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9 Mas vocês são um povo escolhido, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo pertencente a

Deus, para que vocês possam proclamar os louvores a ele, o qual os chamou da escuridão para a sua
maravilhosa luz.
O contraste é evidente: o termo mas marca a diferença entre os incrédulos desobedientes e o povo
escolhido de Deus. Em ordem ascendente, Pedro enumera as gloriosas riquezas dos crentes em termos que
chegam a ser quase incríveis. Eis as palavras:
a. “Povo escolhido”. Pedro escreve para pessoas que estavam vivas antes da destruição do templo de
Jerusalém. Ele próprio um judeu, Pedro se dirige a muitos cristãos judeus e cristãos de descendência gentia.
Além disso, ele fala aos crentes de todas as épocas e lugares que lêem sua epístola. Conhecendo muito bem
o Antigo Testamento, Pedro aplica as palavras dessa parte das Escrituras aos seus leitores, porque ele os vê
como povo escolhido por Deus. Ele toma emprestada a profecia de Isaías, que registra as palavras do Senhor:
“Ao meu povo, ao meu escolhido, ao povo que formei para mim, para celebrar o meu louvor” (Is 43.20,21).
Pedro, portanto, vê os crentes como corpo de Cristo, isto é, a igreja.
Em outras traduções, o termo raça é usado ao invés de “povo”. Os membros de uma raça têm um
ancestral em comum e, por meio dele, são parentes entre si. Abraão, por exemplo, é o pai da raça judaica.
Os cristãos, por meio de Jesus Cristo, chamam Deus de Pai e formam uma família de irmãos e irmãs. Além
disso, pelo fato de Jesus ter sido eleito por Deus (vs. 4,6), eles também são chamados de povo eleito de Deus
(ver 1.1; comparar com Dt 10.15; 1Sm 12.22).
b. “Sacerdócio real”. Pedro continua a descrever as gloriosas riquezas dos crentes. Ele os chama de
“sacerdócio real”. No versículo 5, ele fala do sacerdócio santo, uma frase significativa, tendo em vista a ordem
para serem santos (1.15,16). O adjetivo descritivo real, porém, dá a entender a existência de um reino e de
um rei. O Messias, de fato, é tanto sacerdote quanto rei, conforme profetizou Zacarias: “Será revestido de
glória; assentar-se-á no seu trono e dominará, e será sacerdote no seu trono” (6.13; ver também Hb 7.14–
17; Ap 1.5,6). Enquanto Zacarias, de modo profético, retrata o Messias como sacerdote real, Pedro revela
que os crentes são sacerdotes em um sacerdócio real.
c. “Nação santa”. Mais uma vez, Pedro lança mão de fraseologia do Antigo Testamento. Ele toma
emprestada a linguagem de Êxodo 19.6 (ver também Dt 7.6; Is 62.12). Pedro se vale do uso de termos
nacionais e políticos, mas que seus leitores compreendam de forma não-política.37 Por isso, ele qualifica a
palavra nação com o adjetivo santa.
Uma nação é formada de cidadãos que residem num determinado local, obedecem a regras e
regulamentações e lutam pelo bem de sua sociedade. Os cidadãos da “nação santa”, porém, têm
características em comum por meio de Jesus Cristo. Pedro retrata o povo de Deus como uma nação santa, o
que significa que seus cidadãos foram separados para servir a Deus.
d. “Povo pertencente a Deus”. Ao longo dos séculos, Deus tem tomado para si o seu próprio povo (ver Ml
3.17; At 20.28; Tt 2.14). Esse povo, que é diferente de todas as nações do mundo, é um bem precioso de
Deus. Ele existe independente de laços nacionais, pois tem um relacionamento especial com Deus. Ele
pertence a Deus, que o comprou com o sangue de Jesus Cristo.
e. “Para que vocês possam proclamar os louvores”. Pedro mostra qual é a tarefa do povo especial de
Deus. Como pastor habilidoso, Pedro se dirige aos leitores de modo pessoal. Diz: “Para que vocês possam
proclamar os louvores a ele, o qual os chamou da escuridão para a sua maravilhosa luz” (comparar com Is
43.21). Eles devem proclamar verbalmente as virtudes louváveis de Deus, seus feitos, seu poder, glória,
sabedoria, graça, misericórdia, amor e santidade. Através de sua conduta, devem testemunhar que são filhos
da luz e não das trevas (At 26.18; 1Ts 5.4).
Pedro deixa implícito que, em tempos passados, seus leitores viviam em trevas espirituais e Deus os
chamou ao arrependimento e à fé em Jesus Cristo e os redimiu dos poderes das trevas. Através do evangelho
de Cristo, Deus os chamou para o reino de seu Filho (Cl 1.13).
10 Antes vocês não eram um povo, mas agora vocês são povo de Deus; antes vocês não haviam
recebido misericórdia, mas agora vocês receberam misericórdia.
Mais uma vez, Pedro lança mão de imagens do Antigo Testamento. Faz alusão à profecia de Oséias, na
qual o Senhor se dirige ao profeta, quando Gômer da à luz seu segundo filho: “Põe-lhe o nome de NÃO-MEU-
POVO, porque vós não sois meu povo, nem eu serei vosso Deus” (1.9; e veja 2.23). A segunda parte do
versículo também é uma alusão à profecia de Oséias. Gômer deu à luz uma filha e Deus diz a Oséias: “Põe-
lhe o nome DESFAVORECIDA; porque eu não mais tornarei a favorecer a casa de Israel” (1.6).
“Antes vocês não eram um povo, mas agora vocês são povo de Deus”. Eis uma referência óbvia ao passado
desses leitores. Eram gentios e judeus que, por meio da pregação da Palavra de Deus, haviam sido convertidos
(1.12). Deus os salvou pela obra redentora de seu Filho e, agora, essas mesmas pessoas são parte do corpo
de crentes, conhecido como “povo de Deus”. Eles são o povo especial de Deus, a quem Pedro chama de “povo
pertencentes a Deus” (v. 9).
“Antes vocês não haviam recebido misericórdia, mas agora vocês receberam misericórdia”. As palavras
do grego indicam que os leitores tinham vivido sem Deus durante um longo tempo, período este no qual
haviam tentado, mas não tinham conseguido alcançar misericórdia para si. Pedro faz um contraste entre o
passado dessas pessoas e o seu presente: “mas agora receberam misericórdia”, ou seja, receberam a
remissão dos pecados e regozijam-se no amor e na graça de Deus.
O profeta Oséias contrasta a infidelidade do povo de seu tempo no antigo Israel com o amor eletivo de
seu Deus da aliança (Os 1.1–2.23). No Novo Testamento, Paulo aplica a profecia de Oséias aos gentios (Rm
9.25,26). Além disso, ele considerava os gentios como judeus que haviam quebrado a aliança de Deus. Deus,
porém, toma os gentios e judeus convertidos para estarem em aliança com ele. Pedro afirma a mesma
verdade quando se dirige a cristãos tanto judeus quanto gentios em sua epístola: “Mas vocês são… um povo
pertencente a Deus”.

Considerações doutrinárias em 2.9,10


Nesses dois versículos, a New International Version usa a palavra “povo” quatro vezes: “povo eleito”;
“povo de propriedade exclusiva de Deus”; “não éreis povo”; e “agora sois povo”. Pedro nos revela que somos
extremamente preciosos aos olhos de Deus. Ele indica que somos um bem querido de Deus, pois fomos
escolhidos por meio de Cristo. A seu modo, Pedro repete a declaração de Deus: “Andarei entre eles; serei o
seu Deus, e eles serão o meu povo”.
A declaração de Deus é uma verdade bíblica que, como um fio dourado, encontra-se entrelaçada no
tecido das Escrituras. O povo de Deus é sua propriedade. Por outro lado, devemos estar cientes de nossa
posição, pois Pedro nos retrata como eleitos de Deus, membros da realeza e santos. 1

Esperança

9 Com as palavras Vós, porém, é retomado o contraste entre os crentes e incrédulos que já ficou
explícito no v. 7. Os crentes têm uma posição incomparável por meio de Cristo. Saber disso não é
orgulho, mas realismo bíblico. Existe uma consciência de classe autêntica e necessária. Para que não
desanimem em suas fraquezas e perseguições, ou tentem se tornar grandes no mundo, precisam
saber como são ditosas sua condição e sua tarefa em Cristo. Vós, porém (sois a) raça eleita, (o)
sacerdócio real, (o) povo santo, (o) povo para a propriedade.
Aqui são citados Is 43:20s e Êx 19:6, no entanto outra vez de forma bastante livre, provavelmente
de cor. Por ocasião da celebração do pacto no Sinai Deus havia declarado a verdadeira missão de

1
Simon J. Kistemaker, Epístolas de Pedro e Judas, trans. Susana Klassen, 1a edição., Comentário do Novo Testamento
(São Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2006), 126–129.
Israel: sereis povo da minha propriedade, um sacerdócio real, um povo santo. E em Is 43:10s Deus
havia afirmado sobre o povo a ser reconduzido da Babilônia: ele é “minha raça eleita, meu povo, que
preparei para mim, a fim de comunicar os meus feitos benfazejos” (segundo a LXX). O povo de Deus
no AT tinha uma finalidade diferente dos demais povos, as “nações”. Agora, porém, a dignidade e
incumbência dada a Israel no AT vigoram – no Messias Jesus – para o povo de Deus do NT. Em termos
de história da salvação é relevante que para a convocação à igreja da nova aliança já não importa
pertencer a um povo, mas ter a fé! É verdade que Israel mantém uma posição singular na história das
nações e da salvação (Rm 9-11), mas a verdadeira diferença perante Deus foi eliminada (Ef 2:14).
Agora se pode anunciar aos que foram redimidos pelo sangue de Jesus: Vós, porém, sois a raça eleita.
Raça significa descendência comum, surgida em Israel por via natural, aqui, no entanto, por um
nascimento espiritual (1 Pe 1:3,23). São eleitos pela escolha de Deus. Ela repousa exclusivamente
sobre a benignidade de Deus (Ef 1:5s). Além da escolha por graça repercute no termo grego eklektos
“eleito” também a seleta posição elevada para a qual a seleção divina exalta a pessoa. Sacerdócio
real: no texto hebraico em Êx 19:6 consta “um reino de sacerdotes”. Ao contrário das nações, Israel
não devia ter uma tarefa política mas sacerdotal no mundo (cf. Gn 12:3). Pelo fato de que o
pensamento de Israel voltou-se cada vez mais para o “reinado” ao invés da tarefa sacerdotal, esse
povo perdera, pelo menos para a era presente, sua verdadeira função sacerdotal no mundo. No NT
são colocadas mais nitidamente as ênfases sobre o sacerdócio: um sacerdócio real. Um sacerdócio
para este mundo – essa é a posição e tarefa da igreja de Jesus (cf. também o v. 5 e Ap 1:6; 5:10). É real
porque pertence ao reinado de Deus e vive em direção a ele. Apesar de tribulação e desprezo ele não
deixa de ser regiamente livre, porque está vinculado a Deus. Santo é um povo que pertence a Deus,
que está separado para o serviço dele. Os que foram convocados desse modo vivem entre os povos
e, não obstante, constituem um só povo, formando um conjunto por meio de Cristo, separados para
o seu serviço (cf. Jo 17:15-19). Para uma autocompreensão correta é usada uma quarta expressão:
eles são povo para propriedade. A palavra grega para propriedade também pode significar
“preservação” e “aquisição”. A idéia é de uma propriedade que o próprio Deus adquiriu para si
mesmo. Nenhuma outra pessoa pode reclamar direitos de posse sobre o povo, senão unicamente
Deus. Esse povo tampouco existe para si mesmo, mas exclusivamente para Deus (cf. Tt 2:14). “Para
propriedade” pode sugerir que essa relação de propriedade não se limita ao presente, mas que ainda
será aperfeiçoada em glória.
A finalidade da vocação divina é: para que proclameis amplamente as proezas daquele que vos
chamou das trevas para sua maravilhosa luz. Se essa proclamação não acontecer, a vocação fracassa.
O povo de Deus existe para que proclame amplamente. No grego consta um termo que se refere à
proclamação com exclamação enfática. O povo de Deus da nova aliança tem motivo para anunciar
largamente as proezas de seu Senhor. A palavra grega para proeza (areté) tem muitas facetas. A antiga
tradução de Lutero traz “virtude”, mas isto tem uma conotação excessivamente moral. A tradução
revisada de Lutero traz “benefícios”, o que é correto, enquanto não limitarmos a idéia à esfera da vida
material, mas a entendermos como poderoso ato de salvação. A palavra aqui citada de Is 43:21
significa no idioma hebraico: glorificação, louvor, fama, façanha (tehilah) e, no grego, virtude, ato
divino de poder, milagre. É preciso perceber o contexto dos significados. O povo de Deus tem de
anunciar os feitos poderosos de Deus. Contudo, faz parte do lado objetivo dos feitos de Deus também
o lado subjetivo (aquele experimentado pessoalmente por cada um). Afinal, Deus é aquele que vos
chamou para fora das trevas à sua maravilhosa luz. Quem experimentou a intervenção resgatadora
de Deus em sua vida não pode silenciar a esse respeito, uma vez que sabe que foi arrancado do âmbito
de poder das trevas e transferido para o senhorio libertador do Ressuscitado (Cl 1:13). Trevas significa
distância de Deus (Mt 22:13; cf. também Jo 1:5; 12:46), designa o que é diabolicamente mau (Lc 22:53:
esse é o poder das trevas). O ser humano distante de Deus vive nas trevas (1 Jo 1:6) e realiza obras
das trevas (Ef 5:11). Quando Deus não é honrado nem recebe ações de graças, os corações são
cobertos pelas trevas (Rm 1:21). Para a humanidade resulta daí esta arrasadora condição: “Trevas
cobrem a terra, e escuridão os povos” (Is 60:2). Deus, porém, chama para fora das trevas – para dentro
de sua maravilhosa luz. Aqui se fala da luz como de uma esfera, a saber, a proximidade de Deus. Luz
é seu manto (Sl 104:2), seu reino se caracteriza pela luz, e ele habita em uma luz da qual ninguém
pode aproximar-se (1 Tm 6:16). Sim, sua luz é tão intensa que não podemos nos aproximar dela sem
sofrer conseqüências: “Quem dentro nós é capaz de habitar junto da ardência eterna” (Is 33:14)?
Quando uma pessoa segue o chamado de Deus rumo à luz, isso significa para ela um juízo sobre todas
as trevas em sua vida. Nesse passo ela traz à luz o pecado, torna-se verdadeira perante Deus (Jo 3:19-
21) e retorna para uma vida na proximidade de Deus. Por essa via os destinatários da carta se
tornaram pessoas novas. E também hoje não existe outro caminho para lá senão que nossos olhos
sejam abertos e, conseqüentemente, nos convertamos das trevas para a luz e do domínio de Satanás
para Deus (At 26:18). Essa luz vitoriosa é verdadeiramente maravilhosa: que diferença entre as trevas
em que vivíamos antes e a atual luz de Deus na nova vida! Supera todos os conceitos humanos de luz,
e muito mais todas as concepções em vista da glória vindoura.2

UM SACERDÓCIO REAL
1Pedro 2.8b–10
São estes os que tropeçam na palavra, sendo desobedientes, para o que também foram postos. Vós, porém,
sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes
as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo,
mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia.

No nosso estudo anterior, refletimos sobre a metáfora de Jesus como pedra viva, que congrega a si um
povo também composto de pedras vivas, e por meio desse grupo de pedras vivas a igreja de Cristo é
construída. Essa pedra, o fundamento da igreja, é, ao mesmo tempo, uma pedra de tropeço na qual muitos
encontram sua ruína. É chamada de pedra de ofensa. São estes os que tropeçam na palavra, sendo
desobedientes, para o que também foram postos (v. 8b).
Esse tropeço é causado pela pedra que é Cristo. As pessoas desobedientes à Palavra de Deus são levadas
a tropeçar em Jesus, essa pedra de ofensa. Ouvimos de Pedro a mensagem sombria de que elas foram
apontadas ou destinadas para isso, como dizem algumas traduções. Encontramos aqui, como já em outros
lugares do escrito de Pedro, referências à predestinação, à eleição soberana por meio da qual Deus derrama
sua graça sobre aqueles que ele escolheu desde a fundação do mundo. Entendemos também que a doutrina
da predestinação é dupla; ou seja, ela envolve não só a eleição, mas também a rejeição. Isso é exposto
claramente em Romanos 9, onde Paulo contrasta o destino de Jacó ao de Esaú. Algumas pessoas entendem
claramente que a Bíblia ensina a eleição num sentido positivo, mas a ideia de que ela tenha um segundo lado
lhes parece um decreto terrível, diante do qual elas recuam.
Há uma teoria que em latim é chamada destinare ad pecatum. A ideia é que, desde toda eternidade, Deus
predestinou as pessoas a pecar, que ele determinou seu destino como pecadores para que fossem

2
Uwe Holmer, Comentário Esperança, Primeira Carta de Pedro (Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2008), 179–
181.
condenadas. Isso é exatamente o que a doutrina reformada da predestinação não ensina. Antes, ensina que
os decretos de Deus da eleição e rejeição foram dados à luz da queda. Deus não considerou antes do início
dos tempos uma humanidade não caída, inocente antes da queda, da qual então escolheu alguns para a
salvação e outros para a perdição. Em vez disso, como Agostinho ressaltou, quando Deus estava considerando
a raça humana, ele a conhecia antes da queda como uma massa perdida, e, dessa massa de pessoas caídas,
incrédulas e desobedientes, Deus decidiu soberanamente conceder sua graça salvífica a alguns, permitindo
a outros que fizessem o que bem quisessem. Deus simplesmente os ignorou. Nessa equação, ninguém é
vítima de uma injustiça divina, mas os redimidos recebem graça, e os não redimidos justiça. As pessoas
protestam contra isso, dizendo que Deus está sendo injusto ao demonstrar sua misericórdia a alguns, mas
não a todos. No entanto, quando nos queixamos da graça soberana de Deus na salvação, vemos quão graciosa
essa salvação realmente é, pois nosso protesto revela o quanto nosso coração é teimoso em relação à
majestade e soberania de Deus.
Eles foram designados para um destino de juízo com base na descrença deles – a desobediência deles –
porque essa é a conclusão inevitável para todos aqueles que se recusam a se curvar diante de Cristo. Todos
os que rejeitam a pedra angular descobrirão que é exatamente essa pedra que os levará a tropeçar
eternamente. Como disse um comentarista, é impossível tropeçar numa pedra, a não ser que pelo menos um
dedo do seu pé a toque. Pedro está descrevendo aqueles que conheceram o Cristo vivo e tropeçaram nele.
Em nítido contraste, Pedro consola aqueles aos quais dirige sua epístola: Vós, porém, sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus (v. 9).

Sacerdócio real
Frequentemente tomo meu café da manhã num restaurante. Um dos gerentes me cumprimenta com
regularidade e pergunta: “Como o senhor está?” Eu respondo: “Estou bem. E o senhor?” Quando ele me
responde, não diz: “Estou bem, obrigado”, mas “Sou abençoado”. Quando trocamos cumprimentos sou
lembrado da sua fé no Salvador e da sua compreensão da graça de Deus. É isso que nós somos – um povo
abençoado, que recebeu as riquezas da graça de Deus, “uma raça eleita, um sacerdócio real”.
Essa é a segunda vez na epístola que Pedro se refere a nós estarmos envolvidos num sacerdócio. Na
primeira vez, ele o chamou um “sacerdócio santo” (v. 5). Estudamos isso à luz do entendimento luterano do
sacerdócio de todos os cristãos. Aqui, Pedro qualifica o sacerdócio de outro modo. Ele diz que somos eleitos
e reais, ou seja, servimos na presença e sob a égide de um rei. Cristo não é apenas nosso Rei, ele é também
nosso Sumo Sacerdote, uma afirmação com a qual as pessoas da comunidade judaica lutavam.
No Antigo Testamento, o sacerdócio foi dado à tribo de Levi. Para que alguém pudesse ser ordenado
sacerdote, ele precisava ser membro dessa tribo. Jesus não era levita; ele era da tribo de Judá, e a Judá foi
dado o reino. Na bênção que Jacó deu aos seus filhos, ele disse:
Judá é leãozinho;
da presa subiste, filho meu.
Encurva-se e deita-se como leão e como leoa;
quem o despertará?
O cetro não se arredará de Judá,
nem o bastão de entre seus pés,
até que venha Silo;
e a ele obedecerão os povos (Gn 49.9–10).

Leão de Judá tornou-se um título do rei que saiu de Judá. Jesus é esse Rei.
Se Jesus é rei, como ele pode ser sacerdote? Essa foi uma pergunta considerada pelo autor de Hebreus.
Ele argumentou que Jesus era sacerdote de outra ordem de sacerdócio. Não era um sacerdote levita, um
descendente de Arão. Antes, era da ordem de Melquisedeque. O autor relata o incidente do livro de Gênesis
em que Abraão se encontrou com Melquisedeque (14.18–24). Melquisedeque abençoou Abraão, e Abraão
pagou o dízimo a Melquisedeque. Segundo Hebreus, isso significa que o superior abençoou o subordinado, e
o subordinado entrega o dízimo ao superior. Abraão estava subordinando-se à autoridade desse personagem
enigmático chamado Melquisedeque. O autor de Hebreus continua dizendo que, se Melquisedeque era maior
do que Abraão, e Abraão maior do que Isaque, e Isaque maior do que Jacó, e Jacó, maior do que Levi, então
Melquisedeque é maior do que Levi.
A Melquisedeque são dados um nome e um título (veja Hb 7.1–3). Ele é chamado de Melquisedeque, rei
de Salém. O significado do nome Melquisedeque é derivado de duas palavras hebraicas: melek, que significa
“rei”, e tsaddiyq, que significa “justiça”. Melquisedeque significa “rei da justiça”. Ele era rei de Salém, ou rei
da paz. Existem algumas evidências que sugerem que, antes de Jerusalém ser chamada de Jerusalém, a cidade
era chamada de Salém. Muitos acreditam que o aparecimento de Melquisedeque no Antigo Testamento foi
uma cristofania, uma pré-encarnação do próprio Cristo. O que importa, porém, é que Melquisedeque era
sacerdote e era rei e que Cristo recebe seu sacerdócio dessa ordem, e que seu título como rei provém de sua
descendência de Judá. Jesus é, portanto, supremamente o rei-sacerdote.
No Antigo Testamento, à parte de Melquisedeque, havia uma distinção muito rígida entre a função do rei
e a função do sacerdote. O rei Uzias reinou fielmente durante décadas até assumir o papel de sacerdote e
entrar no Santo dos Santos para oferecer sacrifícios. Os sacerdotes ficaram chocados e o repreenderam. Uzias
voltou sua ira contra os sacerdotes, e Deus então o castigou com lepra e o removeu de seu trono, e ele
morreu em vergonha (2Cr 26). Essa união de reinado e sacerdócio estava reservada para Cristo, nosso Rei e
nosso Sumo Sacerdote, que intercede por nós diariamente à mão direita de Deus. Aquele que Deus ungiu
como Rei dos reis é, ao mesmo tempo, nosso sacerdote.
No entanto, essa junção de reinado e sacerdócio não termina com Jesus. Pedro nos fornece a afirmação
surpreendente que, em Cristo, somos uma raça eleita e um sacerdócio real. Em virtude do fato de estarmos
em Cristo, participamos do seu reino. Participamos do seu sacerdócio como aqueles que intercedem pelos
perdidos e pelo povo de Deus. Somos uma nação sagrada, santa, consagrada e transcendente. Somos uma
nação que se distingue de todas as outras nações que apareceram neste planeta.

Peregrinos
Em pelo menos duas ocasiões anteriores e logo à frente mais uma vez, Pedro chama seus leitores de
peregrinos ou forasteiros, chamando atenção para o passado do povo de Israel. Israel havia sido um povo
seminômade, que raramente pôde chamar um pedaço de terra de seu lar. A essência da promessa de Deus
a Abraão era que o povo se tornaria uma nação e teria uma pátria; eles teriam um lugar permanente, que
lhes daria estabilidade. A história de Israel é uma história de instabilidade. Se você ler o jornal de hoje, verá
quantas nações têm suas armas de destruição apontadas para Israel. Desde a destruição do templo de
Jerusalém em 70 d.C., o povo judaico tem vivido na Dispersão. Ele foi um povo sem lar, um povo sem país até
a Declaração de Balfour, em 1948.
Nós, como cristãos, somos um povo sem um país. Na Bíblia nunca há uma equiparação entre o povo de
Deus e um nacionalismo específico. O reino de Deus não se limita às fronteiras dos Estados Unidos da
América. Ele transcende todas as fronteiras humanas. O reino de Deus está espalhado pelo mundo inteiro, e
a razão disso é que os cidadãos desse reino pertencem a um tipo diferente de país, a uma nação santa – ou,
nas palavras das Escrituras, a uma nação celestial. Nossa cidadania não pode ser definida pelo nosso
passaporte, pois neste mundo permanecemos peregrinos. Nas palavras do antigo hino, “Este não é o meu
mundo; estou apenas de passagem”; no entanto, isso não significa que somos um povo sem país. Somos
cidadãos de uma nação santa criada por Deus, seu próprio seu povo especial.
A razão pela qual somos uma raça eleita e um sacerdócio real e Deus nos conferiu a cidadania de um país
celestial e sagrado é, segundo Pedro, esta: a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das
trevas para a sua maravilhosa luz (v. 9). Recebemos nossa cidadania com o propósito de proclamar os
louvores de Deus. Adorar Deus não significa oferecer-lhe um sacrifício de animal ou uma oferta de grãos, mas
o sacrifício de louvor. O louvor a Deus deveria estar em nossos lábios a cada momento, pois os cidadãos desse
reino celestial passam a eternidade louvando o Rei dessa nação celestial, cantando com os anjos: “Digno é o
Cordeiro que foi morto de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor” (Ap
5.12).

Luz e trevas
O contraste entre a luz e as trevas é uma metáfora comum no Novo Testamento. A escuridão é o lugar
que a luz não alcança, onde os atos do mal são concebidos e executados. A Bíblia nos diz que, por natureza,
somos filhos das trevas. A escuridão é nosso habitat natural. Na nossa condição caída, temíamos mais do que
qualquer outra coisa que a luz de uma lanterna fosse colocada sobre nossa alma e que nossos pecados fossem
revelados ao mundo. Lemos no evangelho de João:
Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê
não pereça, mas tenha a vida eterna. Porquanto Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse
o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está
julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. O julgamento é este: que a luz veio ao
mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele
que pratica o mal aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras.
Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam manifestas, porque feitas em
Deus (Jo 3.16–21).

Tendemos a interromper nossa leitura no versículo 16. Não levamos em consideração que o outro lado
dessa mensagem maravilhosa é o juízo – os homens amam as trevas. A razão pela qual amam as trevas é que
seus atos são maus. Quando nossos atos são expostos à luz, eles são expostos pela maldade que os motiva,
que é praticada nas trevas, nosso habitat natural. Nossa disposição natural em relação a Deus é a
indisposição. Temos uma alergia inata às coisas de Deus. Nossa disposição natural é a de não buscá-lo, mas
de fugir dele. Desde quando Adão e Eva cometeram o primeiro pecado no jardim, a atividade de todas as
criaturas caídas é esconder-se da face de Deus.
No entanto, Pedro diz que Deus nos chamou das trevas para a luz. Distorcemos grandemente as palavras
de Pedro no nosso evangelismo quando o interpretamos como que dizendo que estávamos tateando nas
trevas como homens cegos até Deus nos chamar para fora da caverna, para a luz do dia, e então exercemos
nossa vontade e saímos para a luz. Nenhum ser humano por si mesmo faria isso. Saímos das trevas apenas
quando Deus nos chama de maneira eficaz, quando Deus traz a sua luz até nós, como ele o fez no início da
criação, quando a escuridão pairava sobre as profundezas. As luzes vieram quando Deus disse: “Haja luz” (Gn
1.3), e as trevas não resistiram à luz que Deus chamou à existência.
Quando você entrar no seu quarto hoje à noite e apagar todas as luzes e fechar as cortinas de modo que
nenhum raio de luz possa entrar, sentirá a intensidade das trevas. Então, ligue o interruptor e conte os
segundos até a escuridão desaparecer. As trevas não têm o poder de extinguir a luz. Quando você acende a
luz, as trevas desaparecem. Deus, em seu chamado pelo poder do Espírito Santo, transformou o seu coração.
Se você é cristão, ele transformou o desejo com o qual você nasceu de procurar as trevas e permanecer nelas,
e lhe deu um gosto pela alegria e um amor pela luz, de modo que você feliz e de bom grado foi e regozijou-
se na luz da presença dele.
O lema da Reforma do século 16 era ex tenebras lux “das trevas, a luz”. A luz gloriosa do evangelho havia
sido encoberta e substituída por um evangelho falso. Quando a luz do evangelho verdadeiro voltou a brilhar,
a face do mundo foi transformada. A escuridão fugiu da luz.
Há uma expressão que algumas pessoas usam de modo pejorativo quando descrevem alguém que alega
ter se convertido a Cristo: “Ele viu a luz”. Se alguém dissesse isso para mim, eu diria: “Sim, eu vi a luz, e ela é
gloriosa. Ela expulsa a escuridão da minha alma”. Só Deus consegue fazer isso. Ele nos chamou das trevas não
simplesmente para a luz, mas para a sua luz, e ainda mais: para a sua luz maravilhosa. É uma maravilha
quando Deus lança sua luz nas trevas da alma humana. Palavras não podem expressar a maravilha de ser
tirado das trevas e levado para sua luz.
Então, Pedro chama a atenção para o Antigo Testamento: vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas,
agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (v.
10). Pedro deve ter pensado na história do profeta Oseias, que foi chamado por Deus para se casar com uma
prostituta. Os filhos que dela nasceram receberam nomes significativos para o juízo de Deus contra seu povo:
Foi-se, pois, e tomou a Gômer, filha de Diblaim, e ela concebeu e lhe deu

um filho. Disse-lhe o Senhor:


Põe-lhe o nome de Jezreel,
porque, daqui a pouco,
castigarei, pelo sangue de Jezreel, a casa de Jeú
e farei cessar o reino da casa de Israel.
Naquele dia,
quebrarei o arco de Israel no vale de Jezreel.”

Tornou ela a conceber e deu à luz uma filha. Disse o Senhor a Oseias:

Põe-lhe o nome de Desfavorecida,


porque eu não mais tornarei a favorecer a casa de Israel, para lhe perdoar.
Porém da casa de Judá me compadecerei
e os salvarei pelo Senhor, seu Deus,
pois não os salvarei pelo arco,
nem pela espada, nem pela guerra,
nem pelos cavalos, nem pelos cavaleiros.

Depois de haver desmamado a Desfavorecida, concebeu e deu à luz um filho. Disse o Senhor a Oseias:

Põe-lhe o nome de Não-Meu-Povo,


porque vós não sois meu povo,
nem eu serei vosso Deus. (Os 1.3–9)

Todos os judeus conheciam essa história, de modo que, quando Pedro lhes disse: “sois raça eleita,
sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus”, eles entenderam que eles, que haviam
sido um não povo, haviam se tornado povo de Deus. Aqueles que haviam sido desfavorecidos, que não
haviam recebido misericórdia, agora a receberam. É isso que Deus fez por nós. Ele nos chamou das trevas
para que fôssemos seu povo e os recipientes de sua misericórdia. Um grande destino. 3

2:9 Aqui, Pedro volta a tratar dos privilégios dos cristãos. São raça eleita, sacerdócio real, nação santa,
povo de propriedade exclusiva de Deus. O Senhor havia prometido esses mesmos privilégios à nação de
Israel se ela se mostrasse obediente:
3
R. C. Sproul, Estudos Bíblicos Expositivos em 1 e 2Pedro, trans. Markus Hediger, 1a edição. (São Paulo: Editora
Cultura Cristã, 2016), 61–67.
Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a
minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino
de sacerdotes e nação santa.
Êxodo 19:5–6a
Devido à sua incredulidade, Israel não recebeu essas bênçãos prometidas e perdeu seu lugar como povo
de propriedade exclusiva de Deus. Na era presente, a igreja ocupa o lugar privilegiado que Israel perdeu em
razão de sua desobediência.
Os cristãos de hoje são raça eleita por Deus antes da fundação do mundo para pertencer a Cristo (Ef 1:4).
Mas, em vez de ser uma raça terrena, com os mesmos antepassados e características físicas distintivas, os
cristãos se constituem num povo celestial, de ascendência divina e semelhanças espirituais.
Também são sacerdócio real. É a segunda vez que o termo sacerdócio é usado no capítulo 2. No versículo
5, os cristãos são descritos como sacerdócio santo que oferecem sacrifícios espirituais. Agora, são chamados
de sacerdotes reais que proclamam as virtudes de Deus. Como sacerdotes santos, entram no santuário do
céu pela fé com o propósito de adorar. Como sacerdotes reais, saem ao mundo com o propósito de
testemunhar. Essa diferença entre os tipos de sacerdócio é ilustrada pelo encarceramento de Paulo e Silas
em Filipos. Como sacerdotes santos, cantaram louvores a Deus à meia-noite; como sacerdotes reais,
pregaram o evangelho ao carcereiro (At 16:25,31).
Os cristãos constituem uma nação santa. A intenção de Deus era que Israel fosse uma nação conhecida
por sua santidade. Os israelitas, porém, se entregaram às práticas pecaminosas de seus vizinhos gentios.
Israel foi colocada de lado em caráter temporário, e a Igreja é, agora, a nação santa de Deus.
Por fim, os cristãos são povo de propriedade exclusiva de Deus. Pertencem a ele de maneira singular e
lhe são particularmente valiosos.
O final do versículo 9 descreve a responsabilidade daqueles que fazem parte da nova raça […] sacerdócio
[…] nação e povo […] de Deus. Devemos proclamar as virtudes daquele que nos chamou das trevas para a
sua maravilhosa luz. Antes, andávamos tateando na escuridão do pecado e da vergonha. Por meio de um
livramento assombroso, porém, fomos transportados para o reino do Filho do seu amor. Não há resposta
mais apropriada do que louvar em alta voz aquele que fez tudo isso por nós!
2:10 Pedro encerra esta seção com uma referência a Oseias. Deus usou a vida familiar trágica do profeta
como exemplo prático para pronunciar julgamento sobre a nação de Israel. Devido à infidelidade dos
israelitas, Deus lhes disse que não teria mais misericórdia deles, e eles não seriam mais seu povo (Os 1:6,9).
A rejeição de Israel por Deus, no entanto, não foi definitiva, pois o Senhor também prometeu restauração
futura: “[…] compadecer-me-ei da Desfavorecida; e a Não Meu Povo direi: Tu és o meu povo! Ele dirá: Tu és
o meu Deus” (Os 2:23).
Algumas pessoas para as quais Pedro estava escrevendo eram, originariamente, membros do povo de
Israel, mas agora faziam parte da Igreja. Por meio da fé em Cristo, tornaram-se povo de Deus enquanto os
judeus continuavam alienados de Deus.
Pedro vê na condição dos judeus convertidos de sua época o cumprimento parcial de Oseias 2:23. Em
Cristo, haviam se tornado o novo povo de Deus e alcançado misericórdia. Esse punhado de judeus salvos
estava desfrutando as bênçãos prometidas a Israel, por meio de Oseias, muito antes de Israel vir a recebê-las
como nação.
Ninguém deve concluir com base nesta passagem de 1Pedro que, por ser a Igreja hoje o povo de Deus,
ele desprezou Israel como nação em caráter definitivo. Também não é correto pressupor que a Igreja é, hoje,
o Israel de Deus, ou que as promessas feitas a Israel agora se aplicam à Igreja. Israel e a Igreja são entidades
distintas e separadas. Sem uma compreensão clara dessa distinção é impossível entender os textos
proféticos.
Israel foi o povo escolhido de Deus entre o chamado de Abraão e a vinda do Messias. A rebelião e a
incredulidade de Israel como nação chegaram ao ápice quando Cristo foi pregado na cruz. Em decorrência
desse pecado extremo, Deus rejeitou os israelitas temporariamente como seu povo eleito. Continuam sendo
seu povo antigo aqui na terra, mas não seu povo escolhido.
Na presente era, Deus tem outro povo: a Igreja. A era da Igreja constitui um parêntese na relação de Deus
com Israel. Quando esse parêntese se fechar, isto é, quando a Igreja for arrebatada, Deus voltará a tratar com
Israel. Então, uma parte dessa nação responderá com fé e voltará a ser povo de Deus.
O cumprimento final da profecia de Oseias se dará na segunda vinda. Aqueles que rejeitaram o Messias
“olharão para aquele a quem traspassaram; pranteá-lo-ão como quem pranteia por um unigênito e chorarão
por ele como se chora amargamente pelo primogênito” (Zc 12:10). Então, o Israel arrependido e fiel receberá
misericórdia e se tornará, mais uma vez, povo de Deus.
No versículo 10, Pedro argumenta que os cristãos judeus de hoje desfrutam o cumprimento antecipado
da profecia de Oseias, enquanto os judeus incrédulos continuam alienados de Deus. O cumprimento total e
definitivo se dará quando “[vier] de Sião o Libertador e ele [apartar] de Jacó as impiedades” (Rm 11:26). 4

A nossa identidade espiritual é clara (2.9a)

Em contraste com os descrentes que rejeitaram a Cristo e nele tropeçaram, nós, povo de Deus, somos
identificados por Pedro como um povo escolhido por Deus para a salvação e também para uma missão
especial no mundo. Vejamos.
Em primeiro lugar, nós somos raça eleita. Vós, porém, sois raça eleita… (2.9). Pedro toma emprestada a
profecia de Isaías: … ao meu povo, ao meu escolhido, ao povo que formei para mim, para celebrar o meu
louvor (Is 43.20b,21). Pedro vê os crentes como o corpo de Cristo, a igreja. Assim como Deus escolheu Israel
dentre as nações para ser seu povo exclusivo, escolheu pessoas de entre todas as nações para formar sua
igreja. Somos uma raça escolhida por Deus dentre todos os povos da terra. Mueller diz que os cristãos formam
uma nova raça, diferente tanto de judeus como de gentios.
O Senhor não escolheu Israel porque era um grande povo, mas porque o amava (Dt 7.7,8). Assim também,
Deus nos escolheu com base em seu amor e em sua graça. Jesus foi categórico: Não fostes vós que me
escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros (Jo 15.16).
Em segundo lugar, nós somos sacerdócio real. … sacerdócio real… (2.9). Somos não apenas sacerdotes na
casa de Deus, mas sacerdócio real, porque servimos ao Rei dos reis e porque esse serviço é realizado em prol
do reino de Deus. O adjetivo descritivo real dá a entender a existência de um reino e de um rei. O Messias é
tanto sacerdote quanto rei, conforme a profecia de Zacarias: Será revestido de glória; assentar-se-á no seu
trono e dominará, e será sacerdote no seu trono (Zc 6.13). Warren Wiersbe observa corretamente que, no
tempo do Antigo Testamento, o povo de Deus possuía um sacerdócio, mas agora é um sacerdócio. Todo
cristão tem o privilégio de entrar na presença de Deus (Hb 10.19–25). Ninguém se achega a Deus por meio
de alguma pessoa aqui na terra, mas pelo único mediador, Jesus Cristo (1Tm 2.5).
Em terceiro lugar, nós somos nação santa. … nação santa… (2.9). Pedro retrata o povo de Deus como uma
nação santa, o que significa que seus cidadãos foram separados para servir a Deus. Deus nos escolheu para a
salvação mediante a santificação e para a santificação. Deus nos salvou do pecado, e não no pecado.
Em quarto lugar, nós somos povo de propriedade exclusiva de Deus. … povo de propriedade exclusiva de
Deus… (2.9). Ao longo dos séculos, Deus tem tomado para si o seu próprio povo. Esse povo, diferente de

4
William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. (São Paulo: Mundo Cristão, 2011),
916–917.
todas as nações do mundo, é um bem precioso para Deus, a herança de Deus. Existe independentemente de
laços nacionais, pois tem um relacionamento especial com Deus. Ele pertence a Deus, que o comprou com o
sangue de Jesus Cristo. Holmer tem razão em dizer que “nenhuma outra pessoa pode reclamar direitos de
posse sobre o povo, senão unicamente Deus”.158 Assim como Deus não divide sua glória com ninguém,
também não nos reparte com ninguém. Somos dele, só dele. O nosso valor não é devido a quem nós somos,
mas a quem Deus é. O valor não está na pessoa possuída, mas no possuidor. A grandeza do cristão está no
fato de pertencer a Deus. Porque somos propriedade exclusiva de Deus, temos valor infinito!

A nossa missão no mundo é sublime (2.9b,10)

Depois de descrever os privilégios e atributos da igreja, Pedro fala sobre a missão da igreja. Fomos salvos
pela graça para uma sublime missão. Fomos chamados do mundo para proclamarmos ao mundo uma
mensagem imperativa, intransferível e impostergável. Destacamos aqui dois pontos importantes.
Em primeiro lugar, o conteúdo da mensagem. … a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos
chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (2.9). A palavra grega aretes, “virtudes”, era um termo
amplamente difundido na época e muito importante na concepção ética e religiosa do helenismo. Estão em
vista as grandes obras de Deus na história do seu povo. Esses feitos maravilhosos de Deus tratam da vida,
morte e ressurreição de Jesus Cristo como a transformação libertadora do homem e do seu mundo. Também
estão em foco aqui as virtudes de Deus, como poder, glória, sabedoria, graça, misericórdia, amor e santidade.
Por meio de sua conduta, os cristãos devem testemunhar que são filhos da luz, e não das trevas (1Ts 5.4).
Somos embaixadores dos atributos de Deus e de seus gloriosos feitos. Não podemos calar nossa voz. Não
podemos guardar para nós essa mensagem. Precisamos proclamar em alto e bom som quem é Deus e o que
ele fez por nós em Cristo Jesus. Reforçando esse pensamento, William Barclay esclarece que a missão do
cristão é contar aos outros o que Deus tem feito por sua alma. Por meio da própria vida e das próprias
palavras, o cristão é uma testemunha do que Deus tem feito por ele, pela mediação de Cristo Jesus.
Concluímos esse pensamento, com as palavras de Holmer:
Quem experimentou a intervenção resgatadora de Deus em sua vida não pode silenciar a esse respeito,
uma vez que sabe que foi arrancado do âmbito de poder das trevas e transferido para o senhorio libertador
do Ressuscitado. Trevas significa distância de Deus, designa o que é diabolicamente mau. O ser humano
distante de Deus vive nas trevas e realiza obras das trevas. Deus, porém, chama para fora das trevas – para
dentro de sua maravilhosa luz.

Em segundo lugar, a motivação para a mensagem. Vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois
povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (2.10). Pedro faz
aqui um forte contraste entre o passado dos cristãos e o seu presente. O que Deus fez por nós deve ser uma
forte motivação para cumprirmos com zelo, fidelidade e urgência a missão que nos confiou. Não éramos
povo, mas agora somos seu povo de propriedade exclusiva. Estávamos perdidos, sem esperança no mundo,
entregues à nossa própria desventura, mas agora Deus derramou copiosamente sobre nós sua misericórdia.
Agora, somos filhos de Deus, morada de Deus, sacerdotes de Deus, para realizarmos a obra de Deus. William
Barclay diz que a característica dominante das religiões não cristãs é o medo de Deus. O cristão, porém,
descobriu em Jesus Cristo o amor e a misericórdia de Deus.5

5
Hernandes Dias Lopes, 1Pedro: Com os Pés no Vale e o Coração no Céu, ed. Juan Carlos Martinez, 1a edição.,
Comentários Expositivos Hagnos (São Paulo: Hagnos, 2012), 73–77.

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