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Faculdade de Ciências

Departamento de Química

DISCIPLINA DE QUÍMICA ANALÍTICA


Texto de Apoio
ANÁLISE GRAVIMÉTRICA

1. IMPORTÂNCIA DA QUÍMICA ANALÍTICA


A Química Analítica é o ramo da Química que se dedica na separação, identificação e quantificação de
substâncias. Ela divide-se em química analítica qualitativa e química analítica quantitativa. A primeira
prende-se na identificação de substâncias enquanto a segunda envolve a quantificação das mesmas. Hoje
em dia, a química analítica constitui uma ferramenta imprescindível para o garante do bem-estar do
homem. Por exemplo, a segurança da água e alimentos para o consumo humano é geralmente assegurada
pela determinação analítica de seus parâmetros físico-químicos e microbiológicos. Indivíduos formados
nos cursos de Licenciatura em Biologia poderão aplicar os conhecimentos da química analítica em diversas
áreas incluindo a agricultura, a medicina, a ecologia, a produção animal, entre outras.

Na agricultura, a química analítica é usada para determinar a composição química do solo. Esta informação
permite: (1) escolher o tipo de plantas ou culturas adequadas às propriedades de um determinado solo; (2)
aplicar medidas correctivas para o cultivo de um determinado tipo de culturas; (3) determinar a quantidade
de fertilizantes necessários para garantir a produtividade de culturas; entre outras aplicações. A química
analítica é também usada para determinar o valor nutritivo das culturas. Na medicina, muitos diagnósticos
de doenças são baseados em análises clinicas usando procedimentos da química analítica. Tal é o caso,
por exemplo, do diagnóstico da diabetes que é baseada na determinação do nível do açúcar no sangue dos
pacientes.

A alteração das propriedades físico-químicas e microbiológicas do ambiente aquático são geralmente


causadas por (i) descargas de águas ácidas oriundas de áreas de exploração mineira, (ii) descargas de
resíduos líquidos domésticos ricos em matéria orgânica (ex., aguas negras), (iii) efluentes residuais ricos
em metais pesados, (iv) descargas de águas residuais coloridas oriundas da indústria têxtil e (v) derrames
de produtos petrolíferos, etc. Dependendo do tempo de exposição e da quantidade dos poluentes, o
resultado do desequilíbrio ecológico pode ser a diminuição ou a extinção de certas espécies aquáticas. Por

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isso, o controle rotineiro das propriedades físico-químicas e microbiológicas da água do mar, rios e lagoas
é muito importante para salvaguardar a vida aquática. As análises físico-químicas da água são geralmente
feitas usando procedimentos da química analítica. Os procedimentos da química analítica são também
empregues na aquacultura para (i) a monitoria da concentração de oxigénio na água e (ii) determinação da
concentração de nutrientes e antibióticos na água para assegurar a produtividade do cardume.

2. ANÁLISE QUÍMICA DE SUBSTÂNCIAS


Hoje em dia, é frequente ouvir-se falar de poluição ambiental. Por exemplo, ao se observar um cardume
morto numa dada região do rio, cabe ao técnico ambientalista efectuar um estudo exaustivo para apurar as
possíveis causas da tragédia. Neste caso em particular, o técnico analista necessitaria investigar as
actividades antropogénicas ou naturais nas zonas circunvizinhas do local do sinistro para identificar as
possíveis fontes de poluição marinha (por ex., existência de descargas de resíduos industriais ao rio;
exploração mineira nas proximidades do rio; etc.). De seguida, o analista iria definir o tipo de análises a
efectuar (por ex., análise microbiológica, análise de metais pesados, pH da agua, etc.). Depois, o analista
definiria a área para a colheita das amostras, o tipo de amostras a colher (por ex., amostras de água,
amostras de peixe ou ambas, etc.), a quantidade de amostras a colher e o procedimento analítico a
empregar. A escolha do procedimento analítico para determinar os parâmetros escolhidos dependeria da
disponibilidade de equipamentos no laboratório, da existência de pessoal qualificado e fundos para custear
as análises. De seguida, o analista determinaria os parâmetros analíticos escolhidos para demonstrar com
base em evidências as possíveis causas da morte do cardume e entregaria os resultados analíticos aos
órgãos competentes para tomada de medidas correctivas. Portanto, este pequeno exemplo serve para
ilustrar os passos geralmente seguidos pelo analista químico no dia-a-dia do trabalho laboratorial desde a
colheita de amostras até à produção de resultados analíticos.

3. ANÁLISE GRAVIMÉTRICA
Em química analítica, para além da identificação das substâncias, o analista quase que sempre deseja saber
a quantidade das mesmas. Por exemplo, (i) em toxicologista, a determinação da quantidade das substâncias
é muito mais importante que a sua mera identificação porque a intoxicação dos organismos depende da
concentração das substâncias e não da sua mera existência no organismo; (ii) o preço dos minérios depende
das quantidades relativas dos componentes de interesse; (iii) o efeito curativo ou colateral dos fármacos
depende da concentração dos seus componentes activos; etc.

Na análise gravimétrica, o analista determina a massa das substâncias. Nesta técnica, distinguem-se a
gravimetria por precipitação em que se efectua a determinação da massa de um precipitado e a
electrogravimetria em que se determina a massa de uma substância acumulada na superfície de um
eléctrodo. Inclui-se ainda na gravimetria a determinação da humidade de materiais e da massa de certos

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gases. No primeiro caso, geralmente mede-se a massa das substâncias ou materiais antes e depois da sua
secagem a 105-110 ºC até peso constante. A diferença da massa das substâncias ou materiais antes e depois
da secagem constitui o conteúdo de água adsorvida ou absorvida (humidade). A determinação da água de
constituição dos materiais consegue-se empregando temperaturas muito mais elevadas que ascendem aos
1000 ºC dependendo do tipo dos materiais. Este processo é também designado calcinação. Alguns gases
podem também ser determinados pelo método de gravimetria empregando materiais absorventes (por ex.,
sílica gel, carvão activado, etc.). Determina-se o peso destes materiais antes e depois do contacto com
gases. A diferença da massa dos adsorventes ou absorventes antes e depois do contacto com gases constitui
a massa dos gases adsorvidos ou absorvidos.

3.1 Gravimetria por precipitação


A gravimetria por precipitação baseia-se na determinação da massa de um precipitado formado com
composição química conhecida e baixa solubilidade. Na reacção de NaCl e AgNO3 em solução aquosa
forma-se o precipitado AgCl(s).

𝑁𝑎𝐶𝑙 (𝑎𝑞) + 𝐴𝑔𝑁𝑂3(𝑎𝑞) → 𝐴𝑔𝐶𝑙(𝑠) + 𝑁𝑎+(𝑎𝑞) + 𝑁𝑂3−(𝑎𝑞) (1)

A partir da equação da reacção química (1) observa-se que o precipitado é formado na presença de iões
Na+ e NO3- (o NaNO3 encontra-se totalmente dissociado devido a sua elevada solubilidade em solução
aquosa). Neste exemplo em particular, o AgCl(s) forma-se na presença de iões nitrato e sódio apenas porque
a reacção química foi realizada na água destilada. Todavia, é frequente determinar-se o analito em matrizes
mais complexas. Tal aconteceria ao se determinar a concentração do ião cloreto na água do poço, água do
rio, água da lagoa ou água do mar. Nestes casos, o precipitado AgCl(s) formar-se-ia na presença de vários
iões presentes nas águas do poço, rio, lagoa ou mar. É por isso que é necessário efectuar a purificação dos
precipitados para eliminar ao máximo possível as impurezas.

As impurezas são geralmente substâncias solúveis nas condições da reação de precipitação do analito de
interesse. Existem por isso, várias formas de contaminação dos precipitados que incluem: (i) adsorção
superficial, (ii) pós-precipitação, (iii) inclusão e (iv) oclusão. Este processo de contaminação do
precipitado por substâncias solúveis nas condições da reacção de precipitação designa-se por
coprecipitação.

A adsorção superficial ocorre quando iões da solução são adsorvidos na superfície do precipitado. Este
tipo de contaminação afecta mais precipitados com tamanhos muito pequenos tal como é o caso de
precipitados coloidais principalmente quando as impurezas não são removidas durante o processo de
lavagem.

A pós-precipitação tal como o nome indica, ocorre depois de todo o analito ter reagido com o agente
precipitante. Nestes casos, outros iões solúveis presentes no líquido mãe reagem com o excesso do agente

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precipitante formando substâncias insolúveis que são recolhidas juntamente com o precipitado de
interesse.

A inclusão consiste na substituição dos iões da estrutura cristalina do precipitado por iões solúveis nas
condições da reação de precipitação. Nestes casos, iões estranhos presentes na solução durante a reacção
de precipitação que tenham raios iónicos ou cargas eléctricas semelhantes aos iões da rede cristalina do
precipitado podem substitui-los durante a formação de precipitados.

A oclusão ocorre quando o precipitado é formado de forma rápida criando espaços no seu interior que são
preenchidos pelo líquido mãe. Durante a secagem, a água ocluida evapora deixando no precipitado iões
estranhos.

3.1.1 Etapas da análise gravimétrica


A análise gravimétrica segue geralmente as etapas listadas a seguir:

1. Faz-se reagir o analito de interesse com um agente precipitante adequado para formar uma substância
insolúvel de composição química conhecida;
2. O precipitado formado é lavado, filtrado e calcinado;
3. Determina-se a percentagem do analito na amostra através da relação entre a composição química do
precipitado formado após a calcinação, a massa do precipitado pesada e a massa da amostra.

3.1.2 Formação de precipitados


No princípio, existem apenas iões do analito na matriz da solução amostra. Quando se inicia a adição da
solução do agente precipitante à solução amostra, a concentração dos iões do agente precipitante
aumentam no seio da solução do analito. A uma dada altura da adição do agente precipitante na solução
amostra, a concentração dos iões do agente precipitante e os iões do analito atingem o nível máximo
correspondente a solução supersaturada dos iões do analito e iões do agente precipitante. É nesta fase que
os iões do analito e os iões do agente precipitante começam a emparelhar aos pares formando núcleos do
precipitado. O emparelhamento de iões de cargas opostas é devido a forças electroestáticas e o processo
de formação de núcleos do precipitado é denominado nucleação. O tamanho e a quantidade de núcleos do
precipitado formado depende das concentrações iniciais das soluções do anolito e do agente precipitante
assim como da velocidade de adição da solução do agente precipitante na solução amostra. O emprego de
soluções concentradas do analito ou do agente precipitante favorece a formação de muitos núcleos do
precipitado assim como a adição rápida da solução do agente precipitante na solução amostra.

A segunda etapa na formação de precipitados é o crescimento dos núcleos (crescimento cristalino). Nesta
etapa, à medida que se adiciona a solução do agente precipitante na solução do analito de interesse, iões
do analito e do agente precipitante acumulam-se nas paredes dos núcleos ocasionando o seu crescimento

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(formação de cristais). O crescimento cristalino é favorecido pela adição lenta da solução diluída do agente
precipitante na solução amostra diluída. O oposto favorece a formação de muitos núcleos que resultam na
formação de suspensões de partículas muito finas (soluções coloidais) difíceis de filtrar e, por isso,
inadequadas para a análise gravimétrica.

3.1.3 Condições necessárias para efectuar a análise gravimétrica o É necessário que a reacção entre

o analito e o agente precipitante forme uma substância insolúvel

(precipitado); o É necessário que o precipitado formado tenha a forma e quantidade adequadas


para ser retido no filtro e mensurável usando as balanças disponíveis no laboratório;
o É necessário que a reação de precipitação seja quantitativa para que todo o analito de interesse
reaja completamente com o agente precipitante;
o O precipitado pesado deve ser puro e possuir composição química conhecida para se poder
relacionar a massa do precipitado pesado com a sua fórmula química.

3.1.4 Factores que influenciam a solubilidade do precipitado


Na análise gravimétrica, o analito é convertido num produto insolúvel que é lavado, filtrado, calcinado e
pesado. Se o precipitado for ligeiramente solúvel nas condições de sua formação, parte da sua massa será
perdida durante o processo de lavagem contribuindo para o erro da análise gravimétrica. Por isso, é
necessário conhecer os factores que influenciam a formação dos precipitados.

3.1.4.1 Efeito salino


Na equação da reação química (1), foi observado que o AgCl(s) é formado numa solução que contem iões
sódio e nitrato. Esta indicação sugere que os precipitados são geralmente formados na presença de iões
diversos. Por isso, é necessário conhecer o efeito salino na formação de precipitados que geralmente é
caracterizado pela força iónica da solução. De um modo geral, a solubilidade dos precipitados aumenta
com o aumento da forca iónica até um certo valor da forca iónica. A solubilidade de precipitados
compostos por iões policarregados é mais afectada pela forca iónica do que os precipitados formados por
iões monocarregados.

3.1.4.2 Efeito do pH da solução


No caso em que um dos iões do precipitado for o anião de um ácido fraco, este pode reagir com o ião H3O+
da solução aumentando deste modo a solubilidade do precipitado. Por exemplo, a solubilidade de BaSO4
em meio ácido aumenta devido a reação do ião sulfato com o ião hidrónio formando o ião bissulfato (SO42-

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+ H3O+ → HSO4- + H2O). Portanto, a solubilidade da solução será dada pela expressão: s = [SO42-] +
[HSO4-] = [Ba2+].

3.1.4.3 Efeito do iao comum


Observe a equação da reação do equilíbrio entre o cloreto de prata e seus iões na solução saturada dada
abaixo:

𝐴𝑔𝐶𝑙 (𝑠) ⇄ 𝐴𝑔(+𝑎𝑞) + 𝐶𝑙(−𝑎𝑞) (2)

Aplicando a lei de le Châtelier na equação da reação química (2), observa-se que a solubilidade de cloreto
de prata reduz na presença de excesso de iões prata ou cloreto na solução. Portanto, de um modo geral, a
solubilidade de um precipitado é menor numa solução que contenha um ou mais iões em comum.

3.1.4.4 Efeito da temperatura


De um modo geral, a solubilidade das substâncias aumenta com a temperatura. O estudante com certeza
teria observado que o sal de cozinha, por exemplo, dissolve-se mais rapidamente na água aquecida que na
água fria (dissolução endotérmica). Todavia, se a dissolução for acompanhada pela libertação de calor
para o meio (dissolução exotérmica), a redução do calor da solução irá favorecer a dissolução do
precipitado e vice-versa. Portanto, substâncias cuja dissolução aumenta significativamente com o aumento
da temperatura da solução são filtradas depois de arrefecidas (por ex., CaC2O4) enquanto as substâncias
cuja solubilidade é pouco afectada pela variação da temperatura são filtradas a quente (por ex., Fe(OH)3).

3.1.4.5 Presença de ligantes ou agentes complexantes


A presença de substâncias na solução reacional que formam complexos estáveis com metais da rede
cristalina do precipitado aumentam a sua solubilidade. Por exemplo, a formação do AgCl (s) (equação 1)
numa solução que contem amónia pode resultar na sua dissolução parcial devido a reacção entre Ag+ da
rede cristalina e NH3 formando os complexos Ag(NH3)+ e Ag(NH3)2+.

3.1.4.6 Natureza do solvente


A maioria dos precipitados inorgânicos são sólidos iónicos. Substâncias iónicas são mais solúveis em
solventes polares (por ex., água) que em solventes apolares. Todavia, o uso de solventes menos polares
não só baixam a solubilidade de precipitados como também baixam a solubilidade das impurezas. Por
isso, embora o uso de solventes menos polares permita a formação de precipitados que não se formariam
em água, este procedimento não impede a incorporação de impurezas no precipitado.

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Factor gravimétrico
𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑎 𝑠𝑢𝑏𝑠𝑡𝑎𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑝𝑟𝑒𝑡𝑒𝑛𝑑𝑖𝑑𝑎 𝑋
𝐹𝑔 = ×
𝑀𝑎𝑠𝑠𝑎 𝑑𝑎 𝑠𝑢𝑏𝑠𝑡𝑎𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑝𝑒𝑠𝑎𝑑𝑎 𝑌
Onde o X e Y são coeficientes estequiométricos da substância de interesse.

Por exemplo:
# Substância Substância Elemento de Factor gravimétrico
pretendida pesada interesse

1 As2O3 Ag3AsO4 Arsénio 𝑀𝑟(𝐴𝑠2𝑂3) 1


𝐹𝑔 =
×
𝑀𝑟(𝐴𝑔3𝐴𝑠𝑂4) 2
2 FeSO4 Fe2O3 Ferro 𝑀𝑟(𝐹𝑒𝑆𝑂4) 2
𝐹𝑔 = ×

𝑀𝑟(𝐹𝑒2𝑂3) 1

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