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MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE DO CONSELHO DE

PATRIMÔNIO CULTURAL DE DUAS CIDADES DO SUL DE MINAS GERAIS

RESUMO

O presente artigo busca realizar um estudo acerca dos modelos de administração pública –
patrimonial, burocrático, gerencial e societal – a fim de identificar qual ou quais destes estão
presentes na atuação de conselhos municipais ligados à área da cultura em dois municípios do
Sul de Minas Gerais: Três Pontas e Varginha. Por meio de uma pesquisa qualitativa, procurou-
se fazer um estudo de caso das atas das reuniões destes conselhos no período de 2013 e 2014,
analisando os textos por meio da técnica de Análise de Conteúdo. Os resultados obtidos indicam
que, em ambos os conselhos, o modelo burocrático é o preponderante, muito embora possa-se
observar comportamentos híbridos dos modelos na atuação prática destes órgãos. Para além das
características burocráticas, destacou-se, no caso três-pontano a presença do patrimonialismo e
do modelo societal; enquanto que, no caso varginhense, a existência de características dos
modelos gerencial e societal é que foi notada. Isso demonstra que, mesmo anos após desde a
reforma gerencial, o modelo burocrático ainda predomina nas instituições. Porém, as
alternativas ao modelo, como o societal, encontram-se em desenvolvimento, mostrando que há
a aplicação de mudanças que podem, a longo prazo, serem mais predominantes nas instituições.
Palavras chaves: Modelos de administração pública. Conselhos de cultura. Análise de atas

1. INTRODUÇÃO

A administração pública brasileira tem sofrido diversas transformações durante o século


XX e início do XXI, tais como criação de leis e promulgação de uma constituição que mudaram
a estrutura da sociedade, alterações de regimes políticos, desenvolvimento econômico e
mudanças nos modelos de administração pública que guiam o governo. A partir de sua herança
colonial, predominaram na administração pública diversas ações que a caracterizavam
inicialmente como patrimonialista, burocrática, gerencialista (nos anos 90). Posteriormente,
alguns autores observaram o desenvolvimento de um modelo societal. Estas formas de se pensar
e de se gerir a coisa pública – patrimonialismo, burocracia, gerencialismo e administração
societal – podem ser caracterizados como alguns dos modelos que a Administração Pública
pode seguir.
Sem embargo, não se pode afirmar que uma dada administração pública, ou um órgão
desta, possua caracteres exclusivos de apenas um modelo de administração pública. Ao
contrário, estes modelos se interpenetram na realidade, ainda que, em um dado setor, um ou
outro se manifeste com maior força.
Entre as iniciativas tendentes a introduzir o modelo societal na administração pública
brasileira encontram-se os conselhos deliberativos, com a presença de integrantes do poder
público e da sociedade civil. Em que pese terem sido pensados sob a ótica de uma forma de
administração pública; não se pode garantir que, em sua atuação prática, se mantenham fieis a
esta.
É precisamente sobre este enfoque que se insere o presente artigo. Objetiva-se, com ele,
analisar experiências de conselhos deliberativos, relacionados à promoção da cultura em nível
municipal, para poder determinar quais características estes possuem, além de tornar claro quais
modelos de administração pública mais influenciam seu agir. Neste sentido, são objetos de
análise neste artigo as atas das reuniões de dois conselhos de cultura de municípios do Sul de
Minas Gerais: o COMPAC (Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Histórico e
Cultural) de Três Pontas/MG e o CODEPAC (Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio
Cultural) de Varginha/MG no período 2013 a 2014. Buscou-se responder, por meio de pesquisa
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qualitativa, quais características estão presentes em cada um dos conselhos mencionados e quais
modelos de administração pública podem ser caracterizados a partir dessas características. A
técnica utilizada para a análise dos dados foi a Análise de Conteúdo, visto que se busca
interpretar e entender os significados dos textos analisados.
Espera-se, portanto, poder contribuir para um melhor entendimento de como é pensada
em termos práticos a inserção da experiência dos conselhos deliberativos na região do Sul de
Minas Gerais. Dessa forma, o presente artigo justifica-se não apenas pela sua contribuição
acadêmico-científica, mas também pelo seu potencial de orientar a administração pública a
tomar consciência de suas ações e dos valores que delas emanam.
A partir deste ponto o presente artigo será divido em quatro seções. Na primeira, está
contida uma detida revisão bibliográfica acerca dos quatro modelos de administração pública
aqui discutidos – patrimonialismo, burocracia, gerencialismo e societal. Na segunda, são
aclarados os procedimentos metodológicos adotados pelos autores. A terceira se subdivide em
duas subseções; uma para a análise do caso do COMPAC-Três Pontas/MG; outra para a do
CODEPAC-Varginha/MG. Na última seção serão feitas as considerações finais deste trabalho.

2. MODELOS DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.1. Patrimonialismo

A administração pública brasileira vivenciou desde a sua colonização até o final do


século XIX a predominância de um modelo que administrava o Estado como se este fosse
pertencente ao soberano, o qual exercia seu poder, com o auxílio de servidores, sem nenhum
tipo de impessoalidade, muito pelo contrário, as leis eram formuladas de acordo com a vontade
do soberano, chamado de modelo patrimonialista (ou patrimonialismo) (KLERING et al, 2010).
Segundo Campante (2003), o patrimonialismo é uma forma de dominação visto que os
portadores do poder exercem-no sobre os dominados sem que estes apresentem algum tipo de
rejeição, visto que a obediência ao soberano é encarada como uma norma a ser seguida.
O modelo patrimonial carrega consigo várias características específicas, sendo a
principal delas uma total indistinção entre o que é considerado público e privado (KLERING
et al, 2010) gerando assim uma apropriação do público por esferas privadas sem que isto gere
um questionamento por parte dos grupos que compõem a sociedade, há uma relação de
“paternidade” entre os indivíduos das diversas classes (CAMPANTE, 2003), onde as trocas de
favores são recorrentes e buscam sempre o benefício pessoal, e não coletivo. Há uma confusão
recorrente também neste modelo, onde o político e o econômico não detém de uma definição
específica, acarretando assim numa consciência de que os grupos que detém de um maior poder
econômico, consequentemente tem o direito de ocuparem os papeis mais importantes na política
(PAULA, 2005b), o que elimina a possibilidade que classes menos favorecidas socialmente e
economicamente tenham um representante na cúpula do governo, criando assim uma relação
de dependência entre as classes.
O patrimonialismo no caso brasileiro não se baseava somente na vertente patriarcal mais
pura e nem somente na vertente feudal, mas sim em uma relação híbrida onde existe esta noção
de que há um patriarca detentor de poder e também existem diversas camadas que não
necessariamente estão no topo da pirâmide, mas buscam sempre legitimar suas posições na
hierarquia perante o príncipe utilizando da tradição para justificar seus anseios (CAMPANTE,
2003).
A configuração do Estado brasileiro que determinava quais seriam as regras a serem
seguidas era uma:

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“[...] unidade política centralizada na figura do rei e seus conselheiros.
O aparelho administrativo não seguia normas gerais, hierarquias e
definições de competências, pois a legislação da colônia era constituída
por determinações particulares e casuístas que não obedeciam a um
plano conjunto. ” (PAULA, 2005b, p. 105-106)

Paula (2005b) reforça também que todos os benefícios e empregos auferidos pelo Estado
não estavam ligados às pessoas que mais necessitavam ou às regras impessoais que atendiam
ao interesse público, mas sim aos interesses particulares, negligenciando assim as camadas que
não detinham de poder na sociedade, ocasionando uma dependência de quem poderia ofertar a
melhor troca de favores em um cenário de total personalismo. Todos estes aspectos estão
ligados à construção histórica e colonial da sociedade brasileira que sempre trabalhou para
manter o poder centralizado em uma cúpula, utilizando-se de meios autoritários para a
manutenção deste status, o que consequentemente se tornou uma das principais características
da administração pública da época e de alguns governos posteriores, como de Getúlio Vargas
de 1930 a 1945 (PAULA, 2005b).
Esta centralização do poder em uma cúpula, consequentemente, diminuía a autonomia
das esferas locais, tirando da administração todo o seu papel de construção de um ambiente de
interações políticas e sociais, colocando em prática somente o processo de arrecadação de
tributos para a manutenção da coroa (PAULA, 2005b). Uma das principais consequências desta
centralização e de todo o modelo patrimonialista de uma maneira geral é a enorme ineficiência
(CAMPANTE, 2003) gerada pela má administração da coisa pública, visto que esta não
demonstrava uma preocupação com o interesse público.
Este modelo de administração não representa o que é desejável para o meio público,
visto que o personalismo, a não diferenciação entre público e privado, a não definição de uma
racionalidade no meio jurídico e fiscal, a ausência de regras claras sobre quais indivíduos devem
ocupar cargos públicos, a corrupção constante motivada por interesses privados (CAMPANTE,
2003), entre outros problemas, ocasiona uma grande ineficiência e ineficácia da administração
pública, negligenciando diversas camadas e setores, não detendo de representatividade e leis
claras que regem as situações e os indivíduos.

2.2. Burocracia

A conceituação que permeia a burocracia, mesmo antes de ser adotada como um modelo
de administração pública no Brasil, foi construída através de diversas experiências e
observações de teóricos, sendo o mais importante deles Max Weber. Inicialmente, a burocracia
é entendida como o controle racional de um grupo sobre as atividades coletivas (MOTTA,
1988) e para que este controle ocorra é necessário que existam regras como a fixação de
atribuições para os cargos, a profissionalização, o conhecimento técnico, a utilização constante
de documentos e hierarquia, sendo todas estas relações permeadas pela impessoalidade,
considerada essencial na busca pela eficiência (MOTTA, 1988), além da constante cobrança
acerca da posição metódica e disciplinada por parte dos funcionários (MERTON, 1970).
O modelo burocrático já estava muito presente nas administrações públicas durante o
século XVI, mas foi somente no século XX que o mesmo foi adotado efetivamente por diversas
instituições públicas e privadas (SECCHI, 2009), sendo no Brasil esta adoção pautada nas ideias
de combate ao patrimonialismo (PEREIRA, 1996) e de maior precisão e previsibilidade quanto
às questões organizacionais (ARAGÃO, 1997) buscando combater a corrupção e nepotismo
(BRULON, 2012). A adoção da burocracia no Brasil se deu nos anos de 1930 (KLERING et
al, 2010) através de diversos estudos que resultaram na criação do Departamento de
Administração do Serviço Público (DASP) durante o governo provisório de Getúlio Vargas
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(PINHO, 1998), que buscava uma renovação de todo o aparato governamental (BRULON et al,
2012) afim de colocar o país em um nível de desenvolvimento muito maior do que acontecia
(PINHO, 1998).
Segundo Secchi (2009), a implantação de um modelo burocrático foi baseada,
principalmente, nas premissas da formalidade, impessoalidade e profissionalismo. A
formalidade é entendida como uma configuração rígida da hierarquia administrativa onde todas
as comunicações são formalizadas, na maioria das vezes através de documentos escritos, afim
de que o trabalho seja contínuo e não altere de um setor para o outro. A impessoalidade limita
a relação entre os indivíduos a somente questões internas da organização, sem que haja
interferência pessoal nas decisões ou apropriação de poder por algum indivíduo de acordo com
sua vontade, além da obediência à hierarquia. O profissionalismo, por fim, está ligado à
atribuição de valores positivos ao mérito, buscando selecionar pessoas de acordo com sua
habilidade e capacidade técnica para um cargo, e não o contrário como acontecia no
patrimonialismo (SECCHI, 2009). Complementares às estas características, estão o seguimento
rígido aos procedimentos impostos buscando barrar qualquer tipo de influência de interesses
particulares e políticos (MEDEIROS, 2006), sendo, de uma maneira geral, uma tentativa de
controlar todos os abusos de poder que podem ocasionalmente acontecer (KLERING et al,
2010), visto que a superação do modelo patrimonialista não acontece repentinamente. O papel
do Estado na administração pública burocrática era de garantir a validade de todos os contratos
e do direito à propriedade, além de administrar e organizar a justiça (KLERING et al, 2010).
As características da burocracia se estendiam para todas as organizações que pertenciam
ao Estado, tendo todas elas regras, estatutos e regulamentos que colocavam em prática as
premissas burocráticas (MEDEIROS, 2006), como o privilégio do conhecimento racional e
utilização da técnica para barrar manifestações de preconceito e emoções inerentes aos
indivíduos (MEDEIROS, 2006). Secchi (2009) ressalta que este modelo também prezada pelo
profissionalismo e separação racional do trabalho, o que necessitava de uma separação entre os
indivíduos que pensavam as ações e os que as executavam, ou, no caso público, quem planejava
as políticas públicas e quem as executavam de fato, ocasionando uma separação entre
administração e política. Para que o profissionalismo e a divisão do trabalho, era necessário que
fossem seguidas as ideia de uma direção muito hierárquica, a utilização de profissionais de
carreira na ocupação de cargos públicos, a distinção entre políticos e burocratas e a aplicação
da meritocracia afim de, afastar o caráter político das decisões (ARAGÃO, 1997).
Assim como o patrimonialismo, a burocracia apresentou diversas limitações quanto a
sua utilização, o que traria prejuízos para à gestão pública (MEDEIROS, 2006) como a lentidão
e onerosidade dos processos, dificultando o atendimento de demandas populares (PEREIRA,
1996). Além disso, a burocracia detinha de canais de comunicação ineficientes entre dirigentes
e empregados, ocasionando uma extrema rigidez nos processos (MEDEIROS, 2006), algo
muito maléfico para as decisões públicas que, devido à sua complexidade em função de tratar
com diversos grupos e classes sociais, necessita de uma certa flexibilidade no processo de
tomada de decisões para que as demandas sejam atendidas. Por fim, Pinho (1998) ressalta que,
por mais rígido e controlador que fosse, a burocracia ainda carregava em seu seio o
patrimonialismo que tanto tentava combater, visto que o modelo foi implementado sem que a
cultura patrimonialista fosse previamente superada, resultando em uma coexistência destes
modelos dentro da administração pública brasileira.

2.3. Gerencialismo

A origem da aplicação do gerencialismo, além da crise da burocracia, causada pelo


extremo enrijecimento deste modelo (PEREIRA, 1996), está ligada também a uma crise de
governabilidade e credibilidade do Estado durante 1980 e 1990 em países norte-americanos e
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europeus, se espalhando também pela América Latina (PAULA, 2005a). Tais crises, juntamente
com a expansão do neoliberalismo e das ideias de livre mercado, culminaram na necessidade
de uma mudança no modelo de administração pública vigente. Assim, com a justificativa de
tornar o aparato estatal mais eficiente, foram desenvolvidas e aplicados conceitos de
flexibilidade, eficiência e produtividade no setor público de diversos países, além do início de
um processo de desestatização. Essas medidas eram a base do modelo gerencialista que
buscava, acima de tudo, aplicar no âmbito público conceitos da administração de empresa
(BRULON et al, 2012; KLERING et al, 2010).
No Brasil, a adoção deste modelo se deu em função de uma crise nacional-
desenvolvimentista e a emergência de um consenso sobre a adoção do neoliberalismo como um
movimento a ser seguido (PAULA, 2005a), ocasionando na adoção, por parte do Estado, de
conceitos como cidadão cliente, “flexibilidade, competitividade administrativa,
descentralização, [...] orientação para critérios de eficiência, [...] estruturas horizontalizadas,
agências regulatórias independentes, contrato de gestão” (ARAGÃO, 1997, p. 115) entre outros
conceitos da administração empresarial (PINHO, 1998). A adoção destes conceitos se deu,
principalmente, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) (BRULON et al,
2012), viabilizada através da criação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que
definiu como seria feita a reforma da administração pública brasileira, tendo como principais
características, além das supracitadas, separação entre atividades exclusivas (legislação,
regulação e fiscalização) e não exclusivas (serviços competitivos e atividades de apoio ou
auxiliares) do Estado (PAULA, 2005a), descentralização dos serviços sociais para estados e
municípios, administração focada nos resultados (MATOS et al, 2012), além de um intenso
processo de privatização das estatais, visto que havia um consenso político entre os neoliberais
de que a administração privada era mais eficiente que a administração pública, cabendo a esta
somente a função de fiscalizar as atividades privadas.
Pereira (1996) descreve que o modelo gerencial buscava, também, criar um núcleo
estratégico do Estado mais fortalecido, descentralização a administração pública através da
criação de agências autônomas e organizações sociais que seriam controladas por contratos de
gestão, somando assim, além destas atividades exclusivas e não exclusivas do Estado, duas
outras separações: a produção de bens e serviços para o mercado e serviços competitivos ou
não exclusivos. Este autor, que estava à frente da reforma do Estado na época, defender que o
mercado e a administração privada são mais eficientes que a administração pública, devendo
transferir para o mercado tudo que pode ser controlado por este.
O modelo gerencialista tem um foco, segundo Paula (2005a), nas dimensões econômico-
financeira e institucional-administrativa do Estado, havendo poucas propostas quando se trata
da participação social, diferente do que Pereira (1996) fala sobre a abertura das instituições à
participação política. Uma das principais formas de observar a ausência de interação deste
modelo com a sociedade é a não execução das políticas públicas pelo Estado, cabendo a este
somente formular as políticas (MEDEIROS, 2006), o que consequentemente transfere a
responsabilidade sobre as políticas públicas aos órgãos que muitas vezes não tem um
comprometimento com a participação social, visto que a separação, em todas as situações, entre
formulação e execução pode enrijecer o ciclo das políticas públicas.
As diversas críticas ao modelo gerencialista dizem respeito, primeiramente, à
exacerbada aplicação do conceito de competição entre as instituições, as quais recebem recurso
de acordo com a sua eficiência no setor, resultando em uma constante valorização somente das
instituições com melhor desempenho e negligenciando as que não apresentam um desempenho
desejado, havendo assim uma perda social grande (ARAGÃO, 1997). Além destes, a noção de
que a população é consumidora, que é um dos pontos principais do modelo, também causa uma
negação do cidadão como um ser político e social que se manifesta de diversas formas,
abdicando do entendimento de que é necessária a participação da população em decisões do
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Estado e adotando a ideia de que o cidadão é apenas um receptor de políticas públicas sem que
tenha nenhum poder de influência sobre as mesmas. Paula (2005a) coloca esta condição como
uma separação, por parte do gerencialismo, dos aspectos técnicos e políticos, dificultando que
a administração se desenvolva e evolua. Assim, como ressaltam Brulon et al. (2012), a
administração pública gerencial, apesar de ser uma tentativa de combate à rigidez da burocracia,
acabou carregando diversas características burocráticas como a dominação e a
profissionalização o que manteve a ineficiência e a rigidez do aparato administrativo brasileiro.

2.4. Societal

O crescimento do debate acerca da participação popular na gestão pública,


principalmente após a promulgação da Constituição de 1988, traz em seu seio diferentes
propostas que visavam uma maior interação entre Estado e sociedade, dando alternativas para
uma construção mais consolidada da democracia no país (PAULA, 2005a). Apesar de tais lutas,
como ressaltado no tópico anterior, a participação social na gestão pública não foi viabilizada
pelo modelo de administração pública que predominou durante os anos 80 e 90 devido a uma
intensa rigidez e descentralização do Estado que tentava ao máximo transferir atribuições para
a esfera privada e outras esferas da sociedade.
Em 2003, com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a questão da
participação social tomou força no cenário político brasileiro, se estendendo para os estados e
municípios, os quais começaram a vivenciar cada vez mais experiências de participação da
sociedade, principalmente com o aumento das forças das Frentes Populares nos governos
(PAULA, 2005a). Neste contexto de desenvolvimento da participação popular toma força a
vertente societal, oriunda dos movimentos sociais brasileiros desde os anos de 1960 (PAULA,
2005a), que se baseia em uma renovação da relação entre Estado e sociedade, onde a população
participa mais ativamente das decisões políticas (KLERING et al, 2010). Este modelo tenta ir
na via contrária da gestão gerencial e estratégica, tentando substituir a tecnoburocracia por uma
administração mais participativa, comunicativa e aberta para o diálogo com a população,
compreendendo assim que o indivíduo é responsável pelas ações do Estado que tangem o seu
futuro, agindo como cidadão, trabalhador, eleitor ou consumidor (KLERING et al, 2010).
Paula (2005a), uma das principais autoras sobre este modelo, identifica que o foco do
modelo societal é na dimensão sociopolítica e busca encontrar uma nova forma de administrar
o Estado de modo que se repense o modelo brasileiro de desenvolvimento e agregue uma
estrutura maior que viabilize a participação. Um dos meios que pode contribuir para o alcance
de tais objetivos são as novas tecnologias da informação e comunicação, que possibilitam uma
maior interação entre o cidadão e o Estado. Além disto, diversas experiências já mostram o
funcionamento da participação social, como os fóruns temáticos, os conselhos gestores e o
orçamento participativo (KLERING et al, 2010).
Apesar de apresentar uma nova proposta muito mais aberta à participação social e muito
mais democrática, o modelo social ainda apresenta várias limitações visto que o mesmo ainda
não está consolidado na administração pública brasileira. Paula (2005a) enfatiza vários pontos
acerca dos problemas deste modelo, entre eles a ausência de uma proposta que ofereça
dimensões para a organização do Estado de uma maneira geral, visto que a participação social
é enfatizada dentro das organizações e gestão pública locais. Além disto, a aliança política que
se iniciou desde 2003 não abordou a questão da participação social da maneira como era
esperado pelo modelo societal, apesar de este modelo não estar diretamente e unicamente ligado
à um partido político, o que acabou reforçando a ideia de participação nos âmbitos muito mais
locais do que nacionais, dificultando assim que a participação social tomasse proporções
maiores.

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3. METODOLOGIA

Com o fim de se atingir o objetivo proposto, procurou-se, inicialmente fazer uma revisão
de literatura de modo a se compreender quais são os modelos de administração pública, quais
suas características, como foi a evolução histórica deles e como eles influenciam a
administração pública brasileira atual. A revisão bibliográfica foi necessária, também para
desocultar os conceitos dos pesquisadores acerca de patrimonialismo, burocracia,
gerencialismo e administração societal. Foi com base nesses pressupostos conceituais que se
buscou responder ao problema pesquisado.
Em um segundo momento, buscou-se junto aos órgãos deliberativos de cultura dos
municípios de Três Pontas/MG e Varginha/MG o acesso ao teor das atas de reuniões desses
mesmos órgãos no período que compreende os anos de 2013 e 2014. O recorte temporal
delimitado justifica-se por se tratar dos dois primeiros anos do atual mandato das
administrações públicas desses municípios – 2013/2016. Tendo-se em vista que a composição
dos conselhos se altera juntamente com a mudança da administração eleita, este recorte
possibilita visualizar o impulso inicial que os conselhos e seus respectivos conselheiros tiveram
para elaborar nova políticas públicas no âmbito da cultura.
No município de Três Pontas o órgão deliberativo de cultura é atualmente denominado
Conselho Municipal de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural e Políticas Culturais
(COMPAHC), sendo que no período estudado sua denominação era Conselho Deliberativo
Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPAC) 1, que funciona na Casa da Cultura
Alfredo Benassi; ou seja, no mesmo local da Secretaria Municipal de Cultura, Lazer e Turismo.
O acesso às atas deste conselho só foi possível após o protocolo de requerimento escrito, o qual
foi deferido após deliberação dos conselheiros em uma de suas reuniões ordinárias.
De outro lado, no município de Varginha o órgão deliberativo de cultura é a Fundação
Cultural de Varginha. O acesso às atas do Conselho Deliberativo desta instituição se deu de
forma mais simples, uma vez que as mesmas estão disponíveis a qualquer interessado na rede
mundial de computadores por meio do endereço
<http://fundacaoculturaldevarginha.com.br/transparencia/atas-de-reuniao/>.
Após a seleção das atas, foi utilizada a Análise de Conteúdo para fazer a análise
dos dados. A Análise de Conteúdo é uma metodologia que tem em sua base a descrição e
interpretação de textos, auxiliando na interpretação de mensagens e a compreender os
significados implícitos (MORAES, 1999). A Análise de Conteúdo permite a compreensão de
fragmentos de mensagens através de uma análise de suas características e estruturas
(CÂMARA, 2013). Dentre os diversos métodos dentro da AC, neste trabalho optou-se por
utilizar a categorização como procedimento central da análise dos dados, visto que o mesmo
busca agrupar dados de acordo com semelhanças, originando categorias temáticas (MORAES,
1999). As categorias criadas foram: patrimonialismo e burocracia: modelos passados ainda
muito presentes; gerencialismo e modelo societal: maior divergência entre os conselhos.
Conhecendo o teor das atas dos conselhos foi possível elaborar uma análise da forma
como são elaboradas e implementadas as políticas públicas nesses dois municípios e indicar,
com base no que foi possível observar nas atas, a partir do referencial teórico proposto, qual,
ou quais, são os modelos de gestão pública preponderam nos órgãos de deliberação coletiva
cultural das administrações públicas em estudo.

4. ANÁLISE DAS ATAS DE REUNIÃO

1
A alteração da denominação se deu na primeira reunião ordinária de 2015 ocorrida em 13 de janeiro daquele
ano.
7
4.1. Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural e Histórico de Três
Pontas

4.1.1. Patrimonialismo e burocracia: modelos passados ainda muito presentes

Antes de se analisar as atas do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio


Histórico e Cultural (COMPAC) do Município de Três Pontas, em si mesmas, um comentário
inicial sobre a forma de obtenção das mesmas é devido. Assim, porque traduz um
comportamento típico de um dos modelos de administração pública, fenômeno que possui
relevância para as respostas que se busca obter com o presente artigo.
Conforme explicitado na metodologia, o acesso ao teor das atas deste conselho só foi
franqueado após o protocolo de requerimento escrito, o qual foi objeto de deliberação dos
conselheiros. A experiência dos conselhos foi criada de forma a ter natureza eminentemente
societal; isto é, para possibilitar a participação da sociedade civil no processo de elaboração de
políticas públicas e no conhecimento desta e de seus resultados. No entanto, a maneira
formalista pela qual o acesso foi conseguido revela uma dificuldade de acesso às decisões por
parte da sociedade civil, o que pode ser entendido como um traço da administração burocrática
(SECCHI, 2009).
Passando-se às atas, propriamente, observou-se que no ano de 2013 foram realizadas
oito reuniões do COMPAC, acrescidas de dois atos destinados apenas à posse de conselheiros.
Dentre as reuniões ordinárias, uma – a de 10 de outubro – realizou-se sem deliberações, ante a
falta de quórum para tanto. Nas sete reuniões restantes houve votação de, ao menos uma
matéria. Já no ano de 2014, ocorreram sete reuniões do conselho, sendo uma extraordinária –
em 19 de outubro. Das seis restantes, em duas – a de 15 de maio e a de 23 de outubro – não
houve nem discussão, nem deliberação por ausência de quórum.
As discussões sobre a composição do conselho e a nomeação de seus membros é um
dos temas mais recorrentes nas reuniões, especialmente no ano de 2013. Neste, das oito atas
analisada, em quatro o tema aparecia, além de ter havido dois atos de posse de conselheiros em
separado. O único tema da primeira reunião de 2013 do COMPAC, em 14 de março, com a
presença do prefeito municipal, foi a nomeação dos conselheiros, seguida do primeiro ato de
posse. Na terceira reunião daquele ano, em 04 de junho, os conselheiros deliberaram sobre a
nova composição do conselho, uma vez que o secretário de cultura, lazer e turismo, que
cumulava a função de presidente do conselho, foi substituído; além de que houve a renúncia de
alguns dos membros do COMPAC. Na quarta reunião, em 12 de junho, houve a nomeação dos
novos membros indicados na terceira reunião, seguida de um segundo ato de posse, pouco mais
de um mês depois. Na quinta reunião do conselho, em 13 de setembro, foi discutido o fato do
conselho desatender uma portaria que determina que o mesmo deve ter composição paritária de
membros entre poder público e sociedade civil. Deliberou-se requisitar a nomeação de novos
membros para que, assim, pudesse se adequar. Na sexta reunião, em 7 de novembro, foi dada
posse aos novos conselheiros sem ato específico para tanto.
A recorrente discussão metainstitucional – do órgão sobre o próprio órgão – revela,
também, um traço de burocracia. Isto, por que se deixa de deliberar sobre a atividade fim, a
promoção de políticas públicas culturais para os munícipes, para se debruçar sobre questões
formais, ou seja, os meios se tornam mais importantes que a finalidade do conselho.
Um segundo tema que aparece por diversas vezes nas atas do COMPAC é a questão dos
bens inventariados. Não se trata de bens que sofreram um processo de tombamento que
impediria diversos tipos de modificação, mas de bens que, em algum momento o poder público
reconheceu sua significância histórica, artística e/ou cultural, sem que se promovesse a
constrição deles por meio do procedimento do Decreto-lei nº 25/1937 (BRASIL, 1937)

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No período analisado, muitos proprietários de bens incluídos nesta categoria procuraram
a Secretaria de Cultura, Lazer e Turismo buscando um meio de retirarem seus imóveis desse
rol, alguns, inclusive, desejavam a demolição de tais bens. Esse procedimento, em algumas atas,
foi chamado de “desinventariar”.
Várias soluções foram propostas para solucionar a questão, todas oriundas de
representantes do poder público. Na segunda reunião de 2013, duas conselheiras representantes
do poder público propuseram a reavaliação dos bens inventariados por um engenheiro e um
historiador, proposta que foi prontamente descartada pelo presidente do conselho e secretário
municipal que informou que por serem edificações inventariadas pelo patrimônio cultural, a
Secretaria Municipal de Cultura, Lazer e Turismo solicitará ao IEPHA (Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais) parecer técnico sobre o cancelamento dos
inventarios […] (Ata da 2ª (segunda) reunião ordinária do Conselho Deliberativo Municipal do
Patrimônio Cultural do Município de Três Pontas de 2013)
Uma segunda proposta de solução da questão foi feita por uma conselheira representante
do poder público na quinta reunião de 2013 do conselho: deveria ser criada uma comissão para
reavaliar se os bens inventariados possuíam ou não relevância histórico-cultural para o
município. Ficou determinado, por fim, que a comissão seria composta por dois conselheiros
do COMPAC e um membro externo – historiador indicado pelos membros do conselho. Aqui,
faz-se uma ressalva: a indicação de pessoa certa e determinada, a qual não é servidor público e
nem membro do conselho, é um indicio de pessoalidade que pode ser entendida como um traço
de patrimonialismo.
Via de regra, o conselho admitia a retirada dos bens do rol de inventariados sob três
fundamentos, todos apresentados pela comissão reavaliadora: que o bem não possui relevância
histórico-cultural; que o processo de inventário se deu de forma irregular, especialmente pela
não notificação dos proprietários e pelo registro do gravame em cartório, e que havia falta de
verba por parte do poder público municipal para manter bens.
Aqui também pode ser notado um indício de patrimonialismo, especialmente por se
tratar de um município de pequeno porte, onde a administração pública, por razões políticas,
tem menos liberdade de constranger aos administrados a uma conduta desejada pelo interesse
público. Neste sentido, a comissão, majoritariamente composta por representantes do poder
público, buscava atender as solicitações dos proprietários. Em um de seus levantamentos sobre
a relevância histórico cultural, a comissão instituída “chegou à conclusão de que apesar de
serem importantes, não possuem relevância suficiente para permanecerem inventariados” (Ata
da 6ª (sexta) Reunião Ordinária do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural do
Município de Três Pontas de 2013), que demonstra uma intenção de permitir a
descaracterização do bem sem deixar de reconhecer sua importância.

4.1.2. Gerencialismo e modelo societal: maior divergência entre os conselhos

Após a análise das atas e da criação do conselho já mencionados anteriormente, notou-


se a presença de outros dois modelos de administração pública. Além das atas já mencionadas,
o tema da “desinventariação” aparece na sexta, sétima e oitava atas de 2013 e em todas as
reuniões de 2014 em que houve quórum para deliberação. Na verdade, a quarta reunião de 2014
– em 15 de julho – foi realizado exclusivamente para tratar desta temática e se realizou no
prédio da Câmara Municipal, com a presença dos conselheiros, de vereadores, de proprietários
de bens inventariados, da população e da diretora do IEPHA, a qual compareceu para ministrar
uma palestra aos demais interessados. Por meio desta reunião pode-se observar que, apesar do
COMPAC ainda guardar alguns resquícios de patrimonialismo e de possuir procedimentos e
temas bastante ligados ao modelo burocrático, sua finalidade de introduzir uma administração
societal começa a ser instituída. A administração societal tem como um de seus fundamentos
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uma maior participação da população na solução de suas demandas e uma administração mais
aberta à sociedade civil (KLERING et al., 2010). O chamamento dos interessados para
debaterem a questão representa um avanço, ainda que incipiente, na adoção deste modelo.
Um terceiro tema que aparece nas atas das reuniões do conselho é a liberação de verbas
do FUMPAC – Fundo Municipal do Patrimônio Cultural – para a manutenção e ampliação de
bens de propriedade do poder público com relevância cultural. Essas deliberações, de caráter
eminentemente burocrático, ocorreram, de modo especial, em relação ao Centro Cultural
Milton Nascimento, em quatro reuniões durante o período estudado; mas, também, em relação
ao Casarão Alfredo Benassi e à Biblioteca Municipal em uma reunião cada.
Por fim, um último tema que merece destaque nas deliberações do COMPAC é a
concessão de incentivos ou subvenções por parte de Município para que terceiros promovam
ações culturais, tais como reformas em igreja e paço adjacente e em museu, além de subvenções
a associação de músicos, a projeto gastronômico-cultural, a folia de reis e ao encontro de e a
cessão gratuita do uso espaço Centro Cultural para projeto de incentivo à cultura. Em que pese
nestes casos haver a transferência da execução da ação cultural para terceiros, não se vislumbra
na ação do COMPAC uma mentalidade gerencialista. Isto, porque as subvenções a terceiros
foram poucas e em nenhuma delas se operou a negação do papel do Estado enquanto promotor
de políticas públicas ou o fomento da competição entre os beneficiários (PEREIRA, 1996).

4.2. Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de Varginha

4.2.1. Patrimonialismo e burocracia: modelos passados ainda muito presentes

A análise das atas do Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de


Varginha (CODEPAC) mostrou que durante o ano de 2013 aconteceram sete reuniões e durante
o ano de 2014 este número foi de nove. De uma maneira geral, as discussões das reuniões
giraram em torno de aspectos que englobavam três dos quatro modelos apresentados:
burocrático, gerencial e societal, com predominância do primeiro.
Anteriormente à discussão do conteúdo das atas de reunião, foi observado que o
conselho é composto por profissionais de diversas áreas, como engenheiros civis, arquitetos,
biólogos e historiadores, indicando que busca-se manter certo nível de profissionalismo dentro
do órgão, uma característica que reflete o modelo burocrático (SECCHI, 2009). Porém, não foi
evidenciado nenhuma participação ou manifestação da sociedade civil.
Tratando-se das atas, foi observado que tanto durante o ano de 2013 as reuniões, em sua
maioria, tratavam de questões burocráticas ligadas principalmente à reformas e tombamentos.
As primeiras atas do ano registraram que as discussões dentro do conselho abordavam questões
técnicas sobre reforma do teatro da cidade e pareceres sobre o tombamento de imóveis. Além
disso, foi recorrente em todas as atas o registro de reformas e restaurações de praças, passeios
pontos de ônibus, afim de manter, quando demandado, as características históricas dos locais.
Apesar de tais discussões girarem em torno, muitas vezes, de bens que podem ser utilizados
pela população, foi percebido que em poucos momentos foi mencionado que a restauração ou
tombamento se deu em função de uma possível utilização cultural futura pela sociedade,
indicando uma presença forte da burocracia em vários momentos. Porém, é pertinente ressaltar
que, por outro lado, havia uma moderada preocupação com questões de acessibilidade e
sustentabilidade, indicando uma preocupação com o social de alguma forma. A burocracia se
manifesta de outras formas nas atas, como a apresentação da nova arquiteta que participaria do
conselho, alteração do regimento interno do conselho, descrições pontuais de projetos que vem
sendo desenvolvidos e aprovação de outros projetos.
Em 2014, notou-se que permaneceu uma predominância do modelo burocrático, visto
que a maioria das atas trataram de questões técnicas sobre reformas, restaurações e
10
tombamentos, alteração do regime, nomeação de conselheiros e discussões sobre projetos. O
conselho também manteve um padrão acerca das decisões gerenciais, porém com algumas
modificações, como a demanda por maior número de funcionários e de estagiários buscando
aumentar a eficiência do órgão, visto que foi observado que havia uma sobrecarga de funções
em cima de alguns conselheiros.

4.2.2. Gerencialismo e modelo societal: maior divergência entre os conselhos

Alguns dos projetos, entretanto, manifestaram também características do modelo


gerencial. Um deles discutiu sobre uma adequação dos hospitais para que estes passem a
oferecer mais leitos, o que foi demandado pelo município. Apesar do aumento do número de
leitos ser uma decisão do município, o CODEPAC ajudou na operacionalização desta proposta,
o que indica que o conselho auxiliou nas decisões gerenciais ligadas à eficiência do município
(ARAGÃO, 1997). A eficiência esteve presente também quando muitas das reuniões discutiram
a pontuação do município no ICMS Cultural, sendo este levado como um indicador de
desempenho pelo conselho, onde o decréscimo deste número foi encarado como um indicativo
de que havia uma necessidade de melhoria da gestão. A melhora da gestão esteve ligada, no
conselho, a uma capacitação dos conselheiros e necessidade de entrega de documentos que
comprovasse o nível superior de todos os membros.
Quanto ao modelo societal, a presença deste foi notada através de diversos programas
do conselho que buscaram levar para a população informações sobre preservação do patrimônio
e educação patrimonial, com o intuito de aproximar a participação popular da atuação do
conselho. Para colocar em prática este projeto, o conselho firmou parceria com uma
universidade que oferece o curso de arquitetura e com uma escola técnica de ensino médio que
oferece o curso de edificações para que os alunos destas instituições participassem ativamente
das ações que seriam implementadas. Levantou-se também, em uma das reuniões, a proposta
de uma exposição itinerante em todas as escolas acerca da história do patrimônio do município,
indicando que o conselho buscou trabalhar também na transmissão de informações e cultura
local para as crianças e adolescentes tanto de escolas públicas, quando escolas privadas.
A interação com outros órgãos expandiu-se neste ano, onde o conselho, além das
instituições de ensino, também tentou firmar parcerias com a Polícia Militar que atua na cidade,
além de outras instituições privadas. A parceira com instituições públicas e privadas reflete uma
característica muito presente no gerencialismo, o qual busca sempre injetar conceitos da
administração privada na administração pública, visto que isto é enxergado como benéfico para
a segunda (BRULON et al, 2012; KLERING et al, 2010).
Além das semelhanças observadas e apontadas anteriormente, foi identificada a
presença de características do modelo gerencial em maior intensidade neste ano. Juntamente
com o aumento no número de funcionários e interação com a administração privada, houve uma
busca intensa pela melhoria no fluxo de informações através da maior demanda pela utilização
de métodos, como meios eletrônicos, que facilitassem a interação entre os próprios conselheiros
e entre o conselho e outros órgãos do poder público, buscando uma eficiência nas ações do
conselho. Juntamente com a busca por esta melhoria, houve também um processo de
capacitação dos membros que compunham o conselho através da participação de um evento em
outra cidade onde cursos foram ofertados afim de melhorar a atuação dos membros de
Conselhos do Patrimônio Cultural, em específico. A presença de uma busca pela capacitação e
formação dos indivíduos que compõe a administração pública, afim de melhorar a eficiência
dos serviços que prestam, é uma característica muito presente no modelo gerencialista.
O ano de 2014 mostrou um avanço quanto às características do modelo societal.
Inicialmente, algumas reformas de patrimônios culturais foram discutidas pautadas em como
poderiam trazer, de alguma forma, benefícios para o município e para a população, além de
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manter os níveis adequados de acessibilidade e sustentabilidade. Houve a permanência do
projeto que buscava informar e estimular a participação da população nas decisões que
permeiam o patrimônio histórico e cultural do município, indicando que há uma permanência
deste projeto que busca, assim como o modelo societal, uma maior influência da população no
que tange os bens públicos (KLERING et al, 2010).
Por fim, o ponto mais relevante quanto ao modelo societal foi observado na construção
de um projeto que buscou valorizar a cultura afro do município através da catalogação da Folia
de Reis que é tão presente e atuante na cidade. As atas trataram de como esta manifestação é
caracterizada como um movimento social e como o seu valor deve ser reconhecido, valorizado
e mantido na cultura local. Este ponto indica que o conselho, em algum momento, tem a
consciência da importância dos movimentos sociais e como eles se tornam cruciais dentro da
gestão do patrimônio histórico e cultural do município.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise das atas de dois municípios do Sul de Minas Gerais, Três Pontas e Varginha,
permitiu concluir que ambas as cidades apresentam semelhanças quanto a quais modelos de
administração pública são evidentes na administração do Conselho Deliberativo do Patrimônio
Cultural, porém os pontos que caracterizam os mesmos são diferentes. Enquanto na primeira
cidade há a presença em maior proporção dos modelos patrimonialista, burocrático e societal,
na segunda os observáveis foram o burocrático, gerencial e societal.
De maneira mais específica, a análise das atas do Conselho Deliberativo Municipal do
Patrimônio Cultural do Município de Três Pontas mostrou que este, preponderantemente, atua
pautado pelo modelo burocrático de gestão. Sem embargo, é notado, ainda, alguns resquícios
de patrimonialismo. No entanto, aspectos da administração societal, mais inclusiva e
participativa, também começam a despontar. Vale destacar que, muitas vezes, a não adoção do
modelo societal deve-se mais à cultura de desinteresse da população por atuar na esfera pública
do que pela falta de incentivo por parte do ente estatal. Neste sentido, das reuniões em que não
houve deliberação por falta de quórum, tal fato ocorreu pela baixa presença de membros da
sociedade civil. Na sétima reunião de 2013 apenas um membro externo ao poder público
compareceu e na segunda de 2014 nenhum representante da sociedade civil estava presente.
Quanto ao município de Varginha, notou-se que grande parte das pautas das reuniões
está ligada aos aspectos técnicos e meramente burocráticos de reforma e tombamento de
imóveis públicos, porém, há um compromisso por parte dos membros do conselho em cumprir
com as demandas sobre acessibilidade e sustentabilidade. Tais membros também buscam
atender às demandas de profissionalização das suas atividades através da melhora na
comunicação, presença em cursos de capacitação e comprovação de escolaridade, uma
característica muito ligada ao gerencialismo. As ações do conselho acerca da questão societal
foram pouco observadas, porém presentes, como a divulgação de material buscando a
conscientização da população sobre o patrimônio histórico e cultural e, no ano de 2014, a
realização de um projeto que almeja uma valorização da Folia de Reis e da cultura afro, de uma
maneira geral, no município, um avanço relevante no que tange os movimentos sociais.
A presença de características patrimonialistas no conselho da cidade de Três Pontas
mostra que, como ressaltam vários autores e várias autoras, que este modelo não está superado
e ainda permanece na sociedade e, a não observância do mesmo no conselho de Varginha, não
indica que este não esteja presente. Em ambos os conselhos foi possível observar que o modelo
pouco presente é o societal, indicando, assim como a literatura, que este modelo ainda está em
construção e precisa ser desenvolvido a cada dia, visto que é necessário tanto as ações e
incentivos do governo, quanto interesse da sociedade para participar ativamente das decisões
pública, questões que ainda precisam ser melhoradas na sociedade brasileira.
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Algumas limitações desta pesquisa são a ausência de uma pesquisa de campo, como a
participação em reuniões do conselho, afim de compreender melhor como se dá o processo de
participação da sociedade civil de uma maneira geral, além de uma entrevista com os membros
do conselho para melhor entender como funciona a administração do órgão. Sugere-se para
pesquisas posteriores a adição dos aspectos supracitados, além de uma comparação entre
municípios de outros estados para compreender como se dá a ação de tais conselhos em
diferentes regiões.

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