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NOVOS CAMINHOS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
Luis Roque Klering a
Melody de Campos Soares Porsse b
Luis Alberto Guadagnin c
Abstract: The present work is aimed at demonstrating the evolution of public administration
models, taking into consideration three basic models (patrimonial, bureaucratic and
managerial) while also highlighting important recent trends of the Brazilian government,
which indicate the formation of a more systemic model, operated through multilevel and
multisphere government programs. To do so, the present article provides a survey on the
central characteristics (or modus operandi) of Brazilian public administration up to 1994 –
including periods of patrimonial and bureaucratic governments, and the end of Itamar Franco
Administration. Subsequently, it emphasizes a period called Reforma do Estado Brasileiro
(Brazilian State Reformation), established during the first term of Fernando Henrique Cardoso
Administration. From the 1995 State Reformation on, initiatives from the second term of the
FHC Administration (1999-2002) and the Lula Administrations (2003-2006 and 2007-2010
terms) point out the formation of a more systemic model of Brazilian government, operated
through multiple intergovernmental programs, turning to collaborative and integrated
actions at different levels and spheres of government and civil society. The present work
then highlights some of the most recent experiences that illustrate a trend for the formation
of a more systemic Brazilian government, especially by broadening the scope of tripartite
and n-partite federal programs, such as SUS, PSF, REDESAN and Territórios da Cidadania,
which are developed concomitantly by different governmental and social actors, thus aimed
at achieving greater synergy and effectiveness in actions.
Keywords: Systems approach. Public administration models. Systemic governments. Multiple
intergovernmental programs. Governmental programs.
JEL Classification: H8, Miscellaneous Issues; H83, Public Administration; Public Sector
Accounting and Audits.
a Professor do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGA) da Escola de Administração (EA) da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (UFRGS) de Porto Alegre-RS/Brasil. E-mail: <lrklering@via-rs.net>.
b Doutora em Administração e Pesquisadora do Núcleo de Tecnologias em Gestão Pública (NUTEP) da Escola de Administração (EA)
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) de Porto Alegre-RS/Brasil. E-mail: <msporsse@hotmail.com>.
c Professor da Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia (FACE) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
pela indefinição entre o que é público e privado, distinção entre administração e política. Neste
entre o político e o administrador público (co- estágio, ainda, a administração pública sofre a
mo cargo profissional). Consequentemente, a influência da Teoria da Administração Científi-
corrupção e o nepotismo são inerentes a esse ca de Taylor, buscando o ideal da racionalização
tipo de administração. via aplicação dos princípios da simplificação,
A administração pública burocrática traz, padronização e aquisição racional de materiais,
em seu cerne, as idéias de profissionalização, revisão de estruturas e aplicação de métodos na
de carreira, de hierarquia funcional, impessoali- definição de procedimentos.
dade e formalismo, caracterizando assim um po- Tendo em vista as inadequações do modelo
der racional-legal. Parte-se de uma desconfiança burocrático, a administração pública burocrática
prévia nos administradores públicos e nos cida- que vigorava desde a década de 30 sofreu suces-
dãos que a eles dirigem demandas. Por este mo- sivas tentativas de reforma. Não obstante, as ex-
tivo, são sempre necessários controles rígidos periências se caracterizaram, em alguns casos,
dos processos. pela ênfase na extinção e criação de órgãos, e,
Em contrapartida, surgem disfunções; o con- em outros, pela constituição de estruturas pa-
trole – a garantia do poder do Estado – trans- ralelas visando a alterar a rigidez burocrática.
forma-se na própria razão de ser da administra- Assim, no Governo JK, foi feita uma tentativa
ção. Em consequência, o Estado corre o risco de de reforma administrativa com a criação da Co-
voltar-se para si mesmo, perdendo a noção de missão de Estudos e Projetos Administrativos,
sua missão básica, que é servir à sociedade. A objetivando a realização de estudos para sim-
qualidade fundamental da administração públi- plificação dos processos administrativos e refor-
ca burocrática é a efetividade no controle dos mas ministeriais, bem como a Comissão de Sim-
abusos; seu defeito, por outro lado, está na ine- plificação Burocrática, que visava à elaboração
ficiência, na autorreferência, na incapacidade de de projetos direcionados para reformas globais
voltar-se para o serviço aos seus cidadãos. Esse e descentralização de serviços.
defeito, entretanto, não se revelou determinante A reforma operada em 1967 pelo Decreto-Lei
na época do surgimento da administração pú- nº 200, entretanto, constitui um marco na tenta-
blica burocrática, porque os serviços do Estado tiva de superação da rigidez burocrática, poden-
eram menores. Nesse modelo de administração do ser considerada como um primeiro momento
pública, o Estado concentra esforços para man- da administração gerencial no Brasil. Mediante
ter a ordem e administrar a justiça, e garantir os o referido Decreto-Lei, realizou-se a transferên-
contratos e a propriedade. cia de atividades para autarquias, fundações,
No Brasil, o modelo de administração bu- empresas públicas e sociedades de economia
rocrática emerge principalmente a partir dos mista, a fim de obter-se maior dinamismo ope-
anos 30, como contraponto ao conservador, mas racional por meio da descentralização funcional.
fragmentado, poder das oligarquias rurais ex- Instituíram-se, como princípios de racionalidade
portadoras. Surge no quadro da aceleração da administrativa, o planejamento e o orçamento,
industrialização brasileira, em que o Estado as- o descongestionamento das chefias executivas
sume um papel central mais decisivo, intervin- superiores (visando a desconcentrar e descen-
do maciçamente no setor produtivo de bens e tralizar), a tentativa de reunir competência e
serviços. A partir da reforma empreendida no informação no processo decisório, a sistemati-
governo Vargas por Maurício Nabuco e Luiz Si- zação, a coordenação e o controle.
mões Lopes, a administração pública sofre um O paradigma gerencial da época, compatível
processo de racionalização que se traduziu no com o monopólio estatal na área produtiva de
surgimento das primeiras carreiras burocráticas bens e serviços, orientou a expansão da admi-
e na tentativa de adoção do concurso como for- nistração indireta, numa tentativa de “flexibili-
ma de acesso ao serviço público. A implanta- zar a administração” com o objetivo de atribuir
ção da administração pública burocrática é uma maior operacionalidade às atividades econômi-
consequência clara da emergência de um capi- cas do Estado.
talismo moderno no país. Com vistas à moder- Entretanto, as reformas operadas pelo De-
nização da administração pública, é criado, em creto-Lei nº 200/67 não desencadearam mu-
1936, o Departamento Administrativo do Serviço danças no âmbito da administração burocrática
Público – DASP, abrindo, assim, uma nova e clara central, permitindo a coexistência de núcleos
dade dos serviços, tendo o cidadão como bene- Objetivando maior eficiência e qualidade nos
ficiário – torna-se, então, primordial. A Reforma serviços prestados aos cidadãos, o cenário da
do Aparelho do Estado passa a ser orientada Reforma empreendida no Brasil prevê diferen-
predominantemente pelos valores da eficiência tes estratégias e formas de descentralização dos
e qualidade na prestação de serviços públicos e serviços públicos: via instituição de mecanismos
pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial de privatização, visando a reduzir o tamanho do
nas organizações. aparelhamento administrativo do Estado, bem
como a dinamizar e flexibilizar sua atuação; a
3 A reforma gerencial do Estado quebra de monopólios, para tornar competiti-
brasileiro vas as atividades exercidas com exclusividade
pelo poder público; o recurso a autorizações,
A Reforma do Estado, implementada a partir permissões e concessões de serviços públicos,
de 1995, deve ser entendida dentro do contexto delegando-se estes serviços ao Terceiro Setor e
da redefinição do papel do Estado, que deixa à iniciativa privada; o estabelecimento de parce-
de ser o responsável direto pelo desenvolvi- rias com entidades públicas ou privadas para a
mento econômico e social pela via da produção gestão associada de serviços públicos, ou servi-
de bens e serviços, para fortalecer-se na fun- ços de utilidade pública, por meio de convênios,
ção de promotor e regulador desse desenvolvi- consórcios e contratos de gestão; a terceirização
mento. como forma de se buscar o suporte de entidades
No plano econômico, o Estado é, essencial- privadas ao desempenho de atividades-meio da
mente, um instrumento de transferências de administração pública.
renda. Para realizar essa função redistribuido- Vários modelos de atuação, inspirados no
ra ou realocadora, o Estado coleta impostos e contexto americano ou anglo-saxônico, podem
os destina aos objetivos clássicos de garantia ser considerados inadequados, uma vez que não
da ordem interna e da segurança externa, aos têm a devida sustentação constitucional e legal.
objetivos sociais de maior justiça ou igualdade Como exemplo de inadequação, pode ser men-
e aos objetivos econômicos de estabilização e cionado o caso dos contratos de gestão, utiliza-
desenvolvimento. Para realizar esses dois últi- dos desde 1991, mas que somente em anos mais
mos objetivos, que se tornaram centrais neste recentes estão previstos por Emenda Constitu-
século, o Estado tendeu a assumir funções di- cional (19/98, art. 37, § 8º).
retas de execução. As distorções e ineficiências Com a reeleição de FHC, em 1999, o gover-
que daí resultaram deixaram claro que reformar no passou a direcionar seu foco para a pobreza
o Estado significa transferir para o segundo e para o atingimento das metas internacionais
setor (privado) e terceiro setor (social) as ati- de desenvolvimento, reafirmando o Plano Real
vidades passíveis de serem realizadas pelos como estratégia para a estabilidade econômica.
mesmos. Outrossim, o novo governo propõe, como novi-
Assim, de um lado, o Estado repassa à inicia- dade, a estruturação das atividades de adminis-
tiva privada o que esta pode executar sob o con- tração pública federal em 380 programas, com o
trole do Estado. De outro, também descentraliza objetivo de assegurar transparência e respon-
para o setor público não-estatal a execução de sabilização gerencial. Desta forma, perde força
serviços que não envolvem o exercício do poder o apelo da “Reforma do Estado” frente ao novo
de Estado, mas que devem ser subsidiados pelo desenho da administração pública, calcado na
Estado, como é o caso dos serviços de educação, gestão de programas, flexionando desta forma,
saúde, cultura e pesquisa científica. Este pro- de maneira mais intensa, os esforços de dentro
cesso é a chamada “publicização”. da administração pública para o atendimento
A Reforma do Aparelho do Estado surge num concreto e comum dos cidadãos.
contexto de tecnologização e globalização do Com relação ao governo Lula (mandatos
mundo, em que são atribuídas crescentes com- 2003-2006 e 2007-2010), Fadul e Silva (2008)
petências ao poder público, que por isso precisa consideram que as iniciativas atuais de reforma
buscar condições para tanto, bem como obter propostas nesse governo seguem as políticas e
efetividade no processo, via busca de novas so- ações empreendidas na reforma de 1995, sendo
luções, medidas inovadoras, bem como novos desdobramentos e dando continuidade às refor-
colaboradores e parceiros. mas iniciadas no governo passado.
abranger a dimensão sociopolítica da gestão pú- blemas da administração e gestão pública, qual
blica1. seja, a construção de uma rede interna ao Esta-
Seu êxito depende da criação de condições do – entre os diferentes níveis e esferas de go-
sociais e de arranjos institucionais que estimu- verno – com ênfase na descentralização, redis-
lem o diálogo livre e aberto entre cidadãos, ca- tribuindo recursos, competências e poder para
pazes de formular juízos informados e racionais as esferas sub-nacionais, e tornando possível a
em torno das formas de resolver problemas. A proximidade do cidadão com a figura do poder
emergência de novas tecnologias de informa- público. As distintas instâncias governamentais
ção e comunicação (TICs) pode contribuir for- se convertem em elos de uma rede e passam a
temente para potencializar a participação dos tomar decisões coordenadas, o que torna as in-
cidadãos na sociedade. tervenções mais eficazes (Castells, 1999). Ade-
Dentre experiências participativas, podem mais, as ações do governo e de seus diferentes
ser citadas: os fóruns temáticos, conselhos ges- níveis e esferas passam a ser integradas tam-
tores de políticas públicas, conselhos de órgãos bém com as diferentes entidades e a sociedade
e de administrações públicas, planejamento via civil.
orçamento participativo, e outras formas mais. O Estado substitui então o modelo de prove-
Tais experiências se diferenciam de outras, uma dor exclusivo e de executor por um modelo de
vez que colocam em questão a tradicional prer- coordenador e fiscalizador de serviços, sendo as
rogativa do executivo em monopolizar a formu- responsabilidades executadas de modo descen-
lação e o controle das políticas públicas. Opor- tralizado, incluindo também parcerias e alian-
tunizam, assim, novos meios de interlocução e ças com empresas privadas e com a sociedade
negociação entre as estruturas de administra- civil. Dessa forma, as instâncias de governo se
ção pública e a sociedade. tornam sócias na promoção do desenvolvimento
econômico e social, apresentando uma organiza-
4.2 O Estado em rede ção mais flexível, ágil, eficiente, efetiva e com a
O desenvolvimento de novas tecnologias de sua ação descentralizada.
informação e comunicação (TICs) e a globaliza- A visão de funcionamento de uma organi-
ção da economia, assistidos no final do século zação em rede ultrapassa, assim, largamente a
XX, constituíram um cenário de negócios tur- visão monológica ou “mecanística” de funcio-
bulento, de mudanças rápidas e contínuas, no namento de organizações, caracterizada por
qual a competitividade, a flexibilidade e a busca Burns e Stalker (1961) na obra The management
da eficiência e da eficácia tornam-se essenciais of innovation, para situar-se mais perto da visão
(Pimenta, 1998). Como uma alternativa de so- “orgânica” de funcionamento de organizações,
brevivência nesse ambiente dinâmico e com conforme ilustra a Figura 1.
elevado nível de incerteza, são estabelecidas
novas estruturas organizacionais privadas e,
sobretudo, públicas, sendo as redes o elemento Variáveis
Organizações Organizações
Mecanísticas Orgânicas
fundamental que as caracteriza. Dessa maneira,
Estrutura Burocracia Adhocracia
as organizações conseguem acessar novos re- organizacional
cursos e conhecimentos, superar limitações in- Desenho dos cargos Estáveis, Mutáveis
Fragmentados,
dividuais, obter maior flexibilidade e melhores Especializados
condições de atuação e de superação de proble- Processo de decisões Centralizado Descentralizado
mas (Peci, 1999). Comunicações Mais verticais Mais laterais
Especificamente em relação ao Estado, uma Confiabilidade Nas regras formais Nas pessoas
nova forma institucional surge para se adequar Princípios Administração Teoria relações
predominantes científica humanas
aos desafios contemporâneos e aos novos pro- Ambiente externo Estável Instável
Fonte: Elaborada pelos autores, baseada em Burns e Stalker (1961).
1 Três dimensões são consideradas fundamentais para a cons-
trução de uma gestão pública democrática: (a) econômico- Figura 1 – Funcionamento de Organizações
financeira, envolvendo questões de natureza fiscal, tributária
e monetária; (b) institucional-administrativa, envolvendo as-
pectos de organização da estrutura, assim como aspectos de De acordo com os autores, no sistema me-
planejamento, direção e controle; (c) sociopolítica, envolven-
do as relações do Estado com a sociedade, especialmente os canístico, predomina a centralização e a hierar-
direitos dos cidadãos e sua participação na gestão pública. quia formal de autoridade. Os procedimentos
exigem que a organização se torne uma máqui- conseguem realizar melhor tal ajustamento ao
na eficiente, com muitas regras, regulamentos e ambiente, desenvolvendo cadeias (séries) de
controles. No orgânico, os indivíduos trabalham componentes que se interligam, formando es-
em grupos, se comunicam através de todos os truturas emaranhadas e entrelaçadas.
níveis da organização, e a variabilidade humana De uma estrutura em rede, as organizações
e toda sua complexidade são aproveitadas para podem evoluir para uma conformação mais inte-
estimular as decisões e a participação. grada e organizada de funcionamento, que é a
Em 1969, Warren Bennis (1972) atualizou a forma sistêmica. Para tanto, o ponto de partida
comparação entre organizações mecânicas e or- constitui entender o sentido de um sistema, que
gânicas, enfatizando os seguintes pontos, con- será visto no item seguinte.
forme Figura 2.
5 Enfoque sistêmico da administração
Organizações Organizações
pública brasileira
Variáveis
Mecânicas Orgânicas
Ênfase Nos indivíduos Nos grupos Por sistema, toma-se aqui o conceito defi-
Base do Na obediência Na confiança nido por Scaico (1988): “sistema é um conjunto
relacionamento
de componentes que se relacionam (interagem)
Responsabilidade Dividida Compartilhada
Divisão do trabalho Hierárquica Multigrupal
para atingir objetivos, transformando, sob res-
Tomada de decisões Centralizada Descentralizada trições e oportunidades, entradas em saídas”.
Solução de conflitos Através de repressão Através de Do conceito de sistema, decorre uma compreen-
negociação
são bastante ampla e envolvente do conceito de
Fonte: Bennis, 1972. “enfoque sistêmico”, que consiste em conside-
Figura 2 – Comparação entre Organizações rar uma realidade contendo várias característi-
Mecânicas e Orgânicas cas, propriedades ou atributos, que ultrapassam
a visão mecânica de funcionamento de uma or-
Para o autor, os novos tempos preconizam a ganização (ou seja, de uma visão linear, segmen-
falência do modelo burocrático de organização, tada, fixa), e mesmo a visão orgânica (aberta,
em favor de outro mais orgânico, que tenha ca- relacionada, flexível).
pacidade de evoluir (em ciclos), de aprender a Pois o enfoque sistêmico implica em consi-
aprender, de autorrenovar-se. derar que um fenômeno apresente várias carac-
Em 1992, Tom Peters (1992) acentuou que terísticas, propriedades ou atributos peculiares
a nova visão de trabalho seria de inteligência, do seu estado de ser, em que além das caracte-
em redes de times (equipes) semipermanentes, rísticas próprias de uma organização “orgâni-
formadas por pessoas orientadas a projetos, em ca” somam-se outras propriedades adicionais,
que cada uma é autônoma, um centro produtor especialmente das propriedades da multidi-
de oportunidades. Nessas novas organizações, mensionalidade e multinivelaridade, de foco e
predominariam a flexibilidade e velocidade de autocontrole, da recursividade, da autonomia e
trabalho, com equipes revolucionárias e estru- personalidade das partes, e da subsidiaridade.
turas libertas. Assim, ao se considerar que um fenômeno
Mais recentemente, Farjoun (2002) retomou tem “enfoque sistêmico” implica em considerar
a comparação entre as perspectivas mecânica que ele apresenta propriedades como:
e orgânica para enfatizar a importância das or- • É adaptativo, em que as unidades se ajus-
ganizações enfocarem estratégias orgânicas de tam constantemente às condições do am-
atuação, ao invés das tradicionais estratégias biente, obedecendo à característica da ho-
mecânicas; para avançar de perspectivas li- meostase, ou seja, do equilíbrio dinâmico
neares, causais, discretas, fragmentadas; em do entorno, formulados e implementados
direção a perspectivas de processo, integradas, via “leitura” das condições do ambiente,
adaptativas, emergentes, mais ricas e significa- e implementados de forma adaptativa nas
tivas. Assim, quando uma organização evolui ações locais, visando a atingir os critérios
de uma orientação mecânica de funcionamento e os objetivos previstos;
para uma orgânica, torna-se mais aberta, des- • Do contínuo ajustamento, pelo qual o sis-
centralizada, emanharada, ajustada ao con- tema procura se ajustar (corrigir) constan-
texto, e significativa. As organizações em rede temente aos requisitos internos do mesmo,
prevenção e de vigilância sanitária. Ademais, não existe hierarquia na relação entre União,
o sistema constitui um projeto social único que estados e municípios, mas competências para
se materializa através de ações de promoção, cada um dos gestores do SUS. O que ocorre é a
prevenção e assistência à saúde dos brasileiros, chamada “pactuação intergestores”, na qual os
constituindo-se em uma política de Estado de entes federados negociam e entram em acordo
grande magnitude, com particularidades em seu sobre serviços, ações, organização dos atendi-
funcionamento e responsabilidades inerentes mentos e demais questões referentes ao sistema
a cada ator dentro do sistema. Nesse sentido, público de saúde.2A pactuação se dá, em nível
o sistema coloca possibilidades e desafios, os municipal, por intermédio do Conselho Munici-
quais devem ser assumidos de forma solidária pal de Saúde (CMS), onde as políticas são apro-
pelos três níveis de governo2. vadas; em nível estadual, através da Comissão
Em primeiro lugar, com a Constituição de 1988, Intergestores Bipartite (CIB)3, em que as polí-
a gestão do sistema de saúde foi descentraliza- ticas são negociadas e pactuadas, assim como
da para os municípios com a consequente trans- do Conselho Estadual de Saúde (CES)4, no qual
ferência de recursos financeiros e da cooperação as políticas são deliberadas; em nível federal,
técnica da União. O município passou a ser o prin- por meio da Comissão Intergestores Tripartite
cipal responsável pela saúde pública e, em decor- (CIT)5, em que as políticas federais são negocia-
rência, pela gestão das ações e serviços de saú- das e pactuadas.
de oferecidos em seu território. Quando o muni- Dessa forma, observa-se que o SUS constitui
cípio não pode oferecer procedimentos de com- um sistema integrado de gestão, uma vez que o
plexidade, ele estabelece parcerias com outros Governo Federal formula as políticas nacionais
municípios da região, negociando também com de saúde, coordena, controla e avalia o SUS, mas
o gestor estadual, para garantir o atendimento não realiza as ações, sendo que a realização dos
pleno da sua população. Os municípios possuem projetos depende dos parceiros (estados, muni-
secretarias específicas para a gestão de saúde, cípios, ONGs, fundações, iniciativa privada).
coordenando e planejando o SUS em nível muni- No que tange à REDESAN, a mesma consti-
cipal, de acordo com a normatização federal e o tui-se em uma rede virtual constituída pelo Mi-
planejamento estadual. Essa esfera de governo nistério do Desenvolvimento Social e Combate
formula suas próprias políticas de saúde e aplica à Fome – MDS (contando também com o apoio
em parceria as políticas estaduais e nacionais de tecnológico da Universidade Federal do Rio
saúde. O gestor municipal aplica recursos pró- Grande do Sul – UFRGS, e o apoio técnico e ad-
prios e os repassados pelo estado e pela União. ministrativo da Fundação de Apoio da UFRGS-
Nesse sistema, a gestão federal da saúde FAURGS), que objetiva a formação de gestores e
é realizada pelo Ministério da Saúde, sendo a o monitoramento dos processos de implementa-
União o principal financiador da saúde pública ção dos Equipamentos Públicos de Alimentação
no país, realizando metade dos gastos. Ainda, é e Nutrição da Secretaria de Segurança Alimen-
de responsabilidade da União a formulação de tar e Nutricional do MDS, via três programas in-
políticas nacionais de saúde, cuja implementa- terrelacionados: Gestão de Restaurantes Popula-
ção é feita pelos seus parceiros (estados, muni- res, Cozinhas Comunitárias e Bancos de Alimen-
cípios, ONGs, fundações, iniciativa privada). A tos. Via REDESAN, os diferentes programas são
União também tem a função de planejar, orien- desenvolvidos de forma integrada, buscando-se
tar, criar normas, avaliar e utilizar instrumentos soluções a lacunas e limitações comuns entre
para controle do SUS. Ao governo estadual com- os mesmos, obtendo-se desta forma uma ação
pete a implementação das políticas nacionais e administrativa e prática com maior sinergia. Os
estaduais de saúde e também a organização do resultados da ação conjunta dos programas são
atendimento à saúde em seu território. muito mais efetivos e amplos do que se fossem
Os estados possuem secretarias específicas buscados de forma isolada pelos programas,
para a gestão de saúde, coordenando e plane-
jando o SUS no âmbito estadual em conformi- 2
3
Mais informações em Brasil. Ministério da Saúde, 2009.
A CIB é composta por representantes da secretaria estadual
dade com a normatização federal. Na área da e das secretarias municipais de saúde.
saúde, os estados aplicam recursos próprios, 4 A CES é composta por segmentos da sociedade: usuários,
sados pela União. No entanto, nesse sistema, pais e estaduais de saúde e pelo Ministério da Saúde.
como era o programa original “Fome Zero”. E produtivas das populações pobres dos territó-
as perspectivas são de que haverá maior siner- rios, ampliar a participação popular, e melhorar
gia ainda quando outros programas puderem o planejamento e a integração de políticas públi-
ser agregados, ampliando a noção de que o pro- cas. O enfoque sistêmico desse programa está
blema se resume a deficiências de alimentação, no fato de que a estratégia é construída com
via programas voltados à melhoria da saúde, base na participação social e na integração de
da educação, da moradia e muitos outros. Ao diferentes ações (e Programas) entre o Governo
colocar em contato gestores de três programas Federal, estados e municípios. Outras caracterís-
complementares entre si, espalhados por todos ticas sistêmicas podem ser destacadas (verificar
os Estados do Brasil, a REDESAN formou uma Figuras 3 e 4): (a) mobiliza 19 Ministérios (15
rica cadeia de trocas de informações, conheci- com ações) e outros órgãos do Governo Federal;
mentos e tecnologias por todo o território nacio- (b) envolve 135 ações, organizadas em 3 eixos
nal, superando a visão tradicional de programas estruturantes e sete temas; ao longo de 2009,
focalizados de forma isolada e segmentada. este conjunto de ações foi realizado pelo Governo
Por fim, o Programa Territórios da Cidada- Federal em 120 territórios rurais; (c) as ações são
nia é uma iniciativa do Governo Federal, lança- lançadas no portal Territórios da Cidadania6, po-
da em 2008, que tem a finalidade de melhorar a dendo ser consultadas por totais nacionais e por
qualidade de vida dos brasileiros que vivem em territórios; (d) a gestão é articulada, sendo que
regiões com maiores demandas, notadamente fazem parte do Comitê Gestor Nacional os ��� Se-
do meio rural. O�������������������������������
bjetiva superar a pobreza e ge- cretários Executivos ou Secretários Nacionais de
rar trabalho e renda no meio rural, promover o todos os Ministérios/Secretarias que compõem
desenvolvimento econômico e universalizar pro- o Programa; do Comitê de Articulação Estadual,
gramas básicos de cidadania por meio de uma órgãos federais e estaduais, representantes das
estratégia de desenvolvimento territorial sus- prefeituras dos territórios; do Colegiado Territo-
tentável, alicerçado em diferentes programas rial, representantes das três esferas de governo
complementares. Também objetiva gerar ações e da sociedade em cada território.
Figura 3 – Organização
das ações do Programa
Territórios da Cidadania
Fonte: Portal da Cidadania (2010)
Figura 4 – Estrutura da
gestão do Programa
Territórios da Cidadania
Fonte: Portal da Cidadania (2010)
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