A cidade grande era, para Simmel, a essência da vida
moderna, o lugar do transitório, do fugitivo, do efêmero, um lugar dinâmico, no qual se vivia mais, porque se vivia mais rápido. Ao mesmo tempo, a cidade grande é o espaço onde a luta de resistência do indivíduo (ou seja, da vida) contra a sociedade ganha os seus mais claros contornos: no subjetivismo exagerado, no distanciamento um dos outros e no medo do contato com o outro, na tentativa de se destacar e se fazer notar, no esnobismo. É o lugar do neurastênico! O estímulo permanente torna-se remédio contra a total indiferença. A sede por diversões torna-se cada vez mais insaciável. DINHEIRO E METROPOLE
Para Simmel, a modernidade pode ser entendida através de
seus dois principais símbolos – eles representam o especificamente moderno, características que só puderam emergir com o advento da modernidade – são eles: o dinheiro e a metrópole.
Frutos de um desenvolvimento histórico particular, esses dois
fatores, dinheiro e metrópole, juntos produzem o que há de diverso no modo de vida moderno. Trazem consigo uma dualidade que só na modernidade pode ser acentuada de modo radical: um aumento da individualização conjuntamente com um aumento da impessoalidade. SIMMEL E A CIDADE "A carência espiritual por algo definitivo leva as pessoas a procurarem sempre em novos estímulos, sensações, atividades superficiais, uma satisfação momentânea. Mas, com isto, nos envolvemos cada vez mais numa agitação sem fim, que se manifesta ora no tumulto da metrópole, ora como mania por viagens, ou na corrida desesperada pela concorrência. Revela-se, em outros momentos, como a específica infidelidade moderna nos campos do gosto, do estilo, da postura intelectual, nas relações conjugais" (Simmel).
“A cidade não é um fato espacial com efeitos
sociológicos, mas como fato sociológico, que se formou espacialmente“ (Simmel) DINHEIRO
O dinheiro é, para Simmel, um herói/vilão da modernidade.
Por um lado permite que as relações sociais se libertem da dependência de pessoas específicas. Isso se deve ao fato de ser um meio de troca universal, reconhecido por todos, o que torna possível a troca comercial independente. Por outro lado essa independência de relações sociais específicas torna o contato humano apenas um contato comercial. O dinheiro, como meio de troca universal, destrói toda especificidade, torna tudo nivelado. A impessoalidade do dinheiro é a fonte da impessoalidade das relações humanas. DINHEIRO
“As correntes da cultura moderna deságuam em duas direções
aparentemente opostas: por um lado, na nivelação e compensação, no estabelecimento de círculos sociais cada vez mais abrangentes por meio de ligações com o mais remoto sob condições iguais; por outro, no destaque do mais individual, na independência da pessoa, na autonomia da formação dela. E ambas as direções são transportadas pela economia do dinheiro que possibilita, por um lado, um interesse comum, um meio de relacionamento e de comunicação totalmente universal e efetivo no mesmo nível e em todos os lugares à personalidade, por outro lado, uma reserva maximizada, permitindo a individualização e a liberdade.” (SIMMEL) CIDADE E DINHEIRO Se, nas suas formas diversas, o dinheiro foi historicamente limitado e encaixado nas instituições religiosas e sociais, ele tende, na moderna economia do dinheiro, a dissolver as instituições tradicionais e as relações sociais e a movimentar os indivíduos.
"Quando entendemos, de forma geral, por liberdade o não-depender da
vontade dos outros, então esta liberdade começa com a independência da vontade de "determinados" outros. Não-dependente é o colono isolado das selvas germânicas e americanas; independente, no sentido positivo da palavra, está o homem moderno da cidade grande, que, sem dúvida, precisa de um sem número de fornecedores, trabalhadores e colaboradores sem os quais não conseguiria sobreviver, mas que se relaciona com eles numa forma absolutamente objetiva e exclusivamente mediada pelo dinheiro" (Simmel) INDIVIDUALIZAÇÃO
"Neste sentido, entendemos o efeito do dinheiro como
atomizador, como um processo individualizador por dentro da personalidade (humana). Assim, a tendência global da sociedade extrapola para dentro do indivíduo..." (Simmel).
Em sociedades pré-monetárias, o indivíduo depende
diretamente do seu grupo. Agora, ele "carrega consigo o direito ao apoio e aos serviços dos outros, de forma condensada, como potencial", em dinheiro. DINHEIRO
O dinheiro cria entre sujeitos e objetos uma "desconexão
objetiva“; e na relação intersubjetiva, uma "desconexão pessoal". Em ambos os casos, uma nova relação se reconstrói a partir dele.
Para Simmel, associações tornam-se, no âmbito da economia
do dinheiro, meras associações instrumentais, motivadas pelo interesse do lucro, quando estas mesmas associações antigamente atendiam a interesses múltiplos: econômicos, religiosos, políticos e familiares (Simmel) METROPÓLE A Metrópole é o lugar onde, agora, muitos podem viver, e de forma um tanto heterogênea. A metrópole põe em contato as diferenças, e permite ao indivíduo, através de uma relativização da diferença – relativização que é fruto do contato intensivo com a diferença que a cidade permite – uma maior liberdade de ação. Enquanto em um vilarejo pré-moderno a diferença seria motivo de desconfiança, na metrópole moderna ele é tolerada – ou exigida, na medida em que é o exercício do individualismo. Assim como o dinheiro, a metrópole também produz como consequência a impessoalidade. Em meio a tantas diferenças, e na velocidade específica da cidade, a própria diferença se torna banal, se torna “lugar comum”. Em meio a tantos estímulos e tantas novidades a diferença se transforma em indiferença. O indivíduo da grande cidade é o indivíduo blasé, indiferente, incapaz de notar a diferença. Habituado à impessoal desatenção civil, ele é incapaz de notar a novidade. ATITUDE “BLASÉ” “Os mesmos fatores que assim redundaram na exatidão e precisão minuciosa da forma de vida redundaram também em uma estrutura da mais alta impessoalidade; por outro lado, promoveram uma subjetividade altamente pessoal. Não há talvez fenômeno psíquico que tenha sido tão incondicionalmente reservado à metrópole quanto a atitude ‘blasé’. A atitude blasé resulta em primeiro lugar dos estímulos contrastantes que, em rápidas mudanças e compressão concentrada, são impostos aos nervos. Disto também parece originalmente jorrar a intensificação da intelectualidade metropolitana. (...) Uma vida em perseguição desregrada ao prazer torna uma pessoa blasé porque agita os nervos até seu ponto de mais forte reatividade por um tempo tão longo que eles finalmente param de reagir. (...) Surge assim a incapacidade de reagir a novas sensações com a energia apropriada. Isto constitui aquela atitude blasé que, na verdade, toda criança metropolitana demonstra quando comparada com crianças de meios mais tranqüilos e menos sujeitos a mudanças.” (SIMMEL) METRÓPOLE E O DINHEIRO
Juntos, a vida da metrópole e o uso do dinheiro propiciaram uma
maior mobilidade aos indivíduos modernos. Juntos permitiram um encurtamento das distâncias e a possibilidade de estabelecimento de um maior número de laços sociais. Trouxeram mais liberdade individual, libertando o homem dos laços estreitos da comunidade. Tornou tudo mais veloz. Porém, tornou também mais veloz o contato humano, tornou as relações sociais mais objetivas e impessoais, portanto, mais superficiais. E essa é a ambiguidade principal da modernidade: uma maior liberdade individual caminha lado-a-lado com uma maior impessoalidade – com uma objetivação e instrumentalização das relações sociais. DINHEIRO
“Sendo o equivalente a todas as múltiplas coisas de uma e mesma forma,
o dinheiro torna-se o mais assustador dos niveladores. Pois expressa todas as diferenças qualitativas das coisas em termos de ‘quanto?’. O dinheiro, com toda a ausência de cor e indiferença, torna-se o denominador comum de todos os valores; arranca irreparavelmente a essência das coisas, sua individualidade, seu valor específico e sua incomparabilidade. (...) As grandes cidades, principais sedes do intercâmbio monetário, acentuam a capacidade que as coisas têm de poderem ser adquiridas muito mais notavelmente do que as localidades menores. É por isso que as grandes cidades também constituem a localização (genuína) da atitude blasé.” (SIMMEL) INDIVIDUALIZAÇÃO
Segundo Waizbort “indivíduo e sociedade não são somente um dos
pontos básicos da sociologia simmeliana, são antes pólos fundamentais da própria idéia de cultura filosófica.”
Podemos dizer que Simmel foi o primeiro a inserir um debate mais
profundo sobre o indivíduo na sociologia. Mesmo sendo Durkheim o primeiro a debater a idéia de individualismo, somente com Simmel que o indivíduo ganhou centralidade na teoria social. Para Simmel, somente com a modernidade que realmente pode-se falar de individualismo ou individualização. Não que as pessoas particulares não fossem indivíduos anteriormente, mas que somente puderam entender-se como tais e se diferenciarem com a emergência da modernidade e da vida na grande cidade: “A medida que o grupo cresce (...) na mesma medida, a unidade direta, interna, do grupo contra os outros se afrouxa e a rigidez da demarcação original contra os outros é amaciada através das relações e conexões mútuas. Ao mesmo tempo, o indivíduo ganha liberdade de movimento, muito para além da primeira delimitação ciumenta. O indivíduo também adquire uma individualidade específica para a qual a divisão do trabalho no grupo aumentado dá tanto por ocasião quanto por necessidade. (...) A vida de cidade pequena na Antiguidade e na Idade Média erigiu barreiras contra o movimento e as relações do indivíduo no sentido exterior e contra a independência individual e a diferenciação no interior do ser individual. Essas barreiras eram tais que, o homem moderno não poderia respirar. Mesmo hoje em dia, um homem metropolitano que é colocado em uma cidade pequena sente uma restrição semelhante, ao menos, em qualidade.” (SIMMEL)) INDIVIDUO QUANTITATIVO E QUALITATIVO
Simmel distingue duas formas de individualismo: o individualismo
quantitativo e o individualismo qualitativo. O individualismo quantitativo é aquele da liberdade individual iluminista, ele é significativo do século XVIII. Essa forma de individualismo prega o ser humano como ser universal, livre e igual em toda parte. A distinção, aqui, é secundária, a igual condição humana prevalece como lei universal. Distinta dessa forma de individualismo é o individualismo do século XIX. Esse compreende o indivíduo como único, distinto e específico. (SIMMEL) O individualismo qualitativo só pôde surgir após o individualismo quantitativo ter feito da igualdade e da liberdade valores universais. O individualismo qualitativo é associado ao romantismo. É um individualismo crítico, e mesmo oposto, à idéia de homem universal. Ele leva, através do exercício da distinção e da diferença, a uma parcial ruptura com a impessoalidade característica da modernidade -promovida pelo dinheiro e pela vida na metrópole. Por trás dele subjaz a crítica romântica à razão universal e ao modo de vida moderno, de modo que a ênfase na distinção e na diferença se torna uma reafirmação dos sentimentos e da interioridade. Assim, as duas formas de individualismo, propostas por Simmel, confluem na vida na cidade grande. O individualismo do século XVIII, com seu ideal de liberdade e igualdade, e o individualismo do século XIX, com os ideais da distinção, diferença e interioridade. OBJETIVAÇÃO E INSTRUMENTALIZAÇÃO
Para Simmel, a cultura é vista como um processo e
simultaneamente como um progresso. Esse progresso que se desenvolve no seio da cultura é o processo da racionalização do social. O progresso da cultura significa um aumento cada vez maior da consciência dos meios e fins. A cultura opera, então, para Simmel, um processo de objetivação. Isso significa que cada vez mais os objetos se autonomizam perante os sujeitos, e que os meios que só existiam em função de se atingir um fim se tornam um fim em si mesmo. DINHEIRO E OBJETIVAÇÃO
O dinheiro representa o a mais completa situação de objetivação. O
dinheiro é o objeto que como nenhum outro ganhou proeminência diante dos sujeitos. Ele é também o meio – meio de troca – que se tornou fim em si mesmo. O dinheiro, de mediador das relações de roca, passou a ser regulador e nivelador das relações sociais. E mais do que mediador, mais do que um meio para a troca, o dinheiro se tornou o meio universal, capaz de trocar tudo, e assim, substitui tudo, se tornando um fim, e não mais um meio. Porém, para Simmel, não é só o dinheiro que se torna um fim em si mesmo. A racionalização da cultura leva mesmo a um processo cada vez mais profundo de reificação. Nesse contexto a técnica e a especialização passam, cada vez mais, a ser considerados, não mais meios de se atingir um fim, mas valores supremos da modernidade. MODERNIDADE Aqui podemos perceber que o diagnóstico da modernidade Simmel se assemelha ao de Weber – do qual era contemporâneo. Também Adorno e Horkheimer (1985) retomam o tema posteriormente -e em grande medida influenciados tanto por Weber quanto por Simmel . Assim como eles, Simmel percebe na racionalização a predominância do meio sobre o fim, um movimento em que a racionalidade instrumental instrumentaliza toda a existência humana. No entanto, diferente deles, Simmel não vê como consequências da racionalização moderna apenas uma diminuição da possibilidade de ação humana. A modernidade não traz apenas uma dependência de meios cada vez mais específicos, de procedimentos técnicos, da burocracia; em meio à racionalização que torna tudo mais objetivo e impessoal, a modernidade também produz uma maior autonomia individual. Justamente porque, agora, os procedimentos são únicos, e independentes de laços pessoais, justamente por isso o indivíduo ganha mais autonomia. DINHEIRO E PENSAMENTO
O pensamento humano se transforma na medida do avanço
da economia do dinheiro: passa do singular para o universal, do qualitativo para o quantitativo, do substancial para o relativo (Simmel).
""Uma hipótese sustenta que o dinheiro preparou, para não
dizer determinou, o pensamento cientifico, na medida em que permitiu uma visão estritamente formal das coisas e demostrou que objetos diversos poderiam ser comparados e medidos a partir de diferentes ângulos, abstraindo totalmente do seu conteúdo e de suas particularidades" (Boudon). TEORIA DO VALOR EM SIMMEL
A troca é uma ação recíproca que constitui a sociedade. O dinheiro surge
a partir da troca, e é, como considera Frankel, de suma importância que este contexto inclua o fator subjetivo, a avaliação individual. A teoria subjetiva de valor de Simmel inspirou-se na escola vienense da teoria marginal, principalmente em C. Menger. Segundo ele, a economia se fundamenta na troca e não na produção. Valor e troca estão numa relação recíproca e a economia é um caso particular da forma virtual-universal da troca. A troca é fonte de valor econômico. Esta visão se contrapõe â do marxismo, que define todo valor a partir da produção. "Precisamos ter clareza que a maioria das relações interpessoais podem ser vistas como relações de troca. Assim, são, ao mesmo tempo, formas de pura e eminente ação recíproca, que constituem em si a vida humana..." (Simmel). O DINHEIRO ONIPOTENTE
O papel do dinheiro neste processo recíproco é o papel de mediador.
Dinheiro toma-se, por definição, o meio obrigatório para o estabelecimento deum sistema de produção e de sociedade baseado na divisão do trabalho. À medida em que penetra, como meio, todas as esferas da vida, mediando nas "cadeias teleológicas crescentes" para conciliar os fins, ele eleva-se para ser o meio dos meios. A cadeia de meios que leva a um fim toma-se, numa sociedade complexa de ampla divisão de trabalho, cada vez mais longa. Com isto, surge uma visão abstraía de fim e meio e a pergunta sobre o fim final emerge cada vez com mais força perante "a dispersão e o caráter fragmentar da cultura" (Simmel). DINHEIRO TRANSIGENCIA E INFLEXIBILIDADE
"O importante, entretanto, é que o dinheiro é percebido em toda parte
como fim e, com isso, muitas coisas que têm o seu fim em si mesmos são rebaixados a simples meios. Ao mesmo tempo que o dinheiro, por definição, é o meio, os conteúdos da existência se colocam num profundo contexto teleológíco sem começo e sem fim" (Simmel).
O dinheiro é um objeto transigente, mas, por ser totalmente vazio, apenas
um símbolo, toma-se, ao mesmo tempo, o objeto mais inflexível. Em comparação com outros objetos sobre os quais o ego se estende -toma posse -, o dinheiro pertence de corpo e alma ao indivíduo; não lhe oferecendo a resistência existente nos demais objetos, porque nem corpo nem alma tem: "na medida em que ele, sem restrições, nos pertence, nada mais podemos extrair dele" (Simmel). DINHEIRO: MOVIMENTO E TEMPO
O dinheiro tem na distância a sua analogia espacial e no tempo a sua
temporal. A vida original (primitiva) está marcada pelo ritmo e pela periodicidade: cópula, ciclo agrícola, etc. O ritmo é o primeiro elemento na música primitiva. A partir do momento em que se pode comprar tudo e a qualquer momento com dinheiro, o indivíduo se libera do ritmo. Os elementos de recorrência e diferenciação que estão presentes no ritmo se dissociam. DINHEIRO E RITMO DA VIDA
Ao mesmo tempo, o dinheiro influencia o ritmo da vida: "Quanto
mais profundas forem as diferenças do conteúdo da imaginação - mesmo considerando uma mesma quantidade de idéias - numa unidade de tempo, mais se vive, mais se avança no eixo da vida. O que sentimos como tempo de vida é o produto entre soma e profundidade de suas mudanças" (Simmel). DINHEIRO E PROPRIEDADES
Por um lado, o dinheiro provoca constantes mudanças nas propriedades
particulares. Por outro lado, a inflação acelera a velocidade destas mudanças. Como os preços e bens são atingidos de forma diferenciada pela inflação, ela exerce um efeito particularmente "estimulante" sobre os sujeitos econômicos. "A desproporcionalidade no aumento dos preços leva a que determinados grupos de pessoas e profissões sejam especialmente beneficiados e outros prejudicados. Em tempos históricos isso acontecia com os camponeses. No final do século 17, o camponês inglês, sem conhecimentos e sem meios, como ele era, foi literalmente espremido, entre as pessoas que lhe deviam e o pagavam apenas o valor nominal, e as que ele devia dinheiro e o exigiam a peso de ouro" (Simmel,. DINHEIRO E TEMPO VELOZ
Pelo fato do dinheiro só realizar sua função através do ato de ser
repassado, ele é o símbolo mais autêntico do caráter absolutamente transitório do mundo moderno. O tempo torna-se um bem caro. O símbolo mais preciso da relação entre tempo e dinheiro é a bolsa de valores: "Esta dupla condensação - dos valores em forma de dinheiro e do trânsito monetário em forma de bolsa de valores -possibilita que os valores passem, num tempo mínimo, pelo maior número de mãos" (Simmel). ,
A bolsa é, constitucionalmente falando, ao mesmo tempo o lugar de
maior agitação econômica. Dinheiro é "actus purus", contraponto e negação de qualquer qualidade intrínseca dos objetos. AÇÃO RECIPROCA
Para captar a realidade complexa que surge a partir da economia monetária,
Simmel se apoia principalmente no conceito de ação recíproca.
A compreensão teórica de Simmel tem como pressuposto que os
"organismos sociais se constituem a partir da presença de forças ambivalentes ou dualísticas" (Nedelmann).
Na ação recíproca destacam-se três componentes básicos:
-a relacionalidade; -a contraditoriedade imanente; -a circulariedade. RELACIONALIDADE
Como relacionalidade entende-se o estudo de objetos e indivíduos sob o
ângulo da relação estabelecida entre eles. Neste sentido, ressalta-se as características relacionais dos fenômenos sociais e não as substanciais. Numa comparação entre cidade grande e cidade pequena, Simmel define contextos diferentes para o desenvolvimento de ações recíprocas: "Enquanto a cidade pequena se caracteriza por um número reduzido de ações recíprocas demoradas e pouco intensivas, os indivíduos da cidade grande se confrontam com um número maior de ações recíprocas, rápidas mas intensivas" (Nedelmann). Para Simmel, os "processos moleculares primários da vida" (p.ex. o olhar das pessoas, o ciúme, a correspondência via cartas, o jantar entre amigos) são aqueles processos "que sustentam a elasticidade e a rigidez, a diversidade e a unidade desta vida social tão concreta e misteriosa" (Nedelmann,). PROCESSO CIRCULAR Por outro lado, surgem destes processos primários da vida as formas sociais e com elas a tensão entre vida e forma. A vida dos indivíduos depende, para realizar- se, das relações recíprocas, mas neste processo são criadas formas sociais que tendem a desenvolver uma autonomia, uma dinâmica própria. Surge uma contradição fundamental entre vida e organismos supra-individuais, quando os últimos se enrijecem e começam a conspirar contra os impulsos mais imediatos. Em outras palavras, a cultura objetiva, com suas instituições e objetos, começa a se sobrepor â cultura subjetiva. Mas isto, em princípio, não acontece de forma unidirecional. O desenrolar da ação recíproca acontece, segundo Simmel, de forma circular. "Quando o efeito que um elemento exerce sobre um outro torna-se causa deste e, ao mesmo tempo, este segundo reflete de novo sobre o primeiro, que, por sua vez influenciado, torna-se de novo causa reflexiva sobre o outro, de forma que o jogo recomeça novamente, então encontramos neste esquema o real ilimitado da ação. A iminência do real que não tem limite se compara à figura do círculo" (Simmel). Destacando este caráter circular do processo, Simmel se coloca em oposição ao pensamento linear de causa e efeito. DUALISMOS E AMBIVALENCIAS
Ele tem em comum com outros sociólogos clássicos um pensamento estrutural
voltado para antagonismos, dualismos e ambivalências. "Porém, comparado, por exemplo, com Max Weber, Karl Marx ou Emile Durkheim, Simmel é visto dentre os sociólogos clássicos, como aquele cuja sensibilidade para com os dualismos e ambivalências imanentes é mais nítida e quem os explorou de forma mais consequente para a análise das relações sociais" (Nedelmann). Simmel avança para uma espécie de "pensamento empírico radical" (Nedelman), que nem sempre dissolve o antagonismo numa síntese. O seu pensamento se torna "dialética sem reconciliação" (Nedelman) com a intenção básica de "incorporar no espaço reflexivo, procedimentos e posturas conhecidos e experimentados na vida cotidiana, mas rejeitados no pensamento teórico. Manter contradições, fugir de antinomias, suspender decisões, é tão necessário na vida cotidiana, quanto mal visto na teoria" (Ritter). AMBIGUIDADE Simmel concebe a existência humana como drasticamente contraditória. As mesmas forças que trazem a individualização podem trazer a impessoalização. Da mesma forma, os conflitos entre sujeito e objeto e entre indivíduo e sociedade são, ambos, insolúveis. O próprio processo de reificação, e inclusive o fetichismo da mercadoria, é pensado por Simmel como uma condição antropológica, e não historicamente delimitada como sugere Marx (1994). A ambigüidade é inseparável de toda existência humana, e por isso mesmo, que a modernidade reúne, e não poderia deixar de reunir, eventos aparentemente opostos e contraditórios. Essa visão simmeliana, concebendo a existência como ambígua, é herdeira da concepção nietzscheana da realidade humana como trágica. A tragédia é que apesar da resistência do indivíduo, e apesar de todas nossas tentativas, o mundo nos resiste e permanece imprevisível, e toda a existência humana é incondicionalmente dúbia. “Tudo o que existe é justo e injusto e em ambos os casos é igualmente justificado.” (NIETZSCHE) É isto que a compreensão do trágico nos diz. A ambigüidade da modernidade é para Simmel a própria ambigüidade da condição trágica do ser humano. Violência e paz, sujeito e objeto, razão e impulso; são todos insolúveis, irredutíveis e complementares. TRAGÉDIA DA CULTURA
“(...) Simmel interpreta a tragédia da cultura, da sociedade e do indivíduo
como uma instância particular do conflito propriamente metafísico opondo as formas à vida. Ora, se a oposição entre o sujeito e o objeto não é historicamente determinada, como é o caso em Marx e Weber, se ela resulta de forças cósmicas e decorre efetivamente da fatalidade universal, então o conflito entre a alma e as formas, assim como entre o indivíduo e a sociedade, se torna propriamente insolúvel.” (VANDENBERGHE),