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Divida Os Primeiro 5000 Anos - Resumo PDF
Divida Os Primeiro 5000 Anos - Resumo PDF
Os Primeiro
5000 Anos
David Graeber
Capítulo Um
DA EXPERIÊNCIA DA CONFUSÃO MORAL
dívida
substantivo 1 uma soma de dinheiro devido.
2 o estado de dever dinheiro. 3 um
sentimento de gratidão por um favor ou
serviço.
Oxford English Dictionary
Se você deve ao banco cem mil dólares, o
banco é seu dono. Se você deve ao banco
cem milhões de dólares, você é dono do
banco.
Provérbio Americano
Dois anos atrás, por uma série de estranhas coincidências, eu me encontrei participando de
uma festa no jardim na Abadia de Westminster. Eu estava um pouco desconfortável. Não é
que os outros convidados não fossem agradáveis e amigáveis, e o Padre Graeme, que
havia organizado a festa, não era nada se não um gracioso e charmoso anfitrião. Mas eu
me sentia mais do que um pouco deslocado. Em um certo ponto, o Padre Graeme interveio,
dizendo que havia alguém ao lado de uma fonte próxima com quem eu certamente gostaria
de me encontrar. Ela acabou por ser uma jovem elegante e bemprovida que, ele explicou,
era uma advogada "mas mais do tipo ativista. Ela trabalha para uma fundação que fornece
apoio legal para grupos antipobreza em Londres. Vocês provavelmente terão muito sobre o
que conversar".
Conversamos. Ela me contou sobre seu trabalho. Eu lhe contei que estive envolvido
por muitos anos com o movimento de justiça global "movimento antiglobalização", como é
normalmente chamado na mídia. Ela estava curiosa: ela havia, claro, lido muito sobre
Seattle, Genova, o gás lacrimogêneo e batalhas de rua, mas... bem, havíamos realmente
realizado qualquer coisa com tudo isso?
Na verdade disse eu eu acho meio que impressionante o quanto conseguimos
realizar naqueles primeiros dois anos.
Por exemplo?
Bem, por exemplo, conseguimos quase completamente destruir o FMI.
Ocorreu que ela não sabia na verdade o que era o FMI, então eu propus que o
Fundo Monetário Internacional basicamente agia como os executores da dívida do mundo
"Você poderia dizer o equivalente nas altas finanças dos caras que vêm quebrar suas
pernas". Eu me lancei em precedentes históricos, explicando como, durante a crise do
petróleo dos anos 70, os países da OPEC acabaram despejando tanto de suas riquezas
recémdescobertas nos bancos Ocidentais que os bancos não conseguiam decidir onde
investir o dinheiro; como o Citibank e o Chase, portanto, começaram a enviar agentes ao
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redor do mundo tentando convencer ditadores e políticos do Terceiro Mundo a fazer
empréstimos (na época, isso foi chamado de "gogo banking"); como eles começaram com
taxas de juros extremamente baixas que quase imediatamente dispararam para mais ou
menos 20 por cento devido a rígidas políticas monetárias dos EUA no começo dos anos 80;
como, durante os anos 80 e 90, isto levou à crise da dívida do Terceiro Mundo; como o FMI
então interveio para insistir que, a fim de obter refinanciamento, os países pobres seriam
obrigados a abandonar suportes de preços sobre itens alimentícios básicos, ou mesmo
políticas para manter reservas estratégicas de comida, e abandonar educação e saúde
gratuitas; como tudo isso levou ao colapso de todos os suportes mais básicos para algumas
das pessoas mais pobres e mais vulneráveis na terra. Eu falei de pobreza, da pilhagem dos
recursos públicos, do colapso de sociedades, violência endêmica, subnutrição,
desesperança e vidas destruídas.
Mas qual era a sua posição? Perguntou a advogada.
Sobre o FMI? Queríamos abolilo.
Não, eu quero dizer, sobre a dívida do Terceiro Mundo.
Ah, queríamos abolir isso também. A exigência imediata era impedir o FMI de
impor políticas de ajuste estrutural, que estavam causando todo o dano direto, mas
conseguimos realizar isso surpreendentemente rápido. A meta de mais longo prazo era
anistia da dívida. Algo nas linhas do Jubileu bíblico. Até onde estávamos preocupados eu
lhe disse trinta anos de dinheiro fluindo dos países mais pobres para os mais ricos era o
bastante.
Mas ela objetou, como se isso fosse autoevidente eles emprestaram o dinheiro!
Certamente uma pessoa tem que pagar suas dívidas.
Foi neste ponto que eu percebi que esta seria um tipo de conversa muito diferente
do que eu havia originalmente antecipado.
Onde começar? Eu poderia ter começado explicando como esses empréstimos
haviam originalmente sido tomados por ditadores não eleitos que colocaram a maior parte
deles diretamente em suas contas em bancos na Suíça, e pedir que ela contemplasse a
justiça de insistir que os credores sejam pagos, não pelo ditador, nem mesmo por seus
compadres, mas literalmente tirando comida das bocas de crianças famintas. Ou que
pensasse sobre quantos desses países pobres já haviam, na verdade, pago o que tomaram
emprestado três ou quatro vezes agora, mas que, através do milagre do juro composto,
ainda não tinham feito uma redução significativa no principal. Eu poderia também observar
que havia uma diferença entre refinanciar empréstimos e exigir que, a fim de obter um
refinanciamento, os países tenham que seguir alguma política econômica de livre mercado
desenvolvida em Washington ou em Zurique, com a qual seus cidadãos nunca concordaram
e nunca concordariam, e que era um pouco desonesto insistir que, não importa quem tenha
sido eleito, eles não têm controle sobre as políticas de seu país de qualquer maneira. Ou
que as políticas econômicas impostas pelo FMI nem mesmo funcionam. Mas havia um
problema mais básico: a própria suposição de que dívidas têm
que ser pagas.
Na verdade, a coisa notável sobre a frase "uma pessoa tem que pagar suas dívidas"
é que mesmo de acordo com a teoria econômica padrão, ela não é verdadeira. Um credor
deve aceitar um certo grau de risco. Se todos os empréstimos, não importa o quão idiotas,
ainda fossem recuperáveis se não houvesse leis de falência, por exemplo os resultados
seriam desastrosos. Que razão os credores teriam para não fazer um empréstimo estúpido?
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Bem, eu sei que soa como senso comum eu disse mas a coisa engraçada é
que, economicamente, não é assim que os empréstimos deveriam funcionar, na verdade.
Instituições financeiras deveriam ser maneiras de dirigir recursos em direção a
investimentos lucrativos. Se um banco tivesse garantia de receber seu dinheiro de volta,
mais juros, não importa o que ele fizesse, todo o sistema deixaria de funcionar. Digamos
que eu entrasse na agência mais próxima do Royal Bank of Scotland e dissesse 'Sabe, eu
acabei de receber uma dica muito boa sobre cavalos. Cê acha que consegue me emprestar
uns dois milhões de libras?' Obviamente eles simplesmente ririam de mim. Mas isso é
apenas porque eles sabem que se meu cavalo não chegasse em primeiro, não haveria
qualquer maneira para eles conseguirem o dinheiro de volta. Mas, imagine que houvesse
alguma lei que dissesse que eles teriam garantia de conseguir seu dinheiro de volta, não
importa o que acontecesse, mesmo que isso significasse, sei lá, vender minha filha à
escravidão ou retirar meus órgãos ou algo do tipo. Bem, nesse caso, por que não? Por que
se preocupar em esperar entrar alguém que tenha um plano viável para abrir uma
lavanderia ou algo assim? Basicamente, essa é a situação que o FMI criou em um nível
global que é como você pode ter todos esses bancos dispostos a desembolsar bilhões de
dólares para um bando de óbvios bandidos em primeiro lugar.
Eu não cheguei tão longe assim, porque mais ou menos nesse ponto um financista
bêbado apareceu, tendo notado que estávamos falando sobre dinheiro, e começou a contar
estórias engraçadas sobre risco moral que, de alguma forma, em pouco tempo haviam se
metamorfoseado em um relato longo e não particularmente cativante de uma de suas
conquistas sexuais. Eu me afastei.
Ainda assim, durante vários dias depois, aquela frase continuou ressoando na minha
cabeça.
"Certamente uma pessoa tem que pagar suas dívidas."
A razão pela qual ela é tão poderosa é que não é, na verdade, uma afirmação
econômica: é uma afirmação moral. Afinal, pagar suas dívidas não é tudo sobre o que a
moralidade deveria ser? Dar às pessoas o que lhes é devido. Aceitar suas
responsabilidades. Cumprir suas obrigações para com os outros, assim como se esperaria
que eles cumprissem suas obrigações para consigo. O que poderia ser um exemplo mais
óbvio de esquivarse às suas responsabilidades do que renegar uma promessa, ou se
recursar a pagar uma dívida?
Era essa própria auto evidência, eu percebi, que tornava a frase tão insidiosa. Esse
era o tipo de linha que poderia fazer coisas terríveis parecerem totalmente brandas e
banais. Isso pode soas forte, mas é difícil não se sentir de maneira forte sobre tais questões
uma vez que você testemunhou os efeitos. Eu vi. Por quase dois anos, eu havia vivido nos
planaltos de Madagascar. Pouco depois que cheguei, houve um surto de malária. Foi um
surto particularmente virulento porque a malária havia sido eliminada no planalto de
Madagascar muitos anos antes, de modo que, após algumas gerações, a maioria das
pessoas havia perdido sua imunidade. O problema era que custava dinheiro manter o
programa de erradicação do mosquito, uma vez que tinham que haver testes periódicos
para ter certeza de que os mosquitos não estavam começando a se reproduzir novamente e
campanhas de pulverização se se descobrisse que estavam. Não muito dinheiro. Mas
devido a programas de austeridade impostos pelo FMI, o governo teve que cortar o
programa de monitoramento. Dez mil pessoas morreram. Eu encontrei jovens mães em luto
por filhos mortos. Podese pensar que seria difícil construir um argumento de que a perda
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de dez mil vidas humanas realmente é justificada a fim de garantir que o Citibank não teria
que assumir as perdas de um empréstimo irresponsável que não era particularmente
importante para seu balancete de qualquer firma. Mas eis aqui uma mulher perfeitamente
decente uma que trabalha para uma organização de caridade, não menos que tomava
como autoevidente que era. Afinal, eles deviam o dinheiro, e certamente uma pessoa tem
que pagar suas dívidas.
I I I I I
Durante as semanas seguintes, essa frase continuou voltando a mim. Por que dívida? O
que torna o conceito tão estranhamente poderoso? O endividamento do consumidor é a
força vital da nossa economia. Todos os estadosnação modernos são construídos em cima
de gastos deficitários. A dívida veio a se tornar a questão central da política internacional.
Mas ninguém parece saber exatamente o que ela é, ou como pensar sobre ela.
O próprio fato de que não sabemos o que é dívida, a própria flexibilidade do
conceito, é a base de seu poder. Se a história demonstra qualquer coisa, é que não há
nenhuma maneira melhor de se justificar relações fundadas em violência, de fazer tais
relações parecerem morais, do que as reformulando na linguagem da dívida acima de
tudo, porque isso imediatamente faz parecer que é a vítima que está fazendo algo errado.
Mafiosos entendem isso. Assim como o fazem os comandantes de exércitos
conquistadores. Por milhares de anos, homens violentos foram capazes de dizer a suas
vítimas que essas vítimas lhes devem algo. Se nada mais, elas "lhes devem suas vidas"
(uma frase reveladora) porque não foram mortas.
Hoje em dia, por exemplo, a agressão militar é definida como um crime contra a
humanidade e cortes internacionais, quando são exercitadas, normalmente exigem que os
agressores paguem uma compensação. A Alemanha teve que pagar reparações maciças
após a Primeira Guerra Mundial e o Iraque ainda está pagando ao Kuwait pela invasão de
Saddam Hussein em 1990. Ainda assim, a dívida do Terceiro Mundo, a dívida de países
como Madagascar, Bolívia e Filipinas, parece funcionar precisamente ao contrário. Nações
devedoras do Terceiro Mundo são quase exclusivamente países que, em algum momento,
foram atacados e conquistados por países europeus frequentemente os mesmos países a
quem eles agora devem dinheiro. Em 1895, por exemplo, a França invadiu Madagascar,
debandou o governo da então Rainha Ranavalona III e declarou o país uma colônia
francesa. Uma das primeiras coisas que o General Gallieni fez após a "pacificação", como
eles gostam de chamar, foi impor pesados impostos sobre a população malgaxe, em parte
para que pudessem reembolsar os custos de terem sido invadidos, mas também, uma vez
que as colônias francesas deveriam ser fiscalmente autossustentáveis, para pagar os
custos da construção das ferrovias, estradas, pontes, plantações, e assim por diante, que o
regime francês desejava construir. Os contribuintes malgaxes nunca foram consultados
sobre se desejavam estas ferrovias, estradas, pontes e plantações, ou tampouco lhes foi
1
permitido muita voz sobre onde e como seriam construídas. Pelo contrário: durante o meio
1
Com os resultados previsíveis de que elas não foram realmente construídas para tornar mais fácil para
o povo malgaxe se locomover em seu próprio país, mas principalmente para levar produtos das
plantações para os portos, a fim de ganhar divisas internacionais para pagar pela construção das
estradas e ferrovias, para começo de conversa.
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século seguinte, o exército e a polícia franceses chacinaram um bom número de malgaxes
que contestaram de maneira muito forte o arranjo (para cima de meio milhão, de acordo
com alguns relatórios, durante uma revolta em 1947). Não é como se Madagascar tivesse
jamais causado qualquer dano comparável à França. Apesar disso, desde o começo, o
povo malgaxe foi informado que devia dinheiro à França, e até hoje se considera que o
povo malgaxe deve dinheiro à França, e o resto do mundo aceita a justiça desse arranjo.
Quando a "comunidade internacional" de fato percebe uma questão moral, usualmente é
quando sentem que o governo malgaxe está sendo lento em pagar suas dívidas.
Mas o débito não é apenas a justiça do vencedor; também pode ser uma maneira de
punir vencedores que não deveriam ter ganho. O exemplo mais espetacular disso é a
história da República do Haiti o primeiro país pobres a ser colocado em escravidão
permanente por dívida. O Haiti era uma nação fundada por exescravos de plantações que
tiveram a temeridade não apenas de se levantar em rebelião, entre grandes declarações de
direitos e liberdades universais, mas de derrotar os exércitos de Napoleão enviados para
devolvêlos à escravidão. A França imediatamente insistiu que a nova república lhe devia
150 milhões de francos em danos pelas plantações expropriadas, bem como pelas
despesas de armamento das expedições militares que falharam, e todas as outras nações,
incluindo os Estados Unidos, concordaram em impor um embargo ao país até que fosse
pago. A soma era intencionalmente impossível (equivalente a cerca de 18 bilhões de
dólares) e o embargo resultante garantiu que o nome "Haiti" fosse um sinônimo para dívida,
2
pobreza e miséria humana desde então
Às vezes, no entanto, a dívida parece significar o exato oposto. A partir da década
de 1980, os Estados Unidos, insistiam em termos estritos no pagamento da dívida do
Terceiro Mundo, adquiriram eles próprios dívidas que facilmente diminuíam aquelas de todo
o Terceiro Mundo combinado impulsionadas principalmente por gastos militares. A dívida
externa dos EUA, no entanto, assume a forma de títulos do Tesouro detidos por
investidores institucionais em países (Alemanha, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Tailândia,
os Estados do Golfo) que são, na maior parte dos casos, efetivamente protetorados
militares dos EUA, a maioria cobertos de bases dos EUA cheias de armas e equipamentos
pagos com esse mesmo gasto deficitário. Isso tem mudado um pouco agora que a China
entrou no jogo (a China é um caso especial, por razões que serão explicadas mais tarde),
mas não muito mesmo a China acha que o fato de que ela detém tantos títulos do tesouro
dos EUA a deixa, em algum grau, em dívida com os interesses dos EUA, e não o contrário.
Então, qual é o status de todo este dinheiro continuamente sendo canalizado para o
tesouro dos EUA? São empréstimos? Ou são tributo? No passado, normalmente se referia
a potências militares que mantinham centenas de bases militares fora de seu próprio
território de origem como "impérios", e impérios regularmente exigiam tributos de povos
subjugados. O governo dos EUA, claro, insiste que não é um império mas se poderia
facilmente fazer o argumento de que a única razão pela qual ele insiste em tratar esses
pagamentos como "empréstimos" e não como "tributos" é precisamente negar a realidade
do que está acontecendo.
2
Os Estados Unidos, por exemplo, só reconheceram a República do Haiti em 1860. A França manteve
obstinadamente a exigência e a República do Haiti foi finalmente forçada a pagar o equivalente a
US$21 bilhões entre 1925 e 1946, tempo durante a maior parte do qual eles estiveram sob ocupação
militar dos EUA.
5
Ora, é verdade que, por toda a história, certos tipos de dívida, e certos tipos de
devedores, sempre foram tratados de maneira diferente de outros. Na década de 1720, uma
das coisas que mais escandalizava o público britânico, quando as condições nas prisões de
devedores eram expostas na imprensa popular, era o fato de que estas prisões eram
regularmente divididas em duas seções. Detentos aristocratas, que muitas vezes pensavam
em uma breve estadia em Fleet ou Marshalsea como algo de uma declaração de moda,
eram servidos vinho e comida no local por funcionários uniformizados e estavam
autorizados a receber visitas regulares de prostitutas. No "lado comum", devedores
empobrecidos eram algemados juntos em celas minúsculas, "cobertos de sujeira e vermes",
3
como um repórter colocou, "e sofriam até morrer, sem piedade, de fome e febre carcerária"
.
De certa maneira, você pode ver os atuais arranjos econômicos mundiais como uma
versão muito maior da mesma coisa: os EUA neste caso sendo o devedor de Cadillac,
Madagascar o indigente morrendo de fome na cela ao lado enquanto os servos do
devedor de Cadillac lhe repreendem sobre como seus problemas são devidos a sua própria
irresponsabilidade.
E há algo mais fundamental acontecendo aqui, uma questão filosófica até, que
poderíamos fazer bem em contemplar. Qual é a diferença entre um gangster sacar uma
arma e lhe exigir que lhe dê mil dólares de "dinheiro de proteção" e o mesmo gangster
sacar uma arma e lhe exigir que lhe forneça um "empréstimo" de mil dólares? Na maioria
dos aspectos, obviamente, nada. Mas de certas maneiras, há sim uma diferença. Como no
caso da dívida dos EUA com a Coréia ou com o Japão, se o equilíbrio de poder mudasse
em qualquer ponto, se a América perdesse sua supremacia militar, se o gangster perdesse
seus capangas, esse "empréstimo" poderia começar a ser tratado muito diferentemente.
Poderia se tornar uma genuína obrigação. Mas o elemento crucial ainda pareceria ser a
arma.
Há uma antiga brincadeira do vaudeville que faz o mesmo ponto de forma ainda
mais elegante aqui como melhorada por Steve Wright:
Eu estava descendo a rua com um amigo outro dia e um cara com uma arma salta
de um beco e diz "mãos ao alto".
Conforme eu pegava minha carteira, eu pensei "não deveria ser uma perda
total". Então eu tirei algum dinheiro, virei para meu amigo e disse "Hey, Fred, aqui
estão os cinquenta contos que te devo".
O ladrão ficou tão ofendido que ele tirou mil dólares de seu próprio dinheiro,
forçou Fred a me emprestar sob a mira da arma e depois pegou de volta.
Na análise final, o homem com a arma não tem que fazer nada que ele não queira fazer.
Mas a fim de ser capaz de operar efetivamente mesmo um regime baseado em violência, é
necessário se estabelecer algum tipo de conjunto de regras. As regras podem ser
completamente arbitrárias. De certa forma, nem mesmo importa quais elas são. Ou, pelo
menos, não importa a princípio. O problema é, no momento que se começa a enquadrar as
3
Hallam 1866 V: 26970. Uma vez que o governo não sentiu que fosse apropriado pagar pela
manutenção dos incautos, se esperava que os prisioneiros arcassem com o custo completo de seu
próprio aprisionamento. Se não pudessem, simplesmente morriam de fome.
6
coisas em termos de dívida, as pessoas inevitavelmente começarão a perguntar quem
realmente deve a quem.
Discussões sobre dívidas vêm acontecendo há pelo menos cinco mil anos. Na maior
parte da história humana pelo menos, da história de estados e impérios a maioria dos
4
seres humanos tem sido informada de que são devedores. Historiadores e,
particularmente, historiadores das ideias, têm sido estranhamente relutantes em considerar
as consequências humanas; especialmente uma vez que esta situação mais do que
qualquer outra causou ultraje e ressentimento contínuos. Diga às pessoas que elas são
inferiores, é pouco provável que elas fiquem satisfeitas, mas isto, surpreendentemente,
raramente levou à revolta armada. Diga às pessoas que elas são potenciais iguais que
falharam e que, portanto, mesmo o que elas têm elas não merecem, que não é
legitimamente delas, e você tem muito mais probabilidade de inspirar raiva. Certamente isso
é o que a história pareceria nos ensinar. Por milhares de anos, a luta entre ricos e pobres
tomou grandemente a forma de conflitos entre credores e devedores de argumentos sobre
os certos e errados do pagamento de juros, escravidão por dívida, anistia, reintegração de
posse, restituição, o sequestro de ovelhas, o confisco de vinhedos e a venda dos filhos dos
devedores para a escravidão. Pela mesma razão, pelos últimos cinco mil anos, com notável
regularidade, as insurreições populares começaram da mesma maneira: com a destruição
ritual de registros de dívida tábulas, papiros, livros contábeis, qualquer que fosse a forma
que pudessem ter tomado em qualquer determinado tempo e lugar. (Depois disso, os
rebeldes normalmente vão atrás dos registros de propriedade sobre a terra e dos autos
fiscais.) Como o grande classicista Moses Finley frequentemente gostava de dizer, no
mundo antigo, todos os movimentos revolucionários tinham um único programa: "Cancele
5
as dívidas e redistribua a terra" .
Nossa tendência a negligenciar isso é tão mais peculiar quando você considera
quanto de nossa linguagem moral e religiosa contemporânea originalmente emergiu de
forma direta desses mesmos conflitos. Termos como "reckoning" ("acerto de contas") ou
"redemption" ("redenção") são apenas os exemplos mais óbvios, uma vez que foram
tomados diretamente da linguagem financeira antiga. Em um sentido mais amplo, o mesmo
pode ser dito de "guilt" ("culpa"), "freedom" ("liberdade"), "forgiveness" ("perdão") e mesmo
"sin" ("pecado"). Discussões sobre quem realmente deve o que a quem desempenharam
um papel central em moldar nosso vocabulário básico de certo e errado.
O fato de que tanto dessa linguagem tomou forma em discussões sobre dívida
deixou o conceito estranhamente incoerente. Afinal, para discutir com o rei, temse que usar
a linguagem do rei, quer as premissas iniciais façam sentido ou não.
Se se olha para a história da dívida, então, o que se descobre, antes de tudo, é uma
profunda confusão moral. Sua manifestação mais óbvia é que em quase todos os lugares,
se descobre que a maioria dos seres humanos mantém simultaneamente que (1) devolver o
dinheiro que se emprestou é uma simples questão de moralidade e (2) qualquer um com o
hábito de emprestar dinheiro é mau.
4
Se considerarmos as responsabilidades fiscais como sendo dívidas, é a esmagadora maioria e, se
nada mais, os dois estão intimamente relacionados, uma vez que, ao longo do curso da história, a
necessidade de reunir dinheiro para o pagamento de impostos sempre foi a razão mais frequente para
se endividar.
5
Finley 1960:63; 1963:24; 1974:80; 1981:106; 1983:108. E estas são apenas as que eu consegui
rastrear. O que ele diz sobre Grécia e Roma pareceria se igualmente válido sobre o Japão, a Índia ou a
China.
7
É verdade que opiniões sobre este último ponto de fato mudam para lá e para cá.
Uma possibilidade extrema poderia ser a situação que o antropólogo francês JeanClaude
Galey encontrou em uma região oriental do Himalaia onde, até tão recentemente quanto os
anos 1970, as castas de baixo escalão referiase a elas como "os vencidos", uma vez que
se pensava que eram descendentes de uma população outrora conquistada pela atual casta
senhora das terras, muito séculos antes viviam em uma situação de dependência por
dívida permanente. Sem terra e sem dinheiro, eram obrigadas a solicitar empréstimos dos
senhorios simplesmente para encontrar uma maneira de comer não através dinheiro, uma
vez que as somas eram insignificantes, mas porque se esperava que devedores pobres
pagassem os juros na forma de trabalho, o que significava que pelo menos se fornecia
comida a eles enquanto eles limpavam as dependências de seus credores e retelhavam
suas cabanas. Para os "vencidos" como para a maioria das pessoas no mundo, na
verdade as despesas de vida mais significantes eram casamentos e funerais. Estas
exigiam uma boa quantia de dinheiro, que sempre tinha que ser tomado emprestado. Em
tais casos, era uma prática comum, explica Galey, que os agiotas da alta casta exigissem
uma das filhas do mutuário como seguro. Frequentemente, quando um homem pobre tinha
que tomar dinheiro emprestado para o casamento de sua filha, o seguro seria a própria
noiva. Seria esperado dela que se reportasse ao lar do emprestador após sua noite de
núpcias, passasse alguns meses ali como sua concubina e então, uma vez que ele ficasse
entediado, fosse enviada para algum campo madeireiro nas proximidades, onde ela teria
que passar os próximos um ou dois anos como prostituta, trabalhando para pagar a dívida
de seu pai. Uma vez que fosse quitada, ela retornaria a seu marido e começaria sua vida de
6
casada.
Isto parece chocante, ultrajante mesmo, mas Galey não reporta nenhum sentimento
generalizado de injustiça. Todo mundo parecia sentir que isso era simplesmente a maneira
que as coisas funcionavam. Tampouco havia muita preocupação expressa entre os
brâmanes locais, que eram os árbitros supremos em questões de moralidade embora isso
dificilmente seja surpreendente, uma vez que os agiotas mais proeminentes frequentemente
eram os próprios brâmanes.
Mesmo aqui, claro, é difícil saber o que as pessoas estavam dizendo a portas
fechadas. Se um grupo de rebeldes Maoístas repentinamente tomasse controle da área
(alguns de fato operam nesta parte rural da Índia) e arrebanhasse os usurários locais para
julgamento, poderíamos ouvir todos os tipos de opiniões expressas.
Ainda assim, o que Galey descreve representa, como eu digo, um extremo de
possibilidade: um em que os próprios usurários são as autoridades morais supremas.
Compare isto com, digamos, a França medieval, onde o status de agiotas estava
seriamente em questão. A Igreja Católica sempre havia proibido a prática de emprestar
dinheiro a juros, mas as regras frequentemente caíam em desuso, fazendo com que a
hierarquia da Igreja autorizasse campanhas de pregação, mandando frades mendicantes
viajarem de cidade em cidade alertando os usurários que, a menos que se arrependessem
e fizessem uma restituição completa de todo juro extraído de suas vítimas, eles certamente
iriam para o Inferno.
Estes sermões, muitos dos quais sobreviveram, estão cheios de histórias de terror
sobre o julgamento de Deus sobre agiotas impenitentes: estórias de homens ricos afligidos
6
Galey 1983.
8
pela loucura e por terríveis doenças, assombrados por pesadelos de leito de morte sobre
serpentes ou demônios que em breve dilacerariam ou comeriam sua carne. No século XII,
quando tais campanhas atingiram seu auge, sanções mais diretas começaram a ser
empregadas. O papado emitiu instruções às paróquias locais de que todos os usurários
conhecidos deveriam ser excomungados; não se deveria deixálos receber sacramentos e,
sob nenhuma condição, seus corpos poderiam ser enterrados em terreno sagrado. Um
cardeal francês, Jacques de Vitry, escrevendo por volta de 1210, registrou a estória de um
agiota particularmente influente cujos amigos tentaram pressionar o padre de sua paróquia
a negligenciar as regras e autorizálo a ser enterrado no adro da igreja local:
Uma vez que os amigos do usurário morto foram muito insistes, o padre cedeu à sua
pressão e disse, "Coloquemos seu corpo em um burro e vejamos o desejo de Deus
e o que Ele fará com o corpo. Para onde quer que o burro o leve, seja uma igreja,
um cemitério ou outro lugar, lá eu o enterrarei". O corpo foi colocado sobre o burro
que, sem desviar nem para a direita nem para a esquerda, o levou direto para fora
da cidade para o local onde ladrões eram colocados na forca, e com um salto
7
cordial, mandou o cadáver voando para dentro do esterco sob a forca.
Examinando a literatura mundial, é quase impossível encontra uma única representação
simpática de um agiota ou, em todo caso, de um agiota profissional, o que significa, por
definição, um que cobre juros. Eu não estou certo que exista outra profissão (carrascos?)
com uma imagem tão consistentemente ruim. É especialmente notável quando se considera
que, ao contrário de carrascos, os usurários muitas vezes estão entre as pessoas mais ricas
e poderosas em suas comunidades. Ainda assim, o próprio nome "usurário" evoca imagens
de agiotas, dinheiro manchado de sangue, libras de carne, a venda de almas e, atrás delas
todas, o Diabo, muitas vezes representado como ele mesmo uma espécie de usurário, um
contador maligno com seus livros e canhotos, ou, alternativamente, como a figura
ameaçadora logo atrás do usurário, ganhando tempo até que ele possa reaver a alma de
um vilão que, pela sua própria ocupação, claramente fez um pacto com o Inferno.
Historicamente, houve apenas duas maneiras efetivas de um emprestador tentar se
esquivar do opróbrio: ou desviar a responsabilidade para alguma terceira parte, ou insistir
que o mutuário é ainda pior. Na Europa medieval, por exemplo, os senhores muitas vezes
assumiram a primeira abordagem, empregando judeus como substitutos. Muitos falariam
mesmo de "nossos" judeus isto é, judeus sob sua proteção pessoal embora na prática
isso normalmente significasse que eles primeiro negariam aos judeus, em seus territórios,
quaisquer meios de se ganhar a vida, exceto através da usura (garantindo que eles seriam
amplamente detestados), e então periodicamente se voltariam contra eles, alegando que
eram criaturas detestáveis e tomariam o dinheiro para si mesmos. A segunda abordagem é,
claro, mais comum. Mas ela normalmente leva à conclusão de que ambas as partes em um
empréstimo são igualmente culpadas; todo o arranjo é um negócio ensebado e, muito
provavelmente, ambos serão condenados.
Outras tradições religiosas têm perspectivas diferentes. Nos códigos legais Hindus
medievais, não apenas os empréstimos com juros eram permissíveis (a principal
estipulação era que os juros nunca deveriam exceder o principal), mas frequentemente se
7
Jacques de Vitry, in Le Goff 1990:64.
9
enfatizava que um devedor que não pagasse renasceria como um escravo no lar de seu
credor ou, em códigos posteriores, renasceria como seu cavalo ou seu boi. A mesma
atitude tolerante em relação a emprestadores, e alertas de vingança cármica contra
mutuários, reaparecem em muitas vertentes do Budismo. Mesmo assim, no momento em
que se pensava que os usurários tinham ido longe demais, exatamente o mesmo tipo de
estórias encontradas na Europa começariam a aparecer. Um autor japonês medieval
reconta uma ele insiste que é uma estória verdadeira sobre o terrível destino de
Hiromushime, a esposa de um abastado governador distrital em cerca de 776 D.C. Uma
mulher excepcionalmente gananciosa,
ela colocaria água no vinho de arroz para que vendesse e tivesse um lucro enorme
sobre esse saquê diluído. No dia em que ela emprestava algo para alguém, ela
usava um copo dosador pequeno, mas no dia da coleta ela usava um grande.
Quando emprestava arroz, sua balança registrava pequenas porções, mas quando
ela recebia pagamento era em grandes quantidades. Os juros que ela recolhia
forçosamente eram tremendos frequentemente tanto quanto dez ou mesmo cem
vezes a quantidade do empréstimo original. Ela era rígida em recolher débitos, não
demostrando qualquer misericórdia que fosse. Por isso, muitas pessoas foram
jogadas em um estado de ansiedade; elas abandonavam seus lares para fugir dela e
8
começavam a vagar em outras províncias.
Após ela ter morrido, por sete dias, monges rezaram sobre seu caixão selado. No sétimo,
seu corpo misteriosamente ganhou vida:
Aqueles que vieram olhar para ela encontraram um fedor indescritível. Da cintura
para cima ela já se tornara um boi com chifres de quatro polegadas, salientes em
sua testa. Suas duas mãos haviam se tornado os cascos de um boi, suas unhas
agora estavam rachadas de maneiras que lembravam o peito do pé de um casco de
boi. Da cintura para baixo, contudo, seu corpo era o de uma humana. Ela não
gostava de arroz e preferia comer grama. Sua maneira de comer era ruminação.
9
Nua, ela deitaria em seu próprio excremento.
Curiosos descendiam. Culpada e envergonhada, a família fez tentativas desesperadas de
comprar perdão, cancelando todas dívidas a eles devidas por qualquer um, doando muito
de sua riqueza para estabelecimentos religiosos. Finalmente, misericordiosamente, o
monstro morreu.
O autor, ele próprio um monge, sentiu que a estória representava um caso claro de
reencarnação prematura a mulher estava sendo punida pela lei do carma por suas
violações do "que é tanto razoável quanto direito". Seu problema era que as escrituras
budistas, na medida em que elas explicitamente ponderavam sobre a questão, não
forneciam um precedente. Normalmente, eram os devedores que deveriam renascer como
bois, não credores. Como resultado, quando chegou a hora de explicar a moral da estória,
sua exposição ficou decididamente confusa:
8
Kyokai, Record of Miraculous Events in Japan (c. 822 AD), Tale 26, citado in LaFleur 1986:36.
Também Nakamura 1996:25759∙
9
Ibid: J6
10
É como um sutra diz: "Quando não pagamos as coisas que emprestamos, nosso
pagamento se torna aquele de renascer como um cavalo ou boi". "O devedor é
como um escravo, o credor é como um mestre". Ou, novamente: "um devedor é um
faisão e seu credor um falcão". Se você está em uma situação de ter concedido um
empréstimo, não coloque pressão desarrazoada sobre seu devedor por pagamento.
Se você o fizer, renascerá como um cavalo ou um boi e será colocado a trabalhar
para aquele que estava em dívida com você, e então você pagará muitas vezes
10
mais.
Então, qual vai ser? Eles não podem ambos acabar como animais nos celeiros um do outro.
Todas as grandes tradições religiosas parecem se bater contra este dilema de uma
forma ou outra. Por um lado, na medida em que todas as relações humanas envolvem
débito, elas estão todas moralmente comprometidas. Ambas as partes já são
provavelmente culpadas de algo simplesmente por entrar na relação; no mínimo correm um
risco significante de se tornarem culpadas se o pagamento for atrasado. Por outro lado,
quando dizemos que alguém age como se "não devesse nada a ninguém", dificilmente
estamos descrevendo a pessoa como um protótipo de virtude. No mundo secular, a
moralidade consiste grandemente de cumprir nossas obrigações para com os outros e
temos uma tendência teimosa a imaginar estas obrigações como dívidas. Monges, talvez,
possam evitar o dilema se desligando do mundo secular inteiramente, mas o resto de nós
parece condenado a viver em um universo que não faz muito sentido.
I I I I I
A estória de Hiromushime é uma ilustração perfeita do impulso para se jogar a acusação de
volta ao acusador assim como na estória sobre o usurário morto e o burro, a ênfase em
excremento, animais e humilhação é claramente entendida como justiça poética, o credor
forçado a experimentar os mesmos sentimentos de desgraça e degradação que os
devedores sempre são feitos sentir. É tudo uma maneira mais vívida, mais visceral de fazer
a mesma pergunta: "Quem realmente deve o que para quem?".
É também uma ilustração perfeito de como, no momento em que se faz a pergunta
"Quem realmente deve o que para quem?", se começou a adotar a linguagem do credor.
Assim como se não pagamos nossas dívidas, "nosso pagamento se torna aqueles de
renascer como um cavalo ou um boi"; então se você for um credor desarrazoado, você
também "pagará". Mesmo a justiça cármica pode ser assim reduzida à linguagem de uma
transação de negócios.
Aqui chegamos à questão central deste livro: O que, precisamente, significa dizer
que nosso senso de moralidade e justiça é reduzido à linguagem de uma transação de
negócios? O que significa quando reduzimos obrigações morais a dívidas? O que muda
quando uma vira a outra? E como falamos sobre elas quando nossa linguagem foi tão
moldada pelo mercado? Em um nível, a diferença entre uma obrigação e uma dívida é
simples e óbvia. Uma dívida é a obrigação de pagar uma certa soma de dinheiro. Como
10
Ibid: J7
11
resultado, uma dívida, ao contrário de qualquer outra forma de obrigação, pode ser
quantificada precisamente. Isto permite que as dívidas se tornem simples, frias e
impessoais o que, por sua vez, permitelhes ser transferíveis. Se alguém deve um favor,
ou sua vida, a outro ser humano isso é devido àquela pessoa especificamente. Mas se
alguém deve quarenta mil dólares à 12 por cento de juros, não importa realmente quem é o
credor; nem tampouco qualquer das duas partes tem que pensar muito sobre o que a outra
parte precisa, quer, é capaz de fazer como elas certamente teriam se o que fosse devido
fosse um favor, ou respeito, ou gratidão. Não é necessário calcular os efeitos humanos;
precisase apenas calcular principal, saldos, multas e taxas de juros. Se você acabar tendo
que abandonar sua casa e vagar por outras províncias, se sua filha acabar num campo de
mineração trabalhando como prostituta, bem, isso é lamentável, mas incidental para o
credor. Dinheiro é dinheiro, e negócio é negócio.
A partir desta perspectiva, o fator crucial, e um tópico que será explorado em
profundidade nestas páginas, é a capacidade do dinheiro de transformar a moralidade em
uma questão de aritmética impessoal e, ao fazêlo, justificar coisas que, de outra forma,
pareceriam ultrajantes ou obscenas. O fator da violência, que eu estive enfatizando até
agora, pode parecer secundário. A diferença entre uma "dívida" e uma mera obrigação
moral não é a presença ou ausência de homens com armas que podem executar essa
obrigação confiscando as posses do devedor ou ameaçando quebrar suas pernas. É
simplesmente que um credor tem os meios de especificar, numericamente, exatamente
quanto o devedor deve.
Contudo, quando se olha um pouco mais de perto, se descobre que esses dois
elementos a violência e a quantificação estão intimamente ligados. Na verdade, é quase
impossível encontrar um sem o outro. Usurários franceses tinham amigos e executores
poderosos, capazes de ameaçar até mesmo autoridades da Igreja. De que outra maneira
eles teriam recolhido dívidas que eram tecnicamente ilegais? Hiromushime era
absolutamente intransigente com seus devedores "não demostrando qualquer misericórdia
que fosse" mas, aí, seu marido era o governador. Ela não tinha que demonstrar
misericórdia. Aqueles de nós que não têm homens armados atrás de si não podem se dar
ao luxo de ser tão exigentes.
A forma em que a violência, ou a ameaça de violência, transforma as relações
humanas em matemática aparecerá repetidamente ao longo do curso deste livro. Ela é a
fonte suprema da confusão moral que parece flutuar em torno de tudo que envolve o tema
da dívida. Os dilemas resultantes parecem ser tão antigos quanto a própria civilização.
Podemos observar o processo nos mais antigos registros da antiga Mesopotâmia; ela
encontra sua primeira expressão filosófica nos Vedas, reaparece em infindáveis formas por
toda a história registrada e ainda se encontra por baixo do tecido essencial de nossas
instituições hoje estado e mercado, nossas mais básicas concepções da natureza da
liberdade, moralidade, socialidade todas as quais foram moldadas por uma história de
guerra, conquista e escravidão de maneiras que nós não somos mais capazes sequer de
perceber por que não conseguimos mais imaginar as coisas de qualquer outra maneira.
I I I I I
12
Há razões óbvias pelas quais este é um momento particularmente importante para
reexaminar a história da dívida. Setembro de 2008 viu o começo de uma crise financeira
que quase levou, aos berros, a economia do mundo inteiro a parar. De muitas maneiras a
economia mundial de fato parou: navios pararam de se mover através dos oceanos e
milhares foram colocados em doca seca. Guindastes de construção foram desmontados, já
que nenhuma construção mais estava sendo levantada. Os bancos em grande parte
deixaram de fazer empréstimos. Na sequência disso, houve não só raiva e perplexidade
públicas, mas o início de uma verdadeira conversa pública sobre a natureza da dívida, do
dinheiro, das instituições financeiras que vieram a deter o destino das nações em suas
garras.
Mas isso foi apenas um momento. A conversa acabou nunca ocorrendo.
A razão pela qual as pessoas estavam prontas para tal conversa foi que a estória
que havia sido contada a todo mundo durante a última década mais ou menos havia
simplesmente se revelado ser uma mentira colossal. Não há realmente nenhuma maneira
mais agradável de dizer isso. Por anos, todo mundo havia ouvido sobre toda uma série de
inovações financeiras novas e ultrassofisticadas: derivativos de crédito e de mercadorias,
derivativos de obrigações hipotecárias garantidas, títulos híbridos, trocas de dívida e assim
por diante. Estes novos mercados de derivativos eram tão incrivelmente sofisticados que
de acordo com uma estória persistente uma proeminente casa de investimentos teve que
empregar astrofísicos para rodar programas de troca tão complexos que mesmo os
financistas não conseguiram começar a entendêlos. A mensagem era transparente: deixe
estas coisas com os profissionais. Você não tem chances de conseguir pensar sobre isso.
Mesmo se você não gosta muito de capitalistas financeiros (e poucos pareciam inclinados a
argumentar que havia muito a se gostar sobre eles), eles não eram nada além de capazes,
na verdade, tão sobrenaturalmente capazes que a supervisão democrática dos mercados
financeiros era simplesmente inconcebível. (Mesmo muitos acadêmicos caíram nessa. Eu
me lembro bem de ir a conferências em 2006 e 2007 onde os teóricos sociais da moda
apresentaram artigos argumentando que estas novas formas de titularização, ligadas a
novas tecnologias de informação, anunciavam uma transformação iminente na própria
natureza do tempo, da possibilidade da própria realidade. Eu lembro de pensar: "Otários!"
E assim o foram.)
Então, quando os destroços tinham parado de quicar, descobriuse que muitos, se
não a maioria deles não tinha sido nada mais do que golpes muito elaborados. Eles
consistiam de operações como vender a famílias pobres hipotecas criadas de tal maneira a
tornar a eventual falência inevitável; fazendo apostas sobre quanto tempo demoraria para
os detentores falirem; empacotando a hipoteca e a aposta juntas e as vendendo para
investidores institucionais (que representam, talvez, as contas de aposentadoria dos
titulares de hipotecas) alegando que daria dinheiro, não importa o que acontecesse, e
permitindo que os ditos investidores passassem tais pacotes para frente como se fossem
dinheiro; entregando a responsabilidade de pagar a aposta para um conglomerado de
seguros gigante que, se afundasse sob o peso de sua dívida resultante (o que certamente
aconteceria), teria que ser resgatado pelos contribuintes (da maneira como tais
11
conglomerados foram de fato resgatados). Em outras palavras, parece muito como uma
11
Simon Johnson, o economista chefe do FMI na época, colocou de forma concisa num artigo recente
The Atlantic
na : "Reguladores, legisladores e acadêmicos quase todos assumiram que os
administradores destes bancos sabiam o que estavam fazendo. Em retrospecto, eles não sabiam. A
13
versão excepcionalmente elaborada do que os bancos estavam fazendo quando
emprestavam dinheiro aos ditadores da Bolívia e do Gabão, no final dos anos 70: fazer
empréstimos completamente irresponsáveis com o pleno conhecimento de que, uma vez
que se tornasse conhecido que o fizeram, políticos e burocratas se esforçariam para
garantir que eles ainda seriam reembolsados de qualquer maneira, não importa quantas
vidas humanas tivessem que ser devastadas e destruídas a fim de fazêlo.
A diferença, no entanto, era que desta vez os banqueiros o estavam fazendo em
uma escala inconcebível: a quantia total de dívida em que eles haviam incorrido era maior
do que os Produtos Internos Brutos de todos os países do mundo e deixou o mundo em
parafuso e quase destruiu o próprio sistema.
Exércitos e a polícia se prepararam para combater as rebeliões e tumultos, mas
nenhuma se materializou. Mas tampouco o fizeram quaisquer mudanças significativas em
como o sistema é administrado. Na época, todo mundo assumiu que, com as próprias
instituições definidoras do capitalismo (Lehman Brothers, Citibank, General Motors)
desmoronando, e todas as alegações de sabedoria superior reveladas serem falsas, nós
pelos menos recomeçaríamos uma conversação mais ampla sobre a natureza da dívida e
das instituições de crédito. E não apenas uma conversação.
Parecia que a maioria dos americanos estava aberta a soluções radicais. Pesquisas
mostraram que uma maioria esmagadora sentia que os bancos não deveriam ser
resgatados, quaisquer que fossem as consequências econômicas , mas que cidadãos
comuns presos a hipotecas ruins deveriam ser socorridos. Nos Estados Unidos isto é
bastante extraordinário. Desde os tempos coloniais, os americanos tem sido a população
menos simpática a devedores. De certa forma isso é estranho, uma vez que a América foi
fundada em grande parte por devedores em fuga, mas é um país em que a ideia de que a
moralidade é questão de se pagar suas dívidas é mais profunda do que em qualquer outro.
Os Estados Unidos foram um dos últimos países no mundo a adotar leis de falência: apesar
do fato de, em 1787, a Constituição ter especificamente encarregado o novo governo de
12
criar uma, todas as tentativas foram rejeitadas com "bases morais" até 1898. A mudança
foi histórica. Por esta mesma razão, talvez, os responsáveis por moderar o debate nos
meios de comunicação e nas legislaturas decidiram que aquele não era o momento. O
governo dos Estados Unidos efetivamente colocou um BandAid de três trilhões de dólares
sobre o problema e não mudou nada. Os banqueiros foram resgatados; devedores de
divisão de Produtos Financeiros da AIG, por exemplo, fazia US $ 2,5 bilhões em lucros antes dos
impostos em 2005, em grande parte pela venda de seguros de títulos complexos e mal compreendidos
abaixo do preço. Frequentemente descrita como 'pegar moedas na frente de um rolocompressor', esta
estratégia é lucrativa em anos comuns e catastrófica nos ruins. Até último outono, a AIG tinha seguros
em aberto de mais de US $ 400 bilhões em títulos. Até hoje, o governo dos EUA, em um esforço para
resgatar a companhia, comprometeu cerca de US$180 bilhões em investimentos e empréstimos para
cobrir as perdas que a sofisticada modelagem de risco da AIG havia dito que eram virtualmente
impossíveis". (Johnson 2010) Johnson, é claro, passa por cima de a possibilidade de que a AIG sabia
perfeitamente bem o que acabou por acontecer, mas simplesmente não se importava, pois eles sabiam
que o rolo compressor iria achatar outra pessoa.
12
Em comparação, a Inglaterra já tinha uma lei nacional de falência em 1571. Uma tentativa de criar
uma lei federal de falências nos EUA em 1800 naufragou; houve uma em vigor brevemente entre 1867
e 1878, com o objetivo de aliviar endividados veteranos da Guerra Civil, mas acabou por ser abolida por
razões morais (vide Mann 2002 para uma boa história recente). A reforma da falência na América tem
mais probabilidade de tornar os termos mais duros do que o contrário, como com as reformas de 2005,
que o Congresso aprovou, por apelos industriais, logo antes da grande quebra de crédito.
14
13
pequena escala com algumas míseras exceções não o foram. Ao contrário, no meio da
maior recessão econômica desde os anos 30, já estamos começando a ver uma reação
contra eles guiada por corporações financeiras que agora se voltaram para o mesmo
governo que lhes socorreu para que aplique toda a força da lei contra cidadãos comuns em
dificuldades financeiras. "Não é um crime dever dinheiro", reporta a StarTribune de
MinneapolisSt. Paul, "Mas as pessoas estão sendo rotineiramente jogadas na cadeia por
falharem em pagar dívidas". Em Minnesota, "o uso de mandados de prisão contra
devedores subiu em 60% ao longo dos últimos quatro anos, com 845 casos em 2009... Em
Illinois e no sudoeste de Indiana, alguns juízes prendem devedores pela falta de pagamento
de dívidas de ordem judicial. Em casos extremos, as pessoas ficam na cadeia até que
levantem um pagamento mínimo. Em janeiro [de 2010], um juiz sentenciou um homem de
Kenney, Ill. 'a encarceramento indefinido' até que ele apresentasse US$300 com relação a
14
uma dívida com depósito de madeira" .
Em outras palavras, estamos nos movendo em direção a uma restauração de algo
muito parecido com prisões de devedores. Enquanto isso, a conversa estacou, a raiva
popular contra os resgates se pulverizou em incoerência, e parece que estamos tropeçando
inexoravelmente em direção à próxima grande catástrofe financeira, a única verdadeira
questão sendo apenas quanto tempo vai demorar.
Atingimos o ponto em que o próprio FMI, agora tentando se reposicionar como a
consciência do capitalismo global, começou a emitir alertas de que se continuarmos no
curso atual, provavelmente nenhum resgate virá da próxima vez. O público simplesmente
não vai tolerar isso e, como resultado, tudo realmente se desmanchará. "FMI Alerta que um
15
Segundo Resgate Iria 'Ameaçar a Democracia'" se lê em uma manchete recente. (Claro,
por "democracia" eles querem dizer "capitalismo".) Certamente significa alguma coisa que
mesmo aqueles que sentem que são responsáveis por manter o atual funcionamento do
sistema econômico global, que apenas alguns anos atrás agiam como se eles pudessem
simplesmente assumir que o sistema atual estaria aqui para sempre, agora estão vendo o
apocalipse em todos os lugares.
I I I I I
Neste caso, o FMI tem um ponto. Temos toda razão para acreditar que, de fato, estamos à
beira de mudanças históricas.
Admitidamente, o impulso comum é imaginar tudo em torno de nós como
absolutamente novo. Em nenhum lugar isso é tão verdadeiro quanto com o dinheiro.
Quantas vezes nos disseram que o advento do dinheiro virtual, a desmaterialização do
dinheiro vivo em plástico e de dólares em bips de informação eletrônica nos trouxeram a um
13
O fundo de socorro hipotecário criado após o resgate, por exemplo, só tem prestado auxílio a uma
pequena porcentagem dos requerentes, e não houve nenhum movimento em direção à liberalização
das leis de falência que tinham, na verdade, sido tornadas muito mais severas, sob pressão da indústria
financeira, em 2005, apenas dois anos antes do colapso.
14
"In Jail for Being in Debt," Chris Serres & Glenin Howatt, MinneapolisSt. Paul Star Tribune, June 9,
2010, www.startribune.com/local/95692619.html
15
"IMF warns second bailout would 'threaten democracy."' Angela Jameson e Elizabeth Judge,
business.timesonline.co.uk/tol!business/economics/article6928147.ece#cid=OTCRSS&attr=n85799 ,
acessado em November 25, 2009
15
mundo financeiro sem precedentes? A suposição de que estávamos em território tão
desconhecido, claro, foi uma das coisas que tornou tão fácil para tipos como o Goldman
Sachs e a AIG convencerem as pessoas de que ninguém tinha possibilidade de entender
seus novos e deslumbrantes instrumentos financeiros. No momento em que se conjura as
questões em uma escala histórica ampla, no entanto, a primeira coisa que se aprende é que
não há nada de novo sobre o dinheiro virtual. Na verdade, esta era a forma original do
dinheiro. Sistemas de crédito, guias, até mesmo contas de despesas, tudo existia muito
antes do dinheiro vivo. Estas coisas são tão antigas quanto a própria civilização. Verdade,
também descobrimos que a história tende a avançar e recuar entre períodos dominados por
lingotes em que se assume que ouro e prata
são dinheiro e períodos em se assume que
o dinheiro é uma abstração, uma unidade virtual de conta. Mas historicamente, o dinheiro
creditício vem primeiro e o que estamos testemunhando hoje é um retorno de suposições
que teriam sido consideradas o óbvio senso comum, digamos, na Idade Média ou mesmo
na antiga Mesopotâmia.
Mas história de fato fornece dicas fascinantes do que poderíamos esperar. Por
exemplo: no passado, eras de dinheiro creditício virtual quase invariavelmente envolvem a
criação de instituições projetadas para impedir que tudo dê errado impedir que os
emprestadores se juntem com burocratas e políticos para espremer o suco de todo mundo,
como eles parecem estar fazendo agora. Elas são acompanhadas pela criação de
instituições projetadas para proteger os devedores. A nova era de dinheiro creditício em que
estamos parece ter começado precisamente ao contrário. Ela começou com a criação de
instituições globais como o FMI projetadas para proteger, não os devedores, mas os
credores. Ao mesmo tempo, no tipo de escala histórica sobre a que estamos falando aqui,
uma década ou duas não são nada. Temos muito pouca ideia do que esperar.
I I I I I
Este livro é uma história da dívida, então, mas também usa essa história como uma maneira
de fazer perguntas fundamentais sobre com o que os seres humanos e a sociedade
humana se parecem ou poderiam se parecer o que nós realmente devemos um ao outro, o
que sequer significa fazer essa pergunta. Como resultado, o livro começa tentando furar
uma série de mitos não apenas o Mito do Escambo, de que se ocupa o primeiro capítulo,
mas também mitos rivais sobre dívidas primordiais para com os deuses, ou para com o
estado que, de uma forma ou de outra, formam a base de nossas suposições de senso
comum sobre a natureza da economia e da sociedade. Nessa visão de senso comum, o
Estado e o Mercado se elevam acima de todo o resto como princípios diametralmente
opostos. A realidade histórica revela, contudo, que eles nasceram juntos e sempre
estiveram entrelaçados. A coisa que todas essas ideias equivocadas têm em comum,
descobriremos, é que elas tendem a reduzir todas as relações humanas à troca, como se
nossos laços com a sociedade, mesmo com o próprio cosmos, pudessem ser imaginados
nos mesmos termos que uma transação de negócios. Isto leva a uma outra questão: Se não
a troca, então o que? No capítulo cinco, eu começarei a responder à questão recorrendo
aos frutos da antropologia para descrever uma visão da base moral da vida econômica;
então retornarei à questão das origens do dinheiro para demonstrar como o próprio princípio
de troca emergiu em grande parte como um efeito da violência que as reais origens do
16
dinheiro devem ser encontradas em crime e recompensa, guerra e escravidão, honra, dívida
e redenção. Isso, por sua vez, abre o caminho para começar, com o capítulo oito, uma
história de verdade dos últimos cinco mil anos de dívida e crédito, com suas grandes
alternações entre eras de dinheiro virtual e físico. Muitas das descobertas aqui são
profundamente inesperadas: desde as origens das concepções modernas de direitos e
liberdades na antiga lei de escravos, às origens do capital de investimento no Budismo
chinês medieval, ao fato de que muitos dos argumentos mais famosos de Adam Smith
parecem ter sido plagiados de obras de teóricos de livre mercado da Pérsia medieval (uma
estória que, incidentalmente, tem implicações interessante para se entender o atual apelo
do Islã político). Tudo isso prepara o cenário para uma nova abordagem dos últimos cinco
mil anos, dominados por impérios capitalistas, e nos permite pelo menos começar a
perguntar o que poderia realmente estar em jogo nos dias atuais.
Por muito tempo, o consenso intelectual tem sido de que não podemos mais fazer
Grandes Perguntas. Cada vez mais, está parecendo não temos outra escolha.
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