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Sânscrito

- língua indo-europeia -

Herbert A. Welker
Observações preliminares
1) Existem muitas teorias e controvérsias sobre os assuntos que
vou abordar.

Eu vou mostrar os dados mais amplamente aceitos.


2) Esta palestra é o resultado de pesquisa nas seguintes fontes:
Fontes
Leidecker, Kurt F. (1976). Sanskrit. Essentials of Grammar and
Language. 2. ed. Madras: The Adyar Library and Research
Centre. [1ª ed.: 1934]

Leroy, Maurice (s.d.). Os grandes correntes da lingüística


moderna. 5. ed. São Paulo: Cultrix, pp. 31ss. [Original francês:
1963].
Fontes

Magalhães, Annabella (2010). Linguagem Sânscrita – Introdução.


Rio de Janeiro: Oficina de Livros.

Mattoso Câmara Jr., Joaquim (1979). História da Lingüística.


Petrópolis: Vozes. (Traduzido do original inglês, escrito em inglês
em 1975).
Fontes

Meillet, A. (1937). Introduction à l´étude comparative des


langues indo-européennes. 8. ed. Paris: Hachette. (1. ed.: 1903)

Rodríguez Adrados, Francisco (1953). Védico y Sánscrito Clásico.


Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas.

Schlegel, Frédéric (1837). Essai sur la langue et la philosophie des


indiens. Paris: Parent-Desbarres. (Tradução do original alemão de
Friedrich Schlegel Ueber die Sprache und Weisheit der Indier, de
1808)
Fontes

Valera, Lúcio [Loka Saksi Dasa] (s.d.). Introdução ao Sânscrito.


[s.l.]: Fundação Bhaktivedanta.

Varenne, Jean (1979). Grammaire du sanskrit. 2. ed. Paris:


Presses Universitaires de France. [1ª ed.: 1971]

Villar, Francisco (1991). Los indoeuropeos y los orígenes de


Europa. Madrid: Gredos.
Fontes

Wackernagel, Jakob (1957). Altindische Grammatik. Vol. 1.


(Acréscimos de Albert Debrunner. Introdução, de 42 páginas, e
82 páginas de notas em francês de Louis Renou.) Göttingen:
Vandenhoeck & Ruprecht. [1.ed.: 1896]

Witzel, Michael (2001). Autochthonous Aryans? The Evidence


from Old Indian and Iranian Texts. Electronic Journal of Vedic
Studies 7(3). 115 páginas. http://azargoshnasp.net/history/Aryan/EJVS-
7-3.pdf
Fontes

Diversos textos de H. P. Blavatzky, p.ex.:


Anônimo [“Um Chela”]. (1883) Was Writing Known Before Panini? The
Theosophist, Vol. V, No. 1(49): 18-21. [Republicado em Collected Writings,
Vol. V, p. 294-310 ]

Blavatzky, Helena P. (18 ). Answers to some questions. In: ______.


Collected Writings. Vol. XIII, p. 313-320.

Muitos sites, sobretudo da Wikipedia (versões alemã,


inglesa e portuguesa)

Filme-documentário da BBC sobre a Índia.


Sumário

1. Quantidade de línguas

2. As línguas europeias

3. O sânscrito
3.1 Línguas faladas na Índia
3.2 O sânscrito hoje
3.3 O sânscrito na Antiguidade
3.4 A questão da escrita
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias


1. Quantidade de línguas

Existem 191 países.

São faladas no mundo cerca de 6.900 línguas


(cf. http://www.ethnologue.com/web.asp).

Por que existe essa diferença?

Há países com várias línguas oficiais (p.ex., 4 na Suíça), mas o


grande número de línguas deve-se a línguas indígenas, línguas
tribais, muitas vezes com poucos falantes.
1. Quantidade de línguas

No Brasil

antes da chegada dos portugueses: cerca de 1000;

hoje: cerca de 180


(cf.: http://www.unimep.br/phpg/editora/revistaspdf/imp27art11.pdf).
1. Quantidade de línguas

Países com maior número de línguas:

Papua Nova Guiné: cerca de 850

Indonésia: cerca de 740


2. As línguas europeias

3 grandes famílias linguísticas

1) Línguas românicas

2) Línguas germânicas

3) Línguas eslavas
2. As línguas europeias

1) Línguas românicas ou neo-latinas ou latinas:

espanhol, francês, italiano, português, romeno

mas também:

catalão (Espanha), romanche (Suiça), provençal (França),


sardo (Sardenha), e outras.
2. As línguas europeias

2) Línguas germânicas:

alemão, inglês, neerlandês (holandês), línguas


escandinavas (norueguês, sueco, dinamarquês, islandês,
feroês)

(Originaram-se em línguas germânicas extintas, faladas


por tribos germânicas, como os godos, os vândalos, os
burgúndios.)
2. As línguas europeias

3) Línguas eslavas:

bósnio, búlgaro, croata, eslovênio, eslovaco,


polonês, russo, tcheco, ucraniano (e duas ou três outras,
menores)
2. As línguas europeias

Não pertencem a essas três famílias:

 O grego
 O albanês
 O basco
 As línguas celtas (p.ex. galês no Reino Unido)
 As línguas fino-úgricas: finlandês, húngaro, estoniano (e
outras, faladas principalmente na Rússia)
3. O sânscrito

O que o sânscrito tem a ver com as línguas europeias?

Isso será visto na capítulo 4.

Primeiro, vou falar sobre o próprio sânscrito


(e outras línguas indianas).
3. O sânscrito

3.1 Línguas faladas na Índia


3. O sânscrito

Segundo o primeiro estudo sobre o assunto


(The Linguistic Survey of India, 1903-1927),

havia 179 línguas e 544 dialetos.

(Wikipedia alemã: http://de.wikipedia.org/wiki/Sprachen_Indiens)

(Cf. também a revista Ethnologue – Languages of the World:


http://www.ethnologue.com/show_country.asp?name=IN)
3. O sânscrito

Segundo o censo oficial de 2001:

122 línguas.

(http://censusindia.gov.in/Census_Data_2001/Census_Data_Online/Language
/Statement5.htm)

Por critérios linguísticos, haveria ainda mais línguas, mas por


razões políticas, algumas dessas são consideradas dialetos do
hindi (que o governo quer fortalecer).
3. O sânscrito

22 línguas oficiais estaduais/regionais (ou “scheduled”).

Candidatos a cargos no serviço público federal podem


optar por serem examinados em qualquer uma delas
(além do inglês).
3. O sânscrito

O hindi e o inglês são as duas línguas oficiais da administração


federal.

Em 1965, pretendia-se tirar esse status do inglês, mas houve


protestos, sobretudo em Tamil Nadu – onde não se fala hindi –
de modo que o inglês continua língua oficial.

O hindi é falado por cerca de 41% da população indiana.


3. O sânscrito

Nas cédulas indianas, o texto é apresentado em várias línguas


oficiais. Vejam um exemplo:

(Na frente, o texto é em hindi e em inglês, no verso, em outras


línguas indianas.)

(O slide do verso da cédula foi copiado de


http://www.bernhardpeter.de/Indien/Sonstige/seite415.htm)
3. O sânscrito
3. O sânscrito
3. O sânscrito

3.2 O sânscrito hoje

Apesar de ser uma das línguas mais antigas do mundo, é uma


das 22 línguas oficiais !!

Segundo o censo de 2001, cerca de 15.000 indianos a têm como


língua materna (principalmente na aldeia de Mattur no estado
de Karnataka, onde as pessoas de todas as castas aprendem o
sânscrito a partir da infância e conversam usando a língua).
3. O sânscrito

Em 1961, 190.000 tinham o sânscrito como segunda língua.

Segundo o censo de 1991: cerca de 50.000 pessoas fluentes em


sânscrito.
3. O sânscrito

Revitalização do sânscrito

Citação de http://yogaforum.org/p/index.php/18/11/2008/ong-indiana-
difunde-sanscrito-falado/ :
3. O sânscrito

“Desde 1995 a língua sânscrita falada recebeu um poderoso


impulso e começou uma trajetória de crescimento jamais vista
anteriormente na Índia. Esse fenômeno foi devido à criação
naquele ano, em Nova Delhi, de uma ONG (organização não-
governamental) chamada Samskrita Bharati dedicada à tarefa de
difundir o uso do Sânscrito falado entre membros de todas as
camadas sociais da Índia.
3. O sânscrito

Desde então a ONG promoveu dezenas de milhares de encontros


de conversação em Sânscrito. O professor Shastry [criador da
ONG] acompanhou pessoalmente mais de 25 mil desses
encontros. Quase três milhões de pessoas já participaram desses
cursos rápidos de Sânscrito, e cerca de cem mil adotaram o
Sânscrito como língua diária em sua residência.”
3. O sânscrito

Segundo http://yogaforum.org/p/index.php/10/06/2008/radio-da-india-da-
noticias-em-sanscrito/:

“A All India Radio (AIR) veicula diariamente dois noticiários, de


cinco minutos cada, com as notícias mais importantes do dia
faladas em Sânscrito. Esses noticiários são também distribuídos
na Internet em tempo real ou em arquivos de áudio mp3.”
3. O sânscrito

No Brasil:

Na USP, existe o bacharelado em sânscrito desde 1968


(cf.: http://yogaforum.org/p/index.php/10/06/2008/breve-historico-do-curso-
de-sanscrito-na-usp e
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
40141994000300053).

Há várias outras instituições e professores que ensinam essa


língua
(cf. http://yogaforum.org/p/index.php/category/prof_inst/teachers/).
3. O sânscrito

Em 2010, foi publicado o livro Linguagem Sânscrita – Introdução,


de Annabella Magalhães (Rio de Janeiro: Oficina de Livros).

Em abril 2011, começou em Florianópolis o curso “Cultura da


Índia e Sânscrito”, ministrado pelo especialista Carlos Eduardo
Barbosa
(cf. http://yogaforum.org/p/index.php/25/01/2011/cultura-da-india-e-sanscrito-em-
florianopolis/).
3. O sânscrito

Também existe o livro Introdução ao Sânscrito mencionado na


bibliografia (“fontes”).
3. O sânscrito

3.3 O sânscrito na Antiguidade

O sânscrito é geralmente dividido em:

sânscrito védico – ou simplesmente védico – e

sânscrito clássico.
3. O sânscrito

Uma gramática das duas variantes é apresentada neste livro,


disponível na biblioteca da UnB:

Védico y sánscrito clásico (Francisco Rodríguez Adrados)


3. O sânscrito

Vários autores compararam essa divisão à diferença entre o


grego de Homero (que escreveu a Ilíada e a Odisseia por volta
de 800 a.C.) e o grego clássico, usado pelos grandes filósofos e
escritores da Antiga Grécia.

Mas o sânscrito védico é bem mais antigo do que a Ilíada e a


Odisseia.
3. O sânscrito

O védico – língua mais arcaica do que o sânscrito clássico e mais


complexa – é chamado assim porque é a língua dos Vedas (Rig
Veda etc.), “uma massa enorme de documentos litúrgicos, de
hinos, de fórmulas, de prescrições rituais acompanhadas de
comentários teológicos e de diversas especulações” (Varenne
1979: 8).
3. O sânscrito

O sânscrito – védico e clássico – é uma língua indo-ariana.

O que quer dizer isso?

Havia, por volta de 2500 a.C.,

na região do Mar de Aral, ao norte do atual Irã e Afeganistão,


noroeste do atual Uzbequistão,

um povo que se auto-denominava “árias” (āryā).


3. O sânscrito

O Mar de Aral fica a leste do Mar Cáspio, que, por sua vez, fica a
leste do Mar Negro, que está no alto à esquerda no mapa
seguinte, copiado de Britânica Atlas.
3. O sânscrito
3. O sânscrito

Em português, usa-se geralmente o termo arianos, mas também


existe árias (cf. Aurélio, Houaiss).

āryā significa “nobre”; outra tradução é “civilizado”.

A língua desse povo foi chamada de “indo-iraniano”.


3. O sânscrito

Entre 2500 e 2000 a.C.,


esse povo se dividiu em dois grandes ramos.

Um foi para o atual Irã, o outro para o noroeste da atual Índia


(Caxemira e Punjab) e norte do atual Paquistão.
3. O sânscrito
3. O sânscrito

A própria designação “Irã” vem de “āryā”.

Tanto na literatura religiosa da antiga Pérsia – no Avesta –


quanto nos Vedas aparece a designação “āryā”,

ou seja,

os dois ramos – então já dois povos distintos –


se autodenominavam “árias”.
3. O sânscrito

É claro que a língua desses dois povos evoluiu e se diferenciou,


formando duas línguas separadas,

mas existem muitas semelhanças

(até mesmo na religião e na literatura dos dois povos).


3. O sânscrito

Não vou falar do ramo iraniano,


e sim do ramo indiano,
cuja língua é chamada de “indo-ariano” e

virou a ser o védico (sânscrito védico).

Os Vedas foram criados, compostos, elaborados durante muitos


séculos, mais ou menos a partir de 1500 a.C., sendo o mais
antigo o Rig Veda. (Os outros são o Yajur-Veda, o Sama-Veda e o
Atharva-Veda.)
3. O sânscrito

Chegou-se a essa datação mediante a análise dos fatos narrados


no Rig Veda:

por exemplo, ele menciona objetos de cobre e de bronze, mas


não de ferro; ou seja, ele é anterior à Idade do Ferro (que
começou por volta de 1200 a.C.).
3. O sânscrito

Mas, devido a outros dados, também não pode ser muito


anterior a 2000 a.C. (cf. Witzel).

Por outro lado, certos autores hindus ou ocultistas afirmam que


os vedas são bem mais antigos, datando de 4500 a.C.
3. O sânscrito

Porém, segundo Witzel (2000: 6):


“aparentemente o período dos quatro Vedas se estendeu de
cerca de 1500 a.C. a 500 a.C.”

Segundo Villar (1991: 408),


os arianos entraram no vale do Indo entre 1.400 e 1000 a.C., e os
Vedas “refletem o ambiente da conquista no Punjab”.
3. O sânscrito

Rio Indo – do latim “Indus”, que vem do sânscrito “Sindhu” (que


significa “rio” e também designava aquele rio).

De “Indus” deriva a designação “Índia”.

De “Sindhu” deriva a designação “Hindustan”.


3. O sânscrito

Há uma teoria que sustenta que não houve imigração (ou


invasão), e sim que os arianos eram originários do norte da Índia
(teoria dos “arianos autóctones”).

Mas ela é refutada por Witzel (2001), que a discute


detalhadamente em 115 páginas.
3. O sânscrito

Os vedas foram transmitidos sobretudo oralmente.

Pois tratava-se de textos sagrados.

A oralidade era imprescindível porque precisava-se preservar a


pronúncia e entonação corretas, que poderiam ser perdidas na
escrita.

A era védica se estendeu por cerca de mil anos


(1500 a.C. a 500 a.C.).
3. O sânscrito

O védico era extremamente rico, complexo, sobretudo no seu


sistema verbal, uma complexidade “que não encontra paralelo
em nenhuma língua indo-europeia” (Rodríguez Adrados, 1953:
9).

Obviamente, como todas as línguas vivas, o sânscrito védico se


modificou, e, como outras também, se simplificou.
3. O sânscrito

Ao mesmo tempo, os árias (ou arianos) foram dominando cada


vez mais regiões, ocupando quase a Índia inteira – mas não o sul,
onde as populações que falavam línguas dravídicas
permaneceram.
3. O sânscrito

As línguas dravídicas,
faladas hoje por cerca de 200 milhões de pessoas,
principalmente no sul da Índia
– entre outras, línguas tamil, telugu, kannada e malayalam –
não são línguas indo-arianas.
3. O sânscrito

O próximo slide mostra – na cor laranja-vermelho, pontilhada –


as áreas em que se falam línguas dravídicas.
3. O sânscrito
3. O sânscrito

Voltando ao sânscrito:

Por volta de 1000 a.C. (mas talvez já antes), apenas os letrados


usavam o védico, ao passo que o resto da população falava
diversos dialetos – surgidos a partir do védico – os quais foram
chamados de prácritos.

O sânscrito védico era a língua literária, a língua dos textos


sagrados, científicos e literários, a língua dos brâhmanes.
3. O sânscrito

Para se diferenciar do brahmanismo, os budistas e jainistas


usavam o prâcrito.

Os sermões do Buda Gautama foram proferidos em pali, uma


forma de prâcrito.
3. O sânscrito

Mais tarde, devido ao grande prestígio do sânscrito,


muitos textos budistas foram escritos em sânscrito.

Por outro lado, as línguas indianas atuais – hindi etc. (não as


dravídicas) – originam-se nos prácritos, da mesmo forma que as
línguas românicas derivam do latim “vulgar” (ou popular), não
do latim clássico.
3. O sânscrito

Por volta de 600 ou 500 a.C. o védico alcançou um estágio que é


considerado o sânscrito clássico.

A palavra sânscrito vem de saṃskṛta, termo que significa


“refinado, perfeito”.

Como já mencionado, o sânscrito clássico é menos complexo que


o védico. Por exemplo, no védico havia 12 possibilidades de
formar o infinitivo, no sânscrito clássico apenas uma
(cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Sanskrit).
3. O sânscrito

O sânscrito clássico é a língua usada nas grandes epopeias,


o Mahabharata e o Ramayana (mas eles contêm também
elementos dos prácritos).
3. O sânscrito

O sânscrito foi descrito, já na Antiquidade, por alguns autores.

O maior é o famoso Pānini (que citou 68 predecessores).


Segundo a tradição, ele viveu aproximadamente de 520 a 460
a.C.

Pānini não quis descrever como a língua era usada, e sim dizer
como ela (isto é, o sânscrito clássico) deveria ser usada.
Ou seja, sua gramática não era descritiva e sim prescritiva.
3. O sânscrito

Essa gramática,
intitulada Ashtādhyāyī (“Gramática em oito capítulos”),
era “constituída por 8.000 sutras ou aforismos, cuja consistência
e encadeamento lógico apresentam notável rigor”.
(www.pt.wikipedia.org/wiki/Pānini)

Nela estão descritas as quase 4000 regras da morfologia do


sânscrito clássico.
3. O sânscrito

Essa gramática continua até hoje a mais volumosa gramática de


todas as línguas, o que, por um lado, é mérito do autor, mas
também explicável pelo fato de que o sânscrito clássico é uma
língua muito complexa (embora menos complexa do que o
védico).
3. O sânscrito

Apenas para dar uma ideia da complexidade, ou riqueza, do


sânscrito, quero destacar dois fatos:
3. O sânscrito

No português, há 31 fonemas, isto é, sons distintivos.

O sânscrito possui 46 fonemas.

No livro Introdução ao Sânscrito consta, na primeira lição, que esse


idioma é, “de certa forma, mais fácil de ser aprendido e memorizado
do que, por exemplo, o português [...] [porque, entre outras coisas]
cada letra da escrita corresponde a um único som”.
Mas esse fato – verdadeiro – não diminui a complexidade dessa língua
nem a dificuldade de aprendê-la.
3. O sânscrito

Sobre casos gramaticais


(que são formas que as palavras declináveis – substantivos,
artigos, pronomes, adjetivos – tomam em diversas funções):

No alemão existem 4 casos:

nominativo, genitivo, dativo, acusativo;


exemplo: formas do artigo definido masculino:
der, des, den, dem.
3. O sânscrito

No latim, há 6 (além dos quatro do alemão, há o ablativo e o


vocativo).

No russo há 7.
3. O sânscrito

No sânscrito, há 8!!!!

Além disso, há
(como no alemão e no latim)
três gêneros (masculino, feminino e neutro).
3. O sânscrito

E há três números gramaticais (singular, dual e plural).

(O dual é uma forma que se usa quando se quer falar de dois


objetos ou seres. Em português – como em espanhol, inglês e
alemão – há um resquício de dual na palavra ambos (ambos,
both, beide).
3. O sânscrito

Os oito casos são:

Nominativo
Acusativo
Instrumental
Dativo
Ablativo
Genitivo
Locativo
Vocativo
3. O sânscrito

Vejam, no slide seguinte, a declinação da palavra agni (fogo).

Constata-se que algumas formas são repetidas.

Mesmo assim, há 17 formas diferentes da mesma palavra.

De qualquer maneira, para escrever corretamente ou mesmo


entender o sânscrito, é preciso saber todas as 24 formas.
3. O sânscrito

Singular Dual Plural


N agnis agnī agnayas
Ac agnim agnī agnīn
I agninā agnibhyām agnibhis
D agnaye agnibhyām agnibhyas
Ab agnes agnibhyām agnibhyas
G agnes agnyos agnīnām
L agnau agnyos agniṣu
V agne agnī agnayas
3. O sânscrito

3.4 A questão da escrita

Muitas das cerca de 6900 línguas do mundo são ágrafas,


isto é, não têm escrita, são apenas faladas.
3. O sânscrito

A escrita surgiu há cerca de 5000 anos na Mesopotâmia (entre os


sumérios: escrita cuneiforme) e no Egito (hieróglifos).

Nos dois casos, a escrita tinha inicialmente a forma de


pictogramas (imagens representam objetos, p.ex. uma cabeça de
cavalo representa a ideia de “cavalo”) e de ideogramas (imagens
são usadas de forma associativa; p.ex., um pé significa “andar”).
3. O sânscrito

Essas e outras escritas muito antigas são documentadas, isto é,


existem exemplos delas (por exemplo, nas tabuinhas de argilo
dos sumérios e em paredes de tumbas egípcias).
3. O sânscrito

Mas, no que diz respeito à Índia, os textos mais antigos


preservados datam apenas da época do rei Ashoka/Aśoka (cerca
de 300 a.C.), e estavam escritos em prácrito. São éditos inscritos
em rochas.

O mapa seguinte
(copiado de http://library.kiwix.org:4201/I/180px_EdictsOfAshoka.jpg)
mostra a localização.
3. O sânscrito
3. O sânscrito

Surge a questão de saber se os textos sânscritos eram apenas


transmitidos oralmente ou se eles também eram transcritos,
sem que se tenha nenhuma prova documental.

Vários orientalistas, p.ex. Max Müller, afirmaram que os textos


sânscritos eram transcritos mais ou menos a partir da época de
Panini, mas não antes.
3. O sânscrito

Porém, no volume XIII de seus Collected Writings, num texto


intitulado “Answers to some questions” (p. 313ss.), escrito entre
1890 e 1891 (e publicado postumamente), Helena Petrovna
Blavatzky contesta isso.

Mostrando várias inconsistências nas alegações de Müller, ela


afirma (entre outras coisas):
3. O sânscrito

“[...] durante eras, os Vedas, como toda nossa literatura sagrada,


eram considerados sagrados demais para serem transcritos e [...]
o ato [de escrever] era, numa certa época, punido com a morte.
[...]
[...] os brâhmanes [...] eram os primeiros a reduzir a literatura
sagrada à escrita [...].
[...] a casta dos Kayastha [i.e. dos escribas] era pequena, e surgiu
apenas poucos séculos antes dos budistas. Mas isso não é uma
razão para não ter havido escrita antes daquela época.” (Grifos
meus)
3. O sânscrito

Percebe-se que Blavatzky não indica nenhuma data ou época


exata,

mas afirma que havia escribas antes do começo do budismo


(antes de 500 a.C.)

e que os textos védicos podem ter sido transcritos bem antes


disso.
3. O sânscrito

Mas que tipo de escrita era usada?

O primeiro parece ter sido a escrita Brahmi,


embora os textos mais antigos preservados (ou encontrados)
datem apenas do século 3 a.C. (aqueles éditos de Aśoka já
mencionados).
(Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Escrita_Br%C4%81hm%C4%AB)
3. O sânscrito

Do Brahmi derivaram muitos outros tipos de escrita usados na


Índia.

O mais importante é a escrita devanāgarī (tradução: [escrita] da


cidade dos deuses).

A mais antiga inscrição em devanāgarī data do século 7 d.C.


(cf. http://de.wikipedia.org/wiki/Devanagari)

Ainda hoje o hindi e outras línguas indianas são escritas em


devanāgarī.
3. O sânscrito

Exemplo de devanāgarī em texto atual:

primeira página da Wikipedia em hindi.


3. O sânscrito
3. O sânscrito

Na Índia atual, há, às vezes, inscrições em hindi – em devanāgarī


– e sua tradução em inglês. Já vimos o exemplo das cédulas.
Vejam de novo:
3. O sânscrito
3. O sânscrito

Desde o final do século 18, o sânscrito tem também sido


transcrito no alfabeto latino.

Visto que existem mais fonemas no sânscrito do que letras nesse


alfabeto, precisa-se acrescentar sinais diacríticos (pontos, linhas,
acentos, til).
3. O sânscrito

O sistema de transcrição mais comumente usado é o


International Alphabet of Sanskrit Transliteration (IAST), que
tem sido o sistema padrão para trabalhos acadêmicos desde
1912
(cf. http://www.omniglot.com/writing/sanskrit.htm).

Vejam um texto escrito em devanāgarī (trata-se de uma


tradução feita por um europeu do primeiro artigo da Declaração
Universal dos Direitos Humanos – não sei se a tradução é
correta) e sua transliteração:
3. O sânscrito

Vejamos um outro texto transliterado (copiado de Rodríguez


Arado, 1953: 147s.). Trata-se dos versículos 26 a 28 do primeiro
capítulo do Bhagavad Gita.
3. O sânscrito
3. O sânscrito

E aqui a tradução em português (feita por Ricardo Lindemann a


partir da tradução para o inglês feita por Annie Besant), no livro
publicado pela Editora Teosófica:

(26) Então Partha viu que ali estavam, também em ambos os


exércitos, tios, avós, mestres, tios maternos, primos, filhos
enetos, camaradas, sogros e benfeitores;

(27) Kanteya, ao ver, todos estes parentes assim em formação


militar,
3. O sânscrito

(28) Profundamente compadecido, assim falou com tristeza:


Arjuna disse: Ao ver em formação militar estes meus parentes,
ansiosos para lutar, Oh Krishna,

(29) Meus membros fraquejam, minha boca está seca, meu


corpo estremece e meu cabelo se eriça,
3. O sânscrito

Vejam também o mantra Gāyatrī em devanāgarī


(copiado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Gayatri):

ॐ भभ ू ुव
 व:
तत ् स वतुवर े यं
भग दे वय धीमह
धयो यो नः चोदयात ्
3. O sânscrito

E aqui copiado de
http://www.anjodeluz.com.br/gayatri_mantra1.htm
(só para conferir):

ॐ भभ ू व
ु व:
तत ् स वतूवर े यम ्
भग दे वय धीमह
धयो यो न: चोदयात ्
3. O sânscrito

E transliterado em IAST
(copiado de http://pt.wikipedia.org/wiki/Gayatri, mas existem outras
versões):

Om bhūr bhuva svar [ou: bhuvaha svaha]


tat savitur varenyam
bhargo devasya dhīmahi
dhiyo yo nah prachodayāt
3. O sânscrito

Na página do Yogaforum (brasileiro) tem a seguinte notícia sobre


a aprendizagem do devanāgarī:

“A pouca familiaridade com o alfabeto utilizado para grafar as


palavras sânscritas sempre foi o grande obstáculo ao
aprendizado da língua pelos ocidentais.
Um método lúdico que serve tanto para adultos quanto para
crianças está sendo aplicado para o aprendizado das letrinhas
usadas para escrever os textos sânscritos. Desenvolvido por
Joseph Le Page – um californiano apaixonado por yoga, que tem
especialização na área de Pedagogia – para facilitar a
memorização dos traços do alfabeto Devanagari e auxiliar no
aprendizado da língua sânscrita, o novo método utiliza cores
para identificar cada uma das letras e sinais.”
3. O sânscrito
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito
na Europa

Os gregos tiveram contato com outros povos, inclusive o indiano


(Alexandre o Grande), mas, considerando-os bárbaros
[“balbuciadores”], não deram atenção a seus idiomas.

1498: chegada dos portugueses (Vasco da Gama) na Índia;


depois: entrada de outros europeus
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1583: o padre Thomas Stephens, em Goa (Índia), notou


semelhanças entre alguns idiomas indianos, o grego e o latim
(carta publicada somente no séc. 20).

1585: o comerciante Filipo Sassetti, em Goa (Índia), percebeu


semelhanças entre o sânscrito e o italiano (ex.: devah / dio;
sapta / sette; nava / nove). Suas observações foram publicadas
somente em 1855.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1647: o linguista holandês van Boxhorn notou semelhanças entre


várias línguas europeias e o persa, mas não inclui o sânscrito;
suas ideias não foram difundidas.

1686: o alemão Andreas Jäger publicou um livro em latim sobre


“a mais antiga língua da Europa” (De Lingua Vetustissima
Europae), no qual defende a ideia de que havia uma língua
europeia comum, a partir da qual se desenvolveram o grego, o
latim, as línguas eslavas e germânicas, o celto e o persa; esse
livro não ficou conhecido e não teve nenhum impacto. (cf. Villar,
1991, p. 16)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1767: em Pondicherry (Índia), o jesuita francês Coeurdoux


percebeu “curiosas analogias existentes entre a língua sânscrita,
o latim e o grego”, mas seu artigo foi publicado somente 40 anos
mais tarde.

1786: na Sociedade Asiática de Calcutá, o juiz e orientalista


inglês William Jones (fundador dessa entidade) fez um discurso
sobre o sânscrito no qual disse:
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

“A linguagem sânscrita, seja qual for sua idade, é de uma linda


estrutura; mais perfeita que o grego, mais copiosa que o latim, e
mais precisamente refinada que os dois, ainda compartilha com
ambos uma forte afinidade, tanto nas raízes dos verbos quanto
nas formas de gramática, mesmo que possivelmente tenha sido
criada por acidente; [a afinidade] é, na verdade, tão forte que
nenhum filólogo poderia examinar as três sem acreditar que
tenham nascido de uma fonte comum, que, talvez, nem exista
mais.”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Jones_%28fil%C3%B3logo%29)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

William Jones imaginou também que as três línguas poderiam


estar relacionadas com o gótico, as línguas celtas e o persa.

Seu discurso é frequentemente citado como o marco inicial da


linguística comparada e dos estudos sobre o indo-europeu.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1790: o missionário frei carmelita Paulino de San Bartolomé


publicou a primeira gramática do sânscrito em uma língua
europeia (obra de pouca qualidade).

1795: fundação da Escola Nacional das Línguas Orientais Vivas


em Paris, na qual começaram a ser ensinadas línguas e
literaturas orientais, principalmente do Irã e da Índia.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1798: frei Paulino de San Bartolomé publicou em latim um


trabalho no qual discorre sobre as afinidades entre as línguas
zend [antigo persa, ou avéstico], sânscrita e germânica.

1805: o inglês H. Th. Colebrook publicou em inglês a primeira


gramática de qualidade (em língua europeia) do sânscrito (A
Grammar of the Sanskrit Language); ela foi usada por todos os
estudantes europeus de sânscrito da época.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1808: o erudito alemão Friedrich Schlegel, que tinha estudado


na Escola Nacional das Línguas Orientais Vivas em Paris, publicou
seu livro “Sobre a língua e sabedoria dos indianos” (Ueber die
Sprache und Weisheit der Indier).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Ele afirmou haver afinidade entre o sânscrito e as línguas mais


conhecidas da Europa, como o grego, o latim, o alemão, e o
persa. Considerava o sânscrito a mais antiga delas. Mostrou
exemplos de palavras parecidas, que deviam ter a mesma
origem.

Schlegel usou pela primeira vez o termo “gramática comparada”,


advogando uma comparação sistemática de todas essas línguas.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Mas o maior propósito do autor era difundir a filosofia e cultura


da Índia em oposição ao domínio da filosofia greco-latina na
cultura europeia.

Schlegel explicou algumas ideias da religião hindu.


4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

No capítulo “Poesia” traduz e comenta alguns trechos do


Ramayana e do Bhagavad-Gita assim como de outro episódio do
Mahabharata (história de Sakuntala).

Esse livro teve grande impacto, inclusive porque a época era do


Romantismo.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Os defensores do Romantismo não se interessavam mais pela


cultura clássica da Grécia e de Roma, e sim pela Idade Média,
pelos seus próprios países, mas também por países e culturas
“exóticas”.

Friedrich Schlegel foi um dos fundadores do movimento


romântico na Alemanha.

(cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Romantismo)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1813: o inglês Thomas Young usou pela primeira vez o termo


indo-europeu para designar aquele conjunto de línguas
aparentadas mencionadas anteriormente: a maioria das línguas
europeias, o persa e o sânscrito.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1814: o dinamarquês Rasmus Rask fez o primeiro estudo


histórico-comparativo de várias línguas europeias;

seu trabalho, no qual, portanto, não incluiu línguas orientais, foi


publicado somente em 1818, e, escrito em dinamarquês, teve
pouca divulgação.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Assim, o primeiro grande estudo histórico-comparativo incluindo


línguas orientais – o sânscrito e o persa – foi o do linguista
alemão Franz Bopp, que é considerado o fundador da gramática
comparada do indo-europeu:

1818: “O sistema de conjugação do sânscrito comparado aos


das línguas grega, latina, persa e germânica” (Über das
Konjugationssystem der Sanskritsprache in Vergleichung mit jenem der
griechischen, lateinischen, persischen und germanischen Sprache)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Como se vê pelo título, Bopp comparou o sistema verbal das


línguas mencionadas, comprovando o que outros já tinham
suspeito, a saber, certas semelhanças entre as línguas
mencionadas e, portanto, seu parentesco.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

O grande feito de Bopp foi ter comparado não somente palavras,


mas principalmente as formas, primeiro dos verbos, mais tarde
também de outras classes de palavras.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1822: o erudito alemão Jacob Grimm (co-autor dos contos dos


irmãos Grimm) formulou a “lei de Grimm” (primeira lei da
mutação consonântica germânica, da Lautverschiebung),
mostrando mudanças regulares de consoantes do indo-europeu
para as primeiras línguas germânicas, explicando, desse modo,
certas diferenças que, sem essa lei, seriam inexplicáveis:
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

- as consoantes aspiradas do indo-europeu [bh, dh, gh]


tornaram-se não aspiradas [b, d, g];
- as sonoras [b, d, g] tornaram-se surdas [p, t, k];
- as surdas [p, t, k] tornaram-se aspiradas [f, θ, h].

Exemplificando pelo latim e o inglês:


d se converteu em t (latim duo, inglês two),
g em k ou c (ager/acre)
k ou c passou a h (latim collis, inglês hill),
um t em th (latim tonitus, inglês thunder),
um p em f (piscis/fish).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1823: o alemão August Wilhelm Schlegel, irmão de Friedrich


Schlegel, poeta, tradutor de várias línguas, crítico literário, um
dos fundadores do Romantismo alemão, editou o Bhagavad Gita
(com pormenorizada introdução e interpretação em latim).

De 1820-1830 editou o jornal “Biblioteca Indiana” (Indische


Bibliothek).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

August Schlegel foi o fundador da filologia sânscrita na Europa.

De 1829 a 1846 publicou uma edição crítica do Rāmāyana,


novamente com longa introdução e interpretação em latim.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

De 1833 a 1849, Franz Bopp, que inclusive fez edições e


traduções de partes do Bhagavad Gita,
publicou, em seis volumes, sua “Gramática comparada do
sânscrito, do zend, do grego, do latim, do lituano, do gótico e do
alemão” (Vergleichende Grammatik des Sanskrit, Zend, Griechischen,
Lateinischen, Litauischen, Gotischen und Deutschen)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Leroy, [1963], p. 35:

“Durante esse primeiro período da história de sua ciência, os


comparatistas, arrebatados, como a sociedade culta de seu
tempo, pelo ardor devorante do Romantismo, entretiveram, por
um momento, a esperança quimérica de reconstruir, graças à
comparação, um estado de língua ‘primitivo’, que lhes parecia
idealmente perfeito.”
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Esse estado de língua “primitivo” é hoje chamado de proto-indo-


europeu. Ele não pode ser comprovado, isto é, não existem
textos nessa língua hipotética.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Segundo Leroy (p. 35):

1853: o linguista alemão August Schleicher, que era botânico de


formação e que introduziu na linguística a ideia de que as
línguas, como os organismos naturais, se desenvolvem segundo
regras determinadas, e depois envelhecem e morrem, lança a
teoria da árvore genealógica, segundo a qual a língua primitiva, o
proto-indo-europeu, considerada unitária, ter-se-ia cindido
sucessivamente em duas línguas, [...].
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Suas divisões não foram mantidas posteriormente, mas a ideia


da árvore genealógica das línguas indo-europeias foi conservada.
Vejam uma dessas árvores
(copiada de
http://anthropologynet.files.wordpress.com/2008/02/indoeuropean-
language-family-tree.jpg):
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1861/62: Schleicher publicou, em dois volumes, o “Compêndio


da gramática comparada das línguas indo-europeias”
(Compendium der vergleichenden Grammatik der indogermanischen
Sprachen).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Schleicher foi o primeiro a tentar reconstruir o proto-indo-


europeu. (Depois dele, houve outras tentativas, nenhuma
podendo ser considerada correta.)
Ele escreveu até mesmo uma fábula nessa língua hipotética.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Depois houve muitos outros estudos sobre o indo-europeu,


tanto sobre as antigas línguas indo-europeias quanto sobre os
povos que as falaram. Quero mencionar apenas os seguintes:

1886-1900: “Esboço da gramática comparativa das línguas indo-


europeias” (Grundriß der vergleichenden Grammatik der
indogermanischen Sprachen ), dos alemães Karl Brugmann e
Berthold Delbrück. Esse “esboço” em 5 volumes é considerado o
maior estudo depois dos de Bopp e de Schleicher. A sua segunda
edição (revista) – 1897-1916 – continua importante até hoje.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1896-1930: “Gramática da antiga língua indiana ” (Altindische


Grammatik), obra monumental em 3 volumes do suiço Jakob
Wackernagel.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1903: “Introdução ao estudo comparativo das línguas indo-


europeias” (Introduction à l'étude comparative des langues indo-
européennes) do francês Antoine Meillet. (8. ed.: 1937)

E alguns livros mais recentes:

Villar, Francisco (1991). Los indoeuropeos y los orígenes de


Europa. Madrid: Gredos.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Szemerényi, Oswald, Jones, David; Jones, Irene (1999).


Introduction to Indo-European Linguistics. Oxford: Oxford
University Press.

Fortson, Benjamin W. (2004). Indo-European Language and


Culture: An Introduction. Malden, Massachusetts: Blackwell.

Voyles, Joseph B. (2009). An Introduction to Proto-Indo-European


and the Early Indo-European Languages. [Indianapolis]: Slavica
Publishers.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Cabe mencionar também que existem revistas especializadas em


línguas indo-europeias. A mais importante é o Journal of Indo-
European Studies (http://www.jies.org/).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

E onde fica o famoso orientalista Max Müller em tudo isso?

O nome completo desse erudito alemão era Friedrich Max


Müller. Ele viveu de 1823 a 1900. Com 23 anos mudou-se para a
Inglaterra, onde escreveu em inglês e publicou quase todos seus
trabalhos. Embora tenha lecionado também a disciplina
“Gramática Comparativa”, ficou conhecido pela sua atuação no
campo da religião e dos mitos.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1849–1874: por encomenda da Companhia Britânica das Índias


Orientais, editou o Rigveda-Samhita, com um extenso
comentário do autor Sayana (6 volumes).

[Informação para quem se interessa pelo assunto: uma nova versão do


Rigveda-Samhita está em
http://www.sanskritweb.net/rigveda/index.html#L4]
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1868: a universidade de Oxford criou a cátedra de “Ciência da


Religião” e nomeou Müller o primeiro titular; ele tornou-se o
fundador da Religião Comparada.

1869: Müller publicou o primeiro volume de uma tradução (para


o inglês) do Rigveda (Rig-Veda'-Sanhità, the sacred hymns of the
Brahmans).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

1879-1896: ele editou 41 volumes de traduções de livros


sagrados do Oriente (título da série: The Sacred Books of the
East); ele mesmo traduziu 3 e colaborou na tradução de outros
3; a série toda abrange 50 volumes; os últimos foram editados
após sua morte, até 1910; essas traduções (para o inglês) estão
disponíveis em http://www.sacred-texts.com/sbe/index.htm.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Sobre a Índia, Müller publicou também:

Lectures on the origin and growth of religions as illustrated by


the religions of India (1878)

India what can it teach us? (1883)

The six systems of Indian Philosophy (1899)


4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Além de Max Müller, tem que ser mencionado um outro grande


orientalista, que também era um muito produtivo linguista, mas
que era norte-americano: William D. Whitney.
.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

De 1850-53 ele havia estudado línguas orientais, sobretudo


sânscrito, em Berlim.

Também em Berlim, co-editou o Athatva Veda em 1856.


Mais tarde traduziu Atharva Veda Samhita (3 volumes).

Na revista da Sociedade Oriental Americana (American Oriental


Society), publicou uma tradução, com explicações, de Sûrya
Siddhânra e Atharva Veda Prâtiçâkhya.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Ele também publicou “estudos orientais e linguísticos ”:

Oriental and Linguistic Studies - First Series: The Veda, The


Avesta, The Science of Language (1872)

Oriental and Linguistic Studies - Second Series: The East and


West, Religion and Mythology, Hindu Astronomy (1874)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Em 1879, publicou sua “Gramática do Sânscrito – incluindo a


língua clássica e os dialetos mais antigos, de Veda e Brahmana”
(Sanskrit Grammar, including both the classical language and the
older dialects, of Veda and Brahmana).

(Essa gramática – em inglês – está disponível em:


http://en.wikisource.org/wiki/Sanskrit_Grammar.)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Whitney escreveu também sobre o indo-europeu:


Language and its Study: with Special Reference to the Indo-
European (1867).
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Sobre as línguas indo-europeias cabe acrescentar:

Depois da descoberta de textos em duas línguas até então


desconhecidas, conseguiu-se decifrá-las no início do século 20, e
constatou-se que essas línguas também pertencem à família do
indo-europeu. Elas foram chamadas de hitita (falado pelos
hititas, que moravam na atual Turquia, mais exatamente na
região da Anatólia) e de tocário (falado no noroeste da China).

(Cf. http://pt.wikipedia.org/wiki/Hititas e
http://en.wikipedia.org/wiki/Tocharian_languages)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Origem e migrações dos povos de língua


indo-europeia

Há muitas teorias e controvérsias sobre as regiões em que viviam


os povos que falavam o proto-indo-europeu (PIE) e sobre como
eles se espalharam pela Europa e pela Ásia.

Segunda a teoria mais amplamente aceita, a origem desses


povos teria sido na região entre a atual Turquia, Iraque, Irã e o
Cáucaso, ou ao norte do Cáucaso.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Os seguintes mapas mostram essa origem e os movimentos


migratórios:

(Mapas copiados de
http://www.sanskrit-sanscrito.com.ar/pt_br/linguistics_origin/origin1.shtml
e de
http://en.wikipedia.org/wiki/Proto-Indo-Europeans)
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Eu disse no início que, além das 3 grandes famílias linguísticas


europeias (românica, germânica, eslava), existem as seguintes
línguas na Europa:

 O grego
 O albanês
 O basco
 As línguas celtas
 As línguas fino-úgricas
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Dessas, somente não são indo-europeias:

 O basco
 As línguas fino-úgricas: finlandês, húngaro, estoniano (e
outras, faladas principalmente na Rússia)

Vejam no mapa seguinte as línguas indo-europeias da Europa:


4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Vejam um gráfico
(em inglês, copiado de
http://s1.zetaboards.com/anthroscape/search/2/?c=3&mid=401611&month=
2&year=2011) ,
no qual constam também as línguas indo-europeias extintas.
4. Estudos do indo-europeu e do sânscrito na Europa

Aqui: árvore
5. Comparação de palavras em diversas
línguas indo-europeias

Como foi dito, fizeram-se estudos sobre diversos aspectos da


gramática das línguas indo-europeias, demonstrando seu
parentesco.

Por causa da complexidade dessas comparações, não posso dar


exemplos aqui.
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

O que é mais viável é mostrar as semelhanças de algumas


palavras. É claro que são apenas algumas. Afinal, as diversas
línguas se desenvolveram e se modificaram durante milhares de
anos.

Compreende-se também que nem todas as poucas palavras


semelhantes ocorrem em todas as línguas indo-europeias.

Mas essas palavras semelhantes ilustram o parentesco, pois a


semelhança não pode ser devida ao acaso nem a empréstimos.
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

A relação do sânscrito com o português é apenas indireta.


Pois, como língua indo-europeia, o sânscrito está relacionado
diretamente com o itálico, o qual virou latim, que, por sua vez,
deu origem ao português.
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

Mas antes, apenas a título de curiosidade:

Os nossos algarismos, chamados de algarismos “arábicos”,


são originários do sânscrito
(cf. http://www.omniglot.com/writing/sanskrit.htm):
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

No seguinte quadro, coloco as palavras do grego antigo e do sânscrito


em letras latinas
(copiadas de http://en.wikipedia.org/wiki/Indo-European_vocabulary).

Não posso garantir que as palavras sânscritas e gregas sejam corretas.

Talvez a transliteração para o alfabeto latino (ou romano) não seja


perfeita.

Talvez nem todos os sinais diacríticos (acentos etc.) estejam corretos.


5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

Destaquei, na primeira linha, o sânscrito e, na última, o


português, além – um pouco menos – o latim, do qual deriva o
português.

Coloquei entre colchetes as palavras que não têm nenhuma


relação com o sânscrito.
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito pitár
grego patḗr
inglês father
alemão Vater
latim pater
francês père
português pai
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito matár
grego mḗtēr
inglês mother
alemão Mutter
latim mater
francês mère
português mãe
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito bhrátar
grego phrāt́ ēr
inglês brother
alemão Bruder
latim frater
francês frère
português (fraterno, frade)
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito svasár
grego [eor]
inglês sister
alemão Schwester
latim soror
francês sœur
português [irmã]
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito sunuh
grego huiús
inglês son
alemão Sohn
latim [filius]
francês [fils]
português [filho]
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito duhitár
grego thugátēr
inglês daughter
alemão Tochter
latim [filia]
francês [fille]
português [filha]
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito vidháva
grego [khera]
inglês widow
alemão Witwe
latim vidua
francês veuve
português viúva
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito hṛd
grego kardía
inglês heart
alemão Herz
latim cor
francês cœur
português coração
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito nasa
grego [mitē]
inglês nose
alemão Nase
latim nares
francês nez
português nariz
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito dántam
grego odón
inglês tooth
alemão Zahn
latim dens
francês dent
português dente
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito janu
grego gónu
inglês knee
alemão Knie
latim genu
francês genou
português joelho
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito pad
grego poús - podós
inglês foot
alemão Fuß
latim pes
francês pied
português pé
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito rudhirah
grego eruthrós
inglês red
alemão rot
latim ruber
francês rouge
português rúbeo
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito dva
grego dúō
inglês two
alemão zwei
latim duo
francês deux
português dois
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito tri
grego treĩs
inglês three
alemão drei
latim tres
francês trois
português tres
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito catur
grego [téssares]
inglês [four]
alemão [vier]
latim quattuor
francês quatre
português quatro
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito páñca
grego pénte
inglês five
alemão fünf
latim [quinque]
francês [cinq]
português [cinco]
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito ṣaṣ
grego [héx]
inglês six
alemão sechs
latim sex
francês six
português seis
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito sapta
grego heptá
inglês seven
alemão sieben
latim septem
francês sept
português sete
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito aṣṭa
grego oktṓ
inglês eight
alemão acht
latim octo
francês huit
português oito
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito nava
grego ennéa
inglês nine
alemão neun
latim novem
francês neuf
português nove
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito daśa
grego déka
inglês ten
alemão zehn
latim decem
francês dix
português dez
5. Comparação de palavras em diversas línguas indo-europeias

sânscrito deváh
grego theós
inglês [god]
alemão [Gott]
latim deus
francês dieu
português deus
Muito mais palavras – e em mais línguas –
podem ser conferidas em
http://en.wikipedia.org/wiki/Indo-European_vocabulary
Fim

Obrigado pela atenção.

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