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ERROS E ACERTOS DE UM POBRE RICO1

18Certohomem de destaque perguntou a Jesus:


— Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
19Jesus respondeu:

— Por que você me chama de bom? Ninguém é bom, a não ser um, que é Deus.
20Você conhece os mandamentos: “Não cometa adultério”, “não mate”, “não

furte”, “não dê falso testemunho”, “honre o seu pai e a sua mãe”.


21Então o homem disse:

— Tudo isso tenho observado desde a minha juventude.


22Ouvindo isso, Jesus lhe disse:

— Uma coisa ainda falta a você: venda tudo o que tem, dê o dinheiro aos
pobres e você terá um tesouro nos céus; depois, venha e siga-me.
23Mas, ouvindo ele estas palavras, ficou muito triste, porque era riquíssimo.

Lucas 18:18-23

INTRODUÇÃO
A. 18:18–19 Essa seção ilustra o caso de um homem que não queria receber o
reino de Deus como uma criança. Um dia certo homem de posição veio ao
Senhor Jesus, dirigindo-se a ele como Bom Mestre, e perguntando o que ele
deveria fazer para herdar a vida eterna. Primeiramente o Salvador lhe
perguntou sobre o uso do título Bom Mestre. Jesus o lembrou que somente
Deus é bom. O Senhor não estava negando que ele era Deus, mas estava
tentando guiar o homem a confessar esse fato. Se ele era bom, então ele devia
ser Deus, visto que somente Deus é essencialmente bom.
B. 18:20 Assim Jesus tratou da pergunta: “Que farei para herdar a vida
eterna?”. Sabemos que a vida eterna não é herdada, e não é ganha por boas
obras. A vida eterna é o dom de Deus por Jesus Cristo. Ao levar o jovem de
volta aos dez mandamentos, o Senhor Jesus não sugeria que ele poderia
ser salvo por guardar a lei. Antes, ele usava a lei numa tentativa de
convencer o jovem do pecado. O Senhor Jesus repetiu os cinco
mandamentos que tratam do nosso dever para com o próximo, a segunda
tábua da lei.
C. 18:21–23 É evidente que a lei não tinha ação condenatória na vida do homem,
porque ele afirmou arrogantemente ter guardado esses mandamentos
desde a mocidade. Jesus falou-lhe que faltava uma coisa: amor ao
próximo. Se realmente ele tivesse guardado esses mandamentos, então ele
teria vendido todas as suas possessões e distribuído aos pobres. Mas a
verdade era que ele não amava o próximo como a si mesmo. Ele vivia uma
vida egoísta, sem ter amor verdadeiro pelos outros. Isso é provado pelo fato
de que, ouvindo ele essas palavras, ficou muito triste, porque era
riquíssimo.

1O paradoxo apresenta, além de palavras com sentidos opostos, ideias contrárias também. É uma afirmação
que parece ser verdadeira, mas que em seguida leva a uma contradição. O Rico pobre.
Observando o texto, podemos levantar seis pontos na vida do jovem rico, uns
corretos e outros reprováveis, e, a partir deles, fazer algumas reflexões e extrair
algumas lições.

Erros e acertos de um pobre rico ao aproximar-se de Jesus.

1. ACERTOS DE UM POBRE RICO


A. ELE ACERTOU EM SUA MOTIVAÇÃO - “— Bom Mestre, que farei para
herdar a vida eterna?”
O motivo que temos para fazer alguma coisa é algo muito importante. Fala-
se de motivação certa e errada. No caso do jovem da presente história, ele se
aproximou de Cristo corretamente motivado. Ele reconhecia que não tinha a
vida eterna e queria alcançá-la. Essa era a necessidade que o impulsionava.
Tinha tudo, menos a vida eterna.
1. Qual tem sido a sua motivação ao se aproximar e seguir a Cristo?

B. ELE ACERTOU EM SUA ATITUDE - “— Bom Mestre, que farei para


herdar a vida eterna?”
O jovem não foi arrogante ou presunçoso. Ele reconheceu as carências que
tinha e procurou alguém que pudesse ajudá-lo. O texto paralelo de Marcos 10.17
diz que ele correu ao encontro de Jesus e se ajoelhou diante dele. Sentia uma
necessidade profunda e perturbadora e não tinha vergonha de demonstrá-la.
2. Você reconhece que é um necessitado de Cristo e age nesse sentido?

C. ELE ACERTOU EM IR À FONTE CERTA - 18Certo homem de destaque


perguntou a Jesus:
O jovem não procurou por um evangelista qualquer ou por um grande mestre
da época. Ele foi à pessoa certa, à fonte de vida eterna, ao lugar onde encontraria
o que procurava. Não se enganou e nem estava se deixando enganar.
3. A qual fonte você tem recorrido para saciar a sua sede de vida?

D. ELE ACERTOU EM FAZER A PERGUNTA CERTA - 18Certo homem de


destaque perguntou a Jesus:
A Filosofia diz que a sabedoria não está nas respostas que se dá, mas nas
perguntas que se faz. O jovem fez a melhor pergunta que se poderia fazer a
Jesus: “O que eu faço para alcançar a vida eterna?”. A partir disso, ele
encontraria o que desejava. Jesus, entretanto, conhecendo o seu coração, lhe dá
uma resposta estranha. Ao invés de falar de fé e de continuação do diálogo, está
o diagnóstico do seu coração.

2. OS ERROS DE UM POBRE RICO


As virtudes do jovem rico eram apenas aparentes. Ele superestimava suas
qualidades. Deu a si mesmo nota máxima, mas Jesus tirou sua máscara e
revelou que a avaliação que fazia de si, da salvação, do pecado, da lei e do próprio
Jesus eram superficiais.
A. ELE ERROU QUANTO À MANEIRA DE ALCANÇAR A SALVAÇÃO.
Em primeiro lugar, ele estava enganado a respeito da salvação (18.18). Ele
viu a salvação como uma questão de mérito e não como um presente da graça
de Deus. Ele perguntou: … Bom Mestre, que farei de bom para herdar a vida
eterna? (10.17). Seu desejo de ter a vida eterna era sincero, mas ele estava
enganado quanto à maneira de alcançá-la. Ele queria obter a salvação por
obras, e não pela graça. Todas as religiões do mundo ensinam que o ser
humano é salvo pelas suas obras. Na Índia, multidões que desejam a salvação
deitam sobre camas de prego ao sol escaldante; balançam-se sobre um fogo
baixo; sustentam uma mão erguida até ela se tornar imóvel; fazem longas
caminhadas de joelhos. No Brasil, vemos as romarias, nas quais pessoas
sobem conventos de joelhos e fazem penitência pensando alcançar com isso o
favor de Deus.

B. ELE ERROU EM PENSAR QUE JÁ FAZIA O SUFICIENTE. 21Então o


homem disse:
— Tudo isso tenho observado desde a minha juventude.
O jovem rico não tinha consciência de quão pecador era. O pecado é uma
rebelião contra o Deus santo. Não é simplesmente uma ação, mas uma
atitude interior que exalta o ser humano e desonra a Deus. O jovem rico
pensou que suas virtudes externas podiam agradar a Deus. Porém, as
Escrituras dizem que somos todos como o imundo, e todas as nossas justiças
são como trapo da imundícia aos olhos do Deus santo (Is 64.6). O jovem rico
pensou que guardava a lei, mas havia quebrado os dois principais
mandamentos da lei de Deus: amar a Deus e ao próximo. Ele era idólatra.
Seu deus era o dinheiro. Seu dinheiro era apenas para seu deleite. Sua
teologia era baseada em não fazer coisas erradas, em vez de fazer coisas
certas. Concordo com Warren Wiersbe quando ele diz que Jesus não cita a lei
para ele como um meio de alcançar a salvação, pois o propósito da lei não é
salvar. Antes, ele coloca a lei diante do jovem como um espelho para revelar
seus pecados (Rm 3.19,20; Gl 2.21; 3.21). Jesus disse para o jovem rico: …
uma coisa ainda te falta: vende tudo o que tens, dá-o aos pobres e terás um
tesouro nos céus; depois, vem e segue-me (18.22). O que faltava a ele? O novo
nascimento, a conversão, o buscar a Deus em primeiro lugar. Ele queria a
vida eterna, mas não renunciou aos seus ídolos. Ele estava enganado a
respeito da lei de Deus (18.20,21). Ele mediu sua obediência apenas por ações
externas, e não por atitudes internas. Aos olhos de um observador desatento,
ele passaria no teste, mas Jesus identificou a cobiça em seu coração. O décimo
mandamento da Lei de Deus trata do pecado da cobiça. Este é o mandamento
subjetivo da lei. Ele não pode ser apanhado por nenhum tribunal humano.
Só Deus consegue diagnosticá-lo. Jesus viu no coração daquele jovem o amor
ao dinheiro como a raiz de todos os seus males (1Tm 6.10). O dinheiro era o
seu deus; ele confiava nele e o adorava.
1. Não terás outros deuses diante de mim/amarás
2. Não farás para ti nenhuma imagem de escultura
3. Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão
4. Lembra-te do dia do sábado, para o santificar
5. Honra teu pai e tua mãe
6. Não matarás
7. Não cometerás adultério
8. Não roubarás
9. Não dás testemunho falso contra o teu próximo
10.Não cobiçarás a casa do teu próximo

C. ELE ERROU EM SEU CONHECIMENTO SOBRE JESUS - — Bom


Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Ele chama Jesus de Bom Mestre, mas não está pronto para lhe obedecer. Ele
pensa que Jesus é apenas um rabi, e não o Deus encarnado. Jesus queria que o
jovem se visse como um pecador antes de se ajoelhar diante do Deus santo. Não
podemos ser salvos pela observância da lei, pois a lei exige perfeição, e nós somos
rendidos ao pecado. A lei é como um espelho; ela mostra a nossa sujeira, mas
não remove as manchas. O propósito da lei é levar o pecador a Cristo (Gl 3.24).
A lei pode levar o pecador a Cristo, mas não pode fazer o pecador semelhante a
Cristo. Somente a graça pode fazer isso. "Bom Mestre". Os rabinos diziam que
"não há bom fora da lei". Essa forma de dirigir-se a Jesus tinha sabor de
adulação insincera. De modo que Jesus começou dirigindo seus pensamentos a
Deus. Jesus estava sempre seguro de que seu poder e sua mensagem vinham de
Deus. Ele era só isso para ele. Bom mestre. Quem é Jesus para você?

D. ELE ERROU EM TROCAR OS TESOUROS DO CÉU PELOS DA


TERRA.
Ele estava enganado acerca da verdadeira riqueza (18.23). Depois de
perturbar a complacência do jovem com a constatação de que uma coisa lhe
faltava, Jesus o desafia com uma série de quatro imperativos: “Vende tudo o que
tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro nos céus; depois, vem e segue-me”
(18.23). Esses quatro imperativos são uma única ordem que exige uma só
reação. O jovem deve renunciar aquilo que se constitui no objeto de sua afeição
antes de poder viver debaixo do senhorio de Deus. O jovem rico perdeu a riqueza
eterna por causa da riqueza temporal. Ele preferiu ir para o inferno a abrir mão
do seu dinheiro. Mas que insensatez! Ele não pode levar um centavo para o
inferno. O jovem rejeitou a Cristo e a vida eterna. Agarrou-se ao seu dinheiro e
com ele pereceu. Saiu triste e pior, por ter rejeitado a verdadeira riqueza, aquela
que não perece. O jovem rico se tornou o mais pobre entre os pobres.2
Jonh MacArthur “Seu desejo por ser salvo baseava-se no vazio de sua alma,
talvez aliado ao desejo de livrar-se de ansiedade e frustração e conseguir alegria,
amor, paz e esperança. Bons desejos, todavia, não constituem motivo completo
para que alguém se renda a Cristo” (O Evangelho segundo Jesus, 1991, p.95).

CONCLUSÃO
Aqui encontramos o segredo e a tragédia deste importante homem rico.
Vivia egoisticamente. Era rico, mas não dava nada a ninguém. Seu verdadeiro
Deus era a comodidade, e o que realmente adorava eram suas posses e sua
riqueza. Por essa razão Jesus pediu que ele desse tudo. Há muitas pessoas que
utilizam suas riquezas para dar comodidades, alegria e o bem de seus
semelhantes; mas este homem as usava só para si mesmo. Se o "deus de um
homem é aquilo ao qual ele entrega todo o seu tempo, pensamento, energia e
devoção, então a riqueza era seu deus. Se queria encontrar a felicidade devia
terminar com tudo isso e viver para outros com a mesma intensidade com que
tinha vivido para si mesmo.
Uma coisa te falta? Para ele era tudo: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo
o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu
entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.( Lc 10:27). Ele tinha
outro Deus.
O que falta a você? O que está impedindo você de vir a Cristo?

2
Lopes, H. D. (2017). Lucas: Jesus, o Homem Perfeito. (J. C. Martinez, Org.) (1a edição, p. 528–530). São Paulo:
Hagnos.
18. E certo governante lhe perguntou: Bom Mestre, o que devo fazer
para herdar a vida eterna?
O desconhecido aqui apresentado é denominado de certo jovem por Mateus
(19.20); Lucas o denomina de certo governante (aqui em 18.18) e pelos três
sinóticos é descrito como uma pessoa muito rica, alguém que possuía muitas
propriedades (Mt 19.22; Mc 10.22; Lc 18.23). Portanto, o título composto, rico
jovem governante lhe é geralmente aplicado. Ele era provavelmente um dos
oficiais a cargo da sinagoga local.
A descrição que Marcos faz da ação desse governante é a mais vívida dos três
relatos. Como ele conta, o jovem não só correu para Jesus, mas também caiu de
joelhos diante dele. Lucas, com frequência, abrevia e simplesmente declara que
certo governante fez a Jesus uma pergunta. Em vista de seu elevado estado
emocional, demonstrado por haver corrido e caído de joelhos, é possível que ele
tivesse a voz embargada ao formular a pergunta que perturbava seu coração e
sua mente. Ele se dirige a Jesus como “Bom Mestre”. Visto sua maneira de
dirigir-se a Jesus estar intimamente relacionada com a resposta deste (v. 19),
por enquanto deixarei de comentar sobre isso. O jovem prossegue: “… que farei
para herdar a vida eterna?”
Não sabemos exatamente o que queria dizer esse inquiridor ansioso com
“vida eterna”. Para descobrir o que ele queria dizer com isso, é preciso ter em
mente que indubitavelmente isso teria sido ensinado pelos escribas e fariseus.
Os mais doutos entre eles sabiam que o conceito vida eterna tinha sua origem
no que agora chamamos Antigo Testamento. Daniel 12.2 a menciona em conexão
com a ressurreição dos filhos fiéis de Deus: “E muitos dos que dormem no pó da
terra serão despertados, alguns para a vida eterna, e alguns para vergonha e
desprezo eternos”. E, para dar apenas um exemplo da literatura apócrifa,
2Macabeus 7.9 declara: “O Rei do mundo nos ressuscitará … para uma eterna
renovação da vida”. Portanto, é possível admitir-se que os que conheciam a
literatura religiosa judaica associavam o termo vida eterna com a ressurreição.
Portanto, a pergunta do jovem governante e rico talvez possa ser parafraseada
da seguinte maneira: “Que devo fazer para participar da salvação no final da
era (do tempo)?” Unido a isso estava sem dúvida o anseio de obter a confiança
aqui e agora de estar avançando na direção correta rumo a esse destino final.
Nesse momento pelo menos ele parecia estar muito disposto a fazer o que fosse
necessário para alcançar a meta. Queria tranquilidade de mente para o presente
e a bem-aventurança sem fim para o futuro.
Este é o momento de voltarmos à maneira como o jovem governante e rico
inicia o diálogo. Já se mencionou que ele se dirige a Jesus como “Bom Mestre”.
A designação Mestre era totalmente apropriada. Jesus era e é verdadeiramente
o Mestre (Mt 26.55; Mc 14.49; Lc 11.1; Jo 3.2; 7.35; At 1.1). Até certo ponto, esse
fato até mesmo seus adversários reconheciam (Mt 22.16). Ele era realmente o
Profeta enviado de Deus. Veja também C.N.T. sobre Mateus Vol. 1, Introdução.
Não obstante, de acordo com o relato de Lucas, o jovem entusiasta acrescenta
um adjetivo ao substantivo: ele se dirige a Jesus como “Bom Mestre”.
Presumivelmente, isso também era verdade, mas, evidentemente, não no
sentido pretendido pelo jovem. Pelo menos, como se apreciará em seguida, Jesus
de forma alguma fica satisfeito com a forma em que esse homem se lhe dirige.
19. Jesus lhe disse: Por que você me chama bom? Ninguém é bom,
senão Um – Deus. Estaria Jesus negando sua bondade e deidade por meio
dessa declaração? Estaria dizendo: “Você não deveria me chamar bom, porque
somente Deus é bom; eu não sou Deus, portanto, não sou bom”? Muitos têm
interpretado assim a resposta de Cristo. Têm chegado à conclusão – com
algumas variantes em detalhes secundários – que Jesus está aqui traçando um
contraste tácito entre a bondade absoluta de Deus e a sua própria bondade. Meu
ponto de vista é o seguinte:
Jesus sabia que o jovem governante e rico, ao dirigir-se a ele como “Bom
Mestre”, estava sendo muito superficial. Se esse jovem cresse realmente de todo
o seu coração que Jesus era bom no sentido mais elevado do termo, ele teria
obedecido ao mandamento que o Senhor estava para apresentar-lhe (veja v. 22).
Essa mesma superficialidade se faz evidente à luz do elogio que ele confere a si
mesmo (v. 21). O Senhor sabia muito bem que se esse inquiridor havia de ser
salvo, então deveria ser confrontado com a norma absoluta da bondade, a saber,
a lei perfeita promulgada pelo único ser perfeito, Deus.
Então Jesus prossegue: 20. Você conhece os mandamentos: não
cometerás adultério, não matarás, não furtarás, não dirás falso
testemunho, honra a teu pai e tua mãe.
Não sabemos por que nos três relatos “Honre a teu pai e tua mãe” é o último
mandamento citado do Decálogo regular. Teria havido alguma razão especial
para Jesus, nesse caso particular, colocar esse mandamento no final (exceto no
sumário de Mateus)? Tampouco sabemos por que Jesus mencionou apenas os
mandamentos da segunda tábua. Gostaria de acrescentar às muitas conjeturas
ainda uma: Jesus não precisa incluir os mandamentos relacionados com o dever
dos homens em relação a Deus, já que o fracasso na observância da segunda
tábua compreende o fracasso na observância da primeira: “Aquele que não ama
a seu irmão, a quem vê, como pode amar a Deus, a quem não vê?’ (1Jo 4.20).
Outra pergunta para a qual não temos resposta é: Por que “não cometerás
adultério” precede aqui a “não matarás”? E por que “não cobiçarás” é omitido?
É possível que haja algo de verdade na posição de Lenski, a saber, que Jesus
não está atado à redação exata dos mandamentos ou à sua ordem no decálogo,
e indica simplesmente o quanto a lei requer antes de conceder a vida eterna.
É compreensível que ao responder à pergunta do jovem, Jesus comece
fazendo referência à lei de Deus, pois “pela lei vem o conhecimento do pecado”
(Rm 3.20; cf. Gl 3.24). Já nos encontramos antes com situação semelhante; veja
sobre 10.25–28.
Entretanto, a lei não nos torna cônscios de nossos pecados se falharmos em
discernir seu real significado, sua profundidade, segundo apresentada por Jesus
em Mateus 5.21–48. Sua resposta põe em evidência que a atitude do jovem para
com a santa lei de Deus era de caráter superficial: 21. Ele disse: Todas essas
coisas tenho observado desde que era criança. Também é possível traduzir
“desde minha juventude”. Segundo alguns, ele queria dizer “desde que me tornei
um bar mitzvah”, isto é, “um filho da lei”, o nome dado a um menino judeu que
havia alcançado a idade da responsabilidade religiosa. Outros interpretam a
expressão num sentido mais geral: “a partir da infância.”
Poderíamos perguntar: “Mas, se o jovem governante e rico está convencido de
que tem guardado toda a lei, por que continua tão perturbado?” É evidente que
ele está fazendo um grande esforço para convencer a si próprio de que na
realidade esteve vivendo em harmonia com todos os mandamentos de Deus.
Nesse intento talvez ele tenha sido estimulado pelos rabinos que se enganavam
ao crer que a perfeição espiritual era deveras atingível nesta vida.
Esse jovem, porém, realmente tem amado seu próximo como a si próprio?
Vivendo entre pessoas desesperadamente pobres, tem cumprido seu dever
plenamente? Por que, pois, essa ausência de paz no coração e na mente que o
faz correr para Jesus com uma pergunta oriunda da ansiedade?
Podemos apreciar algo da luta do jovem, especialmente à luz do que sabemos
de outro que iria experimentar uma agonia semelhante, mas que encontrou a
resposta correta (Rm 7.7–8.1; Fp 3.1–16).
Esse jovem precisa aprender a render-se completamente à misericórdia de
Deus e aceitar dele, como um dom gratuito, aquilo que ele não pode obter. Jesus
lhe mostrará o caminho:
22. Quando Jesus ouviu isso, ele lhe disse: Uma coisa ainda lhe falta;
venda tudo o que tem e distribua (a renda) entre os pobres, e você terá
tesouro no céu …
É possível que surja a pergunta: “Mas, ao instruir assim o jovem, não estava
Jesus endossando a ‘doutrina da salvação pelas boas obras’?” Não deveria,
antes, dizer-lhe: “Confie em mim”? Eis a resposta: Jesus lhe estava dizendo
precisamente isto: “Confie plenamente em mim”, porque certamente sem uma
confiança plena e uma entrega total àquele que estava dando a ordem, não se
poderia esperar que o jovem governante e rico vendesse tudo o que tinha e desse
o produto aos pobres. Essa era a prova. Se ele passasse na prova, então teria
“tesouro no céu”. A referência é a todas aquelas bênçãos que têm um caráter
celestial, que em sua medida plena estão reservadas para os filhos de Deus no
céu e das quais desfrutamos uma prelibação mesmo agora. Para mais sobre este
conceito, veja C.N.T. sobre Mateus 6.19,20. É importante notar que Jesus
acrescenta e venha, siga-me. Jesus dá a entender que, para segui-lo, para
acompanhá-lo e para preparar-se com vistas a dar um testemunho ativo, o jovem
deve aprender a “negar-se a si próprio e a carregar sua cruz”, em completa
consagração.
A resposta do jovem foi trágica. Mostrou que a ordem de Cristo tinha sido
uma flecha que feriu seu calcanhar–de-aquiles, seu ponto mais vulnerável: seu
amor pelos bens terrenos.
23. Quando ele ouviu isso, ficou muito triste, porque era
extremamente rico.
O jovem se sentiu amargamente desiludido. Seu semblante descaiu (veja Mc
10.22). Ele agora está tão triste como entusiasmado estivera no início. Parte
pesaroso e acabrunhado, provavelmente pensando: “Essa exigência não é justa.
Nenhum dos outros rabinos teria exigido tanto de mim”.
A exigência que Jesus fizera a esse homem desorientado se ajustava às suas
circunstâncias particulares e ao seu estado mental. O Senhor não exige isso de
toda pessoa rica – por exemplo, Abraão (Gn 13.2) ou José de Arimateia (Mt
27.57) – que fizesse exatamente o mesmo. Há pessoas opulentas que em geral
vivem para si próprias. O que contribuem para a causa de outros é totalmente
fora de proporção com o que reservam para si mesmos. Não obstante, há outras
pessoas ricas que se dispõem a esforçar-se ao máximo para ajudar outros,
inclusive até mesmo os não generosos (Gn 13.7–11; 14.14), e que, impulsionados
pela gratidão, estão constantemente construindo altares e apresentando
oferendas a Deus (Gn 12.8; 13.18; 15.9,10; 22.13). O jovem “era extremamente
rico”. Tinha muitas propriedades. Possuía muito; o muito o possuía, o mantinha
preso com firmeza. É evidente que esse jovem precisava exatamente do
tratamento que Jesus lhe deu.
O jovem governante e rico persistiu para sempre em sua deplorável recusa?
A resposta não nos foi revelada. Alguns raciocinam assim: A Escritura nos diz
que Jesus o amou (Mc 10.21). Deus ama os eleitos, a ninguém mais. Conclusão:
esse jovem teria se convertido.
Mas isso equivale a impor ao texto uma ideia teológica incorreta. Se os que a
defendem se limitassem à proposição: Deus ama de forma especial a todos os
que põem sua confiança nele (Sl 103.13; 1Jo 3.1), seu ensino teria uma base
sólida. Mas quando ela ultrapassa isso e eles negam a existência de um amor de
Deus que se estende muito além da soma total dos eleitos, devemos afastar-nos
de seu modo de pensar. Veja Salmo 145.9,17; Mateus 5.45; Lucas 6.35,36. E já
que isso procede, não há base alguma para se crer que o jovem governante e rico
teria se convertido antes de morrer. Em vez de especular acerca do que poderia
ou não ter acontecido, devemos levar muito a sério a lição de Lucas 13.23,24. E
é nesse sentido que Lucas continua seu relato:3

3
Hendriksen, W. (2014). Lucas. (V. G. Martins, Trad.) (2a edição, Vol. 2, p. 369–374). São Paulo, SP: Editora Cultura
Cristã.

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