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"A Natureza não existe"

Dizer isso pode soar um pouco estranho vindo de um pagão, mas tenha paciência e se
aconchegue junto ao fogo do nosso lar, tome uma porção de comida e receba nossa mais
sincera hospitalidade enquanto lhe conto melhor sobre isso.
Não quero aqui falar sobre “o homem” como uma entidade abstrata, mas, durante muito
tempo, vários grupos humanos ancestrais que tive o prazer de conhecer suas histórias,
viveram sem sequer uma palavra para “Natureza”.
Isso à primeira vista pode parecer absurdo e contraditório, porque temos a ideia
razoavelmente acurada de que eles eram povos que viviam do que chamamos de
Natureza e para o que chamamos de Natureza, e seria bastante estranho se eles sequer a
percebessem como uma entidade separada.
Essa divisão entre Homem versus Natureza é produzida na cultura ocidental como uma
consequência do modo de pensar romano, ainda no grego physis (Φύσις) é usado para se
referir à totalidade integrada das coisas existentes, incluindo-se aí o humano, que seria
apenas a parte dotada de pensamento ou racionalidade (λόγος). Mas é ainda entre os
gregos que a physis, sua forma de entender a Natureza, passa a se opor ao nomos
(νόμος), a lei ou costume, isto é, à “civilização”.
Mas o que essa discussão nos interessa enquanto heathens germânicos, sejamos anglo-
saxões ou nórdicos? O fato de que ao expandir sua “civilização” e cultura, tanto pela
espada como pela Bíblia, os romanos fizeram com que adquiríssemos essa noção de
separação do meio natural.
O idioma anglo-saxão carece de uma palavra nativa para “Natureza”, bem como o nórdico
antigo o importa do latim. Esse fenômeno não é restrito aos germânicos, os povos
indígenas do Brasil que conheço, por exemplo, não possuem uma palavra para “Natureza”.
Isso porque a “Natureza” como algo abstrato e separado do humano, contra o qual
estamos constantemente lutando, não era exatamente vista como querem Hobbes, Locke,
Marx e outros pensadores que tendem a colocar essa separação ocidental como um fato
essencial no processo “evolutivo” dos seres humanos.
Nas culturas nativas, e os paganismos são um tipo de cultura nativa, a Natureza não está
separada de nós, mas os diversos entes animais, minerais, vegetais, fungos, etc. que a
compõem são vistas em estreita relação com os humanos. Os humanos não se veem
como esferas individuais mas como rizomas, raízes profundas, o tempo todo
interrelacionando-se com o outro e definindo-se a partir dessa relação.
Nesse sentido, o que nós chamamos de “Natureza” — aquilo que não é humano, que
exploramos em vez de interagir —, em oposição à “Sociedade” — aqueles com quem
interagimos socialmente — não exatamente existe. A “Natureza” é parte da sociedade;
ancestrais podem habitar em árvores e montes, um carvalho poderia ser testemunha de
juramentos e casamentos, o Mar era visto com temor, os trovões as batidas da marreta do
campeão dos deuses.
Deuses esses que em si faziam parte do mundo, pertencendo a ele imanentemente, ou
seja, não eram espíritos transcendentais e afastados do que aqui acontece. A Natureza é
cheia de personalidades, e então não é apenas um véu que mistifica e oculta, mas o
próprio revelar-se daquilo que é sagrado, isto é, daquilo que é vivo e proporciona vida.
E assim, a “Natureza” era uma ideia dispensável, porque, de fato, a relação dos povos
pagãos com a Natureza era tão profunda que eles não conseguiam se enxergar como algo
separado dela, um ente assustador contra o qual lutavam absurdamente.
Penso eu que essa seja uma linda lição que os antigos povos pagãos têm a nos ensinar,
principalmente numa época em que aqueles que seguem cegamente o deus pregado
decidiram destruir completamente o que chamam de Natureza, que para nós pagãos, é a
parte mais sagrada de nosso “self”, e não uma mera fonte de recursos a ser destruída sem
reflexão.
#Seaxdēor

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