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Os Dez

Mandamentos
pela ótica do Talmud

Extraído do LIVRO DO CONHECIMENTO JUDAICO


[Sêfer Hatodaá] de Eliyáhu Kitov, Editora Sêfer.
Os Dez Mandamentos são os seguintes (E� xodo 20:2-14): 1. “Eu
sou o Eterno, teu Deus”; 2. “Não terás outros deuses diante de Mim”;
3. “Não jurarás em vão em nome do Eterno”; 4. “Lembra-te do dia de
Shabat para santi�icá-lo”; 5. “Honrarás a teu pai e a tua mãe”; 6. “Não
matarás”; 7. “Não cometerás adultério”; 8. “Não roubarás”; 9. “Não
darás falso testemunho contra teu próximo”; e 10. “Não cobiçarás”.
Cinco foram transcritos numa tábua e cinco em outra; isso foi
ensinado pelo Rabi Chanina ben Gamliêl.
Os cinco [da segunda tábua] correspondem aos cinco [da primeira
tábua]. “Não matarás” corresponde a “Eu sou o Eterno, teu Deus”, pois
tirar a vida de outrem equivale a diminuir a imagem de Deus.
“Não cometerás adultério” corresponde a “Não terás outros
deuses diante de Mim”. Isso nos ensina que idolatria e adultério são
equivalentes. Similarmente, o versı́culo (Jeremias 3:9) declara: “E em
razão de sua leviandade a terra �icou poluı́da enquanto ela praticava
adultério.”
“Não roubarás” corresponde a “Não jurarás em vão em nome do
Eterno”, pois quem rouba acaba jurando em vão.
“Não darás falso testemunho contra teu próximo” corresponde a
“Lembra-te do dia de Shabat para santi�icá-lo”. E� como se o Santı́ssimo
dissesse: “Se você prestar falso testemunho contra o teu próximo, Eu
considerarei que você testemunhou que Eu não criei o Meu mundo
em seis dias e descansei no sétimo.”
“Não cobiçarás” corresponde a “Honrarás a teu pai e a tua mãe”,
pois quem cobiça a mulher de um próximo pode acabar sendo pai de
um �ilho dela, e esse �ilho pode acabar honrando um estranho como
se fosse o seu pai, e pode acabar amaldiçoando o seu verdadeiro pai.
Os Dez Mandamentos outorgados no Monte Sinai são os
princı́pios da Torá. Todas as 613 mitsvót estão incluı́das nas 613
letras dos mandamentos. Nas próprias Tábuas da Lei, as inferências e
deduções da Torá estavam escritas entre os mandamentos. O Talmud
[que contém todas as inferências e deduções] é comparado ao
oceano. Assim como no meio das grandes ondas aparecem pequenas
ondas – assim também, entre os Dez Mandamentos havia deduções e
inferências. [As 613 letras mencionadas aqui são contadas da palavra
Anochí (“Eu sou”) até, mas não incluindo, as últimas palavras asher
lereêcha (“que for de teu próximo”). As sete letras adicionais contidas
Nessas duas últimas palavras há sete letras – uma alusão às Sete Leis
de Noé.]

Os Dez Mandamentos outorgados no Monte Sinai correspondem


às Dez Declarações através quais Deus criou o mundo.

O mandamento “Eu sou o Eterno, teu Deus” corresponde à


declaração “E Deus disse: Haja luz” (Gênesis 1:3), conforme o
versı́culo (Isaı́as 60:20) declara: “O Eterno será a tua luz perpétua.”

“Não terás outros deuses diante de Mim” corresponde à


declaração: “E Deus disse: Haja um �irmamento no meio das águas,
e haja separação entre águas e águas” (Gênesis 1:6). O Santı́ssimo
declarou para o povo de Israel: “Façam uma separação entre Mim e
a idolatria, que é chamada de água estagnada [ao contrário de água
viva, corrente, que simboliza Deus], conforme o versı́culo (Jeremias
2:13) declara: Abandonaram a Mim, a fonte de águas vivas, e preferiram
cavar cisternas que, cheias de �issuras, não conseguem reter as águas.”
“Não jurarás em vão em nome do Eterno” corresponde a “E Deus
disse: Juntem-se as águas” (Gênesis 1:7). O Santı́ssimo declarou: “As
águas respeitaram a Mim e se retiraram, mas vocês não Me respeitam,
não abstêm-se de pronunciar o Meu nome em vão.”

“Lembra-te do dia de Shabat para santi�icá-lo” corresponde a


“E Deus disse: Produza a terra relva” (ibid. vers. 11). O Santı́ssimo
declarou: “Tudo o que você vier a comer no dia de Shabat será em
Minha honra, pois o mundo só foi criado para que o homem se
abstenha de pecar, viva eternamente e coma do produto da terra.”

“Honrarás a teu pai e a tua mãe” corresponde a “E Deus disse:


Haja luminárias no �irmamento dos céus”(ibid. vers. 14). O Santı́ssimo
declarou: “Eu criei para você duas luminárias, o seu pai e a sua mãe.
Cuide de honrá-los.”

“Não matarás” corresponde a “E Deus disse: Que as águas se


encham de peixes” (ibid. vers. 20). O Santı́ssimo declarou: “Não sigam
o exemplo dos peixes, dos grandes engolirem os pequenos.”

“Não cometerás adultério” corresponde a “E Deus disse: Produza


a terra alma viva segundo sua espécie” (ibid. vers. 24). O Santı́ssimo
declarou: “Eu criei um parceiro para você. Cada um deve unir-se ao
seu parceiro.”

“Não roubarás” corresponde a “E Deus disse: Eis que vos tenho


dado toda erva que dá semente” (ibid. vers. 29). O Santı́ssimo declarou:
“Que nenhum de vocês roube ou tome a propriedade de outrem. Que
só tomem aquilo que não tem dono, como as ervas do campo.”

“Não darás falso testemunho contra teu próximo” corresponde


a “E Deus disse: Façamos o homem à nossa imagem” (vers. 26). O
Santı́ssimo declarou: “Eu criei o seu semelhante à Minha imagem e
também você foi criado à Minha imagem. Portanto, não preste falso
testemunho contra ele.”

“Não cobiçarás” corresponde a “E Deus disse: Não é bom que o


homem esteja só” (ibid. 2:18). O Santı́ssimo declarou: “Eu criei um
parceiro para você. Que cada um se una ao seu parceiro e não cobice
a mulher do próximo.”

1. “Eu sou o Eterno, teu Deus”


(E� xodo 20:2)

Se mil pessoas olhassem para o mar, cada uma diria: “O re�lexo


é meu!” Do mesmo modo, Deus olhou para cada um dos �ilhos de
Israel individualmente e disse: “Eu sou o Eterno, teu Deus” (Pessicta
Rabatí 21).
“Eu sou o Eterno, teu Deus” – Por que os Dez Mandamentos foram
pronunciados no singular? Para ensinar que cada judeu deve dizer
para si mesmo: “Os Dez Mandamentos foram outorgados para mim;
portanto, devo cumpri-los.” Nunca se deve dizer: “Basta que outros
os cumpram” (Taamê Hamin’haguím 131).
“Eu sou o Eterno, teu Deus” – No mar Deus apareceu para eles
como um guerreiro poderoso, no Sinai como um professor de Torá,
na época de Salomão como um jovem, e nos tempos de Daniel como
um homem mais velho cheio de compaixão. O Santı́ssimo disse: “Só
porque você Me vê em imagens diferentes não signi�ica que existam
vários deuses. Ao contrário, era Eu quem estava no mar, era Eu quem
estava no Sinai, sou Eu em todos os lugares, porque Eu sou o Eterno,
teu Deus.”
“Eu sou o Eterno, teu Deus” – O que isso nos ensina? Que se você
cumprir a Minha vontade, então Eu sou o Deus que consta no versı́culo
(E� xodo 34:6): “Deus piedoso e gracioso.” Caso contrário, Eu sou “teu
Deus,” castigando aqueles que Me odeiam – pois o nome Divino “Deus”
evoca a qualidade de justiça Divina (Midrash Hagadól, Itró).
“Eu sou o Eterno, teu Deus” – Vimos anteriormente que apesar
de Deus ter oferecido a Sua Torá para todos os povos, nenhum quis
aceitá-la. Então Ele a ofereceu ao povo de Israel, dizendo: “Eu sou
o Eterno, teu Deus, que te tirei da terra do Egito. Mesmo se o único
direito que Eu tenho sobre vocês for tê-los tirado do Egito, ele já
basta” (Sifrí, Reê).

2. “Não terás outros deuses”


(E� xodo 20:3)

O Rabi Eliezer ensinou: “Diariamente os povos pagãos criam


novos deuses. Como o fazem? Se eles têm um deus de ouro e precisam
do ouro, eles criam um deus de prata. Se eles precisam da prata, eles
criam um deus de cobre. Se eles precisam do cobre, eles criam um
deus de ferro ou chumbo. E� por isso que o versı́culo (Deuteronômio
32:17) declara: Novos deuses que apareceram há pouco.”
“Não terás outros deuses” – Mas eles não são deuses! A�inal, o
versı́culo (Isaı́as 37:19) declara: “Estes não eram deuses, mas sim o
produto de mãos humanas, madeira e pedra.” O que signi�ica então
“Não terás outros deuses”? Signi�ica “os deuses dos outros” – aqueles
que são chamados de deuses pelos outros povos (Mechilta, Itró).
[Os pronunciamentos] “Eu sou o Eterno, teu Deus” e “Não terás
outros deuses” foram ouvidos diretamente do Todo-Poderoso
(Talmud, Macót 24a).
“Eu sou o Eterno, teu Deus” – Daqui aprendemos que eles viram
como Deus recompensaria os justos no Mundo Vindouro. “Deus
zeloso” – Daqui aprendemos que Ele mostrou como castigaria os
malvados no Mundo Vindouro (E� xodo 20:5).

“Que cobra a iniquidade dos pais nos �ilhos” (ibid. 34:7) – Qual
é o sentido desse versı́culo, diante de outro versı́culo que declara:
“Não se fará morrer os pais pelo testemunho dos �ilhos, nem os �ilhos
pelo testemunho dos pais” (Deuteronômio 24:16)? E� que o primeiro
se refere a quando os �ilhos seguem o mau caminho de seus pais, ao
passo que o segundo se refere a quando os �ilhos não seguem o mau
caminho de seus pais (Talmud, Berachót 7b).
Um versı́culo declara: “Que cobra a iniquidade dos pais nos �ilhos,”
mas outro versı́culo declara: “O �ilho não levará sobre si a iniquidade
do pai, nem o pai levará sobre si a iniquidade do �ilho”(Ezequiel 18:20).
Isso signi�ica que quando os pais possuem méritos, Deus suspende o
julgamento; caso contrário, Ele não suspende o julgamento.
A que isso pode ser comparado? A alguém que tomou do rei um
empréstimo de 100 moedas e, posteriormente, negou ter tomado o
dinheiro. Depois de um tempo o seu �ilho tomou do rei um empréstimo
de 100 moedas e, posteriormente, negou ter tomado o dinheiro.
Depois de um tempo o seu neto tomou do rei um empréstimo de 100
moedas e, posteriormente, negou ter tomado o dinheiro. Quando o seu
bisneto pediu ao rei um empréstimo, ele teve o seu pedido recusado,
porque os seus antepassados tinham sido indignos de con�iança. E�
por isso que o versı́culo (Lamentações 5:7) declara: “Nossos pais
pecaram e já não estão aqui, e por suas iniquidades temos que sofrer”
– onde se lê “suas iniquidades” leia-se “nossas iniquidades.” Por
que devemos sofrer devido aos nossos pecados? Porque os nossos
antepassados foram indignos de con�iança (Midrash Hagadól, Itró).
“E faço misericórdia até 2 mil gerações” (E� xodo 20:6) – A caracterı́stica
Divina de benevolência supera em 500 vezes a caracterı́stica Divina de
castigo. Em relação a castigo, o versı́culo (ibid. 34:7) declara: “Cobra
a iniquidade dos pais nos �ilhos e nos �ilhos dos �ilhos, sobre terceiras
e quartas gerações.” Mas em relação a benevolência ele declara: “Que
guarda benignidade para 2.000 gerações.”
“Aos que Me amam e aos que guardam Meus mandamentos” (ibid.
20:6) – “Aos que Me amam” se refere ao nosso patriarca Abrahão e
a todos os que seguiram o seu caminho. “E aos que guardam Meus
mandamentos” se refere aos israelitas que vivem na Terra de Israel
e sacri�icam as suas vidas pelas mitsvót. Quando os outros povos
perguntam a um judeu: “Por que você está sendo levado para a
morte?”, ele responde: “Porque eu circuncidei o meu �ilho.” Quando
perguntam: “Por que você está sendo levado para a fogueira?”, ele
responde: “Porque eu estudei a Torá...” Quando perguntam: “Por que
você está sendo levado para ser açoitado?”, ele responde: “Porque
eu cumpri a Mitsvá de Luláv.” Conforme o versı́culo (Zacarias 13:6)
declara: “Eu fui surrado na casa Dele, que me ama” – ou seja, foram
essas surras que me tornaram amado por Deus (Tossefta, Sotá 4).
3. “Não jurarás em vão em nome do Eterno”
(E� xodo 20:7)

Por que o mundo inteiro estremeceu quando Deus fez essa


declaração? E� porque só em relação a esse pecado constaram as
palavras: “Pois o Eterno não perdoará” (Talmud, Shevuót 39a).

4. “Lembra-te do dia de Shabat para santi�icá-lo”


(E� xodo 20:8)

Conforme mencionado anteriormente, as palavras: “Lembra-


te” [do dia do Shabat] (E� xodo 20:8) e “Guarda” [o dia do Shabat]
(Deuteronômio 5:12), foram ambas pronunciadas [por Deus]
simultaneamente – algo que a fala humana não consegue reproduzir
nem a audição humana consegue discernir. Esse é o signi�icado
dos dizeres dos versı́culos (E� xodo 20:1): “E Deus falou todas essas
palavras...” e (Salmos 62:12): “Uma vez Deus falou e duas vezes eu
ouvi” (Ialcut Shimoní, Itró 285).

“Lembra-te” – Lembra-te dele com um cálice (Talmud, Pessachím


107a); depreende-se daqui que o Shabat deve ser santi�icado pela
realização de [um kidush sobre] um cálice de vinho.

“Lembra-te” e “Guarda” – Lembra-te do Shabat ainda antes dele


chegar, e guarda o Shabat assim que ele começar. Depreende-se disso
que se deve expandir o perı́odo do Shabat, iniciando-o mais cedo e
encerrando-o mais tarde (Midrash Hagadól, Itró).
“Lembra-te” – O Rabi Iehudá ben Betera ensinou: “Como se
sabe que os dias da semana devem ser contados como primeiro dia
após Shabat, segundo dia após Shabat etc.? E� porque a Torá declara:
Lembra-te.”

Foi ensinado por Shamai: “Lembra-te do Shabat antes dele


chegar, e guarda o Shabat assim que ele começar.” Conta-se a respeito
de Shamai que a lembrança do Shabat nunca deixava os seus lábios.
Cada vez que comprava um objeto �ino, ele dizia: “Lichvód Shabat –
Em honra do Shabat”. Conta-se também que sempre que esse grande
sábio comia, ele o fazia em honra do Shabat. Quando encontrava um
alimento de qualidade superior, dizia: “Este é em honra do Shabat.”
Se posteriormente encontrasse um alimento ainda melhor, ele o
reservava para Shabat e comia o primeiro durante a semana. Já Hilel
pensava diferente. Todos os seus atos eram em prol do Céu, conforme
o versı́culo (Salmos 68:20) declara: “Bendito é o Eterno dia após dia.”
[Hilel não via razão para guardar comida antecipadamente para o
Shabat, pois se a pessoa fosse merecedora, Deus forneceria a ela
todas as suas necessidades no momento devido.]

“Para santi�icá-lo” – Como o Shabat deve ser santi�icado? Com


comida, bebida e roupas limpas. As refeições do Shabat não devem
ser iguais às dos dias de semana, e as roupas usadas no Shabat não
devem ser iguais às usadas nos dias de semana. De onde se depreende
que até um pobre não deve comer no Shabat o mesmo que no resto
da semana? Das palavras: “Lembra-te” (Mechilta, Itró).

”Seis dias trabalharás” – O Rabi Iehudá Hanassı́ ensinou: “Há


nessas palavras um preceito à parte. Assim como o povo de Israel
foi ordenado a guardar o Shabat, do mesmo modo ele foi ordenado a
trabalhar [durante os demais dias da semana].”
“Seis dias trabalharás e farás toda tua obra” – Isso nos ensina que,
assim como a Torá nos foi outorgada mediante um pacto, também o
trabalho nos foi outorgado mediante um pacto. Por que o versı́culo,
após declarar: “Seis dias trabalharás,” declara também: “E farás toda
tua obra?”. Para nos ensinar que alguém que tiver campos ou terrenos
que exigem cuidados, deve se dedicar a eles mesmo se não depender
�inanceiramente deles, pois a ociosidade leva à morte.

O Rabi Elazar ben Azariá ensinou: “O trabalho fı́sico tem suma


importância, pois a Presença Divina só pousou sobre o povo de Israel
quando todos �icaram ocupados trabalhando, conforme o versı́culo
(E� xodo 25:8) declara: Me façam um Santuário e morarei entre eles”
(Avót Derabi Natán, 11).

“E� o Shabat do Eterno, teu Deus” – O Rabi Tanchuma, e há quem


diga que foi o Rabi Elazar em nome do Rabi Meir, ensinou: “No Shabat
descanse como Deus. Assim como Deus descansou após falar [as Dez
Falas por intermédio das quais Ele criou o mundo], do mesmo modo
você deve descansar a sua fala; [ou seja – a sua conversa no Shabat
deve ser diferente da sua conversa nos demais dias de semana]
(Pessicta Rabatí, 23).
“E� o Shabat do Eterno, teu Deus” – Descanse das preocupações
dos dias de semana! Depreende-se daqui que, no Shabat, a pessoa
não deve inspecionar as suas propriedades, nem deve se dirigir à casa
de banhos com a intenção de banhar-se após o término do Shabat.
Qualquer cálculo que a pessoa precisar fazer – quer sobre transações
passadas quer sobre futuras – ela não deverá fazer no Shabat.
Conta-se que um homem muito piedoso descobriu no meio do
Shabat que a cerca ao redor do seu campo estava quebrada. No dia
seguinte, quando preparava-se para consertá-la, se deu conta de ter
planejado o conserto no dia de Shabat; então decidiu que não mais a
consertaria. Aconteceu um milagre e um arbusto de alcaparra cresceu
ali, provendo sustento para ele e para toda a sua famı́lia (Midrash
Hagadól, Itró; Talmud, Shabat 150b).
“Tu, teu �ilho e tua �ilha” – Poderı́amos pensar que o versı́culo
está se referindo apenas aos �ilhos adultos. Mas a Torá já os havia
incluı́do no pronome pessoal “Tu”. Sendo assim, ao que se refere o
versı́culo quando declara: “Teu �ilho e tua �ilha?”. Ele se refere aos
�ilhos e �ilhas menores de idade, para que [no Shabat] não se diga a
uma criança: “Traga-me algo do mercado.”
“Teu servo e tua serva” – Poderı́amos pensar que o versı́culo só
se refere aos servos israelitas [e que os servos gentios não seriam
obrigados a descansar no Shabat]. Mas eles – os servos israelitas
– não são iguais a você? Eles não são proibidos de trabalhar assim
como você? O versı́culo, portanto, se refere aos servos gentios.
“E teu animal” – Por que a Torá especi�ica isso? Se o propósito é
nos ensinar a não utilizar animais para trabalhar, isso já está incluı́do
na frase: “Não farão nenhuma obra!” O que aprendemos então das
palavras [aparentemente supér�luas]: “E teu animal?”. Que um judeu
não pode locar ou emprestar um animal para um gentio fazer uso
dele no Shabat, nem tampouco pode deixá-lo sair de sua propriedade
transportando uma carga no Shabat (Mechilta Derashbi, Itró).
“E teu prosélito que estiver em teus portões” – Não é possı́vel que
o versı́culo esteja se referindo a um prosélito, uma vez que a Torá já
tinha declarado (Números 9:14): “O mesmo estatuto haverá para vós
e para o prosélito que reside entre vós.” A quem então a Torá se refere
aqui? A um guêr tosháv – um “estrangeiro residente” [ou seja, um
gentio que reside na Terra de Israel tendo assumido cumprir as sete
leis de Noé], que trabalha para um judeu. Nesse caso, o patrão não
pode deixá-lo fazer nenhum tipo de trabalho a seu favor no Shabat.
“Por isso o Eterno abençoou o dia do Shabat e o santi�icou” – Com
o que Ele abençoou o Shabat e consagrou-o? Com o maná. Dia após
dia cada um recebia um ômer de maná, mas antes do Shabat eram
duas as medidas recebidas. Durante a semana, os restos do maná
apodreciam de um dia para o outro e �icavam cheios de vermes, mas
a porção adicional recebida na sexta-feira que �icava reservada para
o Shabat “não se estragava nem atraı́a vermes” (E� xodo 16:24).
O Rabi Shimón ben Iehudá, do povoado de Ichós, ensinou: “Deus
abençoou o Shabat com luzes e o santi�icou com luzes. Ele o abençoou
com o brilho do homem e o santi�icou com o brilho do homem. Embora
as luzes da Criação tenham sido dani�icadas na véspera do Shabat
devido ao pecado de Adão, o efeito do pecado só incidiu depois do
Shabat. E embora o brilho de Adão tenha sido dani�icado na véspera
do Shabat, ele só foi castigado depois do término do Shabat.”
O perverso Turnus Rufus perguntou ao Rabi Akiva: “O que
diferencia esse dia [Shabat] dos dias anteriores?”. O Rabi Akiva
respondeu com uma pergunta: “O que diferencia este homem dos
demais?”. Turnus Rufus retrucou: “O que eu perguntei a você e qual
foi a sua resposta?”. O Rabi Akiva disse: “Você me perguntou: Qual é
a diferença entre o Shabat e os outros dias? E eu respondi: Qual é a
diferença entre Turnus Rufus e os outros homens?”. Então Turnus Rufus
disse: “O que me diferencia dos demais é que o rei deseja honrar-me.”
O Rabi Akiva disse a ele: “Pois Deus, o Rei dos reis, deseja que Israel
honre o Shabat” (Talmud, San’hedrín 65b).
5. “Honrarás a teu pai e a tua mãe”
(E� xodo 20:12)

A que tipo de honra o versı́culo se refere? No Livro de Provérbios


(3:9) o Rei Salomão escreve: “Honra o Eterno com tuas posses;” daqui
se depreende que a honra devida aos pais inclui alimentá-los, vesti-los,
providenciar-lhes proteção e acompanhá-los (Mechilta Derashbi, Itró).
“Honrarás a teu pai e a tua mãe” – Um outro versı́culo (Levı́tico
19:3) declara: “Cada um temerá à sua mãe e a seu pai.” O que constitui
temor e o que constitui honra? Temor – reverência – engloba não
ocupar o lugar deles, em pé ou sentado, e não contradizê-los nem
contrariá-los. Honra engloba alimentá-los, vesti-los, providenciar-
lhes proteção e acompanhá-los (Talmud, Kidushín 31b).
Uma interpretação alternativa: “Honrarás a teu pai e a tua mãe” –
A expressão “teu pai” inclui também [a obrigação de honrar] a esposa
dele, e a expressão “tua mãe” inclui também [a obrigação de honrar]
o marido dela; e a conjunção “e” inclui a obrigação de honrar o irmão
maior. A honra que deve ser concedida à esposa ou ao marido dos
pais, embora só seja obrigatória enquanto esses últimos estiverem
vivos, deve ser mantida mesmo depois da morte deles. Da mesma
forma, deve-se honrar o sogro, a sogra e os avós (Talmud, Ketubót
123a; Tur 240:23).
O Rabi Shimón bar Iochai ensinou que Deus equiparou honrar
pai e mãe a honrá-Lo, e temer pai e mãe a temê-Lo. Um versı́culo
(Provérbios 3:9) declara: “Honra o Eterno com tuas posses,” e outro
(E� xodo 20:12) declara: “Honrarás a teu pai e a tua mãe.” Um versı́culo
(Deuteronômio 6:13) declara: “Ao Eterno, teu Deus, temerás,” e
outro (Levı́tico 19:3) declara: “Cada um temerá à sua mãe e a seu
pai.” Um versı́culo (Levı́tico 24:16) declara: “Aquele que blasfemar
o nome do Eterno certamente será morto,” e outro (E� xodo 21:17)
declara: “Aquele que maldisser a seu pai ou a sua mãe certamente
será morto.” E isso é lógico, pois os três – pai, mãe e Deus – são sócios
na concepção de um �ilho (Midrash Hagadól, Itró).
“Honrarás a teu pai e a tua mãe” – O Rabi Shimón bar Iochai ensinou
também que a honra devida a um pai e a uma mãe é mais importante
para Deus que a própria honra Dele. Aqui consta: “Honrarás a teu pai
e a tua mãe,” ao passo que em outro lugar (Provérbios 3:9) consta:
“Honra o Eterno com tuas posses.” Como se honra Deus com as
posses? Separando da colheita léket, shichechá e peá (as partes que
devem ser deixadas para os pobres) e terumá e maassêr (dı́zimos);
construindo uma sucá; comprando um jogo de Quatro Espécies e um
shofar; adquirindo te�ilín e tsitsit especiais; alimentando os famintos
e saciando os sedentos. Tudo isso de acordo com as possibilidades
de cada um. Se a pessoa carece de meios, não tem obrigação de fazer
nada disso. Mas quando se trata de honrar pai e mãe, não importa se
ela conta ou não com meios de subsistência, “Honrarás a teu pai e a
tua mãe” – mesmo se você mesmo depender de caridade (Talmud de
Jerusalém, Peá 1).
[Deus diz:] “Honra os pais que te trouxeram à vida, assim como
você Me honra. Honra o útero do qual você nasceu, provê sustento
para os seios que te amamentaram. Pois eles estavam Comigo quando
você foi criado”.
Perguntaram ao Rav Ula: “Até que ponto a pessoa deve honrar
o seu pai e a sua mãe?”. Ele respondeu: “Venham e aprendam de um
gentio chamado Dama ben Netina de Ashkelón. Certa vez, os sábios
ofereceram-lhe um negócio que lhe proporcionaria 600 mil moedas
de lucro. Acontece que a chave [de onde a sua mercadoria estava
estocada] se encontrava sob o travesseiro de seu pai, que dormia
sobre ele, e para não incomodar o sono dele, o Dama ben Netina
recusou o negócio” (Talmud, Kidushín 31a).
Perguntaram ao Rabi Eliezer: “Até que ponto a pessoa deve
honrar o pai e a mãe?”. Ele respondeu: “A ponto de que se um pai
pegar a carteira do �ilho e atirá-la ao mar, ele deverá abster-se de
envergonhá-lo.”
Há quem só alimente os seus pais com comidas suculentas
e, mesmo assim, não mereça uma porção no Mundo Vindouro,
por tratá-los com indelicadeza. Por outro lado, quem faz os seus
pais trabalharem em moendas, mas os trata com delicadeza, é
recompensado no Mundo Vindouro.
O órfão que salda as dı́vidas do pai cumpre uma mitsvá (Talmud,
Ketubót 91b).

6. “Não matarás”
(E� xodo 20:13)
Do versı́culo (Números 35:16) que declara: “Certamente o
homicida será morto,” depreende-se o castigo de quem transgride o
mandamento e mata. Mas onde somos admoestados a não transgredi-
lo [uma condição prévia para a execução de qualquer pena capital]?
Na própria declaração do versı́culo: “Não matarás.” Essa advertência
é aplicável também aos casos de quem diz: “Matarei para ser morto”,
e de quem, condenado à morte, diz: “Matarei pois serei morto.”
7. “Não cometerás adultério”
(E� xodo 20:13)

Do versı́culo (Levı́tico 20:10) que declara: “Certamente serão


mortos o adúltero e a adúltera,” depreende-se o castigo de quem
transgride o mandamento e comete adultério. Mas onde somos
admoestados a não transgredi-lo? Na própria declaração do versı́culo:
“Não cometerás adultério.” Essa advertência é aplicável também ao
caso de quem diz: “Cometerei adultério para ser morto.”
“Não cometerás adultério” – Nem mesmo indiretamente – ou
seja, é proibido até mesmo aspirar o perfume de outra mulher que
não da sua. [A base da exegese é o termo niúf (adultério) conter as
letras do termo af (nariz).]
Uma interpretação alternativa: “Não cometerás adultério” – Não
permita que a ira Divina se manifeste no mundo. [O termo af signi�ica
também “ira”] (Pessicta Rabatí, 24).

8. “Não roubarás”
(E� xodo 20:13)

Há sete tipos de ladrões:


(1) O ardiloso, que “rouba as mentes das pessoas”, ou seja, que engana
os outros simulando oferecer hospitalidade quando não tem
intenção alguma de convidar, ou que oferece presentes generosos
a alguém que não aceita presentes, ou que mostra bens que já
foram vendidos como sendo seus.
(2) O que falsi�ica as pesagens e medições, ou que mistura vinagre
no azeite.
(3) O que rapta alguém.
(4) O que se associa a um ladrão e toma parte de seu roubo.
(5) O que é vendido como escravo [por não ter como restituir o que
roubou].
(6) O que rouba de outro ladrão.
(7) O que rouba com intenção de devolver, ou que rouba só para
irritar a vı́tima, ou que se apodera de algo que por direito lhe
pertence. [Nesse último caso, não se deve recorrer ao roubo para
recuperar um pertence, e sim a um tribunal de justiça] (Tossefta,
Bava Kama 7:3).

“Não roubarás” – Até a nossa matriarca Rachel, que roubou os


ı́dolos de seu pai para evitar que ele os venerasse, foi castigada, não
sendo enterrada na Caverna de Machpelá, em Hebron, pois Jacob
disse (Gênesis 31:32): “Aquele que encontrares com teus deuses
não viverá.” Assim, a pessoa deve cuidar de não estender a mão para
roubar ou furtar; ao contrário, deve se sustentar pelos seus próprios
esforços. Se �izer isso, ela será afortunada neste mundo e no Mundo
Vindouro, conforme o versı́culo (Salmos 128:2) declara: “Quando o
trabalho de tuas mãos prover o teu sustento, afortunado serás e tudo
lhe correrá bem” (1 Zôhar 164b).
9. “Não darás falso testemunho contra teu próximo”
(E� xodo 20:13)

Na primeira enunciação dos Dez Mandamentos, em Shemót


(E� xodo 20:2-14), os termos utilizados para “falso testemunho” são ed
shaker. Na segunda enunciação, em Devarím (Deuteronômio 5:6-18),
os termos utilizados são ed shav [literalmente, shaker signi�ica “falso”
e shav signi�ica “nulo”]. Depreende-se disso que shaker e shav foram
pronunciados [por Deus] simultaneamente – algo que a fala humana
não consegue reproduzir nem a audição humana consegue discernir
(Talmud de Jerusalém, Nedarím 3:2).
O Rei Salomão, na sua sabedoria, disse: “Todo o esforço que o
homem investe na execução de mitsvót e boas ações não é su�iciente
para expiar o mal que a sua fala pode acarretar. Por isso, a pessoa
deve guardar a sua lı́ngua de falar maldades, pois a lı́ngua é a parte
do corpo mais fácil de ser queimada e é também a primeira a ser
julgada” (Kohelet Rabá 6).
A pessoa deve evitar até de falar positivamente sobre outrem,
pois elogiá-lo pode acarretar também comentários negativos acerca
de suas falhas (Talmud, Bava Batra 164b).

A lı́ngua �ica encerrada dentro da boca, e no entanto é capaz de


provocar agitações em todo o mundo. A que ela pode ser comparada?
A um cão que apesar de acorrentado e mantido no aposento mais
interno de uma casa, quando late todos têm medo dele; o que ele
poderia causar se estivesse solto do lado de fora? Similarmente,
uma lı́ngua maldosa �ica encerrada dentro da boca, e ainda assim é
capaz de causar distúrbios sem �im. Pode-se imaginar então o que ela
poderia causar se �icasse escancarada! O Santı́ssimo diz: “Eu posso
salvar você de todos os seus problemas. Mas da calúnia fuja, para não
ser prejudicado” (Ialcut Shimoní, Tetsê).

Na academia do Rabi Ishmaêl foi ensinado que difamar outrem


equivale a cometer os três pecados capitais: idolatria, relações
sexuais proibidas e assassinato.

Falar mal de um semelhante é o mesmo que renunciar a Deus,


conforme o versı́culo (Salmos 12:5) declara: “Aqueles que dizem:
Prevaleceremos sobre todos com nossa língua; com lábios como os
nossos, quem pode ser nosso senhor?”

O Rabi Chisda disse, em nome do Mar Ucva: “A respeito de quem


calunia, Deus diz ao anjo do Purgatório: Eu estou sobre ele e você está
sob ele; vamos julgá-lo juntos” (Talmud, Arachín 15b).

10. “Não cobiçarás”


(E� xodo 20:14)

Na primeira enunciação dos Dez Mandamentos, em Shemót


(E� xodo 20:2-14), consta: “Não cobiçarás,” e na segunda enunciação,
em Devarím (Deuteronômio 5:6-18), consta: “Não cobiçarás” e
também: “Não desejarás.” Depreende-se disso que “cobiça” e “desejo”
constituem duas proibições independentes. De onde se sabe que
aquele que deseja acabará cobiçando? Desses dois versı́culos, “Não
desejarás” e “Não cobiçarás.” E de onde se sabe que aquele que cobiça
acabará roubando? Do versı́culo (Miqueias 2:2): “Cobiçam campos e
deles se apropriam.”

A proibição de desejar é transgredida através do pensamento,


conforme o versı́culo (Deuteronômio 12:20) declara: “A tua alma
desejará.” Já a proibição de cobiçar é transgredida através da ação,
conforme o versı́culo (ibid. 7:25) declara: “Não cobiçarás a prata e o
ouro que está sobre eles, nem os tomarás.”

Como é possı́vel que a Torá proı́ba a cobiça, se ela é uma reação


humana espontânea? O que a Torá requer é que as posses dos outros
sejam eliminadas de nossos pensamentos de forma tal que a ideia de
desejá-las nem sequer entre nas nossas mentes, assim como desejar
a �ilha do rei sequer passa pela cabeça de um camponês simplório
(Ibn Ezra, Itró).

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