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Editor
Anna Elisa de Villernor Amaral Güntert
Editor de texto
Dirceu Scali Jr.
Revisão
Solange Scattolini
Capa
Tela de Gustav Klint, "Hope I", 1903
97-0908 CDD-155.4
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
SUMÁRIO
I PARTE 11
INTRODUÇÃO 13
A PERSONALIDADE DO FETO 41
MEMÓRIAS PRÉ,NATAIS E DO NASCIMENTO 47
PRÉ E PERINATAL................................................................................................................ 63
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................... 67
II PARTE................................................................................................................................. 75
INTRODUÇÃO
Será que você teve, alguma vez, a oportunidade de observar um bebê que acabou de
nascer? Não?
Então procure fazê-lo tão logo lhe seja possível. Sabe o que você pode observar
assistindo aos primeiros momentos de vida de um bebê?
Se as condições ambientais em que este bebê veio ao mundo tiverem sido
favoráveis - logo mais direi algo a respeito dessas condições favoráveis -, uma das suas
primeiras reações será a de entrar em um estado de consciência conhecido em
neonatologia moderna pelo nome de "estado de alerta tranqüilo". Nele o bebê manter-
se-á quieto, procurará moldar o seu corpinho ao da pessoa que o estiver segurando,
com suas mãozinhas procurará trocar na sua pele e arregalará os olhinhos: com um
olhar agudo e brilhante ele olhará diretamente para você! De maneira penetrante, com
um olhar cheio de significados este pequeno ser que acaba de nascer estará
procurando estabelecer uma comunicação com você.
Preste atenção neste olhar: ele já denota sabedoria.
Enquanto ele estiver neste estado tranqüilo de alerta, em de se manter por vários
minutos seguidos, o recém-nascido estará prestando atenção em tudo o que estiver
acontecendo à sua volta: ao ouvir a voz de sua mãe, irá mover a cabeça procurando por
ela, pois a terá reconhecido em meio às tantas outras vozes estranhas ao seu redor; se
o seu pai se aproximar e falar com ele, também esta voz ser-lhe-á familiar, e a ela
responderá significativamente; se o pai lhe estender o dedo agarrá-lo-á com uma força
e uma intencionalidade surpreendentes.
No estado de alerta tranqüilo, o recém-nascido estará sempre receptivo,
explorando e aprendendo, procurando se comunicar, manifestando curiosidade,
introjetando as experiências e os objetos com os quais entra em contato, reagindo e se
adaptando ao novo meio ambiente. Ao sentir dor, desconforto ou fome, pôr-se-á chorar,
com o que comunicará que está necessitando de ajuda.
A capacidade de enxergar dos recém-nascidos foi identificada pela primeira vez na
década de 1960, por um psicólogo norte-americano de nome Robert Fantz. Graças aos
estudos, pesquisas e técnicas que desenvolveu para testar os recém-nascidos, nós hoje
sabemos que nos minutos que se seguem ao nascimento o bebê enxerga, sendo capaz
de identificar o rosto de sua mãe.
E o que mais é capaz de fazer este bebê que acaba de nascer?
Se for colocado sobre o corpo de sua mãe imediatamente após ter emergido dela,
será capaz de, com movimentos espontâneos embora lentos, ir-se arrastando em
direção ao peito, buscando-o instintivamente, e, quando o tiver encontrado, sem a
menor hesitação pôr-se-á a mamar!
E mais: se o pai pegá-lo no colo, olhar fixamente para seus olhinhos abertos e
colocar a língua para fora, após breves instantes será imitado pelo bebê: este fará
exatamente o mesmo movimento que observa no pai - seja, colocar a língua para fora,
abrir a boca, fazer uma careta ou uma cara de espanto, de alegria ou de tristezas;
qualquer uma destas expressões faciais poderá ser imitada nos primeiros instantes da
vida pós-natal do bebê.
Quando começaram a se organizar todos esses sentidos tão aprimorados que
podem ser observados e apreciados no recém-nascido no momento do seu
nascimento?
Teriam surgido de repente, ao mesmo tempo que o bebê? Ou têm uma gênese mais
remota e distante, tendo se originado, organizado e aprimorado muito antes deste
nascimento, amadurecendo paulatinamente junto com o amadurecimento fisiológico
deste ser, durante todo o tempo de sua permanência dentro do ventre de sua mãe?
É desse assunto que tratarei neste pequeno livro, começando por definir o que vem a
ser a psicologia pré-natal.
Mas antes explicarei em que consistem as condições ambientais favoráveis no
momento co nascimento às quais me referi no início desta introdução.
Contribuem para elas as seguintes circunstâncias: uma sintonia entre: a mãe e o bebê
durante todo o período do trabalho de parto --o parto natural -, o que por sua vez implica
uma postura participante, não dopada, da mãe, desenvolvida por ela durante a gravidez
por meio de um preparo adequado; uma sala de parto sem luz excessiva ou ruídos; o
cordão umbilical ser cortado somente depois de ter cessado o seu pulsar, quando o
bebê já estiver deitado sobre o corpo de sua mãe, num contato com ela de pele-a-pele.
Foi basicamente para essas condições que Frédérick Leboyer chamou atenção no
início da década de 1970, quando se deu conta dos sentimentos presentes no recém-
nascido no momento do nascimento e da importância de se lidar com ele com
delicadeza, tendo observado que a maioria dos bebês nascia em bombardeados por luz
e ruídos excessivos, submetidos a picadas de agulha para coleta de sangue, esticados
para serem medidos, esfregados asperamente passando de mão em mão de pessoas
estranhas, e sendo-lhes pingadas nos olhos ardidas gotas de remédio, para finalmente
serem levados para berçários distantes, longe de suas mães.
O QUE É PSICOLOGIA PRÉ--NATAL
Psicologia é uma palavra que vem do grego, composta de duas outras: logos, que
significa ciência, e psukhê, que significa, alma ou mente. Portanto, psicologia é a
ciência que estuda os fenômenos da psique, alma, ou mente.
A palavra psicologia vem sendo empregada desde o século XVI, quando foi
introduzida por um teólogo alemão de nome Melanchton. Empregada com o sentido de
"ciência da vida psíquica ou mental" por alguns séculos, teve o seu conceito estendido
para "ciência da conduta ou do comportamento" em tempos mais recentes. O conceito
de psicologia foi assim estendido para o estudo dos fenômenos psíquicos e do
comportamento, isto é, do comportamento objetivamente observável.
Em fins do século passado, essa psicologia do comporta mento ganhou uma nova
dimensão. Viu-se acrescida pela descoberta feita por Freud, por volta de 1890, da
existência de um outro estado de mente, além daquele único até então conhecido e
considerado pelos psicólogos e psiquiatras da época, isto é, o estado de mente
consciente. A descoberta feita por Freud, que iria revolucionar toda a psicologia, foi a da
existência de um estado inconsciente da mente.
Tendo sido feita a descoberta da existência de um "inconsciente dinâmico", ou seja, da
existência de fatos e fenômenos metais inconscientes que influenciam e são capazes
até mesmo lar o comportamento do indivíduo, a psicologia do comportamento ganhou
outra dimensão - profunda -, passando a ser considerada também uma psicologia
"profunda". Inaugurada assim a psicanálise, que é a ciência que estuda os fenômenos
psíquicos levando em conta o inconsciente, deparamo-nos agora com dois vértices a
partir dos quais pode ser abordada a psicologia: o evolutivo, que leva em conta o mento
funcional do indivíduo, procurando compreender o significado de cada novo estágio por
ele alcançado configurando a psicologia do desenvolvimento - e o profundo ou
psicanalítico, que leva em conta os fenômenos mentais inconscientes, configurando a
psicanálise ou psicologia profunda propriamente dita.
Chegamos agora ao ponto em que posso definir o que vem a ser a psicologia pré-natal.
A psicologia pré-natal é o estudo do comportamento e 10lvimento, tanto evolutivo como
psico-afetivo-emocional do indivíduo, no período anterior ao seu nascimento.
O conhecimento da psicologia pré-natal é importante tanto para a psicologia evolutiva
como para a psicanálise, cujo objeto primordial de estudo é o inconsciente. Com efeito,
se considerarmos que todos os fatos ocorridos com o ser antes de ele nascer a)
recebem registro mnêmico, b) que este registro fica guardado apenas no plano do
inconsciente, c) que todas as vivencias pelas quais passa o ser no período pré-natal
irão fazer parte de sua bagagem inconsciente, exercendo influencia tanto sobre a sua
personalidade pós-natal como sobre a sua conduta e o seu comportamento, e d) que o
estudo do inconsciente é o objeto por excelência da psicanálise, conclui-se que o
estudo da psicologia pré-natal é de importância fundamental para ela.
Como surgiu a psicologia pré-natal?
Mas primeiro, caro leitor, vou lhe pedir sIgo: lembre-se, para efeito de me
acompanhar no desenvolvimento das idéias que lhe apresentarei, de que é premissa
básica deste livro a de que todos os acontecimentos biológicos pelos quais passa o ser
nesta trajetória de célula a bebê, todos, sem exceção, ficam registrados numa memória.
De célula a feto
De feto a bebê
A PERSONALIDADE DO FETO
Portanto, é a sua personalidade - que inclui o seu tem e o seu caráter - que define
a sua identidade e o de outros indivíduos. Podemos nos voltar agora para realidade do
feto.
Acabamos de ver que a personalidade seria então o con junto de modos próprios
de ser, reagir, sentir, comportar-se en fim. Decorre então que entram como fatores
componentes e determinantes da personalidade, o que o indivíduo adquire por registro
das suas próprias experiências vivenciais, as ) a herança genética que ele recebe de
seus pais - lembra-se da carga genética que o espermatozóide traz no núcleo contido
em sua. cabeça e que entrega ao óvulo quando se encontra, dando-se então a mistura
das bagagens :Ia mãe naquilo a que me referi como amálgama?
De importância fundamental para o conhecimento do surgimento das características
individuais de personalidades no ser humano é uma pesquisa que está sendo
desenvolvida em anos recentes por uma psicanalista italiana residente em Milão, de
nome Alessandra Piontelli. É até mesmo minha opinião a de que a pesquisa
desenvolvida pela doutora Piontelli nestes últimos quinze anos irá revolucionar o
enfoque e o entendimento psicanalítico da mente humana.
Vou lhe contar em que consiste o trabalho de pesquisa a que a doutora Piontelli
vem se dedicando. Tendo feito o seu treinamento psicanalítico na Inglaterra, dedicou-se
durante largos anos à técnica de observação de bebês desenvolvida pela psicanalista
kleiniana inglesa Ester Bick, na década de 1960.
De volta à Itália, ocorreu à doutora Piontelli estender a técnica de observação de bebês
ao período pré-natal. O desejo de aprofundar seus conhecimentos sobre este período
teve re lação com a sua experiência enquanto analista: trabalhando com crianças
pequenas, algumas muito perturbadas, e também\ com pacientes adultos com
comprometimentos emocionais gra ves, começou a esbarrar com freqüência em
material obvia mente pertencente ao período intra-uterino. Como também continuasse o
seu trabalho de observação de bebês, sua atenção foi despertada para as evidentes
diferenças caracteriológicas individuais nos recém-nascidos a cujos partos assistia.
Começou a se colocar perguntas quanto à origem do cará ter definido, já tão
evidentemente manifesto no momento do nascimento: alguns bebês nascem com uma
disposição eviden te para a vida, enquanto outros surpreendem pela apatia. Também
a intrigava a questão referente às diferenças individuais entre os bebês: por que certas
crianças não conseguem esque cer o seu passado pré-natal? Por que outras a ele
retomam sem pre que as circunstâncias externas se lhes configuram adversas? Trata-
se de um fator genético ou ambiental formativo ou constitucional? Para realizar a
pesquisa, adotou o seguinte procedimento: escolhidas as mães cujas gestações iria
acompanhar, estabeleceu com elas que compareceriam regularmente, uma vez por
mês, ao hospital em que trabalhava, e pelo período de uma hora submeter-se-iam a
uma observação por meio de ultra som. Combinou também com as mães que assistiria
ao nasci mento e acompanharia os bebês com observações semanais durante todo o
primeiro ano de vida.
Vamos agora ao observado por ela nesta experiência com fetos de
aproximadamente a 14ª semana de gestação.
Em primeiro lugar surpreendeu-se com a riqueza, variedade e comp lexidade de
movimentos que pôde observar nos fetos nos estágios mais iniciais da gravidez: ela os
via chupando, sendo, se coçando, esfregando os pezinhos e as mãozinha .
Supreendeu-a também a liberdade de movimentos que desfrutava dentro do líquido
amniótico.
Sua atenção foi chamada para as diferenças individuais de cada feto: cada um
adotava posturas próprias diferentes das dos demais e relacionava-se de maneira muito
peculiar com o intra-uterino e com os seus objetos de relação, a placenta cordão
umbilical. Cada feto apresentava um de sem m comportamento muito próprio e
marcante, provocando naqueles que assistiam ao exame exclamações do tipo: “Que
bebê calmo!", "Este vai ser um nervosinho", "Como este é pensativo", "Esta vai ser uma
bailarina", "Olha este usando a placenta de travesseiro!", "Como trata mal o seu cordão
umbi lical!”
Nas observações realizadas nos meses subseqüentes ao nasci doutora Piontelli
constatou que as crianças continuavam a apresentar as mesmas características por ela
observadas durante o período pré-natal e por ocasião de seu nascimento.
Estendeu também a sua pesquisa a pares de gêmeos. Suas s, após ter acompanhado
algumas gestações gemelares - gêmeos não univitelinos -, são valiosíssimos subsídios
para este novo ramo da ciência constituído pela psicologia pré-natal. Destacarei alguns
aspectos de suas conclusões finais:
Existe uma comunicação entre mãe e feto durante todo o período gestacional. Esta
comunicação se dá por meio de tr
vias: a do comportamento, a da fisiologia e a via empática.
Vamos examinar inicialmente como se dá a comunicação pela via fisiológica, uma
vez que é por seu intermédio que as emoções da mãe são veiculadas ao bebê.
Até há relativamente pouco tempo achava-se que a placenta funcionava como uma
barreira protetora, deixando passar apenas os nutrientes e impedindo que substâncias
nocivas chegassem ao feto.
Hoje esta noção mudou radicalmente: sabe-se que a placenta não funciona como
barreira protetora, tampouco filtra subs tâncias tóxicas ou nocivas ao bebê dentro do
útero de sua mãe.
Sabe-se hoje que quaisquer substâncias ingeridas pela mãe são passadas ao feto.
Assim, o fumo, o álcool e as drogas atra vessam a placenta e afetam nocivamente o
bebê. Por outro lado, as perturbações emocionais maternas que nela provocam
alterações neuro-hormonais, ou em sua pressão arterial, também irão repercutir sobre o
estado neurofisiológico do feto. Ou seja, seu estado emocional.
Com freqüência, nas páginas deste livro, você tem lido a frase: "nestes últimos vinte
e cinco anos...", E isso mesmo, e vou usá-la outra vez agora, para dizer que nestes
últimos vinte e cinco anos adquirimos mais informações sobre os bebês, nos mais
variados estágios de sua gestação, do que durante todo o tempo precedente. Como já
mencionei antes, somos a primeira geração a possuir pleno e factual conhecimento a
respeito do que se passa com os bebês durante os nove meses em que habi tam o
ventre de suas mães e de tudo o que são capazes de fazer durante este período.
A aquisição deste saber resulta de uma nova forma de co laboração entre
profissionais de todos os ramos da ciência, ul trapassando os limites das diferentes
disciplinas, integrando os conhecimentos provenientes de pesquisas realizadas nas
mais diversas áreas específicas e criando uma nova enciclopédia de conhecimentos
que de muito supera o conhecimento acumula do anteriormente, disponível em qualquer
um dos ramos inde pendentes.
Com o intuito de potencializar a divulgação deste novo saber, assim como promover
maior e melhor intercâmbio entre os pesquisadores existentes, um grupo de
psicanalistas de língua alemã criou, em 1972, em Viena, na Áustria, a primeira nada ao
estudo das questões referentes ao período pré-natal.
Pouco depois, tão logo se percebeu a amplitude e abrangência deste novo campo
do conhecimento, esta entidade, que hoje leva o nome de Sociedade Internacional de
Psicologia e Medicina Pré e Perinatal, expandiu-se para abrigar especialistas e
pesquisadores de várias outras disciplinas.
A ISPPM - como é conhecida - realiza, desde a sua fundação, congressos
internacionais trienais, dos quais participam obstetras, ginecologistas, sociólogos,
antropólogos, endocrinologistas, psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, pedagogos,
educadores, neurologistas, neuro-endocrinologistas, neuro-imunologistas,
psicoterapeutas de orientações várias, como atesta o recém-publicado volume de mais
de seiscentas páginas contendo 55 trabalhos selecionados dentre os apresentados no
congresso de 1986 realizado em Badgastein, Austrália.
Em 1983, em Toronto, Canadá, o psiquiatra e psicoterapeuta Thomas Verny,
inteirado dos trabalhos desenvolvidos pela ISPPM e ele próprio sensível à presença de
imprints pré-natais traumáticos e não-traumáticos na mente de seus pacientes,
organizou o I Congresso Internacional de Psicologia Pré e Perinatal, e nesta mesma
ocasião fundou a Associação Norte Americana de Psicologia Pré e Perinatal - PPPANA,
a qual continua, bienalmente, a realizar congressos.
Os trabalhos apresentados neste I Congresso também foram publicados em 1987.
Trata-se de uma compilação organizada por Verny contendo dezoito trabalhos da maior
relevância, selecionados dentre os que foram apresentados naquele Congresso, fruto
de pesquisas especializadas no desenvolvimento pré-natal de funções tais como
audição, memória, experiência emocional e afetiva, bonding e empatia.
Com a criação da PPPANA, inaugurou-se um espaço para troca de idéias; e
experiências entre profissionais de várias áreas, interessados na investigação dos
aspectos psicológicos da con cepão, da gestação, do nascimento e do período pós-
natal. Tal necessidade se fizera sentir em virtude de as associações de classe
existentes nos Estados Unidos e no Canadá se recusarem a abrigar estas questões
pluridisciplinares; as associações americanas e canadenses tanto de psicologia como
de psiquiatria, bem como as suas congêneres de outras nacionalidades, resistiam em
lidar com questões relacionadas com os aspectos psi cológicos do período pré-natal.
Muitos profissionais interessados neste assunto sentiam que, em virtude de suas idéias,
pesquisa:s ou práticas terapêuticas não serem acolhidas nem aceitas pelas suas
respectivas organizações de classe, ficavam impossibilitados de transmitir e ensinar o
que sabiam a profissionais de outras especialidades que tinham idéias semelhantes às
suas, tendo tampouco a oportuni dade de com Estes aprender.
Também no Brasil foi fundada uma associação com propó sitos semelhantes: foi
criada em São Paulo no início de 1991 a Associação Brasileira para o Estudo do
Psiquismo Pré e Perinatal - ABREP.
Vou lhes falar agora dos objetivos comuns às três entida des, ISPPM, PPPANA* e
ABREP.
Elas se propõem a congregar profissionais de várias áreas afins à problemática
central por elas enfocada, desde antropólogos, passan do pelos obstetras,
neonatologistas e pediatras, até os psico-neuroendocrino-imunologistas, psicólogos e
psicanalistas, e todos aqueles que lidam e se interessam pelas questões relacionadas
com a boa geração da vida humana, o que inclui os pais e futuros pais .*Em 1995 a PPPANA mudou
o nome, passando a chamar-se APPPAH- Association of Pre-and Perinatal Psycology and Health. Em 1995 foi criada na França “La cause des Bêbés”,
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brazilian Congress on Child Psychiatry and Neurology, 10, São Paulo, 1989.)
--Is there intelligence before birth? (Apresentado em International Congress; on Pre and
Perinatal Psychology, 5, Atlanta, 1991.)
-. Prenatal Intelligence. San Diego, 1991 (a ser publi cado).
---Babies are not what we thought: call for a new padign. International Journal of
Prenatal & Perinatal Studies, v. 4,199.
KLAUS, Ph. The amazing newborn. Reading, Mass.: Addison Wesley, 1985.
KLAUS,Maeshall. The talents of the newborn and fetus. (Apre sentado em: lnternational
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LEBOYER, Frederick. Nascer sorrindo. São Paulo: Brasiliense 1974.
NILSSON,Lennart. A child is Born. Londres; Nova York: Doubleday 1990.
The Miracle of life. Nova York: Crown Publ, 1980.(video)
PIONTELLI, Alessandra. Infant Observation from Before Birth. In. J. Psychoan. Londres,
1987.68,453.
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From Foetus to Child - an observational and observational and psychoanalytical study.
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VEENY, Thomas & KELLY, John. The secret life of the unborn child. Delta Publ., 1981.
WILHEIM, Joanna. Adopción y Rechazo. Trabalho apresentado no II Simpósio das
Américas. Guadalajara, 1987.
-- A caminho do nascimento: uma ponte entre o biológico e o psíquico. Rio de
Janeiro; Imago, 1988.
INDICAÇÕES PARA LEITURA*
Infelizmente ainda é escassa a literatura em português sobre este assunto tão novo
e tão fascinante.
Recomendo-lhe, em primeiro lugar o excelente livro do neonatologista norte-
americano Marshall Klaus, intitulado O surpreendente recém-nascido, editado pela
Editora Artes Médicas, de Porto Alegre. A edição brasileira deixa muito a desejar em
relação à original norte americana, sobre tudo no tocante às reproduções fotográficas.
Este livro, escrito pelo casal Klaus em 1985, é um texto absolutamente atualizado, tanto
no que se refere às capacidades do recém-nascido quanto no que traz a respeito do
desenvolvimento psico-fisiologico do feto.
O livro de Thomas Verny, A vida secreta do bebê antes de nascer, lançado nos
Estados Unidos em 1981 e publicado em Português em 1989, numa boa e bem cuidada
edição feita por C.J. Salmi, representa uma boa leitura para quem quiser familiarizar-se
mais com o assunto.
Recomendo também o livrinho de Frederick Leboyer, Nascer sorrindo, lançado pela
Editora Brasilense em 1974, ano de sua publicação na França. Além do Cérebro, de
Stanislav Grof, publicado nos Estados Unidos em 1987 e editado no Brasil, representa
uma leitura mais difícil e densa. E fatos da vida, de R. D. Laing, editado pela Nova
Fronteira em 1982.
O livro que mencionarei a seguir você não pode perder, embora tenha dificuldade
para encontrá-lo: trata-se de uma belíssima realização da Editora Globo, Nascer é
assim. Lançado em 1987 no Brasil, contendo as extraordinárias reproduções
fotográficas de Lennart Nilsson e um texto singelo de Sheila Kitzinger, contando a
história do bebê desde a sua pré-concepção até o seu nascimento; este livro nada deixa
a desejar em lições estrangeiras.
E finalmente, um livro de minha autoria: A caminho do - uma ponte entre o biológico
e o psíquico. Lançado pela Editora Imago em 1988 é o relato da minha trajetória pes to
psicanalista, que me conduziu à constatação, alho clínico, da presença de registros
mnêmicos de biológicas iniciais da existência. Esta constatação levou-me a formular
uma nova proposta teórica em psicanálise os efeitos psíquicos produzidos pelos
primeiros traumas, sobretudo daqueles que se encontram "a caminho do nascimento".
Conto neste livro como fui gradualmente elaborando hipóteses a respeito da gênese de
certas configura s patológicas, investigando em profundidade cres cente o rico campo
de formação da mente no período pré-natal, da pré-concepção ao nascimento.
Finalmente, deixarei registradas aqui algumas indicações de leitura em língua
estrangeira, caso o leitor tenha o interesse e a oportunidade em adquiri-las: Babies
Remember Birth, de David Chamberlain, publicado por Jeremy P. Tarcher, Los Angeles,
1988; Pre and Perinatal Psychology - Na Introduction, editado por Thomas Verny,
publicado por Human Sciences Press, Nova York, 1987; A Child is Born, de Lennart
Nilsoon, texto de autoria de Lars Hamberger, publicado por Delacorte Pressl Seymour
Lawrence, 1990; Prenaral and Perínaral Psychology and Medicine - E'1counter with the
Unbom, editado por Peter Fedor Freybergh, publicado por Parthernon Publishing Group,
Grã-bretanha, 19'98; Realms af the Humans Unconsciaus e The Adventure of Self
Discovery; de Stanislav Orof e os livros dos ingleses Frank Lake e Francis Mott.
Dois livres recém-editados em português vêm se somar à lista. Trata-se 3e Nove meses
na vida da mulher, de autoria de Myriam Szejer (Editora Casa do Psicólogo, 1997) e
Decifrando a linguagem dos bebês, organizado por Marie Claire Busnel (Editora Escuta,
1997).
E por último, não menos importante, os "Anais do I Encon tro Brasileiro para o
Estudo Pré e Perinatal (Abrep, 1993)" e "Decifrando a Linguagem dos Bebês", Anais do
II Encontro \ (Aprep, 1997).
PARTE II
UM NOVO OLHAR SOBRE O BEBÊ
"No ventre de sua mãe o homem conhece o Universo e esquece-o ao nascer." Martin
Buber [Eu e Tu]
Os olhos que hoje olham para o bebê que nasce enxergam coisas que os olhos de nossos
pais não sabiam ver
E o que é que estes olhos vêem?
Eu vou lhe contar e você vai se encantar.
Em recente Colóquio realizado em Paris, organizado pela
"Causa dos Bebês"!, ouvi o seguinte relato feito por uma parteira; surpreendera-se com
os gritos de um bebê que acabara de nascer - era um urro de protesto, enérgico e
determinado; foi difícil acalmá-lo. Pouco depois, nascia outro bebê com o mesmo tipo
de urro e com expressão semelhante. Deu-se conta que entre os dois havia algo em
comum: ambos os nascimentos ha luzidos. Compreendeu que, à sua maneira, esses
bebês exigiam uma satisfação. Depois dessa experiência, passou verbalmente aos
bebês, nascidos em tais circunstancia pela qual fora preciso incomodá-los. Esta mes z
ainda outro relato: certa vez, passando pelo corredor das salas de parto, ouviu o
nascimento de um bebê. Ao entrar na sala, deu-se conta de que se tratava de um bebê
portador de uma fenda palatina. Contemplando-o, dirige..se mais, teremos que avaliar a
extensão desta fenda no palato do seu nenê". Nesse momento, o bebê - jogando a
cabecinha para trás - abre a boca num grande bocejo, expondo o pálato, dispensando
assim qualquer manobra invasiva. Concluiu:”Através da minha experiência com os
bebês, convenci-me de que pequeninos e frágeis fisicamente, eles são dotados de
uma força surpreendente.. Sabem tudo. Compreendem tudo. O bebê é uma pessoa”.(1)
1. "La Cause des Bebés" foi fundada em 1995 por Myriam Szejer e Marie Claire Busnel, após a participação de ambas no II Encontro Brasileiro para o
Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal [ABREP]; impactadas com o interesse e participação do público presente ao Encontro, sentiram a necessidade de
contar com um espaço semelhante na França, afim de nele congregar pesquisadores e profissionais da área para uma troca de idéias e de experiências.
Vou lhe fazer mais um relato que, somado ao anterior, lhe dará uma idéia clara
sobre o que vem a ser este "novo" olhar que mencionei.
Trata-se do depoimento de um pediatra francês. Recebe um recém-nascido de
dois dias, que nascera em querendo apenas verificar se estava tudo bem. Martim, o
bebê, está aos gritos na sala de espera. Gritos dilacerantes. Feitas a primeira consulta,
o pediatra constata que está tudo bem, tendo o bebê se acalmado com a intervenção da
palavra falada e a ele dirigida, com muita competência, pelo pediatra durante a
consulta. É marcado um retorno para a se mana seguinte. Repetem-se, na sala de
espera, os mesmos gri tos da vez anterior. A mãe expressa estranheza: "Tudo ia tão
bem desde a ultima consulta, mas ao entrarmos aqui, Martim reco meçou a urrar como
da outra vez.” O pediatra registra o comen tário, sem no entanto ainda entender. No
retorno marcado para daí a um mês, repetem-se os gritos do bebê desde sua chegada
à sala de espera. Foi somente não longo da consulta aos três meses de idade, que as
circunstâncias propiciaram um enten dimento. Martim, um belo e forte bebê, calmo,
paciente e atento, logo ao chegar, transforma-se subitamente em um amontoado de
angústia, desespero e lamentos que expressa através de gri tos, acalmando-se
novamente na presença do pediatra. Mas a mãe continua muito transtornada e começa
a falar: "Este corre dor_.. Eu não me havia dado conta de que eu o conhecia, já o tinha
percorrido... uma vez, bem no início da gestação; vim fazer uma consulta para uma
interrupção voluntária da gravidez..." Sua voz embargada se rompe numa emoção
genuína, enquanto Martim está com toda a atenção presa à fala de sua mãe. O pediatra
intervem com uma fala que impressiona pela competência e sensibilidade: "Mas então,
Martim, você é um verdadeiro fruto do amor. No início, quando você estava no ventre de
sua mãe, ela não sabia se teria condições de ficar com você, protegê-lo e ajudá-lo a
crescer. Sobretudo ela não sabia se isso seria possível para ela. Você vê, o seu pai e a
sua mãe encontraram a resposta dentro de si. Decidiram se lançar, junto com você, na
grande aventura da vida. E esta viagem que há um ano vocês estão fazendo juntos é
tão extra ordinária e maravilhosa que eles até esqueceram que já tinham esta do neste
mesmo corredor: Foi você quem os fez se lembrarem que neste corredor, quando se
toma à direita, em vez de chegar ao meu consultório, chega-se no Serviço de
Interrupção Voluntária da Gra videz." A partir desse dia, Martim passou a comparecer
às con sultas calmo e sorridente; nunca mais chorou. [2]
Deu para perceber?
Retomo a citação de Buber: "No ventre de sua mãe, o homem conhece o
Universo..." , mas - pergunto agora - será mes mo que ele o esquece ao nascer?
Os tempos mudaram. Os conhecimentos avançaram. A sua divulgação hoje é
veloz. Hoje, graças à mídia, o que constituía novidade dez anos atrás é quase lugar
comum. Saber a respeito das capacidades do recém-nascido e do feto, tais como: que o
bebê quando nasce é capaz de enxergar, de distinguir a voz e o rosto de sua mãe; de
reconhece-la pelo cheiro; de estabelecer com ela um contato olho-a-olho e de imitar
expressões faciais do adulto2, e da mesma maneira - que o feto é um ser inteligente e
sensível, que apresenta traços de personalidade próprios e bem definidos, dotado de
uma vida afetiva e emocional, estando em comunicação empática e fisiológica com a
sua mãe pré-natal, captando seus estados emocionais e sua disposição afetiva para
com ele- faz hoje parte de conhecimentos que são de domínio público.
O bebê nasce sábio. E é deste bebê sábio que quero lhe falar. Deste bebê que - a cada
novo dia - está sendo objeto de interesse, de descobertas, atenções, pesquisas e
trabalhos. 2 Desde que esteja no estado tranqüilo de alerta, um dos seis diferentes estados de consciência do recém-nascido, os outros são:
sono profundo, sono com sonhos, estado acordado sonolento, estado ativo de alerta e estado de choro ou grito.
PSICANÁLISE DE BEBÊS
Para ajudá-lo a entender melhor o que acabei de expor, vou me valer dos relatos
de duas psicanalistas de bebês: o de Caroline Éliacheff em seu livro Corpos que gritam
e o de Myriam Szejer em Palavras para nascer.
Em nosso meio, graças a uma natural propensão da cultura brasileira para absorver
o novo e à especial dotação para lançar mão da intuição, muitas destas abordagens
estão sendo introduzidas pelos profissionais que integram as equipes de atendimento
dos serviços de neonatologia (berçaristas, neonatologistas, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, psicólogos, intensivistas).
Estas equipes de atendimento estão sendo treinadas para apreender os mínimos
sinais de comunicação emitidos por estes pequenos seres que pesam por vezes
apenas 700 gramas. Ao se estar atento para uma observação mais apurada, pode-se
perceber neles, desde muito cedo, esboços de comunicação com o outro. São
manifestações de prazer, dor, espera ou fuga; eles assim expressam - à sua maneira -
vivencias subjetivas.
È importante que aqueles que lidam com recém-nascidos, particularmente em
berçários de alto-risco, levem em conta que o bebê - desde o nascimento - é um ser
humano destinado a falar e a que se fale com ele.
Assim, todo e qualquer procedimento que com ele for feito - doloroso ou não - deve ser
verbalizado antes ou durante o procedimento É importante dirigir-se à criança
chamando-a sempre pelo nome, quer seja parra tomar um banho, trocar-lhe as fraldas
ou no caso de ter que misturar um procedimento doloroso [punção ou aplicação de uma
injeção) - verbalizar o que será feito e a razão pela qual terá que ser feito. Adotando-se
este procedi mento - o de sempre verbalizar o que será feito - os observadores
constataram que os bebês se acalmam muito mais de pressa; é como se sentissem
menos dor.
Preparar equipes para lidar com os bebês não é tarefa nem difícil nem impossível.
Uma coisa tão simples como ensinar berçaristas a dizerem - por exemplo - a um
bebezinho ao acorda-lo “estou te acordando porque preciso te fazer uma punção;
desculpe por estar te machucando, mas é para o teu próprio bem” não é complicado.
Ou, ensinar a verbalizar procedimentos tais como banhos de luz - no caso de bebês
ictéricos - explicando ao bebê o que está sendo feito, o tempo que vai durar o
procedimento e dizer-lhe que, depois de findo, a venda de seus olhos será tirada e ele
irá encontrar de novo a sua mãe de quem esteve separado - isso tampouco é
complicado. Precisa apenas ser ensinado.
Como já mencionei, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas integram, hoje em
dia, as equipes de atendimento aos prematuros; cabe a estes profissionais estimular o
corpinho do bebê, massageando-o de acordo com uma técnica apropriada, visando com
isso oferecer à criança possibilidade de reinvestir o seu corpo d e uma forma prazerosa,
e não somente sob uma forma utilitária e de cuidados, sejam eles dolorosos ou não. É
interessante observar que se o prematuro não quiser ser moles_ tado, dará sinais disso
evidenciando que prefere ficar entregue a si mesmo; isso deverá ser entendido e
respeitado.
Uma UTI neonatal é extremamente barulhenta: o ruído do motor das incubadoras,
os barulhos da sala em que os adultos falam alto, depositam ruidosamente objetos
metálicos ou outros em cima de qualquer superfície ou tamborilam nas incubadoras
enquanto observam o bebê, tudo isso constitui uma agressão considerável para o
extremamente sensível aparelho auditivo do recém-nascido. Estudos recentes revelam
um alto índice de perda de função auditiva em crianças que foram submetidas a estes
estímulos ruidosos em UTI neonatal. Portanto, além do estresse provocado por tal falta
de sossego infligida a um ser que deveria ainda estar dentro do ventre de sua mãe
amadurecendo seus sentidos, há a considerar os efeitos danos sobre os sistemas
nervoso e auditivo que necessitam de um ambiente tipo "estufa" para alcançar o ponto
de relativa maturação em que este ser possa ser colocado no meio ambiente fora do
útero de sua mãe para "prosseguir viagem". O número excessivo de vezes - 234 - em
que o recém-nascido é tocado ou manipulado no decorrer de um dia numa UTI neonatal
impede-o de fazer a sua “restauração” através do sono reparador, ou da quietude de
que cada um de nós necessita para se refazer dos desgastes diários.
Existe recursos aos quais se pode recorrer sem dificuldade e que terão uma
importância muito grande para a vida psíquica deste pequeno ser que acabou de
nascer, que sofre com a separação prematura do corpo de sua mãe, considerando sem
pre que tal separação representa uma experiência dolorosa que requer elaboração.
E quais são estes recursos? Inserir na incubadora de um pre maturo uma peça de
roupa da mãe impregnada com seu cheiro, uma fita-cassette Poe ela gravada falando
docemente com o seu bebê, ou uma fita-cassette contendo uma música que a mãe
costumava escutar ou cantarolar durante a gravidez. É importante ter em mente o
significado para um recém-nascido que acabou de sair de um espaço confinado dentro
do qual viveu meses junto de sua mãe, para um estado de nudez sem contenção, com
os olhos vendados, num espaço aberto das incubadoras submetidas à fototerapia - é
certamente traumatizante. Toda e qualquer experiência traumática, na medida do
possível, deve ser acompanhada de verbalização, elemento indispensável para que
possa ser feita a sua elaboração.
Dor no feto e no recém-nascido
Passarei agora a um outro assunto que também entrou na seara dos novos
conhecimentos há relativamente pouco tempo. Trata-se da questão da existência de
dor, tanto no feto como no recém-nascido.
Hoje sabemos que a partir da sétima semana gestacional estão instalados os
receptores sensoriais e as vias de condução do estímulo nervoso, em função do que,
desde muito cedo, o feto é sensível à dor. Este vem a ser um dado de extrema
importância em vista de uma nova área da medicina inaugurada há também pouco
tempo: a medicina fetal. Saber que o feto sente dor torna-se fato de extrema
importância a ser considerado nas várias modalidades de intervenções; cirúrgicas intra-
uterinas que hoje - graças aos avanços da tecnologia - vêm sendo pra ticadas com
crescente freqüência.
Mencionei a existência de dor no feto; vou me deter na do recém-nascido. Os
conhecimentos referentes a este assunto são também muito novos. Consultando a
bibliografia da tese de doutoramento da Dra. Ruth Guinsburg [1993] - "Dor no re cém-
nascido prematuro e ventilado" [8] - constata-se que 90% dos trabalhos referidos
datavam daquela Última década, sendo que a maioria datava daqueles Últimos dois
anos. Citando a autora; "Os recém-nascidos [prematuros] sentem dor (...) Quase tudo
que é feito para e pela criança é doloroso (...)" Em sua tese, Ruth Guinsburg sustenta
que a criança pode morrer de dor, porque fica metabolicamente descompensada. E
afirma ainda: ,"O recém-nascido tem uma linguagem; ele não fala a mesma linguagem
que nós adultos falamos; ele tem uma linguagem própria; cabe a nós entender esta
linguagem; ele recorre a ela para nos co municar que sente dor e nos mobilizar para
que façamos alguma coisa por ele" [9].
Até o inicio da década de 1980, elevado índice de pediatras ignorava a existência de
dor no [feto e] recém-nascido [10], em decorrência do que intervenções dolorosas e
peque nas cirurgias -- como a circuncisão, por exemplo - eram praticadas sem
anestesia! Se nós enquanto psicanalistas considera mos que toda experiência
traumática tem registro e é guarda da num banco de dados inconsciente produzindo
seus efeitos vida a fora, fácil é entender que m. ecos destas experiências dolorosas e
traumáticas far-se-ão ouvir à grande distância, repercutindo sempre.
MEMÓRIA CELULAR
Você deve estar lembrado quando no terceiro capítulo da primeira parte, ao tratar
da fotografia intra-uterina, eu lhe dizia que era premissa básica deste livro considerar
que todos os acontecimentos biológicos pelos quais passa o ser na sua trajetória de
célula a bebê - todos, sem exceção - ficavam registrados numa memória, a que chamei
de memória celular [18].
Vou agora procurar explicar melhor a que me refiro quando falo em memória
celular. Vou recorrer, em primeiro lugar, a algumas formulações de minha autoria4.
Todas as experiências biológicas ocorridas com o ser desde a formação de cada uma
de suas duas células básicas componentes - (espermatozóide e óvulo até o momento
de seu nascimento, são registradas em uma protomente por meio de uma memória
celular. Virão a constituir a nossa phantasia básica inconsciente, que fica depositada no
fundo das nossas mentes, sob a forma de uma matriz básica que, no decorrer de
nossas vidas, irá se manifestar toda vez que um fato da realidade atual esbarrar num
destes registros básicos. Nesse momento, dar-se-á um aflorar do contido neste “
corpúsculo” de memória presente na matriz básica evocada, que irá se instalar na
mente com todo o colorido afetivo-emocional pertencente aquela primeira experiência
original que está sendo evocada. Será assim para as emoções básicas de angustia,
inveja, ciúme, sentimento de rejeição, de exclusão, de abandono, de desamparo, de
miséria, privação; mas também de acolhida e aceitação - para mencionar algumas.
Poderíamos portanto considerar que todas estas emoções são phantasias5 - ou melhor:
memórias emocionais, evocações, transferências.(19) 4. “Anatomia” apresentado em reunião cientifica da
Sociedade Brasileira de Psicanálise, em novembro 1983 e “Gêneses” em outubro 1986.
Ao propor a existência de uma matriz básica inscrita por meio de uma memória celular,
eu propunha que qualquer célula do nosso soma - desde os primórdios de nossa
existência - tem uma “psique”: todas “sentem” e “pensam” e será este “sentir” e este
“pensar” que é registrado na memória celular. Portanto, a phantasia básica inconsciente
seria a representação no plano psíquico dos registros referentes aos fatos e fenômenos
ocorridos no nível somático, nos primórdios da nossa existência biológica. Com o que
estou considerando a phantasia como sendo uma memória e não uma criação da
mente: ela se refere sempre a algo que realmente aconteceu; mas o fato registrado pela
memória celular ocorreu em um momento em que não havia ainda condições para a
mente tomar dele conhecimento; o seu armazenamento pode ter sofrido distorções,
superposições, deformações. Mas o colorido básico se mantém.
Quem diz isso muito bem é o psicanalista californiano Michael Ian Paul (20):
“Possuímos agora crescente e convincente evidência de que há receptividade mental
no primeiro mês do desenvolvimento embrionário (...) Assim há vestígios de estruturas
embrionárias primitivas tais como notocordomas e quistos de fendas branquiais no
adulto humano, que se manifestam na vida adulta sob formas patológicas, podem
também existir estados psíquicos primiti vos que são vestígios do estado mental fetal
[...] registrados em engramas ou resíduos mnêmicos, que se apresentam com variados
graus de expressividade [..,] Em determinadas situações, estes está gios de
desenvolvimento mental podem dominar a mente do adulto e estas memórias e
"interpretações" feitas pela mente fetal encontram expressão. "
Complementando o que formulei sobre memória celular, trago o testemunho dos
psicanalistas franceses, Olivier e Varenka Marc [21], que trabalham com crianças
pequenas: “Tudo é memória. O ser vivo sente e guarda. O organismo não esquece
nada I...] A criança sabe tudo sobre o seu passado, sobre as suas vivências celulares,
embrionárias, fetais..”. 'Tem consciência de suas origens consciência celular de si
mesma, consciência das divisões celular, em si... Nosso corpo não esquece nada do
que tenha experimentado".
Observando os desenhos produzidos por uma menina du rante a sua trajetória
analítica, dos dezoito meses aos seis anos de idade, perceberam que estes
reproduziam momentos de seu desenvolvimento embrionário [de célula a feto]:
"Ficamos com a impressão de que a trama de fundo de todos os desenhos desta
criança era a sua história pré-natal, seus nove meses de vida intrauterina, toda a
história de seu desenvolvimento embriológico [..,] Separamos desenhos de outras
crianças, e cons tatamos que em todos compareciam evocados aspectos da vida pré
natal. [...] E não se trata apenas de uma intuição; quando compa ramos documentos
embriológicos com os desenhos infantis, e estes Com grande nÚmero de desenhos
tradicionais que existem em todas as Culturas, percebemos que todos relatam
situações idênticas. Hoje temos acesso à confirmação disso através da microfotografia
intra uterina e da ultrassonografia (...) O ser humano nunca inventou nada que não
tenha experimentado. Esta hipótese da permanência sensorial e da permanência do
vivido ou experimentado no período pré-natal parece ser cada vez mais confirmada
pelos progressos da embriologia. (...) Os primórdios da vida psíquica estão inseridos no
corpo. Ao estudarmos a arqueologia - ou a pré-história - da consciência, constatamos
que (no inicio) consciência e matéria estão confundidas; vemos uma matéria que cresce
e se desenvolve. Não há consciência aparentemente; trata-se apenas de uma matéria
em desenvolvimento. Trata-se ainda de uma consciência não consciente. Será a partir
do momento em que a criança pode colocar esta representação numa imagem, é que
concluímos que está ocorrendo um processo de consciência.(...) O corpo se lembra,
mas não pode simbolizar. Acreditamos que a vida começa no momento do encontro
entre o óvulo e o espermatozóide e que aí começa um processo de armazenamento de
memórias no corpo. (...) O corpo armazena sensorialmente tudo o que foi
experimentado desde o estado celular. E em função das situações, certos
acontecimentos podem ser experimentados ou re-experimentados, muitas vezes muito
mais tarde, traduzidos por um desenho ou um movimento, com um realismo interno
absolutamente incrível”.(22) 6.Tradução livre da autora.
Você conhece a dor por perda? Algo que era seu e que deixou de ser seu de
repente? Isso pode se referir a coisas; mas a perda é, sobretudo dolorosa quando se
refere a pessoas.
Essa "dor por perda" resulta dos investimentos afetivos com os quais envolvemos
as pessoas e as coisas com as quais convivemos. Tais "investimentos" vão constituir os
"vínculos". 50' mos essencialmente seres de vinculação porque nós - seres humanos -
somos seres de afetos. São os afetos que nos ligam: uma energia psíquica que nos
acompanha em tudo que fazemos, vivemos: experimentamos e que é constantemente
projetada sobre "o que" ou "quem" estivermos nos relacionando. São os nossos "'elos
de ligação". E assim somos desde que fomos constituídos: porque já as duas células
germinativas das quais resultamos receberam um investimento afetivo desde que se
originaram. Já elas foram investidas desta energia que acompanha a vida e dá um
sentido afetivo a tudo que fazemos e vive, mos. Todas as, experiências posteriores
foram se somando àquelas iniciais. Portanto, quando o bebê nasce, ele já vem com
uma bagagem de afetos.
Pois bem imagine um bebê que acabou de nascer, que saiu de dentro do corpo de
sua mãe que albergou durante todo o período inicial de sua existência que de repente
se vê privado da possibilidade de retornar ao contrato com ela. A proximidade sensorial
do recém-nascido com a mãe através do contato pele-a-pele, do toque, da audição, do
olfato e da visão - contatos com este outro corpo que ele conheceu antes de nascer e
que ele re-conhece agora - são estruturantes; eles reatualizam o vínculo pré-natal. E
isso fornece os alicerces para o estabelecimento de sua identidade.
Posto isso, penso que torna-se fácil visualizar o que acontece com o bebê que, ao
nascer, é separado de sua mãe para ser dado em adoção.
Creio que pintei com cores suficientemente dramáticas o significado e a
repercussão que esta ruptura tem na mente de um bebê que, logo depois de nascer, é
separado de sua mãe para sempre, perdendo-a com os significados que ela para ele
tem.
E aqui introduzo, sem me deter, o significado das “barrigas de aluguel”: tudo que
expus até agora por si e dispensa outros comentários.
Mas, voltando à adoção. Há situações em que a ruptura acontece e não tem como
ser evitada. Como então lidar com o inevitável que é tão profundamente traumático?
Como ajudar este bebê a fazer a transição difícil do antes para o depois, sem contar
com os elementos necessários?
Todo ser humano tem a necessidade de sentir uma continuidade na constituição
do seu ser, para estabelecer a sua identidade e as condições necessárias para isto lhe
são dadas pelo contato com os pais. A dor que a ruptura deste contato produz na alma
do bebê é muito grande; uma dor que ele sente sem entender o que sente, porque lhe
faltam as “ferramentas” para ele poder “se pensar”. Esse imenso sofrimento de alma irá
se expressar através de sintomas; será à linguagem do corpo que a alma sofrida irá
recorrer.
Neste livro, trato de psiquismo pré-natal, com o que pres suponho que é no
período anterior ao nascimento que se encontram as nossas raízes. Um ser que nasce
e ao nascer é corta do de suas raízes, se vê privado da transição e continuidade
necessárias para a constituição de sua identidade... Como será o seu desabrochar?
A nossa identidade é constituída mediante assimilações que fazemos - pela via
dos afetos - em momentos-chave de nossa trajetória - de aspectos e atributos dos seres
que nos cer cam. Ela se constitui em função de nossa história pessoal e da história de
nossa família e da de nossos antepassados. A brutal ruptura na continuidade de ser
deste bebê que é separado de sua mãe ao nascer precisa ser preenchida por dados o
mais próximos da verdade.
Você deve estar lembrado, quando no capítulo referente à psicanálise de bebês e
de recém-nascidos, eu falava dos "não ditos". Pois bem, toda esta situação relacionada
com as origens do ser, com as raízes da criança dada para adoção, pertence ao
assunto dos "não ditos". A criança dada para adoção está com o seu mundo interno
carregado de "não ditos". Estes precisam ser preenchidos por uma palavra prenhe de
verdade, que se refere àquele ser e às suas origens pré e perinatais, para que o
indivíduo-bebê possa elaborá-la e assimilá-la. Uma verdade mutilada constituir-se-á em
pontos de traumas não elaboráveis, obstáculos do desenvolvimento.
Se a separação do corpo da mãe é traumática por defini ção e, em circunstâncias
normais, o ser irá requerer muito tem po para elaborá-la, o que dizer do bebê que nasce
"sabendo" que nunca mais irá reencontrar a sua mãe de antes de nascer, com a qual
estabeleceu o vínculo mais forte e importante de toda a sua vida, do qual todos os
demais serão decorrências ou transferências?
A criança precisa ser ajudada a reconstituir a sua história.
Sabemos de muitas histórias de adoções mal-sucedidas. Mas isso não constitui
uma condição inevitável; a adoção pode ser bem-sucedida se forem respeitadas as
necessidades básicas da mente humana.
E quais são estas necessidades básicas?
A acolhida é sem dúvida uma necessidade básica da mente humana. No entanto,
os pais adotivos não podem deixar de considerar que, antes da acolhida por eles
oferecida a este pequeno ser, ele primeiro foi rejeitado. Ele veio ao mundo marcado ia
"negativa": durante os nove meses de sua ex -uterina, recebeu mensagens negativas
de sua vou poder ficar com você", "vou me livrar de você nascer". Estas mensagens
feriram profundamente o narcisismo básico do pequeno ser. Ele nasce, sentindo -se
mal-amado e rejeitado. A mãe biológica evita vincular-se ao dentro de si, numa
manobra defensiva para se proteger de sofrer. Sabemos que o bebê pré-natal capta os
esta dos emocionais de sua mãe em relação a ele. Quais então são as mensagens que
ele capta? O que é que ele registra?
Se o vínculo afetivo constitui a seiva básica de nossa vida, os prejuízos que isso
trará ao pequeno ser desde antes de ele nascer.
Como fazer o resgate de tamanho prejuízo?
Vou considerar uma situação ideal de adoção: quando o é adotado muito
pequenino. Será para os aspectos de ruptura e descontinuidade que a atenção deverá
ser dirigida. O ideal seria que os pais adotivos possam estar presentes no nascimento
bebê, para lhe assegurar uma continuidade de ser, registrado para ele os
acontecimentos que mais tarde po derão lhe transmitir. O ideal é que, logo depois de
nascer, o bebê - após sentir o cheiro do corpo de sua mãe biológica - possa ser
colocado em contato com o corpo, pele-a-pele, de sua mãe adotiva, sendo este
procedimento acompanhado de uma verbalização. Se este pequeno ser puder levar
consigo uma peça de roupa com o cheiro de sua mãe biológica, eventualmente uma fita
gravada com a sua voz, explicando porque precisa deixa-lo aos cuidados de uma outra
mulher... seriam estas as condições que se aproximariam das idéias.
HAPTONOMIA
Você deve estar lembrado quando no Prefácio a esta edição eu dizia que a
segunda parte deste livro conteria as contribui ções que vêm surgindo no panorama
geral do estudo e das práticas relacionadas com o psiquismo pré-natal, nos últimos dez
anos. A Haptonomia é uma delas. Surgiu na Europa há cerca de trinta anos, criada pelo
holandês Frans Veldman [23]. O nome estra nho desta prática lhe foi dado pelo seu
iniciador, que foi buscar no grego as palavras hapsis - que significa o toque, o ressentir,
o sentimento. E nomos - que significa a lei, a regra, a norma; hapto do verbo haptdn,
quer dizer "eu toco"', "eu reuno", "eu estabeleço relacionamentos". E no sentido
figurativo ela quer dizer o estabelecimento táctil de um contato para ajudar a ficar
saudável; curar. A haptonomia é - segundo Ve1dman - o conjunto de leis que regem o
campo do nosso coração, dos nossos sentimentos. Ele a define como sendo a Ciência
da Afetividade. Ela se baseia num princípio básico: o do direito primordial do ser
humano à afirmação de sua existência e à confirmação afetiva de seu ser a partir do
momento da sua concepção.
O destino coloco Veldman no caminho da Haptonomia quando, durante a Segunda
Guerra Mundial, em meio a situações dramáticas relacionadas com deportação para
campo de concentração, ele descobriu a importância do gesto com que um ser humano
pode tocar um outro ser humano para lhe prestar solidariedade num momento de
grande sofrimento. Na década de 1970, Veldman foi estabelecer na França, onde
Leboyer já havia divulgado o seu trabalho e onde - através de Marie Claire Busnel -
passou a participar do GRENN (grupo de pesquisa e de Estudos em Neonatologia) e
mais tarde criou Oms o Centro Internacional de Pesquisa e Desenvolvimento da
Haptonomia (CIRDH).
DOULAS, MÉTODO
CANGURU E A ABREP
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. CAUMEL-DAUPHIN, F. (1997) Mais que nous disent-ils en arrivant? In Le Bebé dans tous
ses Etats. Colloque Gypsy II Paris. Éditions Odile Jacob. 1998 p.13-16.
2. BUSNEL, M. C. (1993) A linguagem dos bebês: sabemos entendê -la? São Paulo.
Editora Escuta. 1997
3. SZE)ER, M. (1997) Palavras para nascer: a escura psicanalítica na maternidade. São
Paulo. Editora Casa do Psicólogo. 1999.
4.(1999) A escuta psicanalítica de bebês em Maternidade. IV Encontro Brasileiro para o
Estudo do Psiquismo Pré e Perinatal. São Paulo. ABREP - Casa do Psicólogo. 1999.
SOBRE A AUTORA