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O Proto-evangelho
Imediatamente depois da apostasia de nossos primeiros pais, anunciou-se que a
semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente. O significado desta promessa e
predição deve ser determinado por revelações subseqüentes. Quando interpretada à luz
das próprias Escrituras, manifesta que a semente da mulher significa o Redentor, e que o
esmagamento da cabeça da serpente significa seu triunfo final sobre os poderes das trevas.
Nesse proto-evangelho, como foi sempre denominado, temos a aurora da revelação tanto
da humanidade como da divindade do grande libertador. Como semente da mulher, sua
humanidade é distintamente declarada, e a natureza do triunfo a alcançar, subjugando a
Satanás, demonstra que ele seria uma pessoa divina. No grande conflito entre o bem e o
mal, entre o reino da luz e o reino das trevas, entre Cristo e Belial, entre Deus e Satanás,
aquele que triunfa sobre Satanás não pode ser menos que divino. Nos primeiros livros da
Escritura, mesmo em Gênesis, temos, pois, nítidas insinuações de duas grandes verdades:
primeira, que há uma pluralidade de pessoas na Deidade; e, segunda, que uma dessas
pessoas se preocupa especialmente com a salvação dos homens – em sua diretriz, governo,
instrução e livramento final de todos os males de sua apostasia. A linguagem empregada no
registro da criação do homem, “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança”, não admite nenhuma explicação satisfatória além daquela fornecida pela
doutrina da Trindade.
Jeová e o Anjo de Jeová
É sobre a revelação primária e fundamental desta grande verdade que se baseiam todas
as revelações subseqüentes da Escritura. Visto que há mais de uma pessoa na Deidade,
descobrimos prontamente a distinção entre Jeová como mensageiro, mediador, e Jeová
como aquele que envia, entre o Pai e o Filho, como pessoas co-iguais, coeternas,
percorrendo toda a Bíblia, com sempre crescente clareza. Esta não é uma interpretação
arbitrária ou desautorizada das Escrituras do Antigo Testamento. Em Lc 24.27, diz-se que
nosso Senhor, “começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o
que a seu respeito constava em todas as Escrituras”. Moisés, portanto, testificou de Cristo;
e temos sólida base sobre a qual lançar a interpretação das passagens do Antigo
Testamento, as quais anunciam a pessoa e obra do grande libertador, como uma referência
a Cristo.
Aquele que foi prometido a Adão como a semente da mulher foi em seguida declarado
ser a semente de Abraão. Que isto não se refere a seus descendentes coletivamente, mas
a Cristo individualmente, sabemos com base na afirmação do Apóstolo (Gl 3.16) e à luz do
cumprimento da promessa. Não é por meio dos filhos de Abraão como nação, mas por meio
de Cristo, que são benditas todas as nações da terra. E as bênçãos a que se faz referência,
a promessa dada a Abraão, ou seja, aquela que, como diz o Apóstolo, se cumpriu em nós, é
a promessa da redenção. Por isso, Abraão viu o dia de Cristo e se alegrou, e como disse
nosso Senhor: Antes que Abraão existisse, eu sou. Isso prova que a pessoa predita como a
semente da mulher e como a semente de Abraão, através de quem a redenção seria
efetuada, tinha de ser Deus e homem. Não poderia ser a semente de Abraão, a menos que
fosse homem; e não poderia ser o Salvador dos homens, a menos que fosse Deus.
Assim descobrimos por todo o Antigo Testamento constante menção de uma pessoa,
distinta de Jeová, como alguém a quem, contudo, se imputam os títulos, os atributos e as
obras de Jeová. Essa pessoa se chama מֵ לְ אַ ְך אֱֹלהִ ים, אֲלגָי מַ לְ אַ ְך יְ הֹ וָה, יְ הֹ וָה, אֱֹלחיִ ם,
Reivindica autoridade divina, exerce prerrogativas divinas e recebe homenagem divina. Se
fosse uma questão isolada, se em um ou dois casos o mensageiro falasse em nome daquele
que o havia enviado, poderíamos supor que a pessoa assim designada fosse um anjo ou
servidor comum de Deus. Mas quando tal descrição se repete por toda a Bíblia; quando
descobrimos que esses termos se aplicam não antes a um anjo particular, que a pessoa
assim designada é também chamada de o Filho de Deus, o Deus Onipotente; que a obra a
ele atribuída é em outras partes atribuídas ao próprio Deus; e que no Novo Testamento,
esse Jeová manifesto, que conduziu seu povo sob a dispensação neotestamentária, se
declara ser o Filho de Deus, o λόγος, que se manifestou em carne, torna-se indubitável que
pela expressão Anjo de Jeová, nos primeiros livros da Escritura, devemos discernir uma
pessoa divina, distinta do Pai.
A. O Livro de Gênesis
Portanto, já em Gn 16.10, o Anjo de Jeová aparece a Agar e lhe diz: “Multiplicarei
sobremodo a tua descendência, de maneira que, por numerosa, não será contada”. E somos
informados que Agar “invocou o nome do Senhor, que lhe falava [Attah el Roi]: Tu és Deus
que vê; pois disse ela: Não olhei eu neste lugar para aquele que me vê?” (v. 13). Portanto
declara-se que este anjo é Jeová e promete o que somente Deus poderia cumprir. Também
em Gn 18.1, somos informados de que Jeová apareceu a Abraão nas planícies de Manre,
quando lhe prometeu o nascimento de Isaque. No versículo 13, 14, ele é uma vez mais
denominado Jeová. Disse Jeová: “Acaso, para o Senhor há coisa demasiadamente difícil?
Daqui a um ano, neste mesmo lugar, voltarei a ti, e Sara terá um filho”. Enquanto os anjos
se dirigiam a Sodoma, um deles, chamado Jeová, disse: “Ocultarei a Abraão o que estou
para fazer?” e “Disse mais o Senhor: Com efeito o clamor de Sodoma e Gomorra tem-se
multiplicado e seu pecado se tem agravado muito. Descerei e verei” etc., e Abraão,
acrescenta-se, permanecia na presença de Jeová. Ao longo de toda a intercessão de Abraão
em favor das cidades da planície, o anjo é abordado como Adonai, título atribuído
unicamente ao verdadeiro Deus, e este fala como Jeová e assume a autoridade de Deus,
para perdoar ou castigar como bem lhe parecesse. Quando se menciona a execução da
sentença pronunciada sobre Sodoma, afirma-se: “Então fez o Senhor chover enxofre e fogo,
da parte do Senhor, sobre Sodoma e Gomorra”. Com respeito a esta e outras expressões
notáveis e semelhantes, a questão não é “O que poderiam significar?”, mas “O que
significam?”. Tomadas em si mesmas, poderiam ser desvirtuadas, mas, à luz das revelações
concatenadas de Deus sobre esta questão, torna-se evidente que Jeová é distinguido como
uma pessoa de Jeová, e que por isso na Deidade há mais de uma pessoa a quem pertence
o nome de Jeová. Neste caso, as palavras “enxofre” e “fogo” podem ser conectadas às
palavras “de Jeová” no sentido de “fogo de Deus”, como expressão figurada denotando o
raio. A passagem poderia então significar simplesmente: “Jeová fez chover raios sobre
Sodoma e Gomorra”. Tal coisa não só vai de encontro à pontuação autorizada da passagem
segundo o indicam os acentos, mas também vai de encontro à analogia da Escritura. Ou
seja, seria esta uma interpretação não natural, que põe esta passagem em nítido conflito
com aquelas em que há distinção entre o Anjo de Jeová e Jeová, ou seja, entre as pessoas
da Deidade.
Em Gn 22.2, Deus ordena que Abraão lhe ofereça Isaque em sacrifício. O Anjo de Jeová
detém sua mão no momento da imolação, e diz (v. 12): “Pois agora sei que temes a Deus,
porquanto não me negaste o filho, o teu único filho”. E nos versículos 16 e 17, o Anjo de
Jeová diz: “Jurei, por mim mesmo, diz o Senhor … que deveras te abençoarei e certamente
multiplicarei a tua descendência”. E Abraão chamou o nome daquele lugar “Jeohvah-Jireh”.
Aqui Deus, o Anjo de Jeová e Jeová são nomes dados à mesma pessoa, a qual jura por si
mesma e promete a Abraão a bênção de numerosa posteridade. O Anjo de Jeová, portanto,
tem de ser uma pessoa divina.
Na visão de Jacó registrada em Gn 28.11–22, ele viu uma escada que atingia o céu:
“Perto dele estava o Senhor e lhe disse: Eu sou o Senhor, Deus de Abraão, teu pai, e Deus
de Isaque. A terra em que agora estás deitado, eu ta darei, a ti e à tua descendência. A tua
descendência será como o pó da terra”. Aqui a pessoa, que em outro lugar é chamada Anjo
de Jeová e que fizera a mesma promessa a Abraão, é chamada de Senhor Deus de Abraão
e Deus de Isaque. Em Gn 32.24–32, diz-se que Jacó lutou com um anjo que em seguida o
abençoou, e, ao vê-lo Jacó, disse: “Vi a Deus face a face”. O profeta Oséias (12.4–5), ao
referir-se a este evento, disse: “lutou com o anjo, e prevaleceu; chorou, e lhe pediu mercê;
em Betel achou a Deus e ali falou Deus conosco. O Senhor, o Deus dos Exércitos, o Senhor
é o seu nome”. O anjo com quem Jacó lutou era o Senhor Deus dos Exércitos. 1
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Hodge, C. (2001) Teologia Sistemática. 1a edição. Traduzido por V. Martins. São Paulo: Hagnos, p.
362–365.