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V ENCONTRO ANUAL DA ASSOCIAÇAo NACIONAL
.DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS
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(A Biblia de Jerusalém,
são Paulo, 1981)
1. Introdução
, universo
Com a intenção
religioso enquanto
de exarnlnar alguns aspectos
componente de ethos cultural
do
que
1 se depreende da nossa cultura popular e mais especificamente
de nossa Literatura de Cordel, seremos forçados a viajar jun
,
tos durante certo tempo - que espero não seja longo - pelos
territórios do Demônio, espaço se pre perigoso e sedutor. Se
ria obviamente ceder a uma tentação diabólica a pretensão de
esg tar aqui todos os aspectos da questão, conforme já obser
.
ara Frappler - .
a propos1to de um tema correlato. (1) E'
1S por
que gostaria desde logo de deixar claros os limites e o cara-
ter preliminar desta minha intervenção.
.. presença
dita quanto
inelutável
na coloquial,
do Demônio.
abundam
Tanto em nossa
as expressoes
linguagem
e a sinonímia
er~
.
ou ape I 1dos .
em torno de f1gura do D'labo. M-'
arlO Souto M'
alor (3)
registrou na linguagem popular 105 apelativos do Diabo e 99
locuções em que este termo ou correlatos comparecem; consta
tou em Fogo-Morto e Água-Mãe que José Lins do Rego usou os v~
cábulos 'diabo' e 'inferno', 94 e 7 vezes, respectivamente.
3. A sua orlgem
-
Mas quem e afinal esse personagem que nos veio
da Europa?
~
concepção se formou ao longo de milênios, pois suas ralzes
mais longínquas perdem-se na poeira dos tempos.
DEU S D I A B.O
Distanciamento / Proximidade
Luz / Trevas
Bondade / 1aldade
Claro / Escuro
Branco i Preto
Riqueza / Pobreza
Coragem / Covardia
Lealdade / Traição
Amor / 6dio
Proteção / Tentação
Conversão / Sedução
Altitude / Profundidade
Superior / Inferior
C f U / I N F E R N O
•
N - Riachão amas a Deus
sendo mal recompensado
Deus fez de Paulo um monarca
de Pedro um simples soldado
fez um com tanta saúde
outro cego e aleijado.
Finalmente, -
e a opo2lçao ao Diabo que serve
dialeticamente ao processo de RxaJ.-taçãoce heróis populares
da ida real, tais como: Lo.mpiE.:'),
Pe. Cícero ou Frei Damião.
Os ter os ext r-erno s dessa re Lac âo de contrá.rios participam da
me sma .atureza sobrenatural no parrt eáo construido pelo povo.
as será sobretudo Lampião que e~frentará esse ardiloso pa~
ceiro, quando as narrativas passa.m do ambiente terreno para o
terri tório natural de Set aria s . i~2S se momento, se dá uma a.n
versão das relações e o Dsoônio p~ssa a representar o polo do
..•
minador que será combatido e derrotado pela bravura do cang~
. (21)
celro.
§ § §
( . .. )
Já no célebre folheto O Estudante que se ven-
deu ao Diabo, de João Martins de Athayde, a história é bem
mais nuançada, mais rica de detalhes psicológicos e sociais,
e a pauta com o Demônio é motivada pelo desejo de ascençao s~
cial e pelo amor de urna jovem fidalga, o que a torna mais pr~
Xlma do modelo que se depreende da antiga lenda de que se orl
glna o pacto fáustico. Dos romances populares em que as rel~
ções com "O Diabo operam a realização dos anseios do pactante,
é este inegavelmente um dos de maior consistência e beleza. Mas
por suas próprias características - o temp e o espaço SOClalS
envolvidos na história - ele se afasta da te ática mais espe
cífica deste trabalho. Passo, pois, a outr s exemplos.
Jeová me respondeu:
- A mim ninguém forma guerra
vais morar no fogo eterno
lá eu castigo quem erra
chova anjo no inferno
igual a chuva na terra
•
.
( ., )
mandei gravar nas revistas
de cada moda um modelo
fiz a mulher vestir calça
homem crescer o cabelo
-
Tudo que e rUlm no mundo
pertence ao meu regimento
a rixa, a briga, a discórdia,
desastre sanguinolento,
filho desobediente,
depravado e violento
Entrei na sociedade
• sem ninguém dá fé de mlm
remodelei a ciência
do princípio até o fim
introduzi meu projeto
e ninguém achou ruim
.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
.•.
<. .. )
? is o inferno já está
J r de3ais superlotado,
cê ganhando o dinheiro
.:.,
e" ficando aqui lascado.
<. .. )
?ois aqui não tenho mais
Co ida nem aposento,
~ern trinta e duas mil almas
Só em um apartamento!
Já na semana passada,
chegaram quase um milhão
De motoris tas "máo - gros sa 11
Que andam na contramção
Matando o povo na rua,
E ficando sem punição!
Poeta plagiador,
Também já tem um bocado,
E também dono de venda
Que vende charque molhado,
Aqui dentro do inferno,
Vive tudo amontoado.
Dono de sorveteria
Que pega um maracujá,
Faz dez litros de refresco,
E diz que é o melhor que há,
Já tem uma soma enorme,
Nem mande mais para cá!
Pregador ganancioso
Que só prega por dinheiro,
Eu fiz um galpão enorme
Mas encheu muito ligeiro,
E nem eu recebo mais
Cartomante e curandeiro!
............................
Doutor que não examina
As doenças do cliente
E manda comprar remédio
Sem dizer o que ele sente,
Quando chega aqui cai logo
Num tacho de chumbo quente.
(. .. )
- Por que tanto sofrimento
Deus ao homem desprezou?
Assim Deus é bem malvado
P'ra que ao homem criou?
• • • o ••••••••••••••••••••••
. . . . . . .. ... ... . . .. . . . .. . . . .
Sofre o homem no trabalho
Até no fogo trabalha
Pisa no vidro, se corta
Sua vida é de batalha
Mas quando recebe a nota
Alegre pula e gargalha.
( . .. )
Vivo bem como casada,
Entretanto, a minha vida
Me deixa a alma oprimida
Numa casa enclausurada.
( ... )
Eu quero gozar no mundo
Todos prazeres da vida ...
Cinco anos de casada
Eu já estou enjoada
De só viver oprimida!
Eu pequei e me perdi
o perdão não pude achar
como é que o pecador
capaz de observar
a vossa lei sacrossanta
joga, dança e pinta a manta
como pode se salvar?
(.. .)
eu me retiro porém
ninguém se queixe de mim
porque vou dizer ao povo
que só faça o que for ruim
NOTAS
<_ ) Op.cit., p. 11
(23) Ibid., pp. 18-19. Cf. ainda: ELIADE, Mircea: "Pr-e f ac e "
ao livro de CASTER, T. H.: Les Plus Anciesn Contes de
l'Humanitê. Paris: Payot, 1953; e mais o 19 e o ultimo
capitulos de seu Traitê ... , já mencionado; ALLEAU, Renê:
La Science des Symboles - Contribution à l'êtude des
principes et des methodes de la symbollque generale. Pa
ris: Payot, 1977; IZARD, Michel et SMITH, pierre (orgs.Y':
La Fonction Symbolique - essais d'anthropologie. Paris:
Gallimard, 1979; SKORUPSKI, John: Symbol and Theory
a philosophical study of theories of religion in social
anthropology. Cambridge: Carnbridge Univ. Press, 1976;
JUNG, Carl G.: O Homem e os seus símbolos. Rio: Nova
Fronteira, s/d.; CIRLOT, Juan-Eduardo: Diccionario de
Símbolos. Barcelona: Labor, 1969; etc.