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DEMOCRÁTICO
I. Introdução. II. Direitos fundamentais, políticas públicas e controle. III. Examinando algumas
críticas ao controle jurídico e jurisdicional das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais. III.1. Examinando a crítica da teoria da constituição. III.2. Examinando a crítica
filosófica. III.3. Examinando a crítica operacional. IV. Objetos e modalidades de controle. IV.1.
Controle da fixação de metas e prioridades e do resultado final esperado das políticas públicas;
IV.2. Controle da quantidade de recursos a ser investida; IV.3. Controle do atingimento ou não
das metas fixadas pelo Poder Público; IV.4. Controle da eficiência mínima na aplicação dos
recursos públicos; IV.5 Objetos controláveis e as críticas examinadas; IV.6. Modalidades de
controle: individual, coletivo e abstrato; V. Conclusões.
I. INTRODUÇÃO
1
Este pequeno estudo tem dois objetivos principais. Em primeiro
lugar, examinar algumas críticas formuladas à possibilidade de controle jurídico das
políticas públicas. E, em segundo, discutir a viabilidade de alguns mecanismos de
controle jurídico das políticas públicas direcionadas à promoção dos direitos
fundamentais que, em vez de esvaziarem ou substituirem o controle político-social na
matéria, sejam capazes de fomentá-lo1. Dois esclarecimentos iniciais parecem
importantes.
1
O estudo não tem a pretensão de ser completo ou exaustivo seja no que diz respeito aos
mecanismos de controle possíveis – certamente há outros além dos identificados no texto –, seja
no exame dos mecanismos de controle efetivamente abordados.
2
Maria Paula Dallari Bucci, As políticas públicas e o direito administrativo, Revista Trimestral de
Direito Público 13:135/6, 1996.
2
é: as ações concretas, materiais, desenvolvidas ou levadas a cabo pelo próprio Poder
Público. Feita a nota terminológica e conceitual, cabe fazer uma segunda observação,
que, de certa forma, justifica o corte metodológico que se acaba de propor. As
diferenças entre o Estado Z referido acima e o Brasil ficarão mais evidentes.
3
Fonte: http://www.ibpt.com.br/estudos/estudos.lst.php (acesso em 28.05.2006).
4
V., por todos, Alberto Xavier, Legalidade e tributação, Revista de Direito Público 47-48:329; Luís
Roberto Barroso, Apontamentos sobre o princípio da legalidade (delegação legislativas, poder
regulamentar e repartição constitucional das competências legislativas). In: Temas de Direito
Constitucional, Tomo I, 2001, p. 165 e ss.; e Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito
administrativo – Direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, 2006.
5
V., também por todos, Carlos Ari Sundfeld (Coord.), Direito administrativo econômico, 2000,
3
descreveu aqui como políticas públicas. O interesse não é substancialmente maior
mesmo diante de políticas públicas vinculadas à realização ou à promoção dos direitos
fundamentais7. E é possível afirmar, sem medo da leviandade, que essa relativa
indiferença jurídica não decorre da ampla satisfação com a atuação estatal nesse
particular.
4
Fazenda Pública do Rio de Janeiro, ilustra o quadro. Atendendo pedido do Ministério
Público, e diante da precariedade de hospital público municipal, determinou-se que as
pessoas que não pudessem ser atendidas pelo hospital deveriam ser encaminhadas a
instituições privadas de saúde, devidamente cadastradas, para que ali lhes fosse
fornecido o atendimento médico-hospitalar. A decisão condenou ainda o Município a
pagar às instituições privadas pela prestação de tais serviços à população10. O IBGE
estima que 40% da população brasileira encontra-se em situação de “insegurança
alimentar”, o que significa que não têm garantia de acesso à comida em quantidade,
qualidade e regularidade suficiente11.
10
Processo nº 2004.001.035455-0, 10ª Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital do Rio de
Janeiro, Juiz Ricardo Couto de Castro, DJ 15.03.05.
11
Fonte: www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=600&id_pagina=1
(acesso em 17.06.2006).
12
Em interessante decisão, o desembargador Francisco Wildo do TRF/5ª Região, concedeu
liminar, a pedido do Ministério Público Federal na Paraíba, e determinou que o governo do Estado
deveria empregar 17,6 % da verba destinada à publicidade para a regularização do fornecimento
de medicamentos gratuitos e indispensáveis ao tratamento de pacientes portadores de mal de
Parkinson (Processo n. 2004.82.00003315-0, em curso na 3ª Vara da Justiça Federal na Paraíba,
e agravo de instrumento nº 67336-PB). A decisão foi reconsiderada pelo próprio Desembargador a
pedido do Estado pouco depois.
5
segue.
13
Essa afirmação tem dois fundamentos interligados mas distintos. Há aqui um fundamento
filosófico, que dá conta da centralidade axiológica do homem e de sua dignidade, e um
fundamento jurídico. Este, refletindo a centralidade filosófica do homem, organiza o sistema
jurídico em torno e em função dos direitos fundamentais e prevê ainda mecanismos que reforçam
esse status diferenciado, de que são exemplos a técnica das cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4º,
IV) e a existência de remédio específico de proteção daquilo que a Carta de 1988 chama de
“preceitos fundamentais” (CF, art. 102, § 1º), categoria na qual se encontram, por certo, os direitos
fundamentais.
14
Celso Antônio Bandeira de Mello, Controle judicial dos atos administrativos, Revista de Direito
Público 65:31, 1983: “Os poderes que a Administração desfruta justificam-se única e
exclusivamente como meios necessários ao cumprimento de certas finalidades legalmente
estabelecidas. Portanto, são deveres-poderes, antes que poderes-deveres. A idéia de dever é
que é predominante, enquanto a idéia de poder vem marcada por um destino ancilar, já que os
poderes são conferidos como simples instrumentos necessários ao cumprimento dos deveres”.
Também os agentes privados estão submetidos à Constituição, mas esse tema não será objeto de
exame neste estudo.
6
agentes políticos, sobretudo no que diz respeito à promoção dos direitos fundamentais.
15
Sobre os deveres de proteção v., por todos, Daniel Sarmento, Direitos fundamentais e relações
privadas, 2004, p. 160 e ss..
16
Essas quatro ações – respeitar, garantir, proteger e promover –, embora possam assumir
significados diversos em função do direito examinado, são freqüentemente utilizadas sobretudo
por tratados internacionais de direitos humanos.
17
V., sobre o assunto, Cass R. Sunstein, The cost of rights, 1999; e Flávio Galdino, Introdução à
teoria dos custos dos direitos. Direitos não nascem em árvores, 2005.
7
magistrado, por seu turno, cabe aplicar a Constituição, direta ou indiretamente, já que a
incidência de qualquer norma jurídica será precedida do exame de sua própria
constitucionalidade e deve se dar da maneira que melhor realize os fins constitucionais.
Ocorre que as decisões judiciais produzem, como regra, efeitos apenas pontuais, entre
as partes18, e a legislação depende de atos de execução para tornar-se realidade.
18
As exceções a essa regra, ainda que em intensidades diversas, se verificam no âmbito da ação
civil pública e do controle abstrato de constitucionalidade.
19
V. Miguel Seabra Fagundes, O Controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário
(atualizada por Gustavo Binenbojm), 2006, p. 3: “A função legislativa liga-se aos fenômenos de
formação do Direito, ao passo que as outras duas se prendem à fase de sua realização. Legislar
(editar o direito positivo), administrar (aplicar a lei de ofício) e julgar (aplicar a lei
contenciosamente) são três fases da atividade estatal, que se completam e que a esgotam em
extensão”.
20
Retome-se a nota terminológica inicial. Além de ações diretas levadas a cabo pelo Poder
Público, a garantia e a promoção dos direitos fundamentais freqüentemente demandarão também
a edição de normas, a regulação e o fomento.
21
Victor Abramovich y Christian Courtis, Apuntes sobre la Exigibilidad Judicial de los Derechos
Sociales. Ingo Wolfgang Sarlet (Org.), Direitos fundamentais sociais: estudos de direito
constitucional, internacional e comparado, 2003, p. 142 e ss..
22
Como registrado incidentalmente no texto, a proteção de quaisquer direitos fundamentais que
tenham sido violados depende também de políticas públicas, que envolvem a existência e a
estruturação de órgãos e entidades como Poder Judiciário, Defensoria Pública, Polícia, etc.. Esse
aspecto da questão não será examinado neste estudo.
8
existência dos órgãos estatais – do Executivo, do Legislativo e do Judiciário – envolve
dispêndio permanente de recursos públicos, ao menos com a manutenção das
instalações físicas e a remuneração dos titulares dos poderes e dos servidores
públicos23, afora outros custos. As políticas públicas, igualmente, envolvem gastos. E
como não há recursos ilimitados, será preciso priorizar e escolher em que o dinheiro
público disponível será investido. Além da definição genérica de em que gastar, é
preciso ainda decidir como gastar, tendo em conta os objetivos específicos que se
deseje alcançar. Essas escolhas, portanto, recebem a influência direta das opções
constitucionais acerca dos fins que devem ser perseguidos em caráter prioritário. Dito
de outra forma, as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um tema
integralmente reservado à deliberação política; ao contrário, o ponto recebe importante
incidência de normas jurídicas de estatura constitucional.
23
Flávio Galdino, O custo dos direitos. In: Ricardo Lobo Torres (org.). Legitimação dos direitos
humanos, 2002, p. 139-222.
9
normatividade de boa parte dos comandos constitucionais relacionados com os direitos
fundamentais, cuja garantia e promoção dependem, em larga escala, das políticas
públicas.
24
Há hipóteses em que a Constituição define as políticas públicas a implementar, como é o caso,
e.g., da educação pública fundamental e média. Ainda assim, algumas questões permanecem em
aberto para as instâncias políticas (como o em que gastar exatamente e como fazê-lo). A
discussão sobre o controle continua pertinente aqui.
25
V. Peter Häberle, Hermenêutica constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da
Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição, 1997.
26
Lembre-se que o presente estudo ocupa-se apenas das políticas públicas relacionadas com a
garantia e a promoção dos direitos fundamentais, de modo que a descrição das críticas e o exame
que se fará delas na seqüência levam em conta esse pressuposto.
10
críticas que podem ser descritas como operacionais.
27
Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – O princípio da
dignidade da pessoa humana, 2002, p. 103 e ss..
11
deliberação democrática, e não do magistrado. A própria Constituição o reconhece ao
dispor sobre as competências do Executivo e do Legislativo no que diz respeito à
elaboração do orçamento, a sua execução e controle. Assim, é certo, a invasão dessa
seara pelo Direito poderia produzir um desequilíbrio equivocado, que sufocaria o
funcionamento regular e o desenvolvimento da democracia. Nada obstante, há três
outras assertivas, que também são certas, e que devem ser consideradas nesse mesmo
contexto.
28
RAWLS, John. Uma teoria da justiça, 1993, p. 221. V. também pp. 81 e 222. Mais
especificamente, vale conferir os seguintes trechos de seu Liberalismo político, 1992, pp. 32 e 33:
“En especial, el primer principio, que abarca los derechos y libertades iguales para todos, bien
puede ir precedido de un principio que anteceda a su formulación, el cual exija que las
necesidades básicas de los ciudadanos sean satisfechas, cuando menos en la medida en que su
satisfacción es necesaria para que los ciudadanos entiendan y puedan ejercer fructíferamente
esos derechos y esas libertades. Ciertamente, tal principio precedente debe adoptarse al aplicar el
primer principio.”.
29
AARNIO, Aulis. Reason and Authority, 1997, p. 217 e ss.; e ALEXY, Robert. Derechos,
razonamiento jurídico y discurso racional, Revista Isonomia 1:48 e 49, 1994.
30
HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia entre facticidade e validade, vol. I, 2003, p. 154 e ss.;
MAIA, Antônio Cavalcanti. Direitos humanos e a teoria do discurso do direito e da democracia”. In:
TORRES, Ricardo Lobo e MELLO, Celso Albuquerque (organizadores). Arquivos de direitos
humanos, vol. II, 2000, p. 58 e ss.; NASCIMENTO, Rogério Soares do. “A Ética do discurso como
justificação dos direitos fundamentais na obra de Jürgen Habermas”. In: TORRES, Ricardo Lobo
(organizador), Legitimação dos direitos humanos, pp. 451 a 498, 2002; BINENBOJM, Gustavo. A
nova jurisdição constitucional brasileira, 2001, p. 47 e ss.; e SOUZA NETO, Cláudio Pereira de.
“Fundamentação e normatividade dos direitos fundamentais: uma reconstrução teórica à luz do
princípio democrático”. In: TORRES, Ricardo Lobo e MELLO, Celso de Albuquerque
(organizadores). Arquivos de direitos humanos, vol. IV, 2002.
12
não dispõem de condições básicas de existência digna 31.
31
Sobre o tema das relações entre democracia e direitos fundamentais, v. Landelino Lavilla.
“Constitucionalidad y legalidad. Jurisdiccion constitucional y poder legislativo”. In: Division de
poderes e interpretacion – Hacia una teoria de la praxia constitucional, PINA, Antonio Lopes
(organizador), 1997, pp. 58 a 72; QUADRA, Tomás de la; PERGOLA, Antonio La; GIL, Antonio
Hernández; RODRÍGUEZ-ZAPATA, Jorge Gustavo; ZAGREBELSKY; Francisco P. Bonifacio,
Erhardo Denninger e Conrado Hesse, Metodos y criterios de interpretacion de la constitucion. In:
Antonio Lopes Pina (organizador). Division de poderes e interpretacion – Hacia una teoria de la
praxia constitucional, 1997, p. 134; e Francisco Fernández Segado, La teoría jurídica de los
derechos fundamentales en la Constitución Española de 1978 y en su interpretación por el
Tribunal Constitucional, Revista de Informação Legislativa 121:77, 1994,: “(...) los derechos son,
simultáneamente, la conditio sine qua non del Estado constitucional democrático.”
32
Fonte: www.mds.gov.br/ascom/bolsafamilia/bf_poruf_part.pdf (acesso 2005.2006).
13
Na ausência de controle social, a gestão das políticas públicas no
ambiente das deliberações majoritárias tende a ser marcada pela corrupção, pela
ineficiência e pelo clientelismo34, este último em suas variadas manifestações: seja nas
relações entre Executivo e parlamentares – freqüentemente norteada pela troca de
favores35 –, seja nas relações entre os agentes públicos e a população. Nesse contexto,
manipulado em suas necessidades básicas36, o povo acaba por perder a autonomia
crítica em face de seus representantes. É fácil perceber que corrupção, ineficiência e
clientelismo minam a capacidade das políticas públicas de atingirem sua finalidade:
garantir e promover os direitos fundamentais. Os recursos públicos são gastos, mas o
status geral dos direitos fundamentais na sociedade sofre pouca melhora – ou apenas
melhoras transitórias – e, a fortiori¸ as condições da população de participar
adequadamente do processo democrático permanecem inalteradas. O ciclo então se
renova: sem controle social, persistem a corrupção, a ineficiência e o clientelismo.
Mais recursos públicos são desperdiçados e muito pouco se produz em favor da
promoção dos direitos fundamentais. Esse, portanto, é o primeiro registro importante a
ser feito sobre o tema aqui em discussão.
33
Fonte: www.mds.gov.br/ascom/bolsafamilia/bf_atendimento_uf.pdf (acesso 20.05.2006).
34
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, 2001, p. 740: “Clientelismo: prática eleitoreira de
certos políticos que consiste em privilegiar uma clientela (“conjunto de indivíduos dependentes”)
em troca de votos; troca de favores entre quem detém o poder e quem vota”.
35
O contingenciamento prévio, por parte do Poder Executivo, e posterior liberação de verbas de
interesse dos parlamentares, tendo em conta seu nicho de atuação política, é um exemplo dessa
espécie de relacionamento.
36
Em geral por meio de políticas de assistencialismo populista que geram uma dependência
permanente entre o eleitor e o agente público.
14
E embora as decisões veiculadas nas Constituições possam ser
legitimamente criticadas e interpretadas de forma mais restrita ou abrangente em
função da arcabouço teórico empregado pelo intérprete, elas certamente não podem ser
ignoradas. Seria no mínimo irônico que o teórico do direito, a pretexto de defender o
espaço democrático, ignorasse a deliberação majoritária concretizada na Constituição,
para substituí-la por sua própria convicção sobre a matéria.
15
um exemplo), a frustração e a impaciência com o ritmo e os frutos do processo
democrático ordinário podem conduzir ao desprezo – ainda que velado – por esse
processo, capaz de alimentar a tentação de malversar o direito para transformá-lo em
instrumento de afirmação da concepção política do intérprete. O lembrete de que o
direito constitucional e a política majoritária são fenômenos diversos, ainda que
próximos, é da maior importância nesse contexto.
37
Tratando em alguns momentos dessa espécie de objeção ao controle judicial de políticas
públicas, para criticá-la, veja-se Lenio Luiz Streck, O papel da jurisdição constitucional na
realização dos direitos sociais-fundamentais. Ingo Wolfgang Sarlet (Org.), Direitos fundamentais
sociais: estudos de direito constitucional, internacional e comparado, 2003, p. 169 e ss..
38
A modernidade alimentava-se, como se sabe, de ideiais universais, e.g., de liberdade, de
16
conseqüências da maior relevância para o tema aqui em discussão. Um dos corolários
imediatos do relativismo, de forma simples, é a impossibilidade de descrever algo
como certo ou errado. A rigor, uma vez que não há consensos morais, a posição de
qualquer pessoa é apenas uma opinião relativa em essência, cujo fundamento de
autoridade é o próprio indivíduo e não uma verdade independente dele e a ele superior.
igualdade, de justiça, de progresso científico. O projeto da modernidade, porém, acabou por se ver
frustrado: a ciência não trouxe a prosperidade e a paz esperadas, e as guerras foram a marca do
período. Sobre o tema, v. L. Chevitarese, As ´razões´da pós-modernidade. In: Análogos. Anais da
I SAF-PUC/RJ, 2001: “Na medida em que as expectativas criadas [pela modernidade] não se
puderam realizar efetivamente, surgiram a frustração, o relativismo e o niilismo (...) esse
desencanto vem acompanhado da rejeição a tudo que é tipo como opressivo, da desconfiança a
todo discurso que pretenda dizer ‘o que são as coisas’, ‘o que devemos fazer’, ‘como sentir’.”; e
Antonio Carlos de Almeida Diniz, O direito entre o moderno e o pós-moderno: perspectivas e
desafios. In: Antonio Cavalcanti Maia e outros (org.), Perspectivas atuais da filosofia do direito,
2005, p. 301 a 320.
39
Não cabe aqui investigar o fundamento filosófico do relativismo, que é mais complexo e decorre
da crise metafísica do homem contemporâneo, por força da qual ele se encontra sem referenciais
absolutos, só percebendo sua própria existência.
40
Como se sabe, um dos conceitos filosóficos mais elementares de verdade é, exatamente, a
propriedade de estar conforme os fatos e a realidade ou, dito de outro modo, a relação de
identidade entre o enunciado e o fenômeno. Assim, se a concepção do fenômeno é desmentida
pela realidade, a concepção não pode ser considerada verdadeira. V., por todos, The Cambridge
Dictionary of Philosophy, 1995, verbete “truth”.
41
Ainda que o conteúdo desses conceitos possa variar significativamente.
17
com a violência, com a miséria, ou com a injustiça extrema, que prosseguem como
eventos socialmente marginais. Nesses ambientes, a convicção acerca de padrões ou
consensos morais parece irresistível. Mesmo longe de situações-limite a discussão ética
– pessoal, profissional e política42 – tornou-se um tema fundamental para a sociedade
contemporânea, sobretudo ocidental. Do ponto de vista jurídico, boa parte da discussão
sobre os princípios envolve exatamente a incorporação, pelo Direito, de elementos
valorativos (como a dignidade humana, a justiça social, a solidariedade, a moralidade
administrativa, a boa-fé, etc.).
42
Recentemente, como se sabe, ao apreciar liminar solicitada na ADC nº 12, o STF entendeu
válida resolução do Conselho Nacional de Justiça que veda práticas de nepotismo no âmbito do
Judiciário. Um dos fundamentos da decisão foi, exatamente, a incompatibilidade de tais práticas
com o princípio da moralidade administrativa.
43
Uma questão mais complexa é a que procura investigar de onde se extraem esses padrões
morais. Desde os tempos mais remotos da história da humanidade, e em certa medida até hoje, a
resposta para essa questão foi encontrada na metafísica: um Ser moral e transcendente – a
divindade – teria estabelecido esses padrões e os incutido de alguma forma no homem. Mais
recentemente, outras elaborações têm sido desenvolvidas. John Rawls (em sua obra “Teoria da
Justiça”), como se sabe, procurou oferecer uma resposta racional a essa pergunta, por meio do
seu “estado original” no qual, por força do véu da ignorância, as pessoas não teriam como ser
egoístas e poderiam fazer escolhas moralmente adequadas.
18
história o homem acumulou conhecimentos sobre temas que podem autorizar a
afirmação, com razoável certeza, de que há meios melhores e piores para alcançar-se
determinado fim. Eventualmente, será possível afirmar que determinados meios são
realmente imprestáveis para a realização de objetivos específicos. Também aqui, nem
todas as opiniões são equivalentes ou têm a mesma valia. Há parâmetros que permitem
concluir que determinadas possibilidades ou opiniões são adequadas e outras não, ou
ainda que algumas concepções são realmente melhores que outras, não por conta de
quem as emite, mas por seu próprio conteúdo.
19
fundamentais – seja esse controle político-social ou jurídico – envolve ao menos duas
questões morais. Em primeiro lugar, a discussão sobre o tema assume como padrão
moral – e também jurídico, não há dúvida – a centralidade do homem e de seus direitos
no contexto do Estado e do Direito. Assim, opções em matéria de políticas públicas que
claramente violem essa diretriz, funcionalizando o indivíduo, serão moralmente
erradas. Em tais casos, o controle jurisdicional terá sua legitimidade incrementada na
medida em que seja possível agregar aos fundamentos jurídicos também o fundamento
moral, a fim de qualificar a opção do Poder Público como moralmente errada.
44
Alguns debates envolvendo, e.g., a proteção do consumidor podem exigir essa espécie de
perspectiva simultânea, individual – coletiva. A proteção específica de consumidores isolados e
historicamente localizados pode causar prejuízos para a coletividade dos consumidores. Um
exemplo desse fenômeno, de fácil visualização, envolve os contratos de seguro: a cobertura de
eventos não previstos como sinistros produz o aumento da sinistralidade que poderá justificar um
incremento global do prêmio da carteira.
45
Um exemplo dessa espécie de dificuldade é observado nas discussões, que começam a se
desenvolver no Brasil, envolvendo o conflito entre o direito à moradia (em geral de desabrigados
ou de famílias extremamente carentes) e a proteção ambiental de áreas de preservação ecológica.
A forma de equilibrar aspectos presentes do atendimento a direitos fundamentais – como é o caso
da moradia – e futuros – de que muitas vezes se ocupa a proteção ambiental – pode ser bastante
complexa.
46
Uma das maiores dificuldades nesse particular – efeitos imediatos e mediatos de políticas
públicas em matéria de direitos fundamentais – será a forma como o Poder Público presta
assistência aos desamparados. Dependendo da forma como são organizados e executados os
programas assistenciais, embora indispensáveis para evitar um grau de miserabilidade inaceitável,
esses programas poderão ensejar, a médio prazo, efeitos colaterais indesejáveis, como, e.g., a
destruição da autonomia individual, da motivação para o aprimoramento pessoal e para o trabalho
e a deterioração da responsabilidade pessoal do indivíduo assistido, afora o risco da formação, do
ponto de vista político, de um vínculo clientelista entre assistido e autoridade pública responsável
pela concessão desses benefícios.
20
legitimidade do controle jurídico será reforçada por esse fundamento.
21
A hipótese mais complexa, porém, e mais freqüente, coloca-se
quando não se pode extrair de forma direta da norma jurídica respostas às questões
relevantes em matéria de políticas públicas (isto é: quanto investir, em que investir,
com que propósito investir, etc.). Nessa hipótese, cabe sobretudo ao Executivo e ao
Legislativo elaborar as respostas para tais perguntas. Mesmo aqui, embora se trate do
espaço próprio das deliberações majoritárias, poderá haver controle jurisdicional,
conquanto seja possível – a despeito do caráter genérico dos parâmetros jurídicos –
formular um juízo consistente de certo/errado em face das decisões dos poderes
públicos. Como referido acima, esse juízo pode ter fundamentos morais ou técnico-
científicos.
22
a macro-justiça. Ou seja: ainda que fosse legítimo o controle jurisdicional das políticas
públicas, o jurista não disporia do instrumental técnico ou de informação para levá-lo a
cabo sem desencadear amplas distorções no sistema de políticas públicas globalmente
considerado47.
47
Richard A. Posner, Economic analysis of law, 1992; Gustavo Amaral, Direito, escassez e
escolha – em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões
trágicas, 2001; e Flávio Galdino, Introdução à teoria dos custos dos direitos. Direitos não nascem
em árvores, 2005.
48
Victor Abramovich y Christian Courtis, Apuntes sobre la Exigibilidad Judicial de los Derechos
Sociales. Ingo Wolfgang Sarlet (Org.), Direitos fundamentais sociais: estudos de direito
constitucional, internacional e comparado, 2003, p. 159 e ss..
23
controle –, por sua importância, não apenas no que diz respeito a este última crítica,
mas também quanto às duas primeiras, será examinado no próximo tópico.
49
A rigor, a pretensão será sempre de uma conduta, ainda que a conduta seja a de entregar o
bem.
24
No primeiro bloco, será possível controlar, em abstrato, (i) a
fixação de metas e prioridades por parte do Poder Público em matéria de direitos
fundamentais; em concreto, será possível cogitar do controle (ii) do resultado final
esperado das políticas públicas em determinado setor. No segundo grupo, é possível
controlar ainda três outros objetos: (iii) a quantidade de recursos a ser investida, em
termos absolutos ou relativos, em políticas públicas vinculadas à realização de direitos
fundamentais; (iv) o atingimento ou não das metas fixadas pelo próprio Poder
Público; e (v) a eficiência mínima na aplicação dos recursos públicos destinados a
determinada finalidade. Como é fácil perceber, os dois primeiros objetos de controle se
ocupam do conteúdo das políticas públicas em si, ao passo que os três últimos
pretendem controlar aspectos do processo de decisão e execução das políticas públicas
levado a cabo pelo Poder Público. Examine-se rapidamente cada um deles.
50
O orçamento, no Brasil, como se sabe, é apenas autorizativo, sendo freqüente a transferência
de recursos entre rubricas e o contingenciamento. O controle, portanto, não poderá se restringir
apenas à fixação abstrata das metas no orçamento – sob pena de ser inócuo –, mas deverá
também afetar a inclusão daquela meta, de fato, no plano de execução orçamentária.
25
públicas em matéria de direitos fundamentais. Tais políticas, portanto, não constituem
um fim em si mesmo e, mais que isso, a escolha dos fins que elas devem alcançar não
está inteiramente à disposição dos Poderes Executivo e Legislativo. Na realidade, as
políticas públicas deverão necessariamente produzir como resultado o oferecimento, à
população, de determinados bens ou serviços, que vão dar conteúdo, então, ao que se
referiu acima como “resultado esperado das políticas públicas”. Dois exemplos
ajustam a esclarecer o ponto.
26
fornecimento gratuito de medicamentos necessários ao tratamento da tuberculose e ao
controle da hipertensão, sobretudo se por eles não possam pagar. Do ponto de vista do
Poder Público, portanto, o fornecimento de tais medicamentos constitui uma meta
necessária de suas políticas públicas para o setor. Sua não inclusão no orçamento ou no
plano de execução orçamentária poderá ensejar controle específico. Em um segundo
momento, suponha-se que os remédios não são de fato oferecidos à população. O
controle do resultado final consistiria na possibilidade de o juiz determinar ao Poder
Público o oferecimento obrigatório dos medicamentos referidos.
27
se vai definir como resultado final esperado51, já que, para além de determinados
limites, essa possibilidade de controle poderá ser um alvo justo das críticas referidas no
tópico anterior. O ponto será retomado adiante quando se tratar dos ambientes
processuais nos quais as diferentes espécies de controle podem se desenvolver (o que
se denominou acima de modalidade de controle).
51
Em outro estudo (A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da
pessoa humana, 2001) sustentamos a possibilidade de controle jurídico de ao menos quatro
conjuntos de bens – saúde básica (saneamento, atendimento materno-infantil, ações de medicina
preventiva e prevenção epidemiológica), educação fundamental, assistência aos desamparados e
acesso à justiça – por considerar, o que continuamos a entender, que eles correspondem ao
resultado final esperado das políticas públicas determinadas pelo próprio texto constitucional.
52
CF/88: “Art. 198, § 2º dispõe que “§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da
aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, na forma definida nos termos da
lei complementar prevista no § 3º; II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e
159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos
Municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I,
alínea b e § 3º ” (...) Art. 212: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e
desenvolvimento do ensino”;
28
contribuições sociais ao custeio da seguridade social53.
53
CF/88: “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (...)”.No site
do Ministério da Previdência e Assistência Social (www.mpas.gov.br) é possível ter acesso a uma
lista completa das contribuições com as alíquotas e as bases de cálculo aplicáveis. V. sobre o
tema, Marcelo Guerra Martins. Impostos e contribuições federais, 2004.
54
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ajuizou ação por improbidade administrativa
em face de autoridades municipais do Município de Campos dos Goytacazes por conta do
excesso de gastos públicos em eventos culturais. A Prefeitura organizou mais de 150 eventos
musicais em menos de dois anos gerando, em média, três shows por fim de semana. Além das
acusações de superfaturamento em tais contratações, alega-se que os gastos milionários nessas
áreas não se repetem em outras áreas de atuação obrigatória do poder público, violando a
razoabilidade. Não se tem notícia de que haja sido proferida decisão nessa demanda (processo nº
2003.014.016724-4, 4ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes).
55
Maximo La Torre, Theories of Legal Argumentation and Concepts of Law. An Approximation,
Ratio Juris 4:382, 2002: “It is today the judge that is put forward as the new centre of the legal
system, no longer the legislative power, like it or not. And in the judge’s view central importance
inevitably attaches to the procedure by which the decision is arrived at. Here, the law is not
enough, other criteria of choice have to be resorted to.”; e Aulis Aarnio, Lo racional como
razonable, 1991, p. 29: “Como se ha mencionado, el decisor ya no puede apoyarse en una mera
autoridad formal. En una sociedad moderna, la gente exige no sólo decisiones dotadas de
autoridad sino que pide razones. Esto vale también para la administración de justicia. La
29
obstante, uma vez que seja possível concluir que tais relações proporcionais entre os
valores a serem investidos pelo Poder Público são exigíveis, sua observância poderá ser
objeto de controle jurídico.
responsabilidad del juez se ha convertido cada vez más en la responsabilidad de justificar sus
decisiones. La base para el uso del poder por parte del juez reside en la aceptabilidad de sus
decisiones y no en la posición formal de poder que pueda tener. En este sentido, la
responsabilidad de ofrecer justificación es, específicamente, una responsabilidad de maximizar el
control público de la decisión. Así pues, la presentación de la justificación es siempre también un
medio para asegurar, sobre una base racional, la existencia de la certeza jurídica en la sociedad.”
56
Sobre a questão da dificuldade de acesso a informações na matéria, v. Ana Paula de Barcellos,
Ana Paula de Barcellos, Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas
públicas, Revista de Direito Administrativo 240:83 e ss., 2005.
57
Essa já era a cogitação de Luís Roberto Barroso no final da década de 80, v. Luís Roberto
Barroso, O direito constitucional e a efetividade de suas normas, 2006 (primeira edição de 1990),
p. 144, n. 59: “Não se deve desconsiderar, para um futuro aprofundamento do tema, a viabilidade
de uma decisão judicial condenando o Estado a fazer constar do orçamento do exercício
subseqüente a previsão da despesa necessária ao cumprimento de uma obrigação de fazer
judicialmente imposta. Complexidades geradas por certas regras clássicas, de natureza
constitucional e processual, exigem, no entanto, mas cuidadoso exame da questão”. É certo que
os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal deverão ser respeitados e, provavelmente, o termo
do mandato do Chefe do Executivo responsável pela ação/omissão inconstitucional. Parece
problemático que o novo governante eleito tenha sua liberdade de conformação limitada por ações
ou omissões inválidas praticadas por seu antecessor. De todo modo, este é um tema que exige
30
IV.3. Controle do atingimento ou não das metas fixadas pelo Poder Público
31
constitucional nada houvesse falado sobre o ponto, a fixação de metas é uma exigência
elementar de qualquer processo administrativo. E o controle do atingimento de metas
vem a ser um corolário natural de sua própria fixação.
61
Repita-se que os controles discutidos neste estudo não excluem outros aqui não abordados,
nem se está a sustentar que não seria possível controlar o conteúdo das metas. O que se deseja
enfatizar neste passo é a possibilidade de um controle puramente instrumental nesse particular.
62
Embora não seja o caso de desenvolver o ponto aqui, vale registrar que metas tangíveis
correspondem à descrição de uma realidade concreta, “palpável” e observável. Assim, investir
uma quantidade “x” de recursos em determinada área não corresponde ainda a uma meta
tangível. Metas tangíveis seriam, e.g., na área de saúde, a contratação de “z” médicos, a
contrução de “y” hospitais e seu aparelhamento, o fornecimento de “z” doses do medicamento tal,
etc.. É claro que a fixação das metas terá de levar em conta os recursos estimados para
investimento.
63
Esse foi um dos problemas apontados pelo relatório da auditoria realizada pela Secretaria de
Macroavaliação Governamental (SEMAG) do TCU acerca do Plano Plurianual 2004/2007
(Processo nº 015271/2003-4), verbis: “49. Há que se registrar, nesse contexto, a generalidade e
imprecisão da grande parte dos desafios de governo, que podem ser ligados aos objetivos de
32
Como regra, tais documentos descrevem fins e metas de forma tão genérica e
dissociada de parâmetros concretos que será simplesmente inviável, depois, controlar,
sob qualquer perspectiva, seu eventual cumprimento ou descumprimento.
33
Feita a digressão, retorne-se ao ponto. Uma vez que seja possível
identificar metas envolvendo políticas públicas em matéria de direitos fundamentais, o
objeto a ser controlado aqui em discussão diz respeito apenas à realização, ou não, de
tais metas. Que espécie de pedido poderia ser formulado perante a autoridade judiciária
nesse contexto? Caso não se tenha informação acerca do cumprimento ou não da meta
previamente estabelecida, será o caso de solicitar a prestação de contas por parte do
Poder Público. Na hipótese de as informações sobre esse ponto existirem, mas não
existir qualquer dado sobre as razões que justificaram o abandono pelo Poder Público
daquela meta (e não sejam elas notórias), é possível cogitar de pedido nesse sentido, a
fim de que tais razões sejam divulgadas publicamente.
65
V., dentre outros trabalhos sobre o assunto, Emerson Gabardo, Princípio constitucional da
eficiência administrativa, 2002.
66
CF/88, art. 37, caput, e art. 70.
34
Anualmente, no orçamento e, ao fim, na execução orçamentária,
o Poder Público destina determinada quantidade de recursos para o custeio de políticas
relacionadas, e.g., com educação, saúde e moradia. O objeto de controle de que se
cogita neste tópico não é a quantidade de recursos a ser investida – de que se tratou
acima – ou mesmo as prioridades eleitas para o investimento. Todas essas decisões, sob
a perspectiva desse controle, estariam a cargo do Executivo e do Legislativo, cada qual
no âmbito de suas competências. O controle aqui sugerido tem como objeto apenas o
que se fez, afinal, com os recursos destinados pelo Poder Público a determinada área.
35
deveria custar, em geral, uma edificação do porte da escola Y e, quanto custa, também
em média, a melhoria introduzida na merenda escolar? O juiz, por certo, não terá essa
informação, mas poderá obtê-la por meio do auxílio de peritos ou experts. A situação
não é diversa de tantas outras que cabe ao Judiciário conhecer e decidir. Esta a primeira
observação relevante.
67
Não se vai aqui tratar da distinção, já corrente hoje, entre interesse público primário e
secundário. Sobre o assunto, veja-se Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito
administrativo, 2003, p. 57 e ss.. Fica apenas o registro de que o dever de eficiência se dirige,
primordialmente, à realização do interesse público primário.
68
Lembre-se mais uma vez que não se está excluindo aqui a possibilidade de controle de
eficiência em termos mais abrangentes.
69
Gustavo Binenbojm, Uma teoria do direito administrativo – Direitos fundamentais, democracia e
constitucionalização, 2006, p. 211 e ss..
36
decisão que agora o Poder Judiciário examina.
70
A Lei nº 8.666/93 prevê sanções que, em tese, poderiam ser aplicáveis, bem como a Lei nº
8.429/92 (Lei de Improbidade), dentre outras.
37
Públicos e, em concreto, a existência ou não, de fato, do resultado final esperado das
políticas públicas. Como referido, essa espécie de controle exigirá a definição, do
ponto de vista teórico, das metas consideradas juridicamente obrigatórias e, na mesma
linha, do resultado final esperado das políticas públicas vinculadas à realização dos
direitos fundamentais. Isto é: o controle jurisdicional desses dois objetos interfere com
o próprio conteúdo das políticas públicas representando, portanto, a maior “invasão” no
espaço próprio dos demais Poderes. Por isso mesmo, as críticas examinadas no início
deste estudo incidirão com maior intensidade nesse ambiente. Há algumas outras
questões a considerar nesse particular.
38
interesse público71 – não existe como um conceito etéreo, desvinculado da realidade e
das pessoas concretamente consideradas. Assim, se determinados bens são
considerados indispensáveis para a dignidade humana em uma dada sociedade, a
atribuição de tais bens às pessoas – as múltiplas “micro-justiças” – formarão
necessariamente um dos conteúdos obrigatórios da “macro-justiça”, de tal modo que, se
esta última não incluir tais prestações em seu bojo, haverá uma injuridicidade em sua
concepção. A segunda nota a fazer, na verdade, envolve as modalidades de controle –
se individual, coletiva ou abstrata – tema que será examinado de forma específica
adiante.
71
Sobre o tema, veja-se, por todos, Daniel Sarmento (Org.), Interesses públicos versus interesses
privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público, 2005.
72
STJ, DJU 07 out. 2002, RMS 13452/MG, Rel. Min. Garcia Vieira: “Constitucional e
Administrativo. Mandado de Segurança. Objetivo: reconhecimento do direito de obtenção de
medicamentos indispensáveis ao tratamento de retardo mental, Hemiatropia, epilepsia,
tricotilomania e transtorno orgânico da personalidade. Denegação da ordem. Recurso ordinário.
Direito à saúde assegurado na constituição federal (art. 6º e 196 da CF). Provimento do recurso e
concessão da segurança”; STJ, DJU 04 set. 2000, RMS 11183/PR, Rel. Min. José Delgado:
“Constitucional. Recurso ordinário. Mandado de segurança objetivando o fornecimento de
medicamento (riluzol/rilutek) por ente público à pessoa portadora de doença grave: esclerose
lateral amiotrófica - ELA. Proteção de direitos fundamentais. Direito à vida (art. 5º, caput, CF/88) e
direito à saúde (arts. 6º e 196, CF/88)”; STJ, DJU 09 fev. 2004, MS 8740/DF, Rel. Min. João Otávio
de Noronha: “Administrativo. Mandado de segurança. Doença congênita grave. Mielomeningocele
infantil. Necessidade de tratamento por meio de aparelho terapêutico não fabricado no país. Dever
do estado. Direito fundamental à vida e à saúde”; e STJ, DJU 23 ago. 2004, REsp 625329/RJ, Rel.
Min. Luiz Fux: “Recurso especial. SUS. Fornecimento de medicamento. Paciente com bócio difuso
tóxico com hipertiroidismo. Direito à vida e à saúde. Dever do Estado”.
39
jurídico no contexto do seu planejamento, por meio do controle jurídico de suas metas.
Mais que isso, o controle das metas em abstrato, e não do resultado em concreto, traria
a vantagem adicional de beneficiar de forma equivalente todos os indivíduos que
precisem do tal medicamento ou do tratamento médico, e não apenas aqueles que
recorreram ao Judiciário. Pela memsa razão, no entanto, se se entender inviável, do
ponto de vista teórico, exigir a inclusão de determinado bem como uma meta pública
em caráter abstrato, dúvida semelhante deverá existir acerca da sua exigibilidade em
concreto73.
73
Esse tema, dentre outros, será examinado com profundidade na dissertação de mestrado de
Eduardo Mendonça, em elaboração no âmbito do programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Direito da UERJ. É esperar.
40
A próxima modalidade de controle envolve a verificação do
cumprimento das metas fixadas pelo próprio poder público. Como se referiu acima,
muitas vezes a dificuldade será prévia: a ausência de metas, mas não cabe aprofundar
esse aspecto da questão aqui. Existindo as metas, a obrigação de prestar contas acerca
de seu cumprimento, bem como das razões para o seu eventual descumprimento, não
sofre, a rigor, qualquer repercussão das críticas acima. Note-se que não se estará, aqui,
tomando qualquer decisão propriamente dita, de modo que não há que se discutir sobre
a ampliação do espaço da Constituição – em detrimento do espaço da deliberação
democrática – ou da legitimidade do Judiciário para interferir em políticas públicas.
Também não são relevantes as dificuldades operacionais a que se fez referência acima.
41
controle terá então sido alcançado: fornecer elementos concretos para o debate e o
controle sociais. Não faria sentido, em face da omissão do Poder Público, bloquear-se a
intervenção judicial pelo fato de suas eventuais decisões gerarem “trabalho” para as
autoridades públicas. De todo modo, como se verá adiante, esse “trabalho” poderá ser
bastante reduzido em função do ambiente processual no qual o controle venha a se
desenvolver.
42
primeira observação diz respeito aos próprios contornos do objeto em questão. Como
referido, não se cuida de avaliar a propriedade ou a adequação da política escolhida
pelo Poder Público em face de outras possíveis ou hipotéticas. Embora a noção mais
geral de eficiência admita, por certo, essa espécie de controle, não é dele que se cuida
aqui. Como referido, por eficiência mínima se quer significar apenas o aspecto
financeiro da questão, isto é: a relação de economicidade entre os recursos destinados à
política e o custo médio de mercado das ações levadas a cabo no contexto dessa
iniciativa estatal.
74
Será preciso levar em conta, na avaliação desses dados, as particularidades do regime
contratual da Administração Pública.
75
Lei nº 8.666/93, art. 25, § 2º: “Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se
comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública
o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras
sanções legais cabíveis”.
76
Veja-se, por exemplo, o art. 11 da Lei nº 8.429/92: “Constitui ato de improbidade administrativa
que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:”
43
não impede que tais conceitos sejam integrados e aplicados pelo magistrado à luz dos
casos concretos. O mesmo, portanto, poderá se passar com a noção de eficiência
mínima aqui em discussão.
44
efeitos que tais decisões produzem terão algumas conseqüências.
45
modalidades de controle aqui referidas.
77
Em sentido diverso do defendido pela teoria processual clássica sobre a matéria, v. Celso
Antonio Bandeira de Mello, Controle judicial dos atos administrativos, Revista de Direito Público
65:29/30, 1983: “Não cabe imaginar que normas postas em benefício da coletividade, mas que
proporcionam proveito individual não estejam a tutelar também e com igual proteção aqueles que
46
discussão. Do ponto de vista abstrato, se a lei orçamentária não inclui em seu bojo meta
que seria obrigatória por conta do texto constitucional, parece possível atacá-la por
meio de ação direta de inconstitucionalidade78 ou, se se entender que se trata de lei de
efeitos concretos, por meio de argüição de descumprimento de preceito fundamental79.
delas sacariam os benefícios previstos. Não cabe supor que o fato de uma regra ser editada tendo
como alvo um interesse da coletividade, ao ser desatendida não esteja desatendendo, com a
mesma intensidade, os interesses concretos e específicos daqueles indivíduos que fazem parte
daquela mesma coletividade. (...) De outra parte, negar proteção jurisdicional nos casos em que o
pleito se assenta em hipóteses excedentes da noção restrita de direito subjetivo corresponderia a
assumir posição antinômica aos vetores interpretativos que são impostos pela lógida do Estado de
Direito. É forçoso, pois, reconhecer que em todos os casos em que a violação da ordem jurídica
pela Administração acarretar um prejuízo pessoal para o administrado – esteja ele colocado em
situação relacional concreta ou em situação genérica, objetiva – há violação a um direito seu,
assistindo-lhe, de conseguinte, obter proteção jurisdicional para ele. (negrito no original).”
78
A ADIn seria cabível apenas em face de leis orçamentárias federais e estaduais, já que não
cabe ADIn em face de leis municipais. Estas poderiam ser discutidas em abstrato em face das
Constituições dos Estados-membros, dependendo de seu teor.
79
A tradicional jurisprudência do STF entendia incabível ADIn contra lei orçamentária por
visualizar nela lei de efeitos concretos (DJU 03 abr. 1998, QO na ADIn 1640-DF, Rel. Min. Sydney
Sanches). No julgamento da ADIn 2.925-DF (DJU 19 dez. 2003, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, Rel. p/
acórdão Min. Marco Aurélio), porém, vários Ministros registraram a conveniência de modificar esse
entendimento, tanto assim que a ADIn foi conhecida. Parece, no entanto, que o tema ainda se
encontra em discussão na Corte.
47
abstratas nesse caso parece decorrer da circunstância de que tais espécies de controle
não discutem a validade de deliberações vigentes, isto é: deliberações do Poder Público
que se encontram produzindo efeitos e continuarão a produzi-los no futuro. Ao
contrário, examinam-se aqui deliberações passadas e pontuais, cuja eficácia a rigor já
se esgotou. Não se cuida aqui, portanto, da tutela da ordem jurídica em vigor – objeto
típico das ações abstratas –, mas do controle específico de atos passados do Poder
Público. Ademais, tais controles podem exigir um volume considerável de instrução
probatória, a fim de verificar em concreto, e.g., se as metas foram ou não atingidas,
qual o custo médio dos bens contratados pelo Estado, etc. Embora já se admita alguma
instrução no âmbito de ações abstratas80, essa não parece ser a sede própria para
discutir a verificação ou não de fatos controversos alegados pelas partes.
Seja como for, o que se pode concluir quanto a este ponto é que,
sem prejuízo das ações individuais, que constituem um espaço importante de exercício
da cidadania no âmbito de um Estado de Direito, as ações coletivas e as ações abstratas,
quando cabíveis, constituem um meio valioso para a discussão jurídica acerca das
políticas públicas.
V. CONCLUSÕES
80
V. Lei nº 9.868/99, art. 9º e Lei nº 9.882/99, art. 6º.
48
críticas freqüentemente formuladas à possibilidade de controle jurídico e jurisdicional
das políticas públicas: (a) a crítica formulada pela teoria da Constituição – que
questiona a validade de a interpretação constitucional invadir espaços próprios da
política majoritária; (b) a crítica filosófica – que discute a legitimidade essencial (não
apenas democrática) do magistrado para impor suas deliberações sobre aquelas
formuladas pelos representantes das maiorias; e (c) a crítica operacional, que se opõe
ao controle por entender que o Judiciário não é capaz de compreender o contexto global
das políticas públicas, nem de lidar com ele, e, ao pretender interferir nesse universo,
acaba gerando distorções.
49
primeiros objetos de controle se ocupam do conteúdo das políticas públicas em si, ao
passo que os três últimos pretendem controlar aspectos do processo de decisão e
execução das políticas públicas levado a cabo pelo Poder Público. Por fim, tratou-se
brevemente das modalidades de controle, isto é, do ambiente processual – individual,
coletivo ou abstrato – no qual as diferentes discussões descritas poderiam ter lugar,
bem como suas vantagens e conveniências, considerando os cinco objetos de controle.
50