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SIMMEL E A METRÓPOLE

A cidade grande era, para Simmel, a essência da vida


moderna, o lugar do transitório, do fugitivo, do
efêmero, um lugar dinâmico, no qual se vivia mais,
porque se vivia mais rápido. Ao mesmo tempo, a
cidade grande é o espaço onde a luta de resistência
do indivíduo (ou seja, da vida) contra a sociedade
ganha os seus mais claros contornos: no
subjetivismo exagerado, no distanciamento um dos
outros e no medo do contato com o outro, na
tentativa de se destacar e se fazer notar, no
esnobismo. É o lugar do neurastênico! O estímulo
permanente torna-se remédio contra a total
indiferença. A sede por diversões torna-se cada vez
mais insaciável.
DINHEIRO E METROPOLE

Para Simmel, a modernidade pode ser entendida através de


seus dois principais símbolos – eles representam o
especificamente moderno, características que só puderam
emergir com o advento da modernidade – são eles: o dinheiro e
a metrópole.

Frutos de um desenvolvimento histórico particular, esses dois


fatores, dinheiro e metrópole, juntos produzem o que há de
diverso no modo de vida moderno. Trazem consigo uma
dualidade que só na modernidade pode ser acentuada de modo
radical: um aumento da individualização conjuntamente com
um aumento da impessoalidade.
SIMMEL E A CIDADE
"A carência espiritual por algo definitivo leva as
pessoas a procurarem sempre em novos estímulos,
sensações, atividades superficiais, uma satisfação
momentânea. Mas, com isto, nos envolvemos cada vez
mais numa agitação sem fim, que se manifesta ora no
tumulto da metrópole, ora como mania por viagens, ou
na corrida desesperada pela concorrência. Revela-se,
em outros momentos, como a específica infidelidade
moderna nos campos do gosto, do estilo, da postura
intelectual, nas relações conjugais" (Simmel).

“A cidade não é um fato espacial com efeitos


sociológicos, mas como fato sociológico, que se
formou espacialmente“ (Simmel)
DINHEIRO

O dinheiro é, para Simmel, um herói/vilão da modernidade.


Por um lado permite que as relações sociais se libertem da
dependência de pessoas específicas. Isso se deve ao fato
de ser um meio de troca universal, reconhecido por todos,
o que torna possível a troca comercial independente. Por
outro lado essa independência de relações sociais
específicas torna o contato humano apenas um contato
comercial. O dinheiro, como meio de troca universal,
destrói toda especificidade, torna tudo nivelado. A
impessoalidade do dinheiro é a fonte da impessoalidade
das relações humanas.
DINHEIRO

“As correntes da cultura moderna deságuam em duas direções


aparentemente opostas: por um lado, na nivelação e
compensação, no estabelecimento de círculos sociais cada vez
mais abrangentes por meio de ligações com o mais remoto sob
condições iguais; por outro, no destaque do mais individual, na
independência da pessoa, na autonomia da formação dela. E
ambas as direções são transportadas pela economia do
dinheiro que possibilita, por um lado, um interesse comum, um
meio de relacionamento e de comunicação totalmente
universal e efetivo no mesmo nível e em todos os lugares à
personalidade, por outro lado, uma reserva maximizada,
permitindo a individualização e a liberdade.” (SIMMEL)
CIDADE E DINHEIRO
Se, nas suas formas diversas, o dinheiro foi historicamente limitado
e encaixado nas instituições religiosas e sociais, ele tende, na
moderna economia do dinheiro, a dissolver as instituições
tradicionais e as relações sociais e a movimentar os indivíduos.

"Quando entendemos, de forma geral, por liberdade o não-depender da


vontade dos outros, então esta liberdade começa com a independência da
vontade de "determinados" outros. Não-dependente é o colono isolado das
selvas germânicas e americanas; independente, no sentido positivo da
palavra, está o homem moderno da cidade grande, que, sem dúvida,
precisa de um sem número de fornecedores, trabalhadores e
colaboradores sem os quais não conseguiria sobreviver, mas que se
relaciona com eles numa forma absolutamente objetiva e exclusivamente
mediada pelo dinheiro" (Simmel)
INDIVIDUALIZAÇÃO

"Neste sentido, entendemos o efeito do dinheiro como


atomizador, como um processo individualizador por dentro da
personalidade (humana). Assim, a tendência global da
sociedade extrapola para dentro do indivíduo..." (Simmel).

Em sociedades pré-monetárias, o indivíduo depende


diretamente do seu grupo. Agora, ele "carrega consigo o direito
ao apoio e aos serviços dos outros, de forma condensada,
como potencial", em dinheiro.
DINHEIRO

O dinheiro cria entre sujeitos e objetos uma "desconexão


objetiva“; e na relação intersubjetiva, uma "desconexão
pessoal". Em ambos os casos, uma nova relação se reconstrói
a partir dele.

Para Simmel, associações tornam-se, no âmbito da economia


do dinheiro, meras associações instrumentais, motivadas pelo
interesse do lucro, quando estas mesmas associações
antigamente atendiam a interesses múltiplos: econômicos,
religiosos, políticos e familiares (Simmel)
METROPÓLE
A Metrópole é o lugar onde, agora, muitos podem viver, e de
forma um tanto heterogênea. A metrópole põe em contato as
diferenças, e permite ao indivíduo, através de uma relativização
da diferença – relativização que é fruto do contato intensivo
com a diferença que a cidade permite – uma maior liberdade de
ação. Enquanto em um vilarejo pré-moderno a diferença seria
motivo de desconfiança, na metrópole moderna ele é tolerada –
ou exigida, na medida em que é o exercício do individualismo.
Assim como o dinheiro, a metrópole também produz como
consequência a impessoalidade. Em meio a tantas diferenças,
e na velocidade específica da cidade, a própria diferença se
torna banal, se torna “lugar comum”. Em meio a tantos
estímulos e tantas novidades a diferença se transforma em
indiferença. O indivíduo da grande cidade é o indivíduo blasé,
indiferente, incapaz de notar a diferença. Habituado à
impessoal desatenção civil, ele é incapaz de notar a novidade.
ATITUDE “BLASÉ”
“Os mesmos fatores que assim redundaram na exatidão e precisão
minuciosa da forma de vida redundaram também em uma estrutura da
mais alta impessoalidade; por outro lado, promoveram uma
subjetividade altamente pessoal. Não há talvez fenômeno psíquico que
tenha sido tão incondicionalmente reservado à metrópole quanto a
atitude ‘blasé’. A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos
contrastantes que, em rápidas mudanças e compressão concentrada,
são impostos aos nervos. Disto também parece originalmente jorrar a
intensificação da intelectualidade metropolitana. (...) Uma vida em
perseguição desregrada ao prazer torna uma pessoa blasé porque
agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade por um tempo
tão longo que eles finalmente param de reagir. (...) Surge assim a
incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada.
Isto constitui aquela atitude blasé que, na verdade, toda criança
metropolitana demonstra quando comparada com crianças de meios
mais tranqüilos e menos sujeitos a mudanças.” (SIMMEL)
METRÓPOLE E O DINHEIRO

Juntos, a vida da metrópole e o uso do dinheiro propiciaram uma


maior mobilidade aos indivíduos modernos. Juntos permitiram
um encurtamento das distâncias e a possibilidade de
estabelecimento de um maior número de laços sociais. Trouxeram
mais liberdade individual, libertando o homem dos laços estreitos
da comunidade. Tornou tudo mais veloz. Porém, tornou também
mais veloz o contato humano, tornou as relações sociais mais
objetivas e impessoais, portanto, mais superficiais. E essa é a
ambiguidade principal da modernidade: uma maior liberdade
individual caminha lado-a-lado com uma maior impessoalidade –
com uma objetivação e instrumentalização das relações sociais.
DINHEIRO

“Sendo o equivalente a todas as múltiplas coisas de uma e mesma forma,


o dinheiro torna-se o mais assustador dos niveladores. Pois expressa
todas as diferenças qualitativas das coisas em termos de ‘quanto?’. O
dinheiro, com toda a ausência de cor e indiferença, torna-se o
denominador comum de todos os valores; arranca irreparavelmente a
essência das coisas, sua individualidade, seu valor específico e sua
incomparabilidade. (...) As grandes cidades, principais sedes do
intercâmbio monetário, acentuam a capacidade que as coisas têm de
poderem ser adquiridas muito mais notavelmente do que as localidades
menores. É por isso que as grandes cidades também constituem a
localização (genuína) da atitude blasé.” (SIMMEL)
INDIVIDUALIZAÇÃO

Segundo Waizbort “indivíduo e sociedade não são somente um dos


pontos básicos da sociologia simmeliana, são antes pólos fundamentais
da própria idéia de cultura filosófica.”

Podemos dizer que Simmel foi o primeiro a inserir um debate mais


profundo sobre o indivíduo na sociologia. Mesmo sendo Durkheim o
primeiro a debater a idéia de individualismo, somente com Simmel que o
indivíduo ganhou centralidade na teoria social. Para Simmel, somente
com a modernidade que realmente pode-se falar de individualismo ou
individualização. Não que as pessoas particulares não fossem indivíduos
anteriormente, mas que somente puderam entender-se como tais e se
diferenciarem com a emergência da modernidade e da vida na grande
cidade:
“A medida que o grupo cresce (...) na mesma medida, a
unidade direta, interna, do grupo contra os outros se afrouxa e
a rigidez da demarcação original contra os outros é amaciada
através das relações e conexões mútuas. Ao mesmo tempo, o
indivíduo ganha liberdade de movimento, muito para além da
primeira delimitação ciumenta. O indivíduo também adquire
uma individualidade específica para a qual a divisão do
trabalho no grupo aumentado dá tanto por ocasião quanto por
necessidade. (...) A vida de cidade pequena na Antiguidade e na
Idade Média erigiu barreiras contra o movimento e as relações
do indivíduo no sentido exterior e contra a independência
individual e a diferenciação no interior do ser individual. Essas
barreiras eram tais que, o homem moderno não poderia
respirar. Mesmo hoje em dia, um homem metropolitano que é
colocado em uma cidade pequena sente uma restrição
semelhante, ao menos, em qualidade.” (SIMMEL))
INDIVIDUO QUANTITATIVO E QUALITATIVO

Simmel distingue duas formas de individualismo: o individualismo


quantitativo e o individualismo qualitativo. O individualismo quantitativo
é aquele da liberdade individual iluminista, ele é significativo do século
XVIII. Essa forma de individualismo prega o ser humano como ser
universal, livre e igual em toda parte. A distinção, aqui, é secundária, a
igual condição humana prevalece como lei universal. Distinta dessa
forma de individualismo é o individualismo do século XIX. Esse
compreende o indivíduo como único, distinto e específico. (SIMMEL)
O individualismo qualitativo só pôde surgir após o individualismo
quantitativo ter feito da igualdade e da liberdade valores universais.
O individualismo qualitativo é associado ao romantismo. É um
individualismo crítico, e mesmo oposto, à idéia de homem universal.
Ele leva, através do exercício da distinção e da diferença, a uma
parcial ruptura com a impessoalidade característica da modernidade
-promovida pelo dinheiro e pela vida na metrópole. Por trás dele
subjaz a crítica romântica à razão universal e ao modo de vida
moderno, de modo que a ênfase na distinção e na diferença se torna
uma reafirmação dos sentimentos e da interioridade. Assim, as duas
formas de individualismo, propostas por Simmel, confluem na vida
na cidade grande. O individualismo do século XVIII, com seu ideal de
liberdade e igualdade, e o individualismo do século XIX, com os
ideais da distinção, diferença e interioridade.
OBJETIVAÇÃO E INSTRUMENTALIZAÇÃO

Para Simmel, a cultura é vista como um processo e


simultaneamente como um progresso. Esse progresso que se
desenvolve no seio da cultura é o processo da racionalização do
social. O progresso da cultura significa um aumento cada vez
maior da consciência dos meios e fins. A cultura opera, então,
para Simmel, um processo de objetivação. Isso significa que cada
vez mais os objetos se autonomizam perante os sujeitos, e que os
meios que só existiam em função de se atingir um fim se tornam
um fim em si mesmo.
DINHEIRO E OBJETIVAÇÃO

O dinheiro representa o a mais completa situação de objetivação. O


dinheiro é o objeto que como nenhum outro ganhou proeminência diante
dos sujeitos. Ele é também o meio – meio de troca – que se tornou fim em
si mesmo. O dinheiro, de mediador das relações de roca, passou a ser
regulador e nivelador das relações sociais. E mais do que mediador, mais
do que um meio para a troca, o dinheiro se tornou o meio universal,
capaz de trocar tudo, e assim, substitui tudo, se tornando um fim, e não
mais um meio. Porém, para Simmel, não é só o dinheiro que se torna um
fim em si mesmo. A racionalização da cultura leva mesmo a um processo
cada vez mais profundo de reificação. Nesse contexto a técnica e a
especialização passam, cada vez mais, a ser considerados, não mais
meios de se atingir um fim, mas valores supremos da modernidade.
MODERNIDADE
Aqui podemos perceber que o diagnóstico da modernidade Simmel se assemelha
ao de Weber – do qual era contemporâneo. Também Adorno e Horkheimer (1985)
retomam o tema posteriormente -e em grande medida influenciados tanto por
Weber quanto por Simmel . Assim como eles, Simmel percebe na racionalização a
predominância do meio sobre o fim, um movimento em que a racionalidade
instrumental instrumentaliza toda a existência humana. No entanto, diferente
deles, Simmel não vê como consequências da racionalização moderna apenas
uma diminuição da possibilidade de ação humana. A modernidade não traz apenas
uma dependência de meios cada vez mais específicos, de procedimentos
técnicos, da burocracia; em meio à racionalização que torna tudo mais objetivo e
impessoal, a modernidade também produz uma maior autonomia individual.
Justamente porque, agora, os procedimentos são únicos, e independentes de
laços pessoais, justamente por isso o indivíduo ganha mais autonomia.
DINHEIRO E PENSAMENTO

O pensamento humano se transforma na medida do avanço


da economia do dinheiro: passa do singular para o
universal, do qualitativo para o quantitativo, do substancial
para o relativo (Simmel).

""Uma hipótese sustenta que o dinheiro preparou, para não


dizer determinou, o pensamento cientifico, na medida em
que permitiu uma visão estritamente formal das coisas e
demostrou que objetos diversos poderiam ser comparados
e medidos a partir de diferentes ângulos, abstraindo
totalmente do seu conteúdo e de suas particularidades"
(Boudon).
TEORIA DO VALOR EM SIMMEL

A troca é uma ação recíproca que constitui a sociedade. O dinheiro surge


a partir da troca, e é, como considera Frankel, de suma importância que
este contexto inclua o fator subjetivo, a avaliação individual. A teoria
subjetiva de valor de Simmel inspirou-se na escola vienense da teoria
marginal, principalmente em C. Menger. Segundo ele, a economia se
fundamenta na troca e não na produção. Valor e troca estão numa relação
recíproca e a economia é um caso particular da forma virtual-universal da
troca. A troca é fonte de valor econômico. Esta visão se contrapõe â do
marxismo, que define todo valor a partir da produção. "Precisamos ter
clareza que a maioria das relações interpessoais podem ser vistas como
relações de troca. Assim, são, ao mesmo tempo, formas de pura e
eminente ação recíproca, que constituem em si a vida humana..."
(Simmel).
O DINHEIRO ONIPOTENTE

O papel do dinheiro neste processo recíproco é o papel de mediador.


Dinheiro toma-se, por definição, o meio obrigatório para o
estabelecimento deum sistema de produção e de sociedade baseado na
divisão do trabalho. À medida em que penetra, como meio, todas as
esferas da vida, mediando nas "cadeias teleológicas crescentes" para
conciliar os fins, ele eleva-se para ser o meio dos meios. A cadeia de
meios que leva a um fim toma-se, numa sociedade complexa de ampla
divisão de trabalho, cada vez mais longa. Com isto, surge uma visão
abstraía de fim e meio e a pergunta sobre o fim final emerge cada vez
com mais força perante "a dispersão e o caráter fragmentar da cultura"
(Simmel).
DINHEIRO TRANSIGENCIA E INFLEXIBILIDADE

"O importante, entretanto, é que o dinheiro é percebido em toda parte


como fim e, com isso, muitas coisas que têm o seu fim em si mesmos
são rebaixados a simples meios. Ao mesmo tempo que o dinheiro, por
definição, é o meio, os conteúdos da existência se colocam num
profundo contexto teleológíco sem começo e sem fim" (Simmel).

O dinheiro é um objeto transigente, mas, por ser totalmente vazio, apenas


um símbolo, toma-se, ao mesmo tempo, o objeto mais inflexível. Em
comparação com outros objetos sobre os quais o ego se estende -toma
posse -, o dinheiro pertence de corpo e alma ao indivíduo; não lhe
oferecendo a resistência existente nos demais objetos, porque nem
corpo nem alma tem: "na medida em que ele, sem restrições, nos
pertence, nada mais podemos extrair dele" (Simmel).
DINHEIRO: MOVIMENTO E TEMPO

O dinheiro tem na distância a sua analogia espacial e no tempo a sua


temporal. A vida original (primitiva) está marcada pelo ritmo e pela
periodicidade: cópula, ciclo agrícola, etc. O ritmo é o primeiro elemento
na música primitiva. A partir do momento em que se pode comprar tudo e
a qualquer momento com dinheiro, o indivíduo se libera do ritmo. Os
elementos de recorrência e diferenciação que estão presentes no ritmo
se dissociam.
DINHEIRO E RITMO DA VIDA

Ao mesmo tempo, o dinheiro influencia o ritmo da vida: "Quanto


mais profundas forem as diferenças do conteúdo da imaginação -
mesmo considerando uma mesma quantidade de idéias - numa
unidade de tempo, mais se vive, mais se avança no eixo da vida.
O que sentimos como tempo de vida é o produto entre soma e
profundidade de suas mudanças" (Simmel).
DINHEIRO E PROPRIEDADES

Por um lado, o dinheiro provoca constantes mudanças nas propriedades


particulares. Por outro lado, a inflação acelera a velocidade destas
mudanças. Como os preços e bens são atingidos de forma diferenciada
pela inflação, ela exerce um efeito particularmente "estimulante" sobre os
sujeitos econômicos. "A desproporcionalidade no aumento dos preços
leva a que determinados grupos de pessoas e profissões sejam
especialmente beneficiados e outros prejudicados. Em tempos históricos
isso acontecia com os camponeses. No final do século 17, o camponês
inglês, sem conhecimentos e sem meios, como ele era, foi literalmente
espremido, entre as pessoas que lhe deviam e o pagavam apenas o valor
nominal, e as que ele devia dinheiro e o exigiam a peso de ouro"
(Simmel,.
DINHEIRO E TEMPO VELOZ

Pelo fato do dinheiro só realizar sua função através do ato de ser


repassado, ele é o símbolo mais autêntico do caráter absolutamente
transitório do mundo moderno. O tempo torna-se um bem caro. O
símbolo mais preciso da relação entre tempo e dinheiro é a bolsa de
valores: "Esta dupla condensação - dos valores em forma de dinheiro e
do trânsito monetário em forma de bolsa de valores -possibilita que os
valores passem, num tempo mínimo, pelo maior número de mãos"
(Simmel). ,

A bolsa é, constitucionalmente falando, ao mesmo tempo o lugar de


maior agitação econômica. Dinheiro é "actus purus", contraponto e
negação de qualquer qualidade intrínseca dos objetos.
AÇÃO RECIPROCA

Para captar a realidade complexa que surge a partir da economia monetária,


Simmel se apoia principalmente no conceito de ação recíproca.

A compreensão teórica de Simmel tem como pressuposto que os


"organismos sociais se constituem a partir da presença de forças
ambivalentes ou dualísticas" (Nedelmann).

Na ação recíproca destacam-se três componentes básicos:


-a relacionalidade;
-a contraditoriedade imanente;
-a circulariedade.
RELACIONALIDADE

Como relacionalidade entende-se o estudo de objetos e indivíduos sob o


ângulo da relação estabelecida entre eles. Neste sentido, ressalta-se as
características relacionais dos fenômenos sociais e não as substanciais.
Numa comparação entre cidade grande e cidade pequena, Simmel define
contextos diferentes para o desenvolvimento de ações recíprocas:
"Enquanto a cidade pequena se caracteriza por um número reduzido de
ações recíprocas demoradas e pouco intensivas, os indivíduos da cidade
grande se confrontam com um número maior de ações recíprocas,
rápidas mas intensivas" (Nedelmann).
Para Simmel, os "processos moleculares primários da vida" (p.ex. o olhar
das pessoas, o ciúme, a correspondência via cartas, o jantar entre
amigos) são aqueles processos "que sustentam a elasticidade e a rigidez,
a diversidade e a unidade desta vida social tão concreta e misteriosa"
(Nedelmann,).
PROCESSO CIRCULAR
Por outro lado, surgem destes processos primários da vida as formas sociais e
com elas a tensão entre vida e forma. A vida dos indivíduos depende, para realizar-
se, das relações recíprocas, mas neste processo são criadas formas sociais que
tendem a desenvolver uma autonomia, uma dinâmica própria. Surge uma
contradição fundamental entre vida e organismos supra-individuais, quando os
últimos se enrijecem e começam a conspirar contra os impulsos mais imediatos.
Em outras palavras, a cultura objetiva, com suas instituições e objetos, começa a
se sobrepor â cultura subjetiva. Mas isto, em princípio, não acontece de forma
unidirecional. O desenrolar da ação recíproca acontece, segundo Simmel, de
forma circular.
"Quando o efeito que um elemento exerce sobre um outro torna-se causa deste e,
ao mesmo tempo, este segundo reflete de novo sobre o primeiro, que, por sua vez
influenciado, torna-se de novo causa reflexiva sobre o outro, de forma que o jogo
recomeça novamente, então encontramos neste esquema o real ilimitado da ação.
A iminência do real que não tem limite se compara à figura do círculo" (Simmel).
Destacando este caráter circular do processo, Simmel se coloca em oposição ao
pensamento linear de causa e efeito.
DUALISMOS E AMBIVALENCIAS

Ele tem em comum com outros sociólogos clássicos um pensamento estrutural


voltado para antagonismos, dualismos e ambivalências. "Porém, comparado, por
exemplo, com Max Weber, Karl Marx ou Emile Durkheim, Simmel é visto dentre os
sociólogos clássicos, como aquele cuja sensibilidade para com os dualismos e
ambivalências imanentes é mais nítida e quem os explorou de forma mais
consequente para a análise das relações sociais" (Nedelmann).
Simmel avança para uma espécie de "pensamento empírico radical" (Nedelman),
que nem sempre dissolve o antagonismo numa síntese. O seu pensamento se
torna "dialética sem reconciliação" (Nedelman) com a intenção básica de
"incorporar no espaço reflexivo, procedimentos e posturas conhecidos e
experimentados na vida cotidiana, mas rejeitados no pensamento teórico. Manter
contradições, fugir de antinomias, suspender decisões, é tão necessário na vida
cotidiana, quanto mal visto na teoria" (Ritter).
AMBIGUIDADE
Simmel concebe a existência humana como drasticamente contraditória.
As mesmas forças que trazem a individualização podem trazer a
impessoalização. Da mesma forma, os conflitos entre sujeito e objeto e
entre indivíduo e sociedade são, ambos, insolúveis. O próprio processo de
reificação, e inclusive o fetichismo da mercadoria, é pensado por Simmel
como uma condição antropológica, e não historicamente delimitada como
sugere Marx (1994). A ambigüidade é inseparável de toda existência
humana, e por isso mesmo, que a modernidade reúne, e não poderia
deixar de reunir, eventos aparentemente opostos e contraditórios.
Essa visão simmeliana, concebendo a existência como ambígua, é
herdeira da concepção nietzscheana da realidade humana como trágica. A
tragédia é que apesar da resistência do indivíduo, e apesar de todas
nossas tentativas, o mundo nos resiste e permanece imprevisível, e toda a
existência humana é incondicionalmente dúbia. “Tudo o que existe é justo
e injusto e em ambos os casos é igualmente justificado.” (NIETZSCHE) É
isto que a compreensão do trágico nos diz. A ambigüidade da
modernidade é para Simmel a própria ambigüidade da condição trágica do
ser humano. Violência e paz, sujeito e objeto, razão e impulso; são todos
insolúveis, irredutíveis e complementares.
TRAGÉDIA DA CULTURA

“(...) Simmel interpreta a tragédia da cultura, da sociedade e do indivíduo


como uma instância particular do conflito propriamente metafísico
opondo as formas à vida. Ora, se a oposição entre o sujeito e o objeto
não é historicamente determinada, como é o caso em Marx e Weber, se
ela resulta de forças cósmicas e decorre efetivamente da fatalidade
universal, então o conflito entre a alma e as formas, assim como entre o
indivíduo e a sociedade, se torna propriamente insolúvel.”
(VANDENBERGHE),

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