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Escola Secundária Monte de Caparica

Ano letivo 2011/2012

CENA VII – A ALCOVITEIRA

Tanto que o Frade foi embarcado, veo uma Alcouveteira, per nome Brísida Vaz, a
qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:

BRÍSIDA Houlá da barca, houlá!


DIABO Quem chama?
BRÍSIDA Brísida Vaz.
DIABO E aguarda-me, rapaz?
Como nom vem ela já?
BRÍSIDA Diz que nom há-de vir cá
sem Joana de Valdês.
DIABO Entrai vós, e remarês.
BRÍSIDA Nom quero eu entrar lá.

DIABO Que sabroso arrecear!


BRÍSIDA No é essa barca que eu cato.
DIABO E trazês vós muito fato?
BRÍSIDA O que me convém levar.
DIABO Que é o qu’havês d’embarcar?
BRÍSIDA Seiscentos virgos postiços
e três arcas de feitiços
que nom podem mais levar.

Três almários de mentir,


e cinco cofres de enlheos,
e alguns furtos alheos,
assi em jóias de vestir,
guarda-roupa d’encobrir,
enfim – casa movediça;
um estrado de cortiça
com dous coxins d’encobrir.

A mor cárrega que é:


essas moças que vendia:
Daquesta mercaderia
trago eu muita, bofé!
DIABO Ora ponde aqui o pé…
BRÍSIDA Hui! E eu vou pera o Paraíso!
DIABO E quem te dixe a ti isso?
BRÍSIDA Lá hei-de ir desta maré.

Eu Sô uma mártela tal,


açoutes tenho levados
e tormentos soportados
que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
lá iria todo o mundo!
A estoutra barca, cá fundo
me vou, que é mais real.

Barqueiro mano, meu olhos,


prancha a Brísida Vaz!
ANJO Eu não sei quem te cá traz…
BRÍSIDA Peço-vo-lo de giolhos!
Cuidais que trago piolhos,
anjo de Deos, minha rosa?

1 Profª Vanessa Luís


Escola Secundária Monte de Caparica
Ano letivo 2011/2012
Eu sô aquela preciosa
que dava as moças a molhos,

A que criava as meninas


pera os cónegos da Sé...
Passai-me, por vossa fé,
meu amor, minhas boninas,
olho de perlinhas finas!
E eu sou apostolada,
angelada a martelada,
e fiz cousas mui divinas.

Santa Úrsula nom converteo


tantas cachopas como eu:
todas salvas polo meu,
que nenhua se perdeo.
E prouve Àquele do Céo
que todas acharam dono.
Cuidais que dormia sono?
Nem ponto se me perdeo!

ANJO Ora vai lá embarcar,


não estês emportunando.
BRÍSIDA Pois estou-vos eu contando
o porque me havês de levar.
ANJO Não cures de emportunar,
que nom podes ir aqui.
BRÍSIDA E que má-hora eu servi,
pois não m’há-de aproveitar!

Torna-se Brísida Vaz à barca do Inferno, dizendo:

Hou barqueiros da má-hora,


que é da prancha, que eis me vou?
E há já muito que aqui estou,
e pareço mal cá de fora.
DIABO Ora entrai, minha senhora,
e serês bem recebida;
se vivestes santa vida,
vós o sentirês agora.

Resumo da Cena

Cena 7 – A Alcoviteira
(vv. 477-556)

Chega a Alcoviteira, Brízida Vaz, com várias moças, e começa a indicar a bagagem que
trazia, a pedido do Diabo, toda ligada ao seu mister de enfeitiçar, mentir e encobrir, segundo
ela sofrera já tantos castigos corporais que merecia o Paraíso. Então, dirige-se ao Anjo,
numa atitude de aparente submissão, de joelhos, com falinhas mansas, pede-lhe que a
embarque, mas o Anjo recusou-se, agastado. A Alcoviteira entra, finalmente, na barca do
Inferno, até porque, segundo ela, pareceria mal estar tanto tempo na rua.

2 Profª Vanessa Luís


Escola Secundária Monte de Caparica
Ano letivo 2011/2012

CENA VII – A ALCOVITEIRA

Tanto que o Frade foi embarcado, veo uma Alcouveteira, per nome Brísida Vaz, a
qual, chegando à barca infernal, diz desta maneira:

BRÍSIDA Houlá da barca, houlá!


DIABO Quem chama?
BRÍSIDA Brísida Vaz.
DIABO E aguarda-me, rapaz?
Como nom vem ela já?
BRÍSIDA Diz que nom há-de vir cá
sem Joana de _______________.
DIABO Entrai vós, e remarês.
BRÍSIDA Nom quero eu entrar lá.

DIABO Que sabroso arrecear!


BRÍSIDA No é essa barca que eu _______________.
DIABO E trazês vós muito fato?
BRÍSIDA O que me convém levar.
DIABO Que é o qu’havês d’embarcar?
BRÍSIDA Seiscentos ________________ postiços
e três arcas de feitiços
que nom podem mais levar.

Três almários de mentir,


e cinco cofres de enlheos,
e alguns furtos alheos,
assi em jóias de vestir,
guarda-roupa d’encobrir,
enfim – casa movediça;
um estrado de cortiça
com dous coxins d’encobrir.

A mor ________________ que é:


essas moças que vendia:
Daquesta mercaderia
trago eu muita, ________________!
DIABO Ora ponde aqui o pé…
BRÍSIDA Hui! E eu vou pera o Paraíso!
DIABO E quem te dixe a ti isso?
BRÍSIDA Lá hei-de ir desta maré.

Eu Sô uma _______________ tal,


açoutes tenho levados
e tormentos soportados
que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
lá iria todo o mundo!
A estoutra barca, cá fundo
me vou, que é mais ________________.

Barqueiro mano, meu olhos,


prancha a Brísida Vaz!
ANJO Eu não sei quem te cá traz…
BRÍSIDA Peço-vo-lo de __________________!
Cuidais que trago piolhos,
anjo de Deos, minha rosa?
Eu sô aquela preciosa

3 Profª Vanessa Luís


Escola Secundária Monte de Caparica
Ano letivo 2011/2012
que dava as moças a molhos,

A que criava as meninas


pera os cónegos da Sé...
Passai-me, por vossa fé,
meu amor, minhas boninas,
olho de perlinhas finas!
E eu sou apostolada,
_________________ a __________________,
e fiz cousas mui divinas.

Santa ________________ nom converteo


tantas cachopas como eu:
todas salvas polo meu,
que nenhua se perdeo.
E prouve Àquele do Céo
que todas acharam dono.
Cuidais que dormia sono?
Nem ponto se me perdeo!

ANJO Ora vai lá embarcar,


não estês emportunando.
BRÍSIDA Pois estou-vos eu contando
o porque me havês de levar.
ANJO Não cures de emportunar,
que nom podes ir aqui.
BRÍSIDA E que má-hora eu servi,
pois não m’há-de aproveitar!

Torna-se Brísida Vaz à barca do Inferno, dizendo:

Hou barqueiros da má-hora,


que é da prancha, que eis me vou?
E há já muito que aqui estou,
e pareço mal cá de fora.
DIABO Ora entrai, minha senhora,
e serês bem recebida;
se vivestes santa vida,
vós o sentirês agora.

4 Profª Vanessa Luís


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CENA VII – A ALCOVITEIRA

Nesta «cena», a ação desenrola-se à volta da personagem Alcoviteira.

I – Compreensão do texto

1- Resolve as seguintes palavras cruzadas com os vocábulos do texto que correspondem aos
significados apresentados.

1. Mulher apetitosa 9. Espantado


2. Capacete 10. Acordo, contrato
3. Tocarei 11. Oração cantada
4. Pessoa que vive na corte 12. Torturado
5. Dança 13. Termo de esgrima
6. Pequeno escudo 14. Termo de esgrima
7. Pessoa dadas aos prazeres mundanos 15. Termo de esgrima
8. Espera, demora 16. Ousado

12
P
2 14
T
13 L A

1 H
3 5 T Ã
16 11
9 A D

G 8 7 N L

4 Ã
15
R
6 R
10 Ç
É

5 Profª Vanessa Luís


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Ano letivo 2011/2012

2- Completa as frases que se seguem, assinalando a hipótese correta e justificando a


tua opção.

a) O Frade entra em cena apresentando comportamentos próprios…


 de uma pessoa que vive num mosteiro.
 de uma pessoa que vive na corte.

b) Tal comportamento provoca…


 o cómico de carácter.
 o desagrado no Diabo.

c) O Frade mostra…

 vergonha pelo seu passado.


 orgulho pelo seu passado.

d) O Frade…

 defende-se, utilizando, entre outros, argumentos de natureza religiosa.


 não se defende e reconhece os seus pecados.

e) A ironia do Diabo…

 está presente nesta cena


 não está presente nesta cena.

f) O Frade…

 aceita conformado a sentença.


 não se conforma e fica revoltado com a sua condenação.

g) Com esta cena, Gil Vicente pretende criticar…

 apenas este membro do Clero.


 todo o Clero.

3- Assinala as passagens onde estão explícitas ou implícitas as características que


fazem do Frade um cortesão.

4- “Nom ficou isso n’avença.”


4.1. A que contrato se referirá o Frade?

5- Que tipo de cómico é mais evidente nos versos em que o Frade ensina ao Diabo as
técnicas de esgrima?

6 Profª Vanessa Luís


Escola Secundária Monte de Caparica
Ano letivo 2011/2012

II- Funcionamento da língua

1- Tal como noutras cenas, também aqui é usado um conjunto de vocábulos que
pertencem a uma linguagem técnica (desta vez relativa à esgrima).
Faz o seu levantamento e, com a ajuda de um dicionário, procura informar-te sobre
o seu significado.

2- Refere exemplos de utilização de ironia, neste quadro do Frade.

III- Produção escrita

1- Um frade condenado ao Inferno é um facto aparentemente digno de espanto.


Redige uma notícia de tipo sensacionalista, onde relates os acontecimentos que tiveram
lugar no “julgamento” que constitui esta cena.

2- O Frade entrou em cena a cantar e a dançar, provavelmente uma dança à maneira


da corte que ele frequentava, e afirmou saber dançar o tordião.
Actualizando o Auto, que música e que dança escolherias para uma personagem deste tipo?

7 Profª Vanessa Luís

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