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escrituras
sensíveis
13
escrituras
sensíveis
A educação estética
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
e as histórias em
Este trabalho é um recorte de minha dissertação e tem como objetivo uma
discussão teórica sobre as histórias em quadrinhos como uma metalinguagem
quadrinhos nas
a ser utilizada em sala de aula de forma lúdica, sendo este um elemento da
cultura pop atual. Desta forma, pretende-se criar uma interlocução que dialogue
entre alguns elementos que compõem a arte e os elementos que compõem
aulas de artes
uma história em quadrinhos (focando fundamentos da linguagem visual), bem
como a possibilidade de criação de roteiros, cenários, levando em conta toda
a trajetória de vida dos alunos e o meio social no qual estão inseridos.
Abstract
Introdução
Desde a graduação, na grande maioria das vezes em que alegava pesquisar sobre
quadrinhos na educação ou quadrinhos nas salas de aula, as pessoas costuma-
vam a associar de alguma maneira que minha proposta envolvesse a produção
de quadrinhos por parte dos alunos. Porém, além de reconhecer esta metalin-
guagem como uma ferramenta em sala de aula para trabalharmos alguns aspec-
1 Formado em Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas. Mestrando tos técnicos que compõem o fundamento das linguagens visuais como cor, linha,
pelo programa de pós-graduação em Artes da Universidade de Brasília. Currículo Lattes: http:// ponto, planos, plano de fuga, sombra, etc. Vejo também as histórias em quadrinhos
buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4428565U4 como um agente importante no processo identitário e humanizador dos jovens, 15
uma vez que, as pessoas que conso- em nossa cultura pop há várias portanto, da Cultura, reforçando
mem este tipo de mídia, o fazem décadas, sendo desta forma, consu- o que Vergueiro (2008) afirma:
em parte por identificarem-se com mida por vários jovens e adultos,
elas, ou enxergarem a si mesmo e consequentemente, vez ou outra Há várias décadas, as histórias em
em determinados personagens. nos deparamos com a temática quadrinhos fazem parte do cotidiano
nas salas de aula, seja por parte do de crianças e jovens, sua leitura sen-
Aliado a esta interlocução entre as professor, seja passando de mãos do muito popular entre eles. Assim, a
histórias em quadrinhos e as aulas em mãos trazida de casa por algum inclusão das histórias em quadrinhos
de artes, poderíamos acrescer à aluno, seja cuidada com carinho e na sala de aula não é objeto de qual-
educação estética de que trata zelo por algum dos jovens que as quer tipo de rejeição por parte dos
João Francisco Duarte Jr(2010), coleciona. Waldomiro Vergueiro estudantes, que, em geral, as rece-
que valoriza a sensibilidade (2010), nos fala sobre as HQs como bem de forma entusiasmada, sentin-
humana através dos sentidos, das uma ferramenta para estudarmos os do-se, com sua utilização, propensos
significações ou ressignificações fundamentos da linguagem visual a uma participação mais ativa nas
que os objetos ou que o meio têm na sala de aula através de pontos, atividades de aula [...] A forte identifi-
para as pessoas, que, neste caso linhas, textura, cor, ponto de fuga, cação dos estudantes com os ícones
se daria à linguagem das histó- plano de fundo e etc. E de fato ele da cultura de massa – entre os quais
rias em quadrinhos e seus concei- não está enganado, é possível traba- se destacam vários personagens
tos de acordo com Scott MCcloud lhar de tal forma com os alunos dos quadrinhos -, é também um ele-
(2005), que define as HQs como utilizando páginas de quadrinhos mento que reforça a utilização das
sendo “imagens pictóricas e outras para explicar talvez de forma lúdica histórias em quadrinhos no processo
justapostas em seqüencia delibera- o estudo sobre luz, sombra, ponto didático. (VERGUEIRO, 2008, pg.21)
da”. Portanto, pretendo investigar etc. Também se faz necessário saber
de que forma poderia desenvolver que há outras formas de se trabalhar As histórias em quadrinhos são
o diálogo entre a educação esté- com as HQs nas salas de aulas, pois repletas de mensagens, de ideias,
tica e as histórias em quadrinhos elas são muito mais do que pontos, há sonoridade através das onomato-
nas aulas de artes? Qual a rele- linhas, cores, mas que são repletas peias e estimulam nossa imaginação
vância deste elo na sala de aula? de significados, diálogos, ideias. entre um quadro e outro. São reple-
tas de ícones com o qual nos iden-
Como aponta Vergueiro (2008), tificamos e a respeito disso preci-
Desenvolvimento as HQs são também um proces- samos compreender de inicio dois
so pedagógico, ao permitir a conceitos básicos que são descritos
Começo este capítulo falando sobre identificação com os persona- por McCloud (2005) sobre a HQ e o
algo com o qual tenho contato desde gens, a constituição de proces- ícone. O primeiro é conceito apli-
a infância, as histórias em quadri- sos de conhecimento, prazer, cado por ele as HQs como sendo
nhos, que abreviarei com suas siglas divertimento e alargamento da imagens pictóricas e outras justa-
iniciais HQ. As HQs estão inseridas compreensão e da visualidade, e, postas em sequência deliberada. 16
Já o segundo, é definido como senti-lo organizadamente, conferin- possibilidades visuais que temos
qualquer imagem que represente do à realidade uma ordem primor- durante o trajeto que percorremos.
uma pessoa, local, coisa ou ideia. dial, um sentido – há muito senti- Isso quando colocamos uma estei-
do naquilo que é sentido por nós. ra dentro de casa e caminhamos
Desta forma, podemos entender Em português, aisthesis tornou-se em uma máquina olhando para a
que as salas de aulas são repletas estesia, com o mesmo significado parede a nossa frente ou assistimos
de ícones e linguagem das HQs, dado pelos gregos (sendo anes- a um programa televisivo, deixando
que vão desde os desenhos nas tesia a sua negação, a incapaci- assim as vivências do mundo lá fora.
carteiras, contra capas de cader- dade de sentir). E desse termo
nos e paredes, até os filmes, dese- originou-se também a palavra Agindo de tal forma, fica evidente
nhos, novelas, seriados, e músicas estética, que, referindo-se hoje que parte de nós, humanos, repro-
discutidos pelos alunos durante as mais especificamente às ques- duzimos tais exemplos de anestesia
aulas. Mas todos estes ícones bem tões artísticas, não deixa ainda de ou ao menos já o fizemos alguma
como a linguagem das HQs nem guardar o sentido geral de uma vez na vida. E tal comportamento é
sempre são discutidas, pensada ou apreensão humana da harmonia transposto para a sala de aula, os
repensada entre os adolescentes e da beleza das coisas do mundo, alunos a medida que crescem vão
ou até mesmo pelo professor, que que os nossos órgãos dos sentidos tornando-se em grande parte anes-
em diversos casos encontram-se permitem. (DUARTE, 2010,p.25) tesiados até se tornarem adultos que
com problemas para conquistar a vivem buscando um sentido racional
atenção dos alunos na sala de aula. Para afirmar que estamos nos par quase tudo o que fazem na vida.
tornando cada vez menos sensíveis,
Sendo assim entra a educação do Duarte Jr(2010), aponta os altos Portanto, meu trabalho não consis-
sensível ou educação estética, e as índices de violência, as guerras, a te em ser fatalista e alegar que
duras críticas tecidas por Duarte banalização da vida, das coisas que somos seres que perderam a capa-
Jr (2010), que escreve sobre como acontecem ao nosso redor. Desde cidade de sentir e que estamos
nossa sociedade prioriza a raciona- um passeio no parque ou pelas ruas fadados a nos destruirmos, ou que
lidade em detrimento ao sensível, da cidade, em que muitas pessoas o conhecimento e ou a percepção
na busca por resultados, por núme- colocam fones de ouvidos e cami- racional deve ser combatida pelo
ros que quantifiquem nossa efici- nham olhando para o chão, muitas sensível, mas sim que é preciso
ência. E o professor não é imune a vezes concentradas em vencer buscar um equilíbrio diário entre a
este sistema, pelo contrário, ele é aquele percurso para manter a boa razão e o sensível. Porém, como o
um agente propagador conscien- forma ou entrar em forma, sendo assunto aqui é a educação estéti-
te ou inconsciente desta aneste- assim, com os fones de ouvidos ca, o sensível ficará mais eviden-
sia que toma o lugar da estesia. anulam os sons dos pássaros, das te que o racional neste trabalho.
conversas entre as pessoas, do
Aisthesis: em grego, a capacida- ambiente a sua volta, e ao olhar Vejo a linguagem das HQs como
de humana de sentir o mundo, de para o chão ignoramos as diversas um dos possíveis pontos de 17
partidas para se trabalhar a educa- Vivemos num mundo de inte- diversas formas, recusa reconhecer-
ção estética nas salas de aula, ração e de associações, onde se, em qualquer projeto político, não
por ser uma metalinguagem com queremos estar com àqueles com se inscreve em nenhuma finalidade e
vastas possibilidades lúdicas ou quem nos identificamos. E como tem como única razão ser a preocu-
não que possibilita o exercício de nascem esses interesses? pação com o presente vivido coleti-
trabalhar com a subjetividade e vamente. (MAFFESOLI, 1998, p.105)
a [re]significação de mundo dos É certo que a base de tudo isso é
alunos sem necessitar da produ- a situação de face a face. Por con- Na educação do indivíduo, sua
ção de quadrinhos ou tratando taminação, no entanto, é à totali- dimensão imaginativa, emoti-
de aspectos técnicos da confec- dade da existência social que esta va e sensível, ou seja, seu ser
ção de HQs, mas sim lidando com forma de empatia diz respeito. Além como um todo, deve ser coloca-
suas linguagens, com persona- disso, quer seja pelo contato, pela do como origem de todo proje-
gens, histórias, ideias com os percepção, ou pelo olhar, existe to que vise a educá-lo e a forta-
quais nos identificamos, e que nos sempre algo de sensível na relação lecê-lo como principio da vida
surgem através destas linguagens. de sintonia. Como veremos adiante, em sociedade. Pois vale lembrar
é este sensível que é o subtrato do que, a sensibilidade desta pessoa
McCloud (2005) escreve que os reconhecimento e da experiência do constitui, assim, o ponto de parti-
humanos são a única espécie outro.(MAFFESOLI, 1998, p.103) da para nossas ações educa-
centradas em si próprio, e que, nós cionais com vista à construção
temos a habilidade de nos ver em Com isso, Deus, o Espírito e o de uma sociedade mais justa e
tudo, como por exemplo enxergar indivíduo cedem lugar ao reagru- fraterna, que não usem a ciên-
olhos e uma boca olhando para os pamento, sendo assim o homem cia e o instrumentalismo como um
faróis e para-choque de um carro. não é mais considerado isolada- fim em si mesma, mas como um
Além do mais, ele diz que é impos- mente. Portanto, para compre- meio. Deste modo, não devemos
sível enxergarmos um círculo em endermos os sentimentos e as virar as costas para este conhe-
qualquer superfície e dentro de tal experiências que são partilhados cimento sensível que os alunos
círculo haver dois círculos menores em diversos momentos sociais de carregam em suas bagagens.
paralelos uns aos outros com uma nossas vidas, é preciso partir de
linha continuada abaixo destes e outro ângulo de abordagem, ou Como a linguagem das HQs trata de
não vermos um rosto. Portanto, ele seja, estética, aonde Maffesoli subjetividade, criatividade e depen-
atribui a esta centralização em si (1998) vai nos dizer que ele enten- de da percepção de cada um, ela
dos humanos como um dos fato- de como “a faculdade comum nos faz pensar, refletir e sentir. Tal
res que fazem com que nos identi- de sentir, de experimentar”. vivência é reproduzida nos traba-
fiquemos com os personagens de lhos tanto dos docentes quanto
quadrinhos, e que, quanto mais Não podemos deixar de assinalar dos discentes, trabalhos estes que
icônico o personagem, maior a faci- a eflorescência e a efervescência podem se darde formas variadas,
lidade de nos enxergarmos nele. do neo-tribalismo que, sob as mais até porque, de acordo com Duarte 18
Jr (2008), a arte não é vista ou Desta forma, nos levam a crer que será o número de possibilidades
produzida somente com os olhos, o saber corporal é menos digno de de trabalharmos em sala de aula,
mas sim com o corpo, com o uso nossa atenção, entretanto é ele e de levarmos em conta as subje-
de nossos sentidos que confec- quem me diz como devo chutar a tividades e a cultura trazida por
cionam o sentido dos sentidos. bola para joga-la na cabeça de um nossos alunos para a sala de aula.
companheiro na cobrança de escan-
A cultura nutre a Arte, afirma Marly teio, bem como é o corpo que me diz Portanto, as artes visuais por
Meira (2007), e exige um aprofun- como me equilibrar em cima de uma encontrar-se no campo da subjeti-
damento reflexivo nas condições bicicleta ou patins Duarte Jr (2010). vidade, da estética, da não funcio-
materiais, técnicas, de sensibili- nalidade, têm grandes possibi-
dade e pensamento que afetam lidades de se trabalhar o lado
a sua realização, seja na ativida- Considerações finais sensível das pessoas que nos
de de produzir uma obra, seja na humaniza, combatendo assim
multiplicidade das experiências Vejo como sendo um tanto compli- a anestesia através da expres-
estéticas que ela suscita. O visí- cado discutir quadrinhos nas salas são humana e dos cinco sentidos.
vel é, em arte, uma construção de aula sem que o tema se desvir- Consequentemente nos tornan-
criadora, uma composição de um tue para a produção de HQs por do mais atentos as singularida-
cosmos que possui uma aparên- parte dos alunos, mas procurei des do nosso dia a dia, tendo
cia, onde materialidades e imagens trazer outro olhar para esta mídia maior consciência aos cuidados
dialogam em arte a partir do corpo da cultura, onde trabalhamos atra- necessários para preservarmos
e da corporeidade do ambien- vés de suas linguagens que vão o mundo no qual vivemos, procu-
te como contexto estético. desde os aspectos visuais conven- rando torna-lo um lugar melhor
cionais, até mesmo sua temática, de se viver coletivamente.
Temos na nossa sociedade ainda, enredo e seu sentido para cada
a ideia de que conhecimento é tudo indivíduo, que, não restringem-se Referências
o que pode ser provado através apenas a revista em quadrinhos
de cálculos matemáticos, e desta em si, mas sim nas outras mídias DUARTE JR, João Francisco.
forma, também temos o costume de televisivas, áudio visuais e afins. Fundamentos Estéticos da
atribuir o que sentimos com nosso Educação. São Paulo: Cortez, 1995.
corpo como uma forma de conhe- Ao professor cabe talvez, instigar
cimento mais imprecisa, pois cada os alunos a vivenciar novas expe- _________.A montanha e o vide-
um a percebe de uma forma, sendo riências e para isso é necessá- ogame. São Paulo: Papirus, 2010.
assim e não existindo uma forma rio que o próprio docente esteja
padrão de calcular, este tipo de aberto a caminhar por caminhos _________. O Sentido dos
conhecimento acaba sendo consi- que nem sempre estarão em sua Sentidos: A educação (do) sensí-
derado menos importante, e conse- zona de conforto. Quanto menos vel. 5 ed. Curitiba: Criar, 2010.
quentemente menos confiável. engessados estivermos, maior 19
MATURANA, Humberto.
Emoções e linguagem na
educação e na política. Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1998.
_________. A Ontologia
da Realidade. Belo
Horizonte: UFMG, 1999.
_________. Da Biologia à
Psicologia. (3 ed.) Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.
20
Aqui começa
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
uma história...
Este artigo apresenta uma narrativa se apropriando dos recursos da ficção
para tecer uma série de encontros com importantes teóricos, como: Walter
Benjamin, Umberto Eco, Irene Tourinho e Arthur Efland. A partir destes encontros
fictícios são colhidos argumentos que colaboram para ressaltar a importância
da narrativa como possibilidade de construção de conhecimento, tendo
como principal foco a relação da narrativa com a experiência. Esta narrativa
apresenta o ponto de vista do aluno no processo de ensino/aprendizagem.
Apresentamos nossos projetos, seu ritmo, alguns minutos a mais percebi estava acompanhando as
cada um com seu aspecto pecu- e eu poderia ser capaz de desfru- aulas das salas ao lado, provavel-
liar, fruto de diferentes vivências tar, trocar, pensar, falar. Como mente, biologia e engenharia.
e percursos específicos, quan- seria se cada um chegasse em um
tas possibilidades dentro de três horário, seguindo o ritmo interno? Volto à atenção para minha sala
palavras: ensino/artes/visuais. A Como chegar atrasada e natural- novamente, uma palavra me trouxe
professora apresentou o plano, mente, sem culpa, sem se sentir de volta: narrativa. Lembrei imedia-
estaremos em companhia de desrespeitando os outros, entrar tamente de um trecho do texto
John Dewey, Walter Benjamin, na sala, sentar e olhar para profes- que li para esta aula: “Daí sua
Lygia Clark, Jacques Rancière, sora, de “cara lavada”? Entrar e crítica à modernidade que, subs-
Jürgen Habermas, Sarah Thorton, dar bom dia com naturalidade? tituindo a narração pela informa-
Raimundo Martins, Michael Ou fingir que é invisível e sentar ção e a informação pela sensação,
Foucault, Imanol Aguirre, Julio achando que ninguém percebeu e provocava a atrofia progressiva
Le Parc, Arthur Efland, citando então evitar o olhar da professo- da experiência e apagava a marca
apenas os meus velhos conheci- ra? Cada um se responsabilizan- do narrador, que proporciona o
dos, alguns nem tão conhecidos do pelo limite que daria aquela que viveu como experiência àque-
assim, para falar a verdade, alguns liberdade. Será possível deixar de les que o escutam.” (BENJAMIN,
desconhecidos. Outras palavras lado anos de condicionamento? 2000 apud NUNES, 2009). Nunca
interessantes surgiram no discur- imaginei que poderia achar apoio
so da professora, será que eu As primeiras aulas foram expositi- para essa ideia maluca de criar
poderia chamá-la de outra forma? vas, teoria, cadeiras azuis, iguais, narrativas dentro do meio acadê-
Apesar de professora ser de certa enfileiradas. Nossa sala está mico e começo a perceber que
forma uma palavra carinhosa, no meio de outras duas e temos não estou só e a descobrir as
que remete a infância... Acabei acesso visualmente a às salas vizi- bases para minha pesquisa.
de recordar lembranças nem tão nhas, graças ao vidro que preen-
carinhosas assim... Que palavra che 1/3 da parede, um grande Alguns dias se passaram e acor-
dúbia. Continuando com as pala- aquário. Quatro horas sentada dei tentando me lembrar de um
vras: Prática/ Poética/ Estética/ com breve intervalo (se eu chegas- sonho que tive, onde encontrei com
Diferença/ Ambiguidade/ Autoria/ se às 8h, é claro), um desafio e Benjamin4 em uma praça muito
Ideia/ Imagem e por aí fomos. tanto. Com o passar das horas, antiga, e ele me contava que a
4 Walter Benjamin (1994). começo perceber que o assunto é arte de narrar é a capacidade de
Benjamin (1892-1940) foi ensaísta, Não ouvi as regras disciplina- “Como estimular a reprodução do trocar experiências, fonte onde os
crítico literário, tradutor, filósofo res, coerente com a proposta não Pirarucu”, depois de alguns minu- narradores recorrem, e pontuou
e sociólogo. A partir deste ponto haveria chamada. Algum alívio tos: “Teorema da função implíci- que a verdadeira narrativa tem em
optou-se por inserir as citações surgiu em mim, pensando o quanto ta”, “Integrais duplas”, “mudanças si, mesmo que de forma oculta,
no rodapé respeitando o ritmo da seria terrível chegar pontualmente de variáveis x=a y=bv”, mas o que uma dimensão utilitária, sendo as
narrativa. às 8h da manhã, cada um com isto tem a ver com arte? Quando melhores narrativas escritas as 22
que mais se aproximam das histó- toma fôlego, continua dizendo que a um discurso ampliado para além
rias orais contadas por narradores a narrativa é uma forma artesanal das palavras. Ela continuou dizen-
anônimos. Ainda sobre a relação de comunicação que não se inte- do que o discurso era linguagem,
de experiência com a narrativa, ressa pela transmissão de uma oralidade, comunicação, práticas,
Benjamin reforçou que o narrador informação como um relatório, mas processos, trajetos. Então, rela-
extrai de sua própria experiência contém as impressões do narrador. cionou discurso com experiências
ou da relatada por outros, o que estéticas, onde se pode vivenciar e
ele conta e, além disso, integra as Por fim, Benjamin me contou que combinar diversas formas de discur-
coisas narradas à experiência de anda percebendo certo esfacela- so, fala, escrita, gesto, imagem,
seus leitores ou ouvintes. A expe- mento social devido a indivíduos som e que o resultado disto pode
riência adentra a vida do narra- solitários, que vivem experiências ser traduzido na forma de desenho,
dor para em seguida ser retirada individuais e efêmeras ou vividas dança, poesia, música, gravura,
com sua marca. Benjamin me disse isoladamente perpetuando a falsa ou seja, tipos de discurso. Depois
que o narrador tem como maté- percepção de coletividade devido ao desta breve explicação, relacionou
ria a vida humana, que se baseia aumento das distâncias espaços- com discurso, o ver, o fazer e o falar
na experiência de toda uma vida temporais da sociedade contempo- impregnado de subjetividades.
e de uma vida de todos, ou seja, rânea, tendo como consequência o
na coletividade, sendo comum o declínio da narrativa que é a perda Tourinho continuou falando sobre o
narrador iniciar suas histórias com da nossa capacidade de contar assunto e encontrei em suas consi-
uma descrição das conjunturas. histórias e de compartilhar experi- derações algo que sempre disse aos
ências. Ficamos por um tempo em pequenos grupos onde possibilitei o
Continuando nossa conversa, onde silêncio e então agradeci a ele por encontro de crianças, adolescentes,
eu procurava falar o mínimo possí- ter compartilhado comigo tanto adultos e idosos com a arte, deixa
vel, Benjamin afirmou que o declí- conhecimento, nos despedimos e me lembrar exatamente o que ela
nio da narrativa se dá pela difusão ele seguiu caminhando pelo parque disse: “Isso porque, nesse campo,
da informação que já nos chega em direção ao centro da cidade. não temos certo e errado, não
com as explicações dos fatos. Acordei surpresa por lembrar tão premiamos as regras (ou não deve-
Uma coisa que a arte da narrati- claramente do sonho e passei o dia ríamos premiá-las) e, principalmen-
va evita é explicações, permitindo pensando no que conversamos. te, buscamos ressonâncias entre
ao leitor ser livre para interpretar sensações, sentidos, ideias, senti-
5 Irene Tourinho doutora em os eventos. Quanto mais natu- Mais tarde encontrei Tourinho5 e mentos, ações.” 7. Mais na frente,
Currículo (EUA) e Instrução e pós- ralmente uma história é narrada, lhe contei sobre o sonho, ela achou Tourinho citou três palavras que me
doutora em Cultura Visual (ES) sem impor o contexto psicológi- incrível e iniciamos uma conversa. chamaram atenção: ver, sentir e
co ao leitor, mais ela fica gravada Tourinho6 começou a falar sobre pensar, que relacionei com o olhar,
6 TOURINHO (2009) na memória. De repente, Benjamin o discurso, prestei bastante aten- as emoções e a reflexão tão presen-
olha para um pássaro cantando ção para tentar entender do que se tes na forma que acredito que deve
7 (Ibidem, p.142) numa árvore próxima, como quem tratava, parecia que ela se referia ser a educação das artes visuais. 23
A seguir, ela mencionou “ouvir os É impressionante o encadear de numa areia movediça, quanto mais
silêncios” 8 e novamente lembrei das suas ideias e como nos vai levando a afundava, mais escuro ficava.
minhas práticas e da sensação de pensar em outros aspectos e quando
“ouvir” o não-verbal, aquilo que o percebi Tourinho13 me levou a pensar De repente, vi uma “luz no fim do
indivíduo diz sem falar ou aquilo que sobre a representação, não apenas túnel” e um pensamento me conduz
falamos dando “voz” à imagem. É o como resultado da percepção dos para fora da caverna. Pensei que
caráter antropomórfico da imagem sentidos, mas incluindo o que pode não tenho a pretensão de me embre-
apontado por Tourinho9, lembrei de ser “apreendido pela imaginação, nhar a fundo no campo da linguís-
alguns trechos de sua fala, onde pela memória e pelo pensamento.” 14 tica, seus objetos de estudo e nas
ela se referindo à imagem inverte . Ela disse que a relação estética não estruturas da narrativa. Meu interes-
a seguinte pergunta, “o que pode- pode se limitar a liberar tensões indi- se está voltado para a narrativa no
mos dizer sobre ela?”, que passa a viduais ou sensibilizar os indivíduos, ponto onde ela encontra a experiên-
ser proferida de outra forma dando mas deve criar relações entre conhe- cia e na criação do mundo da obra,
voz a esta imagem, “o que ela diz de cer, produzir e refletir. Por fim, afirma que “... acompanha o movimento de
mim?”10, ou a tratando como sujei- que o discurso visual e sobre o visual transcendência pelo qual qualquer
to na afirmação, “... agindo como “utiliza-se de uma linguagem cons- obra de ficção verbal ou plástica,
sujeito que ocupa lugares, sinali- truída por vivências comuns dentro narrativa ou lírica, projeta para fora
za tempos, provoca sensações e de um contexto e época.” 15 e aprovei- de si mesma um mundo que pode
percepções, além de gerar interações ta para ressaltar o caráter subjetivo chamar o mundo da obra.” 16. Este
entre indivíduos.” 11. Mais uma vez, do discurso sobre o visual que encon- mundo da obra reverbera no mundo
8 (Ibdem, p.143) algo me chama especial atenção em tra cada vez mais espaço e resso- do leitor criando uma experiência
seu discurso, já que ando pensan- nância, fazendo com que a razão e a fictícia. Concluí que o que me inte-
9 Ibidem do em narrar certas experiências sensibilidade possam andar juntas. ressa sobre narrativa é retirar do
estéticas, “O discurso dos indivíduos diverso da experiência vivida uma
10 (Ibidem, p.147) sobre suas experiências com o visual Depois deste encontro com unidade, para que possa ser conta-
não é algo que, necessariamente, Tourinho, fiquei uns dias em casa, da, e do encontro com a experiên-
11 (Ibidem, p.147) a escola tem privilegiado, aprovei- andei procurando algo sobre a cia do leitor possa ser novamente
tado pedagogicamente.” 12. Quase narrativa, sob novos pontos de transformada em diverso, abrin-
12 (Ibidem, p.147) não me atentei a esta frase que ela vista. Folheei alguns livros, que eu do novos caminhos e novas rela-
acabou de dizer, mas ao continuar a na minha ignorância, acho que se ções. Ainda mais se tratando de
13 TOURINHO (2009) ouvi-la é como se algo me alertasse relacionam com linguística. Senti- narrativas ficcionais onde a inten-
que eu estava deixando passar uma me perdida tentando decifrar códi- ção não é estabelecer verdades,
14 (Ibidem, p.150) ideia importante, então pedi que ela gos diferentes, textos com referên- nenhuma pretensão à verdade.
repetisse o que tinha dito e ali esta- cias desconhecidas, que falavam
15 (Ibidem, p.152) vam as duas palavras que tanto me para quem está familiarizado com Finalmente sai daquela caverna
atraíam: discurso e experiência. certos termos. Parecia que estava com muitas galerias internas onde
16 RICOEUR (1995, p.13) dentro de uma caverna, atolada quase me perdi. Já do lado de fora, 24
percebi que bem perto havia um o prosseguimento da história, neste a vontade do leitor, indo para além
bosque e resolvi passear por lá. Ao caso a intenção do autor pode ser do universo do discurso. Portanto, o
longe começo a ouvir um eco, o som de nos perdermos em seu bosque. leitor-modelo percebe o que a obra
da voz de uma pessoa e escolhen- deseja lhe transmitir preenchen-
do entre as bifurcações do caminho, Continuamos andando numa trilha do os espaços deixados de forma
cheguei a uma pequena clareira. e mais na frente vi uma bifurcação, proposital e atualiza a obra para o
Sentado ao pé de uma das imen- eu que prestava mais atenção em seu tempo, baseando-se em suas
sas árvores encontrei meu amigo sua fala, nem tinha percebido há próprias experiências de mundo.
Umberto17, meio surpresa com o quanto tempo aquela clareira tinha
encontro, pois nunca podia imagi- sido deixada para trás. Humberto A tarde estava chegando ao fim,
nar encontrá-lo por ali, começamos me falou que estava interessado no lembrei que havia combinado de
uma longa conversa. Mais uma vez leitor, nos mecanismos da leitura e encontrar Arthur21 num café, a esta
eu mais ouvia do que falava, ando da interpretação. Após uma peque- altura nem sabia mais por onde sair
praticando esta difícil “arte” de na pausa, ele retomou me falando daquele bosque, gentilmente expli-
ouvir. É incrível como colocam esta sobre o leitor-empírico e o leitor- quei a Umberto sobre este compro-
palavra “arte” em tudo nos dias de modelo, havia uma diferença ali que misso e pedi que me indicasse o
hoje, ando meio impaciente com ele gostaria que eu entendesse. Os caminho que me conduziria de volta,
isto e me pego fazendo o mesmo. leitores-empíricos, segundo suas ele sorriu e disse que não havia
palavras, são aqueles que “... em caminho de volta, mas que eu pode-
Umberto18 me falou do tempo da geral utilizam o texto como um recep- ria seguir uma pequena estrada ao
narrativa de ficção, que precisa táculo de suas próprias paixões, as fim daquela trilha e logo chegaria ao
ser rápido para criar um universo, quais podem ser exteriores ao texto café. Chegou a hora de me despe-
deixando lacunas que devem ser ou provocadas pelo próprio texto.” 20 e dir, mas com a intenção de encontrá-
preenchidas com a participação do o leitor-modelo é um colaborador do -lo novamente, conversamos muito
17 Umberto Eco, escritor, filósofo, leitor. Ele me pediu para olhar em texto, é o leitor ideal, aquele que não sobre o leitor, mas tenho certe-
semiólogo, linguista e bibliófilo. volta e disse que não foi por acaso sobrepõe suas próprias expectativas za que ele poderia me esclarecer
que nos encontramos ali, o próprio no texto, mas corresponde às expec- sobre outros aspectos da narrativa.
18 ECO (1994) bosque era uma metáfora para o tativas que o autor espera do leitor.
texto narrativo, lembro exatamen- O leitor-modelo é capaz de decifrar Consegui sair do bosque e como
19 (Ibidem, p.12) te de suas palavras “... um bosque as intenções do texto. Humberto me Umberto me disse, logo cheguei
é um jardim de caminhos que se alertou que o autor tem uma inten- ao café que ficava do outro lado
20 (Ibidem, p.14) bifurcam. Mesmo quando não exis- ção, que escreve de uma determina- da cidade. Quando entrei, Arthur22
tem num bosque trilhas bem defini- da forma e que existem limites inter- me esperava sentado em uma
21 Arthur Efland, artista e professor das, todos podem traçar sua própria pretativos que ele, o autor, deseja mesa perto da janela, sentei e
doutor em artes. trilha...” 19. Humberto complemen- ressaltar. Se não fosse desta manei- enquanto pedia um cappuccino
tou dizendo que as vezes o narra- ra, o texto serviria apenas para esti- italiano ele me contou que andava
22 EFLAND (2006) dor deixa inclusive o leitor escolher mular a imaginação de acordo com pesquisando fundamentos sólidos 25
Arte, narrativa e
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
produção de sentido:
Delimitar o conceito de narrativa é fundamental para este artigo, e se caracteriza
como seu esforço inicial. Para tanto, utiliza-se principalmente do trabalho
possíveis aplicações
de Sarah Worth (2007) e suas referências. Posteriormente, o texto avança
sobre a polarização conceitual proposta por Jerome Bruner (1991, 2004) e
Sara Worth (2007), que separam conhecimento narrativo e conhecimento
pedagógicas para o
discursivo, destacando suas diferenças. A partir daí, a reflexão ingressa no
campo da comunicação educativa, observando uma possível aplicação para
os conceitos de Worth e Bruner na separação entre ensino formal e escola
conceito de flow
paralela, conforme propostas por Francisco Sierra (2014). Posteriormente, são
retomadas reflexões caras à teoria da complexidade de Edgar Morin (1998) para
propor não a polarização, mas sim a complementaridade das formas narrativa
e discursiva de construção de sentido. Uma visão panorâmica sobre o uso
das narrativas em diferentes períodos e escolas da história da arte é feita, de
modo a permitir observar a gameart e seu vínculo com a presente pesquisa,
but rather the complementarity of estende por toda nossa vida, uma mudanças geradas na busca do
narrative and discursive forms of vez que a estruturação narrativa é a equilíbrio. Outros teóricos, como
meaning construction. An overview forma padrão para a compreensão de Christopher Vogler (2006) e Joseph
on the use of narratives in different nossa experiência e de nossa presen- Campbell (1995) antes dele, chegam
periods of the art history and art ça no mundo. As narrativas mitológi- a estabelecer uma estrutura arque-
schools is done, in order to allow cas são a forma primordial de expli- típica para esta jornada de busca,
observe the concept of GameArt and cação da realidade, e seu uso está definindo algumas características
its link with this research, seeking amalgamado à jornada da humanida- comuns à maioria das narrativas
support in Anelise Witt (2013). The de, seja na antiguidade, ao longo da humanas, dentro e fora da tradição
analysis advances to the videogames estruturação das religiões ou mesmo ocidental. Ao invés de nos restringir-
universe and the incorporation of no campo da cultural ocidental do mos aos aspectos formais que defi-
the concept of flow, proposed by presente. A título de exemplo, mesmo nem e identificam a narrativa clás-
Mihaly Csikszentmihalyi (1990) in the a criação e organização dos estados sica, compartilhamos com Paiva o
field of psychology and transposed nacionais, fenômeno social moderno desejo de compreender os tipos parti-
into game design by Jenova Chen que ajudou a moldar o mundo como culares de sentido e significação que
(2007). Finally, observes the o conhecemos hoje, dependeu – e, podem ser construídos dentro de uma
teaching potential of flow as a tool em última instância, ainda depende estrutura narrativa, e como estes se
for the creating a structure that – da criação e manutenção de mitos diferenciam da definição clássica
recursively approach the narrative e narrativas (HALL, 2001, p. 51-57), de conhecimento discursivo-analíti-
and discursive structures of meaning. como os heróis nacionais ou o mito do co. É neste sentido que será aberta
povo único. O próprio Jerome Bruner a análise de outros discursos teóri-
Keywords: narrative knowledge; (1991) chega a propor que, de tão cos, também dedicados a este tema.
discursive knowledge; ubíqua, a forma narrativa de signifi-
art; education; flow. cação tenda a passar desapercebi- Para delimitar o que seria narrativa,
da, apesar de seu notório uso, utili- Sarah Worth (2007, p. 2-7) recor-
dade e presença em nossas vidas. re à definição de conexão narrati-
va de Noël Carroll: um conjunto de
Narrar é uma das formas mais anti- Resgatando o trabalho de Tzvetan vestígios que, quando reunidos e
gas e disseminadas de transmissão e Todorov, Vera Lúcia Menezes de relacionados, servem para indicar a
conservação cultural. É um elemento Oliveira e Paiva (2008, p. 261) lembra existência de uma narrativa. Neste
comum à grande maioria das cultu- que uma narrativa ideal costuma conjunto de pistas, uma narrativa
ras humanas. Alguns pesquisado- apresentar uma situação estável, deve relatar transformações trazi-
res, como o psicólogo da educação perturbada por uma força externa. das por uma sequência de eventos
sobre produção de conteúdo digital, Jerome Bruner (1991, 2004), afirmam Ao longo de uma série de aconte- (no mínimo dois), associados por um
análise de redes sociais, governo que esta é a forma primeira de extra- cimentos, o equilíbrio é reestabele- tema, propositalmente organizados
eletrônico e democracia eletrônica. ção de sentido a ser apreendida por cido, criando uma situação análo- de maneira temporal (estrutura de
<daniela.garrossini@gmail.com> nossas crianças, e que seu uso se ga à inicial, mas distinta devido às enredo), e onde os primeiros eventos 29
narrados funcionam ao menos como se sair bem sem estudar, ou se sair E, de fato, esta estrutura serviu
condições indicativas na compo- mal estudando, sem que isso compro- para nos apresentar o par român-
sição dos eventos posteriores. O metesse a integridade da estória. tico de uma franquia de sucesso
último quesito, o mais importante E este é um dos elementos seduto- no final da década passada, como
no contexto desta pesquisa, esta- res, uma das riquezas da linguagem muitos de vocês devem se lembrar.
belece que os elementos anteriores narrativa. A abertura para que uma
subdeterminam os eventos poste- estrutura de enredo, por mais conhe- O que queremos extrair daqui é
riores, indicando mas não definin- cida que seja, aponte para variações. que, numa narrativa, a sequên-
do a natureza das transformações Hollywood se construiu enquan- cia de eventos precisa ser coeren-
narradas. Para exemplificar, propo- to grande pólo de produção cultural te, mas não verificável em termos
mos a sequência narrativa abaixo: apoiada sobre este aspecto funda- lógicos. Portanto, ao trabalhar
mental, adaptando uma estrutura narrativas, estamos trabalhan-
“A aluna apaixonada não estudou, relativamente uniforme de eventos a do com uma estrutura de pensa-
portanto se saiu mal no exame.” várias situações diferentes. E a flexi- mento distinta daquela que estru-
bilidade da relação entre os even- tura o conhecimento discursivo.
Temos dois eventos (não estudar, tos em uma narrativa pode ser mais
se sair mal no exame), organiza- profunda do que no exemplo acima. Antes de nos aprofundarmos na
dos temporalmente ao redor de separação que Bruner e Worth cons-
um tema (desempenho educacio- Neste sentido, destacamos que a truirão entre pensamento e conhe-
nal, ou as divergências entre vida estrutura dos acontecimentos, dentro cimento narrativo e discursivo,
pessoal e profissional, ou qualquer de uma narrativa, atende ao objetivo fazemos um pequeno adendo para
outro tema identificável, raramen- de construir um discurso verossímil destacar a importância e a ubiquida-
te unívoco em uma narrativa), e – tem por objetivo apenas se asse- de das narrativas em nossa cultu-
onde os acontecimentos anteriores melhar ao real – mas sem nenhum ra atual. De acordo com um site
orientam os posteriores. Reunindo compromisso de ser verdadeiro ou de notícias nacional3, a largura de
os vestígios indicados por Carroll verificável. De fato, quase nunca banda da Internet estadunidense, em
e Worth, temos uma narrativa. o sendo. Por exemplo, se o enredo dezembro de 2014, teve 48% de seu
fosse construído com os vínculos uso ocupado por Youtube e Netflix,
No campo das narrativas, esta orien- narrativos corretos, seria possível meios que suportam narrativas. Se
tação entre acontecimentos ante- contar como a aluna apaixonada foi acrescentarmos a esta conta o cres-
riores e posteriores é geralmente salva de um acidente no estaciona- cente uso de redes sociais, onde
aberta. Não estudar está diretamente mento de sua escola por um vampiro narrativas pessoais são publicadas
relacionado a se sair mal no exame, que brilha se exposto ao sol. Isto não diariamente, e também a quantida-
3 http://g1.globo.com/tecnologia/ mas não é possível inferir a segun- comprometeria o sentido interno da de de narrativas – filmes, séries de
noticia/2014/12/netflix-e-youtube- da a partir da primeira dentro de um narrativa, apesar da incompatibili- TV, livros etc – compartilhadas por
consomem-quase-50-da-internet- modelo lógico ou de um padrão de dade destes acontecimentos com a meios não-oficiais, que incluem os
da-america-do-norte.html determinação. A personagem poderia realidade objetiva em que vivemos. protocolos de rede de natureza P2P 30
(peer-to-peer) como os torrent, é porque”, caminhos para uma aborda- nos predominantemente sob a forma
possível deduzir que esta porcenta- gem objetiva da realidade. Os resul- narrativa – estórias, desculpas, mi-
gem tende a crescer substancialmen- tados práticos desta abordagem são tos, razões para fazer ou não fazer, e
te, apesar de não termos encontrado inquestionáveis, e resultaram no daí em diante. Narrativa é uma forma
pesquisas atuais com tais números. desenvolvimento tecnocientífico sobre convencional, transmitida cultural-
o qual se organiza a nossa socieda- mente, cujo uso se vê restrito ape-
de. Contudo, a abordagem objetiva nas pelo domínio individual de suas
Pensamento discursivo e deixa de lado aspectos fundamentais formas (...). (Bruner, 1991, p. 04)
da realidade social, como as estrutu-
ras de produção de sentido anteriores Ainda de acordo com Worth (2007,
pensamento narrativo
Como nos aponta Bruner Jerome ao ingresso das crianças no sistema p. 1), o conhecimento narrativo, de
(1991), a história da ciência no de ensino formal, ou as formas sociais organização distinta do discursivo,
ocidente teve como projeto a de conhecer e transmitir conhecimen- permite “saber como seria”, abrin-
busca de uma “verdade” objeti- to que antecederam o surgimento da do caminho para a identificação
va, factual, impregnada nos even- lógica e, principalmente, da aborda- empática. Enquanto o pensamento
tos, externa e independente de seu gem mecanicista de mundo consoli- discursivo se debruça sobre princí-
observador: o conhecimento. Para dada desde a revolução industrial. pios como verificabilidade e não-
atingi-la, a estrutura social moder- contradição, o pensamento narrativo
na elegeu o pensamento discursi- Jerome Bruner ressalta a dinâmica prioriza fazer sentido em detrimen-
vo, definido como uma forma mais do pensamento narrativo: to de ser verificável. Isso coloca a
pura de organização mental. Para estrutura narrativa mais próxima
muitos, a única possível no cami- Como os domínios da construção da forma como nos percebemos
nho da construção científica. lógico-científica da realidade, [o enquanto presença no mundo, e do
domínio narrativo] é bem apoiado modo como organizamos nossas
O Iluminismo, fruto deste processo, por princípios e procedimentos. Ele experiências na esfera psicológica.
teve consequências diretas sobre a possui um ferramental cultural ou
estruturação do sistema de ensino, tradicional disponível, sobre o qual Em A vida como narrativa, Jerome
estabelecendo a hegemonia do seus procedimentos são modelados. Bruner (2004) defende que o pensa-
conhecimento discursivo e treinando (...) Sua forma é tão familiar e ubíqua mento narrativo seria a ferramen-
as crianças como se fossem peque- que ele tende a passar desaperce- ta pela qual maioria dos humanos
nos cientistas, pequenos lógicos, bido, de forma semelhante à nossa extrai sentido de suas experiências
pequenos matemáticos (BRUNER, suposição de que o peixe seria o últi- ao longo da vida. Quando olhamos
1991, p. 04). Neste mesmo senti- mo a descobrir a existência da água. para nossas experiências e procura-
do, Sarah Worth (2007, p. 1) nos Como eu argumentei extensamente mos organizá-la, o mais natural é que
lembra que o conhecimento discur- em outros lugares, nós organizamos o façamos com base em um enredo
sivo é capaz de abarcar duas gran- nossa experiência e nossas memó- autocentrado. Ao rememorar, a sequ-
des proposições: “saber que” e “saber rias sobre os acontecimentos huma- ência caótica de eventos que compõe 31
nossa experiência é organizada, e prevalecer a percepção analítica da desta área de conhecimento. Para
elos ficcionais são usados para criar realidade, ao passo que, nas comuni- sustentar a argumentação que se
uma malha de sentido. Elos narrati- dades de caráter mais tribal, a postura constrói aqui, vamos nos deter nos
vos. Assim, a organização das memó- holística poderia ser atribuída à supre- três modelos metodológicos de comu-
rias está mais próxima de um proces- macia do hemisfério direito. Com a nicação educativa que o autor aponta,
so de “contação de história” do que disseminação das telecomunicações referenciando Mario Kaplún: ‘o bancá-
de uma estrutura lógica e discursiva. e a partir do advento da televisão, rio, o dos efeitos e o dialógico ou
estaríamos atravessando uma época transformador’ (SIERRA, 2014, p. 36).
de câmbio em nossa forma de perce-
Ensino formal e ber o mundo, deixando de lado uma O modelo de educação bancária,
abordagem estritamente analítica e predominante em nossa estrutu-
observando a crescente influência ra formal de ensino, estabelece
Escola paralela
Segundo Francisco Sierra (2014, p. das imagens na organização mental que o processo educacional deve
66-70), em A Galáxia de Gutenberg, de nossa sociedade. McLuhan diz que organizar os conteúdos de maneira
Marshall McLuhan propõe a conhe- esta seria a transição entre a Galáxia planificada, sequencial e compar-
cida divisão entre meios quentes de Gutenberg e a Galáxia de Marconi. timentada, privilegiando a compe-
– servem o máximo de informação tição sobre a cooperação e o saber
com o mínimo de participação, onde Apesar de estas tendências terem em detrimento do saber fazer. Não
se encaixa a imprensa – e meios sido apontadas em meados do século há fomento à capacidade críti-
frios – transmitem um baixo nível de XX, na segunda década do século XXI ca, e não há preocupação com a
informação dentro de um contexto ainda observamos a estrutura esco- interdisciplinaridade. O educando,
de alta participação, categoria onde lar alheia ao processo, projetando receptáculo vazio, deve ser educa-
se encaixa a televisão. Esta divisão e desenhando currículos de acordo do pelo professor. Quando conclu-
influenciaria o uso do cérebro para com o projeto inicial de modernida- ído o processo, o educando, agora
a decodificação das mensagens: de da Galáxia de Gutenberg, dentro educado, deverá se mostrar capaz
os meios quentes utilizariam mais da concepção ramista de “universa- de recuperar as informações memo-
o hemisfério esquerdo, responsá- lidade” do currículo escolar levan- rizadas, e não de refletir sobre elas.
vel por atividades lineares, lógicas tada e criticada por McLuhan (1972,
e/ou racionais, enquanto os meios p. 182-184). Mas esforços teóricos O modelo dos efeitos, nascido da
frios seriam processados pelo hemis- e metodológicos em direções diver- aplicação dos princípios da ciberné-
fério direito, de caráter simultâneo, sas não são inéditos nem novos. tica e das ciências da informação
holístico e sintético. Esta separa- no campo da educação, se centrará
ção teria consequências diretas na Francisco Sierra (2014, p. 35-44), ao em garantir o sucesso do proces-
forma de decodificação do mundo, fazer um levantamento sobre mode- so comunicativo dentro da educa-
direcionando também a organização los teóricos e paradigmas da comuni- ção, com a transmissão fidedigna da
social: o predomínio do hemisfério cação educativa, procede com uma mensagem. Neste sentido, “a apren-
esquerdo nas sociedades letradas faz dissecação cuidadosa e detalhada dizagem é uma variável dependente 32
Na indústria do entretenimento,
que direciona a maior parte de
seus recursos para a criação de
narrativas, hoje percebe-se um
câmbio de foco, com orçamen-
tos de grandes títulos de vide-
ogames ultrapassando os cine-
matográficos desde o final da
década de 2000. E o universo
da cultura de massa, com seus
próprios mitos, lendas e (super)
heróis, também provoca ecos na
produção cultural e artística do
Imagem 3 - Henri de Toulouse-Lautrec, Rue des presente, seja na crítica de Bansky
moulins, the medical inspection. Domínio público. (imagem 6) e sua Dismaland
(Terra Funesta, em livre tradu-
ção), seja no campo daquilo que
Anelise Witt (2013) define como
gamearte: “uma categoria dentro 35
familiaridade com conceitos discur- sensorimotor learning: Evidence SOUSA, João. De Gutenberg
sivos, permitindo o aumento da difi- from a movement tracking task. para Marconi: hiper-texto e hiper-
culdade para que se evite o tédio. In: Human Movement Science. ficção. Lisboa: Instituto Universitário
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Escondendo meu
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
em pintura animalista
e sua condição. Busca-se pensar sobre o que esses seres têm como próprio
e o que é a eles atribuído. Nas pinturas, são apresentadas as relações
existentes entre eles e as relações com os humanos que transitam entre o
na contemporaneidade
afeto, a crueldade e exploração. Bacon, Delacroix, Sanguinetti apresentam-
se como as principais influências além de vivências pessoais, histórias reais
e ficcionais, referências fotográficas e áudio visuais como Herzog. Também
são abordados aspectos formais como a composição a partir das reflexões de
Aumont, Bazin e Wollhein; e o tratamento pictórico e uso da cor, que ao serem
analisados levam a reflexão acerca de seu significado dentro da imagem.
Inferiorizado historicamente como gênero pictórico a pintura animalista tem
na contemporaneidade um período de grande ênfase o que leva a questionar
Abstract
do pintor animalista Franz Marc massas de tinta que contrastavam falso mundo maravilhoso
(PARTSCH, 2012, tradução nossa, com fundos quase transparentes
p.39) “desde cedo achei as pesso- e foscos. Os cenários onde acon- Ao encontrar uma série de imagens
as muito feias; os animais pare- teciam essas batalhas eram espa- nas quais um hipopótamo (espécie
ciam muito mais belos, mais puros”. ços fechados, nos quais as figuras reconhecida por sua ferocidade)
Para além da beleza atualmente a eram encurraladas para a ação. ajuda diversos animais de outras
temática foi ficando tão enriqueci- espécies como zebras e gnus
da que dentro dela existe a possi- Embora houvesse um conforto na a se salvarem de uma enchen-
bilidade de se pensar tanto sobre realização formal dessas pintu- te, levando- os para as margens,
a condição animal como sobre a ras, era muito difícil lidar com as senti respondidos alguns questio-
condição humana. Abaixo se expli- imagens, de uma natureza degra- namentos pulsantes da pesqui-
cam essas possibilidades a partir de dante, e com a temática. Usando sa. Decidi, começando por essa
dois momentos do trabalho apre- imagens reais de rinha havia um imagem, a delinear em um novo
sentados em ordem temporal. sentimento de alimentação deste rumo para o trabalho. O interes-
evento. Como explica Malamud se principal foi pensar no que é
(2011, p. 360) imagens e outras intrínseco e o que desafia concei-
Amores perros mídias (normalmente) não machu- tos tradicionalmente estabelecidos
cam diretamente o animal, mas sobre esses seres. Partindo disso
A primeira série se intitulou poste- projetam a psiquê humana, retratam desenvolvi a série que foi agru-
riormente, em ocasião de sua seus valores, criam ideias e alimen- pada sob o título de falso mundo
primeira exposição Amores Perros tam seus sonhos, e existe, sim, um maravilhoso, originado a partir de
(2000) com a referência ao filme interesse social recorrente na visu- três pinturas, onde pensava sobre
homônimo do diretor mexicano alidade proveniente da violência fotos nas quais pessoas faziam
Alejandro Iñárritu, uma das prin- contra os animais, principalmente poses apoiadas em animais selva-
cipais influências para sua produ- naquela que se apresenta de forma gens e violentos que se encon-
ção. Com alusão a cenas de rinhas mais distorcida que permite nos travam empalhados, criando um
de cachorros, bastantes visce- distanciarmos do que causamos mundo harmônico e belo, mas
rais, baseadas em fotos de inter- a eles dentro dessas representa- falso. Essa série abriga diversos
2 “Espirito” é um termo que net, essa série foi desenvolvida. ções. Conseguia enxergar a violên- subtemas que até a atualidade
aparece tanto nos escritos de/sobre cia como um aspecto dos afetos reverberam em minha pesquisa e
Francis Bacon (DELEUZE, 2007), Era uma pintura de tratamento pictó- humanos, mas não como o único sobre os quais discorro abaixo.
Franz Marc (apud PARTSCH, rico violento, realizada com cores aspecto. Sempre havia um questio-
2012), Derrida (2002) para designar quentes. Mostrava apenas cães, mas namento sobre a própria justiça com Um desses temas é empalhamen-
a energia, que esta nos/que move era uma metáfora da humanidade a qual lidava com esses animais, to ou a taxidermia, referenciado em
os animais, que lhes dá autonomia com suas dificuldades para amar. pois só os usava como modo de fotos onde os animais são apresen-
e os dignifica frente ao humano Sangue, dentes, carnes e peles eram comparação ou representação sem tados como troféus, que exaltavam
como algo que não é vazio. evidenciados através de brilhantes pensar no que eles tinham próprio. pela ausência do espírito2, a força 41
com o extracampo e nunca são e personagens, sem propor necessa- fosco e brilhoso também é pensa-
aplicadas molduras para reforçar riamente uma linearidade. Espera- da para evidenciar a figura. Tocar
essa possibilidade. São elementos se com essa sequenciação cons- animais, sempre que possível, é uma
que refletem uma pintura bastante truir uma narração, como banaliza das formas de pesquisar. Pinta-los
educada pela imagem audiovisual. Aumont (2004, p.95). “mas que duas dá margem ao uso de texturas como
imagens, uma após a outra, não se fosse uma forma de tocar, de
Bazin (apud AUMONT, 2004) escapam a uma micronarrativa”. sentir as pelagens, promover uma
caracteriza o quadro fílmico como experiência háptica, um desejo que
centrífugo, pois leva o olhar para As imagens sempre se iniciam em se assemelha a busca de Francis
as bordas, pedindo um fora-de- uma base ocre onde não se produz Bacon (DELEUZE, 2007) para pintar
campo ao contrário do quadro uma justeza do tom uma alter- sensações táteis, embora esse seja
pictórico, que centrípeto, fecha- nativa para evitar a vibração das um caminho do pintor para fugir
se em sua própria composição, cores puras (PEDROSA, 2009). Em da figuração, um interesse que
cerceia o olhar, enquanto o obriga Amores Perros se buscou uma paleta não pertence a esta pesquisa.
a ir para o centro. Contrariando de cores bem quentes: o verme-
essas caracterizações a pintura lho associado à violência, à cólera, Opero entre soluções pictóricas que
(figura 5) que desenvolvo poucas à guerra e à valentia (PEDROSA, poderiam ser consideradas infan-
vezes se utiliza do centro e seus 2009) e o amarelo uma cor que tis e toscas e outras que demons-
elementos estão sempre se distan- transborda as áreas onde é aplicado tram mais virtuosidade. A opção
ciando para a margem se aproxi- e se relaciona ao calor a e a energia por uma delas é influenciada pela
mando mais da imagem fílmica. (PEDROSA, 2009) eram predomi- temática da obra: ao pintar o circo,
nantes nesse período. O azul a mais por exemplo, foi escolhido repre-
Aumont (2004) defende que a profunda das cores, cor dos misté- sentar de maneira mais infantiliza-
pintura muitas vezes inferioriza- rios da alma, símbolo da metafísi- da, enquanto ao pintar tragédias
da ao cinema devido a sua esta- ca e da nobreza (PEDROSA, 2009) buscou-se pintar de forma mais
ticidade, também, a sua manei- começou a ser utilizado a partir do virtuosa. A figura é trabalhada de
ra representa o tempo a partir de momento em que se desejava fazer maneira a ficar inteligível e poder
outros signos e formas. Essa possi- uma abordagem onde universo inte- atuar dentro da imagem, muitas
bilidade de expressão de tempo rior dos seres era o foco. Algumas vezes não é possível indicar ao
na imagem pictórica é um interes- vezes a cor vem de maneira irreal: certo o animal representado, mas
se muitas vezes orientador dentro tigres azuis, cachorros vermelhos... é visível sua expressão e gesto.
dessa pesquisa. A pintura sequen- Atribuindo a eles a significação
cial é uma das maneiras usadas cultural associada à cor usada.
para trabalhar isso em cenas guia- Influências
das por histórias, cada cena em uma As pinceladas trabalham para
tela, assemelhando-se por elemen- concentrar tensão em determinados Não existe pintor mais influen-
tos comuns como cenários, objetos pontos da obra, e a oposição entre ciador e cujo trabalho dialogue 45
mais com esta poética que Francis ele, faço naturalmente apropriação pinceladas enérgicas que coope-
Bacon. Embora nem sempre de diversas referências da cultu- ram com a emotividade elemento
figure animais, cria em uma zona ra visual como fotos e vídeos. que busco aplicar a minha poética.
de indiscernibilidade entre eles
e os humanos, os transforman- No seu universo não há esperan- On the sixty day, de Alessandra
do em um mesmo ser, os unifi- ças de se libertar da angústia e Sanguinetti, realizada desde 1996,
cado por sombras, ou em cortes do desespero que cercam toda a é uma série fotográfica documental
de carne. O pintor não pede história da humanidade, desenvol- feita nos arredores rurais de Buenos
piedade para com os animais, vendo daí uma poética do irracio- Aires, que relata fenômenos natu-
mas os equipara a humanida- nal (ARGAN, 1992) semelhante à rais e sociais dos agricultores de
de pelo sofrimento (DELEUZE, busca realizada na série Amores pequenos porte e subsistência do
2007), pensando sobre a indús- Perros. Atualmente elementos lugar, que ainda mantém processos
tria da carne e sobre a condi- relacionados ao sofrimento exis- muito antigos de manejo do natural
ção contemporânea do animal. tem em minha poética, para refor- (BLAKE, 2005). O contexto é apre-
çarem o valor e o poder da vida, sentado, mas o foco dessa série são
Sua organização espacial sugere e também pensar sobre alegria, os animais mostrados como real-
palcos, pistas, cômodos e circos beleza e a morte que pode ser mente são e vivem. E como, em seu
lugares que utilizo de maneira bem o símbolo do êxito dos heróis. ciclo dentro do mundo rural, morrem.
mais literal. De maneira fantasmá- A apresentação dos olhares é muito
tica ele propõe cubos que circun- Eugène Delacroix produz imagens cuidadosa, eles nos olham nos tiran-
dam as figuras comparáveis às que visualmente interessam e do do papel de observadores para
jaulas que represento, então em nas quais certos detalhes busco observados, o que pode ser pertur-
ambas as poéticas esse elemen- reproduzir, por meio de estudos. bador e em cenas de caça se mostra
to representa a tensão do cercea- Fascinado por animais domés- o ponto de vista do bicho, nos
mento e um espaço para o delei- ticos, e por aqueles que conhe- aproximando deles (BLAKE, 2005).
te seguro do voyer. Mas em minha ceu em suas viagens a lugares O olhar para gerar empatia é um
poética a figura pode fugir, e considerados em seu tempo exóti- recurso que utilizo em minha obra.
se empoderar da tensão criada cos (GOMBRICH, 2012) o pintor
sobre si. Outro paralelo é obser- executa obras em que a fauna Em outras de suas séries se mantém
vado no uso da cor: peles rosas é presente quando não é prota- a presença da interação humano-a-
quase como carnes vivas, blocos gonista, confiando a eles toda a nimal. Habitamos mundos muito
de cores quentes, pinceladas vigo- emoção que se pode demonstrar semelhantes e na pintura também
rosas no delineamento da figura. ali. Temas como lutas e ataques faço relatos de minha vida como
Fazemos a evidência da carne e de são frequentes e o pintor relata moradora de uma pequena proprie-
sua junção aos ossos (DELEUZE, em seus escritos o quanto enxer- dade rural. Na obra Agonizante
2007), e aos dentes nos utilizando ga beleza nesses momentos (figura 4) (2013) marco o momen-
da angústia que isso gera. Como (GOMBRICH, 2012). Delacroix usa to onde na mesma época meu pai 46
fazia delicadas cirurgias enquanto Essa referência fílmica está sempre à pintura de humanos, pois estes
a vaca mais velha que morava em presente para se pensar o período são a mais perfeita obra de Deus.
nossa chácara agonizava e morria. da pré-história, momento quando Fromentin chega a dizer que, devido
os pequenos desenvolvimentos da a sua irracionalidade, um cavalo,
Em A Caverna dos Sonhos Esquecidos tecnologia ainda não permitiam o como tema, não é algo para se pintar.
(2011), documentário do diretor domínio da natureza e o ser humano
Werner Herzog, graças à tecnologia, estava à mercê, dependendo profun- São pensamentos temporalmente
há uma oportunidade histórica de por damente do animal para sua sobre- distantes que refletem nos discur-
meio de uma filmagem 3D se visu- vivência. Como um período predo- sos pictóricos uma sociedade que
alizar com precisão a quase intoca- minantemente zoocêntrico em que a até a atualidade se mantém antro-
da caverna de Chauvet com pinturas fauna e o humano estavam ambien- pocentrista e cada vez mais esta-
rupestres em excelente estado de talmente ocupando o mesmo lugar belecer piores tratamentos físicos a
conservação. Sua ocupação por seres se assemelhando profundamente seus bichos. Como aponta Derrida
humanos é datada por algo em torno às questões aqui investigadas. (2012) nos últimos duzentos anos
de 30 mil anos e entre as imagens ali essa crueldade chegou ao seu auge,
representadas há intervalos histó- como um produto da era industrial,
ricos de 5 mil anos. Marcações em O êxito da imagem de forma organizada e genocida.
negativos de mãos e pegadas huma-
nas no chão, assim como fósseis de Então, estranhamente em uma
animalista na
animais são propriedade do local. contemporaneidade. corrente quase oposta, nas áreas de
Nas brilhantes paredes está repre- biologia e ciências humanas, a marca
sentada uma vasta fauna, composta As representações de animais estão da contemporaneidade vai ser uma
por leões, panteras, ursos, corujas, espalhadas em toda a história, de “explosão de publicações” (BRAVO,
rinocerontes, hienas, cavalos, bovinos diversas maneiras. Sempre valoriza- 2011, p.221) em diversas partes do
e veados em desenhos que demons- da, apresentava esses seres enquan- mundo, de algo nomeado de Estudos
tram com bastante precisão cada to protagonistas, e coadjuvantes nas Animais (MACIEL, 2011). Nas progra-
espécie. Há uma única imagem que narrativas pictóricas e sua presença mações de televisões pagas, tem-se
aparentemente mostra um humano: era também um sinal de virtuosida- o acesso (no Brasil) a, no mínimo,
é o quadril de uma mulher mistura- de. Como descreve Alberti no ano de quatro canais que se dedicam exclu-
do ao corpo de um bisão. Os pesqui- 1435 (2006): o pintor deveria saber sivamente ou tem grande parte de
sadores que não tinham como saber pintar todas as coisas fossem huma- sua grade dedicada a mostrar faunas
se os leões do período tinham juba, nas e animais enaltecendo a impor- e suas peculiaridades, organiza-
a partir das análises desses dese- tância da pintura de animais. Como dos em roteiros muito semelhantes
nhos sabem que realmente não confirma Félibien (2006) que, embora a filmes. Nas programações infan-
tinham demostrado que de tão anti- exalte a pintura de animais frente tis outra fauna, menos natural, é
gas, essas imagens acompanha- à pintura de coisas estáticas, pois ainda mais corriqueira, quando não
ram inclusive processos evolutivos. estes se movem, diz que ela é inferior é um símbolo da própria infância. 47
Fazendo uma analogia ao ocorri- sociedade que maltrata e esvazia cultural e evidência nos lugares
do nessas outras áreas de conhe- seus animais, surge a questão dos que frequentava. Inicialmente a
cimento na arte atual, observa-se porquês desse afloramento. Maciel temática animal foi escolhida como
um grande número de artistas que (2011) nos diz que isso acontece por uma oposição estigmatização da
colocam o animal como centro, ou uma tomada mais profunda de cons- figura humana e por influência
parte importante de sua poética. ciência por parte de escritores e artis- do meio rural onde moro, mas se
Joseph Beuys desenvolveu por esse tas que hoje se sentem mais livres mantém por sua rica possibilidade
assunto um interesse tão extremo das amarras alegóricas sobre o tema. de discutir o animal e o humano.
que chegou a fundar um partido Mais pessimista Malamud (2011)
politico para os animais (ARCHER, propõem que o mundo natural está A primeira série Amores perros
2011). Francis Bacon encontrou na cada vez mais bloqueado pela cultura que usava rinhas para metafo-
indiscernibilidade homem-animal visual crescente ao nosso redor, cultu- rizar a humanidade foi abando-
um caminho para pensar a degra- ra que se torna cada vez mais pulsan- nada, enquanto eixo norteador,
dação humana (ARGAN, 1992). te e atraente. E os meios pelos quais devido à degradação nas imagens,
se produz e se acessa essa cultura e um pensamento de alimenta-
Em uma análise de meus conter- também afetam e consomem o mundo ção do ideal da violência contra
râneos e contemporâneos destaco natural reduzindo ainda mais seu esses seres. Saindo da metáfo-
o trabalho dos pintores Bia Leite, acesso. Então o interesse que se teria ra “falso mundo maravilhoso”
Camila Soato Eduardo Lago, Fabio pelo natural passa a ser dedicado aos busca pensar o que era próprio
Baroli, Moisés Crivelaro, Johanna seus simulacros na cultura visual. do animal. Nos subtemas como
van Vitatum, Renata Rinaldi e taxidermia, afeto, domesticação,
Renato Rios. No Brasil temos a pintu- Entende-se que estes artistas cárcere e doma, conclui-se que em
ra de Ana Elisa Egreja, Eduardo pensam no animal, para se apro- sua busca para aproximar-se por
Berliner, Cristina Canale, Wagner priar desse assunto como uma interesse ou afeto o humano quase
Willian, Daniel Lannes, Thiago força, um modo de ir contra a cultu- sempre agride e esvazia a nature-
Martins de Melo e Walmor Corrêa. ra, de externar a natureza que se za do animal. Foram na troca de
Entre outras linguagens desta- nega, mas que vez ou outra atra- poderes, que as naturezas dessas
co o trabalho de Rodrigo Braga vessa a humanidade, a desestabili- relações foram explicitadas.
e Berna Reale. Discutem temas za, a emociona e enquanto conceito
como reprodução, genética, ques- construído historicamente a destrói. Identificou-se, na segunda parte, os
tões de gênero, religiosidade, animais representados nesta poéti-
sonhos, hibridismo, antropomorfis- ca por dois conceitos: o primeiro
mos, folclore, e a própria pintura. Conclusão espectador no quadro, é aquele que
indica tudo que acontece dentro
Constatando que esta representa- Constatou-se na primeira parte que da imagem por seus olhos e gestos
ção se apresenta aflorada tanto nos a pintura enquanto linguagem foi retirando o animal do papel subal-
discursos como na arte, em uma escolhida devida a sua inserção terno que ele ocupa na sociedade; 48
o segundo espectador inconstan- apresenta uma humanidade sem discutem o tema inclusive nas artes
te, é um sujeito que por aparecer esperanças, apresento em minha visuais. Apresentam-se dois moti-
visualmente incompleto na obra, obra uma visão mais otimista. vos dessa recente valorização: o
e por isso não pode indicar o que primeiro diz que como cada vez
ali acontece, o que foi articulado Ainda na terceira parte mostrou-se menos se tem acesso a natureza,
a ideia comum dos animais como a importância de Eugène Delacroix a visualidade entra como substi-
algo misterioso. Observou-se que pela visualidade de seu trabalho tuta; o segundo propõem que sem
essas articulações do sujeito modi- e em seu fascínio pelo universo de amarras os artistas trabalham
ficam a forma de compor. Verificou- animalesco e pela violência ineren- mais livremente sobre o tema.
se que a pintura que componho por te a ele. On the sixty day, série foto- Sugeriu-se que o animal repre-
sua organização em elementos que gráfica de Alessandra Sanguinetti senta uma força contra cultura.
trabalham mais com a margem do foi comparada a essa poética por
que com o centro assemelham-se centralizar e explicitar o ambien- Como muitos assuntos aqui discu-
por esse aspecto mais à compo- te onde vivem os animais e que tidos provém da cultura visual,
sição fílmica do que à tradicional por suas semelhanças, mesmo pretende-se continuar a investi-
composição pictórica, inclusive em temas pessoais, universali- gá-la para construir as obras. Essa
em sua possibilidade de produzir zando a temática da pesquisa. O pesquisa já desenvolve um cunho
sequencialidade. Por análise foi filme A caverna dos sonhos esque- político na busca por relações
visto que o uso da cor se adequa cidos de Werner Herzog em sua mais igualitárias entre humanos
ao seu significado social, e que apresentação da pré-história, e animais, um detalhe que dentro
os tratamentos pictóricos oscilan- período em que animais e seres das articulações aqui propos-
tes entre o virtuoso e o tosco se humanos, devido à ausência de tas pretende ser expandido.
adequam muitas vezes aos temas e grandes avanços tecnológicos
buscam gerar sensações associa- estavam muito mais equiparados Obras referênciadas
das ao toque dos pelos animais. se alinharam a busca de igualda-
de promovida por essa pintura. ALBERTI, Leon Battista. Da
Nas analogias feitas na tercei- pintura (Livro II). In A pintu-
ra parte, afirmou-se a importân- Na última parte, confirmou-se que ra –Vol. 10: gêneros pictóricos.
cia do artista Francis Bacon por mesmo sendo considerada impor- Org: Jacqueline Lichtenstein
sua influência/diálogo por temas tante a pintura animalista foi infe- São Paulo: Ed.34. 15-18p
como a animalidade e a cruelda- riorizada historicamente frente a
de e as construções do espaço, e outros gêneros pictóricos, refle- ARCHER, Michel. Arte contemporâ-
por aspectos formais como o uso xo de uma sociedade que tem a nea: uma historia concisa. 1ª ed. São
da cor, e uso de imagens da cultu- crueldade dos animais como um Paulo: Martins Fontes.2001. 264 p.
ra visual para a produção da obra. de seus símbolos. Mas atualmen-
Mas também foram apresenta- te existe um aumento considerá- ARGAN, Giulio Carlo. ARTE
das diferenças: enquanto Bacon vel de reflexões e visualidades que MODERNA: Do Iluminismo Aos 49
Movimentos Contemporâneos. União, TCU, Espaço Cultural PEDROSA, Israel. Da cor a cor
5ª ed. São Paulo: Companhia Marcoantonio Vilaça, 2014. 196 p. inexistente. 10ª ed. Rio de Janeiro:
das Letras, 1992. 736 p. Senac Nacional. 2009, 256p.
FROMENTIN, Eugène. Os
AUMONT, Jacques. O olho inter- mestres de outrora. In A pintu- PARTSCH, Susanna. Franz Marc.
minável [cinema e pintura]. São ra –Vol. 10: gêneros pictóricos. Los Angeles: Taschen. 2012. 96 p.
Paulo: Cosac Naify. 2004. 272 p. Org: Jacqueline Lichtenstein
São Paulo: Ed.34. 131-137p A CAVERNA dos Sonhos Esquecidos.
BRAVO, Álvaro Fernándes. Direção: Werner Herzog. Zeta
Desenjaular o animal humano. GOMBRICH, Enst Hans. filmes. 2011. 95 min. DVD.
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tica. Org. Maria Esther Maciel. González Iñárritu. Altavista Films
Florianópolis: UFSC, 2001. JEHA, Julio. Assassinos de estima- e Z Films, 2000. 135 min. DVD.
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BLAKE, Robert. Sem título. In: Highsmith. In: Pensar/escrever o HISTÓRIA do Leão Christian comple-
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Brasília, 2000-2014. Catálogo. Florianópolis: ed da UFSC, 2011.
Brasília: Tribunal De Contas da 50
Diálogos entre
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
Lenora de Barros e
O objetivo deste trabalho é identificar pontos de convergências e intersecções
entre a obra da interartista paulistana Lenora de Barros e o movimento
o neoconcretismo
neoconcreto carioca. O artigo também se propõe a traçar um histórico da artista
contemporânea e a trajetória das tendências construtivas, que se iniciaram com
o cubismo europeu e chegaram ao Brasil por meio da Escola de Ulm, na década
brasileiro
de 1950. A partir disso, aponta-se indícios de possíveis diálogos entre a artista
paulistana e a proposta neoconcreta, que rompeu com o concretismo brasileiro.
Presença textual na obra visual, o corpo como participante da obra e a ideia de
tempo estendido, vivenciado e experienciado parecem ser os principais pontos
de diálogo entre os dois objetos aqui analisados. Lenora de Barros nasceu em
1953 e sua obra transita entre diversas linguagens, tais como a poesia, a prosa,
Abstract
artist Geraldo de Barros and lived capital externo; no âmbito inter- Performance fotográfica ou poesia
since childhood with concrete poets. nacional, o mundo conhecia suas visual. Os dois termos podem ser
Her work keeps relations with pop primeiras formas tecnológicas que empregados para classificar o
art, with the Fluxus group, with the mudariam as comunicações para gênero artístico dessa primeira obra
concreteness and also with the sempre: surgiu o primeiro micro- da paulistana. Interessante notar
conceptual bias. This research is processador, o primeiro videogame, a presença do texto (a poesia) em
justified by the literature still quite a marca Apple. E foi exatamente forma de imagem. Mesmo sem
small about this artist who has nesse contexto, embalada por músi- caracteres, as fotografias expres-
been involved directly with one cas dos Beatles e por performances sam uma mensagem textual poéti-
of Brazil’s most important artistic de Yoko Ono, que Lenora de Barros ca e, por isso, podem ser classifica-
movements and also experienced viu sua personalidade, seus gostos e das como poemas visuais – isto é,
a very fertile period of art history. desgostos, serem construídos. Foi no obras que se situam entre a poesia
fim dessa década tão marcante que e as artes visuais. Arthur Danto,
Keywords: Lenora de Barros. Neo- a artista se formou em Linguística no ensaio Linguagem, arte, cultu-
concrete movement. Text. Body. Time. pela Universidade de São Paulo. ra e texto3, considera a imagem
Aos 20 anos, criou sua primeira naturalmente como um tipo de
obra, Homenagem a George Segal: texto, mas um tipo que transcen-
Lenora de Barros: de a gramática e a sintaxe, porta-
A partir da proposta de um tra- dora de uma narrativa que deve
ser interpretada. Dessa forma,
um histórico
balho dada por um professor da
Foi em 1953, em São Paulo, capi- escola Iadê, em 1973, no qual os não nos parece incomum conside-
tal, que nasceu Lenora de Barros. alunos deveriam fazer uma crítica rar a performance fotográfica de
Por ser filha de artista e conviver à sociedade de consumo, Lenora Barros como poemas visuais. Esse
desde pequena com poetas concre- de Barros criou Homenagem a Ge- mesmo jogo entre imagem e texto
tos e críticos ligados ao mundo da orge Segal, que traz uma sequên- – um dissolvido no outro – apare-
arte, nada mais natural do que seu cia fotográfica da artista escovando ce diversas vezes na obra da artis-
desejo de seguir os mesmos passos os dentes até seu rosto ser com- ta, como em Poema (1980), também
de seu pai, Geraldo de Barros. Viveu pletamente coberto pela espuma. um de seus primeiros trabalhos:
a juventude na década de 1970: O caráter escultórico resultante
no Brasil, a ditadura militar ainda remete às esculturas em gesso do Levada pela intenção de trans-
estava longe de acabar; nas artes artista americano (…). [A obra] foi cender suas ações cotidianas, a
nacionais, Tropicália e neoconcre- originalmente publicada em 1975 poeta multimídia Lenora de Barros
tismo propunham rupturas com a na revista Poesia em Greve. A obra há anos realiza trabalhos bastan-
mentalidade conservadora vigente; na época foi considerada como um te singulares: seus poemas-perfor-
2 XAVIER, 2012, p. 47. o país encarava sua fase de “Milagre poema visual, mesmo valendo-se mances. Em 1980, por exemplo,
Econômico”, com obras de infraes- de uma narrativa visual e não con- Barros decidiu levar até as últimas
3 DANTO, 2014. trutura monumentais e abertura ao tendo um texto propriamente dito.2 consequências a intimidade que 52
intitulada Umas e Outras, com novo no ar… nada de novo no ar… sido um assunto já muito traba-
curadoria da professora Glória nada a ver com nada a ver com nada lhado em outras ocasiões, não nos
Ferreira e exibição, primeiramen- a ver…” De frente para as cadei- interessa aqui tanto essa relação,
te, na Casa de Cultura Laura Alvim ras, uma obra recente da artista7. apesar de não podermos ignorá-la;
(RJ) e, depois, no Espaço Pivô (SP). Essa instalação pode ser vista como devemos também ter consciência
uma das que melhor define o traba- do papel importante que o texto e
Apesar de a carreira de Barros datar lho feito por Lenora de Barros: uma a poesia têm em sua obra (apesar
desde o fim da década de 1970, a revisitação constante a sua própria de esse texto e essa poesia às
paulistana só foi se dedicar exclusi- obra e uma apropriação frequen- vezes aparecerem como imagem), e
vamente à carreira artística a partir te e explícita de outros artistas. entendermos o conceito de poesia
dos anos 2000. Ela já havia realiza- visual, que já explicamos anterior-
do, em 1990, a individual Poesia é A trajetória de Barros nos ofere- mente. Com essas informações em
coisa de nada, na galeria Mercato del ce material de sobra para várias mente, partimos agora para uma
Sale, em Milão. Sua primeira exposi- análises interessantes: sua relação análise sobre o neoconcretismo,
ção individual no Brasil foi em 2001, com o grupo Fluxus, com a Pop Art, mas para chegarmos a esse movi-
na Galeria Milan, em São Paulo, a arte conceitual, a arte concreta, mento tão marcante na história da
chamada O que há de novo, de novo, sua forma de construir um espaço arte brasileira, precisamos refa-
pussyquete? O nome, evidentemen- de exposição a partir de instalações zer os passos e desdobramentos
te, ironiza a ideia de que a arte deve sonoras, como o conceito de antro- dos movimentos construtivos que
sempre se reinventar – ideia esta pofagia se desenvolve na sua obra o antecederam, a fim de entender-
que Danto também critica com rela- etc. Gostaríamos de poder abraçar mos como o neoconcretismo pode
ção à arte contemporânea, como o mundo inteiro ao redor da artis- surgir, e com que tipo de proposta.
já dissemos. Após percorrer toda a ta e estudar cada nuance de sua
exposição, o espectador se depara obra, mas como o espaço deste
com a última obra, uma instala- trabalho é limitado e pequeno, Passos para um
ção visual e sonora. Nove cadei- nossa proposta inicial é encontrar
ras equipadas com um retrovisor e pontos de diálogo entre o trabalho
neoconcretismo
fones de ouvido. Pelo retrovisor, é de Barros e o movimento neocon- Apesar de a autora deste trabalho ser
possível ver um vídeo que é exibi- cretista. Do breve histórico aqui crítica a uma análise historicista e
do na parede atrás das cadeiras: traçado sobre a paulistana, deve- evolucionista da arte por não acre-
uma montagem de antigos traba- mos nos ater principalmente ao fato ditar que um movimento necessaria-
lhos da artista, além de um autorre- de que a artista desenvolveu sua mente sucede outro, principalmente
trato de seu pai, Geraldo de Barros. obra com referências explícitas a a partir do início do século XX, acre-
Pelos fones de ouvido, ouve-se um outros artistas e movimentos; que o ditamos que no caso do neoconcre-
sample musical com um jogo de diálogo entre ela e a arte concreta tismo é possível fazer uma concessão
7 Para descrição completa dessa palavras repetido em loop: “novo, é um dos mais evidentes ao longo e analisá-lo a partir do “desenvolvi-
instalação, ver COHEN, 2002. de novo? Novo, de novo? Nada de de sua história, mas que, por ter mento” (não no sentido de melhorias 54
comunicação. (…) A arte concreta de procedimentos matemáticos, uma corporificação das experiên-
é um agenciamento estético das além da integração positiva na cias sensoriais. Não à toa, o texto
possibilidades ópticas e sensoriais sociedade. Foi esse o movimento do cita por diversas vezes a fenome-
prescritas pela teoria da Gestalt.17 qual Geraldo de Barros participou nologia de Merleau-Ponty. “A ques-
– assim como Maurício Nogueira tão neoconcreta (…) é impreg-
Para ilustrar a intensa ligação Lima, Luís Sacilloto, Waldemar nar vivencialmente as linguagens
entre a Escola de Ulm e os artis- Cordeiro, Almir Mavignier, Franz geométricas, repropô-las como
tas brasileiros da década de 50, Weissmann, Ivan Serpa etc. –, e manifestações expressivas, recolo-
foi Max Bill quem ganhou o prêmio foram justamente essas caracte- cá-las como objeto de envolvimento
máximo de escultura na primei- rísticas – o objetivismo e a racio- fenomenológico19”. Na contra-mão
ra Bienal de São Paulo, realizada nalização exagerados– que susci- da racionalização vigente então, os
em 1951, com sua obra Unidade taram a crítica de uma parte dos neoconcretas buscavam uma corpo-
tripartida. Além disso, o cartaz artistas que, mais tarde, provoca- reidade da arte por não enxergá-la
do evento, criado por Antonio ram uma ruptura e lançaram outro como máquina ou objeto, como
Maluf, tinha estética concre- movimento: o neoconcretismo. Para faziam os concretistas, mas propon-
ta e apresentava o “jogo percep- Gullar, entretanto, o neoconcretis- do que ela fosse vista como um
tivo” citado anteriormente. mo não deve ser visto como uma “quasi-corpus”20, uma arte com mais
dissidência do concretismo, mas expressão e organicidade, maior
O crítico de arte Ronaldo Brito como uma tomada de consciência envolvimento do espectador – ou
analisa o concretismo como a dos problemas da arte contempo- melhor, transformação do espec-
primeira vanguarda moderna brasi- rânea. As críticas do neoconcretis- tador em participante, o que Hélio
leira. Isso porque, até então, não mo ao concretismo eram similares, Oiticica chamaria de “vivências”.
havia de fato sido realizado um no campo da linguagem visual, às
movimento moderno no campo das criticas de Merleau-Ponty à teoria O desenrolar das tendências cons-
artes visuais no país. A Semana de da Gestalt, no campo filosófico18. trutivas até chegar ao vértice e à
22 ainda não tinha sido entendi- ruptura de seu próprio projeto é
da em sua completude. Além disso, O manifesto neoconcreto publi- mais complexo e profundo do que
Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, cado em 23 de março de 1959 no este artigo é capaz de desenvol-
Cícero Dias, Guignard e Portinari Suplemento Dominical do Jornal ver. Acreditamos, entretanto, que as
17 Idem, p. 41. também não estavam completa- do Brasil, escrito por Ferreira Gullar principais características do concre-
mente livres do caráter representa- e assinado também por artistas tismo e do neoconcretismo foram
18 Idem, p. 56. cional das artes – e a arte moder- integrantes do movimento, como apresentadas, e nos fornecerá infor-
na se inicia com essa ruptura com Lygia Clark, Lygia Pape, Almícar de mações suficientes para o que este
19 Idem, p. 76. a representação. Já o concretismo Castro e Franz Weissmann, conde- artigo propõe: estabelecer pontos de
propunha a arte não-figurativa, nava a aridez objetiva do concre- encontro entre o neoconcretismo e
20 Manifesto neoconcreta in BRITO, não-representativa, o racionalismo tismo. O documento clamava por a obra de Lenora de Barros, assun-
1999, p. 10-11. formalista, objetivista, privilegiador mais sensibilidade, subjetividade, to que desenvolveremos a seguir. 56
artista e do público) como partici- brasileira ocupa e nos ajuda a DUVE, Thierry de. Cinco refle-
pante da obra, e a ideia de tempo continuar a escrever a história da xões sobre o julgamento estético.
estendido (tempo vivenciado, arte no país. Uma história rica, Revista Porto Arte. Porto Alegre,
experimentado) dentro da obra. que está longe de chegar ao fim. v. 16, nº 27, novembro/2009.
A metalinguagem na Resumo
obra de Velazquéz
Esse artigo tem como objetivo fazer uma análise comparativa entre duas
obras de arte. A primeira obra a ser analisada é uma pintura de 1656, do
e Witkin:
período do barroco europeu, feita pelo pintor espanhol Diego Velazquéz –
Las Meninas. Essa análise tem como base a publicação de Michel Foucault,
“As palavras e as coisas”, de 1966. Já no período contemporâneo, a
a realidade e a
Palavras-chave: Diego Velazquéz. Joel Peter Witkin. Fotografia. Metalinguagem
representação
INTRODUÇÃO
Michel Foucault em As palavras e as coisas (1966), dedica o primeiro
capítulo à análise da obra Las Meninas, de Diego Velazquéz, pintor espa-
nhol do séc. XVII. Essa pintura concebida no período do barroco europeu,
Bruna Finelli1
coloca a possibilidade de discussão da relação entre a realidade e sua
representação em uma pintura. Foucault estabelece a interpretação entre
Vanessa Madrona
elementos presentes no quadro: o pintor, a imagem refletida no espelho
e a imagem de um homem no último plano que se apresenta “misterio-
Moreira Salles2
so” para o espectador. Essas três análises seriam a base do pensamento
sobre qual a parte da realidade está sendo representada dentro da obra.
60
excluídos por serem sinônimos de segundo a descrição contida na bíblia. propõe ao analisar a pintura barro-
monstruosidade como anomalias. ca.Como na análise de Foucault em
Uma figura hibrída aparece na “As palavras e as coisas”, que identi-
Desta forma o fotógrafo presta fotografia e estabelece a metáfo- fica o local do modelo, do casal real
homenagem a um ser humano ra de sofrimento ao ser represen- que é, como espectador contempo-
privado da vida costumaz. Traz tado por colagens que fazem parte râneo, o receptor dos dias atuais,
a discussão para a sociedade da obra de Juan Miró mas também Witkin através de sua versão pesso-
contemporânea e para a arte. pode remeter a Picasso. Esse híbri- al do quadro de Velázques - Las
do aparece em escala maior que a Meninas - convida o espectador
Ao lado da infanta, a presença de dos personagens da obra e reforça contemporâneo para ter em conta
um cão. Ele parece estar desmaia- a idéia da dor, uma vez que a pintu- a dimensão social da deformida-
do, cansado. O motivo desse cansa- ra feita por Picasso representou o de corporal, do desvio do “normal”
ço pode ser observado em uma sofrimento das pessoas na época e a aceitação do próprio corpo e do
corda que liga o pescoço do cão da 2a guerra mundial quando a direito de expô-lo como deseja.
à mão da mulher. O cão é utiliza- cidade de Guernica, na Espanha foi
do para puxar a estrutura de ferro atacada por bombas de guerra. A presença do próprio Witkin no lugar
que sustenta a mulher. A metá- de Velázquez, valida catalíticamen-
fora de sofrimento e dor, é repre- O rei e a rainha permanecem na foto- te a sua criatividade artística, que
sentada na obra como elemento grafia de Witkin, propondo o jogo do deriva da escolha do tema, no intuito
principal do trabalho de Witkin. olhar, porém desta vez estabelecen- de levar o espectador contemporâneo
do a relação do olhar que a socie- a pensar no papel que ele ocupa na
O fotógrafo, além de trazer as ques- dade contemporanea se volta para sociedade, ou seja, o ponto de vista do
tões de dor, sofrimento, contesta o a situação observada na fotogra- rei e da rainha desse tempo; o ponto
olhar das pessoas “normais” dentro fia: a deficiencia e o preconceito do de vista daquele que detém o poder.
do padrão de normalidade intitula- desvio do padrão de normalidade.
do pela sociedade quando coloca Referências
uma venda no olho da mulher.
CONCLUSÃO FOUCAULT, M. As palavras e as
A figura indubitável na obra de coisas. Trad. Salma Tannus Muchail.
Velázquez também aparece na obra de A fotografia está representada como São Paulo: Martins Fontes, 2002.
Witkin porém como a representação a metalinguagem da obra e da técni-
de sofrimento máximo para seguido- ca a partir do momento que o fotó- EMBLIN, Richard. Joel-Peter
res da religião católica, o Cristo. Ele é grafo se coloca no lugar do pintura Witkin in Colombia. Montevidéu,
representado com os cabelos gran- na pintura original. Nesse momen- set. 2008. Disponível em: <http://
des, tapa sexo e com a coroa de espi- to pode-se questionar a represen- rising.blackstar.com/joel-pe-
nhos na mão, metáfora de sofrimento tação da realidade presente nessa ter-witkin-in-colombia.html>.
pelo momento em que foi sacrificado obra atravéz do discurso que Foucault Acesado em: 10 de set. 2015. 63
Brechas na linguagem:
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
compartilhamentos,
Este artigo propõe uma reflexão acerca da linguagem escrita e seus
desdobramentos em arte: escrita, escritura, escuta, palavra. Os questionamentos
criações e intimidades
levantados abordam Roland Barthes, Michel Serres e Manoel de Barros como
aliados para a (des)construção de outra escrita acadêmica sobre arte. Em
busca de maneiras de escapar da doce linguagem codificada (textos analíticos,
críticos, descritivos ou explicativos) abrindo brechas para uma escrita poética.
A poesia integra a face dura da linguagem, seus ruídos, passos, toques na
tua pele, na língua inquieta dentro da boca. Acionando no texto uma mescla
de sabores que necessitam do encontro com o outro para que seu trajeto seja
concluído, perdido, devorado ou desviado. Dentro dos formatos, até onde
Mariana Brites1
sobrevive a poesia? Ainda tem lugar, tem corpo? Como falar de arte sendo
arte? Como tornar o texto mais palatável à imaginação? A escrita é feita
de enxertos de vontades sobre algumas folhas, o corpo é feito também de
retalhos compostos das experiências sentidas. Escrevo esse texto, mas tenho
muito mais que duas mãos. Os estudos em arte, produzindo conhecimento
dentro da universidade, tem a possibilidade de afetar a estrutura que envolve
o próprio código da instituição. A maneira de escrever é também modo de
resistência poética. Não há nada genial em escrever, pois a escrita por si
só é um código dominante, elitista e formal, que dispensa intimidades.
Abstract
a patchwork of lived experiences. I descritiva ou de função fática) e, ou desviado. Dentro dos forma-
write this text, but I do have much ao mesmo tempo, na criação de tos até onde sobrevive a poesia?
more than two hands. Studies in uma outra forma de organizar o Ainda tem lugar, tem corpo?
art producing knowledge in the código escrito buscando a função Como falar de arte sendo arte?
university have the power to change poética da linguagem. Nesse cami-
the institution’s structure code nho encontro Roland Barthes, Tendo a poesia passado por
itself. Writing is also a way of poetic Manoel de Barros e Michel Serres. tantas fases históricas quando
resistence. There is nothing brilliant aqui for referido o termo poesia
about writing because writing itself Interessa trazer reflexões e escri- sugere-se pensar em um concei-
is the dominant code, elitist and tos de Manoel de Barros, poeta to de poesia em deslocamento,
formal, which exempts intimacies. mato-grossense da roça, junto aos proposto por Manoel de Barros:
pensamentos de Barthes e Serres,
Keywords: Writing. Resistance teóricos franceses de formação Poesia, s.f.
Poetry. Poetry. acadêmica, afim de cruzar teoria
lingüística e filosófica com apanha- Raiz de água larga no rosto da noite
dos de poemas metalingüísticos.
Poesia, qual? A teoria está miscível na própria Produto de uma pes-
poesia, aconchego das palavras soa inclinada a antro
Esse artigo é composto mais de na forma. Os três autores, que são
inquietações do que certezas. De até agora citados, possuem entre Remanso que um riacho faz
dentro do meu quarto, nos cader- si maneiras diferentes na busca de sob o caule da manhã
nos ou na máquina, traço com-tato experenciar na escrita outra forma,
íntimo com a escrita que esquen- movimentam a linguagem nessa Espécie de réstia espantada que
ta enquanto o vento frio entra pela busca criando, cada qual em seu sai pelas frinchas de um homem
janela em um eterno anúncio de nicho, o outro do outro: as palavras
chuva que nunca vem. Escrevo em saborosas de Serres, o prazer em Designa também a arma-
primeira pessoa por que escrevo Barthes e a simplicidade de Barros. ção de objetos lúdicos com
comigo e como essa experiência de os empregos das palavras
escrever em arte me move. Aqui, O campo específico para essa
então, escolhi essa possibilida- conversa é o das escrituras2 Imagens cores sons etc.- geral-
de de me anunciar, manter-me no acadêmicas em Arte, suas possi- mente feito por crianças pesso-
mesmo espaço, não me esquivar. bilidades como registro poético as esquisitas loucos e bêbados
Para que seja possível a conver- acionadoras em potencial uma
sa, percorro o caminho fazendo mescla de sabores que neces- (BARROS, p. 181, 2010)
aliados na decomposição da escri- sitam do encontro com o outro
2 O conceito será explicado em ta-padrão (aquela que se identifi- (leitura) para que seu trajeto seja O texto se torna também pulsan-
seguida. caria como meramente explicativa, concluído, perdido, devorado te em brincadeira com a própria 65
estrutura da língua, cria esses Se a palavra fosse agora a água científicos (mais facilmente locali-
remansos a que o poeta se refere. no leito de um rio, bem delimitado zado nas áreas de exatas/saúde).
Entretanto, é nesse lugar que por suas margens, a poesia seria o A escritura abarca o que chama-
a poesia se torna o avesso de transbordamento do mesmo. O rio mos de literatura, incluindo a
mansa, é a parte da linguagem que em seu transbordamento transpas- poesia, os devaneios, a possibili-
morde, que dá beira para que a sa sua própria margem, faz curva dade de criação de novas poéticas
imaginação surja. “A palavra poéti- em tudo, umedece e desliza nas e conceitos, é o lugar do jogo no
ca tem que chegar ao grau de brin- normas do percurso usual do rio. texto, entendido como espaço de
quedo para ser séria” (BARROS, Reinventa seu fluxo. Dessa água, sedução. Ou como afirma Barthes
p.345, 2010) e aí reside também o em movimento, nascem plantam “um meio seguro permite distin-
desafio em meio às formatações vagabundas (criações) que se guir a escrevência da escritura: a
exigidas para os textos em arte. Em alimentam de poesia, ervas dana- escrevência se presta ao resumo,
que espaço e como criar esse lugar dinhas que esperam o encontro a escritura não.” (BARTHES, 1979,
de brinquedo? Por quais brechas para que surjam novas possibili- p.68). Essa escrita poética, poesia
escorrer imagens na linguagem? dades. O próprio rio se reescreve ou função poética da linguagem
Pesquisar em artes, auto pesqui- a partir de seu transbordamen- caminham no rastro das escri-
sar-se em artes, é a possibilida- to, bem como a poesia sugere turas, dispensam descrições.
de de transpor também para o novas formas de escrita a partir As escrituras fendem a escrita,
texto, maneiras outras de produ- de um código verbal já existente. E miscigenam-se permitindo que o
zir conhecimento. Produzir, sobre- vice-versa, ou visse-verso, o texto encontro entre ambas seja uma
tudo, outras formas sensíveis de também se mantém inconstante, decomposição da linguagem.
conhecimento que sejam menos não há eternidade que o caiba. Misturando os códigos, as fron-
rígidas e determinantes a ponto teiras se tornam mais fluidas.
que o texto também poético seja
capaz de suscitar os sentidos. O Decompondo a linguagem É preciso então conservar toda a
leitor não só pode receber o escri- precisão desta imagem; isto quer
to, mas compõe com ele. A palavra Na beirada da metalinguagem, dizer que se finge voluntariamen-
catalisa, semeia o acordo silen- desviamos em busca aos meios te permanecer no interior dessa
cioso, de onde podemos retirá-la”. de se subverter o código padrão consciência, e que se vai des-
(SERRES, p. 85, 2001). A poesia para produzir outras maneiras de mantelá-la, abatê-la, desmoroná-
grita, esparrama suas percepções conhecimento em arte. Para que -la, por dentro, como se faria com
e não se fecha em suas impres- as funções da linguagem não se um cubo de açúcar embebendo-o
sões. A função poética da lingua- confundam no decorrer do texto, em água. (BARTHES, p.70, 2003)
gem cria um desvio na função serão utilizados os conceitos de
normativa da língua, propondo Roland Barthes de escritura e Seguindo, na imagem proposta
outras formas de espaço inclusi- escrita. A escrita está para textos por Barthes, em que dois mate-
ve a própria inutilidade dos versos. mais técnicos, não-poéticos e riais totalmente miscíveis entre 66
si geram outro material, podería- não seria a escritura o próprio Texto em registro
mos deslocar para essa imagem duro e o princípio da decom-
os conceitos de escritura e escri- posição reino da linguagem? O acionamento da escrita como
ta. O resultado de tal mistura modo de registro poético de ações
seria tal qual uma outra escrita Todavia, outrar-se na escri- performáticas pode ocorrer por
para a arte. Michel Serres, em seu ta, aventurar-se na mescla e na n motivos. Dentre eles destaco
livro Os Cinco Sentidos, desfi- busca de um texto possivelmen- alguns possíveis: falta de plane-
la essa possibilidade de escrita, te aberto em significados, inana- jamento (já que muitas das vezes
compõe seu pensamento filosó- lisável por se encontrar no lugar essas ações ocorrem sem prepa-
fico, a partir de um texto poéti- da mistura, é também buscar ro prévio e sendo o registro conse-
co, que tem por intencionalidade a minha própria decomposição quência e não prioridade da ação
transpassar tanto a escrita como enquanto autora. A linguagem é preciso repensar os modos de
a escritura. Durante a leitura do existe em todos nossos meios de registro), pelo não-desejo de regis-
livro é possível sentir a mescla, comunicação e como decompô-la tro audiovisual (ao mesmo tempo
o copo de água com açúcar, sendo ainda possível a transmis- em que através do próprio texto é
entre as funções do texto. Serres são sensível de alguma ideia? possível identificar imagens gera-
aborda em seus livros os concei- das no texto, imagens imagina-
tos de doce e de duro. Embora Decompor-me, e decompor a das, entre autor e leitor) por estar
água com açúcar seja uma mistu- linguagem pela qual me expresso, só em performance e também pela
ra evidentemente doce ao pala- convoca a escritura, o duro, para impossibilidade do registro audio-
dar, mas nesse caso, nessa repensar o próprio reino da lingua- visual devido a regras do próprio
mistura possível de funções de gem (SERRES, 2001) condiciona- espaço onde se está agindo. Essa
um texto, antes ela seria uma do pela sensação de fácil diges- última situação foi um dos fato-
bebida dura, onde a mistura se tão das propriedades do doce. Os res que me levou a gerar o registro
faz inanalisável (p.75, 2001). códigos verbais, ao se desdobra- escrito que se segue. Realizado em
rem em si mesmos, questionam a Santa Fe, bairro da cidade colom-
O doce é acetinado, macio e capacidade de bagunçar ou rees- biana de Bogotá, a ação Coração
licoroso (SERRES, p.111, 2001) truturar a linguagem. Ampliam a da Terra foi impedida pela própria
bem como a função da escri- forma e a poesia compõem uma comunidade de gerar registro. Ao
ta. O doce traz os signos e, com maneira possível de se estar no mesmo tempo em que a comuni-
eles, sua significação, ao passo mundo questionando-o e não dade do bairro que é controlado
que quando o dado (objeto refe- somente aceitando normas. As por milícia, traficantes e prostitu-
rido) se assemelha ao duro palavras dançam dentro do corpo tas (nossas anfitriãs nesse espaço)
caminha próximo às escrituras, que as embala em escritura, não não nos impediram de prosseguir
isto é, toca a pele, rasga certe- estão sozinhas dissociadas do a ação. Desligando as câmeras
zas, deixa dúvidas, gera refle- corpo. Escrituras são sobretudo e fazendo a ação, várias pesso-
xões e ações. A esta maneira, secreções, canal líquido propício. as chegaram até nós curiosas, a 67
69
aproximando como numa dança de detalhes na imanência do vivido. O frases soltas, adormece em casa,
uma música totalmente desconheci- texto transpõe o corpo, imagetiza manda cartas e escreve disserta-
da. Ao mesmo tempo em que como sensações, mas não poderá dá-las ção. Escrever compõe também a
Clarice Lispector, Fernando Pessoa, ao exato. O corpo sincero se insere. esfera do indizível. Todos escreve-
Alice Ruiz e Gilberto Gil em suas mos, reorganizamos e compomos
composições propiciam outra sensa- Cadernos e mais cadernos, acumula- com a linguagem que permeia todos
ção: pairar sobre um escrito, uma dos e preenchidos, alguns perdidos, os códigos. Mas escrever, tão somen-
escritura (s)em dúvida, desfrutá-lo. abrigam também outra linguagem, te, não basta. É preciso, ao mesmo
em que os códigos mais doces e dire- tempo que impreciso também, criar
No processo de fazer artístico – prin- tos reinventavam-me na existência na linguagem e na performance
cipalmente com a performance – o no mundo. Assumo a dureza que é seus próprios desvios poéticos. A
caderno se mostrou como parte escrever sobre o meio, no proces- busca do registro de performance
íntegra minha e das ações criadas, so, nesse ponto nevrálgico da escri- através do texto poético é mais uma
comecei a percebê-lo como indisso- ta onde não há doçura. O terreno é forma de (im)precisar a linguagem,
ciável de mim, lá vários apontamen- arenoso em possibilidade, instável, assumindo também o lugar duro de
tos de rotas surgiam, persistiam, mas mas fértil. “O essencial fica sendo registro e ampliando os rastros e
no corpo é que tudo se torna som. a multiplicidade. ” (SERRES, p.273, sensações das ações executadas.
Os processos de criação que trans- 2001) A escritura se apropria do devir
bordavam inclusive a literatura e a e do movimento do próprio corpo e Referências Bibliográficas
partilha dos cadernos (antigos diários da construção de si como espaço de
secretíssimos) surgiu de forma sutil, arte. Se por vezes escrevo, sinto no BARROS, Manoel. Poesia Completa.
esboçando início de um reconheci- escrito voz, movimento, gosto, baba, São Paulo: Leya, 2010.
mento próprio, nesse duro conforto suor e gozo. Escrevo e escorro.
que o ato de escrever me deslocava BARTHES, Roland. O prazer do
e do prazer corporal que me dava. Ao deslocar o ato da escrita das insti- texto. Trad.: J. Guinsburg – São
Codificar e bagunçar mais ainda as tuições que pautam seus conheci- Paulo: Perspectiva, 2010.
minhas sensações vividas, foi então mentos (instituições, editais, ques-
que comecei a me atentar para as tões judiciais) encontramo-nos com BARTHES, Roland. Roland Barthes por
voltas que surgem em alguns escri- poetas populares, línguas indíge- Roland Barthes. Trad.: Leyla Perrone-
tos meus, escritos esses sinuosos de nas, inventadas, códigos pessoais Moisés –São Paulo: Cultrix, 1977.
alvo não muito nítidos. Ao reler-me alfabetizados ou não. “O prazer do
que constatei que sou ruim para fazer texto seria irredutível a seu funcio- LISPECTOR, Clarice. Água Viva. Rio
descrições das coisas, mas tudo bem namento gramatical, como o prazer de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
isso não pesa muito aqui. A escritu- do corpo é irredutível à necessidade
ra aparece como a curva do caminho fisiológica. ” (BARTHES, p.24, 2010) SERRES, Michel. Os Cinco Sentidos.
do texto, forma mais cativa de falar A escritura como modo de reinven- Trad.: Eloá Jacobina – Rio de
sensações, de adjetiva-las, compor ção de si escorre pelos muros em Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 71
Escritos de “artista-etc”
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
de Oliveira1
panorama das estruturas de agenciamento e funcionamento por meio da escrita,
dentro do contexto da produção artística, e especificamente, partiremos dos
textos e reflexões do artista e pesquisador Ricardo Basbaum, com enfoque
no trabalho “Manual do artista-etc” que possui o caráter de reflexão a respeito
dos trânsitos entre artes visuais e discursos verbais, arte e linguagem,
práticas poéticas contemporâneas e cenário de atuação do fazer artístico.
Abstract
Given the high performance that universities give the artistic production since
the mid-1960s and before, with the shift of production of manifestos and writings
of avant-garde artists and then from neovanguarda, it is essential to reflect
on the Writing role in the activities of artists until today, since then, reveals a
place of frontier between theoretical activities, historical, critical and creative in
these productions. The purpose of this proposal is to explore, speculatively, the
panorama of agency structures and working through writing, within the artistic
production context, and specifically, will leave the texts and reflections of the
artist and researcher Ricardo Basbaum, focusing at work “Manual de artista-etc”
that has the character of reflection about the transits between visual arts and
verbal speeches, art and language, contemporary poetics and artistic practices.
Esta é uma fala que se inicia no centro de um problema que já pode ser anun-
1 Artista e Mestre em Poéticas Contemporâneas pelo PPG-Arte/UnB. ciado pelo seu título. Ou melhor, independente e antes disso que o título signi-
Email: gregoone@gmail.com fica, o problema é anunciado por ser apenas um título, escrito. Melhor ainda, 72
antes de apenas ser um título escri- que tomando para si a preferên- insistindo por manter um pensamen-
to, proposto com palavras, o contex- cia ou a prioridade de dizer o lugar to mais propenso a defender suas
to é de uma fala, de um discurso. de uma escritura “sensível”. Seria diferenças às suas ressonâncias.
Que pressupõe (para não dizer ainda preciso perguntar, então, antes de
que, na verdade, exige), um discurso tudo, dois pontos: 1) o que é uma Minha hipótese provisória, que não
lógico, coerente e, principalmente, escritura sensível, 2) de artista? poderei defender aqui, mas que
verbal. E deste modo apenas pode venho desenvolvendo há quase
acontecer pelo pressuposto de que Começando pelo segundo, pergun- dois anos no mestrado prestes a ser
tal discurso ocorrerá em um deter- to-me pelo lugar do artista, então, concluído, e que é levado em conta
minado contexto, bastante especí- escritor. Minha suposição, pelo que nesta fala, é de que o problema,
fico: acadêmico, histórico etc., que posso entrever neste fundo obscu- na origem e no fim, de compreen-
também pressupõe exigências espe- ro, sem poder entrar em moti- são metodológica (já que coloca a
cíficas. Eu poderia estender mais vos políticos, é que tal proposição questão dos meios para os fins), é o
a descrição deste tapete no qual coloca como fenômenos antagôni- mesmo: o poético em questão; onde
pisamos, que permanece sempre em cos, mais uma vez, o antigo prob- este, por sua vez, define-se pela
perspectiva, para tentar dizer que lema da representação, que situa a pergunta sobre sua origem e fim, tal
o problema que apresento aqui é complexa relação entre as especi- como a famosa figura da serpente
um problema fundo, ou talvez, sem ficidades da palavra e da imagem. valeryana que come o próprio rabo.
fundo, para não dizer (já dizendo), Tal proposição categórica, de
obscuro. E este texto, pretende ser gênero, parece compreender que Diante disso, talvez seja possível
apenas um exercício, um esboço para haver a relevância, ou a confi- fazer uma defesa de que tal figura
para uma escavação que não acaba- guração do tema, o artista tem a “maniqueísta” dos artistas (aparen-
rá aqui, pois contínua, coletiva, em escrita como prática indiferente. Ou temente analfabetos), nunca exis-
coro, como talvez todas as que serão seja, por ser um artista que lidaria tiu. Ou, pelo menos, e talvez mais
apresentadas nessas mesas, nome- com a preponderância do “visual”, necessário, verificar que ela não
adas “escrituras sensíveis”, com do “plástico”, que tem como maté- corresponde com o “artista” que
o objetivo pré-anunciado de lidar ria a imagem, a priori, não lida com se tem configurado no contex-
com a questão metodológica entre a palavra, não lida com o discur- to da arte contemporânea, como
“processos poéticos” e textualidade. so verbal. Sem tentar construir um sabemos, bastante letrado.
cenário histórico e teórico rigoroso
A primeira questão que proponho (que seria necessário), é possível Tal contexto configurador de um
(e talvez já a última, devido o curto pressupor que tal imagem de “artis- corpus de artistas que se utilizam da
espaço-tempo que temos), é pensar ta”, recorre e conserva a clássica “escrita”, ou da “escritura” (enquan-
o porquê se configurou a especifici- pendência cultural entre pintores to ato da escrita), é relativamente
dade de uma (quase) categoria (ou, e poetas e suas matérias poéticas simples de ser identificado a partir
quase gênero) de uma “escrita de também categóricas, que parece das vanguardas modernas até a
artista”. Que adiciona, ainda, como nunca se resolver por completo, uma intensificação a partir das 73
décadas de 60 e 70, que além de estes “horizontes de variação” (p. de transformação do virtual “em
constituir uma nova conformação 21) na atuação do artista, que deve um empreendimento concreto”. É
das universidades na formação de se dar pela necessidade das ações e uma linha que, paradoxalmente,
artistas, configura um quadro opera- “negociações permanentes” que são define e une pelo entrelaçamen-
tivo na produção de obras visuais imperativas na atuação da forma- to, borrando a definição espacial
que inclui uma dimensão crítica e, ção da imagem do artista diante (e conceitual) “dentro / fora”. Ela
por isso, já, discursiva, que reverbe- no circuito de arte. Precisamente, é a própria imagem da mancha da
ra a crítica institucional, a teoria e a o uso do “etc” é a compreensão de “linha de fronteira”, da qual recorre
história da arte de maneiras justas que o artista não é um ser alheio à Basbaum para o exercício da atua-
e sobrepostas, ou híbrida, onde cena artística, e, portanto, não basta ção artística (e, já política), “posi-
visualidade e discurso permanecem que ele apenas produza “imagens”, cionando em uma zona intermediá-
entrelaçados, bem como o papel do mas também compreenda (e exer- ria, membranosa” (p. 40), tornando
artista no “circuito de arte”, que por cite a compreensão) que o percur- a linha “permeável, tátil, poética –
sua vez passa a colocar em pauta so que tais “imagens” fazem “fora menos fronteiriça”. O “artista-etc”
questões, por exemplo, de compre- do ateliê”, conforma elas mesmas. poderia ser compreendido, então,
ender o campo de atuação do Neste sentido, o “objeto” e a “maté- como um paradoxo deliberado.
“circuito de arte”, ou seja, suas defi- ria” da obra não são apenas os É, pois, um “modo de ser parado-
nições e agenciamentos, bem como materiais físicos, mas também xal”, para citar uma expressão da
seu próprio papel enquanto agente os metafísicos. Ou seja, não só o Anna Bella Geiger, que caracteri-
formador do cenário artístico). concreto das coisas, mas o concre- za: “um espaço aberto – um mundo
to da linguagem também é maté- aberto/ a coluna vertebral/ a passa-
Portanto, é exatamente no centro ria poética (esta, por sua vez, não gem de um modo de ser a outro”.
desse contexto, ou em sua ponta, é só a literal, mas também a figura-
que se encontra as questões de da). Sendo assim, ela é e não é, ao Deliberado da mesma forma são
uma plasticidade em diálogo (ou em mesmo tempo. Em matéria de escri- as decisões metodológicas, impos-
confronto) com a textualidade na ta, é conteúdo (o que se escreve de tas por tal problema de “escrever
atuação do artista contemporâneo. uma imagem); por outro, é a mate- imagem”. Estas impõem um para-
A citação que utilizo no título desta rialidade residual, literal do termo, doxo no qual é preciso assumir, pois
apresentação já indica, assim, uma o que ocupa espaço, uma substân- elas não funcionam aqui no seu uso
opção, ou, pelo menos, um exem- cia corpórea (com o que, como e comum, como um caminho “seguro”
plo de tentativa de resposta a este onde se inscreve uma imagem). a adotar, no sentido de uma “chave
problema. A referência (talvez óbvia, mestra”, de um manual fixo etc.;
para alguns), é ao livro do também Uma imagem-conceito possível, por são, antes disso, instrumentos de
“artista-etc” Ricardo Basbaum, meio do desenho, como exemplo viagem que afirmam o “metá-” no
chamado Manual do artista-etc desta atuação híbrida, é a propos- sentido etimológico de “método”,
(2013). Basbaum recorre ao “etc” ta “caminhando”, de 1964, por Lygia que está mais para o sentido de
com o objetivo de “apontar” para Clark. Segundo ela, é a possibilidade “trans”, de “depois” (do hodós, do 74
caminho), que poderia ser inter- sensível. É possível afirmar que faculdades superiores, que impedem
pretado também como aquilo que justamente aí, nessa “dupla expe- a possibilidade de medir “o peso da
está, de alguma maneira, para fora riência”, segundo Basbaum: sensibilidade” sobre as experiências.
do caminho; ou, que pelo menos,
assume no caminho a possibilidade sensorial e conceitual: [que] o tra- Neste contexto, a atividade poéti-
de transpassá-lo, de modificá-lo, de balho de arte, em toda a sua ma- ca parece ser a que ainda, e talvez
errá-lo, ou por fim, de duvidar do seu terialidade, exercita plenamente desde muito tempo, permanece neste
caráter “-lógico” e desviá-lo. É mais, a capacidade de funcionar como lugar de indecisão intermediária, no
assim, um descaminho, construído ponto de atração, um centro transi- meio e acima da linha; e a tarefa da
no próprio caminhar. As decisões tório que reordena tudo a sua volta; escrita, não necessariamente sensí-
poéticas do “artista-etc”, portan- esta potência de atração é resul- vel por si, parece permanecer com o
to, prezam pelo desvio, pela inse- tado do campo sensorial criado objetivo de produzir imagens sobre
gurança, pelas dúvidas, pelo erro, pelo trabalho, do padrão sensível as imagens, necessariamente sensí-
pela indecisão, que frequentemen- de pensamento que se dá com a veis, erraticamente, nem por isso
te retornam, voltam (ou re-voltam). intervenção; assim, esse campo menos ética e política, compreenden-
sensorial é inseparável da rede do e sentindo, o ser do problema que
O importante, nesta atuação híbri- conceitual que o coloca em ação e insiste, já sabemos, resultar poético.
da, segundo Basbaum, é não cair na que agora se vê forçada a reconfi- Possibilitando que discurso sobre a
“armadilha das cadeias de causa e gurar suas conexões. Assim, o tipo obra e discurso da obra se confun-
efeito, que podem envolver o traba- de escrita que podemos chamar dam, se emaranham, até ser neces-
lho de arte em um relacionamento de prospectiva fabrica estrategica- sário novamente retornar às pergun-
linear, estranho ao seu funciona- mente um sentido de atualidade tas fundamentais, fundas, obscuras,
mento, forçando-o a abandonar seu que designa e desenha a interven- das origens e dos fins, na tarefa da
potencial multiplicante”. O artista, ção proposta (Basbaum, p. 44). própria escritura sensível, tais como
deste modo, é aquele que escreve a que propôs Francis Ponge: “de onde
de dentro do seu trabalho: “intera- Apesar disso, é preciso ao menos vem essa diferença, essa margem
tuando com os trabalhos de modo pontuar, que a pergunta pelo sensí- inconcebível entre a definição de uma
a enfatizar sua atualidade e perten- vel, em relação ao sujeito pensante, palavra e a descrição da coisa que
cimento ao presente: a combina- falante, letrado, admitido artista ou a palavra designa?” (Ponge, 1997,
ção de texto prospectivo e traba- não, permanece tarefa da teoria do p.21). Certamente, esse pergunta só
lho de arte fabrica um agregado conhecimento. É isso que propõe, por pode ser respondida no mesmo tom,
conceitual-sensorial que de fato exemplo, Emanuele Coccia, em uma ou seja, no tom do próprio Ponge:
opera como produção real” (p. 43). física e antropologia do sensível, 2010.
Para ele, as “imagens” é o próprio Como se pode escrever? Talvez se
O que nos insere agora, retor- do sensível, e estas se dão pois trate de uma espécie de piedade, de
nando, por fim, no primeiro ponto “existe algo de intermediário” que, de solicitude, enfim, tenho o sentimen-
da pergunta: sobre a escritura alguma forma, é obscurecida pelas to de instâncias mudas por parte 75
Referências bibliográficas
76
Resumo
Abstract
Café com ZMário, as well as the performative and relational cuisine, is a pretext
for the creation of the meeting and the oral text about our lives, professions,
loves, desires, frustrations... The coffee machine, the portable stove, the diverse
and colorful cups and mainly the stimulating drink become ways and aesthetic
objects for producing a characteristically mayfly art work. This essay presents a
poetic description with a brief analysis of the Café com ZMário, action developed
on the border between art and life by the subject-object of his own creation.
– Você está servindo café aí? câmeras para uma foto, provaram
um café imaginário, durante uma
– Não! Aqui estão, apenas, os conversa cotidiana. Construção
utensílios para uma foto. de intersubjetividades nas frontei-
ras entre a arte e a vida. Não fui
– Ah! Vamos tirar uma foto então! à procura daquele outro, naque-
le primeiro momento de elabora-
De imediato, o senhor assumiu o ção da obra. O que o atraiu então?
controle da situação, pousando com O inusitado do cenário compos-
sua família para o registro do primei- to por cafeteira e xícaras, tendo
ro café (sem café) com ZMário. ao fundo um outro cenário em
Nesse momento, deixei de ser o ruínas? Penso que não... Voltei para
profissional em atividade de expe- casa com a sensação de que por
rimentação para me tornar espec- mais que aquelas xícaras expres-
tador de minha obra por nascer. No sassem o vazio, já se mostravam
olho do outro, no olho de Panoptes, cheias da essência do Café com
pan-ótico, “o melhor vigilante da ZMário: o encontro! (Figura 2).
terra e do ar” (SERRES, 2001, p. 33),
vi minha imagem refletida como
num jogo de espelhos e sedução. Mais uns cafezinhos?
O corpo implica primeiramente Na segunda vez em que apresen-
consciência de si. Essa só se dá tei ou servi o Café com ZMário,
através do outro. O Outro, espe- estava atuando como coordena-
Fig. 2. Café com ZMário (+ Levando os elepês de Gal para
lho distorcido e inalcançável, me dor do ciclo de debates “Fazendo
passear... por Arthur Scovino), 2012. Parque de Esculturas
do MAM-Museu de Arte Moderna. Salvador-BA. Foto: torna sabedora de mim mesma. É Sala”, durante a I Mostra OSSO
ZMário. através do outro que me conhe- Latino-Americana de Performances
ço, me conheço como diferente e Urbanas - MOLA. Evento promo-
construo minha particularidade a vido pelo OSSO Coletivo de
partir dessa diferença, me torno Performances Urbanas4, do qual
sujeito único, subjetividade tão la- fui um dos artistas/fundadores,
crada em mim mesma quanto esse no segundo semestre de 2010.
outro. (MEDEIROS, 2005, p. 165). Durante o evento, a água fervia
4 Blog do Osso Coletivo de sobre uma chapa de metal conecta-
Performances Urbanas. Disponível Nesse breve contato, o eu e o outro da à rede elétrica. O café foi servido
em: <www.coletivosso.blogspot. (o senhor e sua família) comparti- na Praça Pedro Arcanjo e ruas do
com.br>. Acesso em: 8 jul. 2015. lharam o mesmo espaço, trocaram Centro Histórico de Salvador-BA. 79
Naquela ocasião, conheci um dos sempre. Fruto de extenso trabalho ou fotografia, desse momento fique
filhos do saudoso sambista baiano prático, CU percebe a obra de arte num segundo plano de análise, uma
Batatinha e com ele conversei sobre em contínua transformação com a vez que considero as subjetivida-
a vida, o samba e a própria obra cidade e seus habitantes, ao invés des reveladas durante o encontro
artística no momento em que estava de isolar, ferir, interferir (interven- como principal elemento da obra.
sendo apresentada, ou seja, servi- ção: processo de fora para den- Questionamentos: como salvaguar-
da. Nesse tipo de produção, artista tro, onde algo do fora se impõe ao dar (unicamente através do regis-
e público; arte e vida são constante- dentro), interferir, inter-ferir. (AQUI- tro fonográfico?) algo tão precioso
mente “con-fundidos”. A discussão/ NO; MEDEIROS, 2011, p. 51). e íntimo, que são as estórias sobre
reflexão sobre o trabalho acontece nossas vidas, amores, profissões,
durante a apresentação do mesmo – Dessa maneira, seguia pela cidade expectativas, segredos etc. sem
o que coloca em evidência o caráter em ação (com)positiva: distribuindo ser invasivo, sem perder de vista
metalinguístico da obra. Não desejei xícaras, pires, bule e fogareiro por o caráter confidencial das conver-
nem planejei registrar tal momento sobre as calçadas; nos bancos das sas ocorridas durante o Café com
de descontração durante o café. No praças; entre monumentos, grama e ZMário? Como escrever sobre essa
entanto, uma colega performática que árvores. Compondo e decompondo. arte tão próxima da vida? Segundo
por ali passava capturou o efêmero de Registrava e veiculava as imagens a Profa. Maria Beatriz de Medeiros,
nosso encontro através da fotografia. em meio virtual, na minha página na
WEB6, também como “composição Só seria possível falar em arte a partir
A cada apresentação, pensava em iterativa, isto é, relacional, participa- de sua essência, isto é, como poesia.
abandonar os registros em vídeo tiva, colaborativa”. Na “urbis virtual”, Poesia, momento da linguagem no
durante o Café com ZMário, porém, as imagens revelam que o cafezinho qual o finito é aberto para o infinito,
seguia fotografando – ainda que passa de mão em mão. Cada qual como afirma Valéry para as artes vi-
tão somente os utensílios manusea- recebe o bule, serve o café, bebe, suais. Poesia e artes plásticas, cada
dos durante o preparo da bebida, o passa a seu vizinho; a passagem qual com sua linguagem, abrem o
que restava do encontro, a borra do da bebida estimulante faz dela uma mundo, deixando entrever um outro
5 Blog do Grupo de Pesquisa café, enfim, os resquícios da perfor- estância e um motor de circulação. do mundo, um possível do real. Não
Corpos Informáticos. Disponível mance. Não defino a ação com o Esta descreve o grupo, segue o fio é possível falar sobre arte, escrever
em: <www.corposinformaticos. café como uma interferência ou da relação. O grande bule, quase- sobre arte, com a língua que usamos
blogspot.com.br>. Site oficial: uma intervenção urbana. Em conso- -objeto, traça as relações entre os no cotidiano. Essa linguagem está
<www.corpos.org>. Acesso em: 8 nância com o Grupo de Pesquisa apreciadores de um bom cafezinho, envelhecida, esquadrinhada e desvi-
jul. 2015. Corpos Informáticos5, nas ruas, de uma boa conversa, ele trans- talizada. (MEDEIROS, 2005, p. 53).
proponho Composição Urbana - CU: mite, tece, objetiva aquilo que une
6 Blog do artista/autor. Disponível o grupo. (SERRES, 2001, p. 178). A partir dessas reflexões, decidi
em: <www.zmarioperformer. Esta arte, parte da vida, com a ur- publicar os temas específicos
blogspot.com.br>. Acesso em: 8 jul. bis, compõe (Spinoza, Deleuze e Agora proponho que todo e qual- de cada café através de subtítu-
2015. Guattari) e ao compor decompõe, quer registro em imagens, vídeo e/ los elaborados poeticamente. Da 80
xícara dividida com o outro (com muita conversa, numa galeria, para de peixes, unicórnios, gramofo-
ou sem cigarro) na hora do rush, justificar que o artista não gosta de nes e libélulas aparecem no fundo
no tempo de um racha. Os carros café amargo. De olhos vendados, da xícara de porcelana. Na caneca
param. Um motociclista também enquanto a água fervia e tomava a de esmalte da vovozinha, a borra
já parou. Abastecidos de cafeína cor do café, ele ia por entre xícaras costuma tomar forma de açude,
– C₈H₁₀N₄O₂ –, seguiram a reta. em busca do ponto de ebulição da carcaça de bicho, mandacaru e
performance. Vinte minutos crono- prato de farinha com carne seca.
Asa de xícara quebra, bico de bule metrados por uma lebre lerda de um
quebra, pires quebra também. Nada país de maravilhas: um país tropi- Quantas xícaras de café um homem
é restaurado! Os utensílios do café cal. Um café de vinte minutos é mais branco, heterossexual, adulto, rico,
não são capitalizados como fétiche gostoso na galeria ou na padoca? pós-graduado, consome por dia?
do mundo da arte. O bule da perfor- As horas são intermináveis quando E uma mulher negra, homossexu-
mance “Garçon”, 1976, de Chris a conversa é amarga e as gentes al, adolescente, pobre e analfabe-
Burden, está em alta no mercado frias. Conversa morna ainda desce. ta? Café com leite é luxo. Não se
– o que a re-venda de cafezinhos toma em tempos de vacas magras.
nunca (a)pagará. Para quê? Para Em Curitiba, o café ficou meio Logo, há protesto! O manifesto do
quem? Quanto vale? Vale cafezinho! morno, mas a conversa estava café doce-amargo tem para todos
Café delivery, free, na encruzilhada quente! O fazedor de cafezinho os gostos: Não à glamourização do
das ruas sujas. O cafezinho não se trocava dicas profissionais com cafezinho! Não à gourmetização da
transmuta em mate de coca ou chá uma artista fotógrafa, diarista dos performance! O cafezinho é encon-
de boldo para ser trocado por confi- serviços domésticos. Enquanto um trado em todas as casas de gente
dências, segredos ou memórias. serve café na praça, outro atua comum. É aquele do boteco. Às
Quando o aroma penetra as narinas como funcionário público, outra vezes, sai uma média. Cada um sabe
e toma o corpo inteiro, fala quem limpa banheiros à espera da melhor quanto custa um cafezinho nessa
quer falar. A língua cala e aprecia. luz. Esses nossos eus provando vida... Para mim, o Café é encon-
outras maneiras de ser e estar no tro onde a linha de fronteira entre
Por favor, tire sua porcelana fran- mundo... Criar rostos diversos para o eu do artista e do ser alheio se
cesa do museu e vamos passe- manter a obra viva, em pleno exer- rompeu. Salve, Waly! O cafezinho é
ar com meu cafezinho nas ruas. cício de liberdade. Mãe de santo nosso poema brasileiro de cada dia.
Tenho apenas o café. No truque da hacker também é rosto. Jogar búzios
venda informal, em Salvador e em e abrir um tarot é como tomar um
Bogotá, carrinhos fuleiros de cafezi- cafezinho à espera do dia seguin- Só por hoje... O último
nho passeiam. Nas xícaras também te... é um tipo de café tragado
já foram servidos: vinho; água; para aplacar a ansiedade, embora
cafezinho!?
vodca; Coca-Cola; chá; suco – tudo intensifique ainda mais a sede de O Café com ZMário ainda está sendo
isso também é Café! O café sem cafeína. O que sobra é a borra, processado. A carta está aberta a
açúcar é exceção. Foi tomado com onde o futuro se revela! Imagens sugestões. A cada exposição, mais 82
PROGRAMA SOTERÓPOLIS-TVE,
2011, Salvador-BA. Devaneios
(Luciana Accioly entrevista ZMário).
Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=jJ9gXqPN-
Nz0>. Acesso em: 10 jul. 2015.
Rasgar o intransponível
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
Claudia Washington1
que confina a vida, cria passagens, vias de transporte, outras paisagens. Este
texto versa sobre a arte que se faz rasgo: Étant donnés: 1. La chute d’eau, 2. Le
gaz d’éclairage…; Vazadores; Experiência nº 2; Cuando la fe mueve montañas;
e O Muro. A busca é por caligrafar seus vazios no sentido da ilegibilidade.
Abstract
1. Rabisco Mundinho
1 Claudia Washington (claudia@transitos.org) é doutoranda no Instituto de Artes da
Universidade de Brasília, bolsista Capes, sob a orientação da Dr.ª Maria Beatriz de Medeiros. Não é que seja simplesmente malfeito, é que a coisa se aparenta com o gato
Mestra em Processos Artísticos (UDESC), Especialista em História da Arte Moderna e de energia. Um bolo desordenado de linhas muito evidentes, indiscreto mesmo,
Contemporânea (EMBAP), Graduada em Educação Artística – Artes Plásticas (UFPR). Websites: do qual só vislumbramos a superfície ou um sutil rabisco entre as paralelas
http://transitos.org, http://claudiawashington.wordpress.com. da norma técnica. Não é um buquê perfumado, tem cheiro de fio queimado.
85
Num contorno rápido trata- centrais de espionagem; etc.3 Uma estabelece infindáveis planos
rei dos limites: rede redundante e paradoxal com e caminhos que estabilizam e
centros de controle definidos, limi- escoam a vida como curso contí-
As formas do mundo contemporâ- tada, rígida, contínua, dobrável, nuo ao mesmo. Continente que
neo intensificam o “controle sobre maleável, variável, adaptável. nos enlaça feito múmias. A arqui-
a produção de signos, de sintaxe tetura, a engenharia (estradas,
e de subjetividade” por meio da Nesse mundo o movimento usinas, lagos artificiais), o urba-
mídia. (GUATTARI, 1990, p. 31) pode ser “vetor de emancipa- nismo são estruturas rígidas que
ção” enquanto “cultivo da produ- ordenam a circulação dos corpos,
O sistema contemporâneo, orga- ção singular de existência” e conformam os lugares, assim
nizado em rede, também chama- ampliação dos “territórios subje- como o tecido social, o sistema
do de regime da comunicação, tivos”, como na lógica do artista econômico, a normatização cultu-
fundamenta-se na instabilidade e que aceita o acidental e a deriva ral e as instituições de todo tipo.
na desestabilização, exclui qual- em contraponto à “subjetivida-
quer “intenção” por parte dos seus de capitalística”, a “lógica das O espaço é resumido a uma série
atores, privilegia o “continente”, intensidades” considera apenas de confinamentos, os característi-
isto é, os papéis e os seus luga- o movimento na intensidade cos da opressão e os próprios da
res. A rede se repete indefinida- dos processos (GUATTARI, 1990, existência. Tudo parece intrans-
mente, seus diversos canais de p. 27-28). O movimento ainda ponível. Embora não haja remé-
conexões reproduzem sempre a pode ser a circulação no merca- dio ainda para os confinamen-
2 Existem servidores mesma mensagem nas diferen- do da arte e também o conteúdo tos próprios da existência, a arte
livres, pesquisas de transmissão via tes versões técnicas, a tautologia das obras (CAUQUELIN, 2008). frente aos contextos endureci-
rádio, softwares e hardwares livres, é a regra. (CAUQUELIN, 2008) dos pode forçar caminho e atra-
mas nenhum deles com o alcance Essa multiplicidade das rela- vessar os limites do seu próprio
dessas corporações. Os dados O controle exacerbado e a tauto- ções espaço-tempo que confor- sistema, talvez os limites sociais.
sobre as companhias fornecedoras logia compõe o espaço cotidiano mam o movimento e se confun-
de servidores tem referência no fechado. A rede não é descen- dem na prática artística. A As pessoas, nos seus modos de
website http://www.gartner.com/ trada como se supõe. É possível imobilidade e mobilidade são fazer, reinventam no cotidiano
newsroom/id/3118717, acessado identificar centros de poder, por estratégias de resistência ao os usos dos lugares, constituem
em outubro de 2015. exemplo: nas principais compa- sistema e simultaneamen- espaços de movimentação possí-
nhias fornecedoras globais de te plano de comercialização. veis de viver (lugares praticados)
3 Ainda que a rede servidores, sem os quais nenhu- “através das artes do fazer, da
tautológica coexista com ma navegação na web, nos mode- caça não autorizada e das táti-
a disseminação de fluxos los mais populares, pode ocorrer2; 2. O espaço cas de resistência”, escapando
multidirecionais que atravessam nas maiores indústrias farmacêu- do planejamento e da homoge-
fronteiras entre disciplinas e ticas, alimentícias e de pestici- Continente. A rede maleável e limi- neização (CERTEAU, 1994, p. 38).
lugares. das, de produção de armas; nas tada (com doces centros duros) A arte seria então um meio de 86
Imagem 3 - … assistia emocionado ao meu Nessa sobreposição de caixas o Estes vazios não podem ser pre-
desmanchar. Ilustração no livro Experiência n.º artista continua a construir as suas, enchidos pela imaginação porque
2: realizada sobre uma procissão de Corpus- instituiu a vigilância a outros quatro a imaginação elaborando sempre
Christi: uma possível teoria e uma experiência, artistas: coloca uma mesa e duas uma linha fictícia colocaria peças
1931, Flávio de Carvalho, São Paulo. cadeiras na obra de cada um deles relacionadas à sua linha de con-
e contrata um segurança para vigiar duta e provavelmente alheia ao 90
mecanismo dos acontecimentos. perfurar a crosta astuciosa. rotina tem a vantagem de ser cria-
Os vazios não devem ser preen- dora”. (CARVALHO, 1931, p. 115)
chidos e devem continuar como Parece que em redor das nações,
vazios. (CARVALHO, 1931, p. 33) dos grupos dos homens, dos ob- É rasgo pois, como declara o artista,
jetos do mundo, das coisas do nasce de uma pressão profunda, é
Os vazios, que compõe o proces- universo, se forma uma tensão de defesa contra a extinção, seleciona
so arqueológico por ele definido, superfície, alguma coisa de defen- o que há de mais violento e de mais
deixam claro que sua ação estava sivo, protetora, que evita a desinte- genial para manter vivo o protesto.
longe de um impulso desmedido gração e protege contra o des-
frente a massa. É assim que ele se manchar, contra uma mudança no Após a perseguição pelas ruas,
refere por várias vezes a procis- aspecto. (CARVALHO, 1931, p. 111) acoado num vão entre prédios
são, como massa. Seu relato de a mente do artista finaliza o
penetrar a multidão numa zona Essa tensão de superfície, defen- ato em sparagmos4 ao imagi-
distintamente hostil é povoado de siva e protetora é também estag- nar braços, dedos e mãos surgin-
tensão, surpresa, violência, perigo, nante, por isso é no movimento do de uma multidão ausente que
astúcia, agressividade, carícias, de abandono da rotina, no rasgo o rasgavam aos poucos, sentin-
movimento, tempo e formas. dessa superfície, que se apresen- do alguém enfiar o dedo num dos
ta a liberdade, o encantamento, a seus olhos e puxar a pele rasgan-
O rasgo foi dado já de início, se fantasia. “É o começo de um novo do (CARVALHO, 1931, p. 43).
estendeu e se intensificou a cada mundo” onde a relação de depen-
momento. No princípio foi uma dência dos corpos frente aos objetos 3.4. Cuando la fe mueve montañas
caminhada que de observação, – repetição de movimentos sequen-
olhares, toques, tornou-se fuga. ciais infindáveis – seria substituída Francis Alÿs, propõe a transposi-
Estavam sempre presentes forças a pela sugestividade criativa destes. ção de uma duna. Convida quinhen-
se contradizer, contrastar. Sua ação tas pessoas para formar uma linha
partiu de uma estratégia de enge- Para Flávio de Carvalho o que ocorre e mover com pás a duna de 500
nharia (medição, cálculo) e tática é a substituição da rotina por uma metros de diâmetro a 10 centí-
ancestral: o corpo em alerta, os outra teoria, um pouco mais preca- metros de sua posição original.
4 Sparagmos (do grego: músculos tensos, rígidos. Não perdia vida contra possíveis despotis- O terreno desértico não é vazio,
σπαραγμός, de σπαράσσω nada ao seu redor, mesmo o que mos. A fantasia se afasta da ordem trata-se da periferia habitada da
sparasso “rasgar, puxar, não via. Surpreendeu os elemen- estabelecida mas o processo de cidade de Lima no Peru, um pueblo
despedaçar”) é um ato de rasgar tos da procissão que na passagem sua ascensão é o mesmo que o da jóven. A montanha é movida.
ou desconfigurar, geralmente em não tiveram tempo de raciocinar velha rotina: “depreciação do que
um contexto dionisíaco (tradução nem mesmo de pressentir o seu está em cima e elevação do Eu, No vídeo When Faith Moves
nossa). Disponível em: https:// intento de atravessar. No momen- da personalidade, o processo de Mountains (making of, Imagem 4)
en.wikipedia.org/wiki/Sparagmos . to do perigo escolheu o ataque para mundanismo”. Continua Carvalho: o relato de um dos participantes
Último acesso: novembro de 2015. estabelecer a dúvida. Procurava “A fantasia do revoltado fora da adverte: “A cidade que temos agora 91
permearia a cidade e abriria cami- maleabilidade, movimento. Mas O que fazer com vazio? Não se
nho para as palavras enclausuradas. se o lugar de origem da força, o trata simplesmente de fazer o
Seria o furo no sistema. A rigidez centro de poder, pretender fazer vazio? Repito: “A liberdade é uma
crescente dos tijolos de adobo se valer sua forma, sua severidade, prática” e nada da estrutura das
contrapõem a sua maleabilidade ad æternum, ao passo que rasgos coisas garante o seu exercício
primeira, o seu caráter orgânico, sua radicais sejam criados nele e que (FOUCAULT, 1994, p. 139-140).
fragilidade – argila, esterco, capim tal amplitude do vazio ameace a De todo modo o vazio no espaço,
e palha. Uma obra “nômade alimen- sua continuidade, o sistema retor- seja o do artista, seja o do siste-
tando-se dos resíduos da cidade na com a negação total, ou parcial ma, permite o sonho, dá livre
sedentária” (CARERI, 2002, p. 24). através do controle dos fluxos. trânsito físico e/ou imaginário,
mesmo que por um instante. E o
O Muro de Celeida Tostes tornou- Rasgar é objetivo, matérico e corpó- que há depois? Caminho aberto?
se um rasgo nas estruturas rígidas reo, esfacela para todos os lados, Escuta? Violência? Algum tempo
sociais, um vetor de permeabilida- por vezes incontrolável. Enquanto me indaguei sobre o que é o poder.
de e transposição de obstáculos tão movimentos de terra (tijolos, Hoje me pergunto, o que é liber-
vigoroso que não pôde ser reali- montanhas, argila) e sobre a Terra dade? Rabisco indiscernível?
zado sob pena de produzir vazios (miradas, caminhadas, marchas,
imensos impossíveis de sutura. mutirões), operam no espaço sobre- Referências
pondo-se em arquitetura, paisagem,
natureza, contextos tantos (social, CARERI, Francesco. Walkscapes
4. Transposições histórico, científico). E se fossem – el andar como practica este-
movimentos da Terra? Placas tectô- tica. Land & Scapes Series.
A contradição fundamental do nicas, continentes à deriva? Seria Barcelona: Editor GG, 2002.
rasgo é o motor para o atraves- então o grande rasgo do chão, remo-
samento da rigidez das estrutu- delaria a base dos seres da crosta, CARVALHO, Flávio. Experiência
ras: um muro atravessa a cidade e do qual só sentiríamos o sismo. n.º 2: realizada sobre uma procis-
há detentos nos jardins; a marcha são de Corpus-Christi: uma
sob palavra de ordem reinaugura O vazio da memória na arqueolo- possível teoria e uma experiên-
a paisagem, a obstrução dos olhos gia de Flávio de Carvalho é para cia. Rio de Janeiro: Nau, 2001.
leva à visão; atacar para fugir ao continuar vazio. No espaço obje-
encontro de si; construir caixas tivo ele é moeda forte da especu- CAUQUELIN, Anne. Arte contem-
para vazar o liso; fechar a porta lação imobiliária. Não só o artista porânea: uma introdução. São
para penetrar. O mesmo que nos quer o vazio, o sistema também. Paulo: Martins Fontes, 2005.
oprime nos protege (portas, pare- A demolição de casas antigas
des, muros, distâncias, véus), sua em ótimas condições de uso para DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix.
conduta depende do acordo entre empreendimentos modernos é só Mil Platôs: capitalismo e esquizofre-
intensidades, dureza dos corpos, um dos exemplos dessa prática. nia 2, vol. 2. São Paulo, Ed. 34, 2011. 94
CERTEAU, Michel de. A inven- org.br/post.php?i=368. Último SILVA, Raquel; COSTA, Marcus de
ção do cotidiano. Petrópolis: acesso: novembro de 2015. Lontra (Orgs.). Celeida Tostes. Rio
Ed. Vozes, 1994. de Janeiro: Memória Visual, 2014.
GUATTARI, Felix. As três ecologias.
DUCHAMP, Marcel. Manual Campinas, SP: Papirus, 1990. VÌDEO. Marcel Duchamp’s installation
of Instructions for the assem- “Étant donnés” at the Philadelphia
bly of Étant donnés: 1° la chute JAMESON, Frederic. Museum of Art in Philadelphia, color,
d’eau, 2° le gaz d’éclairage, 1966. Pós-modernismo: a lógica 1:25 min. Disponível em: https://
Medidas: 29.5 x 25 x 4.5 cm. do capitalismo tardio. São youtu.be/nzMznyyLwyM. Último
Doação de Cassandra Foundation, Paulo: Ed. Ática, 1997. acesso: novembro de 2015.
1969. Disponível em: http://
www.philamuseum.org/exhibi- LEENHARDT, Jacques. Duchamp: WHEN FAITH MOVES MOUNTAINS
tions/324.html?page=3. Último crítica da razão visual. In: (making of). Francis Alÿs em
acesso: novembro de 2015. Artepensamento. NOVAES, Adauto colaboração com Cuauhtémoc
(org). São Paulo: Companhia Medina and Rafael Ortega. Lima,
FOUCAULT, Michel. Entrevista a das Letras, p. 339-350, 1994. Peru, 2002. 15:06 min. Disponível
Paul Rabinow. Tradução de Heloísa em: http://www.francisalys.com/
Buarque de Holanda e Lucia Canedo. PIGNATARI, Décio. Sem título public/cuandolafe.html. Último
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Histórico e Artístico Nacional, n° Concreta: textos críticos e mani-
23. IPHAN, p. 138-145, 1994. festos 1950-1960. São Paulo: 17ª BIENAL INTERNACIONAL DE
Livraria Duas Cidades, 1975. SÃO PAULO. Catálogo. Editora:
FARIAS, Agnaldo. São Paulo, Ó Quão Maria Otilia Bocchini, São Paulo,
Dessemelhante!. Catálogo da 25ª RANCIÈRE, Jaques. O espec- 1983. Disponível em: http://issuu.
Bienal de São Paulo – Iconografias tador emancipado. São Paulo: com/bienal/docs/namea77ef4.
metropolitanas, livro Cidades. Martins Fontes, 2012. Último acesso: novembro de 2015.
São Paulo: Fundação Bienal de
São Paulo, p. 250-251, 2002. SANTOS, José Mário Peixoto. Imagens:
Publicação eletrônica [mensa-
FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO. gem pessoal]. Mensagem rece- Manual de instruções para monta-
25° Bienal de São Paulo, 2002. http:// bida por: <iawashi@gmail. gem de Étant donnés: 1. La chute
www.bienal.org.br/post.php?i=349. com> em 8 de out. 2015. d’eau, 2. Le gaz d’éclairage… (Dado:
Último acesso: novembro de 2015. 1. A cachoeira, 2. O gás de ilumi-
SERRES, Michel. Os cinco senti- nação…), páginas 10 e 11. Marcel
GIL, Thiago. Flávio de Carvalho. dos: filosofia dos corpos mistu- Duchamp, 1946 – 66. Museu de Arte
Arquivo 30ª Bienal de São Paulo, rados – 1. Rio de Janeiro: da Filadélfia, doação de Cassandra
29 Maio 2013. http://www.bienal. Bertrand Brasil, 2001. Foundation, 1969. Medidas: 29.5 x 95
Tecno_Bioma:
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
territórios de
Pretende-se nesse artigo explorar as relações entre interagente e vida-
artificial geradas quando os dois tipos de agentes estão presentes num espaço
convivência virtual
de gamearte, assim como as relações entre as vidas artificiais em prol da
modificação desse mesmo ambiente. O trabalho em questão se chama Tecno_
Bioma. Baseado em um trabalho anterior intitulado “Eco_Artificial”, seu foco está
na ampliação de Eco_Artificial para um espaço de bioma artificial criando diversos
ecossistemas artificiais conectados entre si gerando um fluxo de dados entre eles
que permita a evolução e modificação desses ecossistemas através do tempo.
por prescindir ou não da ação de e de que forma eles se relacio- este tempo de ação no interior do
um interagente para dialogar com o nam com trabalho prático a ser gamearte corre apenas quando o
ambiente do gamearte devido ao fato desenvolvido durante o trabalho. interagente está presente, na sua
de ser capaz de consumir elemen- ausência esse tempo fica em suspen-
tos do gamearte, de se reproduzir no Esses conceitos permeiam tanto a so esperando até que o próximo
mesmo e dependendo do sua natu- pesquisa anterior (Eco_Artificial) interagente entre o ambiente.
reza passar modificações hereditá- quanto a pesquisa atual de Tecno_
rias aos seus descendentes median- Bioma. Sua importância para esses Partindo desse pressuposto, Tecno_
te o uso de algoritmo genético4. projetos está na base estrutural das Bioma terá eco_artificiais com fluxos
pesquisas, esses conceitos são o de tempo distintos devido a presença
O artigo tratará dos conceitos envol- ponto de partida do qual todos os ou ausência de indivíduos. Isso torna
vidos na pesquisa como a seta do aspectos do trabalho prático-teóri- o interagente uma peça importante no
tempo, autosimilaridade e o cubo co foi desenvolvido. Eles servem que tange a modificação do ambien-
de metatron. Também tratará da como embasamento teórico para te que o circunda quando ele está
relação entre o tempo e a ação do todos os aspectos comportamentais conectado a um dos eco_artificiais.
interagente dentro do contexto do e estruturais dos gameartes espe-
gamearte Tecno_Bioma. Além desses cificamente. Além disso contribuem Enquanto houver um único intera-
conceitos o artigo trará também das como incremento para a discussão gente dentros dos eco_artificiais, o
discussões feitas com um grupo poética da pesquisa, contribuin- tempo continuará seu fluxo permitin-
de interagentes que experiencia- do para o seu enriquecimento. do ao ambiente sofrer modificações
3 neologismo para ecossistema ram o gamearte e concordaram em diversas e proporcionando experiên-
artificial. deixar suas opiniões registradas para 2.1. Seta do Tempo cias diversas dentro desses espaços.
colaborar com implementação de Assim a última modificação que esses
4 Um algoritmo genético (AG) é uma maior interação entre o intera- O tempo é um conceito chave nessa espaços sofreram fica em suspenso
uma técnica de busca utilizada gente e os elementos do gamearte pesquisa pois permite a modifica- até que o mesmo seja acessado nova-
na ciência da computação para dentro da poética de Tecno_Bioma. ção desses ambientes ao longo de mente para dar continuidade a sua
achar soluções aproximadas em um período de acordo com as intera- evolução dentro da seta do tempo.
problemas de otimização e busca, E por último será feita uma descri- ções entre as vidas artificiais presen-
fundamentado principalmente pelo ção resumida sobre o ambiente do tes e a ação do interagente nesse Essa abordagem do fluxo de tempo
americano John Henry Holland. gamearte e como se dá a interação mesmo ambiente. Ação esta que dentro do gamearte tangencia
Algoritmos genéticos são uma entre todos os entes presentes nele. se dá quando o interagente se rela- diretamente o conceito de seta
classe particular de algoritmos ciona direta ou indiretamente com do tempo (Prigogine, 1996, pg
evolutivos que usam técnicas essas vidas artificiais ou outros inte- 171) no qual o aspecto irreversível
inspiradas pela biologia evolutiva 2. Principais Conceitos ragentes presentes no gamearte. deste é mais enfático tornando-o
como hereditariedade, mutação, um gerador de sistemas comple-
seleção natural e recombinação (ou Neste tópico serão discutidos os A ação do interagente nesse espaço xos diversos que tem nessa irre-
crossing over) (Linden, 2008). conceitos envolvidos na pesquisa é importante devido ao fato de que versibilidade do tempo a pedra 99
Arquivo:
COLETIVO DA PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTE
Resumo
atravessamentos
Na arte contemporânea é possível apontar variadas práticas sobre arquivo: em
sua concepção usual, que engloba tratar, inventariar, organizar, classificar, guardar
e aberturas na Arte
obras e documentos; em processos experimentais e inventivos que buscam a
extensão ou desconstrução do termo; ou ainda em sua concepção inversa, como
experiência desprovida de resto. O artigo trata destas possibilidades a partir
Contemporânea
das leituras Mal de Arquivo: uma impressão freudiana de Jacques Derrida e A
Arqueologia do Saber de Michel Foucault. Apresenta documentações de ações
por mim desenvolvidas que constam em arquivo pessoal, na tentativa de buscar
abertura do arquivo como potência poética. O texto assume caráter especulativo,
como fluxo de um pensamento desprovido de perspectivas conclusivas.
Lúcio de Araújo
Abstract
1
In contemporary art it is possible to identify different practices about archive: in its
usual conception, which includes to manage, to inventory, to organize, to classify,
to store works and documents; in experimental and inventive processes that
pursue the extension or deconstruction of the term; or in its reverse conception,
as an experience devoid of remainder. The article treats these possibilities from
the readings Archive Fever: A Freudian Impression by Jacques Derrida and
The Archaeology of Knowledge by Michel Foucault. It presents documentation
of actions developed by myself contained in personal archive. The attempt is
to look for the opening of the archive as poetic potential. The text takes on a
speculative basis, as flux of a thought devoid of conclusive perspectives.
perspectiva histórica homogenei- se relacionar com processos inven- a década de 1960 em seu ateliê/
zante, com pretensa busca pela tivos, que buscam tanto a elabora- arquivo/labirinto. Para Cristina
verdade e com vista ao retorno à ção como a extensão ou descons- Freire o caos é a ordem, por esse
origem (COSTA, 2010, p. 62). No trução do termo; nesse sentido um paradoxo ela identifica uma inten-
entanto, o arquivo, enquanto sujei- arquivo é passível de transformação, ção que converge em invenção:
to aos caprichos do tempo, mais do pode ser recombinável, atualiza-
se voltar ao passado também pode do indefinidamente, potência poéti- O labirinto expressa essa von-
determinar o futuro. Para Derrida, a ca, de modo paradoxal ao mesmo tade imemorial e simbólica
questão do arquivo não se limita ao tempo âncora e abismo. Sob o viés de representar o infinito, em
passado, mas sim a própria ques- experimental, um artista se depara eterna mutação na figura do
tão do porvir, “a questão de uma com um mundo, dentro do mundo. espiral. Essa constante dinâ-
resposta, de uma promessa e de E irremediavelmente o aceita como mica, manifesta na vontade de
uma responsabilidade para amanhã” possibilidade, impinge ação sobre abraçar o universo numa tota-
(DERRIDA, 2001, p.50). Nesse senti- arquivo, ao tempo que também o lidade tangível, está presente
do, as noções de arquivo caminham amplia. Em análise geral, Rosângela nesse arquivo, e guardar é ali
ao exploratório, ao recombinató- Cherem aponta virtudes do arquivo sinônimo de revitalizar formas
rio, em que enxergo arquivo como que revelam enorme valor criativo e comuns de conceber o fazer ar-
desafio, em sua finitude ilimitada, portanto, de interesse aos artistas: tístico. (FREIRE, 2006, p.169).
inclinação topológica, furor tempo-
ral, que tensiona de modo ines- Concebido como um inesgotável Para Bruscky, revisitar
gotável as contrições do tempo. arsenal imagético, nele coexis- seu arquivo é o meio de retomar
Portanto não é exagero pensar que tem todo tipo de referências e in- ideias deixadas de lado em outros
o arquivo é composto pela varia- terlocuções que constituem o re- espaço-tempo e que permane-
ção de tempos – presente, passa- pertório, seja plástico ou teórico, cem dotadas de enorme potencial
do e futuro, que se embaralham, que os artistas trazem e proces- para desencadeamentos artís-
se impregnam em seus limiares. sam no interior de seu trabalho. ticos. Simultaneamente, esse
É ali, ainda, que são germinadas espaço fornece as coordenadas
De outro modo, há a exten- as noções operatórias com as para análise de sua poética.
são do arquivo como memória quais eles definem suas solu-
desprovida de materialidade, cuja ções matéricas e de fatura, bem Destaco duas noções parti-
volubilidade lhe é inerente. Ainda, como reconhecem e proces- culares sobre arquivo. Elaboradas
a concepção inversa do arquivo, o sam suas articulações poéticas. por dois pensadores pós-moder-
Anarquivo, que estabeleço como (CHEREM, 2013, p. 2065-2066). nos, deflagram suas intensida-
experiência desprovida de resto ou des, efetivam singularidades,
dada ao esquecimento. Me interessa Paulo Bruscky compreende o ampliam horizontes epistemo-
pensar que as diferentes concepções potencial do arquivo, o artista arma- lógicos, extremamente críticos,
de arquivo de algum modo podem zena variados documentos desde revolvem os limiares acerca da 107
importância que o arquivo estabe- do enciclopedismo do século XVIII e longe de ser apenas o que nos
lece sobretudo a partir da segun- perspectiva historicista das ciên- assegura a existência no meio
da metade do século XX. Ambos cias humanas, esta vinculada a do discurso mantido, é o que
os livros, apesar da idade de publi- continuidade, tradição, origem, diferencia os discursos em sua
cação dos originais, permanecem verdade, evolução, linearidade. O existência múltipla e os espe-
atuais a qualquer pesquisador que autor propõe ainda noções rela- cifica em sua duração própria.
propõe pensar as relações entre cionadas à topologia dos limiares (FOUCAULT, 2009, p. 147).
arte e arquivo, são eles: Mal de do saber, como a descontinuidade,
Arquivo: uma impressão freudiana ruptura, transformação, diferen- Ao longo das páginas Foucault
de Jacques Derrida e A Arqueologia ça (COSTA, 2010, p. 63). O termo trama sua teoria enunciativa que
do Saber de Michel Foucault. empregado por Foucault trata de se inclina à percepção da diferen-
compreender um jogo de rela- ça destituída de uma matriz iden-
ções de nível discursivo, segundo titária, como “origem esquecida
Limiar do arquivo suas regularidades específicas: e recoberta”, mas ao movimento
difuso de nossa existência, relacio-
Quarto grande livro escrito por Arquivo é, de início, a lei do nado à “dispersão do que somos
Michel Foucault, A Arqueologia que pode ser dito, o sistema e fazemos” (FOUCAULT, 2009, p.
do Saber foi publicado em 1969 e que rege o aparecimento dos 149). No limite, trata-se de um “Lado
representa um marco fundamental enunciados como acontecimen- de Fora” dobrado em subjetivida-
na trajetória do pensador. Em sua tos singulares. Mas o arqui- de na qual dispersão e heteroge-
proposta de elaborar uma teoria vo é, também, o que faz com neidade se conectam pelos vetores
dos enunciados o autor denomina que todas as coisas ditas não transversais em uma topologia das
arquivo “o sistema geral da forma- se acumulem indefinidamen- multiplicidades, proporcionando o
ção e da transformação dos enun- te em uma massa amorfa, não atravessamento dos níveis estrutu-
ciados” (FOUCAULT, 2009, p. 148). se inscrevam, tampouco, em rais no tempo e no espaço. Quanto
Arquivo não estaria portanto rela- uma linearidade sem ruptura e a sua noção de raridade, compre-
cionado ao conjunto de documen- não desapareçam ao simples ende que os enunciados apesar
tos sobre o passado que determi- acaso de acidentes externos, de desprovidos da necessidade de
nada cultura guarda em seu poder, mas que se agrupem em figu- originalidade (longe de se expri-
ou ainda vinculado as institui- ras distintas, se componham mirem em termos como origem ou
ções responsáveis em registrar e umas com as outras segundo começo), emitem singularidades ao
conservar os discursos escolhi- relações múltiplas, se mante- se presentificarem como regularida-
dos para serem disponibilizados nham ou se esfumem segundo des enunciativas, ou seja, através
como lembrança oficial. Foucault regularidades específicas; […] do acúmulo se conserva e por suas
opera um deslocamento no sentido Longe de ser o que unifica tudo aberturas se transmite, se repete
conceitual do termo, tece fina análi- o que foi dito no grande mur- em diferença. “O enunciado é em si
se à ideia de racionalidade incisiva múrio confuso de um discurso, mesmo repetição, embora o que ele 108
repete seja outra coisa – que pode, Arquivo e seu mal: vocação, silenciosa, destruidora
contudo, ser semelhante e quase do arquivo” (DERRIDA, 2001, p. 21).
idêntica” (DELLEUZE, 2005, p. 23). Portanto, verifica-se que o arqui-
duas faces da mesma
Delleuze percebe que a arqueolo- moeda em sismo vo traz em si uma ambiguidade,
2 Moisés e a religião gia de Foucault se contrapõe as como duas faces da mesma moeda,
monoteísta de Sigmund Freud, técnicas de formalização e inter- Jacques Derrida apresenta sua em que se tem de um dos lados o
Zakhor. História Judaica e Memória pretação utilizadas pelos arqui- conferência O conceito de arqui- desejo de memória e no outro, o
Judaica e O Moisés de Freud. vistas. “O enunciado é, ao mesmo vo. Uma impressão freudiana no dia desejo da destruição. Paradoxo que
Judaísmo terminável e interminável tempo, não visível e não oculto” 5 de junho de 1994 em Londres, se desdobra na seguinte condição
do historiador Yosef Hayim (FOUCAULT, 2009, p. 124). Apesar na ocasião do colóquio intitula- observada pelo autor: “todo arqui-
Yerushalmi. de se referir ao dito, o enunciado do Memória: a questão dos arqui- vo […] é ao mesmo tempo institui-
não se faz perceptível de imediato, vos. A pesquisa por ele apresenta- dor e conservador. Revolucionário
3 Em Gramatologia, a o que requisita esforço no senti- da derivou no livro Mal de Arquivo: e tradicional” (DERRIDA, 2001, p.
desconstrução está relacionada do da descoberta e invenção: Uma impressão Freudiana. A partir 17). Nessa circunstância irresolu-
ao questionamento da clausura das leituras de Freud e Yerushalmi2, ta verifica-se que as distinções são
histórica de gestos e pensamentos, Há que perseguir as séries, Derrida estabelece, através de seu abaladas, momento em que o sismo
sentido delineado pela passagem: atravessar os níveis, ultra- método de desconstrução3, uma atua sobre o princípio nomológi-
“Um motivo a mais para não passar os limiares, nunca se crítica ao arquivo que escapa da co do arquivo, gesto voraz defla-
renunciarmos a estes conceitos é contentar em desenrolar os concepção tradicional provenien- grado nos limiares de sua nature-
que eles nos são indispensáveis fenômenos e os enunciados te do campo da história, “tecido em za, nas hesitações históricas, em
hoje para abalar a herança de segundo uma dimensão hori- torno da dupla oposição conceitu- suas fronteiras ontológicas, como
que fazem parte. No interior da zontal ou vertical – mas formar al verdade material/verdade histó- a moeda quando lançada à sorte,
clausura, por um movimento oblíquo uma transversal, uma diagonal rica” (BIRMAN, 2008, p. 106), pois em seu vertiginoso giro, momen-
e sempre perigoso, que ocorre móvel, na qual deve se mo- percebe que o discurso psicanalíti- to cujas faces indefinidas insurgem
permanentemente o risco de recair ver o arquivista-arqueólogo.” co concebido e modulado pelo bloco pela reabertura: “um sismo que não
aquém daquilo que ele desconstrói, (DELLEUZE, 2005, p. 32). mágico é propriamente um discur- poupa nenhum preconceito classi-
é preciso cercar os conceitos so do arquivo no qual se configu- ficatório e nenhuma organização
críticos por um discurso prudente e A leitura de A arqueologia do saber, ra uma estranha força de efeito do arquivo. A ordem não está mais
minucioso, marcar as condições, o a partir da tentativa de ampliação inverso, uma pulsão contrária ao garantida” (DERRIDA, 1995, p.15).
meio e os limites da eficácia de tais das noções de arquivo, faz pensar desejo de memória, inclinada ao
conceitos, designar rigorosamente na atitude política que o arqui- esquecimento. Esse apagamento
a sua pertencença à máquina que vo sustenta, no que ele traz como Freud define como pulsão de morte. Arquivo de artista
eles permitem desconstruir; e, discurso e o que deixa de fora. Para Violência denominada por Derrida
simultaneamente, a brecha por onde o autor, arquivo está relacionado como febre de arquivo ou mal de Acionar o arquivo é provocar o
se deixa entrever, ainda inomeável, o com a diferenciação dos discur- arquivo. A “pulsão de morte é, acima sismo, é não garantir, é arriscar. É
brilho do além-clausura (DERRIDA, sos em sua existência múltipla e os de tudo, anarquívica, poderíamos recombinar ou descombinar, atri-
1973, p. 16-17).” especifica em sua duração própria. dizer, arquiviolítica. Sempre foi, por buindo errância em presentificação. 109
Vitoriamario
Condivíduo de caráter anárquico,
identidade aberta, Vitoriamario é
uma máscara vazia de uso coleti-
vo cujo propósito é a resistência
político-cultural. Na guerrilha das
comunicações, os desvios e deva-
neios vitoriamarianos são difundi-
dos por meio de manifestos detur-
pados, páginas web desatualizadas,
spamails, usuários em redes sociais
com senha aberta, textos plagiados,
falsificações de mitos, publicações
de álbuns musicais, simulações de
entrevistas, apropriações de vídeos
e fotografias. Após ter anunciado
seu suicídio em 1999, já em estado
de decomposição foi identifica-
do pelos algoritmos de busca em
Vitoriamario. Saci: Qual seu real valor? 2015. Arquivo pessoal. Apodrece e Vira Adubo, uma de suas
páginas web veiculada no início
dos anos 2000, onde estão reuni-
das diversas elucubrações sobre a 110
Orquestra Organismo
Coletivo de caráter artístico-ativis-
ta, Orquestra Organismo promo-
veu diversas ações relacionadas
a agenciamentos poéticos que se
destacaram: pelo aspecto cola-
borativo e gestão horizontal; pela
reflexão sobre os recursos tecno-
lógicos, sobretudo no pensamen-
to sobre a utilização e difusão de
ferramentas voltadas ao conheci-
mento aberto (software e hardwa-
re livres), contextualizado e de
constante recombinação simbóli-
ca; e pela construção de métodos
centrados no processo de pesqui-
sa e experimentação. Entre suas
variadas ações destaco Hackeando
Catatau, espaço web para publi-
cação e documentação. De cará-
Orquestra Organismo. Caverna Kernel. Museu da Gravura. Curitiba-Pr. 2009. Arquivo pessoal. ter aberto e participativo, o blog
era desprovido de delimitação
editorial, embora o conteúdo em
geral assumisse tendência poéti-
ca. Desafiatlux (2005) e ConSerto 111
Antitotem
No projeto Antitotem, objetos
sonoros nos fluxos da cidade
propus, por meio de objetos
eletrônicos e seus sinais sonoros,
experiências sensoriais voltadas
ao espaço vivencial. Esses objetos,
dispostos em espaços específicos
que a cidade oferta, sugerem
outros caminhos, tensionam
rotas, sinalizam o entorno, criam
diálogos, estabelecem presença,
preenchem lacunas, evidenciam a
ausência, reinventam tecnologias
que possibilitam a interatividade
e ampliam dinâmicas espaço-
temporais. Em potencial, são
catalisadores de percepções sobre
a materialidade da cidade, ou
seja, antes de ser uma ação da
pessoa sobre o objeto é a escuta
do espaço habitado. Os objetos
são caixas sonoras compostas
por circuitos e componentes
eletrônicos. A manipulação desses
instrumentos gera uma gama
de timbres, ritmos e espectros
sonoros no ambiente. Cada objeto
é acompanhado de registro em
vídeo referente à instalação do
Lúcio de Araújo. Ocupação da base de pedra da escultura Luar do Sertão de João Turin (Antitotem). mesmo em locais estratégicos da
Rótula viária do Centro Cívico, Curitiba-Pr. 2012. Arquivo pessoal. cidade, de esquemas de fabricação
e tutoriais, parte deles publicados
em página web própria.7
7 http://transitos.org/antitotem/oficina_antitotem.html 114
grau de especialista em História da DELEUZE, Gilles. Um novo arqui- VARGES, Júlia Pessôa.
Arte Moderna e Contemporânea. vista (Arqueologia do Saber). Condivíduos: uma questão
2007. Disponível em: http:// Em: Foucault. São Paulo: glocal. Disponível em: http://www.
luciodearaujo.files.wordpress. Brasiliense, 2005. p. 13-32. intercom.org.br/papers/regionais/
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116