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ISALTINO GOMES COELHO FILHO
nosso .
Um estudo contextualizado da Epístola de Tiago
CONTEMPORÂNEO
2a Edição
225.917
3.000/1990
Impresso em gráficas próprias
DEDICATÓRIA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
"A Epístola de Tiago, uma das primeiras obras — se não a primeira — do Novo
Testamento, não diminuiu sua importância ao longo dos séculos. Sua mensagem
para nós, nos dias de um cristianismo superficial e acomodado ao mundo
contemporâneo, é tão urgente como foi no primeiro século.
0 autor deste comentário, Pastor Isaltino Gomes Coelho Filho, meu colega na
educação ministerial e meu ex-pastor na igreja local, demonstra seu amor para
com o Senhor Jesus Cristo e sua submissão à Bíblia pela qual Deus se revelou.
Através desse servo de Deus, no púlpito e na sala de aula, as Escrituras tornam-
se vivas e relevantes.
Para mim, é um grande privilégio apresentar este livro e seu autor aos
interessados na mensagem contemporânea da Epístola de Tiago. E com ele,
desejo que o estudo do mesmo nos torne "cumpridores da palavra” (Tiago 1:22).
PREFÁCIO
Pode ser que Tiago nos surja como um livro pouco agradável. Acostumados com
a ênfase de nossas igrejas, espiritualizamos em demasia a fé cristã,
internalizando-a por completo, esquecidos de que a nova vida em Cristo nos
coloca diante de uma nova proposta de vida. Por vezes, gostamos muito das
promessas da Bíblia e bem pouco das exortações e correções que ela nos
faz. Mas, precisamos da "epístola de palha”. E como precisamos! Se levarmos a
sério o conteúdo de tão esquecida carta, muitos problemas em nosso meio serão
sanados e o impacto que causaremos no mundo será extraordinário.
AGRADECIMENTOS
Quem É Tiago?
Apresentação e Cumprimento
Como um Cristão Encara as Crises
A Busca de Sabedoria
Gloriar-se em Quê?
A Questão da Tentação
O Que É Bom Vem de Deus
A Ira e o Mau Temperamento
Vivendo a Palavra
A Verdadeira Religião
O Pecado da Acepção de Pessoas
Fé Contra Obras ou Fé e Obras?
A Língua — Bênção ou Maldição?
Os Dois Tipos de Sabedoria
A Origem das Contendas
O Que Ê a Vossa Vida?
Advertência aos Ricos
Exortação à Perseverança
A Oração na Vida da Igreja
à Guisa de Epílogo
O Desafio de Tiago
NOTAS
AGRADECIMENTOS
0 primeiro Tiago é o pai de um dos doze apóstolos de Jesus, chamado Judas, não
o Iscariotes. Lemos em Lucas 6:16 sobre este Tiago: "Judas, filho de Tiago; e
Judas Iscariotes, que veio a ser o traidor.” 0 versículo não só diferencia os dois
Judas como mostra que um deles era filho de um homem chamado Tiago.
O quarto Tiago é aquele sobre quem temos mais informações. Era irmão de João
e filho de Zebedeu, tendo sido ambos apóstolos de Jesus. "Tiago, filho de
Zebedeu, e João, seu irmão” (Mat. 10:2). Todas as referências feitas a ele,
nos Evangelhos, colocam-no junto com o irmão. Sempre são mencionados em
conjunto. Até o fim do século XVII, a Igreja Católica na Espanha o considerava
como sendo autor da epístola, teoria hoje abandonada. E pouco provável que
tenha sido ele quem escreveu a carta. Em Atos 12:2 lemos a respeito de
uma decisão tomada por Herodes: "E matou à espada Tiago, irmão de João.” Foi
o primeiro dos doze apóstolos a sofrer o martírio, provavelmente no início dos
anos 40 de nossa era. A posição da Igreja Católica espanhola é explicável: o
santo patrono do país é São Tiago de Compostela, que foi equivocadamente
associado com o filho de Zebedeu. Era natural que a igreja desejasse que seu
patrono fosse o autor de um dos livros do Novo Testamento. Mas, seu martírio
ocorreu cedo demais para que isto pudesse ter acontecido.
Por último, temos Tiago, chamado por Paulo de "irmão do Senhor” (Gál. 1:19).
Sabemos que Jesus possuía um irmão com esse nome. Lemos em Mateus 3:55:
"Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos
Tiago, José, Simãoe Judas?” Em Marcos 13:21 lemos: "Quando os seus ouviram
isso, saíram para o prender; porque diziam: Ele está fora de si.” Esse irmão do
Salvador era, portanto, incrédulo. 0 evangelista João nos informa que "nem seus
irmãos criam nele” (João 7:5). Mas, quando chegamos ao livro dos Atos
dos Apóstolos, encontramos uma surpreendente mudança. Os irmãos de Jesus
estão entre os crentes de Jerusalém, perseverando em oração (At. 1:14). 0 que
teria acontecido? Como se converteram os irmãos de Jesus e, particularmente,
Tiago?
carnal do Senhor, que então se converteu. Diz Leon Morris: "A maioria acha que
é Tiago, irmão do Senhor, e que foi essa aparição que o levou à conversão, e por
sua instrumentalidade, à dos seus irmãos.2 Geoffrey Wilson segue a mesma linha
de pensamento.3 The Broadman Bible Commentary nos diz o seguinte: "Das
diversas pessoas chamadas Tiago no Novo Testamento, o Tiago conhecido como
o irmão do Senhor tem sido tradicionalmente considerado como o autor da
epístola.”4 Temos também o testemunho do historiador Flávio Josefo: "Anano,
um dos que de nós falamos agora, era homem ousado e empreendedor, da seita
dos saduceus, que, como dissemos, são os mais severos de todos os judeus e os
mais rigorosos nos julgamentos. Ele aproveitou o tempo da morte de Festo,
e Albino ainda não tinha chegado, para reunir em conselho, diante do qual fez
comparecer Tiago, irmão de Jesus, chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os
de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento.”5 Pelas pessoas
citadas (Anano, Festo e Albino), concluímos que o martírio desse Tiago sucedeu
em 62, data que o torna o mais possível autor da epístola.
Outras informações do Novo Testamento nos fazem saber que esse Tiago era
casado, como lemos em I Coríntios 9:5, e desfrutava de grande conceito na
igreja primitiva. Paulo o chamou de "apóstolo” (Gál. 1:19), e embora ele não
fosse um dos doze, recebeu o título por se ter tornado o líder mais acatado no
cristianismo iniciante. Deduzimos isso de sua participação no concilio registrado
em Atos 15, quando suas palavras foram totalmente acatadas. Quando Pedro foi
libertado da prisão (At. 12) logo mandou que se anunciasse o fato a Tiago
(versículo 17). Sobre tal passagem é oportuno o comentário de rodapé da
Bíblia de Jerusalém: "Tiago, sem outra especificação, designa-se o 'irmão do
Senhor’. Desde a época da primeira visita de Paulo a Jerusalém, (Gál. 1:19),
talvez em 36 (At. 9:1), Tiago é o chefe do grupo 'hebreu’ dos cristãos de
Jerusalém. Governará a igreja-mãe após a partida de Pedro (At. 15:13; 21:28; I
Cor. 15:7). A Epístola de Tiago apresenta-se como obra sua.” Não deixa de ser
interessante constatar que, até mesmo entre alguns círculos católicos, há
identificação do autor da epístola com o meio-irmão de nosso Salvador.
Poderá alguém presumir que seja desnecessária e até julgar maçante essa
preocupação com a identificação do autor, mas as informações recolhidas são de
grande valor. Estaremos estu-
dando o livro de um homem que eonheceu Jesus de forma muito mais pessoal
que os outros escritores. Os dois dormiram sob o mesmo teto c cresceram juntos.
Mais tarde, Tiago deve ter visto quão diferente era seu irmão. Discordou dele,
julgou-o louco, até. Que temperamento esquisito! Que comportamento estranho!
Por fim, Tiago acabou colocando sua vida a serviço de Jesus. Para que isso
acontecesse, sem dúvida algo de revolucionário aconteceu em sua vida.
Considerar que Tiago, autor da epístola, é o Tiago irmão do Senhor, parece-nos
um forte argumento para crer na divindade de Jesus Cristo e no poder de
sua ressurreição. Vidas foram radicalmente transformadas.
Tiago tinha um lugar de destaque na igreja primitiva. Diz o grande patrício Rui
Barbosa: "Os que buscam vincular a Pedro a soberania do papa começam
esquecendo a primeira manifestação coletiva da igreja cristã, o Concilio de
Jerusalém, tipo necessário de todos os outros, no qual a preponderância
da definição do ponto controvertido coube, não ao apelidado príncipe dos
apóstolos, mas a Tiago, bispo da cidade, irmão do Senhor.”6 Evidentemente não
estamos dizendo que Tiago foi papa ou tinha a supremacia sobre os demais
líderes da igreja. A declaração de nosso culto patrício vem apenas confirmar
o prestígio de Tiago e a consciência de ser ele irmão de Jesus.
Apresentação e Cumprimento
Precisamos voltar a nos ver como servos. Sem busca de aplausos, de poder e de
prestígio. Tiago não se intitula de nada mais que servo. Em uma igreja onde fui
pregar, certa ocasião, o apresentador pediu-me todos os meus títulos e funções,
para "fazer uma apresentação bombástica”. É isso que queremos mostrar ao
mundo? Por que o orgulho invadiu nossos arraiais?
"0 termo 'Dispersão’ (em grego diasporá) pode denotar ou os judeus espalhados
pelo mundo não-judaico (como em João 7:35), ou aos lugares nos quais eles
passaram a residir (como em Judite 5:19).”7
0 autor diz claramente "doze tribos”. Ora, dez tribos se perderam em 722 AC,
com a ida de Israel, o Reino do Norte, para o cativeiro assírio. As outras duas,
que formavam Judá, o Reino do Sul, foram levadas para a Babilônia em 587 AC.
De lá regressaram em 537 AC. A quem se aplica o termo "doze”?
0 fato mais importante, porém, é que, inspirado pelo Espírito Santo, o autor
aconselha os cristãos de sua época e, por extensão, a nós, cristãos que os
sucedemos, mostrando-nos princípios vivenciais para um cristianismo autêntico.
0 estilo do autor é bastante parecido com o do Sermão do Monte. Eis o que nos
diz Taylor: "E o Sermão da Montanha entre as Epístolas. É o escrito mais
judaico do Novo Testamento. Mateus, Hebreus, Apocalipse e Judas, todos têm
mais do elemento distintivamente cristão. Se, porém, eliminarmos duas ou três
passagens que se referem a Cristo, a epístola inteira tem lugar no cânon do Velho
Testamento, tão bem quanto cabe no Novo Testamento.”10 Comparemos duas
citações de Tiago corn o Sermão do Monte, para exemplificar: "Irmãos, não
faleis mal um dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala
mal da lei, e julga a lei; ora, se julgas a lei, não és observador da lei, mas juiz”
(4:11). Em Mateus 7:1 encontramos conceito semelhante: "Não julgueis, para
que não sejais julgados.” Lemos em Tiago 5:12 as seguintes palavras:
"Mas, sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem
façais qualquer outro juramento; seja, porém, o vosso sim, sim, e o vosso não,
não, para não cairdes em condenação.” Em Mateus 5:34-37 lemos o seguinte:
"Eu, porém, vos digo que de maneira nenhuma jureis; nem pelo céu, porque é
o trono de Deus; nem pela terra, porque é o escabelo de seus pés; nem por
Jerusalém, porque é a cidade do grande Rei; nem jureis pela tua cabeça, porque
não podes tornar um só cabelo branco ou preto. Seja, porém, o vosso falar: Sim,
sim; não, não; pois o que passa daí vem do Maligno.”
não é sua indumentária, nem seu corte de cabelo, tampouco palavras técnicas por
cujo rigor lingüístico chegamos a brigar. 0 que caracteriza um cristão é a
qualidade da sua vida pessoal. E por onde vamos andar agora.
Como um Cristão Encara as Crises
Meus irmãos, tende por motivo de grande gozo o passardes por várias
provações, sabendo que a aprovação da vossa fé produz a perseverança; e a
perseverança tenha sua obra perfeita, para que sejais perfeitos e completos, não
faltando em coisa alguma. (1:2-4)
Por que o homem bom sofre? Esta questão tem desafiado as mentes mais argutas
e os corações mais piedosos. 0 drama de Jó trata desse tema, o sofrimento de um
homem bom e puro. 0 profeta Habacuque também entrou em profunda crise
espiritual e existencial, porque via a injustiça aprofundar-se, o homem desonesto
e iníquo prosperar e o homem decente e trabalhador ser oprimido e esmagado. A
questão é tão séria que tem levado alguns a perderem a fé na providência divina,
desviando-se assim do evangelho. No Salmo 73, Asafe preocupou-se com
o mesmo problema. Chegou, inclusive, a pensar em abandonar a Deus. Ele
pensava: Melhor ser injusto do que justo. Talvez a questão se resuma com mais
simplicidade na pergunta de um menino numa classe de Escola Bíblica: "Por que
Deus não mata o Diabo a pauladas e acaba com o problema?”
Prolifera em nossos dias uma pregação falsa em nossas igrejas e que assim
ensina: Siga a Cristo e seus problemas se acabarão.
Muitas pessoas dão crédito a tal ensinamento, envolvem-se com Cristo, passam
por tribulações e se desorientam por completo. Ouvi esta oração em um
programa radiofônico evangélico: "Senhor, abençoa o teu povo, multiplicando o
dinheiro de suas carteiras.” Isto não é o evangelho. E superstição. É confundir
o evangelho com magia. Seguir a Cristo não é ter um seguro contra os
problemas. Os cristãos têm problemas. E como têm!
"Tende por motivo de grande gozo o passardes por várias provações.” 0 que
Tiago quis dizer com sentir-se alegre em meio às provações? A Bíblia na
Linguagem de Hoje traduz este versículo assim: "Sintam-se felizes quando
passarem por todo tipo de aflições.” Como pode a aflição trazer felicidade?
Nosso estilo de vida está todo orientado para o prazer. Tudo que produza prazer
deve ser tentado. Nossa sociedade é hedonista e colocou o prazer como o bem
máximo a ser alcançado. Tudo o que é desagradável deve ser evitado. Há, em
certo sentido, um paralelo dos dias em que vivemos com a sociedade mostrada
em O Admirável Mundo Novo, de Huxley: as asperezas e dificuldades devem ser
evitadas. Ser feliz, eis a aspiração máxima de todos nós! Os livros com títulos
prometendo a apresentação de um segredo infalível, ensinando como viver
de maneira agradável, sempre vendem bem. Assim, não fica muito interessante
receber os problemas com alegria. Na realidade, não ter problemas é que é bom.
Boa lição para nós, esta! As dificuldades vencidas nos fortalecem, para que
enfrentemos outras que surjam, com mais capacidade e confiança.
"Para que sejais perfeitos e completos, não faltando em coisa alguma”. 0 termo
"perfeitos” merece explicação. Não significa uma ausência de defeitos. A palavra
grega usada é téleioi, plural de téleios, que pode apresentar vários sentidos:
perfeito, adulto, maduro, plenamente desenvolvido. Nos papiros antigos,
esse termo era usado para designar a maioridade civil das pessoas, que se
tornavam, assim, responsáveis. Era usado também para frutos maduros e para
mercadorias em boas condições ou completas. Esta explicação permite-nos
entender as exortações bíblicas a que sejamos perfeitos, principalmente a de
Jesus em Mateus 5:48, que diz: "Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o
vosso Pai celestial.” Há um nível de perfeição, de maturidade, para Deus, a
absoluta. Há também um nível para nós. Evidentemente não se diz que devemos
ser como Deus, mas que devemos alcançar o nível que de nós se espera.
Entendemos, então, que na medida em que vamos vencendo as provações
e fortalecemos a nossa fé, vamos nos tornando adultos espirituais.
0 "sem faltar nada” não é, evidentemente, uma promessa ou uma exortação cujo
escopo se limita à realização material. 0 cristianismo surgiu exatamente entre a
classe social meno: favorecida. Entre os destinatários de Tiago havia um
grande contingente de pobres. Uma pessoa firme em Cristo, enfrentando suas
crises pessoais e vencendo-as, tornar-se-á cada vez mais uma pessoa equilibrada
e segura, a quem não faltará ânimo para enfrentar as dificuldades da vida, sem
desespero.
Ora, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá
liberalmente e não censura, e ser-lhe-á dada. Peça-a, porém, com fé, não
duvidando; pois aquele que duvida é semelhante à onda do mar, que é sublevada
pelo vento. Não pense tal homem que receberá do Senhor alguma coisa,
homem vacilante que é, e inconstante em todos os seus caminhos. (1:5-8)
0 termo hebraico para sabedoria é hokhma. Não era propriamente uma filosofia.
Era uma preocupação correta de como se deve viver. Seu caráter era prático e
funcional, nunca abstrato ou teórico. Não se alcançava com a idade, como se
apenas observar a vida e tirar conclusões bastasse para possuí-la. "Sou mais
entendido do que os velhos, porque tenho guardado os teus preceitos” (Sal.
119:100). O salmista declara ter mais sabedoria do que os de mais idade. Estes,
teoricamente, tendo vivido mais, teriam acumulado o que chamamos de
"experiência de vida” e saberiam mais que ele. Mas, o salmista tem mais
entendimento (aqui, sinônimo de sabedoria) porque guarda os preceitos
do Senhor. Isto nos leva a entender que a sabedoria está com Deus. Ele é a fonte
de sabedoria. Esta é a linha de pensamento adotada por Tiago: "Ora, se algum de
vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus...” (1:5).
A sabedoria devia ser buscada com toda intensidade possível: "A sabedoria é a
coisa principal; adquire, pois, a sabedoria; sim, com tudo o que possuis adquire o
conhecimento” (Prov. 4:7). Sendo o equivalente à verdade, tudo deveria ser
investido nela. "Compra a verdade, e não a vendas; sim, a sabedoria, a disciplina
e o entendimento” (Prov. 23:23). Em ambos os versículos citados, temos o uso
do paralelismo, um recurso da poesia hebraica e também sua característica
maior. É a prática de contrabalançar um pensamento ou frase por outro que
tenha aproximadamente o mesmo sentido ou o mesmo número de palavras. No
texto de Provérbios 23:23, por exemplo, o que está
"Com fé, não duvidando” (1:6). A verdadeira oração exige fé, sem vacilações.
"Sem fé é impossível agradar a Deus", diz-nos Hebreus 11:6. É conselho de
Deus que seus filhos aceitem as suas recomendações, em nada duvidando:
"Estando Pedro ainda a meditar sobre a visão, o Espírito lhe disse: Eis que dois
homens te procuram. Levanta-te, pois, desce e vai com eles, nada duvidando;
porque eu tos enviei” (At. 10:19, 20).
0 homem que duvida é como a onda do mar. É agitado de um lado para outro,
nunca encontrando paradeiro. E uma figura de inconstância que o autor bíblico
aqui nos apresenta. A dúvida produz inquietação e instabilidade. Não deve ser
assim o cristão.
Qual a melhor época para se buscar a sabedoria? "Eu amo aos que me amam, e
os que diligentemente me buscam me acharão” (Prov. 8:17). Uma outra versão
traz: ”E os que de madrugada me buscam me acharão.” Exortando seus ouvintes
a orarem de madrugada, certo pregador utilizou este versículo para justificar sua
tese segundo a qual Deus amava os madrugadores na oração. Segundo ele, Deus
amava o que o amava e se dava a conhecer aos que o buscavam em oração, de
madrugada. A explicação foge ao sentido do texto e ao próprio contexto
bíblico. Afinal, Deus ama até mesmo quem o odeia: "Deus amou o mundo...”
(João 3:16), o mesmo mundo que rejeitou seu amor e crucificou seu Filho. E
também é muita precipitação declarar que para encontrar a Deus é necessário
orar de madrugada. A Bíblia não ensina isto. E não é isto que a passagem citada
está ensinando.
No texto, não é Deus quem está falando. É a sabedoria. "A vós, ó homens,
clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens... Eu, a sabedoria, habito
com a prudência, e possuo o conhecimento e a discrição” (Prov. 8:4,12). A
sabedoria, ela sim, ama quem a ama e se dá a quem a procura. Quem a desejar,
encontrá-la-á. E os que a procuram de madrugada (cedo, na sua vida) a acharão.
"Mas se alguém tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, e ele dará, porque é
generoso, e dá com bondade a todos.”
Gloriar-se em Quê?
Por outro lado, a moderna maquinaria publicitária coloca o sentido da vida nas
riquezas. A televisão e as revistas, com suas cores, mostram que a pessoa bem-
sucedida é aquela que tem o
carro do ano, cheque especial, tem lancha marítima, veste a esquisita moda
lançada pelas empresas de costura, etc. Este é o pano de fundo da publicidade
que nos esmaga com suas técnicas bem elaboradas: a realização está no ter
coisas. Estará certa tal ótica? Ter coisas é o bem supremo? Qual é a relação
correta entre o homem e os bens? Todas estas questões podem ser enfocadas aqui
e respondidas à luz de Tiago.
”0 irmão de condição humilde” e "o rico”. 0 que significam estes termos? Qual o
sentido das expressões antitéticas na epístola? Faz parte do estilo de Tiago
estabelecer contrastes entre as duas classes sociais retratadas. Em 2:6, ele mostra
o rico oprimindo o pobre. Em 5:6, ele declara que a política de exploração do
pobre pelo rico leva os trabalhadores à fome e à morte. Evitemos espiritualizar
os termos. Pobre aqui é o homem desprovido de bens materiais. E rico é o
homem bem provido de bens. Os capítulos 4:13-16 e 5:1-6 não deixam margem
de dúvidas quanto ao sentido que, nesta epístola, é dado aos termos. Tiago está
nos falando do pobre e do rico em relação à situação econômica.
Por três vezes Tiago critica os ricos. No capítulo 2, é porque eles oprimem os
crentes (v. 6, 7). Aqui, o termo "rico” se aplica aos incrédulos. No capítulo 5, é
porque oprimem os pobres (v. 4) e por presumirem que o sentido da vida reside
na posse de
riquezas (v. 5). Aqui, também, parece que o termo está sendo aplicado a pessoas
de fora da igreja. A terceira crítica é no texto em tela.
Não padece dúvidas que o pobre, aqui, é um cristão: "o irmão de condição
humilde”. E o rico? É um cristão ou um incrédulo? Nos dois casos anteriores, a
probabilidade quase que total é que não sejam da igreja. Em 2:6, 7, pelo menos,
isso é bem claro. Sendo a Epístola de Tiago um livro que se assemelha à
literatura sapiencial do Velho Testamento, bem pode ser que o autor emprega o
termo no mesmo sentido em que os Salmos usam "justo” e "ímpio”. Neste caso,
o pobre seria sempre um cristão, e o rico, sempre um incrédulo, inclusive no
texto em foco.
Na realidade, o mais importante é o seguinte: Qual a recomendação bíblica para
o pobre, no tocante à sua pobreza? Qual a recomendação bíblica para o rico, no
tocante à sua riqueza? Podemos perder o sentido do estudo bíblico quando
fixamos a nossa atenção no que não é essencial, brigando pelos acessórios e
esquecendo-nos assim do fundamental. Fixemo-nos nisto: Quais os conselhos do
"servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo”?
participam da exaltação dos pequeninos a não ser que se humilhem com eles.” Já
a Bíblia na Linguagem de Hoje dá um sentido totalmente econômico: o pobre
exulte quando ficar rico, e o rico exulte quando ficar pobre.
A glória do pobre é o seu caráter, aquilo que ele é, na sua natureza moral e
espiritual. 0 Novo Testamento Vivo parafraseou bem: ”0 cristão què não goza de
muito prestígio neste mundo deve sentir-se alegre, pois ele é grande aos olhos
do Senhor.” A glória do Altíssimo é pelo que ele é e não pelo que ele tem. Assim
é a glória do crente pobre. Não pense que é inferior. Não aceite o padrão do
mundo que julga as pessoas por aquilo que elas possuem. Deus julga o homem
por aquilo que ele é. Tiago vem combater a ilusão contemporânea, segundo a
qual a realização está no ter. Engano, puro engano. A realização está no ser. Diz
Provérbios 22:1: ”0 bom nome vale mais do que muita riqueza; ser estimado é
melhor do que ter prata e ouro” (BLH). Ao invés de se envergonhar de ser pobre,
mantenha o tesouro da dignidade. A busca de bens, por quaisquer que sejam os
meios, tem arruinado nossa sociedade. "Seja bem-sucedido economicamente,
custe o que custar! Lance mão de todos os meios! Roube, fraude, minta, seja
desleal, faça tudo o que puder, mas seja rico!” Esta é a filosofia que parece
nortear o mundo de hoje. Nós, cristãos, precisamos ser coerentes com a nossa fé,
mesmo correndo o risco de sermos chamados de "ultrapassados”. Devemos
sustentar nossos princípios. E melhor ser um pobre honesto e em paz com a
consciência e com Deus do que ser um rico desonesto e não ter paz e glória
moral. Isto não significa que todo rico é desonesto. Significa, sim, e precisamos
reafirmar isto em alto e bom som, que a honra deve ser preferida à desonra,
mesmo que esta traga riquezas e aquela, pobreza. Os cristãos precisamos
reafirmar bem alto a superioridade dos valores morais e espirituais à nossa
geração, que vive engolfada num materialismo pragmático.
Pode ser também que o "abatimento” seja uma atitude espiritual — o que não
significa a espiritualização da passagem. 0 adjetivo tapeinós, que tem a mesma
raiz de tapeínosis, e inclusive um dos seus significados (humilde), no
pensamento secular era usado como "pobre, desprezado”. Mais tarde,
seu emprego no pensamento cristão veio a ser no sentido de "manso, pobre de
espírito” (não é, no entanto, o termo que surge nas Bem-Aventuranças sobre o
manso e o pobre de espírito). Se caminharmos por esta linha de interpretação,
a recomendação ao rico é que ele não se glorie nas riquezas, mas numa atitude
espiritual de quebrantamento. Já vimos que "gloriar-se” é "regozijar-se com
confiança”. Que o rico se regozije confiantemente, não no seu poder econômico,
mas num quebrantamento diante de Deus. Aqui é que está a sua segurança. Da
mesma forma, o pobre não deve buscar riquezas a qualquer preço, mas sim,
preservar a sua dignidade. A discussão de Tiago seguiria, então, neste rumo: as
circunstâncias terrenas são transitórias, não são o valor último. 0 pobre não deve
direcionar toda a sua vida em melhorar de situação, mesmo que à custa de sua
dignidade, derrubando a sua glória. Já o rico, não deve confiar nas suas riquezas,
como se estas fossem um deus que o garantisse no momento de aflição
espiritual. Que sua glória seja a humildade em reconhecer que não é
poderoso, pois como ensina o versículo 11, os bens materiais se esvaem.
"Ppis o sol se levanta em seu ardor e faz secar a erva.” 0 texto nos remete ao
livro do profeta Isaías, no capítulo 40:6-8. No início do capítulo, exatamente o
início de uma nova seção no livro, o profeta traz uma mensagem de consolação
ao Judá cativo na Babilônia. Seu tempo de escravidão está completado. Os
eLivross voltarão para sua terra pelo caminho do deserto entre Babilônia e
Palestina, conduzidos pelo Senhor. Os versículos 6-8 tratam da imutabilidade da
Palavra de Deus em contraposição ao poder humano. "O povo é erva." Refere-se
à humanidade, mais particularmente aos caldeus, cujo momento histórico estava
passando e, como a erva, secando. Era assim com Babilônia, o grande reino
caldeu. Estava secando. Mas a palavra de Deus permanece para sempre. Ela
anunciou a ida para o cativeiro e agora anuncia a saída. Os caldeus tinham
um formidável poderio. Basta lembrar que na estátua de Daniel 2 o maior dos
impérios mundiais é o caldeu. Os outros que o sucederam foram inferiores. Mas
a poderosa Babilônia ia passar, enquanto a palavra de Deus ia permanecer.
Quando o hálito do Senhor alcançasse a erva, esta murcharia. Em Isaías 40:7, o
"hálito” é o hebraico ruah, que tanto significa "vento” como "espírito”. Segundo
os comentaristas mais reputados, ruah é empregado aqui no sentido de "vento”,
o vento quente e seco, vindo do deserto, o chamado siroco. Quando o sol quente
da Palestina tinha seu calor empurrado pelo siroco, a vegetação secava. Lemos
sobre os efeitos desse vento em Ezequiel 17:10: "Mas, estando plantado,
prosperará? Não se secará de todo, quando a tocar o vento oriental? Nas aréolas
onde cresceu se secará.” "Vento oriental” é outra denominação do siroco, já que
ele vinha do oriente, através do deserto.
A culpa da tentação não pode ser atribuída a Deus. "Ele a ninguém tenta”. As
versões bíblicas mais antigas trazem, em Gênesis 22:1, a expressão: "E
aconteceu, depois destas coisas, que tentou Deus a Abraão...” A tradução mais
correta para '/tentou” é "provou” ou "testou”. A Versão Revisada da IBB, «e
Acordo com os Melhores Ttextos em Hebraico e Grego, traz /jf'provou”.
Literalmente, o ternfo hebraico é nasa, que significa "testar, provar”. Uma
palavra derivada desta veio a ser massa, termo utilizado para testar a qualidade
de um metal, como o ouro, por exemplo, e descobrir, assim, seu grau de pureza
e valor. Acertadamente, as versões modernas, mais afeitas à língua original,
trazem "Deus provou a Abraão”.
"Deus não pode ser tentado pelo mal”. Ocasionalmente, alguém pergunta se
Deus, que tudo pode, pode também pecar. O pecado é uma impossibilidade
moral em Deus. De uma pessoa muito santa se diz que ela é incapaz de praticar a
maldade. Na realidade, não o é. Ninguém é incapaz da prática do mal, pois todos
somos pecadores. Mas, quanto mais acentuada é a qualidade moral de uma
pessoa, mais julgamos ser ela incapaz de qualquer atitude maldosa. Ora, a
santidade de Deus não é relativa. E santidade absoluta. O mal é uma
impossibilidade para Deus. Disse o profeta Habacuque: "Tu... és tão puro
de olhos que não podes ver o mal” (Hab. 1:13). O mal é uma impossibilidade
para Deus, não que ele queira cometê-lo e não possa, mas no sentido de que sua
absoluta santidade é incompatível com tudo que se choca com seu caráter santo.
Sendo Deus tão oposto ao mal e ao pecado, ninguém pode colocar sobre Deus a
culpa das tentações nas quais a pessoa está envolvida.
Há, porém, um fato que não podemos deixar de considerar. A tentação é real.
Como surge? Creio na existência pessoal do Diabo, mas mesmo correndo o risco
de ser considerado como irreverente, permitam-me uma expressão. Sobre os
ombros do Diabo têm sido colocadas muitas culpas que são nossas, voluntária e
decididamente nossas. 0 indivíduo aguarda uma oportunidade para errar, busca e
força ocasião para pecar e depois diz: "0 Diabo me tentou e eu caí.” Tiago diz:
"Cada um, porém, é tentado quando atraído e engodado pela sua
própria concupiscência.” "Concupiscência” é um desses termos que lemos,
repetimos e desconhecemos. Significa "desejo intenso, ardente”. Não é algo
momentâneo. Surge depois de acalentado, de ser alimentado. Esse desejo, sendo
muito forte, tolerado e estimulado, impele-nos para o pecado. Somos atraídos.
0 termo "engodado” é de pescaria. Seu sentido é facilmente identificado por
pescadores. Deleazómenos é o termo grego. E a isca que o pescador utiliza para
encobrir o anzol e atrair o peixe. É bonita, atraente, mas por baixo dela está a
morte. E assim o pecado. Ele nunca se apresenta feio e destruidor, mas
sempre agradável. Somos, então, engodados e levados para o mal.
disser: Tolo, será réu do fogo do inferno” (Mat. 5:22). Se a lei inosaiea proibia o
assassinato, Jesus proibiu o ódio. E o ódio que produz o assassinato. Da mesma
forma, a lei mosaica proibia o adultério: "Não adulterarás” (Êx. 20:14). Jesus
disse: "Eu, porém, vos digo que todo aquele que olhar para uma mulher para a
cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela” (Mal. 5:28). O Senhor
Jesus não proibiu apenas o ato, foi mais fundo, foi às intenções. Sua exortação é
uma exigência para a pureza moral do coração. Ê o pensamento que gera o ato.
Assim traduz A Bíblia na Linguagem de Hoje: "Então, estes desejos fazem
nascer o pecado, e o pecado, quando já está maduro, produz a morte.”
Posso não matar uma pessoa, com receio das conseqüências, com medo de
perder minha reputação, mas odeio tal pessoa com todas as minhas forças. Que
virtude houve? Nenhuma! Não fiz o mal simplesmente por medo e não por amor
ao bem. O problema está na mente, no coração. Se eu tivesse garantias de que,
assassinando aquele meu desafeto, teria total impunidade, será que não o
mataria? Não lhe desejo mal, que não faço por contigências? Por isso,
reconhecendo que a sede das decisões está na mente, Paulo recomenda: "Buscai
as coisas que são de cima...” (Col. 3:1). Uma pessoa cuja leitura principal sejam
revistas pornográficas, não poderá ter uma mente pura. Se o assunto predileto de
alguém é imoralidade, não se pode presumir que venha a ter uma vida limpa. As
más conversas corrompem os bons costumes. Por causa disso, àlguém declarou:
"Você se torna o que você pensa.” A isto, pode-se ajuntar outra frase: "Você se
torna o que você lê.”
Chega-se ao destino final da pessoa, mas tudo começa com força dos
pensamentos acumulados. O que está você semeando em sua mente? Encha-se
de decência e dignidade, e você será decente e nobre. Encha-se de amargura, e
você será um indivíduo insuportável para os outros, além de arruinar a
sua própria vida. Por isso é que lemos em Provérbios 4:23: "Tenha
cuidado com o que você pensa, pois sua vida é dirigida pelos seus pensamentos”
(A Bíblia na Linguagem de Hoje).
Examine sua própria vida. Reavalie sua concepção de vida, seus pensamentos,
sua forma de ver e julgar o mundo. O filósofo Sócrates declarou: "A vida que
não é examinada não é digna de ser vivida.” Veja bem o que você está pensando.
Sobre os outros, sobre si mesmo, sobre a vida. Ordene seus pensamentos de
forma correta.
O Que É Bom Vem de Deus
Não vos enganeis, meus amados irmãos. Toda boa dádiva e todo dom perfeito
vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra
de variação. Segundo a sua própria vontade, ele nos gerou pela palavra da
verdade, para que fôssemos como que primícias das suas criaturas. (1:16-18)
"Não vos enganeis” liga, em Tiago, duas idéias. Não se enganem, pensando que
o pecado vem de Deus (v. 13), pois dele só vem o bem, tanto que "ele nos gerou
pela palavra da verdade” (v. 18), e a partir do versículo 21 temos a
apresentação do que seja a "palavra da verdade”.
Nosso ponto de partida, portanto, deve ser o versículo 13. Não nos enganemos,
pensando que Deus nos conduz ao mal. Não nos desculpemos dos nossos
pecados, colocando a culpa em Deus. Ele não tenta a ninguém. Dele só vem o
que é bom e nunca o mal.
Além de o termo "alto” ser um sinônimo de Deus, outra consideração deve ser
feita sobre o mesmo. Ele mostra a transcendência de Deus. Ele é o que está lá em
cima, em contraposição aos homens, que estão cá embaixo. Essa transcendência
não deve ser entendida num sentido metafísico, mas sim, moral. Há uma
diferença entre Deus e os homens. Em João 8:23, por exemplo, encontramos as
seguintes palavras de Jesus: "Vós sois de baixo, eu sou de cima; vós sois deste
mundo, eu não sou deste mundo.” Há uma diferença entre Jesus e
seus opositores. Eles são de baixo, e ele é lá de cima, do alto. A diferença moral,
portanto, é acentuada pelo termo "alto”.
"Descendo do Pai das luzes”. Mais uma vez o nome divino é substituído por um
equivalente. No texto ora analisado parece mais uma questão de estilo literário
em que o escritor deseja evitar repetições do que uma questão teológica. Aqui,
Deus é o "Pai das luzes”. 0 dom vem dele, descendo, para nós. Uma conclusão
lógica, já que ele é lá do alto e nós somos cá de baixo.
Não é suficiente, porém, dizer que "toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do
alto”. Qual é a evidência desta declaração? 0 que tem Tiago para apresentar
como prova de sua afirmativa? A resposta está no versículo 18: "Segundo a sua
própria
vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade...”. É o novo nascimento: "ele
nos gerou”.
Pelo seu querer, Deus "nos gerou”. 0 texto grego traz apekyesen, do verbo
apokyéo, que significa literalmente "dou à luz” e é derivado de kyo (ou kyéó),
cujo sentido é "estou grávida”. A idéia de 1:18 é bastante curiosa. No processo
de novo nascimento do cristão, Deus reúne em si tanto as funções masculinas
como as femininas: "ele nos deu à luz”. Ele nos fez nascer espiritualmente
porque assim o desejou.
Como fomos gerados? Qual o processo pelo qual se deu a gravidez e o parto do
cristão? "Ele nos gerou pela palavra da verdade”. O meio para a nossa geração
foi "a palavra da verdade”. A mesma idéia encontramos em I Pedro 1:23,
que diz: "tendo nascido, não de semente corruptível, mas de incorruptível, pela
palavra de Deus, a qual vive e permanece”. Os termos variam, mas a idéia é a
mesma. Em Tiago, temos "palavra da verdade”. Verdade é um conceito muito
presente nos escritos de sabedoria. Em Pedro temos "semente... incorruptível...
palavra de Deus, a qual vive e permanece”. 0 que é "palavra da verdade” e
"palavra de Deus”? É evidente que os dois escritores não estavam se referindo ao
conjunto de livros que denominamos Bíblia. As expressões se referem ao
conjunto da revelação de Deus aos homens e que se completou com a vinda de
Jesus Cristo, o clímax da revelação. A idéia de Cristo como o ápice da revelação
é bem sustentada pelo autor de Hebreus, principalmente Hebreus 1:1,2. Este
conjunto é chamado por Tiago de "lei da liberdade” em 1:25 e 2:12 e de
"lei real” em 2:8. A revelação completa de Deus ao homem traz a indicação de
como se tornar livre.
Deus nos fez nascer pela palavra da verdade, "para que fôssemos como que
primícias das suas criaturas”. "Primícias” significa "primeiros”. Os cristãos,
nascidos pela palavra, são os primeiros? E isto significa que há outros? Quem
são os segundos?
Cristo nos resgatou do poder do Inimigo e nos deu ao Pai. Somos propriedade
divina. Não pertencemos mais ao poder das trevas. Somos de Deus. E não somos
um presente dado de forma irrefletida e recebido de má vontade. Foi o querer de
Deus que operou o processo de nosso novo nascimento. E foi sua
revelação consumada em Jesus Cristo, numa sintonia entre as pessoas
da divindade, que nos gerou. Por isso, tudo o que temos de bom, a começar da
salvação e da comunhão, vem-nos de Deus. Ele nos ama e nos dá o que é bom.
A Ira e o Mau Temperamento
Sabei isto, meus amados irmãos; Todo homem seja pronto para ouvir, tardio
para falar e tardio para se irar. Porque a ira do homem não opera a justiça de
Deus. Pelo que, despojando-vos de toda sorte de imundícia e de todo vestígio do
mal, recebei com mansidão a palavra em vós implantada, a qual é
poderosa para salvar as vossas almas. (1:19-21)
0 assunto que Tiago agora passa a desenvolver ocupa lugar especial em sua linha
de raciocínio. Evidentemente, isto não significa que até agora ele tratou de
banalidades e passado este assunto voltará a tratar de assuntos banais. "Sabei
isto” é uma forma de expressão que reclama importância para o que vai ser dito.
Ele deseja toda a atenção de seus leitores, pois é fundamental para a vida deles o
que vai ser dito.
A Bíblia nos registra muitas orações tocantes, sendo que algumas formuladas em
momentos de desespero. Mas, sem dúvida, uma das mais sábias foi formulada
pelo menino Samuel: "Fala, Senhor...”
A palavra que Deus mais usa, tanto no Velho quanto no Novo Testamento, é
exatamente esta: "Ouve”. Não será que grande parte de nossos problemas reside
exatamente no fato de não sabermos ouvir? Muitas dificuldades de nosso
temperamento não se devem à nossa incapacidade de diálogo, de conhecer
as razões alheias? Já sabemos tudo, temos a verdade e não queremos ouvir!
Queremos falar.
muito cuidado com nossas palavras. Elas podem levantar uma vida ou, então,
destruir uma pessoa. Há um sábio provérbio inglês que, traduzido, assim nos diz:
"Tu és senhor da palavra não dita; a palavra dita é teu senhor.” Enquanto não se
profere a declaração, as palavras estão sob domínio. Proferida a sentença, a
pessoa está presa ao que disse.
"Tardio para se irar”. Novamente bradys. Mais uma vez Tiago mostra algo que
deve ser feito com reflexos lentos, com certa dificuldade em fazer a ira entrar em
ação. Com muita propriedade, Provérbios 16:32 assim
diz: Melhor é o longâ-
nimo do que o valente; e o que domina o seu espírito do que o que toma uma
cidade.” A maior demonstração de força, segundo a Bíblia, está no autodomínio,
e não no domínio sobre os outros.
Primeiro: A irá é proibida aos crentes. "Mas eu lhes digo que qualquer um que
ficar com raiva de seu irmão será julgado. Quem disser a seu irmão: 'Você não
vale nada’, será julgado pelo tribunal. E quem chamar seu irmão de idiota, estará
em perigo de ir para o fogo do inferno ’. (Mat. 5:22 — BLH). 0 cultivo de
sentimentos negativos contra um irmão é vedado ao seguidor de Jesus Cristo.
Terceiro: A ira é obra da carne, da natureza não regenerada. Em Gálatas 5:19, 20,
lemos o seguinte: "São bem conhecidas as coisas que a natureza produz: a
imoralidade, a impureza, as ações indecentes, adoração de ídolos e as feitiçarias.
As pessoas ficam inimigas, brigam, ficam com raiva e se tornam ciumentas e
ambiciosas. Separam-se em partidos e grupos” (BLH). A ira e a dissensão estão
ao mesmo nível da idolatria e da feitiçaria.
Quarto-. A ira não traz benefício para ninguém. Nem para quem a cultiva. Aliás,
faz mais mal a quem a cultiva do que a quem é objeto dela. Agasalhar ira no
íntimo é como colocar ácido corrosivo num recipiente não tratado. Se uma
pessoa odeia outra, esta odiada continuará a comer, a beber e a dormir
normalmente, levando a vida em rotina. Mas, o odiador, cada vez que vir o
objeto de sua ira se sentirá mal. Muitas doenças nervosas são conseqüências de
sentimentos destrutivos acalentados contra outros.
Quinto-. A ira e a crueldade andam juntas. Esta é uma das mais fortes razões
pelas quais o servo de Jesus deve fugir da ira. Ela induz à crueldade. A beira da
morte, Jacó amaldiçoou Simeão e Levi por causa da raiva e da maldade de
ambos: "Maldito o seu furor, porque era forte! Maldita a sua ira, porque era
cruel!” (Gên. 49:7). A atitude violenta de Simeão e Levi (conheça a história em
Gênesis 34:25-31) num momento de ira, privou-os de maiores bênçãos e fê-los
receber a maldição do pai.
Sexto-. A ira não deve ser nem acalentada por um cristão. Efésios 4:26 nos deixa
a seguinte recomendação: "Se você ficar com raiva, não deixe que isso o faça
pecar, e não fique com raiva o dia todo” (BLH). Há um sentimento momentâneo
diante de determinadas circunstâncias, que não nos deixam pensar direito. Mas,
acalentar a ira, deixar o sol se pôr sobre ela (ou seja, ruminá-la o dia todo) é
errado. Não deve ser acalentada, porque além de errada é inútil: "A ira do
homem não opera a justiça de Deus.” Nossos sentimentos não obrigarão Deus a
agir desta ou daquela maneira. A Bíblia na Linguagem de Hoje verte assim a
passagem: "Porque a raiva humana não produz o que Deus aprova.” Os frutos da
raiva não são aprovados por Deus.
Deus fez uma pergunta a Jonas: "E razoável essa tua ira?” (Jon. 4:9). Mais que
retórica, a pergunta é de extrema profundidade: De que adianta a ira? É, ao
menos, razoável?
Estamos estudando Tiago. Por que as citações de outros livros? Por duas razões:
A primeira é que a Bíblia é uma unidade. Todo o seu ensino caminha junto. Todo
o seu ensino segue junto, não se contradizendo. Ela não é uma colcha
de retalhos, com idéias bonitas, mas dispersas e díspares, cada uma de cor
diferente, de um feitio ou de outro tecido. É uma perfeita harmonia. 0 que Tiago
ensina, o restante da Bíblia confirma, e o que a Bíblia ensina, Tiago confirma. A
segunda questão é que desejamos mostrar que Tiago não é uma epístola de
palha, posto que muitos dos seus conceitos estão presentes por toda a Escritura.
No entanto, a questão mais importante é esta: Como superar a ira? Sei que não
devo me irar, mas constantemente o faço. Como
A expresão "pelo que” nos remete ao versículo anterior. Mostra-nos que a roupa
suja do cristão era a ira (assunto anterior). Ele deve tirá-la.
Como posso acabar com meu temperamento carnal e irascível, com as minhas
inclinações para a ira e dissensões? De mim mesmo não posso. Mas, quando
deixo que as palavras do Senhor sejam guardadas dentro de mim e que brotem
do meu íntimo, então meu caráter muda. Uma das oportunas lições de Tiago é
O segredo para vencer a ira e o mau temperamento está aqui: ter a Palavra de
Deus enxertada no coração. "Escondi a tua palavra no meu coração, para não
pecar contra ti’’ (Sal. 119:11).
A poesia continua, mas este trecho é suficiente para nosso raciocínio. Quanto
perdemos por não saber ouvir! Não será que até mesmo parte da
improdutividade de nossos esforços evan-gelísticos é exatamente porque
falamos, falamos, e pouco ouvimos? Sabemos quais são as aspirações das
pessoas, o que pensam, o que sentem, o que almejam? Ou apenas lhes
despejamos palavras em cima, porque temos a verdade e são elas bárbaros
espirituais que devem nos ouvir? Nossa evangelização é autoritária e impessoal.
Por fim, vimos que o forte não é o guerreiro, mas o que doma o seu
temperamento. Para o mundo que não conhece a Deus e
Em análise anterior já vimos que a Palavra de Deus deve ser enxertada para
produzir bons frutos na vida da pessoa. A discussão é sobre a produção de um
caráter cristão pela implantação da palavra divina na vida. A questão continua a
ser desenvolvida agora. Tiago emprega três figuras para designar a Palavra.
A primeira figura está no versículo 18: "Ele nos gerou pela palavra da verdade”.
Fomos tornados novas criaturas por um ato divino, mas o instrumento utilizado
foi a Palavra: "pela palavra da verdade”. A Palavra de Deus tem o poder de
nos tornar novas criaturas. Ela é o gérmen da nova vida.
Estas três figuras mostram que os ouvintes de Tiago sabiam do valor das
Escrituras. Sem dúvida, todos nós também estamos convencidos do valor da
Palavra divina. Mas, o alvo principal do autor bíblico não é discutir o valor da
Palavra. E, sim, mostrar o que ela pode fazer na vida das pessoas. A partir daqui,
ele mostra dois tipos de ouvintes, conforme o posicionamento das pessoas diante
da Palavra.
Há o tipo de ouvinte que se limita a ouvir. "Se alguém é ouvinte da palavra e não
cumpridor, é semelhante a um homem que contempla no espelho o seu rosto
natural; porque se contempla a si mesmo e vai-se, e logo se esquece de como
era” (v. 23). Aqui, a palavra é espelho. Os espelhos no tempo de Tiago eram de
bronze polido e não eram encontradiços, como é possível hoje ver em todas as
casas. Para os contemporâneos de Tiago, a comparação era bem expressiva. Não
se tinha em mente, com muita facilidade, os contornos do próprio rosto.
A pessoa não se olhava ao espelho todos os dias. Olho-me em um espelho para
ver se o cabelo está corretamente penteado ou se o laço da gravata está correto
ou torto. A moça olha-se para ver se sua pintura está de acordo com seu gosto. 0
espelho nos mostrará como estamos. Nele, veremos o que deve ser mudado.
Com isso podemos dizer que o cristianismo não deve ser um mero dever social.
Deve ser um relacionamento vivencial, profundamente preocupado com a
personalidade integral do cristão, buscando levá-lo a uma qualidade de vida cada
vez melhor aos olhos de Deus.
0 mero ouvinte vê as falhas por corrigir, mas não se incomoda e as esquece. Esse
não é o procedimento adequado. 0 conheci-
mento que temos de Deus e de sua santidade deve levar-nos também à santidade.
Deus não espera de nós que sejamos enciclopédias bíblicas ambulantes, mas
santos. Sem receio de laborar em erro, declaro que a maior necessidade da Igreja
de Cristo em nossos dias é de santos. Não estou usando o termo "santo” no
sentido costumeiro, ou seja, que todos os salvos, por serem separados para Deus,
são santos. Creio nisso. Mas, não é esta a conotação que dou à palavra aqui.
"Santo” como agora emprego, é o cristão que leva uma vida tão perto de Deus
que impressiona o mundo com seu caráter. Um escritor de aguda visão espiritual
nos deixou preciosos conceitos sobre este assunto ao refletir sobre a carência de
santos em nosso meio. Uma de suas declarações é esta: "Não estamos
produzindo santos.”15 Depois, ao falar dos santos (que todos os cristãos são), diz
ele: "Santos não santos são a tragédia do cristianismo.”16 A grande preocupação
do citado escritor, A. W. Tozer é com a falta de santidade dos cristãos: "Os
nossos modelos são homens de negócios bem-sucedidos, atletas famosos e
personalidades teatrais. Realizamos nossas atividades religiosas segundo os
métodos do anunciante moderno.”17 Sem dúvida, precisamos de santos
autênticos. E isto acontecerá na medida em que os seguidores de Jesus Cristo
acatarem mais a Palavra de Deus em suas vidas.
Esta segunda classe ouve e pratica a palavra. Mas, pratica exatamente o quê? 0
contexto do capítulo nos mostra que o que atenta para a palavra e a cumpre,
assim o faz em três aspectos: controle da língua, compaixão pelos necessitados e
vida santa.
Não caiamos no erro de pensar que seguir Jesus significa isto. Uma vida
respeitável e com ausência de vícios faz parte do caráter cristão, mas não é isso o
cristianismo. Muitas pessoas levam vidas respeitáveis e privadas de vícios, mas
não são
Se alguém cuida ser religioso e não refreia a sua língua, mas engana o seu
coração, a sua religião é vã. A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e
Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da
corrupção do mundo. (1:26, 27)
Tiago parte do princípio segundo o qual uma pessoa pode pensar que está
agradando a Deus, fazendo tudo com sinceridade, mas não o está agradando
realmente. "Se alguém cuida ser religioso e não refreia a sua língua, mas engana
o seu coração...” A primeira manifestação de uma adoração sincera é a língua
refreada. Quantos "santos fofoqueiros”! E quantas "santas faladeiras”! Lembram
o trecho da cantata Vida, do Coral Jovem de São Paulo:
Linguaruda proverbial,
0 verdadeiro cristão controla a sua língua. "Não te precipites com a tua boca,
nem o teu coração se apresse a pronunciar palavra alguma na presença de Deus;
porque Deus está no céu, e tu estás sobre a terra; portanto sejam poucas as tuas
palavras” (Ecl. 5:2). Isto tem faltado a muitos dos seguidores de Jesus Cristo:
sobriedade no falar, piedade no relacionamento com o mundo e austeridade nas
palavras. Infelizmente, alguém definiu acertadamente a malediência como sendo
o "divertimento predileto dos cristãos”.18 É triste que a ironia seja verdadeira.
No Velho Testamento, o termo hebraico para palavra é dabar. E bem mais do
que um som articulado. Dabar é a extensão da personalidade de quem fala. 0
judeu entendia que o que uma pessoa fala ela é. 0 caráter de uma pessoa fica
explícito em suas palavras. Com o servo de Cristo também deve ser assim: a
sua palavra é a extensão da sua personalidade cristã. Ele não aumenta, ele não
difama, ele não sente prazer em passar para a frente notícias desagradáveis, não
exulta com infâmias.
Tiago continua: "A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta:
Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção
do mundo.” Tiago nos incomoda... E tão agradável estar na igreja cantando,
orando, ouvindo as promessas de nosso Deus. "Que culto maravilhoso! Seria
capaz de passar a noite toda na igreja!” É uma expressão que já ouvimos mais de
uma vez. Talvez até mesmo a tenhamos pronunciado. Mas, Tiago não apregoa
uma religião mística, de contemplação, que a tantos adoradores fez bem, mas
que, na realidade, não prova muita coisa. "Visitar os órfãos e as viúvas nas suas
aflições”. É manifestar simpatia e solidariedade aos que sofrem, aos que estão
necessitados. Existe um estaticismo entre nós que nos faz ver as pessoas como
almas por salvar e não como pessoas reais, concretas. As pessoas têm
necessidades reais materiais. "Visitar” é episképtomai, cuja idéia é: "visito
para socorrer”. Nãoé aquela visita para uma oração "desencargo de consciência”,
tipo "Deus a abençoe na sua necessidade, minha irmã”. E uma ida para prover às
necessidades da pessoa. A religião pura e sem mácula é ajudar os necessitados.
Os adjetivos "pura” e "imaculada” são alusivos aos sacrifícios judaicos do Velho
Testamento, que deviam ser de animais puros e sem manchas. Era o tipo de
oferta que agradava a Deus. A oferta que agrada realmente a Deus é socorrer os
necessitados.
lar e prover o sustento da casa, a situação era aflitiva. Cabia, então, aos irmãos
na fé prover o sustento dos carentes. Aliás, este é o pano de fundo em Atos,
capítulo 6, no momento da escolha dos sete para servirem às mesas.
Por que temos tanto receio em reconhecer na Bíblia o que está lá? A parábola do
bom samaritano não ensina nada além do que diz: o seguidor de Jesus Cristo
deve fazer o bem e socorrer os necessitados. Espiritualizar a passagem, dando-
lhe um sentido que Cristo não quis dar, é violentar a Bíblia, é fazê-la dizer o
que nós queremos que ela diga, ao invés de dizermos o que ela diz. Ê fazer
"eisegese”, pôr no texto, ao invés de fazer exegese — tirar do texto. 0 cristão
deve sentir compaixão pelos que sofrem. Lemos em Atos 10:38 que Deus ungiu
Jesus "com o Espírito Santo e com poder; o qual andou por toda parte, fazendo o
bem e curando todos os oprimidos do Diabo, porque Deus era com ele”. Jesus de
Nazaré andou fazendo o bem.
0 versículo 27 não tem uma linha apenas horizontal. Há também uma dimensão
moral: "guardar-se isento da corrupção do mundo”. 0 cristão deve guardar-se do
mal. Já se disse que a Bíblia é uma unidade e não uma colcha de retalhos. Estes
dois aspectos que surgem em Tiago 1:27 estão em Miquéias 6:8: "Ele te
declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que
pratiques a justiça e ames a benevolência, e andes humildemente com o teu
Deus?” Tanto no Velho quanto no Novo Testamento, a verdadeira religião
apresenta duas linhas, uma vertical e a outra, horizontal. Uma, para cima,
na direção de Deus, e a outra, para os lados, na direção dos homens. "Mundo” é
um sistema de valores organizados contra Deus, como algumas vezes Edom, no
Velho Testamento. Em Tiago, ou se é amigo de Deus ou amigo do mundo (2:23 e
4:4 principalmente). 0 escritor nos mostra uma religião em termos de optar por
Deus e fazer o bem. Ambas as idéias são necessárias ao conjunto. A religião que
trata apenas das realidades espirituais, encarando o homem como uma entidade
descarnada, não é muito proveitosa. 0 homem não existe apenas em um
contexto vertical. Vive em grupo. Vive num contexto horizontal. Mas, ao mesmo
tempo, reconheçamos que o ativismo social sem uma pureza de vida é inócuo. A
tentação de poder é muito grande. A força da corrupção não pode ser
minimizada. Guardar-se da corrupção do mundo e ter uma vida limpa e santa
diante de Deus é extremamente necessário.
Meus irmãos, não tenhais a fé em nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor da glória,
em acepção de pessoas. Porque, se entrar na vossa reunião algum homem com
anel de ouro no dedo e traje esplêndido, e entrar também algum pobre com traje
sórdido, e atentares para o que vem com traje esplêndido e lhe disserdes: Senta-
te aqui num lugar de honra; e disserdes ao pobre: Fica aí em pé, ou senta-te
abaixo do escabelo dos meus pés, não fazeis, porventura, distinção entre vós
mesmos e não vos tornais juizes movidos de maus pensamentos? Ouvi, meus
amados irmãos. Não escolheu Deus os que são pobres quanto ao mundo
para fazê-los ricos na fé e herdeiros do reino que prometeu aos que o amam?
Mas vós desonrastes o pobre. Porventura não são os ricos os que vos oprimem e
os que vos arrastam aos tribunais? Não blasfemam eles o bom nome pelo qual
sois chamados? Todavia, se estais cumprindo a lei real segundo a
escritura: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem. Mas se fazeis
acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo por isso condenados pela lei como
transgressores. Pois qualquer que guardar toda a lei, mas tropeçar em um só
ponto, tem-se tornado culpado de todos. Porque o mesmo que disse:
Não adulterarás, também disse: Não matarás. Ora, se não cometes adultério,
mas és homicida, te hás tornado transgressor da lei. Falai de tal maneira e de
tal maneira procedei, como havendo de ser julgados pela lei da liberdade.
Porque o juízo será sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia;
a misericórdia triunfa sobre o juízo. (2:1-13)
No interior de São Paulo, próximo a uma cidade onde pastoreei, havia um pastor
de outra denominação evangélica.
Homem simples, sem erudição secular e que não manifestava muita elegância na
forma de vestir. Mas, os próprios incrédulos o respeitavam e diziam: "Lá vai o
santo dos protestantes.” 0 seu caráter impressionava. 0 triste é que nossos
modelos para impactar o mundo sem Cristo são pessoas que
alcançaram notoriedade em suas carreiras e que exatamente por isso tiveram a
escolha. Não será isso uma espiritualidade mundana, do tipo: "Vejam, temos
conosco gente importante que não é bitolada como vocês pensam que os crentes
são e que conseguiram sucesso na vida”?
de ouro, bem vestido, entrando no templo. Entra também um pobre com roupas
velhas. 0 tratamento aos dois é diferenciado. Isto acontece ainda hoje. Um
político que entra em uma igreja é saudado com efusividade: "Está conosco o Dr.
Fulano de Tal, deputado por tal lugar, o que nos honra muito.” Quando se realiza
um "culto cívico” (?), surge o prefeito e é logo guindado ao púlpito para saudar
os crentes. 0 pretexto é sempre o mesmo: a frasezinha solta em Romanos 13:7:
"A quem honra, honra”.
Não é honra nem privilégio para a igreja receber a visita do Dr. Fulano ou do
Prof. Sicrano. Quando pararemos com nosso complexo de inferioridade e com a
adulação? Todas as pessoas são iguais aos olhos de Deus, pelo seu valor
intrínseco. A igreja não é um clube cuja grandeza é medida pelo nível social de
seus freqüentadores. E honra é para esses homens terem oportunidade de ouvir a
Palavra de Deus. Privilégio inaudito é o desses homens em ouvirem falar que
Deus os ama e quer salvá-los de seus pecados.
Deus não precisa de tênue glória humana para a prosperidade de sua obra.
Tampouco carece a igreja de auxílios humanos com motivações espúrias para
triunfar. Nós não devemos adular. Não podemos ter dois evangelhos. Um, para
dizer ao pobre que ele deve arrepender-se de seus pecados, senão vai para o
inferno,
e outro, para dizer ao rico que nos sensibilizamos com sua visita e que ela nos
enche de satisfação. Dizemos que o "bicheiro” é criminoso porque explora o
jogo do bicho, que é ilegal e traz a corrupção. Mas, silenciamos quando vemos o
país paulatina-mente transformado em vasto cassino, com loterias
esportivas, estaduais, federais e loto. Ao promover a jogatina, o governo é tão
pecador quanto o bicheiro. A legalidade não tira a imoralidade. 0 fato de algo ser
legal não o torna moral. As leis humanas são leis humanas, apenas. Pecado é
pecado, no grande e no pequeno.
uma virtude teologal. 0 pecado não está na posse de coisas, mas na maneira
como as conseguimos e no uso que fazemos delas.
"Não são os ricos os que vos oprimem?” Os ricos estavam oprimindo a igreja,
vista como comunidade suspeita. Então, cortejando-os a igreja poderia encontrar
um modus vivendi pacífico. Precisamos lembrar que a igreja de Cristo não
pode viver fazendo concessões. Há um excelente livro de Peter Berger, intitulado
Um Rumor de Anjos.22 Nele, o conhecido sociólogo mostra como o mundo
sagrado, e particularmente o cristianismo, foi confrontado por correntes de
pensamentos antagônicas e, no choque de idéias, terminou fazendo várias
concessões. No princípio, em pleno esplendor, o mundo sagrado nos trazia
o ruído da voz de Deus, o barulho de toda a corte celestial, o anúncio dos
arautos. Mas, hoje, acuado pelo secularismo, de concessões em concessões, o
cristianismo se desfigurou e se ouve apenas um leve ruído de asas de anjos, daí o
título da obra. Temos hoje um cristianismo pálido e aguado que a
poucos impressiona. Sejamos honestos e falemos a verdade: Olhando para a
vidinha descolorida que a maior parte dos membros de nossas igrejas leva,
alguém se sentirá atraído para nossa fé? A voz de Deus o povo ainda leva a
sério, mas o rumor de asas de anjos, que diferença faz? Quem o considera?
A igreja de Cristo precisa ser séria, sem concessões. Sem adulações. "A igreja
não está no mundo para fazer relações públicas, mas para entregar um
ultimato.”23
Tiago parte para uma conclusão de seu arrazoado falando de duas leis que regem
a vida do crente. Elas se encontram nos versículos 6 a 13. São as leis do amor e
da liberdade. A lei do amor é chamada de "lei real” ou "Lei do Reino” (BLH). A
vida na esfera do amor deve ser o nível da vida dos cristãos. No pensamento
grego, o amor era estético e contemplativo. Para nós, cuja cultura foi em grande
parte moldada pelos gregos, amor é isso. Perdemo-nos em devaneios, em
suspiros e ais. Amar é sentir um frio na barriga quando vemos a pessoa amada.
Havia uma jovem que se julgava poetisa. Escreveu algumas de suas poesias e as
levou até um editor para que esse as examinasse. Ele leu todas as coisas que a
moça havia produzido e então lhe perguntou: "Minha filha, o que é o
amor?” Suspirando, toda lânguida, ela respondeu: "Ah!, o amor é os raios
coruscantes do astro-rei atravessando as foliáceas e pisoteando a gramínea! 0
amor é uma gota de orvalho rorejando sobre a pétala da flor!”, e continuou com
suas declarações
Tiago fala agora da outra lei, a lei da liberdade: ”... pela lei da liberdade”. A lei
do amor, mostrou ele, é o nível de vida em que os cristãos devem viver. A lei da
liberdade é o nome que ele dá ao evangelho. É nas boas-novas do amor de Deus
na pessoa de Jesus de Nazaré que encontramos liberdade. "Se, pois, o Filho vos
libertar, verdadeiramente sereis livres” (João 8:36). 0 cristão é a pessoa que
encontrou a liberdade em Cristo. "Para a liberdade Cristo nos libertou...” (Gál.
5:1). Tiago é coerente com Paulo, aqui. Em Gálatas 4, Paulo mostra que a lei
escraviza o homem, mas o evangelho liberta. Vivendo liberto pelo evangelho,
livre do jugo do pecado e do poder das trevas, o cristão encontra condições para
se relacionar em amor com os demais membros de uma comunidade e até
mesmo fora dela. Adicionar regrinhas ao evangelho é um erro grave. É tornar o
crente um escravo de preceitos humanos. Mas, também é um erro sério o espírito
de amargura, de crítica e de seitas competitivas, cada uma alardeando ser melhor
que a outra, como encontramos hoje em dia. Tiago nos mostra que liberdade e
amor devem estar juntos. Não fomos tornados livres para viver ao sabor
dos instintos, mas para amar a Deus, o que a nossa natureza não permitia, e amar
aos outros, o que também nos era difícil. As
duas leis aqui mostradas por Tiago orientam o crente para viver livre do domínio
do pecado e com capacidade para um relacionamento positivo com o próximo.
O ensino de Tiago pode ser bem exposto em frases curtas e definidas: A igreja
não faz acepção de pessoas. Não privilegia pessoas por situação econômica,
social, cultural ou racial. Não odeia classes. A igreja ama as pessoas e vive como
alguém que Cristo libertou do poder das trevas e que ao poder das trevas
não deseja voltar.
Não se encontre em nós o pecado da acepção de pessoas, Deus não nos trata
assim.
Fé Contra Obras ou Fé e Obras?
Que proveito há, meus irmãos, se alguém disser que tem fé e não tiver obras?
Porventura essa fé pode salvá-lo? Se um irmão ou irmã estiverem nus e tiverem
falta de mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-
vos e fartai-vos, e não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que
proveito há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.
Mas dirá alguém: Tu tens fé, e eu tenho obras; mostra-me a tua fé sem as obras,
e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Crês tu que Deus é um só?
Fazes bem; os demônios também o creem, e estremecem. Mas queres saber,
ó homem vão, que a fé sem as obras é estéril? Porventura não foi pelas obras
que nosso pai Abraão foi justificado quando ofereceu sobre o altar seu filho
Isaque? Vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi
aperfeiçoada; e se cumpriu a escritura que diz: E creu Abraão a Deus, e isso lhe
foi imputado como justiça, e foi chamado amigo de Deus. Vedes então que
é pelas obras que o homem é justificado, e não somente pela fé. E de igual modo
não foi a meretriz Raabe também justificada pelas obras, quando acolheu os
espias, e os fez sair por outro caminho?Porque, assim como o corpo sem o
espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta. (2:14-26).
Tiago insiste na necessidade de viver a Palavra. E mostra, então, dois tipos de fé.
Uma, inútil, é a que não vive a Palavra. A outra, que a vive, é a fé útil. Vai
buscar dois vultos do Velho
nosso meio. A pessoa é cortês, mas não é prestativa. Por amor, Tiago entende
prestação de auxílio, ação. No que tem razão. Amor não pode ser apenas uma
expressão de piedade no semblante. Para Tiago, a verdadeira fé está numa
manifestação concreta por alguém. Não adianta dizer "que Deus o
abençoe” (BLH). Ajudar os necessitados da igreja não é algo para Deus fazer. E
para a própria igreja fazer. No judaísmo, dar esmolas era uma das práticas mais
elevadas e respeitadas. 0 livro de Eclesiástico (não canônico, e que não deve ser
confundido com o Eclesiastes) diz assim: "A água apaga a chama, a
esmola expia os pecados” (Ecl. 3:30, BJ). Não é isso que Tiago está dizendo.
Não se trata de auxiliar os outros para subornar Deus, comprando seu perdão. E
o contrário: Quem provou o amor de Deus, deve ajudar seu irmão.
A questão central que Tiago discute aqui é esta: A fé se mostra pelas obras. Não
são as obras que produzem fé ou favor de Deus. A fé dissociada de ação é inútil.
"Seu tolo! Você quer saber de uma coisa? A fé sem boas ações não vale nada” (v.
20, BLH). Nos versículos 18 e 19, Tiago levanta uma questão sobre o conteúdo
da fé judaica. A doutrina mais preciosa do judaísmo era a unicidade de Deus.
Vivendo no meio de nações politeístas que criam em vários deuses, o judeu se
distinguia por crer em um só Deus, e fazia disso um tesouro teológico. E
comum, no Velho Testamento, a expressão denominada shemá: "Ouve, ó Israel,
o Senhor teu Deus é o único Senhor...” Quando discutiu com um escriba sobre
qual o principal de todos os mandamentos, Jesus iniciou sua resposta com a
clássica profissão de fé judaica: "Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único
Senhor!” (Mar. 12:29). Este era o ponto mais alto da doutrina judaica. Mas Tiago
apela: Até os demônios crêem e tremem de medo. O endemoninhado gadareno
(Luc. 8), prostrou-se diante de Jesus e gritou: "Que tenho eu contigo, Jesus,
Filho do Deus Altíssimo?” Crer na unicidade de Deus, crer no seu poder e
aceitar que Jesus é Filho de Deus é uma profissão de fé assumida até
pelos demônios.
Quando aquele dia chegar, muitos vão dizer: Senhor, Senhor, em teu nome
anunciamos a mensagem de Deus, e pelo nome do Senhor expulsamos muitos
demônios e fizemos muitos milagres!
mais presumir que um mero assentimento intelectual sobre doutrinas tem algum
valor. E se fizermos a leitura de Mateus 25:31-46 com honestidade, sem
tentarmos dar ao texto outro sentido que não seja o que está ali, confirmaremos
Tiago: 0 cristianismo exige boas obras. Não é apenas cantar, bater palmas e orar.
Estas coisas não são a essência do cristianismo.
A fé que se enclausura, que não leva a pessoa a se abrir para os outros, a dar de
si, é inútil. A fé deve levar-nos a um sentimento genuíno de amor pelos irmãos e
pelos necessitados.
Não deve ser uma atitude demagógica para convertê-los, um tipo de amor que
seria um meio para um fim último. Uma tese de John Stott — A Compaixão de
Jesus — é elucidativa quanto a este aspecto, no trecho em que ele trata da atitude
do bom samaritano para com o pecador caído na beira da estrada:
"Assim que o samaritano ata as suas feridas, leva-o a um albergue, cuida dele,
paga ao hospedeiro para que continue atendendo-o e compromete-se a pagar
qualquer outro gasto que demande o tratamento. A única coisa que o samaritano
não faz é evangelizá-lo! Põe óleo e vinho nas feridas, mas não enche os bolsos
do judeu com folhetos,”24 Isto quer dizer que a nossa fé deve se evidenciar em
amor por aquilo que as pessoas são: imagem e semelhança de Deus. Pelo seu
valor intrínseco, e não por oportunismo.
Maury descobriu que ela não se interessava verdadeiramente pela sua colega.
Nunca se esforçara para entendê-la, saber de seus alvos, planos e problemas. Via
apenas uma oportunidade de transmitir uma mensagem. Diz então o teólogo: "Aí
está um exemplo de um dos erros mais freqüentes que praticamos: Não
queremos admitir que nos devíamos preocupar não apenas com Jesus Cristo e
nossa fidelidade para com ele. Redescobrimos nesse plano a dualidade e a
unidade profunda do sumário da Lei: Não existe o amor a Deus sem o amor ao
próximo, e não se pode amar o próximo sem lhe falar de Deus.”25
Lamentavelmente, por vezes, vemos as pessoas como números que
devemos conquistar para Cristo. Desvalorizamos o homem e coisificamos as
pessoas.
Após citar Abraão, Tiago apresenta outro vulto do Velho Testamento: Raabe.
São dois exemplos, aos olhos humanos, opostos: o pai da fé e uma meretriz que
creu. Em Hebreus 11:31, ela é colocada como heroína da fé. Na galeria desses
heróis,
apenas ela e Sara, a esposa de Abraão, são citadas nominalmente (Heb. 11:35
fala de "mulheres”, sem nominá-las). A história de Raabe é bem conhecida e,
para efeitos de recordação, o leitor deve tomar a Bíblia e ler os capítulos 2 e 6 de
Josué. Mais tarde, a figura dessa mulher assumiu grande importância
no judaísmo. Os rabinos consideravam motivo de orgulho poderem provar que
eram descendentes dela. Por isso que o evangelista Mateus, que escreveu seu
Evangelho visando alcançar os judeus, faz o registro: "a Salmom nasceu, de
Raabe, Booz” (Mat. 1:5). Raabe está como ancestral do rei Davi e do Senhor
Jesus. Assim Mateus mostra para os judeus, que valorizavam a ex-meretriz, que
o Messias veio dela.
O que fez Raabe, exatamente? Como podemos ler em Josué, capítulo 2, ela
escondeu os espiões hebreus que foram enviados a Jericó. Foi então sua obra que
a salvou? Não! Sua obra foi conseqüência de sua fé. Eis a declaração de fé por
ela formulada aos espiões, sobre o Deus de Israel: "... o Senhor vosso Deus
é Deus em cima no céu e embaixo na terra” (Jos. 2:11). Tamanha declaração de
fé é a mesma de Moisés, em Deuteronômio 4:39: "Pelo que hoje deves saber e
considerar no teu coração que só o Senhor é Deus, em cima no céu e embaixo na
terra; não há nenhum outro.” Raabe creu em Deus, na sua unicidade, no
seu poder, e por isso agiu. Por esta razão, A Bíblia na Linguagem de Hoje verte
assim Tiago 2:25: "... ela foi aprovada por Deus por causa da sua ação”. Quando
uma pessoa crê, ela age. Sua fé a leva a um envolvimento com Deus e não a uma
alienante fuga mística e contemplativa em que a pessoa se ensimesma. A
fé autêntica produz fruto e não claustro. Produz envolvimento e não gueto. Viver
cantando corinhos dentro do templo não é a ação mais produtiva do cristão.
Tiago termina com uma bela figura. Deus criou primeiro o corpo do homem,
mas enquanto o espírito não veio habitar no corpo, este não valia muito. Estava
sem vida. A vida veio pelo espírito. Quando o Senhor soprou o fôlego de vida no
corpo do homem, este foi tornado alma vivente. Antes, tinha toda a aparência.
Olhamos para uma vida de fé onde as obras não são presentes. Tudo está certo,
tudo está nos seus devidos lugares, mas ela é tão viva quanto um cadáver. Ou
seja, está morta.
Abraão creu e porque creu, agiu. Foi chamado por Deus de "meu amigo”. Lemos
em Isaías: "Mas tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem escolhi, descendência de
Abraão, meu amigo”
(Is. 41:8). Sem dúvida, um elogio maior do que este não pode haver. Crer e não
agir é ser como um defunto espiritual, como um corpo sem vida. Quem é você:
um corpo sem vida ou um amigo de Deus?
A Língua — Bênção ou Maldição?
Meus irmãos, não sejais muitos de vós mestres, sabendo que receberemos um
juízo mais severo. Pois todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não
tropeça em palavra, esse é homem perfeito, e capaz de refrear também o seu
corpo. Ora, se pomos freios na boca dos cavalos, para que nos obedeçam,
então conseguimos dirigir todo o seu corpo. Vede também os navios que, embora
tão grandes e levados por impetuosos ventos, com um pequenino leme se voltam
para onde quer o impulso do timoneiro. Assim também a língua é um pequeno
membro, e se gaba de grandes coisas. Vede quão grande bosque um tão pequeno
fogo incendeia. A língua também é um fogo; sim, a língua, qual mundo de
iniqüidade, colocada entre os nossos membros, contamina todo o corpo, e
inflama o curso da natureza, sendo por sua vez inflamada pelo inferno. Pois
toda espécie tanto de feras, como de aves, tanto de répteis como de animais do
mar, se doma, e tem sido domada pelo gênero humano; mas a língua, nenhum
homem a pode domar. E um mal irrefreável; está cheia de peçonha mortal. Com
ela bendizemos ao Senhor e Pai, e com ela amaldiçoamos os homens, feitos à
semelhança de Deus. Da mesma boca procede bênção e maldição. Não convém,
meus irmãos, que se faça assim. Porventura a fonte deita da mesma abertura
água doce e água amargosa? Meus irmãos, pode acaso uma figueira
produzir azeitonas, ou uma videira jigos? Nem tampouco pode uma fonte de
água salgada dar água doce. (3:1-12)
"Meus irmãos”. Assim Tiago começa o capítulo 1 (v. 2) de sua epístola. Assim
também começou o capítulo 2. Agora
começa o capítulo 3. Cada vez que muda o rumo do assunto, assim procede e
introduz um novo problema que aborda com muita felicidade. Nem sempre, no
entanto, "meus irmãos” introduz um novo assunto. Ao iniciar a conclusão do
livro, voltará ao termo (5:7). Assim é que temos agora um novo tema. A
importância do que trata ele agora não diminuiu com o tempo. Pelo contrário,
até. Sem exagero, podemos dizer que, nos dias de hoje, uma das maiores
necessidades dos cristãos está exatamente em cuidar daquilo que falam. Como
há mexericos, invencionices, palavras levianas e mal ponderadas em nosso meio!
É triste que a igreja que deveria se mostrar ao mundo como um exemplo de
relações interpessoais seja uma comunidade, muitas vezes, com relações internas
tão precárias que chega a assustar. Não são poucas as vezes em que o mundo
exibe mais sinceridade no relacionamento e honestidade no falar do que os
crentes.
Tiago ilustra o poder da palavra com quatro figuras: fogo (v. 6), mal irrefreável
(v. 8), fonte (v. 11 e 12), e árvores (v. 12). A língua é o fogo destruidor que brota
de pequena fagulha. Uma pequena palavra pode suscitar longa contenda. Tiago
reflete sobre isso. 0 homem pode domar tudo. "Pois toda espécie, tanto de feras
como de aves, tanto de répteis como de animais do mar, de doma, e tem sido
domada pelo gênero humano” (v. 7). Não há animais que o homem não consiga
domar. Ele encanta serpentes, adestra cães para truques, domestica o felino
selvagem, como vemos nos circos, e até treina a vida aquática, como no caso dos
golfinhos. Outros animais, como o cavalo e o boi, são por ele usados para o
trabalho doméstico, em sítios e fazendas. Vivesse hoje e Tiago poderia estender
seus argumentos: 0 homem domina sobre os animais, sobre a natureza (embora
sofra a ação desta, o homem ergue barragens, desvia rios e pode provocar chuvas
artificiais, por exemplo) e começa a estender seu domínio para fora da terra, na
direção do espaço. Porém, a língua continua indomada: ”... mas a língua,
nenhum homem a pode domar” (v. 8).
Algumas vezes não nos damos conta dos grandes estragos que os "inocentes”
comentários ou "colocações sem muita importância” que fazemos podem
alcançar com resultados. "Há três coisas que não regressam: a flecha lançada, a
palavra falada e a oportunidade perdida. Uma vez pronunciada a palavra, não
há maneira de fazê-la regressar. Nada é tão difiéil de suFocar como um rumor;
nada há tão difícil de cicatrizar como os efeitos de uma história maligna e
ociosa. Lembre-se o homem que, uma vez dita a palavra, esta foge do seu
controle. Portanto, pense bem antes de falar porque, mesmo que não possa fazer
a palavra voltar, terá que responder pela palavra pronunciada.”
"Porventura a fonte deita da mesma abertura água doce e água amargosa? Meus
irmãos, pode acaso uma figueira produzir azeitonas, ou uma videira figos? Nem
tampouco pode uma fonte de água salgada dar água doce.”
São três os exemplos que Tiago emprega para ilustrar a verdade que deseja
transmitir. Era este o método utilizado pelos rabinos para ilustrar seu ensino: três
ilustrações para cada verdade. E oportuno recordar que Tiago está escrevendo
para cristãos provenientes do judaísmo e, por isso mesmo, acostumados com a
forma de ensino dos rabinos. Não é de estranhar que sua didática seja rabínica.
Tanto faz produzir água doce ou salgada, desde que só produza uma. Esta aqui é
específica: A fonte salgada não produz água doce. A maior necessidade daquela
região era água potável, boa para beber. A fonte salgada (usemo-la aqui para
tipificar o falar do homem não regenerado) não pode produzir boa
palavra. Quem deve produzir esta é o servo de Jesus. É ele quem tem a palavra
que dessedenta o mundo. Poderíamos então parafrasear Jesus, quando exortou os
discípulos a não omitirem o brilho da sua luz: "Se a fonte de água potável que há
em ti produzir água não potável, que grande desastre será!”
É de nós, portanto, que o mundo pode ouvir boas palavras, palavras que
dessedentam, que consolam, que vivificam. Se não tivermos uma palavra de
esperança, uma palavra honesta e decente para este mundo, de quem ele a
ouvirá?
Voltamos, então, ao versículo 10: "Não convém, meus irmãos, que se faça
assim.” O que não convém? Não é conveniente que tenhamos palavras para
bendizer ao Senhor e amaldiçoar aos homens, que são imagem e semelhança de
Deus (v. 9). Quem adora a Deus não pode amaldiçoar o seu próximo. Deus está
no próximo e este é imagem e semelhança do divino. Voltamos, assim, à tese que
domina o livro de Tiago: Adoração e conduta devem caminhar juntas. Meu
procedimento para com o próximo será a projeção fiel do meu verdadeiro
relacionamento com o Senhor, que as palavras fingidas não conseguirão
mascarar de forma alguma.
Esclareça-se que Tiago não prega o silêncio, tampouco o claustro. O que ele
deseja não é que os cristãos se refugiem no monasticismo, mas sim que
controlem a sua língua.
"Os rabinos judeus usavam esta figura: 'A vida e a morte estão nas mãos da
língua.’ Por acaso a língua tem mãos? Não mas assim como a mão mata, assim
também a língua. A mão mata de perto, porém, a língua é como uma flecha que
mata à distância. Uma flecha mata a quarenta ou a cinqüenta passos, porém, da
língua se diz no Salmo 73:9 que 'Põem a sua boca contra os céus, e a sua língua
percorre a terra’. Passeia por toda a terra e alcança os céus. Este é o grande
perigo da língua. Um homem atacado pode defender-se do golpe porque o
atacante está na sua presença. Mas, pode-se pronunciar uma palavra maliciosa
ou repetir uma calúnia sobre outro que nem sequer se conhece e que se encontra
a milhares de quilômetros de distância e, mesmo assim, causar-lhe extremo
dano. O extraordinário alcance que a língua tem é o seu maior perigo.”27
Devemos ter muito cuidado com as palavras que emitimos a vida alheia.
Podemos destruir uma vida por uma palavra leviana ou pouco responsável.
Quem dentre vós é sábio e entendido? Mostre pelo seu bom procedimento as
suas obras em mansidão de sabedoria. Mas, se tendes amargo ciúme e
sentimento faccioso em vosso coração, não vos glorieis, nem mintais contra a
verdade. Essa não é a sabedoria que vem do alto, mas é terrena, animal e
diabólica. Porque onde há ciúme e sentimento faccioso, aí há confusão e toda
obra má. Mas a sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois
pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem
parcialidade, e sem hipocrisia. Ora, o fruto da justiça semeia-se em paz para
aqueles que promovem a paz. (3:13-18).
A busca da sabedoria era natural para o hebreu. Ser sábio era uma aspiração
latente na alma hebraica. "Quem dentre vós é
sábio e entendido?”, pergunta Tiago. Seus leitores eram pessoas que almejavam
a hokhma. Tê-la-iam alcançado? Já eram hakham? "Mostre”, diz ele.
Como mostrar? Não por discursos, pois a sabedoria não é erudição. E vida!
"Mostre... as suas obras” (v. 13). Se as obras são positivas, muito bem. Se não
são a sabedoria é terrena, animal e diabólica.
Além de terrena, a sabedoria do mundo é "animal” (v. 15). Isto não significa
brutalidade ou falta de boas maneiras, e sim que ela é dos instintos, pois o termo
grego aqui usado é psyché. Seu primeiro sentimento é "alma, a vida, a pessoa”,
mas denota também o instinto natural. 0 cristão não pode agir na base de "fazer o
que estiver no coração”. Muitas pessoas julgam que esta é uma boa medida,
quando em dificuldades: "0 que estiver no coração, isso farei.”
Esta atitude é ingênua, porque presume que todos os nossos sentimentos são
inatamente bons. E não é assim. 0 simples fato de algo estar em nosso coração
(sentimentos) não é indicativo de sua validade. "Enganoso é o coração, mais do
que todas as coisas, e perverso; quem o poderá conhecer?” (Jer. 17:9). Acautele-
se aquele que diz: "0 que o Senhor puser no meu coração, isso farei.” Tal atitude,
longe de mostrar piedade, pode ser uma posição de fraqueza. Evitando tomar
decisões, a pessoa vai procrastinando o que deve fazer. Os sentimentos, também,
estão muito próximos dos instintos. Nem um nem outro (sentimento e instinto)
podem ser padrão para conduta. Devem ser medidos pela Palavra de Deus.
A história, porém, não cessa aqui. A inveja nutrida por Saul continuou e seu
término foi com conseqüências desastrosas. É bem elucidativo que o autor
bíblico, ao narrar o episódio, tenha acrescentado imediatamente o evento
sucedido no dia seguinte: "No dia seguinte o espírito maligno da parte de Deus
se apoderou de Saul... tinha na mão uma lança” (v. 10). E tentou matar a Davi. A
seqüência é impressionante. Do ciúme à raiva, pouco demorou. Da raiva à
tentativa de assassinato. E com tudo
isso, o temor: "Saul, pois, temia a Davi, porque o Senhor era com Davi e se tinha
retirado dele” (v. 12). A partir daqui, a personalidade de Saul esta em acentuada
desintegração. De desatino em desatino, o primeiro rei irá destruir sua
própria vida. Aprenderemos com sua experiência, se formos sensatos, que
cultivar inveja ou ciúme é desintegrar a própria vida. A maior vítima da inveja é
o invejoso. Ele se desestrutura emocionalmente e se incapacita diante de Deus.
Deus sabia que a vaidade humana seria um grande obstáculo para o avanço de
sua obra neste mundo. Os escritores bíblicos enfrentaram problemas de
partidarismo dentro das igrejas primitivas, combateram-nos e nos deixaram
princípios espirituais que não podem ser olvidados.
com características culturais distintas uma das outras. Como exigir uma só
opinião?
"Rogo a Evódia, e rogo a Síntique, que sintam o mesmo no Senhor” (Fil. 4:2).
Nossas diferenças persistem e nos levarão a posturas diferentes. Uma das glórias
da igreja de Cristo, inclusive, é exatamente esta, a de reunir as mais diversas
pessoas em um só corpo. Mas, no Senhor, a igreja deve ser unânime.
A unanimidade foi a característica dos primeiros cristãos. A igreja de Jerusalém
se caracterizava por este sentimento. "Todos estes perseveravam unanimemente
em oração...” (At. 1:14). "Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos
reunidos no mesmo lugar” (At. 2:1). "Da multidão dos que criam, era um só o
coração e uma só a alma” (At. 4:32). Havia um profundo senso de unanimidade
dentro da igreja. Em Atos 5, Ananias e Safira quebraram a unanimidade.
Mentiram, desejando notoriedade, buscando aparecer mais que os outros. A
punição foi a morte. Deus cobrou a quebra da unanimidade.
Ouvi uma pessoa comentar com outra: "0 meu velho homem veio à tona e eu lhe
disse poucas e boas.” Havia uma nota de exultação na forma de falar da pessoa.
Ela estava orgulhosa do ressurgimento da carnalidade em sua vida. Tiago diz: "...
não vos glorieis, nem mintais contra a verdade” (v. 14). É ir contra a verdade tal
tipo de procedimento contencioso. A sabedoria que produz frutos de dissensão é
"terrena, animal e diabólica”. E conclui Tiago: "Porque onde há ciúme e
sentimento faccioso, aí há confusão e toda má obra” (v. 16).
ódios. Uma pessoa dominada pela sabedoria de Deus projetará isto no seu
relacionamento com as outras.
"Cheia de misericórdia e de bons frutos” tem sido interpretado por alguns como
uma redundância: os frutos que a misericórdia produz. No entanto, pode ser mais
amplo. Não basta a misericórdia. Além dela, bons frutos devem ser
apresentados. Isto se coaduna com o espírito da epístola, pois ao pregar uma
religião prática, Tiago pede frutos que a autentiquem. Os frutos são as evidências
da religião.
Observemos que das características da sabedoria divina, três são encontradas nas
bem-aventuranças de Jesus: "Pura”: ''Bem-aventurados os puros de coração”.
"Pacífica”: "Bem-aventurados os pacificadores”. "Cheia de misericórdia": "Bem-
aventurados os misericordiosos”.
"0 contraste entre as duas classes de sabedoria é muito bem assinalado. Uma é de
cima e a outra é terrena. Uma está cheia de misericórdia e bons frutos, sem
mudança, sem hipocrisia; a outra é dos sentidos, carnal e diabólica. Contrastam-
se também os frutos. Uma produz a paz e outra produz contendas. Este contraste
entre as duas deve ser lido sempre que haja divisões, maledicência e rivalidade
na igreja.”32
Qual é a sabedoria que está dominando a nossa vida? Qual é a sabedoria que
rege nossa igreja?
A Origem das Contendas
Donde vêm as guerras e contendas entre vós? Porventura vêm disto, dos vossos
deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais e nada tendes; logo
matais. Invejais e não podeis alcançar; logo combateis e fazeis guerras. Nada
tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para
o gastardes em vossos deleites. Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é
inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo
constitui-se inimigo de Deus. Ou pensais que em vão diz a Escritura: O Espírito
que ele fez habitar em nós anseia por nós até o ciúme? Todavia, dá maior graça.
Portanto diz: Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes.
Sujeitai-vos, pois, a Deus; mas resisti ao Diabo, e ele fugirá de vós. Chegai-vos
para Deus, e ele se chegará para vós. Limpai as mãos, pecadores; e vós de
espírito vacilante, purificai os corações. Senti as vossas misérias, lamentai e
chorai; torne-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza. Humilhai-
vos perante o Senhor, e ele vos exaltará. (4:1-10)
Aquelas igrejas viveram a revelação. Isto é fundamental para nós. Muitos dos
problemas que hoje enfrentamos foram analisa-
"Guerras” no grego original é pólemoi, de onde nos vem o termo polêmica, que
significa "discussão, controvérsia”. "Contendas” é máchai, que significa,
também, "brigas corporais”. As duas palavras mostram que havia hostilidades no
seio das comunidades cristãs da época. Assim como temos hoje. Há divisões,
rixas e competições na igreja de Cristo, infelizmente. Como chega a acontecer
isto? Por que é assim?
"Nada tendes, porque não pedis” é uma declaração óbvia, mas a sua continuação
é alerta contra as orações malbaratadas.
"Não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos deleites.” O ensino
de Jesus sobre a oração do sermão do monte (Mat. 7:7,8) é em termos absolutos.
"Todo o que pede, recebe.” Tiago o relativiza. Bendita seja a Palavra de Deus!
Ela se interpreta e se complementa. Se tudo o que pedíssemos fosse atendido por
Deus, seriamos infelizes. Muito do que pedimos não é o melhor. E, também,
oração não é obrigar Deus a fazer o que queremos. Pedimos muitas vezes e não
recebemos porque pedimos mal. São os deleites, os prazeres, que nos levam a
pedir mal, de forma desfocada da vontade divina. Uma excelente citação de
Calvino sobre o assunto, no texto em tela, ajuda-nos: "Queriam fazer de Deus o
ministro de suas próprias concupis-cências.”33 Muitos há que gostariam de usar
Deus para seus propósitos, que não são muito edificantes. Outro
comentarista bíblico, Alford, diz-nos a respeito: "0 sentido geral é: Se realmente
orássemos corretamente, esse senso de contínua sede por coisas mundanas em
maior quantidade não existiria: todas as vossas necessidades apropriadas seriam
supridas; e aqueles desejos impróprios, que geram guerras e contendas entre
vós, desapareceriam. Pediríeis, e pediríeis bem, e
conseqüentemente, obteríeis.”34
O cristão deu seu coração a Jesus Cristo. Apaixonou-se por ele. Amar o mundo é
adulterar contra Cristo, é dividir o amor que lhe foi prometido. Isto não é
possível!
O próprio amor cristão pode ser desfocado e vir a ser tão pernicioso quanto o
amor ao mundo. "Amar o mundo é dar o nosso coração ao materialismo, à
ambição ou ainda a coisas muito boas e válidas mas que assumem importância
maior que o nosso Criador. O amor à pregação do evangelho pode ser amor ao
mundo, se gostamos de fazer pelo destaque que daí nos advém. O amor à nossa
casa de oração pode ser amor ao mundo, se estamos tão ocupados com a
aparência do lugar que não pomos em primeiro lugar a preocupação de louvar e
servir ao Senhor, que é a razão primordial para a existência de tal coisa.”35 O
orgulho eclesiástico e o orgulho denominacional são amor ao mundo, porque são
amor desfocado. O foco do nosso amor deve ser o Senhor. Tiago não nos deixa
meio-termo: o amigo do mundo é inimigo de Deus. O homem não precisa
ser inimigo de Deus. Ele se torna assim porque quer. No capítulo 2:23, Tiago nos
fala de um homem que veio a ser "amigo de Deus”. Por que ser inimigo de Deus,
então?
Alguns presumem que "Escritura” seria referência a algum livro que Tiago
respeitava muito e que não estava no cânon judaico (praticamente definido no
tempo de Esdras). Outros presumem não ser propriamente uma citação de um
versículo determinado, mas um resumo dos ensinos do Velho Testamento sobre o
ciúme divino. Tal resumo estaria baseado em Êxodo 20:5, 34:14, Deuteronômio
32:16, Zacarias 8:2 e I Coríntios 10:22. Seria, então, o conceito de zelo de Deus,
um conceito bem arraigado na Escritura, o que Tiago está afirmando. É
bem provável que assim seja, pois o versículo 6 é uma citação de
A outra questão é com respeito a "Espírito” ou "espírito”. Qual dos dois? 0 que
significa o termo? Harrop36 presume ser o espírito redimido do homem.
Johnstone37 pensa ser o Espírito Santo. A interpretação passa a sertão
problemática que se torna quase uma questão de opção. Vejamos algumas
versões bíblicas que nos podem auxiliar na sua compreensão.
A Bíblia na Linguagem de Hoje: "0 espírito que Deus pôs em nós está cheio de
desejos violentos.” E traduz o versículo 6 assim, no seu início: "Porém a ajuda
que Deus dá é ainda mais forte...” Indica "espírito” como o espírito humano,
aquele que Deus soprou no homem (Gên. 2:7). Ele tem desejos violentos para o
pecado, mas conforme o versículo 6, a ajuda que Deus dá é mais forte.
Matos Soares: "Porventura imaginais que a Escritura diz em vão: 0 Espírito que
habita em vós ama-vos com ciúme?”
Vozes: "Ou pensais que é sem motivo que diz a Escritura: Com amor ciumento
anseia o Espírito que habita em vós?”
A Bíblia de Jerusalém: "Ou julgais que é em vão que a Escritura diz: Com ciúme
ele reclama o espírito que pôs dentro de nós para que em nós fizesse habitação?”
Huberto Rohden: "Acaso pensais que a Escritura diz em vão: Com amor zeloso
anseia Deus pelo espírito que em nós fez habitar?”
Figueiredo: "Acaso imaginais vós que em vão diz a Escritura que o espírito, que
habita em vós, vos ama com ciúme?”
Beneditinos: "Ou imaginais que em vão diz a Escritura: Sois amados até o ciúme
pelo Espírito que habita em vós?”
Comunidade de Taizé: "Ou pensais que a Escritura diz em vão: Com amor
exclusivo ele anseia pelo espírito que em nós fez habitar?”
0 Novo Testamento Vivo: "Ou que acham vocês que as Escrituras querem dizer
quando afirmam que o Espírito Santo, que Deus pôs em nós, vigia sobre nós com
terno ciúme?”
Cartas às Igrejas Novas: "Pensais que aquilo que a Escritura afirma a este
propósito, não passa de mera formalidade? Ou julgais que este espírito é o
Espírito que vive dentro de nós?”
"Deus resiste aos soberbos; dá, porém, graça aos humildes” (v. 6) é uma citação
de Provérbios 3:34. Não devemos orgulhar-nos. Está certo. Mas, o que faz esta
declaração aqui? Não estaria deslocada? Qual o sentido de sua colocação neste
lugar?
0 deleite pode ser vencido! Não é necessário ser vencido por ele, tendo a vida
frustrada que os versículos 1-3 nos mostram. Tampouco é necessário ser inimigo
de Deus, amando o mundo. Assim é que Tiago introduzirá nova personagem, o
Diabo. Seus agentes já apareceram em 2:19 (os demônios), mas ele surge aqui,
pela primeira vez, no versículo 7. 0 contexto quase exige a
Há dois exemplos bíblicos que nos ajudarão a entender bem o ponto em questão:
o primeiro casal e o Senhor Jesus. Nas duas experiências de tentação,
encontramos uma rendição vergonhosa e uma resistência vitoriosa. No caso da
rendição, não se vê nem resistência nem busca de Deus ou submissão a ele.
Pelo contrário, o questionamento da serpente sobre os motivos de Deus foi bem
aceito. No caso da resistência vitoriosa, encontramos um homem totalmente
confiante e submisso ao Pai. A lição é inequívoca: para resistir com sucesso ao
Diabo é preciso submeter-se a Deus.
para si mesmo quando criou o homem e nunca obriga ninguém a tomar uma
decisão contra a sua própria vontade. Deus fez tudo o que era possível, dando-
nos seu Filho e atuando pelo Espírito Santo. É a isto que o homem tem que
responder. Deve chegar-se a Deus, e quando assim o faz descobre que Deus está
ali, chegando-se a ele.”38 A dificuldade é bem elucidada por esta citação.
Agora, Tiago deixa a questão dos prazeres, do mundo e do Diabo. Seu tema
passa a ser como se aproximar de Deus. Apresenta sentenças curtas, cada uma
contendo uma verdade. Não há uma argumentação continuada, mas, à
semelhança do livro de Provérbios, verdades definidas por parágrafos
isolados uns dos outros.
Com o tempo, "lavar as mãos” tornou-se mais que um ato de higiene. Passou a
ser uma atitude espiritual, a de despojar-se do imundo, mostrando um desejo de
purificação.
O versículo 9 começa com três verbos: sentir, lamentar e chorar. Mostram uma
atitude de quebrantamento. Sentir pelo seu estado espiritual; lamentar-se e chorar
pelos seus pecados.
"Tome-se o vosso riso em pranto” nos mostra que uma correta aproximação de
Deus leva a uma atitude de chorar os pecados. 0 estado de espírito da pessoa
muda. Quem se aproxima de Deus com seriedade não o fará de modo fagueiro,
com espírito folgazão. "A vossa alegria em tristeza” mostra que há uma mudança
emocional no estado de espírito de quem se aproxima de Deus em busca de
santificação. A força do texto se acentua quando descobrimos que "tristeza” é
katéfeian, que nos dá a idéia de "olhar para baixo, para o chão”, numa atitude
de vergonha. E o que temos em Lucas 18:13 com o publicano que não ousava
levantar os olhos para o céu. E impossível buscarmos uma aproximação mais
profunda de Deus sem sentirmos vergonha de nosso estado espiritual. Sua luz
mostrará nossa imundícia e nos levará à vergonha.
O próximo assunto é a falibilidade dos projetos humanos. Entre ele e este ora
tratado, há dois versículos parentéticos que parecem desencaixados, sem
conexão com o que se discute. São os versículos 11 e 12. Foram mencionados no
contexto do capítulo Apresentação e Cumprimento. Mas, eles têm
cabimento aqui. Aos conselhos de como evitar o espírito de contendas
que colocam a igreja em pé de guerra, ajuntam-se os de evitar maledicência
(assunto tratado no capítulo A Verdadeira Religião). Um cristão que fala mal dos
outros está julgando a própria Palavra de Deus, que condena tal atitude.
Eia agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã iremos a tal cidade, lá passaremos
um ano, negociaremos e ganharemos. No entanto, não saheis o que sucederá
amanhã. Que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um pouco, e logo
se desvanece. Em lugar disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, viveremos
e faremos isto ou aquilo. Mas agora vos jactais das nossas presun-ções; toda
jactância tal como esta é maligna. Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o
faz, comete pecado. (4:13-17)
Não resta dúvidas que a idéia mais forte do texto que agora analisamos é a
imprevisibilidade da vida humana. Como esta é surpreendente! Poderia, por
exemplo, Moisés, no dia da saída
do Egito, após a longa disputa com o faraó, imaginar que ele próprio não estaria
na terra prometida? Poderia Bartimeu, em mais um dia que saiu para esmolar,
imaginar que naquele mesmo dia o Senhor Jesus lhe restituiria a vista e sua vida
seria radicalmente modificada? Quantos de nós fomos também surpreendidos
com o imprevisível!
Pretendem alguns que aqui Tiago não se dirige a cristãos, mas sim a judeus. Que
ele se dirige a cristãos, não há como negar (veja-se comentário sobre
Apresentação e Cumprimento). No entanto, é possível que, ao dirigir-se aos
cristãos, enfatize ele a imprevisibilidade da vida e o desgosto de Deus com os
ricos opressores, encontrados mais entre os judeus. As idéias, então, estariam
aqui como condenação profética aos de fora da igreja e como exortação
pedagógica à própria igreja, ao condenar os de fora. Mas, presumir que ele
mudou de destinatários, de um momento para outro, no meio da carta, sem
anunciar, leva-nos a um perigo: Quando, uma epístola, uma mensagem, é para
nós, e quando não é? O critério será este, aqui empregado por alguns, segundo os
quais não poderia haver opressores na igreja? Parece mais uma tentativa de
evitar um problema moral (opressores no seio da igreja) do que um rigor
exegético.
Tiago reclama de pessoas que fazem plano de locomoção para uma cidade onde
programam passar um determinado tempo e ganhar dinheiro. Planejar a vida e
ganhar dinheiro trabalhando honestamente não é pecado. Pelo contrário, é uma
medida acertada. Planejamento e trabalho são virtudes a cultivar. A questão
fundamental é que Deus foi esquecido, como Tiago menciona no versículo 15:
"Devíeis dizer: Se o Senhor quiser...”
Um exemplo dessa itinerância dos judeus está com Aqüila e Priscila. Em Atos
18:2, Paulo encontra o casal que viera expulso de Roma, onde exercia o ofício de
fabricantes de tendas. Em Romanos 16:3-5, o casal está de volta a Roma e
inclusive em sua casa se hospeda a igreja cristã.
"No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. Que é a vossa vida?”
Penetrantes palavras! 0 que é a vossa vida? "Acabam-se os nossos anos como
um suspiro... nossa vida... passa rapidamente, e nós voamos” (Sal. 90:9,10).
Estas são declarações de Moisés sobre a fugacidade da vida humana. Sendo a
vida fugaz e incerta, planejá-la sem Deus é insensatez. Em Lucas 12:13-21
temos a parábola do rico insensato. Os bens materiais eram o deus daquele
homem e se constituíam na sua grande paixão. No discurso que ele pronunciou,
não houve lugar para Deus. Só para ele e para as suas coisas: meus frutos,
meus celeiros, meus cereais, meus bens, minha alma. O tu não estava presente.
Só o EU: Farei, farei, derribarei, edificarei, recolherei, direi. Planejou para longo
prazo: "Muitos bens para muitos anos”. Naquela noite, sua alma foi pedida. "Que
é a vossa vida?”
"Se o Senhor quiser.” O comentário bíblico sobre Tiago, escrito por William
Barclay, na sua versão espanhola, traz uma informação que não é encontrada no
original britânico: "Os árabes têm a expressão 'inshaallah’ (se Deus quiser), com
que entremeiam suas conversas; em espanhol, 'inshaallah’ é 'ojalá’.”39 A
informação, que deve ser creditada ao tradutor, leva-nos a considerar que
"inshaallah” veio a produzir "ojalá” (a influência árabe na Espanha é muito forte,
devido ao período de dominação mourisca). Terá o "oxalá” português vindo do
árabe? Parece que sim. Pelo menos eis o que afirma o grande mestre Napoleão
Mendes Almeida no seu Dicionário de Questões Vernáculas: ''Observe-se o que
diz Said Ali: Oxalá, acomoda-mento do árabe en sha allah ('Se Deus quiser’,
'assim Deus queira’) à pronúncia portuguesa, continua a usar-se como expressão
de desejo, embora se tenha apagado a consciência islamítica dessa exclamação.
É fácil notar que essa interjeição se relar;cna etimologicamente com Alá,
tradução árabe de Deus.”40 De qualquer forma, a lição é clara: Aquilo que
os árabes, espanhóis e portugueses conseguem expressar (en sha allah, ojalá e
oxalá) era o que os comerciantes também deveriam expressar!
0 que significa dizer "Se o Senhor quiser”? Isso é suficiente para mostrar a
dependência de Deus? ''Esta é uma advertência saudável, mas ao mesmo tempo
se converteu numa frase rotineira que tem pouco significado para muitos dos que
a usam. Dizemos 'se o Senhor quiser’ mas com demasiada freqüência isto não é
reflexo da condição da nossa mente nem do nosso espírito. A simples repetição
das palavras não é suficiente neste caso, como a repetição da frase 'em nome de
Jesus’ não garante o atendimento de nossa oração.”41 ''Se o Senhor quiser”
deve ser mesmo um desejo sincero e uma disposição autêntica do nosso coração,
para que em nós se cumpra o querer de Deus. Podemos dizer esta expressão?
''Mas agora vos jactais das vossas presunções” (v. 16). Ê traduzido assim em A
Bíblia na Linguagem de Hoje: ''Porém vocês são orgulhosos e vivem se
gabando.” E o orgulho humano que nos leva a presumir que somos suficientes,
que nos bastamos, e por isso podemos prescindir de Deus. Em Deuteronômio
8 há uma candente exortação de Moisés para que o povo não esqueça os
benefícios feitos pelo Senhor. 0 povo não deveria dizer: ''A minha força, e a
fortaleza da minha mão me adquiriram estas riquezas”, mas sim se lembrar do
Senhor, ''porque ele é o que te dá forças para adquirires riquezas...” (v. 17,
18). Orgulhar-se do progresso pessoal sem reconhecer que vem de Deus o poder
e a capacidade para tal, é atitude maligna. Como diz Tiago: ''Toda jactância tal
como esta é maligna.”
Maligno”. A Bíblia de Jerusalém também opta por esta tradução. 0 ensino que
recebemos é que o orgulho vem do Maligno. E ele quem inspira os homens a se
orgulharem da grandeza do que adquiriram. Cuidado com a auto-suficiência!
De repente, parece que, quebrando a seqüência dos argumentos, Tiago nos diz:
"Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado.” Seria uma
sentença solta, desligada de toda a argumentação anterior, não fosse o "pois”. A
frase tem conexão com o que anteriormente foi exposto. Na realidade, o
versículo 17 faz a ponte entre a invectiva contra os comerciantes (14:13-16) e a
invectiva contra os ricos opressores (5:1-6). As pessoas dotadas de mais posses
têm melhores condições de ajudar os necessitados. Os prósperos negociantes do
texto que ora tratamos não o faziam. Omitiam-se. Os ricos negociantes do texto
a seguir, não apenas deixavam de ajudar, mas oprimiam. Omissão e repressão: a
ordem é lógica. A omissão é apenas o início da opressão, porque esta é a
seqüência da insensibilidade que se inicia com a omissão. É o desinteresse pelas
pessoas, a falta de amor e de compaixão cristã pelas criaturas necessitadas que
tornam o coração endurecido.
Aquele que faz da riqueza o objetivo fundamental da sua vida não tem tempo
para Deus. Isto Tiago já nos mostrou. Agora vai além. Tampouco há tempo para
o próximo quando a obsessão é ter coisas.
Como pecado, a omissão será punida por Deus. 0 grande exemplo que nos vem
da Bíblia está na parábola do rico e Lázaro, encontrada em Lucas 16:19-31. 0
rico terminou no inferno. Não apedrejou Lázaro. Não o escorraçou nem o
defrau-dou até levá-lo à mendicância. Nada disso! O rico "apenas” ignorou
Lázaro. 0 texto bíblico nos diz que Lázaro, coberto de
úlceras, foi deixado ao portão do rico. A Edição Revista e Corrigida diz que
Lázaro "jazia”. Interpreta-se, à luz do verbo, que ele era coxo. Seu desejo era
alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico. Talvez nem isso
conseguisse, mas este era o seu desejo. Caíam migalhas da mesa do rico,
"não porque este não soubesse comer educadamente. Sabem por que elas caíam?
Porque, na Palestina, as pessoas ricas tinham o costume de molhar o pão para
que com ele lavassem as mãos sujas de comida, já que, não tendo talheres, eles
comiam com as mãos, jogando pedaços de pão molhado debaixo da
mesa... Lázaro era um homem tão fraco que os cães vinham lamber-lhe as
feridas e ele nem sequer tinha forças para espantá-los. E é interessante observar
que ele via os ricos, mas estes não o viam”.43 Sim, o rico só foi ver Lázaro lá no
inferno.
E triste pensar na insensibilidade das igrejas que constroem templos suntuosos,
imponentes catedrais "para a glória de Deus” (tijolos, pedras e vidros fazem
mesmo a glória de Deus?), esquecidas das pessoas que passam necessidades às
suas portas e, por vezes, dentro das suas portas. Que tipo de Deus é este
que, para ser glorificado em um bairro miserável, sem condições
de habitabilidade, sem água e esgoto para o povo, pede um edifício majestoso,
acima do nível das pessoas que ali moram, se Jesus Cristo nos revelou um Deus
cuja glória não está nas paredes, mas nas pessoas? 0 que uma igreja em
condições assim pode comunicar aos seus vizinhos? Quanto de nossa vida
eclesiástica, centrada no templo, é amor a Deus, e quanto é escapismo
dos problemas de um mundo tão necessitado, não apenas no espírito, mas
também no corpo? Escondemo-nos e cantamos: "Somos um pequeno povo mui
feliz.” Não somos culpados, nós mesmos, de grande parte do desinteresse e
desprezo que o mundo tem votado contra a igreja? Que interesse real o
mundo pode sentir da igreja para com ele?
"Pobre também tem alma!”, poderá dizer alguém que discorde dos que se
preocupam com as necessidades materiais do povo. Não há dúvida que pobre
tem alma. Não cairia na infantilidade de negar esta declaração, mesmo porque é
acacia-na. Mas, o que a igreja precisa lembrar é que "rico também tem alma” e
nem sempre está ela dizendo isso aos poderosos. E mais importante ainda: A
igreja precisa lembrar que "pobre também tem corpo”. Parece que isso é que tem
sido esquecido. Que pobre tem alma, as centenas de cultos ao ar livre, nas
favelas, dominicalmente, por este Brasil, estão a nos recordar. Mas, e o bem que
não fazemos? E pecado! Que não se aburguese a igreja
de Cristo e que não passe a viver em função de sua estrutura, de seu programa,
de seu prédio, esquecida das pessoas, que são imagem e semelhança de Deus.
Pobre também tem corpo. Pobre também tem necessidades materiais. Isso Tiago
já nos mostrou. E a partir de agora, dirá aos ricos que eles também têm alma, e
que darão contas a Deus de sua vida.
Quanto a nós, evitemos a omissão. "Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não
faz, comete pecado.” Evitemos transformar a nossa fé em ideologia de gueto e
em escapismo histórico.
Advertência aos Ricos
Eia agora, vós ricos, chorai e pranteai, por causa das desgraças que vos
sobrevirão. As vossas riquezas estão apodrecidas, e as vossas vestes estão
roídas pela traça. O vosso ouro e a vossa prata estão enferrujados; e a sua
ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como fogo.
Entesou-rastes para os últimos dias. Eis que o salário que fraudulentamente
retivestes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos clama, e os
clamores dos ceifeiros têm chegado aos ouvidos do Senhor dos exércitos.
Deliciosamente vivestes sobre a terra, e vos deleitastes; cevastes os vossos
corações no dia de matança. Condenastes e matastes o justo; ele não vos
resiste. (5:1-6)
Na mensagem entregue por Tiago aos ricos não há lugar para arrependimento.
Seu texto se parece com algumas das recrimi-nações proféticas do Velho
Testamento quanto ao rigor na denúncia e no juízo. A estrutura de sua mensagem
é facilmente perceptível. Do versículo 1 até o 3, trata ele do
julgamento, declarando-o. Do versículo 4 ao 6, mostra o porquê do julgamento.
Mais uma vez notamos o estilo oriental de raciocínio: primeiro ele fala do
julgamento e depois da situação que produziu o julgamento. Em nosso
raciocínio, primeiro mostraríamos como a situação está e, depois, o julgamento
como conseqüência. Não é assim que estão montadas as apresentações do plano
de sa'vação que fazemos? Primeiro, mostrar ao pecador que ele é pecador e,
depois, mostrar que ele está condenado pelos seus pecados?44 0 esquema de
Tiago é mostrar que os ricos estão condenados e, depois, então, mostrar que
são pecadores.
0 texto é incisivo e pode parecer muito duro, mas talvez nossa surpresa diante de
sua objetividade se deva ao fato de termos nos acostumado a ser o mel e não o
sal da terra. 0 sal arde, mas é assim que preserva. A Palavra de Deus arde, mas é
ela que mantém seu reino. Por isso, sem tentar amenizar a linguagem de Tiago,
dando-lhe um sentido que ele não quis dar, aceitemo-la e submetamo-nos a ela.
Não pensemos que a Bíblia só contém promessas espiritualísticas. Ela trata da
vida real e tem palavras duras. "Muito há na Bíblia contrário à opressão social e
política, e até mesmo o pregador do evangelho não pode deixar tais questões
inteiramente de lado. Foi um opróbrio que, entre as igrejas cristãs primitivas, tão
poucos cristãos se opusessem a tão grande mal como a escravatura. E foi um
opróbrio entre as igrejas evangélicas, ao tempo da Alemanha hitlerista, que tão
sentava.
"Eia agora”, começa Tiago. A expressão foi usada em 4:13, no mesmo contexto
de condenação do amor às riquezas. Designa a solenidade do que vai ser dito. É
como se Tiago dissesse: "Prestem bastante atenção; o que vou dizer agora é
terrivelmente sério.”
0 que é tão sério assim? Virão desgraças sobre os ricos. Eles se sentem tão
tranqüilos! Estão tão confiantes no seu poder! Festejam e riem. Que chorem e se
lamentem pelo juízo que sobre eles virá.
Eis o juízo descrito no versículo 2: "As vossas riquezas estão apodrecidas, e as
vossas vestes estão roídas pela traça.” A alegria que os ricos manifestam é pelas
riquezas que possuem. Pois bem, elas se esvairão. Estruturar a vida sobre coisas
é um grave perigo. Era o que os ricos vinham fazendo. Perderiam os bens. Como
encontrariam, então, o sentido da vida? "As vossas riquezas estão apodrecidas.”
As riquezas daquela época consistiam, em grande parte, de roupas, alimentos e
dinheiro vivo. A riqueza do insensato da parábola narrada por Jesus em
Lucas 12:13-21 consistia de comida. Derrubou os celeiros e mandou construir
outros maiores para guardar os grãos. Ficou com recursos para muitos anos,
como ele mesmo declarou. José deu a seus irmãos roupas festivas, sendo que a
Benjamim deu ainda trezentas moedas de prata (Gên. 45:22). Sansão prometeu
aos adivinhadores do seu enigma que lhes daria trinta mudas de roupa (Juí.
14:12). Paulo disse que de ninguém cobiçou prata, ouro ou vestes (At. 20:33).
Boa parte das riquezas, portanto, era perecível. Guardavam-se roupas. De
repente, as traças as consumiam ou o fogo as devorava. Que lição! As riquezas
humanas são perecíveis! Lutamos e nos esforçamos para ajuntar bens que podem
ser consumidos de um momento para outro. A sociedade contemporânea tem
feito das riquezas o seu deus. Não devemos admirar-nos da existência fútil que
tantas pessoas levam. Afinal de contas, as coisas não têm poder para preencher o
vazio existencial e espiritual do ser humano.
O que significa a linguagem do versículo 3? "O vosso ouro e a vossa prata estão
enferrujados.” Todos sabemos, como Tiago também devia saber, que o ouro e a
prata não são contaminados pela ferrugem. O sentido não é literal, pois se vê que
a ferrugem há de devorar até mesmo as carnes dos ricos. O escritor bíblico
quer enfatizar a perecibilidade dos bens materiais. Foram colocados, pelos seus
possuidores, como o absoluto das vidas, e são perecíveis. A ferrugem, aqui, é um
símbolo da corrosão. A enfermidade que grassa nos cafezais, tornando-se o
terror dos cafeicultores, chama-se "ferrugem”. Aniquila o arbusto, impedindo-o
de frutificar. 0 juízo de Deus sobre os ricos, adverte Tiago, será acabar com suas
riquezas, deixando-os sem nada. Para quem estruturou a vida sobre os bens
materiais, perdê-los é um grande castigo. Os tesouros foram acumulados "para
os últimos dias”. Esta expressão, para os judeus, aludia aos dias do Messias.
Tiago é um cristão não obstante sua origem judaica. Para aqueles cristãos, a
expressão significa "o juízo final” que eles presumiam vir a suceder em seus
anos. Aliás, todas as gerações de cristãos têm acalentado o desejo de ser a
última geração sobre a terra. A declaração do nosso autor bíblico é que as
riquezas foram acumuladas como testemunhas contra os ricos, no juízo final.
A figura utilizada no versículo 4 é a mesma de Cênesis 4:10. Lá, o sangue de
Abel, derramado sobre a terra, clamava a Deus por vingança. O clamor por
vingança faz parte da literatura judaica e é muito encontrado nos salmos
imprecatórios (veja-se o final do Salmo 137, por exemplo). É a expressão do
desejo de que a verdade seja estabelecida. Em Tiago 5:4, quem está clamando é
o salário dos trabalhadores que foi retido de forma fraudulenta. O Novo
Testamento da Comunidade de Taizé traduziu por "está a bradar bem alto”. E um
clamor que inquieta a Deus. Ele vai julgar os ricos porque estes fraudaram os
salários dos trabalhadores. O versículo é iniciado pela expressão: "Eis que”,
designativa de solenidade e de certeza, de algo imediato. É um juízo certo e
rigoroso que o Senhor há de efetuar. Está declarado e não há como evitá-lo.
Ora, as leis trazidas por Moisés tinham profunda conotação social. Assim é que
lemos em Levítico 19:13: "Não oprimirás o
teu próximo, nem o roubarás; a paga do jornaleiro não ficará contigo até pela
manhã.” "Jornaleiro” era o trabalhador que recebia seu pagamento ao fim do dia.
O salário dos homens do campo deveria ser pago diariamente, não podendo ser
retido para o dia seguinte. Os ricos contemporâneos de Tiago retinham o
pagamento. Isto era mesmo que levar os pobres à morte por inanição. 0 Senhor
dos exércitos ouvia o clamor dos injustiçados. Esta é a única vez em que Tiago
chama a Deus de "Senhor dos exércitos" (Iavé Sebaoth, no hebraico). Este era
o nome de Deus relacionado com os poderes celestiais sobre os quais ele
domina. 0 Senhor tão poderoso que controla as hostes celestiais não será detido
por donos de fazenda. Ele é o dono do universo.
Sempre me pareceu que a causa do juízo divino sobre Israel e Judá, no Velho
Testamento, foi a irreligiosidade, a idolatria e a falta de um procedimento
eclesiástico correto. Talvez pela ótica bíblica em que fui criado ou talvez pela
falta de um exame mais acurado. Mas, certa ocasião, ao estudar mais uma vez o
livro de Isaías, surpreendi-me ao constatar que as mais enfáticas reclamações de
Deus contra seu povo não foram motivadas por pecados que podemos chamar de
"religiosos”, como liturgia errada, idolatria, falta de fervor ou falta de contrição.
As maiores reclamações divinas foram ocasionadas por pecados que podemos
chamar de "sociais”, como opressão aos pobres, injustiça para com os órfãos e
viúvas, exploração econômica, corrupção, etc. Entre muitos outros textos que
poderiam ser citados, fiquemos com Isaías 1:17, 23; 3:15; 5:23; 10:1, 2. Há, sim,
pecados "religiosos”, mas o volume de maldições pelos pecados "sociais” é
impressionante. E isso intriga! A Bíblia manifesta uma ardente paixão social!
Essa atitude desfigurou o evangelho, que por ser uma chamada à conversão é
exatamente um desafio para efetuarmos mudanças. Mas, na realidade, não nos
importamos muito com mudanças. Desde que não nos molestem e não nos tirem
nossos privilégios, tudo está bem. Oramos agradecendo a Deus a liberdade
religiosa que desfrutamos, e pouco nos incomodamos ao saber que 60% da
população brasileira vivem em estado de fome e de miséria absoluta,46 sem
liberdade para viver com dignidade.
"Ele não vos resiste.” Os pobres não conseguiam oferecer resistência ao poderio
econômico dos ricos. Conforme 2:6, eram
Portanto, irmãos, sede paciente até a vinda do Senhor. Eis que o lavrador
espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba as
primeiras e as últimas chuvas. Sede vós também pacientes: fortalecei os vossos
corações, porque a vinda do Senhor está próxima. Não vos queixeis, irmãos, uns
dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está à porta. Irmãos,
tomai como exemplo de sofrimento e de paciência os profetas que falaram em
nome do Senhor. Eis que chamamos bem-aventurados os que suportaram
aflições. Ouvistes da paciência de Jó, e vistes o fim que o Senhor lhe
deu, porque o Senhor é cheio de misericórdia e compaixão. Mas, sobretudo,
meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem façais qualquer
outro juramento; seja, porém, o vosso sim, sim, e o vosso não, não, para não
caírdes em condenação. (5:7-12)
Agora o tom de Tiago é mais paternal, falando ele como pastor que exorta e não
mais como profeta que traz sentenças de condenação. A seção que se iniciou em
4:13 tinha destinatários genéricos: "vós que dizeis”. A que se iniciou em 5:1
tinha destinatários específicos: "vós ricos”. A que se inicia agora também tem
destinatários específicos, mas numa linguagem mais coloquial: "irmãos”. E
novamente o pastor falando.
Se antes falou aos ricos e aos poderosos, agora Tiago faz questão de designar seu
auditório de "irmãos” (v. 7). Assim ele começou a carta (1:2), assim começou o
capítulo 2 e também o capítulo 3. Cada vez que assim procedeu, estava iniciando
a discussão de um novo assunto. 0 termo reaparece em 4:11, mas não introduz
um novo assunto, e sim um trecho parentético (4:11,12).
Novo assunto surge, então, para os irmãos. A epístola vai chegando ao fim e ele
se preocupa em firmar bem os crentes. "Sede pacientes”, diz ele. 0 termo grego é
makrothymésate, eé um termo especificamente bíblico, não encontrado no
grego clássico. F uma palavra que desina uma virtude que não
era particularmente apreciada pelos gregos: a paciência, a longa-nimidade.
Makrós, "grande, longo”, e thymía, "disposição”, se uniram para formar a
palavra makrothymía, "grande disposição”, de onde deriva o verbo usado por
Tiago. Expressa uma disposição inabalável, um espírito constante que nunca se
abate. 0 exemplo que nos é dado é o do lavrador. Ele aguarda o fruto de seu
trabalho com makrothymía. Seu trabalho é agora da paciência e fé. Já fez o que
dele se esperava ao plantar a semente. Resta-lhe aguardar. Não pode apressar o
crescimento nem precipitar a colheita. Agora não depende dele. Eis uma lição
que não podemos desprezar. 0 progresso do reino de Deus (várias vezes
comparado com o ato de semeadura ou com sementes, por Jesus) não dependa de
nós, no sentido de que não
podemos apressar Deus. Por vezes, nosso zelo e interesse pela obra de Deus
produzem situações curiosas. Recordo-me de um congresso missionário
subordinado ao tema Apressando o Reino de Deus. Por mais que tenhamos ardor
missionário, guardemo-nos de pensar que podemos ditar as horas de Deus.
Nossa tarefa é a semeadura, mas aquele dia e hora pertencem ao Pai e a ninguém
mais.
”0 lavrador espera o precioso fruto da terra.” Esta lição deve levar o crente em
Jesus Cristo a trabalhar com seriedade. Os frutos virão. Isto é certo. Evitemos o
desânimo e a tentação de querer produzir resultados. Esta prerrogativa é de Deus
e de mais ninguém. Não queiramos assumi-la.
"Antes que receba as primeiras e as últimas chuvas.” As primeiras chuvas
serviam para dar umidade à terra estorricada pelo período de estiagem,
favorecendo assim o plantio. Há algo parecido com esta figura na bela Brasília.
E o fenômeno que se chama "chuva do caju”. A região do Distrito Federal passa
por um período de estiagem a partir dos meados de abril. Os meses de maio,
junho e julho transcorrem sob absoluta ausência de chuvas e com a umidade do
ar baixando a menos de 20 por cento. Os belos gramados da cidade fenecem e as
árvores se desfolham. A vida vegetal se retrai. Pouco antes do início
da primavera cai uma chuva torrencial que o candango (termo aqui usado
carinhosamente) denomina de "chuva do caju”. Segundo os lavradores, é ela que
vai proporcionar o florescimento dos cajueiros. Dizem eles que se ela não vier,
não haverá caju.
"Sede vós também pacientes,” Tiago retorna ao versículo 8. Antes, deveriam ser
pacientes "até a vinda do Senhor”. Aqui, "a vinda do Senhor está próxima”.
"Vinda” é parousía, um dos termos teológicos mais preciosos no Novo
Testamento. Um dos seus significados, talvez o primeiro, era o da visita de
um monarca a uma cidade sob seus domínios. Mais tarde passou a designar a
chegada ou a visita de alguém. Paulo, Pedro e João utilizam o termo para
apresentar a aparição do Senhor ressuscitado que virá em glória. O motivo da
perseverança do cristão é que o Senhor Jesus virá em glória e com poder.
"A vinda do Senhor está próxima.” Logo no versículo seguinte diz Tiago que "o
juiz está à porta”. É preciso reconhecer cotn honestidade e sem fazer
malabarismos mentais que os escritores do Novo Testamento esperavam a vinda
de Cristo como,algo próximo. A parousía, para eles, era iminente. 0 fato de/não
se ter concretizado naqueles dias não deve levar-nos L descrer da Escritura,
tampouco presumir que o Senhor n£o vem mais. Ele vem. A Bíblia diz que ele
vem. Alguns presumem que "o juiz está à porta” é uma referência não a Cristo,
mas sim à destruição de Jerusalém, que sucedeu no ano 70 AD/e traria o juízo
divino. E bom recordar que Tiago escreve para a igreja dispersa pelo mundo e
não para cristãos residentes em Jerusalém. Não creio que seja necessário
"ajudarmos” a Bíblia. Parece-me que a questão fundamental da vinda de
Jesus Cristo, mais do que o tempo, é a sua presença física no mundo mais uma
vez, agora para encerrar a história. Nele, Deus se fez homem e entrou no tempo e
no espaço. O tempo terá seu fim quando ele regressar. Nossa história terá o
capítulo final.
ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, senão só o Pai.” Sendo estas
palavras do próprio Salvador, cumpre-nos observá-las e recordar outras: "Bem-
aventurado aquele servo a quem o senhor, quando vier, achar assim fazendo”
(Mat. 24:46). De nós não se espera adivinhação e sim fidelidade.
que "o bom sermão é aquele que consola os aflitos e incomoda os acomodados”.
Se a igreja não incomoda o mundo, há algo errado com ela. Os profetas
incomodaram! Jesus incomodou! A oposição e até mesmo o sofrimento fazem
parte do inventário cristão. "Se fósseis do mundo, o mundo amaria o que era
seu; mas, porque não sois do mundo, antes eu vos escolhi do mundo, por isso é
que o mundo vos odeia” (João 15:19). Isto não quer dizer que os cristãos devem
ser beligerantes, sempre reclamosos e criadores de casos. Quer sim dizer que
devem ser fiéis em qualquer circunstância. A fidelidade produzirá a inimizade
do mundo. E não podemos recuar diante das dificuldades. E nessas ocasiões que
a verdadeira fé se manifesta.
Tiago não ressalta apenas o sofrimento do patriarca. "Vistes o fim que o Senhor
lhe deu” é uma alusão ao estado final de Jó. Em Jó 42:12 lemos: "E assim
abençoou o Senhor o último estado de Jó, mais do que o primeiro.” Deus
recompensa aquele que permanece fiel nas tribulações. Vale a pena perseverar.
Não ficamos abandonados e somos recompensados. A causa disso é porque "o
Senhor é cheio de misericórdia e compaixão”. A frase
é um eco do Salmo 103:8. É por causa dele mesmo, do seu caráter, que ele nos
socorre.
O tópico é encerrado com o versículo 12. Assim como o cristão deve ter um falar
seguro, onde não haja lugar para murmura-ções, não deve ele empenhar
desnecessariamente a palavra. O juramento é proibido. Por que essa preocupação
de Jesus e de Tiago com os juramentos? Era comum, naquela época, uma pessoa
tomar as coisas santas como avalistas de suas palavras, jurando por elas. Por fim,
não importa que mentira alguém dissesse, se estivesse jurando por algo ou
alguém, sua palavra deveria ser acolhida. Um cristão não murmura, Tiago
deixou claro antes. Agora, ressalta outro aspecto. Um cristão não mente. Fala a
verdade, e por isso não precisa tomar avalistas para o que diz. O que melhor
avaliza seu falar é o reconhecimento público de sua lisura com as palavras. É
nítida a semelhança do pensamento de Tiago com Mateus 5:34-37. A ética de
Tiago mostra muita semelhança com a do Sermão do Monte. Tanto Tiago como
seu meio-irmão, nosso Salvador, esperam que nossa conversa seja o melhor
fiador de nossas palavras.
Está alguém aflito entre vós? Ore. Está alguém contente? Cante louvores. Está
doente algum de vós? Chame os anciãos da igreja, e estes orem sobre ele,
ungindo-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o
Senhor o levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão
perdoados. Confessai, portanto, os vossos pecados uns aos outros, para serdes
curados. A súplica de um justo pode muito na sua atuação. Elias era um homem
sujeito às mesmas paixões que nós, e orou com fervor para que não chovesse, e
por três anos e seis meses não choveu sobre a terra. E orou outra vez e o céu
deu chuva, e a terra produziu o seu fruto. (5:13-18)
''Contente? Cante louvores”. Não pensemos que se trata de fazer um solo vocal,
mas sim de expressar o nosso agradecimento ao Senhor através de cânticos, a
gratidão cantada. Os momentos de alegria são ocasiões para orarmos e
louvarmos ao Senhor. Há aqueles que só se recordam de Deus nas aflições. Não
devemos estranhar se o Senhor lhes permitir grandes tribulações. E a única
maneira de ser lembrado por eles! Aprendamos a louvar e a orar quando tudo
nos vai bem.
eram assim chamados. Como a igreja cristã nascente herdou muito de sua
estrutura das sinagogas, não é de se estranhar que o termo "presbítero” ou
"ancião” viesse a ser designativo de liderança na igreja.
"Estes orem sobre ele, ungindo-o com óleo em nome do Senhor.” As igrejas
primitivas possuíam vários pastores (ou uma junta de pastores, como dizem
alguns), assemelhando-se ao "ministério colegiado” em prática em algumas
igrejas hoje em dia. Os pastores eram homens dados ao ministério da
oração. "Mas nós perseveraremos na oração e no ministério da palavra” (At.
6:4). O que significa, porem, a unção com óleo?
imoral, por ser o comércio de algo que o próprio anunciante chama de "santo”,
não encontra respaldo no texto em análise. O óleo não é santo. 0 Novo
Testamento não faz qualquer menção a "óleo santo”. Segundo Tiago, não é no
óleo que reside o poder. E na oração: "E a oração da fé salvará o doente”.
Qual é, então, a razão do óleo? Vê-lo como símbolo do Espírito é agredir o estilo
de Tiago, que é direto, simples e sem simbolismo. E ver no óleo uma "unção
espiritual” é incidir no mesmo equívoco, além de tornar truncado o sentido do
texto.
Tiago usa dois elementos que bem conhecemos para combater as enfermidades:
o remédio (óleo) e a oração. "A oração da fé salvará o doente.” Sem exagerar e
sem torcer o texto para manter uma posição conservadora, é isto o que ele nos
diz. Não há qualquer idéia de um óleo com virtudes espirituais.
Deus tem poder para sanar qualquer problema de saúde e é poderoso para
arrancar enfermos das garras da morte. Muitos servos de Deus foram agraciados
com esta bênção em sua vida. Mas, ao mesmo tempo, reconheçamos que Deus
não está obrigado aos planos humanos e que, conseqüentemente, a oração não é
uma ordem de serviço que lhe transmitimos.
Estas são possibilidades de interpretação que contam, todas elas, com defensores
bem providos de argumentação. No entanto, o ponto fundamental não é discutir
qual a posição certa e quais as erradas. Na realidade, são mencionadas aqui
de passagem e de forma superficial. 0 mais importante é que os crentes devem
orar uns pelos outros, praticando a intercessão. Enfermidades, problemas, lutas e
fraquezas dos membros de uma comunidade devem ser motivo para oração
intercessória.
Não devemos pensar que se trata de confessar todos os nossos pecados a todos
os nossos irmãos. Tal atitude pode trazer mais transtornos que benefícios. Muitos
crentes há sem estrutura, quer espiritual quer emocional, para ouvir os pecados
alheios. Devemos confessar os nossos pecados às pessoas com as quais
sem passá-los para a frente. Esses irmãos podn .in ir......11 p.dn
é de utilidade ímpar.
pedindo perdão pelos pecados do irmão. É de senlido brm i Iam e não carece de
muitas explicações. Ela liga o versículo |f< an exemplo dado nos versículos 17 e
18: "Elias era um limucm sujeito às mesmas paixões que nós.” 0 prolela liahilu
■n,i Ti mostrado como um homem justo, cuja oração leve ela At ia "orou com
fervor para que não chovesse... E orou oulra vr/ e u céu deu chuva...” Mas, ao
mesmo tempo que mniidrsiou autoridade espiritual em sua oração, Elias era
sujeilo a . ui ame. paixões que nós. 0 seu desânimo diante da ameaça de Je/nhel
e uma situação que muitos crentes já experimentaram. (.>u.11 de nós nunca se
sentiu desanimado diante das ameaças ou dus problemas? Se Elias era justo, não
era, no entanto, um supei homem espiritual. Era um homem como nós. E
conlorladm que Tiago nos recorde isso. Olhamos para os grandes vultos
da Bíblia e estabelecemos entre nós e eles uma distância tão guinde que
pensamos que nunca poderemos ser úteis como eles lorimi. Mas, eram criaturas
como nós. Abraão mentiu, Jaeó foi desleal e mentiroso, Davi cobiçou, planejou a
morte de Urias e adulterou, Pedro negou a Jesus Cristo e ele e Paulo tiveram um
momento de discussão. Há falhas dos homens e mulheres de Deus, que a Bíblia,
na sua cristalina honestidade, não oculta. Exigimos que nossos líderes sejam
infalíveis e impecáveis, mostrumo-nos implacáveis com os que erram e somos
intolerantes com os que manifestam suas falhas. Não se dá o caso de sermos
mais exigentes que o próprio Deus?
Eli as desistiu de tudo e chegou a pedir a morte. Mas Deus o levou do desânimo
à vitória. Isso também pode ele fazer conosco. Ele pode arrancar-nos da caverna
da depressão e conduzir-nos ao triunfo. Fracassos e falhas não significam o fim.
Os exemplos dados pela Palavra de Deus são de pessoas que falharam. 0 poder
de Deus se aperfeiçoa nas fraquezas humanas. Graças ao Senhor por isso!
As palavras finais de Tiago são uma exortação para desviar do erro os que se
distanciaram dos caminhos do Senhor.
"Se alguém dentre vós” pode muito bem significar que o possível desviado é
membro da comunidade cristã. O assunto agora é, então, o cristão cujos pés
resvalam para fora da verdade. Como a igreja deve proceder com um de seus
membros que esteja amando o erro ou sendo por ele iludido?
Não se pense que com isto se pretende anular a disciplina na igreja. Ela é bíblica.
Mas, qual é a razão da disciplina? Vingança? Meramente punição? Ou é para
recuperação, mostrando ao disciplinado seu erro e como deve ele fazer para
sua restauração? Por que disciplinamos? Para manter a pureza da instituição, por
vezes em padrões tão-somente humanos, ou para auxiliar as pessoas? Qual deve
ser o nosso procedimento com os errados?
termo, portanto, não se refere a um perdido sem Cristo, mas a alguém que peca e
que está, no momento, em situação pecaminosa mais acentuada. É usado aqui
para designar o espírito e o estado do crente desviado.
A idéia que o texto nos dá, portanto, é recuperar alguém da comunidade que se
desviou. E embora o Comentário Broadman diga que Tiago não exorta o crente a
ajudar o desviado (?), é exatamente isto que o texto presume: converter um
crente do erro em que está só pode ser visto como um ato de auxílio e só por este
ato pode se concretizar.
"Ã guisa de epílogo” não é a conclusão desta obra, mas a da Epístola de Tiago.
Como dito, o autor bíblico termina seu livro abruptamente, sem bênçãos, sem
saudações pessoais ou despedidas. Sua última palavra, sobre demover um irmão
do erro, é uma espécie de conclusão. Mas, se ali parássemos, nosso término seria
tão abrupto como o da epístola. Alguma coisa mais deve ser dita. Um desafio
para se levar Tiago a sério, aceitando suas proposições. E seu desafio é este:
Nossa vida deve ser controlada pela Palavra de Deus. Temos impulsos
perigosos, temos uma compreensão da vida que nem sempre é correta
e mantemos aspirações nem sempre as mais sadias. 0 pecado permeia todos os
nossos impulsos, tolda a nossa visão e inspira desejos inadequados. A vida cristã
deve ser uma luta séria para termos uma vida controlada por Deus. Por isso, o
desafio de Tiago é reievante para a igreja de Jesus Cristo hoje. Devemos manter
o pecado sob domínio, para uma cosmovisão saudável.
"A Palavra de Deus afirma que não somos capazes de manter o pecado sob
controle. Se voluntariamente lhe cedemos espaço, ele exigirá sempre mais, até
afinal nos dominar por inteiro.”50
Por isso, um dos mais graves equívocos entre os evangélicos de hoje é supor que
o evangelho é apenas uma religião. Ao não se deter nas realidades do além e
centrar seus ensinos na vida aqui, Tiago nos chama a refletir sobre o fato de que
o evangelho é uma cosmovisão, uma concepção do universo. É ver a vida e
o mundo do ponto de vista de Deus. E o que os alemães chamam de
weltanschauung.
alcançar a felicidade, para se ter paz mental <■ segurança rum cional. Uma
espécie de "meditação transcendental cristã”
A preocupação de Tiago é que busquemos uma vida rela aos olhos de Deus. E
esta a necessidade maior do cristão. "O mlanlil clamor por felicidade pode vir a
ser uma verdadeira armadilha. Uma pessoa pode enganar-se facilmente
cultivando corta alegria religiosa, sem uma vida reta correspondente. Ninguém
deve desejar ser feliz, se não desejar ao mesmo tempo ser santo. Deve gastar
seus esforços procurando conhecer e fazer a vontade de Deus, deixando com
Cristo a questão de quanto feliz será.”51 A Bíblia deve ser normativa e corretiva
e não um baú de roupas velhas que reviramos e de onde tiramos o que nos
interessa, descartando-nos do que está fora de moda, segundo nosso conceito.
4. Allen, Clifton J., Ed. ger., The Broadman Bible Commen-tary, Broadman
Press, 1972, vol. 12, p. 104.
5. Josefo, Flávio, História dos Hebreus, Editora das Américas, sem data, vol.
6, p. 71.
7. Shedd, Russel, O Novo Dicionário da Bíblia, Edições Vida Nova, 1966, vol.
I, p. 431.
11. Cartão colocado sob o vidro de uma mesa no antigo escritório da Casa
Publicadora Batista, na antiga sede da Rua Paulo Fernandes, no Rio de Janeiro.
12. Trueblood, Elton,^ Vida Que Prezamos, Editora Ipanema, sem data, p. 9.
13. Quoist, Michel, Poemas Para Rezar, Livraria Duas Cidades. 1980, p.31.
18. Ridenour, Fritz, Como Ser Cristão sem Ser Religioso, Mundo Cristão,
1976, p. 108.
25. Maury, Philippe, Evangelização e Política, Editora Loqui, sem data, p. 35.
29. Barclay, William, Palabras Griegas dei Nuevo Testamento, Casa Bautista
de Publicaciones, 1977, p. 73.
32. Rea, Lawrence, Apostila de Aula Sobre Tiago, na FTBB, sem data.
37. Johnstone, The Epistle of James, The Banner of Truth Trust, 1977, p. 305.
p. 220
50. Lutzer, Erwin, Aprenda a Viver Bem com Deus e com Seus Impulsos
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C. Javier. El Paso, Texas, Casa Bautista de Publicaciones, 1977. 218p.
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BÍBLIA, NT Grego. The Greek New Testament. Edited by Kurt Aland Matthew
Black et alii, London, United Bible Socie-ties, 1966. xlvii + lv + 920p.
FAFASULI, Tito et alii. Nuevo Comentário Bíblico. 5- ed., El Paso, Texas, Casa
Bautista de Publicaciones, 1985. 972p.
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Commentary. Funk e Wagnalls Com-pany, New York, 1950. 21v.
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SHEDD, Russel. O Novo Dicionário da Bíblia. São Paulo, Editora Vida Nova,
s.d., 3v.
THAYER, Joseph Henry. Greek-English Lexicon of The New Testament. 10“ ed.,
Grand Rapids, Michigan, Zondervan, 1970. xix + 726p.
Parece que em nossos dias estamos nos preocupando com assuntos de pouca
relevância para a igreja... Enquanto isso, aspectos
extremamente necessários estão sendo esquecidos na nossa vivência cristã...
Do Prefácio do Autor