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O português é uma língua românica. Costuma-se dizer que, junto com as outras
línguas que descendem do latim, ela integra a família das línguas românicas. Observe que
os termos família e descender estão sendo utilizados aqui de uma maneira metafórica. Na
base dessa metáfora está a predisposição a considerar as línguas como entidades, com as
mesmas propriedades de entidades como pessoas – o que não é exato. Assim, como pessoas
têm famílias, compostas por pais e irmãos, a mesma coisa ocorreria com as línguas: o
português, o espanhol, o italiano, o francês seriam línguas irmãs, filhas de uma mesma mãe,
a língua latina. Essa metáfora e a outra metáfora célebre sobre as línguas – a de que elas
seriam entidades vivas – precisa ser interpretada com cuidado. Se a base delas é a assunção
de que as línguas apresentam propriedades em comum com as coisas consideradas vivas,
elas não possuem todas as propriedades. Por exemplo, se elas estão de fato vivas vai
depender bastante do que se pode definir como vida, que é uma daquelas definições que se
nos escapa. De qualquer forma, existem diversos tipos de coisas vivas, e a melhor
comparação com as línguas talvez nem seja com coisas vivas do tipo das pessoas. Por
exemplo, espacialmente as línguas parecem se comportar mais como algumas criaturas
unicelulares como amebas: não adquirem formas espaciais precisas, antes espalham seu
“protoplasma” de falantes de maneira irregular sobre o terreno, às vezes “dividindo-se”
para dar origem outra “entidade”.
não implica em nenhum tipo de degeneração. Ao contrário, para Dante a língua [falta um
adjetivo aqui] é a língua viva, a língua falada, a língua “vulgar”.
Nos séculos que se seguiram, parentesco para além das famílias de línguas faladas
na Europa estabelecidas por Dante e alguns filólogos que examinaram a questão da origem
das línguas – as línguas românicas, as línguas germânicas e as línguas eslavas, mais o grego
– foi investigado. O que se constatou é que as famílias de línguas europeias apresentavam
similaridades entre si que eram muito difíceis de explicarem com base em simples
empréstimos linguísticos. Por outro lado, línguas como o árabe, o hebraico, e mesmo
algumas línguas europeias como o basco, o húngaro e o finlandês, eram muito diferente
desse grupo das línguas europeias. A esse grupo deve-se acrescentar um conjunto de
línguas da Índia, a começar pela língua clássica do hinduísmo, o sânscrito, e línguas como o
persa e o curdo, faladas no sudoeste da Ásia. A esse grupo de línguas, convencionou-se dar
o nome de línguas indo-europeias.
A maior parte dos manuais escolares costuma atribuir ao juiz inglês do século
XVIII, Sir William Jones, o reconhecimento do parentesco do sânscrito com as línguas da
Europa. Em que pesem os holofotes da epopeia oficial, a noção da existência da família
linguística indo-europeia já era uma noção bastante difundida nos tempos de Sir William
Jones. O termo indo-europeu para designar a referida família linguística ainda não ter
aparecido em 1787. Ele é introduzido por uma alemão, Adelung-Vater, em 1806, apesar de
também constar na bibliografia que ele é introduzido por outro inglês, Sir Thomas Young,
em 1813.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
A maior parte das línguas da Europa se filia a essa família: o português e as outras
línguas românicas, descendentes do latim; o inglês, o alemão, e as outras línguas
germânicas; as línguas eslavas, como o polonês e o russo; e além delas o grego, o albanês e
https://pt.wikipedia.org/wiki/Línguas_indo-europeias .
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
o armênio. Mas também são línguas indo-europeias a língua falada pelos antigos persas e
sua descendente moderna: o fársi, a língua do Irã. Pertencem à mesma família do persa o
curdo, o dári e o pashto, estas últimas duas faladas no Afeganistão. Estreitamente
parentadas às línguas iranianas são as línguas arianas da Índia: o hindi, o urdu, o bengali e
várias outras.
Línguas indo-europeias foram faladas em regiões em que hoje são faladas línguas de
outras famílias: o hitita, bem como outras línguas aparentadas (as línguas anatólicas), foi
falado na maior parte do que hoje é a parte asiática da Turquia, num período que vai de
2.000 a.C. (talvez antes) até o final da Antiguidade (quando primeiro o grego, depois o
turco, foram impostos às populações locais). O tocário, ou tocariano, foi falado no que hoje
é a região autônoma chinesa de Xinjiang Uigur, até uns 500 da Era Comum. Na região das
estepes, numa área que vai do centro da atual Ucrânia até os confins da Mongólia, já foram
faladas várias línguas aparentadas com as línguas iranianas. Depois disso, essa região foi
invadida por povos falando línguas aparentadas com o turco (que não é indo-europeia), para
ser parcialmente re-indo-europeizada pelos russos, a partir do século XVI.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Com o objetivo de abrirmos uma janela para o passado remoto da nossa língua, listo
aqui alguns étimos indo-europeus, seu caminho até o português e as palavras cognatas nas
outras línguas indo-europeias, derivadas dos mesmos étimos. A escolha não é aleatória e
inclui alguns termos que revelam aspectos importantes do que se supõe que seja os
primórdios de uma cultura indo-europeia.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
artificial nas ovelhas, para selecionar as que tinham um pelo mais longo e sedoso, que se
prestasse a confecção de fios de lã.
Dado que a criação das ovelhas para a obtenção de lã não iniciou antes de 4.000
a.C., na região que se supõe ser a pátria ancestral dos falantes do proto-indo europeu, essa
data foi determinada como o limite máximo do período em que a proto-língua deve ter
existido. O raciocínio é simples: se as línguas possuem palavras de uma mesma origem
para designar a lã, essa palavra não pode ter uma origem comum no período em que a lã
não era conhecida (ou seja, antes de 4.000 a.C.).
*owis, “ovelha” deu o lat. ouis, de cujo diminutivo ouicŭla originaram-se os termos de
algumas línguas românicas: port. ovelha, esp. oveja, rom. oaia. Provêm da mesma raiz o
a.ind. aví-, gr. οἴς, a.ir. ōi, lit. avìs,a.bulg. ovь-ca, todos significando ovelha. Muitas línguas
acabaram substituindo a palavra para designar ovelha por alguma outra: as línguas
germânicas, por exemplo o inglês sheep e o alemão Schaf, devem ter origem em uma língua
não-indo-europeia (o inglês tem um termo arcaico para “ovelha, ewe, que provém do étimo
indo-europeu. O francês utiliza mouton, que provavelmente é um empréstimo do gaulês
moltone(m), ac., que aparece nas línguas célticas: a.irl. molt, gal. moltt, bretão médio mout,
todos significando “carneiro”. O italiano utiliza pecora, que vem do lat. pecus, pecoris, e
que era um termo genérico para “gado’ (embora preferencialmente para o gado bovino), e
cuja raiz aparece em pecuária e também em pecuniário (cf. adiante).
*wl-nā, “lã” deu o latim lanā, que por sua vez originou os termos para “lã” nas línguas
românicas: port. lã (arc. lãa), esp. it. lana, fr. laine, rom. lână. Do mesmo étimo se originou
o a.ind. ŭrnāi, av. varǝnā, gr. λῆνος, dor. λᾶνος, lit. vìlna, gal. gwlan, bret. gloan, gót.
wulla, ing. wool, al. Wolle, todos significando “lã”.
O termo *wl-nā parece ser derivado de uma raiz *wel- por um sufixo –nā, que levava a
tonicidade para a última sílaba. Isso encurtou a vogal da raiz, a ponto de ela não ser
pronunciada (um fenômeno comum em várias línguas indo-europeias antigas, conhecido
como grau zero da raiz, e que certamente existiu em proto-indo europeu). O fenômeno em
si é comparável ao que ocorre no português de Portugal, em que algumas vogais átonas não
são pronunciadas (como os e pretônicos em menino e perdido).
Da raiz *wel- temos o latim vellus, do qual originou o português velo, não muito
utilizada atualmente, e que designa uma pele de ovelha que ainda contém a lã do animal
(também chamada de pelego), ou mesmo a lã ainda não processada (quer ela esteja ainda na
ovelha, quer ela já tenha sido retirada). Velocino é um diminutivo de velo, que aparece na
expressão velocino de ouro, nome de uma lenda grega, para a qual também existe a
designação pelego de ouro. De velo derivou-se o adjetivo veloso, também raro no português
contemporâneo.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Se a domesticação do cavalo como fonte de carne não mais do que adicionou mais
uma fonte de proteína à dieta dos habitantes das estepes eurasiáticas, sua posterior
utilização como meio de transporte de pessoas e cargas parece ter literalmente mudado a
história do mundo, inclusive a história linguística. Para avaliar o impacto que a
domesticação do cavalo pode ter exercido nos povos das estepes há cincou ou seis mil anos,
o arqueólo norte-americano David W. Anthony estudou primeiro os eventos semelhantes
mais próximos de nós, historicamente, qual seja o impacto que o cavalo teve sobre as
sociedades indígenas dos descampados das Américas do Sul e do Norte, após sua
introdução pelos espanhóis, no século XVI 3. Nessas sociedades, o que se observou é que o
cavalo imediatamente foi utilizado para fins militares: guerreiros a cavalo são mais rápidos
e ficam mais longe das armas dos inimigos. Quanto mais cavalos um guerreiro tinha, mais
poderoso ele se tornava. Então começou a haver uma verdadeira corrida armamentista, em
que surgiam líderes guerreiros com cada vez mais cavalos.
Essa “concentração” dos cavalos nas mãos de uns poucos guerreiros acabou
levando, por um lado, à concentração dos outros elementos de poder (terras, mercadorias)
nas mãos de uns poucos indivíduos, por outro, levou ao surgimento de uma sociedade mais
fortemente “militarizada”, em que os valores cultivados passaram a ser os da força, da
nobreza e do heroísmo.
No caso específico das sociedades das estepes, essas severas mudanças sociais
podem ser rastreadas nos restos materiais que essas culturas deixaram. A concentração de
riquezas nas mãos de uns poucos indivíduos se refletiu, por exemplo, na mudança dos
padrões de sepultamento. As primeiras sociedades agrícolas sepultavam seus mortos em
covas rasas, sem nenhuma indicação externa da identidade do falecido, que era sepultado,
no máximo, com alguns ornamentos pessoais e, eventualmente, com algum objeto da sua
predileção.
Na medida em que vão surgindo esses líderes guerreiros cada vez mais poderosos,
seu poder vai se refletindo nos seus sepultamentos. Já não são mais covas rasas (em que o
comum dos mortais continua a ser sepultados), mas são sepulturas mais elaboradas – os
tumuli (plural do latim tumulus). Os corpos sepultados nesses túmulos não só vão
acompanhados por seus objetos pessoais (onde aparecem já coisas bastante caras, como
joias), mas também por suas armas, seus cavalos prediletos – e, não raro, por escravos
sacrificados para prestarem seus serviços na vida além-túmulo. Aliás, a crença numa vida
além-túmulo parece ter sido uma contribuição importante desse período.
3
Para detalhes sobre o impacto da domesticação dos cavalos sobre as diferentes culturas, veja Anthony
(1986). Para uma exposição mais detalhada da teoria da origem do proto-indo-europeu nas estepes
pônticas, veja Anthony (2007).
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
*ek^4wos “cavalo”, originou o lat. equus, ainda preservado na forma feminina (equa) no
port. égua, esp. yegua; o étimo aparece também no a.ind. áśvaḥ, gaul. epos, a.ir. ech. O gr.
ἵππος é normalmente tido como derivado desse étimo, mas não segue às regras gerais de
correspondência de vogais e de consonantes. As línguas românicas apresentam palavras
derivadas de uma forma latina popular ou dialetal caballus, que originou o port. cavalo,
esp.it cavallo, fr. chéval, rom. cal, e que também é encontrado para as línguas célticas: irl.
capall, gal. ceffyl “cavalo”. Esse étimo é um pouco obscuro, podendo (ou não) ser
relacionado com o pol. kobyła, kuń, rus. kobyla, kunь, “égua”, “cavalo”. As línguas
germânicas tem a forma mare-, que aparece no got. marah, ing. mare “égua”, e também em
palavras derivadas do germânico, como marechal e em alguns nomes próprios de origem
germânica Vilmar, Guiomar, Guimarães. O it. e o fr. derivaram sua palavra para a fêmea do
cavalo do latim iumenta (fr. jument, it. giumenta), feminino de um iumentum “animal de
tração (e não apenas jumento)”.
*k^ers- “correr”, originou, a partir do grau zero da raiz (< *krs-ō), o lat. currō, currěre, de
onde se originou o port. correr. Do particípio perfeito cursum se originou curso e seus
derivados (cursar, recurso, concurso). A passagem de r > s do latim arcaico para o latim
clássico é regular e está bem documentada (p.ex. Numesio > Numerio). Da mesma raiz, no
grau pleno (com a vogal pronunciada), se tem o gaulês carros, que é a origem do lat.
carrus, de onde se tem o port.esp.it. carro (a raiz aparece no fr. chariot, “carruagem”), mas
também o inglês car. Observe que a especialização de carro para significar “automóvel” é
peculiar ao português, principalmente ao português brasileiro (os portugueses preferem
auto).
*wegh- “carregar, ir ou transportar em veículo”, deu o lat. ueho, uehěre, cuja raiz aparece
em veículo e derivados (como veemente); também a.ind. váhati, av. vazáti “liderar,
atravessar, desposar”, got. wigs, al. Weg, ing. way “caminho”; a.ing. wāgan > ing. wagon
“veículo”. A esse étimo está ligado o fr. vagon > port. vagão.
*kwekwlóm “roda” a.ind. cakrá (skt. chakra), av. čaxrá, gr. κύκλος, a.ing. hwēol, ingl.
wheel, todos “roda”. Do grego, originou-se o port. ciclo, por empréstimo erudito (primeiro
registro em português: 1712). Da mesma raiz, com vocalismo em o parece derivar o lat.
collum, “pescoço” donde o port. colo.
*ret- “correr, rolar” aparece no a.ind. rátha “carruagem”; a raiz aparece com a vogal o no
latim e nas línguas célticas. A vogal o numa raiz ocorria em algumas derivações (cf. Língua
Portuguesa II: morfema processual), criando alternâncias relativamente comuns entre uma
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Na inexistência do sinal convencionado, utilizamos *k^ para representar a oclusiva surda palatal recons-
truída no proto-indo-europeu (correspondente no IPA: [c]).
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
forma com e e outra com o da mesma raiz. Assim, o lat. rota, do qual se deriva o port. roda,
e derivados, como redondo (< rodondo), rodar, mas também rota (e derivados, como
rótula). O esp. roda e ruta, it. rota, fr. roue, rom. roată. Nas línguas célticas e gêrmânicas,
a raiz aparece com o mesmo significado básico: irl. roth, gal. rhod, tb. no al. Rad “roda”.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Principais Sistemas Culturais na Europa, no final da Era do Bronze (Segundo Milênio a.C.).
Fonte: Wikipedia.org
Note que o mapa representa um sistema cultural reconhecido com base no compartilhamento de
características dos restos arqueológicos (cerâmica, objetos de metal, estrutura dos povoamentos e
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
dos sepultamentos) deixados por alguns grupos humanos. No caso específico da Cultura do Campo
de Urnas, o tipo de sepultamento é um traço decisivo.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Fonte: Wikipedia.de
Das línguas faladas na Península Itálica, pertenciam à mesma família que o latim: o
picênico, o úmbrio, o sabélico, o falisco e o osco. O falisco era membro de um conjunto de
dialetos falados na região do Latium – o Lácio – que incluía também o latim. O etrusco (cf.
abaixo) não era uma língua indo-europeia e ainda hoje a discussão de sua origem é bastante
polêmica. O messápio, falado na porção mais oriental da Itália (Apúlia), era provavelmente
aparentado com os dialetos ilíricos falados do outro lado do Mar Jônio, enquanto a língua
dos sículos (da Sicília) tem origem bastante controversa. No norte da Península (que, de
resto, não era considerado parte da Itália no tempo dos romanos) eram faladas outras
línguas indo-europeias, não pertencentes à mesma família do latim: as línguas dos vênetos,
dos lígures e o gaulês.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Latim Itálico
pode estar relacionado com o germânico (got. vigs ing. way al. Weg)
*bh *dh
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Outra diferença no tratamento de fonemas do PIE pode ser observada nas oclusivas
labiovelares – elas tendem a se conservar em latim e a evoluir para /p/ nas demais línguas
itálicas: PIE *kwenkwe > lat. quinque osc. pompe.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
muitas famílias patrícias desenvolveram nomes específicos para ramos específicos das
famílias: Iulius Caesar, Cornelius Scipio.
Ao lados das línguas itálicas, era falado, na região da atual Toscana, o etrusco, uma
língua não aparentada com as línguas indo-europeias e cujos textos, ainda que numerosos,
não foram satisfatoriamente decifrados. Ainda se discute se os etruscos eram um povo
autóctone da Península Itálica ou se descendiam de colonos provenientes da Ásia Menor,
como sugere o historiador grego Heródoto. As evidências mais modernas da genética de
populações apontam para uma origem centro-europeia dos etruscos 6, o que acompanha o
relato de Plínio, o Velho, de que os etruscos seriam aparentados com populações alpinas,
como os récios (a Récia compreendia parte das atuais Bavária, Suíça e o Tirol). Isso não
esclarece, no entanto, a origem de sua língua: há séculos já aprendemos, a origem genética
de uma população não fornece automaticamente a origem da língua que ela fala.
LARΘ1.ARNΘAL2.PLECUS3:CLAN4:RAMΘAS5 C6:APATRUAL7:ESLZ8:ZILAχNΘAS9
AVILS10: ΘUNEM11:MUVALχLS12:LUPU13
“Larnth1 de Arnthal2 Plecu3 filho4 e6 de Ramtha5 Apatrui7; duas vezes8 Zilath9 ( cônsul)
anos10 um menos que11 cinquenta12 morto13 (i.e. “morreu aos quarenta e nove)”
Inscrição em um sarcófago em Tarquinia (Ta 1183, CIE 5471, TLE 136), apud Meiser, 1998: 12)
arena > port. areia, esp. arena; reintroduzido no português por via erudita: arena.
Em latim era tanto empregada no sentido de “areia” como no de “lugar público para
exibições”.
fenestra > port. fresta (arc. feestra), fr. fenêtre, it. fenestra.
forma > port. forma (as duas palavras, com o aberto e fechado); pode ser um
empréstimo do grego μόρφος para o etrusco.
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Ghiroto, Silvia et al. 2013. Origins and evolution of Etruscan mtDNA. Disponível em
http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0055519, consultado em 02.03.2015.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
satelles, “corpos celeste”, teria a mesma origem do nome do deus romano Saturnus.
Origem do port. satélite.
Entre as línguas que exerceram influências e/ou emprestaram palavras para o latim,
merece um lugar de destaque o grego. A cultura grega exerceu uma forte influência não só
sobre os romanos ou os povos da Itália de maneira geral, mas em todo o mundo
mediterrâneo. Muitas das instituições herdadas dos estruscos, por exemplo o alfabeto, são
em última instância de origem grega.
Quando se pensa no que os romanos deviam aos gregos, tende-se a pensar apenas
nas contribuições da alta cultura, como o teatro, a poesia, a retórica, a gramátia, a filosofia e
as ciências. Mas a contribuição era muito mais ampla e, acima de tudo, muito mais visível
em outras esferas.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Dessa forma, o grego (o grego falado, coloquial, diferente da língua dos poetas e
filósofos que haviam vivido séculos antes) era ouvido o tempo todo nas ruas de Roma e de
outras cidades do Império. Na verdade, sob diversos aspectos, ele continua sendo ouvido
nas línguas românicas. Em primeiro lugar, no copioso acervo de palavras gregas que
ingressaram no latim falado. Em segundo lugar, no não menos copioso acervo de palavras
eruditas de origem grega que têm entrado no português (e nas outras línguas europeias),
com um certo grau de latinização. Ao contrário daqueles termos eruditos de que falamos
acima, essas palavras penetraram na língua falada pelo povo. Elas descrevem nomes de
produtos, objetos e utensílios que os romanos receberam dos gregos.
Eis uma lista, muito longe de ser completa: amêndoa, artemijo (artemísia), bodega,
bolsa, buxo, cada, cadarço, caixa, calar, calma, cara, carta, cedro, cesto, chato, cirpreste,
corda, cravo (flor), ermo, espada, espelunca, estopa, faisão, feijão, gesso, golfo, golpe,
governar, grilo, gruta, massa, mastigar, menta, palanque, palavra, pasta, pedra, praça,
prato, púrpura, relógio, ronco, tégão (=”frigideira”), telha, tigela, tumba.
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A rigor, o Império Romano só começa quando Otaviano foi declarado Imperator (chefe militar máximo)
pelo Senado Romano, em 16 de janeiro de 27 a.C. Eu o estou utilizando aqui num sentido mais amplo, de
conjunto de possessões territoriais.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
Muitas vezes, o mesmo termo têm mais de uma entrada no latim e nas línguas
românicas:
1. Termos gregos eruditos: os gregos estão na origem da maior parte das atividades
intelectuais do Ocidente: filosofia, geometria, gramática, retórica, para citar
algumas das mais emblemáticas. Do grego, direta ou indiretamente, herdamos o
vocabulário relacionado com essas disciplinas. Muitas dessas palavras possuíam um
sentido erudito diferente do sentido comum. Μεταφορά significava pura e
simplesmente “transporte, mudança” (ainda costuma aparecer nas carrocerias dos
caminhões de mudança, na Grécia, usada nesse sentido). O termo ὑποκείμενον, que
significa literamente “o que jaz sob”, era utilizado no sentido bastante prosaico de
“pavimento”. Traduzido para subiectus, pelos latinos, deu origem ao português
sujeito.
Esses termos penetraram na língua culta dos romanos, mas não foram transmitidos
diretamente para o português e as outras línguas romanas. Eles teriam que esperar a
retomada de uma vida intelectual mais densa, na Europa, depois do século X, para
serem colocados novamente em uso.
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
latinas, é uma recordação dessa época). Por isso, boa parte do vocabulário cristão
provém do grego: arcediago, anátema, anjo, apóstata, apóstolo, batismo, bispo,
bíblia, bula, cônego, clérigo, crisma, Cristo (e derivados), diabo, diocese,
eucaristia, epifania, epístola, encíclica, esmola, evangelho, heresia, ícone,
idolatria, igreja, mosteiro, parábola, paróquia, presbítero.
Mas talvez o acervo mais importante de termos herdados pelo português, e pelas
outras línguas europeias, no contexto do cristianismo é o acervo básico de nomes
próprios (prenomes) de pessoas. Alguns deles são de origem grega: André, Filipe,
Mateus, Estêvão, Teófilo, Teodoro; os mais importantes (ou talvez os mais comuns)
são de origem hebraica: Jesus, Maria, Ana, Isabel, José, Rute, Ester, Raquel,
Miriam, João, Tiago, Bartolomeu, Judas, Gabriel, Daniel, Miguel, Rafael, David,
para citar os principais.
3. Termos eruditos forjados a partir de elementos gregos: pode-se dizer que existe
um acervo comum de morfemas gregos, que têm sido utilizados para a formação de
termos eruditos nas línguas europeias, a esmagadora maioria dos quais não é
documentada nos textos gregos antigos. Para citar alguns exemplos: dinâmica,
enciclopédia, eucalipto, araucária, estenografia, farmacologia, filodendro, epífita,
fonema, fonética, geografia, hidrostática, morfologia, ornitorrinco, celenterado,
cefalópode, psicologia, química, semântica, sintagma, telefone.
Como o latim é a outra grande fonte de morfemas dos vocabulário erudito comum
às línguas europeias, não raro nos deparamos com o que os filólogos chamam de
“híbrido”, um termo que é formado de um morfema grego e outro latino (ou de
outra origem): amoral, hiperinflação, hipertensão, metalinguístico, heterossexual,
televisão.
Destaque especial deve ser dado aos prefixos de origem grega (meta-, hiper-, peri-,
dis-), mas principalmente aos sufixos (-ismo, -ista, -ico, -izar, -ema), bastante
produtivos na formação de palavras em português e em outras línguas europeias.
A influência do grego pode ter ido além do nível do empréstimo lexical. Alguns
estudiosos [referências] defendem que alguns traços morfossintáticos do latim vulgar e/ou
das línguas românicas tiveram sua origem no grego. Entre esses traços, podemos citar: a
presença de artigos (definidos e indefinidos), tempos verbais compostos, sufixo
aumentativo com valor agentivo, construções de oração subordinada com pronome relativo
ou complementizador, entre outras. Veremos um pouco mais disso, adiante, quando
estudarmos as mudanças morfossintáticas.
REFERÊNCIAS:
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História do Português 1: Do Indo-europeu ao Português
ANTHONY, David W. et. al. 1986. The "Kurgan Culture," Indo-European Origins, and the
Domestication of the Horse: A Reconsideration [and Comments and Replies]. Current
Anthropology 27: 291-313.
ANTHONY, David W. 2007. The wheel, the horse, the language: how bronze-age riders
from Eurasian stepes shaped the modern world. Princeton: Princeton University Press.
CLACKSON,.2007. Indo-European linguistics: an introduction. Cambridge University Press.
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Trad. espanhola de Justo Vicuña Suberviola.
MALLORY, J. P. 1991. In the search of indo-european. London/New York: Thames &
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MALLORY, J.P.; ADAMS, D. Q. 2006. The Oxford introduction to Proto-indo-
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POKORNY, Julius. 2007. Proto-indo-european etymological dictionary. Indo-european
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