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Bo/cli",ICESP \'./3 II./6,jlll.ldcz.

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espaço e um tempo que: (a) o LAJOLO, Marisa. Do mundo


regime politico vigente seja
monárquico; (b) ele adquira o da leitura para a leitura do
poder de fazer tudo o que mundo. São Paulo: Atiea, 1993.
desejar sem qualquer res-
trição; (c) tudo seja menos Em Do mundo da leitura
moderno; (d) ele tenha um para a leitura do mundo,
papel politico a desempenhar: Marisa Lajolo retoma um
(e) a amizade seja bastante p e r c ur s e __~ltic..~~~e dá
valorizada. Este pequeno coiltiiúiidade aos seus estudos
senão, no entanto, não chega a sobreleitura,--liferãtura e livro
comprometer a qualidade diiliHíco~Aretoma-da dessa
global do material. Merecem Hs\'-essla, no entanto, não
elogios as ilustrações e a significa repetição. Ao
iconografia, sob a responsa- contrário, nesse último livro, a
bilidade de Jorge Arbach e de autora reflete, de forma
Chico Homem de Melo, dada a inovadora, sobre a complexi-
sua qualidade artrstica. Ora é dade que envolve a leitura, a
um coqueiro que emerge da literatura, a escola, o livro
selva de pedra de São Paulo didático, o currlculo, e a
para ilustrar os versos de formação de professores.
Caetano em Sampa, ora é um Esses as pectos inserem-se
quadrinho de Quino para numa perspectiva mais ampla,
ilustrar a associação das aquela do "mundo da leitura", e
linguagens verbal e não- estão enfocados na primeira
verbal, ora são reproduções de parte do livro.
artistas famosos como Através da análise de textos
Mondrian, Antõnio Bandeira, de Machado de Assis, Pepetela
Volpi, etc. A iconografia se e Monteiro Lobato, a autora
completa com textos de mostra como a leitura, a escola
propaganda, fotografia, gravu- e a literatura encenam-se nas
ra, gráfico e até mesmo com a obras desses autores. Esses
reprodução de uma primeira estudos pertencem a "Leituras
parte de um jornal. Estes do mundo, segunda parte do
textos não-verbais não são livro.
meras ilustrações, mas textos Aproveitando as palavras
que vão ajudar a enraizar da ensalsta, seria interessante
conceitos discutidos ao longo mostrar não somente o que seu
do trabalho.Para entender o "texto diz", mas "o modo" como
texto é, antes de tudo, uma seu texto "diz o que diz".
leitura prazerosa e pode ser Assim, é importante assinalar
recomendado não apenas que, desde o primeiro capitulo
como um texto didático, mas do livro - que trata da leitura
também como um excelente literária nas escolas ,
texto de referência. descristaliza idéias que, ao se
Incorporarem aos discursos e à
Vera Menezes
prática dos professores, fazem
da leitura um ato periférico.

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Boletim / CESP v./J II. /6. jul.rdez. /993

Essa argúcia critica da autora, com um exemplo concreto,


presente no capitulo em Marisa Lajolo evidencia de que
destaque e em outros seus maneira um excelente texto
escritos, mantém-se nos literário pode ser diluldo na
capltulos subseqaentes que escola. No caso analisado, a
enfocam, grosso modo, a escola acaba prestando um
literatura infanto-juvenil, o "deserviço" à poesia.
estudo da poesia na escola e o Atenta às tensões entre au-
livro didático e a lingua tor, leitor e mercado editorial,
portuguesa. Essas questões dedica a esses aspectos um
são abordadas numa contex- capitulo intitulado "Os leitores,
tualização histórica. esses temlveis desconheci-
Sob essa perspectiva, no dos". Inserindo as questões
segundo capitulo, por exem- educacionais na História,
plo, em que estuda. a literatura desvelando os véus encobrido-
infanto-juvenil, depois de res da politica que envolvem o
destacar as transformações ensino da literatura e o da
sócio-econõmicas do Brasil, a Ilngua portuguesa e o livro
partir dos anos 50, evidencia didático, a autora desarma o
que é "na esteira dessa leitor desavisado, colocando-
especialização progressiva de o, na segunda parte do texto,
mercadorias e de mercados em contato com textos literá-
que adquire maior nitidez a rios que encenam, de forma
noção de Iíteratura juvenil, e não estereotipada, imagens do
que se entende a dimensão leitor, do livro e do ensino da
sobretudo mercadológica dos literatura. Em "Leituras do
livros voltados para jovens Mundo", no capitulo "Machado
( ... )". A inserção das questões de Assis: um mestre de leitu-
educacionais no contexto ra", observa como o escritor
histórico esclarece como "na carioca textualiza o percurso
tradição brasileira, escola, da obra literária "como objeto
leitura e escrita são concebido como destinado à
experiências que afloram em fruição gratuita até seu esta-
relatos de vida vividas no pólo tuto de mercadoria". Já no
hegemõnico da cultura". No capitulo "As aventuras de
que se refere à contextua- Ngunga, na escola e na leitu-
lização histórica, é importante ra", fica evidente como a narra-
assinalar também como o tiva de Pepetela encerra "os
delineamento da pré-história impasses vividos pela litera-
do livro didático ajuda a tura angolana, leitura, escrita e
compreender a dimensão de escola", No estudo sobre o
m e r c a d~ Li a d e=-Q...uehOTe- se Dom Quixote de Lobato, apare-
revestem tanto o livro didático ce, de maneira destacada, a
como os livros de literatura personagem Dona Benta que
infa nto-juven iI. "lia diferente dos livros". Como
Nunca separando a teoria leitora especial, Dona Benta
da prática, no capitulo "Poesia: mostra nos que I~H é também
uma frágil vitima da escola",

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Boletim/CESP v.13 II. 16.jlll./Jez. 1993

inter.pretaLQ.s_signo~~un­ Quer seja em "Mundo da


do . leitura" ou em "Leituras do
. Os textos literários realça- Mundo", o leitor do livro em
dos, ao contrário da leitura fe- destaque é convidado a
chada do sistema escolar, participar, de maneira ativa,
oferecem ao leitor um conceito das questões desafiadoras,
múltiplo de leitura. Enquanto o analisadas com rigor analltico
sistema escolar reforça a repe- e metodológico por Marisa
tição, os leitores dos textos Lajolo. Através desse novo
literários analisados questio- livro, a autora, mais uma vez,
nam essa repetição, traduzin- fisga seu leitor, fiel à sua
do .o...ato_de_IeLcomo_atbli.da.J:te argúcia critica, à sua lingua-
cri.a<!ora. gem e ao seu modo especial de
tratar questões tão complexas.
Haydée Ribeiro Coelho

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