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Prólogo a edição de 1982 dos Métodos da Ética

Parece fácil dizer que desde a metade do século dezoito a doutrina moral
sistemática dominante na tradição filosófica moral de língua inglesa tenha sido alguma
forma de utilitarismo. Uma razão para isso é a grande quantidade de escritores
verdadeiramente brilhantes que pertenceram a essa tradição constituindo um corpo de
pensamentos impressionante em sua compreensibilidade e em suas possibilidades de
desenvolvimento e refinamento. Facilmente esquecemos que Hume e Adam Smith, que
Bentham e J. S. Mill foram teóricos políticos e sociais e economistas de primeira linha. A
doutrina moral que desenvolveram sempre lhes pareceu parte de uma concepção muito
mais ampla.
Na tradição utilitarista Henry Sidgwick (1838-1900) tem um lugar importante. Seu
trabalho fundamental, Os Métodos da Ética (primeira edição de 1874 e a sétima e última
edição sendo apresentada aqui), é a mais clara e acessível formulação do que poderíamos
chamar de “doutrina utilitarista clássica”. Essa doutrina sustenta que o fim último moral da
ação social e individual é a maior soma de felicidade de todos os seres sencientes.
Felicidade é especificada (como positiva ou negativa) pelo balanço de prazer menos
sofrimento ou, como Sidgwick prefere dizer, pelo resultado do agradável menos o
desagradável conscientes. Nos dias de Sidgwick, a clássica doutrina que acabamos de
deslumbrar a muito era familiar através dos trabalhos de Bentham e de sua ampla influência
nos escritores subseqüentes. O que faz dos Métodos da Ética obra tão importante é que
Sidgwick está mais atento do que qualquer outro autor clássico das muitas dificuldades que
essa doutrina enfrenta e que ele tenta lidar com essas dificuldades de forma consistente e de
modo cuidadoso enquanto nunca abandona a estrita doutrina, como por exemplo, havia
feito J. S. Mill. O livro de Sidgwick, portanto, é o trabalho clássico mais profundo
filosoficamente e, que poderia ser dito dele, que trouxe a um fim este período da tradição.
Os Métodos da Ética são importantes por uma outra razão: é o primeiro trabalho
verdadeiramente acadêmico em filosofia moral que se coloca a tarefa de prover uma
comparação sistemática das concepções morais começando com aquelas que
historicamente e, pelo consenso presente, são as mais significantes. Sidgwick realiza esse
estudo porque pensa que uma justificação razoável e satisfatória da doutrina clássica (e
mesmo de qualquer outra concepção moral) não poderia ser dada de outro modo. E, uma
tal justificação, ele espera prover. Para esse fim, Sidgwick tenta reduzir todas as principais
concepções morais a três: o hedonismo egoísta, o intuicionismo e hedonismo universalista

1
(a doutrina clássica). Após descrever o assunto da ética e seus limites no Livro 1, os três
Livros subseqüentes tomam essas três concepções na ordem acima apesar de deveríamos
observar que, pelo fim do Livro 3, o hedonismo universalista já foi explicado e
argumentado como superior ao intuicionismo. A justificação sistemática da superioridade
do universalismo hedonista sobre o intuicionismo será dada no Livro 4. A expectativa seria
a de que Sidgwick iria acompanhar e argumentar que o hedonismo universalista seria
superior também ao hedonismo egoísta, uma vez que claramente sua simpatia filosófica e
moral vão para o primeiro. Mas ele acha que isso não ocorre. Ele acredita que ambas as
formas de hedonismo igualmente satisfazem os padrões de justificação racional que
cuidadosamente havia formulado. Sidgwick conclui assim com desânimo que nossa razão
prática parece estar divida contra si mesma. E se e como essa divisão pode ser resolvida ele
deixa como um problema, não para um trabalho em ética, mas para ser realizado apenas
após termos feito um exame geral dos critérios das crenças verdadeiras e falsas.
A originalidade de Sidgwick consiste em sua concepção da filosofia moral e no
modo em que uma justificação argumentada e satisfatória de qualquer concepção moral
particular deva proceder a partir de um completo conhecimento e comparação sistemática
das concepções morais mais significantes da tradição filosófica. Os Métodos de Ética é um
trabalho fundamental por que desenvolve e mostra essa concepção da filosofia moral com
um domínio seguro e controle total dos detalhes necessários. Uma compreensão acurada e
avaliação informada da doutrina clássica – que é ainda de grande relevância para a filosofia
moral de nosso tempo – poderia ser melhor iniciada a partir de um cuidadoso estudo do
tratado de Sidgwick.

John Rawls
Novembro de 1981

[Para aqueles que desejam consultar uma referência secundária sobre a filosofia de
Sidgwick, o livro de Schneewind, A ética de Sidgwick e a Filosofia Moral Vitoriana (Oxford,
1977) é altamente recomendável. Essa obra provê uma discussão compreensiva da teoria de
Sidgwick localizando-a no interior da história da filosofia moral inglesa.]

2
Prefácio à primeira edição

[vii] Ao oferecer para o público um livro sobre assunto tão comum quanto à ética,
parece desejável indicar claramente desde o início seu plano e seu propósito. Inicialmente,
sua especificidade deve ser dada negativamente caracterizando-se por ser, em seu cerne,
nem metafísico, nem psicológico, ao mesmo tempo em que não é nem dogmático nem
diretamente prático e nem lida, exceto para exemplificar, com a história do pensamento
ético. Deve ser dito que em certo sentido, não é nem mesmo crítico uma vez que apenas
incidentalmente oferece qualquer crítica aos sistemas de autores específicos. A obra
reivindica ser um exame, ao mesmo tempo expositivo e crítico, dos diferentes métodos de
se obter convicções argumentadas acerca do que deve ser feito e o que encontraremos –
implícita ou explicitamente – na consciência moral da humanidade em geral; e que, de
tempos em tempos, tem sido desenvolvida, solitariamente ou em associação, por
pensadores individuais que elaboraram os sistemas que agora são históricos.
Evitei uma investigação acerca da origem da faculdade moral – que talvez tenha
ocupado uma quantidade desproporcional da atenção dos moralistas modernos – devido a
suposição simples (que parece ser feita implicitamente em todos os raciocínios éticos) de
que existe algo1 em qualquer circunstância dada que é certo e razoável fazer e de que é
possível sabê-lo. Se for admitido agora que possuímos uma faculdade de conhecer isso,
parece para mim que a investigação acerca dos antecedentes históricos desta cognição, e de
sua relação com os outros [viii] elementos da mente, não pertencem mais propriamente à
ética do que as questões correspondentes a cognição do Espaço pertencem à geometria2.
Faço, entretanto, nenhuma outra suposição acerca da natureza do objeto do conhecimento
ético. E, portanto, meu tratado não é dogmático. Todos os diferentes métodos
desenvolvidos nele são expostos e criticados a partir de uma posição tão neutra e tão
imparcial quanto possível. E, assim, embora meu tratamento do assunto seja, em certo
sentido, mais prático do que o da maioria dos moralistas, uma vez que estou preocupado
desde o início em considerar como as conclusões possam ser racionalmente alcançadas no
cotidiano de nossa vida e prática reais, ainda assim, meu objeto imediato – invertendo a
frase aristotélica – não é a prática mas o conhecimento. Tenho pensado que a
predominância na mente dos moralistas de um desejo de edificar impediu o real progresso
da ciência ética, e que essa ciência seria beneficiada pela aplicação daquela curiosidade

1 Não quero dizer excluir a suposição de que duas ou mais alternativas poderiam, sob certas
circunstâncias, estarem igualmente certas.
2 Essa afirmação parece-me agora requerer uma modificação leve (1884).

3
desinteressada que garantiu as grandes descobertas da física. É neste espírito que tentei
compor o presente trabalho, e com essa concepção desejo concentrar a atenção do leitor,
por toda a obra, não nos resultados práticos que nossos métodos acarretam, mas nos
próprios métodos. Desejei colocar de lado temporariamente a necessidade urgente que
todos sentimos de encontrar e adotar o verdadeiro método de determinação do que
devemos fazer, e considerar simplesmente quais conclusões seriam racionalmente
alcançadas se começássemos com certas premissas éticas e em quais graus de certeza e
precisão.
Devo mencionar que o Capítulo 4 do Livro 1 é uma reimpressão (com
consideráveis modificações) de artigo da Contemporary Review na qual apareceu
originariamente sob a rubrica de “Pleasure and Desire”. E não posso concluir sem um
agradecimento a meu amigo Sr. Venn, que teve a bondade em aceitar a tarefa trabalhosa de
ler e criticar meu trabalho, antes e durante sua passagem para o prelo, e a quem devo vários
aperfeiçoamentos de minha exposição.

[ix] Prefácio à Segunda Edição

Ao preparar este trabalho para uma segunda edição, achei desejável fazer
numerosas alterações e adições. De fato, a extensão que essas modificações alcançaram é
tão considerável, que pensei em publicá-las de forma separada para o uso daqueles que
adquiriram a minha primeira edição. Em um ou dois pontos reconheço certa mudança de
concepção que é parcialmente devida às criticas que sofreu. Por exemplo, no capítulo 4 do
Livro 1 (sobre “Prazer e Desejo”), que em grande parte foi criticado pelo Prof. Bain e por
outros, embora ainda sustente minha opinião anterior sobre o problema psicológico em
questão, fui levado a tomar uma visão diferente da relação dessa questão com a ética e, de
fato, o §1 deste capítulo como aparece agora diretamente contradiz a passagem
correspondente da edição anterior.
Quanto ao capítulo seguinte, sobre o “livre arbítrio”, apesar de não achar que as
modificações feitas tenham removido minhas dificuldades em lidar com esse problema
perene, tornaram-me convicto de que não deveria esconder [obtruded] essas dificuldades
do leitor, desconsiderando o assunto. Na presente edição, entretanto, limitei-me
cuidadosamente a explicar e justificar a concepção que defendo do aspecto prático da
questão. Fui levado posteriormente, através do estudo da teoria da evolução em sua
aplicação prática, a acrescentar mais alguma importância a essa teoria do que previamente

4
feito e também, em algumas passagens do Livro 3 e 4, a substituir ‘bem-estar’ por
‘felicidade’, em minha exposição daquela referência implícita a algum fim último ou padrão
que a reflexão quanto a moral do senso comum continuamente traz em consideração. Essa
última mudança, entretanto (como explico no capítulo de conclusão do Livro 3) não possui
nenhum efeito prático. Também modifiquei minha concepção quanto [ix] a “certeza
objetiva” como o leitor poderá verificar ao comparar o Livro 1 Capítulo 1 §3 com a
passagem correspondente da edição anterior. Mas aqui novamente a alteração não possui
nenhuma importância material. Na minha exposição do princípio Utilitarista (Livro 4
Capítulo 1) abreviei a frase “maior felicidade do maior número” pela omissão – como esse
autor tem ultimamente aconselhado – das últimas três palavras. E, finalmente, cedi tanto
quanto pude às fortes objeções que foram feitas contra o capítulo final do tratado. A
principal discussão aí contida ainda me parece indispensável para a completude do
trabalho, mas tentei dar ao capítulo um novo aspecto pela alteração do começo e pela
omissão do parágrafo de conclusão.
A maior parte, entretanto, do novo material desta edição é meramente explicativo e
suplementar. Tentei dar uma versão mais clara e completa das minhas concepções em
qualquer ponto que julguei ambíguo ou expresso de forma inadequada ou então que por
experiência eram suscetíveis a mal-entendidos. Assim, no Livro 1 Capítulo 2, tentei
fornecer uma explicação mais instrutiva que a que continha a primeira edição das relações
mútuas entre ética e política. Novamente, mesmo antes da aparição da resenha interessante
do Sr. Leslie Stephen publicada em Fraser (Março de 1975) tive o desejo de explicar melhor
minha concepção geral da “Razão Prática” e da noção fundamental denotada (signified)
pelos termos “certo”, “devo” e etc. Com esse objetivo reescrevi completamente o capítulo
3 do Livro 1, além de ter feito consideráveis alterações no capítulo 1. Em outros lugares,
como nos Capítulos 6 e 9 do Livro 1 e no Capítulo 6 do Livro 2 realizei alterações
principalmente de forma a fazer a exposição ficar mais clara e simétrica. Este é em parte o
caso de mudanças consideráveis que fiz nos três primeiros Capítulos do Livro 3, mas
também tentei esclarecer as objeções trazidas pelo Professor Calderwood3 contra o
primeiro destes capítulos. A parte principal deste livro [xi] (Caps. 4-12) foi também
levemente alterada, mas no Capítulo 13 (sobre o ‘Intuicionismo Filosófico’), que foi
criticado por mais de um escritor, achei conveniente dar uma versão mais direta das minhas
próprias opiniões ao invés de confinar-me (como na primeira edição) em comentar aquelas
de outros moralistas. O Capítulo 14 ainda foi consideravelmente modificado

3 Cf. Mind, nº 2.

5
principalmente para introduzir no seu interior partes substanciais do artigo ‘Hedonismo e
Fim Último’ que publiquei na Mind (nº 5). No Livro 4, as mudanças (além daquelas
mencionadas acima) foram menores e foram feitas principalmente de forma a remover um
erro que devo atentar quanto a minha atitude geral frente aos três principais métodos da
ética que me ocupo a examinar.
Ao revisar este trabalho, tentei tirar o máximo proveito de todas as críticas que me
foram reveladas tanto público quanto privadamente4. Tentei frequentemente acatar essas
objeções, mesmo quando pareciam inconsistentes [unsound], se considerei que pela
alteração elas podiam evitar controvérsias em questões em que eu era indiferente. Onde fui
incapaz de fazer as mudanças necessárias, respondi, no texto ou em notas, a tais críticas
quando pareceram plausíveis ou de algum modo instrutivas. Ao fazê-lo, às vezes refiro-me
pelo nome aos meus opositores, onde pensei que, dada a sua posição como especialistas do
assunto, isso fosse dar um acréscimo de interesse à discussão, mas cuidadosamente omiti
tais referências onde me pareceram que pudessem causar ofensas. O livro já era mais
controverso do que poderia desejar, e evitei preenchê-lo [encumbering] com qualquer
polêmica de interesse meramente pessoal. Por essa razão, deixei de lado tais críticas
referentes a incompreensões contra as quais, penso, poderia [xii] resguardar a presente
edição.
Existe, entretanto, uma incompreensão fundamental que me parece desejável
comentar com algumas poucas palavras. Acho que mais do que um crítico fechou os olhos
ou desconsiderou a explicação do plano de meu tratado dada no prefácio original e no §5
do capítulo introdutório e, consequentemente supuseram que eu estava escrevendo para
atacar os dois primeiros métodos que examino e como um defensor do terceiro. Assim, um
dos resenhistas considerou o Livro 3 (sobre o Intuicionismo) como contendo meramente
críticas hostis feitas de fora, enquanto outro crítico construiu um artigo com base na
suposição de que meu principal objetivo é a “supressão do egoísmo” e, por fim, um
terceiro autor escreveu um longo panfleto sob a impressão (aparente) de que o “principal
argumento” do meu tratado é a demonstração do hedonismo universalista. Preocupo-me
por ter causado tanta incompreensão e, por isso, cuidadosamente, alterei nesta edição as
passagens que contribuíram para isso. A moralidade que examino no Livro 3 é a minha
própria moralidade tanto quanto é a de qualquer homem. Como afirmei, é a “moralidade
do senso comum” que tento representar na medida em que a compartilho, apenas me
colocando de fora ou (1) temporariamente, com o propósito de uma crítica imparcial, ou

4Entre as críticas não publicadas devo mencionar especialmente as sugestões valiosas que recebi do
Sr. Carveth Read com cuja assistência contei na correção de muitos pontos da edição presente.

6
(2) tão logo sou forçado a ir além devido a uma conscientização prática de sua
incompletude. Tenho certamente criticado cuidadosamente [unsparingly] essa moralidade,
mas creio a ter exposto com a mesma imparcialidade quanto a seus defeitos e dificuldades
com os quais abordei o Método Hedonista (cf. especialmente caps. 3 e 4 do livro 2 e cap. 5
do livro 4). Em consideração aos dois princípios hedonistas, não sustento a razoabilidade
de objetivar a felicidade em geral com qualquer convicção mais forte que aquela que eu
mesmo objetivo. Não era parte do meu plano chamar especial atenção a esse “Dualismo da
Razão Prática” como em outro lugar o chamei, mas estou surpreso com a extensão à qual
minha concepção causou perplexidade mesmo entre os críticos que a compreenderam.
Imaginei [xiii] então, que eles rapidamente ligariam à fonte de onde o aprendi, ou seja, os
bem conhecidos Sermões do Bispo Butler. Sustento com Butler, que o “amor-próprio
racional [reasonable] e a consciência são os dois principais e superiores princípios da
natureza do homem”, cada um de nós sob a “manifesta obrigação” de obedece-los e não
difiro (creio eu) materialmente de Butler na minha concepção seja do amor-próprio
racional seja (aparte a teologia) de sua relação com a consciência. Nem, novamente, difiro
dele em conceber a consciência como essencialmente uma função da Razão Prática. Afirma
Butler na Analogia (Part II, Cap. Viii): “preceitos morais são preceitos da razão que nós
vemos”. Divergimos apenas quando pergunto a mim mesmo ‘qual, entre os preceitos de
nossa consciência comum, realmente vemos como sendo ultimamente razoáveis?’, questão
essa que Butler não parece ter seriamente colocado, e para qual, de qualquer forma, ele não
deu uma resposta satisfatória. A resposta que encontrei para essa questão fornece a base
racional que percebi a muito ser buscada no Utilitarianism de Bentham, enquanto doutrina
ética e, isto me permitiu, transcender a antítese comumente apontada entre os utilitaristas e
os intuicionistas.

Prefácio à Terceira Edição

Nessa Terceira Edição fiz novamente extensas alterações e introduzi uma


considerável quantidade de novos tópicos. Algumas dessas mudanças e adições são devidas
a modificações de minhas próprias concepções éticas e psicológicas, mas não acredito que
qualquer dessas mudanças seja de grande importância em relação ao assunto principal do
tratado. E, de longe, a maior parte dos novos tópicos introduzidos foi escrito ou (1) para
remover obscuridades, ambigüidades e inconsistências menores na exposição de minhas

7
concepções que as críticas5 de outros ou que as minhas [xiv] próprias reflexões permitiram
descobrir ou (2) para abordar, tão completamente quanto pareceu desejável, certas partes
ou aspectos do tema que tratei superficialmente ou brevemente nas edições anteriores e,
que agora parece importante explicitar minhas posições, seja para a maior completude do
tratado – de acordo com minha própria visão do assunto – seja para uma melhor adaptação
ao presente estado do pensamento ético na Inglaterra. As mais importantes mudanças do
primeiro tipo foram feitas nos caps. 1 e 9 do Livro 1, caps. 1-3 do Livro 2 e caps. 1, 13 e 14
do Livro 3. Quanto as do segundo tipo, devo mencionar as discussões acerca da relação
entre o intelecto e a ação moral no Livro 1 cap. 3, da volição no Livro 1 cap. 5, das causas
do prazer e da dor no Livro 2 cap. 6, da noção de virtude na moralidade do Senso Comum
no Livro 3 cap. 2, e da ética evolucionista no Livro 4 cap. 4.
Devo acrescentar que todas as alterações e adições importantes foram publicadas de
forma separada para o uso daqueles que adquiriram a segunda edição.

Prefácio à quarta edição

As principais alterações nessa Quarta Edição são as seguintes: (1) expandi a


discussão sobre o livre-arbítrio no Livro 1 cap. 5 §3 para responder às criticas do Sr. Fowler
no seu Principles of Morals e às do Dr. Martineau no seu Types of Ethical Theory. (2) Devido a
publicação desse último trabalho reescrevi parte do cap. 12 do Livro 3 que lidava com a
concepção ética mantida pelo Dr. Martineau. (3) Expandi os argumentos do Livro 3 [xv]
cap. 14 para responder às objeções habilmente feitas pelo Sr. Rashdall na Mind (Abril 1885).
(4) Alterei de algum modo o capítulo de conclusão em conseqüência das importantes
críticas do Prof. V. Gizycki (Vierteljahrsschrift für Wissenschaftliche Philosophie, Jahrg. iv. Heft i)
que inadvertidamente subestimei na preparação da Terceira Edição. Arrumei espaço para
algumas páginas de material novo que foram introduzidas – orgulho-me de dizer – pelo
encurtamento do que me pareceu prolixo, omitindo o que me parecia supérfluo e relegando
digressões para as notas ou para outras partes do texto de modo que o todo não foi
aumentado.
O Index que agora forma um novo apêndice da presente edição devo à gentileza da
srta. Jones da Faculdade Girton autora do Elements of logic as a Science of Propositions.

5 Devo aqui reconhecer o auxílio que recebi a partir das observações e perguntas de meus alunos e
das críticas que me foram comunicadas privadamente da parte de outras pessoas. Entre essas
últimas, devo mencionar especialmente um exame instrutivo de minhas doutrinas fundamentais
feito pelo Rev. Hastings Rashdall.

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Prefácio à Quinta Edição

Algumas críticas às minhas opiniões e raciocínios éticos vieram ao meu


conhecimento desde a publicação da quarta edição deste tratado principalmente
relacionadas ao meu tratamento da questão do livre-arbítrio no Livro 1 cap. 5 e quanto a
visão hedonista do Bem Último sustentada no Livro 3 cap. 4. De acordo com isso,
reescrevi certas partes desses dois capítulos na esperança de tornar meus argumentos mais
claros e convincentes de forma que em cada caso uma ligeira modificação da concepção
será aparente para o leitor cuidadoso que comparar a presente edição com a anterior, mas
em ambos os casos a mudança não afeta o substancial da argumentação. Alterações, em um
ou dois casos de certa monta, foram feitos em alguns outros capítulos, especialmente no
Livro 1 cap. 2 e Livro 3 caps. 1 e 2, mas elas objetivaram principalmente remover defeitos
de exposição e não implicam, creio eu, de qualquer forma em mudança material da
concepção.
[xvi] Meus agradecimentos são novamente para Miss Jones, da Faculdade Girton,
pela leitura das provas dessa edição e pelas úteis sugestões e correções e também por ter
revisto o Index que ela havia feito para a quarta edição.

Prefácio à Sexta Edição

A revisão dos Métodos da Ética para essa edição foi iniciada pelo Professor
Sidgwick e levada por ele até a página 276 onde encontramos as últimas correções em sua
cópia. A última porção de sua revisão foi feita sob o impacto de uma doença severa que o
impediu de continuar para além do ponto mencionado e, devido a sua morte, o resto do
livro permaneceu sem os toques finais que poderia ter recebido. De acordo com seu desejo,
deixei as páginas 277-509 passarem para o prelo sem modificações – exceto por algumas
pequenas alterações que ele havia indicado e pela inserção nas páginas 457-459 da
conclusão do capítulo 3 do Livro 46. As alterações mencionadas, feitas pelo Professor
Sidgwick em seu volume, dizem respeito principalmente aos capítulos 1-5 e 9 do Livro 1 e
aos caps. 3 e 6 do Livro 2.
O apêndice sobre “A concepção kantiana do livre-arbítrio” prometida na nota 1 da
p. 58 desta edição consiste substancialmente numa reimpressão do artigo do Professor

6 Cf. nota à pág. 457, e Prefácio à sétima edição.

9
Sidgwick de mesmo título publicado na Mind (vol xiii, nº 51) que cobre a tópica indicada
nessa nota.
Existe uma outra questão importante. Entre os manuscritos que o Prof. Sidgwick
preparava para o uso nessa nova edição dos Métodos da Ética encontravam-se notas para
uma apresentação consistindo numa breve história do desenvolvimento de seu pensamento
ético. [xvii] Essas notas, apesar de não estarem numa forma final, são na essência bastante
completas e coerentes, e como são de peculiar valor e interesse para os estudantes da obra
foi decidido inseri-las aqui. Tal arranjo parece estar em harmonia com os próprios
procedimentos do autor como visto no prefácio à segunda edição e deste modo quando os
futuros leitores dos Métodos tiverem acesso a uma exposição que é de interesse tanto ético
quanto histórico não haverá deslocamento do texto.
Nessa exposição diz o Professor Sidgwick:

“Minha primeira adesão a um sistema ética definido foi àquele do Utilitarismo de


Mill. Nele encontrei alívio da aparente pressão arbitrária e externa das regras morais que fui
educado a obedecer, e que se apresentavam para mim como duvidosas e confusas e
algumas vezes, mesmo quando claras, como meramente dogmáticas, incoerentes e sem
sentido. Meu antagonismo com elas foi intensificado pelo estudo do Elements of Morality de
Whewell que era prescrito para o estudo na graduação no Trinity. Foi deste livro que
derivei a impressão – que por muito permaneceu – de que os intuicionistas morais estavam
irremediavelmente imprecisos (quando comparados com os matemáticos) em suas
definições e axiomas.
Os dois elementos da concepção de Mill que me acostumei a distinguir como o
Hedonismo Psicológico (que cada homem busca sua própria felicidade) e de Hedonismo
Ético (que cada homem deve procurar a felicidade geral) me atraíram e não percebi de
imediato suas incoerências.
O Hedonismo Psicológico – a lei da universalidade da busca pelo prazer – atraiu-
me por sua franca naturalidade. O Hedonismo Ético, como exposto por Mill, foi inspirado
moralmente pelo mandamento (dictate) da prontidão para o sacrifício absoluto. Eles
fizeram apelo a diferentes elementos de minha natureza, mas o fizeram dentro de uma
aparente harmonia: ambos usam as mesmas palavras “prazer”, “felicidade” e a exposição
persuasiva de Mill ocultou por um tempo a profunda discrepância entre o fim natural da
ação (felicidade privada) e o fim do dever (felicidade geral). Se certa duvida me assaltou

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quanto a coincidência da felicidade geral com a privada fui inclinado a sustentar que ela
poderia ser alcançada pelos ímpetos de um resolução generosa.
Mas uma desconfiança cresceu em mim de que esse método de lidar com o conflito
entre Interesse e Dever, apesar de talvez ser próprio para a prática não o era para a
filosofia. Para o homem prático, que não filosofa, a máxima de subordinar o auto-interesse,
como normalmente concebido, aos impulsos altruísticos e a sentimentos que crêem como
mais altos e nobres é, não duvido, uma máxima respeitável, mas é claramente assunto da
Filosofia Ética procurar e tornar explícita a base racional de tal ação.
Eu, então, coloquei-me na pista de examinar metodicamente a relação entre
Interesse e Dever.
Isto envolveu um cuidadoso estudo do método egoísta de modo a tornar a relação
entre interesse e dever clara. Suponhamos que meu próprio interesse seja capital
[paramount]. O que realmente é meu interesse? Quão longe o desenrolar pode ser
apresentado ao meu conhecimento? Quanto dos resultados correspondes ao Dever (ou
com o bem-estar da humanidade)? Essa investigação levou-me a sentir muito fortemente
essa oposição, muito mais do que aquela oposição que Mill e os Utilitaristas anteriores
sentiram entre os assim chamados Intuicionistas ou defensores das percepções do Senso
Moral e os hedonistas sejam eles utilitaristas sejam epicuristas. Daí, o arranjo do meu livro
– 2, 3 e 4. [Livro 2. Egoísmo, Livro 3. Intuicionismo e Livro 4. Utilitarismo].
O resultado a que cheguei foi de que não há uma solução completa do conflito
entre minha felicidade e a felicidade geral nas bases de uma experiência mundana. Isso
[conclusão do Livro 1] foi lentamente e relutantemente aceito – cf. Livro 2 cap. v e o
último capitulo do tratado [Livro 2 cap. 5 é sobre “Felicidade e Dever” e o capítulo de
conclusão do tratado é sobre “As relações mutuas entre os três métodos”]. Isso foi muito
importante para mim.
Como conseqüência, a escolha moral entre a felicidade geral ou a aceitação do auto-
interesse como fim, tornou-se praticamente necessária. Mas em que bases?
Deixei de lado as frases de Mill que falam de tal sacrifício como “heróico”. Isso não
ia bem a menos que eu tivesse uma disposição para fazê-lo. Pus, diante de minha mente, o
dilema: ou isso é para minha própria felicidade ou não é. Se não, porque [deveria fazê-lo]?
Não há sentido dizer que se eu fosse um herói moral eu deveria formar o hábito de querer
ações benéficas para os outros que poderiam continuar em força, mesmo com meu prazer
em uma outra escala. Sabia que em qualquer grau não era o tipo de herói moral que faria
isso sem razão a partir de um hábito cego. Nem mesmo desejaria ser esse tipo de herói por

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me parecer que esse tipo de herói, apesar de admirável, certamente não era um filosofo.
Devo de algum modo ver o que há de certo para em sacrificar minha felicidade para o bem
do todo do qual faço parte.
Assim, no lugar de minha aversão inicial com a ética intuicionista, derivada do
estudo de Whewell, e apesar de minha atitude de discípulo de Mill, fui forçado à reconhecer
a necessidade de uma intuição ética fundamental.
O método utilitário – que tinha aprendido de Mill – não poderia [xix], me parecia,
ser tornado coerente e harmonioso sem essa intuição fundamental.
Nesse estado de mente li a Ética de Kant novamente. Havia lido ela anteriormente
de modo ininteligível, sob a influência da visão de Mill dela como uma “falha grotesca” 7.
Agora a li mais receptivamente e fiquei impressionado com a verdade e a importância de
seu princípio fundamental – Aja a partir de um princípio ou máxima que possa tornar-se
uma lei universal – cf. Livro 3, cap. i. §3 dos Métodos. Kant adaptou a “regra de ouro” da
bíblia [Aja com os outros como você gostaria que agissem com você] a uma forma que se
tornou aceitável para minha razão.
A fundamentação kantiana da moralidade na liberdade, no entanto, não me parecia
elogiável8, apesar de não ter visto na primeira vez, o que agora me parece claro, que ela
envolve uma confusão fundamental do uso de “liberdade” em dois sentidos diferentes –
“liberdade” que é alcançada apenas quando fazemos o certo, quando a razão triunfa sobre a
inclinação e “liberdade” que é realizada igualmente quando nós escolhemos fazer o errado
e aquela que é aparentemente implicada na noção de má-vontade [ill-desert]. O que a
recomendava para mim era, simplesmente, o principio kantiano antes que sua base
metafísica. Isso eu brevemente explico no Livro 3 cap. 1 § 3 dos Métodos. Devo ir mais
profundamente nessas questões quando viermos à Kant.
O que quer que seja certo para mim deve ser certo para todas as pessoas em
circunstancias similares – que foi a forma na qual aceitei a máxima kantiana – parece-me
certamente fundamental, certamente verdadeiro e não sem importância prática.
Mas o principio fundamental parece-me inadequado para a construção de um
sistema de deveres e quanto mais reflito mais inadequado isso me parece.
Refletindo sobre isso não me parece realmente responder às dificuldades que me
levaram de Mill para Kant. O princípio não fundamenta de forma final a subordinação do
auto-interesse ao dever.

7 Kant, Fundamentação da Metafísica dos Costumes §§ 1,2. Mill, Utilitarianism, pp. 5, 6 [7º edição
(tipos maiores), 1879].
8 Livro 1, cap. v do Métodos da Ética.

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Para o Egoísmo Racional – um homem que tivesse aprendido de Hobbes que a
auto-preservação é a primeira lei da natureza e o auto-interesse a única base racional da
moralidade social – e de fato, sua base real, tão logo é efetiva – tal pensador deve aceitar o
principio kantiano e permanecer egoísta.
Ele poderia dizer, “admito que quando a necessidade dolorosa de escolher entre sua
própria felicidade e a felicidade em geral aparece para um outro homem, ele deve como um
ser racional preferir a sua própria, i.e. é certo para ele fazê-lo em meu princípio. Sem
dúvida, como provavelmente não simpatizo com este homem em particular mais do que
com qualquer outra pessoa, eu como espectador desengajado, poderia gostar [xx] que ele se
sacrificasse em prol do bem geral mas não esperaria que o fizesse, não mais do que poderia
esperar estando eu mesmo em seu lugar”.
Não parecia para mim que esse raciocínio poderia ser efetivamente refutado. Sem
dúvida era, do ponto de vista do universo, razoável preferir o maior bem ao menor, mesmo
que o menor bem tivesse privado a felicidade ao agente. Ainda, parece-me inegavelmente
razoável para o indivíduo preferir a sua própria felicidade. A racionalidade do auto-
interesse parece-me tão irrefutável quanto a racionalidade do auto-sacrifício. Não poderia
deixar esta convicção, apesar de nenhum de meus mestres, nem Kant nem Mill, parecerem
querer admiti-la sendo que, pelo contrário, cada um deles, de seu modo, recusam-se a
admiti-la.
Fui, no entanto, se posso dizê-lo, um discípulo, mesmo que relapso, em busca de
um mestre (ou, se o termo mestre for muito forte, em busca de simpatia e apoio), e
sustentando essa convicção apesar das opiniões opostas dos pensadores dos quais mais
aprendi.
E foi nesse ponto então que a influência de Butler surgiu. O momento ao qual
cheguei na busca de uma opinião [creed] ética, levou-me a compreender Butler e a procurar
o suporte e a simpatia intelectual que precisava em suas concepções.
Digo que o compreendi, pois até então o tinha incompreendido, como acredito que
a maioria das pessoas o faz e como, talvez, ainda o façam. Butler me foi apresentado como
um defensor da autoridade da consciência e seu argumento, de forma sumaria, parece ser
que devido à reflexão sobre nossos impulsos mostrarem uma pretensão à autoridade da
parte da consciência logo nos deveríamos obedece-la. Bem, não tenho dúvida de que minha
consciência reclama autoridade apesar dela ser uma consciência mais utilitária que a de
Butler uma vez que por toda essa busca por princípios continuei a aderir, para propósitos
práticos, à doutrina que aprendi com Mill, a saber, continuo a sustentar a máxima de

13
almejar a felicidade geral como a diretiva suprema das regras de conduta e penso que
poderia responder as objeções de Butler contra essa concepção (em sua “Dissertation on
Virtue” ao fim da “Analogy”). Minha dificuldade foi, como disse, que essa reivindicação da
consciência, seja utilitarista ou não, tem que ser harmonizada com a reivindicação do amor-
próprio racional que vagamente supus que Butler evitou ou, quanto a esse último,
desconsiderou.
Mas lendo-o nesse momento com mais cuidado, encontrei nele, com prazer e
surpresa, uma concepção muito similar à aquela que desenvolvi em minha mente quando
lutei para assimilar Kant e Mill. Achei que ele admitia expressamente que o “interesse,
minha própria felicidade, é uma obrigação manifesta” e que “o amor-próprio racional [é
“um dos dois principais ou superiores princípios na natureza do homem”]. Sendo assim,
ele reconhece um “Dualismo da faculdade diretiva [xxi] [Governing Faculty] – ou como
prefiro dizer um “Dualismo da Razão Prática” uma vez que a “autoridade” que Butler
destacava deve ter se apresentado à minha mente como a autoridade da razão antes mesmo
de poder admiti-lo.
Mais ainda: o que agora quero deixar claro é que foi por esse caminho – se posso
dizê-lo – que adentrei no sistema de Butler e caí sob o efeito de seu intelecto poderoso e
cuidadoso. Mas o efeito de sua influência me levou um passo além de Mill por eu ter sido
levado por Butler a abandonar a doutrina do Hedonismo Psicológico e à reconhecer a
existência de impulsos à ação “desinteressados” ou “extra regarding”, impulsos não
dirigidos para o prazer do agente [ver cap. 4 do Livro 1 dos Métodos]. De fato, quanto ao
que posso chamar de base Psicológica da Ética, achei-me muito mais em concordância com
Butler do que com Mill.
E isso me levou a reconsiderar minha relação com a Ética Intuicionista. A força e
veemência da condenação de Butler do Utilitarismo Puro, num escritor tão cuidadoso,
naturalmente muito me impressionaram. E me tornei, como devo admiti-lo para mim
mesmo, um Intuicionista em certa medida. Isso porque a regra suprema de objetivar a
felicidade geral, como vim a reconhecê-lo, deve-se basear numa intuição moral
fundamental, que amarra tudo. E lendo os escritos dos primeiros Intuicionistas morais
ingleses, como More e Clarke, encontrei o axioma que necessitava para o meu Utilitarismo
[Que o agente racional está limitado à buscar a felicidade universal], de uma forma ou de
outra, sustentando um lugar de proeminência (ver History of Ethics, p.172 e 181).
Tinha então, tanto teoricamente como praticamente, aceitado essa intuição moral
fundamental, e existia também o principio kantiano, que reconheci como irresistivelmente

14
válido, apesar de não adequado como um guia completo. – Fui então um “intuicionista”
moral até essa extensão: e se nessa extensão porque não mais além? Os moralistas
ortodoxos tais como Whewell (então na moda) diziam que existia todo um sistema
inteligível de intuições: mas como ele era aprendido? Não podia aceitar a concepção de
Butler como suficiente para a consciência de um homem comum pois parecia-me que os
homens comuns concordavam mais verbalmente que materialmente.
Nesse estado de mente reli Aristóteles e uma luz pareceu chegar a mim quanto ao
significado e valor de seus procedimentos – especialmente nos Livros 2-4 da sua ética –
(ver History of Ethics Cap. ii §9, p. 58 até o final dessa secção).
O que Aristóteles nos dá ali é a moralidade do senso comum grego reduzida ao
essencial através de cuidadosa comparação e dada não como algo externo a ele mas como o
que “nós” – ele e outros – pensaram e descobriram através da reflexão. E não era essa
realmente a indução socrática extraída através da interrogação?
[xxii]
Poderia não imitar isso fazendo o mesmo para nossa moralidade aqui e agora com a
mesma reflexão imparcial sobre a opinião corrente?
Mais ainda não deveria fazê-lo antes de decidir a questão se tinha ou não um
sistema de intuições morais? De qualquer modo o resultado seria útil seja qual fosse a
conclusão em que chegássemos.
Assim, essa foi a primeira parte do meu livro a ser escrita (Livro 3, caps. 1-11) e
uma certa imitação do estilo aristotélico era clara nesse trecho e, apesar de ter tentado
remove-la onde me parecia afetada e pedante, ela continua de alguma forma.
Mas o resultado desse exame foi trazer com força e vitalidade as diferenças entre as
máximas da moralidade de senso comum (mesmo as mais fortes e estritas como a
veracidade e a boa fé) e as intuições que já tinha alcançado, isto é, o principio kantiano (e
agora vejo o principio da justiça – “tratar casos semelhantes de forma semelhante” – como
uma aplicação sua particular) e o Principio Fundamental do Utilitarismo. E este último está
em perfeita harmonia com o princípio kantiano. Certamente poderia querer que fosse uma
lei universal que os homens devessem agir de tal modo a promover a felicidade universal e
de fato essa é a única lei que é perfeitamente clara para mim que poderia decisivamente
querer de um ponto de vista universal.
Era então novamente um utilitarista mas agora sob uma base intuicionista.

15
Mas posteriormente, a reflexão sobre a moralidade de senso comum que levei a
cabo, me familiarizou com seu caráter de sistema de regras tendendo à promoção da
felicidade geral (ver [Métodos da ética] p. 470-71]).
A reflexão anterior sobre o método hedonista para o Livro 2 também me mostrou a
sua fragilidade. O que fazer então? A atitude conservadora [a ser observada] frente ao
Senso Comum [é] dada no cap. 5 do Livro 4: “Aderir geralmente, desviar e tentar reformar
apenas em casos excepcionais nos quais – apesar da rudeza do método hedonista – o
argumento contra o Senso Comum é decisivo”.
Nesse estado de mente publiquei meu livro tentando dizer o que havia encontrado:
que a oposição entre utilitaristas e intuicionistas é devida a uma incompreensão. Existe
ainda uma oposição fundamental entre o interesse individual e a outra moralidade que não
consegui resolver através de qualquer método que tivesse achado confiável sem a suposição
de governo moral do universo e, assim, concordava tanto com Butler quanto com Kant.
Mas não pude encontrar nenhuma oposição real entre intuicionismo e utilitarismo...
O Utilitarismo de Mill e Bentham parecia-me querer uma base e essa base poderia apenas
ser suprida por uma [xxiii] intuição fundamental e de outro lado o melhor exame que
poderia fazer da moralidade do Senso Comum não me mostrava a clareza e auto-evidencia
de seus princípios exceto naqueles perfeitamente consistentes com o utilitarismo.
Ainda, a investigação do método Utilitário levou-me a ver defeitos nele. O mero
exame empírico das conseqüências das ações é insatisfatório e, sendo então consciente das
imperfeições práticas do cálculo utilitarista como guia, permaneci ansioso por apreciar e
fazer uso da orientação fornecida pelo senso comum nestes casos, com base na
pressuposição geral de que a evolução permitiria que os sentimentos morais e opiniões
pudessem conduzem à felicidade geral apesar de que poderia admitir essa pressuposição,
como uma base para sobrepujar a forte probabilidade da tese oposta, derivada de cálculos
utilitários”.

Resta mencionar que a Tábua de Conteúdos e o Index foram revisados de acordo


com as mudanças no texto.
E.E. Constance Jones.

Nota à sétima edição

16
Essa edição é uma reimpressão da sexta. As únicas mudanças (além das correções
de alguns erros tipográficos) foram uma alteração do tipo na passagem que ocorre na p.
457 da sexta edição e p. 457-459 desta edição juntamente com as conseqüentes mudanças
(1) na paginação e indexação, (2) na referência a essa questão na reimpressão do prefácio à
sexta edição e (3) na inserção da nota da p. 457.
E.E.C.J
Dezembro de 1906

17
Índice

Livro 1

Capítulo 1

Introdução

1. A ética é um departamento da teoria ou estudo da prática.


2. É o estudo do que deve ser, tão logo isso dependa das ações voluntárias dos
indivíduos.
3. Ao decidir o que devem fazer, os homens naturalmente procedem a partir de
diferentes princípios e por diferentes métodos.
4. Existem dois Fins racionais prima facie: Excelência ou perfeição e Felicidade. O
último deve ser buscado por si mesmo ou universalmente. É também comum
pensar que certas Regras são prescritas sem referência a conseqüências
ulteriores. Os métodos correspondentes a esses diferentes princípios se
reduzem à três principais: Egoísmo, Intuicionismo e o Utilitarismo.
5. Esses métodos serão examinados separadamente, abstraindo-os do pensamento
ordinário, onde os encontramos em confusa combinação e desenvolveremos
eles do mais preciso e consistente possíveis.

Capítulo 2

Ética e Política

1. Ao considerarmos a relação entre Ética e Política, temos que distinguir entre


Lei Positiva e Lei Ideal.
2. Mas de qualquer forma o objetivo primário da Ética não é determinar o que
deve ser feito numa sociedade ideal. E assim não é necessário como preliminar
uma reconstrução teórica de tal sociedade.

Capítulo 3

18
Julgamentos Éticos

1. Por conduta razoável – seja moral ou prudencialmente razoável – queremos


significar aquelas que julgamos que são ‘certas’ de serem feitas. Tais julgamentos
não podem ser legitimamente interpretados como julgamentos concernentes a
fatos, nem como referindo-se exclusivamente aos sentidos de fins ulteriores, em
particular, o termo ‘dever’, como usado nos juízos morais, não significa
meramente que a pessoa que julga sente uma emoção especifica;
2. nem significa meramente que a conduta em questão é prescrita sob penalidades;
3. A noção expressa por ‘dever’ no uso ético estrito é muito elementar para
admitir uma definição formal ou redução a noções mais simples. É suposta
como objetivamente valida e os juízos em que é usada quando relacionada à
condutas futuras da pessoa que julga são acompanhados de um tipo especial de
impulso para a ação.
4. Esse ‘mandamento da razão’ é também exemplificado pelos juízos meramente
prudentes e pelos imperativos meramente hipotéticos.

Capítulo 4

Prazer e Desejo

1. A doutrina psicológica que afirma que o objeto de desejo é sempre Prazeroso


(prazer) é suscetível de colidir com a concepção dos juízos éticos que
apresentamos e, de qualquer modo, necessita de cuidadoso exame.
2. Se por “prazeroso” queremos dizer “agradável aos sentidos” essa doutrina é
oposta à experiência pois através da completa escala de nossos desejos, dos
mais elevados aos mais baixos, podemos distinguir impulsos direcionados para
outros fins que não aqueles de nossos próprios sentimentos do desejo de
prazer;
3. como será mostrado pelo conflito ocasional entre dois tipos de impulsos.
4. Nem pode a doutrina derivar qualquer suporte da consideração seja de
objetivos “inconscientes” ou “originais” da ação humana.
Nota

19
Capítulo 5

Livre Arbítrio

1. A identificação kantiana da ação ‘livre’ com a ‘racional’ é enganosa devido a


ambigüidade do termo ‘liberdade’
2. Quando, peça definição e análise da ação voluntária, a questão do livre arbítrio é
esclarecida, parece que o argumento cumulativo para o Determinismo é quase
eliminado;
3. mais ainda, é impossível para mim, ao agir, não considerar a mim mesmo como
livre para fazer o que julgo razoável. Entretanto, a solução da questão metafísica do
livre-arbítrio não é importante – teologia à parte – para um ética sistemática em
geral;
4. parece entretanto haver uma relação especial para a noção de justiça;
5. A falta de importância prática da questão do livre-arbítrio torna-se mais clara se
escrutinarmos de perto o alcance do efeitos volitivos.

Capítulo 6

Princípios éticos e métodos

1. Os métodos indicados no capítulo 1 possuem uma reivindicação [claim] prima facie


para proceder sobre princípios racionais; outros princípios parecem, na medida em
que podem ser precisados, reduzir-se a estes:
2. especialmente o princípio de “viver de acordo com a natureza”;
3. Em resumo, todas as variedades de métodos poderiam convenientemente ser
classificados em um desses três tipos: intuicionismo e os dois tipos de Hedonismo,
Egoísta e Universalista. A confusão comum entre os dois últimos é facilmente
explicável mas deve ser cuidadosamente evitada.
Nota

Capítulo 7

20
Egoísmo e Amor-próprio

1. Para ter uma idéia clara sobre o que é comumente chamado de egoísmo, devemos
distinguir e excluir alguns sentindo possíveis do termo;
2. e definir seu fim como o maior quantidade alcançável de prazer sobre dor para o
agente sendo o prazer avaliado\valorado em proporção ao agrado [pleasantness].

Capítulo 8

Intuicionismo

1. Aplico o termo intuicionismo – no sentido mais estrito dos dois sentidos legítimos
– para distinguir o método no qual a certeza quanto a alguns tipos de ação é
suposta como conhecida sem consideração por suas conseqüências ulteriores.
2. A antítese comum entre Intuitivo e Indutivo é imprecisa uma vez que este método
não procede necessariamente do universal para o particular. Poderíamos distinguir
o Intuicionismo Perceptual, de acordo com o qual é sempre a certeza de alguma
ação particular que é dado conhecer imediatamente;
3. Intuicionismo Dogmático de acordo com o qual as regras do Senso Comum são
aceitas axiomaticamente;
4. Intuicionismo Filosófico que tenta encontrar uma explicação mais profunda para as
regras correntes.
Nota

Capítulo 9

Bom

1. Outra importante variedade de Intuicionismo consiste na substituição de ‘certo’


pela noção mais ampla de ‘bom’
2. O juízo comum que uma coisa é ‘boa’ não parece ao refletirmos ser equivalente a
um juízo que essa coisa seja direta ou indiretamente prazerosa.

21
3. ‘Bom’ = ‘desejável’ ou ‘racionalmente desejável’, como aplicado à conduta, o termo
não convém tão definidamente a um mandamento como ‘certo’ e nem se confina
ao estritamente voluntário.
4. Existem muitas outras coisas comumente julgadas ‘boas’ mas a reflexão mostra que
nada é finalmente boa exceto alguns modos da existência humana.

22
Livro 1

23
Livro 1

Capítulo 1

Introdução

1. A ética é um departamento da teoria ou estudo da prática.


2. É o estudo do que deve ser, tão logo isso dependa das ações voluntárias dos indivíduos.
3. Ao decidir o que devem fazer, os homens naturalmente procedem a partir de diferentes
princípios e por diferentes métodos.
4. Existem dois fins racionais prima facie: Excelência ou perfeição e Felicidade. O último
deve ser buscado por si mesmo ou universalmente. É também comum pensar que
certas Regras são prescritas sem referência a conseqüências ulteriores. Os métodos
correspondentes a esses diferentes princípios se reduzem à três principais: Egoísmo,
Intuicionismo e o Utilitarismo.
5. Esses métodos serão examinados separadamente, abstraindo-os do pensamento
ordinário, onde os encontramos em uma combinação confusa e os desenvolveremos o
mais preciso e consistentemente possível.

§1. O escopo da disciplina chamada de ética tem sido frequentemente concebido de


forma vaga, mas talvez fosse suficiente defini-la, de fora, para os propósitos do presente
tratado, se um “método da ética” fosse compreendido como significando qualquer
procedimento racional através do qual determinamos o que os seres humanos
individualmente devem – ou o que é ‘certo’ para eles – fazer ou procurar realizar através
das ações voluntárias9. Ao usar a palavra “individual” provisoriamente distingo o estudo da
ética daquele da política10, que procura determinar a constituição própria e a conduta
pública correta para o governo das sociedades, sendo ambas, ética e política, na minha

9 A relação exata dos termos “certo” [right] e “o que deve ser” [what ought to be”] será discutida no
cap. 3 deste livro. Assumo aqui que eles podem ser usados como sinônimos para a maioria dos
propósitos.
10 Uso “Política” no que tomo como seu sentido mais comum, ou seja, para denotar a ciência ou o

estudo do certo ou do bom na legislação e no governo. Existe um sentido mais amplo possível do
termo de acordo com o qual envolveria grande parte da ética, ou seja, aquele sentido que
compreende a política como a teoria das relações sociais corretas. Ver Cap. 2 §2.

24
concepção, distintas das ciências positivas por terem como sua tarefa especial e objeto
primário determinar o que deve ser e não meramente descobrir o que é, o que foi e o que
será.
O estudante da ética procura assim obter um conhecimento sistemático e
precisamente geral do que deve ser, e nesse sentido seus objetivos e métodos poderiam
propriamente ser denominados ‘científicos’, mas prefiro mais chamar a ética de uma
disciplina do que de uma ciência porque é comum pensarmos que uma ciência deve
necessariamente [2] ter como parte algum departamento que investigue o que efetivamente
existe. E de fato o termo “ciência ética” deve, sem violação do uso, denotar seja o
departamento da Psicologia, que lida com as ações voluntárias e suas flexibilidades
[springs], com os sentimentos morais e juízos, como fenômenos reais das mentes
individuais, seja o departamento da Sociologia que lida com fenômenos similares, como
manifestos pelos indivíduos normais dos grupos organizados de seres humanos que
chamamos de sociedades. Observamos, entretanto, que a maioria das pessoas não se atém a
nenhum desses estudos por mera curiosidade de forma a descobrir o que realmente existe,
existiu ou existirá. Essas pessoas comumente desejam não apenas compreender a ação
humana, mas também regulá-la e, em vista disso, aplicam as idéias de ‘bom’ e ‘mau’, de
‘certo’ e ‘errado’ para a conduta ou para as instituições que descrevem e assim passam,
devo dizê-lo, do ponto de vista da Psicologia ou da Sociologia para aquele da Ética ou da
Política. Minha definição de ética é feita para marcar claramente a importância fundamental
dessa transição. É verdade que a mútua implicação desses dois tipos de estudo – o positivo
e o prático – é, em qualquer teoria, muito próxima e completa. Em qualquer teoria, nossa
concepção do que deve ser seria largamente derivada, nos detalhes, da nossa apreensão do
que é. Os meios de realizar nosso ideal podem apenas ser aprendidos através de um estudo
cuidadoso dos fenômenos reais e, para qualquer individuo que pergunte a si mesmo “O
que devo fazer ou qual a minha meta?”, é importante examinar as respostas que seus
contemporâneos deram para questões similares. Ainda parece claro que a tentativa de
descobrir as leis gerais ou as uniformidades pelas quais a variedade das condutas e
sentimentos humanos, e os juízos que dizem respeito a conduta, poderiam ser explicitados, é
essencialmente diferente de uma tentativa de determinar quais dentre essas variedades de
conduta é ‘certa’ e quais dentre esses juízos divergentes são válido. A consideração
sistemática dessas últimas questões constitui, na minha concepção, a tarefa especial e
distinta da Ética e da Política.

25
§2. Nos termos da seção anterior não poderia ter evitado tomar nota das duas
formas diferentes em que o problema fundamental da ética é posto. Essa diferença leva,
como veremos agora, a importantes conseqüências. A Ética é as vezes considerada como
uma [3] investigação acerca da verdade das leis Morais e dos preceito [precepts] racionais da
conduta e as vezes como a investigação sobre a natureza dos fins últimos das ações
humanas racionais – o Bem e o ‘Verdadeiro Bem’ dos homens – e os métodos para
alcançá-los. Essas duas concepções são familiares e serão cuidadosamente consideradas
mas a primeira parece ser mais proeminente no pensamento ético moderno e mais
facilmente aplicável aos sistemas éticos modernos em geral. Pois o ‘Bem’ [Good]
investigado na Ética é limitado pelo Bem [Good] alcançável de algum modo pelos esforços
humanos e assim o conhecimento dos fins é procurado de modo a descobrir quais ações
são os meios corretos para alcançá-lo. Assim, apesar da proeminência que a noção do Bem
Último – outro que a ação voluntária de qualquer tipo – poderia ter num sistema ético e
seja qual interpretação fosse dada a essa noção, chegaríamos no fim, se isso tivesse utilidade
prática, a algumas determinações de preceitos e regras diretivas da conduta.
De outro lado, conceber a ética essencialmente como uma investigação sobre o
‘Fim Último’ do homem e os meios de alcançá-lo não seria universalmente aplicável, sem
forçar, à concepção da Moralidade que poderíamos convenientemente distinguir como a
concepção intuicionista, de acordo com a qual a conduta é correta quando se conformar a
certos preceitos ou princípios do Dever [Duty] intuitivamente conhecidos como sendo
incondicionalmente atados [binding]. Nessa visão, o conceito de Bem-Último não é
necessariamente de fundamental importância na determinação da conduta Certa, exceto na
hipótese de que a conduta correta [Right conduct] – ou o caráter obtido e desenvolvido
através da conduta Certa – fosse, em si mesma, o único fim último do homem. Mas essa
hipótese não está implicada na concepção intuicionista da Ética, nem deveria estar, como
concebo, de acordo com a moral do senso comum das comunidades cristas modernas. Por
pensarmos normalmente que a noção completa do bem humano [human Good] ou bem-
estar deve incluir a propensão [attainment] à felicidade tanto quanto a realização do Dever,
mesmo se sustentarmos com Butler que “a felicidade do universo [world] diz respeito a Ele
que é o Senhor e Proprietário deste”, não é certo para os homens realizar seus Deveres de
modo condicionado à sua condução para a Felicidade. Pois aqueles que sustentam isso, que
os homens devem tomar como o fim último prático de suas ações e como padrão para a
conduta Correta, poderiam em alguns [4] casos não encontrar conexão lógica com a
concepção do fim último do homem e deste modo, em tais casos, apesar da

26
indispensabilidade que essa última concepção pudesse ter para a completude de um sistema
ético, isso não seria importante para a determinação metódica da conduta correta.
É na compreensão da prevalência da concepção intuicionista que acabamos de
mencionar, e o lugar proeminente que consequentemente essa compreensão ocupa na
minha discussão, que ao definir ética evitei o termo ‘Arte da conduta’ que alguns sustentam
como sendo uma designação mais apropriada. Isso porque o termo ‘Arte’ – quando
aplicado aos conteúdos deste tratado – parece significar um conhecimento sistemático
expresso (enquanto distinto do conhecimento implícito ou hábito organizado que
poderíamos chamar de habilidade) de utilizar certos meios para um dado fim. Agora, se
assumirmos que a certeza da ação depende de sua condutibilidade para algum fim ulterior,
então não resta dúvida – quando esse fim for claramente descoberto – que o processo de
determinar as regras corretas da conduta dos seres humanos em suas diferentes relações e
circunstancias estariam naturalmente dentro da noção de Arte. Mas tendo em vista que o
fim último prático da ação moral é frequentemente a correção [Rightness] da ação em si
mesma – ou a virtude efetivada e confirmada por tal ação – e que isso é conhecido
intuitivamente em cada caso ou classe de casos, dificilmente poderíamos sustentar o termo
‘Arte’ como aplicável de forma própria à sistematização de tal conhecimento. Então, como
não desejo começar com qualquer suposição incompatível com posições posteriores,
prefiro considerar a ética como a ciência ou disciplina [study] que investiga o que é certo ou
o que deve ser tão logo isso dependa das ações voluntárias dos indivíduos11.
§3 Se, entretanto, essa compreensão do escopo da ética for aceita, a questão que se
levanta é de porque é comum tomar isso como consistindo, em grande medida, uma
discussão psicológica quanto a “natureza da faculdade moral”, especialmente quando eu
mesmo já pensei ser correto incluir parte dessa discussão no presente tratado. Pois não
parece à primeira vista que esse estudo psicológico pertencesse à Ética, não mais que
discussões sobre a faculdade matemática ou a faculdade da percepção-dos-sentido [sense-
perception] pertençam, respectivamente, à matemática e a física. Por que nós não
começamos simplesmente de certas premissas, afirmando o que deve ser feito ou buscado
– sem consideração pela faculdade que apreende sua verdade?
Uma resposta seria que o moralista tem um objetivo prático: queremos o
conhecimento da conduta certa de modo a agirmos corretamente. Agora, não nos ajudaria
supor no que vemos como a verdade, mas poderia nos ajudar se indicássemos o que vemos
como certo ou sábio, pois, de fato, frequentemente fazemos o que sabemos ser errado ou

11A relação da noção de “bom” com aquela de “certo” ou “o que deve ser” será posteriormente
considerada em capítulo subseqüente deste Livro [cap. 9].

27
estúpido e sendo assim somos forçados a apontar a existência em nós de motivações
irracionais da ação conflitantes com nosso conhecimento e impedidoras de sua realização
prática, e essas mesmas imperfeições da conexão entre os juízos práticos e nossa vontade
nos levam à buscar um conhecimento mais preciso quanto a natureza dessa conexão.
Mas isso não é tudo. Os homens nunca se perguntam “Por que deveria acredita no
que vejo como verdadeiro?”, mas frequentemente se perguntam “Porque devo fazer o que
vejo como correto?” É fácil responder que a questão é fútil uma vez que somente poderia
ser respondida com referência a algum outro princípio reconhecível da conduta correta, e a
questão poderia apenas ser bem respondida levando-se em consideração o mesmo ponto
novamente e assim sucessivamente. Mas, apesar de podermos fazer a pergunta contínua e
amplamente, a demonstração de sua futilidade não é completamente satisfatória
requerendo, para além disso, alguma explicação sobre a sua persistência.
Uma explicação que poderia ser oferecida é que, desde que somos movidos a agir
não apenas pelos juízos morais, mas também pelos desejos e inclinações que operam
independentemente desses juízos, a resposta que realmente queremos para a questão de
“por que deveríamos fazer isso?” é uma resposta que não prova meramente que certa ação
é correta mas que também movimenta em nós uma inclinação para realizar essa ação.
Que essa explicação seja verdadeira para algumas mentes em alguns humores não
poderia ser negado. Ainda penso, que quando um homem seriamente se pergunta “porque
devo fazer” algo, ele comumente assume para si mesmo a determinação de perseguir seja
qual for a conduta que pudesse ser mostrada por um argumento razoável, mesmo
pensando que essa pudesse ser muito diferente daquela que as inclinações não-racionais
iniciassem. E nós geralmente concordamos que a conduta razoável em qualquer caso tem
que ser determinada a partir de princípios e que aplicá-los às inclinações do agente – como
essas [6] existem para além de tais determinações – é apenas um dos elementos entre vários
outros que tem que ser considerados sendo que, aliás, comumente não se trata nem do
elemento mais importante. Mas quando perguntamos o que são esses princípios, a
diversidade de respostas que encontramos manifestadamente afirmadas nos sistemas e
fórmulas fundamentais defendidas pelos moralistas parecem estar realmente presentes
também no raciocínio moral dos homens comuns com um diferença: enquanto o filosofo
procura uma unidade de princípio e um método consistente sob a ameaça dos paradoxos o
não-filosofo é capaz de sustentar diferentes princípios por vez e de aplicar diferentes
métodos em uma combinação mais ou menos confusa. Se for assim, podemos oferecer
uma outra explicação sobre a persistência insatisfatória da demanda por uma razão última

28
mencionada acima. Pois, se existem diferentes concepções da razoabilidade última da
conduta, implícitas no pensamento do homem comum, apesar de não estarem articuladas
entre si claramente – é fácil ver que qualquer resposta simples à questão do “porque” não
seria completamente satisfatória como se fosse dada apenas de um destes pontos de vista e
sempre deixaria espaço para a pergunta a partir de algum outro ponto de vista.
Estou convencido de que essa é a principal explicação deste fenômeno e é nessa
convicção que o plano do presente tratado se baseia. Não podemos, claro, tomar como
válidos raciocínios que levam à conclusões conflitantes e assim, assumo como um
postulado fundamental da ética, que tão logo dois métodos estejam em conflito, um deles
deve ser modificado ou rejeitado. Mas penso que é de fundamental importância
reconhecermos, como característica da investigação Ética, a existência de uma diversidade
de métodos aplicados no pensamento prático ordinário.
§4. Quais são então esses diferentes métodos? Quais são os diferentes princípios
práticos que o senso comum da humanidade está preparado prima facie para aceitar como
últimos? Algum cuidado é necessário em responder a essa questão devido ao fato de
frequentemente prescrevermos que isto ou aquilo ‘deve’ ser feito ou objetivado sem
qualquer referência expressa a um fim último apesar de tal fim ainda ser tacitamente
pressuposto. É obvio que tais prescrições são meros Imperativos Hipotéticos, como Kant
então os chamou, que não são endereçados a ninguém que já não tenha em aceito os fins.
Por exemplo: um professor de qualquer arte pressupõe que seu pupilo [7] queira
produzir o produto daquela arte e que queira produzi-lo com excelente qualidade. O
professor diz ao pupilo que deve segurar o arco [awl], o martelo e o pincel diferentemente.
Um médico assume que seu paciente quer a saúde e diz a ele que deve levantar-se cedo,
viver plenamente e fazer exercícios. Se o paciente deliberadamente prefere o ócio e a “boa
vida” à saúde, o preceito médico falha e não se aplica mais a aquele paciente. Outro
exemplo: um homem de boa sociedade [worlds man] supõe que seus ouvintes queiram
entrar na sociedade quando assinala as regras de vestir, de se comportar, de conversar e os
hábitos da vida. Uma concepção similar poderia ser tomada de forma plausível quanto às
várias regras que prescrevem o que as vezes é chamado de “deveres para si mesmo”.
Poderia ser dito que eles são dados na suposição de que um homem toma sua própria
felicidade como um fim último e que se alguém pudesse ser tão excepcional na sua
indiferença a esse fim então ele não estaria dentro de suas preocupações. Em resumo: o
“dever” em tal formula é ainda implicitamente relativo à um fim opcional.

29
Não parece, entretanto, para mim que essa interpretação do assunto seja exaustiva.
Não olhamos de modo algum com mera indiferença para um homem que rejeite tomar os
meios certos para obter sua própria felicidade sem outra base que não aquela de que não se
importa com sua própria felicidade. A maioria dos homens tomaria essa recusa como uma
irracionalidade e com certa desaprovação concordariam implicitamente com a afirmação de
Butler12 de que “o interesse, a felicidade de cada um, é uma obrigação manifesta”. Em
outras palavras, ele acreditaria que um homem deve tomar cuidado de sua própria felicidade.
A palavra “deve” assim utilizada não é mais relativa. A felicidade aparece agora como um
fim último e a busca por ela – ao menos nos limites impostos por outros deveres – parece
ser prescrita pela razão categoricamente como diria Kant, isto é, sem qualquer suposição
tácita de um fim ulterior. E tem sido amplamente sustentado, mesmo pelos moralistas
ortodoxos, que toda moralidade se fundamenta nas bases de um “amor-próprio racional”13,
ou seja, que essas regras se colocam [binding] a qualquer individuo apenas na medida em
que seus interesses como um todo as observam.
Ainda, a opinião moral comum certamente toma o dever ou a virtude da Prudência
como apenas uma parte – e nem mesmo a mais importante [8] – do dever e da virtude em
geral. A opinião moral comum reconhece e fixa [inculcates] outras regras fundamentais –
tais como aquelas da Justiça, da Boa Fé e da Veracidade – que, em seus julgamentos
ordinários sobre casos particulares, é inclinada a tratar como amarrados [bind] sem
qualificação e sem preocupação com as conseqüências ulteriores. E, na forma ordinária da
concepção intuicionista da ética, as prescrições “categóricas” de tais regras são mantidas
explicitas e definidas como resultado de uma reflexão filosófica e a efetivação da virtude no
ato – ao menos nos casos de virtude que acabamos de mencionar – é sustentado como
consistindo na estrita e solida [unswerving] conformidade com tais regras.
Por outro lado é aceito por muitos utilitaristas que todas as regras de conduta que
os homens prescrevem para si e para os outros como regras morais são realmente – apesar
de em parte inconscientes – prescritas como meios para a felicidade geral da humanidade
ou para a totalidade [whole aggregate] dos seres sencientes e é ainda mais amplamente
sustentado pelos pensadores utilitaristas que tais regras, apesar de poderem ser originarias,
são válidas apenas quando seu seguimento conduzir à felicidade geral. Essa afirmação deve
ser posteriormente examinada com bastante cuidado. Aqui desejo apenas apontar que, se o
dever de objetivar a felicidade geral é tomado como incluindo todos os outros deveres,
como aplicações subordinadas a ele, nos parecemos novamente ser levados para a noção de

12 Ver o prefácio de Butler aos sermões sobre a natureza Humana.


13 A frase é de Butler.

30
felicidade como um fim último categoricamente prescrito – apenas tratando-se agora da
Felicidade Geral e não da felicidade privada de qualquer individuo. E essa é a concepção
que eu mesmo tomo como o princípio Utilitário.
Ao mesmo tempo, não é necessário, na investigação metódica da conduta correta,
considerada relativamente aos fins sejam da felicidade geral seja da felicidade privada,
assumir que o fim em si mesmo seja determinado ou prescrito pela razão. Apenas devemos
assumir, em face às conclusões práticas coerentes [cogent], que essas são adotadas como
finais e supremas. Pois se um homem aceita qualquer fim como último e supremo, ele
aceita implicitamente como seu “método da ética” qualquer procedimento racional que
torne possível determinar as ações mais eficazes na condução deste fim14. Desde que,
entretanto, cada diferença quanto ao fim, aceita ao menos alguma diferença quanto ao
método geralmente correspondente, se todos os fins que os homens acham práticos para
adotar como [9] últimos (subordinando todo o resto à tentativa de alcançá-los sob a
influência das “paixões dominantes” [rulling passions]) fossem tomados como princípios
para os quais o estudioso da ética devesse fornecer métodos racionais, sua tarefa seria
muito complexa e extensa. Mas, se confinarmos nós mesmos a tais fins reconhecidos pelo
senso comum da humanidade como fins últimos racionais, a tarefa seria reduzida, penso,
dentro de limites administráveis uma vez que esse critério iria excluir ao menos muitos
objetos que os homens praticamente consideram como supremos. Assim muitos homens
sacrificam a saúde, a fortuna e a felicidade à fama, mas nenhum, tanto quanto sei,
deliberadamente sustentou que a fama fosse um objeto razoável para o homem procurar
por seu próprio valor [own sake]. A fama, apenas é recomendável para mentes reflexivas
como (1) uma fonte para a felicidade da pessoa que a obtêm, ou (2) como um sinal de sua
excelência, moral ou intelectual, ou (3) devido a fama atestar a conquista por parte deste
homem de algum importante beneficio para a sociedade, e ao mesmo tempo estimular ele e
outros a novas conquistas futuras. A concepção de “beneficio” poderia, quando examinada
sob esse viés, levar-nos novamente à Felicidade ou Excelência da natureza humana – uma
vez que alguém é comumente reconhecido por beneficiar os outros seja por fazê-los mais
felizes seja por fazê-los mais sábios e virtuosos.
Se existem muitos fins além destes dois que possam ser razoavelmente
apresentados como últimos, será posteriormente15 parte do nosso trabalho investigá-los.
Mas poderíamos talvez dizer que prima facie os únicos dois fins que têm um suporte forte e
amplo para serem considerados como fins últimos são os dois que acabamos de mencionar,

14 Ver o último parágrafo do Cap. 3 deste Livro.


15 Ver Cap. 9 deste livro e no Livro 3 Cap. 14.

31
(1) Felicidade e (2) Perfeição ou Excelência da natureza humana – compreendendo aqui
por ‘Excelência’ não a superioridade frente a outros mas a realização parcial de, ou a
aproximação a, um tipo ideal de Perfeição humana. E devemos observar que a adoção do
primeiro destes fins leva-nos a dois métodos prima facie distintos, de acordo com a sua
realização universal ou por cada individuo sozinho. Pois, apesar de que indubitavelmente
um homem poderia freqüentemente promover melhor sua própria felicidade trabalhando e
se abstendo em prol dos outros, parece ser implicado na nossa noção comum de auto-
sacrificio que as ações que mais conduzem à felicidade geral nem sempre tendem também –
ao menos neste mundo – [10] à maior felicidade do agente16. E, entre aqueles que
sustentam que “a felicidade é o nosso fim e objetivo enquanto seres”, nos acreditamos
encontrar uma diferença fundamental de opinião em relação a qual felicidade é o fim
último racional a se obter. Para alguns parece que “o fim constante próprio da ação da
parte de qualquer indivíduo no momento da ação é a sua real maior felicidade desde esse
momento até a sua morte”17, enquanto outros sustentam que essa concepção de razão é
suficientemente universal, e que não se pode racionalmente tomar como um fim último e
supremo a felicidade específica de qualquer individuo ao invés da de qualquer outro – em
qualquer grau se a igualdade for merecida e suscetível – de modo que a felicidade geral deva
ser o “verdadeiro padrão do certo e do errado no campo da moral” não menos do que na
política18. É claro, que é possível adotar um fim intermediário entre os dois e objetivar a
felicidade de alguma parte limitada da humanidade tais como a família, a nação ou a raça,
mas qualquer dessas limitações parece arbitraria e provavelmente poucos manteriam ser
razoável em si mesmo, exceto enquanto o meio mais prático de objetivar a felicidade geral
ou de, indiretamente, assegurar a própria felicidade.
O caso parece ser outro com relação à Excelência ou Perfeição19. A primeira vista,
no entanto, as mesmas alternativas surgem20: parece que a Excelência objetivada poderia ser

16 Para uma completa discussão desta questão: ver o Livro 2 cap. 5 e o capítulo de conclusão desse
tratado.
17 Bentham, Memoirs (Vol. X of Bowring’s edition) p. 560.
18 Bentham novamente, Memoirs, p. 79. Ver nota ao fim do Livro 1 Cap. 6 Os utilitaristas desde

Bentham tem às vezes adotado um e às vezes o outro desses dois princípios como supremos.
19 Uso os termos “excelência” e “perfeição” para denotar o mesmo fim último visado quanto a

aspectos algo diferentes significando por ambos um complexo ideal de qualidades mentais que
admiramos e aprovamos na vida humana. Mas, ao usar “perfeição” para denotar esse ideal
enquanto tal enquanto uso “excelência” para denotar uma realização parcial ou uma aproximação
deste ideal que encontramos na realidade da experiência humana.
20 Poderia ser dito que mesmo concepções ainda mais diversas da fim racional [reasonable] são

possíveis aqui quanto ao caso da felicidade. Por não estarmos necessariamente limitados (como
neste caso) a consideração dos seres sencientes, coisas inanimadas parecem também ter uma
perfeição ou excelência próprias e ser capaz de serem feitas de um modo melhor ou pior e esta

32
[11] tomada seja individualmente seja universalmente e são concebíveis circunstâncias nas
quais seria improvável que um homem pensasse que poderia promover melhor a
Excelência dos outros pelo sacrifício de sua própria. Mas, nenhum moralista que toma a
Excelência como um fim último, jamais aprovou tais sacrifícios ao menos no que diz
respeito à Excelência Moral. Nem nenhum deles jamais guiou um individuo diretamente a
fim de promover a virtude dos outros exceto na medida em que essa promoção era
compatível com, ou envolvida em, uma completa realização da virtude em si mesma21.
Deste modo, então, parece ser desnecessária a separação do método de determinar a
conduta correta que toma a Excelência ou a Perfeição dos indivíduos como objetivo último
daquelas que almejam a Excelência ou Perfeição da comunidade humana. E, uma vez que a
virtude é comumente concebida como o mais valioso elemento da Excelência humana – e
elemento essencialmente preferível a qualquer outro elemento que possa vir a competir
com ela como uma alternativa para a escolha racional – qualquer método que toma a
Perfeição ou a Excelência da natureza humana como um Fim Último prima facie coincide
em grande extensão com aquele baseado no que chamei de concepção intuicionista e de
acordo com isso decidi trata-lo como uma forma especial deste22. Os dois métodos que
colocam a felicidade como um fim último seria conveniente distingui-los como Egoísta e
Hedonismo Universalista e como o último destes, como ensinado por Bentham e seus
sucessores, é normalmente compreendido sob o rótulo de ‘Utilitarismo’ devo sempre
restringir essa palavra a essa significação. Para o Hedonismo Egoísta é difícil encontrar um
único termo perfeitamente apropriado. Devo frequentemente chamá-lo simplesmente de
Egoísmo mas poderia às vezes ser conveniente chama-lo de Epicurismo pois, apesar deste
nome denotar propriamente um sistema histórico tornou-se comumente utilizado em um
sentido mais amplo no qual desejo emprega-lo.
§5. A última sentença necessita de mais uma explanação visando uma maior clareza.
[12] Uma explanação mais quanto ao plano e propósito do presente tratado do que acerca
da natureza e limites da disciplina ética como geralmente compreendida.
Existem alguns caminhos reconhecidos de tratar esse assunto sendo que nenhum
deles pensei ser desejável adotar. Poderíamos começar com os sistemas existentes e, ou

perfeição, ou uma espécie dela, parece ser o fim das belas artes. Mas a reflexão mostra que nem a
beleza nem qualquer qualidade dos objetos inanimados podem ser tomadas como boas ou
desejáveis em si mesmas fora da relação com a perfeição ou felicidade dos seres sencientes.
21 Kant nega redondamente que possa ser meu dever tomar a perfeição de outros como meu fim

mas seu argumento não é, acredito, válido. Cf. post, Livro 3, Cap. 4 §1.
22 Ver Livro 3, cap. 14 onde explico minhas razões para apenas dar um lugar subordinado à

concepção da Perfeição como um Fim Último.

33
estuda-los historicamente, traçando as mudanças de pensamento através dos séculos, ou
compará-los e classificá-los de acordo com suas relações de similitude, ou criticando sua
coerência interna. Ou poderíamos procurar adicionar ao número desses sistemas e
defender, depois de tantos insucessos, que finalmente alcançamos a verdade quanto a esse
assunto através da qual todas as outras poderiam ser testadas. O presente livro, não contêm
nem uma exposição de um sistema nem uma história natural ou crítica dos sistemas. Tentei
definir e desdobrar não um método da ética mas alguns ao mesmo tempo que eles não são
aqui estudados historicamente como métodos que tenham realmente sido usados ou
propostos para a regulação da prática mas preferivelmente como alternativas entre as quais
– tão logo eles não podem ser reconciliados – a mente humana parece necessariamente
forçada a escolher, quando tenta apresentar uma completa síntese das máximas práticas de
modo a tentar agir de maneira perfeitamente consistente. Assim, eles poderiam talvez ser
chamados de métodos naturais racionalizados porque os homens comumente parecem
guiar-se através de uma mistura de diferente métodos mais ou menos disfarçados sob as
ambigüidades da linguagem. Os impulsos ou princípios a partir dos quais os diferentes
métodos acendem, as diferentes reivindicações de diferentes fins tomados como racionais,
são admitidos, em alguma extensão, por todas as mentes e como essas diferentes
reivindicações necessitam se harmonizar entre si – uma vez que é, como foi dito, um
postulado da Razão Prática, que duas regras da ação conflitantes não podem ser ambas
razoáveis – o resultado é normalmente ou uma confusa mistura ou uma reconciliação
forçosa e prematura de diferentes princípios e métodos. Nem os sistemas defendidos pelos
moralistas ficaram livres de defeitos similares. Os escritores procederam normalmente a
uma síntese sem uma adequada análise sendo a demanda prática da primeira sentida como
mais urgente do que a necessidade teórica da última. Pois, aqui como em outros pontos, o
desenvolvimento da teoria ética pareceria, às vezes, obstruído por uma preponderância das
considerações práticas e talvez uma separação mais completa do estudo teórico [13] da
conduta correta de suas implicações práticas fosse desejável pelo bem mesmo dessas
últimas uma vez que um tratamento que seja composto de ciência e hortatory poderia ser
capaz de perder ambos os resultados que pretendia combinar por ser um transtorno para o
cérebro e não estimulante para o coração. Então novamente, me inclino a pensar que aqui,
assim como nas demais ciências, seria vantajoso traçar um linha tão distinta quanto possível
entre o conhecido e o desconhecido uma vez que uma clara indicação de um problema
ainda não resolvido é de qualquer maneira um passo para sua resolução. Nos tratados
éticos entretanto existe uma continua tendência a ignorar e esconder as dificuldade seja

34
inconscientemente, devido a uma convicção latente de que as questões que o escritor não
pode responder satisfatoriamente são questões que não deveriam nem mesmo ser feitas,
seja conscientemente com a idéia de que não deveríamos balançar as posições morais
[shake the sway of morality] das mentes dos leitores. Essa última precaução bem
intencionada freqüente refuta a si mesma uma vez que as dificuldades conciliadas deste
modo na exposição acabam por aparecer novamente nas controvérsias e quando assim
reaparecem não o fazem de um modo cuidadosamente limitado mas ampliadas pelos
propósitos polêmicos. Assim temos de um lado uma reconciliação vaga e nebulosa e de
outro um aprofundamento das discrepâncias arbitrário e frouxo e nenhum desses meios é
efetivo para superar a vagueza e ambigüidade originais que se escondem nas noções
fundamentais de nosso raciocínio prático comum. Eliminar e reduzir essas confusões e
arbitrariedades é o único fim imediato que me propus no presente trabalho. E de forma a
melhor realizar essa tarefa, evitei expressamente oferecer qualquer solução final ou
completa para as principais dificuldades e controvérsias éticas que a transformação dessa
exposição dos diferentes métodos da ética se tornaria se tentasse partir para o
desenvolvimento de um sistema harmonioso. Ao mesmo tempo me darei ao luxo de
auxiliar na construção de tal sistema porque me parece mais fácil julgar as relações mutuas e
as reivindicações conflituosas dos diferentes métodos de pensar depois de uma investigação
rigorosa e imparcial das conclusões a que chegamos logicamente. Não é incomum
encontrar na reflexão acerca dos princípios práticos que – sem hesitação parecem
comandar nossa concordância à primeira vista e apesar de parecerem familiares e claras as
noções de que são compostos - apesar de tudo quando os examinamos cuidadosamente
[14] as conseqüências de adotá-los eles assumem algo como um aspecto dúbio. A verdade
parece ser que a maioria dos princípios práticos que foram seriamente formulados são mais
ou menos satisfatórios para o senso comum da humanidade tão logo eles passam a sua
aplicação. Todos eles encontram uma resposta em nossa natureza, e suas suposições
fundamentais são tais que todos estamos dispostos a aceita-los e achamos que governam
certa extensão da nossa conduta habitual. Quando pergunto “Você não considera como
plenamente racional procurar o prazer e evitar a dor para si mesmo?”, “Você não tem um
senso moral?” “Você não sabe intuitivamente identificar que algumas ações são certas e
outras erradas?” “Você não reconhece a felicidade geral como um fim supremo?”
Respondo “sim” a todas essas questões. Minhas dificuldades começam quando escolho
entre esses diferentes princípios ou faço inferências a partir deles. Admitimos a
necessidade, quando estão em conflito, de fazer uma escolha, e que é irracional deixar que

35
às vezes um ou outro princípio prevaleça mas a necessidade is a painful one. Não podemos
esperar que todos os métodos possam coincidir ao final e de qualquer forma, antes de
escolhermos poderíamos razoavelmente desejar ter o mais completo conhecimento
possível de cada um deles.
Meu objeto, então, no presente trabalho, é expor tão claro e completamente quanto
minhas limitações permitirem os diferentes métodos da Ética que encontrei implicitamente
em nosso raciocínio moral comum, apontando suas mutuas relações e onde parecem
conflitar, definir o questão tanto quanto possível. No curso dessa investigação discutirei as
questões que, em minha opinião, são decisivas em determinar a adoção dos primeiros
princípios éticos mas não é meu objetivo primário estabelecer tais princípios nem,
novamente, é meu objetivo primário suprir um quadro de direções práticas para a conduta.
Desejei manter a atenção do leitor preferivelmente através do processo do que dos
resultados do pensamento ético e assim jamais afirmei as minhas próprias conclusões
prática positivas a menos como exemplo e jamais também me aventurei a dogmaticamente
decidir qualquer ponto controverso exceto onde a controvérsia me pareceu surgir do desejo
de precisão e clareza na definição dos princípios ou do desejo de consistência do raciocínio.

36
Capítulo 2

A relação da ética com a política

1. Ao considerarmos a relação entre Ética e Política, temos que distinguir entre Lei
Positiva e Lei Ideal.
2. Mas de qualquer forma o objetivo primário da Ética não é determinar o que deve ser
feito numa sociedade ideal. E assim não é necessário como preliminar uma
reconstrução teórica de tal sociedade.

[15] No último capítulo falei da Ética e da Política como sendo ambas Estudos
Práticos e o escopo de suas investigações como algo que permanece fora da esfera das
ciências positivas – como, por exemplo, a determinação dos fins a serem perseguidos ou as
regras que devem ser incondicionalmente obedecidas. Antes de continuarmos parece
desejável determinar em linhas gerais as relações mútuas desses estudos cognatos a partir
do ponto de vista da ética.
Como defini então, a Ética procura determinar o que dever ser feito pelos
indivíduos, enquanto a política procura determinar o que o governo de um estado ou de
uma sociedade política deve fazer e como ele deve ser constituído – incluindo aí todas as
questões acerca do controle sobre o governo que devem ser exercidas pelos governados.
À primeira vista, pareceria que a Política, assim concebida, seria um braço da ética.
Pois todas as ações do governo são ações de indivíduos, sozinhos ou em conjunto, e todas
as ações daqueles que obedecem, influenciam ou que talvez, ocasionalmente, resistem ao
governo, o sustentam e de tempos em tempos modificam a constituição de seus estados e
pareceria que se realizadas propriamente, tais ações fossem determinadas por princípios
éticos ou talvez fossem capazes de justificação através de tais princípios. Mas este
argumento não é decisivo pois, por um raciocínio similar, a ética encamparia praticamente
todas as artes sejam as liberais sejam as industriais. Por exemplo, é uma parte central dos
deveres morais do capitão e de seus subordinados navegar o navio de forma própria, mas
nós não achamos que a ética inclua [16] o estudo das regras de navegação. Poderia ser
argumentado que nem todo homem é um marinheiro, mas – ao menos em países sob o
regime de governos populares – que cada cidadão tem importantes deveres políticos que
deve realizar, tanto quanto possível, de acordo como a sabedoria. Mas, similarmente, é uma

37
parte importante do dever moral dos adultos cuidar de sua saúde e é proverbial dizer que
“cada homem aos seus quarenta é ou um tolo ou seu próprio medico” ainda que não
consideremos que a ética inclua a arte da medicina.
A conexão mais importante entre ética e política ocorre no entanto de forma
diversa. É negócio do governo, promulgar leis e fazê-las cumprir, regular a conduta externa
dos governados, não apenas em um departamento mas em todas as relações sociais, tanto
quanto tais condutas forem o objeto próprio de leis coercitivas. E não apenas essa
regulação deve estar em harmonia com a moralidade – pois obviamente o povo não deveria
ser compelido a obedecer ao que não deveria fazer – mas, mais ainda, em uma importante
extensão a lei de um estado irá determinar propriamente os detalhes dos deveres morais de
um homem para além da esfera da execução legal. Assim, nós comumente sustentamos
como o dever moral de um individuo, sob a égide da justiça, “dar a cada um o que lhe é
devido” mesmo quando – através de algum acidente – a outra parte não tenha o poder legal
de sustentar seus direitos. Mas, ainda, ao consideramos o que pertence ao outro,
assumimos que este é guiado pela lei do estado e se esta mudar o dever moral em relação a
ela mudaria também. Similarmente, os deveres morais mútuos iram variar em seus detalhes
de acordo com as variações de suas relações legais.
Mas, quando olharmos mais perto para a relação assim constituída entre a Ética e a
Política, vemos que uma distinção tem que ser traçada entre a lei efetiva ou positiva e a lei
ideal ou lei do que deve ser feito. É tendo em vista essa última que a Teoria Política baseia
seus princípios mas é a lei positiva e não a ideal que determina preliminarmente a conduta
correta para um individuo aqui e agora do modo que acabamos de exemplificar. Sem
dúvida, se a lei positiva e a ideal parecessem divergir amplamente – se, por exemplo, sou
convencido pela teoria política que uma mudança fundamental na lei de propriedade é
desejável – essa convicção influenciaria minha concepção de meus deveres morais sob as
[17] lei existente mas a extensão dessa influência é vaga e incerta. Suponha que sou um
proprietário de escravos numa sociedade em que a escravidão está estabelecida e me
convenço que a propriedade privada de seres humanos deveria ser abolida pela lei. Disso
não se segue que eu deva tomar como um dever moral libertar todos os meus escravos de
uma vez. Poderia imediatamente pensar que a abolição geral da escravidão não apenas é
ineficaz mas mais ainda é ruim para os próprios escravos que necessitam de educação para
a felicidade. Deste modo, é melhor neste caso, visar às mudanças legais que poriam um fim
a um dos maiores maus, que é a escravidão, enquanto, ao mesmo tempo, daria o exemplo
com um tratamento humano daqueles sob os grilhões. Razões similares poderiam ser dadas

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para a abolição da propriedade privada dos instrumentos de produção, ou para o
preenchimento dos cargos civis e eclesiásticos. Falando em geral, a extensão a qual os ideais
políticos devem influenciar os deveres morais parece depender, em parte, da aparente
proximidade ou distância das perspectivas de se realizar o ideal, em parte, de seu caráter
imperativo e em parte dos custos de sua realização imediata e a força relacionada a essas
considerações variam de acordo com o método político adotado de modo que pertencem à
política determiná-los mais precisamente antes que à ética.
Para resumir: distinguimos claramente entre duas questões: (1) quanto da
determinação da conduta correta para um individuo aqui e agora deve ser influenciada pela
lei positiva e outros comandos do Governo estabelecido e (2) quanto disso deve influenciar
a Teoria Política a dizer como devem ser as funções e estruturas do governo. Quanto à
primeira questão, claramente pertence à ética determinar as bases e limites da obediência ao
governo e também as concepções gerais do dever político quando vão além da mera
obediência – como o devido reconhecimento das grandes variações conseqüentes à grande
variabilidade das condições políticas dos diferentes estados. (Um “bom cidadão” nos
Estados Unidos irá, com razão, formar uma concepção de seus deveres políticos reais
bastante diferente daqueles formados por um bom cidadão russo23). E esse seria o assunto
primário [18] da ética na medida em que lida com esse lado político da vida. A discussão
dos ideais políticos irá apenas ocorrer dentro desses limites através de um caminho mais ou
menos indefinido e indireto na medida em que tais ideais não podem ter uma influência na
determinação dos ideais políticos para além das condições existentes.
§2. Afirmei que a relação da ética com a política – vista do ponto de vista da ética –
parece-me de acordo com a definição da ética oferecida no capítulo anterior. Alguns
pensadores entretanto possuem uma visão da teoria ética como envolvendo uma relação
com a teoria política bastante diferente dessa que acabamos de colocar, tomando a ética
teórica ou “absoluta” como a investigação não sobre o que deve ser feito aqui e agora mas
sobre quais devem ser as regras de comportamento numa sociedade de seres humanos
idealmente perfeitos. Assim, o tema de nosso estudo seria duplamente ideal uma vez que
prescreveria não apenas o que deve ser feito de forma distinta do que é mas o que deve ser
feito numa sociedade que não é efetivamente mas que apenas deveria ser. Nessa concepção
as conclusões da ética teórica ou “absoluta” teriam uma relação indireta e incerta com os
problemas práticos da vida assim como com aqueles da política teórica – ou, mais ainda,

23Poder-se-ia duvidar se este último pode ser propriamente denominado “bom cidadão” e não
preferivelmente um “servo do Czar da Rússia”. Mas isso apenas ilustra a divergência para a qual
chamo atenção.

39
como na teoria política sóbria é comum que apenas o governo e não a sociedade governada
seja concebido em condições ideais. Ainda que os dois estudos não sejam misturados em
uma teoria das relações sociais ideais – a menos que a sociedade ideal seja concebida como
não possuindo nenhuma necessidade de governo, de modo que também a política, no
sentido comum do termo24, desapareceria.
Aqueles que sustentam essa concepção25, levantam uma analogia com a geometria
[19] para mostrarem que a ética deve lidar com relações humanas perfeitas e ideais, assim
como a geometria lida idealmente com linhas retas e círculos perfeitos. Mas as linhas
irregulares que encontramos na experiência possuem relações espaciais que a geometria não
pode ignorar devendo descobri-las com um grau suficiente de precisão para os propósitos
práticos apesar de evidentemente estas serem muito mais complexos que aquelas das linhas
perfeitamente retas. Assim, na astronomia, seria mais conveniente para os propósitos de
estudo, que as estrelas movem-se em círculos, como foi sustentado por certo tempo, mas o
fato de elas não se moverem em círculos, mas em elipses, e mesmo em elipses imperfeitas
ou perturbadas, não as retira da esfera de investigação cientifica e através de paciência e
inteligência aprendemos como reduzir essas complicações aos princípios e mesmo como
calcular os mais complicados destes movimentos. Seria útil para propósitos de instrução
supormos que os planetas se movem em elipses perfeitas mas o que queremos saber, como
astrônomos, é o movimento real das estrelas e suas causas e, semelhantemente, como
moralistas, naturalmente investigamos o que deveria ser feito no mundo real em que

24 Às vezes, como observamos anteriormente, a política parece ser usada em um sentido mais
amplo para denotar a teoria das relações sociais ideais quando concebida como sendo estabelecidas
através de uma coerção governamental ou de outro modo.
25 Ao escrever essa seção tinha em mente primariamente as doutrinas apresentadas na obra de

Spencer “Social Statics”. Como o Sr. Spencer reafirmou suas concepções e respondeu a meus
argumentos no seu “Data of Ethics” é necessário para mim indicar que o primeiro parágrafo dessa
seção não é dirigido contra tal visão da ética “absoluta” e da “relativa” como foi apresentada na
primeira obra – que parece-me diferir materialmente da doutrina de “Social Statics”. Em “Social
Statics” é sustentado não apenas – como no “Data of Ethics” – que a ética absoluta que “formula a
conduta normal em uma sociedade ideal” deve “tomar precedência sobre a ética relativa” mas que a
ética absoluta é o único tipo de Ética com a qual o filosofo moral pode se preocupar. Citando as
palavras do Sr. Spencer: “qualquer sistema moral proposto que reconheça a existência de defeitos e
encoraja [countenances] atos tornados necessários por causa deles, permanece auto-condenatório...
A lei moral... requer como seu postulado que seres humanos sejam perfeitos. Os filósofos morais
tratam somente do homem reto [straight man]... mostrando em qual relação este mantem com os
outros homens reto... um problema no qual o homem torto forme um dos elementos, é insolúvel
para ele” (Social Statics Cap. 1). Ainda mais definida é a Ética Relativa excluída da próxima
passagem do capítulo de conclusão do mesmo tratado (os itálicos são meus): “Ira ser bem afirmado
que, enquanto o código moral perfeito está confessadamente além do alcance dos homens
imperfeitos, algum outro código é necessário para o seu presente direcionamento... dizer que os
homens imperfeitos requerem um código moral que reconheça suas imperfeições e as leve em
conta, parece à primeira vista razoável. Mas não é realmente não é... um sistema moral que deva reconhecer
a imperfeição atual dos homens e levando-as em conta não pode ser criado e seria inútil se o fosse”.

40
vivemos. Em nenhum dos casos poderíamos esperar representar em nosso raciocínio
comum toda a complexidade das considerações reais mas nos desafiamos a chegar o mais
próximo possível. É apenas por isso que realmente nos enredamos com a questão que
normalmente a humanidade precisa responder: “qual é o dever de um homem em sua
condição presente?” Quanto a isso é bastante paradoxal afirmar que o dever completo de
um homem é resumido em seu esforço de alcançar um estado ideal das relações sociais e, a
menos que disséssemos isso, deveríamos determinar nossos deveres para com os homens
existentes em [20] vista das circunstâncias ideais e é isso o que o estudante de ética procura
fazer de maneira sistemática.
A investigação acerca da moralidade de uma sociedade ideal passa a ser assim na
melhor das hipóteses uma investigação preliminar, depois da qual o passo do ideal para o
real, em acordo com a razão, permanece por ser dado. Nos perguntamos, então, porque
essa construção preliminar parece desejável. E ao responder a essa questão devemos
distinguir os diferentes métodos da ética. Pois é geralmente sustentado pelos intuicionistas
que a verdadeira moralidade prescreve absolutamente o que é certo em si mesmo, sob
todas as condições sociais como, por exemplo, que a verdade deva sempre ser dita, que as
promessas cumpridas e que “a justiça deve ser feita mesmo que o céu caia”. E, se isso é
sustentado, pareceria não existir nenhuma distinção fundamental a ser traçada, na
determinação do dever, entre o estado real da sociedade e aquele estado ideal e, de qualquer
modo, a definição geral da justiça, por exemplo, seria a mesma para ambos assim como a
sua absoluta austeridade [stringency]. Assim, mesmo um intuicionista extremo deveria
admitir que nos detalhes a justiça e os outros deveres variam de acordo com as instituições
sociais e é plausível pensar que, se pudéssemos contemplar claramente a sociedade ideal
como um modelo de justiça absoluta, faríamos melhor se fossemos capazes de nos ater
meramente a justiça “relativa” que é a única possível sob as condições reais. Tão logo
conseguirmos fazer isso estaremos em uma melhor posição para avaliar quando
examinarmos a definição de justiça de um ponto de vista intuicionista.
A questão assume uma forma mais simples no caso do método proposto para o fim
último, e padrão supremo: a Felicidade Universal26. Aqui nós temos meramente que
perguntar quão capaz de fornecer uma guia para nossos esforços de promover a felicidade
humana aqui e agora seria uma consideração sistemática das relações sociais de um grupo

26Omito aqui a consideração do método que toma a Perfeição como um fim último uma vez que,
como antes observado, é dificilmente possível discutir isso satisfatoriamente, em relação com a
presente questão, até ter sido mostrado de modo mais claramente distinto do método intuicionista
comum.

41
idealmente feliz de seres humanos. Não devo aqui negar que essa tarefa poderia ser
utilmente incluída num estudo exaustivo deste método. Mas, é facilmente demonstrável
que ela estaria envolvida em sérias dificuldades.
Pois, para a deliberação normal, temos que considerar o que é melhor sob certas
condições da vida humana, interna ou externa, de modo que devemos fazer isso ao
contemplar a sociedade ideal. Precisamos avaliar não tanto o fim suposto a ser alcançado –
que é simplesmente o maior prazer conscientemente concebido durando tanto quanto
possível e ininterruptamente – mas preferivelmente o método de realizá-lo que possa ser
buscado pelos seres humanos. E isso, novamente, deve ser concebido sob certas condições
que não sejam muito remotas de modo que possamos ao menos tentar imita-las. E para
isso devemos saber quanto da situação presente é modificável, questão essa bastante difícil
como as tentativas de construção de uma sociedade ideal mostraram. Por exemplo, a
Republica de Platão parece em muitos aspectos suficientemente divergir da realidade apesar
dele contemplar a guerra como um fato permanente e inalterável a ser levado em conta no
estado ideal e mesmo que tais precauções pareçam ocupar um lugar central em sua
construção enquanto as Utopias modernas mais sóbrias certamente incluiriam o fim das
guerras. Assim, o ideal frequentemente parece ir em direção diametralmente oposta a
realidade de acordo com a linha imaginável da mudança que adotamos em nossos vôos
visionários acerca dos maus existentes. Por exemplo, os casamentos permanentes agora
causam alguma infelicidade devido a afeição conjugal não ser sempre permanente mas eles
foram pensados como necessários em parte para proteger os homens e mulheres das
incertezas das paixões perniciosas mas principalmente de modo a promover uma melhor
proteção para as crianças. Agora pareceria para alguns que num estado ideal poderíamos
confiar mais nas afeições entre os pais e exigir um menor controle do jogo natural das
emoções entre os sexos e deste modo o “amor livre” seria o ideal, enquanto outros,
sustentariam que a permanência da afeição conjugal é natural e normal e que quaisquer
exceções a essa regra desapareceriam quando nos aproximássemos do ideal. Igualmente, a
felicidade obtida na sociedade real parece em muito diminuída pela distribuição desigual
dos meios para a felicidade e pela divisão da humanidade entre pobres e ricos. Mas
podemos pensar em remover esse mal de duas maneiras bastante diferentes: seja [22] por
uma maior disposição da parte dos ricos em distribuir suas posses seja por um rearranjo
social tal que permitiria aos pobres assegurar mais para si mesmos. No primeiro caso, o
ideal envolveria uma grande ampliação e sistematização da esmola\caridade arbitraria e
casual que agora ocorre, no outro caso, sua extinção.

42
Em resumo, parece que deste modo abandonamos o solo firme da sociedade real e
adentramos no ilimitado nevoeiro que nos cerca por todos os lados e dentro do qual
podemos construir qualquer variedade de modelo de estado. Mas nenhum ideal que se
aproxima da realidade o faz tanto quanto as linhas retas e círculos do mundo real se
aproximam daqueles da geometria científica.
Poderia ser dito, entretanto, que nos podemos reduzir essa variedade pelo estudo
da história passada da humanidade, uma vez que isso permitiria predizer em alguma
extensão as maneiras futuras da existência. Mas mesmo isso não pareceria nos ajudar muito
em definir a nossa conduta presente. Deixem-nos fazer as mais favoráveis suposições que
podemos tais como pairam mesmo sob as mais confiantes suposições dos historiadores
científicos mais dogmáticos. Deixem-nos assumir que o processo da história humana é uma
caminhada para a maior felicidade. Deixem-nos supor, além disso, que podemos não
apenas fixar os limites dentro dos quais a condição social futura da humanidade deva se
situar, mas que podemos mesmo determinar em detalhe as relações mutuas dos diferentes
elementos da comunidade futura, de modo a conceber em linhas claras as regras de
comportamento, pelas quais observamos que se obtém o máximo de felicidade.
Continuarão restando responder indubitavelmente sobre o quão desejável para nos seria
imitar essas regras nas circunstâncias em que vivemos agora. Pois essa ordem social
prevista é ex hipothesi apenas apresentada como um estágio mais avançado do nosso
progresso social e não como um tipo ou modelo que devêssemos procurar realizar
aproximadamente em estágios anteriores. Quanto a se isso poderia ser tomado como
modelo é uma questão que ainda teria que ser determinada e em consideração a qual os
efeitos das nossas ações sobre as gerações existentes seriam, depois de tudo, o elemento
mais importante27.

27Algumas considerações posteriores quanto a essa questão podem ser encontradas em capítulo
subseqüente. Cf. Livro 4, cap. 4 §2.

43
Capítulo 3
Juízos Éticos

1. Por conduta razoável – seja moral ou prudencialmente razoável – queremos significar


aquelas que julgamos que são ‘certas’ de serem feitas. Tais julgamentos não podem ser
legitimamente interpretados como julgamentos concernentes a fatos, nem como
referindo-se exclusivamente aos sentidos de fins ulteriores, em particular, o termo
‘dever’, como usado nos juízos morais, não significa meramente que a pessoa que julga
sente uma emoção especifica;
2. nem significa meramente que a conduta em questão é prescrita sob penalidades;
3. A noção expressa por ‘dever’ no uso ético estrito é muito elementar para admitir uma
definição formal ou redução a noções mais simples. É suposta como objetivamente
valida e os juízos em que é usada quando relacionada à condutas futuras da pessoa que
julga são acompanhados de um tipo especial de impulso para a ação.
4. Esse ‘mandamento da razão’ é também exemplificado pelos juízos meramente
prudentes e pelos imperativos meramente hipotéticos.

§1. No primeiro capítulo falei das ações que julgamos ser certas e que devem ser
realizadas como sendo “razoáveis” [reasonable] ou “racionais” [rational] e, de forma
similar, falei dos fins últimos como “prescritos pela razão” e contrastei os motivos para agir
justificados pelo reconhecimento de tal razoabilidade com aqueles baseados em desejos
“não-racionais” e inclinações. Esse modo de falar é empregado por escritores de diferentes
escolas e parece de acordo como a visão e com a linguagem comum sobre o assunto. Pois
usualmente pensamos que a conduta errada é essencialmente irracional, e isso poderia ser
mostrado como sendo deste modo através de uma argumentação e, apesar de não
concebermos que seja a razão sozinha influencie os homens a agir corretamente, ainda
sustentamos que o apelo à razão é parte essencial de toda persuasão moral e que é a parte
que diz respeito ao moralista ou ao filosofo moral como distintos do pregador e do retórico
moral. De outro lado, é amplamente manifesto que, como diz Hume, “Razão, significando
o julgamento do verdadeiro e do falso, jamais pode ser um motivo para a Vontade” e que o
motivo para a ação é em todos os casos algum desejo não-racional, incluindo neste rótulo
os impulsos à ação dados pelos prazeres e sofrimentos reais. Parece desejável examinarmos
com algum cuidado as bases dessa alegação antes de continuarmos.

44
Comecemos por definir a questão de modo tão claro como possível. Todos,
suponho, já tiveram a experiência do que chamamos de conflito entre os desejos não-
racionais ou irracionais com a razão. A maioria de nós, por exemplo, ocasionalmente sente
de forma aguda iniciar-se em nós um apetite por satisfações [indulgences] que julgamos
imprudentes [24] e uma raiva que se inicia em nós contra atos que desaprovamos como
injustos ou cruéis. É quando este conflito ocorre que os desejos são ditos irracionais, uma
vez que nos impelem para volições opostas à nossa deliberação e as vezes cedemos a tais
impulsos sedutores e as vezes não. E é talvez quando não cedemos à força impulsiva de tais
desejos irracionais que mais definidamente sentimos como se estivéssemos exercendo uma
resistência a eles de tipo voluntário e análogo a aquele envolvido em qualquer exercício
muscular. Frequentemente, novamente – uma vez que nem sempre pensamos em nossos
deveres e em nossos interesses – desejos desse tipo afetam nossas ações voluntárias sem
que tivéssemos julgado que tais ações fossem certas ou erradas, prudentes ou imprudentes
como, por exemplo, quando um homem saudável come sua janta. Em tais casos parece
mais apropriado chamar os desejos de “não-racionais” do que de irracionais. Nenhum
desses termos implica que o desejo assim denominado – ou ao menos os mais importantes
destes – não sejam normalmente acompanhados por um processo intelectual. É verdade
que alguns impulsos para a ação parecem efetivar-se, como diríamos, cegamente ou
instintivamente sem qualquer conscientização definida seja dos fins a que essas ações
objetivam seja dos meios pelos quais esse fim é buscado. Mas isso é apenas o caso dos
impulsos que não ocupam a consciência por um tempo apreciável e normalmente não
requerem qualquer ação que não seja familiar e habitual para a obtenção de seus fins
próximos. Em todos os outros casos – ou seja, nos casos das ações com as quais nos
preocupamos na discussão ética – o resultado almejado e, ao menos, parte dos meios que
permitem realizá-los – são mais ou menos distintamente apresentados à consciência
anteriormente à volição que inicia os movimentos que tendem a sua realização. Portanto, as
forças resultantes que chamamos de desejos “não-racionais” e as volições a partir das quais
se iniciam – são continuamente modificadas por um processo intelectual de dois modos
distintos: o primeiro se dá através de novas percepções ou representações dos meios que
conduzem aos fins desejados e, o segundo, pelas novas representações ou aparições dos
fatos realmente existentes ou previstos – especialmente as conseqüências mais ou menos
prováveis das ações em questão – que despertam novos impulsos de desejo e aversão.
[25] A questão, é então, se a interpretação que acabamos de dar da influência do
intelecto sobre os desejos e volições não é exaustiva e se a experiência que é comumente

45
descrita como um “conflito do desejo com a razão” não é mais propriamente concebida
como um mero conflito entre desejos e aversões sendo a única função da razão a de trazer
antes à nossa mente idéias sobre os fatos possíveis e reais que modificariam da maneira
acima descrita a força resultante de nossos vários impulsos.
Sustento que este não é o caso. Que os julgamentos morais ou prudenciais comuns
tem, em todos estes casos, alguma influência – apesar de frequentemente inadequada –
sobre a volição, não podendo ser legitimamente interpretados como juízos a respeito da
existência presente ou futura dos sentimentos humanos ou de quaisquer fatos do mundo
sensível. A noção fundamental representada pela palavra “dever” ou “certo”28 está contida
em todos esses juízos expressamente ou por implicação, sendo essencialmente diferente de
todas as noções representadas por fatos físicos ou experiências psíquicas. A questão é sobre
o que aparece como constituindo de forma final a reflexão dos indivíduos em seus juízos
práticos e raciocínios e, ao fazer esse apelo, parece mais conveniente começarmos por
mostrar a inadequação de todas as tentativas de explicar os juízos práticos ou proposições
nos quais essa noção fundamental é introduzida sem reconhecermos seu caráter único
como definido negativamente acima. Existe um elemento de verdade em tais explicações,
ao menos enquanto trazem a tona nossos sentimentos que indubitavelmente acompanham
nossos julgamentos morais ou prudenciais e que normalmente têm mais ou menos efeito
em determinarem a vontade quanto às ações que julgamos certas. Mas, ao menos enquanto
eles professam ser interpretações sobre o que tais juízos significam, eles parecem para mim
falharem conjuntamente.
Ao considerarmos essa questão, é importante considerarmos separadamente duas
espécies de juízos que distingo como “morais” e “prudenciais”. Ambos poderiam ser
chamados de morais no sentido mais amplo e, como vimos, é uma opinião sólida que todas
as regras morais possuem uma base prudencial. Mas no pensamento comum, claramente
distinguimos cognições ou juízos de dever daquelas [26] cognições e juízos quanto ao que é
“certo” ou quanto ao que “deve ser feito” em vista dos interesses privados dos agentes ou
de sua felicidade e a profundidade dessa distinção não irá, acredito, ser diminuída por um
exame apropriado desses juízos que começaremos agora.
A distinção mesma sugere uma interpretação da noção de correção que nega sua
significância particular nos juízos morais. É afirmado que a “correção” é propriamente um
atributo dos meios e não dos fins de modo que a atribuição desta meramente implica que a
ação julgada correta é o meio mais apto ou o único apto para a realização de algum fim

28 A diferença entre a significação das duas palavras será discutida posteriormente.

46
compreendido, senão expressamente afirmado, e similarmente a afirmação de que qualquer
coisa “deva ser realizada” é sempre feita ao menos com referência tácita a algum fim
ulterior. E admito que essa é uma interpretação legitima com respeito a parte do uso do
termo no discurso comum. Mas, me parece claro, (1) que certos tipos de ação – sob a
rubrica de Justiça, Veracidade, Boa-Fé e etc. – são comumente sustentadas como corretas
incondicionalmente e sem atenção à resultados ulteriores e (2) que similarmente
consideramos como “correta” a adoção de certos fins – tais como aqueles do bem comum
da sociedade ou da felicidade geral. Em ambos os casos o que a interpretação acima sugere
parece, claramente, inadmissível29.
Temos então que procurar um significado para “correto” ou para “o que devemos
fazer” diferente da noção de adequação a um fim ulterior. Uma possibilidade seria a de que
os juízos ou proposições que comumente chamamos de morais – no sentido estrito –
realmente não afirmam nada além da existência de uma emoção especifica na mente da
pessoa que as afirma. Assim, quando digo “a verdade deve ser dita” ou “a veracidade
[truthspeking] é correta” significo nada além da idéia de que a veracidade excita em minha
mente um sentimento de aprovação [27] ou satisfação. E, provavelmente em algum grau,
tal emoção, comumente distinguida como um “sentimento moral”, acompanha os juízos
morais nos casos reais. Mas é absurdo dizer que a mera afirmação de minha aprovação da
veracidade é propriamente dada na proposição “Verdade deve ser dita” de outro modo o
fato da desaprovação da parte de outro homem poderia igualmente ser expresso ao dizer “a
Verdade não deve ser dita” e então teríamos dois fatos coexistentes afirmados em duas
proposições mutuamente contraditórias. Isso é tão obvio, que devemos supor que quem
sustenta essa concepção que estamos combatendo não intenciona realmente a negá-la mas
preferivelmente a sustentar que o fato subjetivo de minha aprovação é tudo que existe em
qualquer base para afirmar ou talvez que é tudo que qualquer pessoa racional está
preparada reflexivamente para afirmar. E, sem dúvida, existe uma grande classe de
afirmações, na forma objetiva, que ainda nós não estamos comumente preparados para
sustentar como mais do que subjetivas se sua validade for questionada. Se digo que o “ar é
suave” ou que a “comida é desagradável” não seria exatamente verdadeiro dizer que
significo com isso nada além de que gosto ou desgosto de um ou de outro mas que se
minha afirmação é desafiada, devo provavelmente satisfazer-me ao afirmar a existência de
tais sentimentos em minha própria mente. Mas parece para mim fundamental a diferença
entre esse caso e o dos sentimentos morais. A emoção peculiar da aprovação moral é, em

29

47
minha experiência, inseparavelmente ligada a minha convicção, implícita ou explícita, de
que a conduta aprovada é “realmente” certa – isto é, que não pode, sem erro, ser
desaprovada por outra mente. Se desisto dessa convicção por que outros não a
compartilham comigo, ou por qualquer outra razão, poderia sem dúvida ainda reter um
sentimento inicial para a conduta em questão ou – o que talvez seja mais comum – um
sentimento de repugnância para com a conduta oposta. Mas este sentimento não iria ter
mais a qualidade especial estrita de “sentimento moral”. Essa diferença entre os dois é
frequentemente subestimada na discussão ética mas qualquer experiência de mudança de
opinião moral produzida por um argumento poderia servir como uma ilustração disso.
Suponha, por exemplo, que alguém habitualmente influenciado por um sentimento de
veracidade é convencido sob certas circunstancias peculiares em que se encontra, de que
dizer a verdade não é certa mas errada. Ele iria [28] provavelmente sentir uma repugnância
contra violar a regra da veracidade e sentiria um sentimento bem diferente quanto a aquele
que o induz a colocar a veracidade como parte do departamento da ação virtuosa.
Poderíamos talvez chamar um de sentimento moral e o outro de “quase-moral”.
O argumento que acabamos de dar serve igualmente contra a concepção de que a
aprovação ou a desaprovação não é um mero gosto ou aversão de um indivíduo quanto a
certos tipos de conduta mas isso complicado por uma representação simpática dos gostos e
aversões sentidos pelos outros seres humanos. Sem dúvida, tal simpatia é um concomitante
normal da emoção moral, e quando a primeira está ausente, existe uma maior dificuldade
em se sustentar essa última. Isso, entretanto, é devido, parcialmente, ao fato de nossas
crenças morais normalmente concordarem com aquelas dos outros membros de nossa
sociedade e que essa concordância depende, em larga medida, de nossa confiança na
verdade dessas crenças30. Mas se, como no caso que acabamos de supor, nós realmente
fossemos levados pela argumentação a uma nova crença moral, oposta não somente à
nossos sentimentos habituais mas também à aqueles da sociedade em que vivemos,
teríamos um experimento crucial para provar a existência em nós de sentimentos morais
tais como os defini, colidindo com a representação das simpatias de nossos
contemporâneos não menos que com seus gostos e aversões. E mesmo se imaginássemos
as simpatias como opostas à nossas convicções estendidas até incluírem aquelas da
humanidade como um todo, contra quem nós imaginamos estarmos em Athanasius contra
mundum, ainda assim, tão logo nossas convicções de dever fossem firmes, as emoções que

30 Ver Livro 3, cap. 11 §1.

48
chamamos de morais destacar-se-iam em nossa imaginação como diferentes da complexa
simpatia opostas a ela, apesar de em grande extensão, complicadas e intesificadas por estas.
§2. Tão logo então estamos preparados a admitir que a proposição “X deve ser
feito” meramente expressa a existência de certos sentimentos morais em mim e em outros,
acho estritamente impossível considerar meus próprios juízos morais sem eliminá-los do
sentimento concomitante da qualidade peculiar significada pelo termo “moral”. Existe,
entretanto, outra interpretação de “dever” na qual os gostos e aversões que os homens em
geral sentem por certos tipos de conduta são considerados não como simpaticamente
representados nas [29] emoções da pessoa julgadora e constituindo-se como o elemento
moral presente neles, mas como causas de sofrimento para a pessoa a qual o “dever” é
prescrito. Nessa concepção, quando dizemos que um homem “deve” fazer qualquer coisa,
ou que é seu dever fazê-lo, nós significamos que ele é limitado a isso ao risco de
penalidades sendo que uma penalidade particular a ser considerada é o sofrimento que iria
se suceder a ele direta ou indiretamente através do desgosto de seus semelhantes.
Penso que essa interpretação expressa uma parte do significado com que as palavras
“dever” [ought and duty] são usadas na reflexão comum e no discurso. Pois comumente
utilizamos o termo “obrigação moral” como equivalente a “dever” e expressando o que é
implicado no verbo “dever” sugerindo assim uma analogia entre essa noção e aquela noção
de obrigação legal e no caso da lei positiva não podemos recusar a reconhecer a conexão
entre “obrigação” e “punição”: uma lei não pode ser propriamente dita como realmente
estabelecida em uma sociedade se é habitualmente violada sem punição. Mas uma reflexão
mais cuidadosa sobre a relação entre o direito [law] e a moralidade, como normalmente
concebidos, pareça mostrar que essa interpretação de “dever” [ought] – apesar de não
poder ser excluída – deve ser distinguida do uso ético especial do termo. A distinção ideal
feita pelo feita no pensamento comum entre o legal e as regras meramente morais parece
repousar nessa conexão do legal com a punição mas não da moral com a punição.
Pensamos que existem algumas coisas que um homem deve ser compelido a fazer, ou
tolerar, e outras que deveria fazer ou tolerar sem uma imposição e que as primeiras apenas
caem na esfera da lei. Sem dúvida também pensamos que em muitos casos onde a
imposição da lei é indesejável, o medo da censura moral e de suas conseqüências supre o
que são normalmente úteis limitações [constrain] sobre a vontade de qualquer individuo.
Mas é evidente que o que significamos quando dizemos que um homem é “limitado
moralmente mas não legalmente” a fazer uma coisa não é meramente que ele “ira ser
punido pela opinião pública se não o fizer” pois frequentemente associamos essas duas

49
afirmações, claramente distinguindo suas origens e além disso (uma vez que a opinião
pública é conhecida por sua eminente falibilidade) existem coisas que julgamos que um
homem deve fazer, apesar de estarmos perfeitamente avisados de que incorreram em sérias
penalidades sociais por omitir-se. [30] Em tais casos, no entanto, será comumente dito que
a desaprovação social “deveria” seguir-se a uma conduta imoral e nessa afirmação é claro
que o termo “deveria” não pode significar que as penalidade sociais serão sentidas por
aqueles que não desaprovarem. Novamente, todos ou a maioria dos homens nos quais a
consciência moral está fortemente desenvolvida acham-se em si mesmos de tempos em
tempos em conflito com a moralidade comum recebida da sociedade a que pertencem e
assim – como dizemos antes – tem uma experiência crucial provando que o dever não
significa para eles o que os outros homens irão desaprovar por não fazerem.
Ao mesmo tempo admito, como alias já sugeri no §3 do capítulo 1, que não
raramente pronunciamos [pass] juízos parecendo juízos morais na forma e não os
distinguimos do pensamento comum nos casos onde a obrigação afirmada é achada, por
reflexão, como dependendo da existência de opiniões e sentimentos correntes tais como
eles. Os membros das sociedades modernas civilizadas estão sob a influência de um código
de opinião pública, reforçado por penalidades sociais, que nenhuma pessoa reflexiva que o
obedeça identifica-o com o código moral, ou toma-o como incondicionalmente amarrado
[bind]. Inclusive o código é manifestamente flutuante e variavel, diferente ao mesmo tempo
nas diferentes classes, profissões, círculos sociais e na mesma comunidade política. Tal
código sempre suporta em extensão considerável o código moral comumente recebido e a
maioria das pessoas reflexivas pensam como geralmente razoável se conformar aos
mandamentos [dictate] da opinião pública – ao código de honra, poderíamos dizer, em
assuntos sérios ou às regras da polidez ou boa educação [breeding] nos assuntos leves –
onde quer que esses mandamentos não estejam em conflito positivo com a moralidade e tal
conformidade sendo mantida mesmo nas bases do interesse privado, ou porque supostas
como conduzindo a felicidade geral ou ao bem-estar no compartilhamento tão harmonioso
quanto possível com seus contemporâneos [fellow-men]. Deste modo, no pensamento
ordinário das pessoas irrefletidas os deveres impostos pela opinião social são
frequentemente indistintos dos deveres morais e mesmo nessa indistinção é quase inerente
na significação de muitos termos. Por exemplo, se disséssemos que um homem foi
desonrado por um ato de covardia, não é claro se com isso queremos dizer que ele ficou
sujeito ao desprezo ou o mereceu ou que ambos como se torna evidente quando tomamos
um caso em que o código de honra aparece em conflito com a moralidade [31]. Se, por

50
exemplo, um homem ficou sujeito ao ostracismo social em qualquer lugar por se recusar-se
a um duelo devido a crenças religiosas, alguns poderiam dizer que ele é “desonrado”,
apesar de ter agido corretamente e outros que não poderia existir nenhuma desonra real
num ato virtuoso. Uma ambigüidade similar parece esconder-se na noção comum de
comportamento “impróprio” ou “incorreto”. Ainda em todos esses casos a ambiguidade se
torna evidente para a reflexão e quando descoberta, serve apenas para exemplificar a
distinção entre as noções de “conduta correta”, dever, do que “devemos” ou então o estar
“sob obrigações morais” – quando esses termos são usado estritamente em um sentido
ético – e a conduta que é mera conformidade à padrões da opinião corrente.
Existe, entretanto, outro modo de interpretar “dever” como conotando
penalidades, que é algo menos fácil de encontrar através de experimentos psicológicos
crucias. O imperativo moral poderia ser tomado como sendo uma lei de Deus, uma brecha
[breach] a partir da qual as penalidades Divinas atuaria [are annexed] e estas, sem dúvida,
em uma sociedade cristã, são comumente concebidas como adequadas e universalmente
aplicáveis. Ainda, dificilmente se pode dizer que essa crença é compartilhada por todas as
pessoas cuja conduta é influenciada por convicções morais independentes e ocasionalmente
não suportadas seja pela lei seja pela opinião pública de sua comunidade. E mesmo no caso
de muitos daqueles que acreditam de forma plena no governo moral do mundo, o juízo
“devo fazer isso” não pode ser identificado como o julgamento “Deus punir-me se não o
fizer” uma vez que a convicção de que a primeira proposição é verdadeira é reconhecida
como em parte importante como distinta dos fundamentos da crença na segunda.
Novamente, quando os cristãos falam – como normalmente o fazem – da justiça (ou outro
atributo moral) de Deus, como punindo os pecadores e recompensando os virtuosos
[righteous], eles obviamente implicam não meramente que Deus irá então punir e
recompensar mas que é “certo”31 [right] para ele fazê-lo assim o que, claro, não pode ser
tomado como significando que Ele esta “limitado sob penalidades”.
§3. Parece então que a noção de “dever” ou “obrigação moral” como utilizada em
nossos julgamentos morais comuns não supõe meramente (1) que exista na mente de uma
pessoa ao julgar uma emoção especifica (se complicada ou não pela representação
simpática das emoções similares em outras mentes) [32] nem (2) que certas regras de
conduta são suportadas pelas penalidades que se seguiriam de sua violação (se tais
penalidades resultassem de um gosto ou aversão gerais sentido pela conduta prescrita ou
proibida ou de alguma outra fonte). O que então, poderíamos perguntar, isso importa?

31 “Dever” [ought] é aqui inaplicável pela razão presentemente explicada.

51
Qual definição podemos dar de “dever”, “certo” e outros termos que expressão a mesma
noção fundamental? Quanto a isso responderíamos que a noção que esses termos têm em
comum é muito elementar para admitir qualquer definição. Ao dizer isso não quero
implicar que isso pertença à “constituição original da mente”, ou seja, que sua presença na
consciência não seja devido a um processo de desenvolvimento. Não duvido que a fábrica
completa do pensamento humano – incluindo os conceitos que se apresentam como os
mais simples e elementares – foi desenvolvida, através de um processo gradual de mudança
psíquica a partir de alguma forma de vida inferior na qual pensamos, falando propriamente,
que não teve lugar. Mas disso não deve ser inferido, quanto a essa ou qualquer outra
questão, que isso não tenha a simplicidade que parece ter quando refletimos agora sobre
essa questão. Às vezes é suposto que se podermos mostrar como os pensamentos
desenvolveram – se pudermos apontar para os antecedentes psíquicos nos quais eles são a
conseqüência natural – poderíamos concluir que os pensamentos em questão são realmente
compostos contendo seus antecedentes como elementos latentes. Mas não conheço
justificativa para essa transferência de conceitos químicos para a psicologia32. Nem conheço
nenhuma razão para considerar os antecedentes psíquicos como realmente constitutivos de
seus conseqüentes psíquicos além da aparente dessemelhança entre os dois. Em default a
tais razões, um psicólogo deveria aceitar como elementar o que a introspecção
cuidadosamente guiada declara ser assim e, usando esse critério, encontro que a noção que
estava sendo examinada, como agora existe em nosso pensamento, não pode ser resolvida
em qualquer noção mais simples, ela pode apenas ser tornada mais clara através da
determinação tão precisa quanto possível de sua relação com as outras noções está
conectada no pensamento comum especialmente com aquelas que é possível de ser
confundida.
Ao realizar esse processo é importante notar e distinguir duas diferentes
implicações com que a palavra “dever” é usada. No sentido ético mais estrito o que é
julgado como “devendo ser feito” é sempre pensado como capaz de ser aceito pela volição
de qualquer individuo para quem o julgamento se aplica. Não posso conceber que “eu
devo” fazer qualquer coisa que ao mesmo tempo julgo que não posso fazer. No sentido
amplo, entretanto, - que não pode razoavelmente ser descartado – as vezes julgo que
“devo” saber o que um homem sábio saberia ou o que um homem melhor sentiria, em meu
lugar, apesar de que saberia que não poderia diretamente produzir em mim mesmo tal
conhecimento ou sentimento através de qualquer esforço da vontade. Neste caso a palavra

32

52
implicaria meramente em um ideal ou modelo que eu “deveria” – no sentido estrito –
buscar imitar tanto quanto possível. E, esse sentido mais amplo parece ser o sentido em
que a palavra é normalmente usada nos preceitos [precepts] da arte em geral e nos juízos
políticos quando julgo que as leis e a constituição de meu país “deveriam ser” outras que
não aquelas que são efetivamente. É claro que com isso não quero implicar que minha
própria volição ou a de qualquer outro individuo possa diretamente causar essa mudança 33.
Em qualquer caso, entretanto, implico que o que deve ser feito é um objeto possível de
conhecimento, isto é, que o que julgo dever ser deve, a menos que esteja enganado, ser
similarmente julgado por todos os seres racionais que julgam verdadeiramente [truly] a
questão.
Ao referir a tais julgamentos da razão, não quero aqui prejulgar a questão se os
juízos morais válidos são normalmente alcançados por um processo de raciocínio a partir
de princípios ou axiomas universais ou através da intuição direta a partir de deveres
particulares dos indivíduos. Não é incomum sustentar que a faculdade moral lida
primariamente com casos individuais tais como eles surgem, aplicando diretamente a cada
caso a noção geral [34] do dever e decidindo intuitivamente o que deve ser feito por essa
pessoa nessas circunstancias particulares. E admito que nessa visão a apreensão da verdade
moral é mais análoga a percepção-dos-sentidos que à intuição racional (como normalmente
compreendida34) e mesmo o termo sentido moral poderia parecer mais apropriado. Mas o
termo Sentido sugere uma capacidade para sentimentos que poderia variar de A para B sem
mesmo estar em erro preferivelmente a uma faculdade da cognição35 e parece-me de
fundamental importância evitar essa sugestão. Tenho então pensado em usar o termo
Razão, com a explicação dada acima, para denotar a faculdade da cognição moral 36
acrescentando, como uma justificativa a mais para esse uso, que mesmo quando um juízo
moral relaciona-se primariamente à algumas ações particulares nós comumente o tomamos
como aplicável a qualquer outra ação que pertença a um certo tipo de classe de modo que a
verdade moral apreendida é concebida implicitamente como sendo intrinsecamente
universal, apesar da nossa primeira apreensão.
Posteriormente quando falar da cognição ou juízo que “X deve ser feito” – no
sentido ético estrito do termo deve37 - como um “mandamento” ou “preceito” da razão

33
34
35
36Uma explicação mais aprofundada para essa extensão do uso do termo Razão será sugerida num
capítulo subseqüente desse mesmo livro (Cap. 8 §3).
37

53
para as pessoas com as quais se relaciona, implico que nos seres racionais enquanto tais
essa cognição dá um impulso ou motiva a ação apesar de que nos seres humanos, claro, ela
ser apenas um entre outros motivos que são possíveis de estar em conflito e que nem
sempre – talvez nem normalmente – seja um motivo predominante. De fato, esse possível
conflito de motivos parece estar conotado pelo termo “preceito” ou “imperativo” que
descreve a relação da razão para as meras inclinações ou impulsos não-racionais ao
compara-las [35] com a relação entre a vontade de um superior e as vontades de seus
subordinados. Esse conflito parece também estar implicados nos termos “dever”,
“obrigação” [duty], obrigação moral [moral obligation] como usados no discurso moral
ordinário e assim esses termos não podem ser aplicados para as ações dos seres racionais
para quem não podemos atribuir impulsos conflitantes com a razão. Poderíamos,
entretanto, dizer de tais seres que suas ações são razoáveis ou (num sentido absoluto)
“certas”.
§4. Preocupo-me que algumas pessoas estejam dispostas a responder a toda a
argumentação precedente pela simples negação de que possam encontrar em suas
consciências qualquer destes incondicionados ou imperativos categóricos como tenho
tentado exibi-los. Se esse é realmente o resultado do auto-exame final de cada caso não
existiria nada mais a ser dito. Eu, ao menos, não conheço como comunicar a noção de
obrigação moral para qualquer um que seja inteiramente destituído dela. Penso, entretanto,
que muitos daqueles que negam, apenas dizem, com a sua negação que tem alguma
consciência da obrigação moral para as ações sem referencia às suas conseqüências, e não
deveriam realmente negar que reconhecem a existência de um ou mais fins universais –
compreendendo aí seja a felicidade geral seja o bem estar – como aqueles que são
razoavelmente objetivados como últimos, subordinando a esta obtenção a gratificação de
qualquer desejo pessoal que poderia conflitar com esse objetivo. Mas nessa concepção,
como disse antes, o imperativo incondicionado plenamente aparece em consideração ao
fim, que é – explicita ou implicitamente – reconhecido como um fim ao qual todos os
homens “devem” almejar e, dificilmente, pode ser negado que o reconhecimento de um
fim como racionalmente útil envolve o reconhecimento de uma obrigação para fazer tais
fins como os mais condizentes a este fim. A obrigação não é ainda “incondicional”, mas
também não depende, em sua existência, de qualquer desejo não-racional ou aversão. E,
nada do que foi dito na sessão precedente, foi pensado como um argumento a favor do
intuicionismo, ou contra o utilitarismo, ou qualquer outro método que trata as regras
morais como relativas ao bem geral ou ao bem estar. Por exemplo, nada do que foi dito é

54
inconsistente com a concepção de que a veracidade tem valor apenas como um fim para a
preservação da sociedade. Apenas ao admitirmos que ela é válida, nessas bases, é que
poderíamos dizer que a preservação da sociedade – ou a de algum fim último para o qual
essa preservação, novamente, [36] é um meio – deve ser avaliada per se, e assim algo ao qual
um ser racional, enquanto tal, deve almejar. Isso, se for garantido que não necessitamos
olhar para além da preservação da sociedade, e assim o mandamento primário da razão
neste caso séria que a sociedade deve ser preservada. Mas a razão, poderia também ordenar
que a verdade deve ser dita, tão logo a veracidade for reconhecida como um meio
indispensável, ou o mais apto para esse fim, e a noção de “dever”, como usada em ambos
os mandamentos, é aquela que teríamos que tornar clara.
Assim novamente, mesmo aqueles que sustentam que as regras morais são apenas
obrigatórias, porque é do interesse dos indivíduos conformar-se a elas – e assim as
considerando como uma espécie particular das regras prudenciais – do not thereby get rid
do “mandamento da razão” tão logo reconhecem que os interesses privados ou a felicidade
como um fim ultimo racional a ser alcançado. O conflito da razão prática com os desejos
irracionais continua como um fato indubitável de nossa experiência consciente, mesmo se a
razão prática é compreendida como significando meramente a auto-consideração
prudencial. É mesmo sustentado por Kant e por outros que não pode ser propriamente
dito que um dos deveres do homem seja promover sua própria felicidade um vez que “o
que cada um inevitalmente quer não pode ser colocado sob a noção de dever”. Mas mesmo
admitindo38 como sendo em algum sentido verdadeiro que a volição de um homem seja
sempre dirigida à obtenção de sua própria felicidade, não se segue que um homem sempre
realiza o que acredita que conduzirá a sua própria maior felicidade. Como Butler afirma, é
uma questão da experiência humana que um homem satisfaz seus apetites ou paixões
mesmo quando em sua própria visão essa satisfação é claramente oposta ao que ele
considera seus interesses e ao que considera seus deveres. Assim a noção de “dever” –
como expressa na relação entre juízos racionais e impulsos não-racionais – será encontrará
um lugar nas regras práticas de qualquer sistema egoísta não menos do que nas regras da
moralidade comum, compreendida como prescrevendo deveres sem referência aos
interesses do agente.
Aqui entretanto poderia ser sustentado que o Egoísmo não toma propriamente à
maior felicidade do agente como o que ele “deve” almejar mas apenas como um fim último
para a realização do qual ele tem, no todo, um desejo predominante que poderia ser

38 Como veremos no próximo capítulo não admito isso.

55
temporariamente superado por uma paixão e apetite particulares [37] mas ordinariamente
retoma sua proeminência quando estes impulsos transitórios gastam sua força. Reconheço
que essa é uma visão amplamente baseada na ação egoísta e proponho considera-la num
capítulo subseqüente39. Mas mesmo se abandonássemos essa crença, de que qualquer fim
de uma ação é incondicionalmente ou “categoricamente” prescrito pela razão, a noção
“dever” como explicada acima não é eliminada de nosso raciocínio prático continuando
ainda no “imperativo hipotético” que prescreve o meio mais apto para qualquer fim que
poderíamos determinar obter\almejar. Quando, por exemplo, um médico diz “se você
deseja se curar deve acordar mais cedo” isso não é a mesma coisa que dizer “acordar cedo é
uma condição indispensavel para a obtenção de saúde”. Essa última proposição expressa a
relação dos fatos psicológicos no qual a primeira afirmação se funda mas não é meramente
essa relação de fatos que a palavra “dever” implica. Ela também implica a irracionalidade de
adotando-se um fim recusar-se a adotar o meio indispensável para a sua obtenção. Poderia
ser argumentado que isso não é apenas irracional mas impossível uma vez que a adoção de
um fim significa a preponderância do desejo para ele e se ocorre uma aversão aos meios
indispensáveis causa que eles não sejam adotados apesar de reconhecidos como
indispensáveis, o desejo pelo fim não é preponderante e cessa de ser adotado. Mas essa
concepção é devida, em minha opinião, a uma análise psicológica equivocada. De acordo
com minha observação da consciência a adoção de um fim como supremo – seja
absolutamente seja dentro de certos limites – é um fenômenos psíquico bastante diferente
do desejo. É como um tipo de volição, apesar de ser, é claro, especificamente diferente de
uma volição que inicia uma ação particular imediatamente. Como uma espécie entre as duas
poderíamos colocar as resoluções para agir de certa maneira no futuro. Continuamente
fazemos tais resoluções e as vezes quando o tempo chega de tomá-las, nos agimos
diversamente sob a influência de uma paixão ou mero hábito sem conscientemente
cancelarmos nossas resolução prévia. Essa inconsciência da vontade, nossa razão prática
condena como irracional, mesmo separadamente de qualquer juízo de aprovação ou
desaprovação sobre ambas as volições consideradas em si mesmo. Existe uma
inconsistência [38] similar entre a adoção de qualquer fim e uma recusa geral de tomar
qualquer meio que poderíamos ver ser indispensável a sua obtenção. E se, quando chega a
época, não tomamos tais meios enquanto ainda não desistimos da nossa adoção de um fim
poderia dificilmente ser negado que nós “devemos” por consistência agir de forma diversa

39 Cap. 9 deste livro.

56
daquela que fazemos. E tal contradição, entre uma resolução geral e uma volição particular,
é claramente um problema da experiência comum.

57
Capítulo 4
Prazer e Desejo

1. A doutrina psicológica que afirma que o objeto de desejo é sempre Prazeroso (prazer) é
suscetível de colidir com a concepção dos juízos éticos que apresentamos e, de
qualquer modo, necessita de cuidadoso exame.
2. Se por “prazeroso” queremos dizer “agradável aos sentidos” essa doutrina é oposta à
experiência pois através da completa escala de nossos desejos, dos mais elevados aos
mais baixos, podemos distinguir impulsos direcionados para outros fins que não
aqueles de nossos próprios sentimentos do desejo de prazer;
3. como será mostrado pelo conflito ocasional entre dois tipos de impulsos.
4. Nem pode a doutrina derivar qualquer suporte da consideração seja de objetivos
“inconscientes” ou “originais” da ação humana.
Nota

§ 1. No capítulo precedente deixei indeterminadas as características emocionais dos


impulsos que prontamente nos levam a obedecer aos mandamentos da razão. Assim o fiz
por que estes parecem ser muitos diferentes nas diferentes mentes, e mesmo variam muito
e rapidamente na mesma mente, sem qualquer variação correspondente na direção volitiva
dos impulsos. Por exemplo, na mente de um egoísta racional o impulso dominante é
geralmente aquele que Butler e Hutcheson chamaram de um amor próprio “calmo” ou
“frio” enquanto no homem que toma a felicidade universal como um fim e como padrão
da conduta correta, o desejo de fazer o que julga ser razoável está comumente misturado,
em graus diversos, com a simpatia e o entusiasmo filantrópico. Novamente, se alguém
concebe o mandamento da razão – qualquer que seja este mandamento – como externo a si
mesmo, a cognição de sua correção é acompanhada de um sentimento de reverência pela
autoridade e poderia por alguém ser concebido impessoalmente, mas que é mais comum
tomada como autoridade de uma Pessoa suprema de modo que o sentimento mistura-se
com as aflições normalmente excitadas pelas pessoas e diferentes relações tornando-se
religiosa. Essa concepção da razão como uma autoridade externa, contra a qual a vontade
própria [self – will] se rebela, é irresistivelmente forçada para mente reflexiva. Noutras
vezes, entretanto, a identidade entre razão e self apresenta a si mesma como uma convicção
imediata, transformando a reverência pela autoridade em auto-respeito e convocando o

58
sentimento oposto e ainda mais poderoso da liberdade se considerarmos o self racional
como possível de ser escravizado pela força usurpadora [40] dos impulsos sensuais.
Bem diferentes são as emoções da aspiração e da admiração levantadas pelo
conceito de Virtude como ideal de beleza moral.40. Outras fases da emoção poderiam ser
mencionadas, tendo todas esta característica comum de serem inseparáveis de uma
cognição aparente – implícita ou explícita, direta ou indireta – da certeza na conduta com a
qual se inicia. Existem sem dúvida, diferenças importantes quanto ao valor moral e a
eficácia destas diferentes emoções às quais deveremos posteriormente chamar à atenção
mas, seu efeito prático primário não aparece variar tanto quando a cognição da correção
permanece inalterada. Assim, é com respeito a tais cognições que a ética, em minha
concepção, lida primariamente e seu objeto está então liberto da dúvida e do erro e tão
sistematizado quanto possível.
Existe, entretanto, uma concepção destes sentimentos que iniciam a ação
voluntária, que às vezes, é pensada como terminando com toda essa controvérsia quanto
aos princípios nos quais tais ações devam ser reguladas. Essas concepções são aquelas em
que a volição é sempre determinada pelos prazeres ou sofrimentos reais ou previstos. Essa
doutrina – que poderia distinguir como hedonismo psicológico – é frequentemente
conectada, e não raramente confundida, com o método da ética que chamei de hedonismo
egoísta e, sem dúvida, parece à primeira vista uma inferência natural que, se um fim da ação
– meu próprio prazer ou ausência de dor – é determinado definitivamente, para mim,
através de leis psicológicas invariáveis, um fim diferente não poderia se prescrito, para mim,
pela razão.
A reflexão, entretanto, mostra que essa inferência envolve uma suposição garantida
de que o prazer ou o sofrimento de um homem são determinados independentemente de
seus julgamentos morais. Apesar de ser manifestamente possível que nossa perspectiva de
prazer resultante de qualquer curso de conduta possa depender largamente de nossas
concepções disto quanto ao certo ou não. E, de fato, a teoria psicológica mencionada acima
requeriria que supuséssemos que esse é normalmente o caso das pessoas conscientes que
habitualmente agem de acordo com suas convicções morais. A conexão entre a expectativa
de prazer derivada de um ato com um juízo de que ele é certo poderia ser diferente em
diferentes casos. Nos comumente concebemos um homem verdadeiramente moral como
aquece que encontra prazer [41] em fazer o que julga ser certo porque o julga assim. Mas,
mesmo quando a sensibilidade moral é fraca a expectativa de prazer derivada de um ato

40 A relação entre da estética com a conduta moral ideal deverá ser discutida no capitulo
subseqüente (9) deste livro.

59
poderia ser um conseqüente necessário do julgamento de que ele é certo, através da crença
do governo moral do mundo de alguma forma harmoniza virtude e auto-interesse. No
entanto, concluo, que não existe nenhuma conexão necessária entre a proposição
psicológica de que o prazer ou a ausência de dor em mim mesmo é sempre o fim último
real de minha ação e a proposição ética de que minha própria maior felicidade ou prazer
seja para mim o fim último correto. Poderia, entretanto, ser replicado que se a primeira
proposição for aceita na mesma forma quantitativamente precisa dessa ultima – se for
admitida que devo pela lei de minha natureza sempre almejar o maior prazer possível (ou o
menor sofrimento) para mim mesmo – então ao menos não posso conceber qualquer
objetivo conflitante com isso a ser prescrito pela razão. E isto parece para mim inegável.
Se, como afirma Bentham41, “na ocasião de cada ato que realiza, cada ser humano é”
inevitavelmente “levado a perseguir a linha de conduta que, de cardo com a sua visão do
caso, tomada por ele naquele momento, ser no mais alto grau contribuinte para sua maior
felicidade”42, então, para qualquer um que saiba isso, deve tornar-se inconcebível que a
razão o mande persegui qualquer outra linha de conduta. Mas, ao mesmo tempo, como
isso me parece, a proposição de que ele “deve” perseguir esta linha de conduta torna-se não
menos incapaz de ser afirmada com qualquer significância. Pois uma lei psicológica
invariavelmente efetivada em minha conduta não é admissível como sendo concebida
enquanto “preceito” ou “mandamento” da razão. Esta última deve ser uma regar da qual
estou consciente de que é possível desviar. Não penso entretanto que a proposição citada
por Bentham poderia ser afirmada sem qualificação por qualquer dos escritores que agora
sustentam o hedonismo psicológico. Eles admitiriam, com J. S. Mill43, que os homens
frequentemente, não a partir meramente de suas deficiência intelectuais, mas a partir [42]
“da ausência de firmeza de caráter, fariam sua escolha pelo bem mais próximo, apesar de o
saberem menos valioso, e, não menos, quando a escolha for entre dois prazeres corporais...
eles perseguiriam satisfações sensuais que afetassem a saúde apesar de perfeitamente
avisados de que a saúde é o maior bem44.
Sendo assim, o hedonismo egoísta torna-se um possível ideal ético ao qual o
hedonismo psicológico parece apontar. Se pudermos mostrar que o objetivo último de cada
um de nós ao agir é sempre apenas algum prazer “ou ausência de sofrimento” para ele

41 Aqui, como no capítulo 1 adoto a exata interpretação hedonista da ”felicidade” e Bentham


tornou corrente. Esta me parece o mais adequado uso do termo mas, em outro momento (Livro1,
cap.7 §1) tomarei nota de outros usos.
42
43 Utilitarismo, cap. 2 p.14
44 O Sr. Leslie Stephen sustenta “

60
mesmo, a demonstração certamente sugeriria que cada um de nós deve procurar o seu
próprio e maior prazer.45 Como foi dito, nenhuma inferência cogent é possível partindo-se
de uma generalização psicológica para um princípio ético mas a mente possui uma
tendência natural para passar de um posição para a outra. Se a realização [spring] última da
nossa volição for sempre nossos próprios prazeres e sofrimentos, parece razoável prima
facie ser movidos por eles na proporção de sua agradabilidade e dolorosidade e então
escolher o maior prazer e o menos sofrimento no todo. Mais ainda, a doutrina psicológica
parece conflitar com uma concepção ética mais ampla sustentada pelas pessoas cuja
consciência moral é altamente desenvolvida, por exemplo, que um ato, para ser no maior
grau virtuoso, deve não apenas ser feito pelo valor do prazer conseguido, mesmo se este
prazer for o do senso moral assim, se ajo a partir do único desejo de obter a iluminação da
auto-aprovação moral que creio ira aparecer se o performar, o ato não será
verdadeiramente virtuoso.
Parece então importante para a questão do hedonismo psicológico, mesmo em sua
forma mais definida, examinarmo-lo cuidadosamente.
§2. Seria bom se começássemos por definir mais precisamente o ponto em questão.
Primeiro, concedo que o prazer é um tipo de sentimento que estimula a vontade às ações
tendendo a sustentá-las ou produzi-las – a sustentá-las se já são no presente reais e
produzindo-as se ainda apenas são representadas por uma idéia – e similarmente o
sofrimento é um tipo de sentimento que estimula às ações tendendo a remove-las ou a
evitá-las46. Parece conveniente chamar o estimulo volitivo sentido nesses dois casos como,
respectivamente, Desejo47 e Aversão apesar de que deveríamos observar que o primeiro
termo é normalmente restringindo ao impulso sentido quando o prazer não esta realmente
presente mas representa apenas uma idéia. O ponto em questão, então, não é se o prazer,
presente ou representado, é normalmente acompanhado por um impulso para prolongar o
sentimento real ou para realizar o sentimento representado sendo o sofrimento o
correspondente pela aversão, mas se existem não desejos mas aversões que possuem não
prazeres mas sofrimentos como seus objetos – nenhum impulso consciente para produzir
ou evitar outros resultados que não aqueles que o próprio agente sentisse. No tratado a que
me referi, Mill explica que “desejar uma coisa e achá-la prazerosa, é, numa linguagem
estrita, dois modos de nomear o mesmo fato psicológico. Se esse for o caso, é difícil ver

45 “Ou, mais precisamente, ‘o maior saldo de prazer sobre dor”.


46 As qualificações e limitações que essa proposição requer, antes de poder ser aceita como
estritamente verdadeira, não me parecem importantes para o propósito do presente argumento. Ver
livro 2 cap. 2 §2.
47

61
como a proposição que estamos discutindo requereria ser determinada pela “prática da
autoconsciência e da auto-observação” uma vez que essa negação envolveria uma
contradição em termos. A verdade é que uma ambigüidade na palavra prazer tendeu a
confundir a discussão desta [44] questão. Quando falamos de um homem fazer algo “ao
seu prazer” ou “como lhe agrada” usualmente significamos o mero fato de uma escolha
voluntária e não necessariamente que o resultado almejado nisso seja algum sentimento
previsto por aquele que escolheu. Agora, se por “agradável” [pleasant] significarmos o que
influência a escolha, exercitando certa força atrativa na vontade então temos uma asserção
incontroversa porque tautológica. Dizer que desejamos o que é agradável – ou mesmo que
desejamos uma coisa na proporção que aparece agradável. Mas se tomarmos “prazer”
como denotando o tipo de sentimento, acima definido, torna-se uma questão realmente
problemática se o fim ao qual nossos desejos sempre são conscientemente dirigidos é à
realização por nós mesmo de tais sentimentos. E isso é o que devemos entender que Mill
considerou como “tão óbvio, que dificilmente poderia ser posto em questão”.
É curioso encontrar um dos moralistas ingleses mais bem conhecidos sustentar o
exato oposto do que Mill toma como tão óbvio, como sento não apenas um fato universal
de nossa experiência consciente mas mesmo uma verdade necessária. Butler, como é bem
sabido, distingue amor-próprio, ou o impulso direcionado para o nosso próprio prazer, dos
“movimentos particulares direcionados para objetos externos particulares – como honra,
poder, o mal ou o bem de outro”. Essas ações parte do que são “não diferentemente
interessadas do que cada ação de cada criatura deve da natureza do caso ser; pois ninguém
pode agir sem ser a partir de um desejo ou escolha ou preferência próprios”. Tais paixões
particulares ou apetites são, ele continua a dizer, “necessariamente pressupostos pela idéia mesma
de um interesse buscado uma vez que a idéia mesma de interesse ou felicidade consiste
nisso: que um apetite ou afecção apraz seu objeto”. Poderíamos não buscar o prazer de
forma alguma, ao menos tenhamos desejo por alguma coisa outra que o prazer pois todos
os prazeres consistem na satisfação destes impulsos “desinteressados”.
Butler certamente superestimou seu caso48, ate onde minha própria experiência
reconhece, pois muitos prazeres – especialmente aqueles da visão, da audição e do paladar
juntamente com muitos dos prazeres emocionais – ocorrem em mim sem qualquer relação
perceptível com desejos anteriores e me parece bastante concebível que nossos desejos
primários poderiam ser inteiramente dirigidos para prazeres como estes. Mas como uma
questão de fato, parece-me que através da escala completa de meus impulsos, sensuais,

48
O mesmo argumento é posto

62
emotivos e mesmo os intelectuais, posso distinguir desejos em o objeto é alguma coisa
diferente de meu próprio prazer.
Começarei tomando um exemplo disso a partir dos impulsos que ocupam
normalmente o degrau mais baixo dessa escala. O apetite da fome, tanto quanto pude
observar, é um impulso direto para a alimentação. Tal alimentação é sem dúvida
comumente acompanhado de um sentimento agradável mais ou menos intenso mas não
pode, acredito, ser dito estritamente que esse sentimento agradável seja o objeto da fome e
que seja a representação deste prazer que estimula a vontade de um homem faminto
enquanto tal. Claro, a fome é frequentemente e naturalmente acompanhada com
antecipação do desejo de se alimentar mas uma introspecção cuidadosa parece mostrar que
essas duas coisas não são de modo algum inseparáveis. E mesmo quando ocorrem juntas o
prazer parece propriamente o objeto não do apetite primário mas de um desejo secundário
que pode ser distinto do anterior uma vez que o gourmand, em quem este desejo é forte, é
frequentemente levado por ele a ações criadas para estimular a fome, e frequentemente,
novamente, levado a controlar o impulso primário de modo a prolongar o processo de
satisfação.
É mesmo tão obvio que a fome seja algo diferente do desejo antecipado por um
prazer, que alguns escritores tem posto esses estímulos volitivos (e aqueles do desejo em
geral) como um caso de aversão do sofrimento presente. Isto, entretanto, parece-me um
mero erro de classificação psicológica. Sem dúvida o desejo é um estado de consciência em
muito similar ao sofrimento, uma vez que em ambos sentimos um estimulo que nos leva a
passar do estado atual para um diferente. Mas aversão ao sofrimento é um impulso para
que saiamos do estado atual e passemos a algum outro que é representado apenas
negativamente como diferente do estado atual enquanto o desejo enquanto tal, é o impulso
primário para a realização de algum resultado futuro positivo. É verdade que quando um
sentimento forte é, por qualquer razão, diminui [baulked] seu efeito ao causar a ação, isso é
geralmente doloroso em algum grau de modo que uma aversão secundária a esse estado de
desejo é gerada, que se mistura com o desejo e que poderia facilmente ser confundida
como ele. Mas aqui novamente, poderíamos distinguir os dois impulsos pela observação de
diferentes tipos de conduta a que ocasionalmente levam: da aversão a um sofrimento de
um desejo abortado [ungratified], apesar de que este poderia agir como um estímulo
adicional para a gratificação do desejo, mas que também poderia, como frequentemente o
faz, levar-nos a nos livrar do sofrimento pela supressão do desejo.

63
A questão se todos os desejos tem em algum grau a qualidade da dor [pain] é de
interesse mais psicológico do que ético uma vez que é admitido que frequentemente não é
de modo algum dolorosa em qualquer grau comparável a sua intensidade como desejo de
forma que o impulso volitivo não pode ser explicado como um caso da aversão a sua
própria dor. Ao mesmo tempo, tanto quanto minha experiência me diz, não êxito em
responder a questão com uma negativa. Consideremos novamente o caso do faminto.
Certamente não acho a fome, enquanto elemento da minha vida normal, um sentimento
sôfrego. Torna-se apenas doloroso quando estou doente ou quando a satisfação do apetite
é anormalmente postergada. E, em geral, os impulsos para ações que tendem a sua
satisfação, não são apenas sentimentos não dolorosos – mesmo quando sua obtenção é
ainda remota – mas é frequentemente um elemento de um estado de consciência que como
um todo é altamente prazeroso. E mesmo, o prazer permitido pela consciência em ávida
atividade, na qual o desejo é um elemento essencial, constitui um item considerável da
apreciação total da vida. É quase um lugar comum dizer que tais prazeres [47], que
poderíamos chamar em geral de prazeres da busca, são mais importantes que os prazeres da
realização. E, em muitos casos, é a perspectiva da primeira antes que da última que nos
induz a engajarmo-nos em sua busca. Em tais casos é peculiarmente fácil distinguir o
desejo de alcançar o objeto perseguido do desejo do prazer de sua conquista uma vez que a
conquista apenas se torna prazerosa em perspectiva porque a busca em si mesma estimula
um desejo pelo que está sendo buscado. Tome, por exemplo, o caso de qualquer jogo que
envolva – como a maioria dos jogos fazem – uma disputa pela vitória. Nenhum jogador
comum antes de entrar nessa disputa, tem qualquer desejo de vitória em si. E mesmo ele
frequentemente acha difícil imaginar-se tirando uma gratificação de tal vitória, antes de ter
realmente se engajado na competição. O que ele deliberadamente deseja, antes do jogo
começar, não é a vitória, mas o prazer excitante de disputa por ela. Apenas para um
completo desenvolvimento deste prazer é que um desejo transitório para ganhar o jogo
torna-se indispensável. Este desejo, que não existia no início, é estimulado em extensão
considerável pela própria competição e na proporção em que é assim estimulado por
ambas, a disputa e a vitória, que originariamente era indiferente, tornam-se mais prazerosas
vindo a tornar-se uma diversão perspicaz.
O mesmo fenômeno aparece no caso de alguns tipos mais importantes de busca.
Assim freqüentemente acontece que um homem, sentindo sua vida lânguida e destituída de
interesses, comece a ocupar-se a si mesmo da execução de algum trabalho cientifica ou
socialmente útil não pelo valor de seu fim mas pela ocupação em si mesma. No início a

64
ocupação, muito comumente, é tediosa. Mas em breve, quando ele previu, um desejo de
alcançar o fim a que almeja é estimulado, em parte pela simpatia com outros trabalhadores,
em parte sustentada pelo exercício sustentado de um esforço voluntário em direção a sua
obtenção e assim e sua busca tornasse mais ávida tornando-se também uma fonte de
prazer. Aqui novamente, sem dúvida, é verdade que na proporção em que seu desejo pelo
fim torne-se mais forte a busca por ele torna-se prazerosa em perspectiva. Mas seria um
erro palpável dizer que este prazer perspectivo seja o objeto do desejo que o causa49.
[48] Quando comparamos estes prazeres com aqueles previamente discutidos, outra
importante observação aparece imediatamente. No primeiro caso, apesar de que
poderíamos distinguir o apetite, como aparece na consciência, do desejo do prazer que
acompanha a satisfação do apetite, não pareceria existir incompatibilidade entre os dois. O
fato de um glutão ser dominado pelo desejo do prazer de se alimentar de modo algum
impede o desenvolvimento nele do apetite que é uma condição necessária destes prazeres.
Mas quando prestamos atenção nos prazeres da busca, parece que percebemos essa
incompatibilidade em certa extensão: certa subordinação da auto-consideração [self regard]
parece ser necessária de modo a obter-se uma completa satisfação. Um homem que
mantenha um humor epicurista, mantendo seu objetivo consciente principal
perpetuamente fixado em seu próprio prazer não compreende na totalidade o espírito da
busca. Sua ânsia nunca alcança just the sharpness of edge which imparts to the pleasure its
hightest zest. Aqui aparece o que poderíamos chamar do paradoxo fundamental do
hedonismo, ou seja, que o impulso para o prazer, quando muito predominante, sobrepuja o
seu próprio objetivo. Esse efeito não é visível, ou de qualquer modo é pouco visível, no
caso dos prazeres sensuais passivos. Mas em nossos divertimentos [enjoyments] ativos em
geral, quando as atividades em que são direcionados são classificadas tanto como
“corporais” quanto como “intelectuais” (como o são tantos prazeres emocionais),
certamente poderia ser dito que não podemos os alcançar, ao menos em seu grau mais
elevado, tão logo mantivermos nossa consciência concentrada sobre eles. Não é apenas que
o exercício de nossas faculdades seja insuficientemente estimulado pelo mero desejo de
prazer que lhe chama a atenção, requerendo a presença de algum outro impulso mais
objetivo, “extra-regarding”, de forma a ser completamente desenvolvido. Poderíamos ir
além e dizer que estes outros impulsos devem ser temporariamente predominantes e
absorventes, para que o exercício e a gratificação derivada alcancem sua realização
completa. Muitos ingleses de meia idade manteriam a concepção de que os negócios são

49
O Professor, J. S. Mackenzie, no seu Manual of Ethics.

65
mais agradáveis do que divertidos mas dificilmente achariam isso se negociassem com uma
consciência perpetuamente objetivando o prazer. Similarmente, os prazeres do pensamento
e do estudo podem apenas ser desfrutados no seu mais elevado grau por aqueles que
tenham uma curiosidade ardorosa que tira a mente temporariamente do seu self e de suas
sensações. Em todos os tipos de Arte, novamente, o exercício da faculdade criativa é
conseguido através de prazeres intensos e belos [exquisite] mas parece que de modo a
alcançá-los alguém deve esquecê-los. O artista genuíno no trabalho parece ter um desejo
predominante e temporariamente absorvente pela realização de seu ideal de beleza.
O caso importante das afecções benevolentes é à primeira vista algo mais duvidoso.
De um lado é claramente verdade, que quando aqueles que amamos estão alegres [pleased]
ou sofrendo, nos sentimos por simpatia prazer ou dor e mais ainda a corrente de amor e
gentileza é em si mesma muito agradável. Assim, é ao menos plausível interpretar as ações
benevolentes como objetivando ultimamente a obtenção de um de ambos esses tipos de
prazer ou a aversão simpática ao sofrimento por parte do agente. Mas poderíamos
observar, primeiro, que o impulso para a ação beneficente produzida em nos pela simpatia
é frequentemente fora de proporção em relação a qualquer consciência real do prazer e da
dor simpáticos em nós mesmos e seria paradoxal tomar este último como seu objeto.
Frequentemente não podemos sentir que uma lenda acerca do sofrimento real cause em
nos uma excitação no todo mais prazerosa que o sôfrega como as excitações de assistir a
uma tragédia e ainda ao mesmo tempo agita em nós um impulso para aliviá-la mesmo esse
processo de aliviamento seja doloroso e trabalhoso envolvendo vários [50] sacrifícios de
nossos próprios prazeres. Novamente, frequentemente poderíamos nos libertar mais
facilmente do sofrimento simpático meramente direcionando nossos pensamentos para as
causas externas que causam esse sofrimento. E às vezes sentimos um impulso egoísta para
fazer isso, que podemos então claramente distinguir do impulso simpático propriamente
direcionado a nos aliviar do sofrimento original. E finalmente, os prazeres muito elogiados
da benevolência parecem requerer, de modo a serem sentidos em qualquer grau
considerável, a preexistência de um desejo de fazer o bem para os outros por seu próprio
valor e não para o valor que tenha para nós. Como explica Hutchenson, poderíamos
cultivar a afeição benevolente pelo valor do prazer existente nela (assim como o glutão
cultiva o apetite) mas não podemos produzi-lo na vontade e quando isso ocorre, mesmo
supondo que sua origem devia-se a impulso puramente egoísta, ele ainda seria
essencialmente um desejo de fazer o bem para os outros pelo próprio valor disso e não
para nós.

66
Não pode ser talvez dito, que o auto-abandono e esquecimento, que parecem ser
uma condição essencial do desenvolvimento completo de outros impulsos elevados
anteriormente indicados, caracterizem normalmente e permanentemente a ação
benevolente, como o amor, quando é uma emoção poderosa, parece envolver de forma
natural um desejo por reciprocidade, forte em proporção à intensidade da emoção. E
assim, a consciência do self e dos prazeres e dores próprios de alguém parecem
frequentemente destacados pela intensidade mesma da afeição que liga uns aos outros.
Ainda poderíamos por fim dizer que essa auto-supressão e absorção da consciência ao
pensamento e na felicidade de outros seres humanos é um acidente comum de todas as
afeiçoes fortes. E é dito que as pessoas que amam intensamente as vezes sentem um
antagonismo entre os elementos egoístas e altruístas de seus desejos e um impulso, que
ocasionalmente é exibido em atos fantásticos e extravagantes de auto-sacrifício, para
suprimir o elemento egoísta.
Se então a reflexão sobre a nossa consciência moral parece mostrar que “o prazer
da virtude é um daqueles que só pode ser obtido na expressa condição de não ser o objeto
buscado”, então não precisamos desacreditar dos resultados da observação que apontam a
natureza anormal desse fenômeno. Temos meramente outro exemplo da lei psicológica,
que, como vimos [51] é exemplificada através de toda uma gama de nossos desejos. Nos
promptings dos sentidos não menos que naqueles do intelecto e da razão encontramos o
fenômenos do impulso estritamente desinteressado. Fins externos básicos e triviais
poderiam excitar desejos deste tipo tanto quanto os mais sublimes e ideais e existem
prazeres da mera vida animal que podem ser obtidos apenas sob a condição de não serem
diretamente buscados, não menos que a satisfação de uma boa consciência.
§3. Assim, estive preocupado em insistir no que senti ser uma incompatibilidade
entre os impulsos do auto-respeito e a extra-regarding somente como meio para provar seu
caráter essencialmente distinto. Não desejo superestimar essa incompatibilidade. Acredito
que mais comumente isso é muito transitório, frequentemente apenas momentâneo, e que
nossa maior felicidade – se essa for nosso objetivo deliberado – é geralmente conquistada
através de um ritmo alternado entre esses dois tipos de impulsos conscientes. O desejo
consciente de um homem é, penso, mais freqüente do que principalmente extra-regarding.
Mas onde existe um forte desejo em qualquer direção, existe comumente uma
suscetibilidade ardorosa ao prazer correspondente e o mais devoto entusiasta é mantido em
seu trabalho pela recorrente consciência de tal prazer. Mas é importante indicar que as
instancias obvias e familiares de conflito entre amor-próprio e algum impulso extra-

67
regarding não são paradoxos e ilusões a serem extirpados mas fenômenos que a análise da
nossa consciência em seu estado normal, quando não existe tal conflito, levaria nos a
esperar. Se estivermos continuamente agindo a partir de impulsos cujos objetos imediatos
são alguma coisa outra que nossa própria felicidade, é bastante natural que nos deveríamos
ocasionalmente ceder a tais impulsos quando eles nos levam a um sacrifício sem
compensações do prazer. Assim, um homem de auto-controle fraco, após jejuar durante
muito tempo, poderia facilmente desculpar [indulge] seu apetite por comida em tal
extensão que ele sabe incompleta [unwholesome]. E isto não porque o prazer de comer
parece para ele, mesmo no momento de indulgência, valiosíssimo em comparação com o
decréscimo de saúde mas meramente porque sente um impulso para comer que prevalece
sobre seus juízos prudenciais. Assim, novamente, o homem sacrificou todas as satisfações
da vida, e mesmo a vida mesma, para obter fama póstuma. E isso não devido a uma crença
ilusória de que ele seria capaz de derivar prazer disto mas de um desejo direto [51] pela
admiração futura da parte dos outros e por preferir isso a seu próprio prazer. E assim,
novamente, quando o sacrifício de algum fim ideal, como verdade ou liberdade ou religião,
poderia ser um sacrifício real da felicidade individual e não meramente a preferência por
um prazer mais refinado (ou a ausência de um sofrimento especial) a todos os outros
elementos da felicidade. Sem dúvida essa preferência é possível. Um homem poderia sentir
que o desfrute severo de seu ideal é [INTRADUZIVEL] incomparável em valor a todos os
outros prazeres. Mas ele poderia também sentir que o sacrifício não pagaria-o e ainda assim
determinar que isso devesse ser feito.
Para resumirmos: os impulsos ativos conscientes estão muito longe de serem
sempre dirigidos para a obtenção do prazer ou para

§4. As observações psicológicas em que meus argumentos se baseiam não serão


talvez diretamente controversas ao menos numa extensão tal envolva minha conclusão
principal mas existem duas linhas de raciocínio pela qual pode ser enfraquecida a força
desta conclusão sem diretamente negá-la. Em primeiro lugar, é dito que o prazer, apesar de
não ser o único objetivo consciente da ação humana, é sempre o resultado ao qual esta
inconscientemente dirigida. É difícil refutar essa proposição uma vez que ninguém nega
que o prazer em algum grau normalmente acompanha a busca de um desejado e quando
vamos uma vez alem do testemunho da consciência parece existir aí nenhum método claro
de determinar qual dentre [53] as conseqüências de qualquer ação é o fim ao qual
visávamos. Pela mesma razão, entretanto, a proposição é igualmente difícil de ser provada.

68
Mas devo ir adiante, e sustentar que se considerarmos seriamente a ação humana a partir
deste lado inconsciente, nos podemos apenas concebê-la como uma combinação de
movimentos das partes materiais do organismo e se tentássemos afirmar que o é “fim” em
qualquer destes movimentos seria razoável concluirmos que seja algum resultado material,
alguma condição orgânica que conduza a preservação seja do organismo individual seja da
raça a qual pertence. De fato, a doutrina de que o prazer (ou a ausência de dor) é o fim de
toda ação humana não pode ser nem sustentada pelos resultados da introspecção nem
pelos resultados de uma observação ou inferência externa. Essa doutrina parece ser
alcançada preferivelmente por uma combinação arbitraria e ilegítima dessas duas.
Mas novamente, as vezes é dito que qualquer que seja o caso com nossa consciência
adulta, nossos impulsos originais são todos dirigidos para o prazer50 ou para a dor e que
quaisquer impulsos dirigidos contrariamente são derivados destes através de uma
“associação de idéias”. Não encontro evidência que prove isso. Tanto quanto podemos
observar a consciência da criança, os dois elementos, impulsos extra-regard e desejos pelo
prazer, parecem coexistir da mesma maneira que fazem na vida madura. Na medida em que
exista qualquer diferença ela parece se situar na direção oposta uma vez que as ações das
crianças sendo mais instintivas e menos reflexivas são mais guiadas pelo impulso extra-
regarding e menos pela busca consciente pelo prazer. Sem dúvida os dois tipos de
impulsos, quando traçamos o desenvolvimento da consciência, gradualmente tornam-se
indistintos. Mas isso obviamente não justifica nos a identificar com qualquer dos dois o
impulso mais indefinido a partir do qual ambos se desenvolveram. Mas mesmo supondo
que fosse descoberto que nossos apetites mais ancestrais eram todos meros apetites por
prazer, [54] teria pouca influência na presente questão. O que me interessa sustentar é que
o homem não deseja agora normalmente o prazer somente mas em importante medida
deseja outras coisas também. Alguns em particular tem impulsos em direção a virtude que
poderiam, e o fazem, conflitar com seus desejos conscientes pelo seu próprio prazer.
Responder que todos os homens que uma vez desejaram prazer é, do ponto de vista da
ética, irrelevante exceto na suposição de que exista um tipo original da natureza apetitiva
humana ao qual, enquanto tal, é certo ou melhor se conformar. Mas provavelmente
nenhum hedonismo poderia expressamente manter isso apesar de frequentemente tal
suposição ser feita pelos escritores da escola intuicionista.

50

69
NOTA – Alguns psicólogos consideram o desejo como essencialmente doloroso.
Essa concepção me parece errônea de acordo com o uso comum do termo e apesar de não
envolver necessariamente uma confusão – contra a qual estou principalmente ocupado
neste capítulo – entre o estimulo volitivo do desejo em si mesmo e o estimulo volitivo da
aversão ao desejo como doloroso, essa concepção tem certa tendência a causar essa
confusão. Poderia ser assim valioso apontar que essa divergência de opinião entre minha
posição e da dos psicólogos em questão – dentre os quais escolho o Dr. Bain como
exemplo principal – depende em grande medida, apesar de não inteiramente, de um
diferença quanto a definição. No cap. 8 da segunda divisão de seu livro sobre The Emotions
and The Will, o Dr. Bain define desejo como “aquela fase da volição onde existe um motivo
e não uma habilidade para agir” e oferece o seguinte exemplo:
“O interno de uma câmara sombria concebe por si mesmo os prazeres da luz e de
uma perspectiva expandida. Esse ideal insatisfeito exige uma ação apropriada para se
realizar. O interno desperta e caminha para fora. Suponha agora que o mesmo ideal ilumine
a mente de um prisioneiro. Incapaz de realizá-lo ele permanece com a urgência do motivo.
E seu estado é denominado anseio, vontade, apetite, desejo. Se todos os motivos
impulsionadores pudessem ser seguidos, ao mesmo tempo, o desejo não teria lugar... existe
uma barreira no modo de agir que leva a um estado de conflito e torna o desejo um estado
mais ou menos doloroso”.
Agora, concordo que o desejo seja mais frequentemente doloroso em algum grau
quando o desejo de alguma pessoa é inibido a agir para a obtenção de algum objeto
desejado. Não penso, no entanto, mesmo nessas circunstâncias ele seja sempre doloroso
especialmente quando acompanhado da esperança. Tome o caso simples da fome.
Normalmente, quando estou esperando o jantar com um bom apetite, não acho a fome
dolorosa – a menos que tenha esperado muito tempo – apesar do costume e preocupação
com a minha digestão prevenirem-me de satisfazer meu apetite até a sopa estar servida.
Admito que quando a ação tendendo a fruição é cancelada o desejo pode ser doloroso.
[55] Mas é claramente contrário ao uso restringir o termo desejo a esse caso.
Suponha que o prisioneiro do Dr. Bain toma posse de seus arquivos, e vê seu caminho para
fora da prisão como um longo processo que envolvera, entre outras operações, o
preenchimento de etapas. Pareceria claramente absurdo dizer que seu desejo finalmente
cessa quando a operação de transposição começa. Sem dúvida a concentração da atenção
nas complexas atividades necessárias para a obtenção da liberdade provavelmente levam o
prisioneiro a ser absorvido por outras idéias e sentimentos e o desejo de liberdade pode

70
temporariamente deixar de estar presente em sua consciência. Mas o estimulo ao qual toda
a sua atividade depende é certamente derivado da idéia não realizada de liberdade, essa
idéia, com o sentimento concomitante de desejo, ira normalmente se repetir a intervalos
breves durante o processo. Igualmente, em outros casos, apesar de certamente ser verdade
que um homem trabalhar para fim desejado sem conscientemente sentir desejo pelo fim,
seria absurdo dizer que ele nunca sente o desejo enquanto trabalha. De qualquer forma esse
uso restritivo do termo nunca foi adaptado pelo escritores éticos para tratar o desejo. E em
algumas passagens o Dr. Bain adota ele mesmo um sentido mais amplo. Ele diz, por
exemplo, no capítulo em que retirei a passagem anterior, que “nós temos uma forma de
desejo... quando estamos trabalhando para fins distantes”. Se, então, se permitimos que
sentimento de desejo é em qualquer grau as vezes um elemento da consciência coexistindo
com o processo de ação dirigido para a conquista do objeto desejado, ou intervindo após
breves pausas de tal processo, aventuro-me a dizer que quando o sentimento é observado
sob essas condições, não será encontrado em acordo com a experiência comum da
humanidade de descrevê-lo como essencialmente doloroso.
Tomemos, por exemplo, o caso de um jogo envolvendo exercícios corporais e uma
disputa de habilidade. Provavelmente muitas pessoas que tomassem parte em tal exercício
por propósitos de saúde ou sócias começariam sem qualquer desejo de vencer o jogo e
provavelmente enquanto permanecesses indiferentes o exercício seria tedioso.
Normalmente, entretanto, um desejo consciente de vencer o jogo é excitado, como uma
conseqüência das ações diretamente direcionadas para seu fim e – em minha experiência ao
menos – na proporção em que tal sentimento cresce, todo o processo se torna mais
agradável. Se isso for admitido como sendo um caso normal, certamente devemos admitir
também que o desejo neste caso é um sentimento no qual a introspecção encontrara nem
ao menos uma pequena cota de sofrimento.
Seria fácil darmos um número indefinido de instancias similares de atividade
energéticas feitas por um fim – seja no esporte ou nos assuntos sérios da vida – onde um
desejo resoluto pelo alcance de um fim em vista é indispensável a um real satisfação do
trabalho requerido para obtê-lo, e onde ao mesmo tempo não podemos detectar nenhum
sofrimento no desejo, apesar de muito tentarmos separar isso através de uma análise
introspectiva do sentimento concomitante.
O erro que estou tentando remover parece-me em parte devido a uma
subestimação destes casos e pela contemplação exclusiva de casos nos quais por alguma
razão o desejo é impedido de ter seu efeito normal de estimular a atividade direcionada à

71
obtenção de algum objeto desejado. Parte, entretanto, parece ser devida a semelhança entre
desejo e sofrimento que chamei atenção neste capítulo, isto é, a intranqüilidade que é
indubitavelmente uma característica do estado de desejo e – ordinariamente – do
sofrimento. Para a caracterização dessa intranqüilidade é necessário tomar algum cuidado
para distingui-la da “apreensão” no sentido que esse termo significa algum grau de
sofrimento. O erro esta conectado igualmente com a visão errônea – que Hobbes
controversa em seu impactante estilo – que “a felicidade desta vida consiste no repouso de
uma mente satisfeita” e tem alguma afinidade com a visão amplamente espalhada – que
deixou sua marca em mais de uma linguagem européia – que o trabalho, atividade árdua, é
essencialmente doloroso. Quanto a ambos os pontos, deve ser dito, que existem
consideráveis divergências entre as experiências de indivíduos diferentes mas de qualquer
forma entre os ingleses compreendo que uma pessoa que acha desejo sempre doloroso –
no sentido em que, como tentei mostrar, a palavra é comumente usada seja pelos moralistas
seja no discurso ordinário – é tão excepcional quanto o ser que acha o trabalho sempre
doloroso.

72
Capítulo 5

Livre Arbítrio

1. A identificação kantiana da ação ‘livre’ com a ‘racional’ é enganosa devido a


ambigüidade do termo ‘liberdade’
2. Quando, peça definição e análise da ação voluntária, a questão do livre arbítrio é
esclarecida, parece que o argumento cumulativo para o Determinismo é quase
eliminado;
3. mais ainda, é impossível para mim, ao agir, não considerar a mim mesmo como livre
para fazer o que julgo razoável. Entretanto, a solução da questão metafísica do livre-
arbítrio não é importante – teologia à parte – para um ética sistemática em geral;
4. parece entretanto haver uma relação especial para a noção de justiça;
5. A falta de importância prática da questão do livre-arbítrio torna-se mais clara se
escrutinarmos de perto o alcance do efeitos volitivos.

§1. Nos capítulos precedentes tratei em primeiro lugar das ações racionais e posteriormente
daquelas ações desinteressadas sem me preocupar em introduzir a problemática questão da
Liberdade da vontade. As dificuldades ligadas a essa questão foram comprovadas, através
de uma longa experiência dialética, como sendo enormes, de forma que estou ansioso para
confiná-la dentro dos mais estritos limites que puder mantendo tanto quanto possível meu
trabalho livre de sua influência perturbadora. E, parece-me, não temos nenhuma garantia
psicológica para identificar o desinteresse seja com a ação “livre” seja com a “racional”
enquanto a identificação dessas duas últimas parece ao menos enganadora tendendo a
obscurecer a verdadeira questão posta pela controvérsia do livre-arbítrio. No último
capítulo tentei mostrar que a ação estritamente desinteressada, ou seja, aquela que não se
preocupa com a previsão do cálculo de prazer para si mesmo, é encontrada tanto nas
regiões mais instintivas quanto naquelas mais deliberadamente autoconscientes de nossa
experiência volitiva. E a ação racional, como a concebo, permanece racional, apesar da
racionalidade completa da conduta de qualquer individuo poder ser determinada pelas
causas antecedentes ou externas à sua própria volição. Sendo assim a concepção do agir
racional, como explicada no último capítulo, não está associada com a noção do agir
“livremente” como mantida pelos Libertários em oposição aos Deterministas. Digo

73
“libertários em geral” porque nas afirmações feitas pelos discípulos de Kant quanto a
conexão entre liberdade e racionalidade, parece-me haver uma confusão entre os dois
sentidos do termo liberdade, que requereria uma cuidadosa distinção [58] em qualquer
discussão sobre o livre-arbítrio. Quando um discípulo de Kant51 diz que um homem “é um
agente livre na medida em que age sob a condução da razão”, a afirmação facilmente ganha
a concordância dos leitores comuns. Como diz Whewell, nós comumente “consideramos
nossa razão, antes de nossos desejos e afecções, como sendo nós mesmos. Falamos de
Desejo, Amor e Ódio como nos dominando ou de falamos de nós como os controlando.
Se decidimos preferir algum bem remoto ou abstrato aos prazeres imediatos, ou se
decidimos nos conformar a uma regra que nos leva a um sofrimento presente (e essa
decisão implica no exercício da Razão), nós consideraremos mais particularmente tais atos
como nossos próprios atos”52. Eu, portanto, não objetarei ao uso do termo “livre” de forma
a denotar as ações voluntárias nas quais a solicitação sedutora dos apetites ou das paixões
são resistidas com êxito. Sou sensível ao ganho em eficácia da persuasão moral que é
obtido pela mobilização do poderoso sentimento de Liberdade ao lado da razão e da
moralidade. Mas é evidente que, se dizemos que um homem é um agente “livre” na medida
em que ele age racionalmente, não podemos dizer também, no mesmo sentido, que é por
sua própria escolha “livre” que ele atua irracionalmente, quando ele age deste modo e é esta
última proposição que os Libertarianos geralmente têm se preocupado em sustentar. Eles
pensaram que essa proposição era de fundamental importância para mostrar a «liberdade»
do agente moral, tendo em conta a ligação que eles sustentavam existir entre Liberdade e
Responsabilidade Moral. E é óbvio que a Liberdade assim conectada com a
responsabilidade não é a Liberdade que só se manifesta ou se realiza na ação racional, mas a
Liberdade de escolha entre o certo e o errado, que se manifesta ou se realiza igualmente em
qualquer uma dessas escolhas. Agora o que está implicado na consciência cristã do “pecado
wilful” é que os homens fazem deliberadamente e escolhem conscientemente agir
irracionalmente. Eles não preferem meramente o auto-interesse ao dever (pois aqui o que
existe é mais um conflito de argumentos racionais do que uma irracionalidade explicita),
por exemplo, a escolha da indulgência sensual ao invés da saúde, a vingança ao invés da
reputação e etc, mas eles sabem que essa preferência se opõe aos seus verdadeiros
interesses nada menos do que às suas obrigações. Daí que realmente não corresponde à
nossa experiência, no seu conjunto, representar o conflito entre razão e paixão como um
conflito entre nós mesmos por um lado, e uma força da natureza, por outro. Podemos

51
52
Elements of Morality, Livro 1, Cap. 2.

74
dizer, se quisermos, que quando escolhemos as paixões tornamo-nos “os escravos dos
nossos desejos e apetites”, mas é preciso, ao mesmo tempo, reconhecer que a nossa
escravidão é auto-escolhida. Podemos dizer, então, sobre o malfeitor deliberado que a sua
escolha errada era «livre», no sentido de que ele poderia ter escolhido justamente, não
apenas se os antecedentes da sua vontade, interna e externa, tinham sido diferentes, mas
admitindo que estes antecedentes se mantiveram inalterados? Isso, concebo, é a questão
importante a ser levantada na controvérsia do livre arbítrio que agora proponho-me
brevemente investigaar uma vez que é amplamente considerada como sendo de grande
importância ética.

§ 2. Podemos começar convenientemente por definir mais precisamente a noção de ação


voluntária, para a qual, de acordo com todos os métodos da Ética, os predicados “certo” e
“o que deve ser feito” - tomados no mais estrito sentido ético - são exclusivamente
aplicáveis. Em primeiro lugar, a ação voluntária é distinguida como “consciência” frente às
ações ou movimentos do organismo humano que são “inconscientes” ou “mecânicos”. A
pessoa cujo organismo realiza tais movimentos só se torna consciente dos mesmos, se se
torna de alguma maneira, depois de terem sido executados. Conseqüentemente, não são
imputados a ela como uma pessoa ou julgada moralmente como equivocada ou imprudente
(embora às vezes elas possam ser julgadas como boas ou más em relação às suas
conseqüências, com a implicação de que esses movimentos deveriam ser incentivados ou
controlados, tanto quanto isso possa ser feito indiretamente pelo esforço consciente).

Então, novamente, no caso das ações conscientes, o agente não é considerado como
moralmente culpado, exceto de uma maneira indireta, em relação aos efeitos totalmente
imprevistos das suas ações voluntárias. Sem dúvida, quando a ação de um homem causou
alguns danos imprevistos, o julgamento moral popular muitas vezes o culpa por
negligência, mas seria geralmente admitido pelas pessoas reflexivas que, em tais casos, a
culpa estritamente moral só é atribuída ao agente de forma indireta, na medida em que sua
negligência é o resultado de alguma negligência voluntariosa quanto aos seus deveres.
Assim, os objetos imediatos próprios da aprovação ou da desaprovação moral parecem ser
sempre os resultados das volições de um homem na medida em que foram intencionadas -
isto é, representadas no pensamento como conseqüências certas ou prováveis da sua
volição - ou, mais estritamente, as volições em si mesmas nas quais esses resultados foram
pretendidos - pois não consideramos que um homem é dispensado da culpa moral, porque

75
sua intenção errada continua irrealizada devido a causas externas. Esta opinião parece, à
primeira vista, diferir da opinião comum de que a moralidade dos atos depende dos seus
“motivos”, se por motivos são compreendidos os desejos que sentimos por algumas das
conseqüências previstas dos nossos atos. Mas não creio que aqueles que sustentam essa
opinião negariam que somos culpáveis por quaisquer resultados proibidos que prevíramos
no nosso querer, sejam eles objetos do desejo ou não.

Sem dúvida é comumente sustentado que atos semelhantes no que diz respeito aos
resultados previstos, podem ser «melhores» ou «piores» pela presença de determinados
desejos ou aversões. Ainda assim, uma vez que estes sentimentos não estão totalmente sob
o controle da vontade, o julgamento destes como «certos» e «errados» - no sentido estrito
destes termos - parece não ser adequadamente aplicável aos sentimentos eles mesmos, mas
sim a atividade ou a omissão voluntária do esforço para suprimir os maus motivos e
incentivar os bons, ou para a adoção consciente de um objeto de desejo como um fim a ser
visado – objeto que é uma espécie de volição.

Poderíamos concluir então que os juízos quanto ao certo e ao errado relacionam-se


propriamente às volições acompanhadas de uma intenção quando as conseqüências
intencionadas são externas ou, então, relacionam-se à alguns efeitos produzidos sobre os
sentimentos ou sobre o caráter do próprio agente. Isto exclui do âmbito de tais juízos
aquelas ações conscientes que não são intencionais estritamente falando como, por
exemplo, quando subitamente sentimentos fortes de prazer e dor provocam movimentos
que estamos cientes de fazer, mas que não são precedidas por qualquer representação na
mente seja dos próprios movimentos seja de seus efeitos. Para este tipo de ações, por vezes
distinguidas como «instintivas», somos apenas responsáveis indiretamente desde que
qualquer uma de suas más conseqüências poderia ter sido impedida por esforços
voluntários de modo a formar hábitos de um tipo mais completo de autocontrole.

Temos que observar ainda que os nossos juízos morais comuns reconhecem uma distinção
importante entre infrações impulsivas e deliberadas, condenando esta última de forma mais
forte do que a anterior. A linha entre essas duas não pode ser traçada de forma exata, mas
nós podemos definir ações "impulsivas" como aquelas em que a ligação entre o sentimento
e a ação iniciada é tão simples e imediata que, embora a intenção esteja claramente
presente, a consciência da escolha pessoal quanto ao resultado pretendido é evanescente.

76
Nas volições deliberadas há sempre uma escolha consciente do resultado como um de duas
ou mais alternativas práticas.

No caso, então, de tais volições, como são os objetos preeminentes da condenação e da


aprovação morais, a realidade psíquica «vontade» parece incluir - além da intenção ou da
representação dos resultados da ação - também a consciência do eu como escolhendo,
resolvendo e determinando estes resultados. E a pergunta que eu entendo ser a questão
central da controvérsia do livre arbítrio pode ser expressa do seguinte modo: o eu ao qual
refiro minhas volições deliberadas é um eu de qualidades morais estritamente determinadas,
um eu cujo caráter é definido por aspectos parcialmente herdados, em parte formado pelas
minhas ações e sentimentos passados, e em parte formado por quaisquer influências físicas
que possa ter recebido inconscientemente, de forma que a minha ação voluntária, para o
bem ou para o mal, é em qualquer momento completamente causada pelas qualidades
determinadas desse caráter, juntamente com minhas circunstâncias, ou seja, pelas
influências externas agindo sobre mim no momento - incluindo sob este último termo
minhas condições corporais? - ou há sempre uma possibilidade de que minha escolha de
agir da maneira que eu julgo parecer ser razoável e correta seja alheia a quaisquer que
tenham sido as minhas ações e experiências anteriores?

Nas perguntas acima um materialista poderia substituir 'caráter' por ‘cérebro e sistema
nervoso’ obtendo assim uma noção mais clara. Mas evitei usar termos que indicassem
suposições materialistas, porque o Determinismo não envolve de forma alguma o
Materialismo. Afora isso para efeitos do presente caso, a diferença é insignificante. A
disputa substancial refere-se à completude da dependência causal de qualquer volição sobre
o estado de coisas no instante anterior, quer com isso queiramos especificar estas como
“circunstâncias e caráter” ou como “cérebro e forças ambientais".

Do lado Determinista há um argumento cumulativo de grande força. A idéia de que os


eventos são determinadamente relacionados ao estado de coisas imediatamente anterior é
agora sustentada por todos os pensadores competentes no que diz respeito a todos os tipos
de ocorrências exceto quanto às volições humanas. Essa idéia tem crescido constantemente
tanto em intensidade quanto em amplitude, tanto na clareza e certeza da convicção quanto
na universalidade de sua aplicação, na medida em que a mente humana tem se
desenvolvido e na medida em que a experiência humana tem sido sistematizada e ampliada.

77
Passo a passo, em sucessivos departamentos, modos conflitantes de pensamento tem
diminuído e desaparecido, exceto nessa misteriosa cidadela da vontade. Em toda a parte, a
crença é tão firmemente estabelecida que alguns declararam seu oposto como sendo
inconcebível enquanto outros afirmam mesmo que isto sempre se deu deste modo. Cada
procedimento científico pressupõe isso e cada sucesso da ciência confirma isso. E não
apenas nós estamos encontrando sempre novas provas de que os eventos são
determináveis cognitivamente, mas também que os diferentes modos de determinação dos
diferentes tipos de eventos são fundamentalmente idênticos e mutuamente dependentes e,
naturalmente, com a crescente convicção da unidade fundamental do universo cognoscível,
aumenta a indisposição para permitir a excepcionalidade reivindicada pelos libertários para
o departamento da ação humana.

Mais uma vez, quando fixamos nossa atenção sobre a ação humana, observamos que a
parte dela que é originada inconscientemente é admitidamente determinada por causas
físicas, e nós acreditamos que nenhuma linha clara poderia ser traçada entre os atos desta
natureza e aqueles que são conscientes e voluntários. Não apenas são muitos os atos do
primeiro tipo inteiramente semelhantes aos do último, salvo no seu aspecto inconsciente,
mas destacamos ainda que ações que realizamos habitualmente passam da classe consciente
– em todo ou em parte – para a inconsciente e, quanto mais investigamos, tanto mais nos
aproximamos da conclusão de que não existe qualquer tipo de ação originada pela vontade
consciente que não possa também, em determinadas circunstâncias, ser originada de forma
inconsciente. Mais uma vez, quando olhamos atentamente para nossos atos conscientes,
nós achamos que em relação àqueles que temos caracterizado como ‘impulsivos’ - atos
realizados subitamente sob o estímulo de uma emoção ou sensação momentânea - nossa
consciência dificilmente pode ser conclamada para sugerir que eles não são completamente
determinados pela força do estímulo e do estado do nosso temperamento e pelo caráter
previamente determinado no momento da sua operação, e também aqui, como foi
observado antes, é difícil traçar uma linha que claramente separe estas ações daquelas em
que a aparente ‘liberdade de escolha’ da consciência passa a ser distinta.
(fim da 63)
Além disso, sempre explicamos a ação voluntária de todos os homens, exceto nós mesmos,
sobre o princípio da causalidade do caráter e das circunstâncias. Com efeito, de modo
contrário a vida social seria impossível: pois a vida do homem na sociedade envolve,
diariamente, uma massa de previsões momentâneas das ações de outros homens, fundada

78
ou na experiência da humanidade em geral, ou na de determinadas classes de homens ou na
de indivíduos, que são assim, necessariamente, considerados como coisas possuindo
determinadas propriedades, causas cujos efeitos são previsíveis. Nós geralmente inferimos
as futuras ações daqueles que conhecemos a partir das suas ações passadas, e se a nossa
previsão, em qualquer caso, acaba por se mostrar errada, não atribuímos a diferença à
influência perturbadora do livre arbítrio, mas à nossa familiaridade incompleta com o seu
caráter e motivação. E, passando dos indivíduos para as comunidades, acreditando ou não
em uma “ciência social”, todos nós admitimos e participamos de discussões sobre os
fenômenos sociais em que o mesmo princípio é assumido e, apesar de que poderíamos
diferir quanto a teorias particulares, nós nunca duvidamos da validade da hipótese e se
encontrarmos alguma coisa inexplicável na história, seja no passado ou no presente, nunca
ocorre-nos atribuir tal fato a um extenso exercício do livre arbítrio em uma determinada
direção. Porém, mesmo no que diz respeito às nossas próprias ações, mesmo que nos
sintamos livres a qualquer momento sem sermos constrangidos por motivos e
circunstâncias presentes e mesmo que não estejamos limitados pelos resultados do que
fomos e sentimos anteriormente, nossa escolha volitiva poderia aparecer. Ainda, quando
conhecemos bem o passado, e o investigamos na série de nossas ações, as suas relações de
causalidade e semelhança para com outras partes da nossa vida aparece e, naturalmente, as
explicamos como um efeito da nossa natureza, educação e circunstâncias. Porém, mesmo
que apliquemos as mesmas concepções para a nossa ação futura, e mais ainda, na
proporção que os nossos sentimentos morais são desenvolvidos: o nosso senso de dever
geralmente aumenta o nosso sentido do dever moral da cultura e nosso desejo de auto-
aperfeiçoamento: e a possibilidade da auto-cultura moral depende da suposição de que por
uma volição presente possamos determinar em alguma medida nossas ações num futuro
mais ou menos remoto. Sem dúvida habitualmente tomamos ao mesmo tempo a
concepção oposta, a Libertaria, quanto ao nosso futuro: acreditamos, por exemplo, que nós
somos perfeitamente capazes de resistir às tentações diante das quais continuamente
cedemos no passado. Mas deve ser observado que esta crença é (como os moralistas de
todas as escolas afirmaram e até mesmo insistiram) em todo o caso, em grande medida
ilusória e enganosa. Embora os libertários argumentem que seja possível para nós, em
qualquer momento, agir de um modo oposto àqueles de nossas tendências adquiridas e
costumes anteriores ainda assim, eles e mesmo os Deterministas, nos ensinaram que é
muito mais difícil do que os homens comumente imaginaram romper com as tramas sutis e
não percebidas do hábito.

79
§ 3. Contra o formidável conjunto de indícios cumulativos oferecido pelo determinismo há
de ser contraposta a imediata afirmação da consciência no momento da ação deliberada.
Certamente, quando eu tenho uma consciência distinta da escolha entre alternativas de
conduta, uma das quais eu concebo como correta ou razoável, acho que é impossível não
pensar que eu possa agora escolher fazer o que eu assim concebo - admitindo que não há
qualquer obstáculo ao meu fazer exceto os meus desejos e hábitos – apesar de o quão forte
poderia ser a minha inclinação para agir de forma não razoável e apesar da uniformidade
que poderia ter apresentado tais inclinações no passado53. Reconheço que cada concessão
para os desejo viciosos torna a dificuldade de resistir ainda maior quando tal desejo se
repete: mas a dificuldade sempre parece permanecer separada da impossibilidade por um
fosso intransponível. Não nego que a experiência da humanidade inclua casos nos quais
determinados impulsos - como a aversão à morte ou à dor extrema, ou o apetite mórbido
por álcool ou ópio - atingiram um ponto de intensidade no qual foram sentidos como
sobrepujando de forma irresistível a escolha voluntária. Penso que comumente julgamos
que quando este ponto é alcançado o indivíduo deixa de ser moralmente responsável pelo
ato praticado sob o domínio desse impulso irresistível mas, de qualquer modo, o problema
moral assim apresentado é muito excepcional. Em casos normais, ao ceder à tentação, essa
consciência da irresistibilidade dos impulsos não vem à tona. Ordinariamente, seja quão
forte possa ser o fluxo do apetite ou da raiva que recai sobre mim, ele não se apresenta em
si mesmo como irresistível e, se eu delibero nesse mesmo momento, não posso tomar a
mera força do impulso como uma razão para fazer o que eu de outro modo julgaria como
não sendo razoável. Eu posso supor que minha convicção acerca da liberdade de escolha
poderia ser ilusória: que se eu conhecesse a minha própria natureza eu poderia vê-la como
pré-determinada, que sendo constituída deste e deste modo e nessas e naquelas
circunstâncias, eu deveria agir neste momento em questão contrariamente ao meu juízo
racional. Mas não posso conceber a mim mesmo tendo isto em vista, sem, ao mesmo
tempo, ver toda a minha concepção sobre o que eu agora chamaria de “minha ação” ser
fundamentalmente alterada. Eu não posso conceber que se eu contemplo as ações do meu
organismo sob esta luz devo referi-las ao meu eu - ou seja, à mente que assim contempla -
no sentido em que agora refiro a elas. Neste conflito de argumentos, não é surpreendente
que a questão teórica quanto à liberdade da vontade seja ainda decida de modo diverso por
pensadores de renome, e eu não desejo nesse momento pronunciar qualquer veredicto

53

80
sobre essa questão. Mas penso que é possível e útil mostrar que a importância ética de
decidir quanto a um desses modos é susceptível de ser exagerada e que qualquer um que
investigue o assunto de forma cuidadosamente e sóbria descobrirá que essa importância é
na verdade de uma forma limitada.

É principalmente no lado dos Libertários que encontro uma tendência para esse exagero
que acabo de mencionar. Alguns escritores Libertaristas sustentam que a concepção da
liberdade da vontade, estranha à ciência positiva, é indispensável para a Ética e para a
Jurisprudência uma vez que ao julgar que “devo” fazer alguma coisa implico com isso que
“posso” fazer assim como, similarmente, ao elogiar ou culpar as ações dos outros eu estaria
implicando que eles “poderiam” ter agido de outra maneira. Se as ações de um homem são
meras ligações em uma cadeia de causalidade que, ao traçarmos ela em direção ao passado,
transporta-nos finalmente a acontecimentos anteriores à sua própria existência pessoal, ele
não pode, como é dito, realmente ter qualquer mérito ou demérito e, se ele não tiver mérito
ou demérito, é repugnante ao senso comum moral da humanidade premiar ou punir ou
mesmo para elogiar ou culpá-lo. Ao considerar este argumento, será conveniente - para a
clareza da discussão - assumir, em primeira instância, que não há qualquer dúvida ou
conflito em nossa visão do que é certo fazer, exceto aquelas que poderiam ser causadas pela
presente discussão. Também será conveniente separar a discussão sobre a importância do
livre arbítrio na sua relação com à ação moral em geral daquela questão especial referente à
sua importância em relação à punição e à recompensa, uma vez que, nessa última espécie
de ação o que chama principalmente a atenção não é a presente liberdade do agente, mas a
Liberdade passada da pessoa que age.

No que diz respeito à ação em geral, o Determinista permite que um homem só é


moralmente obrigado a fazer aquilo que está “sob o seu poder”, mas ele explica “sob o seu
poder” como significando que aquele resultado em questão será produzido se o homem
escolher produzi-lo. E este é, penso eu, o sentido em que a proposição “o que eu devo
fazer eu posso fazer” é comumente aceito. Ela significa “posso fazer se eu escolher” e não
“poder escolher fazer”. Assim a questão permanece: “posso optar por fazer o que
ordinariamente pensaria julgar ser o certo a fazer?” Aqui a minha própria concepção é de
que - dentro dos limites acima explicitados – eu inevitavelmente concebo que eu posso
escolher. No entanto, posso supor compreender esta concepção como ilusória, e julgar,
inferindo o futuro do passado, que eu certamente não a escolheria e, consequentemente,

81
que essa escolha não é realmente possível a mim. Sendo isto suposto, parece-me inegável
que este juízo irá excluir ou enfraquecer o funcionamento do motivo moral no caso do ato
em questão. Ou eu não devo julgar ser razoável escolher fazer o que eu deveria julgar de
modo contrário, ou caso eu o faça, julgarei também a concepção de dever aplicada nesse
caso como ilusória, não menos do que a concepção de Liberdade. Até agora admiti a tese
Libertaria quanto ao efeito desmoralizador do determinismo caso este seja defendido com
uma verdadeira força de convicção. Mas acho que são raros os casos que encontramos em
que seja, baseado-se em princípios deterministas, legítimos concluir como uma certeza - e
não apenas como altamente provável - que irei deliberadamente escolher fazer o que julgar
ser imprudente54 (unwise). Ordinariamente, a inferência legítima a partir da experiência
passada de um homem e a partir de seu conhecimento geral da natureza humana, não irá
além de uma probabilidade muito forte de que ele iria escolher fazer o errado e uma mera
probabilidade, mesmo que forte, de que não irei fazer aquilo que é certo não pode ser
considerada por mim na deliberação como uma razão para não querer55 embora certamente
forneça um fundamento racional para querer fortemente - assim como uma forte
probabilidade de qualquer outro mal fornece uma base racional para esforços especiais de
forma a evita-lo. De fato, não vejo por que razão um Libertarista não deve – assim como
um determinista – aceitar como válido, e achar instrutivo como objeto para a reflexão, as
considerações que tornam prováveis que ele não vá optar por escolher fazer o que é certo
em qualquer circunstância especial . Em todos os casos normais, portanto, não parece-me
pertinente, para a deliberação ética, determinar a validade metafísica da minha consciência
de liberdade no que diz respeito à escolha, qualquer que seja ela, que eu possa concluir
como sendo a razoável, a menos que a afirmação ou negação da liberdade da vontade de
alguma forma modifique minha concepção do que seria razoável optar fazer, caso eu deste
modo poderia desejar.

Não creio que qualquer alteração nessas concepções possa ser mantida, no que diz respeito
aos fins últimos da ação racional os quais, no Capítulo 1, tomei como sendo comumente
aceitos. Se a Felicidade, seja privada ou geral, for tomado como o fim último da ação sobre
no interior de uma concepção Libertaria, a adoção de uma concepção Determinista não
oferece nenhum motivo para rejeitá-la. E, se Excelência é admirável e desejável em si
mesma, sem dúvida ela permanece do mesmo modo caso o individuo que se aproxime de
sua realização seja inteiramente determinado por heranças naturais ou por influências

54
55

82
externas ou não exceto se a noção de excelência incluir a de livre arbítrio. Agora, o Livre
arbítrio não é, obviamente, incluído em nosso ideal comum de perfeição física e intelectual
e, parece-me, ele também não deve ser incluídos entre as noções comum das excelências do
caráter que chamamos de virtudes: as manifestações de coragem, temperança e justiça não
se tornam menos admiráveis porque podemos rastrear seus antecedentes em um feliz
equilíbrio das disposições herdadas desenvolvido através de uma cuidadosa educação.
Pode, então, a afirmação ou negação do livre arbítrio afetar o nosso ponto de vista do meio
mais apto para a realização de um ou outro fim? Para considerar este ponto, temos de
distinguir entre o caso de uma ligação entre meio e fim que se acredita existir sob bases
empíricas ou sob as bases de outras razões científicas e os casos em que a crença em tal
ligação é uma inferência feita a partir da crença em um governo moral do mundo. Segundo
a perspectiva moral tradicional do governo do mundo, a performance de um Dever é o
melhor meio para atingir a felicidade do agente em grande parte através das suas
consequências esperadas no outro mundo no qual a virtude será recompensada por Deus e
o vício punido. Então, se a crença no governo moral do mundo e numa vida futura para os
homens é sustentada de forma dependente à suposição de um livre arbítrio, este último
torna-se, obviamente, de uma importância ética fundamental mas não, na verdade, na
determinação do que é o dever de um homem, mas na conciliação deste com o seu próprio
interesse. Este, acredito, é o principal elemento de verdade na opinião de que a negação do
livre arbítrio remove as motivações para a realização do Dever e admito a validade dessa
discórdia, na medida em que (1), o curso de ação conducente ao interesse do indivíduo
seria pensado como divergindo do seu Dever, aparte de considerações teológicas, e (2) no
raciocínio teológico que remove essa divergência o livre arbítrio é um pressuposto
indispensável. O primeiro ponto será examinado em um capítulo posterior56 enquanto o
segundo dificilmente se enquadra no âmbito que o presente tratado discute57.

Se limitarmos nossa atenção para essa conexão entre meios e fins como é cientificamente
compreendida, não parece que um ato agora deliberado possa ser mais ou menos um meio
para qualquer fim ulterior porque tenha sido predeterminado. Poderia ser frisado, no
entanto, que considerando como devemos agir, em qualquer caso, tenhamos de levar em
conta as prováveis ações futuras dos outros e, também, as futuras ações de nós mesmos e
que, com relação a estas, é necessário decidir a questão do livre arbítrio, de modo que
possamos saber quando o futuro é capaz de ser predito a partir do passado. Mas aqui,

56
Ver Livro 2, cap. V e o capítulo de conclusão do presente tratado.
57

83
novamente, parece-me que nenhuma consequência prática se seguiria logicamente desta
decisão. Pois apesar de podermos ir longe na admissão do livre arbítrio como uma causa, a
operação real deste poderia falsificar as previsões mais científicas da ação humana, ainda
que uma vez que esta é ex hipothesi uma causa absolutamente desconhecida nosso
reconhecimento dela não pode levar-nos a modificar quaisquer de tais previsões: no
máximo, ela só pode afetar a nossa dependência em relação a elas.

Podemos ilustrar isto através de um caso imaginário extremo. Suponhamos que fomos
convencidos de alguma forma que todos os planetas foram dotados de livre arbítrio e que
eles só mantêm seus movimentos periódicos pelo contínuo exercício da livre escolha
resistindo a fortes inclinações centrífugas ou centrípetas. Nossa confiança geral no futuro
do sistema solar poderia, razoavelmente, ser prejudicada, embora não seja fácil de dizer o
quanto58, mas os detalhes de nossos cálculos astronômicos não seriam, obviamente,
afetados: o livre arbítrio não poderia de forma alguma ser tomado como um elemento em
sua reconstrução. E o caso seria semelhante, suponho, na previsão do comportamento
humano, caso a psicologia e a sociologia se tornem em algum momento ciências exatas.
Atualmente, no entanto, elas estão tão longe de serem de tal ordem que este elemento
adicional de incerteza dificilmente pode sequer ter qualquer efeito emocional.

Resumindo: poderíamos dizer que, na medida em que temos razão para quaisquer
conclusões definitivas quanto ao que as ações futuras de nós mesmos e dos outros serão,
devemos considerá-las como determinadas por leis invariáveis: se não forem assim
completamente determinadas nosso raciocínio é pro tanto passível de erro: mas nenhum
outro está aberto a nós. Enquanto, por outro lado, quando nos somos desafiados a
sustentar (nas bases de quaisquer princípios) qual escolha é razoável realizar entre duas
alternativas de conduta, as concepções deterministas são tão irrelevantes quanto no caso
anterior elas pareciam ser inevitáveis. E nenhum destes pontos de vista parece ser
praticamente importante para a regulação geral da conduta decidirmos sobre a questão
metafísica em causa nas controvérsias do Livre Arbítrio a menos que, passando da Ética
para a Teologia, sustentemos a reconciliação dos deveres e dos interesses num argumento
teológico que requeira a suposição do livre arbítrio.

58

84
§ 4. Até agora tenho argumentado que a adoção do determinismo não irá – exceto em
determinadas circunstâncias excepcionais ou em certos pressupostos teológicos - modificar
de maneira razoável as concepções de um homem acerca do que é certo para ele fazer ou
acerca de suas razões para fazê-lo. Todavia, poderia ser dito ainda – supondo que as razões
para a ação correta permaneçam inalteradas – que os motivos que o direcionam a ela seriam
enfraquecidos uma vez que este homem não sentiria mais remorso pelas suas ações se ele
as compreendesse como resultados necessários de causas anteriores à sua própria existência
pessoal. Admito que, uma vez que o sentimento de remorso implica uma auto-culpa fixada
de maneira irremovível naquele que é auto culpado, ela tenderia a desaparecer da mente de
um determinista convicto. Ainda assim, não vejo porque a imaginação de um determinista
não seria tão brilhante, a sua simpatia tão viva e o seu amor a Deus tão forte como na
mente de um Libertarista e, por isto, não vejo nenhum motivo pelo qual os deterministas
não sentiriam que as deficiências e defeitos de seu caráter, deficiências e defeitos que tem-
lhes levado a realizar más ações no passado, não devam ser uma mola tão eficaz para seu
próprio melhoramento moral como o é o sentimento de remorso. Por este motivo, parece-
me que os homens em geral sentem tanta dor para curar os problemas em suas
circunstâncias (problemas orgânicos e intelectuais), problemas que não lhes causam
nenhum remorso, como sofrem para curar defeitos morais uma vez que eles consideram os
primeiros de forma não menos removível que os últimos.

Isto, leva-me à consideração do efeito das doutrinas deterministas sobre a distribuição das
punições e das recompensas. Pois deve ser admitido, acredito, que a opinião retributiva
comum sobre a punição e as noções ordinárias de “mérito”, “desmerecimento” e
“responsabilidade” envolvem também como pressuposto o livre arbítrio: se a ação errada e
as más qualidades do caráter manifestadas na mesma são concebidas como os efeitos
necessários de causas externas ou antecedentes à existência do agente, a responsabilidade
moral - no sentido ordinário – pela corrupção (mischief) causada por eles já não pode se
sustentar sobre o livre arbítrio. Ao mesmo tempo, o Determinista pode dar aos termos “ill-
desert” e “responsabilidade” uma significação que não só é clara e definida, mas que, a
partir de um ponto de vista utilitarista, é a única cujo significado é adequado. Nesta
concepção, se eu afirmo que A é responsável por um ato danoso, quero dizer com isso que
é certo puni-lo por este ato, primordialmente, de modo que o medo da punição possa
impedir a ele e a outras pessoas de cometer atos semelhantes no futuro. A diferença entre
estes dois pontos de vista sobre a punição é teoricamente muito ampla. No entanto,

85
quando for analisar em pormenor a atual concepção de Justiça59, direcionarei meus esforços
para mostrar que esta admissão dificilmente terá qualquer efeito prático, uma vez que é
praticamente impossível de ser orientada, seja na remuneração de alguns serviços seja na
punição de atos danosos, por quaisquer outras considerações outras que já não estejam
incluídas na interpretação determinista da infração. Por exemplo, o tratamento legal da
punição como um elemento de dissuasão e de reforma ao invés de um elemento retributivo
parece ser forçado sobre nós pelas exigências prática da ordem social e do bem-estar de
modo alheio a qualquer filosofia determinista60. Além disso, como irei mostrar a seguir, se a
concepção retributiva da Punição for tomada de maneira estrita – abstraída totalmente da
perspectiva preventiva – isso levará nossa concepção de Justiça a entrar em conflito com a
benevolência, uma vez que a punição se apresentaria como um mal puramente inútil. Do
mesmo modo, no que diz respeito aos sentimentos que levam a expressão do louvor moral
e da culpa, admito, que, na mente de um determinista convicto, o desejo de encorajar a boa
conduta e prevenir a má deve tomar o lugar do desejo de requite a um ou a outro mas,
ainda mais uma vez, não vejo qualquer razão para que os sentimentos morais de tipo
determinista não devam ser tão eficazes na promoção da virtude e do bem estar social
como os tipos libertários.

§ 5. É, no entanto, de evidente importância prática verificar em que medida o poder da


vontade (metafisicamente livre ou não) realmente se estende pois isso definirá o intervalo
no qual os juízos éticos são no mais estrito sentido aplicáveis. Esta investigação é
totalmente independente da questão metafísica da liberdade e poderíamos afirmá-la em
termos deterministas como uma investigação sobre a extensão dos efeitos que seriam
possíveis de serem causados pela vontade humana, provided that adequate motives are not
wanting. Estes efeitos parecem ser principalmente de três tipos: em primeiro lugar,
modificações no mundo externo conseqüentes às contrações musculares; em segundo
lugar, mudanças no fluxo de idéias e sentimentos que constitui nossa vida consciente; e, em
terceiro lugar, mudanças nas tendências de agir de determinadas formas sob certas
circunstâncias.
I. A mais evidente e visível parte da esfera da causalidade volitiva é constituída por aqueles
eventos que como tais podem ser produzidos por contrações musculares. No que respeita a
estas, por vezes é dito que elas são propriamente as contrações musculares que nós
desejamos e que não dizem respeito a efeitos de origem mais remota pois isto exigiria a

59
60

86
concordância de outras causas, e, portanto, nunca poderíamos ter certeza absoluta de que
elas se seguiriam. Mas nada é mais certo, estritamente falando, que a contração muscular se
seguirá, uma vez que nosso limb poderia ser paralisado etc. A consequente imediata da
vontade é alguma mudança molecular nos nervos motores. Dado que, no entanto, não
estamos conscientes das vontades dos nosso nervos motores e suas alterações - nem, aliás,
comumente, acerca das contrações musculares que se seguem a elas - parece ser um mau
uso dos termos descrever ambas como o “objeto” normal da mente no querer uma vez que
quase sempre é um efeito ainda mais remoto que conscientemente desejamos e
intencionamos. Ainda, sobre quase todos os efeitos da nossa vontade sobre o mundo
externo alguma contração dos nossos músculos é um antecedente indispensável e quando
esta terminada nossa parte na causação está concluída.

II. Nós podemos controlar, em certa medida, nossos pensamentos e sentimentos. De fato,
uma parte importante daquilo que vulgarmente chamamos de “controlo dos sentimento”
diz respeito a esse tema que acabamos de discutir. Nosso controle sobre os nossos
músculos permite-nos ocultar a expressão do sentimento e de resistir às suas iniciativas à
acção e, de modo a dar livre vazão a um sentimento tendemos, em geral, a sustentar e
prolongá-lo através deste controle muscular que corresponde a um determinado poder
sobre a emoção. Mas não há a mesma conexão entre o nosso sistema muscular e os nossos
pensamentos e a experiência nos mostra que a maioria dos homens (embora alguns, sem
dúvida, muito mais do que outros) podem voluntariamente determinar a direção dos seus
pensamentos e prosseguir em uma determinada linha de pensamento. Nesses casos, o que é
efetuado mediante o esforço da vontade parece ser a concentração de nossa consciência em
uma parte do seu conteúdo, de modo que esta parte cresce de forma mais vívida e clara,
enquanto o resto tende a tornar-se obscuro e, em última instância, a desvanecer.
Freqüentemente este esforço voluntário só é necessário para iniciar o fluxo de idéias que,
posteriormente, continua sem esforço como, por exemplo, ao nos recordarmos de uma
série de acontecimentos passados ou quando trilhamos um fluxo familiar de raciocínio. Por
este concentrar, podemos nos libertar de muitos pensamentos e sentimentos sobre os quais
não queremos nos deter, mas o nosso poder de fazer isso é muito limitado e, se a sensação
for forte e sua causa persistente, exigirá um esforço muito forte da vontade mantê-las
afastadas.

87
III. O efeito da vontade, porém, ao qual eu desejo sobretudo dirigir a atenção do leitor é a
alteração nas tendências do homem para a ação futura que devem ser assumidas como
sendo uma conseqüência de uma resolução mais geral quanto à conduta futura, na medida
em que essa seja eficaz. Mesmo a resolução para fazer um determinado ato - se vale a pena
realizá-lo como o mostra a experiência - deve ser suposta para produzir uma mudança
deste tipo na pessoa que a faz. Ela deve de alguma maneira modificar suas tendências
presentes para agir de uma determinada forma numa ocasião futura prevista. Mas é ao
elaborar resoluções gerais para a futura conduta que se torna para nós da maior
importância prática saber o que está dentro do poder da vontade. Tomemos um exemplo.
Um homem tem o hábito de beber demais a noite o seu brandy: um dia ele decide que
nunca mais vai fazê-lo. Ao tomar essa resolução ele age sob a crença de que por uma
volição presente ele poderá alterar a sua tendência habitual para a indulgência em relação ao
brandy, que por algumas horas, portanto, ele vai resistir a toda a força do seu clamor
habitual pelo estimulante. Agora, se esta crença está bem ou mal fundamentada é uma
questão diferente daquela normalmente discutidas pelos Deterministas e pelos libertários e,
ao mesmo tempo, as duas questões são passíveis de serem confundidas. Por vezes, é
suposto de forma vaga que uma crença no livre arbítrio nos obrigaria a manter que, em
qualquer momento, podemos alterar nossos hábitos de qualquer medida através de um
esforço suficientemente forte. E, sem dúvida, é mais comum que no momento quando
fizermos esse esforço acreditemos que em que eles serão completamente efetivos: nos
iremos fazer algo por horas ou mesmo por dias com a mesma confiança com que teremos
no momento imediato. Mas, após alguma reflexão, ninguém, penso eu, sustentará que em
tais casos o ato futuro parecerá estar sob o seu poder da mesma forma que uma escolha
entre alternativas que terá efeito imediato. Não apenas a contínua experiência nos mostra
que tais resoluções quanto ao futuro tem um efeito limitado e freqüentemente insuficiente
mas a crença comum é na realidade inconsistente com a doutrina do livre arbítrio que é
apresentada como justificando-a pois se por uma volição presente eu pudesse determinar
plenamente uma ação que terá lugar a daqui a algumas horas, quando chega a hora de fazer
este ato, não mais me considerarei como livre. Devemos, portanto, aceitar a conclusão de
que cada uma dessas resoluções tem apenas um efeito limitado, e que não podemos saber
no momento em que é tomada qual o efeito que irá apresentar no momento de agir do
modo assim intencionado. Ao mesmo tempo, dificilmente se poderia negar que tais
resoluções às vezes conseguem quebrar com antigos hábitos e, mesmo quando não são
capazes de fazê-lo, freqüentemente substituem uma luta dolorosa por uma indulgencia

88
suave e fácil. Por isso, é razoável supor que elas sempre produzem algum: ou operam ao
causar novos motivos para se apresentarem ao lado da razão, quando o tempo do conflito
interior chega, ou quando operam diretamente para enfraquecer a força impulsiva do
hábito da mesma forma que uma violação efetiva do costume o faz embora num grau
inferior61.

Se essa interpretação dos limites da volição for aceita, ela irá, espero, dissipar quaisquer
dúvidas que o argumento da seção anterior, quanto à falta de importância prática da
controvérsia do livre arbítrio, tenha deixado no espírito do leitor. Pois poderia ter sido
vagamente pensado que, enquanto na teoria determinista seria errado, em certos casos,
realizar um único ato de virtude se não tivéssemos motivo para acreditar que deviamos
seguir em diante na hipótese da Liberdade devíamos, audazmente, fazer sempre o que seria
melhor caso, consistentemente, seguíssemos sendo conscientes de que essa coerência
estava em nosso poder. Mas a suposta diferença desaparece, caso seja admitido que, por
qualquer esforço de uma resolução no presente momento nós podemos apenas produzir
um efeito limitado sobre certas tendências para a nossa ação em algum tempo futuro e que
a consciência imediata não pode nos dizer que este efeito será adequado para a ocasião,
nem, aliás, o quão grande ele realmente irá se revelar. Assim os Libertaristas mais
extremistas devem, então, permitir que, antes de penhorar-nos qualquer futuro curso de
ação, devemos estimar cuidadosamente, a partir de nossa experiência acerca de nós
mesmos e sobre o conhecimento geral acerca da natureza humana, qual é a probabilidade
de mantermos as nossas resoluções nas circunstâncias em que somos susceptíveis de
sermos postos. É sem dúvida moralmente mais importante que não devamos transigir
tranquilamente frente a qualquer fraqueza ou falta de auto-controle, mas o fato permanece
de que essa fraqueza não é curável através de um único querer e tudo o que posso fazer
para curar-lo, por qualquer esforço da vontade, a todoe qualquer momento, é tão
claramente presente para a razão seja na teoria determinista seja na libertaria. Em ambas as
teorias é razoável que devemos nos iludir quanto à extensão da nossa fraqueza, ou para
ignorá-la na previsão da nossa conduta ou para supor que seja mais facilmente remediável
do que é realmente.

61

89
Capítulo 6

Princípios éticos e métodos

1. Os métodos indicados no Capítulo 1 possuem uma suposição prima facie de que


procedem sobre princípios racionais; outros princípios parecem, na medida em que
podem ser precisados, reduzir-se a estes:
2. especialmente o princípio de “viver de acordo com a Natureza”;
3. Em resumo, todas as variedades de métodos poderiam convenientemente ser
classificadas em um desses três tipos: intuicionismo e os dois tipos de Hedonismo, o
Egoísta e o Universalista. A confusão comum entre os dois últimos é facilmente
explicável, mas deve ser cuidadosamente evitada.
Nota

§1. Os resultados dos três capítulos precedentes poderiam ser brevemente colocados como
os seguintes:
O objetivo da Ética e o de sistematizar e livrar do erro as cognições aparentes que a maioria
dos homens possuem acerca da correção e da racionalidade da conduta seja ela considerada
como certa em si mesma seja ela considerada como um meio para um fim comumente
concebido como sendo em ultima instancia razoável62. Estas cognições são normalmente
acompanhadas por emoções de vários tipos conhecidas como “sentimentos morais” mas
os julgamentos éticos não podem ser explicados como afirmando meramente a existência
de tais sentimentos sendo que, inclusive, é uma característica essencial do sentimento moral
que ele está ligado a uma aparente cognição de algo maior que o mero sentimento. Tal
cognição, novamente, chamei-a mandamentos ou imperativos uma vez que na medida em
que se relacionam com a conduta de qualquer um que esteja deliberando, eles são
acompanhados por um certo impulso para a realização de atos reconhecidos como certos,
atos que possivelmente poderiam entrar em conflito com outros impulsos. Prover esse
impulso é um modo efetivo para a produção da volição certa mas não é de importancia
primaria para os propósitos éticos determinar as exatas características dos estados
emocionais que precedem tais volições. E isto permanece como verdadeiro mesmo se a
força que realmente opera sobre sua vontade seja meramente o desejo pelos prazeres que
ele prevê irão levar a conduta correta ou a aversão aos sofrimentos que irão resultar de

62

90
fazer algo errado. Apesar disso, observamos que neste caso sua ação não corresponde a
nossa noção comum acerca do que estritamente uma conduta virtuosa e assim parecer não
existir fundamento para tomarmos tais desejos e aversões como os únicos, ou mesmo
como os normais, motivos das volições humanas. Não é também em geral importante
determinar se sempre somos, falando metafisicamente, “livre” para fazer o que claramente
vemos como sendo certo. O que “devemos” fazer, no sentido estrito da palavra “dever”,
está sempre em “meu poder”, no sentido de que não há obstáculo ao meu fazer exceto a
ausência de um motivo adequado e é normalmente impossível para mim, na deliberação,
tomar essa ausência de motivos como uma razão para faz não fazer o que de outro modo
julgaria como razoável.
O que então nos tomaríamos normalmente como sendo as razoes últimas válidas para agir
ou abster-se? Isto, como foi dito, é o ponto de partida para as discussões do presente
tratado, tratado esse que não está preocupado primariamente em provar ou desaprovar a
validade para quaisquer destas razões mas, sobretudo, está preocupado com a exposição
crítica dos diferentes “métodos” – ou procedimentos racionais para determinar a conduta
correta em quaisquer casos particulares – que estão logicamente conectados com as
diferentes razões últimas amplamente aceitas. No primeiro capítulo descobrimos que tais
razões eram supridas pelas noções de felicidade e excelência ou perfeição (incluindo a
virtude ou a perfeição moral como seu elemento proeminente), tomadas como os fins
últimos e o Dever como prescrito por regras incondicionais. Essa tripla diferenciação na
concepção da razão última para a conduta corresponde ao que parecem ser as mais
fundamentais distinções que nós aplicamos quanto a existência humana, a saber, a distinção
entre o ser consciente e o fluxo de experiência consciente e a distinção (no interior desta
última) entre agir e sentir. Pois a perfeição é posta a frente como o objetivo ideal do
desenvolvimento do ser humano considerado como uma entidade permanente, enquanto
que por Dever, nos significamos o tipo de ação que acreditamos necessita ser feita e,
similarmente, por Felicidade e Prazer nos significamos ao cabo um desejo ou um tipo de
sentimento desejável. Poderia parecer, entretanto, que essas noções de forma alguma
exaurem a lista de razões que são amplamente aceitas como os fundamentos últimos da
ação. Muitas pessoas religiosas pensam que a razão última para fazer algo seja aquilo que é
a vontade de Deus enquanto para outros a “auto-realização” ou “auto-desenvolvimento”
enquanto ainda para outros pareça que o fim último seja “viver de acordo com a natureza”.
E não é difícil compreender porque concepção como estas são pensadas como suprindo de
forma mais profunda e completa as respostas acerca das questões fundamentais da Ética do

91
que aquelas nomeadas anteriormente, uma vez que essas respostas não mostram
meramente “o que deve ser feito” enquanto tal mas mostram que o que deve ser feito está
numa relação simples como o que realmente é. Deus, Natureza e Eu são os fatos
fundamentais da existência e o conhecimento do que preenche a vontade de Deus, o que
está de “acordo com a natureza” e o que realizará o verdadeiro Eu no interior de cada um
de nós pareceria resolver os problemas mais profundos tanto da metafísica quanto da Ética.
Mas uma vez que essas noções combinam o ideal com o que é real sua esfera própria
pertence não a Ética como eu a defino mas à Filosofia – o estudo central e supremo que se
dedica às relações de todos os objetos do conhecimento. A introdução dessas noções no
interior da Ética traria uma confusão fundamental entre “o que é” e o “que deve ser”,
confusão destrutiva de toda a clareza do raciocínio ético e se essa confusão é evitada, a
importancia estritamente ética dessas noções, quando tornadas explicitas, parece sempre
levar-nos a um ou outro dos métodos distinguidos previamente.
Existe um menor perigo de confusão no caso da concepção teológica da “vontade de
Deus” uma vez que aqui a conexão entre “o que é” e “o que deve ser” é perfeitamente
clara e explicita. O conteúdo da vontade de Deus nos concebemos como existindo de fato
enquanto uma idéia sendo que sua realização é o fim visado. Existe no entanto uma
dificuldade em compreender como a vontade de Deus possa falhar em se realizar, façamos
o certo ou o errado, e, como, se ela não pode falhar em realizar-se em qualquer desses
casos, sua realização pode dar um motivo último para fazer o que é certo. Mas essa
dificuldade cabe preferivelmente à Teologia e não à ética resolver. A questão prática é,
assumindo que as vontades de Deus são num sentido especial o que devemos fazer, como
nós saberemos (ascertain) delas em qualquer caso particular. Isso deveria ocorrer seja por
uma revelação ou pela razão ou por ambas em combinação. Se uma revelação externa é
proposta como o meio mais comum somos levados obviamente para além do escopo de
nosso presente estudo. Por outro lado, quando tentamos conhecer pela razão a vontade
divina, a concepção parece apresentar em si mesma como uma forma comum sob a qual a
mente religiosa está disposta a aceitar seja lá qual o método de determinação da conduta
aparecer-lhe como racional uma vez que não podemos conhecer qualquer ato que esteja de
acordo com a vontade divina que não seja também, através do mesmo exercício de
pensamento, conhecida como mandada pela razão. Assim, comumente, é suposto ou que
Deus deseja a felicidade dos homens (e nesse caso nossos esforços deveriam se concentrar
na sua produção) ou que Ele deseja sua perfeição e esta então deveria ser o nosso fim ou
então que seja lá qual for o Seu fim (o qual talvez nem mesmo tenhamos o direito de

92
investigar) Suas leis seriam imediatamente cognoscíveis, sendo de fato os primeiros
principios da moralidade intuicionista. Ou talvez seja explicado que a Vontade de Deus seja
apreendida pelo exame de nossa própria constituição ou pela constituição do mundo em
que estamos e, deste modo, a “conformidade com a vontade de Deus” parece se resolver
por si mesma nas noções de “auto-realização” ou da “vida de acordo com a natureza”. Em
qualquer dos casos, essa concepção, apesar de importante em suprir novos motivos para
fazer o que acreditamos ser o certo, não sugere – a parte a revelação – qualquer critério
especial para a correção.
§2. Passemos agora a considerar as noções de “natureza”, “natural” e “conformidade com a
natureza”. Suponho – de forma a obter um principio distinto da “auto-realização”63 – que a
“natureza” à qual devemos nos conformar não é a natureza individual de cada um, mas a
natureza humana em geral, considerada seja de forma a parte seja na sua relação com o seu
ambiente, e é à está natureza que encontraremos a medida para a conduta correta de um
certo tipo de existência humana que podemos abstrair a partir da observação da vida
humana real. Agora, de um certo modo, todo homem racional deve obviamente se
“conformar a natureza”, ou seja, ao objetivar certos fins ele deve adaptar seus esforços às
condições particulares de sua existência física e psíquica. Mas se ele for além disso, e
conformar à natureza na adoção de um fim último ou padrão capital da conduta correta,
isso deve ser realizado na base – se não, em algum grau, numa suposição estritamente
teológica – de um reconhecimento mais ou menos definido de algum designo exibido no
mundo empiricamente conhecido. Se não encontramos nenhum designo na natureza, se os
processos complexos do mundo conhecidos por nos através da experiência são concebidos
como sem finalidade apesar de orderly drift of change, o conhecimento desses processos e
de suas leis poderia inclusive limitar os objetivos dos seres racionais, mas não posso
conceber como poderiam determinar os fins de suas ações ou serem as fontes de regras
incondicionais do dever. E de fato aqueles que usam “natural” como uma noção ética
comumente supõem que ao contemplarem o agir real dos impulsos humanos, ou a
constituição física do homem ou ainda suas relações sociais, nos poderiamos encontrar
princípios que determinem positivamente e completamente o tipo de vida à qual ele foi
designado a viver. Penso, entretanto, que cada tentativa de derivar deste modo “o que
devemos ser” do “que é” falha de modo palpável no momento em que se liberta das suas
confusões fundamentais de pensamento. Por exemplo, supondo que procuremos um guia
prático na concepção da natureza humana tomada como um sistema de impulsos e

63

93
disposições, devemos obviamente dar uma especial precisão ao significado de “natural”,
uma vez que, em certo sentido, como Butler observa, qualquer impulso é natural mas é
manifestadamente inútil considerar que seguimos a Natureza nesse sentido pois aí a
questão do dever nunca é levantada exceto quando nos estamos conscientes de um conflito
de impulsos e desejamos saber a qual seguir. Também não nos ajuda dizer que a
supremacia da razão é natural uma vez que começamos por assumir que o que a razão
prescreve é a conformidade com a natureza e, assim, nossa linha de pensamento se torna
circular: a natureza que seguiremos deve ser distinta da nossa racionalidade prática se ela se
tornará um guia para esta. Como então distinguiremos os “impulsos naturais” – naquele
sentido no qual eles são os guias para a escolha racional – daqueles não-naturais? Aqueles
que se ocuparam com essa distinção parecem ter geralmente interpretado “Natural” como
significando ou comum como oposto ao raro e ao excepcional ou como original enquanto
oposto ao que é posterior no desenvolvimento; ou então o definiram negativamente como
aquilo que não é o efeito da volição humana. Mas eu jamais vi qualquer fundamento para
assumir amplamente que a Natureza horroriza o excepcional ou que prefira o anterior no
tempo ao posterior e quando tomamos uma visão retrospectiva da historia da raça humana,
encontramos que alguns impulsos que todos admiramos, como o amor ao conhecimento e
a filantropia entusiástica, são tanto raras quanto apareceram posteriormente a outros
impulsos que julgamos inferiores. Novamente, é obviamente não garantido supor como
não-natural e oposto ao designo divino todos aqueles impulsos que foram produzidos em
nos pelas instituições da sociedade ou pelo nosso uso dos arranjos, contrivances, ou
daquilo que de qualquer modo resulta da ação deliberada de nossos semelhantes, pois isso
seria arbitrariamente excluir a sociedade e ação humana do escopo dos propósitos da
natureza. Além disso, é claro que muitos dos impulsos gerados deste modo parecem ser ou
morais ou auxiliares da moralidade e ainda benéficos de outros modos e apesar de alguns
outros serem sem duvida perniciosos ou equivocados parece que apenas poderíamos
distingui-los dos anteriores ao observarmos seus efeitos e não através de qualquer precisão
alcançada pela reflexão através da noção de “natural”. Se, novamente, retomarmos uma
concepção mais física acerca de nossa natureza explorarmos o fim para o qual nossa
estrutura corporal foi constituída descobriremos que essa investigação determina muito
pouco. Poderíamos inferir a partir do nosso sistema nutritivo que sua estrutura indica a
necessidade de nos alimentarmos e, similarmente, que nos precisamos exercitar nossos
vários músculos de um modo ou de outro assim como o nosso cérebro e nossos órgãos
dos sentidos. Mas isso não nos leva muito longe (trifling way) pois a questão prática é na

94
maioria das vezes não se nós usaremos ou deixaremos sem uso esses nossos órgãos mas em
qual extensão ou de qual maneira nos os usaremos e não parece que uma resposta definida
a essa questão poderá jamais ser alcançada através de um processo de inferência lógica a
partir de observações sobre o organismo humano e sobre a vida física real destes.
Se, finalmente, considerarmos o homem em suas relações sociais – enquanto pai, filho,
vizinho e cidadão – e tentarmos determinar os direitos e obrigações “naturais” relacionados
a tais ligações encontraremos que a concepção acerca do “natural” apresenta um problema
e não uma solução. Para uma mente ignorante (unreflective mind) o que é costume nas
relações sociais aparece normalmente como sendo natural mas uma pessoa que refletir
sobre essas questões estará preparada para abandonar a “conformidade com os costumes”
como um principio moral fundamental. O problema é então o de encontrar nos direitos e
obrigações estabelecidos pelos costumes numa sociedade particular num tempo especifico
algum elemento que possua uma força (binding force) para além daquela dada pelos
costumes. E este problema pode ser resolvido apenas através de uma referência ao bem
último da existência social – concebido seja como felicidade ou enquanto alguma perfeição
– ou através do apelo a algum principio do dever social conhecido intuitivamente, principio
este diverso daquele que objetiva a felicidade ou a perfeição da sociedade.
Também, novamente, não nos auxilia adotar a concepção mais moderna acerca da
Natureza, que toma o mundo orgânico como exibindo não como um agregado de tipos
fixos mas como um processo gradual e continuo de mudança da vida. Pois ao garantir que
essa “evolução” – como o nome implica – não é meramente o processo do antigo para o
novo mas um progresso daquilo que possui menos para aquilo que possui mais de certas
características definidas seria certamente absurdo sustentar que nos deveríamos então tomar
essas características como sendo o fim último tornando o nosso desafio o de acelerar a
chegada de um futuro inevitável. Que tudo aquilo que virá será melhor do que é todos nós
esperamos mas não parece haver melhores razões para de forma sumaria identificarmos “o
que deve ser” com “o que certamente será” do que aquelas que encontramos na
identificação do “que é comum” como o “que originalmente foi”.
No todo, parece-me que nenhuma definição que jamais tenha sido apresentada sobre o
natural apresentou essa noção como sendo realmente capaz de fornecer um primeiro
principio ético independente. E ninguém sustenta que “natural” como “belo” seja uma
noção que apesar de indefinível seja clara e derivável de alguma impressão simples e não-
analisável. Assim não vejo modo algum de extrair desta noção algum critério prático para a
correção das ações.

95
§3.

96
Capítulo 7

Egoísmo e Amor-próprio

1. Para ter uma idéia clara sobre o que é comumente chamado de egoísmo, devemos
distinguir e excluir alguns sentindo possíveis do termo;
2. e definir seu fim como o maior quantidade alcançável de prazer sobre dor para o agente
sendo o prazer avaliado\valorado em proporção ao agrado [pleasantness].

97
Capítulo 8

Intuicionismo

1. Aplico o termo intuicionismo – no sentido mais estrito dos dois sentidos legítimos –
para distinguir o método no qual a certeza quanto a alguns tipos de ação é suposta
como conhecida sem consideração por suas conseqüências ulteriores.
2. A antítese comum entre Intuitivo e Indutivo é imprecisa uma vez que este método não
procede necessariamente do universal para o particular. Poderíamos distinguir o
Intuicionismo Perceptual, de acordo com o qual é sempre a certeza de alguma ação
particular que é dado conhecer imediatamente;
3. Intuicionismo Dogmático de acordo com o qual as regras do Senso Comum são aceitas
axiomaticamente;
4. Intuicionismo Filosófico que tenta encontrar uma explicação mais profunda para as
regras correntes.
Nota

§1. Usei o termo “intuicionista” para denotar a concepção da ética que toma como
o fim prático último das ações morais sua conformidade com certas regras e ditos64 do
Dever prescrito de forma incondicional. Existe, no entanto, considerável ambigüidade
quanto a exata antítese implicada por termos como “intuição”, “intuitivo” e seus
congêneres, como normalmente usados na discussão ética, ambigüidade que devemos
agora tentar eliminar. Escritores que mantêm que temos um “conhecimento intuitivo” da
correção de nossas ações normalmente significam que esta correção é reconhecida pelo
simples “olhar para” as ações elas mesmas, sem uma consideração por suas conseqüências
ulteriores. Esta concepção, no entanto, difícilmente pode ser extendida para toda a
extensão do dever uma vez que jamais existiu uma moralidade que não tenha considerado
em alguma extensão as conseqüências.

64

98
Capítulo 9 – Bom

1. Outra importante variedade de Intuicionismo é constituída pela substituição de “certo”


pela noção mais ampla de “bom”.
2. O juízo comum de que uma coisa é “boa” não parece, ao refletirmos, ser equivalente a
um juízo que essa coisa seja direta ou indiretamente prazerosa.
3. “Bom” = “desejável” ou “racionalmente desejável”: como aplicado à conduta, o termo
não convém tão definidamente a um mandamento como ‘certo’ e nem se confina ao
estritamente voluntário.
4. Existem muitas outras coisas comumente julgadas como boas: mas a reflexão mostra
que nada é ultimamente bom exceto alguns modos da existência humana.

Capítulo 9 – Bom

§1. Temos até agora dito acerca da qualidade da conduta discernida por nossa
faculdade moral como “justeza” que é o termo comumente usado pelos moralistas ingleses.
Temos considerado este termo, e seus equivalentes no uso ordinário, como implicando na
existência de uma ordem [dictate] ou imperativo da razão, que prescreve certas ações ou
incondicionalmente ou com referência a algum fim ulterior.
É, entretanto, possível tomarmos uma concepção da ação virtuosa na qual, apesar
da validade das intuições morais não ser posta em duvida, a noção de regra ou ordem
[dictate] estaria apenas latente ou implícita, sendo o ideal moral apresentado
preferivelmente como atrativo ao invés de imperativo. Esta concepção parece ser obtida
quando a ação para a qual parecemos moralmente preparados, ou a qualidade de caráter
manifestada nela, é julgada como “boa” em si mesma (e não meramente como um meio
para algum fim último). Isto, como antes notado, foi a concepção ética geralmente
fundamental nas escolas gregas de filosofia moral; incluindo mesmo os estóicos, apesar de
seu sistema, a partir da proeminência dada a concepção de lei natural, formar uma ligação
de transição entre a ética antiga e a moderna. Esse exemplo histórico serviria para exibir um
importante resultado da substituição da idéia de “bondade” pela de “certeza/justeza” da
conduta, que parece a primeira vista ser uma mera mudança verbal. Por serem as principais
características da ética antiga controversas na diferença com as modernas poderíamos
traçar, o emprego de uma noção genérica, ao invés de uma especifica, que expressasse os
juízos morais comuns sobre nossas ações. Virtude ou ação Justa [right] é comumente tida

99
como apenas espécies do bom [the good]: e assim, nesta concepção da intuição moral, a
primeira questão que se oferece, quando nós tentamos sistematizar a conduta, é como
determinar a relação dessa espécie de bem [good] com o resto do gênero. Foi nesta questão
que os pensadores gregos argumentaram do primeiro para o último. Suas especulações
podem dificilmente ser entendidas por nos a menos que com um certo esforço deixemos
de lado as noções quase-jurídicas da ética moderna, e nos perguntemos (como eles fizeram)
não “Qual é o dever [duty] e qual é a sua fundamentação?” mas “Quais dos objetos que os
homens acham bons são realmente bons ou os mais elevados bens[highest good]? Ou,
numa forma mais especializada de questão que a intuição moral introduz: “Qual a relação
do tipo de bem que chamamos virtude, as qualidades de caráter e caráter que os homens
recomendam e admiram, com as outras coisas boas?”.
Esta é, então, a primeira diferença a destacar entre as duas formas de juízo intuitivo.
No reconhecimento da conduta como “justa” [right] esta envolvida um prescrição
autoritária para fazer isto: mas quando julgamos a conduta como boa, ainda não está clara
que prefiramos este tipo de bem ao invés de qualquer outra coisa boa: alguma outra medida
[standard] que estime o valor relativo dos diferentes “bens” [goods] deve ainda ser
procurada.
Proponho, então, examinar a importação da noção de “bom” em todos os níveis de
sua aplicação; - supondo isso, por servir de constituinte do bem último que requeremos
como medida de comparação, não estamos diretamente dizendo respeito com qualquer
coisa que seja claramente apenas boa como meio para a realização de algum bem posterior.
Se tivéssemos somente este ultimo caso para considerar, seria plausível interpretar “bom”
sem referencia ao desejo humano ou a escolha, significando apenas “adequação” ou
“adaptação” para a produção de certos efeitos – um bom cavalo para montar, uma boa
arma para atirar, etc. Mas como aplicamos a noção também para os fins últimos, devemos
procurar um sentido para isso que cubra as duas aplicações.

§2- Há, entretanto, uma interpretação simples do termo – que é amplamente tida
como verdadeira – de acordo com a qual tudo que julgamos como bom é implicitamente
concebido como um meio para um fim de prazer, mesmo quando nós não fazemos, em
nossos julgamentos, qualquer referência explicita a isso ou a qualquer outro fim.
Nesta concepção, qualquer comparação das coisas com respeito a sua “bondade”
deveria parecer uma real comparação destas como fontes de prazer. Assim, qualquer

100
tentativa de sistematizar nossas intuições da bondade, enquanto conduta e caráter ou entre
outras coisas, deve razoavelmente levar-nos diretamente ao hedonismo. E sem dúvida, se
nós considerarmos a aplicação do termo, fora da esfera do caráter e da conduta, às coisas
que não são consideradas definitivamente como meios à realização de algum objeto de
desejo, nós encontraremos uma correspondência forte entre nossa apreensão do prazer
derivado de algum objeto, e nosso reconhecimento de que aquele objeto é em si mesmo
“bom”. As coisas boas da vida são coisas que dão prazer, sensoriais e emocionais: como
bons jantares, vinhos, poemas, pinturas, músicas: e isto dá um suporte prima face para
interpretação de “bom” como equivalente a “prazeroso”. Penso, entretanto, que se
refletirmos sobre a aplicação do termo para as causas mais análogas a estas de conduta –
isto é para os quais deveríamos chamar “objetos do gosto” – deveríamos considerar que
esta interpretação não está claramente sustentada pelo senso comum. Em primeiro lugar,
permitindo que o julgamento de qualquer objeto é bom deste modo, conectado de forma
restrita com a apreensão do prazer derivado deste, devemos observar que este é geralmente
um tipo específico de prazer ao qual a afirmação da bondade corresponde. E se acontecer
do objeto nos dar um prazer de tipo diferente nós não continuaremos a chamá-lo de bom –
ao menos sem qualificá-lo. Por exemplo, não deveríamos chamar um vinho de bom
somente por ele ter sido muito saudável; nem a um poema quanto a suas lições morais. E
daqui, quando nós viermos a considerar o significado do termo “bom” aplicado a conduta,
não há razão para supor que este tenha qualquer referência ou correspondência a todos os
prazeres que poderiam resultar desta conduta. Preferivelmente, a percepção da bondade ou
virtude na ação pareceria ser análoga a percepção da beleza65 nas coisa materiais: o que é
normalmente acompanhado de um prazer específico que chamamos “estético”, mas que
freqüentemente não são descobertas relações com a utilidade geral ou agradabilidade da

65 È, entretanto, necessário distinguir entre as idéias de bondade moral e beleza enquanto aplicadas as
ações humanas: apesar de existir muita afinidade entre estas, e de que elas tenham sido
freqüentemente identificados pelos pensadores gregos. Sem dúvida, ambas as idéias em si mesmas e
a emoção prazerosa correspondente , surgidas da contemplação da conduta {?} são freqüentemente
indistinguíveis: uma ação nobre nos afeta como uma cena, um quadro ou uma melodia: o
delineamento da virtude humana é uma parte importante dos meios que o artista tem a sua
disposição para produzir efeitos peculiares. Ainda, numa olhar próximo, nós vemos não somente
que existe muita conduta boa que não é bela, ou pelo menos que não nos causa impressão sensível
a nós: mesmo certos tipos de crime e maldades possuem esplendor e sublimidade por elas mesmas.
Por exemplo, a carreia de um César Borgia, como dizia Renan, “é bela como uma tempestade,
como um abismo” [beau comme une tempête, coome um abîme”]. Acredito, é verdade de que em
todos estes casos a beleza repousa sobre a exibição, na conduta criminosa, de dons (impactantes) e
excelências misturadas com a maldade: mas não parece que possamos abstrair dos últimos sem
prejudicar o efeito estético. E como concebo, temos que distinguir o senso de beleza da conduta
do senso da bondade moral.

101
coisa discernida como bela: mais, nós freqüentemente reconhecemos este tipo de
excelência nas coisas dolorosas e perigosas.
Indo além: quanto aos prazeres estéticos e as fontes de tais prazeres que
comumente julgamos como boas, é opinião comum de que algumas pessoas têm mais e
outras menos “bom gosto”. E é somente o julgamento das pessoas de bom gosto que
reconhecemos como válidos no que diz respeito a real bondade das coisas compartilhadas.
Pensamos que quanto ao seu próprio prazer, cada individuo é o juiz final, e não há
nenhuma apelação quanto a sua decisão, - pelo menos enquanto ele compara prazeres com
suas experiências reais; mas a afirmação da bondade em qualquer objeto envolve a
assunção de uma medida universalmente válida, que, como acreditamos o julgamento das
pessoas que atribuímos bom gosto representa aproximadamente. Parece claro, que o termo
“bom” enquanto aplicado ao “gosto” não significa “prazeroso”. Quanto a isso meramente
importa a conformidade do julgamento estético assim caracterizado com o suposto ideal ao
qual desviar-se implicará em erro e engano. Nem parece também ser sempre que a pessoa
de mais bom gosto consiga derivar o maior divertimento de qualquer tipo de coisa boa e
prazerosa. Estamos familiarizados com o fato de que connoisseurs de vinhos, quadros, e
etc. freqüentemente retêm sua faculdade intelectual de apreciar os méritos dos objetos que
eles criticam, decidindo os respectivos lugares na escala de excelência mesmo quando sua
sucetibilidade ao prazer destes objetos esta comparativamente cega e exausta. Mais
genericamente vemos que o frescor e amplitude do sentir de forma alguma acompanha a
gosto e o julgamento: a pessoa que possui que possui o frescor pode derivar mais prazer
dos objetos inferiores que a outra dos superiores.
Para resumir: a admissão geral de que as coisas que chamamos “boas” sejam
produtoras de prazer, e de que a primeira qualidade seja inseparável no pensamento da
última, não envolve a inferência de que a estimativa comum da bondade da conduta
poderia ser imparcialmente tomada como estimativa da quantidade de prazer resultante.
Por (1) analogia concluiríamos que a atribuição de bondade, no caso da conduta frente aos
objetos de gosto genericamente, poderia corresponder não a todos os prazeres que são
causados pela conduta, mas a prazeres específicos, neste caso a satisfação contemplativa
que a conduta causa no espectador desinteressado: e (2) isso poderia nem mesmo excitar
este prazer específico generalizado na proporção de sua bondade, mas apenas (no mais) nas
pessoas de bom gosto moral: e mesmo no seu caso, nós podemos distinguir a apreensão
intelectual da bondade – que envolve o conceito de uma medida [Standard] objetiva ideal –

102
da emoção prazerosa que é a sua companhia habitual; e poderíamos supor que este último
elemento da consciência seria diminuído quase indefinidamente.
Por fim, quando passamos do adjetivo para o substantivo “bom”, é evidente que
este último não pode ser entendido como equivalente ao “prazer” ou a “felicidade” por
quaisquer pessoas que afirmem – enquanto uma proposição significativa e não meramente
uma tautologia – que o Prazer ou a Felicidade dos seres humanos seja seu Bem ou Bem
Último. Tal afirmação, que deveria, penso, ser normalmente feita pelos Hedonistas,
obviamente implica que o significado dos dois termos seja diferente, apesar de que sua
conotação poderia coincidir. E não parece que qualquer diferença fundamental de
significado seja implicada pela variação gramatical do adjetivo para o substantivo.

§3- O que poderíamos então afirmar como o significado geral do termo “bom”?
Deveríamos dizer – com Hobbes, e muitos desde Hobbes – “que qualquer que seja o
objeto de desejo de um homem, que este ele chame de Bom e o objeto de sua aversão de
Mal” [evil]? Para simplificar a discussão nós consideraríamos somente o que o homem
deseje por si mesmo – não como meio como um resultado posterior – e para si mesmo –
sem benevolência para outros: seu próprio Bem66 e Bem último. Nós temos primeiramente
de encontrar a objeção óbvia de que um homem freqüentemente deseja o que ele sabe ser
na sua totalidade ruim [bad] para ele: o prazer de beber champagne que é claramente
desagradável para ele, a gratificação da vingança quando ele sabe que seu interesse
verdadeiro repousa na reconciliação. A resposta é que nestes casos o desejo resultante é
acompanhado ou seguido por outros efeitos que quando vêem excitam uma versão mais
forte que o desejo pelo efeito desejado. Mais do que isso: estes maus efeitos apesar de
previstos não são percebidos [though fore-seen are not fore-felt]. A representação destes
não modifica adequadamente a direção predominante do desejo enquanto um fato
presente. Mas assegurando isto e fixando a atenção no resultado desejado, a parte de seus
concomitantes e conseqüências – isto poderia ainda parecer que o que ainda é desejado a
qualquer tempo parece meramente ser bom, o que poderia não ser achado bom quando
vem a fruição, ou pelo menos não tão bom quanto parece. Isto poderia produzir uma

66Pareceria, de acordo com a visão comum de “bom”, existir situações nas quais o sacrifício do seu
próprio bem do indivíduo para o todo, de acordo com a concepção mais racional que ele possa
conceber, poderia aparentemente realizar o maior bem para os outros. Se, ainda, tal sacrifício é
sempre realmente requerido, e se, deste modo, é verdadeiramente razoável para o indivíduo
sacrificar seu próprio bem para o todo, está entre as questões mais profundas da ética: e devo
considerar cuidadosamente isto nos parágrafos subseqüentes (especialmente Livro III, capítulo xiv).
Aqui, apenas desejo evitar qualquer preconceito proveniente destas questões na minha definição
“meu próprio bem”.

103
“dead sea apple”, mero nevoeiro e cinzas ao comer. Mais freqüentemente, a fruição irá
corresponder parcialmente às expectativas, mas poderia ainda decepcionar em alguma
escala. E, algumas vezes – mesmo quando cedemos ao desejo – nós estamos preocupados
com a ilusão da expectativa de “bom” que o desejo carrega com ele. Concluo, então, que se
nós concebermos dos elementos do bem último como possíveis de comparação
quantitativa – como quando falamos que preferimos o “maior” bem ao “menor” – nós
não podemos identificar o objeto do desejo como simples “bem” ou “verdadeiro bem”,
mas apenas com “o bem aparente”.
Indo além: um homem prudente está acostumado a suprimir, com maior ou menor
sucesso, desejos por aquilo que ele considera fora de seu poder de alcance pela ação
voluntária – como um bom tempo, uma saúde perfeita, uma grande riqueza ou fama e etc.;
mas qualquer sucesso que ele poderia ter em diminuir a real intensidade de tal desejo não
tem efeito algum em levá-lo a julgar os objetos desejados menos “bons” (less good).
Pareceria então, que se interpretássemos a noção “bom” em relação a “desejo”
deveríamos identificá-la não com o real desejado mas preferivelmente com o desejável: -
significando por desejável não necessariamente “o que deve ser desejável” mas o que
deveria ser desejado, com força proporcionável ao grau de desejabilidade, se isto fosse
julgado atingível pela ação voluntária, supondo que aquele que deseja possua uma perfeita
capacidade de antecipação, tanto emocional, quanto intelectual, de seu estado de fruição.
Ainda resta a possibilidade que uma escolha de qualquer bem particular definido
então como um objeto de busca, poderia ser no todo má, no que diz respeito a seus
concomitantes e conseqüentes; mesmo quando o resultado particular assim obtido não é
outro o que foi imaginado na condição de seu desejo prévio. Se, então, na busca de uma
definição de “um bem último” nós significarmos “um bem no seu todo” nós temos –
seguindo a linha de pensamento do parágrafo precedente – que expressar sua relação com
o Desejo diferentemente. Em primeiro lugar, nós temos que limitar nossa visão do desejo
que se torna prático na volição; como poderia ainda considerar como resultados desejáveis
o que julgo em seu todo imprudente de alcançar. Mas, mesmo com essa limitação, a relação
do meu “bem na totalidade” para com meu desejo é muito complicada. Para isso não é
nem mesmo suficiente dizer que meu bem na totalidade seja o que eu deveria realmente
desejar e procurar se todas as conseqüências da busca pudessem ser previstas e
adequadamente realizadas pela minha imaginação no momento de se fazer minha escolha.
Sem duvida uma igual consideração por todos os momentos de nossa experiência
consciente – pelo menos, no que diz respeito a mera diferença de suas posições no tempo

104
– é uma característica essencial da conduta racional. Mas o mero fato, que um homem não
sinta posteriormente uma aversão forte o bastante pelas conseqüências de uma ação que
cause nele lamentação por isso, não pode ser aceita como uma prova completa que ele
tenha agido por seu “bem como um todo”. De fato, nós comumente pensamos que entre
as piores conseqüências de algum tipos de condutas que os outros [alter] homens têm
tendência de desejar [?], e fazem que eles desejam o menor ao seu maior: nós pensamos
isto de todo o pior para os homens – mesmo neste mundo – se eles nunca despertassem de
tal condição e vivessem até a morte a vida de um porco contente, quando ele deveria ter
feito alguma coisa melhor. Para evitar essa objeção, deve ser dito que o bem futuro de um
homem em sua totalidade é o que ele deve agora desejar e procurar na sua totalidade se
todas as conseqüências de todas as linhas de conduta abertas para ele tivessem sido
acuradamente previstas e adequadamente realizadas na imaginação no momento presente.
Estas composições hipotéticas de forças impulsivas envolvem também, uma
concepção elaborada e complexa, sendo algo paradoxal dizer que isto é o que normalmente
significamos quando nós falamos do “bem em sua totalidade” de um homem. Ainda, não
posso negar que este objeto hipotético de um desejo resultante satisfaça uma interpretação
admissível e inteligível dos termos “bom” (substantivo) e “desejável”, como dados pela
precisão filosófica frente à vagueza de sentido com que eles são usados no discurso
ordinário: e deveria parecer que um calmo desejo compreensível por “bem” concebido
deste modo, apesar de mais vago, é normalmente produzido pela comparação intelectual e
pela experiência de uma mente reflexiva. A noção de “bem” que nos atem possui um
elemento ideal: é alguma coisa que nem sempre é realmente desejada e buscada pelos seres
humanos: mas, o elemento ideal é inteiramente interpretável em termos de fatos, real ou
hipotético, e não introduz nenhum julgamento de valor fundamente distintos dos
julgamentos relativos à existência; -- ainda menos qualquer “dito de razão”67.
Isto parece, entretanto, mais de acordo com o senso comum reconhecer – com
Butler faz – que o desejo calmo pelo meu “bem como totalidade” é autoritativo; e, por isso,
carrega consigo implicitamente um ordem racional para buscar esse fim, se em qualquer
caso um desejo conflitante urge a vontade na direção oposta. Ainda, poderíamos manter a
noção de “ordem” ou “imperativo” meramente implícita ou latente – como parecem ser
nos juízos ordinários como para “meu bem” e seu oposto – pela interpretação de “o fim
último como totalidade para mim” para significar o que eu devria desejar praticamente se

67Como dito antes, (cap.iii §4) tanto quanto meu “bem como totalidade” é adotado como um fim
para ação, a noção de “dever” – implicada numa ordem ou imperativo da razão – torna-se aplicável
para a obtenção necessária ou adequada da adoção de um fim.

105
meus desejos estivessem em harmonia com a a razão, assumindo que apenas minha
existência seja considerada. Nesta concepção, “o fim último como totalidade”, sem
qualificação por referência a qualquer sujeito em particular deve ser tomado para significar
o que enquanto um ser racional deveria desejar e buscar realizar, assumindo que eu mesmo
tenha uma igual preocupação por todos os existentes. Quando a conduta é julgada como
“boa” ou “desejável” em si mesmas, independentemente de suas conseqüências, isto é,
sustento o último ponto de vista a ser tomado. Tal julgamento difere, como tenho dito, do
julgamento de que uma conduta é “certa”, ao menos enquanto esta envolve uma prescrição
definida para realizá-la, desde que isto ainda deixa aberta a questão se este tipo particular de
bem é o maior bem que possamos obter sob estas condições. Isso difere ainda mais, como
agora poderíamos observar, que tanto quanto bom ou ações excelentes não estão
implicadas de estarem em nosso poder no mesmo sentido estrito como ações “certas” –
não mais que qualquer outro bem: e de fato existem muitas excelências de comportamento
que não podemos alcançar por qualquer esforço da vontade, ao menos diretamente e neste
momento: portanto freqüentemente sentimos que o reconhecimento da bondade na
conduta dos outros não carrega consigo uma clara prescrição desobstruída de fazer do
mesmo modo mas preferivelmente,
O desejo vago
que agita uma vontade imitativa.
Assim, quando este é o caso, a bondade da conduta transforma-se num fim último,
e sua realização se encontra fora e além da escala da volição imediata.

§4- Falta considerar por qual padrão o valor da conduta ou caráter68, deste modo
intuitivamente julgado ser bom em si mesmo, é coordenado e comparado com estas outras
coisas boas. Não devo agora tentar estabelecer tal padrão; mas um pouco de reflexão
poderia permitir-nos limitar consideravelmente a amplitude da comparação que este requer.
Penso que se considerarmos cuidadosamente tais resultados permanentes como são
comumente julgados bons, como outras qualidades dos seres humanos, poderíamos
encontrar nada que, pela reflexão, pareça possuir a qualidade da bondade fora da relação

68O caráter é apenas conhecido para nós através de suas manifestações na conduta e concebo que
em nosso reconhecimento comum da Virtude como tendo valor em si mesma, nós não
distinguimos ordinariamente caráter de conduta: nós não colocamos em questão se o caráter em
consideração ao valor da conduta no qual se manifesta ou a conduta em consideração ao caráter no
qual é exibida e desenvolvida. Como essa questão devera ser respondida será mais conveniente
considerá-la num estágio posterior da discussão. Ver Livro iii cap.ii §2, e cap.vxi §1.

106
com a existência humana ou, pelo menos, a algumas formas de consciência e sentimentos69
[to some consciousness or feeling].
Por exemplo, comumente julgamos alguns objetos inanimados, quadros, ect, como
sendo bons enquanto possuem beleza, e outros ruins [bad] devido a sua feiúra: ainda
ninguém consideraria racional objetivar a produção de beleza na natureza externa, aparte de
qualquer contemplação por parte dos seres humanos. De fato quando a beleza e mantida
como sendo objetiva, não é comum entender isso enquanto uma beleza que exista
absolutamente fora da relação com qualquer mente: mas apenas que existe algum padrão de
beleza valido para qualquer mente.
Poderia, entretanto, ser dito que a beleza e outros resultados comumente julgados
bons, apesar de não concebê-los existindo fora da relação com seres humanos (ou pelo
menos em mentes de algum tipo), são ainda tão separados enquanto fins dos seres
humanos dos quais sua existência depende, que sua realização poderia concebivelmente
entrar em competição com a perfeição ou com a felicidade destes seres. Assim, apesar da
beleza as coisas não podem ser pensadas como produtoras de valor exceto enquanto
possíveis objetos de contemplação, ainda que um homem devote a si mesmo a sua
produção sem qualquer consideração com as pessoas que estejam contemplando-as.
Similarmente o conhecimento é um bem que não pode existir exceto em mentes; e ainda
assim alguém poderia estar mais interessado no desenvolvimento do que na sua posse por
qualquer mente particular; e poderia tomar a anterior como um fim último sem
consideração pela última.
Ainda, tão logo as alternativas sejam claramente apreendidas, irá, penso, irá ser
geralmente sustentado que a beleza, conhecimento, e outros bens ideais, assim como, todas
as coisas materiais externas, são apenas razoavelmente procuradas pelos homens enquanto
conduzem ou (1) para felicidade (2) para perfeição ou excelência da existência humana.
Digo “humano”, embora a maioria dos utilitaristas considerem o prazer (e a liberdade da
dor ) dos animais inferiores sejam incluídos na felicidade que eles tomam como o correto e
próprio fim da conduta, por não parecer para ninguém que devamos visar o
aperfeiçoamento dos grupos, exceto nosso meios para nosso fins, ou pelo menos enquanto

69Sem dúvida existe um ponto de vista, algumas vezes adotados com grande seriedade no qual a
totalidade do universo e não meramente uma certa condição dos seres racionais ou sentientes é
contemplada como “muito boa”: assim como o Criador no Gênesis é descrito quando
contemplando-a. Mais tal visão pode ser dificilmente desenvolvida enquanto método da Ética. Para
propósitos práticos, requeremos que a concepção de algumas partes do universo seja pior do que
poderia ser [?]. E não parece que tenhamos qualquer base para traçar tal distinção entre diferentes
porções de universo não-sentientes, considerados por si mesmos e fora de relação com seres
conceitos e sentientes.

107
objetos de contemplação científica ou estética para nós. Nem, novamente, podemos incluir
como um fim prático, a existência de seres superiores ao homem. Certamente, aplicamos a
idéias de Bom a Existência Divina, assim como fazemos com o Seu, e mesmo de um modo
preeminente: e quando é dito que “nós deveríamos fazer tudo para a graça de Deus”, isto
poderia parecer implicar que a existência de Deus é melhorada devido a nossa glorificação
Dele. Ainda esta inferência quando explicitamente extraída parece algo ímpio; os teólogos
geralmente recuam desta posição e abstêm-se de usar a noção de uma possível adição à
Bondade da Existência Divina como um sustentáculo do dever humano. Nem pode a
influência de nossas ações sobre outras inteligências extra-humanas além da Divina ser feita
no presente assunto de discussão científica.
Devo, por isso, confiantemente sustentar, que se existe qualquer outro Bem além
da felicidade a ser buscado pelo homem, como um fim último da ação prática, este pode
ser apenas a bondade, a perfeição, ou a excelência da existência humana. Quão longe esta
noção inclua mais que a Virtude, qual é a sua relação precisa com o prazer, e qual método
deva ser logicamente conduzido se nós aceitarmos isso como fundamental são questões
que discutiremos mais convenientemente após o detalhado exame destas duas outras
noções, Prazer e Virtude, com as quais nos engajaremos nos dois livros seguintes.

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Livro II
Hedonismo Egoísta

109
Livro II
Capítulo I – O princípio e o método do egoísmo

1- O princípio do Hedonismo Egoísta é a amplamente aceita


proposição de que o fim racional da conduta para cada indivíduo é a máxima de
sua própria Felicidade ou Prazer.
2- Existem alguns métodos de busca deste fim: mas tomaremos como
primário aquele que procede por comparação Empírico-reflexiva dos prazeres.

Capítulo I – O princípio e o método do egoísmo

§1- O objetivo do presente Livro é examinar o método de determinação da conduta


razoável que já tem sido definido nos seus contornos pelo nome de Egoísmo: tomando
este termo como equivalente do Hedonismo Egoísta, e como implicando na adoção de sua
própria maior felicidade como um fim último de cada ação individual.

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