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Socrates A Morte PDF
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E A QUESTÃO DA MORTE*
eclodiu uma rica produção literária que tomava Sócrates por personagem
central. Seus discípulos fazem-lhe a defesa póstuma e apresentam-no como
modelo da sabedoria e das virtudes humanas: Platão torna-o a figura prin-
cipal da maioria de seus Diálogos, Xenofonte exalta-o principalmente nas
‘Memoráveis’, Esquines, em diversas obras (que se perderam).
quase todos os circunstantes poderiam falar melhor que eles próprios sobre
as obras que eles compuseram. Assim, logo acabei compreendendo que
tampouco também os poetas compunham suas obras por sabedoria, mas
por dom natural, em estado de inspiração, como os adivinhos e profetas.
Estes também dizem muitas belezas, sem nada saber do que dizem; o mes-
mo, apurei, se dá com os poetas; ao mesmo tempo, notei que, por causa da
poesia, eles supõem ser os mais sábios dos homens em outros campos, em
que não o são. Saí, pois acreditando supera-los na mesma particularidade
que os políticos (PLATÃO, 1980, p.9).
que na realidade, o sábio seja o deus e queira dizer, no seu oráculo, que
pouco valor ou nenhum valor tem a sabedoria humana; evidentemente
se terá servido deste nome de Sócrates para me dar como exemplo, como
se dissesse: ‘ o mais sábio dentre vós, é quem como Sócrates compreen-
deu que sua sabedoria é verdadeiramente desprovida do mínimo valor
(PLATÃO, 1980, p. 10).
o que lhe censuram não é tanto o que faz, mas a maneira, o motivo por que
o faz. Há na Apologia uma frase que tudo explica, quando Sócrates diz aos
que o julgam: Atenienses, eu acredito, como qualquer dos que me acusam. Eis
uma expressão de oráculo: ele acredita mais do que eles, e também de outro
modo e num outro sentido. A religião que ele diz ser verdadeira é aquela
em que os deuses não se degladiam, em que os presságios se conservam
ambíguos, - pois que, como diz Sócrates de Xenofonte, ao fim e ao cabo,
são os deuses, e não as aves, que prevêem o futuro, - em que o divino,
Outra coisa não faço senão andar por aí persuadindo-vos moços e velhos a
não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas como de melhorar o
mais possível a alma dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os
homens, mas da virtude vem os haveres e todos os outros bens particulares
e públicos. Se com esses discursos corrompo a mocidade seria nocivo esses
preceitos; se alguém afirmar que digo outras coisas e não essas, mente. Por
tudo isso, atenienses [...], quer me dispenseis, quer não, não hei de fazer
outra coisa ainda que tenha de morrer muitas vezes (PLATÃO, 1980, p. 15).
não estavam no mesmo plano [...] O que esperam dele é o que ele lhes não
pode dar: a concordância sem considerações. Ele, pelo contrário, compa-
rece perante os juízes para explicar o que é a cidade. Como se eles não o
soubessem, como se eles não fossem a cidade. Não defende a sua causa, mas
a de uma cidade que aceitasse a filosofia. Inverte os papéis e diz: não me
defendo a mim, mas a vós. No fim de contas, a cidade é ele, e os outros
é que são os inimigos da leis, os outros é que são julgados e lê é que é o
A que mereço, não é claro? Qual será? Que sentença corporal ou pecuniária
mereço eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que, negligenci-
ando o de que cuida toda gente – riquezas, negócios, postos militares, tri-
bunas e funções públicas, conchavos e lutas que ocorrem na política, coisas
em que me considero de fato por demais pundonoroso para me imiscuir
sem me perder – não me dediquei àquilo, a que se me dedicasse, haveria
de ser completamente inútil para vós e para mim? Eu que me entreguei
à procura de cada um de vós em particular, a fim de proporcionar-lhe o
que declaro o maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de vós a
cuidar menos do que é seu que de si próprio para vir a ser quando melhor e
mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo, adotado
o mesmo princípio nos demais cuidados? Que sentença mereço por ser
assim? Algo de bom, atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente
proporcionada ao mérito: não só, mas algo de bom adequado a minha pes-
soa. O que é adequado a um benfeitor pobre, que precisa de lazeres para
vos viver exortado? Nada tão adequado a tal homem, atenienses, como ser
sustentado no Pritaneu; muito mais do que a um de vós que haja vencido,
nas Olimpíadas, uma corrida de cavalos, de bigas ou de quadrigas. Esse vos
dá a impressão da felicidade: eu, a felicidade; ele não carece de sustento, eu
careço. Se, pois, cumpre que me sentenciem com justiça e em proporção
ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu (PLATÃO, 1980, p. 21-2).
Sócrates debateu com seus discípulos o que era morte, o medo que
as pessoas têm dela, o seu sentido e a imortalidade da alma. Ele conseguiu
transformar um acontecimento trágico num em um tema filosófico.
Na parte final de sua defesa, quando se despediu dos juízes, dos que
o condenaram, discutiu também a questão da morte. Inicialmente teceu
argumentos para demonstrar que quando se é justo e correto não se deve
temer a morte. Sócrates disse:
a verdade, atenienses, é esta: quando a gente toma uma posição, seja por
a considerar a melhor, seja porque tal foi a ordem do comandante, aí, na
minha opinião, deve permanecer diante dos perigos, sem pesar o risco de
morte ou qualquer outro, salvo o da desonra (PLATÃO, 1980, p. 14).
O que é a morte? O que é esse grande temor que se apodera das pes-
soas? Por que a tememos? Temos razão para temê-la? São esses questiona-
mentos que podemos dizer que estão, seja de modo explícito ou implícito,
presentes nas reflexões de Sócrates. Primeiramente, ele questiona por que
temer a morte, se não sabemos o que ela é: “Com efeito, senhores, temer
a morte é o mesmo que supor-se sábio quem não o é, porque é supor que
sabe o que não sabe” (PLATÃO, 1980, p.15).
Segundo Sócrates, “ninguém sabe o que é a morte, nem se, por-
ventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se
soubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não
é essa de supor saber o que não sabe?” (PLATÃO, 1980, p.18). Então,
morrer é uma destas duas coisas: ou o morto é igual a nada, e não sente
nenhuma sensação de coisa nenhuma; ou, então, como se costuma dizer,
trata-se duma mudança, uma emigração da alma, do lugar deste mundo
para outro lugar. Se não há nenhuma sensação, se é como um sono em que
o adormecido nada vê nem sonha, que maravilhosa vantagem seria a morte
(PLATÃO, 1980, p. 26).
CONCLUSÃO
Notas
1 Existem controvérsias sobre quem é o pai da filosofia. Cícero, no tratado Sobre
a natureza dos deuses, apresenta Sócrates como o pai da filosofia. Para Dorion,
há outra tradição interpretativa que afirma que o primeiro filósofo foi Tales de
Mileto, cujo nascimento é anterior ao de Sócrates em mais de um século. “A
contradição entre essas duas tradições é apenas aparente, pois não é no mesmo
sentido que se atribui a Tales o título de ‘primeiro filósofo’ e a Sócrates o de
‘pai da filosofia’. Para os antigos, Tales é o primeiro fisósofo no sentido de ter
sido o iniciador do tipo de pesquisa que consiste em explicar os fenômenos
naturais a partir de causas materiais, e não mais fazendo intervir causas
sobrenaturais, como os deuses, enquanto que Sócrates é o pai da filosofia no
sentido de ter sido ele o primeiro a afastar-se do estudo da natureza e insistir
para que a reflexão filosófica se interessasse daí em diante, e exclusivamente,
pelas ‘questões humanas” (DORION, 2006, p. 7).
2 Os Onze eram autoridades policiais Eletivas. (N. do T.) (PLATÃO. Defesa de
Sócrates. In: Sócrates. p. 22).
3 Hades é o lugar para onde vão as almas.
Referências
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2006.
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Tradução de Márcia de Sá Schuback.
Petrópolis: Vozes/ Bragança Paulista: Ed. Univ. São Francisco, 2007.
DORION, Louis-André. Compreender Sócrates. Petrópolis: Vozes, 2006.
JAPIASSU, Hilton. Um desafio à filosofia: pensar-se nos dias de hoje. São Paulo:
Letras & Letras.
MERLEAU-PONTY, Maurice (1998). Elogio da filosofia. Lisboa: Guimarães Edi-