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FICHAMENTO

BARCELLOS, Ana Paula de. Políticas públicas e o dever de monitoramento:


levando os direitos a sério. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 8, p.
251-165, 2018.

É trazida, introdutoriamente, a relevância do tema dos direitos


fundamentais/humanos no direito constitucional pensado interna/internacionalmente.
Há produção normativa profícua quanto às garantias e proteção dos direitos,
exemplo do SUS. Contudo, permanece a distância entre a realidade e as normas. A
distância é natural pois o direito também serve à alteração da realidade, contudo
não é portador de palavras mágicas. O objetivo inovativo da norma de proteção de
direitos na realidade não é atingido de forma automática e imediata.

Os esforços doutrinários e jurisprudenciais voltam-se à expansão da eficácia jurídica


e da efetividade constitucional. Somados aos esforços normativos, são importantes,
porém não garantem por si só a realização dos direitos a todos. Houve a esperança
de que o Judiciário pudesse suprir o déficit realizacional normativo. Porém, (i) as
demandas cujo objeto é o SUS são muito pontuais, de modo que as políticas
públicas são o que mais importa. Além disso, (ii) as decisões judiciais podem
carecer de execução, sobretudo em se tratando de ações coletivas e/ou que
envolvam bens públicos.

Decisões judiciais complexas que tendem a atingir uma coletividade, assim como as
leis, são meros pontos de partida. Depende-se de efetiva implementação da política
pública prevista: alocação orçamentária, estruturas administrativas, pessoal,
infraestrutura, produtos etc. Não é incomum que haja lei e se careça de
regulamentação, implementação, execução, orçamento, etc; ou ainda que haja
disparidades regionais graves no alcance das políticas. Exemplos da L10098/2000
(acessibilidade em vias públicas), da Lei Maria da Penha e do programa Mais
Educação. Para além da implementação e do monitoramento das políticas, é
preciso observá-las de forma desagregada (observando diferentes regiões e
coletividades).

Tal monitoramento, com suas nuances, para além da mera implementação, deve
ser compreendido como dever geral extraído da Constituição para a efetivação dos
direitos fundamentais. O monitoramento pode se dar de diferentes perspectivas,
mas busca-se compreendê-lo para a realização concreta dos direitos fundamentais.

Assim, o monitoramento envolve verificar a realização de metas previamente


estabelecidas, acompanhar a execução da política e apurar os resultados concretos
à luz do pretendido em matéria de direitos fundamentais. Logo, será possível rever a
política para seu aprimoramento. É possível, portanto, esquematizar sete etapas do
monitoramento. As duas primeiras estão na etapa da concepção da política. Aqui, é
necessário o agente público buscar informações sobre o problema e sua dimensão,
e também estabelecer metas. As informações são fundamentais
(constitucionalmente) para a garantia da igualdade e para o objetivo da redução de
desigualdades. Exemplos de problemas nessa fase pelo SUS, o que gera
problemas na realização das políticas.

Isso é um problema também porque, no geral, políticas públicas alcançam primeiro


os mais privilegiados. Assim, havendo problema de cobertura, é possível que estas
pessoas ainda busquem o judiciário para a realização individual, o que agrava a
isonomia. A informação também é relevante para estabelecer prioridades de grupos
e regiões desfavorecidos, em atenção à redução das desigualdades. Deve-se
privilegiar a política focalizada sobre a universal quando não há a possibilidade
desta última, sob pena de ampliar a desigualdade. Aqui, é essencial a noção de
desagregação das informações. A informação também é essencial ao longo da
execução da política, não apenas no seu início.

O estabelecimento de metas, segunda etapa, pode transbordar o campo do Direito,


que, ainda, sim, deve compreendê-lo. Em alguns temas, as metas são mais
objetivas (exemplo, acesso a saneamento), em outros são mais complexas pois o
resultado final (outcome, promoção do direito) não necessariamente se vincula às
metas de prestação (outputs), embora haja presunção relativa. Exemplo da
promoção do direito à saúde e o número de consultas médicas realizadas. Exemplo
das políticas de educação e das avaliações educacionais. Ainda, exemplifica-se
com a Lei Maria da Penha. “Como medir e avaliar se a lei produziu resultados na
redução da violência doméstica contra a mulher? É impossível saber quais seriam
os níveis de violência caso a lei não existisse”. A complexidade, no entanto, não
pode inibir a formulação, implementação e monitoramento das políticas.

Após informações e metas, deve-se analisar inputs, outputs e outcomes. Inputs


relacionam-se com os recursos direcionados à realização das políticas, sobretudo
em previsões orçamentárias e suas execuções, é essencial sua análise à
observância dos mínimos constitucionais e identificação de desvios e
superfaturamento. A desagregação dos dados é essencial à análise dos inputs, mas
também dos outputs, pois assim serão verificados os efeitos diretos e concretos dos
inputs em caráter geral e também focalizado. Outputs são as atividades-meio e
possuem apenas presunção de resultado efetivo, os outcomes, que são os impactos
reais da política pública em cotejo aos direitos fundamentais. O monitoramento dos
outcomes é importante pois nem sempre monitorar apenas inputs e outputs é
suficiente, porém mais difícil, exemplo do Mais Educação.

As duas últimas etapas são a avaliação dos dados produzidos e a eventual revisão
da política pública. O foco do monitoramento não é punitivo sobre os agentes
públicos, embora seja possível punir quando há ilegalidades. Por limitações da
mente humana, por vezes a implementação de políticas não gera os resultados
pretendidos. Logo, repensar as políticas é essencial. “A necessidade de avaliações
e de revisões das políticas públicas é natural, mas ela somente poderá ocorrer
diante do monitoramento efetivo dessas políticas em face do resultado concreto
esperado em termos de direitos fundamentais.”
Quais as razões para se estabelecer uma preocupação do direito constitucional para
com o monitoramento de políticas públicas? (i) Porque assim se buscará a garantia
do exercício e a efetividade dos direitos fundamentais. “Para levar os direitos a
sério, é preciso acompanhar, minimamente, o percurso da norma constitucional até
a realização de seus propósitos na vida real.”. (ii) Pois as políticas públicas
envolvem recursos financeiros, logo, restringem outras liberdades e direitos, pois os
recursos poderiam estar sendo destinados a outros fins. Preocupação de justificar
as intervenções na propriedade.

Além disso, (iii) porque o monitoramento envolve o exercício do poder político em


perspectiva contramajoritária. Coletar informações, desagregá-las, processá-las e
por em disposição ao público, compreendendo que podem ser desfavoráveis, é
complexo, custoso e não garante retorno eleitoral. Por isso, não são muito
interessantes do ponto de vista político e o monitoramento não pode estar a cargo
livre dos agentes políticos implementadores, embora a análise envolva caráter
técnico e político. Por fim, (iv) o monitoramento é indispensável para a geração de
informações capazes de permitir o debate público, logo, faz parte da dimensão
democrática.

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