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Saneamento Ambiental – 2017

Engenharia Civil – Unifor/MG


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COAGULAÇÃO SEGUIDA DE MISTURA RÁPIDA

A coagulação consiste essencialmente na desestabilização das partículas coloidais e


suspensas realizadas pela conjunção de ações físicas e reações químicas, com duração de
poucos segundos, entre o coagulante (usualmente um sal de alumínio ou de ferro), a água e as
impurezas presentes. Em solução aquosa os íons metálicos de ferro e de alumínio,
positivamente carregados, formam fortes ligações com os átomos de oxigênio podendo
coordenar até seis moléculas de água ao redor, liberando os átomos de hidrogênio e reduzindo
o pH da suspensão. Esse processo denomina-se hidrólise e os produtos formados constituem-
se as espécies hidrolisadas de ferro e alumínio, podendo culminar, em função da dosagem, no
precipitado de hidróxido do metal. Posteriormente, verifica-se o transporte dessas espécies
para o contato com as impurezas presentes, etapa denominada mistura rápida, causando, em
função da magnitude da dosagem e pH de coagulação, sua desestabilização ou envolvimento
nos precipitados. Em seguida, com a aproximação e colisão das partículas desestabilizadas, há
formação dos flocos os quais podem ser removidos por sedimentação, flotação e filtração.
Assim, espera-se remover especialmente turbidez, matéria orgânica coloidal, substâncias
tóxicas de origem orgânica e inorgânica, e outras passíveis de conferir odor e sabor à água e
microorganismos em geral, elevando-se a qualidade da água distribuída.
O processo de coagulação efetua-se na unidade de mistura rápida da estação e está
presente na quase totalidade das estações de tratamento. Nas estações convencionais a
eficiência da coagulação influi no desempenho das demais etapas do tratamento, favorecendo
a qualidade microbiológica do efluente, aumentando a duração das carreiras dos filtros e
reduzindo o custo do metro cúbico de água tratada.
A importância da coagulação testifica-se em duas vertentes distintas e
complementares. No contexto sanitário à remoção de partículas de dimensões microscópicas
associa-se a de microorganismos patogênicos. Tal assertiva assume maior relevância na
comparação entre as dimensões médias dos micro flocos formados após a coagulação e dos
diversos tipos de microorganismos geralmente encontrados nas águas naturais. Ao passo que
os primeiros apresentam usualmente dimensões variando de 2 a 4 µm, para as bactérias do
gênero Salmonella e coliformes totais as variações são de 0,5 a 2 µm e, para os vírus de 0,025
a 0,1 µm. Protozoários, sabidamente mais resistentes à desinfecção com compostos de cloro,

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apresentam dimensões de 10 a 14 µm, para cistos de Giardia, e 4 a 6 µm de diâmetro para
Cryptosporidium.
Embora não consensual, a distinção entre partículas suspensas e coloidais, ou
partículas e coloides, frequentemente é reportada à dimensão de 1 µm. Para efeito da
coagulação, e do tratamento como um todo, considera-se a maioria das bactérias e
protozoários, como partículas, e os vírus como coloides.
A segunda vertente que confirma a relevância do processo de coagulação, é
essencialmente econômica. Partículas de sílica com diâmetro de 1 µm apresentam velocidade
de sedimentação da ordem de 1 mm/h e cuja densidade é significativamente superior à dos
diversos microorganismos. À remoção de partículas dessa magnitude de tamanho, certamente,
há de se associar à dos microorganismos patogênicos cujas dimensões são mínimas. Uma vez
que as unidades de decantação de escoamento horizontal via de regra apresentam
profundidade da ordem de 4 m, seria necessário tempo aproximado de 4.000 h para que a
deposição ocorra. Isto resultaria em áreas imensuravelmente maiores em razão do tempo de
detenção usual de 1,5 a 3 h verificado nestas unidades.
Desta forma, o objetivo principal da coagulação, e da floculação como via de
consequência, consiste em elevar significativamente a velocidade de sedimentação do
aglomerado de partículas a ser formado pela adição do coagulante. Para estações de
tratamento dotadas de unidades de flotação, persiste o objetivo da coagulação em fomentar a
agregação das partículas, porém sem conferir-lhes elevada velocidade de sedimentação que
prejudique o arraste pelas bolhas de ar.

FATORES INTERVENIENTES NA COAGULAÇÃO

Diversos fatores haverão de interferir, em maior ou menor grau, no processo de


coagulação. Embora não existam hierarquias absolutas em termos da coagulação, dentre os
principais fatores intervenientes, destacam-se o tipo de coagulante, o pH e a alcalinidade da
água bruta, a natureza e a distribuição dos tamanhos das partículas causadoras de cor e
turbidez, e a uniformidade de aplicação dos produtos químicos na massa líquida. Em menor
grau podem também ser mencionados a concentração e a idade do coagulante, a temperatura
da água e, dependendo do mecanismo predominante, o gradiente e velocidade e o tempo de
agitação na unidade de mistura rápida.

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Tipo de coagulante

É evidente que as características da água bruta vão influenciar na escolha do


coagulante, mas o êxito do processo de coagulação é indissociável do tipo de coagulante
utilizado. A característica fundamental para um coagulante ser empregado no tratamento de
água consiste na capacidade de produzir precipitados e espécies hidrolisadas em dissociação
no meio aquoso, capazes de desestabilizar ou envolver as partículas suspensas e coloidais
presentes nas águas naturais. O cloreto de sódio constitui contraexemplo importante. Ao se
dissociar na água os íons (NA+ e CL-) atuam como cargas localizadas e não produzem
espécies hidrolisadas fundamentais à coagulação, sendo por vezes denominado eletrólitos
indiferentes.
A definição do tipo de coagulante frequentemente deve fiar-se em fatores relacionados
à adequabilidade à água bruta, à tecnologia de tratamento, ao custo do coagulante
propriamente dito e dos produtos químicos porventura a ele associados, ao custo e a
manutenção dos tanques e dosadores. Nas estações com tecnologia convencional de
potabilização, a inter-relação dos dois primeiros fatores materializa-se em última instância nas
características do afluente às unidades de filtração, usualmente em termos de turbidez e/ou cor
da água decantada. Desta forma, na análise global de custos dos coagulantes deve-se
considerar o eventual benefício advindo da redução do volume despendido na lavagem dos
filtros, considerando a tarifa média de consumo de água e o percentual de perdas no sistema
de abastecimento. Frequentemente a definição por coagulante de maior custo justifica-se pelo
aumento da receita decorrente da melhor qualidade da água decantada e consequente aumento
do volume tratado. Tais avaliações igualmente aplicam-se para estações de filtração.
Outro aspecto que vem sendo progressivamente considerado relevante para a escolha
do coagulante refere-se à quantidade e característica do lodo gerado no tratamento, as quais
dependem das caraterísticas da água bruta e dos produtos químicos utilizados na coagulação.
Consequentemente, as características químicas e físicas dos resíduos gerados no tratamento de
água serão influenciadas pela composição do coagulante, e problemas relacionados ao
manuseio e à disposição podem ser minimizados ajustando-se o processo de coagulação,
culminando em alguns casos com a alteração do coagulante.
Diversos sais têm sido utilizados como coagulantes, basicamente de alumínio e ferro,
e, mais raramente, os polímeros orgânicos como coagulantes primários em alguns países

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como EUA e Canadá. O Quadro 1 apresenta as principais características dos coagulantes
usualmente empregados.

Quadro 1 – Coagulantes primários usualmente empregados no processo de coagulação

Objetivando reduzir os custos com transporte, estações de tratamento das regiões


Norte e Nordeste comumente utilizam o coagulante na forma sólida e a solução é preparada
na estação. Em outro contexto, nota-se o incremento do emprego de coagulante líquido,
sobretudo na região sudeste do País, com resultados operacionais satisfatórios. As vantagens
auferidas reportam-se à redução dos custos de manutenção dos equipamentos, de limpeza da
casa de química e do número de operadores na estação.
No processo de coagulação aos produtos químicos já citados, inserem-se os polímeros
orgânicos sintéticos ou naturais, utilizados mais comumente como auxiliares de coagulação.
Conforme mencionado, sua utilização visa a elevar a velocidade de sedimentação dos flocos
ou, na filtração direta, a aumentar a resistência destes aos efeitos de cisalhamento provocado
pelas forças hidrodinâmicas do escoamento pelos interstícios do meio filtrante, prolongando a
duração das carreiras dos filtros.

Alcalinidade e pH

Quando a coagulação se efetua com sais de ferro ou de alumínio, independente do


mecanismo predominante, o pH assume importante papel na prevalência das espécies
hidrolisadas do coagulante. Já a alcalinidade da água bruta, natural ou artificial, funcionará
como tampão, minimizando a queda muito acentuada do pH de coagulação.

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A dispersão do coagulante na água, além do consumo da alcalinidade, propicia a
liberação de CO2 e consequente abaixamento do pH. Como forma de minimizar a queda
muito significativa do pH, procedimento corriqueiro consiste na aplicação de cal, denominada
comumente cal primária, na unidade de mistura rápida. A função de tamponamento da
alcalinidade durante o processo de coagulação, evidencia-se por meio da Figura 1, no qual se
apresenta a variação do pH em função da dosagem de sulfato de alumínio para duas águas
naturais com alcalinidade total 10 e 100 mg/l CaCO3.

Figura 1 – Variação do pH em função da dosagem de sulfato de alumínio.

Frequentemente há necessidade de se conferir à água tratada alcalinidade adicional,


não consumida durante a coagulação, para preservação dos condutos. A aplicação da cal
hidratada, para correção do pH final têm como inconveniente a elevação da turbidez da água
tratada. Com frequência verifica-se a substituição da cal hidratada pela Barrilha (carbonato de
sódio) em estações que produzem água filtrada com turbidez inferior a 0,5 uT, consoante às
recomendações do atual padrão de potabilidade, motivada pela elevação desta característica
decorrente das impurezas presentes na cal hidratada.

Concentração da solução de coagulante e temperatura da água

A função principal da unidade de mistura rápida é possibilitar o contato entre as


espécies hidrolisadas do coagulante e o maior número de partículas coloidais presentes na
água bruta, daí a relevância da uniformidade da dispersão. Nas estações de tratamento de
água, a concentração do coagulante é limitada pela dosagem empregada e, sobretudo, pelo
volume dos tanques de preparo. Quando as soluções de sulfato de alumínio e de cal hidratada

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são preparadas na própria estação de tratamento, é usual o emprego de concentrações de 10 e
5 %, respectivamente.
Com relação à influência da temperatura da água na coagulação, no Brasil, esta
questão adquire importância secundária, porém, em alguns países do hemisfério norte, são
comuns temperaturas inferiores a 5°C, daí o ponto de congelamento do coagulante ser uma
característica de maior relevância.
No Brasil, a dosagem ideal do coagulante e dos auxiliares eventuais da coagulação
deve ser definida em laboratório, objetivando melhor eficiência e economia. Para isto faz-se
uso do JAR-TEST (Teste do Jarro, Figura 1) como mostra a seguir:

Figura 1 – Jar-Test

O aparelho em questão dispõe geralmente de 05 ou 06 jarros iguais, construídos em


vidro ou acrílico, com capacidade cada de 1 ou 2 litros. Quando se faz o teste, coloca-se em
cada um a mesma quantidade de água a ser tratada, submetendo a mesma velocidade de
rotação, através de motor elétrico.
No teste, cada copo simula a estação de tratamento, utilizando dosagens diferentes que
são aplicadas simultaneamente. Após a conclusão do teste, ou seja, coagulação (mistura
rápida), floculação e decantação, o jarro que apresentar melhor resultado, com menor
quantidade de reagentes, é o que deve ser tomado como parâmetro para projeto e operação
mais eficiente da estação.
A NBR 12216 prescreve que as condições ideais em termos de gradiente de
velocidade, tempo de mistura e concentração do coagulante devem ser determinadas
preferencialmente através dos ensaios de laboratório. Quando esses ensaios não puderem ser
realizados, deve ser observada a seguinte orientação: a dispersão de coagulantes metálicos
hidrolisáveis deve ser feita a gradientes de velocidade compreendidos entre 700 a 1100 s-1 ,
em um tempo de mistura não superior a 5s.
A dispersão de coagulantes ou auxiliares de coagulação deve ser feita obedecendo as
recomendações do fabricante.

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Tempo de detenção e gradiente de velocidade da mistura rápida

A relação entre as vazões de coagulante e afluente à estação torna importante que a


homogeneização do coagulante na massa líquida ocorra com alta turbulência, para evitar que
as espécies hidrolisadas combinem-se mutuamente nos pontos de maior concentração do
coagulante, fenômeno denominado retromistura. Quando tal se sucede haverá maior gasto de
coagulante para se obter a plena desestabilização das partículas coloidais e/ou menor
formação dos flocos. Dessa forma, maior uniformidade do gradiente de velocidade de mistura
rápida (Gmr) na massa líquida é fundamental para o êxito do processo de coagulação.
No Quadro 2 estão apresentadas algumas recomendações referentes aos dois
parâmetros de mistura rápida.

Quadro 2 – Parâmetros recomendados para mistura rápida

UNIDADES DE MISTURA RÁPIDA

Na aplicação dos produtos químicos há dois fenômenos distintos, embora semelhantes,


e complementares: dispersão e mistura. A primeira usualmente efetua-se, em estações de
maior porte, por meio de tubos de PVC perfurados, cortados longitudinalmente ao longo do
eixo, ou para pequenas estações, mangueiras plásticas conectadas a bombas dosadoras. Já a
mistura do coagulante, daí a denominação mistura rápida, apresenta-se em duas alternativas
distintas, por meio da agitação mecânica ou hidráulica, visando à dispersão mais homogênea
possível dos produtos químicos na massa líquida. Embora a escolha do manancial e a
proteção das bacias hidrográficas na qual o mesmo se insere hão de interferir nas
características da água, e consequentemente na potabilização, as unidades de mistura rápida

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constituem-se em última análise na primeira etapa do tratamento propriamente dito para a
quase totalidade das tecnologias aplicáveis.
A mistura rápida pode ser realizada por métodos mecanizados ou hidráulicos. Na
essência, como a própria NBR 12216 enfatiza, qualquer singularidade ou equipamento em
tubulação, canal ou câmara que confira o gradiente de velocidade e o tempo de detenção
recomendados pode ser utilizado como unidade de mistura rápida.
Nas unidades de mistura rápida mecanizadas são empregados agitadores do tipo
turbina ou hélices (Figura 2), nos quais a água bruta aflui à câmara de mistura e o coagulante
é comumente disperso por meio de bombas dosadoras.

Figura 2 – Agitadores tipo turbina e de hélices utilizados para mistura rápida

As unidades de mistura rápida que utilizam a energia hidráulica, tais como vertedores
de seção retangular, são aplicáveis a estações menores. A dispersão do coagulante pode
ocorrer sobre a queda d’água (Figura 3) ou imediatamente a montante do ressalto hidráulico
formato no prolongamento do canal a jusante.

Figura 3 – Vertedor retangular utilizado para mistura rápida

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Utilizado na maioria das estações de tratamento do Brasil, o medidor Parshall foi
desenvolvido no início do século passado, para fins de irrigação e passou a ser empregado
como unidade de mistura rápida. A Figura 4 apresenta um medido Parshall de fibra de vidro e
dosador de coagulante de nível constante, para eventualidade de queda da energia elétrica e
consequente paralisação das bombas dosadoras de sulfato de alumínio. Na Figura 5 são
apresentados exemplos de coagulante e cal sendo despejados na água bruta.

Figura 4 – Vista de medidor Parshall de estação de médio porte

Figura 5 – Exemplos de calha Parshall em funcionamento

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