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Ronei de Almeida(1)
Engenheiro Químico pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mestre em Engenharia de Processos
Químicos e Bioquímicos (EPQB/UFRJ). Doutorando em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos na
EQ/EPQB – UFRJ.
Raphael Porto(1)
Graduando em Engenharia Química pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (EQ/UFRJ). Bolsista de
iniciação científica da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
Endereço(1): Av. Athos da Siveira Ramos, 149 – Cidade Universitária – Ilha do Fundão – Rio de Janeiro – RJ –
CEP: Brasil - Tel: (21) 2562-7346 – e-mail: ronei@eq.ufrj.br
RESUMO
Os processos de nanofiltração e osmose inversa (OI) têm sido utilizados para tratar eficientemente os
lixiviados de aterros sanitários. Entretanto, o gerenciamento do concentrado – corrente líquida formada pela
parcela de contaminantes retidos pela membrana – é um dos principais gargalos dos processos de separação
com membranas (PSM). A caracterização físico-química e ecotoxicológica do concentrado gerado nos PSM é
um instrumento essencial para definição de rotas e estratégias para gerenciamento do rejeito gerado. Neste
contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a composição físico-química e ecotoxicológica do
lixiviado e do concentrado de osmose inversa (COI) de uma estação de tratamento de lixiviado de aterro
sanitário de grande porte. O COI apresentou elevada concentração de matéria orgânica, quantificada através
dos parâmetros Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5) (3,40 g/L) e Demanda Química de Oxigênio
(DQO) (11,73 g/L), e reduzida biodegradabilidade – baixa relação DBO5/DQO (0,29) e elevada concentração
de Substâncias Húmicas (SH) (4,32 g/L). A concentração média de cloreto foi de 5,94 g/L. Além disso, o
resultado de ecotoxicidade do concentrado (CE50 = 0,1745%; FT ≌ 573) confirmou o elevado potencial
poluidor ecotoxicológico do COI para o ambiente aquático. Considerando os resultados desse estudo, do ponto
de vista dos autores, a recirculação do COI no corpo do aterro não é aceitável, visto que esse rejeito pode ser
considerado um resíduo perigoso e por isso, requer gerenciamento diferenciado. Prevê-se que os resultados
desse estudo avancem no entendimento das práticas de destinação do concentrado de PSM adotada em aterros,
bem como, contribua para o estabelecimento de protocolos relacionados ao tratamento de lixiviados mais
eficientes.
ABSTRACT
Nanofiltration and reverse osmosis (RO) have been used to treat landfill leachate efficiently. However, the
management of the concentrate - waste stream formed by the contaminants retained by the membrane - is one
INTRODUÇÃO
No que tange à administração dos aterros sanitários, uma das questões mais preocupantes é o efetivo
tratamento dos líquidos lixiviados gerados. O lixiviado – efluente líquido proveniente da decomposição de
substâncias contidas nos resíduos sólidos e infiltração de águas pluviais – é uma matriz aquosa potencialmente
poluidora e de extrema complexidade, visto que apresenta grande variabilidade na composição, pois seu
processo de geração pode ser influenciado por diversos fatores, tais como, características dos resíduos
dispostos no aterro, condições climáticas e hidrogeológicas (KJELDSEN et al., 2002).
No presente momento, não existe uma tecnologia de aplicabilidade geral que possa ser utilizada para
tratamento do lixiviado de quaisquer aterros. Nos últimos anos, a osmose inversa (OI) emergiu como
tecnologia mais promissora para tratamento desse efluente, seja como etapa complementar ou única
(CINGOLANI et al., 2018; TALALAJ et al. 2019; DE ALMEIDA et al., 2020). Entretanto, um dos principais
desafios dessa tecnologia é o gerenciamento do concentrado – corrente líquida formada pela parcela de
contaminantes retido pela membrana – gerado durante a filtração (LADEWIG & ASQUITH, 2012).
Geralmente, nos concentrados de osmose inversa (COI) provenientes do tratamento do lixiviado são
encontrados compostos orgânicos de elevada massa molar e íons inorgânicos (JOO & TANSEL, 2015). A
composição do COI também é influenciada pela quantidade e tipo de produto químico utilizado nos processos
de limpeza das membranas e/ou procedimentos de prevenção de fouling/biofouling, ou agentes químicos
utilizados para ajuste do pH do afluente (VÄISÄNEN et al., 2002), dessa maneira, atenção especial deve ser
dada a essas etapas durante operação das estações de tratamento. Dentro desse contexto, a caracterização
físico-química e ecotoxicológica do COI é uma ferramenta essencial para a definição de rotas e estratégias de
gerenciamento desse rejeito gerado no tratamento do lixiviado.
Neste contexto, o presente estudo teve como objetivo avaliar a composição físico-química e ecotoxicológica
do lixiviado e do COI de uma estação de tratamento de lixiviado de aterro sanitário de grande porte.
MATERIAIS E MÉTODOS
O aterro sanitário deste estudo localiza-se na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Todas as
informações apresentadas nesta seção foram obtidas durante visitação técnica realizada em 01/04/2019. O
aterro sanitário ocupa uma área de 1.471.765 m2 e teve suas atividades iniciadas em janeiro de 2012, sendo seu
investimento inicial de construção de aproximadamente US$ 2,45 milhões. A capacidade de recebimento de
resíduos sólidos é de cerca de 2,5 toneladas por dia e a vida útil estimada é de 15 anos (ALMEIDA et al.,
2020).
A estação de tratamento de lixiviado opera desde 2014, consiste em um sistema modular de OI instalado em
container, possui capacidade de tratamento de 120 m3 dia-1 e é composto pelos seguintes sistemas de
tratamento: pré-tratamento físico (filtro de areia e filtro cartucho 0,45 µm) e OI em triplo-passo.
A caracterização do lixiviado e do concentrado foi realizada com base em parâmetros de poluição de efluentes
líquidos do Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, publicado pela American Public
Health Association (APHA), pela American Water Works Association (AWWA) e pela Water Environment
Federation (WEF) (2012) e outros procedimentos analíticos descritos na literatura. A saber: potencial
hidrogeniônico (pH) (Método 4500-H+), Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5) (Método 5210-B),
Demanda Química de Oxigênio (DQO) (Método 5220-D) e nitrogênio amoniacal (N-NH3) (Método 4500-
NH3), (APHA, 2012), Substâncias Húmicas (SH) (LIMA et al., 2017).
Em relação aos componentes inorgânicos, a concentração média de N-NH3 foi 3190 mg/L. Essa concentração
de nitrogênio amoniacal é condizente com os valores descritos na literatura para um aterro jovem (< 5 anos).
Além disso, os bioensaios realizados com Vibrio fischeri apontaram que o lixiviado apresenta elevada
ecotoxicidade, concentração de efeito (CE50) = 2,343% ou fator de toxicidade (FT) ≌ 43.
Quanto a ecotoxicidade do concentrado (CE50 = 0,1745%; FT ≌ 573), os valores foram muito superiores,
demonstrado o elevado potencial poluidor ecotoxicológico do concentrado para o ambiente aquático. Nesse
contexto, é importante destacar o trabalho realizado por Wang et al. (2016). Os autores avaliaram os efeitos
genotoxicológicos do concentrado de processos de filtração por membranas em células hepáticas in vitro e
reportaram alterações citológicas e genéticas nas células HepG2, alertando também para os efeitos prejudiciais
do concentrado à saúde humana.
Na última década, várias tecnologias foram descritas na literatura para gerenciar o COI gerado nos aterros,
incluindo a recirculação (CALABRÒ et al., 2018), evaporação natural (ZHANG et al., 2019),
solidificação/estabilização (HUNCE et al., 2012), eletrocoagulação (FERNANDES et al., 2017), ozonização
(SHAH et al., 2017), processos oxidativos avançados (POAs) (e.g., Fenton, eletro-Fenton, oxidação anódica)
(FERNANDES et al., 2017; LABIADH et al., 2016) e tratamentos térmicos (e.g., incineração, evaporação por
combustão submersa e compressão mecânica por vapor) (ZHANG et al., 2019).
Do ponto de vista tecno-econômico, a infiltração no maciço do aterro sanitário é a técnica mais adotada devido
ao baixo custo e simplicidade. No entanto, Calabrò et al. (2018) reportaram que o conteúdo inorgânico do
lixiviado aumenta (N-NH3 e Cl-) e os poluentes podem acumular no lixiviado e atingir elevadas concentrações.
Consequentemente, impactos negativos poderão ser observados no tratamento do lixiviado no médio e longo-
prazo.
Em relação aos métodos de tratamento, observa-se que os processos físico-químico como a evaporação natural
e eletrocoagulação apresentam como principais limitantes o gerenciamento do lodo gerado no tratamento. Os
POAs apesar de serem efetivos para o aumento da biodegradabilidade do concentrado, podem levar a
formação de subprodutos de maior ecotoxicidade. Portanto, esses processos precisam ser compreensivamente
avaliados. Por fim, os processos térmicos apresentam o componente custo como principal limitante da sua
aplicação em escala plena (FERNANDES et al., 2017; ZHANG et al., 2019).
Nesse cenário, uma abordagem capaz de gerar benefícios ambientais e econômicos deve emergir no
gerenciamento dos concentrados gerado nos aterros sanitários. Na Figura 3 é apresentado um diagrama
esquemático baseado na recuperação de recursos do concentrado e nos conceitos da economia circular.
O concentrado contém componentes recuperáveis como amônia, sais e metais, os quais possuem valor
econômico. Outra perspectiva no gerenciamento do concentrado gerado no tratamento do lixiviado é a
recuperação de substâncias húmicas que poderiam ser empregadas como biofertilizante (YE et al., 2019). Cabe
ainda frisar que o lixiviado tratado pode ser utilizado como água de reúso (DE ALMEIDA et al., 2020).
A produção de energia é outro enfoque promissor no gerenciamento dos concentrados de aterro. Além da
abordagem convencional que se dá através da aplicação de processos anaeróbios no tratamento do lixiviado e
do lodo para a produção de biogás, o qual pode ser empregado com fins energéticos (ABUABDOU et al.,
2020). O concentrado gerado nos PSM pode ser aplicado, por exemplo, em processos de osmose direta para
geração de energia utilizando o gradiente de salinidade (MERMIER & BORGES, 2016). A utilização do fluxo
osmótico permeado através da membrana permite o acionamento de geradores de energia elétrica e/ou térmica
que poderiam ser utilizados como fonte energética renovável nas estações de tratamento de lixiviado.