção forneça as condições necessárias para isso acontecer. Outro papel
importante da produção é executar a estratégia, afinal é ela própria que colocará a estratégia da
organização em prática. Ou seja, uma excelente estratégia pode se tornar ineficaz caso a
produção seja incapaz de entendê-la e estabelecê-la.
Mais do que isso, a colaboração da produção fornece à organização uma
vantagem competitiva que a fará ser bem-sucedida no longo prazo. Por mais que outros setores
tenham uma função importante dentro de uma organização, nenhum deles compensará uma
fraca performance da produção no longo prazo (SLACK et al., 2002). A Figura 1 a seguir
resume bem os papéis da função produção em uma empresa.
16

Figura 1 – Os papéis da produção

Fonte: Adaptado de Slack et al. (2002).


De acordo com Slack et al. (2002), essa colaboração da produção pode ser
visualizada por meio de cinco objetivos de desempenho: qualidade, rapidez, confiabilidade,
flexibilidade e custo. Esses fatores impactam tanto externamente como internamente em uma
organização, de modo que se uma organização tem um alto desempenho interno em qualidade,
rapidez, confiabilidade e flexibilidade, alcançará uma redução dos custos de produção.
Descrita por Drucker1 apud Womack et al. (1990, p. 9) como “a indústria das
indústrias”, a fabricação de automóveis ilustra a evolução no modo de produzir, o papel da
produção em uma empresa e o foco das organizações nos objetivos de desempenho ao longo
do tempo. Segundo Womack et al. (1990), do século XIX até os dias de hoje, três principais
métodos produtivos foram desenvolvidos por essa indústria: produção artesanal, produção em
massa e produção enxuta.
Tudo começou no final do século XIX, quando alguns carros eram produzidos
na Europa Ocidental. Uma das fabricantes da época foi a francesa Panhard et Levassor (P&L).
Seus funcionários eram em sua maioria artesãos altamente qualificados. Como muitos dos seus
carros eram produzidos em conjunto com os clientes para atender suas especificações, a
empresa não conseguia ter ganhos de economia de escala. Além disso, a empresa nunca
conseguiu produzir dois carros idênticos por não possuir um sistema de medição padrão
(WOMACK et al., 1990).

1
DRUCKER, P. The Concept of the Corporation, New York: John Day, 1946.
17

Vale ressaltar que naquela época somente pessoas com alto poder aquisitivo
conseguiam comprar esses veículos e muitos desses consumidores empregaram um motorista
particular, por isso a P&L não se preocupava com custos, facilidade de condução e manutenção
simples dos seus carros (WOMACK et al., 1990).
Nessas condições não haveria empresa que conseguiria um monopólio nesse
mercado, e logo a P&L se viu competindo com centenas de fabricantes artesanais de veículos.
Womack et al. (1990) cita ainda algumas das características da produção
artesanal de automóveis durante a transição do século XIX para o século XX:
a) mão-de-obra altamente qualificada, visto que um funcionário possuía
conhecimento sobre diversas partes do processo;
b) organizações extremamente descentralizadas, pois a maioria das peças
vinham de pequenos fornecedores;
c) baixo volume de produção e poucos veículos com o mesmo design, visto que
o veículo era customizado de acordo com o pedido do cliente.
Esse cenário começa a mudar quando Henry Ford funda sua companhia em 1903.
Cinco anos mais tarde, ele consegue uma enorme vantagem competitiva no mercado com seu
altamente padronizado Modelo T. Além de ter um custo de fabricação muito menor que os
modelos concorrentes, o Modelo T ainda tinha o diferencial de ser um veículo de fácil condução
e fácil reparo (WOMACK et al., 1990).
Em relação ao processo produtivo, Ford inovou e mudou totalmente o conceito
de trabalho ao criar as estações de trabalho, onde cada funcionário permanecia no mesmo lugar
durante seu expediente de trabalho executando pequenas tarefas, algo muito diferente da
produção artesanal. O resultado foi um aumento considerável na produtividade da empresa.
Ford descobriu, então, que quanto mais veículos produzia, menor era seu custo por veículo
(WOMACK et al., 1990).
Esse sistema de produção ficou conhecido mais tarde como produção em massa
e só foi possível porque Ford sabia que para conseguir produzir em alto volumes seria
necessário a padronização que a produção artesanal não conseguia. Para isso, ele insistiu que
um ferramental de medição preciso seria necessário para garantir peças intercambiáveis, que
acabavam se encaixando com simplicidade (WOMACK et al., 1990).
Enquanto os Estados Unidos produziam cada vez mais com o sistema de
produção em massa, o Japão enfrentava seus piores anos logo após o final da Segunda Guerra
Mundial. Com o mercado do Japão enfraquecido e à beira de sua falência, uma das maiores
18

empresas do país, a Toyota, viu-se diante do enorme desafio de sobreviver no longo prazo. Foi
aí que surge Taiichi Ohno para revolucionar o método de produção da época.
Taiichi Ohno foi o engenheiro que recebeu a tarefa de aperfeiçoar o processo
produtivo da Toyota de modo a igualar-se à produtividade de Ford. Enquanto empresas como
a Ford, e posteriormente a GM, produziam em massa com o intuito de obter ganhos de
economias de escala, a Toyota optou por uma estratégia diferente: a flexibilidade. Sem poder
competir em termos de economia de escala, a empresa japonesa decidiu produzir pequenos
volumes de carros de modelos diferentes. Com linhas de montagem não dedicadas a um só
modelo, a Toyota precisava girar seu dinheiro rapidamente, ou em outras palavras, diminuir seu
lead time ao máximo (LIKER, 2005).
Se antes a produção focava apenas na redução de custos (um dos objetivos de
desempenho), a Toyota antecipou-se ao mundo ao aprender que a concentração na qualidade,
por exemplo, gerava mais redução de custos do que apenas concentrar-se em custo, como Ford
fazia (LIKER, 2005).
Através de várias ferramentas, técnicas e, principalmente, uma filosofia de
produção, a Toyota não só conseguiu vencer seu desafio de sobreviver, como também utilizou
da sua excelência operacional para criar uma arma estratégica para crescer (LIKER, 2005).
Somente na década de 1990, o mundo finalmente conhece o Sistema Toyota de
Produção (STP) após Womack, Jones e Roos lançaram o livro The Machine that Changed the
World com uma rica pesquisa sobre o tema e denominando esse sistema como “Produção
Enxuta”. Esse assunto será melhor tratado no Capítulo 2.
Para Liker (2005), um dos motivos do sucesso do sistema de produção
desenvolvido pela Toyota é a filosofia de eliminação de perdas do processo, ou muda, como é
conhecido no Japão. Se antes essas perdas eram inerentes ao sistema de produção em massa, a
filosofia de produção enxuta visa reduzir ao máximo esses desperdícios. Shingo (1996) e Ohno
(1997) classifica esses desperdícios em sete tipos: excesso de produção, espera, transporte
desnecessário, superprocessamento, excesso de estoque, movimentação desnecessária e
produtos defeituosos.
Uma das ferramentas utilizadas para enxergar esses desperdícios para
posteriormente extingui-los é o Mapeamento de Fluxo de Valor (MFV).
Essa ferramenta, conhecida na Toyota como Mapeamento de Fluxo de
Informação e Material, é usada para retratar o estado atual de um processo e apresentar um
estado “ideal” com melhorias sistemáticas e permanentes para eliminação dos desperdícios
(ROTHER; SHOOK, 2003).
19

1.2 OBJETIVO DA PESQUISA


O objetivo principal desse trabalho consiste na utilização da ferramenta de
mapeamento de fluxo de valor em uma fábrica de poltronas de ônibus, com o intuito de
identificar os desperdícios presentes no processo e propor melhorias, segundo os conceitos da
manufatura enxuta.

1.3 JUSTIFICATIVA DA PESQUISA


Esse trabalho tem o intuito de contribuir tanto para meio acadêmico quanto para
a empresa em que o estudo será feito.
Para o meio acadêmico, esse trabalho poderá gerar dados e conhecimento do uso
dessa ferramenta da produção enxuta na produção de poltronas utilizadas em ônibus. Além
disso, poderá reforçar os benefícios de técnicas e ferramentas da produção enxuta, assim como
poderá identificar as possíveis barreiras para a aplicação do MFV.
Para a empresa, essa monografia poderá servir como base para uma possível
melhoria do processo de fabricação de poltronas, reduzindo atividades que não agregam valor
ao seu produto. Mais do que isso, a empresa poderá utilizar essa ferramenta em outros setores
visando uma melhoria sistemática.

1.4 MÉTODO DE PESQUISA


Para atingir o objetivo de pesquisa anunciado na Seção 1.2, será adotada uma
abordagem de pesquisa qualitativa.
Para Martins (2012), antes mesmo de definir o método de pesquisa, deve-se
escolher a abordagem da pesquisa. Ele deixa claro a diferença entre a abordagem qualitativa
com a abordagem quantitativa ao dizer que “a característica distintiva, em contraste com a
pesquisa quantitativa, é a ênfase na perspectiva do indivíduo que está sendo estudado”
(MARTINS, 2012, p. 52).
Pode-se aliar essa abordagem ao presente estudo, pois, segundo Martins (2012),
nesse tipo de abordagem o pesquisador visita a organização estudada a fim de fazer observações
para coletar evidências de um determinado fenômeno. Para esse estudo, as observações serão
feitas no chão de fábrica da empresa, visando coletar dados do processo produtivo que serão
analisados posteriormente.
Nakano (2012) cita sete categorias de métodos de pesquisa utilizados: survey,
estudo de caso, modelagem, simulação, estudo de campo, experimento e teórico/conceitual.
Cada um desses métodos está mais ligado a um tipo de abordagem.
20

Para esse estudo, decidiu-se que o método mais adequado é o estudo de caso.
Miguel (2012, p. 131) define o estudo de caso como “[...] um trabalho de caráter empírico que
investiga um dado fenômeno dentro de um contexto real contemporâneo por meio de análise
aprofundada de um ou mais objeto de análise”. Para esse trabalho, o objeto de análise será a
fábrica de poltronas de ônibus e o fenômeno a ser investigado será o fluxo produtivo de um dos
seus produtos.
Miguel (2012) propõe uma sequência para condução de um estudo de caso. Para
esse trabalho, decidiu-se combinar esse processo com as etapas sugeridas por Rother e Shook
(2003) de realização de um mapeamento de fluxo de valor. A Figura 2 mostra a condução desse
estudo de caso.
Figura 2 – Etapas desse estudo de caso
Definir uma
estrutura • Mapear a literatura
conceitual- • Delimitar as fronteiras de estudo
teórica

• Selecionar a unidade de análise


Planejar o caso • Escolher os meios para coleta e
análise dos dados

• Analisar o fluxo produtivo


Coletar os dados • Levantar tempos
• Criar mapa do estado atual

Analisar os dados • Identificar desperdícios

• Construir o estado futuro com as


melhorias
Gerar relatório
• Comparar a situação atual com a
situação proposta

• Verificar e registrar todo o


Concluir
trabalho

Fonte: O autor (2017)


21

1.5 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


A presente monografia está estruturada da seguinte forma. Nesse primeiro
capítulo foi realizada a introdução, contendo: a caracterização do tema do estudo, o objetivo da
pesquisa, sua justificativa, o método de pesquisa adotado e a organização do trabalho. O
segundo capítulo é dedicado à revisão da literatura. Nele é abordado de maneira mais
aprofundada a produção enxuta e suas características, finalizando com suas técnicas e
ferramentas. O terceiro capítulo é utilizado para discutir mais a fundo a ferramenta Mapeamento
de Fluxo de Valor. Nesse capítulo é explicado o passo a passo de como utilizar essa ferramenta
em uma organização. No quarto capítulo são apresentados e discutidos os resultados da
aplicação da ferramenta de Mapeamento de Fluxo de Valor na empresa, assim como são
propostas melhorias a serem implantadas. As conclusões desse trabalho são apresentadas no
quinto capítulo. Posteriormente, têm-se as referências utilizadas como base para esse estudo e
o anexo com os ícones do MFV.
22

2 REVISÃO DA LITERATURA
Esse capítulo está organizado em quatro seções. Na primeira, a Produção Enxuta
(PE) é apresentada ao leitor. Indo mais a fundo, na seção seguinte é discutido os pilares desse
sistema de produção. Na terceira seção, é definido o conceito de desperdício, além de enunciar
cada tipo de perda. Por fim, são apresentadas as principais ferramentas da PE, dando uma maior
atenção à ferramenta de estudo desse trabalho, o mapeamento de fluxo de valor.

2.1 PRODUÇÃO ENXUTA


Há quase 30 anos, em setembro de 1988, John Krafcik publica um artigo com o
título “The Triumph of the Lean Production System”. Nele, o termo “enxuto” aparece pela
primeira vez para descrever o sistema de produção e gestão que vinha obtendo um desempenho
superior à produção em massa. “Enxuto”, pois esse sistema usa menos de tudo se comparado
com a produção em massa – menor esforço humano, menos espaço utilizado na fábrica, menor
investimento de capital, menos defeitos, menor tempo gasto, menos estoque, entre outros
(WOMACK; KRAFCIK, 2013).
John Krafcik fez parte de um grupo do Massachusetts Institute of Technology
(MIT) responsável por realizar uma pesquisa internacional no setor automotivo na década de
1980. Liderados por James Womack, os pesquisadores realizaram fóruns pelo mundo e
viajaram pela América do Norte, Europa, América Latina e Ásia para analisar e comparar o
desempenho de 90 fábricas de diferentes companhias (WOMACK et al., 1990).
Os três indicadores utilizados no estudo para avaliação das fábricas foram
produtividade, qualidade e flexibilidade. Na média, as empresas japonesas se destacaram em
relação às outras fábricas analisadas quanto ao desempenho apresentado. Entretanto, as
descobertas mais relevantes que o estudo proporcionou foram as seguintes (KRAFCIK, 1988):
a) a política de gestão de produção adotada pelas empresas tem um enorme
efeito no desempenho operacional de suas plantas;
b) fábricas que operam com produção enxuta são mais capazes de alcançar
simultaneamente altos níveis de produtividade, qualidade e complexidade no
mix produtivo;
c) a cultura corporativa é importante na determinação do desempenho da
fábrica;
d) o nível tecnológico das fábricas tem pouco efeito no desempenho
operacional.
Não demorou muito para esse estudo desencadear outros sobre o tema.
23

Um pouco mais tarde, em 1990, James Womack, Daniel Jones e Daniel Roos
lançam “A máquina que mudou o mundo” e colaboram na difusão da Produção Enxuta no
ocidente. Esse clássico foi o primeiro livro a descrever de forma detalhada o sistema
desenvolvido na Toyota e mostrar as vantagens em relação à produção em massa, evidenciando
a diferença do desempenho da indústria automotiva japonesa, em comparação com a indústria
automotiva ocidental (LIKER, 2005).
Atualmente, existem diversas definições para a Produção Enxuta (PE) e para o
Sistema Toyota de Produção (STP), como também é conhecida. Dentre elas, três definições
foram escolhidas para descrever esse sistema.
Monden (2015, p. 3) define o STP como:

O Sistema Toyota de Produção é um método viável para a fabricação de produtos, já


que se trata de uma ferramenta eficiente para a produção do objetivo final: o lucro.
Para alcançar este propósito, o objetivo principal do Sistema Toyota de Produção é a
redução de custos, ou o aumento da produtividade.

Para Ghinato (2000, p. 1), a produção enxuta pode ser descrita da seguinte
maneira:

É uma filosofia de gerenciamento que procura otimizar a organização de forma a


atender as necessidades do cliente no menor prazo possível, na mais alta qualidade e
ao mais baixo custo, ao mesmo tempo em que aumenta a segurança e o moral de seus
colaboradores, envolvendo e integrando não só manufatura, mas todas as partes da
organização.

A própria empresa desenvolvedora do STP o descreve como sendo um sistema


de produção que é mergulhado na filosofia da ‘eliminação completa de todos os desperdícios’
inspirando todas as partes da produção na busca dos métodos mais eficientes (TOYOTA, 2006).
Algumas palavras aparecem mais de uma vez nas definições apresentadas e
também são citadas em definições de outros autores. “Filosofia”, “custo”, “desperdício” são
alguns desses termos e, por isso, serão discutidos nesse trabalho.
Liker (2005) comenta diversas vezes em seu livro que as ferramentas e técnicas
desenvolvidas pela Toyota não são a chave da produção enxuta, pois o conceito de “enxuto”
está ligado à cultura e à filosofia da empresa.
Womack e Jones (2004), por outro lado, enxergam a produção enxuta como um
processo. Eles nomearam esse processo como Mentalidade Enxuta (Lean Thinking) e
enumeram cinco princípios para criar valor em qualquer negócio, em qualquer condição. São
eles:
24

1) valor: especificar o valor é o ponto inicial para o pensamento enxuto. Quem


define o valor não é a empresa, mas sim o cliente final. Cabe à empresa
determinar a necessidade, satisfazê-la e cobrar um preço específico para
manter a empresa no negócio e com isso obter lucros;
2) fluxo de valor: deve-se analisar a cadeia produtiva e separar os processos em
três tipos. Aqueles que geram valor ao cliente, aqueles que não geram valor,
mas são importantes para a manutenção dos processos e da qualidade e, por
último, aqueles que não geram nenhum valor. A seção 2.3 abordará a
diferença entre esses três tipos de atividades e quais devem ser eliminadas;
3) fluxo contínuo: deve-se dar “fluidez” aos processos que agregam valor ao
produto ou serviço, reduzindo o tempo de processamento. Essa etapa deve
ser realizada após o valor ter sido especificado com precisão e os
desperdícios terem sido eliminados. Uma mudança de mentalidade é
essencial nesse ponto;
4) puxar: é a inversão do fluxo produtivo. Ao invés de empurrar produtos aos
clientes, criando enormes estoques, os consumidores puxam o fluxo de valor,
reduzindo a necessidade de estoques;
5) perfeição: é a última etapa da Mentalidade Enxuta. Acontece a melhoria
contínua (kaizen), ou seja, a busca constante pela perfeição de um estado
ideal. Em um sistema enxuto, todos os envolvidos têm conhecimento do
processo todo, sendo mais fácil descobrir maneiras de criar valor e oferecer
um produto que se aproxime cada vez mais do que o cliente deseja.

2.2 PILARES DA PRODUÇÃO ENXUTA


Na literatura, o Sistema Toyota de Produção é muitas vezes representado como
uma “casa”. A analogia baseia-se no fato que uma casa só é forte se todos os componentes dela
também forem fortes: pilares, telhado e o alicerce. Se a conexão entre os componentes for fraca,
o sistema todo é fragilizado (LIKER, 2005).
Na Figura 3, o just-in-time e a autonomação são representados pelos pilares da
estrutura. Esses dois pilares sustentam as metas de melhor qualidade, menor custo e menor lead
time, sendo estes representados pelo telhado. A produção nivelada, conhecida também como
heijunka, o gerenciamento visual, a melhoria contínua, os processos estáveis e padronizados
são, portanto, o alicerce do sistema (GHINATO, 2000; LIKER, 2005; MARCHWINSKI et al.,
2003).
25

Ghinato (2000) e Liker (2005) vão mais além e acrescentam as pessoas no centro
do diagrama, representando um ambiente onde haja segurança e moral aos trabalhadores.
Figura 3 – A estrutura do STP

Fonte: Adaptado de Ghinatto (2000) e Liker (2005).


Nas subseções seguintes serão explicados os dois pilares mencionados
anteriormente.

2.2.1 Autonomação
A autonomação (Jidoka, em japonês) nada mais é do que automação com um
toque humano (LIKER, 2005; OHNO, 1997; SHINGO, 1996).
Liker (2005) conta que esse pilar evoluiu a partir de uma invenção do Sakichi
Toyoda, fundador da empresa Toyoda Automatic Loom Works, empresa-mãe do Grupo
Toyota. Ele desenvolveu um mecanismo especial para parar o funcionamento dos seus teares
toda vez que um fio se rompesse. Com isso, a necessidade de ter um homem para operar cada
tear deixou de existir e foi possível haver uma separação homem-máquina.
A maioria das máquinas na Toyota, seja velha ou nova, está equipada com um
dispositivo de parada automática. Dessa forma, somente quando há uma anormalidade, ou seja,
quando a máquina parar, é que receberá uma atenção humana. Com isso, um único operador
pode supervisionar diversas máquinas, diminuindo o número de trabalhadores e aumentando a
eficiência da fábrica (OHNO, 1997).
26

Na verdade, a ideia principal do Jidoka é impedir o surgimento e propagação de


defeitos, eliminando qualquer anormalidade no processamento e fluxo de produção. Sendo
assim, quando há uma interrupção em uma máquina ou em uma linha de produção, o problema
torna-se visível a todos os envolvidos, desde o operador até os cargos de chefia. Isto gera um
esforço de todas as partes para encontrar a causa raiz do problema e eliminá-la, evitando que
haja uma futura interrupção pelo mesmo motivo (GHINATO, 2000).

2.2.2 Just-in-time
A expressão em inglês just-in-time (JIT) significa “no momento certo”. Esse
termo foi adotado pelos japoneses e surgiu antes mesmo do sistema desenvolvido pela Toyota
(GHINATO, 2000). No entanto, Liker (2005) diz que quando Kiichiro, filho de Sakichi Toyoda,
fundou a Toyota Motor Company fundamentada na filosofia de seu pai, ele também teria
acrescentado suas próprias invenções à empresa, como é o caso da abordagem JIT.
O just-in-time sugere mais do que concentrar no tempo de entrega, visto que isso
poderia estimular a superprodução antecipada e resultar em materiais ou produtos esperando
para serem processados. Como a Toyota também se preocupa com o estoque em processo, o
termo just-in-time é melhor entendido como “itens necessários, na quantidade necessária, no
momento necessário” ou “no tempo certo sem geração de estoque” (SHINGO, 1996).
Deve-se tomar cuidado ao implantar o JIT em uma empresa. Ohno (1997), por
exemplo, alertou sobre a impossibilidade de bom funcionamento do JIT em empresas com
métodos convencionais de gestão. O que ele quis dizer é que ao tentar implantar o JIT em um
ambiente onde haja falha na previsão, erro no preenchimento de formulários, produtos
defeituosos, absenteísmo ou retrabalhos, o resultado seria desastroso e criaria mais
desperdícios.
Ghinato (2000) afirma que o JIT tem como objetivo a identificação, a localização
e a eliminação de perdas, garantindo um fluxo contínuo de produção. O fluxo contínuo, o takt
time e a produção puxada são os três fatores que viabilizam a implantação do JIT. Na Seção 2.4
essas ferramentas serão apresentadas.

2.3 SETE DESPERDÍCIOS


Atualmente, em empresas de todo o mundo, fala-se da eliminação de
desperdícios. De acordo com Ohno (1997, p. 71), "desperdício se refere a todos os elementos
de produção que só aumentam os custos sem agregar valor". Não é por acaso que Womack e
Jones (2004) comentam em seu livro que o principal e mais incisivo crítico do desperdício que
a humanidade já conheceu foi Taiichi Ohno.
27

Embora Ghinato (1996) tenha defendido que há uma diferença fundamental


entre perda e desperdício, a maioria dos autores utilizam-se desses dois termos para se referir
ao mesmo conceito. Nesse trabalho, portanto, assumiu-se que ambas as palavras são sinônimas.
Ohno (1997) deixa claro que considera desperdício tudo aquilo além do trabalho
necessário. Na Equação 1, a soma dessas duas variáveis expressa a capacidade atual de um
indivíduo ou de uma empresa. Para ele, o aumento real da eficiência está ligado à redução
desperdício a zero, levando a porcentagem do trabalho ao 100%.
Capacidade atual = Trabalho necessário + Desperdício (1)
Para obter a eliminação total do desperdício, Ohno (1997) sugere dois
importantes pontos a serem considerados:
a) Só faz sentido aumentar a eficiência quando está associado à redução de
custos. Deve-se produzir somente o necessário com o mínimo de mão-
de-obra;
b) A eficiência deve ser observada para cada operador e para cada linha,
visando melhorar a eficiência em cada estágio e, ao mesmo tempo, na
fábrica inteira.
Segundo Shingo (1996), as empresas devem ver seu lucro de uma perspectiva
diferente do modelo convencional, que é mostrada na Equação 2.
Custo + Lucro = Preço de Venda (2)
Como quem sempre determina o preço é o mercado, a Toyota ignora o modelo
convencional e utiliza o princípio do “não-custo”, que diz que o lucro deve ser visto como a
diferença entre o preço e o custo, conforme destacada na Equação 3:
Lucro = Preço – Custo (3)
Portanto, se uma empresa quer aumentar seus lucros, ela deve focar na redução
dos custos. E a única maneira de alcançar a redução de custo é por meio da eliminação da perda
(SHINGO, 1996).
Alguns estudos incluem a palavra “valor” à definição de desperdício. Womack
e Jones (2004, p. 3), por exemplo, definem desperdício como “qualquer atividade humana que
absorve recursos, mas não cria valor” e afirmam que o pensamento enxuto é um poderoso
remédio para combatê-lo.
Para Hines e Taylor (2000), a remoção dos desperdícios dentro e entre as
organizações é fundamental para criar um fluxo enxuto de valor. Esse assunto será melhor
tratado no Capítulo 3 ao discutir sobre o mapeamento do fluxo de valor.
28

Na Toyota, o termo japonês utilizado para falar sobre perdas é muda, sendo essas
atividades divididas em dois tipos (WOMACK; JONES, 2004):
a) muda (desperdício) tipo 1: atividades que não agregam valor, mas que são
inevitáveis para o processo produtivo;
b) muda (desperdício) tipo 2: atividades que não agregam valor e que devem
ser eliminadas imediatamente.
Na literatura, uma outra nomenclatura é usada para definir o mesmo conceito
dos tipos de muda. As atividades executadas dentro de uma organização podem ser classificadas
em três tipos (HINES; TAYLOR, 2000; LIKER, 2005; WOMACK; JONES, 2004):
a) atividades que agregam valor (VA);
b) atividades necessárias que não agregam valor (NNVA);
c) atividades desnecessárias que não agregam valor (NVA).
As atividades que agregam valor são aquelas que, na visão do consumidor,
tornam o produto mais valioso. As duas últimas podem ser associadas ao desperdício tipo 1 e
tipo 2, respectivamente. Hines e Taylor (2000) afirmam que em um ambiente de manufatura, a
proporção entre esses três tipos de atividades chega a ser 5% de VA, 35% de NNVA e 60% de
NVA.
Sendo ainda mais específico em relação ao desperdício durante o processo
produtivo, Shingo (1996) e Ohno (1997) os classificam em sete categorias:
a) desperdício de superprodução;
b) desperdício de espera;
c) desperdício de transporte;
d) desperdício de processamento;
e) desperdício de estoque;
f) desperdício de movimentos;
g) desperdício de produzir produtos defeituosos.
Posterior à essa classificação, Womack e Jones (2004) acrescentam o projeto de
produtos e serviços que não atendem às necessidades do cliente como sendo um oitavo
desperdício. Liker (2005) também inclui um novo tipo de perda definido como desperdício de
criatividade. Entretanto esse trabalho focará somente nos setes desperdícios originais, pois
Ohno formulou sua lista baseado em uma produção física de manufatura.
A seguir será explicado cada um desses desperdícios.
29

2.3.1 Superprodução
Segundo Monden (2015), a superprodução é considerada como o pior tipo de
desperdício na Toyota. Ghinato (2000) acrescenta que a superprodução pode esconder as outras
perdas, além de ser a mais difícil de ser eliminada.
Shingo (1996) fala em dois tipos de superprodução:
a) quantitativa: fabricar mais produto do que o necessário;
b) antecipada: produzir antes do produto ser necessário.
Muitos gestores focam na redução da superprodução quantitativa, esquecendo
da importância de reduzir também a superprodução antecipada, visto que essa última gera
estoque em processo e, consequentemente, custo para ser mantido e administrado. O método
mais utilizado para eliminação da superprodução é a produção just-in-time (SHINGO, 1996).

2.3.2 Espera
Desperdício por espera é aquele acontece quando em um intervalo de tempo
nenhum processamento, transporte ou inspeção é realizado.
Três tipos de perda por espera são destacados por Ghinato (2000):
a) perda por espera no processo: ocorre quando um lote inteiro aguarda o
término da operação que está sendo executada no lote anterior até que
tudo está disponível para o início da operação;
b) perda por espera no lote: é a espera que cada peça de um lote é submetida
até o momento que todas as peças desse mesmo lote estejam finalizadas
para poderem seguir para o próximo processo;
c) perda por espera do operador: ociosidade gerada quando um operador
precisa permanecer próximo à máquina observando e monitorando o
processo do início ao fim.

2.3.3 Transporte
O transporte, ou movimentação de materiais, é uma atividade que não agrega
valor ao produto, então é considerado um desperdício e deve ser minimizado ou até eliminado.
Em geral, o transporte representa 45% do tempo total de fabricação (GHINATO, 2000;
SHINGO, 1996).
É importante citar que para eliminar ou reduzir esse desperdício, deve-se aplicar
primeiramente melhorias ao processo de transporte, obtidas por meio do aprimoramento do
layout dos processos. Somente após esgotar as possibilidades de aprimoramento do layout deve-
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se olhar para as melhorias nas operações de transporte, como a aplicação de esteiras rolantes,
empilhadeiras, talhas, entre outros (GHINATO, 2000; SHINGO, 1996).

2.3.4 Processamento
Parcelas do processamento que podem ser melhoradas ou até eliminadas sem
prejudicar as características e funções do produto. Ghinato (2000) chama de perda no próprio
processamento quando há situações onde o desempenho do processo está aquém do estado
ideal. Problemas de ajuste de máquinas e manutenção estão inclusas nesse tipo de perda.

2.3.5 Estoque
É o desperdício caracterizado por estoques de matéria-prima, material em
processo e produto acabado. Ocorre devido ao problema da falta de sincronia entre os processos.
Ghinato (2000) comenta que as empresas do ocidente veem o estoque como um
“mal necessário”, enquanto que o STP prefere eliminar os estoques intermediários para
identificar os outros problemas do sistema que estão escondidos atrás dos estoques.

2.3.6 Movimentação
O desperdício de movimentação está relacionado aos movimentos
desnecessários realizados pelos operadores ao executar determinada operação. Ghinato (2000)
defende o uso do estudo de tempos e movimentos para gerar melhorias e eliminar esse tipo de
desperdício.
Em alguns casos a mecanização do processo pode ser a solução para a
racionalização dos movimentos, transferindo para a máquina atividades manuais que antes eram
realizadas pelo operador. É importante ressaltar que as melhorias nas operações via
mecanização só deve ser feita após esgotar as possibilidades de melhoria na movimentação do
operador (GHINATO, 2000).

2.3.7 Produtos defeituosos


O desperdício por produtos defeituosos acontece ao produzir itens que
apresentem características fora dos padrões de qualidade especificados. No STP, é possível
eliminar esse tipo de perda ao aplicar uma sistemática de métodos de controle de qualidade na
fonte, ou seja, atuar na causa raiz do problema (GHINATO, 2000).
Shingo (1996) comenta que nos sistemas de controle de produção convencionais
existem estoques para prevenir problemas com produtos defeituosos, mas não é permitida a
superprodução em nenhuma circunstância, então deve-se impedir a ocorrência dos defeitos por
meio da inspeção. A inspeção preventiva envolve 3 estratégias:
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a) controle na fonte: deve-se controlar os defeitos onde eles ocorrem;


b) auto-inspeção: os próprios operadores são responsáveis por encontrar e
corrigir defeitos oriundos da própria operação;
c) inspeção sucessiva: operadores conferem o trabalho realizados pelos
colegas.

2.4 FERRAMENTAS DA PRODUÇÃO ENXUTA


Como dito anteriormente na Seção 2.1, o sucesso da Toyota deu-se graças a uma
filosofia empresarial e à motivação dos seus funcionários. Portanto é importante compreender
que as ferramentas são apenas um meio ou um auxílio para alcançar a produção enxuta. É bom
lembrar aqui da “casa” do STP.
Muitas ferramentas da produção enxuta são citadas na literatura, a principal e
mais conhecida delas é o Kanban. Ohno (1997) a descreve como a ferramenta que opera o
sistema.
Além do Kanban, Salgado (2009) cita outras importantes ferramentas usadas na
produção enxuta. Dessas, as quatro que apresentaram maior frequência no combate aos
desperdícios foram selecionadas e serão detalhadas a seguir. Logo após, será realizada uma
relação entre os desperdícios e essas ferramentas.

2.4.1 Kanban
O Kanban é a ferramenta para alcançar o just-in-time. Ohno (1997), pai do
sistema, conta que a ideia surgiu a partir de um supermercado, onde após as mercadorias
passarem pelo caixa, as informações sobre os tipos e quantidades de mercadorias são registradas
e passadas ao departamento de compras para que possam suprir com outras mercadorias.
Adotado na Toyota a partir da década de 1950, esse sistema consiste na
utilização de cartões listando o número de determinado item, além de outras informações
relacionadas como quantidade, tempo, método, destino, ponto de estocagem. Dessa forma,
Toyota pôde fazer um gerenciamento das peças fabricadas, trabalhando para evitar que os itens
fossem entregues antes do momento necessário. Como resultado, eles conseguiriam eliminar a
superprodução de suas fábricas (OHNO, 1997).
O kanban é um sistema de sinalização entre cliente e fornecedor que informa ao
processo fornecedor exatamente o que, quanto e quando produzir. Seus principais objetivos são
controlar e balancear a produção, eliminar perdas e permitir a reposição de estoques baseado
na demanda (produção puxada) e ser um método simples de controle visual dos processos.
(GHINATO, 2000).
32

2.4.2 Trabalhar de acordo com o Takt Time / produção sincronizada


Ghinato (2000) comenta que trabalhar de acordo com o takt time é um dos fatores
que viabilizam o just-in-time. Ohno (1997) acrescenta que ao não estabelecer uma produção
sincronizada, a introdução do sistema Kanban se torna muito difícil.
Takt é uma palavra alemã que significa ritmo ou compasso. Na produção, takt
time representa a razão entre o tempo disponível e a demanda do cliente (LIKER, 2005),
conforme é mostrada na Equação 4 a seguir:
Tempo total disponível
Takt time = (4)
Demanda do cliente
Na Toyota, esse conceito está ligado ao balanceamento das operações. Seguindo
a lógica da produção puxada, o fornecedor só produzirá quando houver demanda do cliente.
Portanto, o ideal seria que o tempo de ciclo das operações estejam bem próximas ou iguais ao
takt time (GHINATTO, 2000).
Trabalhar de acordo com Takt Time é uma ferramenta importante para reduzir o
desperdício com a superprodução e a espera.

2.4.3 Fluxo contínuo / redução do tamanho do lote


Assim como trabalhar de acordo com o takt time, criar um fluxo contínuo
também é um fator que viabiliza o JIT. Para Ghinato (2000), o fluxo contínuo pode ser
entendido como a chave para a redução do lead time de produção.
Liker (2005) cita outra importância de criar um fluxo de processo contínuo: o
aumento da qualidade. Apesar de ser preocupante a ideia de criar um fluxo contínuo de
produção e haver uma paralisação da linha quando um problema ocorrer em um dos estágios,
esse método de trabalho traz à tona problemas que antes não eram visíveis, fazendo com que
todos se mobilizem para resolver o problema imediatamente.
A criação de um fluxo contínuo não é algo de fácil implantação, pois são
necessários reorganização e rearranjo do layout fabril, transformando os tradicionais layouts
por função (grupos de máquinas semelhantes) em células compostas por diferentes máquinas
ou processos para a fabricação de uma família de produtos. Outro passo importante em direção
ao fluxo contínuo é a implementação de um fluxo unitário de produção, evitando estoque entre
operações (GHINATO, 2000).
Liker (2005) lista alguns benefícios de adotar essa prática: acréscimo de
qualidade, flexibilidade real, maior produtividade, liberação de espaço, redução do custo de
estoque.
33

2.4.4 Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV)


Para Rother e Shook (2003), o mapeamento do fluxo de valor pode ser “uma
ferramenta de comunicação, uma ferramenta de planejamento de negócios e uma ferramenta
para gerenciar o processo de mudança” (ROTHER; SHOOK, 2003, p. 9).
O MFV consiste basicamente em quatro etapas: a definição de uma família de
produtos a ser estudada, a criação de um desenho do estado atual de um processo por meio da
coleta de dados no chão de fábrica, o desenvolvimento de um estado futuro, em que os
desperdícios são reduzidos ou eliminados e, por fim, a criação de um plano de trabalho e
implementação, explicando como chegar ao estado futuro (ROTHER; SHOOK, 2003).

2.4.5 Aplicação das ferramentas nos desperdícios


Em seu estudo, Salgado (2009) identificou os desperdícios presentes no processo
de desenvolvimento de produtos e elaborou uma associação interessante entre os tipos de
desperdícios e as ferramentas que podem ser utilizadas para mitigar essas perdas. Como esse
trabalho consiste em analisar um caso de manufatura, algumas adaptações foram feitas no
trabalho de Salgado.
O Quadro 1 a seguir exibe as ferramentas utilizadas para identificar, reduzir e
até mesmo eliminar cada tipo de desperdício.
34

Quadro 1 – Aplicação das ferramentas do pensamento enxuto nos desperdícios


Desperdícios Ferramentas
1 Superprodução Mapeamento do fluxo de valor;
Kanban;
Redução de set-up;
Trabalhar de acordo com o takt time/produção sincronizada.
2 Espera Mapeamento do fluxo de valor;
Manutenção produtiva total (TPM);
Trabalhar de acordo com o takt time/produção sincronizada;
Recebimento/fornecimento just in time.
3 Transporte Mapeamento do fluxo de valor;
Tecnologia de grupo;
Fluxo contínuo / redução do tamanho do lote;
4 Processamento Mapeamento do fluxo de valor;
Análise de atividades que agregam valor.
5 Estoque Mapeamento do fluxo de valor;
Desenvolvimento do fornecedor;
Kanban;
Redução de set-up;
Fluxo contínuo / redução do tamanho do lote.
6 Movimentação Mapeamento do fluxo de valor;
5 S;
Fluxo contínuo / redução do tamanho do lote.
7 Produtos defeituosos Mapeamento do fluxo de valor;
Ferramentas de controle da qualidade;
Zero defeito;
Ferramentas poka yoke.
Fonte: Adaptado de Salgado et al. (2009).
Note que o Mapeamento do Fluxo de Valor aparece para todos os casos, pois é
um meio de identificação desses desperdícios.
No capítulo a seguir, o método de utilização dessa ferramenta será explicado
com detalhes.
35

3 MÉTODO DE MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR (MFV)


Esse capítulo apresenta ao leitor os conceitos, as etapas e os benefícios de um
mapeamento, conforme descrito no livro “Aprendendo a Enxergar: mapeando o fluxo de valor
para agregar valor e eliminar o desperdício” de Mike Rother e John Shook.
Para Rother e Shook (2003), o MFV é a mais importante ferramenta para realizar
progressos sustentáveis contra os desperdícios, pois ao criar um mapa para cada fluxo, é
possível enxergar o valor presente, diferenciando-o do desperdício.
Na Toyota, essa ferramenta é conhecida como “Mapeamento do Fluxo de
Informação e Material” e é usada no processo de desenvolvimento dos planos de
implementação dos sistemas enxutos. Para a Toyota, há três tipos de fluxos na manufatura: os
fluxos de materiais, de informações e de pessoas/processo. Nesse capítulo, porém, será
discutido somente os dois primeiros fluxos (ROTHER; SHOOK, 2003).

3.1 CONCEITOS DO MFV


Nessa seção são apresentados alguns conceitos relacionados ao MFV, tais como:
o que é o mapeamento do fluxo de valor, o fluxo de material e de informação, família de
produtos, o gerente do fluxo de valor e como utilizar a ferramenta de mapeamento.

3.1.1 O que é o mapeamento do fluxo de valor


Rother e Shook (2003, p.3) definem o fluxo de valor como “toda ação
(agregando valor ou não) necessária para trazer um produto por todos os fluxos essenciais a
cada produto”. Eles comentam que esse fluxo pode ser enxergado como o fluxo de projeto, que
acontece desde a concepção até o lançamento de um produto, ou como o fluxo de produção
desde a matéria-prima até o consumidor.
O objetivo de mapear o fluxo de valor é enxergar o todo e não só os processos
individuais, é melhor o todo e não só as partes. Percorrer todo o caminho pode ser complicado,
pois o fluxo de valor de um produto pode envolver outras empresas e unidades produtivas. Um
bom começo é realizar esse mapeamento no fluxo de produção de “porta-a-porta”, ou seja, da
chega de materiais dos fornecedores até a entrega para a planta do cliente. A Figura 4 ilustra a
abrangência do fluxo de produção a ser analisado (ROTHER; SHOOK, 2003).
36

Figura 4 – Fluxo de valor de “porta-a-porta”

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.1.2 O fluxo de material e de informação


Ao observar um fluxo de produção (Figura 5), é importante notar não somente o
fluxo de material, mas também o fluxo de informação. Para obter um mapeamento completo, é
necessário tratar ambos com a mesma importância (ROTHER; SHOOK, 2003).
Figura 5 – Fluxo de produção

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.1.3 Família de Produtos


Como o mapeamento do fluxo de valor é realizado segundo a perspectiva do
cliente final, é recomendado que o foco da análise seja baseado em um produto ou uma família
de produtos. Família de produtos pode ser definida como um grupo de produtos que passam por
etapas semelhantes durante o processo e utilizam-se de equipamentos comuns (ROTHER;
SHOOK, 2003).
Em casos onde o mix de produtos é complicado, uma ferramenta conhecida como
Product Family Matrix Analysis (PFMA) pode ser utilizada no agrupamento de produtos por
família. A Figura 6 mostra um exemplo de como deve-se utilizar o PFMA para definir famílias
de produtos.
37

Figura 6 – Família de produtos

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


É vital que essa etapa do trabalho seja bem executada, pois caso as famílias não
forem bem definidas, os benefícios podem ser reduzidos.

3.1.4 O gerente do fluxo de valor


No modelo tradicional de organização das empresas, com departamentos e
funções, desenhar o fluxo de valor completo para uma família de produtos pode ser uma tarefa
complicada de executar. Raramente as empresas terão um responsável por todo o fluxo de valor.
Na maioria dos casos, o que se vê são organizações com fluxos desarticulados, onde cada área
da empresa buscará o modo ótimo para si e não para o todo (ROTHER; SHOOK, 2003).
Para Rother e Shook (2003), uma alternativa é definir um “gerente do fluxo do
valor”, isto é, um responsável pelo entendimento do fluxo de valor e pela sua melhoria. Eles
sugerem que essa pessoa tenha contato com alguém com o poder necessário para realizar
possíveis mudanças.
Rother e Shook (2003) chamam de “kaizen do fluxo” toda melhoria no fluxo de
valor e afirmam que isso só é possível com o envolvimento da gerência (alta administração). O
processo de eliminação de desperdício no nível do chão de fábrica é chamado de “kaizen do
processo”. A Figura 7 mostra essa diferença.
38

Figura 7 – Os tipos de Kaizen

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.1.5 Como usar a ferramenta de mapeamento


O mapeamento do fluxo de valor pode ser visto como uma ferramenta de
comunicação, de planejamento de negócios, e de mudança de processo. Como é uma
linguagem, a maneira mais eficiente de aprender a usá-la é praticar inúmeras vezes até se tornar
algo natural (ROTHER; SHOOK, 2003).
As etapas do mapeamento são mostradas na Figura 8.
Figura 8 – Etapas do MFV

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


A primeira etapa é escolher uma família de produtos, conforme discutido na
seção 3.1.3. A segunda etapa consiste em desenhar o estado atual, feita a partir da visita e da
coleta de informações na produção. Com essas informações em mãos, é possível então
desenvolver um estado futuro. Esses dois últimos passos muitas vezes se alternam (setas duplas
39

entre as etapas), pois algumas ideias para o estado futuro podem surgir no momento em que o
estado atual estiver sendo desenhado, assim como ao desenhar o estado futuro algumas
informações faltantes serão percebidas para serem coletadas. A última etapa é composta pelo
plano de trabalho e implementação. É o preparo e o planejamento para a mudança do estado
atual para o estado futuro (ROTHER; SHOOK, 2003).

3.2 COMO DESENHAR O MAPA DO ESTADO ATUAL


Antes de propor um fluxo de valor enxuto, é preciso analisar a situação presente.
Nessa seção serão relatadas as principais etapas da construção de um mapa do estado atual,
segundo Rother e Shook (2003). Nas etapas que envolvem o desenho do mapa, será utilizado o
mesmo conjunto de ícones desenvolvido por eles, embora qualquer pessoa pode criar sua
própria simbologia para os mapeamentos.

3.2.1 Coleta de informações


Rother e Shook (2003) recomendam que a coleta de informações seja feita
durante caminhadas junto aos fluxos reais de material e informações. Algumas dicas são:
a) é importante iniciar com uma breve caminhada por todo o fluxo de valor
“porta-a-porta” para obter uma visão geral da sequência de processos;
b) como o ritmo deve ser definido pelo cliente, o ideal é entender primeiro
a expedição final e, em seguida, acompanhar os fluxos anteriores;
c) não se deve basear em tempos padrões ou em informações que não forem
obtidas pelo gerente de fluxo, pois tais dados podem não estar refletindo
a realidade atual;
d) é interessante desenhar o mapa à mão e a lápis, pois pode ser feito no
chão de fábrica e permite possível alterações.

3.2.2 Fronteiras do mapa


As duas fronteiras do mapa atual precisam ser definidas de acordo com a análise
que será feita, lembrando que no fluxo de porta-a-porta, essas fronteiras são o fornecimento de
matéria-prima e o cliente final. Inicia-se o mapa representando cliente com o ícone mostrado
na Figura 9, junto com uma caixa de dados que servirá para registrar as necessidades do cliente.
40

Figura 9 – Ícone fábrica e caixa de dados

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.2.3 Processos de produção


Após incluir o cliente final, o próximo passo é desenhar os processos básicos de
produção. Cada processo é representado pelo ícone mostrado na Figura 10. O ideal no mapa de
porta-a-porta é utilizar uma caixa de processo para indicar uma área de fluxo contínuo de
material. Detalhar cada etapa individual de processamento pode dificultar na elaboração do
mapa. Quando os processos são separados e há um acúmulo de material, dois ícones são
indicados.
Figura 10 – Ícone caixa de processo
PROCESSO

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


No topo do ícone deve-se colocar o nome do processo e dentro da caixa, a
quantidade de mão-de-obra. Uma caixa de dados também deverá estar abaixo da caixa de
processo para incluir informações relevantes referentes ao processo. Para melhor compreensão,
esses termos serão explicados de acordo com as definições de Marchwinski et al. (2008) e
Rother e Shook (2003):
a) T/C (tempo de ciclo / “cycle time”): frequência que uma peça ou um
produto é realmente completada em um processo, cronometrada como
observado. Além disso, esse tempo inclui todos os elementos percorridos
por um operador antes de repeti-los;
b) TR (tempo de troca / “change over time”): também conhecido como
tempo de setup, é o tempo necessário para alterar a produção de um tipo
de produto para outro;
41

c) Tempo efetivo de operação da máquina: tempo de ciclo da máquina


junto com o tempo de carregamento e descarregamento, mais o tempo de
troca desmembrado para cada item;
d) Disponibilidade (máquina): a disponibilidade real da máquina é o
tempo percentual que o equipamento trabalha, comparado com o tempo
disponível;
e) TPT (tamanho dos lotes de produção): quantidade de itens presentes
em um lote de produção;
f) Tempo de trabalho (menos os intervalos): é o tempo disponível por
turno em um processo, descontando os intervalos para alimentação,
descansando, limpeza etc. Esse tempo é descrito em segundos;
g) Taxa de refugo: porcentagem da produção de peças defeituosas;

3.2.4 Fluxo de informação


No mapeamento do fluxo de valor, é possível demonstrar o fluxo de informação
que envolve os clientes, o controle de produção da empresa e os fornecedores. No desenho,
também é interessante retratar a maneira como o departamento de controle de produção (PCP)
da empresa informa a produção do que, quanto e quando produzir.
O PCP da empresa é desenhado como uma caixa de processo. Já o fluxo de
informação é desenhado como uma linha estreita reta, quando for manual, e em formato de um
raio, quando for eletrônico. Para identificar e/ou descrever de cada uma das setas, utiliza-se
caixas de textos. Na Figura 11 são mostrados esses ícones.
Figura 11 – Ícones fluxos de informação

fluxo manual fluxo eletrônico


de informação de informação

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.2.5 Fluxo de material


No MFV, o estoque entre processos é representado por um “triângulo de
advertência”, como é mostrado na Figura 12. Esse ícone indicará onde o fluxo de material está
parando. Abaixo de cada triângulo estarão informações da quantidade observada e do tempo do
estoque.
42

Figura 12 – Ícone estoque

E
500 peças
1 dia

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


O fluxo de material acabado, seja ele entre o fornecedor até a empresa ou entre
a empresa e seu cliente, é indicado por uma seta larga. Para deixar o desenho ainda mais
completo, usa-se um ícone para representar como o transporte desse material é realizado. A
Figura 13 exibe esses ícones.
Figura 13 – Ícones fluxo de material acabado e transporte

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


O tipo do fluxo de material pode ser empurrado ou puxado, dependendo de como
ocorre a transferência de material de um processo para o processo seguinte. É importante deixar
claro qual é o tipo de fluxo, por isso ícones diferentes são usados para cada caso. A seta listrada
da Figura 14 indica o fluxo de material por produção empurrada.
Figura 14 – Ícone fluxo produção empurrada

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


Quanto ao fluxo de material por produção puxada, diversos ícones são usados e
serão mostrados adiante no Anexo.

3.2.6 Linha do tempo


Para concluir o mapa do estado atual, uma linha do tempo (Figura 15) é
desenhada abaixo das caixas de processo e dos ícones de estoque para registrar o lead time de
produção, ou seja, o intervalo de tempo que o item percorre desde sua chegada como matéria-
prima até o momento que está liberado para ser entregue ao cliente.
As empresas, hoje em dia, buscam reduzir o seu lead time de produção, pois
menor será o tempo entre pagar pela matéria-prima e receber pelo produto acabado.
43

Figura 15 – Ícone linha do tempo


LT
TAV

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


O tempo de agregação de valor do produto também é calculado no final da linha
do tempo por meio da soma dos tempos de processo e pode gerar uma surpresa ao compará-lo
ao lead time de produção.
Na Figura 16, observa-se um exemplo de mapeamento de fluxo de valor
completo.
Figura 16 – Modelo de mapeamento de um fluxo de valor

CONTROLE DA
PRODUÇÃO
Fornecedor Cliente

100 itens

Programação Semanal

Segundas-
feiras Programação Diária Entregas
diárias

E E E
E Processo 1
25 peças
Processo 2
50 peças
Processo 3
30 peças
Expedição
10 dias

Lead time de
produção
Tempo de
processamento

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

3.3 COMO DESENHAR O MAPA DO ESTADO FUTURO


O grande objetivo de mapear o fluxo de valor é identificar as fontes de
desperdícios e eliminá-los por meio da implementação de um estado futuro. Rother e Shook
(2003) elaboraram algumas questões-chaves que auxiliam e servem como um guia na
construção do mapa do estado futuro. São elas:
Questão 1. Qual é o takt time para a família de produtos escolhida?
O cálculo do takt time já foi descrito na Equação 4 na subseção 2.4.2.
O tempo de ciclo do processo puxador deve sempre ser menor que o takt time,
para poder atender o seu cliente. Todavia, uma distância significativa entre esses tempos indica
44

a existência de problemas de paradas não planejadas na produção, por isso é importante buscar
sempre uma redução entre essa distância para eliminar problemas com paradas.
Questão 2. Produzir para um supermercado (Kanban) de produtos acabados ou
diretamente para a expedição?
Ambos os casos são possíveis e devem ser analisados, pois envolvem diversos
fatores, tais como os padrões de compra dos clientes, a confiabilidade dos processos e as
características dos produtos.
Optar por produzir diretamente para a expedição exige um lead time curto ou
estoques de segurança para atender satisfatoriamente o cliente.
Questão 3. Onde é possível usar o fluxo contínuo?
Na seção 2.4.3 foi apresentado o que é o fluxo contínuo. Rother e Shook (2003)
destacam que o fluxo contínuo é o modo mais eficiente de produção, pois evita que a presença
de estoques intermediários entre “ilhas isoladas” de processo.
O gráfico de balanceamento de operações é útil na análise de tempos e ajuda na
criação de fluxo contínuo entre processos.
Questão 4. Onde é possível introduzir um sistema puxado com supermercados
(Kanban)?
Em alguns pontos do fluxo de valor não será possível fabricar por meio de um
fluxo contínuo e, por isso, será necessário fabricar em lotes. Isso pode acontecer porque alguns
processos possuem tempos de ciclo muito rápidos ou lentos, ou porque estão distantes um do
outro, o que dificulta o transporte peça a peça, como também podem não ser confiáveis para
ligar-se a outros processos dentro de um fluxo contínuo.
Deve-se evitar programação esses processos de forma independente, pois a
programação somente estima o que o processo subsequente precisa. Nesses casos, o mais
correto é controlar a produção mediante um sistema puxado baseado em supermercados.
O funcionamento de um sistema puxado com supermercado é simples, o
processo cliente (B, na Figura 17) vai até o supermercado e retira o que precisa no momento
que achar necessário. O processo fornecedor (A, na Figura) começa então a produzir para repor
aquilo que foi retirado. Esse sistema tem como grande objetivo controlar a produção entre os
fluxos sem tentar programar.
45

Figura 17 – Sistema puxado com supermercado


Kanban de produção Kanban de retirada

Processo Processo
fornecedor cliente

A produto produto
B
Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)
Vale ressaltar que esse sistema deve ser usado somente quando for descartada a
possibilidade de introduzir um fluxo contínuo, visto que esses supermercados não deixam de
ser estoques entre processos que exigem movimentação de material.
Questão 5. Qual é o único ponto da cadeia de produção (processo puxador) que
deve ser programado?
Ao usar o sistema puxado com supermercado, apenas um ponto do fluxo de valor
exigirá uma programação. Esse ponto é chamado de processo puxador e definirá o ritmo de
todos os processos antecedentes.
A definição desse ponto de programação determinará quais processos do fluxo
de valor que farão parte do lead time do pedido do cliente até o produto estar acabado. As
transferências de material entre o processo puxador até chegar ao produto final deve ocorrer
como um fluxo, sem supermercados em processos seguintes. Assim sendo, geralmente esse
ponto é escolhido para estar entre os últimos processos do fluxo de valor.
Questão 6. Como deve-se nivelar o mix de produção no processo puxador?
Um comportamento frequente em departamentos de montagem é a produção de
grandes lotes de um tipo de produto, evitando ao máximo as trocas. Entretanto, esse pensamento
resulta em graves problemas para o fluxo de valor.
Visando atender clientes que desejarem um produto diferente daquele que está
sendo produzido, a empresa precisará ter produtos acabados em estoque, caso contrário, o
pedido do cliente demorará a ser finalizado. Outro ponto a ser ressaltado, é o aumento dos
estoques em trânsito em processos anteriores, visto que a variação na programação da
montagem é amplificada (“efeito chicote”).
Por fugir desse cenário ruim para o fluxo de valor, nivela-se o mix de produtos,
de forma que diferentes produtos sejam produzidos uniformemente durante um período de
46

tempo. Quanto mais nivelado for o mix de produto no processo puxador, mais responsivo a
empresa será em atender o cliente com um lead time curto, mantendo sempre um baixo estoque
de produtos acabados.
O grande desafio está em reduzir o tempo de troca, fazendo com que as variações
de cada tipo de produto impactem o mínimo possível na linha.
O ícone usado para demonstrar o nivelamento de produtos pode ser consultado
no Anexo.
Questão 7. Qual incremento constante de trabalho deve ser liberado e retirado
do processo puxador?
Liberar grandes lotes de trabalho para os processos pode acarretar em inúmeras
adversidades no chão de fábrica, como:
a) não criar o hábito de produzir de acordo com o takt time;
b) trabalhar de maneira irregular no decorrer do tempo, com sobrecargas em
alguns momentos e ociosidade em outros;
c) não saber se a produção está atrasada ou adiantada em relação à
programação;
d) cada processo pode alterar a sequência dos pedidos conforme seu
interesse, o que aumentaria o “lead time” de produção;
Por outro lado, caso estabeleça-se um ritmo de trabalho nivelado, haverá um
fluxo de produção previsível. Para atingir um ritmo consistente, Rother e Shook (2003) citam
uma prática chamada de “retirada compassada”, que consiste na liberação regular quantidades
pequenas de trabalho no processo puxador e na retirada de produtos acabados.
Esse acréscimo periódico de trabalho é chamado de “pitch” e é calculado
multiplicando a quantidade de peças acabadas que um container carrega pelo takt time. O
resultado desse cálculo, em minutos, indica o intervalo de tempo ideal para que seja dada a
ordem de produção de produtos que farão parte do próximo container de entrega.
Uma ferramenta utilizada em muitas empresas para viabilizar essa liberação de
pequenas e constantes quantidades de trabalho é o quadro de nivelamento de carga (em japonês,
heijunka). A função desse quadro é organizar os cartões kanban para cada tipo de produto e
para cada pitch de trabalho. Dessa forma, o kanban indicará não só quantidade de produtos,
mas também o tempo necessário (baseado no takt time).
47

Questão 8. Quais melhorias de processos serão necessárias para o fluxo de valor


funcionar conforme está descrito no desenho do estado futuro?
Para responder essa questão, registra-se todas as melhorias nos equipamentos e
procedimentos que serão necessários para atingimento do estado futuro. Essas melhorias
também são chamadas de necessidades kaizen. Alguns exemplos são: redução no tempo de
troca, redução do tamanho do lote, redução do tempo de operação, redução de refugos, entre
outros.

3.4 IMPLEMENTAÇÃO DO ESTADO FUTURO


É fundamental destacar que o MFV é uma ferramenta da produção enxuta.
Utilizar essa ferramenta somente para descrever a situação atual e não atingir uma situação
proposta é uma prática improdutiva.
O plano para implementar o estado futuro do fluxo de valor pode ser descrito
com os seguintes documentos:
a) mapa do estado futuro;
b) qualquer mapa detalhado do processo e/ou layout;
c) plano anual do fluxo de valor.
Na maioria dos casos, não será possível implementar o estado futuro em um
único passo, por isso procura-se dividir a implementação em etapas.
Uma dica citada por Rother e Shook (2003) consiste em dividir o mapa do fluxo
do estado futuro em segmentos ou em “loops”, como por exemplo, o loop puxador. O loop
puxador inclui o fluxo de material e de informação entre o cliente e o processo que puxa a
produção, que recebe a programação e dita o ritmo dos processos anteriores.
Os loops adicionais são aqueles que estão antes do loop puxador. Segmentá-los
é uma excelente opção para dividir em etapas a implementação do estado futuro.

3.4.1 O plano anual do fluxo de valor


O plano do fluxo de valor mostra o planejamento do que fazer e quando, passo
a passo.
Para escolher o ponto inicial da implementação, é sugerido olhar para os loops
anteriormente definidos, a fim de identificar onde o processo está bem entendido, onde a
probabilidade de sucesso é maior e onde haverá um grande impacto financeiro.
Rother e Shook (2003) sinalizam que começar pelo processo puxador é uma boa
estratégia, pois ele servirá como cliente interno e controlará a quantidade de itens produzidos.
48

Além disso, torná-lo enxuto revelará problemas nos processos precedentes que precisarão ser
resolvidos.
O plano anual do fluxo de valor assemelha-se ao gráfico de Gantt, pois possui
setas que indicam o tempo necessário para realizar determinada etapa do projeto. A Figura 18
é um exemplo de como esse documento pode ser feito.
Figura 18 – Modelo de um plano do fluxo de valor
DATA 26/09/2017
ASSINATURAS
GERENTE DA PLANTA ENGENHARIA MANUTENÇÃO
GERENTE DA PLANTA Rafaela PLANO ANUAL DO FLUXO DE VALOR
GERENTE DO FLUXO DE
Marcos
VALOR
OBJETIVO DO NEGÓCIO 2017 PROGRAMAÇÃO MENSAL INDIVÍDUOS E PROGRAMAÇÃO DA REVISÃO
OBJETIVO DO META PESSOA
DA FAMÍLIA DE LOOP F.V. DEPARTAMENTOS
FLUXO DE VALOR (Mensurável) RESPONSÁVEL
PRODUTOS 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 RELACIONADOS REVISOR DATA

Criar um sistema de
1
supermercado 1 dia de estoque
puxador
(kanban)

Aumentar a eficiência na Criar um fluxo Estoque zero


2
produção contínuo entre etapas

3
fornecedor

FAMÍLIA DE PRODUTOS

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


49

4 ESTUDO DE CASO
Este capítulo tem por objetivo descrever o estudo de caso com a aplicação das
etapas do Mapeamento do Fluxo de Valor (MFV) mostrados no capítulo 3.
Inicialmente, a empresa é caracterizada. Feito isso, é apresentada uma descrição
dos produtos e do processo produtivo que foi analisado. São levantados os dados necessários
para a construção do mapa do estado atual. Por fim, são discutidas e sugeridas possíveis
melhorias visando a redução de desperdícios, tendo como resultado o mapa do estado futuro
proposto.

4.1 DESCRIÇÃO DA EMPRESA


O presente estudo foi realizado em uma empresa fabricante de ônibus do interior
de São Paulo. A planta principal situa-se em uma área de 400 mil m² e possui um efetivo de
cerca de 3000 colaboradores. Sua capacidade produtiva pode chegar a 40 ônibus ao dia.
Em seu catálogo de produtos constam diversos modelos de ônibus urbanos,
mídis, micros, minis, rodoviários, articulados, biarticulados, entre outros. Além do modelo, os
clientes podem escolher diversos opcionais que farão parte da sua carroceria, o que torna os
produtos da empresa altamente customizáveis. Alguns exemplos desses opcionais são: catraca,
elevador, tipo de janelas, revestimento do piso, ar-condicionado e poltronas.
No caso das poltronas, a empresa adotou a estratégia de produzi-las internamente
em um galpão separado à linha de produção de ônibus.

4.2 DESCRIÇÃO DOS PRODUTOS E DO PROCESSO PRODUTIVO


O galpão destinado à fabricação de poltronas, por possuir entrada de matéria-
prima e saída de produto acabado, pode ser tratado como uma empresa à parte. Conforme
discutido na seção 3.1.1., realizar o mapeamento em um fluxo de produção de “porta-a-porta”
é a maneira ideal de começar a utilizar o MFV.
Além de poltronas, a área também é utilizada para se fabricar outros opcionais
dos ônibus, porém estes itens foram descartados do estudo por possuírem um volume de
produção muito menor.
A Figura 19 ilustra de forma simplificada os três processos produtivos da fábrica
de poltrona. O processo produtivo inicia-se na etapa de fabricação da estrutura, onde ocorre a
transformação de chapas e tubos de aço no “esqueleto” da poltrona; em seguida, a estrutura é
recebe um pré-tratamento químico apropriado, avança para a aplicação da tinta em pó, e em
seguida é curada termicamente; por fim, as estruturas passam pela montagem, onde são
50

revestidas de acordo com o pedido do cliente final, que pode variar de simples conchas de
plásticos até estofamentos de algodão e tecidos especiais.
Figura 19 – Fluxo simplificado de produção das poltronas

Fonte: O autor (2017)


O foco desse trabalho foi a aplicação do MFV no setor de fabricação da estrutura,
visto que possui um fluxo confuso e complicado se comparado aos outros dois processos,
resultando na maior parte dos desperdícios de produção da fábrica de poltronas. A identificação
desses desperdícios e a futura aplicação de práticas enxutas poderá trazer resultados
significativos para todo o fluxo produtivo desse item.
A área está dividida fisicamente em estoque de matéria-prima, célula de corte,
célula de dobra, boxes de solda, área para armazenagem de estruturas prontas, além de espaços
vazios e espaços destinados à fabricação de outros itens desconsiderados nesse estudo. Cada
modelo de poltrona segue um fluxo produtivo diferente e, por isso, é necessário definir a família
a ser estudada antes de iniciar o mapeamento, conforme sugerido na seção 3.1.3.
A Figura 20 apresenta o layout atual da área de fabricação de estruturas.
Figura 20 – Layout atual da fábrica de estruturas de poltronas

Fonte: O autor (2017)


51

Foi levantado que a empresa oferece 13 modelos de poltronas de passageiros.


Esse número é reduzido a 9 tipos de estruturas, visto que dois ou mais modelos de poltronas
podem ter o mesmo formato estrutural e diferentes revestimentos.
A escolha da família de produtos estudada foi definida com base na demanda.
Por meio da análise de dados dos últimos 6 meses, verificou-se que a família de poltronas
revestidas com conchas de plástico injetado representou cerca de 2/3 da produção e, por isso,
foi escolhida.
As estruturas das poltronas dessa família são formadas a partir da montagem de
7 principais componentes:
a) encosto (1 ou 2 unidades);
b) peças para fixação da concha (4 ou 8 unidades);
c) quadro (1 unidade);
d) apoia pé (1 unidade);
e) apoia braço (1 unidade);
f) base de fixação no assoalho (1 unidade);
g) base de fixação no rodapé (1 unidade).

4.3 MAPA DO ESTADO ATUAL NA EMPRESA


Nessa seção serão discutidos os fluxos atuais de material e de informação para a
família de estruturas de poltronas definida anteriormente. A Seção 3.2 serviu como base para a
realização do mapa que representa o estado atual.
A coleta de dados aconteceu durante diversas visitas ao chão de fábrica e por
meio de conversas com os gestores e colaboradores da área. Os tempos dos processos foram
cronometrados pelo autor durantes essas visitas, evitando assim se basear em tempos obtidos
previamente por outras pessoas. É importante ressaltar que o MFV do estado atual foi
desenhado progressivamente durante as caminhadas junto aos fluxos e depois foi refeito
digitalmente para se tornar mais apresentável ao trabalho.
Além disso, para tornar a descrição do estado atual mais compreensível e simples
possível, optou-se por inserir os dados de tempo de processamento e estoque somente no mapa
no final dessa seção.
Seguindo a mesma sequência de Rother e Shook (2003), o mapeamento do fluxo
apresentado nesse trabalho começa pelo consumidor. O cliente do setor de fabricação de
estrutura é a pintura, entretanto a demanda de poltronas é determinada pelo cliente da fábrica
de poltronas, ou seja, a linha de produção de ônibus. É difícil, porém, determinar com exatidão
52

o consumo diário de poltronas, já que a empresa produz sob encomenda e o mix produtivo é
alterado constantemente. Para quantificar essa demanda, calculou-se a média de produção diária
da família de produtos com base em dados dos últimos 6 meses.
O transporte das estruturas até a pintura é realizado quando todas as poltronas da
encomenda já estiverem finalizadas e prontas para serem pintadas. Para realizar esse transporte,
utilizam-se carrinhos que são carregados e empurrados por um operador até a entrada da
pintura, onde muitas vezes enfrentam filas até surgir um espaço disponível na pintura.
O próximo passo foi desenhar os processos de produção. Foi observado que
durante o fluxo há “ilhas isoladas”, resultando em acúmulos de estruturas entre os processos.
Por isso, foram desenhadas caixas de processos diferentes para etapas que são separadas e não
possuem um fluxo contínuo de material.
O primeiro processo produtivo ocorre na célula de corte, onde a matéria-prima,
que são tubos de diferentes dimensões, é transformada pelas serras CNC. Esse material pronto
fica armazenado em uma área de estoque na própria célula de corte até o momento que o
processo seguinte precisa utilizá-lo.
No segundo processo, o material entra na célula de dobra, onde é conformado
por dobradeiras CNC. O material pronto é armazenado próximo aos boxes de solda, facilitando
ao soldador o transporte desse material até sua bancada.
Nos boxes de solda ocorrem 7 etapas produtivas para a família de poltronas desse
estudo. Algumas atividades são executadas em paralelo, visto que o encosto e o quadro são
montados separados e depois são soldados um ao outro.
Começando pelo encosto, a primeira atividade consiste na montagem e no
ponteamento de solda das peças de fixação da concha e dos reforços estruturais no encosto.
Depois disso, a estrutura aguarda em uma fila até ser pega pelo próximo soldador. Na atividade
subsequente, os componentes que foram ponteados anteriormente são soldados por completo.
Paralelamente em uma outra bancada de solda, o quadro é montado e soldado
com o auxílio de um gabarito. Os quadros são acumulados antes dos próximos soldadores virem
buscá-los. Na etapa seguinte, o soldador ponteia a base de fixação do assoalho e a base de
fixação do rodapé no quadro. Em seguida, esses componentes que foram ponteados recebem a
solda completa.
Por fim, é realizada a união do encosto e do quadro em duas bancadas. Na
primeira bancada ocorre a montagem e o ponteamento dos encostos no quadro com o auxílio
de um gabarito, assim como o ponteamento do apoia pé. A estrutura estará finalmente finalizada
após receber toda a solda nas áreas onde foram ponteadas. A estrutura pronta aguarda em uma
53

área reservada, onde permanecerá até todas as outras poltronas da sua encomenda estarem
finalizadas.
No início do mapa estão os fornecedores da fábrica de poltronas. Os dois
principais são o fornecedor de tubos de aço e o setor de fabricação de peças, que funciona como
fornecedor interno.
Para obter informações em relação aos fornecedores, o departamento de
planejamento e controle da produção (PCP) da empresa foi consultado.
Dos sete componentes necessários para montar uma poltrona, quatro deles são
fabricados a partir da matéria-prima do fornecedor de tubos, são eles: encosto, quadro, apoia
braço e apoia pé. Os outros três componentes são entregues prontos pela logística da empresa,
não necessitando passar por nenhuma transformação antes de serem montados à poltrona.
O fornecedor de tubos de aço realiza a entrega da matéria-prima semanalmente.
Os tubos são levados à área de estocagem e são utilizados pela célula de corte. A cobertura do
estoque foi calculada dividindo o estoque máximo alcançado (logo após o fornecedor realizar
uma entrega) pela demanda diária da família de poltronas.
O outro fornecedor considerado para esse estudo foi o setor de fabricação de
peças. Por se tratar de um fornecedor interno, o suprimento dos itens é feito pela logística da
empresa utilizando carrinhos. Pelo menos dois carrinhos são necessários, visto que enquanto
um estiver estacionado em um local de armazenagem na fábrica de poltronas, o outro estará no
fornecedor sendo abastecido para futuramente ser usado.
Durante todo o fluxo produtivo do estado atual, ocorre a formação de estoque
desnecessários entre as etapas. Para mensurar esse estoque, será registrada no mapa a média da
quantidade observada durante as visitas, assim como será calculado o tempo de espera (em dias)
dividindo a quantidade em estoque pela média da demanda diária.
Em relação ao fluxo de informação, o departamento de planejamento e controle
da produção utiliza duas programações diferentes para determinar o que, quanto e quando
produzir. A programação semanal, que é passada ao setor de corte de tubos, e a programação
diária, que é informada ao setor de solda.
Essa informação é passada manualmente para ambos os setores.
O fluxo produtivo do estado atual descrito acima foi representado em forma de
um diagrama de espaguete, como pode ser visto na Figura 21.
54

Figura 21 - Layout e fluxo produtivo atual

Fonte: O autor (2017)


O mapa do estado atual pode ser visto na Figura 22 a seguir.
55

Figura 22 – Mapa do estado atual

Fonte: O autor (2017)


56

4.4 MAPA DO ESTADO FUTURO NA EMPRESA


Nessa seção são descritas as melhorias que devem ser consideradas para a
construção do MFV proposto, assim como foi apresentado o mapa do estado futuro. O objetivo
desse mapa é ilustrar como o fluxo produtivo pode ficar mais enxuto se os desperdícios forem
eliminados.
Algumas características do estado atual provavelmente não podem ser mudadas
imediatamente por exigirem um estudo à parte quanto ao payback de um possível investimento,
como por exemplo a mudança de layout do setor. Porém, para o MFV do estado proposto, foi
considerado que o processo pode ser reorganizado e redefinido da melhor maneira para a
construção de um estado futuro ideal.
Para auxiliar na elaboração deste mapa foram utilizados os mesmos
questionamentos apresentados na subseção 3.3 desse trabalho:
Questão 1. Qual é o takt time para a família de produtos escolhida?
Para o cálculo do takt time das poltronas injetadas, foi utilizada a Equação 4, já
apresentada nesse trabalho. O tempo disponível considerado foi um turno de 8 horas e 48
minutos menos 10 minutos que são utilizados para limpeza do setor. Convertendo esse tempo
para minutos, chega-se a 518 minutos diários.
A demanda média atual para a família de poltronas escolhida é de 300 poltronas
por dia, podendo variar de acordo com o mix produtivo da linha de produção de ônibus.
O takt time é calculado a partir dessas informações:
518 (min) × 60 (s/min)
Takt time =
300 (𝑢𝑛𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒𝑠)
Takt time = 104 segundos
O valor resultante do cálculo é de 104 segundos. Isto significa que o tempo de
ciclo não pode ser maior que 1 minuto e 44 segundos, pois poderá acarretar em atrasos no
sistema produtivo. Por outro lado, possuir um tempo de ciclo muito abaixo do takt time resultará
em excesso de produção e no surgimento de desperdícios. O tempo ideal de ciclo é ser menor,
porém estar bem próximo do valor calculado do takt time.
Questão 2. Produzir para um supermercado (Kanban) de produtos acabados ou
diretamente para a expedição?
Apesar das poltronas da família escolhida passarem pelos mesmos processos
produtivos e possuírem os mesmos componentes, algumas características como a altura e o
formato da base de fixação no assoalho varia significativamente de acordo com o modelo do
ônibus, o lado e o lugar que a poltrona será posicionada dentro do veículo.
57

Nesse caso, criar um supermercado para os produtos acabados torna-se uma


tarefa mais complicada ou até ineficaz. Portanto, deve-se produzir diretamente para a
expedição.
Questão 3. Onde é possível usar o fluxo contínuo?
Ao avaliar o MFV do estado atual, pode-se observar que a célula de corte e a
célula de dobra produzem diversos componentes da família de produtos escolhida. Além disso,
também fabricam componentes de outras poltronas que não fizeram parte desse estudo. Por
isso, aplicar o fluxo contínuo entre essas duas células e entre a célula de dobra e a solda não é
viável.
Nos boxes de solda, essa prática é possível devido à similaridade das atividades
executadas nesse local. Com isso, a poltrona poderia passar diretamente de uma bancada de
solda para a próxima ou até mesmo ir avançando em uma linha de montagem. O fluxo contínuo
nessas etapas pode ser conquistado por meio da análise de tempo e no balanceamento de
operações.
O gráfico de balanceamento das operações pode ser visto na Figura 23. Esse
gráfico mostra o tempo de ciclos das operações de solda.
Figura 23 – Gráfico de Balanceamento de Operações (atual)

Fonte: O autor (2017)


O takt-time de produção varia diariamente, visto que a demanda da família de
poltronas escolhida não é constante. Visando sempre atender a demanda, a quantidade de
operadores para cada operação é definida previamente pelo gestor da área.
58

Para criar o fluxo contínuo nessa área, é necessário balancear essas operações
para não haver a criação de estoques entre as etapas.
Dividindo o tempo total de trabalho de solda pelo takt-time para o caso de 300
poltronas diárias (830 segundos dividido por 104), tem-se que 7,9 operadores seriam
necessários para soldar em um fluxo contínuo. Dessa forma, as 7 etapas atuais precisariam ser
redistribuídas em 8 etapas, para que cada soldador trabalhasse em uma dessas etapas e passasse
a poltrona para um soldador próximo a ele.
A Figura 24 a seguir como ficaria o balanceamento das etapas de solda.
Figura 24 – Gráfico de Balanceamento de Operações (proposto)

Fonte: O autor (2017)


Como o tempo de ciclo do processo está bem próximo do takt-time, qualquer
atraso em uma das operações poderia comprometer a produção diária. Para evitar problemas
nesse cenário, a empresa teria duas opções: optar por redefinir os cálculos para 9 etapas, o que
tornariam os operadores subutilizados ou realizar melhorias no processo para reduzir o
conteúdo de trabalho para cada operador.
Outro possível ponto de criar um fluxo contínuo é entre a finalização da solda e
a pintura à pó. Para isso, é necessário alterar o processo atual de transporte das poltronas
concluídas. Ao invés de transportá-las somente quando toda a encomenda estiver pronta, pode-
se transportar uma a uma por meio de algum mecanismo que facilite o transporte direto dos
boxes de solda até à pintura, de modo a não se acumularem em um estoque de poltronas prontas.
59

Questão 4. Onde é possível introduzir um sistema puxado com supermercados


(Kanban)?
Conforme discutido anteriormente na Questão 3, não é possível estabelecer um
fluxo contínuo entre a célula de corte e a célula de dobra, tampouco entre a célula de dobra e a
solda. Nesses dois pontos, continuar fabricando em lotes pode ser a melhor solução, entretanto
um aprimoramento do controle da produção pode ser feito ao utilizar um sistema puxado
organizado por supermercados.
Esse sistema se iniciaria quando o operador do processo cliente, ou seja, o
soldador da solda 1 retiraria do supermercado a quantidade necessária para aquele momento. O
processo fornecedor, ou seja, a célula de dobra produziria para fazer a reposição do seu estoque.
O mesmo aconteceria entre a célula de dobra e a célula de corte.
Questão 5. Qual é o único ponto da cadeia de produção (processo puxador) que
deve ser programado?
Para esse estudo de caso, o processo puxador será o processo solda. Esse ponto
receberá a programação diária e ditará o ritmo da produção de poltronas. Entre a solda e a
pintura, que é o processo cliente, a transferência de produtos deve ocorrer como um fluxo, sem
supermercados ou qualquer tipo de puxada.
Questão 6. Como deve-se nivelar o mix de produção no processo puxador?
Como citado anteriormente, a empresa fabrica seus ônibus sob encomenda e o
cliente escolhe a quantidade e tipo de poltronas. Atualmente, depois da solda todas as poltronas
de um ônibus começam a serem transportadas juntas, para facilitar na organização de
pagamento à pintura e à montagem e no controle visual do que já foi produzido.
Nivelar a produção entre diferentes pedidos não será uma boa ideia, visto que
todas poltronas de uma encomenda devem estar prontas para serem levadas até a linha de
produção da planta principal assim que necessário. Isso resultaria em atrasos no pagamento à
linha de ônibus ou em estoques desnecessários no setor de montagem, logo após a pintura.
Pode-se buscar, entretanto, uma estratégia para tentar nivelar a produção dentro
de uma encomenda. Isso quer dizer que as poltronas especiais presentes em quase todas os
ônibus urbanos, como a poltrona de obeso e a poltrona escamoteável para acompanhantes dos
cadeirantes, começariam a ser produzidas no mesmo fluxo das poltronas normais, deixando de
serem fabricadas por soldadores específicos.
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Questão 7. Qual incremento constante de trabalho deve ser liberado e retirado


do processo puxador?
É importante definir um ritmo de trabalho nivelado para criar um fluxo de
produção previsível. Ao invés de liberar todas as encomendas do dia de uma única vez, como
é feito hoje, a empresa pode adotar a prática da “retirada compassada” e começar a liberar
somente uma encomenda por vez.
No caso da fábrica de poltronas, o incremento de trabalho (pitch) é o resultado
da multiplicação do takt time de 104 segundos pela quantidade de 20 poltronas por ônibus,
resultando em 35 minutos. Ou seja, 35 minutos é intervalo ideal para ser liberada a próxima
encomenda.
Uma das maneiras de liberar os incrementos de trabalho é utilizando um quadro
de nivelamento de carga (heijunka box). No quadro para somente essa família de produto,
existiram 15 colunas (ou mais, caso haja aumento da produção) com os horários somando os
pitch, como por exemplo: 7h00, 7h35, 8h10. Embaixo de cada horário estaria um cartão com
as informações do que deve ser produzido.
Na prática o funcionamento seria da seguinte maneira: a cada 35 minutos, um
operador pegaria um cartão no heijunka box e iria até os supermercados da célula de corte e da
célula de dobra. Lá, recolheria todo o material necessário e traria para produzir a encomenda
descrita no cartão.
Outra vantagem dessa técnica é que qualquer atraso no andamento seria visível
e chamaria a atenção. Assim, a empresa teria que agir para descobrir a razão do problema que
atingiu sua produção (por exemplo, problema na máquina de solda).
Questão 8. Quais melhorias de processos serão necessárias para o fluxo de valor
funcionar conforme está descrito no desenho do estado futuro?
Para viabilizar o fluxo de material e informação que está sendo discutido para a
empresa, as seguintes melhorias são necessárias no processo:
• Eliminação do desperdício nos boxes de solda para reduzir o tempo de
trabalho total, permitindo que 8 operadores atendam, sem riscos, a demanda
atual;
• Mudança do layout atual, trazendo a área da célula de dobra mais próximo
possível da célula de corte, visto que todos os tubos que são dobrados são
fornecidos pela célula de corte;
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• Redução do tempo de troca e do tamanho de lotes na célula de corte e célula


de dobra, de forma a responder mais rapidamente à demanda do processo de
solda e evitar estoques desnecessários;
• Alteração do sistema de transporte das poltronas à pintura, reduzindo
drasticamente o estoque de produtos finalizados.
O layout sugerido como melhoria do processo pode ser visto na Figura 25 a
seguir, junto com o fluxo produtivo proposto. O rearranjo físico foi pensando visando diminuir
o deslocamento no transporte do produto e também nas movimentações de pessoas. Esses
desperdícios não são perceptíveis no mapa do estado atual, mas ficam claros por meio do
diagrama de espaguete.
Figura 25 – Layout e fluxo produtivo proposto

Fonte: O autor (2017)


Por fim, a Figura 26 traz o mapa do fluxo de valor completo do estado futuro,
com as mudanças nos fluxos de material, de informação e as necessidades de melhoria citadas
anteriormente.
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Figura 26 – Mapa do estado futuro

Fonte: O autor (2017)


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Uma boa maneira de comparar o desempenho do estado atual e o estado proposto


é observar três indicadores destacados nos mapas (lead time, estoques intermediários e tempo
de processamento) mais o deslocamento evidenciado pelos diagramas de espaguete.
O Quadro 2 a seguir apresenta esse resultado.
Quadro 2 – Quadro comparativo de desempenho
Indicador Estado atual Estado proposto Redução
Lead time 12,3 dias 9,2 dias 25%
Estoques intermediários 1859 poltronas 640 poltronas 65%
Tempo de Processamento 1017 segundos 1017 segundos -
Deslocamento 120 metros 80 metros 33%
Fonte: O autor (2017)
Vale ressaltar que o lead time de ambos os estados inclui o tempo que a matéria-
prima aguarda no almoxarifado de tubos, o que representa 6 dias. Esse período pode ser
reduzido realizando um trabalho junto ao fornecedor para realizar entregas mais frequentes e
em quantidades menores, o que diminuiria o estoque a ser administrado e o espaço físico
necessário para essa área.
Em relação aos estoques intermediários, o ganho proposto é significativo devido
à eliminação de grande parte da superprodução antecipada antes do processo de solda.
É importante destacar também que o tempo de processamento foi considerado o
mesmo para os dois estados. Todavia, ao transformar o processo de solda em um fluxo contínuo,
como uma linha de produção, é possível que esse valor seja reduzido devido a economia de
movimentos de posicionamento e retirada das estruturas nas bancadas.
Por fim, o último ganho processual analisado foi o deslocamento, visto que com
as mudanças no layout, o fluxo de material na fábrica de poltronas seria mais enxuto.
Quanto aos investimentos necessários a esse trabalho, analisou-se os principais
ganhos processuais discutidos acima. A redução do lead time e a diminuição dos estoques
intermediários são ganhos que podem ser obtidos sem nenhum gasto, mudando somente a
maneira de produzir as poltronas. Por outro lado, a diminuição do tempo de processo e redução
do deslocamento são fatores que necessitam de investimentos para serem concretizados.
A mudança do layout para reduzir o deslocamento foi analisada e tem um baixo
investimento, isso porque trata-se um simples de rearranjo de máquinas leves e na instalação
de grades metálicas. Além disso, para criar um fluxo contínuo visando a redução do tempo de
processamento, a ideia principal consiste na construção de uma linha de montagem com trilhos
ou esteiras, entretanto esses valores não foram levantados até a conclusão desse trabalho.
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5 CONCLUSÕES
Por meio desse estudo, foi possível atingir o objetivo inicial da pesquisa, que foi
utilizar a ferramenta de mapeamento de fluxo de valor em uma fábrica de poltronas de ônibus,
com o intuito de identificar os desperdícios presentes no processo e propor melhorias.
O MFV mostrou-se como uma poderosa ferramenta na identificação de
desperdícios e nas oportunidades de melhoria em um fluxo produtivo atual. Entretanto, a
simples utilização dessa ferramenta sem o entendimento de conceitos da produção enxuta pode
tornar sua utilidade restrita, principalmente na elaboração de soluções para um fluxo produtivo
mais enxuto.
Como resultado, foi proposto um estado futuro com redução de 25% no lead
time, redução de 65% nos estoques intermediários e redução de 33% no deslocamento, além de
uma possível redução também no tempo de processamento.
Após a finalização do desenvolvimento desse estudo, foi realizada uma
apresentação para discutir os possíveis ganhos com os gestores da empresa. Houve o
engajamento por parte dos envolvidos para analisar financeiramente a viabilidade desse projeto
e torná-lo realidade.
Vale ressaltar que após a aprovação da mudança proposta por esse trabalho,
existe ainda a necessidade da criação de um plano de implementação com datas e responsáveis,
visto que essa seria a quarta etapa do mapeamento, conforme discutido anteriormente no
Capítulo 3.
Como ponto positivo, destaca-se o interesse despertado por essa ferramenta na
alta administração, que pretende estimular sua utilização na busca de melhorias em outros
setores da empresa.

5.1 SUGESTÕES PARA FUTUROS ESTUDOS


Esse estudo de caso foi de grande importância para demonstrar que,
independente do know-how de longo tempo das empresas, sempre é possível identificar
desperdícios presentes em seus processos produtivos. Em outras palavras, um processo tem
altas chances de ser melhorado se for mapeado e analisado.
Sendo assim, sugere-se os seguintes trabalhos futuros:
a) analisar os ganhos financeiros que o investimento nas mudanças pode
trazer;
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b) detalhar ao máximo o mapeamento realizado nesse estudo utilizando


outras técnicas (cronoanálise, por exemplo), visando identificar
desperdícios não enxergados por meio do MFV;
c) elaborar, junto com os gestores da empresa, o plano do fluxo de valor
com prazos para cada implementação necessária;
d) aplicar o MFV para as outras famílias de produtos na fábrica de
poltronas;
e) expandir a técnica de mapeamento do fluxo de valor para outros setores
e produtos da empresa;
f) espalhar a metodologia para toda a cadeia produtiva, alcançando até os
fornecedores de sua matéria-prima.
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REFERÊNCIAS
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junho de 2017.
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ANEXO – ÍCONES DO MAPEAMENTO DO FLUXO DE VALOR


Os ícones utilizados para mapear o estado atual e futuro estão divididos em três
categorias: fluxo de material (Quadro 3), ícones gerais (Quadro 4) e fluxo de informação
(Quadro 5).

Quadro 3 – Ícones do fluxo de material


Ícone Descrição
PROCESSO

Processo

EMPRESA Fontes externas

T/C = 60 s
TR = 30 min
Disponibilidade = 95% Caixa de dados

E Estoque
100 peças
1 dia

Entrega via caminhão

Produção empurrada

Produção puxada

Fluxo sequencial
(primeira a entrar, primeiro a sair)

Supermercado

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)


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Quadro 4 – Ícones gerais


Ícone Descrição

Melhoria Necessidade de kaizen


PROCESSO
Pulmão ou estoque de segurança

Operador

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

Quadro 5 – Ícones do fluxo de informação


Ícone Descrição

Fluxo de informação manual

Fluxo de informação eletrônica

OXOX Nivelamento de carga

Kanban de retirada

Kanban de produção

Kanban de sinalização

Posto de Kanban

Kanban chegando em lotes

Bola para puxada sequenciada

Fonte: Adaptado de Rother e Shook (2003)

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