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SaneamentoAmbiental – 2017

Engenharia Civil – Unifor/MG


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DESINFECÇÃO

A desinfecção constitui-se praticamente na última etapa do tratamento relacionada à


consecução do objetivo de produzir água de consumo isenta de microorganismos patogênicos,
cuja inativação realiza-se por intermédio de agentes físicos e/ou químicos. Pode-se afirmar
que a desinfecção finaliza o processo de potabilização, sucedendo, quando a tecnologia
convencional de tratamento é empregada, as fases de clarificação e filtração. Ainda que nas
demais etapas da potabilização haja redução do número de microorganismos agregados às
partículas suspenas e coloidais removidas nas etapas de decantação e filtração, não consiste
objetivo principal dos demais processos e operações unitárias usuais no tratamento das águas
de abastecimento tal intento. Desta forma, cabe a desinfecção inativar os microorganismos
patogênicos e também os organismos indicadores por ventura presentes nas águas e prevenir o
crescimento microbiológico nas redes de distribuição.
Vale fazer a distinção entre os termos inativação, remoção e esterilização. No primeiro
os microorganismos pela ação do desinfetante tornam-se incapazes de se reproduzir, ou de
transmitir qualquer enfermidade, estando, portanto, inativados. As análises microbiológicas
aferem a capacidade dos coliformes termotolerantes em fermentar a lactose à temperatura de
44,5ºC. A remoção consiste na retirada dos microorganismos da massa líquida, sucedendo nas
mencionadas etapas que precedem a desinfecção. A esterilização consiste no extermínio de
qualquer forma de microorganismo, patogênico ou não, presente na água, passível de ser mais
alcançada, em determinadas circunstâncias, por alguns deseinfetantes utilizados no tratamento
e mais facilmente por meio da fervura ou radiações ionizantes.
A desinfecção de águas destinadas ao consumo humano pode ser realizada
basicamente por dois grupos principais de desinfetantes: agentes químicos e físicos. Os
primeiros constituem elementos ou compostos com potencial de oxidação, incluindo o cloro,
dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio, ácido acético, bromo, iodo, permanganato de
potássio, cloreto de bromo e ozônio. Os agentes físicos, por sua vez, apresentam ação
referenciada à energia de radiação, destacando-se a radiação UV, a radiação gama, radiação
solar e, em nível domiciliar, a fervura. O potencial de oxidação do ozônio é maior do que o do
dióxido de cloro, que é maior que o do cloro, que por sua vez é maior que o Bromo e o Iodo.

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Nos sistemas públicos de abastecimento de água, objetiva-se definir qual processo de
desinfecção deve ser adotado, buscando-se a consecução dos seguintes objetivos:
• máximo desempenho do sistema;
• menor custo global;
• atendimento ao padrão de potabilidade vigente e/ou às condições de segurança
sanitária visando a minimizar os riscos de transmissão de doenças;
• minimização da formação de subprodutos com possíveis efeitos deletérios à saúde
humana;
• máxima eficiência do desinfetante, considerando-se a amplitude de variação possível
das características da água e do tempo de contato, este decorrente das inevitáveis
variações de vazão afluente à estação de tratamento.
Na prática, a dificuldade na consecução de todas as metas conduz a uma
hierarquização destes objetivos face a uma situação específica, estabelecendo balanço no qual
são priorizados alguns objetivos em detrimento de outros. Este balanço realiza-se
considerando aspectos diversos, tais como infraestrutura disponível na região, restrições
socioeconômicas relativas à implantação, operação e manutenção de desinfecção, além das
características da água a ser tratada.
A ação dos desinfetantes físicos e químicos sobre os microorganismos pode ser
basicamente sob três mecanismos diversos: pela ruptura da parede celular, difusão do
desinfetante no interior dos microorganismos e por interferência na reprodução celular.
Quando do emprego de agentes químicos, à exceção do ozônio, a desinfecção
manifesta-se por meio da destruição ou danificação da parede celular e posterior difusão do
desinfetante no interior da célula. Quando do emprego de agentes físicos, ocorre interferência
na biossíntese e reprodução celular, em razão dos danos fotoquímicos causados aos ácidos
nucleicos, coenzimas ou células estruturais.
No tratamento de água os dois tipos preponderantes de mecanismos de desinfecção são
a oxidação e, posterior ruptura da parede celular, e a difusão do desinfetante no interior das
células, com consequente interferência na atividade celular. A eficiência do sistema de
desinfecção, contudo, não depende apenas das características do agente desinfetante, mas de
vários outros fatores, tais como dose e tempo de exposição do agente, tipo e concentração dos
microorganismos, características físicas e químicas da água, entre outros.

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É interessante observar que se a oxidação fosse o único mecanismo responsável pela
desinfecção e, sob este aspecto, se devesse escolher um agente desinfetante, esta escolha seria
prioritariamente baseada na capacidade de oxidação deste agente, ou seja, no maior potencial
de oxidação. De acordo com a Tabela 1, a hierarquização seria ozônio, dióxido de cloro,
cloro, bromo e iodo. Contudo, a seleção do agente desinfetante é mais complexa em virtude
de vários outros fatores. Para a série de halogênios, a ordem de opção baseada na capacidade
de difusão nas células seria iodo, bromo e cloro. Esta ordem é exatamente oposta à ordem
expressa na forma de potencial de oxidação. Isto demonstra que a eficiência de um agente
desinfetante qualquer é dependente de tantos fatores que a maneira mais segura de se avaliar
sua ação, em determinada água, é por meio de ensaios laboratoriais e testes em unidades-
piloto.

Fatores intervenientes na desinfecção

A eficiência da desinfecção consiste na conjunção das características do desinfetante,


da água, do tipo de microorganismo a ser inativado e da instalação na qual o processo
realizar-se-á. em primeira instância, as características intrínsecas de cada desinfetante no que
tange aos mecanismos de ação e às propriedades relacionadas à interação com as
características físicas, químicas e biológicas da água haverão de intervir na eficiência do
processo. Desta forma, desinfetantes com menor potencial de oxidação podem ser
empregados em função das características da água e das instalações.
Com relação às características físicas, a turbidez desempenha papel preponderante na
eficiência da desinfecção, promovendo o denominado efeito-escudo sobre os
microorganismos, protegendo-os da ação do desinfetante físico ou químico. Além da turbidez,
outras características da água interferem na eficiência da desinfecção, especialmente quando
esta se efetua por meio de agentes químicos:
• a presença de matéria orgânica, frequentemente associada à cor verdadeira, aderindo
aos microorganismos e protegendo-os da ação do desinfetante ou reagindo com este
para formar subprodutos;
• a temperatura da água e o pH, especialmente quando do emprego dos compostos de
cloro como desinfetante.

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As características da instalação influenciam na eficiência em função do tempo de
contato, da dosagem aplicada e da homogeneidade da dispersão do desinfetante na massa
líquida. A Portaria 518 recomenda tempo mínimo de detenção de 30 minutos objetivando
maximizar a eficiência do processo e, em relação às características da água para a desinfecção
com compostos de cloro, pH inferior a 8.
Pode-se afirmar que as etapas do tratamento que precedem a desinfecção objetivam
otimizar a eficiência deste processo ao remover a matéria orgânica e as partículas suspensas e
dissolvidas presentes nas águas naturais, cuja presença reduziria o grau de inativação dos
microorganismos. As etapas de decantação e filtração acabam por reduzir a concentração de
microorganismos presentes e por otimizar a desinfecção. Na Figura 1 apresenta-se progressiva
redução de coliformes totais no decorrer do processo de potabilização verificada em três
estações de médio porte. Nota-se que para a ETA 3 a desinfecção prestar-se-ia tão somente
conferir concentração residual na rede de distribuição.

Figura 1 – Progressiva redução de coliformes totais ao longo do tratamento

Desinfecção com compostos de cloro

Por ser o desinfetante que atende praticamente a todos os critérios anteriormente


listados, o cloro, sob diversas formas, tornou-se o agente químico desinfetante mais difundido
no tratamento de águas de abastecimento. Essa supremacia tem favorecido a identificação do
processo de desinfecção com a cloração. Além de um amplo espectro de ação germicida, o
cloro tem a característica ímpar de formar compostos que permanecem na água,

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proporcionando residual desinfetante ativo e, com isso, permitindo que haja inativação de
microorganismos, após o ponto de aplicação, seja ao longo das tubulações da rede de
distribuição ou mesmo nos reservatórios domiciliares dos pontos de consumo.
O objetivo principal do uso do cloro em sistemas de abastecimento de água é a
desinfecção. Contudo, devido ao seu alto poder oxidante, sua aplicação nos processos de
tratamento tem servido a propósitos diversos como controle de sabor e odor, prevenção de
crescimento de algas, remoção de ferro e manganês, remoção de cor e controle do
desenvolvimento de biofilmes em tubulações. Destes usos para o cloro, destaca-se a oxidação
do ferro e manganês, prática comum em diversas estações brasileiras, em particular na região
do Quadrilátero Ferrífero no estado de Minas Gerais.
Para fins de tratamento de água o cloro pode ser empregado na forma gasosa (Cl2) ou
em solução aquosa como hipoclorito de cálcio (Ca(OCl)2), ou de sódio (NaOCl). O gás cloro
constitui-se na alternativa empregada praticamente na totalidade dos sistemas de maior porte e
em expressiva parcela das médias e pequenas unidades do país. Em função da elevada
densidade, este gás, quando submetido a pressões superiores à pressão de vapor, condensa-se
em líquido, reduzindo seu volume em aproximadamente 45 vezes. Desta forma, vem
acondicionado em cilindros de 45 kg até 900 kg.
Com a supremacia do uso do cloro gasoso nos sistemas de maior porte, o hipoclorito
de cálcio e de sódio passaram a ser mais utilizados em sistemas de pequeno porte, em
embarcações, hotéis, piscinas e clubes de campo. O hipoclorito de cálcio é fornecido na forma
sólida como precipitado resultante da dissolução do cloro gasoso em solução de cal e
hidróxido de sódio.
O cloro quando apresentado na forma sólida tem sido utilizado em dispositivos
alternativos para desinfecção, clorador de pastilha e por difusão, direcionados a um sistema de
abastecimento de pequeno porte que captam predominantemente água subterrânea. Os
cloradores de pastilha são construídos em PVC e as pastilhas colocadas entre espaçadores de
mesmo material aptas a conferir cloro residual por meio do fenômeno de progressiva abrasão
da água em escoamento (Figura 2).

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Figura 2 – Cloradores de água por pastilha de cloro


Com alguma frequência o clorador de pastilha é instalado contíguo ao reservatório do
sistema, conforme mostra a Figura 3, que acaba por prestar também para conferir o tempo de
contato necessário à desinfecção.

Figura 3 – Clorador de partículas instalado junto ao reservatório de distribuição de água

O clorador por difusão consiste basicamente de um recipiente com perfurações, que se


completa com mistura de areia e hipoclorito de cálcio, inserido no interior do poço freático
(Figura 4).
Ambos dispositivos apresentam facilidade de instalação e operação, mas também o
inconveniente de produzir, dependendo da magnitude da vazão aduzida, água com elevada
concentração de cloro residual.

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Figura 4 – Clorador por difusão utilizado para desinfecção de águas subterrâneas

O hipoclorito de sódio é disponibilizado na forma líquida em concentrações de 10 a 16


% e comumente empregado em estações de médio porte. Apesar de ser fornecido na forma
líquida, o que encarece os custos de armazenamento e transporte, o hipoclorito de sódio é
mais utilizado que o hipoclorito de cálcio, devido, principalmente, pela maior facilidade do
manuseio e menores problemas de manutenção nos cloradores.

Desinfetantes alternativos ao cloro

As restrições ao uso indiscriminado do cloro como desinfetante concorrem para o


recrudescimento do emprego de desinfetantes alternativos como amônia, ozônio, radiações
UV, peróxido de hidrogênio, dióxido de cloro, entre outros. Estas restrições centram-se,
principalmente, na geração de subprodutos e na maior resistência de alguns patogênicos à
ação deste desinfetante. Como alternativa, diversos sistemas têm utilizado o cloro associado a
outro desinfetante. Desta forma, reduz-se significativamente a dosagem deste gás que passa a
assumir fundamentalmente a função de conferir o residual, minimizando a formação de
subprodutos e assegurando a qualidade microbiológica da água tratada.
Aos compostos químicos listados, insere-se o permanganato de potássio (KMnO4) por
vezes utilizado na redução da cor verdadeira, ferro, manganês, arsênio e compostos passíveis
de conferir sabor e odor às águas. Da mesma forma que para o ozônio e radiação ultra violeta,
há necessidade da posterior aplicação de cloro para conferir concentração residual na rede de
distribuição.

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O dióxido de cloro não integra o grupo dos compostos de cloro que ao se hidrolisarem
formam o ácido hipocloroso. Ele constitui o desinfetante extensivamente utilizado na
indústria de papel e celulose para o branqueamento da polpa, pela eficiência e por não gerar
compostos trihalometanos. Ele apresenta alta solubilidade em água, elevado potencial de
oxidação e bons resultados na inativação de patogênicos mais resistentes, como os
protozoários. Sua eficiência é pouco afetada quando o pH apresenta-se na faixa de 6 a 10,
além de não reagir com nitrogênio amoniacal e não romper as ligações entre os átomos de
carbono integrantes da matéria orgânica, condição vital para formação de trihalometanos. As
limitações ao emprego do dióxido de cloro referem-se essencialmente ao significativo maior
custo comparado ao cloro, restringindo seu espectro de aplicação aos sistemas de maior porte.
As cloroaminas, em razão do menor poder desinfetante quando comparadas ao cloro
gasoso, comumente são utilizadas em situações nas quais já se tem assegurada a qualidade
microbiológica da água, quer pela associação com outro desinfetante, quer pelo desempenho
das etapas anteriores, e objetiva conferir o residual na rede de distribuição, minimizando o
recrescimento microbiológico e a formação de thihalometanos. A utilização de cloroaminas
pode favorecer o processo de nitrificação no interior dos reservatórios do sistema de
abastecimento. Outro inconveniente é que o residual de cloroamina não é removido nas
membranas de osmose inversa dos equipamentos de hemodiálise e, mesmo a baixas
concentrações, apresenta significativa toxicidade para criações de peixes.
O ozônio é um gás instável, consistindo de três átomos de oxigênio, formado quando
moléculas de oxigênio (O2) são separadas e reagrupadas em O3. Na natureza o ozônio forma-
se por meio da quebra de molécula de O2, sob a ação da radiação UV da luz solar ou pela
descarga elétrica de raios ou relâmpagos. Constitui-se no agente químico mais eficiente em
termos de inativação de microorganismos e na oxidação de compostos orgânicos. Como os
demais desinfetantes atua fundamentalmente na ruptura da parede celular dos
microorganismos, mas diferentemente do cloro, não ocorre a difusão no interior da célula. A
ozonização como etapa de pré-oxidação pode ter os seguintes objetivos:
• remoção ou redução da matéria orgânica precursora da formação de trihalometanos;
• remoção de compostos fenólicos e outras substâncias passíveis de conferir odor e
sabor às águas de consumo;
• remoção de compostos inorgânicos combinados com matéria orgânica, tais como
ferro, manganês, sulfitos e nitritos.

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Todavia, o ozônio apresenta baixa solubilidade e praticamente inobservância residual.
Adicionalmente, a desinfecção de águas, com distintos teores de matéria orgânica, favorece a
formação de trihalometanos, ainda que em menores concentrações quando comparado ao
emprego do cloro e de outros desinfetantes.
Dos agentes físicos utilizados na desinfecção de águas de abastecimento, a radiação
UV apresenta aplicação mais extensiva. O emprego mais usual da radiação tem ocorrido em
sistemas de esterilização. No tratamento de águas para consumo humano é grande sua
utilização em navios de passageiros e em sistemas de aproveitamento da radiação UV
proveniente da luz solar. Os efeitos deletérios mais importantes da radiação UV ocorrem em
nível de DNA, especialmente junto às chamadas bases pirimídicas e junto às ligações
dissulfeto presentes nos complexos proteicos e enzimáticos, reações fundamentais no
processo de interrupção do ciclo biogeoquímico, o que leva à morte celular.
Vários fatores intervenientes na desinfecção por agentes químicos, também o são para
radiação UV. As características da água, o tipo e concentração de microorganismos e as
distintas configurações do sistema de desinfecção são as principais. Como vantagens cita-se
os baixíssimos tempos de contato, normalmente inferiores a 10 segundos, é uma das
principais, além da eficiência para ampla gama de microorganismos e a simplicidade e o
baixo custo de operação e manutenção.

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