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O AMOR NÃO É IRRITÁVEL

Texto Bíblico: 1Coríntios 13.1-5

Há um poema chamado “Solilóquios do Convento Espanhol”, escrito pelo


dramaturgo inglês Robert Browning, no qual um monge está a observar o
irmão Lawrence trabalhando. O que torna a composição interessante é o
fato de que tudo o que o irmão Lawrence realiza é capaz de irritar o
monge, desde sua forma de podar árvores até o barulho que ele faz ao
engolir seu suco de laranja durante o almoço. Tudo o que o irmão faz é
capaz de irritar o referido monge. O poema prossegue com os
pensamentos do monge que, em um ato desesperado, pensa em como
poderia fazer o irmão cometer alguma espécie de pecado mortal para que
sua alma fosse destruída.

Situar este poema em um contexto religioso é realmente genial. Afinal,


todos nós temos pessoas que possuem a habilidade de nos provocar
irritação, e algumas destas pessoas estão na igreja. Sempre existe alguém
que nos tira do sério: quer seja no trabalho, na escola, do outro lado do
telefone, do outro lado caixa... A ira é concebida por nós com uma reação
natural (e justa) às pequenas frustrações diárias de nosso dia a dia.
Todavia, a Bíblia não nos autoriza a considerar a ira desta maneira. No
poema do convento, as orações do monge são feitas no sentido de que o
irmão Lawrence tivesse algum tipo de mudança, mas o ensinamento da
Palavra é que nós devemos, pessoalmente, lidar com a ira, buscando aos
pés da cruz a solução para o nosso pecado.

Enquanto Paulo discorre à igreja em Corinto sobre o amor, ele procura


deixar bem claro o que o amor é e não é. Já vimos que o amor é paciente
e bondoso; agora, faz-se necessário pensar sobre o que ele não é. No v. 5,
está escrito que “o amor não se exaspera, não se ressente do mal” (ARA),
que o mesmo que “o amor não se ira facilmente, não guarda rancor”
(NVI). A KJA traz “não se enfurece facilmente, não guarda
ressentimentos”. Em suma, o amor não é irritável; a irritabilidade é a
antítese do amor. Tradutores mais ousados trazem “o amor não é
rabugento, mal humorado ou enfezado; o amor não explode com
violência ou com palavras de ódio; o amor não dispara em ataques verbais
nem trata as pessoas com greve de silêncio”.

Presume-se que os irmãos em Corinto tinham este tipo de problema. Eles


não sabiam controlar a raiva. Afinal, por qual outro motivo Paulo traria
tais palavras? Os capítulos anteriores da carta mostram quais eram as
dificuldades enfrentadas por aquela igreja e os irmãos não conheciam o
caminho de sobremodo excelente, que é o amor.

Vivemos em um mundo caído, com pessoas caídas que tem a capacidade


de nos irritar, aborrecer e nos deixar com raiva. Por hoje, queremos
caminhar sobre este tema e buscar na Palavra de Deus uma esperança
para nossa irritabilidade, pois somente assim poderemos amar como Jesus
ama.

I. O FIM DE UM LONGO DIA

Leiamos Marcos 6.30-44. No v. 37, temos um sinal de irritação dos


discípulos: Iremos comprar pão de que forma? O Senhor sabe que não
temos todo este dinheiro. A reação de Jesus poderia ter vários tons: quem
sabe Ele não faria como Moisés, que irritado com as murmurações dos
israelitas feriu a rocha, e dela saiu água para saciar a sede do povo?
Todavia, nosso modelo de amor não é Moisés, mas Cristo. Os discípulos
estavam cansados e queriam um momento de repouso, mas as pessoas
insistiam em seguir a Cristo. As pessoas queriam ouvir o Evangelho, mas
os discípulos estavam cansados, o que é natural. E cansados, ficamos
irritados. Imagine então com fome? Os discípulos estão cansados e
famintos. Querem despedir a multidão, pois já era tarde. Eles ousam
interromper o sermão de Jesus para dizer que já era hora de todos irem
embora. Da perspectiva humana, era uma solução aceitável e prática:
“Manda-os embora!”. Jesus, vendo que eles agora queriam ficar no
comando, devolve a exigência para eles: “Ok, mas deem a eles o que
comer; providenciem o jantar”. A resposta sarcástica dos discípulos
mostra o quanto estavam cansados, o que contrasta com a reação
amorosa de Jesus.

Vivemos ocupados. Vivemos sob o terror da ocupação total. Não podemos


desperdiçar tempo, correto? Mas o que chamamos de desperdiçar tempo
não deveria receber este rótulo. Estar com as pessoas, servir a Jesus, ouvir
a Jesus, não são momentos desperdiçados. É necessário reconhecermos
que a vida desperdiçada consiste em não viver para Cristo. Ser discípulo
de Jesus é estar com outras pessoas e participar de suas vidas, em amor.
Servir a Cristo é servir às pessoas. Deus geralmente chama os ocupados:
Pedro, Gideão, Eliseu... Não permitamos que nosso serviço a Cristo seja
um instrumento de nossa irritabilidade. O que o Soberano Senhor do
Universo um dia julgará no Tribunal de Cristo não são os nossos feitos
grandiosos, mas nossa motivação. E que acima de nossa irritabilidade,
esteja o amor. Se dissermos que amamos a Deus, mas não amamos ao
próximo, somos mentirosos!

II. UMA ANATOMIA DA IRRITABILIDADE


A irritabilidade dos discípulos nos ensina algumas coisas:

Quem fica irritado? A resposta correta é: todos nós. Parece que já


nascemos irritados. Paulo diz que o amor não é irritável para uma
comunidade de crentes ativos em sua igreja local. Os discípulos de Jesus
ficaram irritados durante um sermão, após terem sido usados em grandes
sinais e maravilhas. Isto significa que não importa o que fazemos: a ira
sempre será uma tentação para nós. Não se trata de um problema
puramente emocional, mas espiritual. Quando fico irado, estou em
pecado e preciso confessá-lo ao Senhor e abandoná-lo. Devo ser honesto
comigo mesmo e reconhecer meu pecado diante do Senhor.

Quando provavelmente ficaremos irritados? Os discípulos tiveram um dia


cheio, e a irritabilidade se manifestou quando estavam cansados e com
fome. Quando nosso corpo fica cansado, surge uma brecha para a
irritabilidade. A fraqueza física pode ser a porta para o pecado. O conselho
prático e óbvio para situações como esta fica claro: parar e buscar algo
para comer e beber. Os discípulos ficam irritados após uma atividade bem-
sucedida em seus ministérios. Algumas das tentações mais fortes virão
quando estivermos sendo frutíferos. Nestes momentos, o diabo irá buscar
formas de ganhar o terreno perdido, podendo usar a nossa irritabilidade.
Por isso, devemos conhecer nossos limites e prever paradas para os
momentos específicos em que nossas forças estarão exauridas. Devemos
pedir a Deus graça quando estivermos saindo de um dia difícil no trabalho,
para que não nos irritemos facilmente com nossa família.

Como a irritabilidade trata as outras pessoas? A irritabilidade nos faz


afastar das outras pessoas. Os discípulos fazem isto: “mandem todo
mundo embora!”. Quando as crianças se aproximaram de Jesus, eles
fizeram o mesmo: “vão embora!”. O problema é que enquanto queremos
que as pessoas se afastem de nós, estamos também afastando as pessoas
de Jesus. A irritabilidade nos faz ser egoístas. Pensamos que o problema
está no outro, mas em nós. Há tantas coisas que as pessoas fazem e nos
irritam: o jeito de mastigar, o jeito de dirigir, a voz, o modo de usar o
creme dental... Mas o problema está em nós, não nos outros! O pecado é
meu e não de quem me irrita. Em nossa oração, peçamos a Deus que nos
torne mais amorosos!

Como a irritabilidade reage a Deus? Nossa irritabilidade expõe nosso


fracasso em amar os outros e também nosso fracasso em amar a Deus. A
resposta dos discípulos a Jesus foi indelicada e cheia de sarcasmo. Ao
invés de aprender, fizeram um comentário mordaz. Se o dinheiro está
acabando, se o tempo está ficando curto, reagimos a Deus da mesma
forma. O nosso fracasso é completo, pois mostramos que a essência de
nossa falta de amor ao próximo está exatamente em nossa falta de amor a
Deus.

III. UMA DEMONSTRAÇÃO DE AMOR

O que pessoas irritáveis (como nós) precisam é do amor de Jesus. Tudo o


que Ele faz é exatamente o oposto de seus discípulos. Ele é o exemplo vivo
da não irritabilidade. Certamente o Senhor estava cansado. Sua rotina
consistia em pregar e curar durante todo o dia, o que o deixava esgotado.
Certo professor de homilética diz que uma hora de pregação equivale a
quatro horas de trabalho físico pesado. Ainda assim, Ele quer as pessoas
por perto. Jesus está disposto a alimentar a multidão não só com a Palavra
de Deus, mas também com o alimento físico.
Observe o jeito como Jesus ama. Ele é atraído por pessoas necessitadas
(as mesmas pessoas que os discípulos irritados querem despedir com
fome). A força motriz de seu ministério é o amor (Mc 6.34). Mais forte que
o seu desgaste físico é a força de sua missão. Ele nos dá um verdadeiro
exemplo quando coloca as prioridades dos outros acima de suas
prioridades. Examinemos nosso serviço e julguemos se somos norteados
por este mesmo princípio! Jesus abriu mão de tudo o que era seu e tomou
a forma de servo, sendo humilde e obediente até a sua morte na cruz. O
amor não é irritável, mas humilde.

Quando Jesus multiplica os pães e peixes, olha para os céus e sinaliza sua
total dependência do Pai. A lição que fica no texto não é de que se
tivermos certa quantidade de pães e peixes, eles serão usados no milagre,
mas é: se tivermos na dependência de Deus, Ele irá nos suprir. Mesmo
quando outras pessoas nos procurarem com necessidades que estão
acima de nossos recursos, devemos confiar no Pai.

Jesus ama os outros confiando no Pai.

IV. AMANDO PESSOAS DIFÍCEIS DE AMAR

É desta forma que somos chamados a amar. Onde aprendemos a amar de


modo pacífico e não irritável? Olhemos para Jesus! Jesus nos ama do
mesmo modo que amou seus discípulos. Ele não reagiu à irritação deles
com mais irritação, mas com amor.

Os cinco mil que foram alimentados não foram as únicas pessoas que
comeram pão e peixe naquele dia. A conta certamente inclui os discípulos
resmungões e sarcásticos. Todos ficaram saciados. A lição ao final é
tocante: doze cestos cheios, um para cada discípulo ranzinza.
Mesmo quando reajo com irritação ao meu próximo e até mesmo em
relação a Deus, Ele não me devolve a irritação que lhe dirigi. Todos os
meus irritantes pecados contra Ele foram pagos na cruz e cobertos pelo
sangue de Cristo.

Este amor é constrangedor. A doçura de Jesus deve me levar a agir com


amor, mesmo quando é difícil. Em cada um de nós existem hábitos que
levarão outras pessoas a ficarem irritadas, mas isto não significa que
deveremos responder à irritação alheia com mais irritação.

O amor de Jesus é incondicional. Ele responde à nossa irritação com mais


amor. Ele nos dá a liberdade de amarmos aos outros com o mesmo amor.
Mesmo quem joga fora o amor que dispensamos deve ser amado por nós.

Qual será nossa próxima desculpa para nossa irritabilidade? Temos pavio
curto? “Foi ela quem provocou”? Irmãos, nossa irritabilidade evidencia o
nosso ódio. Que sejamos convertidos pelo Senhor através de Sua Palavra.

Para que possamos encerrar, meditemos em alguns textos da Escritura


sobre o tema:

“Sabeis estas coisas, meus amados irmãos. Todo homem, pois, seja pronto
para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar. Porque a ira do homem
não opera a justiça de Deus” (Tg 1.19,20)

“Como uma cidade derribada, que não tem muros, assim é o homem que
não tem domínio próprio” (Pv 25.28)

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