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GEO230 – HIDROQUÍMICA E QUALIDADE DAS ÁGUAS

SUBTERRÂNEAS

RESUMO DOS CAPÍTULOS 5.1, 5.2 E 5.3 DO LIVRO


HIDROGEOLOGIA - CONCEITOS E APLICAÇÕES – 3ª EDIÇÃO

Renato Fanha1

Capítulo 5.1 - Noções de Hidroquímica

5.1.1 Introdução

Do ponto de vista hidrogeológico, a qualidade da água subterrânea é tão importante


quanto o aspecto quantitativo. A disponibilidade dos recursos hídricos subterrâneos para
determinados tipos de uso depende, fundamentalmente, da qualidade físico-química, biológica
e radiológica. O estudo hidrogeoquímico tem por finalidade identificar e quantificar as
principais propriedades e constituintes das águas subterrâneas, procurando estabelecer uma
relação com o meio físico. Este capítulo tem como principais objetivos:

• Orientar na escolha de equipamentos para coleta e no armazenamento e preservação


de amostras de água subterrânea, de acordo com a finalidade do estudo
hidrogeológico;
• Dar noções gerais de Hidroquímica;
• Fornecer padrões que dizem respeito ao uso para o consumo humano, irrigação,
pecuária, indústria, recreação e piscicultura, a fim de facilitar uma rotina de trabalho
além de fazer com que os resultados das análises sejam comparáveis; e
• Mostrar as formas de apresentação gráfica e as classificações químicas para melhor
visualizar os dados e facilitar a interpretação dos estudos hidroquímicos.

5.1.2 Análises de Água

Primeiramente, para determinar o tipo de análise de água, é necessário definir o


objetivo da pesquisa ou do estudo (potabilidade, irrigação, dessedentação de animais,
indústria, recreação, uso comercial, contaminação ambiental, pesquisa científica, prospecção
geoquímica etc.), para realizar análises adequadas, bem como definir os parâmetros e os
constituintes da água subterrânea, a serem determinados.

As análises de água mais frequentemente realizadas em estudos hidroquímicos de água


subterrânea são: análises físico-químicas, análises bacteriológicas, análises microbiológicas,
análises radioativas e análises ambientais.

A etapa de coleta de amostras de água, seu correto acondicionamento, preservação,


transporte, envio para análise e seu controle de qualidade, são procedimentos de elevada

1
Discente do curso de graduação em geologia, UFBA. Email: fanhageologia@gmail.com
importância nas interpretações e resultados finais dos estudos hidroquímicos. O objetivo da
amostragem é coletar uma porção representativa, cuja análise fornecerá uma imagem do
universo estudado. É essencial que a amostragem seja feita com técnicas e equipamentos
adequados, para evitar todas as fontes possíveis de contaminação e perdas, devendo ser
orientada, preferencialmente, pelo químico responsável pela obtenção dos resultados
analíticos ou pelo biólogo responsável pelas determinações e/ou análises.

O tempo entre a coleta e a análise das amostras deve ser o mínimo possível, pois
efeitos causados pela temperatura e/ou luz podem acarretar a alteração de suas características
iniciais. Portanto, muitas vezes é preferível metodologias mais simples de análise in loco do
que análises mais sofisticadas em laboratório.

Para evitar, diminuir ou retardar essas modificações, faz-se necessário utilizar técnicas
adequadas de preservação e armazenamento das amostras. Os principais métodos de
preservação são o controle de pH, refrigeração e adição química, tendo como efeitos o
retardamento e/ou redução da ação biológica, da hidrólise dos complexos e compostos
químicos, a volatilização de constituintes e a absorção e/ou aderência ao material do
recipiente armazenador.

Em estudos hidroquímicos, é vital avaliar as informações das análises fornecidas pelos


laboratórios especializados. Essa avaliação é feita através do cálculo do erro da análise. Numa
análise hidroquímica completa, a concentração total dos íons positivos (cátions) deve ser
aproximadamente igual à concentração total dos íons negativos (ânions).

5.1.3 Caracterização da Qualidade das Águas

Do ponto de vista das características físicas, a água é o único líquido inorgânico


encontrado na natureza, sendo também o único composto químico que ocorre no meio
ambiente nos três estados físicos, sólido, líquido e gasoso. A água pura é incolor, inodora,
insípida e transparente, entretanto como é um ótimo solvente e uma substância quimicamente
muito ativa, é capaz de incorporar grandes quantidades de substâncias ao entrar em contato
com os minerais constituintes dos solos e rochas, nos quais circula. As características físicas
são de ordem estética e elevados valores de algumas destas características podem causar certa
repugnância a consumidores mais exigentes. As águas subterrâneas raramente são portadoras
de características estéticas perceptíveis, a não ser o sabor decorrente de sais dissolvidos em
quantidade excessiva. Enquadram-se nas características de propriedades físicas os seguintes
aspectos: temperatura, cor, odor, sabor, turbidez, sólidos em suspensão, condutividade elétrica
e salinidade.

Do ponto de vista das características químicas, temos o pH, o Eh, resíduos secos,
sólidos totais dissolvidos, alcalinidade, acidez, dureza, demanda de oxigênio, carbono
orgânico total, íons dissolvidos, gases dissolvidos, nutrientes e compostos orgânicos
sintéticos.

Do ponto de vista das características microbiológicas, entre as impurezas das águas


naturais, incluem-se os microorganismos, como as bactérias, vírus, e protozoários, podendo
causar doenças ao homem. A qualidade bacteriológica de uma água para avaliar a
contaminação por dejetos humanos e de outros animais de sangue quente é feita através de
bactérias do grupo coliformes, principalmente os coliformes totais e Escherichia coli ou
coliformes termotolerantes.

5.1.4 Princípios de Classificação das Águas

Os dados de análises de água podem ser interpretados com base em análises


individuais ou a partir de um conjunto de dados referentes a uma área ou a um determinado
aqüífero. Para uma avaliação temporal e espacial de um conjunto de dados, são,
freqüentemente, utilizados métodos gráficos, que podem ser elaborados por softwares
específicos disponíveis no mercado, os quais podem, inclusive, fazer a representação gráfica
dos dados sobre mapas. O manejo de grande quantidade de dados pode ser simplificado
através da utilização desses gráficos e diagramas, em especial quando se trata de fazer
análises comparativas entre várias análises de água de um mesmo ponto em épocas diferentes
ou de diferentes lugares.

Os diagramas e as formas gráficas de apresentação dos resultados de análises químicas


mais comumente utilizados são: Diagramas Colunares, Diagrama Radial de Tickel,
Diagramas Circulares, Diagrama Triangular Simples, Diagrama Triangular de Piper,
Diagrama de Stiff, Diagrama Semi-logarítmico de Schoeller, Hidrogramas, Perfis
Hidroquímicos, Mapas Hidroquímicos.

5.1.5 Padrões de Qualidade das Águas

As características que delimitam o modelo de água destinada ao abastecimento


doméstico, denominadas padrões de potabilidade de consumo humano, compreendem
critérios essenciais e critérios complementares. Os primeiros dizem respeito, principalmente,
à proteção contra a contaminação por microorganismos patogênicos e contra a poluição por
substâncias tóxicas ou venenosas. Os critérios complementares visam o controle da qualidade
no que diz respeito ao aperfeiçoamento da água em aspectos estéticos, organolépticos e
econômicos, que embora desejáveis, não são essenciais à proteção da saúde pública (cor,
sabor, odor, turbidez, dureza, temperatura, pH). As águas geralmente são consideradas
potáveis quando podem ser consumidas pelo homem sem ocasionar prejuízos à sua saúde.

Segundo o Art. 17 da Portaria 1.469/2.000 do Ministério da Saúde, as metodologias


analíticas para determinação dos parâmetros físicos, químicos, microbiológicos e de
radioatividade devem atender às especificações das normas nacionais que disciplinem a
matéria, da edição mais recente da publicação Standard Methods for the Examination of
Water and Wastewater, de autoria das instituições American Public Health Association -
APHA, American Water Works Association - AWWA e Water Environment Federation - WEF,
ou das normas publicadas pela International Standartization Organization - ISO.

Os padrões da água para uso na agricultura (irrigação) são mais simples, porque o
número de parâmetros a serem considerados é menor. A classificação das águas para fins
agrícolas é determinada pela concentração de alguns íons tais como o sódio, potássio, cloreto,
sulfato, bicarbonato e boro, e parâmetros como a concentração total dos sais dissolvidos
(STD), condutividade elétrica e a concentração total de cátions, que influenciam de maneira
diferenciada no crescimento de cada espécie vegetal.

Os efeitos dos tipos de água sobre os vegetais levam em consideração não só sua
composição físico-química, mas também as características da espécie vegetal (tolerância à
salinidade e seu ciclo de vida) e do solo (permeabilidade, porosidade, textura e composição
mineral). Existem alguns critérios que permitem verificar a adequabilidade da água para
agricultura, sendo atualmente o mais aceito e utilizado a classificação do United States
Salinity Laboratory - USSL. Esta classificação baseia-se na Razão de Adsorção de Sódio
(RAS), como indicador do perigo de alcalinização ou sodificação do solo, e na condutividade
elétrica da água (CE), como indicador do perigo de salinização do solo. Quanto maior o RAS,
menos apropriada é a água para fins de irrigação. O RAS indica a percentagem de sódio
contido numa água que pode ser adsorvido pelo solo.

Os padrões da água para fins industriais são complexos em função da diversidade de


uso da água, pois dependem do tipo da indústria e dos processos de industrialização, gerando
necessidades diferentes de qualidade de água para cada uso. Dentre os vários parâmetros
analisados nas águas para fins industriais, o que mais afeta a maioria das indústrias é a
capacidade de ataque químico, que revela o seu caráter de agressividade, neutralidade ou
incrustabilidade.

Os padrões para o consumo animal não são genericamente adotados, em conseqüência


da diversidade das espécies de animais e suas variedades de raças, além de serem
influenciados pelo clima, cadeia alimentar, tamanho, sexo etc. A água para consumo animal,
antes de ser fornecida, deverá ser avaliada nos aspectos químico, físico-químico, biológico e
radiológico, para evitar contaminações, intoxicações e até a morte do animal.

5.1.6 Padrões de Referência de Qualidade Ambiental

Os padrões de qualidade ambiental das águas visam, fundamentalmente, a proteção da


saúde pública e o controle de substâncias potencialmente prejudiciais à saúde do homem,
como microorganismos patogênicos, substâncias tóxicas ou venenosas e elementos
radioativos. A legislação brasileira de controle ambiental da qualidade da água baseia-se em
usos da água e seus correspondentes limites de aceitação de poluição e/ ou contaminação.

Para águas superficiais, os padrões de qualidade ambiental das águas superficiais no


Brasil foram instituídos pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA) no 20, 18/06/86, 102, Decreto no 79.367, de 09/03/77, 120; Portaria no 56-BSB,
de 14/03/77, 122; NTA 60, 129. Resolução no 25, de 1976, 132.

Segundo a resolução do CONAMA, as águas são divididas em doces, salobras e


salinas, e segundo seus usos preponderantes, são classificadas em nove classes, onde para
efeito desta resolução, são adotadas as seguintes definições:

• Águas Doces - águas com salinidade igual ou inferior a 0,5%;


• Águas Salobras - águas com salinidade variando entre 0,5 e 30%;
• Águas Salinas - águas com salinidade igual ou superior a 30%.

A classificação das águas subterrâneas, em função das suas características


hidrogeoquímicas naturais e seus níveis de poluição, foi estabelecida pela Resolução do
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) nº 396, de 03 de abril de 2008. Esta
classificação tem em vista prevenir e controlar a poluição e promover a proteção da qualidade
das águas subterrâneas que, uma vez contaminadas, exigem processos lentos e custosos para
sua recuperação. Segundo a resolução do CONAMA, as águas subterrâneas são classificadas
em seis classes.

A CETESB foi a pioneira no Brasil a propor valores de referência de qualidade para


águas subterrâneas e solos, baseados na metodologia holandesa (Dutch Standard). O Padrão
Holandês avalia o nível de contaminação em água subterrânea e/ou solo, fixando limites de
concentração baseados na exposição humana ao contato com a substância, considerando um
nível máximo de ingestão diária.

Capítulo 5.2 - Geoquímica das Águas Subterrâneas

5.2.1 Introdução

A geoquímica das águas subterrâneas, também referida como hidrogeoquímica, é uma


ciência multidisciplinar que relaciona a composição química da água aos processos e reações
no ambiente de subsuperfície. O enfoque principal da hidrogeoquímica é a compreensão da
origem e evolução química dos constituintes presentes na água, em decorrência dos processos
físico-químicobiogeoquímicos que acontecem durante o fluxo da água subterrânea nos
aqüíferos, desde a zona de recarga até os exutórios naturais.

5.2.2 Conceitos Fundamentais

O ciclo hidrológico representa o percurso da água desde a atmosfera, passando por


várias fases que englobam: precipitação, infiltração, escoamento subterrâneo, escoamento
superficial, evaporação e evapotranspiração. A água subterrânea que integra o ciclo
hidrológico tem sua origem vinculada à água meteórica, mas outros tipos de águas podem
estar relacionados ao ciclo geológico ou de formação das rochas. São elas: a água termal,
associada ao ciclo hidrológico ou à atividade de vulcanismo; a água fóssil, aprisionada
durante a formação de rochas sedimentares; e a água juvenil com origem magmática,
vulcânica ou cósmica.

As zonas hídricas em subsuperfície se classificam, com base nos seus atributos


hidrológicos e condição de saturação, em zona não saturada (ZNS) e zona saturada (ZS). A
percepção de que as águas nestas zonas estão ligadas por processos hidrológicos de recarga e
transporte, e pelos mecanismos hidro e biogeoquímicos de transformação da qualidade,
conduz ao termo água subterrânea para designar, em um conceito atual, todas as águas que
ocorrem em subsuperfície, embora os volumes estocados na zona saturada sejam maiores. As
características de porosidade, permeabilidade e espessura das zonas em subsuperfície
determinam a comunicação com o ambiente superficial e transporte de substâncias
dissolvidas. Estes fatores influenciam a natureza das reações químicas e a qualidade da água.

A ZNS pode ser dividida em três componentes: (a) a zona das raízes, uma faixa com
alta porosidade e permeabilidade, penetrada pelas raízes das plantas; (b) a zona vadosa ou
intermediária, de espessura variável e com sedimentos de granulometria variável, composta
das águas gravitacional, pelicular e capilar; (c) a franja capilar, que representa o limite entre a
ZNS e a ZS. Na ZNS coexistem três fases: o material sólido poroso de origem geológica ou
orgânica; a fase líquida, com água e os solutos; e a fase gasosa, composta pelo ar com vapor
d’água, etc.

A ZS é considerada único reservatório ou sistema de reservatórios naturais com poros


e/ou fraturas das formações geológicas preenchidos por água. A espessura varia de
centímetros a dezenas de metros em climas semi-áridos, ou centenas de metros, em clima
úmido. A água pode ser encontrada em uma formação contínua ou em camadas separadas,
constituindo os meios aquíferos. A composição química da água subterrânea é condicionada à
litologia, mas também é influenciada por outros fatores tais como: composição e volume da
água de recarga; tipo de ambiente geológico; características hidrogeológicas do sistema;
características inerentes à água do aqüífero (pH, Eh, solubilidade, agressividade etc.); reações
químicas e biológicas no fluxo subterrâneo.

Em bacias fechadas, os fluxos subterrâneos têm sido zoneados em três sistemas


(Domenico e Schwartz, 1990; Chapelle, 1993): (a) Sistema de fluxo local (zona superior de
fluxo ativo influenciado pela recarga local); (b) Sistema de fluxo intermediário (zona média,
de fluxo mais profundo, moderadamente afetado pelos eventos de recarga local); e, (c)
Sistema regional (zona mais inferior, não afetada pela recarga local). O grau de conexão com
a superfície influencia os processos hidrobiogeoquímicos nos diferentes ambientes. No
sistema de fluxo local, os gases trocados com a atmosfera favorecem as condições oxidantes
ou aeróbicas. No sistema intermediário, o transporte de O2 é limitado, promovendo condições
redutoras e anaeróbicas. Os sistemas regionais, na prática, são considerados isolados da
atmosfera.

5.2.3 Fundamentos da Hidrogeoquímica

Um pré-requisito nos estudos de hidrogeoquímica é o entendimento dos processos que


ocorrem associados às águas naturais e aos problemas de contaminação. Se um poluente está
presente, os processos atuantes promovem mudanças no seu estado físico ou forma química,
podendo atenuar seu efeito, retardar a circulação ou mesmo removê-lo do sistema.

As reações e processos físico-químicobiogeoquímicos que ocorrem nas zonas não


saturada e saturada determinam o tipo e quantidade de constituintes presentes na água. Os
principais processos são (Mestrinho, 2006a): dissolução de gases; reação de ácido-base;
sorção e troca iônica; dissolução/precipitação de minerais; oxidação/redução e os processos
biológicos ou reações de biotransformação. A compreensão destes processos requer o
conhecimento de conceitos da química e da microbiologia da água, exigindo do hidrogeólogo
um movimento no sentido de atender à interdisciplinaridade necessária aos objetivos da
hidrogeologia moderna.

Os constituintes da água subterrânea são derivados das interações entre a água e os


diversos sólidos, líquidos e gases que acontecem desde a área de recarga até a descarga.
Assim, a origem dos constituintes está associada à qualidade das águas de infiltração, ao
tempo de trânsito e tipos litológicos atravessados. Os constituintes classificados como
principais são os íons Cl-, SO42-, HCO3-, Na+, Ca2+, Mg2+ e, em algumas situações, os íons
NO32-, CO32-, K+ e Fe3+. As substâncias dissolvidas pouco ionizadas como alguns ácidos,
hidróxido de Fe e a sílica (H4SiO4) em estado coloidal, podem integrar a solução aquosa
natural, assim como seus íons derivados (Fe2+, Fe3+ e H3SiO4-). Entre os gases dissolvidos
CO2 e O2 são os principais, ainda que não sejam analisados sistematicamente.

5.2.4 Mineralização das Águas Subterrâneas

Numa visão sistêmica, para se explicar a mineralização das águas subterrâneas e a


evolução da sua composição, deve-se considerar os fatores endógenos (sistema de fluxo, tipo
litológico, tipo de estruturas, processos geoquímicos e microbianos em subsuperfície) e
exógenos (aspectos climáticos e geofisiográficos) influentes no meio. A inter-relação destes
processos é complexa e exige uma ampla conjunção interdisciplinar de especialistas.

5.2.5 Interpretação dos Dados de Qualidade da Água

A classificação química inicial da água se refere à concentração dos cátions e ânions


presentes. A interpretação dos processos hidrogeoquímicos é mais complexa e pode explicar a
origem da água ou sua evolução química. A modelagem hidrogeoquímica é uma ferramenta
importante para alcançar informações, dentre outras, sobre o balanço de massa dos minerais
dissolvidos ou precipitados, especiação dos íons, índice de saturação em relação aos minerais
e estado de redox da água. É um método que permite a representação matemática da
hidrogeoquímica, utilizando-se as equações de fluxo e de conservação de massa que simulam
o transporte de solutos.

A classificação da água é feita com base nas espécies mais abundantes. Dentre os
constituintes principais, o cátion ou ânion que perfaz mais de 50% do conteúdo iônico total,
classifica a água de acordo com a espécie predominante (e.g. sulfatada, cloretada,
bicarbonatada etc.), ou pelo cátion e ânion que predominam (e.g. bicarbonatada-sódica,
bicarbonatada-cálcica, etc.). Quando várias espécies se apresentam com concentrações
igualmente abundantes, a água exibe uma tipologia química mista (e.g. sulfatada-cloretada-
cálcica).

A representação gráfica tem sido usada, também, para classificar a tipologia química
da água e verificar a abundância relativa dos elementos principais. É um método rápido para
avaliar a evolução química da água, indicando diferenças e similaridades entre amostras ou
processos e reações químicas. Os diagramas dos tipos colunares, radiais e ternários propostos
na literatura (Domenico e Schwartz, 1990, Hem, 1985, Szikszay, 1993), são úteis para ilustrar
a proporção dos íons em uma amostra. Contudo, para estudar a hidroquímica ou variação
espacial e temporal da água entre diferentes aqüíferos, um grande número de figuras pode ser
requerido. O tratamento das diferentes populações de amostras relacionadas a distintas
origens ou fácies minerais exige a aplicação de métodos estatísticos.

5.2.6 Hidrogeoquímica de Climas Tropicais

Nos trópicos, o intemperismo das rochas exibe suas particularidades e novos campos
de pesquisa nesta área estão emergentes. Diversos fatores afetam o movimento da água no
ciclo hidrológico nos trópicos e resultam em efeitos distintos daqueles fora dos trópicos. É
importante se considerar o balanço hídrico da região, a presença da vegetação, tempo e
distribuição das chuvas etc. Em geral, a gestão dos recursos hídricos ainda não tem sido
adequada a climas tropicais. Falta conhecimento mais consistente de aspectos relacionados à
estrutura, funcionamento e dinâmica da água nestas condições. Finalmente, embora muitas
pesquisas tenham sido desenvolvidas, existe ainda uma grande lacuna para a compreensão dos
problemas relacionados ao comportamento da água e migração dos constituintes químicos nas
condições diversificadas de clima tropical úmido, árido e semi-árido atuantes no Brasil.

Capítulo 5.3 - Contaminação das Águas Subterrâneas

5.3.1 Introdução

A degradação que o desenvolvimento industrial acelerado já causou ao meio ambiente


nas últimas três décadas e os males que ainda continua disseminando, estão longe de serem
revertidos, a despeito da preocupação manisfestada por boa parte da sociedade. Nos países
desenvolvidos, as descargas de produtoss químicos solúveis, de resíduos industriais de toda
sorte, e bem assim de resíduos sólidos e líquidos urbanos, são enormes e crescem a cada dia.
Nos países em desenvolvimento, a falta de saneamento e a precariedade dos controles sobre as
atividades industriais, também se refletem na degradação do meio ambiente, sobretudo dos
recursos de água superficial e subterrânea.

Os problemas de melhoria da qualidade da água superficial exigem a redução dos


lançamentos de resíduos nas fontes de poluição conhecidas. Já a proteção dos aqüíferos exige
a identificação das áreas e dos mecanismos através dos quais os poluentes podem alcançar os
sistemas de fluxo subterrâneo. Para tanto, é necessário fazer previsões, as mais confiáveis
possíveis, sobre o transporte de contaminantes na água subterrânea.

5.3.2 Fundamentos Básicos

A importância da água para a vida na Terra e para as atividades humanas pode ser
avaliada pelas principais funções e usos dessa substância. Quanto à distribuição espacial, a
poluição (e a contaminação que pode originar) pode ser: pontual, difusa e linear. Em geral, as
contaminações pontuais dão origem a concentrações elevadas, localizadas em plumas que
podem permanecer estratificadas em um aqüífero. As contaminações difusas tendem a criar
uma estratificação regionalizada e os mananciais de superfície e poços produzem uma mistura
contaminada e não contaminada, em proporções crescentes com o tempo.
As contaminações das águas subterrâneas podem ter origens diversas, sendo
atualmente mais comuns aquelas relacionadas diretamente com atividades industriais,
domésticas e agrícolas. De acordo com a classificação estabelecida pelo Office of Technology
Assessment (OTA) do Congresso dos Estados Unidos, modificada por Fetter (1993), é
possível distinguir as seguintes fontes de contaminação: (a) Fontes projetadas para recepção
de substâncias, (b) Fontes projetadas para armazenar, tratar ou receber substâncias, (c) Fontes
projetadas para reter substâncias durante transporte, (d) Fontes produtoras de substâncias em
virtude de outras atividades, (e) Fontes que podem atuar como condutoras da água
contaminada, e (f) Fontes naturais cuja descarga é criada pela atividade humana.

O notável poder de depuração dos aqüíferos, em relação a muitos contaminantes, e o


grande volume de água que armazenam, fazem com que as contaminações extensas se
manifestem muito lentamente e as contaminações localizadas somente apareçam depois de
algum tempo e, mesmo assim, quando deslocadas para captações em explotação. De um modo
geral, as águas subterrâneas podem sofrer contaminação direta, sem diluição, quando o
poluente atinge diretamente o aqüífero através de poços negros ou poços abandonados e/ou
com deficiências construtivas, e contaminação indireta, com diluição, quando o poluente
atinge o aqüífero depois de passar por alterações a partir do ponto de origem.

As formas mais usuais de contaminação da água subterrânea são: exposição de


resíduos sólidos no solo, lançamentos de esgotos, atividades agrícolas, derramamento e
vazamento de petróleo, lançamento de resíduos radioativos.

Os principais modelos de contaminação da água subterrâneas, são:

• Filtração vertical descendente, através de uma camada semipermeável, de água


contaminada de um aquífero livre superior de maior carga potenciométrica;
• Contaminação produzida por deficiência construtiva em poços ou por efeitos de
corrosão no revestimento;
• Intrusão de água salgada por ascensão de cone salino em poços produtores;
• Infiltrações através da zona não saturada a partir de fossas sépticas ou a partir de
irrigações praticadas com águas residuais;
• Infiltrações através da zona não saturada a partir de águas de chuvas penetrantes em
depósitos de lixo, ou em depósitos de rejeitos de explotação mineral.

Os principais tipos de contaminantes da água subterrânea podem ser classificados em:


inorgânicos, orgânicos e biológicos.

• Contaminantes Inorgânicos - nitrogênio agrícola, radionuclídeos (produtos


radioativos), nitritos e nitratos e metais pesados (mercúrio, cádmio, chumbo etc).
• Contaminantes orgânicos - pesticidas, pesticidas agriquímicos, aditivos de gasolina e
produtos de petróleo conhecidos como BTEX (benzeno, tolueno, eteno, xileno).
• Contaminantes Biológicos - bactérias e vírus.
5.3.3 Comportamento Hidroquímico de Contaminantes

São inúmeros os processos hidroquímicos que afetam as substâncias contaminantes


das águas subterrâneas, onde, com base em Freeze & Cherry (1979), serão abordados apenas
alguns dos mais importantes desses processos, ou seja, aqueles associados com o nitrogênio e
com certos grupos de substâncias metálicas, não metálicas e orgânicas.

O nitrogênio dissolvido na forma de íon nitrato (NO3-) é o contaminante mais comum


encontrado na água subterrânea. Fertilizantes minerais, esgotos e resíduos de plantas
encontrados na superfície do solo, no próprio solo ou em zonas pouco profundas do subsolo,
são as principais fontes diretas do nitrato presente nas águas subterrâneas. O nitrato também
pode ser gerado por fontes indiretas, isto é, por conversão do nitrogênio orgânico (N).

A presença de metais na água subterrânea apresenta especial interesse, sobretudo para


aqueles elementos cujos limites máximos permissíveis são fixados pelos padrões de água
potável. Em muitos ambientes subterrâneos, fenômenos de adsorção e reações químicas de
precipitação são responsáveis por uma movimentação muito lenta dos metais em relação à
velocidade da água subterrânea. Não surpreende, portanto, que os casos de contaminação por
traços de metais sejam relativamente raros (Kaufman, 1974). Mas, nos casos em que
realmente ocorre uma contaminação por traços de metais, as conseqüências podem ser sérias
(Freeze & Cherry, 1979).

Dentre os elementos não metálicos conhecidos, apenas alguns receberam maior


atenção nos estudos de água subterrânea. É o caso do carbono, cloro, enxofre, nitrogênio,
flúor, selênio, arsênio, fósforo e boro.

As substâncias orgânicas de origem natural, como por exemplo os ácidos húmicos e


fúlvicos, não apresentam problema do ponto de vista da qualidade da água. As que realmente
preocupam são as substâncias orgânicas produzidas pelo homem. Muitas dessas substâncias
não são biodegradáveis e muitas outras não podem ser removidas em estações de tratamento
de esgoto. Esses compostos orgânicos atingem a superfície dos solos através do uso de
pesticidas, do lançamento de esgotos na superfície do terreno e, ainda, através dos aterros
sanitários, dos contêineres enterrados com produtos orgânicos, dos derrames acidentais
durante o transporte e outras vias. Felizmente, nos meios porosos existem vários mecanismos
que tendem a evitar ou retardar a migração de muitas substâncias orgânicas da superfície do
solo ou do interior do próprio solo para zonas mais profundas do subsolo. Esses mecanismos
incluem precipitação química, degradação química, volatilização, degradação biológica,
consumo biológico e adsorção.

5.3.4 Transporte de Massa

Refere-se ao transporte de um soluto, isto é, da massa de uma substância que se move


com a água nos interstícios do meio poroso. Os mecanismos que atuam no transporte de um
poluente em um meio poroso são:

• Os fluxos advectivo, dispersivo e difusivo;


• Interações sólido-soluto;
• Reações químicas;
• Fenômenos de decaimento.

O termo dispersão hidrodinâmica é utilizado para descrever a dispersão resultante dos


dois fenômenos. O movimento do traçador com velocidade média no meio poroso é chamado
advecção ou convecção. Além da advecção, dispersão mecânica e difusão molecular, vários
outros fenômenos podem alterar a distribuição de concentração do traçador à medida que ele
se move no meio poroso. Por exemplo, os grãos da matriz sólida podem adsorver partículas
do traçador, ou pode haver reações químicas (por exemplo, dissolução da matriz sólida pelo
soluto), e, ainda, trocas iônicas e decaimento radioativo.

Geralmente, as variações de concentração do soluto produzem mudanças na densidade


e na viscosidade do líquido, afetando, portanto, o regime de fluxo, isto é, a distribuição de
velocidade, que depende desses parâmetros. Como os valores de concentração e velocidade da
substância não podem ser avaliados ao nível microscópico, o que se emprega são valores
médios, ao nível macroscópico.

As descrições matemáticas da dispersão restringem-se a materiais que são isotrópicos,


com relação às propriedades da dispersão do meio poroso. A equação diferencial que descreve
o transporte de constituintes dissolvidos em meio isotrópico saturado, é conhecida como
equação da advecção-dispersão.

O conjunto de reações químicas e bioquímicas que pode alterar as concentrações de


um soluto em sistemas de fluxo de água subterrânea, pode ser agrupado em 6 categorias:

• adsorção-desorção;
• ácido-base;
• solução-precipitação;
• oxidação-redução;
• associação iônica (complexação);
• síntese celular microbiana. No caso de poluentes radioativos, ocorrem fenômenos de
decaimento e processos não radiogênicos.

Os solutos dissolvidos na água subterrânea estão sujeitos a vários processos naturais,


através dos quais eles podem ser removidos. Podem, por exemplo, sofrer sorção para as
superfícies dos grãos sólidos do aqüífero, sorção para o carbono orgânico eventualmente
presente no aqüífero, sofrer precipitação química, biodegradação e participar de reações de
oxidação e redução. Nos processos de sorção alguns solutos movem-se mais lentamente do
que a própria água subterrânea que os transporta. Esse efeito é conhecido como retardamento.
Os outros processos, embora reduzam a concentração do soluto na pluma, não reduzem o seu
movimento.

5.3.5 Estudo de Caso

Um experimento sobre transporte de solutos reativos e não reativos em um aqüífero de


areia, sob gradientes naturais da água subterrânea, relatado por Fetter (1993), foi realizado em
1982 na área de Borden, Canadá. O trabalho foi iniciado com a injeção, através de 9 poços, de
12 m3 de água contendo alguns solutos (Íon cloro, Íon bromo, Bromofórmio,
Tetracloroetileno, Tetracloreto de carbono, 1, 2 – diclorobenzeno, Hexacloroetano). No
aqüífero já haviam sido previamente instalados 275 amostradores multi-nível de água
subterrânea (Mackay et al., 1986; Freyberg, 1986; Roberts et al., 1986).

Durante dois anos, foi feito um monitoramento com coleta de amostras de água para
análise dos traçadores iônicos e orgânicos, com o objetivo de definir o movimento da pluma.
Globalmente foram feitas mais de 14.000 análises, onde o resultado é uma separação dos
componentes da pluma, fenômeno conhecido como efeito cromatográfico. A duração total do
experimento foi de 633 dias para os orgânicos e 647 dias para o cloreto. O cloreto moveu-se
muito mais do que os orgânicos e o tetracloreto de carbono moveu-se muito mais do que o
tetracloroetileno.

As velocidades relativas foram indicadas pelas posições dos centros de massa das
plumas no final do experimento, onde:

• Íon cloro = 9,00 cm/dia;


• Íon bromo = 3,92 cm/dia;
• Tetracloreto de carbono = 3,40 cm/dia;
• Tetracloroetileno = 1,95 cm/dia;
• 1, 2 – diclorobenzeno = 1,28 cm/dia;
• Hexacloroetano = Sem detecção após 633 dias.

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