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FGVLAW – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DIREITO

ADMINISTRATIVO
DIREITO E CONJUNTURA
TRABALHO DE CONCLUSÃO
ALUNO: PEDRO HENRIQUE MAZZARO LOPES

Questões – Trabalho Final

1) A história do desenvolvimento das instituições políticas e jurídicas é


marcada por movimentos incrementais, não sendo possível definir, na maioria das
vezes, uma evolução linear das formas de Estado e Gestão Pública. Desta forma, as
alterações de paradigmas institucionais não se dão de forma definitiva e abrupta,
comportando períodos de adaptação, maturação e até retrocesso, a depender das
questões apresentadas em cada momento histórico.
Este modo não linear de desenvolvimento é mais explícito quando analisamos
a mudança de “modelos ideais” - no sentido Weberiano. Justamente por se tratar de
um método explicativo baseado não numa análise empírica, mas sim na identificação
de características que marcam a essência de determinado “modelo”, é comum verificar
que as mudanças de “modelo de Estado” se encontrem marcadas por incompletudes.
Seria ilusório pensar que a implantação de um modelo de gestão conseguisse
racionalizar e controlar de forma totalmente eficiente os mais diversos
desdobramentos da realidade social.
Segundo Bresser Pereira em seu artigo Da Administração Pública Burocrática
à Gerencial1, o Estado brasileiro já implementou diversas reformas administrativas
buscando sempre atualizar o aparelho estatal com o fim de superar crises
contemporâneas aos seus momentos de aplicação.
A primeira delas foi a reforma Administrativa de 1936 do DASP –
Departamento de Administração de Serviços Públicos 2, ocorrida no governo do então
presidente Getúlio Vargas. Segundo Bresser, “a criação da DASP representou não
apenas a primeira reforma administrativa do país, com a implantação da administração
pública burocrática, mas também a afirmação dos princípios centralizadores e
hierárquicos da burocracia clássica”.
O autor também afirma que àquela época também surgiam os primeiros
sinais da noção de administração gerencial, por meio das ideias de descentralização

1
Revista do Serviço Público, 47(1) janeiro-abril 1996. Trabalho apresentado ao seminário sobre
Reforma do Estado na América Latina organizado pelo Ministério da Administração Federal e Reforma
do Estado e patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Brasília, maio de 1996).
2
Cabia à DASP estimular a fiscalização, regulamentação e centralização no âmbito da Administração
Pública do Estado Novo que se iniciava, combatendo comportamentos típicos do patrimonialismo como
as decisões arbitrárias e nepotismo.
dos serviços públicos “na ‘administração indireta’”. Porém, a reforma administrativa
que mais se focou na efetivação de um modelo gerencial foi a de 1967, através do
Decreto-Lei nº 200/67, ocorrida no período da Ditadura Militar brasileira.
Através do DL nº 200/67 instalou-se de forma definitiva a descentralização do
governo central, por meio de ênfase às atividades da administração indireta,
principalmente nas atividades produtivas de bens e serviços estatais.
No entanto, ainda segundo Bresser, e corroborando a premissa estabelecida
de que os avanços nos modelos estatais não se dão de forma linear, as alterações
trazidas pelo DL nº 200/67 também foram responsáveis pela perpetuação de aspectos
patrimonialistas e fisiológicos ao permitir a contratação de empregados sem concurso
público pela administração indireta e por não se focar na desburocratização da
administração central.
O movimento de “vai e vem” também foi observado nas reformas ocorridas na
década de 80. Após as crises econômicas decorrentes do Choque do Petróleo e
aumento da dívida pública, crise fiscal e o aumento do populismo e fisiologismo como
forma política, a Constituição de 1988 se empenhou na estruturação de um modelo
burocrático para a Nova República, tendo como objetivo controlar, centralizar e
hierarquizar a atuação estatal focada na Administração Direta.
Os anos 90, por sua vez, marcaram a retomada das reformas gerenciais,
sintetizadas nos princípios da Nova Gestão Pública (ou New Public Management)
expressos no Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE). Parte
característica deste momento são as concessões de serviços públicos e a
“descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não
envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado,
como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica”
(PDRAE).
Este movimento de idas e vindas também é observado no desenvolvimento
da atividade regulatória, em especial no período pós 1988. Ultrapassado o conturbado
período da gestão do presidente Collor, cujas contribuições para o modelo de Estado
brasileiro foi ser “porta-voz do anti-estatismo”3, estavam traçadas as bases para a
substituição do modelo Varguista do Estado Empresário em prol do Estado Regulador
neoliberal.
Com o governo de Fernando Henrique Cardoso a redução da participação
direta do Estado na economia e execução dos serviços públicos foi sacramentada com
o pacote de privatizações de grandes setores da economia e a institucionalização de

3
SALLUM Jr., Brasilio. O Brasil sob Cardoso: neoliberalismo e desenvolvimentismo. Dossiê FHC - 1º
Governo • Tempo soc. 11 (2) • Out 1999 • https://doi.org/10.1590/S0103-20701999000200003
relações de parceria com o denominado terceiro setor para execução descentralizada
dos serviços públicos, antes prestados majoritariamente de maneira direta pelo
Estado.
A guinada no modo de atuação do Estado Empresário para o Estado
Regulador teve também como característica, no Brasil, a criação de diversas agências
reguladoras para os setores econômicos que foram privatizados, como o caso dos
setores de Telecomunicações (ANATEL), transporte aérea (ANAC), aquaviário
(ANTAQ), terrestre (ANTT), etc.
Muito embora a política neoliberal de descentralização e encolhimento da
intervenção direta do Estado na economia e serviços públicos tenha se mostrado
exitosa num primeiro momento – o que também se justifica pela adoção de outras
medidas econômicas à época -, o segundo governo de FHC é marcado por crises no
programa não intervencionista em decorrência do retorno da inflação, baixo
crescimento econômico e desvalorização cambial.
Desta forma, com uma agenda voltada à uma atuação mais direta do Estado
em setores sociais estratégicos, como o combate à fome e à miséria, Luiz Inácio Lula
da Silva assume a presidência em 2003 com um pacote de mudanças não tão
abruptas quanto as que marcaram o primeiro governo de FHC.
O Estado assume uma postura mais desenvolvimentista a partir do segundo
mandato de Lula, através dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC) e
implantação da política dos “Campeões Nacionais”. Importante ressaltar que, muito
embora Lula retome uma atuação mais direta na economia, não há o retorno a um
modelo puro do Estado Empresa, mas sim com base em financiamentos públicos da
atividade empresarial privada.
Um outro elemento que demonstra um afastamento do modelo de Estado
Regulador é a tentativa de recuperação das competências normativas e politização
das pautas regulatórias, bem como nas tentativas de interferência na atividade das
agências, o que ficou marcado no governo da Presidenta Dilma Roussef, subsequente
ao de Lula.
O Estado Regulador apenas retoma seu desenvolvimento nos governos
Temer e Bolsonaro, marcados por grandes reformas liberalizantes como a Reforma
Trabalhista e Previdenciária. Também tivemos a normatização de diversos
mecanismos importantes para a atividade regulatória como a Análise de Impacto
Regulatório e Análise de Resultado Regulatório em 2019 e 2020.
Portanto, o histórico brasileiro de mudanças na formatação estatal é
caracterizado por processos descontinuados, os quais evoluem, na maior parte das
vezes, por mudanças incrementais voltadas a resolução de questões de determinado
tempo histórico. Desta feita, é normal observarmos “avanços” e “retrocessos”,
consubstanciados na adoção de modelos diferentes a depender da agenda própria de
determinado governante ou da aspiração popular/democrática da época.

2) a) O Ministro Luiz Fux, ao afirmar que o STF interfere em questões


políticas em razão de uma espécie de “incompetência” dos políticos em “fazer vencer
suas pretensões”, demonstra uma certa limitação com relação ao entendimento do
que seria a problemática em torno da denominada judicialização da política.
Inicialmente, a visão de Fux peca por partir de um ponto de vista estritamente
contramajoritário acerca da atuação do STF, ponto em que diverge frontalmente das
visões do Ministro Luis Roberto Barroso, para o qual as Cortes Constitucionais
possuem também um papel de vanguarda iluminista e representativo.
Para Barroso, além do papel de proteger minorias contra as decisões da
maioria, cabe às Cortes Constitucionais “atender demandas sociais que não foram
satisfeitas a tempo e a hora pelo Poder Legislativo, bem como para integrar
(completar) a ordem jurídica em situações de omissão inconstitucional do legislador.”4.
Já com relação ao papel Iluminista, entende Barroso que cabe ao STF deve
promover avanços civilizatórios, com base em valores racionais, e, assim, conduzir os
rumos da história ainda que esta não seja a vontade majoritariamente construída no
corpo social representado pelo Parlamento.
A visão de Barroso de certo modo fundamenta as formas de Judicialização da
Política discutidas por Leandro Molhano Ribeiro e Diego Werneck Arguelhes 5. Os
autores tipificam a judicialização da política com base no cruzamento dos diversos
atores representativos do Poder Legislativo, com a estrutura fragmentada do STF, o
qual permite atuações individuais e coletivas. Desta forma, é possível a discussão
judicial de questões políticas por membros da oposição e situação no Congresso, que
poderá ser analisada tanto pelos Ministros individualizados na figura de relatores,
quanto pelo Plenário da Corte.
Incorrendo na mesma limitação de Fux, a Senadora Simone Tebet parece
não compreender de forma abrangente a judicialização da política. Isto porque, ao
afirmar que “a política vai toda hora para o Supremo e o Supremo, por conta disso, se
arvorou no direito de legislar no nosso lugar”, a Senadora ignora que as discussões
políticas sobre temas sensíveis da realidade brasileira sempre terão como pano de

4
Palestra conferida pelo Ministro Luis Roberto Barroso, disponível em
https://www.conjur.com.br/2014-fev-13/stf-exerce-papeis-contramajoritario-representativo-afirma-
barroso
5
MOLHANO RIBEIRO, Leandro. WERNECK ARGUELHES, Diego. Contextos da judicialização da
política: novos elementos para um mapa teórico. Revista Direito GV, v. 15, n. 2, 2019.
fundo a objetivação de um termo vago presente na Constituição, cabendo, portanto, o
pronunciamento da Corte Judicial destinada justamente a interpretar o conteúdo das
normas constitucionais. Além disso, questões procedimentais destinadas à
racionalização do processo legislativo devem ser respeitadas, o que também autoriza
a atuação legítima da Suprema Corte.

2) b) As principais sugestões de alteração legislativa para alterar o desenho


institucional do STF não parecem focar no cerne do problema de legitimidade da
atuação judicial junto aos temas centrais da política nacional. Conforme descrito por
Fabiana Oliveira, as propostas existentes hoje focam nos modelos de nomeação,
tempos de mandato, e requisitos mínimos para a escolha de ministros.
Contudo, o que se observa como problemático na atuação do STF é a
ausência de publicidade com relação à formação de agenda, o uso descontrolado de
decisões monocráticas em causas de grande relevância, bem como a ausência de um
regime de compostura pública para os ministros, impedindo que se manifestem
publicamente sobre temas que podem ser analisados em pleitos judiciais.
Desta forma, embora foque na legitimidade ex ante na escolha dos ministros
componentes do STF, o que realmente parece ser o problema de legitimidade da
atuação da Corte é ausência de um accountability mais apurado e maior publicidade
na definição de sua agenda decisória.

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