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A REVELAÇÃO DEFINITIVA DE DEUS (HEBREUS 1:1-4 )

A palavra final de Deus por meio de Seu Filho

Os magníficos versículos de abertura dessa passagem mostram a


expressão imediata da perspectiva teológica do autor:
a) Ele se movimenta, saindo da revelação do passado e entra na
revelação definitiva;
b) Ele parte da palavra de Deus aos “pais” do Antigo
Testamento e penetra na palavra final de seu Filho, Jesus
Cristo;
c) Primeiramente, o autor dá-nos sua doutrina a respeito de Cristo:
o prólogo cristológico introdutório nesses versículos é
semelhante ao prólogo do quarto evangelho (Jo 1:1-18);

1:1 “Havendo Deus, outrora, falado, muitas vezes e de muitas


maneiras, aos pais, pelos profetas...”
Boa caracterização do que damos o nome de Antigo Testamento: um
relato da revelação de Deus a Israel, mediante não apenas sua palavra,
pelos seus atos, mais ainda: o autor identifica a si e a seus leitores
como pessoas a quem o Senhor falou, no passado, aos pais.
Em resumo:
o Ele falou através de teofanias, como com Jacó em Betel (Gên.
28:10-17); através de vozes, como com Samuel (II Sam. 3:1-18);
através de visões, como com Isaías (Is. 6); através de oráculos e
sinais. Ele falou através de voz mansa e delicada com Elias.
Ele falou através da chorosa compaixão de Jeremias, e
através das denúncias em tom de trombeta, de Amós. Ele
falou através de fome, inundação, seca e pestilência. Falou
através de colheita abundante e através da libertação do
exílio. Falou através da suave luz das estrelas, dos mansos
ventos de verão e dos sons estrepitosos de muitas águas.
Deus falou em muitas partes. Ele falou através da lei, através
dos juízes, e através dos poetas e profetas;
o Profetas aqui: incluem-se também todos os autores das
Escrituras, e não apenas as pessoas designadas nos escritos
sagrados como “profetas”;
o Há aqui um forte senso de continuidade: a sensação de longo
alcance para dentro do passado, afirmando-se que Deus
iniciou sua obra com Israel, mas até agora está operando na
igreja e naquilo em que a igreja crê;
1:2 “...nestes últimos dias (lit., “no fim destes dias”), nos falou
pelo Filho. ”
o O autor usa linguagem escatológica, isto é, linguagem dos
tempos finais, dos últimos dias. Penetramos na era escatológica;
o Em outras palavras, chegou a hora de fruir dos planos de Deus;
chegamos a uma nova época (cf. Hb 9:26);
o Deus nos fala de um clímax, de modo definitivo, por meio de seu
Filho. Qualquer palavra a respeito do que falta acontecer, no
futuro, nada mais é que o aprimoramento do que já se iniciou.
Tudo quanto Deus fez anteriormente funciona como preparativo,
parece uma enorme seta que aponta para um alvo;
o O sentido de últimos dias não é cronológico, mas teológico: a cruz,
a morte e a exaltação de Jesus apontam automaticamente para o
início do fim. Chegamos teologicamente ao momento crucial do
plano que Deus havia traçado ao longo dos séculos e milênios, de
modo que, por definição, atingimos os últimos dias. A
escatologia é feita de um tecido teológico singular: quando Deus
falou mediante seu Filho, iniciou-se a era escatológica, e
vemo-nos necessariamente nos últimos dias, no sentido
teológico;
Nesse livro, essa passagem de abertura e, de modo particular, o v. 2.
apontam para:
a) A centralidade do Filho;
b) A superioridade do Filho em face de tudo que o precedeu, de
tudo que existe agora, de tudo quanto possa vir a existir no futuro;
c) Como diz Paulo, as “promessas... de Deus, têm nele o sim”
(2 Co 1:20);
d) A simples menção do Filho traz consigo sobretons messiânicos
do Antigo Testamento, como se toma evidente de imediato no v. 5,
citando Salmos 2:7: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei”, e 2
Samuel 7 :14: “Eu lhe serei por Pai, e ele me será por Filho”.
e) Na verdade, o resto do capítulo, com suas numerosas citações
do Antigo Testamento, aponta para a identidade singular do
Filho como o Prometido, o Messias designado por Deus
para fazer cumprir o grandioso plano e propósito de Deus.

A verdadeira natureza do Filho exposta em sete gloriosas frases que


retratam sua incomparável superioridade:
a. DO CARÁTER INCOMPARÁVEL DO FILHO
1. Ele é o Filho, a quem [Deus] constituiu herdeiro de tudo. Na
cultura hebraica, ser filho significa ser herdeiro, de modo
especial quando tal filho é único, ou unigénito. Portanto, o Filho
de Deus, em virtude de sua filiação, foi designado herdeiro de
todas as coisas. Ao filho messiânico de Salmos 2:7 (citado
acima), também são dirigidas estas palavras: “Pede-me, e eu te
darei as nações por herança, e os fins da terra por tua possessão”
(Sl 2:8). Assim, o Filho tem significado central no início, na
criação e no fim, na herança;
A linguagem de Paulo é paralela: “Nele foram criadas todas as
coisas... tudo foi criado por ele e para ele” (Cl 1:16).
Na história cristã primitiva, havia duas maneiras de interpretar o
relacionamento de Jesus e Deus. Havia os adopcionistas, que
diziam que Jesus se tornara, na história, o Filho de Deus por
nomeação do Pai. Havia outros, que criam que ele era o Filho
preexistente e estava com Deus no princípio. Superficialmente, o
escritor parece estar fundindo ambos os pontos de vista neste
versículo. Mas isto não é necessariamente verdadeiro. A
nomeação pode ter sido feita na intenção eterna de Deus, antes
de ter começado o tempo. Como tem insistido certo estudioso, a
criação foi lançada nas linhas da redenção. É isto o que Paulo
quer dizer quando, na Epístola aos Colossenses, insiste que
todas as coisas se resumirão em Cristo (3:11)? Ele é o herdeiro
das eras, no sentido de que Deus tem operado através de todo o
passado, para levar ao cumprimento o seu reino de redenção no
Filho, que agora está no santuário celestial, aplicando os seus
sacrifícios, intercedendo por nós e nos ancorando com ele além do
véu.
2. Em segundo lugar, o Filho é descrito como aquele por quem
[Deus] fez o mundo.
O Filho é o agente de Deus na criação do universo, de todo o
espaço e de todo o tempo — em suma, de tudo que existe. Essa
visão de Cristo também está presente no quarto evangelho:
"todas as coisas foram feitas por meio dele, e sem ele nada
do que foi feito se fez" (Jo 1.3), e em Paulo: ‘nele foram
criadas todas as coisas que há nos céus e na terra" (Cl
1.16); "um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as
coisas" (1 Co 8:6);
Este é aquele que João chama de “Verbo” (1:1), aquele que se
levantou na brilhante manhã da criação com o Pai, para chamar
à existência toda a ordem criada. Este é aquele que “sabia o que
havia no homem” (João 2:25), não por intuição oriental, mas como
o artífice do homem, que entrou na nossa raça pela porta da
carne. Este é o artífice do homem, que condescendeu em ser feito
homem em nosso favor. Ele não é apenas o herdeiro, ele é o
criador. E todas as coisas pertencem a ele.
3. Hb 1:3. A terceira e a quarta expressão dessa caracterização
de Cristo referem-se ao modo por que o Filho é a verdadeira
expressão do Pai.
>O Filho (lit., "que”, pronome relativo) é o resplendor da sua
glória [de Deus]. A palavra resplendor ou 'luz radiante” significa
“brilho” intenso. Barclay parafraseia, com êxito: "O Filho é a
radiação da glória de Deus, assim como o raio é a luz do Sol”.
Em Seu ser eterno Ele é Deidade genuína e absoluta, o
resplendor ou brilho visível da glória de Deus, sendo Ele mesmo
a expressão exata da deidade (gr. “charakter tes hupostaseos”,
"reprodução da substância"), o Filho eterno do Pai, "vero Deus do
Deus verdadeiro". Outros escritores do Novo Testamento
mantêm uma visão semelhante de Cristo. No prólogo do
evangelho de João, Cristo é chamado Luz: “A luz verdadeira
que ilumina a todos os homens estava vindo ao mundo” (Jo
1:9); “vimos a sua glória, a glória como do unigênito do Pai,
cheio de graça e de verdade” (Jo 1:14). Para João, como para
o autor de Hebreus, Jesus expressa a brilhante glória de Deus.
Paulo também fala da luz que Cristo trouxe, ao referir-se à
“iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de
Jesus Cristo” (2 Co 4:6; cf. 4:4). Ele é o brilho, o pleno
resplendor do fulgor do Pai. Ele é aquele de quem foi dito: “nele
não há trevas nenhumas” (I João 1:5). Outra forma de dizer
isto é que ele é a expressa imagem do seu ser. Ele é a estampa
da hipóstase de Deus, a exata imagem de sua essência.
Imagem significa a impressão clara feita com um selo, o
próprio “fac-símile” do original. A palavra “caráter” é uma
transliteração da palavra grega traduzida como imagem. A
combinação dessas duas palavras, resplendor e imagem, é uma
tentativa dupla de expressar a mesma coisa, a exata
semelhança do Filho com o Pai.
4. >O Filho é a perfeita representação da Pessoa de Deus,
“assim como a marca no papel é a impressão exata do carimbo”
(Barclay). Esse pensamento é outra vez reminiscência da
cristologia, conforme a vemos noutra passagem do Novo
Testamento: “Cristo... é a imagem de Deus” (2 Co 4:4);
“[Cristo] é a imagem do Deus invisível” (Cl 1:15); embora
nesses dois exemplos a palavra grega (eikon, de que deriva a
palavra portuguesa “ícone” e as que apresentam o prefixo
“icono-”) é diferente da usada aqui. João expressou a mesma
idéia nas palavras “quem me [Jesus] vê, vê o Pai” (Jo 14:9).
Apontam também para a conexão extraordinária entre o Pai
e o Filho. Para que o Filho seja expressão direta, autêntica e
obrigatória do Pai, conforme se descreve nessas expressões —
para que Cristo seja o brilho majestoso da glória de Deus e a
imagem (impressão exata) de sua essência total - Cristo precisa
participar da essência de Deus, isto é, ele próprio precisa
ser Deus, a fim de levar a cabo a missão maravilhosa
descrita aqui. O autor de Hebreus deseja que cheguemos à
conclusão, sem que neguemos distinção entre Pai e Filho, de
que o Filho pertence à mesma ordem de existência de Deus,
o Pai, pelo que é Deus acima de tudo e antes de tudo que existe.
5. Cristo é o Logos de Deus, a sabedoria de Deus, o agente de
Deus na criação, por quem todas as coisas são sustentadas e
reunidas (João 1:1-5). Paulo insiste nisto em Colossenses: “nele
subsistem todas as coisas” (1:17). Os filósofos de todas as
eras sempre estiveram ansiosos para perguntar o que sublinha
a realidade — isto é, que dinâmica sustenta e dá coerência a
tudo quanto existe. O autor de Hebreus, revelando um pouco
mais de sua perspectiva cristocêntrica, encontra a resposta na
poderosa palavra do Filho. Essa perspectiva também encontra
paralelismos em Paulo e em João. Quando João emprega o
termo “Verbo” ou “Palavra” (logos) para descrever a Jesus,
escolhe o termo que tem associações judaicas e gregas ao
mesmo tempo. Para os filósofos gregos estóicos, logos era o
princípio sublinhador da racionalização, que criou o mundo
com ordem, coerência e lógica. Sem usar o termo técnico logos,
Paulo argumenta de maneira semelhante: “Ele é antes de
todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl
1:17). Embora o autor de Hebreus não empregue o termo
específico logos nessa passagem, a ideia de que Cristo sustenta
o universo e o mantém em movimento (como indica o
particípio presente (sustentando) está por trás do texto e
constitui paralelismo.
b. DA OBRA EXPIATÓRIA DO FILHO
6. O autor de Hebreus deseja também atingir um dos principais
pontos da epístola, a obra expiatória do Filho, visto que essa é
também parte vital da singularidade do Filho. O que torna estes
dias os últimos é a realidade “de uma vez por todas” (para
tomarmos de empréstimo uma expressão que encontraremos
mais adiante nessa epístola), pois Cristo fez por si mesmo a
purificação dos nossos pecados. Essa é de fato a obra
preeminente do Filho. A “purificação dos nossos pecados”
(lit.: “a limpeza de pecados”) pode parecer estranha no meio
de orações gramaticais gloriosas que apontam para a deidade
do Filho. Afinal, essa expressão descreve a obra do sumo
sacerdote e, embora em si mesma seja impressionante,
pareceria familiar a um leitor judeu.
No entanto, com a inserção dessa expressão, o autor antecipa
uma discussão principal de Hebreus (cf. caps. 9 e 10): o
trabalho do sumo sacerdote não é eficaz por si mesmo, mas
apenas constitui sombra da obra sacerdotal daquele que
realmente pode realizar — e ninguém mais — a expiação de
nossos pecados. Só Deus, no Filho, pode realizar o sacrifício
que possibilita a purificação de pecados e o perdão (veja-se Rm
3:24-26). Quando o Senhor havia cumprido cabalmente o
propósito de sua encarnação, assentou-se à destra da
Majestade nas alturas. Através de sua vida, morte e ressurreição,
foi realizada a purificação dos pecados do homem. O perdão se
fez possível, e, com ele, a reconciliação do homem com Deus. Ele
agora é o nosso grande Sumo Sacerdote além do véu, oferecendo
o seu sangue para o nosso perdão e abrindo o caminho de acesso,
pelo qual o homem pode aproximar-se de Deus. Se a verdadeira
religião significa aproximação de Deus, como contende este
escritor primitivo, a grande interrogação se toma: Como é que o
homem pecador pode ter a esperança de aproximar-se de Deus?
A sua resposta é que o homem pode fazer isto porque o seu
pecado já foi purgado. No sacrifício que Cristo, fez “uma vez por
todas” (7:27), ele propiciou purificação eterna para todos os que a
recebem pela fé. Desta forma, pelo seu sacrifício, o caminho de
acesso a Deus foi aberto para sempre. Cristo, portanto, não é
apenas peculiar, em sua natureza, mas também peculiar em sua
realização.
7. A ascensão de Cristo a uma posição de poder e de
autoridade, ao lado do Pai, é vindicação da verdadeira
identidade da Pessoa que sofrera e morrera a fim de cumprir o
perdão de pecados. Essa ideia encontra-se com frequência no
Novo Testamento, estando quase sempre relacionada à ascensão
de Cristo. “Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima de
todos os céus, para cumprir todas as coisas” (E f 4:10);
Jesus Cristo, “que está à destra de Deus, tendo subido aos
céus; havendo-se-lhe sujeitado os anjos, e as autoridades, e
as potestades” (1 Pe 3:22).
Jesus faz alusão a Salmos 110:1 na tradição sinótica (veja-se
Mc 12:36 e 14:62. passagens que têm paralelismos em Mateus e
Lucas). O que o salmista havia prometido havia sido
cumprido — daí a nota de término de obra. De finalização. O
fato de o verbo dizer assentou-se à destra significa o
encerramento, a conclusão de sua obra expiatória (cf.
10:11.12). A peculiaridade da obra de Cristo é reafirmada ainda
mais pelo lugar que ele agora ocupa no santuário celestial. Ele se
assentou à direita do Deus altíssimo, em uma posição de
majestade e poder sem par, como pessoa cuja obra terrena está
consumada e como alguém cuja posição na nova ordem jamais
pode ser desafiada.
8. v.4 Assim ele se tornou tanto mais excelente do que os
anjos. Nessa exaltação à direita do Pai, o Filho chega a ocupar
uma posição que na verdade sempre lhe pertenceu em virtude
de sua identidade, a qual fora, todavia, colocada de lado
durante a encarnação. A ascensão foi um atestado
impressivo da verdadeira identidade do Filho e, assim, de
sua superioridade sobre os anjos. Mediante a ascensão, o Filho
tomou-se tanto mais excelente do que os anjos. Nesta
declaração, o autor emprega uma de suas palavras favoritas,
para descrever o caráter definitivo do Filho e sua obra, a
expressão comparativa mais excelente (lit., “melhor”). O seu
nome é “Filho”. O nome dos anjos é “mensageiros”.

c. CONCLUSÃO
Chegamos ao final desse importante prólogo cristológico. É
passagem que estabelece o tom do livro, e foi colocada logo no início
pelo autor, a fim de que nós, leitores, entendamos tudo quanto se
segue. O Filho é apresentado como alguém que incorpora os três
principais ofícios do Antigo Testamento: profecia (falar em nome
de Deus), sacerdócio (obter o perdão de pecados) e reinado (reinar
com Deus à sua direita). Todavia, o Senhor é algo mais do que essa
maravilhosa combinação de características consegue expressar. O
Senhor é a Pessoa mediante a qual e para a qual tudo quanto
existe foi criado, a Pessoa que sustenta o universo, a expressão
verdadeira da glória e da essência de Deus. Cristo é alguém com
quem nem mesmo os anjos podem comparar-se. A Pessoa de Cristo
é a chave para a compreensão da epístola aos Hebreus.

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