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Revisão de literatura

Contribuição ao estudo da doença do trato urinário


inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura
Feline lower urinary tract disease study contribution – Literature Review
Fernanda Vieira Amorim da Costa – Médica Veterinária, Mestre em Cirurgia e Clínica Veterinária; Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências
Veterinárias – UFRGS; Bolsista CNPq; email: amorimfv@gmail.com

Costa FVA. Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009; 7(23); 448-463.

Resumo
A doença do trato urinário inferior felino abrange diversas condições que afetam a vesícula uriná-
ria e a uretra dos gatos, produzindo sinais clínicos como hematúria, disúria, estrangúria, polaciúria,
periúria, alterações comportamentais, lambedura do pênis e presença ou não de obstrução uretral.
As causas obstrutivas incluem urolitíase associada ou não à infecção bacteriana, tampões uretrais,
cistite idiopática obstrutiva, espasmo uretral e neoplasia. As etiologias não-obstrutivas compreendem
a urolitíase, cistite idiopática não-obstrutiva, infecção bacteriana, distúrbio comportamental, defeito
anatômico e neoplasia. Para um tratamento definitivo eficiente, deve-se identificar a causa e tratá-la
corretamente. A prevenção da doença é realizada evitando-se situações de estresse e oferecendo uma
alimentação balanceada com controle de minerais e de pH urinário aos gatos. Além disso, deve-se
estimular a ingestão de água, a realização de exercícios periódicos e a correção da obesidade e do ma-
nejo das bandejas sanitárias. O objetivo desta revisão bibliográfica é esclarecer os principais aspectos
clínicos e etiopatogênicos dessa enfermidade, além de orientar médicos veterinários no tratamento e
prevenção dessa importante e comum doença felina.
Palavras-chave: Hematúria, disúria, cistite, obstrução uretral, gatos

Abstract
Feline lower urinary tract disease includes several clinical syndromes that affect the bladder and
urethra of cats, originating clinical signs like hematuria, dysuria, stranguria, polakiuria, periuria,
behavior disorders, penis licking and possible urethral obstruction. The obstructive causes include
urolithiasis with or without bacterial infection, urethral plugs, obstructive idiopathic cystitis, urethral
spasm and neoplasia. Non-obstructive causes are urolithiasis, non-obstructive idiopathic cystitis, bac-
terial infection, behavior disorder, anatomic defect and neoplasia. The clinician should always look
for a cause and treat it correctly. The prevention of disease is made avoiding stress and feeding the
cat a balanced cat food that controls urinary pH and minerals. Besides, the owner should stimulate
water ingestion, exercise the cat and correct obesity and litter box handling. This literature review has
as an objective to discuss the clinical aspects and etiology of this disease and to clarify treatment and
prevention of this important and common feline entity.
Keywords: Hematuria, dysuria, cystitis, urethral obstruction, cats

448 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23);448-463.
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

Introdução
O termo DTUIF - doença do trato urinário inferior felino uso de vasilha sanitária, maior número de dias chuvosos no
- abrange diversas condições que afetam a vesícula urinária mês anterior ao aparecimento dos sinais clínicos e fatores de
e a uretra dos felinos domésticos, produzindo sinais clínicos estresse também foram relacionados positivamente com o de-
como hematúria, disúria, estrangúria, polaciúria, periúria, al- senvolvimento da doença (4). Essa enfermidade é incomum
terações comportamentais, lambedura do pênis e presença ou em gatos que possuem menos do que um ano ou mais do que
não de obstrução uretral (1). Em muitos casos, é difícil identi- 10 anos de idade (3). Os gatos da raça Persa parecem apresen-
ficar uma causa específica para se estabelecer um tratamento tar predisposição genética (1).
eficaz e, por isso, essa condição representa um desafio aos O objetivo desta revisão bibliográfica e relato de um caso
de DTUIF é esclarecer os principais aspectos clínicos e etio-
médicos veterinários (2).
patogênicos dessa enfermidade, além de orientar médicos
Embora a doença possa ocorrer em gatos de qualquer ida-
veterinários no tratamento e prevenção desta importante
de ou sexo, o perfil dos gatos mais frequentemente acome-
doença felina.
tidos inclui os machos, castrados, sedentários, obesos, com
2 a 7 anos de idade, que vivem dentro de casa, consomem Etiopatogenia
basicamente alimento balanceado seco e bebem pouca água Existem dois grupos de causas conhecidas para a DTIUF:
(1,3,4,5). Outros fatores como confinamento sem acesso à rua, desordens obstrutivas ou não-obstrutivas (quadro 1).
Quadro 1: Causas mais frequentes de DTUIF em gatos. Adaptado de Gunn-Moore (2003).

Causas não-obstrutivas Causas obstrutivas


Urolitíase Urolitíase
Cistite idiopática não-obstrutiva Tampões uretrais
Infecção bacteriana Urolitíase associada à infecção bacteriana
Distúrbio comportamental Cistite idiopática obstrutiva
Defeito anatômico Espasmo uretral
Neoplasia Neoplasia

As DTUIF obstrutivas são raras em fêmeas e são primaria- ingestão de água por adaptação à sua origem desértica. A uri-
mente vistas em machos devido ao diâmetro uretral (2,3,6). O na fortemente concentrada é mais favorável à precipitação de
diâmetro da uretra não difere entre gatos machos castrados cristais. Embora a cristalúria microscópica preceda a forma-
e gatos inteiros, porém, a obstrução uretral é mais vista em ção do cálculo, nem todos os animais que possuem cristalúria
animais machos esterilizados (5). Urólitos largos, com mais desenvolvem urolitíase e urólitos podem estar presentes sem
do que 5,0 mm de diâmetro podem obstruir a uretra de gatas haver cristais na urina (12).
(3). As causas mais frequentes de DTUIF obstrutiva são os A formação de urólitos depende da supersaturação da
tampões uretrais (21%) e os urólitos (21%) (7). urina com minerais calculogênicos (3,12). Se a supersatura-
A maioria das DTUIF não-obstrutivas são autolimitantes ção é suficiente mantida, um ninho é formado onde um cál-
e apresentam resolução espontânea em cinco a 10 dias (1). culo subsequente pode se desenvolver (3). Quando ocor-
Elas ocorrem com igual frequência em machos e fêmeas, po- rem alterações no balanço entre as concentrações urinárias
rém, o risco de ocorrência é maior em gatos castrados ou este- de substâncias calculogênicas e inibidores de cálculos, há
rilizados (5). Nos Estados Unidos da América (EUA), as duas a iniciação do crescimento dos urólitos (13). Os fatores de
causas mais comuns de DTUIF não obstrutiva são a cistite risco para o desenvolvimento de urolitíase incluem raça,
idiopática felina (55% a 69%) e a urolitíase (13% a 28%) (7,8). sexo, idade, dieta, status metabólico e composição quími-
As taxas de recorrência são de 45% em seis meses em ga- ca da urina, que envolve a excreção renal de minerais, pH
tos machos com doença obstrutiva (9) e de 39% em um ano da urina, presença de promotores, ausência de inibidores,
em felinos com uropatia não-obstrutiva (10). infecções bacterianas concorrentes e, possivelmente, in-
Urolitíase flamação subclínica (3,12). A dieta pode contribuir para a
A urolitíase é a formação ou a presença de cálculos no tra- etiologia, manejo ou prevenção de recidiva de alguns uróli-
to urinário (1). A sua composição mineral é variável, mas em tos, pois os ingredientes dietéticos e os hábitos alimentares
gatos, os urólitos mais encontrados são formados principal- influenciam o volume, pH e a concentração de solutos da
mente por cristais de estruvita (hexaidrato de fosfato triplo urina (14).
magnesiano) ou oxalato de cálcio (1,11). A obstrução uretral Estruvita
decorrente da urolitíase ocorre quando um cálculo se aloja Os cálculos de estruvita eram bastante frequentes nos
na uretra e ela ocorre mais comumente em gatos machos (3). EUA antes do final dos anos 80 (3). Entretanto, após a utiliza-
Os gatos, assim como os outros felinos, apresentam na- ção em grande escala de alimentos acidificantes com baixos
turalmente uma urina concentrada, em razão de uma baixa níveis de magnésio, houve um declínio nos casos de urolitía-

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se causada por fosfato triplo magnesiano e um aumento dos úria, além de alterar a concentração e a função de inibidores
casos de urólitos formados por oxalato de cálcio (1,11). de cristais (12). Esses inibidores de cristais, como o citrato,
Eles são mais encontrados em animais jovens das raças magnésio e pirofosfato, formam sais solúveis com o cálcio ou
Siamês e Manx (11). A urina está estéril em aproximadamen- com o ácido oxálico, reduzindo sua disponibilidade para a
te 95% dos casos de urolitíase por estruvita em gatos, ao con- precipitação (12). O ácido oxálico é oriundo do metabolismo
trário dos casos em cães, que na sua maioria são associados do ácido cítrito e de diversos aminoácidos ingeridos na dieta,
a infecções causadas por bactérias produtoras de urease, por como glicina e serina (18).
ex. Staphylococcus spp. e Proteus spp. (3). A produção de urea- Desarranjos metabólicos sistêmicos, como acidose e hi-
se resulta em um aumento do pH que favorece a cristalização percalcemia, parecem também aumentar o seu risco (3). A
de estruvita em uma urina supersaturada. acidose sistêmica resulta na liberação de carbonato de cál-
Já a urolitíase estéril por estruvita está associada com cio dos ossos, em uma reduzida reabsorção renal de cálcio e
uma urina concentrada e alcalina, além de um excesso no numa calciurese secundária, além de reduzir a excreção de
consumo e excreção de minerais calculogênicos, especial- citrato (3,12,18). A hipercalcemia sistêmica resulta em uma
mente magnésio (3,12). A influência do magnésio na forma- calciurese aumentada e pode elevar o risco da formação de
ção do urólito de estruvita está associada ao pH urinário, urólitos (12,18). Ela pode ser resultante de absorção intesti-
íons, minerais e outros componentes da urina (15). A quan- nal excessiva, reabsorção renal prejudicada, e/ou excessiva
tidade do consumo de magnésio presente nos alimentos co- mobilização esquelética de cálcio (18). Até 35% dos gatos
merciais também depende da densidade, palatabilidade e que apresentam esse tipo de urolitíase apresentam níveis
digestibilidade desses alimentos (12). O consumo frequente de cálcio aumentados no sangue (12,19). Muitos desses ani-
de pequenas quantidades de dieta ao invés de uma ou duas mais apresentam hipercalcemia idiopática e se ela não for
grandes refeições por dia é associado com a produção de resolvida, a urolitíase pode recidivar (3,12). A hipercalciúria
uma urina mais ácida e a um menor grau de cristalúria por também pode ocorrer devido à utilização de diuréticos de
estruvita em gatos (16,17). alça, glicocorticoides, acidificantes urinários e vitamina D
Outros fatores importantes são a ingestão de água e o vo- ou C (18). O hiperparatireoidismo e o hiperadrenocorticis-
lume urinário (12,14). O consumo de uma maior quantidade mo também podem levar à formação de cálculos de oxalato
de água resulta em menores concentrações de substâncias de cálcio e esses distúrbios devem ser investigados nesses
calculogênicas na urina e, portanto, em um menor risco na pacientes (18).
formação de urólitos (14). Urato
Oxalato de cálcio A urolitíase causada por cálculo de urato ocorre em cerca
Urólitos formados por oxalato de cálcio são hoje os mais de 10% dos casos (11) e, apesar de ocorrer em gatos portado-
frequentes tipos de cálculos urinários em gatos nos EUA (18). res de hepatopatias, especialmente desvio portossistêmico
Em aproximadamente 11 anos, sua frequência subiu de 2% em animais jovens, sua exata patogênese ainda é desconhe-
para mais de 50% (19). A mudança alimentar realizada em cida (12). Vários fatores de risco já foram identificados, como
gatos para reduzir a formação de urólitos de estruvita reve- infecção bacteriana levando a um aumento da quantidade
lou uma porcentagem de animais predispostos à formação de amônia na urina, excesso de proteína na dieta e acido-
de cálculos de oxalato de cálcio que antes não eram iden- se metabólica (3). Os Siameses parecem ter predisposição
tificados porque não tinham sido expostos a um ambiente genética (11). Sua localização é mais frequente na vesícula
provocativo (3). urinária, mas esses urólitos já foram encontrados na uretra
Geralmente, a urolitíase por oxalato de cálcio ocorre em e nos rins (3).
animais de sete a 10 anos, recidiva frequentemente e não está Outros tipos de cálculos
associada a infecções bacterianas (20). As raças que apresen- Os cálculos de xantina são raros em gatos e estão asso-
tam um aumento do risco de apresentar a doença incluem ciados à administração de alopurinol em animais que se ali-
Ragdoll, British Shorthair, Foreign Shorthair, Himalayan, mentam com dietas que contenham precursores de purinas,
Havana Brown, Scottish Fold, Persa e Exotic Shorthair (20). embora existam casos não associados a esse tipo de terapia
Os animais que são mantidos sem acesso ao ambiente ex- (23). Eles são radioluscentes, identificados em exame ultras-
terno também apresentam maior risco, provavelmente por sonográfico e podem recidivar.
beberem menos água e urinarem menos (21). A redução do Recentemente, um aumento do envio de urólitos forma-
volume urinário resulta em um aumento da saturação do cál- dos por sangue seco solidificado foi notado laboratórios dos
cio e do ácido oxálico, aumentando o risco da formação do EUA (11,24). Geralmente os pacientes afetados apresentam
urólito (12,13). A presença de proteínas de alto peso molecu- hematúria intensa e os cálculos estão presentes tanto no trato
lar como nefrocalcina, uropontina, e a glicoproteína Tamm- urinário superior quanto no inferior, não sendo identificados
Horsfall também estão envolvidas no seu desenvolvimento, por estudo radiológico simples e ultrassonografia (24).
regulando a habilidade do cálcio e do ácido oxálico em se Cistite idiopática
combinar, minimizando a formação, agregação e crescimen- A cistite idiopática dos felinos (CIF) é uma doença infla-
to dos cristais (22). Uma acidúria significativa (pH urinário matória da vesícula urinária que possivelmente possui ori-
< 6.2) pode representar um fator de risco para a formação gem neurogênica (1,3). Atualmente, ela é responsável pelo
de cálculos de oxalato de cálcio por causar acidemia e calci- maior número de casos de DTUIF nos EUA e é mais vista

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em gatos com idade mediana, sendo raramente diagnostica- A presença concomitante de cristais na urina em um ani-
da em animais com mais de 10 anos de idade (3,4). Não há mal portador de cistite idiopática pode ocasionar a formação
predisposição por sexo ou raça (4). de tampões uretrais, que levam à obstrução da uretra (1).
Acredita-se que existam alterações na interação entre o Tampões uretrais e cristalúria
suprimento nervoso, a camada protetora da parede da ve- Os tampões uretrais se originam de matriz coloide/pro-
sícula urinária formada por glicosaminoglicanos (GAGs) e teica (mucoproteínas, albumina, globulinas, células, etc.)
compostos presentes na urina, levando à inflamação, dor e oriunda de um processo inflamatório, associados em menor
hematúria (1). É provável que exista um forte componente quantidade a um material cristalino, principalmente estruvi-
neuroendócrino nessa doença, no qual o sistema nervoso ta (1,3). A causa da inflamação pode ser neurogênica, idiopá-
simpático excitatório não está restringido adequadamente tica ou secundária à infecção, neoplasia ou à presença de uró-
pelo cortisol, aumentando a atividade sensitiva aferente atra- litos (1). Os tampões uretrais ocorrem com aproximadamente
vés do aumento da permeabilidade tecidual local (25). a mesma frequência dos urólitos (1).
A avaliação histopatológica de biópsias da vesícula uri- Os tampões coloides podem causar obstrução uretral sem
nária oriundas de gatos afetados é típica, mas não patog- haver evidências clínicas de cristalúria (1). Entretanto, se a
nomônica (3). Ela pode revelar epitélio e camada muscular cristalúria está também presente, os cristais podem ficar re-
normais, porém há edema e vasodilatação na submucosa tidos na matriz proteica e contribuir para a obstrução ure-
sem a presença de infiltrados inflamatórios, embora haja fre- tral. Embora uma cristalúria muito grave possa resultar em
quentemente a presença de grande quantidade de mastócitos obstrução uretral na ausência de matriz coloide, na maioria
(1,3,26). Geralmente, o número de fibras relacionadas à dor dos gatos a cristalúria é clinicamente insignificante (1,12).
(fibras C) e de receptores para dor (receptores de substância A maior parte dos felinos saudáveis desenvolve cristalúria
P) estão aumentados (1). Hoje já se sabe que as fibras C po- quando são alimentados com dietas secas (1).
dem ser estimuladas por estresse ambiental e por distúrbios Infecções bacterianas
na composição da urina, como alterações de pH e de mine- As infecções bacterianas primárias do trato urinário in-
rais, como potássio, magnésio e cálcio (1,3). Essa estimulação ferior de felinos são raras, representando menos do que 2%
leva à liberação de neuropeptídios, substância P ou outros, dos casos de DTUIF em gatos jovens (1,8). Nos gatos que
que causam dor, vasodilatação dos vasos sanguíneos intra- apresentam sinais de DTUIF e possuem mais do que 10 anos
murais, aumento da permeabilidade vascular e da parede da de idade, a probabilidade de infecção sobe para mais do que
vesícula urinária, edema da submucosa, contração da muscu- 50% (8,31). Normalmente, elas ocorrem após procedimentos
latura lisa e degranulação de mastócitos (1,3). A degranula- de desobstrução uretral (iatrogênicas) e uretrostomia perine-
ção de mastócitos resulta na liberação de vários mediadores al e na presença de defeitos anatômicos, neoplasias, diabetes
inflamatórios, incluindo histamina, heparina, serotonina, ci- e insuficiência renal (1,3).
toquinas e prostaglandinas, que podem exacerbar os efeitos A infecção bacteriana deve ser particularmente investiga-
das fibras C (1). da através de cultura e antibiograma da urina coletada por
Uma fina camada composta por glicosaminoglicanos co- cistocentese de um gato que possui histórico de desobstru-
bre o epitélio da vesícula urinária (1). Ela ajuda a prevenir a ção uretral, retenção urinária prolongada e tratamento prévio
aderência de microorganismos e cristais à parede da vesícula com antibioticoterapia (3,32).
(1,3). Algumas pessoas e gatos portadores de cistite idiopá- Distúrbio comportamental
tica apresentam uma redução da concentração urinária de As DTUIF estão se tornando mais clinicamente aparentes
GAGs e um aumento da permeabilidade da parede da ve- conforme os gatos estão mais confinados e a presença de su-
sícula urinária (27,28,29). Isso permite que substâncias dele- perpopulações felinas é maior (3). O distúrbio de eliminação
térias presentes na urina atravessem o urotélio, entrem em inapropriada resulta em abandono de aproximadamente 4
contato com neurônios sensitivos (fibras C) e causem infla- milhões de felinos em abrigos nos EUA, pois esse comporta-
mação (1,3). Um estudo com microscopia eletrônica revelou mento é inaceitável para os proprietários (33).
que o urotélio pode estar ausente em algumas áreas e há uma A periúria é uma queixa comum dos proprietários de gatos
redução da resistência transepitelial, com aumento da per- que apresentam DTUIF, porém, frequentemente os médicos
meabilidade à ureia e á água nas vesículas urinárias de gatos veterinários pensam primeiro em distúrbio comportamental
portadores de CIF (30). de eliminação (3). Cerca de 50% desses animais apresentam
Embora a inflamação neurogênica aparentemente possua cistite idiopática, diagnosticada por uroendoscopia (8).
um papel importante no desenvolvimento dos sinais clínicos Neoplasias
da DTUIF, ainda não está claro se ela é um fator primário ou Os tipos de neoplasias mais frequentes na vesícula uriná-
um evento secundário a um agente infeccioso ainda desco- ria dos felinos são carcinoma de células transicionais (CCT),
nhecido (1). A cistite idiopática dos felinos possui grandes adenocarcinoma e leiomioma (1). Dentre esses, o CCT é o
similaridades com a cistite intersticial humana, caracterizada mais frequente e ocorre como um tumor isolado ou secun-
por dor, dificuldade e aumento da frequência de urinar (1). dário à inflamação crônica (1). Gatos que possuem mais do
Por esses motivos, o termo cistite intersticial felina também é que 10 anos de idade apresentam maior risco de desenvolver
utilizado com frequência, principalmente quando o diagnós- neoplasia do trato urinário inferior (31).
tico é feito através de cistoscopia (25). Defeitos anatômicos

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Os defeitos anatômicos mais encontrados no trato uriná-


rio inferior dos felinos domésticos são divertículo da vesícula
urinária, persistência do uraco, estenose uretral e uretra mal-
posicionada (8,34). As anomalias congênitas são mais encon-
tradas nas raças Persa e Manx (31).
Hipótese de unificação
As diferentes causas de DTUIF em gatos podem ocorrer
independentemente ou em combinação (1). Por exemplo, a
formação de tampões uretrais é resultante de alterações si-
multâneas, mas não necessariamente relacionadas, como a
inflamação do trato urinário e a presença de cristais na uri-
na. A obstrução uretral pode ocorrer devido à formação de
tampões uretrais, passagem de pequenos urólitos pela uretra
e pela dor, espasmo uretral e presença de coágulos. Embo-
ra a inflamação sem cristalúria possa resultar em obstrução
com matriz coloide, ela tipicamente causa apenas hematúria
e disúria. A presença isolada de cristalúria pode ser silenciosa
ou, se for grave e persistente, pode predispor ao desenvolvi- Figura 2: Felino com DTIUF, demonstrando pênis avermelhado e
edemaciado decorrentes de lambedura freqüente.
mento de urólitos levando à obstrução uretral e inflamação
da vesícula urinária (1).
Os gatos obstruídos podem ainda apresentar letargia,
Sinais clínicos depressão, anorexia, vômito e diarreia (35). Durante a pal-
Os sinais clínicos mais comuns encontrados na DTUIF in- pação abdominal, a vesícula urinária se apresenta extre-
cluem (1,3,35): mamente firme e os animais podem estar bradi ou taqui-
1. Hematúria (presença macroscópica e microscópica de cárdicos, com aumento da frequência respiratória e pulso
sangue na urina – figura 1); periférico fraco (35).
2. Disúria (dor ou dificuldade de urinar), que é repre-
sentada pela permanência do gato na posição normal Diagnóstico
de micção por tempo prolongado; A realização do diagnóstico definitivo da DTUIF deve
3. Estrangúria (realizar esforço para urinar); combinar dados da resenha do paciente, seus sinais clínicos,
4. Polaciúria (urinar muitas vezes ao dia e em pequenas histórico, exame físico e laboratorial, que inclui urinálise com
quantidades); avaliação de sedimento, cultura quantitativa e antibiograma
5. Periúria (micção em locais inapropriados); da urina, e análise de urólito, além de imagem do trato uriná-
6. Alterações comportamentais (frequentemente agres- rio (3). Os exames de diagnóstico por imagem compreendem
são); radiografias simples e contrastadas, ultrassonografia abdo-
7. Lambedura do pênis (o pênis fica avermelhado e ede- minal e uroendoscopia (3).
maciado - figura 2); A resenha do paciente ajuda na construção da lista de
8. Presença ou não de obstrução uretral. diagnósticos diferenciais (3). Seria bastante incomum que um
gato que tenha mais de 10 anos de idade desenvolva cistite
idiopática, já a cistite bacteriana é frequente nessa idade. O
oposto vale para gatos jovens.
O tempo de permanência dos sinais clínicos orienta tam-
bém na diferenciação entre cistite idiopática e as outras cau-
sas de DTUIF, pois a primeira é autolimitante em cinco a sete
dias com ou sem tratamento (3). Outras doenças, como uroli-
tíase e infecção bacteriana, apresentam tempo de apresenta-
ção prolongado e progressivo, caso nenhum tratamento seja
instituído.
Exames como hemograma e perfil bioquímico renal geral-
mente são normais nos gatos não obstruídos, a não ser que
eles apresentem insuficiência renal concomitante (3). Nos
casos de obstrução uretral prolongada, a avaliação inicial
dos pacientes deve incluir a dosagem de ureia e creatinina
séricas, glicose, cálcio, fósforo, sódio, potássio e proteínas
totais (18). Deve-se também determinar o hematócrito e, se
possível, realizar gasometria venosa. Até 35% dos gatos que
apresentam urolitíase por oxalato de cálcio apresentam hi-
percalcemia (12,19) e por isso, o cálcio total e ionizado devem
Figura 1: Felino com DTIUF não obstrutiva, apresentando hematúria.

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ser mensurados, além do PTH, que geralmente se encontra terização ou compressão manual após a assepsia da genitália
com valor abaixo do normal (3,18). externa e tricotomia perivulvar, no caso de fêmeas (38). Se o
Deve-se tomar cuidado ao avaliar a urinálise dos pacien- gato estiver sob antibioticoterapia, ela deve ser interrompida
tes quanto ao pH, pois ele se torna fisiologicamente alcalino 3 a 5 dias antes da coleta da urina para minimizar a inibi-
após as refeições (14). Já o pH urinário de animais portadores ção do crescimento bacteriano. A urina deve ser refrigerada
de urolitíase por oxalato de cálcio frequentemente se encon- a 4° C caso o processamento laboratorial for demorar mais
tra ácido (18). Além disso, não se pode assumir que o paciente do que trinta minutos. A cultura quantitativa da urina permi-
possui urolitíase baseando-se apenas na presença de cristais no te a interpretação do significado da presença de bactérias na
sedimento urinário (3). A urina que foi refrigerada ou armaze- amostra em questão. A bactéria mais encontrada em infecções
nada por algumas horas frequentemente contém cristais, prin- bacterianas do trato urinário é Escherichia coli (18).
cipalmente se sua densidade estiver alta (36,37). A presença de O estudo radiológico do abdômen deve incluir a uretra
cristais na urina geralmente não é a causa dos sinais de DTUIF pélvica e peniana para a correta identificação de cálculos ra-
e também não se deve afirmar que o tipo de cristal encontrado diopacos maiores do que 3 mm de diâmetro (3). A avaliação
é equivalente ao tipo de urólito que possa estar presente (3). A contrastada é indicada nos casos de recorrência ou prolonga-
identificação de cristais no sedimento urinário pode não ter im- mento dos sinais clínicos e inclui a cistografia, uretrografia e
portância clínica se o gato não apresentar urólitos ou tampões, uretrocistografia. Nos casos de cistite idiopática, frequente-
pois eles não danificam o urotélio saudável. Cristais podem ser mente a investigação radiológica com contraste possui resul-
encontrados sem haver doença, cálculos podem aparecer sem tados normais, mas essa técnica ajuda na detecção de cálculos
haver cristais na urina e um diferente tipo de cristal pode ser pequenos e radioluscentes, divertículos e neoplasias, além de
identificado em um gato que apresenta urólito. determinar a espessura da parede da vesícula. Ocasional-
Aproximadamente 13% dos cálculos apresentam mais de mente, nos casos de CIF grave, o material do contraste pode
um mineral em sua composição (11). A realização da análise ser visto permeando a parede da vesícula urinária (3,39). A
quantitativa do urólito é a única maneira de se identificar o avaliação contrastada da uretra pode auxiliar o diagnóstico
tipo de urólito presente (3,18). Entretanto, se houver um uróli- de estenoses uretrais e urólitos bem alojados em gatos ma-
to no trato urinário, o índice de suspeita para um determinado chos (39,40). Uma antiga, porém excelente descrição das téc-
tipo é aumentado levando-se em consideração o pH da urina, nicas de contraste positivo, negativo e duplo do trato urinário
a presença ou não de infecção bacteriana e o tipo de cristal (3). inferior se encontra descrita na literatura (41).
A análise qualitativa não deve ser realizada, pois falso-positi- Geralmente, os cálculos de estruvita são identificados
vos e falso-negativos são frequentes e a contribuição relativa durante a realização de radiografias simples porque são ra-
dos diferentes cristaloides presentes não é determinada (3). diopacos e facilmente vistos (figura 3) (3). Entretanto, se eles
O sedimento urinário de gatos com DTUIF frequentemen- forem muito pequenos, a radiografia com duplo contraste ou
te apresenta hemácias, proteinúria e cristais (3). A presença a ultrassonografia pode ser necessária para sua identificação.
de piúria em uma urina diluída ou uma piúria significativa Os urólitos de oxalato de cálcio também são radiopacos e fa-
(> 5 leucócitos/campo) revela a necessidade da realização de cilmente identificados em radiografias simples, embora o uso
cultura e antibiograma da amostra coletada por cistocentese. de contraste duplo facilite sua visualização na vesícula urinária
Bactérias podem ser confundidas com pequenas partículas (18). Os cálculos de urato geralmente são radioluscentes e inde-
(cristais pequenos, debris celulares, gotículas de gordura) tectáveis em radiografias simples, a não ser que outro mineral
que exibem movimentação Browniana. Geralmente, um alto esteja presente (3). Uma radiografia com duplo contraste ou a
número de bactérias em uma urina coletada de forma corre- ultrassonografia pode ser necessária para facilitar sua detecção.
ta indica infecção, já um número reduzido indica contami-
nação (38). A bacteriúria significativa e assintomática pode
ocorrer em animais que apresentam imunodepressão, como
por exemplo, devido a tratamento com glicocorticoides e em
felinos portadores de Diabetes mellitus e do vírus da imuno-
deficiência felina. Da mesma forma, muitas infecções não re-
sultam em um aumento do número de leucócitos na urina,
principalmente se essa estiver bastante diluída (3).
Para os bacilos serem identificados no sedimento urinário
não corado, eles devem estar em número superior a 10.000
bactérias por mililitro (38). Da mesma forma, os cocos são difí-
ceis de serem detectados no sedimento urinário se seu núme-
ro for inferior a 100.000 bactérias por mililitro. Dessa maneira,
a realização de cultura quantitativa e antibiograma é impera-
tiva no diagnóstico de infecção do trato urinário e a coleta da
urina deve ser realizada por meio de cistocentese (3,38). Se o
paciente apresenta polaciúria, a coleta por cistocentese pode
se tornar dificultosa e, por isso, pode ser realizada por cate- Figura 3: Radiografia abdominal lateral evidenciando urólito radiopaco
no interior da vesícula urinária.

Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 453-463. 453
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

A ultrassonografia abdominal é útil na avaliação da ve- A avaliação laboratorial deve ser realizada em todos os
sícula urinária, mas não na da uretra (3). Ela pode detectar gatos obstruídos e inclui, se possível, o hemograma comple-
cálculos pequenos e radioluscentes, massas como pólipos e to, bioquímica sérica, glicemia, gasometria venosa e eletróli-
neoplasias, além de identificar a espessura da parede da vesí- tos (potássio, sódio, cloreto e cálcio ionizado) (3,6). A realiza-
cula, caso ela esteja distendida (3). Entretanto seu uso é limi- ção de eletrocardiograma e mensuração da pressão arterial
tado pra identificar o número e o tipo de urólito presente na permite identificar as condições cardiovasculares do paciente
vesícula urinária (18). (6). O estudo radiográfico e ultrassonográfico ajudam a ca-
A uroendoscopia é uma ferramenta válida na avaliação racterizar o local da obstrução, mas devem ser feitos somente
de gatos que apresentam sinais clínicos recorrentes ou per- após a estabilização do animal (6). Após a desobstrução, uma
sistentes, pois permite a visualização da mucosa uretral e ve- amostra de urina deve ser coletada para a realização de uri-
sical e a detecção de pequenos urólitos, persistência de ura- nálise, cultura e antibiograma (6). A urina deve ser analisada
co e de massas não vistos na radiografia (3,42). Ela também dentro de 60 minutos para minimizar os efeitos do tempo e
permite a realização de biópsias, porém apenas pequenos da temperatura na formação de cristais (36).
fragmentos de tecido podem ser coletados (42). Em fêmeas, o A hipercalemia e a acidose geralmente são tratadas com
cistoscópio utilizado é rígido, o que permite uma maior ma- a utilização de fluidoterapia de reposição intravenosa, utili-
nipulação e visualização de detalhes do que aquele utilizado zando-se uma solução de eletrólitos balanceada (3). O fluido
em machos, o qual deve ser um ureteroscópio de fibra ótica e de escolha é a solução fisiológica NaCl 0,9%1 por não conter
flexível (42). O cistoscópio rígido pode ser utilizado em gatos potássio, embora possa contribuir para a acidose metabólica
machos que sofreram procedimento cirúrgico de uretrosto- (6). Pode ser necessário utilizar de sais de cálcio, glicose ou
mia perineal (3). glicose seguida de insulina para corrigir a hipercalemia em
O diagnóstico presuntivo de cistite idiopática é realiza- alguns casos em que há comprometimento hemodinâmico
do quando os resultados dos exames complementares não (quadro 2) (3,6). Em um estudo, 12% dos gatos obstruídos
identificam outra causa para a DTUIF ou quando se observar avaliados apresentaram uma hipercalemia leve (≥ 6,0 mEq/L
hemorragias petequiais – glomerulações – na submucosa du- e < 8,0 mEq/L), 11,6% tinham concentrações séricas de po-
rante a uroendoscopia e, nesse caso, a doença é chamada de tássio maiores ou iguais a 8,0 mEq/L e menores do que 10,0
cistite intersticial (3). Outras alterações encontradas na cistos- mEq/L e 0,5% maiores do que 10,0 mEq/L (35). É importan-
copia de gatos com CIF incluem edema, presença de debris te notar que a gravidade dos sinais clínicos não é compatível
no lúmen da vesícula urinária e aumento da vascularização. com a concentração sérica de potássio e, por isso, os pacientes
devem ser tratados de acordo com seu estado geral e indepen-
Tratamento dente dos valores laboratoriais (6). Alterações de eletrocar-
Para um tratamento eficiente, deve-se identificar a cau- diograma decorrentes de hipercalemia incluem bradicardia,
sa e tratá-la corretamente (1). Quando a causa não pode ser redução da amplitude ou ausência das ondas P, complexo
identificada, o animal deve ser tratado para cistite idiopática QRS mais largo, ondas T mais altas, intervalo QT mais curto
felina (1). e depressão do segmento ST (6). Aproximadamente 75% dos
Desobstrução uretral animais que apresentam obstrução uretral possuem hipocal-
A desobstrução uretral deve ser realizada quando o ani- cemia ionizada (44). Se houver acidose metabólica grave (pH
mal não apresenta fluxo urinário. Entretanto, ela não deve ser sanguíneo < 7,1) a administração de bicarbonato de sódio é
considerada como tratamento definitivo e sim apenas como indicada (3).
uma restauração da patência fisiológica da uretra. A administração de analgésicos deve ser feita imediata-
Os felinos que apresentam obstrução uretral devem ser mente à apresentação do paciente (3). Analgésicos opiódes
submetidos a tratamento emergencial (3,6). Aqueles que são os mais indicados e incluem o uso de butorfanol2 na dose
estão obstruídos há mais de 48 horas normalmente se apre- de 0,2 a 0,4 mg/kg a cada 6 a 8 horas ou buprenorfina3, na
sentam bastante debilitados e requerem tratamento para dose de 5 a 20 g/kg a cada 8 a 12 horas (3). Como alterna-
crise urêmica (3). Independentemente da causa, a obstrução tiva, pode-se empregar a meperidina4, na dose de 3,0 a 5,0
uretral prolongada resulta em déficits hídricos que levam a mg/kg, por via intravenosa ou intramuscular, a cada 2 a 4
hipovolemia e redução da perfusão tecidual (6). Os efeitos horas ou o tramadol5, na dose de 2,0 a 4,0 mg/kg, por via
adversos da eficiência cardiovascular e perfusão dos tecidos intramuscular, a cada 12 horas. O uso de anti-inflamatórios
são exacerbados pelos distúrbios eletrolíticos e ácido-base de- não-esteroides deve ser evitado devido ao insulto presente
correntes da obstrução (6). Além da azotemia, estão presentes ao sistema renal (6).
a acidose metabólica, hipercalemia, hiperfosfatemia e hipo- A cistocentese descompressiva pode ser indicada antes do
calcemia ionizada (35). Geralmente, os gatos se apresentam restabelecimento da patência uretral (3). Porém, é importante
normotensos, porém a hipertensão pode estar presente (43). lembrar que a integridade da parede da vesícula urinária pode

1 Fisiológico Cloreto de sódio 0,9%®, J.P. Indústria farmacêutica, Ribeirão Preto, SP


2 Torbugesic®, Fort Dodge Saúde Animal Ltda, Campinas, SP
3 Temgesic®, Schering Plough, Rio de Janeiro, RJ
4 Dolantina®, Sanofi-Aventis, São Paulo, SP
5 Tramal®, Pfizer, Guarulhos, SP

454 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 454-463.
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

não estar normal, podendo ocorrer uma ruptura (figura 4) (6). gentilmente para evitar que a inflamação local seja agravada
Ela é realizada com uma única punção na vesícula urinária (3). Em alguns poucos casos, a massagem peniana após a anes-
utilizando um cateter tipo borboleta “scalp” número 23G ou tesia, com o pênis fletido caudalmente, é suficiente para a ex-
agulha calibre 22G conectada a uma torneira de três vias, um pulsão de cálculos bem pequenos e de tampões uretrais, mas
extensor e seringa (3). A agulha deve ser inserida no meio do na maioria das vezes, a sondagem uretral é necessária (3,6).
caminho entre o ápice e a base da vesícula, e toda urina dis- A desobstrução uretral deve ser realizada com cateter rígi-
ponível deve ser puncionada. A compressão digital mantida do de polipropileno (3,5) French6 apropriada para o diâmetro
sobre a parede da vesícula favorece a remoção total da urina. uretral dos felinos (figura 5) (6,18). Nesse procedimento, in-
Pode haver algum vazamento de urina para dentro do abdô- troduz-se apenas a porção inicial da sonda no início da uretra
men, mas o processo é minimizado se a urina contida na vesí- peniana e, em seguida, faz-se a injeção de solução fisiológica
cula for esgotada. A cistocentese restabelece a função renal, fa- salina, que pode ser misturada a uma solução lubrificante es-
cilita a desobstrução e diminui a chance de ruptura da vesícula téril7 (figura 6) (18). O que desobstrui a uretra não é a sonda,
durante a sondagem, além de propiciar uma amostra de urina e sim o fluxo contínuo e vigoroso da solução salina. A intro-
não contaminada para cultura e antibiograma. dução forçada do cateter pode causar trauma, com posterior
estenose ou ruptura da parede uretral (6). O procedimento
pode não obter sucesso nos casos de urólitos muito alojados,
principalmente de oxalato de cálcio que possuem superfície
irregular, e em estenoses uretrais (18). Após a desobstrução, a
sonda rígida deve ser substituída por uma menos traumática
e flexível8 (figura 7). Introduz-se essa a sonda até a vesícula
urinária e a fim de realizar a lavagem com solução fisiológi-
ca até que a urina que esteja sendo retirada apresente-se de
aspecto claro (com pouco ou nenhum sangue) (6). Deve-se
ter o cuidado para que uma quantidade excessiva do cateter
não seja inserida na vesícula, para minimizar o trauma na sua
parede ou até mesmo evitar a formação de um nó, que neces-
sitaria de retirada cirúrgica (6).

Figura 5: Cateter urinário de polipropileno com extremidade proximal


aberta medindo 3,5 French de diâmetro (Soreveing 3 ½ Tom Cat
Catheter® open end, Sherwood Medical, USA).

Figura 4: Momento transoperatório de cistorrafia devido à ruptura


vesical causada por cistocentese.

Após a estabilização metabólica e hidroeletrolítica do pa-


ciente, a sedação ou anestesia deve ser realizada baseando-se
nas suas condições clínicas (3). O pênis deve ser manuseado
6 Soreveing 3 ½ Tom Cat Catheter® open end, Sherwood Medical, USA
7 K-Y gel lubrificante®, Johnson&Johnson, São Paulo, SP
8 Soreveing Sterile Disposable Feeding Tube and Urethral Catheter®, Sherwood Medical Industries, St. Louis, MO

Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 455-463. 455
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

O uso de cateter de espera é controverso (3,6). Ele previ-


ne novas obstruções imediatas e possibilita a monitorização
do fluxo urinário, mas induz à infecção bacteriana do trato
urinário e à inflamação e posterior estenose da uretra. A sua
utilização é indicada em casos graves de hematúria, uremia
e nos procedimentos de difícil cateterização e desobstrução.
O cateter de espera também deve ser empregado na presença
de fluxo urinário fino e/ou curto, grande quantidade de de-
bris após várias irrigações e quando há disfunção no músculo
detrusor da vesícula urinária após a sua distenção prolonga-
da. Recomenda-se a permanência do cateter urinário do tipo
flexível por um período de no máximo 24 a 48 horas para
evitar estenoses futuras. Deve-se conectá-lo a um sistema de
circuito fechado (figura 8) para minimizar possíveis infecções
bacterianas ascendentes. O cateter deve ser retirado quando
a urina estiver clara. Caso a urina permaneça com sangue,
deve se reavaliar o paciente em 24 horas para se determinar
se o cateter deve ser retirado ou não. Sondas mantidas por
muito tempo causam uretrite e os gatos passam a apresentar
poliúria e polaciúria, porém com a vesícula vazia.
Se a desobstrução uretral for muito dificultosa deve-se re-
alizar um estudo radiográfico do trato urinário anterior com
o uso de contraste positivo (uretrocistografia retrógrada)
para pesquisar possíveis rupturas e estenoses uretrais, cálcu-
los muito aderidos, divertículo uracal e neoplasias (1,3,39).
A diurese pós-obstrutiva é abundante em gatos que esta-
vam obstruídos por alguns dias ou que apresentavam azote-
mia grave (3,6). O grau de diurese pós-obstrutiva é proporcio-
nal ao grau de azotemia (3). Por esse motivo, a fluidoterapia
com uma solução balanceada como o Ringer´s com lactato de
sódio9 deve ser instituída após a desobstrução, além da adição
de potássio caso o paciente esteja hipocalêmico (6). A quantida-
de de urina produzida deve ser monitorada para que haja uma
reposição adequada de fluido e o paciente não desidrate (3,6).
Figura 6: Desobstrução uretral. Depois de realizada tricotomia,
assepsia cirúrgica no local e exposição do pênis, a sonda é introduzida
na porção inicial da uretra ao mesmo tempo em que a solução
fisiológica é injetada por uma seringa conectada à sonda. Esta solução
sob pressão lubrifica e distende a uretra, facilitando o deslocamento do
tampão ou urólito que esteja obstruindo-a.

Figura 8: Felino com cateter de espera após uma desobstrução


uretral com hematúria persistente. O cateter está posicionado
Figura 7: Cateter flexível de borracha, estéril, com 3,5 French de
entre duas fitas adesivas suturadas na pele e conectado a um
diâmetro utilizado como sonda de lavagem e de espera por ser flexível
circuito fechado com equipo e frasco de soro vazio estéril. O uso de
(Soreveing Sterile Disposable Feeding Tube and Urethral Catheter®,
colar elisabetano é necessário para impedir que o gato remova ou
Sherwood Medical Industries, St. Louis, MO).
desconecte o cateter uretral.

9 Ringer com Lactato de Sódio®, J.P. Indústria farmacêutica, Ribeirão Preto, SP

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Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

O tratamento do espasmo uretral reduz a dor, a gravidade ter efeito, o músculo detrusor e os nervos pélvicos devem estar
dos sinais clínicos em alguns gatos e pode diminuir o risco parcialmente intactos (32). As vias intramuscular e intraveno-
de recorrência da obstrução uretral (1,3,6,45). A uretra do sa são contraindicadas, a administração oral é pouco absorvi-
gato é formada por quatro regiões: pré-prostática, prostática, da e a via subcutânea, em doses terapêuticas, pode causar vô-
pós-prostática e peniana (45). A vesicula urinária e a uretra mito, salivação e diarreia (32). Doses acima das recomendadas
pré-prostática contêm primariamente musculatura lisa, os podem causar crise colinérgica, resultando em colapso cardio-
segmentos prostáticos e pós-prostáticos contêm tanto muscu- vascular, broncoconstricção e óbito. Por isso, a via subcutânea
latura lisa quanto estriada e a musculatura da região peniana deve ser utilizada com cuidado e na menor dose efetiva do
é predominantemente circular e estriada (45). Já que o tônus fármaco. Dessa maneira, o uso do cateter uretral de espera em
uretral é gerado tanto por musculatura lisa quanto estriada, circuito fechado por alguns dias é o tratamento mais seguro e
relaxantes devem ser usados para ambos os efeitos (1). Os an- indicado para a atonia da vesícula urinária. A compressão ma-
tiespasmódicos de musculatura lisa indicados para gatos de- nual da vesícula raramente leva ao seu completo esvaziamen-
sobstruídos incluem a acepromazina10, na dose de 0,02 a 0,05 to, pode causar trauma à sua parede e ocasionar um refluxo de
mg/kg, por via intravenosa, intramuscular ou subcutânea ou urina, com dano mecânico ao trato urinário superior e possível
de 1,0 a 3,0 mg/kg por via oral a cada 4 a 6 horas; prazosi- pielonefrite ascendente (32). Por esses motivos, a não ser que a
na11, na dose de 0,25 a 1,0 mg/gato por via oral a cada 8 a 12 compressão manual seja de fácil realização, a utilização da ca-
horas; e fenoxibenzamina12, na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg, por teterização urinária é mais indicada. É importante lembrar que
via oral a cada 12 ou 24 horas, com eficácia total em cinco dias a infecção do trato urinário pode ser um fator predisponente
(1,3,32). Já os relaxantes de musculatura esquelética resultam ou uma sequela da retenção urinária.
em uma redução da resistência do esfíncter externo, onde na Muitos felinos não urinam normalmente após a desobs-
maioria das vezes os urólitos e tampões estão alojados (45). trução uretral. Deve-se sempre considerar uma obstrução
Devido à grande proporção de musculatura esquelética na funcional nesses animais, que pode ser causada por irritação
uretra dos felinos, geralmente esse tipo de relaxante muscu- uretral direta, aumento do tônus simpático devido ao estres-
lar é mais efetivo nessa espécie (32). O diazepam13 é o fárma- se da hospitalização e procedimentos médicos, redução do
co mais utilizado para esse propósito (32), apesar de haver tônus do músculo detrusor por distensão exagerada e pro-
dúvidas quanto à sua eficácia (45). A dose inicial é de 1,0 a 2,5 longada da vesícula urinária, ou a combinação de todos esses
mg/gato, por via oral, a cada 8 horas (32). Frequentemente, o fatores, o que varia entre os pacientes (32). Alguns cuidados
seu uso facilita a eliminação de urina e a compressão manual tomados durante a desobstrução uretral minimizam o risco
da vesícula urinária durante 20 a 30 minutos após sua ad- de obstrução mecânica causada por irritação ou inflamação
ministração (32). Porém, segundo alguns autores, o relaxante uretral e aumento do tônus simpático após a colocação do
esquelético mais eficaz é o dantroleno14, na dose de 0,5 a 2,0 cateter urinário (32):
mg/kg, por via oral a cada 12 horas ou de 0,5 a 1,0 mg/kg 1. Só utilize cateteres não irritantes na uretra, como os
por via intravenosa (1,45). O dantroleno não possui efeito na de silicone, Teflon ou tubos macios de alimentação in-
junção neuromuscular como a maioria dos relaxantes mus- fantil. Os cateteres de polipropileno são extremamen-
culares esqueléticos (45). Logo após a desobstrução uretral, te irritantes, se deixados em contato com a mucosa
alguns pacientes se beneficiam do tratamento com aceproma- da uretra, e causam mais trauma à vesícula urinária;
zina (1). Para uso continuado, é indicado prescrever prazosin 2. Quando a utilização do cateter de espera for necessá-
e dantrolene durante 7 a 14 dias para promover o relaxamen- ria, deve-se mantê-lo em circuito fechado para redu-
to de toda a uretra (3,45). Os dois fármacos podem ser uti- zir as chances de infecção bacteriana ascendente;
lizados em conjunto e tratamentos longos ou intermitentes 3. Considere a utilização de relaxantes musculares du-
podem ser necessários em alguns indivíduos (1). É preferível rante e após a cateterização;
retirar ambos os medicamentos aos poucos, do que realizar 4. Confira a patência do cateter de espera sempre que
uma parada abrupta do tratamento (1). Todos os relaxantes possível e monitore a produção de urina. A vesícula
de musculatura lisa podem causar hipotensão e o dantroleno urinária não deve ficar distendida enquanto o animal
pode levar è hepatotoxicidade em humanos (1). estiver cateterizado;
Os gatos podem apresentar atonia de origem miogênica 5. Considere o uso de ansiolíticos a tranquilizantes leves
no músculo detrusor da vesícula urinária se sua distensão for durante e imediatamente após a cateterização uretral.
grave e prolongada (3,32). Se isso ocorrer, os animais podem Essas medicações podem reduzir a disúria e o tônus
ser tratados com medicamentos parassimpaticomiméticos, se simpático resultante do estresse.
necessário (3,32). O betanecol15 é utilizado com essa finalidade As complicações da terapia de desobstrução uretral in-
na dose de 1,25 a 5,0 mg/gato a cada 12 horas após o restabele- cluem óbito anestésico, trauma excessivo do pênis e da uretra
cimento da patência urinária (3). Entretanto, para esse fármaco e recidiva (45,46).

10 Acepram®, Univet S/A Indústria Veterinária, São Paulo, SP


11 Minipress Sr ®, Pfizer, São Paulo, SP
12 Dibenzilina®, não disponível no Brasil
13 Valium®, Roche, Rio de Janeiro, RJ
14 Dantrolen®, Cristália, Itapira, SP
15 Liberan®, Apsen, São Paulo, SP

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Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

Os gatos que possuem lesões irreversíveis na mucosa da calizadas na uretra peniana (46). A cirurgia deve ser executa-
uretra peniana, como estenoses (figura 9), rupturas, traumas da apenas após a educação do cliente quanto às complicações
e neoplasias ou que apresentam obstrução uretral recorrente potenciais, como incontinência urinária, dermatite amoniacal,
ou não responsiva ao tratamento clínico são candidatos a ure- fístula reto-uretral, hérnia perineal, formação de estenose no
trostomia perineal (3,46,47). As rupturas e estenoses uretrais novo orifício uretral e aumento do risco de infecção ascendente
ocorrem devido a uretrites crônicas ou traumas repetidos após do trato urinário (46,47). Dentre essas, a mais frequente a lon-
cateterização e representam a causa mais comum de indica- go prazo é a infecção bacteriana recorrente (46). Além disso, a
ção cirúrgica (46,47). Se a localização da obstrução ou estenose cirurgia não elimina a causa primária da DTUIF. A frequência
é desconhecida, se faz necessária a realização de um estudo de realização de uretrostomias nos EUA declinou nos últimos
radiológico contrastado retrógrado para se estabelecer o tipo 20 anos, assim como a de obstruções uretrais, urólitos e tam-
de uretrostomia a ser realizada (pré-púbica, subpúbica ou pe- pões uretrais (48). Acredita-se que isso tenha ocorrido devido
rineal) (47). A uretrostomia perineal é a mais frequentemente ao desenvolvimento e utilização de alimentos que reduzem o
realizada, pois normalmente a obstrução ou estenose estão lo- índice de cristalúria por estruvita em gatos.

Figura 9:
encaminhado a tratamento cirúrgico com uretrostomia perineal pois apresentava disúria e estrangúria.

Quadro 2: Fármacos úteis no tratamento de distúrbios eletrolíticos e ácido-base na obstrução uretral. Adaptado de Rieser (2005) .

Fármaco Dose Frequência Via Indicação


Intravenosa lenta 2 a Hipercalemia
Gluconato de cálcio16 50 a 100 mg/kg Dose-efeito
3 min Hipocalcemia
Insulina regular17 0,1 a 0,25 U/kg A cada 2 - 4horas Intravenosa Hipercalemia
Glicose 18
0,5 g/kg Dose-efeito Intravenosa Hipercalemia
Bicarbonato de (0,3) x peso kg x 1/3 a 1/2 da dose ao Intravenosa lenta 15 a Acidose metabólica
sódio19 (24 – TCO2) efeito 30 min Hipercalemia

Tratamento etiológico fêmeas e de 1 mm em machos (3,18). Gatos machos podem


Urolitíase obstruir a uretra caso o tamanho do cálculo seja subestima-
Embora os urólitos de estruvita e de urato possam ser dis- do, por isso, o procedimento deve ser realizado por clínicos
solvidos com o uso de dietas apropriadas (tabela 1), aqueles familiarizados com a técnica (3). O procedimento é realizado
formados por oxalato de cálcio devem ser removidos cirurgi- com o animal anestesiado ou fortemente sedado e com a ve-
camente, a não ser que sejam pequenos o suficiente para serem sícula urinária repleta de urina ou solução cristaloide estéril
expelidos através da urohidropropulsão de esvaziamento (1,3). infundida através de um cateter urinário (18). O felino então
A urohidropropulsão de esvaziamento pode ser efetua- é levantado pelas axilas e mantido com a coluna vertebral
da para o tratamento de cálculos menores do que 5 mm em perpendicular ao chão. A vesícula urinária é palpada e gen-

16 Gluconato de cálcio®, Ariston, São Paulo, SP


17 Humulin R®, Eli Lilly, São Paulo, SP
18 Glicose®, Ariston, São Paulo, SP
19 Bicarbonato de Sódio 8,4%®, Baxter Bioscience, Rio de Janeiro, RJ

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Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

tilmente agitada para deslocar qualquer urólito que esteja ou aumentarem de tamanho, apesar do uso correto da te-
aderido à sua mucosa, além de posicioná-los na região do rapia de dissolução, o diagnóstico inicial deve ser questio-
trígono vesical. O cateter urinário é removido e um frasco nado ou deve se considerar a possibilidade da presença de
coletor deve ser posicionado próximo à saída da vulva ou um urólito misto (3). Ocasionalmente, a dissolução médica
da ponta do pênis. Os urólitos são expelidos através da gen- pode ser usada para reduzir o tamanho do cálculo para que
til aplicação de uma pressão na vesícula urinária, de forma a urohidropropulsão possa ser mais efetiva (3). Após a reso-
a aumentar a pressão intraluminal para iniciar o reflexo de lução dos sinais clínicos e da dissolução médica, uma moni-
urinar. Eles não são forçados para fora e sim expelidos du- torização de rotina deve ser empregada com a realização de
rante o ato da micção. Deve-se repetir o procedimento caso urinálise e radiografia abdominal. Culturas e antibiogramas
o número de urólitos expelidos seja inferior àquele detec- também devem ser feitos periodicamente, principalmente
tado no estudo radiográfico. Se existirem incontáveis uró- da urina de gatos predispostos a infecções bacterianas (que
litos, deve-se utilizar a técnica até que nenhum cálculo seja possuem insuficiência renal crônica, diabetes mellitus ou
detectado no final do procedimento. O estudo radiológico uretrostomia perineal) (3).
sequencial pode ser realizado para sanar dúvidas quanto Todos os gatos que apresentam recidiva da formação de
à eliminação de todos os cálculos. Os animais devem ser urólitos, independentemente do tipo, devem ser alimentados
tratados com antibioticoterapia devido à cateterização, e a com alimento úmido para uma efetiva redução da densidade
urinálise, cultura e antibiograma devem ser realizados 5 a urinária (3).
10 dias depois do término do tratamento para confirmar a Oxalato de cálcio
erradicação da infecção. Não existe protocolo de dissolução médica disponível
A remoção cirúrgica de urólitos é a principal indicação para o tratamento de urolitíase por oxalato de cálcio (3,12,18).
para a cistotomia e ela deve ser acompanhada de biópsia da Se os cálculos não forem eliminados na urina e o gato apre-
mucosa da vesícula urinária e cultura da urina, com antibio- sentar sinais clínicos, a urohidropropulsão por esvaziamento
grama (49). Após realização da cistotomia, uma radiografia ou a intervenção cirúrgica são indicadas.
lateral deve ser realizada para confirmar a total retirada do(s) Como esse tipo de urólito tem alta taxa de recidiva, a
cálculo(s). cirurgia não deve ser considerada como um tratamento de-
Estruvita finitivo (18). Medidas preventivas devem ser tomadas e o
O tratamento específico da urolitíase por estruvita pode acompanhamento clínico do paciente com a realização de
incluir a realização de cistotomia para sua remoção cirúrgica, urinálises e radiografias seriadas deve ser instituído. Após o
a urohidropropulsão de esvaziamento ou a lise medicamen- tratamento cirúrgico, deve-se utilizar um alimento de pres-
tosa através de dietas terapêuticas específicas, dependendo crição não acidificante e que tenha baixos níveis de cálcio e
da situação individual do paciente (3). O aumento da inges- oxalato (3). Ele deve também induzir a diurese, ser restrito
tão de água é imperativo no manejo médico da urolitíase para em proteínas e promover alcalúria (12). A restrição de fósforo
promover a formação de uma urina que não saturada com não deve ser realizada devido ao potencial de aumentar a ab-
minerais calculogênicos (3). sorção intestinal de cálcio e calciurese secundária resultantes
Os urólitos de estruvita estéreis podem ser dissolvidos da baixa concentração sérica de fósforo (3).
utilizando-se uma dieta restrita em magnésio, fósforo e pro- Da mesma maneira, o magnésio também não deve ser
teína e que produz uma urina ácida, quando comparada a restringido devido ao seu efeito inibitório na formação de
alimentos de manutenção destinados a gatos adultos (50). cálculos de oxalato de cálcio (3). Não é indicado utilizar uma
O objetivo do tratamento de lise medicamentosa através do suplementação excessiva de sódio para estimular o consumo
uso de alimento balanceado especial é atingir um pH uriná- de água, pois existe um aumento da calciurese em humanos,
rio menor do que 6.3 e uma densidade urinária menor do embora estudos preliminares em animais saudáveis não con-
que 1.030. Durante a ingestão de dietas calculolíticas (tabela firmem esses dados (3,12). Nos casos de hipercalcemia, um
1), é importante que os proprietários dos animais não ofe- alimento rico em fibras deve ser usado em conjunto com o ci-
reçam qualquer outro tipo de alimento, incluindo petiscos trato de potássio20, na dose de 75 mg/kg a cada 12 horas ajus-
(3). O acompanhamento dos pacientes é realizado a cada três tando a dose até atingir um pH de 7,0 a 7,5, pois o citrato tem
semanas, através de estudo radiográfico, para ter certeza de um efeito alcalinizante e inibitório na formação desse tipo de
que o tratamento está sendo efetivo (3). Se o gato apresentar cálculo urinário (3,12,18). Outros medicamentos indicados
infecção bacteriana concomitante, antibióticos apropriados para pacientes normocalcêmicos incluem vitamina B621, na
devem ser administrados durante a dissolução medicamen- dose de 2,0 mg/kg por via oral a cada 24 horas, e hidrocloro-
tosa e por até duas semanas depois que ela for verificada tiazida22, na dose de 2 a 4 mg/kg por via oral a cada 12 horas
nas radiografias (3). A média de dissolução para cálculos de (18). O aumento do consumo de água também é indispen-
estruvita estéreis é de 36 dias (14 a 141 dias) e para aqueles sável para o manejo desta urolitíase (3,12). Diversas dietas
que são formados devido a uma infecção bacteriana primá- estão disponíveis no mercado para prevenir a recorrência de
ria é de 44 dias (14 a 92 dias) (50). Se os urólitos persistirem cálculos de oxalato de cálcio (3).

20 Litocit®, Apsen, São Paulo, SP


21 Seis-B-100 MG®, Apsen, São Paulo, SP
22 Drenol®, Pharmacia Brasil, São Paulo, SP

Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 459-463. 459
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

Urato maneira, se uma mudança de alimentação for recomendada,


A dissolução de cálculos de urato pode ser realizada utili- o novo alimento úmido deve ser oferecido em uma vasilha ao
zando-se dietas alcalinizantes que possuam baixos níveis de lado da antiga dieta (3,25). O gato deve escolher se quer mudar
proteínas, pois elas reduzem as concentrações dos precurso- seu tipo de alimento e essa troca nunca deve ser forçada (3).
res das purinas, as quais são convertidas a ácido úrico (3,12). Caso ele aceite, deve-se gradualmente substituir a alimentação
Também pode-se utilizar o alopurinol, que age inibindo a seca pela úmida, encorajando também a ingestão de líquidos
enzima xantino oxidase, que é essencial para a produção de através do uso de fontes correntes de água próprias para gatos
ácido úrico. Entretanto, o uso do alopurinol pode favorecer e com o oferecimento de caldos de carne ou frango cozidos por
a formação de urólitos de xantina em gatos (3). A dose reco- parte dos proprietários (1). Assim como as vasilhas sanitárias,
mendada de alopurinol23 é de 9,0 mg/kg/dia. Se a dissolução as de alimento e água também devem estar sempre limpas e
médica não ocorrer, o que geralmente ocorre nos casos de em número maior do que o de gatos no ambiente (3,25). O en-
desvio portossistêmico, a remoção cirúrgica ou a urohidro- corajamento do comportamento natural de alimentação dos
propulsão podem ser necessárias (3). felinos também deve ser realizado, através de atos que mime-
Nesses casos, sua recorrência é prevenida quando se cor- tizem a caça, como esconder o alimento pela casa (25).
rige o desvio. É importante identificar fatores estressantes e mudanças
Cistite idiopática da rotina como introdução de novos gatos ou pessoas no am-
A maioria dos casos de cistite idiopática não-obstrutiva é biente, mudança de dieta ou de moradia, superlotação am-
autolimitante, porém o tratamento é indicado, pois se trata de biental, estresse do proprietário, conflito entre animais etc.
um processo doloroso e estressante para o animal, podendo (1,25). O gato deve dispor de enriquecimento ambiental que
inclusive causar obstrução uretral, traumatismos por lambe- seja natural e desejável por ele, dando oportunidades de esca-
dura na região perianal e distúrbios de eliminação (1). O seu lada, arranhadura e descanso, além de locais nos quais se sin-
tratamento inclui enriquecimento ambiental, alterações die- ta seguro e possa se esconder (1,3,25). A utilização de simula-
téticas, terapia com ferormônios e intervenção farmacológica ções de caça através do uso de “laser pointers”, esconderijos
nos casos refratários (3). Os proprietários devem ser infor- de comida pela casa e brinquedos variados contribuem para
mados que essa doença possui uma causa desconhecida, não essa proposta (3). A relação de contato e interação entre o
tem cura e que o objetivo da terapia é reduzir a gravidade e a animal e seu proprietário também deve ser investigada para
taxa de recidiva dos sinais clínicos (3). corrigir eventuais situações de agressividade ou desprezo (3).
O estresse deve ser reduzido através da correção do ma- A utilização de ferormônios faciais felinos sintéticos24
nejo das bandejas sanitárias, de alimento e de água (1,3,25). deve ser considerada para reduzir comportamentos de ansie-
Deve-se ter uma bandeja sanitária a mais para cada gato, e dade dos animais, incluindo marcação territorial com urina
essas devem estar sempre limpas e em localizadas em am- (1,3). A redução da marcação territorial provavelmente está
bientes diferentes da casa, desde que sejam adequados e sem relacionada com uma diminuição da vigilância realizada pe-
barulho (25,51). A maioria dos gatos prefere areias que não los animais, já que a sua percepção do ambiente é favoravel-
formam torrões e inodoras, mas todos os tipos de areia e de mente modificada (53). Já que a CIF pode estar relacionada
vasilha devem ter sua preferência testada (25,51). com um aumento da ativação do sistema nervoso simpático
Para assegurar uma ingestão adequada de água, deve se e a redução da vigilância parece ter um efeito na diminuição
determinar as preferências do gato (3,25). A profundidade e da ativação desse sistema, é provável que o uso desse produ-
constituição da vasilha, o gosto da água e o uso de fontes ou to beneficie os gatos portadores dessa doença (3). Ele deve
água corrente devem também ser testados (3). ser utilizado em associação com o enriquecimento ambiental
O tipo de alimento que é oferecido também deve ser in- para reduzir o estresse (3,25).
vestigado (3,25). A mudança dietética influencia facilmente a O tratamento analgésico reduz a gravidade dos sinais clí-
composição urinária, afetando sua concentração, volume, pH nicos, mas não deve ser o único tratamento empregado (1).
e fração mineral (1). Embora as indústrias tenham se concen- Os anti-inflamatórios não-esteroides, como carprofeno25 e ce-
trado em mudanças de pH e conteúdo de magnésio e cálcio toprofeno26 e analgésicos opioides potentes como butorfanol,
urinários, hoje se acredita que o fator isolado mais importan- buprenorfina e de fentanil27 são benéfi cos a curto prazo no
te seja o balanço hídrico (1). O objetivo da alteração dietética tratamento da dor 1,3.
deve ser aumentar a ingestão de água para diluir qualquer Os antidepressivos tricíclicos são benéficos no trata-
componente nocivo presente na urina (1,3). Por essas razões, mento da cistite intersticial humana e em alguns gatos com
é preferível alimentar os pacientes com um alimento úmido cistite idiopática, entretanto, existem poucos estudos que
do que alterar os componentes do alimento seco (1,3). Os ga- comprovam sua eficácia (1). Esses fármacos possuem efeitos
tos que se alimentam de dieta úmida possuem apenas 11% orgânicos e comportamentais, incluindo ação anticolinérgica
de taxa de recidiva de CIF em um ano, enquanto que aqueles (aumentando a capacidade da vesícula urinária), anti-infla-
que comem dieta seca apresentam taxas de até 39% (52). Dessa matória (prevenindo a liberação de histamina pelos mastó-
23 Uricemil®, Cristalia, Itapira, SP
24 Feliway®, Ceva Santé Animale, Paulínia, SP
25 Rimadyl®, Pfizer Saúde Animal, Guarulhos, SP
26 Ketofen®,, Merial Brasil, Campinas, SP
27 Durogesic®, Janssen-Cilag, São Paulo, SP

460 Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 460-463.
Contribuição ao estudo da doença do trato urinário inferior felino (DTUIF) – Revisão de literatura

citos), antiadrenérgica, analgésica e antidepressiva (1,54). O O uso de glicocorticoides e antibióticos não resulta em
antidepressivo indicado é a amitriptilina28, na dose de 2,5 a efeitos satisfatórios e a administração de azul de metileno
10 mg/gato, por via oral a cada 24 horas, durante à noite (1). (antisséptico urinário) e fenazopiridina (analgésico urinário)
Uma dose inicial de 5 mg/dia é bastante efetiva em muitos são contra-ndicadas devido à anemia grave resultante, com
gatos, devendo ser aumentada aos poucos até que um efeito formação de corpúsculos de Heinz (1,3).
calmante seja observado, além da resolução dos sinais clíni- É importante ressaltar que a terapêutica hoje disponível
cos (3). Esse medicamento deve ser reservado para os pacien- para o tratamento da cistite idiopática é meramente paliativa
tes que possuem doença grave ou crônica, o tratamento não (1). Os melhores resultados são obtidos quando se realiza várias
deve ser suspenso abruptamente e os melhores resultados mudanças, como reduzir o estresse, utilizar alimentação úmida
são vistos a longo prazo (1,55,56). Se nenhum efeito favorável e repor GAGs e, se necessário, aliviar o espasmo uretral (1).
é visto em quatro meses, o fármaco deve ser gradualmente Para o sucesso do tratamento da cistite idiopática nos
reduzido até que o tratamento seja suspenso (3). Os efeitos casos de recidiva, os proprietários devem reconhecer pre-
colaterais incluem sonolência, ganho de peso, retenção uriná- cocemente sinais prodrômicos, como excesso de lambedura
ria e aumento das enzimas hepáticas (1,55,56). Essas devem perianal e agressividade entre gatos (geralmente o agressor
ser checadas antes do tratamento, após 1 mês de seu início e desenvolve a doença), antes que a enfermidade se torne cli-
a cada 6 a 12 meses (1,3). Outros medicamentos que já foram nicamente óbvia (1). A duração desses sinais pode variar de
utilizados em gatos com CIF incluem clomipramina29, fluoxe- alguns dias a algumas horas, e se mudanças forem realizadas
tina30 e buspirona31 (3). nesse momento, a chance de se conseguir uma redução da
Alguns pesquisadores recomendam a utilização de su- gravidade e tempo de duração dos sinais clínicos é maior.
plementos de glicosaminoglicanos para ajudar reconstituir Essas mudanças incluem o uso de ferormônios felinos, au-
a camada protetora da vesícula urinária e diminuir a infla- mento da ingestão de líquidos e/ou a utilização de GAGs e
mação, reduzindo a permeabilidade da parede da vesícula de prazosina (quando indicado). Essa abordagem pode ser
urinária (1,3). Os GAGs também possuem efeitos analgési- inclusive utilizada quando um episódio de estresse é anteci-
cos e anti-inflamatórios (1). Sua utilização deve ser restrita a pado, como uma visita ao veterinário, hospedagem em outro
gatos que apresentam cistite grave, em conjunto com outros ambiente, realização de obras em casa, etc.
tratamentos (1,3). Os GAGs atualmente indicados para fe- Tampões uretrais e cristalúria
linos são: glicosamina32 (precursor de GAG), na dose 125 Inicialmente, se houver obstrução, a patência da uretra
mg/gato, por via oral, a cada 24 horas (1) ou polisulfato de deve ser restabelecida e o espasmo uretral deve ser minimi-
pentosano33, na dose de 50 mg/gato, a cada 12 horas (3). Os zado (1). O tratamento a longo prazo deve ser focado na re-
efeitos colaterais incluem aumento do tempo de coagula- dução da matriz coloidal (inflamação) e da cristalúria (1). Por
ção, inapetência e possivelmente, resistência à ação da in- essas razões, o paciente deve ser alimentado com um alimen-
sulina (1). to úmido e se houver cristalúria grave e persistente, a natu-
O tratamento do espasmo uretral é indicado para todos os reza dos cristais deve ser investigada e deve-se a utilizar um
gatos que apresentem sinais de cistite idiopática (1). alimento de prescrição, de preferência úmido (1) (quadro 3).
Quadro 3: Tip
urolitíase.

Alimento balanceado-Indústria Indicação pH urinário


Moderate pH/O - Eukanuba Oxalato 6,3 – 6,9
Low pH/S - Eukanuba Estruvita 5,9 – 6,3
s/d - Hill’s Estruvita início 5,9 – 6,1
c/d-s - Hill’s Estruvita manutenção 6,2 – 6,4
Urinary S/O LP 34 - Royal Canin Estruvita e oxalato 6,2
Urinary Care Protection - Purina Estruvita 6,0 – 6,4

A alimentação dos gatos que já possuem urina ácida e não (1). Também existe o risco da formação de cristais de oxalato
apresentam cristais de estruvita não deve ser realizada com de cálcio nesses casos (1).
alimentos acidificantes (1). O uso a longo prazo de dietas aci- Infecções bacterianas
dificantes leva à acidose metabólica, hipocalemia, dano renal Os felinos que desenvolverem infecções bacterianas
e perda de densidade óssea, especialmente em gatos jovens devem ser submetidos à antibioticoterapia de acordo com

28 Tryptanol®, Prodome, Campinas, SP


29 Anafranil®, Novartis, São Paulo, SP
30 Prozac®, Eli Lilly, São Paulo, SP
31 Buspanil®, Novartis, São Paulo, SP
32 Artroglycan, Schering-Plough, Cotia, SP
33 Elmiron®, não disponível no Brasil

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o resultado da cultura e antibiograma, por um período Defeitos anatômicos


de duas a três semanas ou quatro a seis semanas, caso A remoção cirúrgica do divertículo urinário deve ser reali-
exista suspeita de pielonefrite (1,3). Urinálises e culturas zada se não houver resolução espontânea após o tratamento da
de rotina devem ser realizadas periodicamente, principal- causa primária da DTUIF (1,49). O tecido retirado deve ser en-
mente em animais que sofreram cirurgia de uretrostomia viado para cultura, antibiograma e análise histopatológica (1).
perineal (46). A persistência do uraco deve ser também tratada através de
O tratamento das infecções simples confinadas à vesícula correção cirúrgica, através da dissecção do canal uracal, secção do
urinária ou uretra só deve ser instituído se o animal não esti- uraco e sutura da vesícula urinária e da parede abdominal (34,49).
ver com cateter urinário e, de preferência, após ele estar com
Profilaxia
a patência urinária restabelecida (32). Isso evita que infecções
Para a prevenção da DTUIF é essencial garantir que os fe-
com bactérias resistentes a antibióticos se estabeleçam. Po-
linos sejam poupados de situações de estresse desnecessárias,
rém, se houver sinais de infecção do trato urinário superior
habitem lugares com enriquecimento ambiental e disponham
(febre, leucocitose, prostração), a antibioticoterapia deve ser
de uma alimentação balanceada com controle de minerais e
instituída imediatamente.
de pH urinário (14). Além disso, deve-se estimular os feli-
Neoplasias
nos a ingerir maior quantidade de líquidos e rações pastosas,
O tratamento das neoplasias originadas na vesícula uriná-
fazer exercícios periodicamente e corrigir a obesidade e o ma-
ria é cirúrgico, através de cistectomia parcial (49). Uma gran-
nejo, principalmente com relação às bandejas sanitárias.
de porcentagem da parede da vesícula pode ser excisada com
um retorno gradual à sua função normal, desde que a região
do trígono seja preservada. Quando sua excisão total não pu- Conclusão
der ser realizada, o tratamento medicamentoso com piroxi- A DTUIF abrange um conjunto de manifestações clínicas
cam34, na dose de 0,3 mg/kg, por via oral a cada 48 horas é extremamente comuns em gatos e representa um desafio aos
indicado, principalmente nos casos de carcinoma de células médicos veterinários, pois possui etiologia complexa e mui-
transicionais (1). Assim como outros anti-inflamatórios não- tas vezes indeterminada. Porém, o sucesso do tratamento e a
esteroides, o piroxicam pode causar toxicidade gastrintesti- redução dos casos de recidiva são inversamente proporcio-
nal e renal. Deve-se monitorar o perfil renal sanguíneo antes nais à disponibilidade de investigação da sua causa, correção
e durante o tratamento (1). do manejo e enriquecimento ambiental.

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Medvep - Revista Científica de Medicina Veterinária - Pequenos Animais e Animais de Estimação 2009;7(23); 463-463. 463

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