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Resumo
O ciberespaço reflete mudanças socioculturais significativas que favorecem a participação e
a construção de significados nos diferentes espaços de interação, de comunicação e de
informação. Na perspectiva do letramento crítico, as práticas de letramento que ocorrem
no ambiente virtual não são neutras visto que evidenciam visões de mundo
socioculturalmente criadas (LANKSHEAR, KNOBEL, 2007). Sendo assim, o propósito
desse artigo é discorrer sobre as práticas de letramento mediadas por tecnologia e as
implicações desses novos espaços de autoria e disseminação de discursos para o ensino
crítico de línguas. Nossas reflexões partem do pressuposto de que tanto a língua quanto a
tecnologia não são culturais neutras e, por essa razão, requerem uma postura crítica do
professor rumo ao ensino crítico e contextualizado de línguas.
Palavras-chave: Educação. Letramentos. Ciberespaço.
interação além da escola e por meio dela pode onde práticas plurais de linguagens são
engajar-se em práticas de leitura e de escrita construídas e divulgadas com base na
sobre os mais variados temas, e essa face da perspectiva social dos novos estudos do
Internet os jovens já descobriram. Assim, as letramento – NEL na qual os letramentos são
comunidades virtuais têm representado espaços considerados práticas sociais situadas
alternativos para a divulgação de discursos; socioculturalmente. Nesse aporte teórico,
acesso a informação; exercício da cidadania; consideram-se os diferentes usos que os grupos
mobilização de pessoas comuns na defesa de socioculturais praticam os letramentos situando-
seus interesses e, sobretudo, na construção de os no contexto do poder e de ideologia. Isso
identidades. significa dizer que os letramentos são múltiplos e
Assim, no contexto atual, a comunicação, o refletem as visões de mundo e os significados
acesso à informação e as inter-relações nos mais construídos pelos sujeitos ao longo de suas
variados setores da sociedade estão interligados interações pela linguagem. Além disso, um
pelas tecnologias digitais. A Internet “[...] cria aspecto bastante latente nos novos estudos do
hoje, uma revolução sem precedentes na história letramento refere-se ao fato de que “[...] existem
da humanidade. Pela primeira vez o homem vários modos diferentes pelos quais
pode trocar informações, sob as mais diversas representamos nossos usos e significados de ler
formas, de maneira instantânea e planetária” e escrever em diferentes contextos sociais [...]”
(LEMOS, 2002, p. 116). Ainda conforme Lemos (STREET, 2007, p. 466).
(2002, 2010), a esse contexto multifacetado, Por essa razão, ora é proposto é a discussão
recombinante entre tecnologia, imaginário e das novas práticas de letramento digitais e, a
sociabilidade dá-se o nome de cibercultura, cuja apropriação da web como espaço para o acesso a
associação entre as relações sociais, comerciais informação e a veiculação de discursos vários
vigentes tendem a apropriar-se cada vez mais de que inevitavelmente interceptam os letramentos
tecnologias digitais. escolares. Para tanto, faz-se necessário
Na esteira das mudanças socioculturais discorrermos sobre a natureza das relações
engendradas pelo uso massivo da Internet, sociais em tempos de cibercultura, o uso das
surgem novos letramentos que, tendo as redes sociais como espaços para práticas de
funcionalidades da web 2.0 (redes sociais) como letramento e de construção de significados e a
espaço para as atividades de leitura, de escrita e integração desses letramentos no ensino de
de divulgação de informação ampliam línguas.
vertiginosamente as possibilidades de os sujeitos
participarem de espaços outros para veiculação Cibercultura e sociabilidade
de discursos. O que Lemos (2010) denomina de
liberação da palavra e Lévy (1999) de inteligência Conforme já adiantamos, os novos
coletiva, ilustra a apropriação das possibilidades letramentos surgidos com a popularização da web
de produção e divulgação de informação e 2.0 inserem-se no contexto do ciberespaço1.
conhecimento bem como a superação das Antes, porém, que engendrarmos reflexões
distâncias favorecidas pelas tecnologias digitais. acerca dos novos letramentos oriundos no uso
Estamos imersos em um contexto mediado por das redes sociais e suas implicações na educação
tecnologias em que mudanças socioculturais são vale explicitarmos termos-chave como
notáveis, sobretudo, no que se refere à forma ciberespaço e cibercultura. Para tanto, nosso
como acessamos e divulgamos a informação. “A ponto de partida são as definições do filósofo
cultura contemporânea, do digital e das redes Pierre Lévy (1999) para quem a tomada das
telemáticas, está criando formas múltiplas, tecnologias digitais, como espaço de divulgação
multimodais e planetárias de recombinações [...] de informação e sua consequente
As ações de produzir, distribui, compartilhar são descentralização, possibilitam a valorização das
os princípios do ciberespaço” (LEMOS, 2010, p. culturas locais e também favorecem a exploração
27). da inteligência coletiva.
Dessa forma, ao integrarmos esses
pressupostos à questão de novas práticas de 1 Conforme Lévy (1999) o termo ciberespaço foi criado por
letramentos o fazemos com base na necessidade William Gibson em 1984 em sua obra de ficção científica
de reconhecer a web como um espaço sui generis Neuromancer em que os conflitos e as disputas do poder
relacionavam-se ao controle das redes.
Os pressupostos que embasam esse estudo Em termos práticos, o aporte teórico dos
são os novos estudos do letramento (STREET, NEL fundamenta a perspectiva do letramento
1995; 2003) em que as práticas de leitura e de crítico e também amplia a compreensão do
escrita são compreendidas como práticas sociais contexto social considerando aspectos políticos
mediadas pela linguagem, sendo interpelada não e ideológicos nas práticas de linguagem
só pela cultura como também pela ideologia do (FERREIRA, 2006). Assim, ao adotarmos este
contexto em que está inserida. Conforme Street referencial deslocamos as análises do âmbito
“[...] as práticas de letramento referem-se a uma linguístico e as direcionamos para um contexto
concepção cultural mais ampla de formas mais abrangente, em que a leitura e a escrita são
particulares de pensar e de realizar a leitura e a compreendidas como práticas
escrita” (STREET, 2003, p. 79). socioculturalmente marcadas tendo seus
Em suas pesquisas sobre as práticas de significados construídos de formas diversas.
letramento realizadas por diferentes Acreditamos que o ensino de uma língua
comunidades, Brian Street (1995) definiu dois estrangeira deve favorecer na aproximação da
modelos de letramento, sendo eles o modelo cultura local com a que se aprende, não com
autônomo e o modelo ideológico. No modelo propósito de valorar, mas sim de compreender
autônomo de letramento a escrita é que as diferenças culturais fazem parte da
autossuficiente, pois independe de seu contexto aquisição de uma língua estrangeira. Entender
de produção e de uso. Na condição de como a língua do outro funciona formal e
tecnologia neutra per se a escrita representaria socioculturalmente não significa alienar-se, pelo
mais uma habilidade cognitiva de cunho contrário, possibilita ao aluno compreender o
individual do que uma prática social. “A papel das línguas e das culturas na sociedade.
característica de autonomia refere-se ao fato de Numa perspectiva crítica, significa que o
que a escrita seria, nesse modelo, um produto referencial de uma língua estrangeira possibilita
completo em si mesmo, que não estaria preso ao ao aluno compreender-se como sujeito nas
contexto de sua produção para ser interpretado” práticas socioculturais em que participa (MOITA
(KLEIMAN, 1995, p.21). LOPES, 1996; FERREIRA, 2006).
O modelo ideológico por sua vez oferece Destarte, ensinar e aprender uma língua
uma visão mais crítica das práticas de estrangeira implica ainda considerar a influência
letramento, estas compreendidas a partir do de aspectos, tais como, a pluralidade e
contexto sociocultural onde são produzidas. diversidade cultural, na tentativa de abordar os
Diferente do modelo autônomo em que a diferentes contextos culturais e históricos
tecnologia da escrita é independente do contexto revelados pela língua, socializando assim, o
em que é produzida, no modelo ideológico, o conhecimento e proporcionando ao aluno o
letramento refere-se, sobretudo, às práticas contato com diferentes línguas e culturas. Nessa
sociais de uso da linguagem e não uma técnica ótica, a escola desempenha um papel importante
neutra passível de ser reproduzida da mesma uma vez que é o caminho para tornar esse aluno
forma ou replicada em diferentes contextos um sujeito consciente de sua realidade e de seu
(STREET, 1995; KLEIMAN, 1995). papel histórico na construção da sociedade.
Se na perspectiva dos novos estudos do Integrando as discussões acerca dos novos
letramento, língua, contexto e cultura tornam-se estudos do letramento e o uso exponencial do
elementos indissociáveis, é imprescindível ciberespaço com o ensino de línguas, torna-se
compreender que as práticas de letramentos urgente o aproveitamento tanto do interesse
estão em alguma medida relacionadas com quanto do uso que os alunos fazem do ambiente
determinadas visões de mundo e não com virtual para a realização de práticas de
outras. Concordamos com Street (2007) quando letramento contextualizadas e significativas. Isso
argumenta que “[...] temos de começar onde as porque, indubitavelmente, as páginas da WWW
pessoas estão, compreender os significados e oferecem um volume considerável de
usos culturais das práticas de letramento e traçar informações em diferentes mídias que possibilita
programas e campanhas com base nelas em vez ao aluno a interação com pessoas de diferentes
que com base em nossas próprias suposições lugares e a ampliação do conhecimento cultural
culturais acerca do letramento” (STREET, 2007, acerca da língua que estuda. Além disso, o
p. 484). professor que aventurar-se pelos links nos website