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Gustavo S. Vilas Boas

Preparação de textos
Lilian Aquino

Revisão
Daniela Marini Iwamoto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (ciP)


Andreia de Almeida CRB-8/7889

Ilari, Rodolfo
Linguística românica I Rodolfo Ilari. - 2. ed. - São Paulo :
Contexto, 2018.
272 p.: il.
Bibliografia
ISBN 978-85-520-0035-8

1. Línguas românicas 2. Línguas românicas- História


3. Linguística 4. Latim I. Título

17-1882 CDD 440

Índice para catálogo sistemático:


1. Línguas românicas
À memória do professor
Albert Audubert

2018

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A Linguística Rmnânica é uma disciplina de orientação histórica, que se
constituiu na segunda metade do século XIX, graças aos trabalhos de Friedrich
Diez~ cujos textos fundamentais (a Gramática das línguas românicas, publi-
cada entre 1836 e 1844, e Dicionário etimológico das línguas românicas, de
1854) deram um exemplo marcante de rigor e método no estudo histórico
das línguas derivadas do latim, mostrando a possibilidade de tratar "cien-
tificamente" de uma série de temas que haviam preocupado os intelectuais
durante séculos, mas que haviam sempre sido abordados com certa dose de
impressionismo e assístematicidade.
ALinguística Românica é tambérn conhecida por outro nome, na verdade mais
antigo, Filologia Românica, e esse non1e mais antigo, que é mantido em muitos
países, evoca unm linha de estudos 1nais tradicional, que é a Filologia Clássica.
Mas o que é a Filologia Clássica? Ou, mais geralmente, o que é a Filologia?
Desde o período do Humanismo (o movimento intelectual que precede e prepara
a Renascença), muitos estudiosos vinham-se dedicando ao trabalho de estudar
textos da Antiguidade, uma tarefa que exigia, além de conhecimentos técnicos (por
exemplo, de edótica e diplomática), indispensáveis para restabelecer o texto em
sua forma original, a capacidade de manipular informações extremamente varia-
Linguística Românica As origens da Linguística Românica 25

das sobre a época a que se referiam os documentos, e um domínio muito grande


das línguas antigas. A esse interesse nos textos das literaturas antigas chamou-se
Com suas obras (principalmente a Gramática de 1836), Friedriech Christian
Filologia Clássica respeitando de algum modo a etimologia d~ palavra filologia,
Diez (1974-1876) confirmou que havia entre o latim e as principais línguas
que significa literalmente "amor pela expressão"; mas, dada a it~.portância dos
românicas uma relação semelhante à do indo-europeu com o latim, o grego e o
conhecimentos linguísticos que se exigiam para que o estudo literário se tornasse
sânscrito; aplicando o método comparativo dos indo-europeístas, chegou a algu-
viável, a expressão Filologia Clássica designou também, desde se1npre, o estudo
mas teses que são hoje postulados da Linguística Românica. Uma dessas teses é
erudito daquelas línguas.
que as línguas românicas se originaram não do latitn clássico, mas de uma outra
O culto criado pelo Humanismo e pela Renascença em tomo das literaturas
variedade de latim, conhecida como "latim vulgar"; outra tese de Diez é que não
grega e a latina alargou-se no final do século xvm, quando os investigadores eu-
tetn qualquer fundamento a hipótese (defendida pelo francês François-Just-Marie
ropeus tomaram conhecimento dos livros dos Vedas, e da língua em que haviam
Raynouard, 17 61-183 6 e endossada antes dele por outros intelectuais, entre os
sido escritos, na Índia, antes do ano 1.000 a.C., o sânscrito. O sânscrito não é o
quais o filósofo Voltaire ), segundo a qual todas as línguas românicas teriam como
antepassado comum do grego e do latim, é uma espécie de "primo", isto é, des-
ascendente tnais próximo o provençal. Diez se interessou também pelo estudo de
cende como eles de uma mesma língua mais antiga que teria sido falada na Índia
narrativas em espanhol antigo; assim, seu trabalho, que tinha orientação paralela
no final do período Neolítico.
ao da Filologia Clássica, criou espaço para uma Filologia Românica, com o duplo
Pouco depois da descoberta do sânscrito, as semelhanças existentes entre
aspecto de estudo textual, justificado pelas dificuldades encontradas na leitura dos
as línguas europeias começaram a ser estudadas sistematicamente numa série
documentos românicos escritos antes da imprensa e da consolidação das línguas
de trabalhos de grande envergadura, e assim fora1n descobertas características românicas, e de investigação genética das línguas derivadas do latim.
comuns entre línguas que sempre haviam sido consideradas independentes.
Os autores que fizeram esta história são o dinamarquês Rasmus Rask (1787-
1832), que escreveu em 1814 uma Investigação da origem do antigo escandi-
E
navo e do islandês, ern que relacionava o antigo norueguês com germânico, A geração de Diez, fundador da Linguística Românica, esteve sob influência
o gótico e as línguas eslavas~ e os alemães Jakob Grimm (1785-1863)- o direta da filosofia dos românticos, impregnada de espiritualismo e historicismo.
mais velho dos irmãos Gritnm, hoje conhecidos principalmente como autores A próxima escola linguística cotn influência marcante para a Rmnanística foi, ao
de um célebre livro de fábulas -, e Franz Bopp (1791-1867), que publicou contrário, uma escola forten1ente marcada pelos progressos vividos no final do
entre 1833 e 1852 utna monumental Gramática comparativa do sânscrito, século XIX pelas ciências naturais. Nessa escola, que teve por centro a Universi-·
zend (avestano), grego, latim, lituano, eslavo antigo, gótico e alemão; August dade de Leipzig~. há grandes indo-europeístas como Karl Brugmann (1887 -1919),
Schleicher (1821-1868), autor em 1861-1862 de um Compêndio de gramá- August Leskien (1840-1916) e Hennann Osthoff (1847-1909), autores de obras
tica comparativa das línguas indo-germânicas; Bopp e Schleicher sofreram respeitadas e originais, tnas é comum referir-se a esses autores como um grupo,
a influência do evolucionismo de Darwin e conceberam as línguas como or- utilizando para isso o non1e de "neogramáticos" (Junggramatiker), que lhes foi
ganismos vivos, que nascem, crescem e depois degeneram; e isso os levou à dado de início por troça, mas que acabou tmnando-se respeitado, à medida que
ideia de comparar as principais línguas europeias e depois de reconstituir seu eles passaram a representar a "posição oficial" em matéria de história das línguas.
antepassado comum, o "indo-gennânico" (hoje, falamos em indo-europeu, e Os neogran1áticos ganharam espaço no universo acadêtnico da época
sabemos que dele descendem também o celta, o albanês, o armênio, o hitita e defendendo um programa que afrontava ostensivamente as orientações dos
o tocário (estas duas últimas são hoje línguas extintas). Nessa mesma linha, primeiros comparatistas. Fizeram troça do propósito que havia animado seus
Jakob Grimm formulou a "lei" que ainda hoje traz o seu non1e e organizou predecessores no domínio da Linguística Indo-europeia- encontrar pela com-
uma correlação observada entre os fonemas do grego e do latim, de um lado, paração a pro to língua, que estaria na origem de todas as línguas fi.lOdernas;
e das línguas germânicas, de outro. recomendaram ao contrário que a atenção dos pesquisadores se voltasse para
As origens da linguística Românica 2]
Linguística Românica

as línguas vivas, onde a evolução da língua pode ser objeto de observação e O MÉTODO COMPARATIVO APLICADO
não de conjecturas. Na prática, o trabalho dos neogramáticos se caracterizou ÀS LÍNGUAS DERIVADAS DO LATIM
por uma exigência de extremo rigor, e pela crença de que as "leis" da evolução
Comparar é uma tendência natural e un1a importante fonte de intuições e
fonética agem de maneira absolutamente regular, aparecendo exceções apenas
de descobertas em todos os campos do conhecimento. Na análise das línguas, a
quando sua ação é contrariada pela força psicológica da analogia. Exemplos
con1paração e o confronto levam às vezes ao estabelecimento de tipologias (como
simples de como a analogia atua no funcionamento das línguas podem ser
a que distinguia, tradicionalmente, entre línguas monossilábicas, aglutinantes e
encontrados na fala das crianças, em "erros" cotno eu jazi ou eu traz i por eu
flexivas ), outras vezes à busca de características supostamente inerentes a toda
fiz e eu trouxe: segundo Ferdinand de Saussure, que expõe em seu Curso de
língua humana ( con1o nos levantamentos acerca dos "universais da linguagem"
linguística geral o conceito de analogia dos neogramáticos, operaria aí uma
realizados pela Linguística estrutural americana nas décadas de 1950 e 1960).
espécie de regra de três: se viver, correr etc. fazem o perfeito em -·i, pode-se
esperar que fazer e trazer também o façam. Um exemplo muito simples de como Nesses casos, a comparação nada tem a ver com genealogia.
a analogia afeta a evolução das línguas é dado pelo verbo português render e En1 Linguística Românica, porém, o método comparativo assume tipicamente
seus correspondentes românicos fr. rendre, it. rendere etc.: essas formas não propósitos genéticos, de reconstituição. Entende-se, em outras palavras, que as seme-
poderiam provir do verbo que significa "render" em latim clássico, ou seja, lhanças constatadas entre expressões pertencentes às diferentes línguas têm que ser
reddere, pois nenhuma lei fonética conhecida justifica que apareça do nada um explicadas por sua origem commn; e que a forma que essas expressões apresentam
-n- fechando a primeira sílaba; as formas rotnânicas derivam verossimilmente hoje nas línguas românicas é o melhor indício de como pode ter sido a forma originária.
de *rendere, construído por analogia com o verbo que significava '"tomar", Quando se comparam, por exemplo, port. e esp. saber, fr. savoir, it. sapere, fica
isto é, prendere (clássico prehendere). legitimada a conjectura de que sua origem comum tenha sido uma palavra latina
Pela rigidez que atribuíran1 à evo1ução fonética, os neogramáticos atraíram (i) cuja primeira sílaba começa por sibilante e (ii) cuja segunda sílaba é tônica, e
as críticas de autores que, ou por razões teóricas (como o linguista alemão Hugo comporta uma consoante bilabial ou labiodental (p, b ou v). Constatando-se, além
Schuchardt [1842-1927]) ou por estarem em contato direto com a realidade mul- disso, que na evolução do latim para o espanhol e o português é regular a passagem
tiforme dos dialetos, con1o o dialetólogo italiano Graziadio Isaia Ascoli (1829- do p intervocálico a b; que o p intervocálico do latim passa regularmente a b e em
1907), não estavam dispostos a aceitar a tese de que as leis fonéticas operam de seguida a v em francês; que, ainda em francês, o e longo das sílabas tônicas não
maneira cega. Tiveram, contudo, uma influência determinante, para a Linguística travadas passou a e i, depois oi, oé, ué e wá (a grafia acompanhou esta evolução
e para a Romanística. Ferdinand de Saussure, em quem se costuma reconhecer apenas até a forma oi), toma-se legítimo supor que a forma originária comum fosse
o fundador da Linguística moderna, era neogramático de formação, tendo estu- *sapére, paroxítona. A identificação de *sapére como a forma de que se originaram
dado com Brugmann na Universidade de Leipzig; como se sabe, Saussure teve saber e seus correspondentes românicos não deixa de ser surpreendente quando
entre seus alunos alguns linguistas de grande porte, como Charles Bally, Albert referida ao vocabulário conhecido do latim clássico: o latim clássico tinha um ver-
Sechehaye (1870-1946) e Antoine Meillet (1886-1946), e seu ensinamento deu bo sápere, proparoxítona e conjugado como cápere, que significava entre outras
origem à Linguística estrutural; também teve formação neogramática o tnais coisas "saborear, provar un1a comida para sentir-lhe o sabor~'. Sápere deve ter sido
importante romanista depois de Diez, William Meyer-Lübke (1861-1936), cujas conjugado em latim vulgar con1o um verbo da 2a conjugação; e deve ter mudado
obras Gramática das línguas românicas e Dicionário etimológico românico (este de sentido, ou seja, a habilidade em não confundir o gosto dos alimentos deve ter
geralmente conhecido pela sigla REW, formada pelas três primeiras letras do título sido tmnada como representação metafórica da esperteza e da inteligência (quem
original) são ainda hoje fundamentais. Os trabalhos dos neogramáticos em geral, é esperto ... "não come gato por lebre"). Essas alterações na forma e no sentido do
e de Meyer-Lübke em particular, refinaram o tnétodo de Diez, isto é, o método verbo sápere não são fatos isolados: a comparação de outras formas românicas aponta
histórico-comparativo, que é fundamental nos estudos de Linguística Histórica para conclusões seinelhantes. Assim, port.fazer, caber, esp. hacer, caber mostram
em geral, e nos estudos românicos em particular. que o latim vulgar deve ter tido facére e capére, ao invés das formas clássicas fácere
Linguística Românica

e cápere; e o uso de metáforas físicas para representar operações do pensamento é


comum (por exemplo, o nosso pensar e o mais erudito ponderar provêm de verbos
que significam "pesar", "colocar dois pesos na balança" etc.).
Em suma, a comparação permitiu que os romanistas fizessem conjecturas
bastante exatas sobre as formas latinas originárias. É até certo ponto casual que
essas formas resultantes de conjecturas baseadas na comparação sejam efetiva-
mente confirmadas mediante prova documental, isto é, que sejam encontradas nos
textos latinos que sobreviveran1 até nossos dias. Às vezes, a prova documental
é possível. Por exemplo, as formas port. velho, esp. viejo, fr. vieil, it. vecchio,
rom. vechi apontam para un1a forma veclus (que se explica a partir de veculus e
vetulus, esta última diminutivo da forma clássica vetus, "velho"). Veclus é atestada
no Appendix Probi, um glossário que data provavelmente ao século IV d.C., e que
registra uma série de coisas que uma pessoa culta não deveria escrever, por serem
consideradas erradas. Outras vezes ainda, formas que haviam sido propostas como
resultado de reconstituição acabaratn sendo encontradas em textos. É o caso da
forma anxia, da qual derivam o port. ânsia e seus cognatos. Muitas vezes, por fim,
as formas resultantes de reconstituição permanecem não atestadas; neste último SÉCULOS XIX E
caso, os romanistas, à imitação do que faziam os indo-·europeístas, antepõem à
palavra um asterisco. Seja con1o for, segundo uma estimativa reproduzida em No final do século XIX e nas primeiras décadas do século xx, várias tendências
Vidos (1968), as formas com asterisco não passam de 10o/o do total de materiais reagiram contra o método histórico-cmnparativo e contra a maneira como ele
com que os romanistas têm trabalhado, e é importante lembrar que elas não são levava a representar a formação das línguas românicas: algumas dessas orienta-
menos importantes ou menos seguras do que as formas atestadas: as línguas ro- ções "novas" resultavam de uma reflexão filosófica ou teórica sobre linguagem,
mânicas tomadas em seu conjunto numa visão comparativa são a melhor fonte como é o caso do chamado "idealismo linguístico" ou da escola linguística de
para o conhecimento de sua própria origem, utn fato que ressalta quando se leva Saussure; outras surgiram no próprio campo de estudo das línguas românicas,
em conta a precariedade das fontes escritas do latim não literário. como resultado de um contato mais direto com os dialetos neolatinos. Estão
As conclusôes que se tiram da comparação das línguas românicas são tanto neste últilno caso as orientações que se costuma reunir sob o título genérico de
mais seguras quanto maior for o número de línguas românicas que trazem evi- "Geografia Linguística".
dências em seu favor, e quanto mais afastadas no espaço foren1 essas línguas. O Con1o orientações da '"Geografia Linguística'~, serão mencionados aqui (i) as
sardo e o romeno, que se situam hoje nos limites do território em que o latim foi investigações sobre os dialetos galo-românicos de Jules Gilliéron; (ii) o movimento
falado, e se desenvolveram por assim dizer à parte, sem comunicação cotn as "Wõrterund Sachen" de Schuchardt; e (iii) a proliferação, in~pirada pelas duas orien-
outras regiões de fala latina, constituem uma espécie de teste da Antiguidade e tações anteriores, de atlas linguísticos para todas as regiões do território românico.
do caráter panromânico das regularidades apontadas pela comparação.
O campo em que o método comparativo deu os resultados n1ais sisten1áticos
é o da Fonética; em Morfologia e em Sintaxe, sua aplicação exige a manipulação
de dados mais complexos, e seus resultados sempre foram menos espetaculares. Entre 1897 e 1901, Jules Gilléron, professor de Dialetologia da École Pratique
de Hautes Études de Paris, dirigiu uma alentada pesquisa de campo que consistiu
em aplicar mn questionário de 1.920 perguntas em 639 pontos do terr-itório dos
30 Linguística Românica
Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos xtx e xx 31

dialetos franceses. A aplicação do questionário, que compreendia perguntas des- MAPA 1- Denominações de galo levantadas pela Geogratla Linguística no sudoeste da França
tinadas a levantar dados sobre a fonética, a morfologia e a sintaxe desses dialetos, (Miazzi, 1976)
foi feita por um auxiliar (Edmond Edmont), ao passo que o próprio Gilliéron se
dedicou principalmente a triar e interpretar os dados, apresentando-os em seguida
na forma de mapas. Resultou dessas pesquisas de campo o Atlas linguístique de
la France (ALF), publicado entre 1902 e 1912.
O trabalho de Gilliéron era inovador, antes de mais nada, por sua metodologia:
ao passo que os comparatistas vinham utilizando principalmente fontes escritas
(documentos antigos, glossários, textos dialetais e dicionários dos dialetos), Gilli-
éron deu prioridade aos dados colhidos na pesquisa de campo. Com isso, criou-se,
no domínio dos estudos românicos, uma consciência autenticamente geográfica,
graças a uma delimitação exata das áreas em que vigoram determinadas realidades
linguísticas; além disso, o próprio método prestava-se a provocar o aparecimento
de uma quantidade de dados nunca antes catalogados.
Mas os estudos de Gilliéron foram importantes sobretudo pelas descobertas a I limites dos
...rv-- departamentos atuais
que levaram, que obrigaran1 de certo modo a abandonar definitivamente a crença
~ coq
de que a fragmentação do latim teria resultado sem outras complicações da evo-
lução fonética diferenciada que o latim tinha sofrido em cada região. Gilliéron
mostrou que essa perspectiva era infundada, e que, alén1 da evolução fonética,
operou crucialmente na formação dos dialetos românicos a criatividade dos falan-
x 7.-:B denominações
tes, particularmente ativa toda vez que se tomava necessário desfazer "colisões ~'3'~ - rommliCas
nao '.
homonímicas" ou salvar palavras foneticamente pouco consistentes, e toda vez _ limites da área de mudança
[-11-]>[+]
que a etimologia popular alterou a forma de uma palavra para relacioná-la a algum
paradigma conhecido.
Um bom exemplo de como a "criatividade verbal dos falantes" interfere na Um exemplo célebre de como a etimologia popular interfere na evolução
evolução fonética para desfazer colisões homonünicas são as denominações de fonética segundo Gilliéron é a história da palavra francesafumier, "n10ntu;o",
galo em certos dialetos do sul da França. Essas denominações incluem não só " mont e de es t erco )' : o 1at'1m t'1nha para "' esterco " a pa1avra fizmus, i, sobre a qual
os derivados das palavras latinas gallus (="galo") e pullus (de gallus pullus = deve ter sido fonnada ~fimarium, "lugar onde se junta esterco"; entretanto, para
"galo filhote"), mas ainda formas semelhantes ao francês vicaire e faisan (res- chegar à forma francesa, é preciso passar porfiunarium. Para Gilliéron, essa forma
pectivamente: "vigário" e "faisão"). Segundo Gilliéron, houve um momento deve ter sido criada por influência do verbo fumare: ou seja, o monturo deve ter
sido representado em algum n101nento como um lugar de ~nde exalam fumaças,
em que, por efeito da evolução fonética, gallu e cattu se confundiram em certos
provavelmente a partir do hábito europeu de queimar durante o outono as soquei-
dialetos do sul da França numa única palavra gat, com o inconveniente de tornar
tas dos cereais colhidos no verão. A palavra.fimzier, em suma, teria ganhado sua
homônimas as denominações para dois animais domésticos bastante comuns. Para
forma atual ao ser incorporada por uma família de palavras (a de fumus em vez
desfazer a homonímia, os dialetos em questão recorreratn ao nome do vigário, que
de fimus) com a qual não tinha de início nenhurna relação.
compartilha com o galo a tarefa de acordar os paroquianos pela manhã, e veste
Mas Gilliéron dá un1a den1onstração ainda 1naís impressionante de como se
um barrete que lembra uma crista; outros dialetos recorreram ao nome de outro
podem interpretar os dados do ALF ao comentar o mapa da França que representa
galináceo, o faisão.
as denominações de abelha. Nesse mapa, cabe observar, antes de mais nada, a
32 Linguística Românica Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx 33

grande variedade de denominações para esse inseto - mouche à mie!, mouchette, Na análise de Gilliéron, o fato de o francês standard ter adotado um termo
avette, essette, aveille etc.-, o que, por si só, já é um fato digno de nota. Chama provençal para designar a abelha aparece como o último episódio de uma longa
a atenção, por outro lado, o fato de ter sido adotada pelo dialeto de Paris (e em história na qual a evolução fonética é apenas um dos aspectos relevantes. O
seguida pelo francês standard) uma denominação tipicamente provençal: abeille. exemplo da palavra abeille mostra que a evolução fonética intervém na história
Abeille, do lat. apic(u)la, não é palavra francesa, pois nos dialetos que formam a da língua sobretudo como um fator de desestabilização, enfraquecendo as formas
base do francês standard, o p intervocálico passa a b e em seguida a v (cp. trapa- e criando "colisões homonímicas". A solução para essas instabilidades não poderia
lium > trava{!). Para justificar esse empréstimo provençal, Gilliéron reconstitui
ser fonética no sentido estrito das "leis fonéticas"; para superá-las, aceitam-se
como segue a história dos nomes da abelha nos dialetos do norte da França:
en1préstimos de dialetos vizinhos e recorre-se a fom1as compostas, duplicadas
1a etapa: de ape a és ou assonantes; e frequentemente, essas formas revelam uma análise que coloca a
1. o latim ape passa a éf(singular), és (plural); palavra em contraste com outras palavras de um mesmo campo nacional.
2. sobre o plur. és forma-se um sing. é (por uma reinterpretação que lembra a Com isso, Gilliéron não só mostra que nas mudanças da língua intervém um
chamada "derivação regressiva"); trabalho de reflexão inconsciente dos falantes (um trabalho "epilinguístico", se
3. para reforçar foneticamente o singular, é, usa-se etn seu lugar o plural: diria provavelmente hoje), mas ainda desloca a busca explicações do terreno da
chega-se assim a uma fase em que abelha se diz indistintamente és, é ou éf, Fonética para o teneno da Lexicologia.
prevalecendo a primeira.
Mapa 2- Denominações de abelha no território francês segundo o Atlas de Gilliéron (1902-1910)
2a etapa: de és a ep
4. nos dialetos do norte da França alternam, em contextos fonéticos relevantes
para o caso, as pronúncias [é] e [wé]; por conseguinte, as frases [v:Jlde'zes]
e [v:Jlde 'zes] tomam-se homônimas, significando "voo de pássaros" ou "voo
das abelhas"; para desfazer a homonímia, a língua substitui os dois tetmos em
conflito: de um lado, toma-se essaim (do lat. examen, "enxame") como coletivo/
plural de abelha, o que leva por sua vez a buscar novos termos para "enxame";
de outro substitui-se o termo para "pássaro" (ézé, wezé) por moineau, oiselet etc.;
5. a mesma flutuação de pronúncia confunde os nomes da abelha e da vespa:
(w)és (< lat. ape) = wés (< lat. vispa); desfaz-se mais esta colisão tomando
do dialeto da Íle de F rance a forma ep.
3a etapa: de ep a mouchette
6. foneticamente fraco, ep reforça-se em é-ep, és-ep e mouche-ep;
7. as duas últimas formas são reconstruídas nas fonnas assonantes essette
e mouchette. limites dos
4a etapa: de mouchette a mouche à mie! __r".,_,-. departamentos atuais
I abeille
8. mouche à mie! substitui mouchette, em conflito com o diminutivo de mouche;
mouche à miei
9. mouche à mie! opõe-se a mouche-guêpe, nmne da vespa. avette
sa etapa: de mouche à mie! a abeille
10. no dialeto de Paris, toma-se emprestada a forma provençal abeille, criando o
mouchette
par opositivo mouche abeille (assonante com mouche à mie!)/ mouche guêpe;
outras denominações
11. permanece abeille, nome atual da abelha em francês standard.
34 Linguística Românica Ciência da linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx 35

Mapa 3 - Origem dos nomes de galinha em uso nos dialetos italianos, Mapa 4 - Denominações de galinha nos dialetos portugueses, século xx (Magno, 1961)
primeira metade do século xx(Magno, 1961)

galinha
SUÍÇA ÁUSTRIA ---- pita
HUNGRIA _frango
gg ave
~ penosa
111111111111 mondice
~pula
-bico
~~ có-có
!i!!iil choucha
m outros:
• xixa
•tica
• picha
•chorresca
• churra
• esgarbetadeira

.BAIXO ALENTEJO

< gallina
<pita

<pula

< ÕpVlÇ
Linguística Românica Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx 37

O movimento das "palavras e coisas" mestra do linguista. Esses movimentos são geralmente conhecidos como "Idealis-
mo Linguístico"; seu representante mais célebre é o linguista alemão Karl Vossler,
A revista Worter und Sachen, fundada em 1909 por Rudolf Meringer (1859- que, num livro significativamente intitulado Língua e cultura de França, analisa
1931) e Hugo Schuchardt (1842-1927) dá o nome a outro movimento que, por um as grandes tendências da cultura francesa ao longo dos séculos, e busca na língua,
ângulo diferente, também mostra as insuficiências de uma análise somente fonética particularmente a língua literária, a sua manifestação.
da evolução da língua. A tese que se tomou bandeira desse tnovimento é que, fre- O Idealismo Linguístico constituiu uma poderosa reação à orientação dos neo-
quentemente, a verdadeira etimologia de uma palavra só é explicada por um estudo gramáticos, então dominante; contra a metodologia atmnística e positivista destes
acurado da realidade que ela designa e dos conhecimentos que a cercam: recomenda- (coleta dos materiais., rigor nas tarefas de documentação, formulação indutiva de
se, então, que os estudiosos da língua considerem com mais interesse "as coisas", regras) preconizou un1a metodologia intuitiva, voltada para formulações globais
em oposição a uma tradição que se preocupou exclusivamente com "as palavras". que em geral resultam em apresentar os fatos linguís_ticos (isto é, as inovações
O exemplo sempre lembrado para ilustrar esse enfoque é a história da palavra registradas num determinado período da história de uma língua) como a expressão
fígado e de seus cognatos românicos (esp. hígado, fr.joie, it.fegato, cat. e prov.fetge, do espírito de mna determinada época, grupo ou nação.
engadino fiyat, rom. ficá(). Embora essas palavras sejam a tradução exata do latim As explicações propostas pelos idealistas são frequentemente discutíveis quando
iecur, não é possível, evidentemente, traçar entre essa e aquelas uma derivação foné- não francamente inverossímeis. Por exemplo, Vossler explica o aparecimento dos
tica regular. Entre iecur e as formas *ficatu, *ficatu que resultan1 da comparação das artigos partitivos em francês como manifestação de uma mentalidade interesseira e
línguas românicas encontra-se, contudo, um elo quando se considera mais de perto a comercial que teria tomado conta da França no fim da Idade Média-- uma explicação
"coisa", no caso o interesse gastronômico que os antigos tinham no fi gado das aves que é no mínimo forçada. Assim, o grande mérito dos idealistas não reside nas suas
e a técnica de sua produção. O figado era mn prato altamente apreciado, e para obter explicações, mas no fato de terem chmnado a atenção para um aspecto que as pes-
figados maiores e mais saborosos era hábito alimentar os gansos com grandes quanti·- quisas anteriores e as orientações então dominantes n1arginalizavam: a importância
dades de figos. Da expressão iecurficatu, que indicava o figado engordado com figos, da expressividade e da criatividade individual como tàtor de evolução da língua.
sobreviveu.ficatu, que remetia de início aos figos, mas acabou substituindo iecur com Por esse enfoque, o Idealismo Linguístico, cuja influência se prolongou por vá-
o significado genérico de "figado" (por uma derivação análoga, pêssego se origina de rias décadas, preparou o terreno para um movin1ento de crítica literária de inspiração
malum persicum, significando "maçã pérsica", isto é, "maçã da Pérsia"). filológica, que teve forte repercussão nos países de língua espanhola: a Estilística.
Uma orientação afím ao estudo das palavras e coisas é a Onomasiologia,
que consiste no levantamento de todas as expressões que designam um mesmo
objeto ou conceito. Este estudo leva naturalmente a representar o vocabulário da
língua como um conjunto de "campos semânticos" estruturados por relações de
sinonímia e oposição. Prüneiro atlas linguístico de todos os tetnpos, o ALF foi o marco inicial
de un1a nova disciplina, a Geografia Linguística, e permaneceu durante todo
O Idealismo Linguístico o século xx con1o um modelo a ser imitado e se possível superado, à medida
que os pesquisadores dos dialetos românicos iam se organizando para produ-
Desde sua origem, os estudos de Linguística Românica constituem um terreno zir novas descrições ou descrições novas das outras regiões da Ron1ânia e da
privilegiado para a aplicação de hipóteses filosóficas sobre a natureza da língua própria França.
e os mecanismos de sua evolução. Entre o atlas de Gilliéron e os que se seguiram há, porém, diferenças sensíveis
Assim, não admira que, nas primeiras décadas do século xx, as ideias dos de design, voltadas, no mínimo, a tomar mais densa a rede dos pontos pesqui-
filósofos Henri Bergson e Benedetto Croce tenhmn repercutido nos estudos de sados ou mais rica a informação procurada (por exemplo, combinando léxico e
Romanística, dando origem a movimentos que valorizavmn a criatividade indivi- gramática, ou falando ao mesmo tempo de palavras e coisas). Nem todos os atlas
dual dos falantes como um aspecto central da língua, e a intuição como faculdade linguísticos recentes têm por foco um país: ao lado dos atlas "nacionais", há os
Linguística Românica Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx 39

que adotam uma abrangência supranacional (toda a Europa, toda a área em que e dialetos falados na Europa. Já publicou 11 volumes, sendo o primeiro de
já se falou o latim), ou apenas regional (por exemplo, a Valônia, isto é a parte da introdução e apresentação dos questionários, e os seguintes de cartas e comen-
Bélgica em que se fala francês, ou a Catalunha); enquanto alguns fornecem dados tários. Utilizando diferentes tipos de mapas (semasiológicos, onomasiológicos
exclusivamente linguísticos de um tipo particular, por exemplo, sintáticos, outros e motivacionais), compõe uma riquíssima base de dados para diferentes estudos
trazem também informações etnológicas, ou seguem uma perspectiva temática linguísticos e histórico-culturais tendo por objeto a Europa.
(por exemplo, enfocando a pesca e a marinharia das costas do Mediterrâneo).
Dos projetos de atlas linguísticos que surgiram no século xx, alguns continuam Península ibérica
em andamento, porque sofreram interrupções devidas a fatores externos, como
as guerras, a morte de seus diretores ou ainda reformulações de planos sugeridas 1923-1939-Atlas Linguístic de Catalunya (Antoni Griera),já publicou 5 volumes
e 858 cartas das 3.500 previstas; pesquisou 250 localidades, mediante um
pela evolução das teorias linguísticas. Outros continuam em andamento devido à
questionário de 2.866 perguntas.
complexidade de seu projeto; o problema dos custos, muito grave nos atlas mais
antigos, formados por centenas de mapas de grande formato, tende a ser resolvido 1931-Atlas lingüístico de la Península ibérica (Tomás Navarro Tomás, A. M.
satisfatoriamente com a adoção dos formatos digitais. De fato, alguns dos atlas Espinosa e Rodrigues Castellano; Moll e Sanchis Guarner, Othero Gusmão
mais recentes (já disponíveis para o público ou ainda em fase de elaboração) po- e Luis-Felipe Lindley Cintra). Visava a cobrir as áreas do português, do
dem hoje ser consultados on-line, trazendo, além da transcrição da fala de uma espanhol e do catalão. A pesquisa de campo, referente a 527 localidades,
região, sua trilha sonora. 1 Esse é um passo inestimável en1 uma área em que as foi produtiva até a Guerra Civil Espanhola, quando seu principal pesquisa-
bibliotecas universitárias são geralmente deficitárias. 2 dor, T. Navarro Tomás, se exilou, levando consigo os materiais do projeto,
Para quem estiver disposto a mergulhar nessa heterogeneidade, existem hoje atlas que só voltaram à Espanha em 1951; outro pesquisador, Aníbal Otero~ foi
linguísticos para todos os gostos, não só para os don1ínios românicos do território preso por espionagem, devido aos símbolos fonéticos que constavam de
europeu, mas também para a assim chatnada România Nova (na qual se inclui o seus apontamentos. Em 1961, foi publicado un1 único volume dos 1O pre-
Brasil), como se pode ver pela relação que segue, que menciona os mais importantes vistos. Desde a década de 1990, um professor da Universidade de Western
de cada região, indicando a data de início, o título, a sigla pela qual é mais geral- Ontario, David Heap, cuida pessoaln1ente de disponibilizar pela internet
mente conhecido, o nome do pesquisador responsável e os principais resultados. os tnateriais do projeto.
1970- Projeto de atlas linguístico-etnográfico de Portugal e Galiza (Luís F Lindley
Atlas supranacionais Cintra/João Saramago). Passadas as fases de elaboração do questionário lin-
guístico (que consta atualn1ente de 2. 000 perguntas) e da fixação de pontos ( 176
1971 -Atlante linguístico mediterrâneo (ALM, direção de Gianfranco Folena e no território continental, tnais 12 em áreas fronteiriças da Espanha, e mais 24
IVIanlio Cortelazzo); tinha produzido até 1971 um ensaio e 25 mapas, sobre entre os Açores e a Ilha da Madeira), o projeto recolheu cerca de 4.500 horas de
termos de marinharia e pesca usados e1n 165 localidades costeiras dos mares registros sonoros, que até fevereiro de 2017 estavam sendo digitalizados para
Mediterrâneo e Negro; posterior publicação; um segtnento desse atlas é Atlas linguístico-etnográfico
1987- Atlas linguistique Roman (ALiR) tem por diretor Michel Contini, da Uni- dos Açores (ALEAç), que no final do século xx recolheu dados em 17 loca-
versité Stendhal de Grenoble e conta com a participação de 85 pesquisadores, lidades das nove ilhas dos Açores com foco no léxico. Segundo informação
provenientes de todos países de fala românica. Publicado em francês, realiza um do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa (outubro de 2016), todo
projeto que prevê cerca de mil cartas lexicais, fonéticas, fonológicas e morfossin- este material já está disponível on-line.
táticas, a partir de levantamentos realizados em centenas de pontos do território 1961-1973 --Atlas lingüístico y etnográfico de Andalucía (Alea- Manuel Alvar,
românico. Dos 11 volumes previstos, já saíram 3, o último dos quais é de 2009; Gregorio Salvador e Antonio Llorente). As datas são as de publicação do
1975 -Atlas linguarum Europae (ALE), atualmente sob a direção de Nicolae Sa- próprio atlas, que consta de 6 tomos e 1.900 mapas; a pesquisa baseou-se
ramandu (Academia das Ciências de Bucareste), visa à tipologia das línguas numa rede de 230 localidades.
Linguística Românica Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx

1987- Atlas linguístico do litoral português (ALLP). 40 pontos de investigação na mais os cantões Ticino e Grisões. É completado por um extenso índice alfa-
costa continental e nas ilhas. 1.200 perguntas sobre os campos semânticos da bético das formas nele contidas.
pesca, da navegação e dos fenômenos atmosféricos. 1987 é a data da primeira 1995 -Atlante linguístico italiano (ALI). Lançou sua primeira publicação em 1995,
publicação do projeto. mas o projeto é mais antigo e já contou com a colaboração de M. Bartoli, Ugo
Pellis, Benvenuto Terracini, Giuliano Bonfante e Corrado Grassi; investiga
França, Bélgica, Suíça, Canadá
1.065localidades, com base num questionário de 7.000 itens, e dá informações
de tipo linguístico, etnolinguístico e sociolinguístico.
Atlas nacionais
1902-1912- O Atlas linguistique de la France (ALF) (J. Gilliéron e E. Edmont),
Atlas regionais e temáticos
com suas 1.920 perguntas e com os levantamentos realizados em 639 locali-
dades do território galo-românico continental, é o precursor de todos os atlas 1935 -Atlante lingüístico etnografico italiano de !la Corsica (Aleic) (Gino
linguísticos. O e1npreendimento do ALF continuou com o Atlas linguistique Bottiglioni).
de la Corse (ALe) planejado para constar de 10 volumes, dos quais smnente
1964 - Saggio di un atlante linguistico della Sardegna (B. Terracini e Ben-
4 foram publicados devido à Primeira Guerra Mundial.
venuto Franceschi).
1980 - Atlas linguistique de la France par régions publicado desde 1980 sob
1973 - O Atlante lessicale toscano (ALT), Gabriella Giacomelli (primeira coor-
os auspícios do Centre National des Recherches Scientifiques (CNRS) com a
denadora); atualmente disponível no site http://serverdbt.ilc.cnr.it/altweb/.
participação de equipes locais de especialistas.
1972- Atlante storico-linguístico-etnografico friulano (Aslef) (G.-B.Pellegrini).
1980 -Atlas linguistique de l' Est du Canada, hoje com dez volun1es. O ano de
1987- Étude de géographie phonétique et de phonétique instrumentale du sar-
1980 é a data em que seus diretores, Gaston Dulong e Gaston Bergeron, pu-
de (Michel Contini).
blicaram Le parler populaire du Québec et de ses régions voisines: atlas
linguistique de l'Est du Canada. 1998-2002- Atlante linguístico de/ladino dolomitico (ALD) (Goebl et al.) Aces-
sível e1n http://ald.sbg.ac.at/aldl).
Atlas regionais
1953- Atlas linguistique de la Wallonie. Realizado a partir de um projeto do filó- Romênia, Moldávia
logo e dialetólogo Jean Haust, refere-se à Valônia, a parte da Bélgica em que
1909 - Linguistischer Atlas des dakorumanischen Sprachgebietes, de Gustav
se falam dialetos franceses; 1953 é a data da publicação do primeiro volurne
Weigand, publicado en1 Leipzig. Este atlas continha 67 mapas e dava conta
de uma série que tinha chegado a dez e mais de 750 mapas em 2016; cada
das respostas a um questionário de 114 itens.
volume é dedicado a um tema (por exemplo, "a família e as relações sociais")
e investiga os recursos linguísticos que permitem falar dele. 193 8 -1956- Atlasul Linguístic Român (dirigido por Sextil IosifPu~cariu, Saver
Pop e Emil Petrovici). Produziu 598 cartas em três volumes até 1942, quando
1995- Nouvel atlas linguistique et ethnographique de la Corse (Nalc) (Marie-
sua publicação foi interrompida pela guerra. As publicações foram retomadas
Jose Dalbera-Stefanaggi).
a partir de 1956 sob o nome de "série nova", que prosseguiu até 1981, aos
Itália cuidados de Ioan Pãtrut, ou Petrovici. Cada um dos volumes da nova série é
acompanhado de um Micul atlas lingvistic român, isto é, um "Pequeno atlas
Atlas nacionais linguístico romeno". Mais recentemente, a Geografia Linguística do romeno
1928-1940- Sprach und Sachatlas ltaliens und der Sudschweiz ("Atlas linguístico desenvolveu projetos pautados por uma divisão em regiões.
e de coisas da Itália e sul da Suíça") (Ars). Elaborado por Karl Jaberg e Jakob 1970-Atlasullinguistic românpe regiuni dePetruNeiescu, que, desde 1970, vem
Jud, com a colaboração de P. Scheuermeier, G. Rohlfs e M. L. Wagner. Com dedicando seus volumes às várias regiões de fala romena: Valáquia, Banato,
1. 705 mapas para 405 localidades da Itália, Sicília, Sardenha, sul da Suíça, Transilvânia, Moldávía, Bucóvina, Cris, Maramures etc.
Linguística Românica Ciência da Linguagem e Linguística Românica nos séculos XIX e xx 43

2004 - Proiectarea asistatã de calculator a Atlaselor Lingvistice Române~ti O estruturalismo linguístico remonta às ide ias do suíço F erdinand de Saussure
ou Projeto computacional de atlas linguístico romeno (coordenação de Ste- (1857-1913), em particular à sua concepção da língua como um sistema em que
lian Dumistrãcel). as unidades contam principalmente pelas relações que entre elas se estabelecem.
O caráter sistemático da língua, segundo Saussure, aparece principalmente
Brasil/América do Sul quando se considera uma língua ou dialeto não ao longo do tempo ("diacronia"),
mas numa perspectiva que procura abranger todas as unidades e suas respectivas
Na América do Sul, a elaboração de atlas linguísticos nacionais esbarrou sempre em relações num mesmo 1nomento ("sincronia"). Assün, Saussure lançou o programa
dificuldades financeiras e, no caso do Brasil, no problema criado pelas dimensões da Linguística dita "sincrônica", que rompia cmn mais de um século de tradição
continentais do país. Os primeiros atlas brasileiros foram regionais, e seus títulos historicista e que orientou desde então as investigações linguísticas de vanguarda.
ressaltam o caráter "provisório" do produto. O primeiro atlas nacional da América Aplicadas aos sons da língua, as ideias de Saussure levaram a desenvolver, em
Latina é do Uruguai; o Atlas linguístico do Brasil, que coroa os esforços de uma paralelo aos tratamentos tradicionais de cunho fonético que era dado aos sons da
equipe guerreira da Universidade Federal da Bahia, é de 2014. língua, u1n tratamento voltado para o estudo dos sons enquanto unidades distin-
tivas, e isso resultou no desenvolvimento de uma nova disciplina, a Fonologia. A
1958- Bases para o atlas linguístico do Brasil (Antenor Nascentes). perspectiva do fonólogo é, por definição, sistemática: um fonema só existe como
1963 -Atlas prévio dos falares bahianos (Nélson Rossi) (154 mapas). tal na medida em que se opõe a todos os demais fonemas do mesmo sistema;
1977- Esboço de um atlas linguístico de Minas Gerais (José Ribeiro, M. Zaggari assim, a Fonologia ilustra de maneira cabal a tese estruturalista de que o sistema
e colaboradores). precede logicamente as unidades de que se cmnpõe.
1980-1985- Atlas linguístico da Paraíba (Maria do Socorro Silva de Aragão e A principal influência que o estruturalisn10 exerceu sobre o estudo evolutivo
Gleusa P. B. de Meneses). das línguas românicas prende-se a essa perspectiva siste1nática: no estruturalis-
1987-Atlas linguístico de Sergipe (Carlota da Silveira Ferreira e colaboradores). mo, as mudanças fônicas deixam de ser encaradas como fatos isolados, ou como
1994- Atlas linguístico do Paraná (Vanderci Aguilera). fatos que ocone1n em determinadas condições sintagmáticas (por exemplo, os
neogramáticos tinham insistido na importância da assimilação de sons aos sons
2002- Atlas linguístico-etnográjico da região sul do Brasil (Alers) (Walter Koch).
vizinhos na cadeia falada como um fator de evolução) e passam a ser encarados
Relata levantamentos realizados em 294localidades dos três estados da região Sul
con1o soluções que a língua adota para corrigir desequilíbrios no seu próprio sis-
do Brasil, com base em três tipos de questionário: 1) Fonético-fonológico, 2) Mor-
te·ma fonológico. Ao aceitar essa tese, o linguista é levado a reconhecer que certas
fossintático e 3) Semântico-lexical. Dois volun1es foram publicados até o momento.
mudanças fônicas alterarn o sistema fonológico da língua como um todo; essas
2000- Atlas lingüístico y diastrático de! Uruguay (Addu) (um tomo publicado). tnudanças são qualitativamente diferentes daquelas que resultam em mudanças
2014 -Atlas linguístico do Brasil (Alib) (Suzana Cardoso e Jacyra Mota): dois de pronúncia, sem repercussões no sisten1a. Eis alguns exemplos:
volumes que trazem uma introdução e un1 conjunto de 159 cartas "com dados
de 25 capitais de estado". a. Desfonologização- a duração das vogais (isto é, a distinção feita entre vogais
longas e vogais breves) era um traço distintivo no latim arcaico que se man-
teve como tal no latün clássico; sabe-se, entretanto, que o traço distintivo da
O ESTRUTURALISMO duração desapareceu no latim vulgar, e não é fonologicamente pertinente nas
línguas românicas: desde o latim vulgar, as variações no parâmetro de duração
A próxima escola linguística com influência marcante em Linguística Româ- produzem variantes livres ou estilísticas, sinalizam emoções, mas não bastam
nica foi o estruturalismo, nome que cobre uma vasta gama de orientações cujo para distinguir palavras cmn significações diferentes. Podemos dizer nesse
traço comum é a crença de que a língua se caracteriza, no dizer de André Martinet, caso que houve "desfonologização da duração das vogais".
"por um tipo de organização sui generis que transcende as semelhanças acidentais b. Fonologização 1- em compensação, em latim vulgar e na 1naioria das línguas
entre as realizações de unidades isoladas". românicas há palavras que se distinguern unicamente pelas vogais /e/=f/e/ e

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