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http://doi.org/10.

1590/S1413-24782022270065

ARTIGO
Cultura digital, imaginários de trabalho
docente e a profissionalização do ensino:
a série Rita

Regina Zanella PenteadoI


Clayton José BudinII
Belarmino Cesar Guimarães da CostaIII

RESUMO
Esta pesquisa documental objetiva identificar imaginários de trabalho docente
expressos/difundidos na série Rita (Netflix, por streaming), protagonizada por uma
professora. Da análise, emergiram os imaginários de trabalho docente: solitário e
individualizado; temporalizado, regrado e rotinizado; conflitivo; técnico; apartado
do debate social e com práticas pedagógicas tradicionais; submetido a relações
autoritárias, competitivas, ameaçadoras, disciplinares e punitivas. Tais imaginários
correspondem a concepções antigas de ensino (como vocação e ofício) e a uma
socialização docente marcada pela feminização — avessas às formas contempo-
râneas de ensino e à ideia de docência como profissão. A abordagem considera o
contexto da cultura digital que incide nas formas de percepção e representação da
docência no espaço público da educação, expressando/difundindo imaginários que
atravancam o debate social da profissionalização docente.
PALAVRAS-CHAVE
profissionalização do ensino; formação de professores; trabalho docente; socialização docente;
cultura digital.

I
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, SP, Brasil.
II
Prefeitura Municipal de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
III
Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil.

Revista Brasileira de Educação   v. 27  e270065  2022 1


Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

DIGITAL CULTURE, TEACHING WORK IMAGINARY AND


TEACHING PROFESSIONALIZATION: THE RITA SERIES
ABSTRACT
This documentary research aims to identify imagery in teaching expres-
sed / disseminated in the Rita series (Netflix, by streaming), whose main
character is a teacher. From the analysis, the imagery in teaching emerged:
solitary and individualized; temporized, regulated and routinized; conflic-
tive; technical; apart from social debate and with traditional pedagogical
practices; subjected to authoritarian, competitive, threatening, disciplinary
and punitive relationships. Such imagery correspond to old teaching con-
cepts (such as vocation and craft) and to a teaching socialization marked
by feminization - as opposed to contemporary forms of teaching and the
idea of teaching as a profession. The approach considers the context of the
digital culture that focuses on the forms of perception and representation
of teaching in the public space of education, expressing/disseminating
the imagery that clutter the social debate of teaching professionalization.
KEYWORDS
teaching professionalization; teacher education; teaching work; teaching socialization;
digital culture.

CULTURA DIGITAL, IMAGINARIOS DEL TRABAJO


DOCENTE Y LA PROFESIONALIZACIÓN DE
LA ENSEÑANZA: LA SERIE RITA
RESUMEN
Esta investigación documental tiene como objetivo identificar el imagi-
nario del trabajo docente expresadas / difundidas en la serie Rita (Netflix,
por streaming), protagonizada por una profesora. Del análisis surgió el
imaginario del trabajo docente: solitario e individualizado; cronometrados,
regulados y rutinarios; conflictivo técnico; al margen del debate social y con
las prácticas pedagógicas tradicionales; sometidos a relaciones autoritarias,
competitivas, amenazantes, disciplinarias y punitivas. Estos imaginarios
corresponden a viejos conceptos de enseñanza (como la vocación y el oficio)
y a una socialización docente marcada por la feminización, en oposición
a las formas contemporáneas de enseñanza y la idea de la docencia como
profesión. El enfoque considera el contexto de la cultura digital que se
enfoca en las formas de percepción y representación de la docencia en el
espacio público de la educación, expresando / difundiendo imaginarios que
desordenan el debate social de la profesionalización docente.
PALABRAS CLAVE
profesionalización docente; formación de profesores; trabajo docente; socialización
docente; cultura digital.

2 Revista Brasileira de Educação   v. 27  e270065  2022


Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

INTRODUÇÃO
O artigo dialoga com as áreas de educação e comunicação para vislumbrar, no
cenário da cultura digital contemporânea1 os imaginários sociais acerca da docência
resultante da observação de uma produção midiática. Diante da formação cultural
mais ampla, mira faceta pouco abordada do processo de socialização profissional
de professores, que diz respeito à imagem da docência na sociedade, podendo
tensionar ou impulsionar a ideia da docência como uma profissão. No contexto da
cultura digital, busca enriquecer o debate social do processo de profissionalização
e desenvolvimento profissional docente.
Nóvoa (2017) afirma ser necessário pensar a formação de professores como
formação profissional: pautada pela ideia de continuum (formação inicial – indução
profissional – formação continuada), ou seja, produzida em lugar comum entre a
formação e a profissão e com abertura da escola ao espaço público da educação, no
diálogo com a sociedade, a consolidar a posição de cada pessoa como profissional e
a própria posição da profissão – sendo a exposição pública uma delas. Aponta ainda
a necessidade de identificar como se atrai e recruta estudantes para as licenciatu-
ras dirigindo atenção para fatores que levam alguém a se interessar, a aprender a
ser, a se sentir, a agir, a conhecer e a intervir como professor. Com isso, adquire
relevância o debate sobre a imagem da docência e das instituições de formação de
professores. Essas relações com a sociedade são também observadas por Imbernón
(2011), quando identifica fatores que possibilitam ou impedem o desenvolvimento
profissional docente.
Gatti et al. (2019) também consideram que mudanças na formação docente
requerem a compreensão da sociedade contemporânea e de seus cenários – incluindo
as tecnologias de socialização e educação, que tanto produzem processos inclusivos
quanto excludentes. Contudo as autoras ressaltam ser incomum, nos estudos de
formação de professores e trabalho docente, focalizar o professor para discutir os
efeitos dos atuais processos midiáticos sobre as imagens de docência, escola e edu-
cação. Nessa linha, Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004) realçam a importância de
estudos das representações da docência para fomentar o debate sobre a profissão
e a profissionalização.
Diante dessas constatações, este artigo analisa um produto da indústria
cultural e objeto da cultura digital (a série dinamarquesa Rita, veiculada interna-
cionalmente pela Netflix), uma vez que ele é protagonizado por uma professora e
apresenta tramas da vida e do trabalho docente, em cenas dramáticas e cômicas,
ambientadas em cenários escolares, domésticos e urbanos, nos quais a protagonista
se relaciona com personagens dos grupos sociais escolar e familiar na construção de
representações sobre a docência – que, como outras produzidas pela mídia, confluem
à padronização e à conformação estética e de comportamentos.

1 Conceito-chave de atualização da categoria indústria cultural no contexto da digitaliza-


ção e das modificações dos suportes midiáticos por intensificar a racionalidade técnica
no âmbito da cultura, como denunciada por Adorno e Horkheimer (1985), em termos
de concentração econômica, violência estética e comprometimento da experiência.

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Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

Sobre o conceito de cultura digital – que identifica a passagem das plata-


formas tipográficas e eletrônicas para a desmaterialização do objeto, hipertrofia da
imagem e mídias multissensoriais – Costa (2018) observa algumas características
que favorecem a homogeneização de linguagens, a construção de representações e a
afirmação de estereótipos, entre as quais: a convergência tecnológica (marcadamente
associada à racionalidade instrumental, à conexão sistêmica, em rede, com acesso
remoto de conteúdo e atrelada à desterritorialização da cultura midiática); a virtua-
lização com o uso de tecnologias de inteligência artificial que modificam a aparência
da realidade (o deepfake, que cria expressões de imagem e sons, é prototípico das
condições contemporâneas de manipulação, simulação e criação de simulacros); a
mimetização dos processos de recepção e de reprodução dos formatos padronizados
de narrativas que incidem nas percepções, formulações de gostos e construções
de imaginários (a repetição é uma estrutura argumentativa que vem das mídias
tradicionais e se consolida nos novos aparatos, que tendem a requerer dos usuários
ações compulsivas e que repliquem esquemas pré-configurados). Outro aspecto
que caracteriza a cultura digital, que se refere diretamente à presente exposição, é
a mudança nas condições de produção, distribuição e acesso de produções audio-
visuais com a plataforma do streaming,2 que produz rupturas de temporalidade e
de espacialidade, interação e compartilhamento de produtos desterritorializados.
Diante disso, este artigo objetiva identificar os imaginários de trabalho
docente expressos/difundidos na série Rita, tendo como contexto a cultura digital.
Consideramos que a série Rita pode abarcar representações que permeiam sensi-
bilidades e imaginários sobre o trabalho docente, os quais acompanham a posição
de exposição pública da docência, no debate sobre a profissionalização docente
no contexto mais amplo da sociedade – “a profissão docente não acaba dentro do
espaço profissional, continua pelo espaço público, pela vida social, pela construção
do comum.” (Nóvoa, 2017, p. 1130)
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL E PROFISSIONALIZAÇÃO DOCENTE
O estudo é perspectivado por projeto amplo de desenvolvimento profissional
e de profissionalização docente (Ramalho, Nuñes e Gauthier, 2004; Imbernón, 2011;
Tardif, 2013; Nóvoa, 2017) que envolve a passagem de formas antigas de ensino
(concebido como vocação e ofício) para contemporâneas (ensino como profissão).
Isso requer investimentos e mudanças na formação dos professores, no trabalho
docente e na forma como a docência é vista pela sociedade: “a compreensão do
processo de profissionalização exige, portanto, um olhar atento às tensões que o
atravessam.” (Tardif, 2013, p. 96)

2 Relacionado com o processo de miniaturização tecnológica e conexão em rede, que


transfere dados pela internet, o streaming permite acesso remoto a filmes, músicas,
sem necessidade de baixar o objeto, com a seguinte mudança relacionada aos produtos
midiáticos tradicionais: o consumidor não precisa se deslocar aos cinemas e locadoras.
Com ofertas amplas e diversas de produtos on demand, caracteriza a customização nas
relações de troca e de consumo dos produtos da indústria cultural na era da digitaliza-
ção e dos algoritmos.

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

A profissionalização do ensino envolve: valorização do ensino, elevação do


status dos professores, enaltecimento do trabalho docente e reconhecimento da
eficácia da escola para a opinião pública. Diz respeito à melhoria das condições de
trabalho docente, à visão inovadora, reflexiva, problematizadora e crítica do ato de
ensinar (no lugar da visão rotineira da pedagogia) e à ética profissional a serviço
dos alunos e do aprendizado (acima do mero cumprimento de regras e rotinas
escolares). Envolve, ainda, o fato de tornar a docência uma escolha atrativa em
sua capacidade de aumentar a retenção na carreira (na substituição de uma lógica
vocacional balizada por estereótipos do feminino na sociedade), o desenvolvimento
de identidade profissional docente e a obtenção de reconhecimento social (Tardif
e Lessard, 2005; Tardif, 2013).
Para Ramalho, Nuñez e Gauthier (2004), a profissionalização e o desen-
volvimento profissional docente compõem campo mais global, em que pesam, por
um lado, a relação dialética do individual e do grupo (coletivo local, grupo profis-
sional), e, por outro lado, os fatores contextuais, como o reconhecimento social da
categoria docente (status social, econômico, político, ético, profissional), a demandar
luta política no espaço público. Nessa perspectiva, apontam para a necessidade de
construção de uma profissionalidade e de um profissionalismo.
A profissionalidade envolve: reconhecimento da dimensão interativa do
trabalho docente; criação de uma cultura profissional na formação e no trabalho
(compartilhando pesquisa-formação-profissão no contexto escolar e no traba-
lho docente crítico ao contexto social); projeto de formação na relação dos saberes
curriculares e disciplinares; formação que contemple os desafios da inclusão social
(heterogeneidade, multiculturalismo e desigualdades sociais); desenvolvimento
da ética da responsabilidade individual e coletiva; construção de uma cultura de
colaboração entre os professores, rompendo com o isolamento da docência limi-
tada à sala de aula; gestão democrática nas instituições escolares; uma perspectiva
construtivista na formação dos professores, a fazer da reflexão, da pesquisa e da
crítica algumas das condições básicas da atitude profissional docente. A prática,
na relação com a teoria, é a base da qual emergem situações-problema atuais e
perspectivas a serem articuladas à formação, passando o professor a ser construtor
de saberes e recriador de conhecimentos científicos, em vista de novas teorizações
e novas práticas, fortemente comprometidas com a aprendizagem (Ramalho,
Nuñes, Gauthier, 2004).
Já o profissionalismo requer mudança nas representações dos professores
e avanços na identidade profissional, com crescimento e consolidação do grupo
profissional, para obter prestígio social. “As representações sobre a ‘profissão’ são
elaboradas a partir de discursos sociais, de posições culturais” e direcionam o pen-
samento e o comportamento docente (Ramalho, Nuñes e Gauthier, 2004, p. 194).
Entendemos que os imaginários sociais abarcam discursos e representações
que circulam na comunicação em redes, cuja dimensão da cultura digital facilita o
acesso remoto de mensagens, rompendo distanciamento de espaço e de tempo e, com
isso, assumem dimensões amplas e globalizadas. Assim, um produto midiático (filme,
série, novela, animação – neste artigo, uma série televisiva – Rita) de um país (no
caso, a Dinamarca) que é veiculado por streaming (via Netflix) difunde imaginários,

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Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

influindo no espaço público de educação (e, em decorrência, nas práticas sociais)


de diversos países e interferindo nas representações individuais de professores,
de futuros professores e da sociedade em geral, construindo referências coletivas.
Pretende-se que este estudo possa fomentar o debate sobre a profissionalização
(Ramalho, Nuñez e Gauthier, 2004) no espaço público da educação (Nóvoa, 2017).

TRABALHO DOCENTE NA CONTEMPORANEIDADE:


PRODUÇÕES MIDIÁTICAS E IMAGINÁRIO SOCIAL
Os imaginários sociais são modelos padronizados constituídos por complexa
rede de relações que engloba práticas sociais, discursos, ideias, valores, verdades,
condutas, gostos, saberes, crenças, resistências e formas de pensar, sentir e agir de
uma sociedade e cultura. Eles atuam como parâmetro (regulador e balizador de
condutas) que envolve a educação, as produções, os modelos, os critérios, as aspira-
ções e as expectativas comunitárias. Os imaginários sociais manifestam-se na esfera
simbólica e nas práticas sociais, impulsionando condutas das pessoas que aspiram
seguir ideais ou modelos, produzindo efeitos e materialidades sobre os sujeitos,
suas existências, seus corpos, suas relações, suas condutas, suas vidas (Díaz, 1998).
As produções midiáticas difundem o imaginário social e influenciam as
relações homem-mundo e as experiências humanas, estabelecendo mediações
nos processos de percepção, de significação, de desvelamento e leitura de mundo,
de aprendizagem e desenvolvimento, de formação e humanização (Penteado e
Pechula, 2019).
Identificar os fenômenos midiáticos torna-se uma responsabilidade educativa
– já que a indústria cultural difunde imaginários, representações, conhecimentos,
saberes, informações, conceitos, teorias, crenças, hábitos, práticas, juízos éticos
e estéticos que incidem: na construção da hegemonia cultural; na formação de
identidades individuais/sociais/profissionais; na constituição de subjetividades e
percepção das pessoas (de si mesmas, dos grupos sociais e do mundo); na constru-
ção de propostas de socialização e de interpretação da realidade (Loureiro e Della
Fonte, 2003; Setton, 2005).
Ao analisar a situação do professor e do trabalho docente na contempora-
neidade, Esteve (1999) identifica fatores que delineiam um processo conflitivo e
fortemente divergente que implica em nova fonte de mal-estar docente:
1. a rápida transformação das condições sociais do trabalho do professor
e dos agentes e canais tradicionais de socialização (família, instituições,
escolas, universidades, empresas, profissões);
2. o surgimento de novos agentes e canais de socialização (os suportes e
os produtos midiáticos e suas vias de difusão – internet, redes sociais
e dispositivos digitais) que interferem na formação estética, mediando
ações identitárias, políticas e de relacionamento social e cultural;
3. as expectativas projetadas sobre os professores, com novas responsabili-
dades e exigências – ainda mais diante de políticas educacionais demar-
cadas pela lógica neoliberal e pela racionalidade centrada na técnica e na
condição eufemística do professor como facilitador do conhecimento;

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

4. as imagens de professor veiculadas na mídia;


5. as correntes de opinião que contestam atitudes dos professores veiculadas
nas mídias.

O professor é um sujeito social que tem lugar no imaginário social: as imagens


criadas pela mise em scène cinematográfica, em filmes clássicos sobre professores,
interferem na representação social da profissão docente, em sua construção iden-
titária e na prática docente (Pacheco, Filipak e Vieira, 2019, p. 450). No cinema, o
magistério é apresentado como vocação e os professores como portadores de missão
a ser cumprida. Ademais, as questões de gênero e de sexualidade configuram pano
de fundo (os professores encenam papéis assexuados, dóceis e infantilizados) na
reprodução e na legitimação, pela indústria cultural, de construções históricas e
sociais da divisão sexual do trabalho, bem como de relações patriarcais e de classe,
ainda presentes nas práticas e vivências de exclusão social e de desvalorização social
da docência.
Por sua vez, Deus et al. (2019) realçam que, na formação de professores,
a linguagem fílmica possibilita adentrar no universo simbólico que interliga o
indivíduo ao contexto social e oportuniza movimentos para pensar a sociedade,
possibilitando mudanças no campo educacional. A inter-relação do imaginário
social com o cinema consolida-se como abertura para a formação de professores,
dado que favorece a compreensão do território simbólico do sistema educacional.
Nascimento (2007) considera que as representações sobre a docência vei-
culadas nas produções midiáticas afetam a percepção sobre o trabalho docente e a
figura dos professores. Ao discorrer sobre o processo de socialização profissional
e construção da identidade docente, atribui destaque ao período de pré-profissão,
que influencia a escolha e as expectativas relativas ao trabalho. Três dimensões são
identificadas: motivacional (o projeto profissional, a escolha e a motivação para
a docência); representacional (imagens e percepções da profissão docente e de si
como professor); socioprofissional (socialização profissional – integração da cultura,
na atividade e no grupo profissional). Observamos que uma produção audiovisual,
como a série Rita, com distribuição global e que repercute em outros segmentos
da indústria cultural (como nas seções culturais, de reportagem, entrevista ou en-
tretenimento), pode servir de referência para futuros professores, professores em
exercício e para a sociedade em geral, em contextos que envolvem entretenimento,
cultura, educação, formação e socialização profissional.
Sobre a construção de representações e a maneira de a cultura digital articular
imagem, espetáculo e a fixação de modelos ideais, Costa (2015, p. 158) observa que:

Nas fantasias-clichê, que compõem nossa memória inconsciente e coletiva vin-


da de filmes, programas de televisão e nas peças publicitárias, e hoje fazendo
passagem para a plataforma para as plataformas multimídias do ciberespaço,
e que respondem por cenas que projetam desejos e ideais de felicidade, ficam
objetivadas nas condições de prejuízo da formação em meio a tantos apelos
tidos como culturais, pois no lugar da autoconsciência se instauram estruturas
estereotipadas e demarcadas pela ausência de experiência.

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Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

Ao olhar realidades do campo docente representadas contemporaneamente


em produções fílmicas protagonizadas por professor-personagem, buscamos com-
preender as construções imagéticas da cultura midiática, que tendem a estereotipia,
mimetização e administração da emoção da audiência. Queremos considerar as
relações entre docência e sociedade e os elementos da cultura que podem intervir nos
processos de socialização profissional de professores e de construção da identidade
profissional docente – especialmente quando temos por horizonte a transformação
da formação orientada para a profissionalização (não somente dentro do magistério,
mas expandida no espaço público).
Buscamos subsidiar com reflexões e inquietações traduzidas em ques-
tionamentos: Quais são os imaginários de docência (de professor e de trabalho
docente) em produção midiática cuja protagonista é uma professora? A considerar
as idades do ensino (Tardif, 2013), como os imaginários expressos na série se
relacionam com o movimento de avanços e retrocessos da evolução do ensino?
Como a produção investigada agrega conteúdos e produz repertórios potencia-
lizando a discussão do profissionalismo e da profissionalidade nos processos de
formação, socialização profissional de professores e de construção da identidade
docente? De que maneira os imaginários da docência, expressos na produção
midiática protagonizada por uma professora, podem se relacionar com projeto
educacional, social e político de profissionalização docente e construção da do-
cência como profissão?
Diante dos questionamentos, este artigo toma Rita como referência (sem
propor universalidades interpretativas diante de outras construções do conjunto
amplo de produções da mídia digital) e tem por objetivo identificar os imaginários
de docência expressos/difundidos na série.
CAMINHOS METODOLÓGICOS
O artigo é uma pesquisa de caráter documental que tem por objeto a série
televisiva Rita, criada por Christian Torpe, na Dinamarca. A série engloba 40
episódios em cinco temporadas, transmitidas a partir de 9 de fevereiro de 2012
pela TV 2, entrando, depois, no catálogo da Netflix, com exibição via streaming,
para assinantes de 190 países com cerca de 80 milhões de assinantes no mundo.
A quinta temporada foi lançada em junho de 2020. A audiência global caracteriza
a intensidade de compartilhamento de produções midiáticas que estabelecem en-
trecruzamentos de culturas e regiões integradas sistemicamente pelos códigos da
indústria cultural transnacional. A professora Rita (Mille Dinesen) ministra aulas
para alunos correspondentes à Educação Básica brasileira, nas etapas de Ensino
Fundamental e Médio. Com 42 anos, é divorciada e mãe de três filhos (Ricco, Molly
e Jeppe, o caçula, que estuda na escola onde ela trabalha).
Este estudo considera a primeira temporada da série Rita, em 2012, composta
de oito episódios, cada qual com tempo médio de 42 minutos, o que corresponde
a cerca de seis horas de filmagens.
Inicialmente, os pesquisadores assistiram às cinco temporadas, de modo a
aflorar sentidos e percepções para entrever construções imagéticas e relacionais
da personagem Rita no ambiente da escola e nas condições de sua mediação no

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

cotidiano e nos conflitos com alunos e familiares. Na etapa seguinte, assistiu-se


à primeira temporada novamente, momento utilizado para anotações e registros
descritivos, com base nos elementos da linguagem fílmica indicados por Martin
(2013), especialmente: cenários, personagens, ação, texto/diálogo, gestos, figurinos,
adereços, símbolos e metáforas. Na terceira etapa houve seleção de cenas, orientada
por critérios de inclusão e exclusão.
Foram incluídas cenas que envolvessem diferentes formas de participação
da personagem Rita:
• Direta, em cenários representativos da escola, estando ela só ou com
personagens da comunidade escolar.
• Direta, em cenários representativos de outros espaços sociais, estando só
ou com personagens integrantes da comunidade escolar – sempre que o
conteúdo da cena/do trecho dissesse respeito à faceta professora de Rita.
• Indireta, quando referenciada por outra personagem, considerando a sua
condição docente.
• Cenas que remetessem a processos do trabalho docente – independente-
mente de formas de participação e/ou da não participação da personagem
Rita (podendo envolver outros personagens professores e da comunidade
escolar).

Foram desconsideradas as cenas sobre:


• Rita mulher, mãe, filha, amiga, namorada/esposa/amante em situações
fora do espaço escolar, quando cenas não relacionavam com a condição
docente da personagem.
• Tramas paralelas e outras não enquadradas nos critérios de inclusão.

Para as cenas selecionadas, foram elaborados 114 descritivos de cenas (de 10 a


19 descritivos para cada episódio) englobando dados de local (cenário), personagens
e evento (podendo incluir trechos dos diálogos).
Os descritivos subsidiaram a elaboração do tópico Rita – o trabalho docente:
entre a vocação, o ofício e a profissão, por fornecerem elementos para a análise e dis-
cussão, permitindo a identificação dos imaginários de docência.
A discussão encontra ancoragem na literatura do campo educacional (for-
mação de professores e trabalho docente) especialmente orientada para a profis-
sionalização do ensino – particularmente no que implica:

1. fazer o ensino avançar de concepções antigas, como a vocação e o ofício,


para contemporâneas: a profissão (Tardif, 2013);
2. fazer da docência atividade de alto nível – com saberes docentes (es-
pecialmente experienciais ou práticos) e uma base de conhecimentos
especializados a serem mobilizados na situação de ensino que, contudo,
estão por ser conhecidos, desvelados, objetivados, identificados, explicita-
dos, especificados, investigados, analisados, sistematizados, formalizados,
validados e valorizados (Gauthier et al., 1998; Tardif e Lessard, 2005;
Tardif, 2013; 2016);

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Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

3. construir uma profissionalidade e um profissionalismo (Ramalho, Nuñez


e Gauthier, 2004);
4. afirmar a posição do professor e sua profissão numa dimensão que é co-
letiva do professorado, de construção interna, como também de projeção
externa, no espaço público (Nóvoa, 2017).
RITA – O TRABALHO DOCENTE ENTRE A VOCAÇÃO, O OFÍCIO E A PROFISSÃO
Na série, o trabalho docente geralmente é representado como circunscrito ao
ambiente físico da escola. Na escola, o lugar de maior ocorrência de cenas selecio-
nadas foi o das áreas de passagem, representado pelos corredores (18 ocorrências),
além da entrada e da saída (nove), do pátio interno (oito), da área de convivência
de alunos (seis) e do banheiro (quatro). Já a sala de aula apareceu em 23 cenas, a
sala do diretor em 14 e a sala de professores em dez.
Houve, ainda, representação do trabalho docente em espaços fora da escola
(11 ocorrências), sendo: casa de Rita (oito), bar (uma), estacionamento de super-
mercado (uma) e escritório (uma).
As cenas das áreas de passagem envolvem encontros rápidos de Rita com:
seus pares, alunos, diretor Rassmus, conselheira/coordenadora Hellen, familiares
dos alunos e os seus próprios. A professora está sempre transitando apressadamente,
com gestos e passos rápidos, poucos olhares ou olhares desatentos e fala acelerada
e truncada.
Alguns exemplos: reclamação de aluno; interferência de família de aluno;
assédio do diretor; orientação da professora iniciante; repreensão da coordenadora;
queixa de família de aluno; assuntos de família; disputas entre professores; reflexões
com professora iniciante; convite pessoal de pai de aluna; discussão de caso de aluno;
convite do diretor para “trabalhar até tarde”; decisões sobre excursão; resolução de
problemas de comportamento de aluno; assuntos de família – discussão com o filho
sobre uso de drogas; questionamentos da vida pessoal e declaração de diretor; convite
para uma aluna ir jogar videogame em sua casa. Nesses encontros de passagens, Rita
enfrenta problemas, dilemas, dificuldades, conflitos e toma decisões sobre questões
pessoais e de relações com alunos, seus pares e equipe gestora. Surgem questões
de comportamento e disciplina de alunos e de interferência familiar no trabalho
docente e questões do ensino em si. É evidente a ausência de tempos/lugares cole-
tivos na rotina escolar para discussão e reflexão dos professores sobre a prática e os
problemas da docência – além da mistura de questões de foro privado e profissional.
Os ritmos apressados exprimem a representação de trabalho com dificul-
dades que, conforme sugerem Hélou e Lantheaume (2008), são constitutivas da
profissão e da relação do professor com seu trabalho: um trabalho individualizado
e interminável, com imensas quantidades de tarefas a realizar e uma dificuldade
de conciliação das esferas de vida profissional e pessoal/familiar – do que resultam
sensações de pressão, opressão, falta de tempo e a representação de constante corrida
atrás do tempo.
Desse modo, nota-se que emergem, na efemeridade dos encontros de passa-
gem, problemas profundos, do trabalho, da formação, da indução e da socialização
profissional, que repercutem no mal-estar docente e dizem respeito aos desafios

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

de se compreender a complexidade desse trabalho e de se entender a formação de


professores como uma formação profissional pautada pela ideia de continuum entre
a formação e a profissão (Nóvoa, 2017).
Giordan e Hobolt (2016) realçam o valor formativo de momentos, intera-
ções, encontros e situações entre professores e alunos nos diferentes ambientes da
escola e acrescentam: os espaços informais de formação, em situação de trabalho,
são importantes para a circulação de saberes docentes e a socialização profissional.
Contudo, ao mostrar os professores nas áreas de passagem tratando de
problemas complexos de modo aligeirado, superficial e banalizado, por um lado
subestima-se o caráter de complexidade da docência e, por outro, sugere-se uma falta
de postura, de responsabilidade e de profissionalidade dos professores. No episódio
1, a professora iniciante Hyordis encontra Rita e, contando sobre seu primeiro dia
de trabalho na escola, pergunta para a colega experiente: “Se os alunos jogassem
objetos pontudos em você, o que você faria?”. Rita responde: “Mostre a eles quem
manda! Isso é intolerável, você é a chefe!”. Em outra cena, o diretor conversa com
Rita sobre a reclamação recebida, pelos pais da aluna Rosa, referente à professora
e, ao passarem pela sala da copiadora, encontram Hyordis chorando por causa do
bullying provocado pela aluna Rosa.
Outra situação é representada no episódio 2, quando o professor experiente
Torbes acusa Hyordis de egoísmo e falta de solidariedade por usar a verba escolar no
show de talentos. Ele expressa seu incômodo e o de outros professores, argumentado
que tem quase 30 anos de carreira, ensina direito, mas poderá ser recriminado como
preguiçoso e passar a ser perseguido pelos pais e pelo conselho escolar por não orga-
nizar eventos, a exemplo de Hyordis. Caracterizado pelos professores como besteira
pop, o evento não é tratado como pertencente à escola nem assume perspectiva de
projeto interdisciplinar e colaborativo: é objeto de disputas dos professores (mais
pelas verbas do que por mérito, potencial educativo e/ou formativo).
A relação da professora iniciante Hyordis com o professor Torbes reproduz a
força da tradição na resistência a mudanças e inovações dos conflitos e disputas por
capital no campo (verbas para eventos). A série expressa cultura de trabalho solitário,
marcado pelo individualismo e pela competitividade entre pares e gerações de pro-
fessores (experiente e novata), expondo a ausência de uma cultura de colaboração na
docência. Emergem, portanto, representações de problemas de professores iniciantes
já referidos na literatura de formação e trabalho docente. Veenman (1984) aponta
as seguintes dificuldades: disciplina; motivação dos alunos; diferenças individuais;
avaliação de alunos; relações com pais de alunos; organização do trabalho da classe;
precariedade de materiais e recursos; atenção a problemas dos alunos; problemas
com os professores experientes.
Ressaltamos que Tardif (2016) reconhece a importância do relacionamento
dos jovens professores (estagiários e iniciantes) com os professores experientes, dado
que permite objetivar saberes docentes (saberes da experiência). Na mesma direção,
Sarti e Bueno (2017) enfatizam a importância das relações intergeracionais de pro-
fessores para os processos de aprendizagem profissional da docência e socialização
profissional quando realçam: a presença do professor mais experiente no acompa-
nhamento do iniciante na experimentação do seu lugar profissional, condição que

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amplia seu campo de visão e sua responsabilização, tornando o professor novato


menos suscetível aos sofrimentos que marcam o choque da realidade produtor do
mal-estar docente. Os professores em exercício, quando iniciadores de nova geração
docente, vivenciam novas aprendizagens e novos sentimentos de valorização de seus
saberes e suas práticas profissionais. A parceria entre diferentes gerações docentes
permite “investir no desenvolvimento de uma dimensão mais colaborativa no seio
da cultura do magistério.” (Sarti, 2009, p. 134)
Para Sarti (2020, p. 310): “O acompanhamento do futuro professor por um
professor experiente desponta, assim, como recurso privilegiado no processo de so-
cialização no magistério”. O professor experiente que, no cotidiano escolar, assume
papel de formador, realizando o acompanhamento sistemático do licenciado (e/ou
professor novato) em sua iniciação profissional, é representante do grupo profissional
docente, em sua historicidade, a possibilitar o encontro da tradição do magistério
com as suas possibilidades de sobrevivência e de mudança na figura dos novatos.
A autora entende que a formação profissional docente, como desenvolvimento
profissional, deve melhor integrar sua dimensão socioprofissional. Contudo, nota-se
que a relação formativa de Rita com Hyordis está aquém de um acompanhamento,
de modo que pode se afinar com a ideia de um acolhimento (Sarti e Araújo, 2016;
Cyrino, 2016).
As dificuldades e a complexidade do trabalho docente requerem cultura de
colaboração e exigem espaços e tempos de trabalhos coletivos. A colaboração entre
os professores abarca o desafio para a mudança na cultura docente, sendo um dos
aspectos centrais na base das transformações educacionais que afetam currículos e
organização escolar (Borges, 2006). A relação da cultura de colaboração com a pro-
fissionalização é, também, assinalada por Nóvoa (2017) quando aborda a necessidade
de construção da dimensão coletiva do professorado, dentro e fora da profissão, para
pensar a formação de professores como formação profissional, capaz de consolidar
a posição de cada professor como profissional e a própria posição da profissão.
Notamos elementos da linguagem fílmica, como a edição de imagens que
intercalam cenas de áreas de passagem com outras na sala de aula e na sala de pro-
fessores. Geralmente Rita e os demais personagens estão chegando ou saindo dos
ambientes, iniciando ou finalizando atividades – aspectos esses que caracterizam a
ação dramática. Confluem para sua composição o movimento de câmeras e a alter-
nância de cenários e ambientes, em meio a cortes, montagens e descontinuidades,
como técnica para gerar conflitos e produzir o engajamento do público. A sono-
plastia reforça a ruptura cenográfica, com o toque do sinal da escola para demarcar
início e término das aulas, assim como os momentos de entrada, intervalo e saída.
Sobressaem a temporalidade e a rotina escolar; mais naquilo que implicam rupturas
do trabalho docente do que seu desenvolvimento. Em suma: juntam-se edição e
sonoplastia para demarcar representações de trabalho temporalizado, regrado e
rotinizado, aspecto mais notado pela ausência do que pela presença e relevância – o
que não deixa de sinalizar uma desvalorização.
Autores como Vincent, Lahire e Thin (2001) permitem perceber que a forma
escolar, como forma pedagógica das relações sociais e um modo de socialização
específico, está vinculada à existência de saberes objetivados – de saberes escri-

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

turais formalizados, de maneira que a forma escolar só pode ser captada em uma
configuração social de conjunto e na ligação com a transformação das formas de
exercício do poder. A forma escolar é composta de regras, tempos, rotinas, sinais,
objetificação e codificações que não deixam lugar para o improviso. Ela implica em
apropriação de saberes e aprendizagem de relações de poder.
As salas de aula apresentam formato tradicional, com mobiliários e recur-
sos básicos, como mesa do professor, carteiras dos alunos, lousa e giz. Nelas, os
professores ministram cada qual sua disciplina, de modo solitário. O ensino como
ato privado é criticado por Cochran-Smith (2012) ao propor a desprivatização da
prática e o trabalho colaborativo entre os pares. As características de isolamento,
falta de apoio e compartilhamento de saberes entre os pares geram vulnerabilidades,
sofrimentos e mal-estar em professores que repercutem nos processos de inserção na
profissão e de desenvolvimento profissional docente (Cavaco, 2014; Tardif, 2016).
Nas cenas de aulas, a figura docente está predominantemente posicionada
à frente da classe, na maioria das vezes em pé e raramente sentada ou circulando
entre as carteiras (enfileiradas ou em formato de u) supervisionando a disciplina
dos alunos – que ficam sentados sozinhos, em duplas ou grupos. As aulas sempre
começam com o docente pedindo silêncio aos estudantes, depois seguem com
explanação oral ou atribuição de tarefas. Predomina a aula expositiva, por vezes
com apoio de recursos como lousa e giz e/ou slides. Há centralidade na figura do
professor e assimetria na relação comunicativa: o professor fala e os alunos ouvem.
A intervenção destes se dá mediante solicitação da palavra (nem sempre autoriza-
da) – o que, no caso da aluna Rosa, acarreta incômodo à Rita. A trama segue com
conflitos professora-aluna e interferência da família de Rosa, resultando em queixas
da professora para a coordenação e direção escolar e, em contrapartida, repreensões
e questionamento da autoridade da professora (episódio 1).
Tais representações do ensino e do trabalho docente são referentes às práti-
cas pedagógicas tradicionais, centradas na figura docente, em sua autoridade e na
aula expositiva (enfoque conteudista). Nóvoa (2020) observa que as representações
desse modelo escolar (forma escolar ou gramática da escola) perduram desde a se-
gunda metade do século XIX e, mesmo sob crítica, permanecem inalteradas, sendo
referenciadas pela sala de aula, com regularidade temporal, currículo disciplinar,
estrutura didática baseada na lição e nos professores lecionando individualmente a
alunos agrupados por turmas, idades e nível de progresso em aprendizagens. A vi-
são tradicional do ensino tem raízes na história escolar e na trajetória educacional
das pessoas, que concebem o ensino a partir da própria experiência (Tardif, 2016).
Grützmann (2019), revisando estudos de Maurice Tardif e Cecília Borges,
considera indispensáveis, na análise da construção dos saberes e da identidade
docente, as interações do professor no trabalho diário para a sala de aula ser espaço
privilegiado. Como os saberes docentes são relacionais (Borges, 2004) e o objeto
de trabalho do professor é formado por seres humanos (Tardif e Lessard, 2005),
fica suposto que:

(...) o docente precisa considerar a individualidade de cada aluno ao passo que


trabalha com a coletividade; precisa se adaptar as questões éticas e emocionais

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envolvidas no lecionar e, ainda, por ser a docência um trabalho interativo, pre-


cisa desenvolver diferentes qualidades, como paciência, tolerância e capacidade
de negociação. (Grützmann, 2019, p. 20)

As salas de aula também são cenários de reuniões de Rita com pais de alunos
para tratar de problemas comportamentais e disciplinares e constituem lugar de
encontros da professora com seus filhos (que a procuram, na escola, para tratar de
assuntos pessoais e familiares).
Na série Rita, a relação da professora com os estudantes ocorre, geralmente,
de maneira individualizada e conflituosa. A relação professor-alunos tem como eixos:
dinâmicas de perguntas e respostas; preocupação da professora com a socialização
dos alunos; problemas de comportamento e indisciplina dos alunos; relação entre
escola e família (insatisfações, reclamações e interferências dos pais); temas tabu
(violência, drogas, sexualidade, inclusão, alimentação); problema das regras escolares
e sua subversão, que envolve disciplina dos alunos e dos professores. Numa das cenas,
Rita faz bolos em sua casa e os leva à escola para o estudante Viktor distribuir aos
seus colegas no intervalo, favorecendo a socialização deste com os companheiros
– mas os pais de Viktor repudiam o uso de açúcar na dieta familiar e cobram da
escola a política antiaçúcar. Rita não somente quebra as regras escolares; assume
riscos para proteger o aluno Viktor de seus pais. Pacheco, Filipack e Vieira (2019,
p. 450) identificam alguns estereótipos da imagem do bom professor no cinema:
“os bons professores assumem esses riscos, sempre sobre eventos relativamente sem
importância, para provar que eles se preocupam com seus alunos.”
Na medida que os conflitos e os problemas da relação professor-estudantes
(que envolvem a socialização, o comportamento e a disciplina) ganham destaque
na trama (e tomam, inclusive, dimensões que envolvem outros atores sociais: fami-
liares dos alunos, gestores escolares, membros de comitês e das comissões especiais
e supervisores), as práticas de ensino e os processos pedagógicos e formativos são
relegados a um patamar inferior. A complexidade da docência reduz-se às dimensões
relacionais. Tardif (2013, p. 555) assinala que o ensino, na idade da vocação, era
um trabalho moral, de modo que o espírito de sacrifício e de servir, o amor pelas
crianças, o disciplinamento e o controle do corpo e do comportamento das crianças
eram “virtudes femininas tradicionais”, para justificar a ausência de formação das
professoras para o trabalho, cujas tradições pedagógicas orientavam-se no controle
dos alunos.
O contraponto à representação tradicional do ensino (da forma escolar) é
apresentado com a chegada, na escola, da professora iniciante Hyordis, que traz
ideias inovadoras, criativas e com propostas de atividades temáticas sobre respon-
sabilidade e engajamento social. Atrelados a atividades de aulas de artes, Hyordis
faz com que outros ambientes, além da sala de aula, sejam explorados com novas
práticas de ensino. Assim, a área de convivência se transforma: ora em palco de show
de talentos, ora em amplo ateliê de pintura. Também é feita visita ao museu de artes
e os alunos são levados a um laboratório para criar esculturas de argila e vendê-las
em leilão solidário para construção de poço artesiano na África. Contudo a inovação
das práticas pedagógicas só ocorre após desconfortos, conflitos e resistências dos

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

professores antigos da escola (com consequente sofrimento da professora propo-


nente). A inovação é personalizada em Hyordis (a professora novata), sendo restrita
à disciplina de artes (ciências humanas), sob sua responsabilidade, sem colaboração
dos pares ou algum projeto interdisciplinar. Pelo contrário, Hyordis atua sozinha
e passa a ser criticada, sofre resistências e até recebe ofensas pessoais (é chamada
de egoísta) do professor experiente e antigo na escola, Torbes (da disciplina de
matemática – ciências exatas).
As cenas de confronto entre Hyordis e Torbes afirmam representações de
pares de opostos: o velho e o novo; a inovação e a tradição; as humanidades e as
exatas; o feminino e o masculino. Reforçam representações de individualismo na
cultura docente, de isolamento do professor e de docência como trabalho solitário,
representando que as culturas escolar e docente não mudam.
A carreira docente, como processo de socialização, de incorporação dos
novos professores às práticas e rotinas institucionalizadas das equipes de trabalho
escolar, exige adaptação dos novatos às práticas, aos valores, às regras e às rotinas
estabelecidas – “do ponto de vista profissional e do ponto de vista da carreira, saber
como viver numa escola é tão importante quanto saber ensinar na sala de aula.”
(Tardif, 2016, p. 70)
Na série, as preocupações dos professores com os alunos se dirigem ao
controle de problemas comportamentais e disciplinares de determinados estudan-
tes. Os problemas emergentes recebem abordagem personalizada e desconexa do
contexto social e cultural, mas nunca ocorre debate coletivo com ações estratégicas
envolvendo a comunidade escolar ou problemas da sociedade. Rita se responsa-
biliza, individualmente, pela abordagem do problema diretamente com o aluno,
convocando os pais para reuniões com participação da equipe gestora – embora
as personagens da coordenadora e do diretor tenham postura passiva, enquanto a
professora assume a atividade e, não raro, o embate com a família.
Ao representar o trabalho docente restrito a administrar conflitos com alunos
e seus familiares e o ensino desconexo aos problemas da sociedade e distanciado
de qualquer processo de discussão, análise ou reflexão, a série Rita destitui o tra-
balho docente de uma possibilidade de leitura que abarque a sua complexidade e
acaba por representar a docência como trabalho técnico – que, como tal, dispensa
conhecimento e formação especializada. Com isso, desobriga os professores de
responsabilidades sociais e de visão reflexiva, problematizadora e crítica do ato de
ensinar e desmerece a ideia de desenvolvimento profissional docente.
Para Nóvoa (2009), a profissionalização do ensino requer formação docente
com responsabilidade social, que favoreça a comunicação pública e a participação no
espaço público da educação. Nóvoa (2017) aponta a necessidade de uma recompo-
sição investigativa que possibilite uma renovação e uma recomposição, do trabalho
pedagógico, nos planos individual e coletivo, com análise das realidades escolares
e do trabalho docente. Em outra perspectiva, Tardif e Moscoso (2018, p. 388)
propõem a revitalização da ideia de reflexão na formação e no trabalho docente:
“como experiência social, como reconhecimento e interação e como crítica das
ideologias e das relações de dominação”. A considerar essas assertivas, entendemos
que as representações de docência como trabalho técnico e apartado do debate

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social se aproximam do ensino como ofício e se distanciam da perspectiva de uma


profissão (Tardif, 2013).
É evidente o despreparo e desconforto dos professores e da equipe escolar
para determinados temas tabu: vandalismo, drogas, dislexia, bullying, educação
sexual, transtornos (alimentares; de atenção/hiperatividade; obsessivo/compulsivo).
A dramaticidade aumenta quando alguém é designado a ministrar aulas sobre edu-
cação sexual, gerando ansiedade e “jogo de empurra-empurra”, com participação dos
gestores, cuja tarefa representa algo penoso. Caixa com materiais sobre sexualidade
(livretos, manual, cartilha, objetos) é entregue a Rita que prefere “pesquisar conteúdo
na internet”. Sem contar com apoio da coordenação pedagógica, desprovida de
organização de coletivo escolar (por exemplo: grupos de estudo, pesquisa e análise
de práticas) e de discussão prévia e colaboração dos pares, ela busca, com o aval dos
gestores (e do envolvimento pessoal com o diretor Rassmus), esquivar-se da tarefa de
educação sexual, delegando-a para os professores novatos: assim, a aula é atribuída
a Hyordis, que, apreensiva e insegura, vai à sala de aula e, ao iniciar a atividade, ob-
tém gargalhadas como reação dos alunos, fato presenciado por Rita, que se diverte
com a situação constrangedora da colega novata. A situação desconfortável da aula
de educação sexual não foi suficiente para levar Rita ou Hyordis a partilhar, nos
contextos de trabalho, leituras científicas ou pedagógicas. Ocorre apenas uma ação
de pesquisa: quando Rita, em sua casa, utiliza o notebook de Jeppe para iniciar uma
busca sobre educação sexual, logo dispersada para rastrear o histórico de navegação
pessoal do filho.
Inexistem cenas de professores estudando, participando de eventos científicos
e outros para formação docente ou partilhando conhecimentos com outros colegas.
Única referência a evento formativo ocorre no sétimo episódio, quando Rita chega à
sala de aula e se apresenta dizendo que substituirá a professora Janne, que participa
de um seminário. Notamos que a formação dos professores é negligenciada.
Os obstáculos para a aprendizagem do professor são abordados por Zeichner
(1997), que aponta a perspectiva centrada na investigação (o ensino como prática
reflexiva), na relação com a comunidade e no compromisso com as atividades da
escola (corpo docente, tomadas de decisão, desenvolvimento curricular), em oposição
ao paradigma dominante da racionalidade técnica, do enfoque na sala de aula e do
estatuto marginal da formação de professores na vida escolar.
Estudos sobre a posição dos docentes no campo da leitura, a exemplo de
Vilaronga e Sarti (2014) mostram que, apesar de viverem em contexto letrado, os
professores não são considerados, necessariamente, leitores, pois suas práticas de
leituras ficam limitadas à cultura escolar e à indústria do livro didático, explicitando
o distanciamento historicamente existente entre a escola básica e a universidade
(Carissimi e Trojan, 2011). investigam as políticas educacionais de diversos países
com foco na valorização do professor e nas condições de formação e de trabalho
docente. O estudo mostra que a formação inicial se dá em nível superior e que
o conflito de horários de trabalho impede muitos professores de realizar uma
formação continuada, havendo ainda falta de dados sobre a hora-atividade. A ga-
rantia de horário para atividades extraclasse não consta como política prioritária
da formação docente.

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

Destacamos outro aspecto: em sua sala de aula, Rita foi, várias vezes, sur-
preendida por pais de alunos que questionam, reclamam e buscam interferir de modo
autoritário em posturas, comportamentos, decisões e ações da professora relativas
à educação dos seus filhos e às estratégias de ensino. Isso expõe a falta de limites,
a fragilidade da autonomia docente e, também, as dificuldades de reconhecimento
social do conhecimento e do saber docente.
Tardif (2013, p. 568) destaca que “os conhecimentos dos professores são en-
raizados no trabalho e em suas experiências” (...) e “estão profundamente encorados
em sua experiência de vida no trabalho”. São, portanto, elaborados a partir de sua
prática, do cotidiano, do saber-fazer e pela interação e socialização com os pares e
outros agentes – entre os quais, os alunos. Há várias cenas que entrecruzam a vida
pessoal e profissional de Rita: situações de ensino a levam a pensar nas relações
afetivas e familiares (como filha, mãe, mulher e amante) e episódios sociais a con-
duzem a pensar na sua condição docente e no seu trabalho.
Sobre a formação de professores numa perspectiva profissional, Nóvoa
(1997; 2009; 2014) afirma a relação entre a pessoa e o profissional e sugere que
o desenvolvimento profissional deve ter dupla perspectiva (individual e coletiva):
desenvolvimento pessoal (produzir a vida do professor) e desenvolvimento profis-
sional (produzir a profissão docente). Wunsch e Alves (2020) destacam a dialética
entre disposições inerentes ao sujeito e à formação profissional: uma vez conectadas,
tais disposições correlacionam pessoa e profissional, proporcionando sentimento de
bem-estar do sujeito somente consigo e com suas práticas profissionais.
Nas aulas, Rita dedica esforços para chamar a atenção, controlar a disciplina
e para acolher, integrar e envolver os alunos na turma e nas atividades de aula –
ainda que, para isso, subverta algumas regras da escola. Tardif (2016) ressalta a
importância de o professor saber reger a sala de aula e estabelecer relação com os
alunos, uma vez que essa relação constitui o espaço onde são validados a compe-
tência e os saberes docentes. A sala de aula e a interação com as turmas de alunos
testam o eu profissional e os saberes do docente, pois o ensino se desenvolve em
contexto de múltiplas interações que são condicionantes da atuação do profes-
sor. Tardif (2016) realça os saberes experienciais ou práticos dos professores, um
conjunto de saberes atualizados, adquiridos e necessários para a profissão docente
e que não se encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. Tais saberes
formam representações que auxiliam os professores a interpretar, compreender e
orientar a prática cotidiana em todas as suas dimensões, pois se referem à cultura
docente em ação.
Não houve aulas conjuntas de docentes nem projetos ou práticas interdisci-
plinares, de colaboração entre os pares. Para Vaillant (2016), as instâncias de apoio e
de trabalho colaborativo, como possibilidades de reflexão sobre as práticas, resolução
conjunta de problemas e de desenvolvimento profissional docente, ajudam a romper
com o isolamento característico da docência.
As dificuldades de reconhecimento social da professora e do trabalho docente
são postas a partir de interações de Rita e de Hyordis com alunos, pais dos alunos,
os pares, os gestores e até os próprios familiares – notamos que, na temporada
estudada, não está em questão o reconhecimento social.

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A baixa autonomia dos professores é uma característica de formas antigas de


ensino, na idade da vocação, quando as professoras, sob a marca da condição feminina
na sociedade e na cultura, eram sujeitadas a várias formas de controle externo – por
religiosos, pelos homens, pelos pais dos alunos, pelos supervisores escolares, entre
outros (Tardif, 2013) – sujeição que a série Rita mostra que ainda perdura.
O ensino como profissão demanda responsabilidade e autonomia profis-
sional, com reconhecimento jurídico e social de que o professor é o mais indicado
para decidir e agir nas práticas de ensino, além da participação na gestão coletiva
das escolas. O reconhecimento social e a valorização do trabalho docente junto à
opinião pública configuram-se como um dos principais objetivos da profissionali-
zação e aspecto que demanda investimentos e mudanças no campo da formação e
do trabalho docente (Tardif e Lessard, 2005; Tardif, 2013; Tardif e Moscoso, 2017).
Diversas cenas ocorrem na sala da diretoria com o papel de diretor encenado
por um homem (Rassmus). A sala da direção é lugar de política, de exercício do
poder e de tomadas de decisão e encaminhamentos para questões da escola, do
trabalho docente e do controle de comportamento, moral e disciplinar de alunos e
de professores. Questões pedagógicas, do processo de ensino-aprendizagem e das
práticas docentes, em si, não são abordadas. Na sala do diretor, o trabalho docente
se dá em reuniões das quais participam a professora, o diretor e a coordenadora.
Contudo a sala da direção também configura o lugar de relação sexual entre Rita
e Rassmus durante o expediente, enquanto são tomadas diversas decisões escolares
(episódios 1 e 4). Na relação entre eles, a figura masculina do diretor Rassmus
executa sanções e punições; a feminina de Rita apenas acata de modo obediente.
Os atos de Rassmus consistem em: advertências (episódio 1); ironia, ao se referir
à postura de Rita, sentada à cadeira do diretor como se fosse criança querendo
brincar de autoridade (episódio 2); punição, afastando Rita do trabalho na escola
(episódio 8). É na sala da direção que a coordenadora Hellen entrega a Rassmus
um relatório moralizador acusando Rita de envolvimento com pai de aluna (fato
ocorrido fora do espaço e do tempo de trabalho escolar), que resulta em punição
do diretor, com afastamento de suas atividades docentes (episódio 8). O desfecho
punitivo moralizador – voltado para o campo profissional (afastamento do tra-
balho docente) em função de condutas no campo pessoal (envolvimento com pai
de aluna) – remonta às amarras da concepção arcaica de ensino como trabalho
moral atrelado à fé religiosa cristã. “Ainda hoje, a dimensão moral (ou normativa)
continua bastante presente: a professora deve ser um modelo, uma mulher virtuosa.”
(Tardif, 2013, p. 556)
As cenas de Rita na sala do diretor Rassmus exprimem tanto representação
sensual (posturas de como se sentar, indumentária justa, calçados de salto alto e
determinadas tomadas de câmeras de seu corpo) quanto de representação sexual
(cenas de sexo da professora e do diretor). Acima da condição de professora, o que
se vê é uma mulher atraente (objetificada) e uma representação de exercício de
poder e dominação do gênero masculino sobre o feminino. A série expressa, nessas
representações, os estereótipos das desigualdades de gênero de uma tradição de
sociedade machista, a repercutir nas relações e hierarquias escolares, e da histórica
socialização profissional do magistério, ocorrida pela via da feminização (Tardif,

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Cultura digital, imaginários de trabalho docente e a profissionalização do ensino

2013; Pacheco, Filipak e Vieira, 2019) – características do ensino na idade da vo-


cação (Tardif, 2013).
Outras facetas destas representações podem ser identificadas na relação
entre o professor Torbes e a professora Hyordis, bem como no papel da coordena-
dora Hellen. Desse modo, na sala dos professores, Torbes usa a caneca pessoal de
Hyordis para tomar café até secar a garrafa, com gesto de agressividade, desprezo e
desrespeito que, a despeito dos conflitos entre tradição e inovação pedagógica ou de
problemas no processo de indução e socialização docente de Hyordis, não esconde
uma veia machista. De outro lado, mostra que, mesmo sendo mulher, Hellen, na
coordenação, reproduz a cultura escolar, pois se associa ao diretor (figura masculina
associada ao poder) nas ações de controle, perseguição, desvalorização, acusação,
responsabilização, culpabilização e julgamento de Rita.
Prevalecem, então, nas relações entre professores, posturas hierarquizadas,
regradas, autoritárias, competitivas e conflituosas. Tardif (2016) observa que a
carreira é um processo de socialização, de marcação e de incorporação das práti-
cas, valores, rotinas e regras institucionalizadas das equipes de trabalho, de modo
que saber como viver na escola é tão importante como saber ensinar na sala de
aula. A iniciação na docência engloba a burocracia que regula o funcionamento
escolar e rotiniza as práticas de alunos e professores, com conformação destes às
regras impostas pela administração. O grupo de professores inicia os novatos na
cultura escolar, no sistema de normas e de hierarquia existente entre os professores
(Tardif, 2016).
Cavaco (2014) identifica no elitismo, no fechamento à diversidade, na
submissão aos formalismos sociais e acadêmicos, no sentido da tradição e da con-
tinuidade e na dificuldade de adaptação às mudanças dos tempos atuais, as marcas
das heranças do passado do ensino. Assinala contradições e conflitos do trabalho
docente na contemporaneidade: o professor é levado a comprometer-se com discurso
que celebra valores da democratização, da cooperação e da solidariedade, contudo
atua hierarquizando, selecionando, impondo a concorrência e a competição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo documental da série Rita (Netflix) permitiu identificar os imaginá-
rios de trabalho docente nela expressos/difundidos, assim sintetizados, como trabalho:
1. solitário na sala de aula, individualizado com alunos e pais de alunos;
2. conflitivo (tradição e inovação; submissão às regras e subversão das regras;
escola e família);
3. temporalizado, regrado, rotinizado;
4. técnico;
5. apartado do debate social e com práticas pedagógicas tradicionais (con-
teudista e disciplinar/comportamental);
6. submetido a relações autoritárias, competitivas, ameaçadoras, discipli-
nares e punitivas;
7. sujeito a jogos e disputas de poder e autoridade que seguem hierarquias
e lógicas de uma sociedade estratificada, patriarcal e moralista.

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Os imaginários identificados expressam, difundem e afirmam, junto à so-


ciedade, uma imagem da docência que se alinha com as representações antigas do
ensino, como vocação e do ofício, e com uma socialização profissional marcada pela
feminização – portanto, distanciadas da ideia de ensino na contemporaneidade,
como uma profissão.
Este estudo mostrou como o contexto da cultura digital incide nas formas
de percepção e representação da docência no espaço público da educação, com
imaginários que atravancam o debate social da profissionalização docente, à medida
que depõe contra o profissionalismo.
Por se tratar de uma trama ficcional, como produto mundializado da in-
dústria cultural, a série Rita tende a reproduzir esquema de personificação ou de
individualização de problemas que se dão na esfera das relações coletivas, aspecto
tão entranhado na experiência moderna que acirra a segmentação, a aceleração da
vida e a criação de modelos arquetípicos.
Nesse momento de ampliação da cultura digital, com seus mecanismos
de colonização tecnológica e de desenraizamento dos indivíduos, modificando o
sentido de experiência e de memória, há necessidade de potencializar o exercício
de educação para a mídia, no sentido de desvelar os mecanismos que a indústria
cultural, nessa etapa de digitalização, desmaterialização do objeto e de mudança nas
condições de produção, distribuição e acesso a produtos, reproduz a concentração
econômica, a hierarquização de qualidades e os efeitos miméticos em novos su-
portes e linguagens. Nessa perspectiva, a educação para a mídia também contribui
para potencializar a profissionalização no âmbito dos contextos formativos de
professores – no debate e na construção da profissionalidade e do profissionalis-
mo, especialmente no que diz respeito à socialização profissional, à construção da
identidade docente, às representações, ao prestígio e ao reconhecimento social da
docência no espaço político.
Ao identificar os imaginários de trabalho docente na série Rita, buscamos
entrever, na esfera do entretenimento, as formas de percepção e de construção de
sentidos que mediam a representação da docência na sociedade midiática, que não
podem ser ignoradas ou subestimadas no conjunto dos esforços que visam a mu-
danças nas representações sobre o trabalho docente na perspectiva da valorização
da docência e da construção do ensino como uma profissão.

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Regina Zanella Penteado, Clayton José Budin e Belarmino Cesar Guimarães da Costa

SOBRE OS AUTORES

Regina Zanella Penteado é doutora em Educação pela Universidade


Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Rio Claro).
E-mail: rzpenteado@uol.com.br
Clayton José Budin é doutor em Educação pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP – Rio Claro). Professor nas redes
públicas municipais de Campinas e Valinhos.
E-mail: claytonbariri@gmail.com
Belarmino Cesar Guimarães da Costa é doutor em Educação pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor da Universidade
Metodista de Piracicaba (UNIMEP).
E-mail: belarminocesar@uol.com.br

Conflitos de interesse: Os autores declaram que não possuem nenhum interesse comercial
ou associativo que represente conflito de interesses em relação ao manuscrito.
Financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
- Código de Financiamento 001.
Contribuições dos autores: Conceituação, Investigação, Analise Formal, Metodologia,
Escrita – Primeira Redação: Penteado, R. Z.; Costa, B. C. G.; Budin, C. J.; Escrita – Revisão
e Edição: Penteado, R. Z.; Costa, B. C. G.; Curadoria de Dados: Penteado, R. Z.; Budin,
C. J.; Obtenção de Financiamento: Penteado, R. Z.

Recebido em 21 de fevereiro de 2021


Aprovado em 05 de agosto de 2021

© 2022 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd


Este é um artigo de acesso aberto distribuído nos termos de licença Creative Commons.

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